rojas; irina agostário-a poesia entre o poema e o video
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INTRODUÇÃO
Este trabalho é um relatório sobre a elaboração e produção de um vídeo a
partir de um poema de minha própria autoria, cujo título é “Agostário”. O texto está
dividido em quatro capítulos: o primeiro que trata da poesia como arte expressa
por meio de múltiplas linguagens; o segundo que aborda a tradução intersemiótica
e descreve os processos de transcrição realizados; o terceiro que apresenta o
produto audiovisual, e o quarto que é uma relato desse produto.
Em síntese, há uma reflexão sobre a poesia, uma descrição dos processos
de transcrição da arte literária para o audiovisual, passando pela transcrição do
texto literário para o texto visual e sua relação com o texto sonoro e, por fim, a
apresentação e relato do produto audiovisual, que recebeu o mesmo título do
poema original, ou seja, “Agostário”.
Do ponto de vista teórico, o problema que se apresentou para a realização
deste trabalho foi considerar as possibilidades de transcrição de um texto poético-
literário para um texto poético-audiovisual. A hipótese que sustentou o seu
desenvolvimento, desde o início, considerou a existência dessas possibilidades,
porque já existia o trabalho de pesquisa desenvolvido por Júlio Plaza (2003),
dando continuidade a estudos anteriores sobre tradução intersemiótica.
Do ponto de vista prático, o problema foi produzir e reunir imagens e sons,
compondo-os de modo que pudessem recriar o conteúdo e os sentimentos
propostos pelo poema escrito. Assim, foi preciso buscar e utilizar recursos
técnicos para o registro, produção e edição de imagens e sons, organizando esses
produtos em linguagem audiovisual capaz de expressar os valores do poema.
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No primeiro capítulo, a poesia é apresentada como um sinônimo de arte,
que se expressa em diversas linguagens e não apenas como uma parte da
literatura.O termo poético é destacado neste texto para indicar como a poesia está
inserida em diversas formas de arte.
Há que se demonstrar como dois estilos de arte podem estabelecer uma
semelhança com relação ao conteúdo e, ao mesmo tempo, expressarem
semelhanças poéticas. Assim, pode-se justificar a transcrição de uma poesia
literária em uma poesia audiovisual, desde que se estabeleça a tradução
necessária para que se conserve a mesma substância poética.
Além de abordar a transcrição dentro das artes, no primeiro capítulo,
pretendo também exibir parte do que já foi feito nessa área, apresentando um
breve histórico, a partir da origem dessa teoria dentro do Movimento Concretista,
em meados do século XX, promovendo uma nova visão sobre arte. Justificando
então os desafios a que este trabalho se submete pela abordagem teórica
pesquisada e comprovada.
No segundo capítulo há uma breve demonstração de parte da teoria da
tradução intersemiótica, apontando sua origem e sua causa de existência.
Apresentando a idéia principal do trabalho e uma breve descrição metodológica,
este capítulo pontua claramente aonde este trabalho quer chegar e a que veio.
Neste decorrer há citações do que seria a tradução intersemiótica na prática. Uma
breve classificação da tipologia das traduções e seus conceitos, além da
determinação do tipo de tradução que o trabalho em questão veio a ser.
O terceiro capítulo é uma descrição técnica e metodológica do vídeo
originado do poema. É demonstrado que a estória que o vídeo conta não é a
mesma da ordem do poema, sendo assim um poema modulado em relação ao
vídeo. Apontado como vídeo experimental e descrito como tal, ele é separado das
classes de vídeopoesia e vídeo arte. Por sua própria composição e valor dentro da
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mídia artística. Existe então uma reafirmação do termo multimídia pela própria
descrição de como foi feito e montado o vídeo em questão, além do surgimento de
uma denominação teórica deste: poesia visual.
O relato da tradução entre o poema original e o vídeo conseqüente é o que
se encontra no capítulo quatro. Cada uma das partes do poema sendo relacionada
com as cenas do vídeo e as explicações das cenas com os efeitos aplicados. Há
todo um cenário criado entre fotografias, imagens criadas e cenas filmadas e
editadas para que tal sentido fosse dado ao vídeo. O tema inspirador de ambos os
trabalhos é explicitado de forma a tornar mais fácil a compreensão dos porquês.
Nas considerações finais verifica-se a importância do trabalho como
produto artístico e com a sociedade. A semiótica como um meio alternativo de
entender o mundo e de gerar de idéias.
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Capítulo I
A POESIA MODERNA
Através dos séculos e dos estilos de cultura, o conceito e os limites da poesia têm constituído um problema permanente, glosado e discutido por grande número de especialistas em questões literárias e estéticas. Várias soluções foram apresentadas, cada qual com sua parcela de verdade, mas nenhuma alcançou aceitação integral e definitiva.
(Massaud Moisés)
1.1 – A POESIA COMO ARTE EXPRESSA EM MÚLTIPLAS LINGUAGENS.
A poesia, desde o tempo em que era apenas uma parte da literatura
sempre foi utilizada para expressar sentimentos. Mas isso não constitui sua
característica principal, ou mesmo sua definição. Desde o tempo de Aristóteles
tenta-se dar a poesia um conceito, ou algo que o valha, e isto vem se tornando
muito difícil cada vez mais. Talvez a poesia seja mesmo “o núcleo residual e
essente de toda manifestação artística” (Moisés, 1971: 47) como a formularam os
estudiosos alemães, ela estaria presente na Música, na Literatura, na Pintura, na
Escultura, na Arquitetura e até mesmo na Coreografia. Mas a verdade é que,
mesmo que a poesia seja tudo o que inspira uma obra de arte, seja qual for o
gênero dela, o cerne da questão ainda se encontra no conteúdo. Ou seja, é
evidente que é possível identificar o conteúdo de uma obra de arte, mas poderiam
ser equivalentes os conteúdos para duas obras distintas? Visto que um texto em
prosa pode ser poético, tal qual uma escultura. A palavra poético como
classificação para trabalhos artísticos já simboliza a idéia que tento defender.
É importante que o leitor deste trabalho saiba diferenciar poesia de poema.
Poderia dizer que poesia é tudo o que havia dentro do poeta antes que este
compusesse o poema. O poema se classifica como um conjunto de metáforas que
representam ou não uma situação. O poema não tem um compromisso com o real
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e com a seqüência dos fatos, mas com sua substância de ambigüidade (Ex: A
perna da mesa quebrou). Entenda-se por ambíguo a proposta de demonstrar ao
leitor do poema uma construção de frase “capaz de dizer sem dizer, de sugerir
mais que transmitir, em decorrência da natureza polivalente e indiscriminada da
vivência interior” (ibid: 50). É isso que constitui a metáfora, através do simbolismo
do ambíguo. A poesia, por sua vez, se caracteriza por toda a emoção com que o
poeta compõe o poema, ela é o próprio ideal do poema. A linguagem da poesia é
essencialmente conotativa, e, quando posta no papel, pronta para ser lida como
poema (por exemplo), a poesia é encerrada por um registro do que foi um dia
enquanto dentro da mente do poeta, ou do escultor, ou do pintor, ou até mesmo
do coreógrafo.
Neste momento do texto vamos nos ater mais a poesia como poema, vimos
que em conceito ela já era substância de outros estilos de arte, mas a partir de
que ponto o poema inicia sua trajetória de se equivaler à poesia? Por exemplo, a
partir de que ponto um poema foi o gerador e a base de inspiração para outros
trabalhos e realmente ser algo mais que apenas palavras e caligrafia num papel?
Afinal, se o poema simboliza um dos tipos de registros da poesia, por que este
não poderia se reinventar e utilizar outros suportes além dos já citados? Em que
momento da História a poesia começa mesmo a ser vista como linguagem para
outras manifestações artísticas conscientes de seu conteúdo? É necessário
lembrar que o poema deixou de ser uma aproximação do homem com a natureza
e consigo mesmo para ser a expressão individual de revolta contra o caráter
desumano e pouco solidário de seu tempo como nos diz Paixão (1984: 21-2). Esta
é, basicamente a diferença do poema clássico em relação ao moderno.
1.2 – UM FILHO DO MODERNISMO, O CONCRETISMO.
O período modernista, que teve seu início na semana de 22, foi a “válvula
de escape” para estilos que se interessavam mais por causas sociais e
antropológicas, tentando criar uma cultura propriamente artística, e fazer da
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poesia algo independente da literatura de uma vez por todas e conscientemente,
visto que essa não atende a todas as possibilidades que a primeira pode atingir.
Há uma intensificação dos traços deste período no Movimento da Poesia
Concreta. O Concretismo, definido por ser o primeiro movimento ocorrido tanto
aqui quanto nos países europeus, conciliou muitos valores que foram inovadores
para o até então conceito tradicional de poema. Entendia-se sempre por poema
algo escrito, mudo e estático. E é nesse sentido que quando os principais autores
do concretismo (itaucultural), Décio Pignatari, Augusto de Campos e Haroldo de
Campos provocam uma reflexão artística quanto ao papel do poema na arte e na
vida dos leitores, pois sugerem um estilo em que os poetas utilizem recursos da
fase heróica do Modernismo (simbolizada pela Semana de 22), como a concisão
dos versos de Oswald, e que se oponham às formas tradicionais do verso, é
quando também se opõem ao poema lírico, subjetivo e discursivo, de modo geral.
Muito embora o poema já estivesse sendo visualizado de forma diferente,
seus suportes tivessem sido parcamente explorados (poema-embalagem,
poemas-código, poemóbiles, etc1) o desenvolvimento do rádio, do cinema mudo e
da TV também auxiliaram na invenção de outros suportes para este poema.
Portanto, mesmo após a fase mais radical do concretismo, o poema ainda tinha
uma imagem gutenbergiana (Machado, 2000: 209-10), ou seja, necessitava estar
em papel impresso. É certo que utilizavam recursos visuais especiais como fontes
diferentes, espaços gráficos, cores, colagens de materiais diversos, tamanhos
irregulares, flip books.(espécie de livro que, a cada página que se vira, a palavra
ou frase vai recebendo um tratamento de zoom de câmera fotográfica,
aproximando-se ou distanciando-se por meio de uma forma retangular em
recorte), e também os efeitos da holopoesia (que como o próprio nome diz, trata
de uma poesia holográfica, onde as palavras são dispostas de uma maneira que
1 Poema-embalagem e poemóbiles: Criações de Augusto de Campos, um se preocupa com a
ordem sintática do texto e sua perfeição gramatical, sem deixar de lado o conceito do que é ser um poema concreto, ou seja, algo único e de acabamento visual sofisticado. O outro, que também teve a autoria de Julio Plaza, foi disposto em um livro que lançou onde os poemas estavam em móbiles que se podia destacar e montar. Poemas-código: Criações de Décio Pignatari, onde os poemas reclamavam por uma compreensão não-verbal, eram uma forma de comunicação visual universal. Faziam parte do conceito dos poemas-semióticos: Experimentações do concretismo. (itaucultural)
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conforme a posição do leitor este pode ler uma palavra da poesia e assim
compreender seu sentido). Mas ainda não tinha sido explorado o seu conceito de
movimento (ibid).
1.3 – MOVIMENTO: ATRIBUTO DE DESLOCAR-SE FISICAMENTE.
O movimento, simplesmente, é uma palavra muito vaga para tratar de um
conceito poético como este que estou abordando. Pois, o próprio ritmo do poema
caracteriza um tipo de movimento, contudo este tipo a que estou me referindo é o
caso do movimento do poema em si. Isso foi somente alcançado, em meados dos
anos 80, com o gerador de caracteres e o sistema de videopoema. Ambos
conduziam as palavras ao movimento, o primeiro foi uma máquina inventada para
animar as palavras e é profundamente usado na televisão para inserir títulos,
legendas e créditos dos programas; já o segundo foi uma espécie de duplo uso do
microcomputador e do telefone, onde é possível haver uma real interatividade:
“Ele pode conduzir os sentidos das palavras, trazendo alterações sobre o
resultado final de mensagens poéticas. Amplia a noção de tempo dos vocábulos e
quebra a linearidade da leitura, revelando os textos segundo a programação do
autor” (Garcia).
Enfim o poema começava sua trajetória de movimento, dentro de sua
poética. Após a invenção desses meios tecnológicos, ela evolui com muita
velocidade para a animação feita diretamente em microcomputador, isso ocorreu
depois que o poeta português Melo e Castro (integrante do grupo PO.EX, de
poetas concretistas) foi o pioneiro a criar vídeopoemas nesta máquina de gerador
de caracteres (Machado, 2000: 212-213). Daí em diante, houve uma avalanche de
poemas que se movimentavam. Houve a honrosa e primeira mostra de
vídeopoemas, organizada por Julio Plaza em São Paulo no ano de 1982 e depois
desta, várias outras, inclusive a segunda, que participou da XVII Bienal de São
Paulo. E quando, em 1993, Arnaldo Antunes (vide bibliografia) decidiu lançar
comercialmente sua coletânea de vídeopoemas intitulada “Nome” foi o verdadeiro
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boom da poesia. Pois foram feitos sem o uso do recurso do videotexto, em uma
miscelânea de cenas capturadas em câmera de vídeo, animação de
microcomputador, montagens de fotografias e desenhos, e ainda com a inserção
de textos sobre os quais os poemas musico-visuais tinham relação direta. O que
também coincidiu com a nova visão da sociedade e do mercado de consumo
sobre o artista atual, como o define bem Pichio (apud: itaucultural):
Da justaposição de experiências literárias distintas e contraditórias, emerge o significado que tem, para as novas gerações, o termo "moderno", ou melhor, "contemporâneo". Que não está nos conteúdos, mas no modo pelos quais esses conteúdos se enfrentam. Nesse plano, não há mais fratura ideológica entre o poeta concretista que trabalha, aparentemente por puro hedonismo, o seu material lingüístico, o artista pós-informal, o poeta folk, o cineasta psicólogo de indivíduos e da sociedade, o crítico estruturalista e o escritor comprometido. Porque todos exercem uma atividade crítica, de denúncia, desmistificatória, sobre o material que examinam: seja essa palavra dado histórico, fato social, acontecimento político.
1.4 – O POEMA MODERNO “AGOSTÁRIO”.
O poema que é objeto deste estudo, “Agostário”, é apresentado aqui então
como moderno. Tanto por se tratar de um tema característico da sociedade, como
por não conter as características do poema clássico em sua grafia e forma de
organização. Moderno não porque se encaixa dentro do movimento Modernista,
mas porque preza por uma liberdade que só foi estabelecida a partir deste
período. Ou seja, este é um poema que não se identifica completamente com
algum movimento literário, e que por isso mesmo pode ser dito Moderno.
Começando pelo nome “Agostário”, que é um neologismo derivado da palavra
binário, significa “épocas de agosto” porque este poema foi escrito tomando como
base vários meses de agosto. Ele expressou, por muitos anos meus sentimentos
em relação ao mês. E cada frase nele simboliza uma situação que vivi. Além
disso, desde a época em que o fiz havia pensado em dar a ele um novo
tratamento. Pensei em reinventá-lo de alguma forma, torná-lo mais expressivo do
sentido e da sensação que tem a intenção de provocar. Pois, apesar de se tratar
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de uma obra poética, também, comunica em alguns de seus versos a denúncia
social, o que pode ser evidenciado pela leitura do poema que é apresentado a
seguir:
Agostário
Crianças choram e destroem
suas vidas e seus escrúpulos
Pessoas conflitantemente morrem
como o vento ameno e suspirado
amarelamente cinza
faz-se o tempo
Temos o quanto possível
dos dias que nos restam
aglomerados de cadáveres
isolam-se conjuntamente
Na desigualdade imparcial
desta ignóbil subsistência
O sol dilacerante
destes dias de sangue...
Coisas esfarelantes
e sua sequidão mórbida
(Rojas, 1998)
O artista e, mais especificamente, o poeta se encontra hoje diante das
possibilidades da tecnologia digital, provavelmente, escreve seus poemas
diretamente no microcomputador. E por que não? Se nosso envolvimento com
essa mídia é constante na atualidade, por que não utilizá-la para a poesia? Por
fim, se o poético transcende e transita além do literário, por que não compor
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poesia audiovisual? Por que não pensar o audiovisual como arte? Por que não
produzir e apresentar um vídeo multimídia?
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Capítulo II
A TRADUÇÃO INTERSEMIÓTICA
A Tradução Intersemiótica ou ‘transmutação’ foi por ele (Roman Jakobson) definida como sendo aquele tipo de tradução que ‘consiste na interpretação dos signos verbais por meios não-verbais’, ou ‘de um sistema de signos para outro, por exemplo, da arte verbal para a música, a dança, o cinema ou a pintura’, ou vice-versa, poderíamos acrescentar.
(Plaza, em Ao Leitor,2003 :5)
Este tema é importante porque indicou a viabilidade deste trabalho, que
propõe a tradução intersemiótica de um poema em um vídeo. A idéia consistiu em
combinar a forte carga sinestésica que o poema pode ter (considerando-se as
imagens que evoca, provocando emoções em quem o lê), com a arte que jamais
lidou com tanta sinestesia quanto o vídeo. A idéia também consistiu em recompor
com imagens e sons a carga expressiva propostas pelas palavras do poema, além
de considerar a devida semelhança entre o conteúdo que é comunicado pelas
palavras e o conteúdo representado no audiovisual. Ou seja, a forma de
expressão mudou, mas seu conteúdo foi salvo em seus conformes, tornando
possível que se veja alguma semelhança entre um e outro. Tendo seu conteúdo
como o ponteiro que mostra o caminho a seguir, porém não necessariamente sua
ordem descrita.
O critério utilizado foi o de semelhança entre as imagens que o poema quer
suscitar, de uma forma subjetiva e metafórica, por imagens transcriadas de
maneira à “tornar visível” o tema do poema. A composição formal que interliga
imagens e sons deve também expressar sentimentos similares aos suscitados
pela composição, expressão e significação das palavras nos versos e no poema.
Para tanto, apresento a seguir parte da teoria da tradução intersemiótica que
orientou a realização deste trabalho.
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Baseando-se no fato de que a teoria da tradução intersemiótica tem alicerces
na teoria da Semiótica proposta por Charles Sander Peirce, e que por isso mesmo
é explicada através de signos, o que torna menos complicado comunicar a
expressão – cuja é conhecida por ser de natureza puramente subjetiva. Dado que
dentro das linguagens artísticas sempre houve um indício de comunicação, mas
que não era notado por inteiro pelo fato de que tudo sempre foi - na História da
Arte – bem seccionado e finalizado. Não havia obra incompleta dentro das
classificações artísticas. Ou tratava-se de arquitetura ou de escultura. Isso, de
certo modo, fez com que a possibilidade de comunicação entre uma linguagem e
outra não fosse vista e, com isso, a tradução como possibilidade artística jamais
havia sido imaginada até o séc. XX.
E é disso que a tradução intersemiótica trata, de comunicação entre duas
ou mais linguagens. De uma transferência entre as áreas artísticas, ou uma área
de transferência entre as artes. Plaza (2003) foi quem fez um estudo teórico sobre
isso, acompanhado de uma série de exemplos práticos. Em seu livro Tradução
Intersemiótica existe uma parte chamada Oficina de Signos: Traduções
Intersemióticas e Leituras em que o autor toma como base diversos poemas e os
transcreve de acordo com seu entendimento, mas mesmo assim, respeitando o
tema principal do poema e utilizando dos conceitos trazidos da semiótica
peirciana, demonstrando assim a possibilidade da tradução como artística;
apresentando o artista como um ser multimídia. Propondo que o artista não
precisa de uma esfera específica para atuar e interagir.
Há também uma leitura do filme O Encouraçado Potemkin de Serguei
Eisenstein (1929) como uma tradução e “montagem como escrita cultural”
(Eisenstein, apud id ibid: 135). Onde esta montagem abrange “a idéia de
intertextualidade e intersemiose, na medida em que múltiplos códigos colaboram
com o código fílmico: a pintura, a geometria, o gestual, o teatro Kabuki, a estampa
japonesa (...)” (ibidem) e também abrange a questão da inter-relação entre as
linguagens, vistos forma e o conteúdo como um só em seu meio de composição.
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Como outro exemplo prático de tradução intersemiótica, também cito aqui o
espetáculo “Silêncio”, que une dança e poesia num mesmo palco, e que foi criado
por Isabel Marques e Fábio Brazil e comentado por Eduardo Carvalho (Agência
Carta Maior, 2004). As citações abaixo são parte das entrevistas de Fabio Brazil e
Isabel Marques (ibid):
A "tradução intersemiótica" é um conceito criado por Roman Jakobson e, entre nós, desenvolvido por Julio Plaza. Consiste na transcriação de significações entre sistemas de signos diferentes, ou seja, é o estudo da possibilidade de recriar, por exemplo, um poema (construído por signos verbais) em dança (construída por signos não-verbais). A tradução intersemiótica é um estudo de equivalências e diferenças entre os diversos sistemas de signos e suas possibilidades de significar, conduz, diretamente, às estruturas das linguagens envolvidas e não somente aos seus conteúdos semânticos. O "poema-cênico" - como temos chamado o resultado do trabalho de tradução intersemiótica envolvendo a poesia e a dança - é o resultado cênico dessa articulação entre as duas linguagens e suas possibilidades de construção e criação. (Fábio Brazil) Nossa busca é fugir tanto da mímica quanto das representações aéreas e "viajantes" da palavra em cena que só fazem sentido para quem dança. Com estas relações entre a poesia e a dança, a partir das estruturas da linguagem, tanto uma como a outra são relidas e retomadas, ganhando um peso diferenciado. (Isabel Marques)
Sendo assim, surgiram os fenômenos de Intermídia e Multimídia (e também
os de colagem, montagem, interferência, apropriação, integração, fusão etc), que
não se definem como intersemióticos por não conterem a intenção explícita de
tradução, mas contêm as relações necessárias para tal e em uma ordem
cronológica antecedem o fenômeno de tradução intersemiótica. Intermídia pode
ser entendida por vários sistemas integrados ao mesmo tempo, utilizando o
esforço de várias pessoas, é um suporte pluralizado. Como exemplo disso temos
o - mais uma vez citado – videotexto que como nos diz Plaza (2003: 65) “este é
produto da síntese do computador, vídeo doméstico e da cablagem telefônica que
permite mostrar textos e imagens usando a telemática (informática + redes de
comunicação)”. Já Multimídia é uma combinação de dois ou mais canais
comunicativos; uma montagem de vários meios; uma superposição de várias
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tecnologias sem que esta soma – contudo – resulte em uma outra tecnologia
hibridizada. Como seu exemplo podemos citar o vídeo-arte, técnica fílmica em que
a composição aglutina cenas capturadas em vídeo, fotografias, colagens de outros
filmes ou animações, desenhos, e o que melhor conduzir a idéia do autor. Vê-se
então que, apesar de utilizar vários canais de comunicação, o meio não deixa de
ser o do vídeo.
Por outro lado, cumpre notar que o enraizamento genético de uma possível teoria da TI encontra-se na Teoria da Poesia Concreta. A Poesia Concreta, tomando a palavra como centro imantado de uma série de relações inter e intra-semióticas, parece conter o gérmen de uma teoria da TI, pois que, ao definir as linguagens do intraduzível de seu objeto imediato, na linguagem verbal, este se satura no seu Oriente – o ideograma: trânsito de estruturas. ‘Poesia Concreta: produto de uma evolução crítica de formas.’ (id ibid: 12)
O – mais uma vez citado – Movimento da Poesia Concreta parece mesmo ter
captado a essência da manifestação da tradução intersemiótica. Um pouco porque
seus autores, quase em totalidade, se aventuraram à tradução poética como
maneira de compreender a suposta intraduzibilidade do poema. Para
compreender literalmente as diferenças de uma língua no sentido de que, quando
se traduz, as mensagens de uma língua são substituídas por outra mensagem, em
outra língua e em outro código (Jakobson, apud id ibid: 72). Existe então uma
troca de códigos em bloco maciço, duas mensagens e o mesmo conteúdo poético;
equivalente a um discurso indireto. O que é similar ao modo como acontece a
tradução intersemiótica.
Por conseqüência, existem então três formas de tradução intersemiótica, a
indicial, a icônica e a simbólica. E como nos diria o próprio autor (id ibid: 89), “São
tipos de referência, algumas vezes simultâneos em uma mesma tradução, que,
por si mesmos, não substituem, mas apenas instrumentalizam o exame das
traduções reais”.
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Icônica: Nesta espécie enfrenta-se o intraduzível do Objeto Imediato2, é uma obra
onde é difícil distinguir o igual do parecido pela similaridade de estrutura existente.
Este tipo de tradução tende a aumentar a taxa de informação estética e a não
seguir ordeiramente seu original. Produz significado sob forma de sensações
análogas nas qualidades materiais valorizando a substância e o lado estético.
Trata-se de uma transcriação.
Indicial: Esta possui uma estrutura transitiva, em que há uma continuidade entre o
original e a tradução. Seu objeto imediato é adequado para outro meio, o qual tem
um valor semântico e informativo na mesma proporção. É possível traduzir parte
ou todo o original, sendo que neste tipo é o signo que se adapta ao outro meio.
Trata-se, portanto de uma transposição.
Simbólica: Uma espécie das mais simples, sem muita carga emotiva. Constituída
de metáforas, símbolos e outros signos unidos convencionalmente. A
característica principal desta tradução é eludir os aspectos do objeto imediato,
evidenciando sua essência e reforçando a referência simbólica. É um trabalho de
significados predominantemente lógicos, intelectuais e abstratos. É uma
transcodificação.
Então, este trabalho se propõe a ser uma tradução icônica, na forma de um
vídeo multimídia. Pois, baseando-se nas descrições acima, tem uma estrutura
similar devido às suas semelhanças de conteúdo e semelhanças poéticas, o que
valoriza em dobro a parte estética da transcriação. O vídeo não obteve
classificação, pois ainda é obscuro e incerto afirmar um nome, sendo que não é
um vídeopoema e também não é um vídeo-arte. Pode ser dito um poema visual.
O que será amplamente discutido no próximo capítulo.
2 Conceito explanado ao longo do livro por Plaza, como sendo um dos objetos referentes ao signo;
o objeto imediato , “antes de apontar para o objeto que está fora do signo” (representado), aponta para “as qualidades do meio e do código como extensões dos sentidos nos quais ele se consubstancia”. Em outras palavras, a primeira impressão que tivermos de um signo, este será o seu objeto imediato.
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Capítulo III
O VÍDEO EXPERIMENTAL “AGOSTÁRIO”
Por vídeo experimental entende-se o alternativo e o autoral, a partir da busca experimental e da ruptura com as formas do espetáculo. Esta idéia conceitua o alcance "admirável" da criação artística audiovisual, que, em alguns casos, se torna transcendente. A fórmula mídias + obra + arte + experimental + independente continua tendo valor subversivo num mundo dominado pelo alheamento e leis provenientes de instituições públicas e corporações privadas decadentes.
(Jorge La Ferla, itaucultural, 2004)
Desde o momento em que pensei na possibilidade da transcriação do poema
homônimo, comecei a elaborar uma forma em que os sentimentos expressos em
papel pudessem ser retransmitidos de outra maneira, mas que esta privilegiasse a
questão poética do poema. Que não diminuísse sua forte carga sinestésica, e
talvez tornasse mais concreta a imaginação sugerida enquanto na leitura dele.
Talvez também que fornecesse uma possível leitura do poema, do ponto de vista
mais aproximado da idéia no momento de sua criação, ou seja, minha própria
leitura sobre ele.
Este vídeo foi composto em ordem acronológica em relação ao poema, mas
seguindo uma cronologia em relação ao vídeo em si. E isto para que as imagens
fossem levadas mais pelo sentido dramático e emotivo que o referente a cada
parte por ordem do poema. A ordem do vídeo conta uma estória de crianças que
presenciaram óticas profanosas, na medida que algumas destas óticas são
mostradas ao decorrer do vídeo como fotografias e algumas frases. São crianças
que estão numa situação hipotética entre estarem rodeadas do completo nada, de
lixo e vegetação típica e de uma tv, mas que apesar disso aparecem agindo
naturalmente no lugar mencionado.
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O vídeo foi filmado e editado totalmente no modo não-linear, utilizando o
programa Sonic Foundry Vegas 4.0, e com poucos efeitos de pós-produção. Os
efeitos mais visíveis são os filtros (envelhecimento [old movie], sépia, amarelo-
acinzentado), a transformação para preto e branco, o wide-screen, o zoom,
algumas transições (fades e transparências), alguns textos e fotografias inseridos.
Algumas cenas têm também um aumento proposital das faixas em wide-screeen
para destacar sem aproximar muito a cena; e também uma ou outra faixa preta
inserida na imagem, o que valoriza a informação estética experimental.
Os textos inseridos (dois como figuras criadas no Paint e um criado dentro do
próprio programa de edição) são frases que complementam a imagem, mas que
foram desconstruídas enquanto imagens que se expressam utilizando os ícones
do alfabeto. As fotografias (e desenho) foram todas retiradas da internet e muitas,
pelo tempo em que se encontram em meus arquivos, já não sei dizer seu
caminho. O vídeo tem uma cena final onde há várias pessoas caminhando, e é
perceptível a diferença do tipo de filmagem, esta parte final foi retirada de um
vídeo-clipe da banda inglesa Queen, o nome da canção é Under Pressure.
O programa utilizado para a edição de imagens também é um editor de som,
o que facilitou o trabalho de retirar o som original da gravação. Entretanto a trilha
sonora foi mesmo editada no Sony Sound Forge 7.0. A música utilizada no vídeo
chama-se Numb, da banda inglesa Portishead, a mesma foi editada de forma que
algumas partes são repetidas ao longo do vídeo com a intenção de acompanhar
as imagens e não ser contínua. O motivo pelo qual foi essa a música escolhida se
refere à melancolia expressa em sua composição. Sempre senti nela algo similar a
observar o mundo com olhos de quem vê as dores e desgraças alheias, o que se
reflete no próprio descontentamento. Como eu recortei a parte cantada, não
haverá nada mais para desviar a atenção a não ser as imagens e os instrumentos
da música.
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Portanto, pode-se ter uma idéia do tipo de vídeo composto, mas eu como
autora não o classificaria, senão como experimental. Apesar de conter frases em
sua composição, inclusive uma delas ser parte do poema, não há uma
contribuição direta da frase com o poema. O que quero dizer é, a frase não se
expressa nele em sua linguagem escrita, e sim na linguagem imagética de ser um
ícone visual. A composição da desconstrução foi elaborada justamente por isso,
porque não tem a intenção de ser completamente apreendida como palavras, mas
como imagem que utiliza algumas letras do alfabeto para enfatizar a cena.
Portanto, apesar de ser uma obra transcriada de um poema, não é um vídeo texto,
ou vídeopoesia. Assim nos confirma Garcia (2003), “A videopalavra alcança um
público já estimulado visualmente, que reconhece com facilidade elementos da
sua linguagem pelo hábito televisivo que tem”.
E, por outro lado, também não é um vídeo arte. Pois que um dos principais
atrativos deste meio visual é estabelecer um sentido próprio por si mesmo. E esta
obra audiovisual não tem sentido se não acompanhada do poema de origem. Esta
obra assistida só, sem a pré-leitura do poema tem inclusive cenas muito simples e
que não comunicam, apenas expressam algo que não fica muito claro senão pelas
cenas bruscas e fortes. “A informação estética é mais forte quando se mostra algo
que não se espera ver. Algo extremamente banal, ou algo não facilmente
reconhecível” (Sansolo, 2003). O vídeo tomou para si uma das características
mais marcantes da vídeo-arte que seria a má qualidade da imagem e alguns
“erros” propositais. A má qualidade da imagem é mesmo para que a vista se sinta
incomodada ao olhar para aquelas crianças naquela situação, com uma câmera
que não define um plano para capturar algumas cenas.
Portanto, pondera-se que esta obra seja mesmo um poema visual. Não que
seja o que o concretismo afirmou como sendo “poesia audiovisual”, ou seja, a
poesia em novos suportes. Como já vimos, não é disso que se trata este trabalho,
mas sim de um poema que alcançou novos méritos e nova roupagem. Um poema
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que está pronto a sugerir sensações em quem o vê e estas são mais importantes
que a linearidade do vídeo e sua estória.
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Capítulo IV
RELATO DA TRADUÇÃO
Durante a filmagem, procurei capturar cenas que muitas vezes eram
espontâneas das crianças. E neste aspecto o vídeo tem um “quê” de
documentário, não por denunciar uma situação real, contada de maneira real, mas
por enfatizar a questão das crianças que sempre são tão naturais e puras, aqui
mostradas corrompidas. Há um contraste em mostrá-las espontaneamente em
situações não naturais e pouco puras.
Deve-se compreender que o ambiente externo significa na intersemiose o
ambiente mental das crianças, numa descrição psicológica sobre o que as levou
para esta situação sem esperança e de destruição. Segue então o puro relato da
tradução, com a descrição dos efeitos e o que cada cena referencia na estória
contada no vídeo, que foi traduzido do poema. As partes do poema estão
explicitando mais “visivelmente” o que cada frase teve a intenção de relatar.
CENA PARTE DO POEMA
01. Câmera caminhando como se fosse uma pessoa, esta se aproxima de suas crianças que estão sentadas em almofadas, olhando para uma TV. Estão a céu aberto e a sua volta há pouco mais que lixo e alguma vegetação. Efeito: Filtro old movie.
Parte introdutória do vídeo.
02. A câmera-pessoa para de caminhar. Este é um momento de percepção, enquanto parada a cena muda para preto e branco destacando a insipidez da situação. Efeito: Cena em preto e branco.
Parte introdutória do vídeo.
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03. Então a câmera-pessoa inicia novo movimento em direção às crianças, como se quisesse sondar seus sentimentos em relação a este ambiente mental. A cena se torna muito ensolarada, a impressão que se tem é de que as crianças pisam em cinzas. Efeito: Filtro amarelo-acinzentado.
amarelamente cinza faz-se o tempo
04. Agora as crianças são mostradas de outro ângulo (costas) e pode-se ver que olham para uma TV desligada. Isto representa a alienação gerada por este meio de comunicação que é a principal fonte de imagens profanosas e que corrompem a pureza de nossas crianças. Afinal, percebe-se que apesar de estarem como estão, num ambiente mental devastado de idéias e imaginação, é como se não percebessem o que as levou a isso, visto que a TV representa um elo de ligação com o mundo exterior. Justamente a TV, que é alheia a realidade. Efeito: Filtro sépia.
Crianças choram e destroem suas vidas e seus escrúpulos
05. Repetem-se os closes nas crianças em dois ângulos diferentes, como ainda uma forma de sondagem psicológica e sentimental. Efeito: Filtro amarelo-acinzentado.
amarelamente cinza faz-se o tempo
06. As crianças estão novamente de costas e continuam olhando para a TV desligada, então de repente aparece a interferência da imagem desconstruída na forma de uma caça-palavras com a frase “Crianças Choram”. E as crianças olham para a câmera-pessoa como se tivessem ouvido as palavras e fosse um chamado para a realidade. Efeito: Filtro amarelo-acinzentado. Interferência.
Crianças choram e destroem suas vidas e seus escrúpulos
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07. As crianças se levantam, com um ar um tanto pesado e logo em seguida aparecem caminhando e olhando para a câmera-pessoa. Olham como se esperassem uma resposta de quem as observa e proferiu a frase. E nesta parte há a interferência do texto “O silêncio consente” que está formatado bem estreito para dar a idéia de silêncio mesmo, de sussurro, como nos quadrinhos. Como se fosse um pensamento onisciente. Efeito: Filtro amarelo-acinzentado. Cena em preto e branco. Interferência.
Crianças choram e destroem suas vidas e seus escrúpulos
(...) amarelamente cinza
faz-se o tempo
08. Aqui a câmera (pessoa) está mais afastada e pode-se ver as crianças caminhando pelo local, como se procurassem por algo, procurassem por respostas para sua situação de destruição interna. Elas caminham e querem entender a si mesmas. Efeito: Filtro Sépia.
Crianças choram e destroem suas vidas e seus escrúpulos
09. Neste momento, é como se a câmera “tirasse fotos” das crianças, aproximando-se e registrando esta situação de perto. Na última “foto” as crianças se viram uma para a outra. Efeito: Filtro amarelo-acinzentado. Cena em preto e branco.
amarelamente cinza faz-se o tempo
10. Uma das crianças mexe nas almofadas e olha a câmera para contar que encontrou algo. Efeito: Cena em preto e branco.
Crianças choram e destroem suas vidas e seus escrúpulos
11. A outra criança mostra então o que encontraram: uma maçã. Nesta cena a maçã simboliza a pureza bíblica descrita nas crianças. A pureza ainda está lá? Sim, mas tiveram que procurar. Há um close da maçã na mão da criança. Interferência com uma imagem de cobra, o que completa a idéia do pecado original da raça humana, agora repercutido em nossas crianças, o futuro da raça. Efeito: Faixa preta sobre a camisa da criança.
Crianças choram e destroem suas vidas e seus escrúpulos
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12. Começa com um close da mão da criança segurando areia. E continua com a cena mais aberta da mesma situação. Esta cena ainda tem referências a frase bíblica “do pó viemos e ao pó retornaremos”. E quer dizer que tudo o que a raça humana constrói, ela também destrói. Efeito: Faixa preta sobre a camisa da criança.
Coisas esfarelantes E sua sequidão mórbida
13. Quatro imagens aparecem em seqüência: Um desenho infantil de um soldado com uma arma apontada para uma pessoa, e pela letra da frase, percebe-se que está escrita em alemão. A próxima foto é um soldado perseguindo uma mulher que carrega uma criança, o soldado aponta uma arma para ela. Outra foto de incontáveis cadáveres aglomerados. E a última delas, que é uma foto com montagem do Bush, ao lado do Hitler, ambos exatamente na mesma posição. O que significa que, o holocausto já passou, mas e quanto ao que ainda pode vir? Toda esta cena quer dizer sobre o que se encontra atavicamente na mente das crianças, ou seja, o legado que a raça humana deixou. Elas sabem o que a raça humana já foi capaz de fazer, e do que pode vir a fazer. Como exemplo disto temos imagens do holocausto.
Pessoas conflitantemente morrem Como o vento ameno e suspirado
(...) aglomerados de cadáveres isolam-se conjuntamente
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14. As crianças caminham num deserto psicológico. Uma situação sem futuro. Não há esperanças de um mundo melhor. Interferência da imagem com a frase “Lágrimas seriam gotas de chuva”, referência ao deserto de sentimentos. Elas então vêm se aproximando da câmera como se questionassem e pedissem por ajuda. A cena continua com a fotografia delas mesmas estendendo as mãos para a câmera. Fotografia de uma árvore ao pôr-do-sol que a mente da humanidade se encontra. Efeito: Filtro amarelo-acinzentado. Cena fotografada e depois passada para preto e branco.
Na desigualdade imparcial desta ignóbil subsistência
O sol dilacerante destes dias de sangue...
15. Cena com várias pessoas, um fluxo incontável que entra e sai de um trem, descem uma escada e caminham, indiferentes ao futuro e às crianças. Efeito: Colagem.
Temos o quanto possível dos dias que nos restam
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
O que considerei, primeiramente, foi a importância deste trabalho no âmbito
artístico. É uma obra que se introduziu na dita intraduzibilidade do poema e que
demonstrou todos os possíveis caminhos que me fizeram acreditar que isso era
possível. Apresentando assim uma nova visão sobre o próprio artista, como
“tradutor universal” (Paz, 2003, apud Plaza :6).
Considerando a poesia como sinônimo de arte e suas várias formas é mais
simples compreender que a arte jamais estará estática como pensamento e
sempre será reinventada. Ainda que não obtenha uma denominação teórica, ela
estará sempre, daqui para frente se interferindo com outros objetos e formas de
pensamento, como já acontece. Isso se aplica a todas as formas de arte: o
poema, a música, a dança, a pintura, o desenho, a escultura, a coreografia, a
gravura, o vídeo, etc.
Seguindo este pensamento é que considero a Semiótica um dos alicerces de
todas as formas de arte contemporâneas. Enquanto se estuda semiótica, novas
ligações são feitas com relação ao mundo e ao ser, novas cadeias de pensamento
dos artistas são formuladas para que estes realmente completem sua função junto
à sociedade de criar e apontar novas sugestões em forma de pontos de vista.
Assim o artista não é mais obrigado a se especializar em apenas uma técnica
artística, mas o artista pensador desenvolve toda uma cadeia de pensamentos
que podem ser expressos em diversas técnicas artísticas. E tudo isso como um
reflexo dos movimentos modernistas, onde os artistas já se expressavam em duas
ou mais técnicas artísticas demonstrando seu ponto de vista sobre o mundo.
E como um pensamento final, que o tema social e poético que inspirou esta
obra, é tão antigo quanto a própria humanidade.
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BIBLIOGRAFIA
LIVROS: MACHADO, Arlindo. A Televisão Levada a sério. 3° Edição. São Paulo/SP: Editora Senac, 2003. MOISÉS, Massaud. A Criação Literária. São Paulo/SP: Editora Melhoramentos, 1971. PAIXÃO, Fernando A. M. O que é Poesia? (Coleção Primeiros Passos). São Paulo/SP: Editoria Brasiliense, 1982.
PLAZA, Julio. Tradução Intersemiótica. São Paulo/SP: Editora Perspectiva S.A., 2003.
ARTIGOS DE INTERNET: ANTUNES, Arnaldo. Nome < http://www2.uol.com.br/arnaldoantunes/findex_4.html >, acessado em 20/07/03. CARVALHO, Eduardo. Silêncio: Espetáculo que une dança e poesia num mesmo palco < http://agenciacartamaior.uol.com.br/agencia.asp >, acessado em 27/10/04. CAMPOS, Augusto. Manifesto da Poesia Concreta < http://www2.uol.com.br/augustodecampos/poesiaconc.htm>, acessado em 15/05/04. (Publicado originalmente na revista ad - arquitetura e decoração, São Paulo, novembro/dezembro de 1956, n° 20) Concretismo< http://www.itaucultural.org.br/aplicexternas/enciclopedia/poesia/index.cfm?fuseaction=Detalhe&CD_Verbete=3926 >, acessado em 21/05/04 .
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GARCIA, Álvaro A. Vídeo texto < http://www.ciclope.art.br/memoria/textos/textos-site/txtsite_02.htm > , acessado em 19/09/03. LA FERLA, Jorge. Vídeo Arte em transe.< http://www.itaucultural.com.br/index.cfm?cd_pagina=2014&cd_materia=664 >, acessado em 15/09/04. SANSOLO, Carlos. Trabalhos de vídeo arte I < http://www.decos.ufal.br/multireferencial/ > acessado em 03/10/03.
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ANEXO 1
FOTOGRAFIAS E IMAGENS DIVERSAS UTILIZADAS NO VÍDEO.
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