roberto simonsen a indústria e o desenvolvimento do brasil

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A polêmica entre Roberto Simonsen e Eugenio Gudin durante o primeiro governo Vargas.

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  • Roberto Simonsen: a indstria e

    o desenvolvimento do Brasil (1)

    CARLOS LOPES

    Ao fundar o Centro das Indstrias (hoje, Ciesp), em 28 de maro de 1928, Roberto

    Simonsen afirmou:

    A grande indstria, por toda parte do mundo em que se instala, traz como

    corolrio o aumento dos salrios, o barateamento relativo dos produtos, o

    enriquecimento social e o aumento da capacidade de consumo.

    No era uma declarao demaggica. Durante toda a sua vida, a ideia de que o

    Brasil devia ser um pas industrial esteve ligada, em Simonsen, ideia de acabar com a

    misria no pas. Muito acertadamente, em seu prefcio de 1977 edio que o Ipea

    ento fez da polmica entre Roberto Simonsen e Eugnio Gudin, o economista Carlos

    Von Doellinger escreveu:

    No comando de suas empresas, que incluram [alm da construo civil],

    posteriormente, frigorficos, fbricas de artefatos de cobre, borracha etc., nas grandes

    cidades e no interior, impressionava-se profundamente com as condies precrias de

    vida da maioria da populao brasileira. Seus pronunciamentos pblicos

    constantemente referiam-se aos aspectos sociais do pas. Via na industrializao a nica

    soluo efetiva para esse estado de coisas, j que a pobreza na agricultura era quase

    endmica.

    Depois de alguns anos de neoliberalismo estpido, soa algo estranho que o maior

    lder empresarial da Histria do pas fundador do Ciesp e da Fiesp, da qual foi

    presidente durante cinco mandatos, de 1938 a 1945 assim pensasse. Mas Roberto

    Simonsen foi um dos grandes homens do Brasil. A tacanhez era estranha sua

    personalidade.

    ORIGENS

    Isto vem a propsito de dois livros muito importantes que o Ipea lanou h alguns

    meses. O primeiro a reedio (isto , a terceira edio) do volume de 1977, A

    Controvrsia do Planejamento na Economia Brasileira, com os documentos da

    polmica de 1944/1945 entre Simonsen e Gudin e com o prefcio original de

  • Doellinger. O segundo uma antologia e livro de ensaios sobre essa polmica, de autoria

    de Alosio Teixeira, Gilberto Maringoni e Denise Lobato Gentil, Desenvolvimento - O

    debate pioneiro de 1944-1945.

    Doellinger, autor de alguns trabalhos importantes, entre os quais Empresas

    Multinacionais na Indstria Brasileira (escrito com Leonardo Cavalcanti e publicado,

    tambm pelo Ipea, em 1979), resume as origens da polmica:

    Em meados dos anos 1930, () o surto de industrializao propiciou a ascenso

    dos representantes dos interesses da classe [isto , dos empresrios industriais],

    passando os mesmos a ter peso crescente no centro das decises polticas e econmicas.

    Seus representantes se destacavam em rgos como o Conselho Federal de Comrcio

    Exterior, a Comisso de Poltica Industrial e Comercial, a Comisso de Planejamento

    Econmico (CPE) e exerciam influncia direta junto ao prprio presidente, como

    polticos ou conselheiros. Essas novas lideranas reivindicavam tambm o nacionalismo

    econmico e at mesmo a participao direta do governo nos setores de infraestrutura e

    de indstrias bsicas. Sua ideologia era o protecionismo indstria nascente, como seria

    lgico de se esperar.

    Nas palavras de Roberto Simonsen, reproduzidas nesse prefcio:

    O protecionismo cerceia de alguma forma e por algum tempo a permuta entre as

    naes, mas traduz uma grande liberdade de produo dentro das fronteiras do pas que

    o adota. De fato, nos pases que adotam o protecionismo, qualquer cidado pode montar

    a indstria que entender desde que repouse em sadio fundamento, certo de que est livre

    do esmagamento proveniente dos dumpings ou manobras de poderosos concorrentes

    estrangeiros.

    A oposio aos adeptos da industrializao do pas era composta por boa parcela

    dos que constituam ainda as classes polticas e a elite dirigente em geral [isto , pelos

    remanescentes da Repblica Velha, sobretudo em So Paulo] e, nas classes produtoras,

    os comerciantes e industriais ligados ao comrcio importador e exportador, bem como a

    maioria dos que militavam na agricultura [em suma, a antiga oligarquia cafeeira e suas

    extenses].

    Eram estes que Getlio chamou os carcomidos, ligados aos interesses externos,

    especialmente ingleses. Seu representante ideolgico era Eugnio Gudin. Voltaremos,

    em outra edio, ao assunto, mas intil procurar razes tericas para a posio de

  • Gudin. Ele sempre representou interesses bem concretos. No era somente ligado aos

    interesses externos, mas um agente direto e declarado desses interesses, no fosse ele

    um ex-empregado do magnata Percival Farquhar (a quem representou na diretoria de

    O Jornal, dirio que Assis Chateaubriand fundou com dinheiro de Farquhar);

    funcionrio da notria The Rio de Janeiro Tramway, Light and Power; diretor por 25

    anos da Western Telegraph; e diretor-geral por trs dcadas da The Great Western of

    Brazil Railway Company Limited. Sua desastrosa gesto no Ministrio da Fazenda, aps

    a traio de Caf Filho a Getlio, no foi a de um economista neoclssico (o que, como

    veremos em outra edio, ele nunca foi), mas simplesmente a extenso de sua ficha

    funcional.

    Porm, esse conflito, que comeara antes da Revoluo de 30, foi decidido a favor

    dos industrialistas em 1937. Como descreve Doellinger:

    Com a instituio do Estado Novo () a poltica econmica se apoiaria na

    industrializao, no nacionalismo e no forte contedo social e urbano. Os empresrios

    eram estimulados pelo governo a investir, enquanto este ampliava sua autoridade para

    dirigir a economia.

    Fundamentalmente, o governo agia por meio de incentivos fiscais, creditcios

    (atravs do Banco do Brasil Carteira de Crdito Agrcola e Industrial (Creai), criada

    em 1937) e cambiais (controles de cmbio, das cotas de importao) e atravs de

    investimentos pblicos em setores como ferrovias, navegao, servios pblicos e

    indstrias bsicas, como petrleo e ao. () A Comisso do Plano Siderrgico Nacional

    foi criada em 1940 e a Companhia Siderrgica Nacional (CSN) em 1941. Outras

    companhias do governo foram criadas posteriormente; Companhia Vale do Rio Doce

    (CVRD), Companhia Nacional de lcalis e Fbrica Nacional de Motores (FNM).

    A ideia de planificao j estava implicitamente, como registra Doellinger,

    presente nessas iniciativas.

    No entanto, a II Guerra Mundial trouxe novas dificuldades para o Brasil. Aqui, no

    prefcio de Doellinger, aparece algo que raramente mencionado, talvez porque seja

    inteiramente verdadeiro - o que estava por trs de toda a retrica americano-udenista,

    supostamente democrtica, em 1945:

    Os Estados Unidos seriam, reconhecidamente, o novo 'Estado forte', e o governo

    americano preparava-se para assumir o novo papel em toda a sua plenitude. Assim,

  • enquanto o mundo ocidental preparava-se para uma nova ordem liberal, a aparente

    rigidez da posio do governo brasileiro, tanto em assuntos polticos, como

    principalmente econmicos, dava lugar a grande inquietao (grifo nosso).

    No por acaso, acrescentamos ns, em 7 de dezembro de 1944, o presidente

    Getlio, discursando na Associao Comercial de So Paulo, faz uma advertncia:

    J em 1936, o Tratado de Comrcio proposto pelos Estados Unidos [isto , pelo

    governo Roosevelt], e por ns aceito sem restries, objetivava principalmente

    salvaguardar a liberdade de comrcio entre os pases democrticos, ameaada pelos

    expedientes perigosos postos em prtica pelos que hoje combatemos de armas na mo.

    No podemos admitir a hiptese () de que, terminada a guerra e depois de tantos

    sacrifcios, venham a persistir nas relaes entre os povos os mesmos processos

    condenveis de dominao econmica. () A excelente mxima de 'viver e deixar viver'

    ter de presidir aos ajustes e convnios futuros. E nem vale a pena pensar em que

    desorganizao catica, de revolues e perturbaes, mergulhar o mundo de novo se

    no for ouvida a voz da razo e no nos convencermos de que no possvel a hegemonia

    de nenhum povo ou raa, isoladamente, sobre os demais (cit. in Miguel Bodea,

    Trabalhismo e Populismo no Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 1992, Ed. UFRGS, pg.

    148. NOTA DO HP: Nesta pgina do livro de Bodea, a data do discurso referida como

    7/11/1944, porm, nas referncias bibliogrficas, aparece a data 7/12/1944).

    Na economia brasileira, a guerra, efetivamente, havia criado um ambiente de

    austeridade no consumo, em face principalmente das dificuldades de importao;

    contudo, indicaes disponveis so de que a taxa de investimento havia crescido

    bastante, para tanto muito contribuindo os investimentos do governo. Nessas condies,

    a demanda global mantinha-se elevada, ao passo que a oferta global estava limitada

    pelas dificuldades de importao, to intensas que acarretaram sucessivos saldos

    superavitrios no balano de pagamentos. Em consequncia, o acmulo de reservas de

    cerca de US$ 600 milhes ao longo do perodo exacerbaram ainda mais as presses

    inflacionrias j intensas desde 1939. Entre 1944 e 1945, a taxa de inflao atingiu 20%

    ao ano (a.a.), nvel nunca registrado anteriormente. Tal situao era energicamente

    combatida pelos que pugnavam por um comportamento mais austero de parte do

    governo, especialmente em relao aos considerados excessivos dispndios de capital,

    cuja implicao era naturalmente uma participao maior do governo na economia.

    Propunham menores gastos e polticas monetrias menos generosas, que evitassem a

  • crescente expanso de crdito do Banco do Brasil ao setor privado. Consideravam

    inadequada uma poltica expansiva do governo em virtude do ambiente de conteno

    generalizada no resto do mundo (Doellinger, op. cit.).

    Como sempre, o problema era atribudo aos gastos do governo e excessiva

    independncia em relao aos pases capitalistas centrais mesmo com a existncia de

    uma guerra mundial que j durava cinco anos...

    Porm, posio oposta assumiam, evidentemente, os que, defendendo a

    orientao governamental, se colocavam a favor da industrializao, da presena do

    governo nos setores de infraestrutura e indstrias bsicas, do aumento de crdito

    visando estimular os investimentos, da imposio de medidas protecionistas contra as

    importaes.

    Este era o fundo conjuntural do debate quando o governo, seguindo a tendncia

    anterior, props que se discutisse a planificao da economia.

    Assim, quando o Conselho Nacional de Poltica Industrial e Comercial (CNPIC),

    rgo do ento Ministrio do Trabalho, Indstria e Comrcio, reuniu-se em 16 de agosto

    de 1944, era esta a questo em pauta. O relator era Roberto Simonsen.

    Nas prximas edies, publicaremos os principais trechos do parecer de Simonsen

    e alguns outros documentos da polmica, assim como abordaremos as excelentes

    publicaes do Ipea.

    Entretanto, para que o leitor tenha uma dimenso das questes que ento foram

    tratadas (isto , da luta poltica em torno dos rumos da economia), transcrevemos os

    seguintes trechos do parecer de Roberto Simonsen:

    Considerando o que se observa, presentemente, na Repblica Argentina, no

    Canad e em outras regies de maior progresso material que o do Brasil, e, ainda, o que

    sucede nas regies mais adiantadas do pas, levando-se em conta o custo da vida, a

    necessidade da formao de capitais e as novas condies criadas pela guerra, no

    exagerado concluir que necessitaramos, assim, de uma renda nacional cerca de quatro

    vezes mais elevada do que a atual, ou seja, de 160 bilhes de cruzeiros. No se pode,

    infelizmente, transpor, de chofre, uma diferena to vultosa.

    A produo para o mercado interno est, bem o sabemos, condicionada s

    necessidades do consumo; estas variam de acordo com a produtividade e com o estgio

  • de educao das populaes. A produtividade funo do nosso aparelhamento

    econmico e eficincia tcnica. A educao das populaes, por sua vez, depende dos

    recursos disponveis para o seu custeio.

    No possvel, tampouco, alcanar, com novas exportaes, o substancial

    enriquecimento indispensvel.

    No podemos, porm, nos quedar indiferentes ante esse vital problema brasileiro:

    a quadruplicao da renda nacional, dentro do menor prazo possvel.

    Preliminarmente, para resolv-lo temos que decidir se poderamos atingir essa

    finalidade pelos meios clssicos de apressar a evoluo econmica, estimulando pelos

    processos normais as iniciativas privadas, as vrias fontes produtoras e o mercado

    interno, ou se deveramos lanar mo de novos mtodos, utilizando-nos, em gigantesco

    esforo, de uma verdadeira mobilizao nacional numa guerra ao pauperismo para

    elevar rapidamente o nosso padro de vida.

    As crticas, imparciais e objetivas, que tivemos oportunidade de citar e as

    consideraes j feitas demonstram ser impossvel satisfazer esse nosso razovel anseio

    com a simples aplicao dos processos clssicos.

    A prevalecer o lento ritmo observado em nosso progresso material, estaramos

    irremediavelmente condenados, em futuro prximo, a profundas intranquilidades

    sociais.

    Vulgarizam-se, cada vez mais, as noes de conforto, e as populaes

    subalimentadas e empobrecidas do pas aspiram, legitimamente, a melhor alimentao,

    habitaes apropriadas e vesturio conveniente.

    A nossa atual estruturao econmica no conseguiria proporcionar, ao povo em

    geral, esses elementos fundamentais do novo direito econmico.

    [Publicado em HORA DO POVO, n 2928, 19/01/2011 texto revisto]

  • Roberto Simonsen: a indstria e

    o desenvolvimento do Brasil (2-3)

    CARLOS LOPES

    Abaixo, o leitor poder conhecer o parecer de Roberto Simonsen, na poca

    presidente da Fiesp, apresentado ao Conselho Nacional de Poltica Industrial e

    Comercial (CNPIC) em 16 de agosto de 1944. O texto aqui publicado uma

    condensao. A ntegra poder ser encontrada na excelente coletnea publicada pelo

    Ipea e, como nos referimos na edio anterior, recentemente republicada - A

    Controvrsia do Planejamento na Economia Brasileira.

    O parecer de Roberto Simonsen, aprovado pelo Conselho, foi enviado pela

    Presidncia da Repblica Comisso de Planejamento Econmico (CPE) que tinha

    Eugnio Gudin como relator. Foi ento que se iniciou a polmica sobre a poltica

    econmica que o pas precisaria seguir para continuar crescendo at transformar-se

    num pas desenvolvido, com a superao das dificuldades, algumas reveladas pelo

    prprio crescimento, outras agudizadas com a ecloso da II Guerra Mundial.

    Aps a publicao do parecer de Roberto Simonsen, analisaremos a contestao de

    Gudin um repositrio do que a reao entreguista repetiria pelos quase 70 anos que

    nos separam daquele momento de nossa Histria, ou seja, at hoje. O texto de Gudin,

    alis, tem um mrito - foroso reconhecer: defende, antes do tempo (avant la lettre,

    como diria Gudin, com seu pedantismo egresso do sculo XIX), as vulgaridades

    neoliberais com invulgar clareza; isto , sem arrevesados rococs, daqueles que

    transformam aumentos de juros em medidas macroprudenciais ou em bancarizao

    aquilo que apenas fazer com que quitandas e lojas lotricas sejam sucursais de bancos

    para a populao de baixa renda.

    O que no quer dizer que Gudin tenha algum pudor de mentir no fosse ele o

    ridculo esnobe que dizia jamais beber gua, s vinho. O que, se fosse verdade,

    privaria o pas do prazer de sua companhia muito antes dos 100 anos com que morreu.

    Sobre o parecer de Roberto Simonsen, apenas uma ltima observao: em vrios

    trechos ele apoia-se no relatrio da misso Cooke, enviada ao Brasil pelos EUA; da

    mesma forma, na parte que se refere s fontes de financiamento do plano que no

  • reproduzimos na condensao abaixo ele refere-se a um possvel emprstimo a ser

    contrado com o governo dos EUA do tipo lend-lease (emprstimo e arrendamento,

    ou seja, sem pagamento em dinheiro, tal como, durante a guerra, foram os emprstimos

    Inglaterra e URSS).

    Depois de mais de seis dcadas de misses do FMI e espoliao financeira norte-

    americana sobre os pases menos desenvolvidos, soam, ao leitor atual, algo estranhas

    essas referncias. No entanto, no o eram na poca Roberto Simonsen pensa a questo

    no quadro do governo norte-americano da poca, dirigido pelo grande presidente

    Franklin Delano Roosevelt. A misso Cooke, por exemplo, chegou a concluses muito

    progressistas sobre a economia do Brasil e suas perspectivas. E o emprstimo no era

    nada fora de questo na poca.

    Infelizmente, o que veio depois de Roosevelt nos EUA no foi benfico nem ao

    Brasil, nem ao prprio pas do norte. Mas a culpa no de Roberto Simonsen nem

    cabia a ele prever o que os EUA se tornariam no ps-guerra, e no apenas porque tal

    destino no dependia de sua vontade, mas, sobretudo, porque, se dependesse dela, a

    histria seria outra.

    O PARECER DE ROBERTO SIMONSEN

    A indicao formulada pelo Ex.mo sr. Ministro Marcondes Filho para que se

    investigue se a nossa evoluo econmica estabeleceu os princpios fundamentais que

    devem orientar o desenvolvimento industrial e comercial do Brasil, obriga-nos em face

    mesmo dos objetivos que nortearam a programao deste Conselho a fazer a crtica de

    alguns aspectos dessa evoluo, apresentando sugestes e concluses que nos parecem

    as mais condizentes com o fortalecimento da nossa economia.

    Na sesso inicial deste Conselho, solicitamos, juntamente com os demais

    representantes das classes produtoras, que fossem coligidos os elementos bsicos para a

    fixao da poltica econmica de maior convenincia ao pas.

    Indicamos, como dado preliminar e essencial, a cifra representativa da renda

    nacional.

    A Diretoria de Estatstica e Previdncia deste Ministrio acaba de apresentar os

    resultados de suas pesquisas, admitindo como conceito da renda a capacidade de

  • consumo total das populaes. Encontrou cerca de 40 bilhes de cruzeiros, o que traduz

    uma renda, por habitante, 25 vezes menor do que a verificada nos Estados Unidos.

    Por um recente estudo do sr. Howard, tcnico da Comisso de Fomento

    Interamericano, verifica-se que, em nmeros globais, comparadas as cifras referentes

    aos anos de 1938 e 1942, diminuiu o volume de materiais e matrias-primas exportadas

    das repblicas ibero-americanas para os Estados Unidos. O que se registrou, realmente,

    foi um aumento na exportao de alguns artigos e um considervel acrscimo em muitos

    dos preos.

    Examinando-se as estatsticas da importao, nos Estados Unidos, do minrio de

    ferro, cobre, minrio de zinco, minrio de mangans, minrio de cromo, concentrados de

    estanho, minrio de tungstnio, minrio de antimnio, cristais de rocha, mica, nitrato de

    sdio, borracha, madeira de balsa, algodo em bruto, fibras (henequm e sisal),

    cinchona, caroo de mamona, caroo de algodo, amndoa de babau, leo de oiticica,

    conclui-se que, em 1942, aquele pas importou mais cobre, minrio de mangans e

    cromo, borracha, madeira de balsa, sisal, henequm e cristais de rocha. Desses, apenas

    trs artigos tiveram a sua exportao elevada em mais de 100%: o minrio de cromo, os

    cristais de rocha e a madeira de balsa.

    Os preos, porm, subiram 451% nos cristais de rocha, 154% na mica, 200% no

    leo de oiticica, 67% no minrio de ferro, 20% no minrio de mangans, 73% no minrio

    de antimnio e 213% na borracha.

    Howard, no seu interessante trabalho, observa que em geral, durante a guerra, os

    produtos importados dos pases latino-americanos so oriundos da indstria extrativa,

    que, como se sabe, requer pequenos equipamentos. Foram, de fato, os altos preos que

    exerceram forte emulao sobre este comrcio.

    Constitui, portanto, no aps-guerra, gravssimo problema para as naes

    americanas o reajustamento de preos s condies dos mercados internacionais, a fim

    de que, em pocas normais, possam manter suas exportaes em regime de competio.

    Acentua Howard que assim como as minas, a indstria e a agricultura norte-

    americanas tero que enfrentar nos mercados mundiais os artigos produzidos com os

    menores salrios em vigor nos pases europeus, na frica e Oriente, tambm a

    agricultura, a minerao e a indstria das demais Repblicas do nosso hemisfrio tero

    que defrontar a mesma situao.

  • MISSO COOKE

    A Misso Tcnica Norte-Americana chefiada pelo sr. Morris L. Cooke visitou o

    Brasil no segundo semestre de 1942 e fez vrias apreciaes sobre a nossa situao

    econmica e social. Observou que o Brasil, como nao industrial, est ainda na

    adolescncia, se bem que se lhe possa vaticinar um grande futuro, possuidor que de

    to vultosa extenso territorial com to valiosas e variadas riquezas naturais, e com

    uma populao rica de aptides para os trabalhos materiais e intelectuais.

    A Misso assinala os pontos de maior fraqueza do Brasil industrial: 1) a

    dependncia da importao de petrleo, que utilizamos em larga escala em motores

    industriais, nos automveis e at para a iluminao; 2) a importao de carvo mineral

    para os transportes e motores industriais; 3) a carncia de metais especiais e

    equipamentos para novos empreendimentos e conservao dos existentes. Todas essas

    insuficincias foram motivo de agudas crises registradas na presente guerra.

    Em relao aos combustveis, lembra a Misso que o Brasil consumia 49,5 kg de

    carvo por cabea, quando os Estados Unidos consumiam 2.944 kg, ou seja, 60 vezes

    mais. O Brasil importava, em tempos normais, 1.224 mil m? (7.600.000 barris) de

    petrleo, dos quais 35%, ou seja, 428.400 m? (2.700.000 barris) de gasolina; utilizava-se

    de 28,125 litros por habitante, enquanto nos Estados Unidos, em tempos normais, essa

    cifra se elevava a 1.387 litros, ou seja, 50 vezes mais.

    Em relao eletricidade, o Brasil, com os seus 1.187.000 kW instalados, fornece

    65,5 kWh, por cabea, contra 1.070 kWh, nos Estados Unidos.

    Fazendo apreciaes sobre a nossa indstria metalrgica, mostra a Misso que a

    nossa produo de ao, por cabea, 50 vezes menor que a dos Estados Unidos. Acentua

    o nosso atraso nas indstrias qumicas, mostrando que a nossa produo de cido

    sulfrico de um quilo por pessoa, ao passo que de 70 quilos nos Estados Unidos. O

    nosso ndice, neste caso, igual ao existente naquele pas em 1860.

    Propugna ainda a Misso a necessidade da criao de bancos industriais

    destinados ao financiamento de novos empreendimentos e ao propiciamento de uma

    assistncia tcnica mais intensa.

    Finaliza, observando que, na idade do ao e do vapor, a liderana industrial

    pertenceu s regies mundiais em que se encontravam depsitos de carvo e minrio de

    ferro, prximos uns dos outros e dos centros populosos. Como no Brasil no ocorre essa

  • circunstncia, os processos econmicos dominantes nos ltimos cem anos dificilmente

    permitiriam as solues de seus problemas de transporte. A prevalecerem os processos

    do sculo XIX, o desenvolvimento industrial do pas teria que ser limitado.

    Mas o futuro parece pertencer mais eletricidade do que ao vapor; ao alumnio

    mais do que ao ao; e aos transportes areos mais do que s estradas de ferro. O Brasil

    est admiravelmente dotado de elementos bsicos para enfrentar um tal futuro.

    A SITUAO

    Uma apreciao sobre a nossa evoluo econmica, nos ltimos cinco anos, indica

    um sensvel progresso em vrios ramos de nossas indstrias transformadoras.

    Cresceu consideravelmente a nossa produo em quantidade e valor, nas seguintes

    atividades: tecidos, artefatos de borracha, ferro gusa, ferro laminado, ao, artefatos de

    ferro e ao, maquinrios em geral, produtos farmacuticos, louas e vidros, seda,

    lmpadas e aparelhos eltricos, tintas e vernizes, aparelhos sanitrios.

    O cmputo da produo industrial, do incio da guerra at hoje, demonstra, porm,

    que poucas foram as indstrias bsicas criadas nesse perodo pela iniciativa particular.

    Registram-se apenas, nesse setor, alguns valiosos cometimentos promovidos pelo

    governo federal, e ainda em andamento.

    Verificou-se o aumento do valor da produo industrial, principalmente pela alta

    dos preos de custo e de venda dos artigos produzidos.

    A falta de combustveis, a deficincia de transportes, a ausncia de indstrias

    bsicas fundamentais, as dificuldades de tcnicos e de mo-de-obra apropriada,

    impediram um maior surto industrial.

    impressionante, porm, a estagnao que se observa em muitas das atividades

    primrias, principalmente em relao agricultura de alimentao.

    Os artigos alimentcios h dez anos que se mantm numa produo total em torno

    de 18,5 milhes de toneladas. Com o aumento da populao, com as exportaes

    realizadas e com as dificuldades de transportes, houve, de fato, uma aprecivel

    diminuio na produo virtual da alimentao, o que explica, em parte, a carestia com

    que nos defrontamos em relao aos gneros alimentares.

    A expanso industrial e as especulaes comerciais estimuladas pela inflao

    concorreram para o crescimento de nossas populaes urbanas, em detrimento das

  • zonas rurais.

    As indstrias extrativas de materiais estratgicos e a agricultura de produtos ricos,

    tais como algodo, menta, seda natural atraram os braos disponveis da lavoura, em

    prejuzo da produo dos artigos de primeira necessidade.

    Contriburam, ainda, para desestimular esse ramo da agricultura, a carncia de

    transportes e os tabelamentos.

    Os lucros auferidos com as exportaes a altos preos, e com a intensificao e

    valorizao da produo industrial, tm sido investidos, de preferncia, em aplicaes

    urbanas.

    O considervel aumento do meio circulante agravou a elevao dos preos e

    estamos a braos com um encarecimento de vida que se acentua continuamente.

    Nas grandes cidades, as construes existentes sobretudo as que se destinam aos

    operrios e classes menos favorecidas so insuficientes para o abrigo das suas atuais

    populaes.

    Apesar da alta dos salrios e dos lucros realizados graas a todas essas

    circunstncias, a renda nacional, em realidade, no aumentou nos ltimos anos.

    Os saldos de divisas disponveis no estrangeiro representam valores que no

    puderam ser transformados em artigos necessrios ao mercado nacional quer como bens

    de produo, quer como bens de consumo. Traduzem assim, em verdade, parte de uma

    virtual diminuio da renda nacional.

    PS-GUERRA

    Um levantamento feito em 1943, nos Estados Unidos, demonstrou que 137

    importantes organizaes, governamentais e privadas, afora muitas outras de carter

    regional, dedicavam-se s pesquisas e ao esclarecimento do pblico, quanto aos

    problemas que aquele grande pas dever enfrentar no perodo do ps-guerra.

    Cerca de um tero dessas organizaes est concentrando a sua maior ateno nas

    questes internacionais. Preocupam-se, outras, com os regimes das empresas industriais

    e financeiras.

    Abrangem ainda, em seus estudos, a agricultura, problemas de consumo e de

    segurana, a engenharia e as construes, problemas judaicos, questes trabalhistas e

  • legislativas, obras pblicas e transportes.

    O inqurito, na observao de Evan Clark, prova que atualmente est se

    processando um esforo muito maior, do que na guerra passada, para o preparo e fixao

    de polticas construtivas, que melhor enfrentem e solucionem os problemas do aps-

    guerra.

    E, desta vez, em contraste violento com a ltima guerra, todos os interesses da

    nao capital, trabalho, agricultura e consumidor parecem, diz ele, concordar com

    um objetivo mximo a ser alcanado na paz: o chamado full employment [pleno

    emprego].

    Este objetivo traduz uma quase universal aspirao: a mxima utilizao, nos

    tempos de paz, da capacidade produtiva nacional e a reduo, ao mnimo, do

    desemprego, para todos os que, sendo aptos, desejam trabalhar.

    Em relao ao Brasil, o perodo de 1939-1943 veio salientar todas as principais

    fraquezas de nossa estruturao econmica.

    O movimento para a outorga, a todos os homens, de direitos econmicos essenciais,

    mais acentuara, depois da guerra, a insuficincia da nossa renda nacional.

    Toda a nossa evoluo tem, portanto, que ser orientada no sentido do

    fortalecimento da nossa economia e com esse propsito a ela se devem subordinar, a meu

    ver, as normas de nossa poltica agrria, industrial e comercial.

    PADRES DE VIDA

    Relatando, no Conselho Federal do Comrcio Exterior, em 27 de setembro de 1937,

    os resultados do inqurito efetuado, por ordem do sr. Presidente da Repblica, em torno

    das possibilidades da expanso industrial do Brasil, declarei, pondo em relevo o baixo

    ndice de consumo mdio do brasileiro, que, ento, como hoje, esse ndice, era, no

    mnimo, 25 vezes menor que o do norte-americano: Tendo em apreo as condies

    especialssimas do pas, com vastas zonas ainda na fase da economia de consumo e,

    considerando os ndices das regies mais prsperas, verificamos que se faz mister, pelo

    menos, triplicar o nosso consumo, para que se alcance um teor mdio de vida,

    compatvel com a dignidade do homem, na sugestiva expresso de nossa carta

    constitucional.

    Converti, ento, os nmeros do consumo brasileiro e norte-americano em libras-

  • ouro, para que nos pusssemos a coberto, na determinao dos valores e na mdia do

    possvel, das flutuaes do poder aquisitivo da moeda.

    As consideraes que ento expendi permanecem de p e, ao cmbio atual,

    guardada a mesma paridade, necessitaramos, pelos clculos de ento, de um acrscimo

    de 80 bilhes de cruzeiros na renda nacional, que ainda assim seria cerca de sete vezes

    inferior, por habitante, norte-americana.

    No entanto, o valor relativo de nossa renda nacional, admitindo-se os coeficientes

    de ponderao, variveis em harmonia com o poder aquisitivo da moeda, est

    estacionrio ou vem mesmo, nos ltimos anos, decaindo.

    O consumo mdio de um paulista trs vezes superior ao do brasileiro em geral. ,

    porm, de salientar que o Estado de So Paulo possui, at hoje, grandes regies

    empobrecidas e ainda no alcanou um adequado nvel de progresso material.

    RENDA NACIONAL

    Considerando o que se observa, presentemente, na Repblica Argentina, no

    Canad e em outras regies de maior progresso material que o do Brasil, e, ainda, o que

    sucede nas regies mais adiantadas do pas, levando-se em conta o custo da vida, a

    necessidade da formao de capitais e as novas condies criadas pela guerra, no

    exagerado concluir que necessitaramos, assim, de uma renda nacional cerca de quatro

    vezes mais elevada do que a atual, ou seja, de 160 bilhes de cruzeiros. No se pode,

    infelizmente, transpor, de chofre, uma diferena to vultosa.

    A produo para o mercado interno est, bem o sabemos, condicionada s

    necessidades do consumo; estas variam de acordo com a produtividade e com o estgio

    de educao das populaes. A produtividade funo do nosso aparelhamento

    econmico e eficincia tcnica. A educao das populaes, por sua vez, depende dos

    recursos disponveis para o seu custeio.

    No possvel, tampouco, alcanar, com novas exportaes, o substancial

    enriquecimento indispensvel.

    No podemos, porm, nos quedar indiferentes ante esse vital problema brasileiro:

    a quadruplicao da renda nacional, dentro do menor prazo possvel.

    Preliminarmente, para resolv-lo temos que decidir se poderamos atingir essa

    finalidade pelos meios clssicos de apressar a evoluo econmica, estimulando pelos

  • processos normais as iniciativas privadas, as vrias fontes produtoras e o mercado

    interno, ou se deveramos lanar mo de novos mtodos, utilizando-nos, em gigantesco

    esforo, de uma verdadeira mobilizao nacional numa guerra ao pauperismo para

    elevar rapidamente o nosso padro de vida.

    As crticas, imparciais e objetivas, que tivemos oportunidade de citar e as

    consideraes j feitas demonstram ser impossvel satisfazer esse nosso razovel anseio

    com a simples aplicao dos processos clssicos.

    A prevalecer o lento ritmo observado em nosso progresso material, estaramos

    irremediavelmente condenados, em futuro prximo, a profundas intranquilidades

    sociais.

    Vulgarizam-se, cada vez mais, as noes de conforto, e as populaes

    subalimentadas e empobrecidas do pas aspiram, legitimamente, a melhor alimentao,

    habitaes apropriadas e vesturio conveniente.

    A nossa atual estruturao econmica no conseguiria proporcionar, ao povo em

    geral, esses elementos fundamentais do novo direito econmico.

    PLANIFICAO ECONMICA

    Impe-se, assim, a planificao da economia brasileira em moldes capazes de

    proporcionar os meios adequados para satisfazer as necessidades essenciais de nossas

    populaes e prover o pas de uma estruturao econmica e social, forte e estvel,

    fornecendo nao os recursos indispensveis a sua segurana e a sua colocao em

    lugar condigno na esfera internacional.

    A cincia e a tcnica modernas fornecem seguros elementos para o delineamento

    dessa planificao. Haja vista o que se fez na Rssia e na Turquia, quanto ao seu

    desenvolvimento material; considerem-se as planificaes levadas a efeito pelos Estados

    Unidos, pela Inglaterra e por outros pases em luta, para organizar as suas produes,

    dentro de um programa de guerra total.

    Graas aos numerosos inquritos aqui realizados, possumos hoje os elementos

    essenciais elaborao de um tal programa.

    Os Anais do Primeiro Congresso Brasileiro de Economia e as concluses ali

    votadas oferecem os inequvocos depoimentos das classes produtoras sobre os seus

    elevados desgnios de colaborar para o progresso do pas.

  • A parte nucleal de um programa dessa natureza, visando elevao da renda a um

    nvel suficiente para atender aos imperativos da nacionalidade, tem que ser constituda

    pela industrializao. Essa industrializao no se separa, porm, da intensificao e do

    aperfeioamento da nossa produo agrcola, a que ela est visceralmente vinculada.

    De fato, em um pas como o nosso, sero as indstrias mais intimamente ligadas s

    atividades extrativas e agropecurias as que usufruiro as mais favorveis condies de

    estabilidade e desenvolvimento.

    Depender ainda essa industrializao da intensificao do aperfeioamento dos

    transportes e dos processos de distribuio e comrcio.

    A planificao do fortalecimento econmico nacional deve, assim abranger por

    igual o trato dos problemas industriais, agrcolas e comerciais, como o dos sociais e

    econmicos, de ordem geral.

    Dentro das consideraes j expendidas, proporamos, como objetivo primordial,

    uma renda nacional superior a 200 bilhes de cruzeiros, na base do poder aquisitivo da

    moeda em 1942 e a ser alcanada dentro de um prazo de 10 a 15 anos. Desenvolver-se-ia

    o programa em planos quinquenais contnua e cuidadosamente revistos, cuja execuo

    obedeceria aos imperativos de uma verdadeira guerra econmica contra o pauperismo.

    Observadas as atuais condies de rentabilidade em investimentos dessa natureza

    e tendo em vista os valores empenhados em nosso atual aparelhamento econmico, no

    ser difcil avaliar em cerca de 100 bilhes de cruzeiros o montante mnimo necessrio

    para o financiamento desse programa.

    As maiores verbas da planificao seriam, sem dvida, utilizadas na eletrificao

    do pas, na mobilizao de suas vrias fontes de combustveis e na organizao de seus

    equipamentos de transporte.

    Abrangeria o programa a criao de moderna agricultura de alimentao e a

    promoo dos meios apropriados intensificao da nossa produo agrcola em geral.

    Seriam criadas indstrias-chave, metalrgicas e qumicas, capazes de garantir

    uma relativa autossuficincia ao nosso parque industrial e a sua necessria

    sobrevivncia na competio internacional.

    Toda uma srie de providncias correlatas deveria ser adotada; a montagem de

    novas escolas de engenharia, a vulgarizao de institutos de pesquisas tecnolgicas,

  • industriais e agrcolas; a intensificao do ensino profissional.

    Impe-se, da mesma forma, a criao de bancos industriais e outros

    estabelecimentos de financiamento.

    Uma imigrao selecionada e abundante de tcnicos e operrios eficientes

    cooperaria, em larga escala, para prover as diversas atividades, assim como para um

    mais rpido fortalecimento de nosso mercado interno, pelo alto padro de consumo a

    que estariam habituados esses imigrantes.

    QUESTES BSICAS

    Para o incio do financiamento de um tal programa, poderia o Brasil empenhar

    pelo menos 50% de suas atuais disponibilidades no estrangeiro. Evitar-se-ia, dessa

    forma, uma deflao, to prejudicial quanto a inflao a que ora assistimos.

    Intensificando a produo, concorreramos para diminuir os efeitos das emisses j

    realizadas e para conter as atuais fontes inflacionistas.

    O grau de intervencionismo do Estado deveria ser estudado com as vrias

    entidades de classe para que, dentro do preceito constitucional, fosse utilizada, ao

    mximo, a iniciativa privada e no se prejudicassem as atividades j em funcionamento

    no pas, com a instalao de novas iniciativas concorrentes. Proporcionar-se-iam, ao

    mesmo tempo, os meios indispensveis renovao do aparelhamento j existente.

    Caso adotada a planificao intensiva de nossa economia, no ser possvel a

    permanncia, por um certo prazo, das atuais normas de poltica comercial.

    No seria concebvel que, enquanto o pas desenvolvesse um formidvel esforo no

    sentido de montar o seu equipamento econmico, fosse ele, em pleno perodo

    construtivo, perturbado pela concorrncia da produo em massa, de origem aliengena.

    Ainda a poderiam ser observados os meios de defesa utilizados na Rssia e na

    Turquia, durante a sua reconstruo econmica.

    CONCLUSES

    Do exposto, oferecemos ao exame deste Egrgio Conselho as seguintes concluses:

    I O Conselho Nacional de Poltica Industrial e Comercial reconhece que a

    evoluo econmica do Brasil vem se processando em ritmo absolutamente insuficiente

    para as necessidades de suas populaes.

  • II A renda nacional, atualmente de cerca de 40 bilhes de cruzeiros, dever ser

    quadruplicada dentro do menor prazo possvel, a fim de que possa ser proporcionado s

    populaes um razovel padro de vida mnimo.

    III Devido nossa falta de aparelhamento econmico e s condies em que se

    apresentam os nossos recursos naturais, a renda nacional est praticamente

    estacionria, no existindo possibilidade, com a simples iniciativa privada, de faz-la

    crescer, com rapidez, ao nvel indispensvel para assegurar um justo equilbrio

    econmico e social.

    IV Essa insuficincia, em vrios setores da iniciativa privada, tem sido

    reconhecida pelo governo federal que, direta ou indiretamente como nos casos do ao,

    dos lcalis, do lcool anidro, do petrleo, da celulose, do alumnio e da produo de

    material blico , tem promovido a fixao de importantes atividades no pas.

    V Dadas todas essas circunstncias, aconselhvel a planificao de uma nova

    estruturao econmica, de forma a serem criadas, dentro de determinado perodo, a

    produtividade e as riquezas necessrias para alcanarmos uma suficiente renda

    nacional.

    VI Essa planificao, organizada com a cooperao das classes produtoras, dever

    prever a tonificao necessria a ser dispensada a todo o nosso aparelhamento de

    ensino, ao sistema de pesquisas tecnolgicas formao profissional, imigrao

    selecionada, vulgarizao do uso da energia motora e ao grande incremento de nossas

    atividades agrcolas, industriais e comerciais.

    VII O seu financiamento ser negociado dentro de novos moldes de cooperao

    econmica, de forma que, inicialmente, no se supercapitalizem os investimentos por

    despesas meramente financeiras, devendo as amortizaes ser condicionadas ao

    aumento da produtividade resultante da reorganizao econmica do pas.

    VIII Durante o perodo em que for executada a planificao econmica, devero

    ser adotadas normas de poltica comercial que assegurem o xito dos cometimentos

    previstos.

    Caso estas concluses sejam adotadas pelo Conselho e meream a aprovao do

    governo da Repblica, caber-nos-, assim como aos demais conselhos tcnicos, uma

    imensa tarefa na apreciao das vrias medidas necessrias organizao e execuo da

    planificao acima esboada com o alto propsito de assegurar ao Brasil a grandeza a

  • que faz jus.

    Rio de Janeiro, 16 de agosto de 1944.

    [Publicado em HORA DO POVO, n 2929 e n 2930, 21-26/01/2011 texto revisto]

  • Roberto Simonsen: a indstria e

    o desenvolvimento do Brasil (4)

    CARLOS LOPES

    A primeira proposta de Eugnio Gudin, contrapondo-se ao parecer de Roberto

    Simonsen - que publicamos condensadamente em nossas duas edies anteriores - a

    reduo do volume de obras e investimentos do governo federal ou por ele

    patrocinados (cf. rel. de Gudin Comisso de Planejamento Econmico, maro/1945,

    in A Controvrsia do Planejamento na Economia Brasileira, 3 ed., Ipea, 2010, pg.

    87, grifo nosso).

    O pretexto o mesmo de hoje: estancar a inflao. O fato do pas, na poca, estar

    em guerra, inclusive com tropas no front italiano - e, portanto, a inflao ter origem

    externa - no algo que Gudin leve em considerao, apesar de, nada menos, se tratar

    da II Guerra Mundial.

    A guerra comeara em setembro de 1939, ano em que a taxa de inflao no Brasil,

    medida pelo ndice de Custo de Vida, fora de apenas 2,7%. Desde 1936, a inflao estava

    em queda. Seu aumento, em seguida, correspondia a uma situao completamente

    anormal, isto , existncia de uma guerra mundial - 1940: 5%; 1941: 10,9%, 1942:

    12,1%; 1943: 15%; 1944: 27,3% (cf. Quadro I in Alberto Passos Guimares, Inflao e

    Monoplio no Brasil, 1 ed., Civ. Bras., 1963, pg. 10).

    Evidentemente, o Brasil no era um caso nico. Nos EUA, que, como ns, no

    entraram na guerra imediatamente, ela tambm se acelerara depois de 1939 em 1946,

    um ano aps o trmino da II Guerra Mundial, ainda estaria em 18,13%, o que, alis, era

    um dos espantalhos que a oposio republicana, assessorada por Friedman e outros

    futuros neoliberais, agitavam contra o governo Truman.

    As demais propostas de Gudin implicavam no aumento dos juros pela restrio

    monetria e de crdito; na canalizao de recursos da Previdncia para a especulao

    com ttulos; no fornecimento aos bancos privados de letras do Tesouro no redesconto

    (tornando-os credores, ao invs de devedores, como eram at ento, do Estado); no

    estmulo s importaes inclusive de produtos que o pas j fabricava (gradativa

    aproximao das taxas cambiais ao nvel de paridade do poder de compra do cruzeiro e

  • das moedas estrangeiras, acabando-se com o regime de licena prvia); no fim do

    controle cambial sobre o lastro da moeda (liberdade de exportao do ouro de produo

    nacional); e, enfim, que se d ao capital estrangeiro () favorvel acolhimento e

    igualdade de tratamento em relao ao capital nacional, que se suprimam quaisquer

    restries ou impostos que incidam sobre a remessa de lucros, juros ou dividendos de

    capitais estrangeiros investidos no pas.

    Se ao leitor tudo isso se parece com algo que j viu (ou ouviu) mais recentemente,

    pode estar seguro: o relatrio de Gudin, muito antes de existir a palavra

    neoliberalismo, ou desta se tornar corriqueira, rene toda a retrica econmica - e no

    era apenas retrica - entreguista, antinacional, antipopular, e, por consequncia,

    antidemocrtica que ouvimos desde 1990 e ainda hoje. Sobre o ltimo aspecto, Gudin

    apresenta-se sempre como uma vestal da liberdade, acusando seus oponentes de

    inimigos da democracia. Mas, diz ele, que seria um fero apoiador do golpe de 64,

    ningum nega os mritos da ditadura que se substitui ao caos (cf. A Controvrsia

    do Planejamento na Economia Brasileira, ed. cit., pg. 72).

    Tambm esto no relatrio o famigerado estado indutor dos tucanos (... a

    funo do Estado liberal , como dizem os ingleses, a de estabelecer as regras do jogo,

    mas no a de jogar) e... a privatizao das estatais, que ele no se atreve porque

    ento seria um escndalo a declarar-se a favor de abri-las totalmente ao capital

    estrangeiro (deveramos tratar de vender ao pblico as aes de propriedade do

    governo, permitindo ao capital estrangeiro uma participao de 30% ou 40%).

    Hoje, quando aparecem gnios apregoando que para aumentar a taxa de

    investimento (formao bruta de capital fixo/PIB) preciso diminuir (?!) os

    investimentos pblicos, nada h de novo sob o sol. Gudin j pronunciara essa prola de

    sabedoria em 1945 como, alis, em 1930, em 1954, em 1964, e, provavelmente, apesar

    desse mandamento ter-se mostrado sempre uma fraude, em todos os anos e dias at

    1986, quando morreu.

    Uma das caractersticas da poltica econmica reacionria ou seja, antinacional

    que ela no muda, sempre a mesma, independente das circunstncias, no importa o

    patamar que a economia tenha atingido ou que fase histrica esteja vivendo o pas. Que

    diferena h, exceto o penteado, entre Gudin, Roberto Campos ou Gustavo Franco?

    Essa poltica, por sinal, nada tem de anti-inflacionria. Pelo contrrio, ela deixava

  • o pas, como hoje, merc da especulao externa, com os preos determinados a partir

    de fora. Naturalmente, para compensar tal problema, era preconizado o aumento dos

    juros com o favorecimento dos que especulam com a dvida pblica. E para que os

    juros, ao encarecer os custos, no aumentassem tambm a inflao, suas taxas teriam

    que ser altas o suficiente para destruir ou paralisar, pelo menos parcialmente, o parque,

    as foras e os investimentos produtivos.

    Porm, a inflao est aqui mais ou menos como Pilatos naquela orao. Tanto

    assim que os remdios recomendados contra ela eram, essencialmente, inflacionrios. O

    essencial para Gudin & cia. era que o Estado no emitisse moeda, ficando dependente

    dos bancos para obter recursos. Ao mesmo tempo, era preciso impedir a desvalorizao

    das dvidas de pessoas e empresas para que os credores os bancos no tivessem

    diminudos os seus lucros reais. Da, j em 1945, Gudin brandia a inflao como

    principal problema do pas. A quebradeira que provocou como ministro da Fazenda do

    governo Caf Filho seria to ameaadora que provocou sua sada do Ministrio

    acompanhado de seu velho parceiro Octvio Gouveia de Bulhes, que nomeara para a

    Superintendncia da Moeda e do Crdito (Sumoc).

    CINCIA

    No precisamos defender Roberto Simonsen do ataque que Eugnio Gudin dirigiu

    ao seu parecer. Ele mesmo se encarregou da tarefa e, nas prximas edies, o leitor

    poder tomar conhecimento, atravs de suas prprias palavras, de um dos documentos

    mais importantes da Histria do pas. Existe apenas um ponto, ainda hoje envolto em

    confuso, que merece maior abordagem, o que faremos mais frente - aquele que se

    refere s estatsticas do Ministrio do Trabalho, Indstria e Comrcio, em especial ao

    clculo e ao conceito de renda nacional.

    Porm, algumas colocaes posteriores polmica, que subsistem ainda hoje, nos

    obrigam a uma anlise um pouco mais detalhada do relatrio de Gudin.

    Em primeiro lugar, uma observao sobre o fundo terico da discusso.

    Tornou-se quase lugar-comum a afirmao de que, apesar de Simonsen ter vencido

    a discusso naquilo que importa o caminho que o pas seguiria seus conhecimentos

    de economia como cincia eram extremamente precrios, o que deu a Gudin, em todas

    as fases do debate, uma grande superioridade tcnica (cf. Doellinger, em sua

    introduo primeira edio de A Controvrsia do Planejamento na Economia

  • Brasileira, ed. cit., pg. 30).

    Mais ou menos o mesmo dito, aps uma impecvel apresentao do debate e da

    posio de cada contendor, pelos professores Alosio Teixeira e Denise Lobato Gentil:

    De um ponto de vista estrito da cincia econmica, Gudin estava mais preparado que

    Roberto Simonsen, pois conhecia as teorias convencionais, dominantes poca (cf. O

    debate em perspectiva histrica in Alosio Teixeira, Gilberto Maringoni e Denise

    Lobato Gentil, Desenvolvimento - O debate pioneiro de 1944-1945, Ipea, 2010, pg.

    23).

    Resta saber se essas teorias convencionais tinham (ou tm) algo a ver com

    cincia econmica. Embora, no caso desses autores, para que o leitor no tenha uma

    impresso distorcida de sua posio, justo tambm frisar que eles dizem que:

    As limitaes da obra de Gudin como fonte de inspirao para ajudar na tarefa de

    superao do subdesenvolvimento eram grandes e bvias. Gudin estava preocupado em

    mostrar as virtudes e a eficincia da ordem gerada pelo livre mercado, quando era

    necessrio revolucionar o modo como a sociedade brasileira se organizava para produzir

    e distribuir riqueza. Simonsen concebeu sua teoria num momento histrico singular

    o inicio do processo de industrializao da economia brasileira, no perodo que se seguiu

    Grande Depresso e Revoluo de 1930 quando no havia uma explicao

    coerente para a profundidade e extenso do subdesenvolvimento; o prprio conceito

    sequer havia sido formulado. Ele no apenas ofereceu uma interpretao para os

    fatos como procurou mostrar a inconsistncia da teoria liberal, adotada por

    Gudin, apontando a falta de realismo de suas hipteses e a inadequao de

    seus instrumentos de poltica econmica para enfrentar os problemas

    brasileiros (Alosio Teixeira e Denise Lobato Gentil , op. cit., pgs. 22/23, grifo nosso).

    Portanto, estranha era a cincia econmica de Gudin, uma cincia

    inconsistente, inadequada para tratar a realidade alis, que fazia questo de ignor-la,

    em completa contradio com ela. Como observam os autores, a premissa de Gudin

    que a economia brasileira em 1945 j atingiu o pleno emprego e, mesmo, o

    hiperemprego - em outras palavras, haveria um descomunal excesso de emprego no

    Brasil. A partir disso, Gudin conclui que o aumento da produo industrial nacional s

    teria como resultado o aumento da inflao.

    Aqui, preciso dizer que ele tambm afirmava que o Brasil estava numa situao

  • de hiperinvestimento - capital excessivo investido em bens de produo (ao,

    mquinas e equipamentos) em detrimento dos bens de consumo - numa poca em que,

    com exceo de algumas iniciativas isoladas, a indstria pesada do pas era constituda

    somente pela recm-construda Companhia Siderrgica Nacional (CSN), coadjuvada

    pelas tambm estatais Companhia Vale do Rio Doce (CVRD) e Companhia Nacional de

    lcalis (CNA).

    No era por razes tericas que Gudin sacou seu hiperemprego e

    hiperinvestimento. Logo depois de mencionar essas duas fices, ele esclarece seu

    objetivo: Importa corrigir, quanto antes, o grave desequilbrio de nossa economia,

    reduzindo o nvel de nossas atividades no setor de investimentos (), aguardando que o

    trmino da guerra nos permita obter novos elementos de produo, que o nosso trfego

    martimo seja coadjuvado pela navegao estrangeira e por novos navios, que o carvo e

    a gasolina importados aliviem a presso sobre nossas estradas de ferro (). E de

    esperar que ento cesse tambm o fluxo ininterrupto das emisses de papel moeda,

    causado pela carncia das importaes (op. cit., pg. 94).

    Generalizando a observao de uma autora, a especialidade de Gudin no era a

    teoria econmica, mas transformar o seu interesse particular em opo universal para

    o pas (v. Maria Anglica Borges, Eugnio Gudin: capitalismo e neoliberalismo, Educ,

    1996, pg. 208).

    Nisso, ele, j em 1945, no se distingue dos neoliberais que pulularam por aqui a

    partir da dcada de 90. Ao contrrio dos chamados economistas neoclssicos - por

    exemplo, Lon Walras ou Alfred Marshall - que procuravam demonstrar, inclusive

    matematicamente, a sua teoria de que a oferta e a procura sempre entravam em

    equilbrio, ou do famoso Say, para quem os produtos sempre criavam procura para

    outros produtos portanto, as crises de superproduo no existem - os neoliberais no

    tm essa iluso, nem procuram demonstrar coisa alguma.

    Eles no acham que o mercado o regulador perfeito da economia ou da

    Humanidade. O prprio corneteiro do neoliberalismo, Friedrich von Hayek, havia

    contestado os neoclssicos nesse ponto, j em 1937 e Gudin, que cita Hayek em seu

    relatrio, repete a mesma coisa.

    Ento, se assim, de onde vem a f dos neoliberais no mercado?

    Primeiro, da f propriamente dita, embora pervertida. Trata-se mais de uma

  • religio do que de uma teoria econmica a crena no extraordinrio princpio filosfico

    (o prprio Hayek admitiu que no se trata de um princpio econmico) de que tudo o que

    espontneo melhor do que qualquer coisa que seja consciente. Segundo eles,

    qualquer planejamento feito por uma minoria, portanto, conduziria tirania. O fato

    da economia espontnea ser o capitalismo monopolista, ou seja, o domnio de meia

    dzia de monopolistas que manietam ditatorialmente o mercado, no abala essa crena

    sectria, pois no se trata de uma questo de lgica, mas de dogma alis, dos mais

    cnicos: ao visitar a meca do neoliberalismo no incio dos anos 80 (o Chile sob a ditadura

    de Pinochet), Hayek declarou: Pessoalmente, eu prefiro um ditador liberal do que um

    governo democrtico carente de liberalismo (entrevista a El Mercurio, 12/04/1981,

    pgs. D8/D9).

    Alm disso, e provavelmente muito mais importante, segundo os neoliberais, o

    mercado tem a virtude de eliminar os incapazes e premiar os mais capazes isto , os

    mais capazes de se aproveitar do bem comum e at de bens que no so comuns, mas

    so alheios. Naturalmente, entre os mais capazes, esto eles mesmos, e com destaque.

    Se o leitor pensa que ns estamos exagerando, pedimos apenas que se lembre do

    que aconteceu nos ltimos anos nos EUA inclusive com alguns portadores do Prmio

    Nobel de economia ou aqui mesmo, com aquela trupe tucana de professores de

    economia que, do dia para a noite, transformaram-se em bilionrios. Um dos ps-

    graduandos em economia de maior destaque no Massachusetts Institute of Technology

    (MIT), por falar nisso, chama-se Daniel Dantas.

    JARGO

    O trecho de Gudin que citamos acima suficientemente esclarecedor: sua questo,

    com a II Guerra Mundial prestes a terminar, era que o Brasil no continuasse a

    desenvolver uma economia independente - sobretudo dos EUA, que despontava como a

    nova potncia hegemnica do campo imperialista. Por isso, diz ele, tnhamos que ficar

    aguardando que o trmino da guerra nos permita obter novos elementos de produo.

    Que as suas premissas (hiperemprego e hiperinvestimento) e a sua concluso

    (a inevitabilidade do aumento da inflao, se a produo industrial crescesse) fossem

    manifestamente falsas, no era algo que lhe causasse embaraos, nem fazer com que as

    revisse. O que importava a ele no era a verdade, no era a cincia, mas chegar ao

    resultado prtico: o Brasil devia continuar importando produtos industriais da

  • Inglaterra e dos EUA, ao invs de desenvolver sua indstria prpria e fabric-los.

    Com todo respeito aos autores que mencionamos, em nossa opinio, no devemos

    confundir cincia com jargo ideolgico nesse caso, um jargo que Gudin repetiria,

    sem acrscimos ou subtraes, durante mais de 50 anos, em cada um de seus numerosos

    (e, ao fim, tediosos) artigos. Alis, exceto esse panfletrio propagandismo, suas nicas

    contribuies dignas de nota foram, quando ministro da Fazenda de Caf Filho, uma

    recesso e a famigerada Instruo 113 da Superintendncia da Moeda e do Crdito

    (Sumoc), permitindo que as empresas estrangeiras, sem qualquer cobertura cambial,

    fizessem seus investimentos no pas sob a forma de transferncia direta de mquinas

    usadas, que haviam se tornado tecnologicamente obsoletas em suas matrizes e pases de

    origem.

    Nem mesmo a ditadura que apoiou em 1964 conseguiu suport-lo depois do

    desastre, no governo Castello Branco, que foi a gesto de seu principal discpulo,

    Roberto Campos, no Ministrio do Planejamento, e do seu principal parceiro, Bulhes,

    na Fazenda, a ditadura preferiu recorrer a gurus econmicos menos alucinados...

    Roberto Simonsen, do ponto de vista terico, apesar do foco do debate ser a poltica

    econmica (isto , como desenvolver ou no as foras produtivas do pas), vai alm,

    abordando o fundamento de ambas as posies, ou seja, entrando diretamente no campo

    da economia poltica (o estudo das relaes de produo). Nesse terreno, ao nosso ver,

    expe a mediocridade do oponente. Por exemplo:

    Para S. S, o homo economicus da escola individualista o que deve imperar

    nos processos econmicos e sociais de hoje. No compreendeu que, pela contnua

    renovao da humanidade, pela transformao profunda por que passaram os povos,

    com os crescimentos demogrficos, com os processos da cincia e da tcnica e sob a

    influncia dos ambientes geogrficos, quem agora quiser compreender a possibilidade da

    existncia de um desenvolvimento pacfico mundial, tem que substituir o egosta homo

    economicus pelo moderno homem social que antepe aos seus prprios os interesses da

    coletividade (cf. A Controvrsia do Planejamento na Economia Brasileira, ed. cit.,

    pg. 154).

    E, logo adiante, aborda a questo sob o ngulo da histria das ideias econmicas:

    Acreditava-se no sculo XIX que a riqueza da comunidade era igual soma total

    do bem-estar material dos indivduos e que assim cada um, desejando melhorar a sua

  • prpria condio econmica, contribua automaticamente para a riqueza da comunidade

    em geral. Acreditava-se, ainda, que a atividade econmica era autorreguladora e que a

    iniciativa particular, no regime da concorrncia dos interesses individuais, era

    controlada pelo jogo desses prprios interesses. Desnecessrio era, portanto, o controle

    governamental no regime dos negcios. Mas a devastao das riquezas naturais, a

    ausncia de defesa em relao a mltiplos fenmenos meteorolgicos, as sucessivas crises

    econmicas, a existncia da misria em meio abundncia, a crescente concentrao de

    riquezas em mos de um pequeno nmero, a explorao do homem pelo homem, toda

    uma srie de imensos problemas criados pelas grandes aglomeraes urbanas, a

    profunda diferenciao na evoluo entre as naes ricas e as naes pobres, a

    impossibilidade de o sistema de preos refletir, num dado momento, as condies

    provveis dos mercados futuros tornaram evidente a insuficincia do primitivo

    automatismo social e econmico, admitido pelos economistas clssicos. Em consequncia

    surgem, cada vez com maior frequncia, os intervencionismos de Estado, ansiando por

    corrigir numerosas compresses, injustias sociais e sofrimentos geradores de crises e

    guerras. Mas enquanto as empresas particulares gastam largas somas em pesquisas, em

    estudos de organizao, procurando pressentir as necessidades das populaes,

    planejando o seu desenvolvimento e a conquista de mercados, nega-se, por simples amor

    a pretensos dogmas e doutrinas, o direito ao Estado de perquirir sobre os aspectos

    econmicos e sociais da vida comum, para habilit-lo, num planejamento adequado, a

    orientar a sua evoluo, dentro de um processo que aspire evitar, tanto quanto possvel, a

    ecloso de atritos e de crises de toda ordem (op. cit., pgs 154/155).

    Isso foi escrito em 1945 pelo fundador e presidente durante cinco mandatos da

    Fiesp!

    No preciso dizer que todo o desdobramento econmico posterior, no somente

    no Brasil, mas no mundo inclusive e sobretudo a atual crise confirmou o ponto de

    vista de Roberto Simonsen.

    [Publicado em HORA DO POVO, n 2931, 28/01/2011 texto revisto]

  • Roberto Simonsen: a indstria e o desenvolvimento do Brasil

    5

    CARLOS LOPES

    Hoje, com a distncia de mais de seis dcadas, parecem algo cmicos e realmente seriam, se no

    fosse o sofrimento por atacado que essa pregao implicava - os mtodos de Gudin travar polmica.

    Roberto Simonsen apontou os recursos francamente desonestos o principal, certamente, a

    falsificao do que foi dito (e escrito) pelo oponente ou rocambolescos (p. ex., extensas arengas sobre

    questes que no esto em foco) e observou que a mais constante prova de autoridade de Gudin

    constituda por citaes de si mesmo. Realmente, Gudin a autoridade em economia mais citada por

    Gudin.

    Alm disso, ele convoca testemunhas sem nenhum parentesco ideolgico com a sua posio -

    alis, em completa oposio a ela - para, supostamente, apoi-la.

    Ao leitor de hoje parecer incrvel que Stalin seja citado quatro vezes para provar isto ou aquilo -

    por parte do mesmo sujeito que descreveu o golpe de 64 como uma reao do povo brasileiro e de suas

    foras armadas contra a tentativa perpetrada por um conjunto comuno-anarquista que visava levar o pas

    ao caos e atrel-lo ao grupo de pases comandados pelo marxismo.

    Um pouco menos aberrante, mas quase tanto, parece ao leitor atual as suas menes hagiolgicas a

    John Maynard Keynes um autor que ele, em verdade, detestava, e com bastante razo: Keynes era o

    oposto, na economia poltica no-marxista, dos dolos americanos e ingleses de Gudin.

    Naturalmente, em 1945, Stalin e Keynes estavam no auge do prestgio at no jornal em que Gudin

    era diretor. Logo, que se danassem os escrpulos. Se que havia algum para se danar.

    Caracterstico o seguinte trecho, em que Gudin pretende combater a prpria ideia de planificao

    econmica:

    Stalin estava, pois, coberto de razo, quando, em entrevista concedida ao famoso escritor ingls H.

    G. Wells, dizia-lhe, a propsito do New Deal americano, que preciso saber-se o que se quer; ou economia

    liberal, respeito ao capital e incentivo a sua aplicao, ou comunismo, capitalismo de Estado (cf. Gudin,

    Rumos de poltica econmica, in A Controvrsia do Planejamento na Economia Brasileira, 3 ed.,

    Ipea, 2010, pgs. 69/70).

    Deixemos de lado a falsificao que, por mgica ou alqumica transmutao, tornou, subitamente,

    socialismo (alis, comunismo) sinnimo de capitalismo de Estado. No limiar da Guerra Fria e do

    macartismo, Gudin quer chamar de comunista a qualquer um mesmo um grande empresrio e

    presidente da Fiesp que seja a favor de uma economia brasileira independente, vale dizer, de um pas

    desenvolvido. Como Roberto Simonsen observou, Lenin, muito antes, quando formulou a Nova Poltica

    Econmica (NEP), j diferenciara socialismo de capitalismo de Estado. Resta acrescentar que Stalin,

    ao conversar com o escritor ingls, tambm no confunde um e outro o que fica na conta de Gudin.

  • PRINCPIO

    Na entrevista com H. G. Wells, em 1934, Stalin estava rebatendo a seguinte afirmao de seu

    interlocutor: Parece-me que o que est acontecendo nos Estados Unidos uma profunda reorganizao,

    a criao de uma economia planificada, isto , socialista (grifo nosso; a frase original de Wells foi: It

    seems to me that what is taking place in the United States is a profound reorganisation, the creation of

    planned, that is, socialist, economy).

    nesse sentido o de planificao socialista da economia que Stalin diz que nem haver

    planificao porque os Estados Unidos buscam propsito diverso do que buscamos na U.R.S.S. Os norte-

    americanos () esto tratando de reduzir ao mnimo a runa, as perdas causadas pelo sistema

    econmico existente. () Embora os americanos () atinjam parcialmente o seu propsito, quer

    dizer, reduzam ao mnimo tais dificuldades, no destruiro as razes da anarquia que inerente ao

    sistema capitalista. Esto preservando o sistema econmico que deve conduzir inevitavelmente - e no pode

    seno conduzir - anarquia na produo. De modo que, na melhor das hipteses, o que atingirem ser,

    no a reorganizao da sociedade, no a abolio do velho sistema social que engendra a anarquia e as

    crises, mas a limitao de algumas de suas caractersticas negativas, certa restrio aos seus

    excessos (grifos nossos).

    Stalin referia-se, portanto, s limitaes da planificao numa economia capitalista e, mais:

    numa economia capitalista central, isto , no capitalismo monopolista. nesse sentido que ele diz que no

    haver planificao do conjunto da economia, se ela permanece dominada por monoplios financeiros.

    No que tem, alis, toda razo. Tanto assim que a luta de Roosevelt e demais defensores do New

    Deal esteve sempre dirigida contra esses monoplios que, derrotados nas eleies para o governo e o

    Congresso, usaram a incensada Corte Suprema como ltimo (e bem sucedido) refgio. O caso da Alcoa,

    com 100% do mercado de alumnio dos EUA, monoplio que o governo Roosevelt, em 1938, no conseguiu

    desmontar devido a querelas judiciais, bem conhecido, e est longe de ser o nico. A propsito, de

    passagem, uma observao: o maior defensor do monoplio privado do alumnio, Alan Greenspan (para

    quem, literalmente, a Alcoa est sendo condenada por ser demasiado bem sucedida, demasiado eficiente

    e demasiado boa em competir), seria o presidente do Fed (o banco central dos EUA) que faria o pas

    imergir na mais grave crise desde 1929.

    Porm, antes, j em 1935, a Corte Suprema considerou inconstitucional o National Industrial

    Recovery Act (NIRA), proposta do governo aprovada pelo Congresso (16 de junho de 1933), que concedia

    poderes ao presidente para garantir a justa competio (fair competition) nos vrios ramos da economia.

    Como escreveu Roberto Simonsen, o NIRA tinha o intuito de proporcionar trabalho aos desempregados,

    incrementar o poder aquisitivo das massas, estabelecer as relaes industriais e abolir a concorrncia

    desleal, mediante atos de planejamento industrial (cf. A Controvrsia..., ed. cit., pg. 157).

    Naturalmente, foi em nome do livre mercado que o NIRA foi estigmatizado pela imprensa e

    rejeitado pela Corte Suprema. Ainda hoje existe vasta literatura propagandstica que atribui a Roosevelt,

    com essa lei, a inteno de criar... cartis e monoplios. Como se, na economia norte-americana, eles

    precisassem ser criados.

  • Nada do que foi dito a Wells tem a ver com a impossibilidade de outra coisa que no seja economia

    liberal ou comunismo. Stalin, ao contrrio, afirma que possvel a restrio de algumas caractersticas

    negativas do capitalismo, de reduzir ao mnimo a runa, as perdas causadas pelo sistema econmico

    existente, etc., e mais: teoricamente no est excluda a possibilidade de se caminhar

    gradualmente, passo a passo, sob as condies do capitalismo, at a meta pelo senhor chamada

    socialismo no sentido anglo-saxo da palavra. Mas que socialismo ser esse? Na melhor das hipteses,

    ser um freio aos representantes mais obstinados do lucro capitalista, certo reforamento do princpio

    regulador na economia nacional. Tudo isso est muito bem (grifos nossos).

    Portanto, a concluso de que somente possvel economia liberal ou comunismo somente de

    Gudin, pois economia liberal exatamente a ausncia de qualquer princpio regulador na economia

    nacional, isto , a supresso dos limites aos monoplios financeiro-industriais - que alguns cobrem com a

    falsa expresso livre mercado, hoje mais intil do que as folhas de parreira aps a expulso do Paraso.

    E, se era possvel certo reforamento do princpio regulador na economia nacional dos EUA, mais

    ainda na economia de um pas como o Brasil, que precisava, e ainda precisa, acelerar seu desenvolvimento

    e onde os monoplios so, fundamentalmente, externos.

    H ainda outra citao de Stalin: a crtica severa, no XVII Congresso do PCUS (1934), aos

    elementos burocratizados na direo das indstrias soviticas. Disso, Gudin conclui que toda interveno

    estatal na produo leva ao domnio da burocracia (como se os bancos e multinacionais no fossem,

    exatamente, gigantescas e cancerosas burocracias, impunes a qualquer crtica e sem controle da

    coletividade, sobretudo se comparados a estatais, como, hoje, a Petrobrs, ou, na poca, a CSN temendo

    um direto no ponto fraco, Gudin tenta fechar a guarda, chamando esta empresa de exceo).

    MODELO

    Resumindo: o parecer de Roberto Simonsen propunha uma poltica econmica para que o Brasil

    superasse o atraso em relao aos pases desenvolvidos. Gudin afirma que essa poltica no somente

    desnecessria, mas nociva e fantasiosa pois, chegar no nvel dos pases desenvolvidos, com a

    quadruplicao da renda nacional, mais propriamente matria literria, ou seja, fico, no

    melhor dos casos, utopia (Gudin, op. cit., pgs. 64/65).

    Sob a forma de uma no-poltica, de um deixar-fazer (laissez-faire), ele prope outra poltica

    econmica, que resume com as seguintes palavras: Acredito muito mais na anlise das deficincias, das

    deformaes e dos erros praticados em cada um dos setores da economia e no estudo da maneira de

    corrigi-los (op. cit., pg. 60).

    Naturalmente, ningum pode ser contra a anlise das deficincias, deformaes e erros e muito

    menos contra o estudo de como sanar esses problemas.

    Entretanto, as deficincias, deformaes e erros que Gudin quer corrigir so,

    sucintamente, como notou Roberto Simonsen, toda a poltica econmica do governo Getlio, todo o

    modelo econmico construdo aps a Revoluo de 30.

    O que era esse modelo, edificado em meio pior crise que o capitalismo passara at ento?

  • Ainda que incompleto, um bom resumo porque bastante curto fornecido pelo ex-ministro Joo

    Paulo dos Reis Velloso, em sua apresentao da polmica:

    O novo modelo foi emergindo atravs da mudana de preos relativos, as elevaes de tarifas de

    exportaes (em favor da indstria) e os controles cambiais. Resultado: o produto industrial voltou a

    crescer em 1931. E o PIB, em 1932. De 1932 a 1939, a taxa mdia de crescimento da indstria foi de 10%.

    Enquanto isso, nos EUA, o PIB em 1939 ainda no havia voltado ao nvel de 1929 (Velloso, in A

    Controvrsia do Planejamento na Economia Brasileira, ed. cit., pg. 13).

    Evidentemente, esse modelo era baseado em pesados investimentos pblicos, que, como sempre

    aconteceu na histria do pas, puxaram os investimentos privados.

    Diante disso, Gudin prope o que, aparentemente, uma volta Repblica Velha. No entanto, no

    a agricultura, mas o capital estrangeiro, que ele quer favorecer. A agricultura entrou em sua poltica

    porque, se o interesse do capital estrangeiro poca era dominar o nosso mercado atravs de produtos

    fabricados no exterior, Gudin tem de concluir que a indstria no remdio para a pobreza do povo. No

    entanto, no pode dizer que no h remdio para a pobreza. Tal afirmao, como outras, repetidas

    privadamente pelos futuros prceres da UDN, no era politicamente sustentvel em pblico algo que

    seu primeiro candidato a presidente, Eduardo Gomes, aprenderia com a derrota para o candidato dos

    marmiteiros. Gudin era mais esperto, ou mais desonesto: basta aumentar a produtividade da

    agricultura para que a pobreza desaparea do pas...

    Segundo diz, em vez de nos preocuparmos em industrializar o pas, precisamos de aumentar

    nossa produtividade agrcola, em vez de menosprezar a nica atividade econmica em que

    demonstramos capacidade para produzir vantajosamente, isto , capacidade para exportar

    (op. cit, pg. 106, grifo nosso).

    O mercado interno no tem funo nesse enunciado, pois produzir vantajosamente a mesma

    coisa que capacidade para exportar. O combate pobreza de Gudin nada tem a ver com a expanso do

    mercado interno portanto, , precisamente, a eternizao da pobreza.

    Para completar, nem na agricultura, segundo sua opinio, ns temos alguma chance, pois, logo

    seguida, diz ele: no se pode dizer que a natureza tenha sido especialmente generosa para conosco em

    suas ddivas de terras frteis e planas (idem).

    No vamos fazer comentrios, porque so desnecessrios, sobre esse profundo conhecimento

    geogrfico. Mas, resumamos a sua concluso:

    No podemos ser um pas industrial porque nos falta capacidade. E, na agricultura, a natureza nos

    foi ingrata. Assim, nada nos resta, exceto ser um apndice de povos e naes mais favorecidas - antes (ou

    at) que eles nos rejeitem. A outra soluo, supomos, emigrar para outro pas...

    Hoje, no preciso mais demonstrar que os pases agrcolas so mais pobres do que os pases

    industriais, ou que as relaes de troca comercial entre uns e outros so, via de regra, relaes de

    espoliao em favor dos segundos. Tambm em 1945 j no era preciso demonstrar o que , apenas, um

    fato. Desde o Tratado de Methuen, assinado no longnquo ano de 1703, em que Portugal desistia de uma

  • indstria prpria, trocando vinho pelos tecidos ingleses, tal constatao era um lugar-comum.

    Certamente, as consequncias desse tratado no impediram David Ricardo, mais de um sculo

    depois, de apresentar como prova de sua teoria das vantagens comparativas, exatamente a relao

    comercial entre Portugal e Inglaterra mas Ricardo, que era, privadamente, um especulador financeiro

    ingls nascido em uma famlia judaica expulsa de Portugal, tinha motivos para ver a realidade de uma

    determinada forma.

    O ex-ministro Joo Paulo dos Reis Velloso lembra um fato importante:

    [nos EUA] A nfase na industrializao, como sabido, nasceu da iniciativa do Secretrio da

    Fazenda, Alexander Hamilton, com seu Report on Manufactures, de 1791, base do argumento da

    indstria nascente. E a sua viabilizao veio com o Tariff Act de 1816. A opo brasileira foi feita na

    altura da Independncia: reafirmao do modelo de agricultura de exportao base da escravido, em

    grandes propriedades. Opo, alis, reafirmada em 1850, pelo Conselho de Estado, que assessorava o

    Imperador. () Opes dessa magnitude tm consequncias. No caso, a principal foi o salto verificado

    no hiato de renda per capita entre os dois pases: em 1820, a renda per capita dos EUA

    correspondia a uma relao de 1,9 para 1 em relao brasileira; em 1914, 6/7 para 1 " (op.

    cit., pg. 12, grifo nosso).

    Nesse caso, Gudin no achava que aquilo que servia para os EUA poderia servir para o Brasil. Pelo

    contrrio.

    Aqui, preciso notar que Gudin no defendia qualquer capital estrangeiro. Muitos anos depois de

    seu relatrio, no governo Juscelino, ele empreenderia uma campanha na imprensa contra a instalao de

    montadoras automobilsticas europeias no Brasil. Sua argumentao pode ser resumida rapidamente: era

    mais barato continuar importando carros - e o leitor pode adivinhar de onde (cf. o seu livro Inflao,

    importao e exportao, caf, crdito, desenvolvimento, industrializao, Agir, 1959).

    RAZES

    A ideologia de Gudin em 1945 (ou em 1986, quando morreu) no era qualitativamente diferente

    daquela exposta em 1897 - isto , cinco dcadas antes - pelo promotor da maior devastao econmica que

    j houve no pas at Fernando Henrique, o ministro da Fazenda do governo Campos Sales, Joaquim

    Murtinho:

    A indstria no constitui fim a que se deve procurar atingir custa de todos os sacrifcios.

    Limitemos paciente e corajosamente a expanso manufatureira pequenez dos nossos recursos econmicos

    e restrinjamos a ao governamental ao que ela pode oferecer de mais til e salutar ao desenvolvimento

    industrial de nossa ptria: a Ordem por meio da Liberdade, mantendo a paz a todo transe e fazendo

    desaparecer todas as peias regulamentares que entorpecem os movimentos da atividade individual. (...)

    No podemos, como muitos aspiram, tomar os Estados Unidos da Amrica do Norte como tipo para nosso

    desenvolvimento industrial, por no termos as aptides superiores de sua raa, fora que representa

    o papel principal no progresso industrial desse grande pas (grifo nosso).

    Gudin, em 1945, no fala na inaptido da nossa raa depois das mudanas efetuadas pelo governo

  • Getlio, e ao fim da guerra contra os nazistas, o racismo pblico e despudorado no era mais tolervel.

    Mas que explicao ele teria para a nossa suposta incapacidade em qualquer outra atividade econmica

    que no fosse a agricultura? Que maldio haveria sobre o povo brasileiro que o tornava incapaz para os

    empreendimentos industriais?

    Em Gudin, tanto quanto em Murtinho, a histeria contra a industrializao e o desenvolvimento

    nacionais era secundria ao seu servilismo em relao aos pases capitalistas centrais.

    Assim, atacando o parecer de Roberto Simonsen ao Conselho Nacional de Poltica Industrial e

    Comercial (CNPIC), ele escreve uma frase que teria descendncia: Todos que, no Brasil e alhures,

    quiserem compreender qualquer coisa da conjuntura econmica, precisam se compenetrar deste postulado:

    Estados Unidos bem, o mundo bem; Estados Unidos mal, o mundo mal (cf. A Controvrsia do

    Planejamento na Economia Brasileira, ed. cit., pg. 67).

    Reparemos que, segundo Gudin, isso era um postulado uma proposio que, para ser verdadeira,

    no precisa ser demonstrada.

  • Roberto Simonsen: a indstria e o desenvolvimento do Brasil

    6

    O texto que comeamos a publicar hoje a condensao da resposta de Roberto Simonsen ao ataque

    de Eugnio Gudin analisado em nossa ltima edio - diante do parecer ao Conselho Nacional de

    Poltica Industrial e Comercial

    ROBERTO SIMONSEN

    Em maro de 1944, o senhor Ministro do Trabalho, Indstria e Comrcio formulou, no Conselho

    Nacional de Poltica Industrial e Comercial, uma indicao no sentido de que se investigasse se a nossa

    evoluo econmica j havia estabelecido os princpios fundamentais que devem orientar o

    desenvolvimento industrial e comercial do Brasil, dando-me a honra de ser designado relator.

    Os elementos que alinhei nesse parecer, inclusive a observao a que dei realce especial, sobre a

    diminuio relativa da produo de gneros alimentcios, tm sido largamente comentados e aproveitados

    em estudos e crticas de toda espcie, que surgiram aps a sua publicao.

    Todos os ndices disponveis sobre a evoluo econmica demonstram a lentido do ritmo de nosso

    progresso em relao aos povos que, nos ltimos 150 anos, vm se colocando na vanguarda da civilizao,

    sendo, sem dvida, alarmantes as caractersticas de pobreza que afligem grandes zonas de nossa ptria.

    Mostrei que necessitamos pelo menos quadruplicar, dentro do menor prazo possvel, a renda

    nacional, para que possamos atingir um padro de vida que apenas se aproxime daquele que usufruem

    alguns povos que tm vida bem mais modesta do que as naes supercapitalizadas.

    Fao transcrever em anexo, na ntegra, esse parecer, para que os senhores conselheiros possam ter

    exato conhecimento da exposio, em que procurei, seguindo um mtodo rigorosamente cientfico, partir

    da coleta de um conjunto de dados, passando, em seguida, sua anlise objetiva, para oferecer, afinal,

    uma soluo ao problema, dentro dos recursos que os modernos aparelhamentos tcnicos, econmicos e

    polticos oferecem hoje aos povos que querem progredir.

    Desenvolveu-se o preparo desse projeto em sesses sucessivas do Conselho, dando lugar a um

    notvel relatrio final, que redigido a 10 de outubro de 1944 por uma comisso de que participaram os

    senhores Euvaldo Lodi, presidente da Confederao Nacional da Indstria; Joo Daudt dOliveira,

    presidente da Federao das Associaes Comerciais do Brasil e da Associao Comercial do Rio de

    Janeiro; Heitor Grillo, destacado tcnico brasileiro em assuntos agrcolas, e San Thiago Dantas, erudito

    cultor das letras jurdicas foi subscrito pela totalidade dos membros do Conselho.

    PLANIFICAO

    Alm dos elementos a referidos sobre o pauperismo brasileiro, a nossa histria econmica

    apresenta uma srie de ensinamentos que no podem ser desprezados.

    Na apreciao das evolues verificadas em vrios pases impem-se, cada vez mais, a nossa

  • considerao, as profundas diferenciaes existentes entre as estruturas econmicas e sociais das naes

    consideradas ricas e das que se encontram em pronunciado atraso.

    As mesmas instituies polticas, sociais e econmicas aplicadas a vrios povos produzem

    resultados diferentes, em razo das desigualdades de adiantamento do fator homem, da existncia e valor

    dos aparelhamentos produtores e da situao geogrfica.

    Na era vitoriana, se registrou um notvel progresso europeu e norte-americano, e enquanto nas

    naes que lideraram esse surto o comrcio cresceu sete vezes mais do que as suas populaes, no Brasil

    verificou-se um impressionante paralelismo entre esses dois fatores.

    Temos ainda que solver problemas bsicos no campo das atividades agrcolas, industriais e

    comerciais, bem como no que concerne ao aperfeioamento do nosso fator humano. Tomado o pas em

    conjunto, vivemos em estado de permanente pauperismo.

    Nas naes supercapitalizadas, o crescimento econmico gerou questes de outra natureza, mas

    tambm de extrema gravidade, muitas das quais so postas em evidncia pelo estudo dos chamados ciclos

    econmicos e pelo excesso de desemprego que se verificou nas ltimas dcadas. A guerra veio absorver

    esse desemprego, mas ele se apresentar novamente em futuro prximo, e cada vez mais ameaador,

    exigindo solues que ponham a salvo tradicionais instituies polticas, sociais e econmicas dos pases

    vitoriosos.

    Essas solues demandam a ao intervencionista do Estado, quer no interior do pas, atravs de

    uma adequada poltica monetria, social, de obras pblicas e de toda uma srie de medidas de ordem

    tcnica, quer no ambiente internacional, pela obteno de mercados que possam manter o ritmo do

    trabalho em nvel conveniente.

    O planejamento adotado nos pases em guerra tem que ser substitudo por outro que permita um

    razovel reajustamento s solicitaes da paz. Se no forem tomadas a tempo as necessrias providncias,

    verificar-se-o, dentro em pouco, inevitveis crises de propores assustadoras.

    Na Rssia desenvolveu-se, como em nenhuma outra regio, a tcnica do planejamento econmico,

    com carter nacional. Foi a adoo anterior dessa tcnica que facilitou a extraordinria resistncia que a

    nao sovitica pode oferecer s invases de Hitler.

    de se acentuar que o sistema de governo, a coletivizao da propriedade e o planejamento

    econmico desse pas so trs coisas diferentes, historicamente entrelaadas, mas que no tm lgica ou

    praticamente, dependncia uma das outras.

    A Rssia sovitica far, com maiores facilidades que outras naes, a transio da economia de

    guerra para a da paz, no porque tenha um governo ditatorial, ou porque todas as suas indstrias so

    propriedade do Estado, mas em virtude da sua maior experincia no planejamento econmico.

    Essa superioridade da Unio Sovitica concorre para perturbar, seriamente, a opinio mundial,

    porque o grande pblico no poder distinguir claramente entre a sua forma de governo e a sua tcnica de

    planejamento, da decorrendo, para as massas, a impresso de que s o comunismo ser capaz de salvar o

    mundo de um colapso econmico.

  • O planejamento econmico russo, no entanto, se firmou em grande parte nos ensinamentos, na

    tcnica e nos aparelhamentos dos pases capitalistas.

    ESTADO

    No Brasil, a fraqueza e a instabilidade econmicas nos levaram adoo de uma srie de

    planejamentos parciais e intervencionismos de Estado, sempre reclamados pelos produtores em

    dificuldades e, quase sempre, mais tarde, por estes mesmos, condenados. Desde a nossa independncia at

    h pouco vivamos praticamente no regime da monocultura.

    Ora, no possvel assemelhar a estrutura econmica de pases fortemente aparelhados e de

    produo diversificada industrial e agrcola, com a dos que exploram poucos produtos e, ainda estes, de

    natureza colonial. Essa uma das causas da nossa permanente insuficincia e insegurana econmicas.

    No dia em que os nossos homens pblicos tiverem sob suas vistas uma carta discriminativa dos

    padres de vida das diversas regies; um programa definido para o aproveitamento eficiente de nossas

    principais reservas naturais e para a melhoria da produtividade do nosso homem; a enumerao das

    medidas de ordem econmica, social e tcnica, que propiciem um rpido e substancial aumento da renda

    nacional; o estudo da conveniente localizao de considerveis massas de imigrantes e da redistribuio de

    nossas populaes, de acordo com os recursos econmicos disponveis ou a desenvolver nas diferentes

    regies; os delineamentos, em suma, do planejamento de uma verdadeira revoluo econmica, capaz de

    modificar radicalmente os ndices de nosso pauperismo nesse dia ser possvel a unio sagrada de todos

    os brasileiros para a soluo dos principais problemas da nacionalidade.

    A INICIATIVA PRIVADA

    O planejamento representa um