rio de janeiro colonial-o porto

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Rio de Janeiro colonial – a vocação para o comércio Inicialmente a corte portuguesa faz a opção de colonizar São Vicente, fundada por Martim Afonso. Mas, como podemos explicar este interesse? Já que não é uma localização que favoreça a extração do pau-brasil (que por lá não existia), tampouco seria pela adequação para a produção da cana-de-açúcar, afinal o nordeste possuía uma produtividade muito maior, além do que, sua proximidade com a Europa tornava o valor do frete um grande diferencial dos custos. Porem são Vicente era ponto inicial de uma trilha guarani que levava ao Paraguai estando desta forma mais próximo ao Prata. Eis ai a razão da atenção maior por são Vicente no início da colonização do sudeste. Em 1562 a coroa portuguesa criou a Capitania Real de São Sebastião do Rio de Janeiro. Que passa a ser a base política da corroa em relação à região do Prata. Com a expulsão dos franceses de Cabo Frio em 1575, o Rio inicia sua historia como porto do comércio atacadista do tráfico negreiro. Este comércio, apesar de fazer aportar na cidade um grande número de africanos escravizados, não fazia com que o Rio de Janeiro possuísse uma grande quantidade de escravos, pois, a maioria dos desembarcados tinham como destino a região do Prata (no auge do contrabando da prata). Ressalta-se que o escambo contrabandeado de negros por prata foi uma das primeiras atividades regulares da cidade. O comércio entre a Europa e o Oriente sempre foi deficitário para os europeus, sempre muito interessados nos

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destacar a importância atingida pelo comércio com a região, lembrando-se que a base de todo o comércio com a região era o Porto do Rio de Janeiro. O porto foi fundamental para a vida do Rio colonial, afinal através dele o “Rio comercial” se desenvolveu, e a partir dele a cidade cresceu, foi de grande O papel dos jesuítas na economia do Rio colonial

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Rio de Janeiro colonial – a vocação para o comércioInicialmente a corte portuguesa faz a opção de colonizar São Vicente,

fundada por Martim Afonso. Mas, como podemos explicar este interesse? Já

que não é uma localização que favoreça a extração do pau-brasil (que por lá

não existia), tampouco seria pela adequação para a produção da cana-de-

açúcar, afinal o nordeste possuía uma produtividade muito maior, além do que,

sua proximidade com a Europa tornava o valor do frete um grande diferencial

dos custos. Porem são Vicente era ponto inicial de uma trilha guarani que

levava ao Paraguai estando desta forma mais próximo ao Prata. Eis ai a razão

da atenção maior por são Vicente no início da colonização do sudeste.

Em 1562 a coroa portuguesa criou a Capitania Real de São Sebastião

do Rio de Janeiro. Que passa a ser a base política da corroa em relação à

região do Prata. Com a expulsão dos franceses de Cabo Frio em 1575, o Rio

inicia sua historia como porto do comércio atacadista do tráfico negreiro. Este

comércio, apesar de fazer aportar na cidade um grande número de africanos

escravizados, não fazia com que o Rio de Janeiro possuísse uma grande

quantidade de escravos, pois, a maioria dos desembarcados tinham como

destino a região do Prata (no auge do contrabando da prata). Ressalta-se que

o escambo contrabandeado de negros por prata foi uma das primeiras

atividades regulares da cidade.

O comércio entre a Europa e o Oriente sempre foi deficitário para os

europeus, sempre muito interessados nos caros produtos orientais, que em

contra partida possuíam pouco interesse nos produtos na Europa (armas e

tabaco eram exceções). Este déficit exigia que o comprador europeu realizasse

vultosas transferências de ouro e prata (preferencialmente) a fim de saldar os

pagamentos dos produtos orientais. Neste sentido a prata da América foi chave

primordial para a manutenção deste comércio. Para Portugal a prata

inicialmente entrou em seus cofres pelo contrabando de escravos e

mercadorias a partir do Rio de Janeiro com a região do Prata, este comércio foi

de importância capital para o Império português. O Rio recebia mercadorias

das mais diversas, vindas de diferentes locais, mais não resta dúvida que a

mais valiosa das mercadorias era o escravo.

Para Carlos Lessa: “a atividade econômica e a prosperidade do Rio

colonial pré Geraes eram, por conseguinte, de natureza mercantil urbana. O

Rio, antes de ser um centro com vida urbana, já era urbano por suas

articulações externas. O porto era o principal equipamento e a razão de ser da

vila.” Assim durante o século XVIII, o comércio entre o Rio de janeiro e a região

do Prata deu lugar as necessidades de abastecimento das Minas Gerais. Isto

aprofundou ainda mais a vocação comercial do Rio, ensaiadas desde os

primeiros tempos da colonização.

O Rio foi consolidando-se como um entreposto comercial, Amaral Lapa

destaca esta importância de centro obrigatório de passagem de mercadorias:

“a reexportação dos artigos originários de salvador pelo porto do Rio não se

destinava apenas ao Prata(…) No final do século XVIII (…) encontramos

ordens para que o tabaco baiano, exportável para a Índia, passasse a ser

enviado antes ao Rio de Janeiro de onde seria transportado ao oriente.”

Mas o Rio não foi somente comércio, outras atividades foram

desenvolvidas; extração de pau Brasil, produção de açúcar e aguardente; de

alimentos, principalmente a farinha de mandioca, criação de gado e alguma

construção naval. Em 1614, o governo autorizou que o açúcar fosse utilizado

como moeda para o tráfico negreiro, além disto, a produção de aguardente

também era importante no comércio com a África. Sem dúvida que essas duas

passagens explicam o crescimento e incentivo da atividade agrícola da cana de

açúcar no Rio de Janeiro. É interessante observar que em São Vicente a atividade açucareira não prosperou, apesar de possuir condições climáticas bem semelhantes ao Rio de Janeiro, portanto o fator diferencial entre o sucesso do Rio e o fracasso de São Vicente no que diz respeito à cana de açúcar foi, inexistência de uma relação direta com o tráfico negreiro. O tráfico combinado ao contrabando terminou por gerar um

fortalecimento da urbanidade e do desenvolvimento do Rio de Janeiro.

Quando ocorreu a União Ibérica o Rio de Janeiro foi amplamente

beneficiado, pois com a união de Portugal e Espanha não haveria limites ao

comércio com o Prata. Os portugueses, exímios pilotos de navegação no

estuário penetraram cada vez mais rio adentro em suas pequenas

embarcações. Este avanço se deu de tal forma que ao ser extinta a União

Ibérica havia cerca de 6.000 portugueses no Peru e 25% da população de

Buenos Aires era de lusitanos (LESSA, 2005), estes números servem para

destacar a importância atingida pelo comércio com a região, lembrando-se que

a base de todo o comércio com a região era o Porto do Rio de Janeiro.

O Rio prosperando no século XVIINão existem muitas fontes documentais que mostrem este processo de

expansão do Rio no século XVII, no entanto podemos avaliar este processo de

crescimento através da análise da multiplicação de templos religiosos: Nossa

senhora da Apresentação (1613), em Irajá; São Francisco da Penitência

(1619); Convento do Carmo (1619); São Francisco Xavier (1625); São

Cristóvão (1627); Candelária (1627); Igreja de Santa Cruz dos Militares (1628);

Igreja de Nossa Senhora da Conceição (1634); Igreja da Penha (1635); Igreja

do Rosário (1639); Nossa Senhora do Bom Parto (1649); Mosteiro e convento

de são Bento (inaugurado em 1652); em 1659 a ordem de São Francisco cria a

Província do Rio de Janeiro (agora separada da província de Salvador); Da

Glória do Outeiro (1671); Convento da Ajuda (1678) e Igreja de São Roque

(1697), em Paquetá, são exemplos desta proliferação.

Um grupo foi particularmente beneficiado com o crescimento da vila, os

Sá, descendentes do fundador, herdaram ou capturaram para si grande parte

do Rio de Janeiro. Eram os controladores do porto, na medida que a eles cabia

a emissão do atestado de carga, além disto também pertencia a eles o trapiche

de ver o peso, em termos de terras os Sá chegaram a possuir 50% das terras

de campos dos Goytacazes, além da Barra da Tijuca, Jacarepaguá, Guaratiba

e de metade da Ilha do Governador. Dentre os Sá o de maior notoriedade é

Salvador Correia de Sá. Quando da União Ibérica esteve ao lado dos

espanhóis sendo nomeado para cargos em Tucuman, Paraguai e Peru. Mais

tarde, rompida as relações com a coroa espanhola, é nomeado para cargos de

grande importância também no Império portugues, foi general das frotas do

comércio do Brasil e chefiou a reconquista de Angola em 1648. Foi

administrador das minas de São Paulo e São Vicente, mas ao final do século

XVII, Salvador de Sá já sabe que o verdadeiro Eldorado não eram as minas,

mas, o trafico de escravos. Vieira de Mello sintetiza: “Os Sá, do Rio de Janeiro

eram, sobretudo traficantes de escravos, e para tal fim lhes serviam os seus

estaleiros, engenhos, alambiques, as culturas de mandioca e de cana-de-

açúcar.”

Em 1680 é fundada a colônia de Sacramento, e os meios para esta

empreitada vem do Rio de Janeiro, tanto em forças (protetoras) como em

recursos financeiros, a intenção era estabelecer um ponto de apoio ao

comércio com a região do prata. No entanto os espanhóis atacam e destroem

Sacramento, somente em 1682 Tavares Rondon recupera-a. Para a

manutenção da colônia mais uma vez o Rio envia recursos, o centro mercantil

do Rio de Janeiro exige e obtém em 1697 o controle total do comércio da

colônia. O Rio financiou a política no prata, e foi de grande importância

geopolítica na retaguarda da expansão Lusa na região sul. No entanto, esta

opulência financeira externa não representou um aumento significativo da

monetarização interna da vila. Mas como entender então que tanta riqueza

externa não representasse um aumento de riqueza circulante dentro da vila? A

resposta é o entesouramento, sendo assim o Rio, desde o início, comportou-

se como grande caixa-forte de reservas de metais preciosos, legais ou ilegais.

Grande parte destas reservas foi transformada em objetos de uso, justificando

o grande número de ourives que possuía o Rio de Janeiro.

A partir do início do século XVIII intensifica-se o tráfico negreiro, este

aumento tinha como objetivo o abastecimento de escravos nas Minas Gerais e

o aumento da produção de açúcar, neste momento o Rio chega a ocupar a

terceira posição na produção açucareira atrás de Bahia e Pernambuco. Para

que possamos avaliar, segundo Carlos Lessa: “Entrou de 1736 a 1810 pelo

porto do Rio de Janeiro a multidão de 580 mil escravos.” Neste período

existiam 17 navios registrados dedicados exclusivamente ao comercio escravo

no Rio de Janeiro. Mas o Rio não era apenas centro do comércio exterior era

também o centro do comércio de cabotagem da colônia. Escravos eram

trocados pelo fumo baiano e por alimentos com a região sul. O Rio centralizava

o comércio atacadista da colônia. Vende escravos, alimentos e produtos

manufaturados importados e em troca recebe ouro e diamantes.

A importância do porto: crescendo com a cidade e fazendo a cidade crescer

O porto foi fundamental para a vida do Rio colonial, afinal através dele o

“Rio comercial” se desenvolveu, e a partir dele a cidade cresceu, foi de grande

importância na vida e no crescimento da cidade, sua importância foi tanta que o

local inicial do porto (região da praça XV) manteve a centralidade da cidade

mesmo com o deslocamento do porto.

O porto onde se podia fundear a nau em segurança, protegida contra

ventos e assaltos, onde se podia abastecê-la e realizar manutenções. Assim o

Rio manteve suas características iniciais de crescimento, o porto era o centro e

a partir dele o Rio se expandiu em camadas “feito casca de cebolas”, e

manteve até hoje o mesmo modelo expansionista. A cidade do Rio, é um local

em que o centro da cidade na verdade não está em seu centro, se assim

podemos dizer, o centro do Rio encontra-se um uma de suas “laterais”, e isto

devemos a forma como o Rio cresceu, fazendo de seu principal ponto seu

centro (o porto) muito embora não o fosse geogaficamente.

O papel dos jesuítas na economia do Rio colonial

Desde o inicio a companhia de Jesus exerceu importante papel na vida

econômica do Rio de Janeiro, desde o século XVI. A ordem fundou o colégio,

no morro do castelo e operou o primeiro porto na base do morro. Muitos

engenhos, como Engenho Novo, Engenho Velho, São Cristovão, Macaé,

Campos dos Goytacazes e Santa Cruz, são exemplos de engenhos fundados

pelos jesuítas. Em Santa Cruz e em Campos a ordem ainda desenvolveu a

pecuária, vindo a tornar-se importante abastecedora de carne para a vila do

Rio. Os implementos da companhia eram rentáveis, ela controlava a educação.

Sua engenharia era avançada, tendo construído na região de Sepetiba uma

rede de canais navegáveis, além de drenagem das baixadas, interligando a

região do rio Guandu ao rio Itaguaí.

Ao assumir o governo português, o Marques de Pombal decidiu pela

expulsão dos jesuítas das terras portuguesas, em 1760, 200 padres são

expulsos do Brasil e as terras da companhia foram desapropriadas e loteadas.

O Rio cresceu lentamente, mas, seu crescimento dinamizou toda a região em

torno da vila desde os primeiros momentos de sua fundação, o comércio se fez

uma atividade presente, mais tarde a economia açucareira foi o desdobramento

do capital obtido com o comércio com a região do prata e com a África.

Podemos assim dizer: O Rio foi o laboratório onde foi gerada a

urbanidade do Brasil. Uma vila, até certo ponto modesta, porem forte praça

comercial e marítima.