revista retrato do brasil

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WWW.RETRATODOBRASIL.COM.BR | R$ 9,50 | N O 66 | JANEIRO DE 2013 retrato doBRASIL CHARLATANISMO COMO O MINISTRO AYRES BRITTO FOI LEVADO A CONDENAR OS BEM-TE-VIS HOMENAGEM SÉRGIO MIRANDA (1947-2012), NOSSO DIRETOR, UM REVOLUCIONÁRIO COMO POUCOS

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O Blog Megacidadania e Xeque-Que-Mate Noticias disponibilizaram a revista que mostra a verdade!

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Page 1: Revista Retrato do Brasil

WWW.RETRATODOBRASIL.COM.BR | R$ 9,50 | NO 66 | JANEIRO DE 2013

retrato doBRASIL

CHARLATANISMO COMO O MINISTRO AYRES BRITTO FOI LEVADO A CONDENAR OS BEM-TE-VIS

HOMENAGEM SÉRGIO MIRANDA (1947-2012), NOSSO DIRETOR, UM REVOLUCIONÁRIO COMO POUCOS

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Mensalão

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Page 3: Revista Retrato do Brasil

1966 retratodoBRASIL |

Que conclusão o prezado leitor tiraria ao saber de lista com grandes depósitos feitos pelo famoso Marcos Valério na conta da maior emissora de TV do País?

por Lia Imanishi

OS MINISTROS DO Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Ação Penal 470, a do chamado mensalão, consideraram ser uma “balbúrdia” a gestão da Diretoria de Marketing do Banco do Brasil (BB), a partir da qual teriam desaparecido 73,8 milhões de reais tidos como a viga mestra do tal escândalo. Parodiando esses ministros, depois de meses de pesquisa nos autos da AP 470 para avaliar a propriedade do julgamento feito, poderíamos dizer que essa documentação é uma “balbúrdia”. Ela é gigantesca. Tem cerca de 50 mil páginas. E é formada, em grande parte, por documentos de auditorias feitas pelo próprio Banco do Brasil para investigar a existência do tal desvio e por material de incursões da Polícia Federal nos arquivos da Companhia Brasileira de Meios de Pagamento (CBMP). Nos arquivos dessa empresa, cujo nome fantasia era Visanet

pagamentos feitos com o uso do Fundo de

as ações de marketing do BB para vender cartões de bandeira Visa.

ESCÂNDALO?!A REDE GLOBO FICOU COM O DINHEIRO DESVIADO DO BANCO DO BRASIL?

Na edição de Retrato do Brasil de nº 65, dezembro, em “A prova do erro do STF”, publicamos uma lista, feita a partir de documento de escritório de advocacia da Visanet, dando conta de que a tese básica aprovada pelo STF, a de que o desvio de 73,8 milhões existiu, é despropositada: através de seus advogados, a Visanet diz, em documento para a Receita Federal, que a empresa de Valério realizou todos os trabalhos de promoção listados, num valor total basicamente igual ao montante do suposto desvio. Para esta reportagem,

como tomar conhecimento da existência desses eventos, investigamos, nos autos, provas de sua execução. Procuramos um dos eventos da lista da Visanet que pu-blicamos. Como já dissemos em edições anteriores, eles são descritos em “notas

as ações de promoção e marketing progra-madas pelo BB. No caso, procuramos a NT 2004-3165 PT 2004-2274. NT é, ob-viamente, Nota Técnica;; 2004 é o ano em que a ação foi decidida;; 3165 é o número da ação;; e 2274 é o número do protocolo (PT) da ação naquele ano.

É difícil explorar a documentação relativa ao desvio de dinheiro do BB nos

dentes a uma ação estão em um apenso diferente da ação em si. Não se respeita a ordem cronológica dos fatos. Documen-tos se repetem ou são mal copiados. Falta

processo;; e por aí vai. Mas, de início, segui-mos a regra. Buscar o dinheiro. E vimos

que dezenas de apensos do processo estão

tes bancários de pagamentos feitos pela DNA, a agência do publicitário Marcos Valério, por meio da qual o BB realizava as ações de promoção e propaganda pagas com os recursos do FIV.

A NT-3165, em resumo, é a proposta de um gasto de 11,5 milhões de reais para a promoção dos cartões de bandeira Visa do BB em 2004. Ela ocupa seis páginas do apenso 423 entre as páginas 28.353 e

texto da nota diz que ela dá continuida-de à campanha feita no ano anterior de

cartões de bandeira Visa do BB. Diz que, entre os bancos emissores de cartão de crédito e débito, o BB mantinha a lide-rança em faturamento, com 16,39% do mercado, sendo seguido por Bradesco, com 13,64%, Itaú, com 13,11%, Uni-banco, com 7,35%, e ABN, com 5,48%. Diz que a estratégia do BB na campanha era substituir os cartões BB Visa Elec-

uma base de 11,6 milhões de clientes com cartões. Desses, apenas 5 milhões tinham a função crédito ativada, diz a nota.

A expectativa, com a campanha, era ativar essa função nos 6,6 milhões de cartões restantes. Para isso, a Diretoria de Varejo, do banco, encarregada da venda dos cartões, propunha que fossem aplicados 7 milhões de reais em mídia aeroportuária e exterior e 4,5 milhões em mídia televisiva, impressa, de rádio e

É a Globo no mensalão? Na página ao lado, no fundo, uma planilha de inserções de anúncios feitos pela empresa de Mar-cos Valério, para promoção dos cartões

de bandeira Visa do Banco do Brasil, nos principais programas da TV Globo, em

Brasília e em Belo Horizonte. Sobrepostos à planilha, recibos de quatro depósitos

feitos pela empresa, a DNA Propaganda Ltda., na conta da TV Globo Ltda.

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nessas atividades? Enfrentando a, vale repetir, “balburdia” da documentação da AP 470 relativa ao Fundo de Incentivo Visanet, RB foi em busca das provas. Encontramos os primeiros comprovantes de pagamento no apenso 381, bem longe do 483, no qual está a NT 3165.

Chamou nossa atenção uma nota

conta de um serviço de 42.033,31 reais. E em outro local, na página 17.278 do mesmo apenso, um comprovante de transferência eletrônica bancária, uma TED, da conta da DNA Propaganda

Ltda., no mesmo valor, com data, hora e local do depósito. Algumas páginas depois, aparece até um documento de recolhimento de DARF, ou seja, o re-colhimento de Imposto de Renda que o BB faz por conta do pagamento feito à

receber os 42.033,31 reais.São muitos os depósitos da DNA para

TV e outras. No apenso 447, outra TED -

outubro de 2004. No apenso 457, outro comprovante mostra depósito de 276,9 mil reais para a emissora, três dias antes. Nesse mesmo apenso, mais duas TEDs

S.A., de 113,6 mil reais, em 15 de outubro de 2004, e 49,5 mil, em 1º de novembro do mesmo ano.

Depois de mais algumas horas em meio à confusão dos autos, no apenso 384 localizamos planilhas detalhando

-rocard em várias emissoras de televisão. No alto das páginas, à direita, o número do protocolo PT 2004-2274 garante que ela é relacionada à NT 3165. Na página

dando conta de 18 inserções de anún-cios nas transmissões da emissora para a capital paulista, no valor de 487,7 mil reais. A planilha mostra que o anúncio, de 90 segundos, passou em intervalos dos programas Big Brother Brasil, Domingão

Jornal Nacional, Novela I, Novela III, Praça TV 2ª Edição e Zorra Total. A vei-culação no intervalo do Jornal Nacional, a mais cara da emissora, saiu por 57,83 mil reais. No intervalo da novela das nove, custou 57,36 mil reais.

NO BB, DEVERIAM SER CONDENADOS 20 E NÃO APENAS 1?O STF acha que o desvio existiu. Deveria, então, punir todos

Uma “nota técnica” do banco do Brasil (a NT 3165, veja no texto ao lado) é o maior investimento feito na gestão de Henrique Pizzolato, o diretor de Marketing do BB condenado pelo suposto desvio de 73,8 milhões de reais do banco. Contrariando a tese apresentada pelo ministro Barbosa no STF, de que Pizzolato teria autorizado, sozinho, o adiantamento do dinheiro para a DNA, a nota é assinada por mais de 20 pessoas do BB, do Comitê de Comunicação, da Diretoria de Marketing, da Diretoria de Varejo, no documento ao lado. É assinada, inclusive, pelo próprio Conselho Di-retor do BB, como se vê por anotação da secretária da diretoria, à qual a NT 3165 foi submetida em 31 de agosto de 2004. Esse conselho era composto, na época, pelo presidente do banco, Cássio Casseb, e por seus sete vice-presidentes: Ros-sano Maranhão (área Internacional), Cerqueira César (Tecnologia e Informação), Edson Monteiro (Varejo e Distribuição), Luiz Eduardo (Finanças), Luiz Osvaldo Santiago (Recursos Humanos), Ricardo Conceição (Agronegócios) e Lima Neto (Corporativo). Teriam todos esses diretores e o presidente participado, junto com Pizzolato, do desvio do dinheiro da Visanet? Deveriam ser todos eles acusados e condenados como Pizzolato? Óbvio que não, porque o desvio, de fato, não existiu.

Uma parceria pelageração de trabalhoe renda no país.

www.fbb.org.br/bndes-fbb

A Fundação Banco do Brasil e o BNDES

se uniram para promover o desenvolvimento

sustentável de comunidades rurais e urbanas

que vivem em situação de vulnerabilidade

econômica, por meio de programas

e tecnologias sociais voltados à geração

de trabalho e renda.

Em três anos, foram investidos

R$ 130 milhões, envolvendo mais

de 120 mil famílias no processo de transformação social.

Nas outras emissoras as planilhas mostram inserção de anúncios em di-versas capitais brasileiras, também nos seus mais famosos programas, embora a preços unitários e valores totais bem

entre as emissoras. É natural que tenha

Visanet. Além da campanha programada pela NT 3165, outras três campanhas da

-

na edição passada. Uma é a Campanha

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O PIOR CEGO: O STF NÃO QUIS VER QUE ERROUNo quadro acima estão seis imagens: 1) a de um ponto de ônibus no Rio, com propaganda do cartão Visa do Banco do Brasil, de janeiro de 2005; 2) a de um anúncio em página dupla na revista Época, publicado em janeiro de 2005, para anunciar o que é considerado o “maior evento do tênis na América Latina”, com patrocínio da Petrobras e do cartão Ou-

rocard, o “Brasil Open da Costa do Sauípe”, Bahia, de 12 a 20 de fevereiro daquele ano; 3) um pôster gigante do Ourocard, no Shopping Taguatinga, do Distrito Federal; 4) um anúncio publicado na Folha de S. Paulo, em julho de 2003, com pro-moção do cartão Ourocard, a propósito do Festival de Inverno de Campos do Jordão, patrocinado pelo governo do Estado de São Paulo e pelo BB; 5) um anúncio no jornal DCI (Diário

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de 1,8 milhão. A terceira, a Campanha

Somando as três, são mais 3,3 milhões de reais que saíram da conta da DNA para

parte dos eventos culturais promovidos pelo Banco do Brasil com uso de recursos do fundo da Visanet têm publicidade pela televisão. Para calcular quanto, no total, a

necessário organizar a documentação da AP 470 com outro propósito, não, como já dissemos, o dos procuradores-gerais da República encarregados de investigar o mensalão e o do ministro hoje presidente do STF, Joaquim Barbosa.

dissemos na edição anterior, se compor-taram como investigadores e juiz de um processo medieval. Não partiram para a comprovação material do crime, em pri-

tinha matado o santo papa. E não foram ver se o papa estava morto, para provar

que o crime, de fato, existia. Se tivessem feito isso, se tivessem primeiro buscado provar a materialidade do crime, achariam nos autos abundantes indícios de que os serviços tinham sido realizados e de que o crime, o desvio, não existia.

Como os procuradores e Barbosa partiram, como nos tempos medievais, primeiro em busca dos criminosos, não lhes interessava ver esses comprovantes de que o crime não existiu. De que for-ma poderiam interpretar os depósitos na

empresa deu recibos frios, que pegou o dinheiro do BB e repassou para a tal qua-

da Casa Civil José Dirceu, do governo Lula, comprar deputados?

direito os autos. E deveriam ter ido além dos autos, para entender o que foi a promoção e publicidade para a venda dos cartões de bandeira Visa do BB. A procuradoria apresentou durante a

fase processual, como testemunha para avaliar os documentos desses serviços, um engenheiro que entendia tão pouco de publicidade que foi desqualificado como perito pelo STF. RB entrevistou uma pessoa que entende dos serviços feitos. “Todo publicitário sabe que é im-possível desviar 73 milhões de um banco com campanhas publicitárias”, diz um ex-executivo da DNA, na nova agência

“Como você vai falsificar um recibo

dez anos para o BB, quando estourou o escândalo do mensalão. A DNA era a

todos os prêmios importantes no Brasil. Teve peças selecionadas para o Festival de Cannes de publicidade. “Tínhamos 120

ver uma agência que era um sonho para muita gente acabar desse jeito. A DNA ga-nhou, em 2003, a medalha de prata no 19º Prêmio Colunistas Brasília, na categoria

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Comércio e Indústria) da campanha de Natal de promoção do cartão de bandeira Visa do BB; e 6) o roteiro do anúncio para a promoção do cartão Ourocard Visa veiculado nos intervalos do Domingão do Faustão para as TVs do estado de São Paulo, em janeiro de 2005. Todas as seis são imagens do Arquivo da Propaganda, uma empresa sediada em São Paulo que acompanha a realização das campanhas de publicidade

para ajudar as agências do ramo a controlarem os trabalhos dos veículos que utilizam e para terem conhecimento do que estão fazendo os seus concorrentes. Se quisesse ver, de fato, se as promoções com os recursos do Fundo de Incentivos Vi-sanet tinham sido realizadas, bastava ao STF ter consultado o Arquivo da Propaganda. Mas o Supremo agiu como o pior cego: não quis ver.

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campanha ‘Investimentos BB’. Em 2004, ganhou o grande prêmio de comercial do ano da 20ª edição do mesmo prêmio, com a peça ‘Banda’, e a medalha de bronze, com a peça ‘Família’. E mais inúmeros outros prêmios”, ele conta.

do ano que passou, a fúria punitiva do STF ainda não passou. Tem ministro querendo processar até o presidente da Câmara dos Deputados se ele não cassar os deputados condenados na AP 470. Mas ele explicou detalhes técnicos das cam-panhas de promoção e publicidade para a venda dos cartões do BB de bandeira Visa. Como se pode concluir da lista de eventos desse período, do total dos 73,8 milhões de reais para os anos 2003-2004, mais de 30% foram gastos em “mídia exterior e aeroportuária”, aí inclusos os 7,5 milhões, já citados, e alocados para este

RB pede ao publicitá-

rio para explicar o que são essas mídias. Em mídia exterior se inclui “mobiliário urbano”. Durante o julgamento, muita

quem achasse que a DNA teria comprado móveis com o dinheiro da Visanet, o que foi considerado totalmente descabido.

compra de móveis às vezes é necessária para uma determinada promoção. Mas, no caso, mobiliário urbano, quer dizer locais,

-zes e exibidos diversos tipos de propa-

vídeos. “Isso é regido por leis municipais.

bancas de jornais, fachadas laterais de edifícios, relógios de tempo e temperatu-ra, placas de rua e painéis back light, os iluminados por luzes internas. Também é

em outdoors e a que envelopa ônibus e táxis”, diz ele. “Já a mídia aeroportuária aparece em painéis nas salas e portas

das salas de embarque e desembarque, nas portas de aeroportos, nas esteiras de bagagem, em painéis chamados carrossel, back light e escadas rolantes”.

documentos sobre as campanhas de mídia exterior e aeroportuária. Alguns exemplos:

-ções de propaganda do BB em aeropor-tos. A empresa responsável pela inserção é a Meta 29.

-relhos de vídeo de aeroportos, localizados na área comercial e nas salas de embarque.

de 2005, por exemplo, dá conta de 298 registros de exibição de propaganda do BB, das 4h da madrugada às 23h59.

e 319 mil e comprovante de depósito na conta corrente de 430,1 mil reais para a empresa Carré Advertising Ltda.,

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A ASSOCIAÇÃO DOS MAGISTRADOS DO BRASIL DESVIOU DINHEIRO DA VISANET?Eram 3 mil juízes, lá estava até a Daniela Mercury. Será que isso também não existiu?

uma das maiores no setor de mídia ae-roportuária.

da Clear Chanel Adshel, grande empresa do setor de mobiliário urbano, referente à instalação de propaganda nos relógios de rua do Rio de Janeiro, uma de 46,9 mil reais, outra de 168 mil e, mais adiante, outra de 337 mil reais.

-lhando as ruas principais de São Paulo para o tráfego de ônibus com as sua transversais mais próximas dos 540 pontos de abrigos para passageiros onde foram colocados materiais de promoção dos cartões do BB.

RB que existe uma forma ainda mais simples

publicitária foi feita, e que ela poderia ter sido usada pelos ministros do STF. Ela se chama Arquivo da Propaganda e é o maior acervo publicitário do Brasil. Ele coleta e arquiva todas as campanhas de propaganda de TV, revistas, jornais, in-ternet, rádio e mídia exterior. A empresa foi fundada em 1972, pelo publicitário e artista plástico Newton Carvalho. Fica na capital paulista, na avenida Jabaquara, 2.940, 1º andar. Ela tem uma engenharia de software própria e uma infraestrutura de internet com sistemas de pesquisa on-line. Tem aplicativos para disponibilização na rede ou intranet do cliente e ferramen-tas para análises quantitativas. Qualquer um pode acessar o material do Arquivo da

Propaganda, a partir de pedidos avulsos. Também pode ser assinante. Nesse caso, seleciona os produtos ou serviços que deseja acompanhar, as mídias, a forma de recebimento e a periodicidade – men-sal, quinzenal, semanal ou diária. Existe uma assinatura voltada exclusivamente para agências de propaganda. Com ela é possível solicitar material sobre qualquer setor ou período. A agência recebe uma planilha de computador do tipo Excel, e a partir dela lista e escolhe as campanhas que quer ver. Essa assinatura dá direito a uma cota de cópias de anúncios ou comerciais e gravações. A partir dessa cota, a agência tem que pagar mais se

publicitárias está catalogado por produto ou serviço, anunciante e período.

Através desse arquivo também é

da veiculação das campanhas, com os locais e o número de vezes que cada campanha foi veiculada. Esse controle pode ser feito para peças publicitárias de TV, mídia impressa, rádio ou mídia

veiculação e o arquivo faz um relatório indicando se ela foi ou não cumprida.

nos intervalos dos programas determi-nados. Se um comercial não foi inserido conforme programado, o cliente pode solicitar a gravação do programa onde a inserção deveria ter ocorrido para

averiguação junto à emissora. No caso da mídia impressa, o arquivo confere a publicação nos jornais e revistas pre-determinados e informa a publicação ou não de cada anúncio programado. Enquanto a fiscalização se destina a monitorar as próprias campanhas das agências, o controle de veiculação permi-te à agência acompanhar as campanhas dos seus concorrentes.

RB explicando como foi o fechamento da DNA e o que foi feito de seus arquivos. “Quando estourou o negócio todo e veio a acusação de desvio de dinheiro da Visa-net, fui ajudar a levantar tudo que existia. Tínhamos todas as faturas de pagamento, as notas recebidas. Quando houve a mu-dança nas normas do Banco do Brasil,

às reformas promovidas por Pizzolato, já citadas por RB em edições anteriores,

que ser documentado. “No caso do BB, não tenho dúvida de que o dinheiro foi utilizado em propaganda. Na auditoria feita pelo próprio BB tem uma docu-mentação muito completa sobre isso”. Ele conta que, quando a DNA fechou, toda a documentação levantada por ele para auxiliar o BB nessa auditoria foi para um depósito. A partir de certo momento,

sócios da DNA deixaram de pagar os custos do depósito e perderam o acesso à documentação.

Na lista das ações executadas pela Diretoria de Marketing do BB com o dinheiro do Fundo Visanet, consta o patrocínio ao XVIII Congresso Brasileiro dos Magistrados, que aconteceu entre 22 e 25 de outubro de 2003, no Centro de Convenções de Salvador, na Bahia. O patrocínio foi de 200 mil reais. O congresso reuniu mais de 3 mil magistrados na capital baiana e foi notícia nos maiores jornais do País. O Correio da Bahia deu matéria destacando que “a tônica do evento é uma renovação no Judiciário do País, tanto criticado pela morosidade e por muitas vezes não fazer a devida justiça”. O encontro dos juízes em Salvador foi notícia ainda nos jornais Folha de S.Paulo, Valor Econômico, Gazeta Mercantil, Jornal do Commercio (RJ), Jornal de Santa Catarina e A Tarde (BA). Além disso, mais de 7 mil internautas acompanharam o evento pela internet, através de câmeras instaladas no centro de convenções. No evento, organizado pela DNA, houve debate com o publicitário Duda Mendonça e palestra do economista Luiz Gonzaga Beluzzo sobre os efeitos das mudanças propostas pelo governo petista na reforma da

Previdência Social. O professor dividiu a mesa com o juiz Rodrigo Tolentino de Carvalho Collaço, presidente da As-sociação dos Magistrados de Santa Catarina.Na visão de Beluzzo, a proposta de reforma era resultado da falta de compreensão do governo petista em relação ao papel das carreiras de Estado, na medida em que trazia gran-de dose de insegurança para os futuros servidores públicos.“Não se pode entregar a aposentadoria desses servidores à incerteza de um fundo de pensão privado, pois se cria uma grande insegurança quanto ao futuro”, argumentou Beluzzo.No encerramento do congresso houve show da cantora Daniela Mercury. Será possível que os 200 mil reais do patro-cínio tenham ido parar em outro lugar que não no congresso dos magistrados? Se o dinheiro da Visanet foi para a AMB e a entidade desviou o dinheiro para a supo sta quadrilha petista comprar deputados, os juízes da Associação dos Magistrados Brasileiros deveriam ser acusados pelo STF? Essa é a pergunta que não deveria calar para quem acredita que o desvio de dinheiro do BB existiu.

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Page 8: Revista Retrato do Brasil

WWW.RETRATODOBRASIL.COM.BR | R$ 9,50 | NO 65 | DEZEMBRO DE 2012

retrato doBRASIL

LIVRO A BIOGRAFIA DA CANÇÃO QUE NA VOZ DE BILLIE HOLIDAY DENUNCIOU O RACISMO NOS EUA

MEMÓRIA MARIA AUGUSTA THOMAZ, O PERFIL DA GUERRILHEIRA DA ALN-MOLIPO QUE MORREU 4 VEZES

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Page 9: Revista Retrato do Brasil

4 | retratodoBRASIL 65

FALE CONOSCO:www.retratodobrasil.com.br

CARTAS À REDAÇÃ[email protected]

rua fidalga, 146 conj. 42cep 05432-000 são paulo - sp

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Entre em contato com a redaçãode Retrato do Brasil.

Dê sua sugestão, critique, opine. Reservamo-nos o direito de editar as mensagens recebidas paraadequá-las ao espaço disponível ou para facilitar a compreensão.

Retrato do BRASIL é uma publicação mensal da Editora Manifesto S.A.

EDITORA MANIFESTO S.A.PRESIDENTERoberto Davis

DIRETOR VICE-PRESIDENTEArmando Sartori

DIRETOR EDITORIALRaimundo Rodrigues Pereira

DIRETOR DE RELAÇÕES INSTITUCIONAIS Sérgio Miranda

EXPEDIENTESUPERVISÃO EDITORIALRaimundo Rodrigues Pereira

EDIÇÃOArmando Sartori

SECRETÁRIO DE REDAÇÃOThiago Domenici

REDAÇÃO

EDIÇÃO DE ARTEPedro Ivo Sartori

REVISÃOSilvio Lourenço [OK Linguística]

COLABORARAM NESTA EDIÇÃO

REPRESENTANTE EM BRASÍLIA

ADMINISTRAÇÃO

Aparecida Carvalho

DISTRIBUIÇÃO EM BANCAS

WWW.RETRATODOBRASIL.COM.BR | NO 65 | DEZEMBRO DE 2012

retrato doBRASIL

34 ESTRANHA FRUTA PRECIOSA , a história de uma canção, de

do clima dos EUA dos anos 1930

[Pergentino Mendes de Almeida]

36 LIXO VALIOSO

agora abre novos caminhos para o estudo

do genoma humano

38 AS MORTES DE MARIA AUGUSTA THOMAZ

armas contra a ditadura, não temia a morte

[Renato Pompeu]

42 DO BOTA-ABAIXO AO PAC SOCIALNuma história de iniciativas sem muita

[Ana Castro]

44 FASCINADO POR LENINUm obra sobre os principais feitos teóricos

do líder da Revolução Russa de 1917 escrita

5 Ponto de Vista A ENCENAÇÃO DO MENSALÃO

da história da República”

8 UM ASSASSINATO SEM UM MORTO

[Lia Imanishi e Raimundo Rodrigues Pereira]

14 A VERDADE O ABSOLVERÁ?

[Lia Imanishi e Raimundo Rodrigues Pereira]

20 A GRANDE VITÓRIA DO PTLula apostou e ganhou com o candidato

28 A DIVISÃO APRESSADA

[Téia Magalhães]

32 DE AZEREDO A CAROLINA

Dieckmann, a nova Lei de Crimes

[Thiago Domenici]

Repro

duçã

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Page 10: Revista Retrato do Brasil

565 retratodoBRASIL |

A encenação do mensalãoComo se montou a prova do “maior escândalo da história da República”.E porque essa “prova” é falsa e precisa ser revista pelo STF

Ponto de Vista

VALE A PENA ver de novo. Está no

YouTube (http://youtu.be/-smLnl-CFJw),

nos votos dos ministros do Supremo Tri-

bunal Federal (STF) do dia 29 de agosto,

no julgamento do mensalão. A sessão já

tinha 47 minutos. Fala o ministro Gilmar

Mendes. Ele esclarece que tratará da

“transferência de recursos por meio da

Companhia Brasileira de Meios de Paga-

mento (CBMP)”. Diz, preliminarmente,

que, a seu ver, “se cuidava” de recursos

públicos. Faz, então, uma pausa. E adver-

te ao presidente da casa, ministro Ayres

Britto, que fará um registro. De fato, é

uma espécie de pronunciamento ao País.

Ele diz que todos que tivemos alguma

relação com esta “notável instituição”

que é o Banco do Brasil “certamente fi-

camos perplexos”. Lembra que o revisor,

Ricardo Lewandowski, “destacou que

reinava uma balbúrdia” na diretoria de

marketing do banco e completa dizendo

que parecia ser uma balbúrdia no próprio

banco como um todo. A seguir, ergue a

cabeça, tira os olhos do voto que lia meio

apressadamente, encara seus pares. E

diz cadenciadamente: “Quando eu vi os

relatos se desenvolverem, eu me per-

guntava, presidente: o que fizeram com

o Ban-co-do-Bra-sil?”

Então, põe alguns dedos da mão es-

querda sobre os lábios e explica: “Quan-

do nós vemos que, em curtíssimas ope-

rações, em operações singelas, se tiram

desta instituição 73 milhões, sabendo

que não era para fazer serviço algum...”

Neste ponto, parece tentar repetir o

que disse e fala engolindo pedaços das

palavras: “E se diz isso, inclus... [parece

que ele quis dizer inclusive] não era para

prestar servi [serviço, aparentemente].”

E conclui, depois de pausa dramática,

ao final separando as sílabas da palavra

para destacá-la: “Eu fico a imaginar [...]

como nós descemos na escala das de-

gra-da-ções.”

RB vê a narrativa do ministro de

outra forma. Foi um dramalhão, um mau

teatro. Mas, a despeito do grotesco, a

tese central do mensalão é exatamente

a encenada pelo ministro Mendes. E só

foi possível aos ministros do STF con-

cordar com ela porque se tratou de um

julgamento de exceção. Um julgamento

excepcional, feito sob regras especiais,

para condenar os réus.

Esta tese diz que, sob o comando

de Henrique Pizzolato, o então diretor

de marketing e comunicação do BB, foi

possível tirar, graças a uma propina que

ele teria recebido, 73,8 milhões de reais

para que uma trinca de quadrilhas co-

mandadas pelo ex-chefe da Casa Civil do

governo Lula, José Dirceu, comprassem

deputados.

Deixaram os advogados da defesa

falar por apenas uma hora em agosto.

E os ministros falaram por mais de dois

meses, com uma espécie de promotor

público, o ministro Joaquim Barbosa,

brandindo a regra de condenar por

indícios, e não por provas, réus a quem

foi negado um dos princípios históricos

do direito penal, o da presunção da

inocência.

E deu no que deu. A tese central do

mensalão é tão absurda que ainda se

espera que o STF possa revogá-la. Ela

diz que foram desviados para o PT os

tais 73,8 milhões de recursos do BB para

comprar sete deputados e aprovar,

Reprodução

RB65pv.indd 5 26/11/12 10:54

Page 11: Revista Retrato do Brasil

6 | retratodoBRASIL 65

por exemplo, a reforma da Previdência,

que todo mundo sabe ter passado com

apoio da direita não governista sem

precisar de um tostão para ser aprovada.

Dos autos do processo, com apro-

ximadamente 50 mil páginas, cerca de

metade é dedicada a três auditorias do

BB sobre o uso do Fundo de Incentivo Vi-

sanet (FIV), do qual teriam sido roubados

os tais milhões. Pois bem: em nenhuma

parte, nem em uma sequer das páginas

dessas gigantescas auditorias, afirma-se

que houve desvio de dinheiro do banco.

Nem o BB nem a Visanet processa-

ram Pizzolato até agora. Simplesmente

porque, até agora, não se propuseram a

provar que ele comandou o desvio, nem

mesmo se houve o desvio. E também

porque está escrito explicitamente nos

autos que não era ele quem ordenava

os adiantamentos de recursos para a

empresa de propaganda DNA, de Marcos

Valério, fazer as promoções.

O adiantamento de recursos à DNA

era feito não pela diretoria que ele

comandava, a Dimac, mas por um fun-

cionário da Direv, a diretoria de varejo.

Esta diretoria era, com certeza, a gran-

de interessada na venda dos cartões,

o que, aliás, fez com raro brilho, visto

que o BB desbancou o Bradesco, o sócio

maior da CBMP, na venda de cartões de

bandeira Visa.

Nesta edição, na matéria a seguir,

“Um assassinato sem um morto”, Re-

trato do Brasil mostra um documento

reservado da CBMP, preparado por um

grande escritório de advocacia de São

Paulo para ser encaminhado à Receita

Federal, no qual a companhia lista todos

esses trabalhos, que confirma informa-

ções constantes das outras três audito-

rias do BB. Porém, acrescenta um dado

essencial: mostra que a empresa tem os

recibos e todos os comprovantes — como

fotos, vídeos, cartazes, testemunhos —

atestando que os serviços de promoção

para a venda de cartões de bandeira Visa

pelo BB foram realizados. Ou seja, que

não houve o desvio.

A tese do grande desvio que criou o

mensalão surgiu na Comissão Parlamen-

tar Mista de Inquérito dos Correios já no

Nem o Banco

do Brasil nem

a Visanet processaram

Pizzolato até agora.

Não se propuseram

a provar que ele

comandou o desvio

nem sequer

se houve o desvio

início das investigações, em meados de

2005, quando se descobriu que Henrique

Pizzolato estava envolvido no esquema

do “valerioduto”. E ganhou forma aca-

bada no relatório final desta comissão,

entregue à Procuradoria da República

em meados de abril de 2006.

O então procurador-geral Antônio

Fernando de Souza, menos de uma

semana depois, encaminhou a denúncia

ao STF, onde ela caiu sob os cuidados

do ministro Joaquim Barbosa. O que

Souza fez de destaque na denúncia foi

tirar da lista de indiciados feita pela

CPMI, na parte que apresentava os que

operavam o FIV no BB ou que poderiam

ser vistos como responsáveis pelo des-

vio, todos os que não eram petistas.

Souza — não ingenuamente, deve-se

supor — retirou da lista de indiciados to-

dos os que vinham do governo anterior,

do PSDB, entre os quais o diretor de

varejo, que tinha, no caso, o mesmo, ou

até mais alto, nível de responsabilidade

de Pizzolato. E excluiu também o novo

presidente do banco, Cássio Casseb, um

homem do mercado.

Sob a direção de Barbosa não foi

realizada nenhuma nova investigação de

peso e a tese do desvio de dinheiro do

BB continuou sendo a peça central da ar-

mação acusatória. O delegado da Polícia

Federal, Luiz Flávio Zampronha, chegou

a ser mobilizado para investigar o que

ainda se imaginava serem duas fontes

de dinheiro possíveis para o mensalão:

o dinheiro do FIV e o de empresas então

dirigidas pelo financista Daniel Dantas,

a Telemig, a Amazônia Celular e a Brasil

Telecom, que também tinham Marcos

Valério como agente publicitário.

Zampronha, tudo indica, chegou a

conclusões diferentes das de Souza e de

Barbosa, mas seu relatório não consta

dos autos da Ação Penal 470, em julga-

mento no Supremo. Tanto Souza como

Barbosa desqualificaram o delegado no

começo de agosto, quando ele deu de-

clarações como a de que os empréstimos

dos banqueiros ao “valerioduto” de fato

existiram e a de que as acusações contra

José Dirceu por formação de quadrilha

não passavam de figuração.

Preocupado em construir uma

historinha — em torno de, como vere-

mos no caso de Pizzolato, simplórias

acusações de corrupção —, o ministro

Barbosa não quis entender a estrutura

jurídica do Fundo de Incentivo Visa-

net, sua natureza propositadamente

Não foi Pizzolato: o jurídico do BB, já em 2001, autorizava a relação informal Visanet-BB

Repro

duçã

o

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Page 12: Revista Retrato do Brasil

765 retratodoBRASIL |

confusa. A CBMP, cujo nome fantasia

era Visanet e hoje é Cielo, é dirigida

pela Visa Internacional, empresa com

sede na Califórnia e uma gigante da

era dos cartões de crédito e débito de

aceitação global.

Em duas centenas de países, a Visa

juntou interesses contrários localmente

— como, no Brasil, os bancos de varejo

Bradesco, BB, Santander — em empre-

sas dirigidas por ela, como a CBMP,

pela ambição comum de vender mais

cartões de sua bandeira. A Visa dá a

elas uma fração — 0,1%, um milésimo

do movimento de dinheiro dos cartões

— para publicidade. Em 2004, por exem-

plo, no Brasil, como o giro de dinheiro

nos cartões Visa foi estimado em 156

bilhões de reais, a CBMP adiantou para

os bancos o milésimo previsto para

publicidade, 156 milhões de reais.

O dinheiro sempre sai na forma de

adiantamento, para que a máquina de

promover a venda de cartões não pare.

A CBMP fica com 4% a 6% do dinheiro

movimentado pelos cartões, tirando

essa parte como comissão dos que

vendem produtos ou serviços pagos pe-

los cartões. E assina contratos-padrão

com os bancos constituidores dessas

empresas locais. Nestes, permite que

o banco associado escolha se quer

que ela pague diretamente aos forne-

cedores pelos serviços de publicidade

para promoção dos cartões ou se quer

receber a verba para a promoção dire-

tamente em seu orçamento, prestando

contas posteriormente a ela. Como

se lê na ilustração com um trecho do

parecer jurídico do BB, a escolha do

banco estatal foi a de não receber os

recursos em seu orçamento, com o

objetivo de pagar menos imposto de

renda. Para tanto, não assinou contrato

com a DNA para cuidar especificamente

destes recursos.

Diz o texto do parecer reafirmado

em 2004 e firmado inicialmente em

2001, quando o BB associou-se à CBMP

e foi criado o FIV: os artigos 436-438

do Código Civil trazem a figura jurídica

“Estipulação em favor de terceiros”,

que permite este tipo de relação — a

CBMP pagar ao fornecedor da DNA por

um serviço feito por demanda do BB. O

parecer afirma que não é necessária a

formalização de contratos nem do BB

com a DNA para esse fim específico e

nem da CBMP com a DNA. O ministro

Barbosa ficou cobrando de Pizzolato

a inexistência desses contratos, como

se Pizzolato fosse o responsável pela

situação, e não a direção do BB.

A confusão estrutural, portanto, é

essa: por contrato considerado o mais

adequado pela direção do banco, o BB

nem ficava com o controle completo da

execução das operações de promoção

dos cartões nem tinha interesse em

apresentar seus planos de venda de

cartões de maneira muito aberta, para

não dar dicas de suas estratégias de

marketing para concorrentes, como o

Bradesco.

Como se viu, Barbosa não tocou

nestes assuntos mais complexos. Aca-

bou grosseiramente apresentando Pi-

zzolato como o mandachuva do dinhei-

ro do FIV, capaz de sacar dinheiro de lá

para não fazer nada — a não ser ajudar

a quadrilha do PT, como ele acha que

provou. Barbosa não quis ver que, na

questão do uso do FIV, a figura central

do BB não era o diretor de comunicação

e marketing, mas o diretor de varejo,

interessado em vender mais cartões e,

portanto, ganhar mais comissões.

O ponto de partida de Barbosa foi o

fato de Pizzolato ter sido incluído na lista

de recebedores de dinheiro do “valerio-

duto”. Pizzolato defendeu-se dizendo

que apenas repassou dinheiro para o

PT do Rio, coisa verossímil, visto que,

como já demonstrou RB, esta seção do

partido foi a que mais recebeu recursos

do “valerioduto”, depois do publicitário

Duda Mendonça.

Pizzolato foi derrotado porque o STF

inverteu, para este julgamento e sob

falsas alegações, o ônus da prova. Ele

é que tinha de provar que não recebeu

propina. O fato de Pizzolato ter aberto

seus sigilos bancário e fiscal logo que

o escândalo estourou e de a Receita

Federal ter feito uma devassa monu-

mental em suas contas — especialmente

para saber se ele não havia comprado

o apartamento em que mora em Copa-

cabana com a suposta propina — e não

ter encontrado nada não convenceu os

ministros, como se vê pelo mal informa-

do e patético depoimento do ministro

Gilmar Mendes.

Resta um porém: como os serviços

de promoção dos cartões de fato foram

feitos, se não houve o desvio de dinheiro

do BB, como explicar a propina — a qual,

aliás, o Supremo não tem prova de que

Pizzolato recebeu? De última hora, um

ministro do Supremo alegou, para con-

denar Pizzolato, que tanto era verdade

que ele havia recebido o dinheiro de Va-

lério por meio de um contínuo da Previ,

o fundo de pensão dos funcionários do

BB, que dividiu a quantia recebida com

o próprio contínuo, a quem teria dado

18 mil reais. O ministro, Dias Tofolli,

talvez deslumbrado com o ânimo anti-

corrupção do STF, esqueceu-se de que

a contribuição de Pizzolato para o con-

tínuo — dada junto com outras pessoas

para que ele reconstruísse um barraco

em que morava — era de bem antes do

escândalo do mensalão.

Nada a estranhar neste absurdo. Se

a tese central do mensalão não tem pé

nem cabeça, por que buscar coerência

nos seus detalhes?

Folhapress

Henrique Pizzolato (o primeiro à direita), depondo na CPMI dos Correios, em 2005

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Page 13: Revista Retrato do Brasil

| retratodoBRASIL 658

Henrique Pizzolato foi condenado no STF por um crime – ter

desviado 73,8 milhões de reais do Banco do Brasil. Mas o

desvio não existe. Veja a prova disso na lista publicada a seguir

por Lia Imanishi e Raimundo Rodrigues Pereira

NA IDADE MÉDIA, condenava-se uma bruxa sem precisar provar a exis-tência material do crime. Sua confis-são bastava. Com Henrique Pizzolato, ex-diretor de marketing e comunicação do Banco do Brasil (BB), foi pior: ele nunca confessou que tivesse desviado 73,8 milhões de reais do BB para o suposto esquema de corrupção do mensalão. Mas foi condenado por 11 votos a zero, no Supremo Tribunal Federal, por esse crime.

Mensalão 1

UM ASSASSINATO

SEM UM MORTO

Foram feitas três auditorias pelo BB sobre o emprego dos recursos que o banco recebia da Companhia Brasileira de Meios de Pagamentos (CBMP) para uso em promoções e publicidade para a venda de cartões de bandeira Visa – dos quais os 73,8 milhões teriam sido desviados. É certo que em todas as auditorias há indícios de irregularidades. O ministro revisor da Ação Penal do mensalão, a AP 470, Ricardo Lewandowski – que fre-quentemente corrigiu, para menos, a fúria condenatória do ministro relator Joaquim Barbosa – disse que a gestão dos recursos era uma balbúrdia.

Uma das auditorias, feita em 2004, quando Henrique Pizzolato ainda era diretor do BB, apontava muitas imperfeições no processo de uso dos recursos. Nessa auditoria, como nas outras duas, aparecem – algumas vezes, inclusive – variações da mesma preo-cupação: a gestão era ruim, a tal ponto que deixava a dúvida de saber se todos os projetos de promoção e publicidade haviam sido de fato realizados.

A corte não se preocupou em obter as provas materiais do crime. O argumento dos ministros do STF foi o de que, em casos de gente muito po-derosa, com enorme capacidade para ocultar as provas, e, especialmente, em

impunidade, se deveria condenar com base nos indícios. E pobre Pizzolato: como se viu, havia indícios de irregu-laridades.

Mas, afinal, os projetos foram realizados? Ou não? Antes: Pizzolato

era tão poderoso assim que teria sido capaz de ocultar todas as provas con-cretas do desvio realizado? Jamais. Ele pediu demissão de seu cargo no BB e na diretoria da Previ, o fundo de pen-são dos funcionários do banco, logo que seu nome apareceu no escândalo, em meados de 2005. Como se pode verificar na tabela que começa na pá-gina ao lado, os projetos de uso dos recursos do fundo dos quais os 73,8 milhões de reais teriam sumido eram todos, se realizados, de enorme expo-sição pública. Se não realizados, eram praticamente impossíveis de inventar.

Mais uma vez, pobre Pizzolato, ne-nhuma das instâncias com poder para tal mandou fazer essa simples prova da existência material do delito: investigar se as ações de incentivo haviam sido realizadas ou não, requisito essencial para condená-lo pelo desvio dos recursos destinados a elas. O PT, do qual Pizzolato foi um dos abnegados criadores (veja a história: “A verdade o absolverá?”, à página 14), que tinha a Presidência da República, o Ministério da Justiça e, em tese, o comando do Banco do Brasil, o abandonou como se ele fosse culpado.

A principal das três comissões parlamentares de inquérito que inves-tigou a história, a CPMI dos Correios, presidida pelo petista Delcídio Amaral e relatada pelo peemedebista Osmar Serraglio, ambos da chamada base aliada, encomendou inúmeros inqué-ritos à Polícia Federal, todos eles em busca, digamos assim, dos criminosos. Nenhum em busca do “morto”.

Cadeira africana do século XVIII, peça

da exposição sobre a arte africana,

915 mil reais de patrocínio do Fundo

de Incentivo Visanet, no Rio, linha 17

da tabela ao lado: o STF diz

que isso não existiu

Reprodução

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965 retratodoBRASIL |

A TABELA DA CBMP PARA A RECEITA FEDERALA ex-Visanet, hoje Cielo, diz que tem todos os comprovantes de que os eventos foram feitos

Ano Nota BB Evento e documentação comprobatóriaValor em

R$ (mil)

1 2003 0833bMarketing Cultural Brasília Music Festival; fatura dos fornecedores e imagens do

evento evidenciando a exposição da marca Visa750

2 2003 30 Marketing Esportivo Tênis Brasil Torneio Exibição; faturas da empresa Octagon 600

3 2003 48Marketing Cultural Projeto Educativo Formação de Professores; contrato de

patrocínio, notas fiscais, folheto do evento300

4 2003 1212Guia D — Mapa Campos de Jordão, criação de espaços Ourocard em areas especiais

da cidade; cópias do mapa, evidências da exposição390

5 2003 144648a Festa do Peão de Boiadeiro de Barretos; relatório fotográfico dos eventos

publicitários evidenciando a exposição da marca Ourocard320

6 2003 1657Marketing Esportivo Vôlei de Praia Shelda e Adriana; contrato de patrocínio, notas

fiscais da empresa Adriana B.B.900

7 2003 1677Marketing Social — contratação de atletas, produção de camisetas e divulgação;

faturas das empresas envolvidas; fotos da campanha324,4

8 2003 1884Publicidade em edifícios, relógios de hora e temperatura, painéis; faturas dos

fornecedores, imagens da exposição da marca Visa2.839,8

9 2003 1885Mídia aeroportuária; veiculação de publicidade em aeroportos; faturas de

fornecedores; documentação relativa à divulgação2.608,7

10 2003 1898Publicidade em edifícios, relógios de hora e temperatura, painéis; fatura dos

fornecedores, comprovantes de veiculação501,3

11 2003 1899Publicidade em doze aeroportos de dez capitais; planos de produção, fatura dos

fornecedores, comprovantes de veiculação389,9

12 2003 2290Mídia de apoio — Brasília Music Festival; fatura dos fornecedores, documentação

relativa ao evento605,6

13 2003 2805Mídia avulsa — Rede Vida de Televisão; fatura dos fornecedores, plano de mídia

relativo à veiculação760

14 2003 3057Mídia de apoio — Brasília Music Festival; fatura dos fornecedores, documentação

relativa ao evento89,7

15 2003 3058Doação Projeto Criança Esperança; recibo da Unicef referente à doação, carta de

agradecimento à doação350

16 2003 3122Patrocínio do XVIII Congresso dos Magistrados; contrato de patrocínio*,

informativos da Associação Brasileira dos Magistrados*200

17 2003 3163Veiculação e produção do projeto Africa CCBB RJ; descrição do projeto, material

publicitário do evento915

18 2003 3580Material de relacionamento Ourocard (kit vinho, faca para queijo); fatura do

fornecedor, relatório fotográfico do material1.493,2

19 2003 3625Marketing cultural: “Exposições Itinerantes acervo numismático BB”; descrição do

projeto, relatório fotográfico do evento1.873,2

20 2003 3638Marketing cultural: Filme Foliar Brasil; fatura dos fornecedores, material relativo à

campanha150

21 2003 3726Patrocínio Casa da Gávea — fatura de casa de show, contrato de patrocínio

obrigando a casa a dar descontos para clientes Ourocard200

22 2003 3749Guia D — 450 anos de gastronomia de São Paulo; fatura do fornecedor, cópia do

livro produzido expondo a marca Ourocard500

23 2003 3786Mídia aeroportuária e exterior — prorrogação; planos de produção, fatura dos

fornecedores e comprovantes de veiculação599,1

24 2003 3790Mídia aeroportuária — Viracopos — Campinas; planos de produção, fatura dos

fornecedores e comprovantes de veiculação73,1

25 2003 3792Propaganda e publicidade na revista 19º Prêmio Colunista Brasília 2003; fatura do

fornecedor, documentação relativa à veiculação7,8

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Page 15: Revista Retrato do Brasil

10 | retratodoBRASIL 65

26 2003 3804Renovação do patrocínio da Casa Tom Brasil; fatura do fornecedor, documentação

comprobatória do patrocínio2.500

27 2003 3843Contratação de serviço técnico especializado — Trevisan Consultores; fatura do

fornecedor, proposta do serviço prestado534

28 2003 3859Consultoria econômico-financeira da Projeta Consultoria; fatura do fornecedor,

contrato de prestação de serviços12,6

29 2003 3899Marketing cultural “Bibi canta Piaf”; fatura dos fornecedores, documentação

relativa ao evento40

30 2003 3903Patrocínio Paço da Alfândega Recife; descrição do projeto, contrato de patrocínio*,

documentação relativa ao evento*1.000

31 2003 4136 Patrocínio do filme Cabra Cega; material relativo ao patrocínio 150

32 2003 4196 Marketing cultural DVD “Fábrica dos Sonhos”; material relativo ao patrocínio 110

33 2003 4289Patrocínio réveillon Rio de Janeiro; descrição do projeto, evidências do evento com

exposição da marca Visa637,7

34 2003 4380Patrocínio a eventos de incentivo à venda de cartões – Programa Superação 2003;

regulamento e lista dos funcionários contemplados1.200

35 2003 4562“Parada 450 anos de São Paulo” — patrocínio, ações promocionais e

apresentações “Pia Fraus 1”; faturas e material relativo ao evento 600

36 2003 4570Espetáculo teatral “Despertando para sonhar”; faturas e fotos do evento, matéria

de jornal50

37 2003 7540Casa da Beleza “Ações Promocionais”; descrição do projeto, evidências do evento

(fotos e matérias de jornais e revistas)*49,3

38 2003 nihilTV Globo — campanha Ourocard Gestos Dia dos Pais; fatura dos fornecedores,

plano de mídia870,7

39 2003 nihilMídia Shopping — campanha Ourocard Gestos; fatura dos fornecedores, planos de

mídia, material relativo à veiculação 350

40 2003 nihilTV Globo — campanha Ourocard Gestos — Dia das Crianças; fatura dos

fornecedores, plano de mídia1.832,4

41 2003 nihilTV Globo — campanha Ourocard Gestos — Natal; fatura dos fornecedores, plano de

mídia710,7

42 2003 nihilMarketing cultural IV Festival de Teatro de Bonecos de Brasília; descrição do

projeto, documentação relativa ao evento*52,5

43 2003 LC** 06705Patrocínio do Brasil Open 2003; nota fiscal de serviços do fornecedor, material

relativo ao evento, contrato de patrocínio3.000

44 2003 LC** 10713Premiação da campanha “Superação 2003”; nota fiscal da BB Turismo Ltda.,

regulamento, relação de funcionários contemplados861,5

45 2003 LC** 17232Serviços de tecnologia para desenvolvimento de sistemas; nota fiscal do

fornecedor, contrato de prestação de serviços, relatório500,6

46 2003 LC** 11140Patrocínio Vila Ourocard — promoção e aquisição de brindes; nota fiscal do

fornecedor, fotos de jornais e revistas falando sobre o evento500

47 2003 LC** 20176Evento para clientes corporate e empresarial na Casa Tom Brasil; fatura do

fornecedor, documentação comprobatória do evento400

48 2004 783Patrocínio do livro de registro da festa 450 anos de São Paulo; fatura da TV

Editorial, estimativa de custos, cópia do livro produzido*315

49 2004 785“Embaixadores olímpicos”; faturas relativas a viagens dos atletas e a produção de

camisetas, planilha de custos de contratação de atletas891,9

50 2004 981Patrocínio do livro O espírito e o sentimento da arte; estimativa de custos DNA,

comprovação de patrocínio15,9

51 2004 1016Mídia aeroportuária; fatura de emissão dos fornecedores, planos de mídia,

comprovantes de veiculação1.629,2

52 2004 1017Mídia em outdoors, relógios de temperatura, abrigos de ônibus e busdoors; fatura

dos fornecedores, comprovantes de veiculação1.864,7

53 2004 1141Patrocínio do evento “Antes, as histórias da pré-história”; faturas da empresa

Fazer Arte, material publicitário2.000

54 2004 1170Patrocínio do programa de rádio “Em boa companhia”; fatura do fornecedor,

comprovantes da veiculação2.900

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Page 16: Revista Retrato do Brasil

1165 retratodoBRASIL |

55 2004 1243Campanha Visa Electron Pré-Datado; fatura dos fornecedores, plano de mídia,

comprovantes de veiculação em jornais, rádio, TV e outros2.875

56 2004 1734Patrocínio do 12º Anima Mundi; notas fiscais da patrocinada (Idea), contrato de

patrocínio, evidências de realização do evento*230

57 2004 1934Patrocínio da exposição ”Do neoclassicismo ao impressionismo”; recibos, contrato

de patrocínio com a Artviva Produção Cultural420

58 2004 1969Projeto Som na Casa da Gávea; faturas da casa de shows, evidências da realização

do evento (cartazes e material publicitário)86,6

59 2004 1378Campanha Visa Alavancagem de vendas no varejo; lista dos funcionários que

participaram de treinamento, material do evento172

60 2004 1709Patrocínio da exposição “Eduardo Sued”; descrição do projeto, contrato de

patrocínio, evidências da realização do evento*350,4

61 2004 1684Seminário sobre Turismo da Secretaria de Ciência e Tecnologia do Estado de São

Paulo; fatura da BBTur*10

62 2004 1261Projeto Agência Carta Maior — Boletim diário de imprensa, internet; plano de mídia,

nota fiscal do agente de veiculação570

63 2004 1263 Publicidade na Rede 21; plano de mídia, nota fiscal do agente de veiculação 798

64 2004 1264Publicidade na Rede TV — TV CUT; plano de mídia, nota fiscal do agente de

veiculação280,7

65 2004 1345Pesquisa de lançamento do cartão de crédito Banco Popular do Brasil; fatura

relativa aos serviços, relatório interno sobre pesquisa125

66 2004 2076Mídia aeroportuária; fatura dos fornecedores, planos de mídia e fotos das

campanhas1.146,9

67 2004 2082Mídia exterior (outdoors, abrigos de ônibus, busdoors etc); faturas dos

fornecedores, planos de mídia e fotos das campanhas2.829,9

68 2004 2193 Projeto “Tênis Brasil Espetacular”; fatura da Octagon referente ao projeto 800

69 2004 2248Campanha “Isto É Cinema”; recibos da Editora Três, material relativo à campanha

(revistas, DVDs e material publicitário)2.100

70 2004 2255Festival Internacional de Cinema de Brasília; fatura dos fornecedores,

documentação relativa ao evento700

71 2004 2353Estratégia de mídia — produção de folders; fatura dos fornecedores, exemplar do

material produzido47,1

72 2004 2372Show de Zezé de Camargo e Luciano na churrascaria Porcão; documentação

relativa ao evento, lista das agências contempladas73,5

73 2004 2429Patrocínio dos 52º Jogos Universitários Brasileiros; faturas da BBTur, evidências

da realização do evento*200

74 2004 2469Complemento Registro festa 450 anos de São Paulo; fatura da TV Editorial, cópia

do livro produzido*9,1

75 2004 252435º Festival de Inverno de Campos do Jordão; fatura dos fornecedores, relatório

fotográfico do evento350

76 2004 2566Patrocínio do Bloco Maria Fumaça ; recibo referente ao patrocínio, evidências do

evento (cartazes e material publicitário)70

77 2004 2749Contratação da Trevisan Consultoria; faturas da Trevisan, proposta de serviço

técnico relativo ao mercado de eventos462

78 2004 2844Patrocínio da exposição “Antoni Tapies”; evidências do patrocínio na exposição

(cartazes e material publicitário)500

79 2004 3165Mídia aeroportuária e exterior; planos de mídia, fatura dos fornecedores,

comprovantes de veiculação (TV, cinema, rádio etc.)11.500

80 2004 3647Circuito Cultural Banco do Brasil 2004; fatura dos fornecedores, evidências do

evento206,5

81 2004 3690Circuito Cultural Banco do Brasil Etapa Belo Horizonte; fatura dos fornecedores,

evidências do evento188,7

82 2004 3745Circuito Cultural Banco do Brasil Etapa Porto Alegre; fatura dos fornecedores,

evidências do evento184,7

83 2004 3827Programa de rádio “Em boa companhia”; fatura dos fornecedores, planos de

veiculação e textos de veiculação no rádio1.740

RB65trabalhos.indd 11 26/11/12 11:27

Page 17: Revista Retrato do Brasil

12 | retratodoBRASIL 65

* Sem exposição ou menção à marca Ourocard ou Visa

** Lançamento contábil – o número da tabela é precedido, no documento, pelos números 51000

Nihil: Falta o número no documento original

Nota da redação: a soma do valor dos eventos de 2003 e 2004 que, segundo o STF, não teriam sido feitos e cujo valor teria sido

desviado é de R$ 73,8 milhões. A lista de eventos apresentada pela Visanet soma R$ 74,1 milhões. A diferença pode ser atribuída

ao fato de um ou outro evento passar do orçamento de um ano para o outro.

84 2004 3839Previ — Encontro de conselheiros de administração e fiscal; fatura dos

fornecedores, evidências do evento (relatório fotográfico)19,7

85 2004 3958Circuito Cultural Banco do Brasil Etapa Porto Alegre; fatura dos fornecedores,

evidências do evento221,1

86 2004 4072Circuito Cultural Banco do Brasil Etapa Joinville; fatura dos fornecedores,

evidências da realização do evento268,5

87 2004 4088Cota de patrocínio Holiday on Ice Super; recibo da cota de patrocínio, contrato de

patrocínio 20

88 2004 4120Cota de patrocínio da 69ª Reunião da Associação de Ex-Alunos da Universidade de

Viçosa; recibo e documentação comprobatória 50

89 2004 4230Circuito Cultural Banco do Brasil Etapa Manaus; fatura de fornecedores, evidências

da realização do evento488,1

90 2004 4261 Patrocínio Livro Brinde Culinária; descrição do projeto, cópia do livro 311,8

91 2004 4297Previ — Encontro de conselheiros de administração e fiscal; fatura dos

fornecedores, relatório fotográfico do evento115,5

92 2004 4326Campanha de lançamento do cartão BB Crédito Pronto; fatura de fornecedores,

exemplar de material de campanha119,9

93 2004 4336“Embaixadores Olímpicos — Giovane Gávio”; fatura de fornecedores, contrato de

patrocínio, relatório fotográfico e matérias de jornais466,2

94 2004 4351“Embaixadores Olímpicos — Carlão, Paulão e Pampa”; fatura de fornecedores,

contrato de patrocínio, fotos e matérias de jornais120

95 2004 4561Prorrogação de patrocínio — Vôlei de Praia Adriana e Shelda; nota fiscal da

empresa Adriana B.B., contrato de patrocínio100

96 2004 4611Patrocínio da “Festa Pré-Caju”; recibos referentes ao patrocínio, relatório

fotográfico do evento200

97 2004 4762Evento “Círio de Nazaré”; fatura de fornecedores, documentação comprobatória

do evento80

98 2004 5030Campanha de ativação cartão Ourocard Visa — Pesquisas; fatura dos fornecedores,

plano de mídia 114,4

99 2004 nihilVeiculação de publicidade na revista Investidor Institucional; fatura do fornecedor,

plano de mídia17,3

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Na Justiça, o procurador-geral da República, Antônio Fernando de Souza, mal recebeu, em abril de 2006, as grandiosas conclusões da CPMI, de que teria sido cometido um dos maiores crimes da história política do País, graças ao desvio de dinheiro do BB, fez apenas uma depuração política nas conclusões, para deixar somente petistas na lista dos indiciados (con-fira o “Ponto de Vista”, à página 5). E abriu o inquérito 2245, que seria presidido – em nome do STF, visto que as investigações envolviam pessoas com foro privilegiado – pelo ministro Joaquim Barbosa.

Tanto o procurador-geral Souza como o ministro Barbosa viram a complexidade do problema e não quiseram encará-lo, fazendo sim-plesmente uma investigação policial, de campo, e não só de documentos, para saber se os serviços haviam sido realizados.

Os dois se depararam, concreta-mente, com os advogados da CBMP, dona e gestora – formalmente, por contrato – dos recursos que teriam sido desviados. Desde o início do ano, o procurador-geral Souza tentava ob-ter da companhia os papéis originais das prestações de contas feitas pela agência de publicidade DNA, de Mar-cos Valério, a respeito dos serviços, seus e de fornecedores contratados para fazer os trabalhos de promoção para a venda dos cartões, mas a CBMP resistia.

No dia 30 de junho de 2006, Bar-bosa autorizou a busca e apreensão de documentos da CBMP. A empresa ape-lou à presidência do STF. Mas a então presidente, Ellen Gracie, reafirmou a busca, feita em julho. Houve petições dos advogados da companhia para que fossem devolvidos documentos protegidos pelo princípio da inviolabi-lidade das relações advogados-clientes. Os documentos que ficaram foram encaminhados ao Instituto Nacional de Criminalística.

Àquela altura, Barbosa tinha am-plas condições de entender o proble-ma. Ele poderia ter visto – se é que não viu – o material que nos permitiu construir a tabela desta reportagem, do final de 2006, de um dos maiores escritórios de advocacia do País a serviço da CBMP, que argumentou, a fim de evitar o pagamento de impostos

indevidos pela companhia, terem sido todas as ações de incentivo realizadas. E observou, apenas, que algumas po-dem ter sido realizadas sem promover especificamente os cartões da bandeira Visa, que era o essencial para a CBMP, uma empresa controlada pela Visa Internacional, parte do oligopólio internacional dos cartões de crédito e débito de uso global.

Barbosa e o procurador-geral ti-veram toda a condição de entender a estranha forma de funcionamento do Fundo de Incentivo Visanet: a CBMP pagava os serviços de promoção dos cartões por meio da DNA, serviços esses programados pelo BB, sem que existissem contratos entre a CBMP e a DNA, nem entre o BB e a DNA, para operação desses recursos específicos. Nos autos existe um parecer jurídico do BB que considera perfeitamente legal essa engenharia jurídica. Ela foi

construída desde 2001 pelo banco estatal e a empresa de cartões multina-cional e seus outros sócios. Sobre ela, é óbvio, Pizzolato não teve a menor influência.

Barbosa e Souza não viram nos autos, ou não quiseram ver, também, que as vendas de cartões de bandeira Visa no BB eram atribuição essencial da diretoria de varejo (Direv), sendo que o funcionário que autorizava formalmente as ordens de serviço de promoções dos cartões a serem pagas pela CBMP era indicado pelo diretor da Direv.

No encaminhamento da denúncia aceita pelo STF em agosto de 2007, no entanto, Souza cometeu dois ab-surdos: 1) garantiu que o desvio de dinheiro do BB havia ocorrido, sem ter feito a prova contrária, muito simples, de verificar os abundantes comprovantes de realização dos ser-

Todo mundo viu: Shelda e Adriana,

promovendo as marcas Visa e

Ourocard, patrocínio do

Fundo de Incentivo Visanet,

linha 6 da tabela, 900 mil reais.

O STF diz que isso não existiu

viços de promoção; e 2) disse que o laudo 2828, do Instituto Nacional de Criminalística da Polícia Federal, que examinara a documentação e ao qual ele fizera as perguntas consideradas essenciais para esclarecer o caso, havia afirmado que Pizzolato e seu então chefe, Luiz Gushiken, secretário de Comunicação do governo Lula, eram os principais responsáveis pelo desvio – no entanto, no laudo 2828 os nomes de Gushiken e Pizzolato nem sequer foram citados.

O ministro Barbosa, ao defender a aceitação da denúncia que afinal criou a Ação Penal 470, também evitou todos os problemas estruturais que precisavam ser compreendidos para se contar efetivamente ao plenário do STF a história. Como ele mesmo disse, fez uma historinha. Reorganizou a denúncia do procurador-geral para destacar, em primeiro lugar, duas su-postas ações de corrupção de petistas, a de João Paulo Cunha e a de Henrique Pizzolato. Essas historinhas, para a mídia mais conservadora, caíram como o queijo no macarrão. Como disse o ministro Ricardo Lewandowski nos dias da votação da aceitação da denúncia em 2007, e que poderia ter repetido agora: “A imprensa acuou o Supremo. Não ficou suficientemente comprovada a acusação. Todo mundo votou com a faca no pescoço.”

Lewandowskipoderia repetir:a acusação nãofoi provada.O STF votou coma faca no pescoço

Reprodução

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Mensalão 2

Sergio Bondioni

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Henrique Pizzolato — na foto, na sacada de seu apartamento

em Copacabana — está há sete anos mergulhado na

documentação que recolheu para sua defesa. Ela é profunda

e coerente. Poderá levar à revisão de sua sentença?

por Lia Imanishi e Raimundo Rodrigues Pereira

A VERDADE O

ABSOLVERÁ?

O APARTAMENTO EM Copacabana onde mora Henrique Pizzolato, ex-diretor de marketing e comunicação do Banco do Brasil (BB), tem uma sacada da qual, em dias sem nuvens, se pode ver o Corcovado e o Cristo Redentor. Mas Pizzolato não curte muito a paisagem. De modo geral, é introspectivo, olha como se fosse para dentro de si ou para o passado. E a história do imóvel é parte de sua tragédia.

Pizzolato comprou o apartamento no começo de 2004, cerca de um mês depois de ter, segundo conta, repassado, a pedido do publicitário mineiro Marcos Valério, um pacote para o dire-

tório estadual do Partido dos Trabalhadores do Rio de Janeiro. Valério disse que o pacote conteria exatos 326.660,67 reais. Os jornais da época entrevistaram a vendedora do apartamento e descobriram que Pizzolato o comprou por 400 mil reais. E sugeriram então que o imóvel teria sido pago basicamente com o dinheiro enviado por Valério.

Em setembro deste ano, por unanimidade, os 11 juízes do Supremo Tribunal Federal condenaram Pizzolato sob o argumento, entre outros, de que o dinheiro que Valério alegou estar contido no pacote seria a propina que ele recebeu por

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ter desviado 73,8 milhões de reais do BB para o esquema corrupto do mensalão. A conclusão seria óbvia: com a propina, Pizzolato comprou o apartamento.

No julgamento, no entanto, ne-nhum dos juízes mencionou a história da compra do apartamento. Por que não? Retrato do Brasil já sabe, como demonstrou no artigo anterior desta edição, que o suposto desvio de 73,8 milhões de reais do BB para o esquema do mensalão não existiu. A propina, então, também não existiu? – RB per-gunta. É segunda-feira, 5 de novembro. Pizzolato é um homem metódico, organizado. Em dois minutos vai ao seu escritório e volta para a sala com uma pasta na qual está a conclusão de uma devassa feita pela Receita Federal em suas contas logo após o estouro do escândalo do mensalão, abrangendo todos os seus rendimentos, aplicações

e bens obtidos nos 20 anos até aquela data, em meados de 2005.

Foram encontrados, segundo a Recei-ta, três erros em suas declarações dessas duas décadas: uma no aluguel de um imóvel, outra no valor de uma “contri-buição de melhoria” relativa a um terreno também de sua propriedade e a terceira quanto ao fato de ele ter contabilizado como sua dependente a madrasta que o criou desde os seus nove anos. Em resumo, em números redondos: total da dívida com o IR pelos erros encontrados, 5 mil reais; multa, mais 3 mil reais; juros sobre a soma das duas parcelas anteriores ao longo do período transcorrido entre a data do pagamento e as infrações, 7 mil reais; total, pago por Pizzolato à Receita no dia 29 de dezembro do ano passado, 15 mil reais.

Pizzolato e sua mulher, Andrea – ele, catarinense; ela, gaúcha – são gente sim-

ples, não têm carro, tiveram oito imóveis, venderam a metade deles, os de menor valor, para pagar um primeiro advogado. E o bem maior que têm hoje é o aparta-mento de Copacabana, de cerca de 150 metros quadrados. Os dois são arquitetos. Compraram o apartamento e o reforma-ram completamente, organizando-o em torno de uma sala ampla e agradável, com saída para uma sacada, na qual Andrea, fumante há anos, faz suas incursões periódicas.

Nmoram também dois amigos, um casal com uma bebê, o

que anima o ambiente e ajuda reduzir as despesas per capita. Pizzolato e Andrea se conheceram em São Leopoldo (RS), onde

famosos graças a um trabalho de facul-dade. O professor pediu que projetassem

Resumindo a devassa feita pela Receita Federal:Pizzolato descontava da renda tributável a mesadada madrasta que o criou desde os nove anos

Pizzolato foi basicamente um sindicalista pela CUT, em Toledo, em Curitiba; em Brasília, como representante dos funcionários do

BB. Mas teve também um início de carreira na política. Foi candidato a vereador, a prefeito, a governador. Para marcar posição,

tornar o PT conhecido, buscar os primeiros votos. Na foto, com Lula, em 1990, quando foi candidato a governador do Paraná.

Repro

duçã

o

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um condomínio de classe média num terreno vazio da cidade. Eles sugeriram, como alternativa, uma “comuna”, para migrantes que tinham se apossado de um terreno, inundado durante parte do ano. O projeto era vanguardista: previa o aproveitamento de água das chuvas, o uso de energia solar, tetos com plantas, cozinhas comunitárias, ausência de muros internos. Deram palestras sobre o assunto em outras universidades e se tornaram relativamente conhecidos.

Depois da faculdade, foram para Toledo, interior do Paraná, cidade cuja economia gira em torno da Sadia, a grande produtora de carnes e derivados, levados pelas propostas da Pastoral Operária. Foram da turma que criou sindicatos e o Partido dos Trabalhadores na região, junto com pessoas como os atuais ministros do governo Dilma, Paulo Bernardo e Gilber-to Carvalho. Pizzolato foi presidente do sindicato dos bancários de Toledo e da Central Única dos Trabalhadores (CUT) do Paraná. Pizzolato se aposentou quando se demitiu da diretoria do BB e da Previ, logo após o escândalo do mensalão, com 31 anos de banco. Era, talvez, o bancário mais conhecido no País. Na primeira eleição direta entre os funcionários do BB para eleger um representante no conselho de administração do banco, em 1993, teve 53 mil votos, mais que a soma de votos de todos os outros dez candidatos, escolhi-dos em prévias nas várias regiões do País.

No cargo até 1996, tinha um gabinete na sede do banco em Brasília. Mas não parava por lá.

Viajou pelo Brasil inteiro. Estima ter pas-sado por agências do banco em cerca de 3 mil municípios, em apoio à campanha contra a fome impulsionada pelo famoso Herbert de Souza (1935-1997), o Betinho, e sua Ação da Cidadania contra a Miséria e Pela Vida, apoiada no governo, pelo BB e pela criação do Conselho Nacional de Segurança Alimentar.

Depois, foi eleito diretor da Previ, fundo de pensão dos funcionários do BB. Nessa condição foi nomeado para o Conselho de Administração da Brasil Telecom, na qual a Previ tinha parte do negócio. Lá conheceu Cássio Casseb, que era, também, conselheiro da empre-sa – indicado pela Telecom Italia Movel (TIM). Por sugestão do então ministro Antônio Palocci, para quem os mercados não gostariam da nomeação de um pe-tista para a presidência do banco, como contou a RB um alto dirigente do PT,

Casseb, um nome do mercado, ex-diretor do Citibank, foi nomeado presidente do BB. Foi ele quem convidou Pizzolato para assumir a Diretoria de Marketing e Comunicação (Dimac).

Pizzolato assumiu em 17 de fevereiro de 2003. Dias antes, o conselho diretor do BB tinha aprovado a renovação do con-trato do banco com a DNA, a empresa de Marcos Valério, para prestar serviços de publicidade e promoção na área de varejo. Duas outras agências trabalhavam para o BB na época, a Lowe e a D+, também especializadas, para as outras duas áreas de negócios do banco: a das contas de governos e a das de empresas.

Durante o julgamento, o ministro-re-lator Barbosa insistiu que Pizzolato era o principal e único responsável pelo desvio, para um esquema de corrupção petista, de recursos do fundo de incentivos Visanet para a promoção da venda de cartões de bandeira Visa pelo BB, que é a tese central do mensalão. E detalhou esta acusação em vários aspectos. Um deles: Pizzolato não

-das pelo banco para ordenar os serviços da DNA na promoção dos cartões.

Barbosa, a rigor, escolheu Pizzolato como bode expiatório de um problema que de fato existia. Mas não fora criado por Pizzolato. E, além do mais, o próprio Pizzolato estava tentando ajudar a resol-ver esse problema desde que assumiu a diretoria do banco e, já em maio, uma

se aumentar o controle sobre o uso dos recursos da Visanet.

“Levei quase um ano trabalhando nisso lá dentro, junto com a diretoria de Organização, Controle e Estratégia, que apontou o que poderíamos melhorar. Em julho de 2004, já conseguimos mu-danças. A partir dali, a DNA passou a ter que mandar relatórios mensais. Todo

ao gerenciamento dos recursos. Em no-vembro de 2003, o Conselho Diretor do banco aprovou alguns aperfeiçoamentos na Dimac. Implantados esses novos pro-cedimentos, começamos a trabalhar em várias áreas, e a dos recursos da Visanet foi uma”, diz Pizzolato.

A maior das três auditorias internas do BB sobre o uso dos recursos desse fundo, feita por 20 auditores em quatro meses no segundo semestre de 2005, aborda o problema das competências da gestão de recursos do fundo de incen-tivos Visanet. Mas o faz de modo mais amplo que o usado por Barbosa ao tentar

incriminar Pizzolato. Diz que, desde o início do funcionamento do Fundo de

fundo de onde vinham os recursos para a promoção da venda e uso dos cartões, havia um problema com a questão das competências.

No item 6.4.10 do relatório da audito-ria está escrito: “As normas internas sobre competências e alçadas, no período de 2001 a meados de 2004, não continham

decisórias para aprovação, no âmbito do Banco, da utilização dos recursos do Fundo de Incentivo Visanet.” A seguir, no item 6.4.10.1, o relatório da auditoria diz: “As primeiras referências formais relacionadas ao assunto ‘competências e alçadas’ localizadas constam no ane-xo nº 3 à Nota Dimac 2004-2708, de 19.07.2004, que trata do ‘Fluxo de regis-tro dos processos e utilização do Fundo’, aprovada pelo Comitê de Administração da Dimac em 21.07.2004.”

Como se vê pela sua data e ori-gem, essa nota foi elaborada pela Dimac, na gestão de Pizzolato,

para aumentar o controle do uso dos recursos do fundo Visanet, como ele explicou a RB. Ela impunha, quando do uso de recursos de terceiros – no caso, os recursos do FIV obtidos da CBMP-Visanet –, as mesmas competências e alçadas praticadas pelo banco no caso de recursos próprios, de seu orçamento.

A auditoria também mostra que vi-nha havendo uma pequena melhoria na observância dessas normas já no governo anterior, de Fernando Henrique Cardoso, e que após a intervenção de Pizzolato, no governo de Luiz Inácio Lula da Silva, houve uma grande melhoria. Vejamos: em 2001, 54,76% das ações de incenti-vo ao uso do cartão Visa foram feitas com inobservância de alçada; em 2002, 20,53%; em 2003, 21,59%; mas em 2004, apenas 7,20%. A auditoria citada ainda conclui: “Os eventos realizados em 2005 têm seus processos melhor instruídos, re-

que vêm sendo implementados a partir de meados do segundo semestre de 2004, existindo, porém, oportunidade de me-lhorias para aprimorar procedimentos.”

Durante o julgamento, Barbosa disse, também, que os gerentes-executivos da diretoria de marketing eram subordinados a Pizzolato. A acusação tem o objetivo

-deroso e que, embora esses gerentes

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assinassem as notas de serviço para uso do FIV, era ele quem mandava. Pizzola-to não tinha competência para demitir um gerente-executivo. De fato, eles só podiam ser substituídos por ordem do presidente do BB. “A Dimac não é uma diretoria de negócios, mas uma diretoria de apoio. O diretor não pode contratar, demitir funcionários, nem autorizar gas-tos”, explica Pizzolato.

O ministro Barbosa encaminhou à Visanet pedido de esclarecimento sobre quem ocupava os cargos que comanda-vam o uso de recursos do FIV. Os docu-mentos obtidos na CBMP depois de uma busca e apreensão na sede da companhia foram analisados pelo Instituto Nacional de Criminalística e resultaram no laudo 2828. Neste laudo está claro quem era o responsável e quem nomeava o gestor dos recursos do BB no FIV. Não era Pizzolato e nem era ele quem nomeava esse funcionário.

Até o ministro revisor, Ricardo Lewandowski, aderiu à tese de Barbosa de que Pizzolato desviou

recursos públicos. Disse Lewandowski, no voto que condenou Pizzolato: “Convém assentar que os recursos direcionados ao Fundo Visanet, além de serem vinculados aos interesses do Banco do Brasil, saíram diretamente dos cofres deste, segundo demonstrado no item 7.1.2 do relatório de auditoria interna do Banco do Brasil, às folhas 5.236, volume 25, parte 1”.

Andrea, que está há sete anos estudando a defesa do marido, abre o volume 25, parte 1, da AP 470, nas folhas mencionadas por Lewan-dowski. A repórter lê. De fato, dali não se depreende, de forma alguma, que os recursos saíram dos cofres do BB. Pelo contrário, o item 7 explica que “o Fundo de Incentivo Visanet foi criado em 2001 com recursos disponibilizados pela Companhia Brasileira de Meios de Pagamento (CBMP) para promover, no Brasil, a marca Visa, o uso dos cartões com a bandeira Visa e maior faturamento da Visanet”. Ou seja, mesmo o capital

social inicial do fundo foi da CBMP-Visanet, e não do BB.

O item diz, ainda, que esse fundo “é administrado por um comitê gestor – composto pelo Diretor Presidente, Di-retor Financeiro e Diretor de Marketing da Visanet”. E que constam, dentre os procedimentos previstos no regulamento do fundo, que: “a) o incentivador (banco) deve apresentar ao comitê gestor, para análise e aprovação, proposta descreven-do a ação de incentivo, seus propósitos, os resultados e os custos; b) após as apro-

com a ação serão pagas diretamente pela Visanet às empresas executoras do proje-to.” A conclusão é óbvia: se as despesas são “pagas diretamente pela Visanet”,

-ras” do “comitê gestor da Visanet”, que os recursos não saíram “diretamente dos cofres do BB”. E que para retirá-los da conta da CBMP-Visanet era preciso que as ações fossem aprovadas técnica e

Barbosa serviu-se de quatro das chamadas “notas técnicas” do BB para uso dos recursos do fundo, cuja soma totaliza os 73,8 milhões de reais que teriam sido desviados, para incriminar Pizzolato. Três delas – uma é de período em que Pizzolato estava em férias – foram assinadas por ele, de fato. Mas também, e Barbosa não disse, foram assinadas pelo chefe da Direv, o diretor de varejo do BB e pelos gerentes-executivos das duas diretorias. Barbosa disse, absurdamente, que somente Pizzolato era o responsável.

Para justificar a concentração da culpa em Pizzolato, Barbosa usou o depoimento de uma senhora, Danevita Magalhães, que se tornou símbolo das vítimas do mensalão para a revista Veja. O depoimento está nos autos, mas foi dado sem a presença do advogado de Pizzolato. Nele, Danevita diz que teria sido demi-tida do BB por ter se recusado a assinar uma autorização para falsos serviços de promoção e publicidade no valor de 60 milhões de reais. Ocorre que Danevita nunca fui funcionária do marketing do BB. Ela era funcionária das agências de

publicidade no chamado núcleo de mídia do BB – isto está claro em seus próprios depoimentos na AP 470 –, fato que Bar-bosa, é claro, não considerou.

Danevita foi funcionária, em Brasília, de diversas agências de publicidade que prestaram serviços ao BB, a última delas sendo a DNA. Este depoimento apare-ceu em 2009. Qualquer pessoa de boa-fé que examine a acusação de Danevita sabe

-ção de que ela teria poder para autorizar alguma despesa do BB, ainda mais no valor de 60 milhões de reais, equivalente ao das maiores campanhas de publicidade já feitas no País.

Pizzolato explica que as notas técnicas eram notas internas da diretoria de varejo informando à

de marketing que havia aporte de recursos do Fundo Visanet e que estes seriam usados em campanha publicitária. “O marketing fazia o trabalho braçal. Quem fazia o , que dava as características da promoção a ser feita, era o varejo. Era ele que dizia ‘quero pôr tanto numa campanha do Dia dos Pais, tanto para patrocinar vôlei’. A utilização dos recur-sos da Visanet era feita de acordo com a demanda da diretoria de varejo. Minha estrutura, no marketing, era, originalmen-te, direcionada para fazer o trabalho de promoção e propaganda do banco. Ao vir um trabalho extra – a promoção dos cartões Visa –, essa mesma estrutura era utilizada”, diz.

Ele compara o seu trabalho no marketing ao de um comandante da cozinha que manda no ambiente da co-zinha, mas não controla o almoxarifado nem a tesouraria, que paga as contas. “Imagine que você esteja fazendo um jantar para 20 pessoas. Aí chega alguém e diz: ‘Vêm aí mais cinco pessoas para jantar.’ Você concorda. E pergunta: ‘Essas cinco pessoas vão pagar quanto?’ Eu tinha um orçamento para fazer um jantar para 20. Aí chegava a diretoria de varejo e dizia que tinha mais dinheiro, que viriam mais cinco pessoas. A nota técnica era eu dizendo: ‘Estou de acor-

Danevita disse ser do BB e que teria se recusado a assinar uma campanha falsa de R$ 60 milhões. Mas não era do BB nem poderia haver campanha nesse montante

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do, vou usar meus cozinheiros e minhas panelas, e como vocês arrumaram mais dinheiro, posso servir mais pessoas.’”

“Quando eu descobri que era assim que funcionava”, continua Pizzolato, “eu falei com o dono da casa, para saber se eu poderia receber esses cinco extras. Fui procurar o Casseb, presidente do banco. Ele me disse que os recursos não eram do orçamento do banco, eram privados. E me mandou falar com o Edson Monteiro, vice-presidente de varejo e distribuição e que era, também, do conselho de admi-nistração da Visanet. Monteiro me disse que, sim, era assim que funcionava. E me mostrou um parecer do departamento jurídico do banco dizendo que os recur-sos eram privados e que era conveniente para o banco que a Visanet pagasse diretamente a agência de publicidade, para não haver trânsito dos recursos pelo

Pizzolato completa sua história: “Mas eu disse: ‘Eu já aprovei o plano anual de comunicação do banco, que vai para a Secom [Secretaria de Comunicação do Governo], e esse dinheiro extra não esta-va incluído nisso’. Monteiro me disse que,

como os recursos não eram públicos, seu uso não precisava ser submetido à Secom. Por isso, depois, aproveitei uma reunião para comentar isso com os assessores na Secom e, depois ainda, com o ministro Gushiken. E ele me disse que era isso mesmo, isso era uma boa notícia, porque o banco teria mais dinheiro para propa-ganda. E concordou que esse dinheiro não se submetia à Secom.”

Pizzolato explica o procedimento para liberar recursos do Fundo Visanet: todo início de ano, a

Visanet encaminhava uma carta ao BB informando o montante de recursos que haviam sido disponibilizados pelo conselho de administração da Visanet para a promoção dos cartões Visa. A di-retoria de varejo recebia esta carta e podia gastar o dinheiro sozinha ou com outras diretorias. Se precisasse da diretoria de marketing, o gerente-executivo da Direv fazia uma nota técnica conjunta com a Dimac, que selava o acordo de trabalho entre as duas diretorias.

As notas informavam que havia o valor disponibilizado pelo fundo que

não impactava o orçamento do BB. De qualquer forma, era a Direv que emitia as notas essenciais para o relacionamento com a Visanet, os chamados JOBs (de job, em inglês, trabalho), encaminhados à CBMP e que propunham o gasto de valo-res determinados para fazer a campanha apresentada. “Esses jobs não passavam pela diretoria de marketing. Antes de estourar esse escândalo, eu nem sabia da existência deles”, diz Pizzolato.

Os jobs não apresentavam a campanha detalhada como nas notas que circulavam dentro do banco. O regulamento da Visanet também não exigia esse deta-lhamento. Pizzolato diz que era assim porque mais de 20 bancos eram acionistas da Visanet, e nenhum queria entregar a campanha que faria para o concorrente.

Os repórteres de RBouvindo Pizzolato, lendo documentos e acompanhando Andrea, que nos mostrou sua luta de sete anos mergulhado nos autos do processo para entender o que se passou. Nossa opinião é a de que Henri-que Pizzolato diz a verdade. Pizzolato é cristão. Parodiando a Bíblia, pode-se dizer que a verdade o libertará?

Barbosa foi o juiz que autorizou a apreensão dos documentos da CBMP-Visanet e também quem pediu os esclarecimentos para

saber qual o autor das ordens para que a empresa depositasse os recursos do Fundo de Incentivo nas contas da DNA. Sabia

também que os recursos não passavam pelo orçamento do BB. Dispensou tudo isso. Para “pegar Pizzolato”?

STF

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Page 25: Revista Retrato do Brasil

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Page 26: Revista Retrato do Brasil

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34 QUE SE PASSA NOSPOLOS DA TERRA?Como o derretimento nos extremos do planeta se combina com o degelo decorrente de causas provocadas pelo homem?[Lia Imanishi]

36 A MATA VAI À BOLSAArtigos do novo Código Florestal criados pelos “ambientalistas de mercado” dão um “upgrade moral” em latifúndios improdutivos [Lia Imanishi]

38 MEIO SÉCULO E TRÊS GOLPESNos 50 anos da Monsanto no Brasil, a multinacional da área de biotecnologia de sementes vive um inferno astral [Tânia Rabello]

40 TINHA PARTIDO E NÃO O TRAIUEric Hobsbawm foi o historiador de magníficos painéis sobre a história dos século XIX e XX[Lincoln Secco]

42 UMA OBRA HISTÓRICADE DIFÍCIL REPOSIÇÃOUma homenagem ao “intelectual incomum” Carlos Nelson Coutinho, que morreu em setembro[Marcelo Braz]

44 É GRUPO CONTRA GRUPO?Conquista social da terra, do pioneiro da sociobiologia, Edward O. Wilson, contesta a seleção por parentesco e recebe críticas[Flávio de Carvalho Serpa]

5 Ponto de Vista É CADA UM POR SIDilma disse na ONU que o “tsunami monetário” despejado pelos países ricos vai afogar o Brasil. Mas poderia ser diferente?

8 VOCÊ RELAXA AÍE ME APERTA AQUIDilma critica, mas Obama acha bom que o Federal Reserve, sob os conselhos de Friedman, faça chover dólares nos EUA[Raimundo Rodrigues Pereira]

12 A VERTIGEM DO SUPREMOAcompanhe a nossa prova de que os ministros do STF deliraram com a invenção do escândalo Banco do Brasil-Visanet [Raimundo Rodrigues Pereira]

16 A PRESIDENTE CORRIGEA EX-MINISTRAComo ministra, Dilma reformou o setor elétrico. Agora, vê o país ter a geração mais barata e as tarifas mais caras do mundo[Téia Magalhães]

22 A GUERRA CAIU NA REDEAs batalhas militares por meio da internet são uma realidade. E até o Brasil já se prepara para o combate on-line[Thiago Domenici]

28 PROMESSA É DÍVIDAPolêmica sobre ilhas retoma promessas feitas pelos EUA aos chineses e traz uma pergunta: os mares da China pertencem a quem?[Sônia Mesquita]

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Os ministros do STF deliraram: não houve o desvio de 73,8 milhões de reais do Banco do Brasil, viga mestra da tese do mensalão. Acompanhe a nossa demonstração

por Raimundo Rodrigues Pereira

A TESE DO mensalão como um dos maiores crimes de corrupção da his-tória do País foi consagrada no STF. Veja-se o que disse, por exemplo, o presidente do tribunal, ministro Ayres Britto, ao condenar José Dirceu como o chefe da “quadrilha dos mensa-leiros”: o mensalão foi “um projeto de poder”, “que vai muito além de um quadriênio quadruplicado”. Foi “continuísmo governamental”; “golpe, portanto”. Em outro voto, que postou no site do tribunal dias antes, Britto disse que o mensalão envolveu “crimes em quantidades enlouquecidas”, “vo-lumosas somas de recursos fi nanceiros e interesses conversíveis em pecúnia”, pessoas jurídicas tais como “a União Federal pela sua Câmara dos Deputa-dos, Banco do Brasil–Visanet, Banco Central da República”.

Britto, data ve nia, é um poeta. Na sua caracterização do mensalão como um crime gigante, um golpe na Repú-blica, o que ele chama de Banco do Brasil–Visanet, por exemplo? É uma nova entidade fi nanceira? Banco do Brasil (BB) a gente sabe o que é: é aquele banco estatal que os liberais queriam transformar em Banco Brasil, assim como quiseram transformar a Petrobras em Petrobrax, porque acha-vam ser necessário, pelo menos por palavras, nos integrarmos ao mundo fi nanceiro globalizado.

De fato, Visanet é o nome fantasia da Companhia Brasileira de Meios de Pagamento (CBMP), responsável, no Brasil, pelos cartões emitidos com a chamada bandeira Visa (hoje o nome fantasia mudou, é Cielo). Banco do Brasil–Visanet não existia, nem existe; é uma entidade criada pelo ministro Britto. E por que, como disse no voto citado, ele a colocou junto com os mais altos poderes do País – a União, a Câmara dos Deputados e o Banco Central da República? Com certeza porque, como a maioria do STF, num surto anticorrupção tão ruim quanto os piores presenciados na história política do País, viu, num suposto escândalo Banco do Brasil–Visanet, uma espécie de revelação divina. Ele seria a chave para transformar num delito de propor-ções inéditas o esquema de distribuição, a políticos associados e colaboradores do PT, de cerca de 50 milhões de reais tomados de empréstimo, de dois bancos mineiros, pelo partido do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

No dia 13 de julho de 2005, menos de um mês depois de o escândalo do mensalão ter surgido, com as denúncias do então deputado Roberto Jefferson, a Polícia Federal descobriu, no arquivo central do Banco Rural, em Belo Hori-zonte, todos os recibos da dinheirama distribuída. Delúbio Soares, tesoureiro do PT, e Marcos Valério, um empresá-

rio de publicidade mineiro, principais operadores da distribuição, contaram sua história logo depois. E não só eles como mais algumas dezenas de pesso-as, também envolvidas no escândalo de alguma forma, foram chamados a de-por em dezenas de inquéritos policiais e nas três comissões parlamentares de inquérito que o Congresso organizou para deslindar a trama.

Todos disseram que se tratava do famoso caixa dois, dinheiro para o pagamento de campa-

nhas eleitorais, passadas e futuras. Como dizemos, desde 2005, tratava-se de uma tese razoável. Por que razoá-vel, apenas? Porque as teses, mesmo as melhores, nunca conseguem juntar todos os fatos e sempre deixam alguns de lado. A do caixa dois é razoável. O próprio STF absolveu o publicitário Duda Mendonça, sua sócia Zilmar Fer-nandes e vários petistas, que receberam a maior parte do dinheiro do chamado valerioduto, porque, a despeito de pro-clamar que esse escândalo é o maior de todos, a corte reconheceu tratar-se, no caso das pessoas citadas, de dinheiro para campanhas eleitorais. E a tese do caixa dois é apenas razoável, como dissemos também, porque fatos fi cam de fora.

É sabido, por exemplo, que, dos 4 milhões de reais recebidos pelo denun-

Política

A VERTIGEMDO SUPREMO

www.retratodobrasil.com.br | r$ 9,50 | no 64 | noVembro de 2012

retrato dobrasil

liVrO CONQUISTA SOCIAL DA TERRA, de edward o. wilson, Pioneiro da sociobioloGia

ENErGia A PRESIDENTE TEM SOLUÇÃO PARA O PROBLEMA QUE AJUDOU A CRIAR COMO MINISTRA?

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ciante Roberto Jefferson – que jura ser o dinheiro dele caixa dois e o dos ou-tros, mensalão –, uma parte (modesta, é verdade) foi para uma jovem amiga de um velho dirigente político ligado ao próprio Jefferson e falecido pouco antes. Qualquer criança relativamente esperta suporia também que os ban-queiros não emprestaram dinheiro ao PT porque são altruístas e teria de se perguntar por que o partido repassou dinheiro a PTB, PL e PP, aliados novos, e não a PSB e PCdoB, aliados mais fiéis e antigos. Um arguto repórter da Folha de S.Paulo, num debate recente sobre o escândalo, com a participação de Retrato do Brasil, disse que dinheiro de caixa dois é assim mesmo e que viu deputado acusado de ter recebido o dinheiro do valerioduto vestido de modo mais sofisticado depois desses deploráveis acontecimentos.

O problema não é com a tese do caixa dois, no entanto. Essa é a tese dos réus. No direito penal brasileiro, o réu pode até ficar completamente mudo, não precisa provar nada. É ao Ministério Público, encarregado da tese do mensalão, que cabe o ônus da prova. E essa tese é um horror. No fundo, é uma história para criminalizar o Partido dos Trabalhadores, para bem além dos crimes eleitorais que ele de fato cometeu no episódio. O escândalo Banco do Brasil–Visanet, que é o pilar de sustentação da tese, não tem o me-nor apoio nos fatos.

Essencialmente, a tese do men-salão é a de que o petista Hen-rique Pizzolato teria desviado

de um “Fundo de Incentivo Visanet” 73,8 milhões de reais que pertenceriam ao BB. Seria esse o verdadeiro dinheiro do esquema armado por Delúbio e Va-lério sob a direção de José Dirceu. Os empréstimos dos bancos mineiros não existiriam. Seriam falsos. Teriam sido inventados pelos banqueiros, também articulados com Valério e José Dirceu, para acobertar o desvio do dinheiro público.

Essa história já existia desde a Co-missão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) dos Correios. Foi encampada pelos dois procuradores-gerais da República que fizeram os trabalhos da acusação, Antonio Fernando de Souza e Roberto Gurgel, e transformada num sucesso de público graças aos talen-

tos do ministro Joaquim Barbosa na armação de uma historinha ao gosto de setores de uma opinião pública sedenta de punir políticos, que em geral considera corruptos, e ao surto anticorrupção espalhado por nossa grande mídia, que infectou e levou ao delírio a maioria do STF.

Por que a tese do mensalão é falsa? Porque o desvio dos 73,8 milhões de reais não existe. A acusação disse e o STF acreditou que uma empresa de publicidade de Valério, a DNA, rece-beu esse dinheiro do BB para realizar trabalhos de promoção da venda de cartões de bandeira Visa do banco, ao longo dos anos 2003 e 2004. E haveria provas cabais de que esses trabalhos não foram realizados.

A acusação diz isso, há mais de seis anos, porque precisa que esse desvio exista, pois seria ele a prova de que os 50 milhões de reais do caixa dois confessado por Delúbio e Valério são inexistentes e os empréstimos dos bancos mineiros ao esquema Valério–Delúbio, falsos e decorrentes de uma articulação política inconfessável de Dirceu com os banqueiros. Ocorre, no entanto, que a verdade é o oposto do que a acusação diz e o STF a engoliu.

Os autos da Ação Penal 470 (AP 470) contêm um mar de evidências de que a DNA de Valério realizou os trabalhos pelos quais recebeu os 73,8 milhões de reais.

No site de RB é apresentado, a todos os interessados em formar uma opinião mais es-

clarecida sobre o julgamento que está sendo concluído no STF, um endereço em que pode ser localizada a mais completa auditoria sobre o suposto escândalo BB–Visanet. Nesse local o leitor vai encontrar os 108 apensos da AP 470 com os trabalhos dessa audito-ria. São documentos em formato PDF equivalentes a mais de 20 mil páginas e foram coletados por uma equipe de 20 auditores do BB num trabalho de quatro meses, de 25 de julho a 7 de dezembro de 2005, depois estendido com interrogatórios de pessoas en-volvidas e documentos coletados ao longo de 2006.

A auditoria foi buscar provas de que o escândalo existia, mas, ao analisar o caso, não o fez da forma interesseira e escandalosa da Procuradoria-Geral da República e do relator da AP 470, Joaquim Barbosa, empenhados em

Trechos de duas páginas do resumo da auditoria feita no BB. A quarta coluna (A-B) mostra a diferença entre o valor dos serviços demandados pelo banco e o valor dos serviços que tinham notas na CBMP. Se vê que a diferença, tanto nos anos 2001-2002, quanto nos anos 2003-2004, sob o comando de Pizzolato, é sempre menor que 1%.

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criminalizar a ação do PT. Fez, isso sim, um levantamento amplo do que foram as ações do Fundo de Incentivos Visa-net (FIV) desde sua criação, em 2001.

Um resumo da auditoria, de 32 páginas, está nas primeiras páginas do terceiro apenso

(vol. 320). Resumindo-a mais ainda se pode dizer que:

• As regras para uso do fundo pelo BB têm duas fases: uma, de sua criação, em 2001, até meados de 2004, quando o banco adotou como referencial bá-sico para uso dos recursos o Regula-mento de Constituição e Uso do FIV da Companhia Brasileira de Meios de Pagamento (CBMP); e outra, do segun-do semestre de 2004 até dezembro de 2005, quando o BB criou uma norma própria para o controle do fundo.

• Entre 2001 e 2004, a CBMP pa-gou, por ações do FIV programadas pelo BB, aproximadamente 150 mi-lhões de reais – 60 milhões nos anos 2001–2002, no governo Fernando Henrique Cardoso, portanto; e 90 mi-lhões nos anos 2003–2004, no governo de Luiz Inácio Lula da Silva. E, nos dois períodos, sempre 80% dos re-cursos foram antecipados pela CBMP, a pedido do BB, para as agências de publicidade contratadas pelo banco.

• O BB decidiu, em 2001, por moti-vos fiscais, que os recursos do FIV não deveriam passar pelo banco. A CBMP pagaria diretamente os serviços por meio de agências contratadas pelo BB. A DNA e a Lowe Lintas foram essas agências, no período 2001–2002. No final de 2002 o BB decidiu especia-lizar suas agências e só a DNA ficou encarregada das promoções do FIV. Os originais dos documentos compro-batórios das ações ficaram na CBMP, não no BB, em todos os dois períodos.

• O fato de o BB encomendar as ações, mas não ser o controlador oficial delas fez com que, nos dois períodos, 2001–2002 e 2003–2004, fossem iden-tificadas, diz a auditoria, “fragilidades

no processo e falhas na condução de ações e eventos”, que motivaram mu-danças nos controles de uso do fundo. Essas mudanças foram implementadas no segundo semestre de 2004, a partir de 1º de setembro.

• O relatório destaca algumas des-sas “fragilidades” e “falhas”. Aqui des-tacaremos a do controle dos serviços, para saber se as ações de promoção tinham sido feitas de fato. Os auditores procuraram saber se existiam os com-provantes de que as ações de incentivo autorizadas pelo BB no período tinham sido de fato realizadas.

• Procuraram os documentos existentes no próprio banco – notas fiscais, faturas, recibos emitidos pelas agências para pagar os serviços e des-pesas de fornecedores para produzir as ações. Descobriram que, para os dois períodos, 2001–2002 e 2003–2004, igualmente, somando-se as ações com falta absoluta de documentos às com falta parcial, tinha-se quase metade dos recursos despendidos.

• Os auditores procuraram, então, os mesmos documentos na CBMP, que é, por estatuto, a dona dos recursos e a controladora de sua aplica-ção e dos documentos originais de com-provação da realização dos serviços. A falta de documentação comprobatória foi, então, muito pequena – em propor-ção aos valores dos gastos autorizados, de 0,2% em 2001, de 0,1% em 2002, de 0,4% em 2003 e de 1% em 2004.

• Dizem ainda os auditores: com as novas normas, em função das mudan-ças feitas nas formas de se controlar o uso do dinheiro do FIV pelo BB, entre janeiro e agosto de 2005 foram executadas sete ações de incentivo, no valor de 10,9 milhões de reais e se pode constatar que, embora ainda precisassem de aprimoramento, as no-vas regras fixadas pelo banco estavam sendo cumpridas e os “mecanismos de controle” tinham sido aprimorados.

Ou seja: o uso dos recursos do FIV pelo BB foi feito, sob a gestão do petista

Henrique Pizzolato, exatamente como tinha sido feito no governo FHC, nos dois anos anteriores à chegada de Pizzo-lato à direção de marketing do banco. E mais: foi sob a gestão dele, em meados de 2004, que as regras para uso e con-trole dos recursos foram aprimoradas.

Mais reveladora ainda é a análise dos apensos em busca das evidências de que os traba-

lhos de promoção dos cartões Visa vendidos pelo BB foram feitos. Essas evidências são torrenciais. Uma amostra dessas promoções, que devem ser do conhecimento de milhares e milhares de brasileiros, está mais abaixo.

Em toda a documentação da audi-toria existem questionamentos e são apresentados problemas, mas referentes a detalhes. Não foi disso que tratou o julgamento da AP 470, no entanto. A acusação que se fez e que se pretende impor através do surto do STF é outra coisa. Quer-se apresentar os 73,8 mi-lhões de reais gastos através da DNA de Valério como uma farsa montada pelo PT com o objetivo de ficar no poder, como disse o ministro Britto, “muito além de um quadriênio quadruplicado”. Essa conclusão é um delírio. As cam-panhas de promoção não só existiram, como deram resultados espetaculares para o BB, tendo em vista os objetivos pretendidos. O banco tornou-se o líder nos gastos com cartões Visa no Brasil.

Em 2003, o banco emitiu 5,3 milhões desses cartões, teve um crescimento de cerca de 35% na sua movimentação de di-nheiro através deles e tornou-se o número um nesse quesito entre os associados da CBMP. No final daquele ano, 18 de de-zembro, às 14h30, em São Paulo, no Itaim Bibi, à rua Brigadeiro Faria Lima, 3.729, segundo andar, sala Platinum, de acordo com ata do encontro, os representantes dos sócios no Conselho de Administração da CBMP se reuniram e aprovaram o plano para o ano seguinte. Faturamento esperado para 2004 nas transações com os cartões Visa: 156 bilhões de reais.

Resumindo a auditoria, feita para “pegar Pizzolato”: o sistema BB-CBMP tinha falhas, desde 2001; e foi Pizzolato que implantou reformas para melhorá-lo

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O STF ACHOU QUE NADA DISSO EXISTIUAções de promoção de uso dos cartões Visa pelo Banco do Brasil que, a despeito de os ministros do Supremo acharem o contrário, existiram e envolveram milhares de pessoas

Dinheiro do FIV, ou seja, recursos para as promoções dos cartões pelos vários bancos associados: 0,10%, um milésimo desse total: 156 milhões. Parte a ser usada pelo BB, que era, dos 25 sócios da CBMP, o mais empenhado nas promoções: 35 milhões de reais.

Pode-se criticar esse esquema Visa-net–BB. O governo está querendo que

as taxas cobradas dos estabelecimentos comerciais pelo uso dos cartões sejam reduzidas. Na conta feita no parágra-fo anterior, dos 156 bilhões de reais previstos para serem movimentados pelos cartões em 2004, o dinheiro que iria para o esquema CBMP seria de 4% a 6% desse total, fi caria entre 6 e 10 bilhões de reais – isto é, a verba pro-

gramada para o fundo de incentivos na promoção dos cartões foi pelo menos 40 vezes menor. A Procuradoria-Geral da República e o ministro Barbosa certamente sabem de tudo isso. Se não o sabem é porque não o quiseram saber: da documentação tiraram apenas detalhes, para criar o escândalo no qual estavam interessados.

Adriana, garota-propaganda do cartão Ourocard

Alguns exemplos de ações do Fundo de Incentivos do Banco do Brasil, programadas pelo banco, pagas pela Companhia Brasileira de Meios de Pagamento e realizadas com os tra-balhos de publicidade da empresa DNA, de Marcos Valério:• O patrocínio às campeãs de vôlei de praia Adriana Behar e Shelda, nos anos 2003 e 2004, com 600 mil reais por ano em parcelas mensais e o direito de o BB usar a marca Ourocard Visa em bonés, camisetas, biquínis, uniformes, bandanas, casacos, agasalho de viagens – frente e mangas –, toalhas, mochilas, em anúncios e outras formas: “opor-tunidade para associar a marca Ourocard aos atributos de competitividade, jovialidade, dinamismo e modernidade”.• As campanhas anuais de premiação do Clube Ouro, de cer-ca de 5 milhões de reais por ano, com sorteios de prêmios cujo valor somado chegava a 2 milhões de reais – 50 carros novos (de 25 mil reais cada), 50 pacotes de viagens para a Costa do Sauipe, no hotel SuperClubs Breezes, com direito a acompanhante (5,6 mil reais por casal; 280 mil reais no total), 350 passagens aéreas de ida e volta para qualquer canto do País, num esquema BB–TAM com direito a acom-panhante (1.320 reais por casal, 462 mil reais no total). Essa premiação, “para dar maior visibilidade à estratégia do BB de fidelizar os portadores de cartões de crédito Ourocard e incrementar sua utilização”, foi realizada em eventos públicos nas cidades com maior número de clientes do BB no Clube Ouro, que acumulavam pontos para sorteio dos prêmios graças à soma de gastos pagos com os cartões Visa do BB. Os eventos tinham 800 convidados. Eram divulgados amplamente pelos grandes meios de comunicação, os quais, aliás, sempre ficaram com a maior parte das verbas dessas promoções. Na documentação existe uma análise detalhada dos custos delas, como a contratação de atrações especiais para os eventos (445 mil reais), a locação de espaço para realizá-los (85 mil reais), os serviços de buffet (230 mil re-ais). Nos documentos das promoções do Clube Ouro existe até um parecer do Ministério da Fazenda sobre a legalidade da distribuição de prêmios.• O Brasília Music Festival, de 2 a 4 de maio de 2003, para o qual o BB adquiriu uma cota de patrocínio máster, de 1,5 milhão de reais (pagos em quatro parcelas entre janeiro e abril de 2003), e no qual foram realizados 12 shows – de artistas como o grupo cubano Buena Vista Social Club, o

roqueiro Bon Jovi, as brasileiras Marisa Monte e Rita Lee – tudo sempre com muita publicidade na imprensa e nas ruas (dez inserções de um quarto de página no diário Correio Braziliense, três em Veja, 90 mil panfletos distribuídos). E, como sempre, a promoção era associada a contrapartidas para o banco que facilitassem a venda dos cartões – no caso, camarote VIP para cem pessoas, mil ingressos, por show, para distribuição para clientes do BB, propaganda do banco em tudo, venda dos ingressos pelas agências do banco com cobrança de 3 reais de comissão por ingresso, banners, outdoors, panfletos com o logo e propaganda do Visa Ourocard e assim por diante.• 4 milhões de reais em 2004 para campanhas de mídia do cartão Visa Ourocard nos aeroportos e nas ruas e mobiliário urbano – edifícios, outdoors, shoppings e pontos de grande visibilidade. Um detalhamento da DNA para esses gastos: para metrô, 36,3 mil reais; ônibus, 589 mil reais; outdoors, 379 mil reais; em shoppings, 1,1 milhão de reais; em abrigos de ônibus e mobiliário urbano, 1 milhão de reais; em mídia aeroportuária, 727 mil reais, por exemplo.• Patrocínio de 2,5 milhões de reais à casa de espetáculos Tom Brasil, em São Paulo; a promoção de mostras de cine-ma É Tudo Verdade e Encontro com o Cinema Brasileiro; exposições de obras de arte como as feitas com seleções do acervo do Museu Nacional de Belas Artes em mais de 20 cidades entre 2004 e 2005, todas com custo na casa de algumas poucas centenas de milhares de reais.E tem mais. Para quem quiser ver, é claro – os ministros do STF não quiseram, ao que tudo indica.

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Retrato do BRASIL é uma publicação mensal da Editora Manifesto S.A.

EDITORA MANIFESTO S.A.PRESIDENTERoberto Davis

DIRETOR VICE-PRESIDENTEArmando Sartori

DIRETOR ADMINISTRATIVOMarcos Montenegro

DIRETOR EDITORIALRaimundo Rodrigues Pereira

DIRETOR DE RELAÇÕES INSTITUCIONAIS Sérgio Miranda

EXPEDIENTESUPERVISÃO EDITORIALRaimundo Rodrigues Pereira

EDIÇÃOArmando Sartori

SECRETÁRIO DE REDAÇÃOThiago Domenici

REDAÇÃOLia Imanishi • Sônia Mesquita • Tânia Caliari • Téia Magalhães

EDIÇÃO DE ARTEPedro Ivo Sartori

REVISÃOSilvio Lourenço [OK Linguística]

COLABORARAM NESTA EDIÇÃOAmarildo • André Carvalho • Flávio de Carvalho Serpa • Laerte Silvino • Luiz Marcos Gomes • Tomás Chiaverini • Venício Artur de Lima

REPRESENTANTE EM BRASÍLIAJoaquim Barroncas

ADMINISTRAÇÃONeuza Gontijo • Mari Pereira • Maria Aparecida Carvalho

DISTRIBUIÇÃO EM BANCASGlobal Press

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30 A MAIOR GREVEO funcionalismo federal cruzou os braços na maior onda de greves desde que o PT assumiu o poder[Thiago Domenici]

32 PROBLEMAS AMAZÔNICOSCanteiros do tipo plataforma serão a solução para as constantes paralisações na construção de hidrelétricas?[Sônia Mesquita]

34 APOIO GERALSob aplausos do PSDB e da grande mídia, a presidente Dilma anunciou o Programa de Investimento em Logística[Téia Magalhães]

38 PARA TODOSO samba de terreiro ressurge: ao lado das antigas criações, os jovens sambistas mostram suas composições[André Carvalho]

42 MAGIA DA CIÊNCIAAlém de matar a curiosidade de pré-adolescentes, novo livro de Richard Dawkins é boa leitura para adultos[Flávio de Carvalho Serpa]

44 POLARIZAÇÃO CRESCENTELivro de Marcio Pochmann destaca crescimento dos trabalhadores da base da pirâmide e de quem vive do capital[Luiz Marcos Gomes]

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5 Ponto de Vista UM JULGAMENTO DE EXCEÇÃOO STF está criando regras de ocasião para julgar a Ação Penal 470, do chamado escândalo do mensalão

8 O HERÓI DO MENSALÃOA “historinha” armada pelo ministro Joaquim Barbosa rebaixou o nível do debate a respeito do grande escândalo político[Raimundo Rodrigues Pereira]

12 UMA HISTÓRIA EXEMPLARA condenação de Henrique Pizzolato pelo STF pode ter sido uma decisão errada, em todos os casos[Lia Imanishi e Raimundo Rodrigues Pereira]

22 HÁ REMÉDIO CONTRA O CAIXA DOIS?Um dos principais temas da reforma política é, sem dúvida, a prática de recebimento clandestino de dinheiro[Tânia Caliari]

26 A CAMINHO DA DITADURAA Abert foi fundada para a derrubada de vetos de João Goulart ao CBT. Depois, ela ajudaria a golpear o presidente[Venício Artur de Lima]

28 ALARME FALSO?Diante dos dados, não se justificam as declarações de suposta “escalada de violência” em São Paulo no 1º semestre deste ano[Tomás Chiaverini]

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Um julgamento de exceçãoNa Ação Penal 470, do chamado mensalão, o STF, pressionado pela grande mídia, negou direitos básicos à defesa e, assim, criou regras de ocasião para interpretar o direito penal brasileiro

Ponto de Vista

Em mEados dE setembro, caminhan-do-se para o segundo mês de apre-ciação, pelos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), do mérito da Ação Penal 470 (AP 470), que julga os envolvidos no chamado mensalão, confirmam-se as previsões pessimistas feitas no início desse processo, quando uma petição da maioria dos advogados dos acusados alertou para a possibili-dade de ser feito um “julgamento de exceção”. Na ocasião, os defensores dos réus já tinham sido derrotados em sua pretensão de desmembrar a ação penal, enviando para os tribunais inferiores os acusados sem foro privilegiado. No julgamento de um caso muito parecido, o dito mensalão tucano, que envolve políticos do PSDB de Minas Gerais, o STF tinha desmembrado o processo. Por que não fazê-lo no caso do mensalão pe-tista, diziam os advogados? O segundo protesto foi contra mais uma medida excepcional: o fatiamento das decisões dos ministros. Isso ocorreu em função do encaminhamento do primeiro voto

do julgamento, o do relator Joaquim Barbosa. Ele começou pela análise de crimes que teriam sido cometidos no uso de recursos públicos, um dos sete blocos em que subdividiu seu voto, e anunciou que, depois, passaria a palavra para os demais ministros votarem sobre o mesmo assunto.

Houve, então, certo tumulto no tribunal. O revisor do voto de Barbosa, Ricardo Lewandowski, disse que o en-caminhamento contrariava o regimento do STF e ameaçou renunciar. O ministro Marco Aurélio de Mello condenou a pro-posta de Barbosa. O presidente do STF, Ayres Britto, iniciou uma contagem de votos para decidir a forma de votação, mas não a concluiu e acabou decidindo que cada um votaria como quisesse, o que, como alguns ministros argumen-taram imediatamente, causaria uma confusão tremenda. O julgamento foi suspenso depois do voto de Barbosa, feito da forma fatiada, como escolhera, e recomeçou na sessão seguinte, após um acordo entre os ministros. Lewandowski

tinha, então, recuado: reorganizou seu voto e votou, como Barbosa, também na forma fatiada.

Na primeira derrota, os defensores queriam garantir aos réus o direito, expresso na Constituição brasileira, da dupla jurisdição: poder apelar da sentença a um tribunal mais alto. No julgamento pelo STF, corte acima de todas, esse direito praticamente não existe. E é preciso destacar que somente dois dos réus têm de ser julgados pelo STF, porque são deputados e têm foro privilegiado; 36 dos 38 não o têm. Os defensores dos réus foram derrotados sob o argumento de que se tratava de um processo único, no qual todos os acu-sados têm ligação com o grande crime que teria sido cometido, o da compra de votos por um “núcleo político” do PT e do qual faria parte José Dirceu, então chefe da Casa Civil do governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. No caso do fatiamento, ao argumentarem que o processo é um todo e seria mais justo ouvir o voto integral de cada

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Calandra, presidente da Associação dos Magistrados do Brasil: “Nunca vi presidente de tribunal votar duas vezes para condenar alguém”

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ministro, os advogados dos acusados foram derrotados sob o argumento da conveniência: dividir o julgamento em partes facilitaria a compreensão das decisões.

Afinal, pode-se perguntar: é um grande e único crime que obriga enfiar 38 pessoas num mesmo saco, mesmo desrespeitando direitos claros da gran-de maioria deles? Ou se trata de criar sete fatias de crimes que devem ser puxados de uma cartola de modo pla-nejado, para criar um clima que ajude a condenar os petistas a qualquer preço, como mostramos nesta edição, em “O herói do mensalão”. O artigo descreve as gestões do ministro Barbosa, que atua mais como promotor do que como juiz nesse caso, empenhado praticamen-te numa campanha de opinião pública para vender a tese do mensalão.

A maioria do STF parece disposta a ultrapassar limites. Segundo depoi-mentos de vários de seus ministros, a corte não sabe o que fará no caso de um empate de votos. Com a aposentadoria de Cezar Peluso, logo após o encerra-mento da primeira fatia da discussão, permaneceram dez ministros. Eles estariam discutindo o que acontecerá se houver uma decisão com cinco de um lado e cinco de outro: o presidente da corte, Ayres Britto, votará ou não pelo desempate? É uma duvida desca-bida. In dubio pro reo, lembrou Nelson Calandra, presidente da Associação dos Magistrados do Brasil, referindo-se a um dos pilares do direito penal, o princípio da presunção da inocência, segundo o qual, em caso de dúvida, o acusado deve ser considerado inocente. “Nunca vi presidente de tribunal votar duas vezes para condenar alguém”, disse Calandra.

A palavra de ordem que prevalece no STF no julgamento do mensalão petista parece ser: flexibilizar o direito penal. “O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamen-te nos elementos informativos colhidos na investigação”, diz o Código Penal brasileiro no artigo 155. Isso significa dizer, no caso: os juízes não podem ba-sear suas decisões principalmente nos indícios colhidos pelas investigações do Congresso Nacional e nas duas dezenas de inquéritos da Polícia Federal (PF) feitos a partir da denúncia do mensalão, quando o deputado Roberto Jefferson

declarou que o PT estava pagando uma mesada a parlamentares e assim corrompendo o Congresso. A Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) dos Correios, por exemplo, comandou investigações. Do seu trabalho resulta-ram cassações de mandatos e renúncias de parlamentares e na sua conclusão ela encaminhou o pedido de indiciamento criminal de dezenas de pessoas.

A CPMI não condenou criminalmente ninguém. Os depoimentos que ouviu, as perícias que promoveu, as acusações que fez são indícios que podem ser usa-dos na AP 470, é óbvio. Mas as provas essenciais, diz a lei brasileira, são produ-zidas judicialmente, são as que estão nos autos do processo. O valor determinante para um julgamento é o das provas apre-sentadas diante de um juiz, num ato no qual o contraditório, a participação da

parte contrária, é indispensável, para que seja garantido outro princípio do processo penal: o do amplo direito de defesa. Sob o argumento de que estão julgando um crime dos poderosos, com ampla capacidade de manipulação e ocultação de provas de suas atividades “tenebrosas”, para usar a expressão de um deles, os ministros que formam a atual maioria, empenhada em conde-nar os mensaleiros, estão invertendo o princípio: relativizam a importância das provas produzidas em juízo e ampliam o peso dos indícios e contextos que sacam aqui e ali da fase do inquérito policial ou das investigações da CPMI.

Vejam-se, por exemplo, os votos dos ministros Luiz Fux e Rosa Weber na con-denação do deputado João Paulo Cunha por crime de peculato. A ministra deu

Ao negar àmaioria dosréus a duplajurisdição,

“o STF pode servisto como um

órgão que vestiua toga para matar,não para julgar”

um exemplo curioso: “Tem-se admitido, em matéria de prova, uma certa elastici-dade na prova acusatória, valorizando-se o depoimento das vítimas. É como nos casos de estupro. Nos delitos de poder não pode ser diferente”. A ministra parece estar muito impressionada com os comentaristas dos grandes jornais conservadores, que querem a conde-nação dos petistas a qualquer preço, e confunde seus clamores com indícios para condenar o “poderoso” Cunha, um ex-metalúrgico – como Lula –, que foi presidente da Câmara dos Deputados.

Cunha foi condenado, entre outros, pelo crime de peculato por 9 votos a 2. Rosa e Fux, por exemplo, votaram pela condenação, a despeito de a acusação não ter conseguido provar ter ele co-metido qualquer delito numa licitação usada para condená-lo, pela qual uma das agências do publicitário Marcos Valério ganhou concorrência para gerir 10 milhões de reais a serem usados para promover as atividades da Câmara. Quando, em 1994, julgou o ex-presidente Fernando Collor de Mello por crime de peculato – o de ter recebido de presente de seu tesoureiro de campanha, Paulo César (PC) Farias, um automóvel Fiat –, o STF decidiu em sentido oposto. Absol-veu Collor de Mello porque a acusação não conseguiu provar a existência de um ato de ofício, uma decisão formal por meio da qual ele, como funcionário público, teria favorecido PC Farias em troca do Fiat recebido. Rosa e Fux con-denaram Cunha porque não aceitaram sua explicação para ter recebido 50 mil reais de Valério. Cunha disse nos autos – e apresentou provas – que os 50 mil reais foram gastos com uma pesquisa eleitoral e que pediu o dinheiro a Delúbio Soares, tesoureiro do PT, num esquema de caixa dois cujo intermediário foi Va-lério. Rosa e Fux sabiam que havia um ato de ofício – a abertura do processo de licitação pela Câmara para a contra-tação da agência de Valério – assinado por Cunha. Mas esse ato de ofício, está provado nos autos, foi perfeitamente legal. Rosa e Fux passaram a dizer então que não é necessária a existência de um ato de ofício para provar um crime de peculato. Pode-se dizer que:

1. tinham diante de si um crime de caixa dois confessado;

2. mas precisavam de um crime maior, o do mensalão, inventado por Jefferson;

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3. por isso, flexibilizaram a tese do ato de ofício necessário;

4. e, ao fazê-lo, esqueceram outro princípio: o de que, no direito penal brasileiro, cabe ao Ministério Público provar a acusação que faz.

Desprezaram os depoimentos dos outros réus, Soares e Valério, os quais dizem serem os 50 mil reais enviados a Cunha dinheiro de caixa dois das cam-panhas petistas. A tese do mensalão foi criada pela acusação; a do caixa dois, pela defesa. Rosa e Fux não tiveram a dúvida que, por recomendação dos princípios do direito penal, favorece o réu: ficaram com as explicações que favorecem a tese de Jefferson. Votou em sentido contrário, pela absolvição de Cunha, acompanhando o revisor Lewan-dowski, o ministro Dias Toffoli. Ele disse bem: Cunha não tinha que provar ser inocente, podia até ter ficado calado. “A acusação é quem tem de fazer a prova. A defesa não tem que provar sua versão. Essa é uma das maiores garantias que a humanidade alcançou. Estou rebatendo [a acusação contra Cunha não apenas] em relação ao fato concreto, mas como premissa constitucional que esta corte deve seguir.”

Roberto Gurgel, o procurador-geral da República, que cumpre o papel de acusador no processo, considerou que essa flexibilização caiu como o queijo sobre o seu prato de macarrão. Disse, após a condenação de Cunha, que o julgamento estava sendo encaminhado muito favoravelmente à sua acusação e que a aceitação de provas mais tênues para acusados de menor poder, como Cunha, mostrava a tendência da corte suprema de aceitar provas mais tênues ainda no caso da sua proposta de con-denação de Dirceu, apontado por ele e pela grande mídia conservadora como o comandante do mensalão. Como se sabe, nos autos, além dos depoimentos dos réus Jefferson e Emerson Palmieri, do PTB – que podem ser levados em conta apenas como indícios, porque dos réus não é cobrado o juramento de dizer a verdade –, Gurgel não tem mais nenhu-ma testemunha ou prova documental ou pericial contra Dirceu.

Em debate promovido pelo Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé, realizado em meados do mês passado em São Paulo, o jornalista e escritor Fernando Morais disse que o STF tem em seu passivo histórico dois

casos graves de condenação política. Um, de março de 1936, quando negou pedido de habeas corpus para a mili-tante comunista alemã Olga Benário, de origem judaica, grávida de uma filha de seu companheiro, o líder comunista brasileiro Luiz Carlos Prestes. Os dois estavam presos no Brasil e o governo de Adolf Hitler pediu a extradição de Olga ao governo comandado por Getúlio Vargas. A defesa de Olga solicitou ha-beas corpus ao STF por dois motivos: a extradição colocaria sua vida em risco, pois os campos de concentração nazis-tas eram conhecidos pelo tratamento cruel dispensado aos detidos, especial-mente se fossem comunistas ou judeus, e ainda colocaria sob o poder de um governo estrangeiro a filha de um bra-sileiro. O STF negou o pedido. Olga foi deportada e morta num dos campos de extermínio de Hitler (Anita Leocádia, sua filha, sobreviveu e hoje, com 75 anos, é professora aposentada da Universidade Federal do Rio de Janeiro; uma mulher com o mesmo nome está sendo julgada na AP 470).

A outra decisão foi a que legalizou, digamos assim, o golpe militar que der-rubou João Goulart da Presidência da República em 1964. A direita golpista levou ao STF um pedido para declarar vaga a Presidência sob o argumento de que Goulart abandonara o País. O

presidente, no entanto, estava no Rio Grande do Sul, sem qualquer sombra de dúvida. Tinha sido lá que, anos antes, fora organizada a resistência, afinal vitoriosa, para garantir sua posse em 1961, quando o então presidente, Jânio Quadros, renunciou e ele, como vice, teve seu mandato contestado pelos militares. O STF aceitou o argumento da direita e deu posse ao sucessor consti-tucional, Ranieri Mazzilli, presidente da Câmara, que governou como preposto dos golpistas por 15 dias.

Renato Janine Ribeiro, professor de ética e filosofia da Universidade de São Paulo (USP), reconhece, como Retrato do Brasil, em artigo publicado pelo diá-rio Valor Econômico, que “o Supremo, pressionado por uma mídia sobretudo oposicionista, negou direitos básicos à defesa”. Ao negar à grande maioria dos réus a dupla jurisdição, diz ele, “ao chegar à mesquinhez de proibir a defesa de usar o power point que facilitaria a exposição de seus argumentos, o STF pode ser visto como um órgão que vestiu a toga para matar, não para julgar”. Ele conclui, com razão: “A imagem da corte está em risco. Ninguém é legalmente culpado até ser condenado em processo justo [...] O Supremo não mostrou essa cautela”. Nós acrescentamos: e o que é pior, pode estar criando precedente para uma fieira de outros abusos.

Olga: em 1936, o STF permitiu que ela, grávida, fosse extraditada para a Alemanha nazista

ST

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NÃO HÁ A menor dúvida de que o PT, que se dizia o grande partido da ética na política, paga hoje o preço de, ao chegar à Presidência da República, em 2003, ter mergulhado fundo no pântano dos fi nanciamentos clandestinos das cam-panhas eleitorais. A avaliação de que o chamado mensalão é “o mais atrevido e escandaloso esquema de corrupção da história do Brasil” é outra coisa. Está nas alegações fi nais apresentadas ao Supremo

Tribunal Federal (STF) pelo procurador-geral da República, Roberto Gurgel. Do mesmo gênero foi a avaliação de Antonio Fernando de Souza, que o antecedeu no cargo e encaminhou, em 2006, a denúncia que resultou na Ação Penal 470 (AP 470), agora em julgamento na suprema corte de Justiça do País.

Pode-se dizer também que essa avalia-ção que supervaloriza os erros cometidos pelo PT é da oposição ao governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e já está formulada nas conclusões da

principal das comissões parlamentares de inquérito que investigaram o caso

a partir de julho de 2005, após a denúncia espetacular de Roberto Jefferson. Mas, com certeza, a pessoa que transformou esse conteúdo numa peça com apa-rência de justiça para ser vendida à opinião pública foi o ministro Joaquim Barbosa, que cuida do mensalão desde que o caso

chegou ao STF, em 2006, com o pedido feito pelo procurador-

geral Souza para que fosse aberto um inquérito na corte, visto que diversas pessoas acusadas tinham o chamado foro privilegiado.

Como o ministro Barbosa armou para o público sua “historinha” e, com ela, rebaixou o nível do debate que deveria ter sido feito sobre o grande escândalo político

por Raimundo Rodrigues Pereira ilustração Amarildo

Política 1

O HERÓI DOMENSALÃO

Para lembrar:Na Justiça brasileira, pessoas com foro

privilegiado – deputados como João Paulo Cunha, José Dirceu, Roberto Jefferson e outros, denunciados por Souza na época – só podem ser processadas e julgadas pelo STF, ao contrário das pessoas comuns, jul-gadas na chamada primeira instância, com direito a recorrer a uma alçada superior.

Uma etapa inicial do processo judicial é o inquérito, cujas investigações são feitas pela polícia. Ele é dirigido por um promotor, um advogado do Ministério Público. Decisões suas que afetem os di-reitos constitucionais dos acusados, como, por exemplo, uma busca em sua residência, devem ser aprovadas por um juiz a quem o inquérito precisa ser comunicado. No caso de nossa história, em função do foro privilegiado, o inquérito, de número 2.245, foi comunicado ao STF, o promotor foi o procurador-geral da República, e o juiz, o ministro Barbosa.

Após o inquérito policial, o procura-dor verifi ca se há indícios sufi cientes para mover uma ação penal destinada a julgar os acusados. Em caso positivo, encaminha denúncia ao juiz e este a examina para dizer se a aceita ou não. No caso, Barbosa examinou a denúncia de Souza e a aceitou. A seguir, encaminhou seu voto ao plenário do STF, que o aprovou e abriu a AP 470.

Na ação penal, presidida por um juiz, são preparados os chamados autos do processo, com depoimentos, perícias, documentos, apresentados a ele sob as regras do contraditório, ou seja, as duas partes, acusação e defesa, devem ter amplo acesso às provas produzidas, com o direito de contraditá-las.

Finalmente, concluída a fase de forma-lização dos autos, a ação vai a julgamento; no caso, o da AP 470 começou no início de agosto passado.

Barbosa surgiu como um herói para a grande mídia conservadora do Brasil quando concordou com a denúncia enca-minhada por Souza e, no plenário do STF, em fi ns de agosto de 2007, apresentou um voto de 430 páginas, lidas ao longo de 36 horas em cinco dias, defendendo a justeza de aceitar a denúncia. Seu voto pela abertura da AP 470 foi amplamente aceito.

Até então Barbosa era relativamente estigmatizado. Fora escolhido para ser ministro do STF pelo presidente Lula, logo no começo de seu primeiro mandato, por ser negro, numa espécie de exercício da política de cotas raciais. Isso, de certo modo, foi mal recebido por expoentes da

alegações fi nais apresentadas ao Supremo pelo PT é da oposição ao governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e já está formulada nas conclusões da

principal das comissões parlamentares de inquérito que investigaram o caso

a partir de julho de 2005, após a denúncia espetacular de Roberto Jefferson. Mas, com certeza, a pessoa que transformou esse conteúdo numa peça com apa-rência de justiça para ser vendida à opinião pública foi o ministro Joaquim Barbosa, que cuida do mensalão desde que o caso

chegou ao STF, em 2006, com o pedido feito pelo procurador-

geral Souza para que fosse aberto um inquérito na corte, visto que diversas pessoas acusadas tinham o chamado foro privilegiado.

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mídia mais conservadora que são contra esse critério para preenchimento de parte das vagas públicas em várias instâncias; no caso, o STF.

O seu encaminhamento vitorioso da denúncia contra o mensalão petista, o cha-memos assim, mudou radicalmente essa imagem e lhe valeu elogios estridentes. “O Brasil jamais teve um deplorável escândalo como o mensalão. Como compensação, também jamais teve um ministro como Joaquim Barbosa”, disse Veja em sua edi-ção do início de setembro de 2007, num artigo de capa no qual enumerava suas qualidades de menino pobre que estudou muito e venceu na vida e sua sofisticação, desde falar várias línguas, vestir-se em lo-jas chiques pelo mundo e conhecer com detalhes a vida em Paris, Nova York, Los Angeles e San Francisco.

Mas, essencialmente, Veja elogiava o fato de Barbosa ter se con-vencido da tese apresentada na

denúncia de Souza em 2006, e encampada pela revista desde meados de 2005, de que “uma quadrilha liderada pelo ex-ministro José Dirceu movimentara dezenas de mi-lhões de reais para corromper parlamen-tares em troca de apoio político”. Veja destacava, essencialmente, a sagacidade de Barbosa em transformar a denúncia do procurador-geral numa peça para o convencimento do público. Diz a revis-ta: “Sua obsessão era a forma do voto, a estrutura, a ordem dos capítulos [...] Joaquim Barbosa fez um voto inteligente. Subverteu a ordem da denúncia preparada pelo procurador-geral da República”.

Souza apresentou uma denúncia di-vidida em sete capítulos. No quinto, por exemplo, falava de 50 mil reais recebidos pelo deputado João Paulo Cunha, na época presidente da Câmara dos Deputados, e 326 mil reais recebidos por Henrique Pizzolato, então diretor de Comunicação e Marketing do Banco do Brasil (BB). Eles tinham apresentado essas quantias como sendo dinheiro do caixa dois confessado por Delúbio Soares, tesoureiro do PT, e Marcos Valério, dono de agências de pu-blicidade com serviços prestados ao BB e à Câmara. O procurador-geral dizia que, nos dois casos, o dinheiro era, de fato, suborno.

No terceiro capítulo, Souza apresentava dois tipos de operações da agência DNA com o BB como sendo a fonte de desvio de 2,9 milhões de reais e 73,8 milhões de reais de dinheiro público para as empresas de Valério. Barbosa mudou a ordem da apre-sentação dos supostos crimes: começou sua

“historinha”, como disse na ocasião ao diá-rio O Estado de S. Paulo, pelo capítulo 5, no qual Souza tentava provar a corrupção de Cunha e Pizzolato. Depois foi para o 3, no qual Souza procurava mostrar que o dinhei-ro do esquema Soares–Valério viria, de fato, de desvio de dinheiro público. Deixou por último o capítulo no qual Dirceu é acusado de formar uma quadrilha, articulada com outras duas – uma de publicitários e outra de banqueiros –, para corromper o Con-gresso. Com essa forma, o escândalo ficou mais compreensível, “o capítulo anterior jogava luz sobre o capítulo subsequente”, como disse, na época, Barbosa ao Estadão.

Barbosa reorganizou a denúncia do procurador-geral, mas com um voto unitário. No julgamento, quando, como relator, foi o primeiro a votar, já quase no final de agosto, após os pronunciamentos da acusação, pelo procurador-geral Gurgel, e das defesas, pelos advogados dos 38 réus, ele acabou impondo – com a ajuda do pre-sidente da corte, Ayres Britto – a votação fatiada, para espanto dos ministros Ricardo Lewandowski, revisor da AP 470, e Marco Aurélio de Mello e protestos da maioria dos advogados dos réus.

O fatiamento parece ter sido o grande truque de Barbosa. É uma espécie de técnica como a de comer o pirão a partir das beiradas, onde está mais frio. No caso, começar a julgar a complexíssima tese do mensalão a partir de um ponto que é quase um senso comum: o de que os políticos são corruptos e é grande o desvio de dinheiro público para proveito deles próprios. Certos setores da classe média e da burguesia brasi-leira devem fazer isso até com uma espécie de consciência culpada: deve-se notar que, no mensalão, a acusação tenta provar um desvio de dinheiro público de perto de 100 milhões de reais. Já a Receita Federal está cobrando de centenas de milhares de pes-soas físicas e jurídicas 86 bilhões de reais em “débitos vencidos”. Desse total, 42 bilhões são atribuídos a 317 grandes contribuintes (15 pessoas físicas e 302 jurídicas) – ou seja, um montante que equivale a mais de 420 vezes o dinheiro envolvido no mensalão.

Cunha e Pizzolato foram as vítimas iniciais. Mas a história do ex-diretor do BB é, sem dúvida, a principal. Após a acusa-ção de Barbosa, Pizzolato foi condenado quase unanimemente pelos outros dez ministros por quatro crimes: corrupção passiva, porque teria recebido 326 mil reais para favorecer Valério; lavagem de dinheiro, por ter recebido dinheiro em espécie e ocultado essa movimentação; um “pequeno peculato”, por ter desviado 2,9

milhões de reais por meio dos chamados bônus de volume, isto é, recursos dados pelos veículos de promoção e mídia em função do volume de serviços cobrados do BB, que seriam devidos ao banco, mas foram dados para uma empresa de Valério com a anuência de Pizzolato; e um “grande peculato”, pelo desvio de 73,8 milhões de reais, que também seriam do BB e foram dados para a mesma empresa de Valério, a partir de um fundo de incentivos ao uso de cartões da bandeira Visa.

O que Barbosa fez ao começar pelas “historinhas” de corrupção é o oposto do que se recomenda num debate intelectual sério. Como disse o pensador italiano An-tonio Gramsci, nesse tipo de discussão, na luta de ideias, ao contrário do que se faz na guerra, quando se come o pirão pelas beiradas, procurando destruir o inimigo atacando-o por seus pontos mais fracos, deve-se começar pelo ponto forte, o essencial da argumentação adversária. O propósito na luta de ideias não é destruir o adversário, como se faz com o inimigo na guerra, mas derrotar suas ideias errôneas e, dessa forma, contribuir para elevar o nível popular de consciência e informação.

Barbosa não é nenhum Gramsci. Fez o contrário, procurou contar uma “historinha”. Estavam em debate

duas posições. De um lado, a dos maiores criminalistas do País, que defendem os acusados com a tese do caixa dois. Essa tese foi desenvolvida por Soares e Valério, já em 2005. Eles apresentaram provas e testemu-nhos de terem repassado clandestinamente 55 milhões de reais para pagar dívidas de campanha do PT e partidos associados a ele nas eleições. Disseram que o dinheiro vinha de empréstimos tomados – pelo PT, mas, principalmente, pelas empresas de Valério – nos bancos mineiros Rural e Mercantil de Minas Gerais. De outro lado estava a tese da maioria da CPMI dos Correios, a tese do mensalão. Ela dizia que os 55 milhões de reais admitidos pelos acusados como caixa dois não existiam. Seriam dinheiro público os 76,7 (73,8 + 2,9) milhões de reais da soma do grande e do pequeno peculatos de Pizzolato, desviados do BB para Valério. As quantias teriam sido fraudulentamente camufladas como empréstimos pelo publicitário com ajuda dos banqueiros do Rural. Os 326 mil reais que chegaram a Pizzolato seriam o suborno para ele fazer o desvio. Os ban-queiros do Rural teriam feito a simulação porque estariam interessados num prêmio que Dirceu, chefe da quadrilha política,

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poderia obter do Banco Central para eles: a “bilionária” liquidação do Banco Mercantil de Pernambuco, como diz Gurgel em sua peça acusatória. E Dirceu e sua quadrilha política queriam o dinheiro para comprar o apoio de partidos no Congresso para o governo Lula.

Como juiz, a nosso ver, para encarar o debate de frente, Barbosa deveria ter começado por dar seu veredicto sobre a acusação, isto é, dizer se a tese do mensalão fora ou não provada. Deveria fazer isso examinando a argumentação da defesa, a tese do caixa dois, e fazer isso com todo o empenho, para eliminar qualquer dúvida razoável em favor dos acusados, em res-peito ao princípio in dubio pro reo.

Note-se bem: ninguém pode dizer que os réus são inocentes se o propósito for corrigir os males do

processo eleitoral brasileiro, totalmente cor-rompido pelo dinheiro. Muitos dos acusa-dos são participantes confessos, em maior ou menor grau, de um crime eleitoral: o uso de dinheiro clandestino para financiamento de candidatos e partidos. Ao escrever sobre esse tema, poucos meses depois do ocor-rido (ver no livro As duas teses do mensalão, Editora Manifesto, 2012, o capítulo “O PT no seu labirinto”, escrito em setembro de 2005), já dizíamos, por exemplo, o que está sendo observado agora por alguns analistas: os 4,1 milhões de reais repassados por meio do chamado valerioduto para o PP não podiam ser vistos como verba para paga-mento de despesas de campanhas passadas. A adesão do PP à base do governo Lula foi tardia. Em 2002 esse partido, assim como o PMDB, se coligou com o PSDB no apoio à candidatura de José Serra à Presidência. É outro, no entanto, o caso de PT, PTB, PL e de seus políticos que receberam dinheiro do esquema. Dos 55 milhões distribuídos através do esquema Soares-Valério, a maio-ria foi para o próprio PT: 23,6 milhões de reais – sendo o equivalente a 10 milhões de reais depositado numa conta no exte-rior para Duda Mendonça, que, como se sabe, foi o marqueteiro da campanha de Lula à Presidência e de vários candidatos

do PT a governador nas eleições de 2002. A segunda maior parte – 11,2 milhões de reais – foi para o PL, que estava coligado com o PT desde a formação da chapa presidencial, com Lula encabeçando-a e com o empresário mineiro José Alencar como vice. Mais 4 milhões foram para o PTB, de Roberto Jefferson. No primeiro turno da eleição presidencial de 2002, o PTB formou a chamada aliança trabalhista, com o PDT e o PSB, para apoiar Anthony Garotinho, o candidato à Presidência dessa última agremiação. No segundo, o partido de Jefferson apoiou a candidatura de Lula. Por que o valerioduto não repassou verbas para o PSB pagar suas campanhas de 2002? Por que não deu dinheiro para o PCdoB, outro de seus aliados históricos? Por que PTB, PP e PL são partidos, como se diz, mais fisiológicos, corrompíveis, digamos? É claro que pode ter havido compra de partidos, que candidatos possam ter usado o esquema clandestino Valério-Soares para melhorar suas contas pessoais e que, portanto, a tese do caixa dois não dá conta de todos os detalhes e não ajuda, de forma alguma, diga-se mais, a limpar as estrebarias formadas pelo dinheiro e pelos poderosos que o oferecem para orientar, em função de seus interesses, o processo democrático. Quem, dentre os defensores da tese do caixa dois, pode ter certeza de que os ban-queiros do Rural e do BMG não queriam favores do governo? É claro que queriam.

Mas o problema em discussão não é esse. A tese do caixa dois é a da defesa. Ela não tem, a serem seguidos os princí-pios do direito penal, o ônus da prova. É a acusação que está sendo julgada na AP 470. É a tese do mensalão, encaminhada pelo procurador-geral Gurgel na sua sustentação oral feita em 2 de agosto, na abertura do julgamento da AP 470. E é a forma como o relator Barbosa está levando os seus colegas do STF a julgá-la.

É nossa opinião que, ao não dar um voto unitário inicial à altura das dimensões que o julgamento adquiriu, Barbosa visou, de modo doloso – para usar um termo jurídico –, abrir caminho para a vitória da tese do mensalão. Empenhou-se na defesa

dessa tese, buscando em seu apoio todos os indícios e suposições da fase do inqué-rito e praticamente ignorando as provas e testemunhos produzidos para os autos pela defesa, os quais, pela lei brasileira, deveriam ser os determinantes para a condenação dos acusados. Como disse o experiente so-ciólogo Wanderley Guilherme dos Santos, em entrevista publicada pelo jornal Valor Econômico em 21 de setembro: “Temo que uma condenação dos principais líderes do PT, e do PT como partido, acabe tendo por fundamento não evidências apropriadas, mas o discurso paralelo que vem sendo construído”. O jornal então lhe perguntou se ele achava que os ministros estavam “dizendo, nas entrelinhas do julgamento”, que “o tribunal condenará alguns réus sem fundamentar essas condenações em provas concretas”. Ele respondeu: “É uma espécie de vale-tudo. Esse é meu temor. O que os ministros expuseram até agora é a intimi-dade do caixa dois de campanhas eleitorais e o que esse caixa dois provoca. A questão fundamental é: por que existe o caixa dois? Isso eles se recusam a discutir, como se o que eles estão julgando não fosse algo comum – que pode variar em magnitude, mas que está acontecendo agora, não te-nho a menor dúvida. Como se o que eles estão julgando fosse alguma coisa inédita e peculiar, algum projeto maligno”.

Barbosa adotou o método da “his-torinha” para ganhar o público a partir dos preconceitos existentes

contra a política. E também porque, obser-vada na sua estrutura, a tese do mensalão é muito complexa e frágil. Ela precisa de uma superorganização criminosa. Precisa de três quadrilhas – associação criminosa que envolve, em cada uma, pelo menos quatro pessoas – unidas num mesmo propósito e com divisão de tarefas. As três quadrilhas devem ter uma hierarquia, porque, segundo essa tese, Dirceu, da quadrilha política, é o poderoso chefão e seria o articulador e comandante do grande esquema.

As deformações decorrentes do enca-minhamento dado à AP 470 por Barbosa podem ser vistas com mais precisão em

Para Barbosa, Valério tirou R$ 76,7 milhões do BB na “mão grande”. Ele ignorou as notas em poder da CBMP que comprovam os serviços do publicitário

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alguns absurdos cometidos no tratamento de questões financeiras essenciais. A qua-drilha dos banqueiros teria grande interesse em falsificar os empréstimos da dupla Valério-Soares, de olho, por exemplo, na liquidação “bilionária” do Banco Mercan-til de Pernambuco. Ocorre, no entanto, como disse repetidas vezes o advogado de um dos banqueiros, o ex-ministro Márcio Thomaz Bastos, que essa liquidação foi “milionária”, ou seja, mil vezes menor. Barbosa mostrou, como prova da falsidade dos empréstimos para o valerioduto, o fato de um sócio de Valério ter recebido em sua conta um depósito de adiantamento de dinheiro do Fundo de Incentivo Visanet e imediatamente ter aplicado o montante no Banco Rural, como se isso fosse uma manobra diversionista. Como se não fosse uma obrigação de toda pessoa sensata, no sistema em que vivemos, aplicar a juros uma bolada que recebe. Como se todos os convênios que o governo federal faz com estados e municípios, por exemplo, não fossem de adiantamento de boa parte de dinheiro e de prestação de contas a posteriori. E nos quais todos os secretários de Fazenda com bom senso mandam aplicar o dinheiro imediatamente.

Mas o dolo principal de Barbosa é quanto aos dois peculatos de Pizzolato. Eles são a viga mestra da tese do mensalão. Esses 76,7 milhões de reais dos supostos dois desvios de dinheiro do BB substituem os 55 milhões de reais que, na tese do men-salão, não existem e teriam sido inventados pelos banqueiros, por Valério e por Soares para sustentar a tese do caixa dois. Em seu voto, ao omitir dezenas de provas e teste-munhos da defesa, Barbosa praticamente diz que Pizzolato, sozinho, comandou a

retirada do dinheiro do BB, como se o banco fosse uma padaria de cujo caixa um dirigente pudesse retirar dinheiro com a mão. As provas da defesa, que Barbosa não apresentou, mostram que essa acusação é absurda. Ele sabia e deveria ter dito que o Fundo de Incentivo Visanet, para o uso dos cartões de bandeira Visa, a partir do qual a empresa DNA, de Valério, recebeu aquele dinheiro, era da Companhia Brasileira de Meios de Pagamento (CBMP), dominada, no essencial, por uma empresa multina-cional, a Visa International Services Asso-ciation, estabelecida em San Francisco, na Califórnia. Sua ampla rede global possibilita a utilização de cartões de sua bandeira, Visa, por meio de 21 mil instituições financeiras em mais de 200 países. Durante o governo do presidente Fernando Henrique Cardoso a Visa criou no Brasil a CBMP. O estatuto da CBMP, assinado por todos os seus sócios – Visa (10%), Bradesco (39%), BB (32%) e mais de 20 outros bancos –, estabelece cla-ramente que o dinheiro retirado pela CBMP de cada pagamento feito por meio dos cartões Visa, para promoção dos próprios cartões e através de cada um de seus sócios, lhe pertence. Barbosa sabe disso porque foi ele quem, até o final de 2006, um ano depois de o Fundo de Incentivo Visanet ter sido fechado em função do escândalo do mensalão, tentou fazer valer, sem sucesso, uma decisão do então presidente do STF, Nelson Jobim, que mandava a companhia permitir um exame de sua contabilidade. Era a CBMP, repita-se, comandada pela Visa – não pelo BB e muito menos por Pizzolato –, que ficava com os recibos dos pagamentos feitos pela DNA por conta de serviços de promoção dos cartões emitidos pelo BB com a bandeira Visa. Pelo que Bar-

bosa mostrou ao País pela televisão, o BB não tinha qualquer controle das contas da DNA, que basicamente não teria feito ser-viço algum, apenas carregado a grana para os esquemas fantásticos de Soares-Valério com a quadrilha de banqueiros mineiros. Mas isso é totalmente falso. Nos autos do processo está a avaliação de uma equipe de 20 auditores do BB, feita ao longo de quatro meses, com base nos recibos da CBMP, que provam o que Valério diz até hoje, aparente-mente com razão: que sua empresa realizou todos os serviços de promoção pelos quais recebeu os adiantamentos.

Barbosa sabe também que a Comis-são Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) dos Correios, que criou a

tese do mensalão, mandou indiciar, pelos desvios que imaginou terem sido feitos no Fundo de Incentivo Visanet durante quatro anos de seu uso pelo BB, cinco pessoas, sendo três do governo FHC e duas da administração petista: Luiz Gushiken e Pi-zzolato. Por que sobrou apenas Pizzolato? O advogado dele, Sávio Lobato, diz que isso ocorreu apenas porque seu cliente era do PT. Pode-se dizer mais: só Pizzolato sobrou porque: 1) ele seria a porta de en-trada para a “historinha” de Barbosa; 2) se Gushiken, ministro de Comunicação Social do governo Lula e superior hierárquico de Pizzolato, fosse incluído, isso atrapalharia. Embora responsável, em última instância, pela publicidade alocada pelo governo Lula, se entrasse na história, Gushiken destruiria a parte da tese que ainda hoje une a massa dos conservadores: a de que o ex-comunista, ex-guerrilheiro e ex-comandante da equipe que elegeu Lula, José Dirceu, é o chefão mais poderoso das três quadrilhas inventadas.

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Henrique Pizzolato foi condenado no STF, de forma quase unânime, por quatro crimes. Pode ter sido uma decisão errada, em todos os casos

por Lia Imanishi e Raimundo Rodrigues Pereira

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política 2

Henrique Pizzolato foi diretor de Comunicação e Marketing do Banco do Brasil (BB) do início do primeiro mandato do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva até pouco depois do estouro do mensalão, em agosto de 2005, quando foi afastado como um dos denunciados no escândalo. Em agosto passado, sete anos depois, foi condenado no Supremo Tribunal Federal (STF) por quatro crimes: corrupção passiva, dois peculatos e lavagem de dinheiro. Foram 44 votos; cada um dos 11 ministros votou em cada uma das acusações. Só um voto não foi por sua condenação, o de Marco Aurélio de Mello, que o absolveu do crime de lavagem de dinheiro.

Na história que publicamos a seguir tentaremos provar que todas as quatro condenações são injustas, mesmo a por corrupção, em cuja defesa ele apresentou uma versão, de fato, pouco convincente para 326 mil reais que recebeu do valerioduto, esquema montado pelo então tesoureiro do PT, Delúbio Soares, e pelo publicitário mineiro Marcos Valério. Nosso argumento nesse caso: ao réu cabe o benefício da dúvida; a acusação, à qual cabe o ônus da prova, não provou que Pizzolato não repassou o dinheiro para o PT do Rio de Janeiro, como ele alega. Diremos mais: a condenação pelos dois peculatos, essencial para “provar” a teoria do mensalão, simplesmente não se sustenta nos fatos.

Henrique Pizzolato tem 60 anos. For-mou-se em arquitetura, com especiali-zação em urbanismo. Estudou também comunicação social durante três anos. Em 1974, ainda universitário, passou em concurso para escriturário do Banco do Brasil (BB), onde, ao longo de 32 anos de carreira, ocupou diversos cargos, até chegar ao topo, em fevereiro de 2003, como diretor de Marketing e Comuni-cação, nomeado pelo recém-empossado presidente do banco, Cássio Casseb. Já conhecia Casseb do conselho da Brasil Telecom, no qual este representava a Telecom Itália e ele, a Previ, o fundo de pensão dos funcionários do BB. Influiu em sua nomeação também, é claro, sua militância no PT, no qual ingressou logo na fundação, ainda estudante universi-

tário. Depois, foi eleito presidente do Sindicato dos Bancários do Rio Grande do Sul e do Paraná, para onde se mudou antes de ir para o Rio de Janeiro, em Copacabana, onde mora até hoje. Foi no movimento sindical que Pizzolato conheceu, por volta de 1985, Luiz Gushiken, então presidente do Sindicato dos Bancários de São Paulo e depois deputado federal pelo PT. Durante cinco meses, ele, Gushiken e Eduardo Jorge, também deputado federal pelo PT, dividiram um apartamento em Bra-sília. Pizzolato os convidou a trocar os quartos de hotel pagos pela Câmara dos Deputados pelo apartamento funcional da Associação Nacional dos Funcioná-rios do BB, da qual era dirigente. Em 2002 seu mandato na Previ terminou

um homem condenAdoTrinta e dois anos de carreira até o topo do Banco do Brasil. E, de repente, Pizzolato se transformou num pária

e veio a campanha de Lula, da qual Gushiken foi, junto com José Dirceu, um dos dirigentes. Pizzolato começou então a trabalhar ativamente para eleger Lula. Como a Previ tem investimentos junto a grandes empresas em diversos setores – hoteleiro, ferroviário, portuá-rio, bancário, mineração, infraestrutura, turismo, lazer e imobiliário –, o partido lhe deu a função de apresentar o plano de governo petista em reuniões com os líderes patronais dos sindicatos, asso-ciações e entidades desses setores, a fim de obter apoio. Lula eleito, Gushiken foi ser ministro da Secretaria de Comu-nicação Social e Assuntos Estratégicos da Presidência da República e superior hierárquico de Pizzolato em relação aos assuntos relativos à publicidade do BB.

Tudo parecia ir muito bem até 3 de agosto de 2005, quando a vida de Pizzolato virou de cabeça para baixo. Em manchetes de jornais, foi acusado de receber R$ 326.660,27 encaminhados a ele pelo empresário Marcos Valério, da agência de publicidade DNA. Valério já era tido como o operador do mensalão, o grande escândalo do início do governo Lula, e a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) dos Correios, a mais importante de três formadas para investigar o caso, pegava fogo. O di-nheiro fora sacado por um contínuo da Previ, Luiz Eduardo Ferreira da Silva, em uma agência do Banco Rural, no centro do Rio de Janeiro. Levado a de-por na Polícia Federal (PF), o contínuo afirmou que Pizzolato lhe telefonou e pediu que fosse buscar “documentos”

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Pizzolato: a acusação de corrupçãoé a que mais dói. “Fui humilhado,execrado em praça pública. Tudocom insinuações, hipóteses.Não apresentaram uma prova”

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no Banco Rural. Lá chegando, disse no depoimento, foi levado a uma sala interna do banco, onde lhe entregaram dois embrulhos em papel pardo, os quais disse ter levado pessoalmente a Pizzolato, em seu apartamento em Copacabana. Foi a notícia mais quente dos jornais do dia seguinte. As matérias destacavam que, pouco tempo depois do recebimento do dinheiro, Pizzolato comprara um apartamento de 400 mil reais, visto como prova suficiente de sua culpabilidade. Quinze dias depois, Pizzolato depôs na CPMI dos Correios. Seu advogado pediu habeas corpus ao STF para lhe garantir o direito de ficar calado, o que foi negado. Pizzolato disse no depoimento que suas ações no BB tinham sido aprovadas por Gushiken, o que causou sensação ainda maior por-que, àquela altura, a questão do dinheiro que teria recebido de Valério já estava associada a outra denúncia, maior: a de ter desviado 73,8 milhões de reais do BB ilegalmente para as empresas do publi-citário. Pizzolato então estaria dizendo

ter feito isso a mando de Gushiken, um dos maiores dirigentes do governo Lula.

O mensalão não mais iria sair do noticiário dos jornais nos próximos sete anos. Pizzolato disse, em depoimento judicial, depois, que a sua inquirição pelos deputados e senadores na CPMI foi uma tortura, que se sentiu “humilha-do”, “achincalhado”. Hoje vive recluso no apartamento em Copacabana. Não fala com a imprensa. Para Retrato do Brasil, sua única concessão foi enviar pela internet, a 7 de setembro, através de seu advogado, Marthius Sávio Lobato, em Brasília, uma declaração da Receita Federal com a qual buscava provar que, após uma devassa em suas contas, nada fora apurado contra ele. Mas RB teve cerca de oito horas de conversas com Lobato, que estudou na Universidade de Brasília, onde foi aluno de Gilmar Mendes, um dos ministros do STF hoje no julgamento do caso.

Lobato diz que considera seu cliente um injustiçado. Conta que, na primeira vez em que Pizzolato falou para os autos

da Ação Penal 470 (AP 470) – ou seja, em depoimento judicial, tendo ele, como advogado, ao lado, em 14 de fevereiro de 2008 – o juiz da 7ª Vara Federal Criminal, Marcelo Granado, abriu a audiência para toda a imprensa, fato que, diz ele, “não ocorreu em nenhum outro depoimento dos litisconsortes passivos, para utilizar a própria expressão do STF”. Lobato diz que ainda tentou anular o depoimento, mas o ministro Joaquim Barbosa negou o pedido sob o fundamento de que o processo não está sob sigilo.

Depois de aberta a AP 470, Barbosa expediu as chamadas “cartas de ordem” para que os réus fossem ouvidos pela Justiça em seus estados de origem. Em 2008, quando terminou seu depoimen-to no Rio, o juiz Granado concedeu a Pizzolato o direito de, “como pessoa humana”, dizer mais algumas palavras em sua defesa, se quisesse. Pizzolato disse: “Eu queria dizer da minha revolta, da minha insatisfação da forma como eu fui envolvido nesses fatos, porque eu tive a minha carreira profissional

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Valério: Delúbiomandou

R$ 2.676.660,67 para o PT-RJ.R$ 326.660,67via Pizzolato

destruída, tive a minha família exposta, fui humilhado, fui execrado em praça pública, fui julgado, fui satanizado em público [...] tudo a partir de insinuações, não foi apresentado um documento; tudo a partir de hipóteses”.

Lobato disse a RB que Pizzolato tinha saído dessa fossa e se animara com a preparação das alegações finais de sua defesa, entregues ao STF em 30 de agosto do ano passado. Mas a sentença dos ministros do STF o teria arrasado. O crime de corrupção passiva é, talvez, o que mais lhe doa. A acusação é a de que ele embolsou os 326 mil reais repassados por Valério, justamente para facilitar os desvios dos dois crimes de peculato, um de 2,9 milhões de reais e outro de 73,8 milhões de reais. E, para encobrir a corrupção cometeu outro crime, o de “lavagem de dinheiro”, ocultando origem, movimentação e destino dos recursos recebidos de Valério a 15 de janeiro de 2004.

No seu depoimento, Pizzolato disse que naquele dia recebeu uma ligação em seu celular de uma mulher que dizia ser a secretária de Valério, pedindo que fizesse o favor de ir buscar “documentos para o PT” em um “escritório” no cen-tro da cidade. Pelo fato de estar muito ocupado, diz Pizzolato, acertou com a secretária mandar outra pessoa em seu lugar, no dia seguinte, com o compro-misso de entregar os documentos ao representante do PT que iria procurá-lo no mesmo dia. Pizzolato diz que rece-beu uns envelopes do contínuo Silva e os repassou, como combinado, a uma

pessoa do PT que o procurou. Diz que não abriu os envelopes, não quis saber o nome do emissário do partido e nunca mais viu a cara dele.

Lobato nega todos os crimes dos quais Pizzolato é acusado. Diz que Barbosa não analisou as provas apre-sentadas por ele nos autos. No caso da corrupção, diz, Barbosa e os juízes prin-cipalmente especularam sobre a versão

que Pizzolato deu para a encomenda recebida de Valério. A acusação, diz Lobato, primeiro trabalhou muito para provar que Pizzolato teria comprado um apartamento de 400 mil reais, no mês seguinte ao recebimento de dinheiro de Valério, mas fracassou. Pizzolato provou que comprou o apartamento com suas economias, com um cheque do BB e mais 100 mil reais em espécie, resultado

da venda de dólares que comprara – ele mostrou o comprovante de aquisição.

Em depoimento judicial, Valério disse que o diretório do PT do estado do Rio de Janeiro, de acordo com o então tesoureiro do PT, Soares, tinha débitos de campanha de 2002, estava se preparando para as eleições munici-pais de 2004 e foi o que mais recebeu recursos do esquema comandado por Soares. O tesoureiro do PT, então, so-licitou a ele que remetesse um total de R$ 2.676.660,67 ao PT fluminense. As pessoas indicadas para o recebimento foram Manuel Severino, Carlos Ma-nuel e Pizzolato, disse Valério. Os R$ 326.660,67 repassados via Pizzolato seriam parte desse total. Valério disse também que Pizzolato trabalhou na campanha eleitoral de 2002 com Soares, no Rio de Janeiro.

Lobato diz, com razão, que o ônus da prova é da acusação: “Cadê a prova de que Pizzolato pegou esse dinheiro para ele?”. Ao depor na CPMI em 2005, Pizzolato abriu para a Justiça, imediatamente, todos os seus sigilos bancário, fiscal e telefônico. Mostrou que tinha recursos mais que suficientes para comprar o apartamento que a acusação sugeria ter saído de suborno recebido. Em 2005, por exemplo, rece-bia 4 mil reais da Previ, 19 mil reais do BB, 18 mil reais a título de participação no conselho da Embraer e mais 4 mil reais devido à atuação no conselho da Associação Nacional dos Funcionários do BB. Lobato mostra a RB o imposto de renda de Pizzolato que está nos autos. Em 2003, seu patrimônio era de R$ 1.304.725,45. Em 2004, de R$ 1.768.090,23, já incluído o apartamento comprado em fevereiro daquele ano. Seu rendimento bruto anual em 2004 foi de R$ 717.611,46 – aproximadamente 60 mil reais por mês. “A Receita Federal e a Polícia Federal não conseguiram encontrar nenhuma irregularidade nas contas de Pizzolato”, diz Lobato.

Pizzolato tem razão? Ele pode ter omitido fatos e o nome de pessoas em sua versão da história, o que a tornou pouco crível. Mas, aceitando-se a tese do caixa dois, sua versão pode ser verdadei-ra. E ele merece, pelo menos, o beneficio da dúvida, nesse caso. Mais ainda porque os dois crimes de peculato de que é acu-sado, e pelos quais ele teria recebido o suborno, podem ter sido simplesmente inventados para sustentar a tese do men-salão, como relatamos a seguir.

O relator da CPMI dos Correios, Osmar Serraglio, nas alturas: a oposição comemora

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onde eStAvAm oS documentoS?Barbosa disse que o BB não tinha recibos do dinheiro gasto por Valério. Mas sabia que estavam com a CBMP, controlada pela Visa

Visanet é o nome fantasia da Compa-nhia Brasileira de Meios de Pagamento (CBMP), fundada no Brasil em 1995 e que passou a operar mais amplamente a partir de 2001. O capital controlador da CBMP é da Visa International Ser-vice (Visa), que tem 10%; do Bradesco, com 39%; e do BB, 32%. O restante está dividido entre cerca de 20 outros sócios – bancos como Itaú, Santander e BankBoston. Pode-se dizer, porém, que o controle da CBMP sempre foi da Visa, empresa americana do mundo financeiro globalizado criado nas últi-mas décadas. Ela é a possuidora dos direitos dos cartões de crédito e débito da bandeira com seu nome, emitidos em cerca de 200 países.

A partir de 2001 a CBMP começou a operar no Brasil o Fundo de Incentivo Visanet (FIV), “com o objetivo único”, como diz um de seus documentos, “de realizar ações de marketing destinadas a incentivar o uso dos cartões Visa pelos consumidores”. O FIV era formado por uma porcentagem dos negócios com os cartões e a CBMP destinava os recursos assim obtidos a ações de promoção e marketing dos mesmos, a serem comandadas pelos sócios. O dinheiro movimentado pelos cartões da bandeira Visa é monumental: no mundo, passa de 5 trilhões de dólares por ano. No Brasil, é mais de 1 bilhão de reais anualmente, somando-se ape-nas os negócios feitos com os cartões Visa do BB.

A CBMP arrecadou para o FIV cerca de meio bilhão de reais entre 2001 e fins de 2005, quando o fundo foi en-cerrado; na verdade, mudou de nome, devido à má repercussão das histórias divulgadas a respeito dele no mensalão. O BB foi o líder dos negócios com cartões de bandeira Visa nesse período. Sua parte no FIV foi grande e crescente: aproximadamente 150 milhões de reais entre os anos de 2001 e 2004: 60 mi-lhões de reais nos anos 2001–2002 – no governo Fernando Henrique Cardoso, portanto – e 90 milhões de reais nos anos 2003–2004, já no governo Lula, quando Pizzolato era diretor de Comu-nicação e Marketing do BB.

Desde a criação da CBMP, o FIV tinha um regulamento que cada sócio deveria observar para usar os recursos.

participação no FIV, em 2001, o BB decidiu, por questões fiscais, que os recursos do FIV não passariam por seu orçamento. E nunca fez um contrato específico com a CBMP nem com a agência DNA para o uso dos recursos do FIV. Essa situação persistiu até meados de 2004.

A DNA trabalhava com publicidade e promoção para o BB desde 1995. Entre 2001 e 2002 dividia os trabalhos de promoção com uso do dinheiro do FIV com outras agências contratadas para servir o banco. No final de 2002, ainda no governo FHC – destaque-se, para melhor entendimento de nossa história –, o BB decidiu dividir os tra-balhos das suas agências entre as áreas de negócios chamadas de “governo”, “atacado” e “varejo” e escalou a DNA para o varejo, em que se encontravam os serviços para promoção de seus cartões com bandeira Visa.

O ministro Barbosa conhece bem toda essa história. Sabe, por exemplo, que os originais dos recibos dos servi-ços da DNA prestados ao BB eram da CBMP e que a companhia resistiu judi-cialmente por longo tempo a entregar tais recibos, mesmo com o escândalo do mensalão, depois de ter sido de-terminado, a 11 de janeiro de 2006, pelo então presidente do STF, Nelson Jobim, o acesso de peritos do Instituto Nacional de Criminalística “a todos os documentos da empresa no período de 2001 até janeiro de 2006”. Em junho de 2006, quando Barbosa já era, no STF, o ministro encarregado de supervisionar o andamento do inquérito 2.245, rela-tivo ao mensalão, ele recebeu uma

Ele previa a cobertura para atividades de promoção de todo tipo. No seu item III.4, definia as “ferramentas mercadológicas”, a serem usadas. Eram especificadas algumas dezenas dessas ferramentas, como: “publicidade em mídias de massa”, “TV, rádio, revistas, jornais, outdoors, mobiliário urbano, front e back lights, painéis, etc.”; “merchandising, trabalhos de planejamento, criação, layout, editoração, produção, veiculação e comissão de agência de publicidade”; “programas de fidelização ou promoção para portador no ponto de venda, nas agências bancárias, via internet, correio, telefone ou locais de grande fluxo de portadores para estimular venda do plástico; de planejamento e criação, produção de material gráfico, de divulgação e de apoio, contratação de promotores, compra de benefícios, brindes, prêmios, taxas governamentais de aprovação e alvarás”. E por aí afora.

O FIV era administrado por um comitê gestor, formado por um presi-dente, um diretor de Finanças e Admi-nistração e outro de Marketing, todos da Visanet, a quem cabia verificar se os recursos estavam sendo emprega-dos “de acordo com as diretrizes, a estratégia do negócio e as condições do Regulamento”. Os recibos dos gastos da agência de publicidade DNA, de Va-lério, tão citados no mensalão, ficavam com a CBMP, que fazia pagamentos diretamente à agência. Ao definir sua

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Já em 2005 Valério afirmava ter feito os trabalhos pagos pelo Fundo de Incentivos Visanet: na foto, advogados dele entregam o que seriam suas provas à CPMI dos Correios (o relator, Serraglio, à esquerda; ao centro, o presidente, Amir Lando)

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petição do então procurador-geral, Antonio Fernando de Souza, relatando as dificuldades impostas pela CBMP ao acesso dos peritos a sua documentação.

Souza requisitou “busca e apreen-são” na sede da empresa, além da “que-bra do sigilo do fluxo de comunicações e de dados em sistemas de informática e telemática” da CBMP. Barbosa apro-vou os pedidos do procurador-geral e a busca foi feita, mas a empresa apelou ao STF para reconsideração da decisão. A CBMP já havia encerrado as ativida-des do FIV em fins de novembro de 2005, mas uma intensa disputa judicial então já estava em curso. O BB tinha suspendido o contrato com a DNA em função do escândalo do mensalão. Tinha também alterado o modo de relacionar-se com a empresa de Valério já em meados de 2004, para melhorar o controle dos gastos.

Valério ingressou com ações na Justiça para cobrar do BB por serviços feitos e que não teriam sido pagos. Em junho de 2009, já com a AP 470 com dois anos de andamento, Barbosa en-viou ao BB um questionário relativo ao possível descumprimento de contrato com a agência de publicidade “no que diz respeito ao bônus de volume (BV) referente ao período de fevereiro de 2003 a julho de 2005”. A escolha das datas, que coincidem com a entrada e a saída de Pizzolato da Dimac, a diretoria de Marketing e Comunicação do BB, é óbvia: Barbosa já tinha Pizzolato como um alvo. Por que ele fez isso, visto que a auditoria a que teve acesso mostrava claramente: que o FIV tinha sido ope-rado por Pizzolato exatamente como nos anos 2001–2002; que os recursos eram sempre adiantados à DNA e às outras agências, em cerca de 80% do total a ser gasto, antes de as despesas serem feitas; e que fora na época em que Pizzolato era diretor do BB, em meados de 2004, que tinham sido feitas mudanças – aliás, bem-sucedidas – na gestão do FIV, para evitar possíveis abusos? Mais ainda: por que ele aceitou a denúncia e encaminhou a condenação somente de Pizzolato se a CPMI dos Correios tinha pedido o indiciamento de mais quatro pessoas, entre as quais três dirigentes de setores ligados à publicidade e promoção do banco que assinaram com ele as autorizações para os adiantamentos feitos à DNA, de Valério? As respostas serão dadas nas páginas seguintes.

Receitas do FIV utilizadas pelo Banco do Brasil

Adiantamentos às agencias de

publicidade

Gastos com notas fiscais em poder

da CBMP

Gastos sem notas fiscais

R$ milhões R$ milhões % R$ milhões % %

2001 28,83 26,4 91,57 28,76 99,76 0,24

2002 32,03 21,9 68,37 31,99 99,88 0,12

2003 38,43 29,7 77,28 38,28 99,61 0,39

2004 52,01 34,1 65,56 51,45 98,92 1,08

BarBosa não viuOs números da auditoria mostram o que o relatorprovavelmente não quis ver

A tabela acima foi construída a partir da auditoria feita por 20 técnicos do BB por quatro meses, logo após a denúncia do mensalão. Ela mostra que o Fundo de Incenti-vo Visanet (FIV) foi operado pelo BB, entre 2001 e 2004, da mesma forma, tanto nos anos do governo FHC (2001–2002) como nos anos do governo Lula (2003–2004).Diz o relatório da auditoria que as regras para uso do fundo pelo BB tiveram duas fases: uma, de sua criação, em 2001 , até meados de 2004, quando o banco, em função de não ter adotado “definições formais acerca dos direcionamentos estratégicos”, como tipo de “eventos ou ações que poderiam ser patrocinados”, adotou “como referencial básico, o Regulamento de Constituição e Uso do Fun-do” da CBMP, que é sua “legítima proprietária”; e outra, do segundo semestre de 2004 até dezembro de 2005, quando o banco criou uma norma própria para o controle dos recursos do fundo.Os auditores fizeram simulações por amostragem para verificar a porcentagem das ações de incentivo para as quais existiam comprovantes, no banco, de que elas tinham sido de fato realizadas. Procuraram os documentos existentes no próprio banco – notas fiscais, faturas, recibos emitidos pelas agências para pagar os ser-viços e despesas de fornecedores para produzir as ações. Referente ao período 2001–2002, não foram localizados esses documentos. Já com relação aos anos 2003 e 2004, entre as 93 ações encaminhadas à Visanet, nas 33 ações selecionadas como amostra para a análise, para três delas não havia qualquer documento e para 20 havia parte dos documentos. Ou seja: somando-se as ações com falta absoluta de documentos às com falta parcial, estas chegavam a 45% do total de recursos despendidos. Os auditores procuraram então os mesmos documentos na CBMP, que, por estatuto, era a dona dos recursos e a controladora de sua aplicação. A falta de documentação comprobatória foi, então, muito pequena em proporção aos valores dos gastos autorizados, como se vê ma última coluna da tabela.Para condenar Pizzolato, o relator Barbosa não destacou esses dados. Não os viu ou não os quis ver?

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Pelas datas dospedidos se vê,

claramente.O relator e oprocurador

geral queriampegar Pizzolato

o pequeno pILAR do menSALãoÉ a acusação que trata dos bônus de volume. E tem lei do Congresso, contra a qual se insurge o presidente do STF

Os dois peculatos – desvios de 2,9 milhões de reais e 73,8 milhões de reais do BB – que Pizzolato teria cometido a favor da agência DNA, de Valério, formam os pilares de sustentação do mensalão. Se a acusação não consegue provar esses dois desvios, a tese do mensalão desmorona (ver “O herói do mensalão”, nesta edição). O pequeno peculato trata do bônus de volume (BV). O que significa o BV? A acusação é de que a DNA de Valério embolsava inde-vidamente bonificações que seriam do BB, dadas a ela, pelas empresas com as quais contratava serviços para promo-ção dos cartões Visa do BB, em função do volume dessas contratações. No interrogatório judicial de Pizzolato, em 2008, o juiz Granado leu um trecho da denúncia do então procurador-geral que afirmava que as bonificações de volume pagas pelos fornecedores de serviços para a DNA – jornais, TVs, empresas de promoção contratadas pelo publicitário para os trabalhos de estímulo ao uso dos cartões Visa do BB – deveriam ter sido repassadas ao BB pela agência de Valério e não o foram. O próprio Gra-nado informou que esse procedimento era antigo: cinco agências, entre 2000 e 2005, embolsaram esses BVs e não apenas a DNA.

Pizzolato fez, então, primeiro, um esclarecimento. Mostrou que existem dois tipos de bonificação. Uma é o BV, fruto da relação entre a agência de pu-blicidade e o fornecedor de mídia – TVs, rádios, jornais, revistas, etc. “O nome já diz, é uma bonificação em função do volume”, disse Pizzolato. Não se restrin-ge ao volume de publicidade veiculado pela agência por um cliente, como o BB. Todas as agências que prestavam serviços para o banco tinham vários clientes e o BV era dado pelas empresas de mídia às agências pelo volume total de anúncios veiculados. “Isso, doutor, é praticado em todo o mercado, público e privado”, disse Pizzolato a Grana-do. O próprio Tribunal de Contas da União (TCU) confirma isso em uma auditoria a que Granado tinha se refe-rido, acrescentou Pizzolato: “[O TCU] diz que o BV foi praticado no Banco do Brasil de 2000 a 2005, por todas as cinco agências que prestaram serviços ao banco nessa época”. Pizzolato ex-

plicou depois que o BV se distingue de bonificação de espaço, que vem da relação entre o BB e os fornecedores de mídia. “Os fornecedores – jornais, rádios, televisões – costumam oferecer uma bonificação de espaço, de mídia, para que o período de compra seja mais longo. Por exemplo, eu comprei 60 dias de espaço no Valor Econômico. O Valor Econômico me faz uma proposta: se você comprar noventa dias ou seis meses eu te ofereço, como bonificação de mídia, o caderno especial de domingo, porque vou lançar um caderno especial, um encarte. Pode dizer também: eu te dou mais 5% de desconto”. Nesse caso, o banco participa da negociação. E todo

esse tipo de bonificação foi revertido para o BB, disse Pizzolato ao juiz. Nesse caso, não há transação financeira, disse Pizzolato a Granado.

O próprio procurador-geral Souza, na denúncia apresentada ao STF em 2006, citou uma apuração do TCU na qual constava que a DNA teria recebido esses BVs indevidamente desde 2000, num valor de 4,3 milhões de reais. Mas, como Souza já tinha como foco Pizzo-lato, ele destacou que, desse dinheiro, “2,9 milhões se referiam ao período de 31/03/2003 a 14/06/2005, da gestão de Pizzolato na Diretoria de Marketing do Banco do Brasil”. Como já se disse, Barbosa também visava pegar Pizzolato, quando, em 2009, com a AP 470 já em pleno curso, enviou interrogatório à direção do BB da época pedindo infor-mações sobre eventual descumprimento

de contrato por BVs, exatamente no período em que Pizzolato estava no banco. O banco, no entanto, respondeu de modo mais amplo. Disse que existiam no TCU cinco processos sobre BVs que tratavam do BB, envolvendo justamente as cinco grandes agências que prestavam serviços para o banco entre 2000 e 2005: Grottera, Lowe, DNA, D+Brasil e Ogilvy.

O BB mostrou a Barbosa que apresentou recursos contra decisão do TCU que mandava o banco pedir auditoria nas cinco agências, para poder juntar, aos autos do processo naquele tribunal, todas as notas fiscais relativas a serviços de BVs emitidas por essas cinco agências. O BB mostrou que isso não foi aceito por nenhuma delas. Todas informaram que “as notas fiscais relativas a BVs, por dizerem respeito a negociações privadas entre elas e seus fornecedores, nada tinham a ver com seus contratos firmados com o Banco do Brasil” e não estavam contempladas entre os documentos que poderiam ser fiscalizados pelo banco.

As defesas de Pizzolato e Valério mostraram nos autos, com testemunhos importantes – de vários destacados profissionais do meio de comunicação e marketing –, que o Ministério Público tinha feito uma interpretação equivoca-da do BV. Todos afirmaram que o BV não pertence à empresa contratante (no caso, o BB), e sim à agência de publi-cidade. Uma dessas testemunhas foi o diretor-geral da Rede Globo, Octávio Florisbal, que criou o BV no mercado de propaganda e marketing brasileiro. Ele disse que “praticamente todos os veículos impedem que a agência repasse esses volumes ou esses valores para os anunciantes”: “No caso específico da empresa em que eu trabalho, toda vez que nós temos conhecimento de que uma determinada agência está repas-sando a bonificação de volume para um determinado anunciante, nós sus-pendemos esse plano, porque esse não é o objetivo”. Florisbal citou normas do mercado de publicidade, decisões e acordo recente “entre anunciantes, agências e veículos” para comprovar que o BV é “direito da agência e não deve ser repassado aos anunciantes, sejam da iniciativa privada, sejam anunciantes de estatais”.

Barbosa, o relator do julgamento do mensalão, citou diversas vezes, para condenar Pizzolato, os termos do

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contrato entre o BB e a DNA. Leu um dos seus itens, que diz que a agência deveria “envidar esforços para obter as melhores condições nas negociações junto a terceiros e transferir, integral-mente, ao banco, os descontos especiais (além dos normais previstos em tabelas), bonifi cações, reaplicações, prazos espe-ciais de pagamento e outras vantagens”. As bonifi cações citadas no contrato, diz Lobato, são as tais “bonifi cações de mídia” oferecidas pelos fornecedores para estimular vendas por períodos mais longos.

No TCU, ao analisar o caso DNA–BB, a ministra Ana Arraes considerou regular o fato de a agência fi car com o BV. Tomou como base a Lei 12.232, sancionada em 2010, que autoriza isso explicitamente, em dois artigos, um deles referindo-se a contratos encerra-dos antes de a lei entrar em vigor. Ela tomou por base a votação de processos idênticos, fi rmados pelo BB com outras empresas, relatados pelo ministro do TCU Marcos Vinicios Vilaça. Ao funda-mentar essa decisão o ministro afi rmou: “Além de inútil na prática, a quantifi ca-ção de BV é algo impossível de contro-lar, porque o prêmio depende, primeiro, da política de incentivos do ofertante e, segundo, dos investimentos feitos à ordem de outros contratos que a agência possui. Tenho assistido, perplexo, ao Tribunal orientar as entidades públicas a efetuarem auditorias em agências de publicidade para apuração do bônus de

Quanto ao grande peculato, o desvio de 73,8 milhões de reais do BB para Valério, que teria sido feito sob o comando de Pi-zzolato, tanto o relator Joaquim Barbosa como o revisor Ricardo Lewandowski apresentaram em seus votos para os nove colegas do STF um cenário abso-lutamente incrível. Entre 2003 e 2004, no cargo de diretor do BB, Pizzolato teria comandado, sozinho, o desvio daqueles milhões de reais do banco para a agência de publicidade DNA, principalmente

na forma de adiantamentos, sem que se tenha comprovado a realização de qual-quer propaganda ou promoção. Também isoladamente ele teria prorrogado um contrato de publicidade com a DNA, no período de abril a setembro de 2003. E, além disso, sem qualquer processo licitatório, Pizzolato teria dado a conta de publicidade do Banco Popular, lan-çado na época pelo BB, para a mesma agência do operador do mensalão, como se fosse o dono de uma espécie de “casa

O DESVIO NA “CASA DA MÃE JOANA”A se acreditar nas descrições do relator e do revisor da AP 470, Pizzolato teria tirado 73,8 milhões de reais do BB na “mão grande”

volume. Não vejo cabimento nisso”.O fato é que a Lei 12.232/2010,

que dispõe sobre as normas gerais para licitação e contratação de serviços de publicidade pela União, foi editada para regulamentar o que já existia nas relações de fato entre agências e anun-ciantes públicos e privados. O projeto que deu origem à lei é do então depu-tado e hoje ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo. É de 2008 e legaliza a retenção, pelas agências, dos BVs nos contratos com as empresas estatais. O projeto aprovado foi o emendado pelos parlamentares Milton Monti (PR–SP) e Claudio Vignati (PT–SC). Vignati diz que a emenda foi pedida pelo setor de publicidade, porque as agências sempre retiveram na prática os BVs. Para sanar

a polêmica que havia, o que era “uso e costume” foi colocado na lei. O minis-tro Ayres Britto, presidente do STF, ao condenar Pizzolato e Valério, saiu-se com uma proposta disparatada: atacou a lei feita pelo Congresso: “Essa lei foi preparada intencionalmente, maquina-damente, para coonestar com os autos desta Ação Penal 470”. Para Britto, a lei “é um atentado descarado ao artigo 5º, inciso 36, da Constituição, que fala do princípio de segurança jurídica, dispo-sitivo que é verdadeira cláusula pétrea”.

O presidente da suprema corte, ago-ra, além de dar sentença, parece querer mandar o Congresso fazer nova lei. E revisar dezenas e dezenas de contratos feitos pelas estatais, que respeitaram os BVs nas últimas décadas.

Ana Arraes, no centro da foto, o ministro Vilaça, à esquerda, e Ayres Britto, à direita: pelo TCU, ela reafirmou as regras e ele considerou que era absurdo ser diferente. Já o presidente do STF se rebelou contra a lei

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Barbosa e Lewandowski ignoraram também a auditoria do BB, já citada, feita por 20 técnicos ao longo de quatro meses. Ela, como vimos, mostra que os recursos usados pelo banco para publicidade dos cartões de bandeira Visa foram geridos por Pizzolato basicamente como o ha-viam sido nos anos 2001–2003. Entre 2001 e 2004, dos cerca de 150 milhões de reais pagos pela CBMP para ações de incentivo ao uso dos cartões de bandeira Visa do BB, tanto no período 2001–2002, quando foram usados 60 milhões de reais, como nos anos 2003 e 2004, quando se usaram 90 milhões de reais, sempre cerca de 80% dos recursos foram antecipados pela CBMP, a pedido do BB, para as agências de publicidade contratadas pelo banco.

As antecipações, mostrou o trabalho dos auditores, tanto as de 2001–2002 como as de 2003–2004, foram repassadas às agências de publicidade contra a apre-sentação de documentos fiscais no valor global das ações. No caso das do período 2001–2002, no documento do BB que pedia as antecipações constava o valor de cada ação. No caso das de 2003–2004, o valor de cada ação era apresentado em 93 ações de incentivos distintas, cada uma de-las “descritas em nota técnica específica”, em documento da Dimac.

O relator também não mencionou o fato de na gestão de Pizzolato terem sido introduzidas melhorias no controle dos gastos nem citou um fato que obviamente deveria ser de seu amplo conhecimento, por constar de um documento encami-nhado a ele pelo defensor de Valério, Mar-celo Leonardo. O documento mostra que, em 17 de janeiro de 2006, o então gerente executivo de atendimento e controle do BB, Rogério Souza de Oliveira, informou à DNA que havia um saldo negativo de pouco mais de 2 milhões de reais de des-pesas realizadas até 14 de dezembro de 2004, sobre o qual era necessário que a agência prestasse contas. No documento, Leonardo contra-argumentou dizendo que os gastos efetuados em ações de incentivo de interesse do BB–Visanet em 2005 foram de 12,9 milhões de reais e que, portanto, existe uma diferença, não da DNA para o BB, mas do BB para a DNA.

Leonardo disse ainda que a maior parte dos recursos repassados pela Vi-sanet, em torno de 66%, foi empregada no pagamento de veiculação junto às maiores empresas de mídia do País. Ele apresentou uma relação de pagamentos feitos pela agência, com o número das

Barbosa inventou quedepoimentos

de amigosnão valem. Deonde ele tirou

essa regra?

da mãe Joana” gigante e pudesse decidir tudo sozinho.

No caso das quatro notas técnicas de liberação de recursos para a DNA apresentadas por Barbosa para incrimi-nar Pizzolato, o comitê de marketing da Visanet examinou todas as suas ações e as aprovou. Essas notas técnicas são planos de trabalho elaborados pelos gerentes exe-cutivos das áreas de varejo e publicidade do banco que recebem o “de acordo” dos diretores dessas áreas. No caso das notas apontadas como ilegais, em todas elas Pizzolato apenas deu o seu “de acordo” em conjunto com os demais diretores. Além disso, apesar de Barbosa descon-siderar o fato, todas tinham, no mínimo, a assinatura dos dois gerentes executivos dos comitês de marketing do BB – Cláudio de Castro Vasconcelos e Douglas Macedo – e dos dois diretores das áreas de varejo e marketing – respectivamente, Fernando Barbosa de Oliveira e Pizzolato.

Como o dinheiro do fundo Visanet é considerado privado, conforme as inter-pretações tanto do BB como da Visanet, em seu voto para incriminar Pizzolato, Barbosa disse que não importava se os recursos eram públicos ou privados, mas, sim, que Pizzolato tinha a posse deles e os desviou em benefício da DNA e em prejuízo dos cofres públicos. E deu o exemplo do peculato do carcereiro, que trabalha em uma cadeia pública, mas rouba os pertences dos presos, que são privados.

“Mas e se o dinheiro estivesse na con-ta corrente do preso?”, diz o advogado Lobato. “O carcereiro conseguiria tocar no dinheiro? Não, o dinheiro só sairia de lá se o próprio preso, ou seu representante legal, o retirasse. É o que acontece no caso do Pizzolato. O dinheiro não estava no BB e só quem podia tirá-lo do fundo Visanet eram os representantes legais do BB junto ao fundo. Pizzolato não tinha essa representação; logo, não tinha a posse do dinheiro”, disse Lobato.

Barbosa insistiu em dizer que Pizzo-lato autorizava sozinho os adiantamentos de recursos para a DNA, desconsideran-do todos os depoimentos em juízo de dirigentes do BB que trabalhavam com ele e que testemunharam em sua defesa. Vas-concelos, funcionário do BB por 25 anos, que trabalhou na Dimac, reconheceu sua assinatura em algumas notas e esclareceu: “No Banco do Brasil não existem deci-sões individualizadas. Todas as decisões são por comitê. Então, a primeira decisão é da divisão, depois vai para a gerência

executiva, para a diretoria e, dependendo do valor, pode subir ao Conselho Diretor do banco. Rapidamente, pelo que eu vi, essa nota foi submetida ao Conselho Di-retor do Banco do Brasil, pelo valor do dispêndio. Ela foi primeiro aprovada no comitê da Diretoria de Marketing, depois no Comitê de Comunicação, de que fazem parte outros diretores da empresa, e, por fim, no Conselho Diretor do banco. Na diretoria de Marketing, quatro pessoas; no Comitê de Comunicação, se não me engano, são nove diretores; no Conselho Diretor do banco tenho a impressão de que são o presidente e mais sete vice-presidentes”.

“Em algum caso era possível a Henrique Pizzolato assinar e autorizar sozinho qualquer verba de publicidade e propaganda, seja verba do Banco do Brasil, seja da Visanet?”, quis saber Lo-bato. Vasconcelos respondeu: “Como

eu disse anteriormente, as decisões são todas colegiadas. Nem o presidente do banco toma decisões isoladas”. Esse re-gime colegiado foi instituído no BB em 1995, quando o banco foi reestruturado, durante o governo FHC.

Vasconcelos confirmou ainda “o sucesso das campanhas publicitárias desenvolvidas pela DNA, que coloca-ram o Banco do Brasil na liderança do faturamento de cartões de crédito entre os bancos associados à Visanet”. Um indício de que a publicidade foi realizada e, como disse Vasconcelos, com sucesso, está no aumento do volume de negó-cios dos cartões emitidos pelo BB com bandeira Visa. Esse volume cresceu em média 35% no período de 2001 a 2004, enquanto o mercado teve aumento de 29% no mesmo período.

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Não ter contrato da DNA

com a Visanet também foi

decisão de 2001. Não foi ideiade Pizzolato

SOBROU APENAS PIZZOLATOCinco foram indiciados pela CPMI. Gushiken saiu, porque já havia um chefe da quadrilha política. E saíram os três do governo FHC. Porque atrapalhavam a tese do mensalão petista

FERNANDO BARBOSA OLIVEIRA

Diretor de Varejo do BB

CLÁUDIO VASCONCELOS

Gerente executivo no BB

DOUGLAS MACEDOGerente executivo no BB

INDICIADO PELA

CPMI DOS CORREIOS

DENUNCIADO PELAPGR

CONDENADO POR

BARBOSA

HENRIQUEPIZZOLATO

Diretor de Comunicaçãoe Marketing do BB

LUIZ GUSHIKENministro da secretaria

de Comunicação Social eAssuntos Estratégicos

do governo Lula

notas fi scais emitidas para fornecedores, os valores e as comissões devidas à DNA, em que os maiores valores são pagos às emissoras de TV Globo, Record, SBT e Bandeirantes, além de várias agências de publicidade subcontratadas, como a D+, a Meta 29, a Ogilvy e a Markplan, além de casas de show, da BBTur – Viagens e Turismo e outras empresas.

A denúncia diz ainda que, embora o BB tenha contratado três agências para cuidar da publicidade, apenas a DNA foi benefi ciada com antecipações de recursos.

Isso é falso, diz Lobato. Em 2001–2002 foram feitas antecipações para todas as empresas de publicidade do BB que prestavam serviços de promoção dos cartões Visa. No segundo semestre de 2002, ainda sob o governo FHC, a direção do banco reestruturou os negócios de publicidade em três pilares: para o varejo, responsável pelos negócios da pessoa física; para o atacado, com os negócios de pessoas jurídicas; e para o governo, que trata de negócios com prefeituras, câmaras municipais, assembleias estaduais, estados e órgãos públicos. Decidiu-se que cada uma das três grandes agências publicitá-rias que à época prestavam serviços para o BB fi caria com um desses pilares: a Lowe, com a área de governo; a Grottera, com o atacado; e a DNA, que já prestava serviços ao banco havia quase dez anos, fi caria com o varejo, no qual estava o trabalho de promoção dos cartões de bandeira Visa.

O ministro Barbosa considerou grave, fi nalmente, o fato de não existir contrato entre a Visanet e a DNA. O Instituto Nacional de Criminalística pediu à Visa-net esse contrato, em 2006. A empresa respondeu que ele não existia, porque os recursos para as ações planejadas pelo

BB para promover os cartões Visa eram pagos por ela diretamente aos respectivos fornecedores contratados, cotados e ne-gociados pelo próprio BB. Se a Visanet não tinha contrato formal com a DNA, embora se benefi ciasse com a publicidade de venda desses cartões pelo BB, tampou-co o BB tinha contrato com a Visanet. Um parecer do departamento jurídico do banco, de agosto de 2004, que se encontra nos autos da AP 470, explica que o fundo de incentivos da Visanet não foi criado,

em 2001 , por um convênio entre o BB e a Visanet, mas, sim, feito por “uma decla-ração unilateral de vontade” da empresa de cartões, que se dispôs a pagar as ações de incentivo ao uso dos cartões, desde que elas atendessem às condições previstas em seu regulamento. O parecer diz ainda que a forma escolhida pelo BB, de não fazer passar os recursos pelo orçamento do banco, era a melhor do ponto de vista tributário e não criava problemas com

a Receita Federal. Em suma, não havia contrato entre DNA e BB para serviços de promoção dos cartões Visa porque isso implicaria desvantagens fi scais para o BB. E isso não foi uma ideia de Pizzolato, mas do departamento jurídico do BB.

Por último, o relator Barbosa não considerou relevante que só Pizzolato, dos quatros signatários das notas técnicas que formalizariam o suposto desvio de 73,8 milhões de reais do BB para Valério, foi denunciado pelos dois procuradores-gerais, Souza e Gurgel. Como o desvio não foi provado, pela argumentação que acaba de ser exposta, isso não seria um problema maior. O problema é que a ar-gumentação exposta neste artigo consta dos autos, mas não foi usada por Barbo-sa. Talvez porque ele, na maior parte do tempo, estivesse tomado por uma “fúria acusatória”, como disseram os jornalistas Marcelo Coelho e Janio de Freitas, em artigos publicados pelo diário Folha de S.Paulo, e Tereza Cruvinel, do Correio Braziliense. Ou talvez porque, como disse o sociólogo Wanderley Guilherme dos Santos, “o ministro Joaquim Barbosa, em uma de suas inovações, declarou, fora dos autos, que iria desconsiderar vários depoimentos dados em relação ao PT e a alguns dos acusados porque haviam sido emitidos por amigos, colegas de Parlamento, mas considerou outros depoimentos. A lei não diz isso, não há fundamento disso em lei. Um ministro diz que vai desconsiderar depoimentos porque são de pessoas conhecidas como amigas dos réus, mas pinça outros, e ninguém na Corte considera isso uma aberração? Parece-me que o julgamento terminará por ser um julgamento de exceção”.

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