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O CONCRETO APARENTE NA ARQUITETURA RELIGIOSA ME MA arquitetura + entrevista com o renomado arquiteto Gottfried Böhm Edição única Junho, 2016

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O concreto aparente na arquitetura religiosa.

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Page 1: Revista MEMA arquitetura

O CONCRETO APARENTE NA ARQUITETURA

RELIGIOSA

MEMA ar

quitet

ura

+ entrevista com o renomado arquiteto Gottfried Böhm

Edição únicaJunho, 2016

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A revista MEMA é uma publicação única realizada como trabalho final da disciplina de História da

Arquitetura e Urbanismo no Brasil Contemporâneo. no semestre letivo 1º/2016 da Faculdade de

Aquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília (FAU-UnB).

A revista foi realizada pelas alunas:Gabriela Reis

Mylena RodriguesVanessa Figueiredo

Graduação FAU - UnBCoordenadora: Cláudia da Conceição Garcia

Professora: Amanda CaséSecretário: Josué Sene Capuchinho

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SUMÁRIO

FATOS E FEITOS02

O CONCRETO APARENTE NA ARQUITETURA RELIGIOSA06

IGREJA DA VILA MADALENA08

IGREJA MATRIZ DE BRUSQUE12

IGREJA SÃO BONIFÁCIO16

IGREJA DO CENTRO ADMINISTRATIVO DA BAHIA20

ENTREVISTA COM GOTTFRIED BöHM26

SANTUÁRIO DOM BOSCO24

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FATOS E FEITOS

A igreja católica no Concílio Vaticano IItude de abertura e de reconciliação com o mun-do moderno. O documento afirma a liberdade de expressão em formas contemporâneas: “a arte deve ser livremente exercida na Igreja segundo as tendências dos nossos tempos”, desde que seja “apta para servir ao culto” com “honra” e “digni-dade”. Propõe-se resgatar a “nobre simplicidade” da liturgia dos primeiros tempos do cristianismo e enfatiza-se a prioridade à “plena e ativa partici-pação de todo o povo”. Algumas determinações plásticas para as ig-rejas modernas foram reconhecidas pelo Concílio Vaticano II: nave única, sem capelas laterais, o al-tar deve estar destacado da parede do fundo. O uso do concreto armado permaneceu como um dos principais recursos para expressar dramati-cidade e simbolismo em construções religiosas. Essas confirmações nortearam a arquitetura reli-giosa brutalista nos anos seguintes.

O encontro de bispos e especialistas do mundo inteiro, terminou no ano de 1965. Foi discutido o papel da Igreja em procurar assumir uma ati-

Paulo Mendes vence mais um concurso Entre 1961 e 1969, foi professor na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, sendo caça-do pelo governo militar por sua postura sobre o papel social que devem ter os arquitetos. Nesse mesmo ano, Paulo Mendes da Rocha ganha o concurso para o Pavilhão do Brasil na Expo’70 em Osaka, em equipe com Jorge Caron, Júlio Katinsky e Ruy Ohtake.

Referência da arquitetura moderna e contem-porânea brutalista, Paulo Mendes, com menos de 4 anos formado pela Universidade Mackenzie de São Paulo, venceu o concurso para projetar o Ginásio do Clube Atlético Paulistano, seu primeiro grande projeto.

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Reyner Banham publica o seu novo livro sobre brutalismo

atento crer justamente no contrário: que o Bru-talismo fosse primordialmente uma tendência de cunho ético, e não estético. Alerta Spoiler!“A franca exposição dos materiais; vigas e detal-hes como brises em concreto aparente, combina-dos com fechamentos em concreto aparente ou em tijolos deixados expostos; mesma exposição de materiais nos interiores; (...) em alguns casos, uso de elementos pré-fabricados em concreto para os fechamentos/ revestimentos; em out-ros, uso de lajes de concreto em forma abóbada ‘catalã’. Brutalismo enquanto estilo provou ser principalmente uma questão de superfícies em associação com certos dispositivos-padrão tridi-mensionais, retirados da mesma fonte, com cer-ta crueza proposital no detalhamento e nos aca-bamentos.” (32). E mais: “alguns edifícios brutalistas demon-stram uma preocupação com o habitat – o am-biente construído total que abriga o homem e direciona seus movimentos –, conectando o Bru-talismo com outros pensamentos e ações progres-sistas fora do campo arquitetônico. (...) enquanto movimento teria se concentrado na domesticação de alguns conceitos básicos residenciais e sociais derivados de Le Corbusier, partindo de protótipos corbusianos. A cruzada moral do Brutalismo por um melhor habitat através do ambiente construí-do atingiria seu pico em algumas de suas obras” (33).

A publicação do livro The New Brutalism: Ethic or Aesthetic, em 1966, foi responsável pela cristal-ização de um mito de fundação que segue vincan-do fortemente a compreensão do Brutalismo. A revisão do termo brutalismo não seria nem pos-sível, nem completa, sem uma minuciosa leitura deste. Banham se pergunta se o Novo Brutalismo/Brutalismo teria sido uma ética ou uma estéti-ca. E em seguida, Banham dedica-se a exem-plificar e definir o Brutalismo enquanto tendên-cia arquitetônica. Após passar boa parte do livro tentando concluir a favor da ética, quase na últi-ma linha, Banham consegue fazer o leitor menos

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FATOS E FEITOS

Sensibilidade brutalista na fotografiaO fotógrafo britânico Rory Gardin-er com apoio do O Studio Esinam, divulgou uma série fotográfica que registra e homenageia a arquitetura brutalista de Londres, chamada de “Utopia”. Fotografada no início do ano de 2016, a série captura detalhes de al-guns dos maiores exemplos do bru-talismo londrino, como o Barbican Estate, o Royal National Theatre, a Hayward Gallery, a Trellick Tower e o projeto Robin Hood Gardens. Cada fotografia busca destacar as quali-dades arquitetônicas e escultóricas dos edifícios bem como as visões e ambições utópicas que pretendiam melhorar a vida das pessoas, inspi-rando os espectadores a explorarem mais a fundo o brutalismo.

Filme: Trailer de “High Rise” mostra a vida em uma megaestrutura brutalista

“Alguma vez já quiseste algo mais?” pergunta o personagem interpreta-do por Tom Hiddleston no trailer de “High Rise”, um filme baseado no romance de J.G. Ballard escrito em 1975. Filmado quase como uma ap-ologia à torre brutalista, o complexo conta com diversos equipamentos e comodidades: “quase não há razão para sair”. A arquitetura retratada consiste em uma megaestrutura de concreto com belas empenas que destacam e contrastam com o mo-biliário modernista dos interiore.

Não diferente da megaestrutura residencial brutalista do Bar-bican, o “High Rise” conta com um supermercado, academia, piscina, spa e um escola. Talvez seja por isso que Hiddleston de-screve o cenário do filme como “distintamente e definitivamente britânico”. Assista, acima, ao trailer do filme, que será lançado em salas do mundo todo em 2016.

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Desprezo e falta de manutenção de obras brutalistas em São PauloEm 2011, o advogado Emerson Scapaticio, com-prou uma casa de 420m2 projetada por Ruy Ohtake para o engenheiro Paulo Bittencourt em 1970. O objetivo do novo proprietário era demolir a casa para construir outra no mesmo terreno. Porém, ao entrar com um processo solicitando da prefeitura a autorização para demolição, chamou a atenção do Conpresp que abriu processo de tombamento da casa. O prédio da FAU da USP, de Villanova Artigas, está em progressivo processo de deterioração. Devido ao seu estado crítico a laje superior está coberta por lonas azuis para proteger os tran-seuntes das “lascas caindo do teto”. As obras brutalistas, por utilizarem o concreto puro, precisam de lavagens periódicas e cuidados para com a estrutura. Algumas construções pas-sam por reformas que amaciam o aspecto rude e acabam descaracterizando o conjunto. O MASP sofreu infiltrações e teve que sofrer intervenções no aspecto natural como impermeabilização das vigas e daí foi pintado de vermelho. Essa arquitetura nunca foi compreendida nos seus propósitos, no discurso e na forma, sendo considerada pela maior parte de estudiosos e de leigos como agressiva, pesada, feia e ameaça-dora. Esses edifícios são vistos como “objetos repugnantes e hostis”, mal interpretados inclu-sive ideologicamente em relação à sociedade, e construídos com economia de meios e materiais, “sem preocupações estéticas”. Mesmo assim os críticos lembram que “preservação não é simples-mente salvar os bens considerados mais bonitos” e sim “salvar os objetos que são parte importante da história”

Interior FAU-USP com lona de proteção

Detalhe da cobertura do Centro Cultural de São Paulo

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O CONCRETO APARENTE NA ARQUITETURA RELIGIOSA

Peso. Leveza. O contraste buscado na representação arquitetônica de diversos arquitetos modernistas através da vertente do Brutalismo gerou diversas obras riquíssimas, combinando aspectos como in-ovações na forma e volumetria, criando novas maneiras de conceber o espaço e admirar ou até mesmo intrigar o observador e, principalmente, aqueles que tem a oportunidade de apreciar as obras estando na posição de usuário do espaço. As igrejas descritas a seguir possuem como característica em comum a presença do contraste entre essas características distintas, peso e leveza, cada de uma maneira par-ticular a qual o arquiteto decidiu aplicar tais conceitos.

Igreja Vila MadalenaArquiteto: Joaquim GuedesLocalização: São Paulo, SPAno: 1956Forma/Planta: A estrutura da edificação é composta por sete pórticos de concreto com um espaçamento de 5 metros entre eles unidos por uma viga central que dá continuidade a linha das fachadas. A planta da igreja resulta em uma cruz restrita pelas vigas longitudinais. Apesar de haver nichos internos, as-sim como as igrejas mais tradicionais, suas disposições não re-sultam em uma separação de espaços, proporcionando um es-paço simétrico, aberto onde tudo é visível. A Igreja possui uma identidade que exala o conceito brutalista, com sua obra “sem

acabamento” que contrasta com a utilização do vidro, criando um balanço entre o peso e a leveza de forma harmônica.Ornamentação: A ornamentação interna se dispõe de uma forma bem simples, sem muitos adornos, possuindo apenas um painel decorando o altar e simples crucifixos envidraçados localizados em algu-mas das janelas.

Igreja Matriz São Luiz Gonzaga de BrusqueArquiteto: Gottfried BöhmLocalização: Brusque, SCAno: 1961Forma/Planta: A implantação utiliza da declividade do terre-no para implantar uma escadaria que vence uma altura de 10 metros, ampliando a monumentalidade da igreja e criando uma espécie de “ritual de acesso” a entrada principal. Sua fachada

remete às igrejas góticas com seus arcobotantes e também pela existência de naves laterais que difer-enciam-se da principal através da mudança de pé direito; essa escolha se deve à vontade do arquiteto de fazer referência à antiga igreja existente no local. A igreja possui quatro volumes onde um se destaca dos demais, a torre da sineira, tal torre é a responsável pela expressividade e imponência da fachada frontal. A planta possui uma leve relação com as igrejas, góticas com duas naves laterais e uma central. Há aberturas zenitais localizadas no encontro entre os distintos pés direitos das naves.Ornamentação: a luz entra como importante fator na obra, onde as fachadas de vidro formam um del-icado desenho que lembra uma espécie de “colmeia de vidro”. O volume central possui um vitral com delicados desenhos que ocupa quase inteiramente a sua superfície, A parte interna possui uma dec-oração com cores básicas como bege e cinza, provenientes de materiais como o concreto e o mármore.

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Igreja São BonifácioArquiteto: Haans BroosLocalização: Vila Mariana, São PauloAno: 1965Forma/Planta: A composição marcada pelo estilo bru-talista aproveita do desnível do terreno para inserir-se na topografia, casando uma contraposição do peso da for-ma com a leveza da inserção. A caixa de concreto que se destaca do terreno é a nave principal da igreja, onde são celebradas as missas, com uma área útil de 390 metros quadrados e com pé direito duplo, com quatro colunas

que transpassam toda a edificação, mas apenas duas delas são visíveis, adicionando leveza á edifi-cação. Suas paredes de vidro permitem uma permeabilidade visual Ornamentação: A abertura zenital promove uma iluminação natural, que destaca elementos que pos-suem valores simbólicos importantes para o lugar, como as esculturas de concreto em baixo relevo localizadas na parede, retratando a “Via Crucis” e a cruz no fundo da igreja. O concreto aparente é pre-dominante tanto no exterior quanto em seu interior, onde as vigas de concreto promovem certo ritmo na parte superior da nave.

Igreja do Centro Administrativo da BahiaArquiteto: João Filgueiras Lima (Lelé)Localização: Salvador, BahiaAno: 1975Forma/Planta: Buscou-se a inserção da edificação na topografia, modelando o terreno apenas nas áreas con-struídas. Dividida em três partes, a principal construção, a

nave, localiza-se no topo da colina. A nave é formada por pétalas de estrutura independente que se apoiam cada uma em pilar único situado no ponto em que as tensões de trabalho da peça se distribuem de forma mais homogênea. A planta da Igreja possui um contorno com forma de espiral que se limita por arrimos de pedra, que contém o terreno que se eleva em suaves taludes. A cobertura é formada por pétalas de estruturas independentes apoiadas sobre um único pilar, criando uma forma que marcante na paisagem. A disposição das pétalas, distribuídas em um helicoide ascendente, resulta no direcionamento da ilumi-nação dourada que incide na superfície do concreto, adicionando riqueza e leveza à cobertura.Ornamentação: O tratamento interno é austero e despojado. Os pisos são placas pré-moldadas de tamanhos variáveis e com juntas bem marcadas.

Santuário Dom BoscoArquiteto: Carlos Alberto NavesLocalização: Brasília, Distrito FederalAno: 1980Forma/Planta: A volumetria composta por 80 colunas de con-creto gera um contraste de peso e leveza com a composição de vitrais localizada entre as colunas. O santuário possui uma planta simples, que se difere das plantas das igrejas mais tradi-cionais com sua ausência de naves laterais, erguendo-se em

um único volume que quase remete à um quadrado. Suas doze portas fazem referencia ao texto do livro bíblico Apocalipse,21 que descreve a Morada de Deus. Por conta de seus vitrais róseo-azul, é necessário visitar a obra durante o dia para captar a sua essência em sua totalidade.Ornamentação: Os vitrais com doze tonalidades diferentes formam a principal ornamentação da igreja, promovendo uma atmosfera calma em seu interior. Dentro do santuário podem ser encontradas escul-turas de mármore em tamanho real, como a de Dom Bosco e de Nossa Senhora Auxiliadora. O altar, es-culpido e mármore rosa localiza-se no centro onde há uma escultura do Cristo Crucificado em uma cruz de 8 metros feita de um único troco de cedro.

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IGREJADAVILAMADALENA

A Igreja foi projetada pelo arquiteto Joaquim Guedes em 1956 e está localizada em São Paulo. Devido a inclinação do terreno, a construção se isola na porção posterior deste, e foram utilizadas colunas para apoiar o volume de maneira que o nível de acesso público se dê em continuidade da praça e a parte administrativa e de serviço no segundo nível, abaixo. A torre sineira na lateral di-reita da fachada é o único elemento que se difere da composição totalmente simétrica, mas sem distorcer ou influenciar no peso desta.

O acesso público se dá pela fachada princi-pal, virada para a rua, de maior dimensão, que é, internamente, hoje, a lateral da nave da igreja. A entrada marcada por duas portas geminadas centralizadas daria acesso imediato ao altar, situ-

ado no centro geométrico da composição. O pú-blico ficaria disposto simetricamente aos dois la-dos do acesso, olhando-se entre si com o altar no meio, como uma “arena” retangular em rampa de quase 10% de inclinação para melhorar a visão. A organização interna é baseada no conceito aber-to com 40X20 metros de espaço livre.

A estrutura é composta por sete pórticos de concreto espaçados em 5 metros, interligados por uma viga central seguindo a linha das facha-das. As vigas se estendem nos balanços e apoia a laje de piso da nave da igreja. A solução utiliza exclusivamente o concreto em toda a estrutura, com fechamentos laterais como continuação da viga de 5 metros de altura e a parte superior en-vidraçada, aproveitando-se ao máximo da luz nat-ural.

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A planta atual, considerando o altar e a plateia, forma uma cruz discreta amarrada pelas vigas longitudinais.

Os nichos, formados pela disposição interna dos pilares em concreto, supostamente, fazem referência aos altares secundários das igrejas tradicionais, ou ás capelas laterais mais antigas. Porém, eles não têm a pretensão de separar os ambientes, ao contrário, tudo é visível, aberto e simétrico.

Planta Baixa

Fachada

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As alterações do projeto inicial pela de-mora da execução das obras não negaram o conceito e a identidade brutalista da ig-reja. A intenção plástica de deixar a obra “sem acabamento” foi preservada e com-preendida nesse estilo, e a utilização do vidro e para a entrada de luz natural dá a leveza para essa composição harmônica.

Corte transversal

Disposição do altar - Antes

Disposição do altar - Depois

Corte longitudinal

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Joaquim Guedes Sobrinho (1932-2008) se for-mou em 1954 na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. Pro-curou uma arquitetura que respondesse as ne-

cessidades da vida cotidiana em seus projetos residenciais e urbanísticos. Projetou a residência A. C. Cunha Lima, 1958, que combina a vertente brutalista com a organicista, relacionada ao “bru-talismo inglês” de Alison e Peter Smithson. Dessa linguagem, utilizou estruturas de concreto apar-ente, alvenaria de tijolo furada e madeira bruta. No campo do urbanismo, a influência pragmáti-ca do padre dominicano Louis-Joseph Lebret, é fundamental na definição de sua abordagem e método de trabalho, privilegiando os aspectos socioeconômicos do projeto em detrimento de soluções plásticas. Projetou duas cidades para o assentamento de operários da mineração: Caraí-ba, 1976, no sertão baiano, e Barcarena, 1980, no Pará.

Sobre o arquiteto...

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IGREJAMATRIZSÃO LUIZGONZAGADEBRUSQUE

A riqueza compositiva da Igreja Matriz de Brusque, projetada pelo arquiteto modernista alemão Gottfried Böhm e construída entre 1955 e 1961, deve-se em grande parte às referências históricas feitas pelo arquiteto. A obra possui elementos de uma igreja gótica como as várias que foram construídas por toda a Europa duran-te os séculos XII e XIII, como as proporções nas fachadas – e sua verticalidade (26m de altura da abóbada central, 32m de altura da torre sineira) é fundamental nesse sentido -, o uso dos materi-ais e sua bem-sucedida implantação, que usa a declividade do terreno para propor uma grande escadaria que vence 10m de altura, a qual, além de ampliar a escala monumental, “ritualiza” o acesso à igreja, reforçando seu caráter de ar-quitetura de ordem “espiritual”.

A fachada da igreja de Gottfriend Böhm remete a uma igreja gótica através de seus arcobotantes, da existência de naves colaterais diferenciadas da nave central por meio da diferença de pé-di-reito e da presença de clerestórios.

Além dos artifícios já citados, o arquiteto lança mão também das aberturas, da iluminação nat-ural, da estrutura independente das vedações (bandeira da arquitetura modernista e elemento revolucionário da arquitetura gótica ao mesmo tempo), de arcobotantes, cúpulas e elementos decorativos internos nesse processo. A escolha da tipologia “gótica” foi feita de modo a refer-enciar-se à igreja que havia no local até 1954, construída no fim do século anterior em estilo neogótico.

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A igreja se distribui em quatro volumes, um deles destacado dos demais, que é também re-sponsável pela expressividade e imponência da fachada frontal da igreja. Trata-se da torre sineira, que é contígua a um arco de entrada que acaba por atuar como a divisa entre o mundo profano e o templo religioso, que se proclama a casa de Deus.

Os outros três volumes compõem juntos o cor-po mais importante da obra, que é a igreja em si, onde os fiéis são acomodados com fins de oração ou quaisquer outros fins religiosos. A planta desse volume principal possui ligeira relação com as plantas de igrejas góticas, e assim se divide em três elementos: duas naves colaterais (que, ao contrário do que ocorre nas igrejas góticas, não possuem portas de acesso) e uma central que abriga o eixo formado pela entrada principal e o altar, atribuindo simetria à fachada.

No exterior a diferenciação é feita por meio da diferença de dimensão e dos desenhos das aberturas nas fachadas, e no interior os pilares de sustentação desenham essa separação, as-sim como o próprio desenho da cobertura, mais elevada no corpo central.

Antiga Matriz

de Brusque

Construção da atual Matriz de

Brusque

Arco que sucede a torre sineira no acesso à igreja

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O encontro entre os diferentes pés-direitos é usado para a colocação de aberturas zenitais (que aludem aos clerestórios góticos), eviden-ciando a luz como um dos principais elementos da obra. A luz é um artifício importantíssimo de que o arquiteto lança mão com o objetivo de cau-sar impressões aos usuários da obra. Os volumes laterais do corpo principal da igreja são iguais en-tre si, possuindo, nas porções frontal e de fundo, pequenas aberturas repetidas ao longo de toda sua extensão.

Na cobertura, vista do interior da igreja, é pos-sível observar nitidamente a separação entre as naves colaterais e a principal, sendo esta demar-cação notável devido às diferentes alturas da co-bertura e aos pilares de sustentação.

A estrutura que se projeta para fora do corpo principal na forma de arcobotantes acaba por ser o elemento de ligação entre esses volumes, pro-duzindo a sensação de que o volume central es-teja “abraçando” os dois laterais. Já a cobertura exerce o papel de ligação entre o corpo principal e a torre sineira, embora essa conexão seja pou-co perceptível na escala do observador devido à verticalidade da igreja.

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O desenho delicado e minucioso das abertu-ras impressiona de tal forma que pouco se nota a brusca interrupção que as vigas de amarração causam ao longo de sua verticalidade. Mais do que isso, trata-se de um recurso típico de con-struções católicas, em que a dimensão e a forma das aberturas permitem que a luz penetre no lo-cal, sem que, contudo, se possa observar o que ocorre do outro lado. Esse recurso amplia a sen-sação de estar em um local sagrado, isolado do mundo externo, profano.

O fato de as aberturas se concentrarem apenas nas duas menores dimensões (frente e fundos) desses volumes atribui legibilidade ao espaço, deixando claro qual é o eixo em função do qual

a igreja foi construída, aquele que leva ao altar.

Se, nos volumes laterais, as aberturas são ig-uais na frente e atrás, no volume central o mesmo não ocorre. Na fachada frontal, aquela em que se encontra a entrada da igreja, o volume cen-tral se caracteriza por um vitral que ocupa quase toda sua superfície, com desenhos delicados e bem trabalhados. O volume da torre sineira, que se interpõe entre o corpo principal da igreja e o mundo externo, impede que essa grande abertu-ra envidraçada cause uma devassidão no interior da igreja. A transparência dessa fachada contras-ta com o hermetismo da fachada oposta, que, no volume central, é inteiramente fechada por uma vedação de pedra, tal qual ocorre em todas as fachadas laterais.

A referência a elementos históricos da arquite-tura é um dos principais elementos definidores da arquitetura da igreja de Brusque. Além das referências respeitosas ao passado, a obra de Gottfried Böhm traz uma preciosa riqueza com-positiva volumétrica somada a uma imponência que condiz com o programa de uma arquitetura religiosa. Trata-se de uma obra que representa fortemente o modernismo que foi praticado nas cidades do Vale do Itajaí ao longo dos anos 40 a 60 por arquitetos geralmente de origem alemã; uma arquitetura fundamentalmente brutalista, que tem como partidos a implantação e a in-serção no contexto.

Gottfried Böhm, nascido em 1920, é um ar-quiteto alemão formado na Univesidade Técnica de Munique em 1946. Além disto também es-

tudou escultura na Academia de Belas Artes de Munique. Em 1986 recebeu o Prêmio Pritzker, o prêmio mais conceituado da arquitetura. Ele foi considerado tanto um expressionista quanto um arquiteto pós-Bauhaus mas ele prefere definir-se como um arquiteto que cria “conexões” entre o passado e o futuro, entre o mundo das ideias e o mundo físico, entre um edifício e seus arredores urbanos. Encontrou no concreto aparente, com sua maleabilidade, seu peso e vigor construtivo, o material adequado à linguagem escultórica que predomina em suas proposições. Em muitos tra-balhos, mistura o espaço moderno e a busca pelo místico, enfatiza a relação entre luz e matéria e a consequente dramatização do espaço

Sobre o arquiteto...

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IGREJASÃOBONIFÁCIO

A obra em concreto aparente, foi projetada pelo arquiteto australiano Hans Broos em 1965, local-izado na Vila Mariana em São Paulo. A composição é marcada pelo estilo brutalista contrapondo o peso da forma com a leveza da inserção.

Aproveitando-se do desnível do terreno, as áreas administrativas, biblioteca e moradias fi-cam escondidas abaixo, o acesso principal públi-co no nível da rua e o pavimento acima, a caixa em si, é a nave principal onde a missa é celebra-da em si. Essa tem área útil de 13x30 metros e pé direito duplo. As 4 colunas passam por todos os pavimentos do edifício pela extremidade later-al, mas apenas 2 são visíveis e posicionadas no ritmo 1:3:1 dando a leveza na área pública recep-tiva.

A calçada permeia pelo acesso principal aberto que forma uma praça coberta com mirante en-quadrado pelo concreto sobre o desnível.

O acesso à nave superior do templo localiza-se à esquerda do grande vazio e funde-se através das paredes de vidro, que mantém a permeabil-idade visual e entrada de luz. A entrada configu-

ra-se em uma marquise de concreto, entre a caixa e o chão, alinhada com esquadrias de vidro e com o seu fechamento. O percurso desse acesso se dá através de uma rampa com escada embutida, saindo do espaço aberto da convivência, e en-trando no espaço confinado da nave pelos fundos do altar. Há também uma escada helicoidal que dá no mesmo acesso.

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Implantação

Planta Baixa

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Corte Transversal

Corte Longitudinal

Todo o ambiente interno é banhado pela luz natural através da abertura zenital. Essa ilumi-nação enfatiza elementos simbólicos como a cruz no fundo da igreja e as paredes laterais que foram executadas a “via crucis” em baixo relevo de concreto mais escuro.

As vigas da laje de cobertura, paralelas à fachada principal, são dispostas a cada 2 met-ros e mistas com tijolos furados e a presença de shed, protegendo a visão da luz direta e do calor em cima da nave. As paredes densas de concre-to aparente ajudam nesse aspecto do conforto térmico, e as aberturas, próximas ao chão, per-mitem a circulação de ar.

A intenção plástica da composição mistura de maneira harmônica peso e leveza com a pais-agem emoldurada pelo concreto aparente. O pro-jeto procura, mesmo com elementos brutos, uma transição suave entre público e privado, interagin-do com materiais como o vidro e aberturas para entrada de luz natural o exterior com o interior fechado por uma caixa.

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Hans Broos (1921-2011) foi um arquiteto e urbanista austríaco de família alemã, radicado no Brasil. Estudou na Universidade de Praga, na Tchecoslováquia e formou-se em 1948 em Brunswick, Alemanha. Projetou a Residência Gustav Abel em Gernsbach (1951) que sofreu re-sistência legais para a aprovação por ser consid-erado “moderno demais”. Veio para o brasil em 1957 fugindo do pós-guerra e em seus projetos, deu preferência aos materiais locais, utilizando estrutura mista em concreto e pedra e paredes estruturais de alvenaria. Partindo das formas de seu projeto antigo, mas deixando de lado a leve-za, fez a Residência Wittich Paul Hering (1955) em Blumenau como um volume denso acoplando soluções modernas brasileiras, típico da estética brutalista.

Sobre o arquiteto...

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IGREJADO CENTRO ADMINISTRATIVO DA BAHIA

A igreja foi construída em 1975 e foge dos padrões convencionais das igrejas de Salvador. Nela tudo praticamente leva o número 12, uma homenagem aos 12 apóstolos de Cristo. A cober-tura é formada por 12 “pétalas” de concreto, e 12 bancos estão posicionados em fila.

O local destinado à construção da Igreja do Centro Administrativo da Bahia conserva intacta sua beleza natural característica da paisagem de Salvador, sendo seu relevo e sua vegetação res-peitados. Foi buscada a inserção do prédio na topografia, partiu-se deste princípio para assumir o partido do projeto, onde a modelação do terre-no foi realizada apenas nas áreas onde se locali-

zam as construções.

Para o estabelecimento do sistema viário foi levada em conta, ainda, a intenção de utilizar os espaços vizinhos à Igreja como áreas de laz-er do Centro Administrativo. Arruamentos estre-itos, pavimentados em pedra e acompanhando as curvas de nível naturais são usados tanto por veículos como por pedestres. Os gramados que margeiam as vias de acesso e vias secundárias ligadas ao tronco principal são utilizados como áreas de estacionamento. As ruas se alargam em locais mais sombreados e aprazíveis criando áreas de estar e descanso e servindo também para manobras de automóveis.

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Planta Baixa

A construção principal foi localizada na par-te mais alta da colina. O recinto da Igreja, cujo contorno se desenvolve segundo a forma de uma espiral está limitado por arrimos de pedra con-tendo o terreno que se eleva em taludes suaves. O acesso principal se faz ao nível do piso.

A residência dos padres, salas para reuniões e sacristia foram projetadas em construção separa-da, em um nível um pouco mais baixo, com aces-so por rampa ao recinto da Igreja. Todas as peças ligam-se a jardins internos, o que dá privacidade aos ambientes.

O batistério e Capela do Santíssimo foram lo-calizados também em edificação independente. Em sua cobertura foram previstos vãos de ilumi-nação zenital de modo a permitir a incidência de luz natural sobre o altar e a pia batismal.

Essas duas construções, cujas paredes exter-nas são também em pedra, se apresentam de forma discreta na paisagem e seus contornos sublinham suavemente o perímetro da Igreja.

Corte do Batistério e Capela do SantíssimoCorte dos Jardins internos

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A cobertura da nave ergue-se no topo da coli-na e constitue o único elemento construído que marca vigorosamente a paisagem. Ela é forma-da por pétalas de estrutura independente que se apoiam cada uma em pilar único situado no ponto em que as tensões de trabalho da peça se distribuem de forma mais homogênea.

As pétalas estão dispostas segundo um he-licoide ascendente. Cada pétala se eleva em relação à anterior 50 cm com uma superposição de 1 m. No vão de 15 cm que resulta entre elas são fixados vidros do tipo “solar bronze”. Dessa forma, a iluminação dourada incide internamente na superfície do concreto tornando a cobertura mais leve e mais rica.

O vão de 6 m compreendido entre a primeira e a última pétala proporciona iluminação inten-sa no local do altar. Nesse vão forma projetados caixilhos de ferro com vidros do tipo “veneglass” que criam a proteção necessária da insolação Norte.

Por motivos estruturais foram previstos alarga-mentos na parte superior dos pilares. O encontro destes pilares cria uma cobertura na área prin-cipal da igreja e assemelha-se a uma sucessão de arcadas que definem o espaço da nave. Esta-belece-se assim, pela forma, um discreto contato com as igrejas do passado.

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A ventilação cruzada permanente se faz em todas as direções através dos vãos de contorno e a penetração de ar ao nível de utilização é contro-lada pelo painel de portas pivotantes do acesso. Este sistema, aliado ao isolamento térmico devido aos arrimos de pedra que envolvem o prédio e à proteção da insolação direta proporcionada pelos grandes balanços da cobertura, criam condições ideais de temperatura no recinto da Igreja.

O tratamento interno é austero e despojado. Os pisos são placas pré-moldadas de tamanhos variáveis e com juntas bem marcadas.

O painel de fundo do altar é constituído por peças robustas de madeira com secções varia-das que se distribuem irregularmente, ora justa-postas, ora separadas.

A Igreja, embora simples e singela, conserva o caráter de dignidade indispensável a um tem-plo católico. Assim, através do emprego de difer-entes técnicas, seguiu-se um critério lógico que está relacionado diretamente com a ideia inicial de um terreno tratado de forma amena e natural, formando uma estrutura delicada, mas vigorosa, com grandes balanços em que foram exploradas as diferentes possibilidades do concreto armado.

João Filgueiras Lima (1932-2014), o Lelé, nasceu no Rio de Janeiro e estudou na Univer-sidade do Brasil, no Rio de Janeiro, onde se for-

Sobre o arquiteto...

mou arquiteto em 1955. Durante a construção de Brasília, no final dos anos 1950 e início dos anos 1960, Lelé desenvolveu vários projetos ao lado de Oscar Niemeyer, e outros de autoria própria. Foi professor da recém concluída UNB até 1965. Ainda nos anos 1970, Lelé passou a dar mais atenção a eficiência construtiva de seus projetos, procurando construções rápidas, limpas e sustentáveis. De projetos em sistemas pré-moldados de concreto armado e protendido, em Brasília, Lelé passou por experiências com elementos autoportantes de argamassa armada, até chegar ao sistema leve em aço.

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SANTUÁRIO DOM BOSCO

Projetada pelo arquiteto Carlos Alberto Naves, localizado na quadra 702 da via W3 Sul, em Brasília, o santuário Dom bosco ergue-se com suas oitenta colunas de concreto de 16 metros que se unem e sustentam arcos góticos em seu coroamento. A obra de luz foi concebida para homenagear o padroeiro da cidade, São João Belchior Bosco (Dom bosco), cujo nome batiza a edificação.

O projeto é do ano de 1980 e possui uma plan-ta bem simples expressada através da forma pura de um quadrado e sua volumetria remete a quase um cubo. Seu exterior é predominante a presença do concreto bruto, que causa um con-traste entre o peso, vindo do próprio concreto e a leveza proveniente do da parede envidraçada onde estão localizados os vitrais, projetados pelo

arquiteto Claudio Naves e fabricados em São Paulo pelo artista belga Hubert Van Doorne.

O santuário possui 2200 metros quadrados de vitrais que combinam cerca de 12 tonalidades distintas de róseo e azul. A luz do dia e as cores dos vitrais promovem uma atmosfera calma e uma leveza ao interior da obra refletindo as di-versas tonalidades dos vitrais nas estátuas de mármore contidas no interior da obra. Entre as estátuas há uma de Dom Bosco em tamanho nat-ural, localizada ao lado de um altar esculpido em mármore rosa pesando mais de 10 toneladas, adornado com um grande crucifixo de 8 metros moldado a partir de um único tronco de madeira de cedro onde Cristo é crucificado. A escultura é uma obra do artista Gotfredo Traller, da cidade catarinense de Treze Tílias.

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“E tinha a glória de Deus; e a sua luz era semelhante a uma pedra preciosíssima, como a pedra de jaspe, como o cristal resplandecente.

E tinha um grande e alto muro com doze portas, e nas portas doze anjos, e nomes ­escritos­sobre­elas,­que­são­os­nomes­das­doze­tribos­dos­filhos­de­Israel.

Do lado do levante tinha três portas, do lado do norte, três portas, do lado do sul, três portas, do lado do poente, três portas.”

Por todo o santuário pode –se encontrar também as obras de Giafrancesco Cerri, que consistem de uma pintura em acrílico localizada no sacrário, os relevos em cobre nas 12 portas da edificação e o quadro em bronze na pia batismal. As 12 portas do santuário, divididas em 3 conjuntos de 4, combinadas ao lustre e a iluminação proveniente dos vitrais buscam simbolizar o texto bíblico do Apocalipse sobre a Morada de Deus:

Planta

Fachada

Corte

Para captar a essên-cia da obra por comple-to, é necessário visita-la durante o dia. Duran-te a noite, o santuário conta com a iluminação proveniente do lustre de 7400 peças, com 3.5 metros de altura e 5 metros de diâmetro e 3000 quilos, suspen-so por 6 cabos de aço que são capazes de aguentar 6 mil quilos. projetado pelo arquiteto Alvimar Moreira, pen-durado em seu teto.

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ENTREVISTA com Gottfried Böhm

Gottfried Böhm é o único arquiteto alemão a re-ceber o Prêmio Pritzker (1986). É o terceiro filho do arquiteto Dominikus Böhm, reconhecido pela construção de igrejas católicas e considerado pi-oneiro no rompimento da arquitetura eclesiástica em relação ao historicismo, construindo de acor-do com os novos materiais e as novas ideias litúr-gicas da época. Por esse pioneirismo foi nomea-do, em 1952, Comendador da Ordem de Silvestre pelo Papa Pio XII. A entrevista tem o intuito de conhecer a história das obras realizadas por Gottfried Böhm aqui no Brasil, sendo elas a igreja matriz de Blumenau (1953-61), hoje Catedral de São Paulo Apósto-lo, a Igreja São Luis Gonzaga (1953-62), em Brusque, da Igreja Nossa Senhora da Piedade e de um centro de acolhida de crianças portadoras de deficiências visuais, de Tubarão, da Igreja São Francisco Xavier, de Joinville e de uma residência em Itajaí, todos em Santa Catarina, os quatro últi-mos não executados. A entrevista com Gottfried Böhm, que contou com a participação dos familiares do arquiteto alemão, aconteceu no dia 17 de julho de 2012, no escritório de arquitetura da família Böhm, em Colônia, Alemanha.

Como o Sr. veio a realizar projetos no Brasil, mais precisamente em Santa Catarina?Gottfried Böhm: Os padres franciscanos convida-ram meu pai Dominikus Böhm para realizar o projeto da nova Igreja Matriz de Blumenau. Como meu pai não pode viajar naquele momento, indi-cou que eu fosse em seu lugar. Inicialmente os padres não acreditaram que eu pudesse realizar um bom projeto, e se posicionaram receosos. To-davia, isso eu fiz em aproximadamente um mês. A partir deste projeto eles já puderam realizar a construção. Naturalmente depois, aqui na Ale-manha, eu ainda fiz os detalhamentos, mas o projeto em si foi desenvolvido em Blumenau. E neste meio tempo, veio o Sr. Renaux, de Brusque, e viu como eu estava trabalhando; e foi assim que ele também encomendou uma igreja para sua ci-dade. No entanto, esse projeto não foi desenvolvi-do no Brasil, mas já de volta, aqui em Colônia.

O Frei Brás Reuter, idealizador do projeto em Blumenau, conhecia seu pai, Domini-kus? Como foi este contato?GB: Não, meu pai nunca esteve no Brasil. Um outro padre, de quem não lembro o nome, esteve aqui e fez o contato com meu pai, e foi ele que me levou a Blumenau.

Quantas vezes o senhor esteve no Brasil?GB: Eu estive cinco vezes no Brasil. A primeira vez que eu voei para lá foi em janeiro de 1953, quando os aviões ainda eram de hélice. Para mim esta viagem foi muito excitante; os motores esquentavam muito e pela noite ficavam incan-descentes, parecia que iam pegar fogo. Sempre que eu estive no Brasil também estive em Blume-nau. A igreja de Blumenau eu conheci concluída, pois estive lá, com minha esposa Elisabeth, na inauguração. Nós fomos com um navio cargueiro numa viagem de três semanas. Eu também es-tive pessoalmente em Brusque.

Elisabeth Böhm e Gottfried Böhm Silvia em seu escritóri0, Colônia, Ale-manha

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Igreja de Blumenau - Perspectiva de Gottfried Böhm

Quantos projetos o senhor realizou para Santa Catarina? E no Brasil, foram realiza-dos projetos para outros estados?GB: Somente realizei projetos para Santa Catari-na. A igreja de Blumenau e a igreja de Brusque. Para Tubarão eu fiz um projeto para uma cate-dral, mas não sei se ela foi construída. Aliás, para Tubarão eu fiz dois projetos, uma catedral e um abrigo para crianças. Temos que procurar no meu livro onde estão esses projetos. Por favor pegue aí em cima o meu livro, aí dentro está o croqui da igreja para Tubarão.

E a igreja de Presidente Getúlio?GB: Sim, é uma igreja pequena. Este projeto é de meu pai, Dominikus Böhm. Ela é anterior. Quan-do eu fui para o Brasil acho que sua construção já estava praticamente pronta. Naquela época eu fui visitá-la.

A igreja em Blumenau foi construída con-forme o projeto? E a torre já fazia parte do projeto inicial?GB: Sim, igreja e torre nasceram juntas. Para mim, o início, lá em Blumenau, não foi nada fá-cil. Em primeiro lugar, eles esperavam meu pai, o famoso Dominikus, e aí apareceu um jovem rapaz. Depois, os padres franciscanos me dis-ponibilizaram uma grande sala de aula na escola ao lado, já que era período de férias. Os materi-ais necessários para desenvolver o projeto, como papel e outros, creio que eu havia levado junto. Eles me deixaram lá sozinho e estava extrema-

mente quente. Assim, eu tive que tirar a roupa e colocar algo debaixo para não molhar o papel dos desenhos com o suor. Isto se deu com muita dificuldade. A todo instante chegava um padre e entrava para espiar o que eu estava fazendo. Até que eu fiz uma grande perspectiva, de um metro de altura. Quando eles viram a perspectiva o gelo se quebrou. Então à noite fui convidado para ir ao convento, pois eles ficaram realmente entusias-mados. A partir de então eles tornaram-se muito amáveis. Depois deste episódio, até fui com os padres à praia onde eles possuíam um terreno com uma pequena casa. Foi naquela praia, que agora se transformou numa cidade muito grande, e onde, naquela época, somente existiam casas unifamiliares*. Ela era tão encantadora e hoje fi-cou tão horrível. Para esse lugar também desen-volvi um projeto de uma residência para o jovem Renaux. Esta casa também está no meu livro.

Igreja Nossa Senhora do Rosário, Presidente Getúlio SC, década de 1960, projeto do arquiteto Dominikus Böhm, pai de Gottfried Böhm

Residência junto ao mar - Perspectiva de Gottfried Böhm

GB: Paul, podes verificar em que livros estão os projetos realizados no Brasil?

* Gottfried estava fazendo referência à Balneário Cambo-riú - SC.

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ENTREVISTA com Gottfried Böhm

Como o senhor idealizou o conceito para a igreja em Blumenau?GB: Sua situação é especial, sobre uma área elevada no centro da cidade. Naquela época a capela batismal desempenhava um importante papel, por isso ela foi concebida no eixo central da nave, no átrio coberto frontal da igreja. Hoje em dia o batistério já não possui mais essa im-portância. Foi muito bom eles terem aceitado to-das essas ideias. Ainda existem lá os padres e a escola.

Batistério da Catedral de São Paulo Apóstolo, Blumenau

Sim, os padres franciscanos continuam na igreja, e a escola pertence hoje a uma rede educacional com sede em Curitiba, manti-da pela Associação Franciscana de Ensino Senhor Bom Jesus. Nas suas igrejas existe alguma inspiração na arquitetura gótica, ou outra arquitetura religiosa?GB: As minhas influências derivam, é particular-mente perceptível na igreja de Blumenau, de meu pai Dominikus Böhm. Nesta igreja ainda se carac-teriza muito o fato de eu ser filho de meu pai. A igreja de Brusque, realizada um pouco mais tarde, já apresenta um pouco mais as minhas próprias percepções. Mas é muito complicado fazer algo bem feito quando não se faz o acompanhamento frequente, como aconteceu em Brusque, e infe-

Paul Böhm (filho mais novo de Gottfried): Nesse aqui está o projeto para a igreja de Tubarão.

Mas esta igreja é diferente da existente. Isso comprova que esse projeto não foi con-struído. A igreja atual possui outra autoria.GB: Para o bispo eu realizei, ainda naquela épo-ca, um projeto de um asilo para menores, em Tubarão. Eu pensei que também estivesse no liv-ro, mas não está. Pelo que sei este asilo também não foi construído. Não, não era um asilo para crianças, era para cegos. Naquela época existiam lá muitos cegos.

Paul: Ano passado, em 2011, nosso escritório participou da 9ª Bienal Internacional de Arquite-tura. Infelizmente minha viagem não foi possível, e não pude estar lá pessoalmente.

GB: Em São Paulo eu estive rapidamente. Não é uma cidade muito atrativa. Mas Rio de Janeiro sim, é muito bonita, com uma situação maravil-hosa.

Campanário da igreja São Paulo Apóstolo, Blumenau - Perspectiva de Gottfried Böhm

Igreja São Luis Gonzaga, Brusque SC - Perspectiva de Gottfried Böhm

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lizmente nem tudo ficou como deveria ter sido. No entanto, ela também possui uma situação privilegiada com sua imponente escadaria. Já a cruz infelizmente ficou muito pesada sobre a co-bertura. Todo o edifício havia sido projetado bem mais leve, mais suave. De qualquer forma, que naquele tempo conseguiram construí-la com toda sua técnica em concreto, já está ótimo, pois a construtora era pequena e artesanal. Tivemos um relacionamento agradável durante a construção, pois os responsáveis queriam que tudo fosse muito bem feito. Mas a distância era grande. E nessa época eu também já tinha mais encargos aqui em Colônia. Por isso as coisas não correram tão bem como em Blumenau. Em Blumenau eu considero que a igreja apresentou um ótimo re-sultado. Ela carrega muito o estilo de meu pai.

O senhor considera que suas obras possuem um caráter expressionista?GB: A igreja de Brusque possui um caráter mais expressionista do que a de Blumenau.

Igreja de Blumenau

Maquete da igreja em Neviges, de Gottfried Böhm

Peter Böhm (terceiro filho de Gottfried Böhm): Bom dia. Muito prazer em conhecê-los. Considero a igreja de Blumenau muito especial, ela é de grande significado na vida profissional de meu pai.

Igreja de Blumenau

E quem desenhou os vitrais da igreja de Blu-menau?GB: Os vitrais fui eu quem os criou. Uma empre-sa vitralista no Brasil executou a obra, cujo pro-prietário era alemão. Tive contato com ele, mas nunca visitei seu atelier. Com ele também realizei uma outra obra. Quem idealizou a construção da igreja foi o padre franciscano Frei Brás Reuter. Ele esteve aqui me visitando, mas já faleceu. Era uma pessoa muito agradável.

Quais são suas igrejas aqui em Colônia?GB: Aqui em Colônia, tanto eu quanto meu pai re-alizamos algumas igrejas. Logo aqui perto temos uma igreja de meu pai. Depois a St. Gertrud é pro-jeto meu e está no outro lado da cidade. Lá perto, no norte da cidade, também está a St. Engelbert, em Riehl, que é de meu pai, um projeto muito interessante, sua construção foi concluída em 1932. Aqui no sul somente existe esta uma de meu pai. Depois construí mais uma em Melaten, no leste da cidade. Mas a minha maior e mais sig-nificativa igreja está em Neviges, mais ou menos a uma hora daqui, a “Mariendom”. Esta obra foi de grande importância para que eu recebesse o Prêmio Pritzker.

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mesma magnitude que um projeto grande. A gen-te se envolve tornando-o tão importante como um projeto de grandes dimensões.

GB: Sim, isto confere. Um arquiteto não se nutre somente de grandes realizações. Eu já fiz edifi-cações significativas, muito grandes e complex-as, e com a mesma dedicação, uma pequena moradia, um anexo de uma residência existente. Todos podem ser trabalhos atrativos.

E esta residência, hoje escritório, quando foi construída?GB: Ela foi concluída em 1933, alguns meses an-tes que meu pai fora afastado da universidade pelo partido nacional socialista.

Escritório de Arquitetura da família Böhm, em Colônia

O senhor continua trabalhando?GB: Sim, com muito prazer. Estou feliz por meus filhos sempre me incluírem em seus trabalhos. No momento estou um pouco livre aqui no escritório e assim estou planejando cidades visionárias, ci-dades do futuro.

Para concluir, o senhor ainda gostaria de dizer algo?GB: Gostaria muito de um dia ainda poder vol-tar a Blumenau. Estive lá na inauguração. As festividades de inauguração foram ótimas. Os brasileiros sabem fazer boas festas

GB: Sim, esta obra possui grande influência do avô Dominikus, meu pai.

PB: De qualquer forma não existem outras igrejas de meu avô parecidas com ela, com suas muitas e expressivas colunas.

GB: Gosto muito da igreja de Blumenau. Eu acredito que muito do espírito de meu pai está dentro dela, muito mais do que na de Brusque.

PB: Claro, mas influências do avô, todos nós da família temos.

GB: Quando estive em Blumenau, fiquei de 4 a 6 semanas realizando o projeto, com o qual já começaram a construção. De volta a Colônia, ain-da fiz o detalhamento, realizado com muita lim-peza projetual, e que depois foi enviado para lá, já que os padres queriam ter o projeto em sua íntegra.

PB: Esses projetos estão todos no arquivo do mu-seu de Frankfurt, inclusive a perspectiva, que par-ticipou de uma grande exposição sobre as obras de meu pai. A perspectiva com o caminho inferi-or, a escadaria e a torre. Esta exposição Felsen aus Beton und Glas ocorreu quando o seu acervo arquitetônico foi doado ao museu de Frankfurt. Eu me alegro em saber que a igreja está bem conservada e que ainda está sendo frequentada. Gostaria de um dia poder visitar Blumenau.

Quais são as indicações de livros de suas obras?PB: A Exposição “Felsen aus Beton und Glas”, no Museu Alemão de Arquitetura de Frankfurt, deu origem a um Catálogo das obras de meu pai (19). Também houve outra exposição intitulada “Väter und Söhne” (Pais e Filhos), em Bielefeld (20), com os desenhos arquitetônicos do meu avô, meu pai e nós três filhos, também organiza-da em forma de livro. Penso que a produção do trabalho em arquitetura não depende do taman-ho da obra, isto não é decisório. Quando a gen-te trabalha, concebe um projeto pequeno com a

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