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Revista Filosófica de Coimbra
Publicação semestral do Instituto de Estudos Filosolicos da 1 acuidade de 1 cifas
da Universidade de Coimbra
Director: Miguel Baptista Pereira
Coordenação Redactorial: Francisco Vieira Jordão e António Manuel Martins
Conselho de Redacção : Alexandre F. O. Morujão , Alfredo Reis. Amãndio A.
Coxito, Anselmo Borges , António Manuel Martins , António Pedro Pita.
Edmundo Balsemão Pires , Fernanda Bernardo , Francisco Vieira Jordão.
Henrique Jales Ribeiro , João Ascenso André, Joaquim das Neves Vicente.
José Encarnação Reis, José M. Cruz Pontes , Luísa Portocarrero F. Silva.
Marina Ramos Themudo , Mário Santiago de Carvalho . Miguel Baptista
Pereira
As opiniões expressas são da exclusiva responsabilidade dos Autores
Toda a colaboração é solicitada
Distribuição e assinaturas:
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P-4100 PortoTel. 6067418; Fax 6004314
Redacção:
Revista Filosófica de CoimbraInstituto de Estudos FilosóficosFaculdade de LetrasP - 3049 Coimbra CodexTel. 25551/2; Fax 36733
Número avulso: 1.700$00
REVISTA PATROCINADA PELA FUNDAÇÃO ENG. ANTÓNIO DE ALMEIDA
Revista Filosófica de Coimbra
Publicação semestral
Vol. 2 • N. ° 3 • Março de 1993
ISSN 0872-0851
Artigos
Miguel Baptista Pereira - Modernidade, Racismo e Ética pós--convencional ................................................................................ 3
António Manuel Martins - Incomensurabilidade e Holismo emT. S. Kuhn ................ ...................................................................... 65
J. Encarnação Reis - A Função do Estético ..................................... 85
Edmundo Balsemão Pires Categorias e Semiosis. Notas intro-dutórias ao Pensamento do Individual em Ch. S. Peirce......... 115
Estudo
Fernando Ramos - A Ontologia Personalista de M. Nédoncelle .... 169
Crónica ................................................................................................ 211
Recensões ............................................................................................ 215
CRÓNICA
VIII ENCONTRO DE FILOSOFIA
De 10 a 12 de Março, sob a égide da Associação de Professores de Filosofia,sediada em Coimbra, realizou -se no Auditório da Reitoria da Universidade o VIIIEncontro de Filosofia, dedicado ao tema "Presença e Ausência de Marx noPensamento Contemporâneo." Pela primeira vez, a planificação e organizaçãodos trabalhos resultaram de uma colaboração entre a A. P. F. e o Centro deEstudos Sociais da Universidade de Coimbra. A adesão dos participantes foibastante significativa, se se tiver em conta que se atingiram as trezentas ecinquenta inscrições, tendo havido conferências e debates que contaram com maisde quatrocentas presenças.
Dos três dias em que decorreu o encontro, o primeiro foi dedicado à Filosofiae, após algumas intervenções de saudação da parte dos responsáveis pelaorganização e da parte do Senhor Vice-Reitor em representação do Reitor daUniversidade, iniciaram-se efectivamente os trabalhos com uma conferência in-augural proferida pelo Doutor Miguel Baptista Pereira, que, com a profundidadee densidade a que habituou os seus ouvintes e os seus leitores, dissertou sobreracismo e luta de classes, pondo em evidência como, apesar de a questão doracismo ser um problema na ordem do dia já no tempo de Karl Marx, ele oconseguiu ultrapassar transferindo a problemática das discriminações étnicas paraas diferenciações sociais (em termos classistas) e para o sujeito sofredor dessasdiferenciações (o proletário), tal como transparece de alguns escritos do autor.
Seguiu-se durante a tarde um painel, moderado pela Dra Filomena Moura,que contou com a presença de três investigadores: O Dr. Cabral Pinto, queanalisou a interacção entre a herança marxista e o pensamento da Escola deFrankfurt, nomeadamente Adorno e Horkheimer, numa primera fase e J. Haber-mas, numa segunda fase; o Doutor João Paisana, que se debruçou funda-mentalmente sobre a articulação do pensamento de Sartre com o Marxismo doPartido Comunista Francês (no tempo dos "Temps Modernes") e sobre asrepercussões do Marxismo na "Critique de Ia Raison Dialectique"; e, finalmente,o Doutor Tito Cardoso e Cunha, que, ultrapassando rapidamente as referênciasa Sartre já feitas na intervenção anterior, se centrou sobretudo na herançamarxista sobre o pensamento estrutural de Claude Lévi-Strauss. O prolongamentoexagerado de cada uma das intervenções impediu a realização de um debate quese previa rico e frutuoso.
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Os trabalhos do primeiro dia terminaram com uma conferência densa, bemesquematizada e profunda, sobre Marx e a Filosofia, proferida pelo Doutor JoséBarata Moura, que procurou fundamentalmente responder às seguintes questões:Qual a crítica de Marx à Filosofia? Que Filosofia critica Marx? Terá Marx umafilosofia e qual? Quais os contributos concretos de Marx para a Filosofia?
A esta conferência seguiu-se uma Assembleia Geral da A.P.F. que aprovoua criação do Centro de Formação da Associação e a Constituição da respectivaComissão Pedagógica.
O segundo dia de trabalhos foi dedicado à presença e ausência de Marxnas ciências sociais e iniciou-se com uma conferência fluente e cativante doProf. Erik Olin Wright, da Universidade de Wisconsin-Madison, que, no quadrodo seu "marxismo analítico", abordou o tema da "reconstrução do marxismo" eda luta de classes como chave de leitura dos conflitos sociais, a partir dasmúltiplas especificidades da natureza sociológica (v. g., o sexo), que obrigam arepensar o conceito de classe nas sociedades actuais.
A esta conferência seguiu-se um painel rico e multifacetado pelas perspec-tivas que abriu, contando com a presença dos Doutores Joaquim Feio(Economia), Arriscado Nunes (Sociologia) Raul Iturra (Antropologia) e AntónioGama (Geografia), moderados pelo Doutor Pedro Hespanha. Só foi pena quemais uma vez, devido à escassez do tempo, as intervenções tivessem que selimitar ao mínimo possível, excluindo de novo a possibilidade de debate, nãosó entre os intervenientes, mas também com a assistência.
Durante a tarde, o Grupo de História e Teoria das Ideias da Faculdade deLetras ofereceu aos participantes no Congresso um autêntico debate, moderadopelo Doutor Luís Reis Torgal, e constituído pela discussão de um conjunto deteses intitulado "A auto-destruição do modelo (sobre a variabilidade e sobre oslimites do conhecimento histórico)", reflexões em torno da filosofia marxista dahistória apresentadas por Paulo Archer, complementadas por uma também densae profunda intervenção do Doutor Fernando Catroga, provocadora de múltiplasproblematizações em torno da historiografia marxista e da sua (oculta) filosofiada história.
O segundo dia terminou com uma conferência ("Tudo o que é sólido se des-faz no ar": o Marxismo também?") proferida pelo Doutor Boaventura de SousaSantos, a qual se pode considerar um verdadeiro balanço inter ou transdisciplinarsobre o marxismo no século XX, a sua força e as suas limitações, e, sobretudo,a sua carga crítica e utópica num momento de mudança de paradigmas nãoapenas disciplinares ou científicos, mas verdadeiramente societais e planetários.
No último dia tentou realizar-se um percurso pela referência marxista nopensamento e no discurso políticos deste século XX. Assim, a jornada começoucom um painel moderado pelo Dr. Henrique Meireles, e com intervenções dosDoutores Fernando Rosas, César Oliveira e António Pedro Pita sobre a recepçãodo marxismo e a sua repercussão (nem sempre evidente) nos movimentospartidários, operários e anarco-sindicalistas da primeira metade do século XXportuguês, tendo-se seguido uma conferência do Dr. Barros Moura sobre osdesafios que se abrem ao movimento sindical no final deste século e num paíscomo Portugal.
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A parte da tarde foi ocupada por um painel destinado a pensar a maior oumenor força e intervenção de novos sujeitos sociais e a sua ligação ou não comutopias de origem marxista. Moderada pelo Dr Anselmo Borges, registouinervenções vivas, polémicas e problematizantes dos Doutores Luís Moita (apropósito de movimentos africanos de libertação), Jardim Gonçalves (sobre aproliferação e estruturação de Organizações não Governamentais para o Desen-volvimento), Viriato Soromenho Marques (acerca dos desafios que se abrem aosmovimentos e à política ecologista), Virgínia Ferreira (sobre o feminismo e ossinais de uma leitura conservadora da problemática da mulher em alguns textosde Marx) ^ Eduarda Dionísio que, duma forma contundente, se debruçou sobreas formas de ausência e presença de "intelectuais" (nas suas múltiplas diferençase tipologias) na vida política e na opinião pública portuguesa.
O Encontro terminou com uma conferência densa e profunda de JacquesRanciére sobre Marx, a História e a Ideologia (considerações pós-althusserianas),tentando mostrar como Marx é importante e talvez imprescindível para pensara Modernidade, e como é indispensável não esquecer incontornáveis categoriaspor ele trabalhadas no repensamento metapolítico das múltiplas lógicas com quese tece a história, a ideologia e a poética nos tempos actuais, ultrapassando osimpasses que Althusser deixou inscrever na configuração desses conceitos.
Conclusões lineares destes dias de debate, é impossível tirá-las. Mas omínimo que se pode dizer é que Marx, como todos os grandes pensadores, sepensado com seriedade, continua ainda a atrair a atenção de intelectuais demúltiplas frentes e a alimentar reflexões cuja actualidade parece inquestionável.
J. A.
COLÓQUIO SOBRE KANTna Faculdade de Letras de Lisboa (29-30 de Abril)
Realiza-se nos dias 29 e 30 de Abril de 1993, na Faculdade de Letras daUniversidade de Lisboa um Colóquio comemorativo dos 200 anos de A Religiãonos limites da simples Razão de Kant, subordinado ao título Religião História eRazão. Da Aufklirung, ao Romantismo, organizado pelo Departamento deFilosofia da Faculdade de Letras de Lisboa. A participação é gratuita.
Serão abordados os seguintes temas: Dia 29: Sessão da manhã: JoaquimCerqueira Gonçalves: "Experiência, Existência de Deus e Religião em A Religiãonos limites da Razão de Kant"; Leonel Ribeiro dos Santos: "A teologia de Job,segundo Kant"; Cristina Beckert: "Mal radical e má-fé"; Carlos João Correia:"Mal radical e visão mítica do mundo"; Viriato Soromenho Marques: A Reli-gion no horizonte da razão política" .
Sessão da tarde: António Marques: "O problema da heroicidade moral emKant e a questão da transcendência"; Maria Leonor Xavier: "O argumentoontológico: Kant e Santo Anselmo"; António Fedro Mesquita: "A críticakantiana do argumento ontológico"; Pedro Calafate: "A polémica anti-deísta noséculo XVIII em Portugal"; Manuel Cândido Pimentel: "Amorim Viana e Kant:
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a fé nos limites da razão"; Paulo Borges: "Religião racional ou razão religiosa?Kant e Leonardo Coimbra".
Dia 30 de Abril. Sessão da manhã: José Barata-Moura: "O tratado teoló-gico-político de Kant"; Pedro Viegas: "Teleologia moral ou moral teleológica?";Pedro Alves: "Do primado do prático à filosofia da história"; Eduardo Chitas:"`Que o mundo vai mal' ou de uma queixa tão antiga como a história"; ArturMorão: "A filosofia da esperança em Kant".
Sessão da tarde: Filomena Molder: "A história como objecto problemáticoem (locthe"; Adriana Veríssimo Serrão: "Razão, humanidade e limite: a presençade Kant na interpretação feuerbachiana da religião";
Manuela R. Sanches: "Contra o proselitismo. Forster e a questão datolerância"; José Miranda Justo: "Perspectivismo, religião e hermenêutica entrel{amann e Schleiermacher. Esboço para unia compreensão crítica"; TeresaCadete: "Religião, âncora do bem-estar? Problematização do fenómeno religiosoem F. Schiller"; Manuel Carmo Ferreira: "Projecto de urna nova religião"
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RECENSÕES
Wittgenstein in Florida. Proceedings of lhe Colloquium on lhe Philoso-phy of Ludwig Wittgenstein, Florida State University, 7-8 August1989 . Edited by J . Hintikka . ( Dordrecht/Boston/London : Kluwer,1991)
Jaakko Hintikka, o conhecido estudioso dos textos wittgensteinianos , aparece, agora,como responsável pela edição desta colectânea que reúne , para além de um conjunto deartigos apresentados no Colóqui sobre a filosofia de L. Wittgenstein , realizado peloDepartamento de Filosofia da Florida State University , em Abril de 1989, a primeirapublicação em língua inglesa de um importante excerto do famoso Pie Big Typescriptd:quele pensador , intitulado "Philosophy", em tradução de C.G. Luckhard e M.A.A. Aue.Não sendo este último totalmente inédito, poi parte fora já integrada por Rush Rhees emPhilosophical Gramniar e as notas esparsas sobre filosofia que aparecem nas InvestigaçõesFilosóficas repetem muito do que aí fora escrito, trata-se, todavia, de um dos maisinteressantes textos do vasto espólio literário de L. Wittgenstein que, tal como se diz naNota Editorial , nos surpreende , quer pela sua organização convencional em capítulos e
secções, quer pelo valor do seu conteúdo, que expõe , de modo contínuo , um conjunto de
reflexões acerca daquele mesmo tema.
Não deixa de ser significativa a sua presença nesta colectânea, onde se regista, namaior parte dos seus artigos , a instante urgência de publicação do Nachlass deWittgenstein , como principal condição necessária do entendimento mais aprofundado ecorrecto do exercício de pensamento deste filósofo . Fica-se, pois, grato por esta iniciativaesperando que ela frutifique noutras semelhantes e os estudiosos de Wittgenstein possam,de futuro, contar com uma perspectiva mais justa dos seus escritos, não viciada pelasselecções e escolhas , muitas vezes arbitrárias, dos seus executores literários.
No que respeita aos restantes artigos, seriam - se em dois grandes grupos , de acordo
com a natureza das temáticas . Pode - se dizer que ao primeiro grupo pertencem os que se
ocupam das questões lógico-matemáticas e, ao segundo, os que se orientam para as
questões da filosofia da mente e das ciências humanas - muito embora a problemática
da linguagem atravesse transversalmente todos eles.
E porque, de um modo geral, os subscritores destes textos pensam no interior da
referência do conjunto dos escritos de Wittgenstein ainda não acessíveis ao grande público,
são de relevância maior as interpretações aqui apresentadas pela visão mais alargada de
conjunto de que beneficiam.
Passaremos , seguidamente , a apresentar cada um dos artigos , segundo a ordem da
sua posição na topologia da colectânea, dizendo alguma coisa sobre o valor dos seus
argumentos de acordo com a apreciação que deles fazemos.
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O artigo assinado por Burton Dreben e Juliet Floyd, Tautology: How not to use a
Word, é um texto bem humorado, à boa maneira anglo-saxónica - sem que, por isso, aobjectividade e o rigor dos conceitos sejam afectados - e cuja intenção, tal com se define
nas palavras dos seus autores, é debater o que chamam de "delitos" (linguísticos) de
Russell , Ramsey e C.I. Lewis, ironizando a propósito da grave acusação de que o primeiro
foi alvo por parte deste último só por ter aceite escrever a introdução do Tractatus (such
nonsense !). Lewis penitenciar- se-ia de tal desmando, nove anos depois, ao prestar a devida
homenagem ao pensador austríaco pelo seu notável contributo para a verdadeira
compreensão da natureza da lógica. Só que, ao fazê-lo, contribuía para a desventura de
um destino que parece condenar a palavra "tautologia" a uma errância sem solução... a
não ser que se mude de linguagem - proposta com que o artigo finaliza. l', pois, a esta
luz que B. Dreben e J. Floyd descrevem a trajectória histórica da tríplice relação "princípio
de identidade/juízo analítico/tautologia" e o modo como esta opera ao estabelecer os
critérios que definem os âmbitos respectivos da lógica e da matemática, Mas é sobretudo
para o modo como se processa a recepção da tese do Tractatus , segundo a qual as
proposições lógicas são por natureza tautológicas, que os autores do artigo pretendem
chamar a atenção. O facto é que não só Russell, mas também Carnap, Ramsey e Lewis
aplicaram o termo "tautologia" para a verdade lógica, muito embora, todos eles recusassem
as teses básicas de Wittgenstein e, de um modo geral, não justificassem,
argumentativamente, a razão da sua aplicação do termo, a não ser por citações referenciaispouco significativas.
O artigo termina com uma amostra de definições filosóficas das palavras "analítico","tautológico", "tautologia' e "analiticidade" transcritas das mais recentes edições deconceituados dicionários tendente a revelar a consequente desorientação relativamente aossignificado destas palavras, se não o seu quase esvaziamento de sentido.
The Philosophy of Logical Wholism, assinado por David Charles McCarty, é umacrítica acutilante e contundente, sem deixar de ser controversa (ou mesmo por isso), àsinterpretações atomistas do Tractatus, sobretudo à sua configuração no texto de Merrille Jakko Hintikka, Investigating Wittgenstein (1986). Caracterizando a quadripartidaconstelação atomista, semântica, ontológica, epistemológica e formal, que pretendedesmontar (sobretudo nos dois primeiros aspectos), o autor contrapõe-lhes uma irredutívele inconciliável interpretação do Tractatus que designa de holismo lógico, segundo o qualo mundo, "no-espaço-lógico", não é construído a partir de objectos, mas estes são antesabstraídos daquele. O grande equívoco, que denuncia como subjazendo às interpretaçõesatomistas, é o pressuposto da pretensa herança humeano-empirista do autor do Tractatuse a errónea ilusão de que nele se prolongam as investigações lógico-matemáticas de Fregee Russell. De um modo' geral, essas leituras, diz, desconhecem a novidade e aespecificidade do conteúdo tractatiano, ao pretenderem associá-lo à produção dopensamento analítico contemporâneo, no qual D.C. McCarty não reconhece marcaswittgensteinianas . Estamos, pois, perante um texto interessante ; de leitura agradável, densoe surpreendente pelo que ousa propor.
O artigo de Steve Gerrad, Wittgenstein's Philosophies of Mathernatics, parece-nosser um trabalho convincente, cujo objectivo é chamar a atenção dos intérpretes deWittgenstein, mais vocacionados para as questões da filosofia da matemática, para aexistência, neste âmbito, de duas concepções distintas, que se intercalam entre o Tractatuse as Investigações Filosóficas. Designando-as de "calculus conception" e "the language-game conception", o autor não pretende, ao distingui-Ias e caracterizá-las, testar a suajusteza e validade mas antes mostrar como na sua diferença elas derivam de uma mesmamotivação. É sua intenção, consequentemente, questionar a tendência generalizada parapensar "que o verdadeiro critério de verdade das nossas proposições matemáticas é a
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natureza de uma realidade matemática independente da nossa prática e da nossa linguageme que as nossas demonstrações [ neste domínio] apenas estão orientadas nessa direcção".A esta tendência que associa ao augustinismo no domínio da linguagem , chama-lhe o autor"Hardyian Picture", referindo-o deste modo a um conhecido matemático de Cambridge,G.H. Hardy com o qual o próprio Wittgenstein chega mesmo a identificá-lo, nas liçõessobre os fundamentos da matemática de 1939.
O texto debruça-se de modo mais longo e detalhado sobre a "calculus conception" -que também designa de concepção transitória - uma vez que considera não ter merecidoainda dos intérpretes a devida atenção.
O interesse particular do artigo de Juliet Floyd, Wittgenstein on 2,2,2...: The Open-ing of Remarks on the Foundations of Mathematics, é o esforço verdadeiramente notávele bastante consistente de exegese das três primeiras secções daquela obra, na procura dadinâmica interna ao debate que opõe Wittgenstein ao seu pressuposto interlocutor. Esteexercício hermenêutico legitima-se pelo próprio carácter dialéctico do métodowittgensteiniano , que a autora considera ser parte essencial do conteúdo da própriareflexão, consistindo numa encenação do movimento interior às inquietações filosóficas.Nesta espécie de dramaturgia, acontece um desnudamento do que está na origem dedeterminadas respostas filosóficas e do tipo de necessidade que as procura. Estemovimento, no entender de J. Floyd, desloca "a profundidade" e o "carácter impressio-nante da filosofia" do conteúdo ou teor das respostas para a "natureza e carácter das pró-prias questões", remetendo para uma questionabilidade sem limite antecipável, o pseudocarácter bem fundado das nossas certezas e evidências aparentemente as mais fiáveis.
E, se o que predomina nas Remarks on the Foundations.of Mathematics, é a dimensãonegativa das suas respostas, por certo que, nesta perspectiva, isso não é de significadomenor. Todo o texto, enquanto exercício, é modelar nas suas propostas e estimulante paraum posicionamento fecundo na relação com os textos de Wittgenstein.
O artigo de J. Hintikka, An Impalient Man and his Papers, abre a segunda parte da
colectânea. Contrariamente àquilo que o seu título nos levaria a pressupor, não se trata
de mais um texto a acrescentar à já razoável lista de memórias, que, de modo mais ou
menos interessante , traçam o perfil psicológico de L. Wittgenstein. Partindo, sim, de um
aspecto muito característico da personalidade deste pensador, colhido sobretudo no relato
biográfico de Fânia Pascal ("Wittgenstein: a personal Meinoir' in Rhees(1981)) e que ela
assinala como uma acentuada dificuldade em aquele se situar no "ponto-de-vista-do-outro"
- o qual deixaria profundas marcas no modo como elabora e escreve os seus textos,
omitindo as questões que discute, os problemas para que procura resposta e mesmo o
horizonte teórico que as envolve - J. Hintikka apresenta as razões da urgência de uma
edição crítica do vasto Nachlass daquele pensador, já catalogado por G.H. von Wright.
O reconhecimento da quase impossibilidade de um tratamento em profundidade da obra
publicada, sem os testemunhos mais esclarecedores dos seus cadernos de notas
(manuscritos ou dactilografados) bem como as suspeitas sobre o carácter "último" do
conteúdo publicado nas Investigações, valem como suportes consideráveis que legitimam
essa urgência . O texto de J. Hintikka, historiando as "desventuras" dos diversos projectos
de disponibilização do Nachlass , através de um processamento computorizado do texto
(o de 1975: Wittgenstein - Archiv Tübingen; o de 1981: do Fonds zur Fõrderung der
wissenschaftlichen Forschung, da Áustria; o norueguês de 1988, relatado por C. Huitfeldt
e V. Rossvaer em The Norwegian Wittgenstein Project Report 1988 ) é uma crítica
muito severa não só contra quem tem estado à frente destes projectos - sobretudo
os dois primeiros - bem como contra os executores literários de Wittgenstein sobre os
quais lança algumas graves suspeitas no que concerne às ocultas motivações das suas
atitudes.
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Muito embora David Stern discuta , no seu artigo , The 'middle Wittgenstein': from
logical atomism to practical holism, a validade da repartição da obra de Wittgenstein por
dois períodos distintos e aponte os riscos a que ficamos expostos ao admitir semelhante
classificação , metodologicamente aceita - a, interpondo entre os dois momentos da obra um
terceiro que, obviamente , considera de "intermédio", o qual permitirá uma visão global
dos textos, desvelando a unidade profunda da sua dinâmica . A leitura que dessemovimento , neste artigo, o autor nos deixa , articula o inicial "atomismo lógico" doTractatus ao "holismo prático" das Investigações Filosóficas, através da ponte do "holismo
lógico", exposto nos textos intermédios , unindo, assim , as duas margens , inicialmente
divisadas na sua oposição . A conexão entre a doutrina do Tractatus e as posições das
Investigações flui da implícita pressuposição de uma linguagem originária privada,
concebida como o processo simbólico interno ao pensamento que garantiria à linguagem
pública a sua significação ( Traclatus ) até à assunção da possibilidade de uma linguagem
fenomenológica ( último nível da análise da linguagem ordinária ), para , finalmente,
confluir na constatação da sua impossibilidade e no reconhecimento final da
contextualidade do sentido , sempre referido aos jogos de linguagem e à sua inserção no
horizonte último das formas de vida . Na abertura deste percurso , posicionar - se-ia ainterrogação instante que pergunta "por aquilo em que consiste o seguir uma regra" na
total diversidade dos modos derivados , que abrangem problemas tão fundamentais como
os da compreensão e interpretação.
Trata-se de um texto inteligente , de leitura fácil e agradável e que ajuda, de modoconvincente, a esclarecer a fonte de onde emanam algumas das principais questões comque Wittgenstein se preocupou ao longo do seu magistério.
Um estudo detalhado e profundamente esclarecedor de uma das mais interes-
santes questões - e nem sempre bem entendida - com que Wittgenstein se confrontou, sópossível mercê de uma leitura muito cuidada e atenta do Nachlass, apresenta-se no artigo
de M.R.M. Ter Hark, The development of Wittgenstein's views about the other mindsproblem . O autor , de modo muito pedagógico, oferece-nos uma perspectiva faseada daevolução do pensamento de Wittgenstein, no que respeita à análise do iso dos conceitospsicológicos relativos quer à primeira quer à terceira pessoa, desde o seu aparecimentono cap . VI das Philosophical Remarks até aos últimos escritos pouco antes da sua morte.Distingue , assim , três fases que se caracterizam não só por cada uma delas se constituircomo uma posição crítica da anterior , mas também , positivamente , por uma evolução quepoderíamos designar de alteração de estatuto do questionado. Desse modo, enquanto areferida análise se situa a um nível inicialmente "epistemológico " e a questão é a damatureza do conhecimento e validação das proposições psicológicas , nas fases seguintes,
o seu reposicionamento instalar - se-á na dimensão "lógico-gramatical ", instaurada pelosdiversos jogos de linguagem . No quadro desenhado por este travejamento , Wittgensteinteria perfilhado , em princípio , teses idênticas às de W. James e B. Russell, querquanto ao conhecimento directo da experiência interna , quer quanto à não existência deum sujeito metafísico , e estaria muito próximo, se não mesmo em total concordância, como "behaviourismo lógico" de Carnap , no que respeita ao conhecimento psicológico naterceira pessoa . Num segundo período, entre 1933 e 1938, reformulará , sobretudo,as suas primeiras posições relativamente às análises repeitantes à primeirapessoa , abandonando definitivamente o quadro epistemológico inicial . Silenciará, todavia,a problemática concernente às outras mentes, que só regressará , e em força, a partir de1941, principalmente nos textos dos dois últimos anos, escritos entre 1949 e 1951, quandoabandona definitivamente o behaviourismo carnapiano . Nesta última fase , introduzirá, naâmbito "lógico- gramatical " referido , dos jogos de linguagem, formas de vida e primadoda prática, a discussão, superadora do dualismo epistemológico: introspecção/behaviour,
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da noção "Einstellung zur Seele" e do diferente estatuto da certeza que lhecorresponde, questionando a possibilidade da "simulação" que conduzirá a umacompreensão mais aprofundada do seu significado. Este artigo de T. Hark é umaexposição analítica, bem apoiada em textos, cujo alcance ultrapassa os limites traçadospela temática, o que sempre acontece quando se ilumina o hermetismo dos escritos deWittgenstein.
Em "Philosophy in lhe Big Typeseript: Philosophy as Trivial" C. Grant Luckhardtanalisa, à luz das secções agora publicadas daquele texto, as respostas que as Investigações
Filosóficas parecem dar a três questões que o autor lhes coloca: 1) O que pensava(Wittgenstein) do estatuto e da importância das teses da filosofia tradicional?";2)O quepensava do estatuto e da importância da filosofia crítica wittgensteiniana (i. é, a filosofia
que é crítica de 1))?; 3) O que pensava restar para a filosofia - se ainda algo restava -
uma vez que mostrava serem as teses da filosofia ou falsas, ou confusas, ou sem sentido?
O autor corrigirá a possibilidade de uma leitura excessivamente nihilista das notas
dispersas nas Investigações Filosóficas sobre estas questões, recorrendo ao contexto em
que as mesmas se encontram no Big Typescript, de onde a sua quase totalidade foramretiradas. Antecipa críticas e justifica a sua metodologia. A integração das observações
esparsas nos seus contextos permitirá entender que Wittgenstein soube avaliar a tarefa
filosófica como actividade de alto valor intrínseco. Consequentemente, Luckhardt insiste
na interpretação das apreciações que poderiam ser entendidas de modo pejorativo
mostrando a bivalência da sua aplicação pois que elas recaem, inclusive, sobre o próprio
trabalho de Wittgenstein. Fazendo isto, Luckhardt foca aqueles passos em que se ilumina
a origem do "mal" filosófico comum e daí parte para a recolha das diversas técnicas
terapêuticas sugeridas no Big Type.scripl . Mas, fundamentalmente, procura pôr em relevo
o alto significado de que se reveste o filosofar ao "chamar a atenção e resolver as
injustiças da filosofia, sem acrescentar novas partes - e crenças", porque, sendo "difícil
não exagerar", repor todo o equacionamento filosófico em termos de evitar todos os
"irmos", é algo altamente desejável por si, para todos aqueles que têm um compromisso
com a verdade. Final positivo, para um texto altamente positivo, que esta colectânea
sinceramente merecia ao incluir a 1" edição do excerto indicado do Big Typescript.
Num relativamente curto mas denso artigo, "Wittgenstein's account of rule follow",
David Pears trata uma das mais difíceis e provocadoras questões dos últimos escritos de
Wittgenstein. Reconhecendo, muito embora, a disparidade das interpretações respeitantes
ao ponto de partida (o questionado na questão) e ao ponto de chegada (a solução ou
soluções oferecidas) Pears propõe-se somente sugerir uma "tese geral", visando,
justamente, estas interpretações e recusando-se a acrescentar mais uma às já conhecidas.
Num roteiro que percorre aquilo que considera ser as duas ideias dominantes subjacentes
à problemática enunciada no título e mostrando como, em conjunto, elas dão à última
filosofia da linguagem de Wittgenstein uma unidade que pode sugerir a falsa ideia de que
ele está a construir uma teoria, o autor opta por uma visão genética da problemática
encontrando-a cripticamente na "teoria dos nomes" do Tractatus e na "lógica da
reperesentação pictórica" que a suporta. A distinção entre "dizer e mostrar" cobrindo
dicotomicamente o "dizível" e as "condições de dizibilidade" reponde satisfatoriamente
ao problema de Wittgenstein, ao tempo, principalmente interessado em resolver os
problemas lógicos relativos à sua concepção analítica da linguagem. Sequentemente a nova
perspectiva a partir da qual Wittgenstein reequacionará as posições anteriormente
assumidas, obriga-lo-á a trazer para o centro da sua investigação a questão de saber o
que realmente nós fazemos quando aplicamos palavras às coisas. Prosseguindo as suas
observações através dos textos ditos "intermédios", lições de Cambridge entre 1930-32
e Caderno Azul, D. Pears procura, então, discernir o "conteúdo negativo" e o "conteúdo
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positivo " da discussão em causa . Se é fácil reconhecer - segundo ele - um cartesianismo
muito genérico , no que ao primeiro destes aspectos respeita, considera mais difícil,
todavia, a identificação do segundo . A inegável tarefa com que Wittgenstein se debate é
em sua opinião - a de explicar os "critérios de identidade das regras linguísticas". E aí
pensa - Wittgenstein torna-se responsável pela tendência de alguns críticos em procurar
encontrar uma unidade teórica , onde ela não está, quando sugere uma "possível teoria
científica" para a investigação dos "critérios de identidade ", fronteira , todavia , que ele
nunca chegará a ultrapassar . Assim , Pears, reconhecendo o tratamento pluralista que
Wittgenstein deu aos critérios de identidade da regra , propõe, em confronto com a primeira
teoria semântica daquele que estaremos , agora , perante "uma aplicação holística do,seu
conceito originalmente atomista de mostrar" . O artigo termina com um conjunto de
observações acerca da problemática conexa da "imunidade ao erro", do tipo de perfor-
mances que a pressupõem, das dificuldades que lhe são inerentes e das razões que têm
levado os vários intérpretes a subestimar estas dificuldades . Trata- se de um texto de alto
interesse e extremamente fecundo para a leitura compreensiva das InvestigaçõesFilosóficas.
Neste pequeno e muito bem estruturado artigo, " Wittgenstein and Mad Pain".
Michael Lee aplica um breve exercício de terapia wittgensteiniana não tanto à " teoria
materialista da mente" de David Lewis quanto à hipótese admitida por este de alguém
que experimenta dor, num contexto relacional de causa/efeito, totalmente diferente dos
habituais . O valor do exercício consiste não só em mostrar o sem-sentido da hipótese de
Lewis - que desmonta com rigor e habilmente - como ainda , pela aplicação , em permitir
realçar a justeza das observações de Wittgenstein neste domínio. Para reter : a sugestão
do autor da necessidade de sujeitar a um mesmo tratamento muito do que hoje se escreve
no âmbito da Filosofia da Psicologia.
Interessante é notar que o que Kent Linville e Merril Ring nos apresentam em"Moore's Paradox revisited' é, também , uma "aplicação" das considerações dos últimosescritos de Wittgenstein às soluções de tradicionais problemas filosóficos . No caso
presente , os autores propõem- se dissolver o conhecido paradoxo de Moore, na discussão
do qual se encontram temas fundamentais de epistemologia e da filosofia da linguagem,mostrando como os pressupostos logico-linguíticos em que aquele, aparentemente , assentaresultam de uma incompreensão do estatuto real das "proposições de crença" e de todasaquelas que incluem " verbos epistémicos ". A análise destes pressupostos procurageneticamente a sua filiação filosófica e é suportada por uma razoável exemplificação doseu posicionamento actual . Mas, quanto a nós, o seu particular interesse reside,principalmente , no gesto de "testar" a fecundidade do pensamento de Wittgenstein nacontemporaneidade , ao prosseguir a sua intenção terapêutica.
A concluir este conjunto de textos, de inegável valor, T. R. Schatzki propõe-se tratar,no artigo intitulado "Elenients of a Wittgensteinian Philosophy of lhe Hunian Sciences"(311-329), as concepções de W. neste domínio. Reconhecendo não abundarem nos escritosdo filósofo austríaco referências directas a esta problemática, pretende , todavia, recolheros elementos esparsos e produzir uma síntese que relacione temáticas esclarecedoras paraa questão em debate . Nesta leitura , contrapõem-se dois tipos de investigação nas ciênciashumanas : um de carácter interpretativo -hermenêutico e outro, mais sistémico , teórico-causal . Sem se negar que Wittgenstein aceitasse este segundo tipo de abordagem realça-se e justifica - se a sua clara e decidida preferência por uma apreensão compreensiva do"espírito"(Geist )dos fenómenos humanos . Bem apoiado na análise de noções-chave comoa de "superfície da vida humana", "expressão", "regra", para citar apenas as principais,o autor prepara os argumentos fundamentais que lhe permitem criticar o tratamento dadopor Winch à mesma temática e, ao mesmo tempo, aproximar as posições de Wittgenstein
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das que K. Mannheim rotulara de "conservative thought", de que foi herdeira aLebensphilosophie, cuja influência o autor do Tractatus recebeu através de Spengler.
Nem sempre convincente, sobretudo, no que respeita a oscilações no entendimentodos "estados e processos mentais", cujo estatuto não fica claramente definido, trata-se,todavia, de um estudo a todos os títulos recomendável pelo destaque e tratamento detemáticas, que, muitas vezes, os intérpretes de Wittgenstein pura e simplesmente nãotomam em consideração e que se revelam de importância primordial para uma
compreensão aprofundada dos seus objectivos.
Marina Ramos Themudo
RAMSEY, Frank Plumpton. On Truth . Original Manuscript Materiais(1927-1929) froco lhe Ramsey Collection at the University of Pitts-burgh edited by Nicholas Rescher and Ulrich Majer. (Episteme,vol. 16). Dordrecht/Boston/London: Kluwer Academic Publishers,1991. XXI + 129 pgs.
O manuscrito On truth é , porventura , o texto inédito mais importante da Ramsey
Collection . R. B. Braithwaitc , o editor dos escritos de Rainsey, publicados pouco depois
da sua morte ( Janeiro de 1930 ), não o incluiu na colectânea a que deu o título The Foun-
dations of Mathematic.s and nther Log ical Essays por considerar que Ramsey tinha ficado
muito descontente com o manuscrito e, por conseguinte , seria de todo inadequado publi-
cá-lo. Hoje podemos ter urna opinião diferente quanto ao valor intrínseco do material
do manuscrito On Truth e o facto de estar inacabado não constitui um obstáculo
suficientemente grande que justifique privar os leitores interessados na obra de Ramsey
e na história do movimento analítico da leitura deste texto. Neste sentido , é de louvar a
iniciativa de N. Rescher e ti. Majer ao proporcionarem ao leitor interessado o acesso a
um texto que pode lançar nova luz não só sobre alguns aspectos do pensamento de F. P.
Ramsey como sobre determinadas controvérsias filosóficas dentro das correntes do
pensamento britânico dos começos do século XX. Entre estas destaca - se a polémica com
os defensores da teoria da verdade como coerência no chamado idealismo britânico
designadamente F. 11. Bradlcy e H. H. Joachirn . De acordo com a informação dos editores,
o manuscrito On Truth teria sido redigido no período entre 1927-1929 e faria parte de
um projecto anterior mais vasto e ambicioso On Truth and Probability que incluiria
precisamente um texto Sobre a verdade e um tratado de Lógica. O apêndice B da
Introdução do Editor apresenta um quadro dos sucessivos índices dos esboços de Ramsey
para aquele projecto ( xx-xxi).
No texto On Truth , agora publicado , Ramsey defende , tal como em "Facts and Propo-
sitions", a teoria da redundância da verdade : " E verdade que César foi assassinado"
significa apenas que César foi assassinado . Por outras palavras, Ramsey defende que, em
rigor , não há nenhum problema da verdade mas apenas uma confusão linguística ("lin-
guistic muddle" ). Não é aqui o lugar de explicitar a posição de Ramsey em "Facts and
propositions " bem como a sua enorme influência quer entre os que de uma forma ou de
outra adoptaram a sua posição relativamente a esta matéria como é o caso de A. J. Ayer,
entre outros , quer entre os que reagiram criticamente a esta definição do problema da
verdade . Interessa - nos sublinhar , rapidamente , o interesse de On Truth relativamente ao
texto de "Facts and propositions ". Enquanto texto inédito até à data da publicação deste
volume, é óbvio que On truth não exerceu qualquer influência no debate em torno da
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teoria da redundância da verdade. Por outro lado, sob o ponto de vista da análise internado texto, diríamos que em On Truth Ramsey defende uma tese mais forte do que a damera compatibilidade entre a teoria da redundância e a teoria da verdade comocorrespondência : a teoria da redundância seria nada mais nada menos que o núcleo dateoria da vedade como correspondência. Em certo sentido, poder-se-ia dizer que On Truthmarca uma ruptura com o Ramsey logicista de "Facts and Propositions ", mediada por umcerto tipo de pragmatismo , a caminho do intuicionismo dos "Last Papers".
Importa relembrar que F.P. Ramsey escreve sobre a verdade em 1927-9, numa época
em que a reflexão filosófica sobre este tema era particularmente difícil. No período entre
o final da 1 Guerra Mundial (com os trabalhos até aí desenvolvidos por Russell e
Wittgenstein) e a publicação do célebre ensaio de Tarski, cm 1935, "Sobre o conceito
de verdade nas linguagens formahtiadas" a cena filosófica anglo-saxónica estava ainda
fortemente influenciada pelos represenleantes do neo-hegelianismo britânico. Camhridge,
onde Ramsey estudou e ensinou matemática, era a excepção onde se cultiva a atitude
Mooreana que convidava a um (então) novo tipo de filosofar. O texto de On Truth
permite estudar as relações entre a análise do conceito de verdade em Ramsey e a teoria
da verdade de Tarski, na linha de uma intuição já presente em Frege. Ambos, Ramsey e
Tarski, partem de uma definição contextual de verdade embora a definição de Ramsey
seja mais primitiva que a de Tarski na medida em que se aplica apenas aos objectos
proposicionais. Fica, assim, de lado a questão espinhosa das funções proposicionais e,
igualmente, da teoria dos quantificadores em geral.
Contudo, em Ramsey a análise do conceito de verdade não termina mas antes começa
com a sua definição. Uma das questões centrais que se colocam a Ramsey, neste contexto,
é a do domínio dos objectos a que se aplica o predicado "é verdadeiro/a". Esta é uma
das questões fulcrais de On Truth discutida sob a rubrica da "referência proposicional".A necessidade de clarificar esta noção levou Ramsey a considerar alguns aspectos da teoria
pragmática da verdade como susceptíveis de integração na sua análise sobretudo quando
se trata de avaliar o valor de verdade de teorias ou outras configurações mais complexas.O modo como Ramsey encarava a ciência e as teorias científicas não lhe permitiam aceitar
facilmente um verificacionismo ingénuo que pretendesse legitimar os enunciados teóricos
através de um conjunto de obsevações. A clarificação final da questão da verdade dasteorias científicas dependeria, em última análise, da possibilidade de desenvolver umateoria da indução realmente satisfatória e que permitisse a elaboração de uma lógicaindutiva. Tal era a amplitude do projecto de Ramsey que ficou inacabado não só pelagrandeza e imensidão da tarefa a realizar como pela sua morte prematura aos 26 anos.
O texto de On Truth ficará como testemunho desse esforço e das qualidades de reflexão
crítica e construtiva de F.P. Ramsey.
Antônio Manuel Martins
KUHN , Thomas S. A Tensão essencial [Tlte essential tension : selectedstudies in scientific tradition and change (1977)]. Tradução de RuiPacheco, revisão de Artur Morão . Lisboa : Edições 70, 1989 . 421 pgs.
Os ensaios contidos nesta colectânea falam por si e Kuhn indica no prefácio oselementos suficientes para os localizar temporal e teoricamente no conjunto da sua obra.Esta introdução de Kuhn é absolutamente indispensável para o leitor que quiser entenderverdadeiramente o alcance de cada um dos ensaios e muito particularmente relacionar asposições expressas em cada um deles com a evolução do pensamento de Kuhn.
pp. 215-223 Revista Filosófica de Coimbra - n." 3 - vol . 2 (1993)
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Lembremos apenas que o ensaio que dá o título à colectânea , publicado no cap . 9, datade 1959. Trata-se, portanto, de um texto anterior à Estrutura das Revoluções científicas,obra que já foi vertida para português em 1975 mas que, infelizmente , não se encontradisponível no mercado nacional. De facto, o texto de A Estrutura juntamente com os
ensaios reunidos nesta colectânea formam a principal base textual para o estudo daconcepção kuhniana da ciência e do seu desenvolvimento histórico . Mais do que insistir
no comentário de cada um dos ensaios aqui reunidos ou análise das principais teses de
Kuhn, gostaríamos de sublinhar dois pontos: em primeiro lugar, o carácter provisório de
muitas das conclusões de Kuhn nos diversos ensaios ( que, insistimos , devem ser lidos
tendo em conta a informação fornecida no prefácio); a necessidade de enquadrar a reflexão
desenvolvida por Kuhn no contexto mais amplo de um debate sobre a racionalidade e o
papel da ciência e da técnica na vida dos homens. As questões ligadas à liberdade e
autonomia dos investigadores que integram as comunidades científicas e respectiva
articulação com as diversas sociedades a nível local, regional e planetário não aparecem
tematizadas nos textos de Kuhn. Alguns aspectos surgem aqui e além como pressuposto
da reflexão kuhniana . O ensaio onde se pode vislumbrar com maior clareza o sentido da
reflexão de Kuhn sobre esta matéria é o incluído no cap. 13, "Objectividade, juízo de valor
e escolha teórica".
Nos estudos mais recentes, Kuhn reconheceu expressamente a inadequação de muitas
generalizações feitas em A Estrutura e em diversos textos publicados nesta colectânea
que partiam de uma certa confusão entre o estatuto próprio dos indivíduos e o dos grupos
ou comunidades. O caso mais conhecido é o das célebres experiências de Gestalt switch
na percepção visual. O facto de os grupos e as comunidades científicas não poderem ter
estas e outras experiências significa, entre outras coisas, que não há, em rigor, nenhum
conjunto de experiências que todos os membros de uma comunidade científica devam
partilhar no decurso de uma revolução científica. A descrição dos fenómenos que
caracterizam a revolução científica em apreço em cada caso deve ter em conta as múltiplas
e variadas experiências dos membros daquela comunidade científica, daquele grupo de
investigadores e não qualquer suposta experiência de grupo. Isto não significa que Kuhn
deixe de considerar a ciência como uma actividade intrinsecamente colectiva e social.
Muito pelo contrário, para Kuhn é impensável reconstruí-la idealmente corno um jogo de
um único indivíduo. Trata-se, apenas de introduzir um pouco mais de rigor na terminologia
usada, não pela simples apetência de rigor a qualquer preço mas sim porque tal, pensa-
se, pode ajudar de algum modo a clarificar um pouco mais algumas questões cm debate.
Isto é tanto mais necessário quanto é certo que a obra de Kuhn teve um impacto que
ultrapassou em muito o público destinatário original, os filósofos, e atingiu não só os
sociólogos e os historiadores como largas franjas nas mais diversas disciplinas. Para quem
quiser ir além dessa noção difusa de paradigma e de revolução científica que encontramos
hoje um pouco por toda a parte, este volume A tensão essencial forma um excelente
complemento e aprofundamento de A estrutura das revoluções cientificas.
Antônio Manuel Martins
Revista Filosófica de Coimbra - n." 3 - vol . 2 (1993) pp. 215-223
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