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    ISSN 0 102-1788

     Revista da Escola Superior de Guerra

    Revista da Escola Superior de Guerra, Rio de Janeiro, Ano XVI, no 38 , 1999

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    Revista da Escola Superior de Guerra(Fortaleza de São João – Urca – Rio de Janeiro – RJ – Brasil – CEP: 22291-190)

    Diretor-Presidente:

    General-de-Divisão

    Carlos Patrício Freitas Pereira

    Diretor Vice-Presidente:

    Contra-Almirante

    Antonio Carlos da Câmara Brandão

    Diretor-Secretário:

    Coronel Professor

    Celso José Pires

    Nossa Capa:Escola Superior de Guerra

    Editor Responsável:

    César de Mello Lira

    Editoração Eletrônica:

    Ademir Pereira Palma

    Foto Capa:

    Sérgio Antonio Rohl

    Impressão:

    Jorlen Gráfica e Editora Ltda

    Tiragem:

    1.500 exemplares

    Os conceitos expressos nos trabalhossão de responsabilidade dos autores enão definem uma orientação institu-cional da Escola Superior de Guerra.

    Editoração:

    Divisão de Biblioteca, Intercâmbio eDifusão – DBID

    Revista da Escola Superior de Guerra – V.1, no (dez. 1983) – Rio de Janeiro:ESG. Divisão de Documentação, 1983 – v.; 21,59cm – SemestralISSN 0102-1788

    1.  Segurança Nacional – Periódicos. 2. Poder Nacional – Periódicos. 3.Ciência Militar – Periódicos. I. escola Superior de Guerra (Brasil).Departamento de Estudos. Divisão de Documentação.CDU – 32(81) (05)CDU – 320.981

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     Índice

    TESTEMUNHOS

    EDITORIAL 7Celso Pires

    PALAVRAS DO COMANDANTE 10Carlos Patrício Freitas Pereira

    BRASIL 500 ANOS – ESG 50 ANOS 13Sérgio Xavier Ferolla

    A GLOBALIZAÇÃO E NÓS À GUISA DE INTRÓITO 19Oswaldo Muniz Oliva

    OS MILITARES E A POLÍTICA 36 Hernani G. Fortuna

    REPENSANDO A ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA COMO AVEJO APÓS ANOS 48

    Valbert Lisieux Medeiros de Figueiredo

    KOSOVO, ALGO NOVO 52 Luiz Sanctos Döring

    "O CHOQUE DAS CIVILIZAÇÕES" A CIVILIZAÇÃO UNIVERSALE AS NOVAS CIVILIZAÇÕES 71

    Francisco de Assis GriecoPOTÊNCIAS ASCENDENTES O CAMINHO DA PAZ NO3o MILÊNIO 89

     Marcos Henrique C. Côrtes

    PRINCÍPIOS DE SOBERANIA E AUTODETERMINAÇÃO DOSPOVOS NA POLÍTICA INTERNACIONAL 107

     Ives Gandra da Silva Martins

    GLOBALIZAÇÃO INTERNALIZAÇÃO DAINTERNACIONALIZAÇÃO 117

     Jaime Rotstein

    DESEQUILÍBRIOS URBANOS – DESIGUALDADES SOCIAIS EINTEGRAÇÃO SOCIAL 123

     Jarbas Passarinho

    O RELACIONAMENTO CIVIL – MILITAR 133 Jorge Calvario dos Santos

    AMÉRICA DO SUL: VOCAÇÃO GEOPOLÍTICA 165Therezinha de Castro

    OS 50 ANOS DA ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA 189Cláudio Vianna de Lima

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    REFLEXÕES SOBRE O M TODO DE PLANEJAMENTO DAAÇÃO POLÍTICA DA ESG 192

     Ivan Fialho

    CIMEIRA NO RIO DE JANEIRO 204CEE 

    O CONFLITO NOS BALCÃS – A CRISE NO KOSOVO 220 Marcio Bonifácio Moraes

    A NOVA ESTRATÉGIA DA OTAN 247Carlos Meira Mattos

    CHINA X EEUU: BIPOLARIDADE DO SÉCULO XXI 251 Manuel Cambeses Júnior 

    CICLOS HEGEMÔNICOS DA ATIVIDADE ECONÔMICA 255 Marcos Oliveira

    BRASIL: ETERNO PÁIS DO FUTURO 264Carlos Syllus

    GEOINTERVENÇÃO 280Elton Fernandes e Darc Costa

    A ECONOMIA BRASILEIRA: DA CRISE CAMBIAL ÀRECUPERAÇÃO 297

     Julio Dolce e George Dolce

    HOMENAGEMCelso Pires 317

    MEMÓRIASCRIAÇÃO DA ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA 321

    PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS QUE ORIENTARAM ACRIAÇÃO DA ESG 324

    CINQUENTENÁRIO DA ESG 326Therezinha de Castro

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    Testemunhos

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    EDITORIAL

    Celso Pires (*)

    “Contar é muito dificultoso. Não pelos anos que se já passaram, mas pela astúcia que têmcertas coisas passadas”. (Guimarães Rosa)

    Não basta o tempo para determinar a tradição. O mundo da inteligência não deixa escapar, ora ostensivo, oradisfarçado, o determinismo ético que atua na formação dos recursos humanos de uma Nação. O seu desenvolvimento, já foidito em outras épocas, não surge apenas pela civilização material, senão na cultura moral e intelectual da sua sociedade.

    Há um destino. Há um caminho. Poderíamos defini-los pela devoção com que se anuncia os cinqüenta anos da ESG.Toda Instituição – organização viva – intui, sente e incorpora o seu existencial. Na consciência desse momento de fé eafirmação entende-se que uma das formas da perenidade constitui a valorização continua da idéia inspiradora.

    A sua criação – Lei nº 785 de 20 de agosto de 1949 - não foi um episódio. Significa, ao contrário, o início de umaépoca. E não se pode deixar de enaltecer para compreender sua influência, que o tempo assegura a dimensão histórica eexalta o passado como evolução espiritual.

    No marco definidor de uma concepção, costuma-se reconhecer que idéias convertidas em atos são a maneira de seprocessar a transformação de um país. Essas idéias serão tão visíveis quanto permitam conferir os fatos celebrados nofuturo – senso da história – questão preliminar e curial.

    É certo que a Escola Superior de Guerra surgiu da experiência da Força Expedicionária Brasileira, na 2ª GuerraMundial, diante da aplicação do conceito de “guerra total” ou como se preocupava o Almirante Castex sobre a “unidade daguerra” – que apresentava outros tipos de ações planejadas, coordenadas e dirigidas . As nações beligerantes teriam aintegralidade dos seus recursos envolvidos no conflito. Era a consciência do Poder Nacional. Percurso de análise,reinterpretações, novas tendências para os quadros teóricos da realidade brasileira.

    Tomados todos os fatores em consideração, tal problemática teve sua conseqüência: a necessidade de se criar noBrasil um instituto de grande envergadura intelectual, compatível com o avanço do mundo moderno. Muda-se a mentalida-de, mantendo os componentes primordiais do organismo da nação: o homem, a terra e as instituições.

    A Ciência Política exige respeitabilidade, em toda pluraridade de fórmulas e mostra a transcendência da filosofia deuma Instituição. Entretanto, não são os rigores dos tratados que especificam dogmaticamente sua interpretação, mesmo oespaço do procedimento. Podem possibilitar a perspectiva dos propósitos e o perfil do sistema de valores. O constanteaprimoramento – destinação e dimensão qualitativa desta Escola – privilegia e situa os seus fundamentos nos valores queprovêm do passado e vêm se consolidando, mantendo a crença, além de construir herança intelectual requisito que se vaidocumentando na sucessividade das épocas. Eis o comprometimento da infinitude da inteligência: não se mede nem sepode limitar.

    Não admira, pois, que o preenchimento dos fins, nessas cinco décadas, se inspiraram em equacionar problemas

    gerais e oferecer subsídios às atividades básicas do Brasil, através da aplicação de métodos do processo decisório e daracionalidade do conhecimento político e estratégico. Longo mergulho na busca do progresso, da justiça social e do bemcomum – uma peregrinação fundada de esperança. Os caminhos são vastos. Devem ser percorridos bem. Missões foram

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    assumidas e cumpridas. É o amanhã das construções que superam os problemas reclamados pela conjuntura nacional.Virão etapas importantes que envolvem a responsabilidade de todos – processo de aperfeiçoamento nas atividadesparticipativas.

    Para tanto, torna-se lícito enfatizar que a ESG tem se mantido, intransigentemente fiel aos princípios da sua criação.Transigir seria desfigurar, desnaturar e precipitar-se nos riscos dessa infidelidade, o que levaria a exigir o equilíbrio prudencialque se impõe às propostas de modificação que a descaracterizasse.

    Dos seus cursos emana a vocação de servir com inteligência – lição das coisas vivas, forma de classificar correta-mente a pesquisa dos fatos e a própria interpretação deles, de acordo com a transcendência dos conceitos, fundamentaispara o entendimento do interesse nacional, sem improvisações.

    O seu discurso não dissocia o método da doutrina. Esta, sendo normativa, compreende regras que irão orientar aação, firmando conceitos originais e próprios, sem confundir-se com a política, que determina objetivos, linhas de ação,porquanto a estratégia seleciona e utiliza a melhor arte e os melhores meios entregues pelo poder nacional para tornareficaz a sua aplicação, sem esquecer que, no passado, era a guerra que envolvia a estratégia; hoje é a estratégia que englobaa guerra.

    Os testemunhos proclamam a capacidade cultural da nossa Escola. Ela caminha sempre adiante, atenção permanen-te na trilha definida e insofismável do destino. Muito haveria que dizer para ressaltar o seu generoso idealismo. Deve-se, noentanto, considerar o espaço editarialista.

    Cinqüentenária. Lembremo-nos de que a ESG é o penhor supremo dos fundadores. Nesse momento de comemo-ração, a Pátria se instala em nosso espírito de continuadores. Assim sempre será, todos na mesma verdade, numa formaprecisa e justa: dedicação, fé e confiança.

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    PALAVRAS DO COMANDANTECarlos Patrício Freitas Pereira (*)

    Escola Superior de Guerra, 50 anos!

    Há muito o que comemorar...

    São cinqüenta anos de realizações que têm como ponto de partida o entusiasmo de alguns idealis-tas. Os generais César Obino, Cordeiro de Farias, Juarez Távora e tantos outros pensaram com grande-za no futuro do Brasil. O que era o Brasil naquela época? Um grande país agrícola com imensas áreasdespovoadas, desprovido de ligação terrestre entre importantes regiões, a população relativamentepequena concentrada ao longo do litoral e rios, elevado analfabetismo e poucas escolas... Apesar dotamanho, pouca expressão internacional, mesmo no cenário regional.

    Como é o Brasil de hoje? O crescimento foi notável! Estamos entre as maiores economias domundo, com crescente importância no âmbito internacional e com enorme potencial ainda a ser desen-volvido, ou seja, estamos gradativamente construindo o que pensadores do pessado apontavam comodestino de grandeza.

    Para a construção deste Brasil que conhecemos, a Escola Superior de Guerra tem sido um dosatores importantes. É um instituto de estudos estratégicos onde, desde os primórdios, reuniram-sebrasileiros de diferentes segmentos da sociedade para estudar os fatos contemporâneos, avaliar asdiferentes conjunturas, examinar o desenvolvimento das potencialidades e pensar nas soluções para ofuturo do Brasil.

    Os conhecimentos desenvolvidos pela Escola Superior de Guerra, de cunho acadêmico e estra-

    tégico, multiplicaram-se pelas Forças Armadas e serviram de inspiração para suas escolas de estudosde alto nível. Foram também exemplo para a criação de outros centros de estudos estratégicos peloBrasil afora, o que atualmente vem apresentando novo impulso em face da ordem internacional decor-rente do fim da Guerra Fria.

    Os conceitos básicos foram elaborados de acordo com as características de nosso povo e denosso idioma. Os trabalhos realizados na Escola Superior de Guerra possibilitaram uma visão nacio-nal sobre temas complexos e têm se mostrado flexíveis para adaptar-se às evoluções das conjunturasnacional e internacional.

    Importante elo entre civis e militares, a Escola habilita quadros de alto nível para assessoria e

    direção de organizações públicas e privadas, especialmente no tocante à formulação de políticas, es-tratégias e à elaboração de planejamentos estratégicos. Promove encontros com diferentes segmentos

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    da sociedade e mantém contato com todas as regiões do País por intermédio da Associação dosDiplomados da Escola Superior de Guerra. Faz intercâmbio com estabelecimentos congêneres, nacio-nais e estrangeiros, ao receber visitas e realizar viagens de estudos.

    Na presente conjuntura, há um fato novo: a criação do Ministério da Defesa, para o que a EscolaSuperior de Guerra contribuiu com muitos trabalhos ao longo de sua existência. No momento estãosendo desenvolvidos estudos para determinar os caminhos mais adequados à essa nova inserção, comvisão prospectiva para as primeiras décadas do século XXI.

    Permanece entre todos os atuais integrantes da Escola a convicção de que ela deve prosseguir nasua histórica tarefa de ampliar e aperfeiçoar conhecimentos de quadros dirigentes civis e militares,bem como deve permanecer o papel consultivo de órgãos governamentais. O Centro de Estudos Estra-tégicos abre um novo caminho para coordenar pesquisas e estudos abrangentes, que podem contribuirpara o futuro em parceria com entidades congêneres.

    Por isso tudo, há muito o que comemorar... Foram 50 anos de um verdadeiro mutirão em prol doBrasil. A conjuntura atual, cheia de incertezas e sem nítidos contornos prospectivos, sugere que volte-mos ao passado para inspirar-nos: nossos antecessores acreditaram no futuro e conseguiram o notávelresultado que hoje testemunhamos. Enormes potencialidades permanecem à nossa frente, desafiandoa capacidade de nossas elites dirigentes. Cabe-nos, com fé no Brasil, contribuir para essa caminhada.

    (*) General-de-Divisão, Comandante da Escola Superior de Guerra

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    BRASIL 500 ANOS – ESG 50 ANOSSérgio Xavier Ferolla(*)

    A missão síntese da Escola Superior de Guerra é pensar Brasil.

    Poucas lideranças do nosso País compreenderam o significado da formação de uma consciêncianacional, capaz de contra-argumentar e reagir, se necessário, frente às pressões internas e, principal-mente, externas, cada vez mais influentes no mundo atual, buscando denegrir o conceito de Estado-Nação, em benefício de interesses de toda ordem, mas em tempo algum, do interesse maior da socie-dade brasileira.

    Lapidarmente sintetizado em seus Fundamentos Doutrinários, “inspira-se a ESG nos valores da

    preeminência da pessoa, da liberdade individual e da igualdade e fraternidade entre os homens, ado-tando como alvo social o conceito do bem comum, ideal de convivência que, transcendendo a buscado bem estar, construa uma sociedade onde todos tenham condições de plena realização de suaspotencialidades e do exercício consciente de valores éticos, morais e espirituais”.

    Assim, quando se fala em Segurança e Desenvolvimento, a despeito das dificuldades e ambigüida-des, o Estado brasileiro obriga-se, diante das novas realidades, a tentar desenvolver uma estratégia deprogresso econômico, social, político e cultural, aliada a uma capacidade de atuação das Forças Arma-das suficiente e capaz de inibir quaisquer intenções de desrespeito às regras da convivência internaci-onal e da soberania.

    Dentro do que chegou a ser chamado de “a nova ordem mundial”, todos esses princípios passa-ram a enfrentar óbices quase que insuperáveis, frente a uma realidade internacional manipulada por

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    estruturas hegemônicas que, pela força do poder econômico e militar, buscam impor às nações sobera-nas suas visões deformadas dos melhores rumos para a humanidade.

    Em um excelente trabalho recentemente publicado, “500 anos de periferia”, o Embaixador SamuelPinheiro Guimarães, Diretor do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais (IPRI), do Ministériodas Relações Exteriores, retrata de forma precisa e didática a evolução do cenário internacional aolongo dos 500 anos da história do nosso País e os óbices sempre atuantes em detrimento do desenvol-vimento nacional.

    No século XVI, as diversas regiões da América Latina passaram a ser domínios das potênciaseuropéias da época, Espanha e Portugal, que “ao não acompanharem o ciclo da evolução capitalista,passaram a sobreviver não pelas suas forças produtivas, mas principalmente pela espoliação colonial”.

    Forçadas pela irrealidade de suas políticas, viram-se obrigadas a assinar tratados perniciososcom a Inglaterra, como o de Methuen, enquanto impunham às colônias “regime de monopólio comer-cial e de proibição de desenvolvimento industrial e cultural”. Como decorrência, particularmente parao Brasil, ao conquistarem a independência, as ex-colônias “rapidamente se colocaram sob a proteçãoinglesa, assumindo um status semicolonial, devido aos tratados celebrados”.

    Tal processo de dominação evoluiu para outros atores, como conseqüência das duas GrandesGuerras e, especialmente após 1945, a liderança dos Estados Unidos firmou-se no cenário internacio-nal.

    Em sua análise fundamentada e cautelosamente imparcial, o autor situa o Brasil como um “gran-de país periférico” e esclarece que “grandes Estados periféricos são aqueles países não desenvolvidos,de grande população e de grande território, não inóspitos, razoavelmente passíveis de exploraçãoeconômica e onde se constituíram estruturas industriais e mercados internos significativos. O cenárioe a dinâmica em que atuam os grandes Estados periféricos não são novos e imparciais, mas se organi-zam em torno de estruturas hegemônicas de poder político e econômico”.

    O autor distingue com clareza o conceito de estruturas hegemônicas e de Estado hegemônico,este como “o Estado que em função de sua extraordinária superioridade de poder econômico, político

    e militar em relação aos demais Estados, está em condição de organizar o sistema internacional emseus diversos aspectos, de tal forma que seus interesses de toda ordem sejam assegurados e mantidos,se necessário pela força, sem Potência ou coalização de Potências que possam impedi-lo de agir”. Eacrescenta que “o conceito de estruturas hegemônicas é mais flexível e inclui vínculos de interesse ede direito, organizações internacionais, múltiplos atores públicos e privados, a possibilidade de incor-poração de novos participantes e a elaboração permanente de normas de conduta; mas no âmagodessas estruturas estão sempre os Estados nacionais”.

    Exemplifica como estratégia de preservação e expansão das estruturas hegemônicas de poder asorganizações internacionais sob seu controle, tais como o Conselho de Segurança da ONU, a Organi-zação do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), o

    Grupo dos Sete (G-7), a Organização Mundial do Comércio (OMC), a União Européia, o NorthAmerican Free Trade Association (NAFTA), a Organização de Cooperação e Desenvolvimento Eco-nômico (OCDE) e o Fundo Monetário Internacional (FMI), entre outros.

    Tais Organizações exercem um papel estratégico na “elaboração de ideologias e de sugestõespolíticas, a serem seguidas pelos governos dos Estados periféricos, já que, por razões óbvias, os gover-nos dos países centrais não levam em consideração as sugestões de políticas quando são, muito rara-mente, feitas por tais agências”.

    Suas ideologias são elaboradas de forma a serem “percebidas como neutras, desinteressadas, oumelhor ainda, de interesse geral, imparciais, verídicas e verossímeis”.

    Sempre que a realidade demonstra o contrário, “são substituídas por outras ideologias que des-mentem, ridicularizam e se apresentam como novas e agora sim, verdadeiras”. “Assimiladas pelos

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    meios de comunicação dos países periféricos e por suas elites cooptadas, são apresentadas às popula-ções periféricas como científicas, imparciais, benéficas e únicas”.

    A tal estratégia se soma “à formação, nos países da periferia, de elites e de quadros simpáticos eadmiradores das estruturas hegemônicas de poder”. “Tais indivíduos se tornam elementos de grandeimportância para as estratégias de preservação das estruturas hegemônicas, na medida em que vêm aocupar posições de destaque na vida pública e privada dos países da periferia”.

    A participação da maioria dos países da periferia nos organismos internacionais faz-se essenci-

    al, para dar legitimidade e validade universal às normas estabelecidas e à eventual aplicação de san-ções “internacionais” contra os infratores.

    “No centro das estruturas hegemônicas se encontram as Grandes Potências e, dentre elas, aSuper Potência – Os Estados Unidos da América do Norte –, o único Estado com interesses econômi-cos, políticos e militares em todas as áreas da superfície terrestre, na atmosfera e até no espaço sideral,e o grande responsável pela criação das estruturas hegemônicas que lideram”.

    Em termos mundiais, “a grande estratégia militar dos Estados Unidos poderia ser resumida naidéia de manter a hegemonia militar adquirida na Segunda Guerra Mundial, em termos de presença ede liderança tecnológica, de modo a garantir a expansão econômica pacífica dos interesses america-nos, o bem estar e a segurança da sociedade americana”.

    “A estratégia política americana para a América Latina tinha e tem como objetivo principalmanter e preservar a Doutrina Monroe e estruturar um organismo hemisférico que legitime as inter-venções militares americanas, quando estas se fizerem necessárias”.

    Solidificando os conceitos doutrinários da ESG, afirma ainda que “a despeito dos argumentossobre o gradual desaparecimento do Estado e de sua substituição por organizações não governamen-tais ou pelas grandes empresas transnacionais, o fato é que o Estado foi, é, e continuará a ser o princi-pal ator do sistema internacional”. “A nenhum analista, norte-americano ou não, que anuncia o “fimdo Estado nacional”, ocorre imaginar ou sugerir que o Estado norte-americano esteja em vias de desa-parecimento”.

    Ao transcrever os conceitos fundamentais analisados pelo autor em seu magistral trabalho “500anos de periferia”, buscamos enfocar alguns pontos doutrinários da ESG, frontalmente contestadospela atual estrutura dominante internacional.

    Em 1949, com uma nítida percepção da realidade mundial ao final da 2ª Grande Guerra e “deseus desdobramentos mutantes por definição e causalidade, surgia o trabalho, abnegado e esclarecido,de um punhado de brasileiros eméritos com vistas ao advento de entidade destinada a realização dealtos estudos de política e estratégia”.

    Nesse ano de 1999, já no limiar do Século XXI, mais do que nunca estão válidos os fundamentosdoutrinários da ESG, elaborados e aperfeiçoados ao longo dos cinqüenta anos de frutíferos trabalhos.

    O quadro permanente e os estagiários da ESG e ADESG, refletindo uma síntese do tecido socialbrasileiro, bem como todos os cidadãos atentos aos valores da nossa pátria, em busca de uma nação

     justa e soberana, deverão prosseguir labutando pela formação de uma consciência nacional imune àsinvestidas da mídia comprometida, das falsas elites e pretensos intelectuais, habilmente preparadospara atuar no jogo do poder internacional, em detrimento dos reais anseios da nossa sociedade.

    Não nos interessam modelos importados, por mais elaborados que se apresentem e qualquer queseja sua origem, uma vez que não atendam a um princípio fundamental – o interesse nacional.

    O desenvolvimento de uma nação não se mede tão-somente pelas variáveis comuns das estatís-ticas econômicas, mas principalmente pela existência de um clima de liberdade e de igualdade de

    oportunidades para todos os cidadãos e pela capacidade de atendimento às necessidades de alimenta-ção, trabalho, saúde, educação e segurança de seu povo.

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    O debate em torno do Estado versus mercado, o radicalismo “neoliberal” contra o denominadoestatismo perde sentido, diante da realidade concreta do País. Trata-se de uma discussão falsamenteideológica e movida por interesses particularistas. É ridículo falar-se em tamanho do Estado, quandoa questão está na sua natureza e função.

    Todos esses fatos reforçam a necessidade de uma postura de cautela, com a definição de umProjeto Nacional, que estabeleça os objetivos almejados pela sociedade, segundo um modelo própriode desenvolvimento, com base nas vocações e características do nosso país e não atrelado e depen-dente das soluções alienígenas, quase sempre encaminhadas para o atendimento de interesses subal-ternos.

    Contrariamente à falácia dos defensores dos falsos conceitos de modernidade, quase sempreorientados por interesses alienígenas e impatrióticos e manipulados pela mídia, formando a opinião deconsiderável massa de desavisados e/ou alienados para com as questões nacionais, as agruras da rea-lidade mostram que, nessa era de incertezas, os povos sentem e suas elites devem por força reconhecerque é ainda no instituto do Estado-Nação que repousam as maiores esperanças de conseguir a satisfa-ção de suas necessidades e aspirações.

    (*) Ten.-Brig.-do-Ar SÉRGIO XAVIER FEROLLA

     Ministro do Superior Tribunal Militar Ex-Comandante da Escola Superior de Guerra

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    A GLOBALIZAÇÃO E NÓSÀ GUISA DE INTRÓITOOswaldo Muniz Oliva(*)

    Muito se tem escrito sobre a globaliza ção. Também eu preocupo-me com ela.

    Por isso, venho desenvolvendo palestras e promovendo debates com públicos diferenciados, nestesúltimos anos. Por sinal, a cada ano e a cada evento significativo que ocorre em nível internacional,mais nítido se apresenta aquele processo e mais definidos ficam os perfis dos que os conduzem e que

    dele se beneficiam.A ESG, por ser uma Casa onde se estuda o Poder, apresenta-se como dos melhores intérpretes para

    o que ocorre. Tanto isto é verdade que, ao observar-se a aplicação do mega Poder Militar, que ocorreem Kosovo, aqueles que aqui freqüentam compreendem ser tal ação um braço do todo que, do mesmomodo, atua no campo econômico, propondo e impondo regras gerais ao comércio mundial, tal comolhe convém.

    Já se torna clara (e, incrível, aceita por muitos brasileiros) a intenção de regular o direito dospovos e restringir as soberanias nacionais, a seu bel-prazer.

    Também é nítida a percepção, no campo psicossocial, da maciça e coerente onipresença, na

    mídia mundial, do noticiário – sob inúmeras formas – que é despejado, dia à dia, sobre todo o mundo,naturalmente, aqui traduzido e repetido.

    Por tudo isso coloco este escrito como um tributo à ESG, pelos seus cinqüenta anos e por ser oque é: centro gerador de estudos sérios e desenvolvidos com liberdade, equilíbrio, honestidade intelec-tual e amor ao Brasil.

    Merece todo nosso apoio e compreensão face às dificuldades de ordem material e outras queenfrenta no momento, possivelmente, não desligadas dos interesses que a Globalização traz embuti-dos, mas não tão disfarçados.

    O Cenário Presente

    1. O Brasil foi e ainda está envolvido pelas vagas do verdadeiro maremoto argentário que o atingiu,conseqüente a hábil utilização de regras globais e ao emprego oportuno de tecnologia moderna

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    das telecomunicações e da telemática. Tudo isso que está acontecendo é devido à nossa negli-gente integração ao processo de globalização.

    Despreparados, ingenuamente ou não, abrimos todas as nossas defesas e fomos engolfados,muito pelas características próprias daquele processo, é verdade, mas muito mais pelos erros acadêmi-cos de interpretação e ação por nós cometidas, sem qualquer precaução, quanto a salvaguardas queprotegessem nossos interesses, nosso patrimônio e nossos programas.

    A ação equivocada do Estado brasileiro somada à desatenção leviana de nossa sociedade, induzida

    a aceitar posições e atitudes que não eram do seu interesse maior, e, do que se está percebendo tardia-mente, conduziram-nos a uma situação aflitiva, quase desesperadora. Não há como continuarmos anos iludir: a globalização veio para ficar e nossos erros – com dívidas conseqüentes – deverão serpurgados e corrigidos. Há que reduzir o ônus sobre nosso povo e reverter essa situação, com a urgênciamáxima possível.

    Inegavelmente, não poderíamos voltar as costas para o mundo, o qual cada vez mais, é ummundo só, a não ser que não existissem outras soluções ao nosso dispor. Pior que tal atitude, porémserá a de ficarmos estáticos e continuarmos a ser engolidos, no ritmo frenético atual, sem qualquerreação em defesa do interesse nacional, o interesse de nós todos brasileiros.

    A compreensão da globalização, inclusive nas sutilezas das regras da Organização Mundial deComércio e nas dos países e grupos poderosos e dos nossos parceiros, fornecerá informações e apon-tará alternativas para que possamos salvar-nos e voltarmos a trilhar nossos caminhos de grandeza,mediante a retomada de Desenvolvimento.

    2. De início há necessidade de compreender-se que, hoje o mundo é regido por uma verdadeiraideologia geopolítica: a política de Poder em que se destacam as chamadas “leis do mercado”. Nãoestá ela escrita mas é possível a sua dedução (Quadro 1).

    Politicamente, cada vez mais, a Comunidade Européia busca escapar da hegemonia norte-ame-ricana o que ainda não logrou alcançar; no entanto, tem conseguido alcançar boas posições nos orga-nismos mundiais.

    Economicamente, há razoável grau de equilíbrio entre os grandes e médios Pólos de Poder (Quadro2).

    As demais nações gravitam em torno dos grandes, conforme lhes é possível.

    Na verdade ocorre uma luta (nem sempre surda) entre as nações (Quadro 3).

    Nessa disputa, os grandes manipulam quase todos os instrumentos de Poder (Quadro 4). OGrande Centro de Poder é o Grupo dos Sete Grandes, com majoritária posição americana (G-7).

    Militarmente, a hegemonia norte-americana é absoluta. A Rússia (mais alguns satélites) é gran-de potência nuclear mas sua situação econômica afeta, de forma crescente, seu poderio militar e mes-mo sua postura na política mundial.

    Do ponto-de-vista científico-tecnológico, a disputa é brutal, entre os grandes; cada grupo éprevalente em algumas áreas vitais. Os países restantes são totalmente dominados ou buscam – os queapresentam condições para isso – especializar-se em alguns segmentos do mercado.

    No que concerne ao campo psicossocial, os grandes não admitem mexer em seu “status quo”; nomáximo pretendem e buscam melhorar o padrão de vida de suas parcelas menos favorecidas, paramelhorar sua média a qual já é boa.

    Logo, os países que estão abaixo do equador, somente receberão produtos excedentes.

    Quanto a recursos financeiros, virão sob condições que não afetem a vida dos poderosos, isto é,pelo menos pagarão juros de mercado.

    Assim, fica óbvio que, só com planejamento próprio, inovador e muito trabalho interno, poderão

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    as demais nações equilibrarem suas situações.

    3. Comporta atentarmos para algo que, ante o tumulto financeiro que nos aflige, tem passado desa-percebido para muitos. É público que fluxos financeiros circulam pelo mundo não como dinheirovivo, mas como créditos e débitos que vão e voltam pelos computadores: é a famosa “ciranda financei-ra”. Esse jogo, que poucos dominam perfeitamente, tem processado a transferência da propriedade deempresas e de grupos empresariais. Mas, e isto é o que queremos salientar, os produtos, industrializa-dos ou não, obrigatoriamente, circulam por vias de transporte que não são eletrônicas.

    Pelo (Quadro nº 5), poderemos verificar o seguinte:Nos séculos XIX e XX o comércio mundial circulou, majoritariamente, pelo ATLÂNTICONORTE. O BRASIL a ele integrou-se, tendo que remeter seus produtos por longas rotas marítimas.Esteve sempre em desvantagem.

    No próximo século, o grande volume de mercadorias circulará entre a Ásia e a costa oesteamericana. O segundo volume de mercadorias circulará pelo ATLÂNTICO NORTE. O BRASIL aoque tudo indica, continuará em situação de inferioridade em relação a essas duas grandes rotas maríti-mas.

    Salta a vista, porém, que o BRASIL tem excelente posição na AMÉRICA DO SUL, se decidirutilizar rotas terrestres, por vias interiores. O uso de introvias, ferrovias bem dirigidas e rodovias

    complementares se inteligentemente traçadas, facilitarão, em muito, o acesso aos países andinos bemcomo a portos do PACÍFICO, no CHILE e no PERU. Haverá oportunidade de comércio da origemcom pontos intermediários, tanto no Brasil, quanto naqueles países, antes de ser alcançado o oceano evice-versa. O mesmo ocorrerá, se buscarmos ligações com Colômbia e Venezuela, na direção do Caribe.

    O oceano ATLÂNTICO coloca-nos em posição vantajosa em relação ao MERCOSUL e à ÁFRI-CA ocidental, em especial a Angola, Namíbia e África do Sul, e, em boa situação na direção do golfodo MÉXICO.

    Ficam assim evidentes as grandes linhas a serem seguidas pela geopolítica brasileira. Não estáclaro, porém, que lideranças econômicas e a área pública que cuida de nosso comércio exterior este-

     jam dando prioridade a exploração destas reais vantagens comparativas. De modo geral – pelo proces-

    so histórico e pela formação auferida em escolas americanas e européias, só raciocinam com os doisgrandes mercados para os quais sentem-se atraídos e com os princípios e regras deles.

    Por tudo isso, cresce a importância de que novos parâmetros sejam introduzidos na formulação e condu-ção de nosso comércio exterior.

    O primeiro deles é o de que o COMÉRCIO EXTERIOR não pode ter sua política elaboradasomente pelo MRE.

    O segundo parâmetro é o de que deverá caber ao empresaria-do brasileiro influenciar decisiva-mente nas grandes linhas de uma nova política de comércio exterior, contando, é verdade, com oassessoramento político-diplomático do Itamarati; não ao contrário como sempre ocorre. As institui-

    ções privadas brasileiras de expressão (não confundi-las com filiais de empresas multinacionais, asquais também participam de nosso Desenvolvimento), sob a ética exclusiva de nossos interesses,devem com urgência, fazer-se presentes nos planejamentos e nas negociações, eis que são, do mesmomodo, expressões naturais e legítimas da voz da sociedade junto ao Estado.

    4. Com o processo de privatização a que estamos sendo submetidos – componente apresentadacomo essencial à globaliza-ção, nada nos tem sido facilitado. Em contrapartida, o que assistimos é adescontrolada desnacionalização de nossas empresas públicas e privadas, o que já ultrapassou a casados 50% e, a crescente ampliação de nossas dívidas.

    O desdobramento natural dessa postura é que nosso mercado interno passou a ser também “de-les”, sem que os “deles” sejam também “nossos”. Nossos órgãos públicos financiam essas trans-

    ferências e, para o dinheiro envolvido, a Nação lhes oferece convenientes garantias. A estratégia dogoverno já elevou a dívida total para cerca de 500 bilhões de dólares.

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    Com isso, agrava-se o serviço correspondente, insuportável e crescente encargo sobre nossopovo, pois foi tomado emprestado em seu nome.

    Acreditaram os que nos dirigem que, por lógica e ética, os mercados dos beneficiários por nossaatitude liberal, unilateral, infantil e quase suicida abrir-se-iam, automaticamente, a nossos produtos.Nada disso ocorreu nem ocorrerá, pelos indícios que se nos apresentam, seja qual seja o continentepara o qual nos voltemos.

    É verdade que temos recebido empréstimos os quais permitem que não nos afoguemos, mas nãodão suporte a caminhos para um progresso sólido em benefício de nosso povo. Quer parecer queconvém sejamos mantidos nessa situação pantanosa, para que não cresçamos, passando de competidorindesejável a dependente útil. JOSÉ BONIFÁCIO e ANTÔNIO CARLOS ANDRADA E SILVA de-vem estar a tremer em seus túmulos, ao verem repetir-se o que combateram nos albores de nossaindependência.

    5. A crise econômico-social, em que nos encontramos, traduz-se em grande número de óbices ex-pressivos a exigirem providências; entretanto, ações imediatas e de curto-prazo não podem nemdevem ser tomadas sem que saibamos avaliar suas repercussões a médio e longo prazos, sobre nóspróprios.

    Em outras palavras, não podemos mais destruir os remanescentes grandes centros de Poder

    Nacional como Petrobrás e Banco do Brasil e hipotecar o futuro de nosso povo para aliviarmos opresente. É indispensável que a nação e seus dirigentes conscientizem-se de que presente, futuro pró-ximo e futuro afastado estão entrelaçados mesmo. Não ficará impune, para nosso povo o continuadotransferir de Centros de Poder Estratégicos para as mãos de estrangeiros.

    6. O erro de hoje será a causa do prejuízo para outras gerações.

    7. Urge a conscientização da população e a articulação de ações conjuntas por parte das entidadesrepresentativas, em especial, empresariais e de empregados. Só assim teremos condições para influen-ciar, de forma preponderante e em tempo útil, as decisões e prioridades que o Estado pretenda tomar,em qualquer de seus Poderes, em todos os níveis de responsabilidades (Federal, Estadual e Munici-pal), e, alertamos, tomadas todas em nosso nome.

    Impõe-se estudarmos formas diretas e/ou indiretas de proteção aos produtos nacionais contrapredatória concorrência externa, sem que isto represente ausência de exigência de qualidade e preço anossos produtos, ao contrário. Ao mesmo tempo deveremos atuar em defesa de nossos empresários econtra a predação internacional.

    Entre outras palavras, deveremos valorizar, fortalecer e ampliar nosso mercado interno, o qualem última análise somos todos nós brasileiros (quadros 6, 7 e 8 ). O papel do Estado, em, especial daUnião, é preponderante senão essencial: há que criar condições para o surgimento de empresas eprodutos nacionais competitivos que reduzam o dispêndio excessivo em dólares, como hoje ocorre. Aredução de despesas externas e a geração de empregos serão alcançados com razoável rapidez e alivi-

    arão nossa balança comercial. Por outro lado ampliarão nosso Produto Interno Bruto e redistribuirão ariqueza para novas parcelas da população que retornarão ao mercado de trabalho. O alívio da pressãofiscal e de impostos sobre pequenas e médias empresas, inegavelmente, é uma trilha que poderá seralargada com medidas inteligentes e objetivas, as quais com presteza gerarão a ampliação e a acumu-lação de riqueza nacional.

    Deveremos buscar fórmulas de reciprocidade: aqueles que nos vendem muito, deverão, tam-bém, comprar-nos muito! Quem nada nos compra, nada nos venderá! Aqueles que utilizarem “dumpíng”deverão ter seus produtos cerceados no acesso ao mercado interno.

    Essas posições deverão manifestar-se em todas as áreas de atuação: política, econômica e co-mercial, científica e cultural, tecnológica e mesmo militar. Deveremos pressionar a área pública atéque a mesma se sensibilize e aceite nossas proposições.

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    8. Como exemplo do que ainda poderá ameaçar-nos, ao arrepio das normas internacionais da OMC,às quais deveria respeitar, a AMÉRICA DO NORTE ameaça taxar brutalmente e já o vem fazendo,produtos para os quais os seus perdem em competição igual. É didático o caso da banana da AméricaCentral – propriedade de dois grupos norte-americanos. Sentindo dificuldades para seu ingresso naEUROPA, tiveram em seu socorro, às claras, o rápido suporte governamental com ameaças e medidasde sanções imediatas sobre inúmeros produtos europeus. No caso, não interessa saber quem tem ra-zão. Um Estado forte e ágil apoia suas empresas. ESTE É O GRANDE ENSINAMENTO.

    Este comportamento dos grandes não é novidade: foi sempre assim. O que ocorre hoje é que taisações são muito mais às claras. Nunca sentimos enquanto fomos de pouca expressão mundial e omundo era bi-polarizado. Com todas as dificuldades presentes estamos entre as quinze maiores econo-mias mundiais. Por isso ao observarmos tais ações estratégicas fortes, é forçoso reconhecer que asmesmas decorrem do somatório do poder da iniciativa privada com o do Estado: é isto a que se chamade Emprego Do Poder Nacional. Embora poucos o avaliem – pelo pessimismo e pela alienaçãoimperantes – o BRASIL, com o MERCOSUL, constitui o maior mercado ainda não integralmentedominado, seja pelo NAFTA seja pela COMUNIDADE EUROPÉIA.

    Caso não consigamos espaço fora do MERCOSUL, deveremos fortalecê-lo e expandi-lo emproveito de seus membros. Por tudo isso, preconizamos que a sociedade brasileira se articule e se

    organize para poder aplicar o seu poder, seja ante o Estado brasileiro, quando este ferir os seus legíti-mos direitos de cidadania, seja unindo esses dois poderes para defender qualquer campo ou interessenacional, quando atingido ou ameaçado por pressões com origens internas (o que por vezes ocorre),externas ou combinadas.

    A compreensão do que seja o valor do Poder Nacional pode ser alcançada com mais um exem-plo destes dias: o governo americano decidiu, ameaçou e fez executar ataques militares aéreos contraa Iugoslávia. Quem poderá ou irá auxiliá-la nesta emergência se a NATO endossou a decisão america-na coonestando-a? Não cremos que a Rússia ultrapasse protestos e ações inócuas. Incontinente a mídiainternacional com a nossa em seguimento, mostrou o que quis e como convinha ao governo america-no. Mas se fosse contra a Comunidade Européia, (como no caso da banana) ocorreriam represálias

    militares também? A NATO daria suporte ao poder militar norte-americano?E se fosse contra o Brasil, condenado, por hipótese por “prejuízos ao meio ambiente”? ou Por

    causa da “Nação Ianomami”?

    Receberíamos alguma ajuda militar ou de qualquer ordem? De quem? Qual a estatura de que oBrasil, isoladamente, dispõe nesse quadro, para dissuadir eventuais intervenções externas, militares eoutras?

    Se o MERCOSUL for consolidado nossas posições serão reforçadas?

    Mas, se o MERCOSUL fracassar, como deveremos agir?

    É pois, com visão estratégica geopolítica, ampla e global que deveremos atuar.

    Brasil por sua vastidão e população, mesmo sem contar com as outras nações da América do Sul(na pior hipótese e se estas não o desejarem) ainda é o maior mercado disponível do mundo.

    O grande segredo, sem que se abandone o comércio internacional como acima caracterizado,será promover a expansão geográfica e econômica de seu mercado interno próprio.

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     GEOPOL TICA MUNDIAL(DEDUZIDA)

     

    RESTRIÇÃO ÀS SOBERANIASNACIONAIS

     

    NEUTRALIZAÇÃO DOSPODERES NACIONAIS

     

    INTERNACIONALIZAÇÃO DOSMERCADOS INTERNOS

    (DOS OUTROS)

     

    PROTEÇÃO DISSIMULADA EHÁBIL DOS MERCADOSINTERNOS (PRÓPRIOS)

     

    INTERNACIONALIZAÇÃO DOSRECURSOS NATURAIS

     

    GLOBALIZAÇÃO (INTERNET)

     PRIVATIZAÇÃO

     REDUÇÃO DOS ESTADOS –

    ALVO APOIO A "DIREITOS" DAS

    MINORIAS CONTESTADORASDAS NAÇÕES-ALVO

     MANEJO E CONTROLE DOSRECURSOS FINANCEIROS

    INTERNACIONAIS

     COMBATE A TRABALHO"ESCRAVO" E DE MENORES

     "DEFESA" DO MEIO AMBIENTE

     COMBINAÇÃO DE PRESSÕES

     AÇÃO INDIRETA ECONSTANTE POR QUANTI-DADE CRESCENTE DE ONG

    OBJETIVOS ESTRATÉGIAS

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     P LOS DE PODER 

    GRANDES

    USA / NAFTA

    COMUNIDADE EUROPÉIA

    JAPÃO / ÁSIA

    MÉDIOS

    CHINA

    RÚSSIA

    BRASIL / AMÉRICA DO SUL

    ISRAEL / ÁRABES

    ÍNDIAPASQUISTÃOINDONÉSIA E

    AUSTRÁLIA

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     LUTA ENTRE NAÇ ES(NEM SEMPRE SURDA)

     

    1.  MATÉRIAS PRIMAS CATIVAS2.  MERCADOS

     

    3.  CAPITAIS4.  TECNOLOGIAS ESPECIAIS

    6.  SATÉLITES

    7. 

    MÍSSEIS8.  ENERGIA NÚCLEAR

    9.  BIOTECNOLOGIA10. INFORMÁTICA5.  TELEINFORMÁTICA

    (REDE INTERNET)

    6.  DOMÍNIO DAS INFOR MAÇÕESTECNOLÓGICAS

     

    GARANTIA FUTUR A

    DISPUTA POR

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    INSTRUMENTOSDE PODER

    G 7

    OEA ONU

    BM

    MÍDIA

    ONG

    OTAN

    OMC

    BID

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    MERCADO INTERNO

    DEINVESTIMENTO

    DETRABALHO

    MERCADOINTERNO

    DESUPRIMENTO

    DECONSUMO

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     MERCADO INTERNO

     

    FINALIDADE GERAR

    PRIORITÁRIA EMPREGOS

    ACIONAMENTODODESENVOLVIMENTO

    GERAÇÃO EDISTRIBUIÇÃODE RIQUEZA

    ACIONAMENTODODESENVOLVIMENTO

    AUMENTODEPRODUÇÃO

    AUMENTODECONSUMO

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    MERCADO INTERNO

    NECESSIDADES

    DESPESAS

    SALÁRIO

    EMPREGO

    RECEITAS

    SUPRIMENTOS

    CUSTOIMPOSTOS

    INVESTIMENTOLUCRO

    EMPRESANO

    BRASIL

    EMPRESANO

    EXTERIOR

    DESEMPREGONO

    BRASIL

    CUSTEIOIMPOSTOS

    LUCRO

    EMPREGONO

    EXTERIOR

    (*) General de Exército e Ex-Comandante da Escola Superior de Guerra 

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    OS MILITARES E A POLÍTICA Hernani G. Fortuna(*)

    “A guerra é um fenômeno da paz, assim como a morte é um fenômeno

    da vida”Rui Barbosa – Cartas da Inglaterra

    A inserção do Brasil da América do Sul resulta de uma imensa fronteira terrestre que recebeestímulos de dez países, alguns ainda com efeitos mais recentes dos colonizadores do Primeiro Mundoe estamos falando aqui das três Guianas.

    Por outro lado, há uma imensa fronteira líquida mergulhada no Atlântico e, a partir da qual, seidentifica uma concepção estratégica hodierna que assegure uma capacidade de defesa, basicamentealicerçada em instrumentos de dissuasão, visando a preservar um patrimônio representado pelo triân-

    gulo geopolítico brasileiro, por uma plataforma continental e por uma ZEE indispensáveis ao processodo desenvolvimento e da segurança nacionais, sem esquecer o pioneirismo de uma presença marcantena Antártica.

    Há necessidade de definir-se com clareza os interesses nacionais e os objetivos estratégicos daNação Brasileira. Essa definição foi feita, com rara felicidade, logo após a Independência, e se explicitavana preservação da nova condição política, na fixação de novas fronteiras e no desenvolvimento daeconomia através da participação no comércio internacional.

    A lucidez de José Bonifácio levou à criação imediata dos Ministérios da Justiça, da Marinha edo Exército, visando à integridade do patrimônio nacional, onde a Amazônia já preocupava o PoderCentral pelo seu isolamento e distância.

    Se a presença do estamento militar foi decisiva para a integração do território nacional do Brasil-Colônia, essa presença não foi menor nos períodos do Brasil-Império e do Brasil-República.

    Podemos afirmar que a história da Nação Brasileira é quase a história de suas Forças Armadas,presentes em todos os acontecimentos que antecederam à Independência e que a sucederam, seja noImpério ou na República.

    De Norte a Sul, no Império, a Cabanagem, a Balaiada, a Sabinada, a Praieira, a Farroupilha e aslutas externas no Cone Sul foram decididas pela presença militar na política e nos campos de batalha.

    Consideramos correto que a República foi o divisor de águas no desenvolvimento militar e na

    vida política e institucional do País, após uma longa caminhada de 67 anos de Império.A classe política, então detentora do Poder Civil, isolou e desprestigiou o Exército, criando

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    antagonismos e separando os “casacas” dos militares.

    Essa separação veio no bojo de medidas como:

    a) afastamento dos militares das posições de influência política;

    b) redução à metade dos efetivos do Exército;

    c) criação da Guarda Nacional; e

    d) geração de dificuldades no convívio militar.

    Essas medidas já haviam sido precedidas, na pacificação do Império e nas lutas do Cone Sul, porsituações constrangedoras como atraso no pagamento dos vencimentos, incerteza e irregularidade nosfornecimentos logísticos e angústia na entrega de equipamentos.

    A Guerra do Paraguai influenciou a oficialidade brasileira e ali se consolidaram os sentimentosde honra, dever e lealdade, alguns, dentre tantos outros sentimentos, que constituem o espectro davirtude militar que lhe é transmitida ao longo de toda uma vida.

    John Schultz no Brasil Monárquico da História Geral da Civilização Brasileira – Tomo 2, cita àspáginas 252.

    “O corpo de oficiais emergia da guerra do Paraguai com um sentimento de unidade corporativa,um novo sentido de sua importância, uma amargura para com os civis e, talvez, com uma visão domundo mais ampla. Os Oficiais contrastavam seus sacrifícios e os de seus homens com a corrupçãodos políticos e tiravam daí as amargas conclusões que deveriam guiá-los em suas atividades políticasno após-guerra.”

    O Império deixava de existir, a República estava proclamada e era urgente a passagem do Estadounitário para o Estado federativo.

    O Governo Provisório, com Deodoro e Rui Barbosa à frente, mostrava que queria correr contrao tempo. Os aspectos de indisciplina no Exército, não extirpados por Benjamin Constant, fizeram queFloriano Peixoto, militar de carreira, herói do Paraguai, fosse nomeado para a pasta da Guerra aos 61

    anos de idade.Na elaboração da 1a Constituição Republicana de 1891, a presença de Deodoro e Rui Barbosa

    foi uma constante. A respeito da imunidade dos senadores e deputados, no Art. 22, assim se manifes-tou Deodoro: “O homem sério, verdadeiro e de caráter nobre, não admite o disposto neste artigo”.

    Rui Barbosa elaborara o mandamento constitucional que eliminaria qualquer possibilidade dedissolução do Exército, o que tantas vezes tentou a monarquia.

    “As forças de Terra e Mar são instituições nacionais permanentes, destinadas à defesa da Pátria,no exterior, e à manutenção das leis no interior”. Essa premissa foi acrescida por outra cláusula “Aforça armada é essencialmente obediente, dentro dos limites da lei, aos seus superiores hierárquicos e

    obrigada a sustentar as instituições constitucionais”.A 15 de setembro de 1890, foram realizadas as eleições para o Congresso Constituinte. Da

    mensagem que Deodoro transmitiu à Assembléia Constituinte são aqui explicitados trechos importan-tes:

    - Não se mudam instituições para persistir em defeitos inveterados.

    - Nas revoluções em que preponderam os privilégios sobre a trilogia sagrada do direito, da justiça eda liberdade, os povos visam, antes de tudo, melhorar as condições, fortalecer o império das leis ereivindicar o papel que lhes cabe na sociedade.

    - Viemos de um passado de opressivas desigualdades sociais e de um regime onde o império da lei se

    achava falseado.

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    Deodoro foi eleito como 1o Presidente da República com 129 votos contra 79 dados a Prudentede Morais, e Floriano foi eleito com 153 votos contra 57 dados ao Almirante Wandenkolk.

    Como 2o Presidente da República, o Marechal Floriano demonstrou notável acuidade política,que tanto faltou a Custódio de Mello, a Saldanha da Gama, a Eduardo Wandenkolk e ao próprioDeodoro da Fonseca. Não pôde administrar, não permitiram que o fizesse. Combateu, guerreou, ven-ceu, mas não foi magnânimo na vitória. Entretanto, o período de Floriano traz em seu bojo doisensinamentos fundamentais:

    - Não existe mal pior para uma Nação do que a guerra civil;- Forças Armadas unidas e fortes são fatores imprescindíveis ao respeito das instituições, à estabili-

    dade política e à segurança nacional.

    Na República Velha, vigia o equilíbrio político do eixo São Paulo-Minas Gerais e, apenas, ummilitar chegaria novamente à Presidente da República, na figura do Marechal Hermes da Fonseca.

    Somente em 1930, surgia um novo Governo Provisório com a revolução que se inicia no RioGrande do Sul, Minas Gerais e Paraíba. A alma popular confraternizava com os representantes dasForças Armadas e, dentre as idéias centrais do programa de reconstrução nacional, podemos destacara “remodelação do Exército e da Armada de acordo com as necessidades da defesa nacional”.

    A revolução paulista de 1932 é inesperada e singular, e o situacionismo reinante, em MinasGerais e Rio Grande do Sul, apoia Getúlio Vargas, derrotando o movimento paulista.

    A Lei de Segurança Nacional, de 4 de abril de 1935, não conseguiu evitar a Intentona Comunistade novembro desse ano, quando, mais uma vez, as Forças Armadas sufocaram uma rebelião dentro deseu próprio seio e que poderia trazer para o país conseqüências graves e imprevisíveis. Finalmente, oEstado Novo, de 10 de novembro de 1937, interrompe qualquer possibilidade de vigência da Consti-tuição de 1934 e uma nova Assembléia Nacional Constituinte só seria concretizada em 1946, após a 2a

    Guerra Mundial, que trouxe como conseqüência imediata a queda de Getúlio Vargas do Poder.

    A participação efetiva do Brasil nesse conflito mundial trouxe profundas alterações à vida polí-

    tico-institucional da Nação, que assistiu a marcos históricos, como a Carta das Nações Unidas e apromulgação da Declaração Universal dos Direitos do Homem, no plano internacional, e à implanta-ção da Democracia de direito, através da Constituição Federal de 1946, no plano nacional.

    Nesse contexto, firmou-se o entendimento de que o desenvolvimento brasileiro dependia daidentificação e da superação dos óbices que o entravavam, e a forma adequada de acelerar esse desen-volvimento seria o trabalho em conjunto, através de um método de planejamento para uma ação polí-tica que teria como moldura a visão realista da conjuntura nacional e internacional e a natural inserçãodo Brasil nesse cenário, na busca contínua de uma sociedade ética, moral e justa.

    Se a classe política atendeu a esses parâmetros, através da promulgação de uma Constituiçãomoderna, em 1946, onde constituintes como Afonso Arinos, Milton Campos e Raul Pila, emprestaram

    o brilho de sua projeção política e jurídica, as Forças Armadas, ungidas pela presença heróica e marcantenos campos da Itália e no Atlântico, impregnaram o ambiente nacional com os perfis de Chefes comoCastello Branco, Mascarenhas de Moraes, Juarez Távora, Eduardo Gomes, Soares Dutra, Ary Parrei-ras e Rubem Cox.

    O General Eurico Gaspar Dutra foi eleito Presidente da República, pelo voto direto, para oquadriênio 1946 – 1950.

    A eleição de Getúlio Vargas, em 1950, viria a gerar conflitos permanentes na ordem política,social e militar do País, em toda a extensão de seu mandato, não concluído e interrompido com seusuicídio em 1954.

    O término da 2a Guerra Mundial evidenciou que, ao imenso esforço nela empregado, não seseguiu a paz desejada e que, entre as potências beligerantes, ocorreu, simplesmente, a mudança da

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    relação amigo-inimigo.

    Os dois grandes aliados durante a guerra – Estados Unidos e União Soviética – se tornaramantagonistas; o mapa político da Europa foi profundamente modificado e o conflito armado foi subs-tituído pelo conflito ideológico, com o emprego da guerra psicológica e de outros ingredientes no quese chamou guerra fria e confronto Leste-Oeste.

    A década de 1954 – 1964 foi dominada, no Brasil, pela presença constante das duas ideologiascontidas no confronto Leste-Oeste, interpretadas aos sabores da conveniência da classe política e das

    convicções das Forças Armadas, onde a Escola Superior de Guerra, criada em 1949, e que, ao contrá-rio das Escolas de Altos Estudos das Forças Singulares, não era destinada, exclusivamente, a milita-res, mas, também, a civis de atuação relevante na orientação da política nacional.

    A constituição liberal e democrática de 1946 não conseguiu dar estabilidade ao regime político,duramente testado naquela década de 54 a 64. Houve a tentativa de impedir a posse de JuscelinoKubitchek, em 1955, neutralizada pelo General Henrique Lott; a renúncia de Jânio Quadros, em 1961,com nova intervenção das Forças Armadas para assegurar a subida de João Goulart ao poder e, final-mente, a deposição do próprio João Goulart, em 31 de março de 1964, após um conturbado período,onde o Congresso estava sendo violentamente pressionado a votar reformas de base, de cunho nitida-mente populista – marxista e que não atendiam aos interesses nacionais. As Forças Armadas foram

    envolvidas nesse cenário; tiveram seus alicerces basilares de hierarquia e disciplina erodidos com aparticipação direta de seu Comandante Supremo que tentou subverter aquelas premissas, utilizandoum diálogo direto com graduados e subalternos, em detrimento das lideranças e chefias, legitimamen-te constituídas ao longo de décadas de profissionalismo e dedicação exclusiva aos interesses da Pátria.

    A eleição de Castello Branco pelo Congresso Nacional, inclusive com o voto de JuscelinoKubitchek, dirimiu as concepções conflitantes sobre aquilo que estava sendo considerado, por muitos,como o bem comum. Não é de hoje que alguns sonham com a possibilidade de transformar o mundo,deste o mito de Prometeu, até a criação de utopias como a de Platão e a de Tomas Morus.

    Castello Branco tinha o perfeito conhecimento de que nenhuma forma de organização econômi-co-social eliminou as carências ou extinguiu a pobreza.

    Assim, procurou efetivar o processo de racionalização da ação política, visando à modernizaçãodo País e à aceleração de seu desenvolvimento, aspirações de ponderáveis parcelas das elites civil emilitar e que as práticas, então vigentes, estavam longe de alcançar. Firmava-se, também, a convicçãode que a racionalidade deveria estender-se a todos os processos da ação política, tanto na esfera dasegurança quanto na do desenvolvimento.

    Castello revolucionou o panorama político, econômico, social e tecnológico com que se depa-rou ao assumir o Poder e, aqui, estão alguns dos fatos e medidas que corroboram aquela afirmação.

    Os partidos políticos foram estimulados a construir uma estrutura partidária que permitisse asalternâncias de poder sem conchavos e acordos espúrios. Foram criados o Banco Nacional de Habita-ção, o Programa de Ação Especial para o Desenvolvimento, o Banco Central, que nunca existiu noBrasil, as estruturas para uma participação efetiva na comunidade financeira internacional, os funda-mentos para uma reforma agrária justa, através do Estatuto da Terra, um programa permanente deestabilização econômica com um combate sistemático à inflação, a disseminação no psicossocial dasociedade da necessidade de existir um sistema de poupança que alavancasse o processo de desenvol-vimento e crescimento do PIB e, finalmente, o Fundo de Garantia de Tempo de Serviço, lacuna hámuito existente na legislação trabalhista.

    O desenvolvimento tecnológico permitiu que fossem estabelecidas novas matrizes de energia,transporte e telecomunicações.

    Em 1964, nenhuma capital brasileira conseguia comunicação em telefonia com os eixos dedecisão no Rio, São Paulo ou Brasília. Foi realizado um esforço extraordinário para inserir o Brasil no

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    contexto de nações com maior grau de prosperidade, via pesquisa e desenvolvimento e ciência etecnologia.

    No campo institucional, foi promulgada a Constituição de 1967, um excelente trabalho de nívelpolítico e jurídico que se mostraria muito superior, em seu conjunto, à Constituição elaborada, maistarde, em 1988.

    Castello cometeu um grave erro ao limitar o seu próprio mandato a um período de apenas 3 anos.Tivesse um pouco mais de tempo para concluir seu governo – cinco ou seis anos – e feita a transferên-

    cia de Poder à classe política, a história brasileira teria sido bem diferente nos últimos trinta anos.A permanência dos militares no Poder foi longa demais e as condições que existiram em 1985

    estavam bem mais degradadas que aquelas que, provavelmente, estariam presentes ao final da décadade sessenta.

    Apesar de tudo, o Brasil ao final de 1973, crescia a 14% ao ano, tinha uma inflação de 1% aomês, uma dívida externa bruta de US$ 12 bilhões e reservas de US$ 6 bilhões, estando com seu PIBentre os oito maiores do planeta. Os indicadores sociais, nem de longe, se aproximavam dos índices,hoje existentes, onde a miséria e o desemprego geram a violência, destroem os valores e matam asesperanças de 60% de excluídos da população brasileira que não têm acesso à educação, à saúde, à

     justiça e à segurança.

    De 1974 a 1984 o País enfrentou cenários adversos como os dois choques de petróleo e a subidado nível de juros internacionais onde as taxas da “Libor” e da “Prime-rate” chegaram a 20% ao ano,tornando crítica a administração da dívida externa brasileira com déficits acentuados em suas transa-ções correntes.

    Essas dificuldades não impediram uma abertura gradual e positiva no campo institucional, quandoforam estabelecidas as bases de uma anistia ampla geral e irrestrita que culminou com a transferênciado Poder à classe política em março de 1985.

    A partir daí, estabeleceu-se um sentimento de antagonismo, intolerância, preconceito erevanchismo, constantes, entre a classe política e o estamento militar, o que não foi alterado até os diasatuais. O comportamento da mídia só fez acelerar esses sentimentos que não enobrecem e não cons-troem a sociedade que todos gostaríamos de participar.

    A Constituição de 1988 perdeu uma oportunidade magnífica de reverter esse quadro, porém,demonstrou que era difícil de assimilar os princípios que regeram a anistia. É uma Constituição ondeprevalecem os direitos e escasseiam os deveres, que enfraquece a União e permite a criação de Estadose municípios que não têm a menor condição de se auto-sustentarem, vivendo de doações e participa-ções de uma tributação anárquica onde cerca de sessenta encargos e tributos tornam o Paísinadministrável, a sonegação elevada e os orçamentos meras obras de ficção autorizadas.

    Não fora esse o quadro verdadeiro em que vive o País, não estaria o Governo Federal empenha-

    do em obter a Reforma do Estado a nível patrimonial, administrativo, previdenciário, fiscal e tributá-rio.

    A Constituição de 1988 transformou os militares em servidores da União, esquecendo-se quepertencem às instituições nacionais permanentes, Marinha, Exército e Aeronáutica e que o perfil daprofissão militar é a defesa da Pátria, tendo por isso peculiaridades inigualáveis com outras categorias.

    Nenhuma Constituição brasileira anterior, desde a de 1891, passando pelas de 1934, 1937, 1946e 1967, deixou de considerar os militares com uma destinação constitucional específica. Dez anosforam necessários para que a emenda constitucional no 18 de 1998 corrigisse essa aberração existentena Constituição de 1988, embora não fossem alterados os conceitos distorcidos de “militares” nosestados federativos e no Distrito Federal.

    Esse não foi um caso isolado, pois deste 1985, quando o Poder civil assumiu os destinos do País,

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    o estamento militar perdeu prestígio político, viu sua participação no orçamento da União diminuir,ano após ano, e seus vencimentos foram duramente atingidos, representando, hoje, a metade daquiloque lhe era devido em 1990. Essa não foi uma medida de caráter geral, pois outras categorias dosquadros da União foram privilegiadas, ou beneficiadas como o Corpo Diplomático, a Receita Federal,a Secretaria de Assuntos Estratégicos, a Polícia Federal, os Setores de Planejamento, Orçamento eFinanças e Cargos de Chefia e Assessoramento Superior em todos os Ministérios. Essa situação, tam-bém, beneficiou os integrantes dos Poderes Legislativo e Judiciário. Estabeleceu-se uma anarquiasalarial no País, justificada pela necessidade de premiarem-se setores estratégicos onde, evidentemen-

    te, os militares não se enquadravam, numa ótica absurda, que mantinha os mesmos antagonismos,preconceitos e revanchismos do passado recente.

    Nestes últimos treze anos, nenhuma concepção política e nenhum conceito estratégico nacionaisforam elaborados, visando à segurança, incluída aqui a defesa da Nação Brasileira. A política deDefesa Nacional, recentemente divulgada, é tímida, incompleta e não consegue enxergar possibilida-des de conflitos no mundo pós-bipolar onde a ascensão solitária e hegemônica dos Estados Unidostrouxe-nos a globalização que está transformando, profundamente, as relações internacionais.

    Estamos falando aqui das transformações do “trade”, das finanças, do emprego, das migrações eda tecnologia, emoldurando o conceito de um Estado Virtual que, ao invés de acumular terra, capital e

    trabalho, preocupa-se com a estratégia e investe na qualificação de seus integrantes, visando à compe-tição internacional. A globalização diminui, dessa forma, o poder dos Estados-Nação e a segurança eo governo estão progressivamente, subordinados a decisões que ultrapassam as fronteiras de cada paísparticular.

    Entretanto, as prioridades nacionais continuam subordinadas ao jogo político das ambições par-tidárias. Quando o perfil da sociedade brasileira apresenta 8% em sua elite, 2% de emergentes, 14% deremediados, 13% de decadentes e 63% de excluídos, o Governo hipoteca a reforma do Estado, visan-do sua reeleição, norma que nunca existiu na tradição institucional brasileira. Essa reforma, se votadacorretamente, permitiria o equilíbrio fiscal e a reorganização das contas públicas, hoje estraçalhadassob o peso de um déficit gigantesco onde as dívidas interna e externa atingem a valores nunca antes

    alcançados.Enquanto isso, o Ministério da Defesa é arquitetado de forma açodada, visando a afastar, ainda

    mais, a pouca ou nenhuma influência que os Ministérios Militares, eventualmente, possam reter nasolução dos problemas nacionais. Novamente, o preconceito, o antagonismo e o revanchismo se fa-zem presentes, distorcendo a visão de uma medida que em nada contribuiu para o aprimoramento dasForças Armadas em nenhum país latino-americano.

    A América do Sul continua plena de contenciosos onde os mais importantes situam-se entre aVenezuela e a Guiana pela posse da bacia do Essequibo; entre a Venezuela e a Colômbia pelo litígio doGolfo da Venezuela; entre o Peru e o Equador pela questão da Serra do Condor; entre o Chile, Peru eBolívia pela guerra do Pacífico quando a Bolívia perdeu a sua saída para o mar e o Peru os territórios

    que, hoje, estão na região norte chilena; entre a Bolívia e o Paraguai, onde ainda existem resíduosgerados pela guerra do Chaco; entre o Chile e a Argentina pelo canal de Beagle; e, entre a Argentina ea Inglaterra, pela posse definitiva das Malvinas.

    O Brasil não tem um contencioso definido nem problemas de fronteiras, porém, continua aapresentar problemas nas fronteiras. A região Amazônica, com seu imenso arco setentrional desdeTabatinga até o Amapá, apresenta uma vulnerabilidade apreciável às questões do narcotráfico, guerri-lhas ideológicas e contrabando de armas que se desdobram a partir dos países vizinhos para o territóriobrasileiro.

    Outras questões como a demarcação de terras indígenas, preservação ambiental, biodiversidade,

    províncias minerais extremamente nobres, elevada reserva de água doce e grande potencial energéticodeterminam uma preocupação constante com o território amazônico, onde os Sistemas de Proteção e

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    Vigilância, em implementação, têm vícios na origem de suas concepções, já que a satelitização dessessistemas deixou de ser monopólio nacional pela privatização da Embratel e os vetores avançados desensoreamento não têm uma interação adequada com as plataformas onde serão instalados.

    Os militares sentem, hoje, o resultado de uma política iniciada há treze anos, onde a participaçãodecrescente nos orçamentos fiscais da União e a degradação crescente de seus proventos e vencimen-tos, procuram turbar o caminho da modernização e do profissionalismo que sempre souberam perse-guir.

    A história da Nação Brasileira confunde-se, entretanto, com a história de suas Forças Armadas,que saberão ultrapassar todas as dificuldades e vicissitudes do presente, buscando mais uma vez,como tantas fizeram no passado, assegurar a nossa independência, soberania, liberdade e segurança.

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    REPENSANDO A ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA COMO AVEJO APÓS NOVE ANOS

    Valbert Lisieux Medeiros de Figueiredo(*)

    “Nada há de permanente, exceto a mudança”(Heráclito, 450 a.C.)

    Sim, repensando a Escola Superior de Guerra, em face da imperiosa necessidade deste trabalho,

    é a palavra de ordem devido às grandes mutações do mundo atual. O momento é este, quando se faznova estrutura para as Forças Armadas em função da criação do Ministério da Defesa e quando sefestejam suas Bodas de Ouro.

    Criada pela preocupação com a Segurança Nacional, é, inicialmente, dirigida por alguns daque-les remanescentes do Tenentismo, ainda cheios dos ideais renovadores de então e inspirados por umsentimento democrata, fortalecido pela participação do Brasil na Segunda Guerra Mundial, não pode-ria a Escola Superior de Guerra deixar de pensar em renovação e democracia. Surge, assim, a maisantiga instituição governamental de Estudos Estratégicos, de idéias, de pensamento livre, procurandoconhecer os interesses e aspirações Nacionais com o intuito de buscar o Bem Estar Social para aNação.

    É com estes mais altos e nobres desígnios que vejo a nossa Escola e é assim que ela tem se compor-tado neste cinqüenta anos de vida.

    Se, inicialmente, era prevista para estudar a Segurança Nacional, logo verificou ser impossívelfazê-lo sem o devido estudo do Desenvolvimento, tão forte é a dependência dos dois temas. Cabe atranscrição do Paginário da Escola Superior de Guerra: Doutrina – 1989 (ESCOLA SUPERIOR DEGUERRA – 2000):

    “A razão de ser Escola Superior de Guerra é o estudo do Brasil, buscando conhecê-lo melhor paramelhor serví-lo. A Segurança Nacional é tema fundamental e o estudo do Desenvolvimento – neleinserida a Justiça Social – é indispensável pela interdependência natural”.

    Nasce apolítica e apoliticamente se desenvolve. Idealizada para formação de elites militares, já,em 20 de agosto de 1949, quando nasce, acolhe militares e civis e, desde então, adogmaticamentepassa a fornecer elites gerenciais, tão necessárias aos trabalhos nacionais e à sociedade. São, desdeentão ...... esguianos, orgulhosos de sua origem, vibrantes e a serviço da Pátria.

    Seus estagiários, recrutados das diversas regiões do País e possuidores das mais diferentes for-mações, trazem ao seu corpo discente uma experiência multifacetada de efeitos surpreendentes, ela-borando estudos preciosos para o entendimento da Nação. Os estudos do campo econômico visto pormédicos militares, sociólogos e outros etc, os do campo psicossocial visto por economistas, artistas,

     juristas etc; os do campo militar por políticos, atuários, veterinários, etc; os campo político por psicó-logos, matemáticos, geólogos etc dão uma imagem real da Sociedade Brasileira e as verdadeiras aspi-rações desta Sociedade.

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    Sua localização privilegiada, mercê do centro cultural, econômico e financeiro que é o Rio deJaneiro, facilita os trabalhos acadêmicos de seus estagiários, ampliando seus conhecimentosextracurriculares e o arrebanhamento de inteligências para seu corpo docente, bem como de conferen-cistas habilitados. Suas ligações com universidades permitiram o desejável reconhecimento de exten-são universitária, meta lógica há muito perseguida e agora alcançada.

    Mas não é só a Escola Superior de Guerra. Não é possível falar-se da Escola sem ressaltar atambém importante Associação de seus Diplomados com suas ramificações, a difundir ensinamentosdela emanados. Divulgam a doutrina, estudam a conjuntura, conhecem o Brasil, e, o mais siginificativo,preparam-se para cargos em âmbito federal, estadual e municipal. São 27 Delegacias, 120 Representa-ções, que em seus cursos, anuais, buscam, orientados pelos ONP e ONA, os objetivos de governo nassuas esferas de administração. São 72.000 brasileiros assim engajados, aproximadamente.

    É necessário que o Governo Federal veja a grande validade desta realidade esguiana e a grandetribuna por ela formada, e lhes dê, tanto à Escola Superior de Guerra como à Associação dos Diplomadosda Escola Superior de Guerra, o devido valor político, propiciando-lhes os meios adequados e neces-sários às suas atuações. O retorno, já enorme, só poderá trazer mais resultados positivos.

    Acredito que desnecessária, grande expectativa, a transferência, na atual estrutura militar, dasubordinação direta da Escola Superior de Guerra, passando do Ministro para uma Secretaria, bem

    como a passagem do cargo de Comando da Escola, antes de um Oficial General do último posto, para,agora, um Oficial General de posto imediatamente inferior. A orientação dos estudos da Escola Supe-rior de Guerra deve ser pessoal do Ministro e o contato entre ambos o mais próximo possível.

    Mas nada há de permanente. As nações estão em constantes transformações e suas relaçõestambém. Nosso mundo muda diariamente. As comunicações instantâneas trazem-nos a umaglobalização das finanças, mercê do sentimento de lucro dos grandes capitais. As economias organi-zam-se em mercados comuns, que tendem a se globalizar. A ecologia se transforma em interesse detodos, para preservação deste nosso grande ecossistema , razão de nossa sobrevivência; a conservaçãodos mares torna-se de interesse mútuo das nações. A tecnologia dispara. A genética faz clones e estáperto de curar doenças, e a renovação será constante.

    As guerras são vistas, por todos, em tempo real. Os conflitos deixam de ser feitos à procura deespaço vital, pois a economia não mais respeita fronteiras. As disputas atuais situam-se nas esferasétnica e religiosa. As ideologias políticas tendem a desaparecer, graças à procura de um mesmo propó-sito: o Bem Comum.

    Nada mais atual, pois, que a preocupação com a Segurança, diante as atuais ameaças à sobera-nia. Nada mais atual, pois, que a preocupação com o desenvolvimento diante dos atuais aperfeiçoa-mentos tecnológicos. Nada mais atual, pois, que o tema Segurança e Desenvolvimento.

    O tema é atualizado, mas estaria a doutrina da Escola respeitando estes grandes impactos? Acre-dito que não e, se assim for, precisamos urgentemente de uma revisão doutrinária. Seus valores e

    princípios provavelmente não necessitarão de atualizações, pois podem ser considerados permanen-tes. Estaria, entretanto, acontecendo a mesma coisa com seus conceitos, métodos, processos e técni-cas?

    Aproveito este cinqüentenário de nossa Escola para fazer um apelo ao seu Corpo Permanente esua Junta Consultiva, no sentido de que, orientados pelos seus maiores, meditem sobre as transforma-ções necessárias. Das autoridades da nova estrutura militar esperamos que procurem sanar possíveisequívocos cometidos e dêem o apoio adequado a este órgão que sempre foi e continuará a ser degrande valia à Nação.

    (*)Almirante-de-Esquadra (Reformado)

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    KOSOVO, ALGO NOVO? Luiz Sanctos Döring(*)

     “... o neoliberalismo é uma teoria globalizante, e contribuiu muito diretamente para as forçasglobalizantes .... Como defenso-res da nação tradicional, contudo, os neoliberais adotam uma teoriarealista das relacões internacionais - a sociedade global ainda é uma sociedade de Estados-nações, enum mundo de Estados-Nações o que conta é o poder. A prontidão para a guerra e a sustentação do

     poderio militar são elementos necessários aos Estados no sistema internacional”.

    (A Terceira Via, Anthony Giddens)

    “Os povos mais civilizados acham-se tão próximos do barbarismo quanto o metal mais polidoda ferrugem”.

    (Palavras de Rivarol,citadas por John Lukacs,em O Fim do Século 20).

    Muito tem-se escrito a respeito de Kosovo e, certamente, muito escerever-se-á entre a data emque concluímos este texto, 31 de maio de 1999, e a de sua publicação. Principalmente sobre a Organi-zação do Tratado do Atlântico Norte, OTAN, com opiniões tão divergentes quanto as de Elie Wiesel,Prêmio Nobel da Paz em 1986, e Noam Chomski, autor americano bastante conhecido, professor doMassachussets Institute of Technology, MIT (Jornal do Brasil , 8 de maio e 25 de abril, respectivamen-te).

    Depois da Guerra do Golfo, os conflitos internos da Iugoslávia vêm caracterizando-se comouma das maiores preocupações, no cenário internacional, de governos e cidadãos da Europa e dosEstados Unidos da América. Há relativamente pouco tempo encerrada a crise da Bósnia-Herzegovina,estoura a de Kosovo. O que não surpreendeu. Como afirmou Leão Serva, em sua obra “ A batalha deSarajevo” (1994):

    “ Habitada por uma maioria de 90% de albaneses, Kosovo sempre foi considerado barril de pólvora da Iugoslávia. Muitos analistas escreveram sobre o risco de uma guerra na Iugoslávia esempre o movimento autonomista da província era apontado como o estopim da fragmentação naci-onal.” (p. 271).

    Nos primeiros meses deste ano ocorreram fatos esperados-

     como o fracasso das negociações deRambouillet - e outros inesperados, sobre os quais vale a pena perguntar: são coisas novas? Se afir-

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    mativa a resposta, o que mudará nas relações internacionais, a partir destes fatos? São questões impor-tantes e desafiadoras, que tentaremos discutir, sem a pretensão de respondê-las.

    Vale ressaltar que os dados sobre acontecimentos mais recentes, citados no texto, foram coletadosnos veículos da imprensa, posto que outras fontes de consulta ainda não se encontram disponíveis.

    Comecemos.

    Algumas Previsões.

    Em 1988, nas páginas finais de “ A paz é possível?”, que o Serviço de Documentação da Mari-nha publicou no ano seguinte, fazíamos uma avaliação prospectiva do cenário internacional. Quandoas redigimos, ainda existia a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, URSS, embora estivessepraticamente claro que se desmobilizava a sua atitude de conflito incondicional com o Ocidente, quese expressava, ideologicamente, sob forma de dicotomia comunismo x capitalismo. Reproduzimos, aseguir alguns trechos.

    “Todos aqueles que se dedicam a disciplinas que estudem a evolução sabem que a‘complexificação’ constitui a sua caracterís-tica básica. Ao longo da linha evolucionária, as soluçõescomplexificam-se, passando a um estágio seguinte” (p. 108).

    “ O processo de complexificação reduziu os núcleos de poder mundiais a apenas dois. A partir 

    daí, a palavra está com os EUA ou com a URSS. Estes são, em verdade, os atores principais. Qual aconclusão desta redução de personagens? O processo levaria a uma única potência? (ps. 133 e 134).

    “Estamos, pois, diante de um par de modelos de complexificação. Um centralizado, que podecristalizar-se em torno de dois ou três centros imperiais, estacionado ou tendendo para um único. Ooutro democrático, evoluindo espontaneamente da experiência da ONU. Parece-nos que a importân-cia da Organização está no seu papel de laboratório e de espaço psicológico de onde nasça a vontade

     política de atuar sobre a complexificação, pela via da democracia”(p. 135).

     “No caminho da centralização imperial, a paz global estará ‘sub judice’ dos poucos núcleos de poder, como acontece nestes tempos. Seria o percurso mais perigoso; todavia corre-se o risco de

    tornar-se inevitável. A outra via passa, necessariamente, pela experiência da ONU; o caminho doconsenso, em que cada Estado abrirá mão de parte de sua soberania, em benefício da convivênciamacrocomunitária. Em face da crescente interação entre os povos, que evolui em escala geométrica,não há como escapar deste pressuposto. Muitas regras comuns e arbitragens centralizadas. Maisuma vez ,citamos o caso da Europa Ocidental, nos dias correntes.”(p. 136).

     “Neste novo mundo, que pode vir a ser, ou não, de fato “adorável”, as Forças Armadas exer-cerão a função disciplinadora (naturalmente, em caso de império, o poder militar imperial, com a

     participação ou não das populações dominadas, desempenhará papel coercitivo), não contra ascélulas integrantes, mas contra a ação “marginal” ....” ( p.136).

    Nas linhas que seguem, além de buscarmos as “novidades” presentes no conflito de Kosovo,

    procuraremos verificar como se inserem nestas previsões alternativas. Antes, porém, talvez com algu-ma pretensão em face da complexidade do tema, procuremos avaliar ...

    A Alma do Povo

    Todo povo possui uma alma. Um arquivo de significativas experiências passadas (muitas vezesarcaicas) e contemporâneas, gratificantes ou frustradoras, gloriosas ou traumáticas, específicas daque-la gente; a par de certos costumes tradicionais e valores fundamentais, cultivados através do tempo.Esta alma o predispõe para sentimentos e reações comuns, principalmente quando em comportamen-to coletivo. Naturalmente, nem todos os registros acumulados neste arquivo estão vivos na memóriada geração presente; muitos acham-se infiltrados nos valores e costumes e alguns submersos no in-

    consciente coletivo. Quando o povo se identifica como nação, nos permitiríamos usar as expressõesconsciência nacional e inconsciente nacional, para classificar estes conteúdos que os indivíduos em

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    princípio levam consigo, além de suas experiências pessoais.

    O conhecimento desta alma põe-se como fundamental, quando se pretende empreender qual-quer ação de grande magnitude, pacífica ou bélica, tendo um povo como alvo. Também e principal-mente, quando se vai desenvolver o controle de crise ou tomar decisões estratégicas, máxime as donível da Grande Estratágia. Os Estados-Maiores e Gabinetes que estudam as macrodecisões não po-dem prescindir de equipes especializadas nos estudos das almas nacionais , inclusive de seu própriopovo. Os comportamentos de uma nação podem ser previstos com razoável grau de probabilidade,naturalmente em determinada conjuntura. O negligenciar a análise destes aspectos pode contribuirpara insucessos, como o do Iraque, quando invadiu o Kwait, e o da Argentina, ao tomar as Malvinas.

    Focalizemos alguns aspectos da alma dos principais atores envolvidos na crise de Kossovo, sema pretensão de classificá-la como avaliação adequada, posto que isto compete a especialistas quepossuam conhecimento profundo da matéria e da história de tais segmentos da Humanidade.

    Os Estados Unidos. Quando, em 1989, aventamos a hipótese de uma só superpotência, natural-mente a nação norte-americana colocava-se como a mais - talvez a única - provável. Em que pese o

     papel de superpotência exclusiva supor comportamentos semelhantes, de qualquer país que alcancetal status, muitas decisões e ações dependerão de suas características específicas. Vejamos os que serelacionam com o tema do presente texto.

    As guerras não constituem fatos raros para o povo norte-americano e para as colônias que ooriginaram. Focalizemos apenas o período que se iniciou quando o prenúncio de um novo país se faziaevidente. Começaríamos com a participação das colônias na Guerra dos 7 Anos, que confrontou Ingla-terra e França, encerrada em 1763. A seguir, a Guerra da Independência, contra a Inglaterra, cujotratado de paz foi assinado em 1783. Nova guerra contra a Inglaterra, entre 1812 e 1814. A guerracontra o México, entre 1846 e 1848, de que resultou a posse de área que vai da Califórnia ao Texas.Guerra da Secessão, interna, entre 1861 e 1865, em que morreram mais de 600 mil pessoas. Guerracontra a Espanha, para expansão do domínio ao Pacífico e Caribe, na qual ocorreu, em 1898, a con-quista de Porto Rico, Filipinas, Guam e a independência de Cuba, logo a seguir colocada sob tutela.No mesmo ano deu-se a posse do Havaí No nosso Século, as Primeira e Segunda Guerras Mundiais, na

    última com atuação decisiva, a Guerra da Coréia, do Vietnã e a Guerra do Golfo. Sem esquecermos osconflitos contínuos, que se estenderam por décadas, com as tribos indígenas, principalmente na migra-ção para oeste, em que expressiva parte da população originária daquela faixa do Continente America-no desapareceu.

    O impulso para o domínio também está presente em alguns momentos da história da naçãonorte-americana. A partir do instante em que consolidou a sua unidade interna, instalou-se o desejo dede poder sobre áreas externas; a guerra hispano-americana, acima citada, representa um exemplo. Apartir de meados do Século XIX, o Governo dos Estados Unidos atribuiu-se o direito de intervir emqualquer ponto do Continente. É desta fase a política do big stick   (grande cajado ou porrete), deTheodore Roosevelt, que assumiu a presidência dos Estados Unidos em 1901. A tônica desta política

    seria a imposição, pela força, da vontade norte-americana aos países regionais, de menor poder nacio-nal, quando julgassem necessário. Nos primeiros trinta anos do Século XX, ocorreram intervençõesem Cuba, Panamá, República Dominicana, Haiti, Nicarágua e México, em alguns mais de uma vez.Em sua mensagem ao Congresso Nacional, em 1904, o Presidente citado afirmava que o país exerceria“poder de polícia internacional” , inclusive em situações de instabilidade política. No final de abril,Tony Blair, Primeiro Ministro da Grã-Bretanha, enfatizou a importância de os Estados Unidos assumi-rem por inteiro o papel de polícia do mundo (Jornal do Brasil, 24/5/1999). Não será demais transcre-vermos dois trechos significativos:

    “Falai suave, mas tende sempre à mão um porrete (big stick)  e assim ireis longe”.

    “Esta força falará baixinho, será amistosa com todos, mas terá dentes muito afiados, além demuito grandes, para o caso de encontrar oposição ao cumprimento de seu mandato ou amea�