revista escola especial nº3 2013

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RE VIs TA escola NÚMERO 03 │ANO 2013 │POA RS especial

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A revista apresenta textos e imagens elaborados pelas professoras da Escola Municipal Especial E.F. Elyseu Paglioli.

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Page 1: Revista escola especial nº3 2013

REVIsTA escolaNÚMERO 03 │ANO 2013 │POA RS

especial

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2  ●  EDUCAÇÃO  ESPECIAL

editorial

EXPEDIENTE

Aescola é um local de produção de conhecimento para todos que nela vivem, compreendo que discutir, fazer,

pesquisar, estudar educação é ser escola. Inventamos muito e registramos pouco, o tempo parece passar mais rápido do que desejamos e falta para dar conta de tudo. O que realizamos, por vezes perde-se por este mesmo tempo visto que o ensino público sustenta-se nos investimentos de certas pessoas que se encontram em coletivos datados, seja pelos mandatos da Secretaria ou das direções, pela mudança do quadro de professores, por concepções de ensino que se alteram, por legislações ou pelo próprio passar da vida. As novas mídias: os blogs, os sites de relacionamento, as imagens digitais tem facilitado esta “tarefa” de contar as nossas histórias, mas sentia falta de um registro que renui-se escritos dos professores ou ainda que os motivasse a escrever sobre o seu trabalho. O convite, então, foi feito e aceito por profissionais que acreditam no que fazem e tem a generosidade de dividir as suas reflexões.Refiro-me aos educadores da Escola Municipal Especial de Ensino Fundamental Prof. Elyseu Paglioli, que no ano de 2013, completa 25 de existência e resistência na rede de ensino. Encontramos nesta série de três revistas ensaios, artigos, pesquisas, poesias, imagens, registros com diferentes enfoques, concepções teóricas, que afirmam o poder de criação da diversidade.

Agradeço mais esta parceria,

Prof. Anelise Barra Ferreira

Revista EletrônicaEducação Especial

EDIÇÃO E ARTE:Anelise Barra FerreiraTEXTOS:Professores da EMEEF Prof. Elyseu PaglioliFOTOS:Arquivo dos professores da EMEEF Prof. Elyseu Paglioli FOTO DA CAPA:Anelise Barra Ferreira

Número 3Agosto/2013

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3  ●  EDUCAÇÃO  ESPECIAL

Índice04 - Inclusão às avessas através da arte Marion Ribas Rocha06 - Complementos Curriculares Márcia Tician Wander16 - Arte abre passagem José Ernani Chaves19 - Arte como meio de inclusão Carla Réquia Chassot23 - Rítmos-afros Eliana Maria Moura Corrêa35 - Rádio Escola Elaine Tavares Cordeiro39 - Oficina de fotografia Anelise Barra Ferreira52 - O teatro educação Cristine Patané

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4  ●  EDUCAÇÃO  ESPECIAL

A Escola Municipal Especial de Ensino Fundamental Prof. Elyseu Paglioli, fundada em agosto de 1988, propõe em seu Projeto Pedagógico, os Complementos Curriculares que integram alunos com deficiência e alunos sem deficiência.

Propõe-se assim, a “inclusão às avessas”, ou seja, a escola especial se abre a comunidade, com o

objetivo de incluir neste espaço não só sujeitos que dele necessitam, mas também sujeitos que, mesmo não apresentando deficiências, tem a possibilidade de, na convivência com diferenças suas e do outro,

estabelecer aprendizagem mútua, social, humana e solidária.

Ao longo desta trajetória, muitos foram os Complementos Curriculares oferecidos e todos tiveram a expressão artística como eixo norteador. A cada ano, se renovam os alunos, viabilizando a circulação e a mudança constante de familiares e idéias no espaço escolar. E o que presenciamos são alunos interagindo e construindo espaços de trocas e aprendizagens em sala de aula, por meio de inúmeras parcerias que se criam.

Na escola, a arte aposta nas possibilidades do criar, inerente à condição humana, revelando-se como uma forma singular de comunicação e um instrumento pedagógico enriquecedor, não só para conhecimentos escolares, mas também para a vida.

Ao pensarmos a arte inserida no contexto da escola especial, a vemos como um agente organizador do sujeito, inserindo-o no mundo. Nesse sentido, a arte faz-se por meio de trocas, afetos e, principalmente, por experiências de vida, independente de idades e condições dos sujeitos. A arte é assim entendida como agregadora de diferenças, como um caminho digno de inclusão. A arte

Inclusão às avessas através da arte

Marion Ribas RochaVice-diretora da EMEEF Prof. Elyseu Paglioli

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desconhece limitações, deficiências e impossibilidades.A inclusão pela arte torna o outro vivo por meio da própria criação,

independente das eficiências ou deficiências dos sujeitos envolvidos. A arte potencializa a saúde neste espaço tão estigmatizado pela doença. A arte, na sua essência, é acolhedora, constituída pelas diferenças no modo de pensar, de ser, de agir; é encontro de desejos e de sonhos.

Por meio desta proposta inclusiva, constrói-se um novo significado ao espaço que ocupa a escola especial na sociedade hoje, possibilitando que seja vista como um lugar onde se aprende e se ensina.

Um lugar onde se vive!

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ComplementosCurriculares

Márcia Tician Wander

Em 1995 inicia-se oficialmente o “Projeto de Integração/Inclusão“,

na Escola Municipal Especial de Ensino Fundamental Prof. Elyseu Paglioli, projeto este que propõe os “Complementos Curriculares” abrindo a escola especial aos alunos das escolas regulares e comunidade em geral, unindo alunos com necessidades especiais e alunos sem deficiência. Em 1994, a Profa. Cristine Patané começou experimentalmente no Complemento de Teatro a receber a participação de alunos não matriculados na escola.

Os Complementos Curriculares acontecem em turno oposto ao do ensino fundamental, semelhante ao funcionamento de oficinas/laboratórios, e na sua maioria, envolvendo a expressão em diversas linguagens artísticas. Estes têm a duração de 01 ano letivo, março a dezembro, com encontros de 3 horas e meia de duração por 1 a 2 vezes por semana. São atividades extra-curriculares, com participação optativa para os alunos do II e do III Ciclos de Formação (de 10 a 21 anos) e para alunos matriculados em escolas regulares da comunidade. A cada ano se renovam os grupos mediante inscrições, conforme interesse, indicação

dos professores e disponibilidade de vagas.

Ao longo desta trajetória muitos foram os Complementos Curriculares propostos pela escola: Dança, Fotografia, Artes Visuais, Teatro, Máscaras, Som e Movimento, Construção e Transformação, Folclore, Educação Ambiental, Esportes, Expressão, Informática, Palavra/ Poesia, Dança e Ritmos Afro, e em sua maioria, ligados à expressão e à paixão dos professores pelo objeto de conhecimento do Complemento Curricular escolhido.

Com o tempo surgiu a necessidade de realizar “trocas” entre os Complementos Curriculares, reconhecendo a possibilidade de parcerias que enriqueceriam ainda mais o trabalho. Acreditando na arte enquanto linguagem que contém um pensar, um conhecer, um criar, um expressar, um fazer; experenciam o cruzamento de diferentes linguagens como a dança, as artes visuais, a música, o teatro, vídeo-arte e a fotografia em suas parcerias de trabalho; sendo um constante aprender, pesquisar, criar, vivenciar e reinventar.

E como descreve Martins,...não devemos perder de vista que, se estivermos abertos à busca

Profa. Arte-Educadora Márcia Wander

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de caminhos, juntamente com nossos alunos, nos quais todos possamos aprender, descobriremos que a diversidade é a maior riqueza humana. Mais ainda: as linguagens artísticas apoiam-se, justamente, na possibilidade humana de criar e recriar o novo a cada passo, de descobrir novos modos e meios de se expressar (MARTINS, 2002, p.47).

São 18 anos de existência dos Complementos Curriculares na Escola Elyseu Paglioli dentro dos seus quase 25 anos de vida, conquistado espaços de reconhecimento, onde regularmente são compartilhados trabalhos desenvolvidos no decorrer do ano letivo. É a escola abrindo efetivamente suas portas para a participação da comunidade do bairro Cristal.

As construções acontecem no coletivo, garantindo também, espaço para o individual, no sentido que os alunos possam criar, pensar, fazer e construir, possibilitando que estes tornem-se sujeitos da sua própria criação, sujeitos da sua própria história, enxergando-se também como autores.

Através da proposta inclusiva dos Complementos Curriculares, se re-significa o espaço que ocupa a escola especial, possibilitando que esta possa ser vista, com um outro olhar; um lugar em que também se aprende e se ensina.

A escola tem sido para a maioria dos alunos e de suas famílias, o principal espaço e canal de acesso à arte e à cultura.

Na realidade da escola especial encontram-se também, alunos que não se utilizam da linguagem verbal, por dificuldades orgânicas, psíquicas e/ou emocionais, e que, muito se beneficiam, através das diversas linguagens que a arte oferece. Com isto, ampliam-se formas de comunicação, no sentido de encontrar caminhos de autonomia e liberdade que faz da apropriação a diferença.

Ao pensar na arte no contexto da escola especial, vejo-a como um agente organizador do sujeito, inserindo-o no mundo. Estar no mundo é perceber, dar-se conta, olhar e estabelecer relações.

Segundo Adauto Novaes (2002),

...precisamos de um novo aprendizado do olhar pois este, põe em questão toda a realidade; o olhar traz o mundo para dentro de nós. O olhar é menos do que colher imagens, é mais a faculdade de estabelecer relações.

Marilena Chauí (1997), coloca com sabedoria que o olhar é ao mesmo tempo, sair de si e trazer o mundo para dentro de si.

Acreditando que o sujeito que se relaciona com a arte, seja lendo, pesquisando, criando, fazendo, fruindo, experenciando, tem o seu olhar transformado em relação a si mesmo e ao mundo. Há múltiplas maneiras expressivas que nos permitem

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enxergar quem somos, trazendo maneiras diversas de interagir com o mundo e estabelecer relações, permitindo ‘tomadas de consciência’ e transformações.

Abrem-se então, um leque de possibilidades, nem sempre ligadas à fala (desenho, escultura, fotografia, pintura, dança, música, literatura, teatro,...), ativando diferentes núcleos do indivíduo, através das diversas linguagens artísticas.

Neste sentido a arte faz-se por percursos de trocas, de afetos, de percepções, e principalmente, percursos de vida, independente das idades e condições dos sujeitos.

Conforme Marly Meira (1999:136), o olhar entre sujeitos pede reciprocidades, paixões e generosas parcerias solidárias.

O respeito à diversidade é um dos pressupostos da inclusão. Uma postura inclusiva não é aquela que “desconsidera” as diferenças, ou “faz-de-conta que todos somos iguais”, mas, ao contrário, é aquela que pressupõe que é a partir das diferenças que poderemos construir um universo mais rico de aprendizagens e de produção da vida sociocultural.

A partir de registros de pareceres, relatos (de professores, pais, alunos), publicações, registros em vídeos e fotografias, exposições e apresentações de trabalhos de alunos, seguem observações vivenciadas pelos Complementos Curriculares da Escola Elyseu Paglioli:

•ampliaaconstruçãodeconhecimentossignificativosacercadomundoedesi mesmos; ampliação de repertórios e de formas de se relacionar com o mundo e consigo mesmo;•possibilitaqueosenvolvidospercebamquenãoprecisamdominartodosos conhecimentos; o que não sabem pode ser completado pelo que o outro sabe e vice-versa;•permite que “nós” acumulados socialmente (preconceitos, medos,inseguranças,...) venham sendo desmanchados. Estas marcas vão sendo diluídas tomando outras formas, no sentido de novos olhares e novas construções favorecendo um clima de aceitação de diferenças interpessoais;•favoreceaautoconfiançaeacapacidadedeenfrentarnovosdesafiosapartir de relações de estímulo e confiança;•possibilitaaparticipaçãocrescenteereconhecimentodosfamiliares;•ampliaconceitosdeeducação,arte,culturaecidadania;•acredita e proporciona que pessoas com “necessidades especiais” epessoas sem deficiência possam conviver e aprender juntas.

Além do objeto específico de cada Complemento Curricular, outros conteúdos

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como solidariedade, cooperação, tolerância e respeito são vivenciados como qualquer outro conteúdo escolar. Aprender a conviver e reconhecer as diferenças, constitui um exercício vivo de cidadania.

Aproximações entre alunos surgem através de parcerias de trabalho em sala de aula e brincadeiras espontâneas nos espaços de recreio.

Os projetos de trabalho desenvolvidos nos Complementos Curriculares a cada ano letivo, culminam com apresentações e/ou mostras de arte numa parceria entre as diversas linguagens artísticas, desencadeando aprendizagens, bem como, ampliando redes de significações através do cruzamento destas linguagens.

São processos de ensino e aprendizagem desenvolvidos através de pesquisas, criações, experimentações e vivências, onde alunos, pais, professores, familiares, funcionários, se envolvem de forma participativa, levando estas propostas à diversos eventos e mostras de arte da cidade.

Cito aqui alguns deste eventos, onde Complementos Curriculares da Escola Elyseu Paglioli, marcaram presença:

•“EscolaFazArte”/SMED,mostradeartes(artesplásticas, fotografia,teatro, dança, música, literatura) das escolas municipais ocupando diversos espaços da nossa cidade;

Ritual Afro, 1997, ESCOLA FAZ ARTE, Reitoria da UFRGS

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•Mostras Fotográficas na Câmara de Vereadores de Porto Alegre; (através de parcerias de trabalho entre o Complemento de Fotografia e a Câmara de Vereadores);

Exposição: “Fotogramas”, 2002. Câmara de Vereadores de POA/RS.

Brasis, 1999, ESCOLA FAZ ARTE, Reitoria da UFRGS

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•SemináriosNacionaise InternacionaisdeEducação/SMED,bemcomo,Fóruns de Educação; participações em aberturas e mostras/exposições de trabalhos das escolas municipais;•CENIPA;mostradeartescênicasdoColégioIPA;•SemanadaPessoacomDeficiência(CâmaradosVereadoresdePortoAlegre);•Fórum de Inclusão (Mostras de Arte/participação em apresentaçõesartísticas);•“ElyseuemCena”,mostradeartesdaEscolaElyseuPaglioliocupandoteatros da cidade, a cada final de ano letivo, desde o ano 2000.•Alémdeparticipações/exposiçõeseapresentaçõesemoutrasescolasdarede e espaços/eventos da comunidade do bairro e da cidade.

A maioridade dos Complementos Curriculares são um convite a sair das 4 paredes da escola, envolve diversas parcerias, como a com o Santander Cultural, através de formações (não só para profissionais da área das artes, mas para toda a comunidade escolar), e visitas guiadas às exposições de artes visuais. Cinema, têm sido uma constante nas propostas desenvolvidas por todos os Ciclos de Formação e Complementos Curriculares da escola, ao longo dos 24 anos de existência da Escola Elyseu Paglioli.

Exposição: “Fotogramas”, 2002. Câmara de Vereadores de POA/RS.

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Além disso, destacamos as parcerias realizadas com o MARGS (Museu de Arte do Rio Grande do Sul), Fundação Iberê Camargo, Memorial do RS, CCMQ (Casa de Cultura Mário Quintana), Usina do Gasômetro, Museu José Joaquim Felizardo, Câmara de Vereadores de Porto Alegre, Bienais do Mercosul, Feiras do Livro, Castelinho do Alto da Bronze, Instituto Federal do RS. A “Descentralização da Cultura” participa com oficineiros que levam suas propostas para dentro do cotidiano escolar, o Ponto de Cultura da Assunção e Quilombo do Sopapo oferecem diversas atividades, parceria de trabalho e trocas. Outras escolas da rede municipal também se fazem constantes no fazer pedagógico da escola, oferecendo o contato com o belo, com o prazer estético, favorecendo acesso à informação, à manifestação artística, à participação na vida da comunidade e, principalmente, facilitando a inclusão na vida artística e cultural da cidade.

Os Complementos Curriculares possuem a capacidade de tornar o outro vivo através da própria criação, independente das eficiências ou deficiências dos sujeitos envolvidos e, principalmente, pela arte como potencializadora de saúde neste espaço institucional tão estigmatizado pela doença. Neste sentido, a arte faz-se mediadora de processos de inclusão e das diversas formas de aprendizagem, rompendo preconceitos e ampliando espaços de pertencimento e de apropriação,

Atividades do Complemento Curricular Máscaras, 2002.

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tão importantes para a construção de uma identidade.

Os Complementos Curriculares tem

ajudado a modificar o perfil da escola especial, inaugurada com a intenção

de ser uma escola muito próxima da clínica, ou seja, da

doença.

É pelo viés da arte que sentidos, percepções, imaginação e intuição têm sido “acordados” de forma intensa.

Creio que a grande força deste “Projeto de Integração/Inclusão” está

Atividades do Complemento Curricular Máscaras, 2002.

Atividades do Complemento Curricular Máscaras, 2002.

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nas pessoas que veem a arte como uma forma de ser, uma forma de luta, resistência e estímulo ao próprio viver.

E como coloca Stendhal: “é uma felicidade ter por profissão a sua paixão” (apud RICHTER, 2004).

Na convivência com as diferenças todos ganham, independente das pessoas

Atividades do Complemento Curricular Máscaras, 2002.

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terem ou não alguma “necessidade especial”. A arte, na sua essência, é acolhedora das diferenças, constituída pelas diferenças no modo de pensar, de ser, de agir; é encontro de desejos, sonhos, fazeres e, prazeres. É a arte para dar-se conta de si mesmo e do mundo, sensibilizando a percepção da vida por vários ângulos e formas de modo prazeroso.

Os alunos do ensino regular que freqüentam os Complementos Curriculares da Escola Elyseu Paglioli, trazem, em sua maioria, marcas de ‘certo e errado’, ‘feio e bonito’, introjetadas em posturas diante da possibilidade do criar; os alunos da escola especial desconhecem em sua maioria, tais conceitos, revelando espontaneidade em suas produções e isto, demonstra ser um facilitador nas trocas de experiências e saberes.

Alunos aprendem e vivenciam que podem se comunicar com o corpo, com o movimento, com os pinceis/tintas/spray/argila/lápis/material reaproveitável, com a câmera fotográfica, com a filmadora, com a voz, o canto, o silêncio, o ritmo, a palavra, os sons, com muita poesia e expressividade.

Os Complementos Curriculares marcam a trajetória de vida da Escola Elyseu Paglioli deixando visível a presença de profissionais que fizeram e fazem parte de sua história.

Por isso tudo, Vida Longa aos Complementos Curriculares da Escola Elyseu Paglioli que muito tem feito por sua comunidade escolar!!!! História linda de trabalho de coletivo escrita à muitas mãos e plena na riqueza e na diversidade de ideias.

REFERÊNCIASCHAUÍ, Marilena. Janela da alma, espelho do mundo. In: O olhar. Adauto Novaes (org.), SP: Cia das Letras, 1997, p. 31-64.MARTINS, Alice Fátima. As artes visuais e a educação inclusiva. In: Cadernos de Textos 1 – Educação, Arte, Inclusão. Arte Sem Barreiras, ano 1, no 1, set/dez 2002.MEIRA, Marly Ribeiro. Educação estética, arte e cultura do cotidiano. In: A educação do olhar no ensino das artes. Analice Dutra Pillar (org.) Porto Alegre: Mediação, 1999.NOVAES, Adauto. Em palestra proferida no Congresso Arte Sem Barreiras, em 21/11/02 em BH/MG.RICHTER, Sandra. Criança e pintura-ação e paixão do conhecer. Porto Alegre: Mediação, 2004.

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Arteabre passagem...

José Ernani ChavesMárcia Chagas Wander

Prof. Arte- Educadores

A exposição “Arte abre passagem” surgiu da reflexão diante da seleção das obras dos alunos que iriam compor a exposição de arte dos alunos da Escola Elyseu Paglioli na Casa de Cultura Mario Quintana, no espaço de arte Sapato Florido, em maio de 2013.

Arte abre passagem... ao que está em curso, ao que não está fixo nem pré determinado! Em diálogo com minha colega de artes visuais, quase sempre esta perspectiva nos orienta, de que ao tratar de uma linguagem de expressão, podemos planejar determinadas ações e conceitos, lembrando que ao entrar em contato com os nossos alunos isto vai ser modificado e ampliado de forma a dar sentido a eles e a nós, pois estamos permeando uma sensação de alguma matéria ou forma de expressar diante de uma imagem que ainda é imaterial, conversa, proposição ou por estarmos no entorno de algo que não nos é familiar ou só é uma percepção de algo que ainda não será simbolizado dentro de parâmetros de linguagem formal.

Assim quando a vida nos coloca este limitador procuramos nos conscientizar de que a arte existe em nós e não é propriedade de nenhuma disciplina que estabelece o que é arte. Dentro disto nos colocamos como meio dentro de nossas possibilidades de educadores em arte, assim nossas ações são permeadas pela possibilidade real que está ao nosso alcance e de nossa linguagem e de nossa formação. Linguagem esta que é híbrida, que é a linha, a mancha, o viscoso, o espaço, a cor, o recorte, o fragmento, o material que já tem forma, a percepção tátil, o cheiro, o olhar que paira e é registrado pela máquina fotográfica, o olhar em forma caleidoscópica.

O fragmento que ao entrar junto com paredes de espelhos nos remetem ao mundo imaginário, às simetrias absurdas e às composições arrebatadoras e às proposições de vivenciar a visualidade de forma ampla, expandindo os horizontes de quem faz e de quem observa, abrindo passagem ao pensar. Se é que o pensar já não iniciou quando pegamos o primeiro fragmento para compor o caleidoscópio, a pintura, o gesto, o tato na textura, o enrugado de um papelão. Onde começa as artes? Será que ela tem um início, como podemos estabelecer

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um começo, no que esta sempre vivo e pulsante? Onde será que começa a tal inclusão, será que quando nos propomos a estar atentos ao desejo e a sensibilidade de propormos uma descoberta de caminhos saudáveis em arte? A construir uma linguagem com alguém que não imagina o que é linguagem, que ao se deparar com sua descoberta demonstra em um sorriso, ou em expressão de satisfação pelo seu rosto que está mais relaxado, pelo seu gesto que fica mais suave, pelo som que não é uma pré-fala ainda, pelo seu permanecer em um espaço de aula por bom tempo sem demonstrar insatisfação. Quando começa a arte? Às vezes ela acontece em códigos que podemos mensurar, ou é um caminho de passagem a um outro estado de espera ou de avanços e de expressão de integridade com suas descobertas, nos revelando um mundo de beleza interna.

Podemos sentir que é possível abrir passagem pela arte, ver e ouvir, sentir que estamos sendo um meio com os alunos, que estamos no caminho de proporcionar um escape de uma repetição que captura e solidifica ações e gestos. Devemos propiciar o acesso e garantir espaços saudáveis para a arte, perceber que o conhecimento se constrói de infinitas maneiras, e que só o que é verdadeiro se coloca diante de nós, a arte é esta passagem pelas nossas inquietações e anseios, nos colocando em frente do que é necessário e vital na vida que salta aos olhos e ao coração, na qual a expressão é fundamental.

Esse texto é fruto do diálogo dos arte-educadores Ernani Chaves e Márcia Wander nos encontros da sala de artes da Escola Elyseu Paglioli.

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A arte como meio de inclusão social

Carla Réquia Chassot*

Falar na inclusão da pessoa com deficiência através da arte é falar

numa mudança de olhar, é transcender conceitos, é ressignificar a linguagem expressiva, recriando novos paradigmas pelo conhecimento do fazer artístico. A introdução da arte como ferramenta de inclusão passou por momentos de desconstrução de antigos conceitos, para a retomada de oportunidades, descobertas de potencialidades e da cidadania da pessoa com deficiência; falo de sujeitos capazes de transpor barreiras e de descobrir possibilidades de criar maneiras divergentes de enfrentar desafios, romper limites, compreender , suportar e transformar realidades, utilizando-se das diferentes linguagens artísticas, sendo elas, a dança, artes plásticas, a dramaturgia, a música, a poesia... Direcionando a reconstrução da dialogicidade entre as pessoas com as pessoas, com singularidades e diversidades em sua forma de ser e relacionar-se.

O conhecimento das diferentes linguagens artísticas deveria estar contemplado no Projeto Político Pedagógico de todas as escolas, sendo elas Especiais ou não, como parte de seus currículos. Os Parâmetros Curriculares

Nacionais (PCNs) têm como objetivo o auxílio ao educador na execução de seu trabalho, permitindo com que os alunos se apropriem dos conhecimentos de que necessitem, e segundo o ex-ministro da educação Paulo Renato Souza: “(...) para crescerem como cidadãos plenamente reconhecidos e conscientes de seu papel na sociedade, ajudar o aluno a enfrentar o mundo atual como cidadão participativo, reflexivo, autônomo, conhecedor de seus direitos e deveres”. O volume 6 dos PCNs, refere que a educação em arte propicia o desenvolvimento do pensamento artístico, das percepções estéticas, a sensibilidade e a imaginação; um aluno que exercita continuamente suas criatividades estará mais habilitado a desenvolver estratégias pessoais.

Na proposta pedagógica do ensino da arte faz-se necessário considerar os processos de aprendizagem nos diferentes níveis de conhecimento dos alunos com deficiência, proporcionando o estudo e o contato das diferentes linguagens artísticas, para que cada pessoa descubra seu estilo próprio de expressão a partir da experimentação de técnicas, materiais, conceitos estéticos, tornando-se mais participante

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do contexto sociocultural. O ensino da arte está assegurado na lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), artigo 26, parágrafo segundo: “ Ensino da arte constituirá componente curricular obrigatório nos diferentes níveis da educação básica, de forma a promover o desenvolvimento cultural do aluno”. Através do conhecimento da arte e de suas potencialidades a pessoa com deficiência aprende a descobrir-se, a valorizar-se, desenvolvendo uma forma de autogestão e gerenciamento de sua própria vida. Fayga Ostrower, afirma : “ O criar só pode ser visto num sentido global, como um agir integrado em um viver humano. De fato, criar e viver se interligam” (1987, p.5).

Conhecendo as diferentes formas da arte, podemos nos comunicar em diferentes linguagens e descobrir a

ousadia interior, transpor barreiras e constituirmos sujeitos autônomos, parte de uma história, percorrendo caminhos para aqueles que tinham um sentimento de exclusão e estavam alijados de um processo de criação artísticas.

Exemplifico o meu dizer através do trabalho de J.M.B. Que começou sua carreira artística em 1993 em uma escola especial de Porto Alegre, com atividade complementar de artes, para o seu desenvolvimento motor e social, mas a

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criatividade e o seu dom artístico se revelaram, suas telas revelam cores, formas e percepções criticas sobre as descobertas da vida, a carreira artística abriu um leque de possibilidades para J.M.B. , que logo passou a participar de mostras, exposições e vernissagens individuais. J.M.B possui um c o m p r o m e t i m e n t o cognitivo, mas isso não o impediu que desenvolvesse um jeito bem particular de perceber o mundo.

Apresentação de música.

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Para concluir sinto ser importante ressaltar algumas questões que me foram suscitadas durante a realização deste artigo. São elas: Somos todos iguais? Quem é diferente? Em que somos iguais e em que somos diferentes? Como lidamos com a diversidade e singularidade ? Com a tolerância? Só podemos compreender quem somos na medida que compreendemos o outro...?

REFERÊNCIASOSTROWER, F. Criatividade e Processos de criação. Petrópolis, Vozes, 1999.FEDERAÇÃO NACIONAL DAS APAES. Manual de arte educação, uma dinâmica para o desenvolvimento. Brasília, 1999.MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Parâmetros Curriculares Nacionais. Arte. Brasília, 1997.RICHTER, Sandra. Criança e pintura-ação e paixão do conhecer. Porto Alegre: Mediação, 2004.

*Carla Réquia Chassot, graduada em educação especial pela PUC/RS e pós graduada em supervisão escolar FAPA, professora da rede municipal de ensino, especialista em arte terapia, foi coordenadora regional de artes das APAES e coordenadora adjunta de artes da federação estadual da APAES.

Vivência para criação em teatro.

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Ritmos Afros - dança e música

Eliana Maria Moura Corrêa

O trabalho do Complemento Curricular Rítmos Afros (dança e múscia), assim como os outros complementos realizados na escola atende alunos matriculados na escola (com déficit intelectual) juntamente com alunos da comunidade (sem déficit intelectual), que se inscrevem no início do ano letivo, é uma atividade optativa oferecida no segundo turno escolar.

Esta proposta de educação inclusiva dentro da escola especial tem mostrado resultados surpreendentes, pois os alunos que tem dificuldades maiores são desafiados a superar suas próprias limitações para poderem compor um trabalho coletivo em pé de igualdade com os demais colegas. Muitas vezes, em função destas “limitações”, o grupo cria soluções criativas que incorporam estas dificuldades e que acabam se tornando parte fundamental da coreografia criada conjuntamente.

Apesar de sermos todos regidos pela mesma constituição mecânica, nos movimentamos de um modo muito particular. O homem tem essa capacidade de individualizar e personalizar seus padrões de movimento, tornando-se um ser único. Cada indivíduo forma, assim, um universo à parte, com seu próprio

desenho corporal e sua história. Nosso corpo, independente de estar vinculado a fatores culturais e étnicos, tem a sua trajetória e sua carga histórica. E essas características devem ser respeitadas. Pois, o modo como nos postamos e organizamos nosso corpo para o movimento é o exercício da nossa individualização, direito conquistado por nós. (BERTAZZO, pg 17, 2012)

Em contrapartida, os alunos (sem déficit intelectual) que se inscrevem, também apresentam dificuldades peculiares e próprias que vão sendo trabalhadas durante as aulas através da mediação que realizo. Estas crianças e adolescentes chegam nos primeiros dias de aula extremamente embotados e aprisionados nos modelos artísticos veiculados pela mídia e tem muita dificuldade de iniciar um processo criativo espontâneo e próprio.

A interação com os alunos ditos deficientes é extremamente rica neste ponto, pois estes, libertos destas amarras culturais, são extremamente sensíveis, extrovertidos e criativos à revelia de suas limitações intelectuais ou físicas. Estes contrastes vão criando condições muito interessantes e ricas de trabalho, num processo dinâmico de

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trocas e aprendizagem.Para Vigotsky, as experiências de cada um, suas trajetórias, convivências,

contextos e nível de conhecimento, compartilhados e trocados em e no grupo, gerarão ampliação das capacidades individuais e coletivas.

O sócio-construtivismo de Vigotsky defendia que o desenvolvimento da inteligência era conseqüência da convivência social. Nesta interação social estaria a cultura, que também desenvolve o indivíduo, já que só é construída a partir do momento que existe o outro.

O desenvolvimento e a aprendizagem humana estão diretamente ligados ao social (o outro e as relações), ao cultural (as interpretações e representações dos mediadores-mediados) e ao histórico, inerente ao social e ao cultural e por eles também influenciado.

As relações entre desenvolvimento e aprendizagem são processos intimamente relacionados: imerso em um contexto cultural que fornece a “matéria prima” do funcionamento psicológico, o indivíduo tem seu processo de desenvolvimento movido por mecanismos de aprendizagem acionados externamente. Por outro lado, embora processos de aprendizagem ocorram contantemente na relação do indivíduo com o meio, quando existe a intervenção deliberada de outro social nesse processo, ensino e aprendizagem passam a fazer parte de um todo único, indissociável, envolvendo quem ensina, quem aprende e a relação entre essas pessoas. (CASTORINA, p.58, 1990).

O trabalho tem a duração de um ano e o grupo tem o desafio de montar um espetáculo que sintetize tudo que foi aprendido neste tempo e apresentar para a comunidade escolar em diversos eventos, mas principalmente na semana da consciência negra, por se tratar de um trabalho dentro desta temática.

O fio condutor das aulas são os ritmos afros que apresento ao grupo. O termo ritmos afros decorre da proposta de utilizar músicas de diferentes regiões e países que foram influenciados pela matriz africana. Dentreas músicas incorporadas ao trabalho, incluo apopular brasileira, Reggae, Jazz, Soul, Ritmo and blues, Salsa, Rumba, samba, além dos ritmos dos folguedos e manifestações culturais afro-brasileiras como capoeira, jongo, congo, maculelê, maracatu, puxada de rede, batuque,etc.

Desde o ano passado agregou-se o Hip-hop e Rap, através da parceria com o Ponto de Cultura Assunção, materializado na contribuição do professor Jukinha.

Através do estudo e da vivência corporal destes ritmos, vou apresentando aos alunos alguns recortes deste universo e o contato com a obra dos grandes mestres - referências não só da música como também da cultura negra como um todo.

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Neste sentido, a proposta se diferencia pela diversidade oferecida, ou seja, não se trata especificamente de dança afro (dança de orixás) ou dança africana, embora elas estejam presentes, pois também são incluídas. Assim, trafegamos durante o anopor diversas manifestações que estão presentes na cultura negra, contemplando o pressuposto na lei 10639/93 que prevê:

Nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-brasileira.O conteúdo programático desse diploma legal inclui o estudo da África e dos Africanos, sua luta na construção do Brasil, além da cultura afro-brasileira na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política, pertinentes à História do Brasil.Os conteúdos referentes à História e Cultura Afro-brasileira devem ser ministrados no âmbito de todo currículo escolar, em especial, nas áreas Educação Artística e de Literatura e Histórias Brasileiras.

O calendário escolar inclui o dia 20 de novembro como “Dia Nacional da Consciência Negra”.

A proposta pedagógicaé estruturada no desvelamento e na experimentação deste universo no qual música, dança, espiritualidade estão interligados enquanto valores civilizatórios, indissoluvelmente vinculados à história e à origem do povo negro e de seu legado através do seu modo de ver, sentir e interagir.

Estes valores civilizatórios são justamente a articulação dinâmica dos conceitos de Circularidade (trabalhar em círculo), Religiosidade, Corporeidade, Musicalidade, Cooperativismo, Ancestralidade, Memória, Ludicidade, Energia vital/Axé, Oralidade(a cor da cultura, caderno 3 p. 18),que estão presentes no cotidiano do do povo afro-brasileiro e na sua cultura, e portanto experienciado no cotidiano da sala de aula.

O trabalho corporal realizado vai além da dança, pois também experimentam-se os ritmos através do canto e da execução de instrumentos musicais, como o violão e a percussão. Entendende-se que,para o africano, o ritmo está integrado a um todo indivizível, ou seja, manifesta-seno corpo inteiro - que canta, dança etoca, embalado pelo prazer do fazer coletivo.

Na perspectiva dos valores civilizatórios africanos o ser humano é compreendido como um todo integrado e articulado. Como revela o diagrama acima, “tais valores não são lineares, estanques, mas se interpenetram, se hibridizam, obedecem a fluxos e conexões que se dão na cotidianidade e na imersão e absor;ão dessa dimensão civilizatória”. (Modos de interagir. A cor da cultura. Caderno 3, p.16 e 17 Rio de Janeiro 2006 ).

Dentro desta dinâmica de interrelaçãoprópria da cosmovisão africana confeccionamos, ao longo do ano, alguns instrumentos como xequeréus, caixixis,

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tambores dágua de cabaças, berimbaus, integrados com outros aspectos de produção artística como pinturas de máscaras africanas e treino gráfico para grafitagem.

Porque a proposição deste trabalho com este nome DANÇA E MÚSICA (RITMOS AFROS)?

Dança e a música são indissociáveis e é preciso vivenciá-las juntas. Aprender os movimentos corporais da dança e executar os instrumentos de percussão constituem habilidades complementaresque exploradas de maneira sinérgica, aguçam a capacidade de sentir e compreender tanto as divisões

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melódicas, como os ritmos, o que por sua vez facilita a incorporação dos movimentos.É de onde parte a pesquisa, sempre com foco na experimentação corporal e rítmica.

A música negra, seu impressionante e variado processo de fusão, originando ramificaçõesem distintos lugares do mundo, bem como as manifestações folclóricas e culturais específicas do Brasil (já mencionados), os ritmos da umbanda e do candomblé, fornecem a matéria prima para a realização do trabalho.

A música popular brasileira com sua incontestável influência afro é, evidentemente, bem explorada, momento oportuno para que os alunos entrem em contato e/ou conheçam artistas e suas relevantes criações:desde Wilson Simonal, Tony Tornado, Banda Black Rio, até artistas e obras mais contemporâneas e atuais, como Nação Zumbi, Marcelo D2, Ultramen, etc.

Como um trabalho autoral, é afetado pelas coisas que me tocam e me emocionam, pelas minhas vivências e experiências em relação ao universo afroque conheci e ao qual pertenço como mulher e professora negra que acredita na riqueza destesvalores culturais como formadores de identidades e sujeitos.

Como formadora de opinião é, ainda imprescindível que assim seja, resultando em um trabalho emocionado, capaz de igualmente mobilizar os alunos, valorizando aspectos de sua negritude ou de seu lócus cultural produzindo reverberações em suas auto-estimas.

A BELEZA DO CORPO EM MOVIMENTO

É comum os alunos terem dificuldade de se expressarem através da linguagem corporal por acharem o próprio corpo feio, desproporcional, muito gordo ou muito magro, sobretudo quando se trata de alunos com déficit intelectual e/ou dificuldades psicomotoras - caso dos alunos da escola especial, e de alunos que se encontram na complexa fase da adolescência - caso dos alunos da comunidade.

Vejo que a dança oferece um espaço privilegiado para se trabalhar a auto- estima, pois aos poucos os alunos aprendem a movimentar-se através do ritmo, buscando uma sincronia entre o movimento e a música. Este exercício de sensibilidade, no qual se busca umaharmonização, vai mostrando que um corpo em movimento pode ser bonito quando expressa uma sensação ou um sentimento integrado na música-dança.

Na frente do espelho o aluno é provocado a se olhar e realizar movimentos expressivos e espontaneamente sensuais - de extrema beleza.

Há que se fazer uma diferenciação aqui de sensualidade esexualização/erotização estereotipada das dançarinas de funk. Um dos meus objetivos é

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romper e ir além da massificação que a mídia impõe às nossas crianças e adolescentes. Propor uma mudança de paradigma em relação à sensualidade pronta para o consumo.

A sensualidade que emerge na dança, principalmente nos ritmos afros, torna-se natural. Emerge como manifestação importante e fundamental do ser humano, tanto quanto outros sentimentos e sensações humanas, como a agressividade, a tristeza.

O corpo tomado como via de expressão do sujeito integral e de suas sensibilidades - o corpo que dança e se expressa é, sim, um corpo bonito. Mais além dos corpos sarados e perfeitos que são explorados no carnaval e em outras manifestações culturais, descobre-se a possibilidade de descobrir o corpo naturalmente bonito, porque diferente dos padrões de beleza, porque espontâneo e original – é como se nosso olhar passasse agora a encantar-se pela ala das baianas e não mais apenas pelas madrinhas de bateria. Uma beleza e uma sensualidade menos óbvia.

Há que se falar também que o corpo do africano e afro-descendente possui marcas ecaracterísticas bem próprias e distintas do padrão europeu imposto como belo, presentes em ampla maioria de cidadãos brasileiros (pode estar no cabelo, no nariz, na bunda, etc). Uma parte significativa dos alunos são afrodescentes, o que remete à importância de reverter o olhar preconceituoso edeformado por séculos de escravidão, valorizando esta herança que nos diferencia, mas não nos torna menos belos.

Segundo Nelson Olokofá Inocêncio podemos abordar o corpo sob o aspecto coletivo, integrado e que dá sentido à própria noção de identidade e ao corpo dos indivíduos.

Mulheres e homens que acumulam registros das vivências e porque não dizer das agruras de experiências proporcionadas pela subalternização histórica. O corpo coletivo tem sua importância enquanto mantenedor de valores herdados de sociedades africanas, apesar das crises de identidade a que pessoas negras são constantemente submetidas, o espaço das interações coletivas continua a exercer um papel importante enquanto referencial identitário dos grupos marginalizados em função de questões sócio-raciais. Óbvio que tudo isto enfrenta os apelos da sociedade de consumo e, circunstancialmente, sucumbe a eles.

Sobre o corpo de mulheres e homens negros, permanentemente vinculados a conceitos problemáticos como exóticos e primitivos, revelando um estranhamento que não se esgota, algumas considerações são cabíveis. Nossa sociedade naturalizou o processo de embranquecimento e por esta razão se imagina

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branca. Os indivíduos negros a ela condicionados, geralmente não tem dúvidas de possuírem um corpo que em muitas situações se torna um verdadeiro fardo. Isso independe de formação política ou ideológica”. (caderno 1 modos de ver. A cor da cultura, pg 54 Rio de Janeiro 2006,).

Outro aspecto relevante do trabalho, no processo de formação dos alunos é a visitação a lugares-referência na produção cultural de matriz africana, como os Pontos de Cultura Odomodê, Quilombo do Sopapo, Assunção, dentre outros, para que entrem em contato com diversos fazeres degrupos e pessoas, fortalecendo e enriquecendo assim osseus repertórios e as suas compreensões acerca do que estão aprendendo.

COMO ACONTECE O TRABALHO NO DIA Á DIA

Inicio o trabalho sempre com alguma brincadeira corporal, que integre e auxilie a constituição de vínculo entre eles, além de cumprir a função de aquecimento muscular e articular de maneira mais divertida do que simplesmente a ginástica e os exercícios físicos. Podem ser desde uma brincadeira bem simples como cabra-cega e outras tantas conhecidas do universo infantil, de experiências de dinâmicas de grupo e teatro e até mesmo aquelas sugeridas pelos alunos.

Muitas vezes este aquecimento se torna a parte mais importante do trabalho, pois os alunos tem muita necessidade de jogar e brincar com regras e mediação da professora. Várias vezes pedem para parar os ensaios para repetir alguma brincadeira que eu propus em algum momento, também a brincadeira e o jogo são muito importantes nos momentos em que o grupo está muito agitado, sem motivação e concentração.

A brincadeira espontânea também tem lugar assegurado durante as aulas, pois utilizo a mesma sala onde acontece o complemento de teatro, então os alunos

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sentem muito prazer em vestir os figurinos do armário, brincar de faz de conta, criar situações cênicas.

D e p o i s que o grupo está “aquecido” inicio o trabalho específico com o samba, mostrando a movimentação

básica e procurando fazer com que os alunos percebam a música através do corpo, que reconheçam o tempo forte da música eda “repetição”quecompõe o ritmo, criando uma pequena coreografia com uma sequência sistematizada.

Neste momento os alunos são apresentados a obra de grandes sambistas da velha guarda como Cartola, Noel Rosa, Guinga, dentre outros e numa linha temporal que passa por João Nogueira, Clara Nunes, Luis Melodia, Seu Jorge,

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dentre outros inúmeros nomes da música brasileira. Exploramos ainda o samba Rock e outras fusões rítmicas de músicos daqui

do sul e centro do país, como Luis Wagner, Bebeto, Nação Zumbi, Cordel do fogo encantado, dentre outros.

Seguimos no samba revisitando também a Bahia e o samba reaggae através das obras da Banda Olodum, YleAyê, Margareth Menezes, Carlinhos Brown, etc.

Na medida em que os alunos vão entrando em contato com estas músicas, através da dança, vão memorizando as letras, os nomes das bandas e ficam atentos quando estes artistas aparecem na TV e no rádio. Também passam a procurar os vídeos na internet, pois a partir de uma determinada música que trago, passam a gostar intensamente da banda ou do cantor e ficam curiosos para conhecer mais.

Na esteira do samba reagae da Bahia, trabalhamos as manifestações culturais brasileiras, assim como no samba, apresento as ladainhas e corridos da capoeira e os movimentos básicos e também do maculelê, da puxada de rede, Afoxé, etc. Neste momento introduzo as aulas de ritmo e execução de instrumentos de percussão através do ritmo chamado Ijexá (o Ijexá é o toque utilizado tanto no candomblé como na capoeira). O Ijexá é de fácil assimilação pelos alunos

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e depois de aprenderem e comporem a bateria, exercitam o canto de uma série de músicas que foram trabalhadas anteriormente.

Em várias aulas eu também utilizo o violão para cantarmos juntos canções com outras harmonias da MPB, alguns alunos levam o violão e aprendem a conhecer e executar algumas cifras.

Da mesma maneira, vamos entrando em contato com os outros ritmos, como o reaggae por exemplo. A sistemática é a mesma, iniciamos aprendendo a movimentação básica e partimos para os instrumentos. As obras e autores escolhidos vão desde os brasileiros, Cidade Negra, Tribo de Jah a Bob Marley, Peter Tosch, etc.

E assim é sucess i vamen te com variados ritmos como o Rap e Hip-hop e outros já citados vão compondo aos poucos a coreografia que vão apresentar no final do ano. Este é um momento muito importante do trabalho, pois é quando os alunos já incorporaram o conhecimento e usam a sua criatividade para criar algo totalmente novo.

Este é um momento muito especial de realização e construção coletiva, onde os alunos são confrontados com um novo e último desafio do curso, que

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é mostrar a sua produção para um público.O desafio de lidar com a vergonha, o nervosismo, o medo de errar e de

se expor é a grande aprendizagem do final do ano que sempre será lembrado, muitas vezes como um marco de orgulho e superação na vida deles.

Se trata de um momento único onde eles tem a oportunidade de experimentar a sensação de estar no palco, de serem protagonistas de uma ação artística, aplaudidos por seus familiares e pelo público em geral.

Acredito que o trabalho realizado no complemento de dança/música (ritmos afros), faz com que valores como, auto-estima, auto-confiança sejam reafirmados, devolvedo-lhes o que Boaventura de Souza Santos chama de “empoderamento dos atores sociais”, tão necessário para estes dois grupos distintos de alunos que são distituídos de qualquer poder pela sociedade em função de sua condição social (alunos da comunidade que se inscrevem voluntariamente) e biológica (alunos com déficit cognitivo).

A ênfase no coletivo da Pedagogia de Makarenko (LUEDEMANN, 2002), consideraação coletiva, a proposta pedagógica do protagonismo juvenil que se concretiza a partir do coletivo, resgatando o social presente no indivíduo e o indivíduo presente no social, por meio do respeito às especificidades dos sujeitos particulares, consideradas a partir das determinações históricas, sociais, culturais e psicológicas.

REFERÊNCIASVYGOTSKY, Lev. A formação Social da Mente. São Paulo: Martins Fontes, 1984.Castorina, J.a et ali - Piaget Vigostsky Novas Contribuições para o Debate, SP , Ed Atica, 1990.BERTAZZO,Ivaldo. Corpo Vivo: Reeducação do movimento. São Paulo, 2010SANTOS, Boaventura de Souza. A crítica da razão indolente: contra o desper-dício da experiência, Santos 2000.LUEDEMANN, Cecília da Silveira. Anton Makarenko: vida e obra – a Pedagogia na revolução. São Paulo 2002.A cor da cultura. Caderno 3. Modos de interagir. Rio de Janeiro 2006A cor da cultura. Caderno 1, Modos de interagir. Rio de Janeiro 2006

*Licenciada em pedagogia/Ed. Especial –PUC/RS. Instrutora de capoeira do grupo de capoeira Cativeiro coordenado por Mestre Miguel Machado. Participou de diver-sas oficinas de dança e música africana e afro brasileira coordenados por Gideon Babalolá e Mestre Moa do Katendê. Professora referência do primeiro ciclo da escola Elyseu Paglioli e do complemento de dança e música (rítmos afros) da escola Elyseu Paglioli.

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Rádio escola dar voz a quem não tem

Elaine Tavares Cordeiro*

Tornar visível a voz de adolescentes e jovens adultos, com deficiência,

que, em geral, são silenciados pela voz dos adultos: seus pais, no âmbito familiar e seus professores, no âmbito escolar. No intuito de serem protegidos, eles acabam não sendo considerados jovens de direitos, com voz, corpo, necessidades, conflitos e propostas. Sua comunicação é anulada, ao ponto de não conseguirem formular um pensamento crítico. Muitos se tornam incapazes de se manifestarem.

Com o complemento de Rádio Escola, queremos mudar a direção dessa comunicação: dar voz a pessoas que, literalmente, não a tem. Queremos que o Rádio venha a ser o canal de manifestação da sua identidade, da sua cidadania e da sua cultura. Queremos que a Rádio venha a ser mais um espaço de inclusão e uma ferramenta de estímulo à oralidade.

São necessárias habilidades específicas para gerir uma rádio dentro de uma escola e são estas habilidades que visamos desenvolver com nossos alunos que, por serem pessoas com deficiência intelectual, precisam de recursos variados como suporte para sua aprendizagem. Desta forma, a

Rádio Elyseu está ancorada no Projeto Político Pedagógico da Escola.

A rádio na escola especial tem um sentido pedagógico e social. Sua função é informar e entreter, mas a produção necessária para cumprir esta função exige dos alunos uma série de requisitos. A produção radiofônica está recheada de sentido; nada que seja dito é aleatório; tem uma intenção e um propósito, que leva os alunos a assumirem o papel de produtor de conteúdo. Divulgar este conteúdo muda o seu status perante os seus iguais e informa a sua família, por exemplo, de seu conteúdo interno: seus gostos musicais, sua comicidade, seu humor, etc.

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O Projeto Rádio Escola já foi desenvolvido em outros tempos na EMEEF Prof. Elyseu Paglioli, por outra professora com outros alunos. A continuidade dele, hoje, se dá a partir da necessidade de abrir outros espaços de aprendizagem, com caráter menos formal, mas com a mesma intensidade que se percebe nos alunos na utilização de tecnologias de comunicação e informação. O radio continua sendo uma mídia atual e por isso faz parte do mundo dos nossos alunos das escolas municipais.

O uso dos computadores, das redes sociais, das máquinas fotográficas digitais e dos celulares, são uma realidade na escola atual e precisam ser incorporados ao processo pedagógico. O mesmo se dá com a produção de rádio.

O termo Rádio Escola se refere à possibilidade de utilização de recursos da mídia rádio, no desenvolvimento de projetos educativos dentro dos espaços escolares. Desta forma, alunos e professores afastam-se da condição de consumidores, assumindo a categoria de produtores de mídia, por intermédio da criação e manutenção de programas de rádio. A Rádio Escola, além de proporcionar momentos de entretenimento e lazer na hora do recreio, tocando músicas ou dizendo recados aos ouvintes, permitirá a construção de propostas de cidadania envolvendo alunos e professores, através de projetos ligados a questões educativas, sociais, culturais, artísticas, questões ligadas a sexualidade, saúde, meio ambiente, ao combate a todas as formas de discriminação e preconceito.

Uma das formas de difusão da rádio escola é através da rádio-recreio. A difusão de programas de rádio via caixas de som espalhadas pelo pátio durante a hora do recreio, veiculando músicas selecionadas pelos alunos para os alunos usando o referencial de DJ’s conhecidos por eles, é uma alternativa que vem se consolidando aos poucos. Outra forma é como Rádioweb. A difusão dos programas produzidos, com conteúdo de notícias, entrevistas, depoimentos, radioconto, seleção musical, se dá através do blog da rádio, cujo endereço é: www.radioelyseu.blogspot.com.

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Para construir esta programação são aproveitados todos os momentos coletivos da Escola, como festas e outros eventos, bem como outras atividades e eventos extra-classe.

O radio continua sendo uma mídia atual e por isso faz parte do mundo dos nossos alunos das escolas municipais.

O Complemento de Rádio da Escola ainda não conta com uma sala de onde possa ser operada e transmitir sua programação. Temos uma caixa de som amplificada, com entrada para cartão, USB e cabo rca. Alguns alunos gostam de manusear cd’s e colocam música dessa forma, ligando um aparelho de cd à caixa, através de um cabo. Outros, utilizam as músicas que estão em seu próprio celular e o ligam à caixa pelo cabo. Outros ainda fazem uma seleção musical no computador e a carregam numa pasta específica que depois é passada para um pen drive.

Cada dia da semana uma dupla de alunos é encarregado de botar música no recreio . Para isso, precisam pegar os equipamentos que estão guardados em um armário específico, carregá-los até o pátio, montar a estrutura e operar.

Depois, desmontar tudo e guardar para que seja usado pela dupla do dia seguinte. Os critérios para a seleção das músicas são: ser dançante, tocar o que se gosta mas também pensar se os outros gostam de ouvir. Alguns cuidados que precisam ter: não pode fazer apologia às drogas, às armas e ao sexo explícito. Em tempos de funk, esse é um

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critério bem subjetivo mas, em geral, eles tem sido bem criteriosos.

Um dia, o pen drive sumiu e T. está fazendo nova seleção musical. Eu o observo de longe. Depois da terceira música que ele arrasta para a Pasta e que eu sei que não faz parte do seu gosto musical, resolvo indagar o porquê disso. Sua resposta me enche de orgulho:

- Eu não gosto dessa porcaria! Mas as gurias da tarde gostam. Há dois meses, quando começou a participar da Rádio, ele não tinha essa

capacidade de se colocar no lugar do outro. Essa aprendizagem de observar suas colegas, seu gosto musical diferenciado do dele e de respeitar esse gosto e, mais ainda, propiciar que elas tivessem disponível no pen drive as músicas que gostam para tocar no dia que lhes é destinado, é um esforço de alteridade enorme. Isso, por si só, justifica a manutenção do projeto, apesar de todas as dificuldades existentes.

Nesse sentido, o trabalho com rádio escolar dentro da escola especial, vem afirmar o direito à comunicação, não somente no sentido de ser consumidor, ouvinte passivo, muitas vezes de rádios que veiculam músicas de gosto duvidoso. Por ser uma linguagem que interessa aos jovens e de acesso muito fácil, ela é capaz de incluir a todos, mesmo àqueles que têm alguns rótulos impingidos, e dá oportunidade às diferentes inteligências. Além disso, também estamos gerando a crítica, a capacidade de ouvir criticamente e filtrar o que se ouve. Quem depois de estar sensibilizado para o bom, o bonito e o agradável aceita algo menos que isso? O que se usa na produção de rádio? A voz, a música, e o silêncio. O que há de mais bonito que isso?

*Elaine Tavares Cordeiro, graduada em Educação Especial/DM pela PUC/RS. Especialização em Gestão de Espaços Educativos, pela UniRitter. Professora da Rede Municipal de Ensino de Porto Alegre, RS, desde 1989, atuando como regente de classe do III Ciclo e no Complemento de Rádio-Escola na EMEEF Elyseu Paglioli. E-mail: [email protected]

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na memória do computador, compondo um diário de fotos desde 2003, os quais dividem registros com os pareceres escritos desde sua inauguração (1999). O Complemento em 2007 e 2008 ficou a cargo da Prof.ª Márcia Wander. Retomo sua coordenação em 2009 até o ano de 2012.

O projeto original do Complemento Curricular, intitulado na época como “Laboratório de Fotografia” (1999), descreve esta atividade como,

Oficina deFotografia

Anelise Barra FerreiraDoutora em educaçã[email protected]

A fotografia como um campo de conhecimento a ser ensinado/aprendido/criado na Escola Municipal Especial de Ensino Fundamental Prof. Elyseu Paglioli, no ano de 1999 tomou a forma de um projeto que foi apresentado ao coletivo da Escola e por este aprovado como um dos Complementos Curriculares. O meu interesse e experiência de fotografa amadora foram unidos aos interesses dos alunos, passamos assim a nos reunir semanalmente para fazer imagens fotográficas.

Recorro ao álbum de fotos do “Complemento de Fotografia” para relembrar fatos da sua história, as imagens remetem a variadas lembranças, apresentam-se como um registro sem palavras do que foi elaborado e vivido. As expressões dos rostos, os alunos pequenos que hoje já são adolescentes, a dimensão de cada instalação, os participantes das inaugurações, o registro de determinada cena, tornam-se presentes a cada vez que os vejo. As fotos provocam sensações “vivas”. As lembranças quebram a linearidade do tempo, elas vêm desordenadas, ou com a ordem da minha memória.

Álbuns, também, estão registrados

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[...] um espaço de pesquisa e de realização de experiências, utilizando-se da linguagem fotográfica, objetivando o conhecimento, criação e apropriação de conceitos científicos, estéticos, culturais, [...] que envolvem esta forma de expressão. Propõe acesso a mais de uma forma de representação e comunicação com o mundo. (FERREIRA, p. 1)

Tinha como objetivo,

Resgatar a história da fotografia: através da história da arte e do retrato; através de processos de obtenção de imagens utilizados pelas primeiras fotografias, como o fotograma; na utilização de câmeras rudimentares feitas em latas ou caixas de papel – técnica do pin-hole. Utilização e criação de técnicas alternativas de obtenção e reprodução de imagem. Conhecimento e utilização de equipamento fotográfico e manual. Envolve o prazer de fotografar, o olhar sobre uma nova ótica, os conceitos de espaço, tempo, luz e sombra,[...] Ampliar os conhecimentos sobre o que é fotografar, utilidades da fotografia no dia-a-dia e na história. Criação e organização do laboratório de fotografia da escola, observação de imagens; análise de fotos tiradas pelos alunos; visitas sistemáticas a exposições de fotográficas; criação de histórias feitas pelos alunos, utilizando imagens; manipulação e obtenção de fotos e o estudo de silhuetas, a luz e da sombra. (FERREIRA, p. 2)

As turmas eram compostas por no máximo 12 crianças e jovens (9 a 20 anos), sendo que metade das vagas era destinada aos alunos oriundos de escolas da comunidade e as demais para alunos regulares da escola. O fotografar era um dispositivo de inclusão dos alunos entre si e na cultura visual que os envolve, favorecendo o entendimento pela fotografia do cotidiano de que fazem parte.

Inicialmente as atividades eram oferecidas em três tardes da semana, sendo redimensionada para duas, chegando a uma vez por semana devido à disposição de carga horária concedida pela Escola, como ocorreu nos últimos anos.

A rotina era bastante variada e

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intensa, envolvia a produção e visualização de fotografias, associadas a outras linguagens, como o desenho, a pintura e a composição de histórias escritas. As aulas eram inicialmente planejadas e normalmente ampliavam-se as propostas na interação com os alunos. Abarcava visitas a exposições fotográficas, leitura e apreciação de revistas especializadas, audiovisuais, saídas por diversos espaços da cidade. Oferecia aos alunos variedade de formas de apresentação (jornais, revistas, catálogos,...) e usos da fotografia. Ver e conversar sobre fotos trazidas por eles era proposta constantemente demandada. Gerava encontros via a linguagem fotográfica, como um fio que unia os alunos das diferentes escolas.

As fotos eram reconhecidas pela proximidade com os alunos, como histórias que se compartilham em atos de cumplicidade e reciprocidade produzidos ao obter e ver suas imagens. As fotos pessoais vinham carregadas de histórias, sentimentos, vivências, como "diários de bordo e trajetórias de vida". A Oficina possibilitava a cumplicidade de entregar-se ao olhar do outro.

Conforme relato da turma de 2001,

Aprendemos a tirar e a fazer fotogramas, a mexer na máquina fotográfica, a fazer o foco,[...] Fomos no laboratório de fotografia. Fizemos uma história com os fotogramas, usamos pincel para desenhar no escuro, fizemos o nome de Porto Alegre, o nome dos alunos, fotogramas de coisas do pátio, com letras, com palitos, com objetos e com as digicartas. Visitamos o Mercado Público, a Beira do Guaíba, o Morro do Osso, o Clube dos Inapiários, o Gasômetro, o barco do Gasômetro e o Araújo Vianna. Estudamos livros de fotos de Porto Alegre, o mapa da cidade, músicas de cantores e compositores nossos. Fizemos a torre do Gasômetro em aula, a cidade em caixas de papelão, montamos nosso Projeto para a exposição “Porto Alegre é demais”. Estudamos o binóculo e o monóculo. Fizemos vários jogos, tem aqueles das fotos preto e branco e da foto preta. Trabalhamos com o projetor de slides e o retroprojetor, com as transparências. Estudamos o equipamento fotográfico, o tripé,[...]

A definição do que é fotografia, assim como e por quem ela é feita foi um conhecimento que eu entendia que devia ser atingido pelos alunos. A fotografia para eles era sinônima do retrato, da foto em que eles e seus amigos e familiares eram registrados: pessoas e poses.

Os alunos aprendiam a reconhecer-se como autores, aprendiam que as imagens que apareciam nas revistas eram feitas por pessoas que como eles iniciaram a estudar como fazê-las. A existência da fotografia nos materiais impressos, no seu cotidiano era desconhecida bem como o fato de um fotografo as ter realizado. Aproximá-las dos alunos era intenção do Complemento, assim como ampliar seu repertório imagético. Havia uma preocupação com o conteúdo do que seria ensinado, a qual era suavizada no decorrer do estudo, dando ênfase a expressão.

A fotografia compreendida como linguagem expressiva viabiliza a produção de

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conhecimento, a criação de novas formas de convivência, ampliação dos repertórios imagéticos, fornecendo elementos para os alunos constituírem posicionamentos críticos e reflexivos sobre as imagens. Envolvia um processo, na ação de fazer imagens, que era mais abrangente que a fotografia em si, o qual nomeava de fotografar.

O fotografar era em um processo coletivo, que englobava a escolha do tema, a preparação dos equipamentos, a composição, a visualização, a edição, a divulgação e a apresentação das imagens fotográficas. Envolvia o estudo e a análise de imagens fotográficas e dos possíveis assuntos a serem registradas. Compreendia também o estudo dos equipamentos e das técnicas, como técnicas artesanais, fotografia analógica e digital, a utilização do laboratório químico e eletrônico, etc.

A necessidade de um equipamento adequado que permitisse registrar o que desejávamos com definição e qualidade semelhante à observada na mídia era cada vez mais urgente. No início do projeto tínhamos uma câmera semi-automática point-and-shot analógica, vindo a adquirir uma câmera semi-profissional com lentes cambiáveis (SLR) e uma lente zoom e grande angular, flash, tripé, papéis, e químicos para revelação, equipamento conquistado por meio do orçamento participativo das Escolas Municipais. Os custos eram elevados e a verba restrita, o que limitava a experimentação. No ano de 2012 já tínhamos seis câmeras digitais e várias câmeras analógicas compondo a coleção da Oficina, sendo estas do meu acervo.

A montagem de um laboratório de fotografia no ano de 2000 possibilitou a exploração de técnicas como o fotograma, o que viabilizava aos alunos o acompanhamento dos processos de obtenção de imagem deparando-se com o resultado imediato da produção, diferenciando-se do tempo necessário a revelação do filme e ampliação das imagens. Brincávamos com desenhos em areia sobre um vidro que cobria o papel fotográfico, prensávamos flores, folhas, desenhos, partes do corpo, objetos os mais variados da coleção que ia montando-se na sala ou que os alunos traziam - experiências variadas. Hoje este não existe mais (virou uma sala de aula).

Os alunos da turma de 2001 descrevem o Laboratório de fotografia como,

Lugar onde a gente faz experiência. Fica no ginásio. Era um banheiro e virou laboratório de fotografia. É todo fechado, escuro. Tem as bacias para

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revelador, a água e o fixador. Tem a luz vermelha, fósforos, [...] Usamos aventais. Tem duas pias. Tem o vidro para cortar o papel fotográfico. Tem as pinças para pegar. No Laboratório nós botamos os objetos em cima do papel fotográfico, para poder sair a sombra deles. A sala tem que estar escura, somente com a luz vermelha. Ligamos o fósforo e contamos até dois. Colocamos o papel no revelador, aparece a sombra dos objetos. Botamos o papel na água e contamos até 30, esperamos terminar de pingar a água contando até10. Depois botamos no fixador por 4 minutos. Colocamos embaixo da água corrente por 20 minutos. É secar.

A câmera digital ampliou as possibilidades de intervenção. Obter imagens em seqüência a baixo custo permitiu que “repetíssemos a história do filme”, montando histórias inicialmente no Power Point, depois no Picasa, no Movie Maker, no Producer, conforme o que aprendíamos fazer e a facilidade de acesso. Fazíamos “filmes de fotos”, ou melhor “fotonarrativas” (termo cunhado referente a esta proposta) simulando o movimento. Envolvia composição de histórias, cenário, figurinos feitos com e pelos alunos. Possibilitava que eles contassem histórias via as fotos. Nesta linha realizamos a montagem de um flipbook com imagens (fotos repetidos com uma pequena alteração entre eles, os quais ao serem colocados em ordem como um livro e folheados passam a representar o movimento). Estas séries de ações são pequenas lembranças frente à intensidade das relações que se vivenciava via o fotografar.

No decorrer das aulas as fotografias registradas eram selecionadas e trabalhadas para a confecção de instalações a serem expostas em centros culturais da cidade. O então nomeado “Laboratório de Fotografia” participava do Projeto da Secretaria Municipal de Educação “Escola Faz Arte” e do “Elyseu em Cena”, apresentação anual de projetos da escola em teatros municipais . O tema não era previamente direcionado, no segundo semestre (habitualmente) observava-se o que já tinha sido realizado e o grupo de alunos em conjunto comigo traçava uma direção (flexível) para confecção e montagem do trabalho. Algumas vezes encomendas eram feitas, como o registro do dia-dia da Câmara dos Vereadores (1999) e a execução de peças para o cenário da apresentação de algum dos Complementos (como caixas imitando brinquedos gigantes, revestidas de cópias de fotos dos alunos).

As exposições eram uma forma de reconhecimento do processo experimentado pelos alunos, pelos seus familiares, pela escola e para eles próprios. Posicionava-os de forma diferenciada. O transbordamento do espaço escolar, sua redefinição enquanto produtor de significados diversos parecia materializar-se nestes acontecimentos como resultado de um longo processo de fotografar.

As exposições eram instalações cheias de vida e de relações com cada um dos alunos, e comigo, diferenciavam-se das formas de apresentação que

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mostram as imagens ampliadas em papel e devidamente emolduradas, as formas burlavam este entendimento. As fotos eram recortadas, bordadas, reunidas, apresentadas em transparências, em grandes painéis, acompanhadas de sons e de outras tantas formas e materiais que surgiam na produção de cada turma do/no Laboratório/Oficina de Fotografia (o nome “Oficina de fotografia” foi utilizado posteriormente, acompanhava a denominação dos demais complementos).

Cada exposição era inaugurada com uma celebração nos moldes convencionais de uma vernissage: brindava-se com um coquetel em presença dos convidados. Contava-se com a participação dos familiares dos alunos, dos colegas, de outras instituições e com pessoas que se relacionavam com o trabalho desenvolvido. Havendo espaço físico, outros Complementos Curriculares, como o de Dança e Máscaras eram convidados para participar.

Apresento algumas cenas de acordo com o passar do tempo cronológico.

1999, o início,...Em uma visita a Câmara de Vereadores de Porto Alegre, o professor

responsável pelo Memorial convidou os alunos do “Laboratório de fotografia” para fazer o registro fotográfico das atividades desenvolvidas no Legislativo. A

Câmara forneceu o material necessário (filme e revelação em preto e branco) e expusemos as imagens como parte da Programação da Semana da Criança. Circulamos nos meses de agosto e setembro livremente por vários espaços, acompanhando as atividades do Legislativo, entrando em contato com as pessoas que ali trabalhavam, analisando o que iríamos fotografar e como o

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faríamos. Nesta época não tínhamos máquina digital e as escolhas eram mais cuidadosas. Fizemos um make off (registro da produção da exposição) em forma de história em quadros com fotos. O nome da Exposição foi “A Câmara pelo olhar da Criança”.

2000 - Exposição “Meninos e meninas da Escola”.

Na Casa de Cultura Mario Quintana, na Oficina de Arte “Sapato Florido” foi exposto um painel com o resultado de um longo trabalho, os alunos fotografaram todos os seus colegas da escola (centrado no rosto e no olhar). Cada participante do Laboratório (onze ao todo) fotografou também, objetos, fatos e pessoas que gostava, estas fotos foram expostas em painéis suspensos. Os painéis eram figuras, silhuetas de

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objetos de sua preferência, como um cavalo, o jogo de vídeo game, uma flor. Os alunos haviam levado a máquina para casa para fotografar o que quisessem (a maioria trouxe fotos de pessoas). O nome de cada aluno foi feito em fotogramas. Imagens foram impressas em transparências e apresentadas em uma sacada de vidro, aproveitando sua luminosidade. Balões preenchiam todo o chão do espaço da exposição no dia da sua inauguração. Foi um trabalho intenso e o grupo que exigiu bastante.

2001 – Exposição “Porto Alegre é demais”Porto Alegre foi o tema de interesse deste ano, foi construída uma grande

maquete representando com objetos do cenário e com fotos do entorno da Usina do Gasômetro, os alunos foram também retratados e faziam parte da instalação como personagens. Fotos de cenas da cidade foram ampliadas e emolduradas. Foram apresentadas no refeitório da escola e no “Elyseu em Cena” (apresentação anual de projetos da escola em teatros municipais).

2002 – Exposição “Fotogramas e natureza em P&B”O retrato tomou grandes proporções, fotos de corpo inteiro foram realizadas,

um colega fotografava o outro. Estas foram ampliadas (1m), coladas em papelão e recortadas. Cada aluno tinha sua imagem que era transportada para vários lugares, podendo formar infinitas cenas. Estas imagens na exposição dirigiam seu olhar para um painel composto por quadros com molduras de papel reciclado e fotogramas de diferentes temas realizados pelos alunos. Esta exposição foi apresentada na Câmara de Vereadores.

Outra exposição foi montada com materiais e tema semelhantes para o “Escola Faz Arte”. Uma instalação com um galho de árvore sustentava fotogramas emoldurados com papel reciclado, sob esta havia um chão de folhas secas, onde fotos dos alunos, nos mesmos moldes da anterior, mas menores distribuíam-se em torno de um lago artificial. O nome da exposição era “Fotogramas e natureza em P&B”. Foi a minha exposição preferida.

Para o “Elyseu em Cena” uma apresentação com imagens foi preparada, onde eram projetados slides (filme) feitos pelos alunos sobre coisas que eles gostavam, as quais dividiam o palco com os retratos de corpo inteiro utilizados na exposição anterior. Os alunos caminhavam cantando a música interpretada por Marisa Monte:

Cores imagens, CoresOriginais as coresDemais as floresE mais amores

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Esta música inúmeras vezes acompanhava as aulas. Uma cena me emocionou, uma aluna carregava pela plateia ramos com margaridas, estas já desmaiadas pelo calor do teatro em que se apresenta tinham uma beleza especial. A música tocava enquanto ela oferecia com delicadeza as flores. Ela subiu no palco com seus colegas e dançou leve por entre retratos de corpo inteiro ampliados dos alunos da turma até achar o seu. Uma lanterna a guiou enquanto fotos de flores feitas pelos alunos foram projetadas: “Flores, imagens, cores”.

2003 – Exposição “Fotogramas”A exposição “Fotogramas” foi apresentada em molduras feitas com galhos

de madeira, amarrados com sisal, pendurados em um grande galho, que por sua vez também era suspenso. Foi realizada nos porões da sede central da Prefeitura Municipal de Porto Alegre, dentro do Projeto “Escola faz Arte” e no “Elyseu em Cena”. Os fotogramas foram feitos pelos alunos retratando diferentes objetos e montagens.

2004 – Exposição “Elyseu em foto” Em sala de aula foi organizado

um estúdio fotográfico, para retratar o rosto de todos os alunos da escola, o melhor fundo, a melhor posição dos equipamentos e da pessoa a ser retratada foram escolhidas e discutidas com os alunos (cinco alunos matriculados na escola compunham a turma – os alunos da comunidade aos poucos foram afastando-se por motivos diversos). A máquina digital conectada a televisão permitia que todos vissem a montagem da pose, esta era acionada pelos alunos por controle remoto.

As fotos foram montadas em um painel bordado por mim e por professoras convidados. A produção coletiva era sempre incentivada. Os alunos ajudaram a preparar os tecidos, colar as fotos e prendê-las, bordando ao redor destas. O painel foi nomeado como “ELYSEU em FOTO”. No dia 17 de novembro foi exposto no Teatro de Câmara Túlio Piva, dentro da programação do “Elyseu em Cena”, após foi exposto na entrada da escola e nos seus corredores.

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2005 – Apresentação “Criança não trabalha, criança da trabalho.”Em parceria com o Complemento de Máscaras organizamos a interpretação

de uma história nomeada “Criança não trabalha, criança da trabalho”. Esta história foi construída e interpretada pelos alunos em variados ensaios. Foi apresentada no “Elyseu em Cena”.

Os alunos do Laboratório de Fotografia tiraram fotos do entorno da escola, explorando o arroio onde são depositados lixo e objetos variados. As fotos foram impressas em transparências do tamanho de um filme de 35 ml. Montadas em molduras para slides eram projetadas como parte da apresentação.

2006 - O Laboratório de fotografia ficou desativado devido à redução de carga horária para os Complementos Pedagógicos e meu afastamento para estudo.

2007 - 2008 - O Laboratório de Fotografia foi reativado, sendo coordenado pela Professora Márcia Wander.

2009 - Retorno a coordenação da “Oficina de Fotografia e Vídeo”. Montamos um painel de placas forradas com tecido com fotogramas e bordados com linha e missangas.

2010 – Organizei uma exposição com várias escolas da rede, mostrando trabalhos feitos pelos alunos, nomeada como “Aluno faz foto”, no Memorial do Rio Grande do Sul e no final do ano foram expostas fotografias no “Elyseu em Cena”.

Foto: Juliana Bartz (aluna)

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2011 – A Exposição foi realizada no “Elyseu em Cena”, no Teatro Túlio Piva, mostramos fotos feitas com luz negra e fotos manipuladas no computador de coisas que os alunos gostam.

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2012 – Realizamos a exposição “Meus Amigos” (retratos dos alunos, um amigo fotografava o outro) e fotos sobre “Porto Alegre”, no Saguão do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia – RS (IFRS), no centro da cidade. Este trabalho foi o resultado deum curso de fotografia oferecido pelo IFRS, coordenado pelo Prof. Walter Karwatzki, durante o ano visitamos pontos turísticos da cidade e os alunos os fotografaram. Na escola estudamos stop-motion, montamos um estúdio e fizemos algumas histórias com massa de modelar, fotos, objetos, desenhos, etc. O stop-motion “1,2,3 Amores” foi apresentamos no Festival de Cinema Estudantil promovido pelas Secretarias da Cultura e da Educação de POA.

Os fatos citados sobre a “Oficina de Fotografar”

sinalizam a possibilidade de destacar focos de

investimento para uma possível “pedagogia do

fotografar” no espaço escolar.

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O teatroeducação

Cristine Patané

O trabalho com a oficina de jogos teatrais consistia em mergulhar os alunos na linguagem teatral através de jogos de imaginação, improvisação, jogos corporais, dança criativa etc., que possibilitassem a formação de um grupo, capaz de criar coletivamente, e sujeitos capazes de estar em grupo, jogando, aprendendo regras, adquirindo habilidades pessoais e aperfeiçoando suas marcas singulares.

O jogo teatral é uma mistura do jogo de regras de Piaget com os jogos de improvisação desenvolvidos por Viola Spolin. No Brasil a obra de Spolin foi traduzida por Ingrid Koudela, que escreveu vários livros direcionados ao teatro-educação. Utilizei esses referenciais para o meu trabalho, bem como a experiência na própria carne do fazer teatral, em grupos de teatro.

Muitos dos jogos foram adaptados e recriados por causa da tamanha heterogeneidade que o grupo apresentava. Diferenças cognitivas, subjetivas, físicas, de toda ordem. Aprendemos ao longo destes 18 anos a administrar em sala de aula essas diversidades e produzir com elas.

O jogo teatral no teatro-educação teoricamente é muito mais voltado para o processo de criação dos jogadores do que para a produção de uma obra teatral, porém nossa experiência nos mostrou que a montagem teatral encenada em um palco, com luz, som, cenário, ou uma exposição de trabalhos de artes visuais produziam efeitos muito importantes nos alunos, e também nos pais, pois ao ver seu filho atuando “sozinho”, e em grupo, alguns pais vislumbravam um filho com reais capacidades, com possibilidades no social.

Histórico das montagens teatrais realizada pela oficina de jogos teatrais:

1994- OS SALTIMBANCOS.A peça, inspirada no conto dos irmãos Grimm “Os Músicos de Bremen”,

narra a história do encontro de quatro animais (um jumento, um cachorro, uma

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galinha e uma gata), que devido a maus tratos, fugiram de seus patrões. Juntos decidem formar um grupo musical e rumam à cidade para começar a carreira artística. No caminho encontram seus antigos donos e temendo serem novamente escravizados, resolvem enfrentá-los. Os bichos vencem e chegam à conclusão de que unidos conseguirão superar todas as dificuldades.

Adaptação: Chico BuarqueTexto original: Sérgio Bardotti | Música: Luis Enriquez

1995- PEQUENAS ESTÓRIAS DO MUNDOCriação coletiva baseada em alguns mitos (mito Indu, mito de Adão e

Eva) sobre a criação do universo e do homem, discutindo conjuntamente com as descobertas científicas.( BigBang, extinção dos dinossauros, homem das cavernas).

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1996/1997 – A BRUXINHA QUE ERA BOABaseado no texto de Maria Clara MachadoA peça infantil conta a história da Bruxinha Ângela, uma bruxinha diferente

das outras que frequentam a Escola de Maldades da Floresta e que estão sendo preparadas para serem as piores-melhores bruxas e assim ganhar a tão sonhada vassoura a jacto. Caolha, Fredegunda, juntamente com Ângela serão avaliadas pelo Bruxo Belzebu Terceiro que escolherá a pior bruxinha de todas. Porém nem os conselhos e ensinamentos da Bruxa-Chefe ajudam a Bruxinha Ângela a ser uma excelente aluna e como castigo ela é presa na Torre de Piche. É nessa hora que ela conhece Pedrinho, um jovem lenhador que não se assusta com a aparência da Bruxinha Ângela e a ajuda a fugir do castigo e ganhar a tão sonhada vassoura à jacto.

Na nossa adaptação mudamos o nome de Ângela para Luiza visando usar a música de tom Jobim, Luiza.

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Apresentação no Araújo Viana!

Apresentação no teatro da Reitoria da UFRGS.

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1998- RETARDADO É A TUA VÓ. Criação coletiva musical que buscava questionar os rótulos da escola

regular e especial. Assim criamos a escola espacial e os regulóides. Um encontro entre essas crianças vai mudar todas essas categorias nos instigando a pensar sobre a loucura, o sofrimento e o quanto isto afeta a todos. Utilizamos as obras de Van Gogh para projetar no cenário e nos figurinos brancos, bem como utilizamos como subsídio a estória de sua vida.

.Músicas cantadas na montagem

Música cantada pelos alunos da escola espacial:Eu tenho sim, Eu tenho simEu tenho síndrome de down se você me chamar de retardado eu digo que é a tua vó.Ò seu doutor, ó professor, ó tenha dó, se você me chamar de retardado eu digo que é a tua vó.

Música cantada pela menina da escola regulóides que tinha uma vó que estava sofrendo muito pela morte do avô, e tinha saído de casa e se perdido pela cidade.

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A minha vó ficou tão sóEnlouqueceu quando meu avô morreuOnde ela esta?Estou tão triste Será que ela ainda existe?

Música cantada pelos alunos da escola regulóides:Eu sou normal nasci assim a maioral vcs vão verNasci perfeita da cabeça aos pés.

2003/2004- O PEQUENO CIRCO “MIXTO” Inspirado obra de Chico Buarque. “Mtixto” foi um bebezinho que nasceu no

meio da praça e inspirou os artistas que moravam na rua a fundar o pequeno circo “Mixto”.no futuro este palhacinho vai dar continuidade ao trabalho do circo i reunindo muito mais artistas ao seu redor.

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2005- COMO NOSSOS PAIS Nesta montagem fizemos uma viagem ao passado e revisitamos os ídolos

dos pais dos alunos , como Elvis Presley, Jacksom five e simulamos um cinema antigo com filmes mais clássicos.

2006- VOVÔ VIU O OVOCriação coletiva inspirada no conflito de gerações na hora da escolha

da música. Muitas pessoas vivendo numa casa cada uma delas curtindo o seu som: Como podemos administrar estas diferenças!

Foram utilizados vários clips feitos pelos alunos.

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2007- BAILANTESFoi inspirada no Filme Baile de Ettore scola 1983 e nos Embalos de

sábado noite de John Badaham 1977. Com várias esquetes sobre os jovens e suas peripécias no baile .Utilizamos também para trabalho corporal em cena

algumas partes da coreografia de Jonh Travolta. Foto: Kátia Espíndola.

2010- O CASTELO DESENCANTADOEste trabalho foi um desafio reuniu pela primeira vez várias oficinas num

mesmo espetáculo , dança, teatro , música, canto professores e alunos en-cenando juntos. A estória contava a vida das crianças de um vilarejo ameaçadas por uma bruxa muito malvada, mas com ajuda dos seres da floresta e das crianças ela vai ter o final que merece.

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2011 ”Elisbela e a Fera”Contava a estória de crianças que se perderam dos pais na cidade, e

encontram em um cachorro, e nas suas próprias espertezas uma maneira de sobreviver.

Foto Elaine Tavares Cordeiro

2012 – SALÃO ELYSET’SNinguém sai impune ao entrar no salão Elysets , todos se transformam nas

mãos das fadas e donas do salão. Uma mistura de operetas como o barbeiro de Sevilha , com musicas do moby, canções de desenhos em quadrinhos .fazem a festa e as mutações

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“TEATRO DOS PROFESSORES”

No ano de 2002, um grupo de professores da Escola Elyseu Paglioli após ter sucesso ao realizar uma montagem teatral para os alunos e a comunidade escolar, resolveu contratar um professor de teatro para semanalmente lhes dar aula e preparar os espetáculos. As apresentações aconteciam no “Elyseu em cena”. Nosso diretor dos primeiros anos foi Evandro Soldatelli. As aulas foram mantidas de 2003 a 2007.

O grupo era formado por: Anelise Barra Ferreira, Amélia Tocchetto, Cíntia Leão, Eliana Correia, Kátia Spíindola, Márcia Rappeto, Márcia Wander, Cristine Patané e Marco Ferraz.

Espetáculos:- 2003 - “O fatal encontro entre a Bandida do Deserto e o Poeta

Arrependido” - Baseado na obra de Eduardo Galeano “Palavras andantes”.- 2004 - Esquetes do circo/intervenções no Elyseu em cena.- 2005 - “Os artistas em Valdeboira”- 2006 - “Porta”- 2007 - “Macarena” - Esquetes/intervenções no Elyseu em cena.

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Esta revista aborda a educação de um lugar especial, designação que vai além de uma tipologia de atendimento, constitui-se na ousadia de experenciar e propor formas diferenciadas de ser escola.

Refiro-me a Escola Municipal Especial de Ensino Fundamental Prof. Elyseu Paglioli, que no ano de 2013, completa 25 anos de existência e resistência na rede pública de ensino e compartilha com o leitor textos e imagens realizadas por suas professoras.

Ensaios, artigos, relatos abordam o fazer, pensar sobre o ensino e a aprendizagem. Encontramos diferentes enfoques, concepções teóricas, modos de vida que afirmam o poder de criação da diversidade.

Anelise Barra Ferreira