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C.E.T.O. Revista do Centro de Estudos de Terapia Ocupacional Ano 4 - Número 4 - 1999

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C.E.T.O.Revista do

Centro de Estudos de Terapia OcupacionalAno 4 - Número 4 - 1999

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C.E.T.O.C.E.T.O.C.E.T.O.C.E.T.O.C.E.T.O. - Centro de Estudos de Terapia Ocupacional

Rua Fradique Coutinho, 1945 - Sala 1 - Vila MadalenaCEP 05416-012 - São Paulo, SP

Telefone/Fax: (11) 813-2131 e (11) 813-2426

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Revista do Centro de Estudos de Terapia Ocupacional - ano 4 - nº4 - 1999 1

C.E.T.OC.E.T.OC.E.T.OC.E.T.OC.E.T.O.

Será que podemos falar de maturidade aos quarenta? Para ohomem talvez, para uma profissão, com certeza não. Dos quarenta deTerapia Ocupacional, trinta e dois foram por mim partilhados. Nacomparação – ela é nova e eu sou velha. Tão nova que aindaengatinha, felizmente com pernas e bracinhos fortes e bemdesenvolvidos para um futuro andar galhardo. Essa natureza, comuma certa robustez, mas, com muito mais da delicadeza feminina éfilha da maturidade de seus autores. Eles estão em parte aqui e nosmostram que a menina além de bem tratada, tem futuro...

Lilian Magalhães nos abre a dor, que do outro partilhamos eque Sonia Ferrari contorna com um novo formato de trilha ética-estética,para solucioná-la. O lugar e o tempo dos nossos procedimentos têmversos e prosa de Luiz Gonzaga. Ele redunda “fazer-poesia”,localizando e datando as técnicas da subjetividade. Jobin põe em vitrineas atividades. Trata-as como deve ser tratado o instrumento valioso,fazendo-o afinado e capaz de provocar arrepios nos agudos e nosgraves. E por fim Cecília Villares amplia o campo de intervenção daTerapia Ocupacional com sua lentes sistêmicas, nos contando de umaprática totalmente comprometida com o social. Esses cinco ases sãoacompanhados, e, muito bem acompanhados por uma jovem que acabade se tornar especialista, Silvia Helena, que nos mostra como acontecem“atividades com vida”.

A Revista do CETO quer sempre, como acontece neste número,estabelecer o novo historicamente sustentado como seu caminhoeditorial. Por isso, em nome de Solange Tedesco e Sonia Ferrari,apresento as novas professoras Cecília Villares e Viviane Maximino.Esta, clínica- pesquisadora, que maturando a doce robustez feminina,preside o VI Congresso de Terapia Ocupacional, que acontece noEstado de São Paulo, quando o primeiro curso faz quarenta anos.Esperamos que a festa dos quarenta seja a de passagem, de trilhaspara auto-estradas do conhecimento em terapia ocupacional.

Jô Benetton

Revista do C.E.T.O.C.E.T.O.C.E.T.O.C.E.T.O.C.E.T.O.Ano 4 - Nº 4

Setembro de 1999

C.E.T.O.C.E.T.O.C.E.T.O.C.E.T.O.C.E.T.O.Centro de Estudos

de Terapia Ocupacional

DiretoraSonia Ferrari

Coordenadora TécnicaSolange Tedesco

EditoraJô Benetton

Conselho Editorial*Solange Tedesco

Sonia FerrariViviane Maximino

Péssia G. MeyerhofLuiz Gonzaga Pereira Leal

Lilian MagalhãesCecília Cruz Villares

* O conselho editorial da Revista doCETO é composto a cada edição.

Editoração eletrônicaIara Espósito

Responsabilidade EditorialNovo Século AssessoriaGráfica e de Produção S/CLTDA.

A Revista do Centro de Estudos de Tera-pia Ocupacional - CETO, é uma publica-ção anual que prioriza o estudo, a pes-quisa e o debate a partir da prática clíni-ca. Os artigos publicados na revista doCETO são de responsabilidade dos auto-res que assinam e não expressam, ne-cessariamente, a opinião da revista. Cor-respondências para CETO - Rua FradiqueCoutinho, 1945 - Sala 1 - Vila Madalena -CEP 05416-012 - São Paulo, SP. Para re-ceber a Revista, envie juntamente comseus dados, cheque nominal e cruzadoem nome do CETO - Centro de Estudos deTerapia Ocupacional no valor total do pe-dido ou comprovante de depósito bancá-rio por fax ou carta: Banco Itaú, Agência0775, Conta número 04920-8. Preço doexemplar: R$ 10,00. Telefone/Fax:(11)813-2131 e (11) 813-2426.

Editorial

Editorial ............................................................................. 1Trabalho e saúde no próximo milênio: reflexõesa partir das lesões por esforços repetitivosLilian Vieira Magalhães .................................................... 2Terapia Ocupacional espaço da narrativa entreforma e imagemSonia Maria Leonardi Ferrari ........................................... 6Indagações sobre a concepção de cenário emTerapia OcupacionalLuiz Gonzaga Pereira Leal ............................................... 11Da atividade, o que pode ainda ser ditoJean-Guy Jobin, M.Sc. ...................................................... 17Reabilitação psicossocial: O olhar de uma terapeuta ocupacional usando lentes sistêmicasCecília Cruz Villares ......................................................... 27O exercício da clínica da Terapia Ocupacional naespecialização profissionalSilvia Helena dos Santos ................................................. 33

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Revista do Centro de Estudos de Terapia Ocupacional - ano 4 - nº4 - 19992

C.E.T.OC.E.T.OC.E.T.OC.E.T.OC.E.T.O.

AutoraLilian Vieira MagalhãesTerapeuta Ocupacional, professora titular de Saúdedo trabalhador, PUC-Campinas

EndereçoRua Marechal Cordeiro de Farias, 52 Campinas/S.P. - CEP 13085-811

ResumoO artigo aborda as principais tendências do mundodo trabalho na atualidade, assinalandoconvergências entre os modos de trabalhar e osmodos de adoecer. Aponta ainda a “neutralidade”da ciência com relação aos aspectos consideradosna causalidade das enfermidades, focalizandoalgumas armadilhas metodológicas e técnicas queos terapeutas ocupacionais precisam evitar.

Palavras-chave Lesões por Esforços Repetitivos, representações,trabalhadoresPontifícia Universidade Católica de Campinas

Outono, 1999

Dona Elvira2 tira da bolsa um enorme pacotee o entrega a mim:

“Eu trouxe os exames que comprovam, se asenhora quiser ver...tem os laudos, a eletroneuro...”

Eu leio atentamente os exames e penso: aquem nós estamos tentando enganar?

Dona Elvira, 50 anos, auxiliar de enfermagemcom 20 anos de serviço, há dois anos recebeu odiagnóstico de Lesão por Esforços Repetitivos.Estou fazendo uma investigação que objetivaesclarecer as dificuldades enfrentadas pelosportadores de LER, bem como localizardivergências nas representações de médicos epacientes acerca dessa enfermidade. Dona Elvira

freqüenta as sessões do grupo de TerapiaOcupacional da PUC-CAMPINAS3 e aceitou, comentusiasmo, participar do projeto de pesquisa4 .

“Até dois anos atrás, quando eu descobri queeu tinha LER, eu tive tudo, eu era demente,preguiçosa, vadia, eu era difícil, caráter difícil, euera paciente que necessitava apoio psicológico, sóque psicóloga não tira dor, psiquiatra não tira a dor,sabe? Então eu agora sei que eu sou portadora deLER do 4º grau e estou com degeneração cervical.”

Dona Elvira aqui relata o preço que teve depagar por ser vítima de uma enfermidade poucoconhecida e ainda plena de preconceitos. As LER(Lesões por Esforços Repetitivos) abrangem umconjunto de afeções musculoesqueléticas deorigem ocupacional que desde 1986 sãooficialmente reconhecidas no Brasil. Essas lesões,que podem acometer as partes moles do sistemaosteomuscular do corpo, são conhecidas há muitotempo5 , porém tiveram um espantoso crescimentohá cerca de trinta anos. No Japão, o esforço do pós-guerra testemunhou uma infinidade de casos dedores musculares e outros sintomas que elesdenominaram distúrbio cérvico-braquial ocupa-cional. Nos anos 80, a Austrália protagonizou umarumorosa batalha judicial entre empresários,previdência e trabalhadores acometidos dachamada síndrome de sobreuso (OOS), que ficouinternacionalmente conhecida como sendo “a maislonga epidemia de doença ocupacional do séculoXX” 6 .

No Brasil, desde 1982, membros da CIPA(Comissão Interna de Prevenção de Acidentes) doCentro de Processamento de Dados de um grandebanco denunciaram uma grande incidência detrabalhadores que apresentavam os braçosengessados, questionando a relação entre adigitação em computadores e a ocorrência dessefenômeno7 . Alguns anos mais tarde, o Ministério daPrevidência e Assistência Social reconheceria a

Trabalho e saúde no próximo milênio:reflexões a partir das lesões por esforços repetitivos1

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C.E.T.OC.E.T.OC.E.T.OC.E.T.OC.E.T.O.tenossinovite do digitador8 , que mais tarde receberiaa denominação geral de LER9 e seria relacionadatambém a outros postos de trabalho10 . Essasmedidas, além de reconhecerem o nexo ocupacionaldessas afecções, também acarretaram aproposição de uma política nacional de prevençãoatravés da NR 17, a norma regulamentadora queprevê a vigilância sobre aspectos ergonômicos dotrabalho.

Pois bem, o que poderia explicar então quetantos anos depois, a nossa Dona Elvira pudesseenfrentar tantas dificuldades para ver respeitadassuas queixas?

A quem nós estamos tentando enganar?

O sonho de uma vida segura e tranqüila, umtrabalho limpo e saudável, projetado por aqueles queacreditaram cegamente no progresso da ciência enas maravilhas da tecnologia, trouxe algunsdissabores aos otimistas da primeira metade doséculo. Ademais, a história da medicina abriganumerosos exemplos de dificuldades noreconhecimento de agravos à saúde provocadospelo processo de trabalho. A soma desses fatoresé um fermento ideal para a intolerância. Osportadores de LER, via de regra, são tratados comdescaso e descrédito, às vezes até com truculência:

“Eu já tinha crises horríveis, do pessoal terque me levar no pronto socorro e a família às vezeslevava assim com tanta má-vontade, né, na últimavez mesmo que eu tive, deixou no pronto-socorroe saíram, terminei, tomei injeção, fiquei no repousolá, veio fez outra injeção em mim, depois de quaseuma hora lá que minha filha chegou, e aí, tá tudobem com você ?”

Assim, é emblemático que ao fim do séculode maior avanço técnico já experimentado, umaenfermidade de lenta progressão, não transmissível,e de fácil diagnóstico e prevenção possa fazertantas vítimas, trazendo enorme sofrimento ehumilhação aos portadores e onerando os sistemasprevidenciários e de saúde.

O trabalho e a saúde no próximo milênio

De um modo geral, a caracterização docenário econômico e político das relações detrabalho nesse fim de milênio já está devidamentedetalhada, e de modo surpreendente, há umaincômoda convergência dos intelectuais ao assinalara crescente redução de postos de trabalho e aredução dos níveis de representatividade coletiva,além da extinção da maioria dos benefícios econquistas trabalhistas do pós-guerra (precarizaçãodos contratos). Ao lado desses condicionantes,temos a redução dos programas de investimentona qualificação da força de trabalho, a demissãoem massa daqueles considerados poucoadequados (notadamente os menos escolarizadose os mais velhos) e dos ativistas e líderes operários(Leite, 1994: 577-9).

De fato, a expansão de um modelo dedesenvolvimento apoiado na internacionalização dosmercados (chamado de modo genérico e inocentede globalização), vem provocando efeitos nocivosnos modos de gerenciar e incrementar a produção.Seu principal resultado é uma importante aceleraçãonos modos de produzir em todos os setores, alémda intensificação da competição e da instabilidade.Há uma óbvia e imediata relação entre estes fatorese a qualidade de vida e os indicadores de saúdedos trabalhadores e, a despeito de inegáveisavanços técnicos na prevenção de acidentes edoenças do trabalho, a explosão de enfermidadesdifusas e de difícil controle a partir dos paradigmastradicionais vem marcando de maneira trágica ocotidiano daqueles que atuam na chamada área desaúde do trabalhador.

O principal exemplo a ser dado é o dasíndrome da morte súbita por excesso de trabalho(SUDDEN), fenômeno que vem sendo observadonos países asiáticos e que no Japão recebe o nomede karoshi11 . Trata-se de um óbito súbito, em geralno próprio posto de trabalho, que ainda não tem suascausas completamente esclarecidas. A únicaocorrência comum aos casos é o fato de que todasas vítimas haviam trabalhado por, no mínimo,

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C.E.T.OC.E.T.OC.E.T.OC.E.T.OC.E.T.O.dezoito horas seguidas nos dias anteriores eapresentam sempre uma intensa congestãosanguínea torácica. Na fala simples dos nossossábios trabalhadores, eles diriam que esses colegasasiáticos tinham o peito pesado, como se fosseexplodir.

Estes aspectos, associados à deterioraçãodo modo de vida próprio das grandes cidades, vemtambém acarretando o crescimento das chamadasdoenças de adaptação, que sinalizam umdecréscimo da qualidade do viver, mas, sobretudo,induzem a uma reflexão aprofundada sobre osprojetos coletivos que temos para nós e para osque vêm depois de nós.

A quem nós estamos querendo enganar?

“Em 87 eu fui com o psiquiatra, né, porqueachavam que era coisa que eu inventava, porqueeu não tenho lesão externa, pra mostrar, eu tinhasó uma cor diferente na mão, no braço, masninguém sabia o que era , então taxar a pessoa eramais fácil do que cuidar, né, então eu fui propsiquiatra, fiz um monte de fisio... esses últimosanos eu vivo em fisioterapia.

Então eu já tenho movimento no braço, nãotô com coordenação inteira, mas nesses dez anoseu faço fisioterapia direto. Se a UNIMED não cobre,eu pago. Pra eu não ficar... porque eu percebia queeu perdia, sabe, que o meu braço cansava e euperdia...”

Ao associar sintomas difusos e sinaisinconclusivos, as LER se enquadram naquilo queMinayo (1992: 190) chamou de doença-metáfora,ou seja, que “são despidas de seu caráter social etransformadas em culpa”. Em realidade, as LERcolocam em cheque um conjunto de conquistas queeram consideradas irreversíveis e que agoraparecem débeis e improváveis. O mito criado emtorno dos ambientes de trabalho asceticamentedecorados, a ilusão da hiperqualificação profissionaldos usuários de computadores e outras ferramentasinformatizadas, a dissimulação da introdução

irresponsável de novas tecnologias de produção econtrole gerencial, e, sobretudo, a fantasia de umamedicina poderosa e infalível:

“Aí o Dr. falou, olha o primeiro exame que euquero de você, além das radiografias, eu quero umaeletroneuromiografia, quero um exame de sangue,quero isso tudo, fiz tudo, potássio, mandou que euprocurasse o gineco pra fazer o hormônio, eufiz...cálcio, tudo, a dosagem de tudo eu fiz...

Ele falou, não, a senhora tem realmente umadegeneração bastante grande cervical, mas asenhora tem uma tenossinovite muito grande quetá pegando, isso que a senhora tem na sua perna,de não sentir os dedos, é da tenossinovite que jáchegou até lá. Mas essa dor de estômago, asenhora joga esses Milanta Plus, esses ANTAKqualquer coisa que a senhora tem fora, a senhoranão tem doença no estômago... Eu tinha operado avesícula para tirar a dor, eu tinha um horror de dor,eu fiz até isso, operei tudo o que eu tinha direito, atéa vesícula. Aí ele disse, não filha, a gente vai ...primeira coisa: repouso, segunda coisa : repouso,terceira coisa: mais repouso. E você vai fazerrelaxamento, você vai fazer fisioterapia... Então noano passado eu fiz fisioterapia de fevereiro anovembro. Eu descansei dezembro e comecei emjaneiro. Fisioterapia todos os dias...”

Deste modo, a partir da experiência cruel deuma enfermidade que apresenta índices alarmantesna região de Campinas e no restante do país12 ,temos a chance de refletir sobre as tendências quevêm se desenhando no mundo do trabalho:

A insegurança contratual (redução dosbenefícios previdenciários e da garantia deemprego).

A redução dos postos de trabalho (provocadasantes de mais nada por equívocos nas políticasgovernamentais); e

O baixíssimo investimento na qualificação damão-de-obra (além da crise geral na educação

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C.E.T.OC.E.T.OC.E.T.OC.E.T.OC.E.T.O.pública, que atinge principalmente a populaçãotrabalhadora situada nos patamares salariaisinferiores).

Mais do que nunca parece inapelável aarticulação de vários setores da sociedade para aformulação de programas interinstitucionais deprevenção das LER13 , mas é inegável anecessidade de rediscussão dos paradigmascientíficos e tecnológicos vigentes, tantas vezescolocados acima de qualquer suspeita. As LERfazem pensar sobre o que chamamos deprogresso14 e fazem rever a arrogância típica dosque se negam a aceitar a realidade, sempre queessa realidade impõe o duro questionamento apreconceitos, tradições e privilégios.

Cada acontecimento histórico-social (e asepidemias podem ser consideradas assim) é frutode múltiplos condicionantes e enseja novaspráticas, novos conhecimentos e novas conquistas.A qualidade de vida no trabalho dependerá dessareflexão e apresenta indicadores bastante positivos.Desde que sejamos sinceros para reconhecer asdebilidades atuais e sensíveis para perceber osseus emblemas e sinais. Em outras palavras,desde que não estejamos tentando nos enganar.

Referências Bibliográficas

BAMMER, G. et col. The Arguments About Rsi: AnExamination, Community health studies, volume XII,number 3, 1988

LEITE,M. DE P. O Futuro Do Trabalho, Novas Tecnologias ESubjetividade Operária , São Paulo: Scritta , 1994

MATTOSO, JORGE . O Novo E Inseguro Mundo Do Trabalhoin MATTOSO, Jorge (org.) O Mundo Do Trabalho: Crise EMudança No Final Do Século. São Paulo, MTb/PNUD/Cesit-UNICAMP/SCRITTA, 1994

MINAYO,M.C. . O Desafio Do Conhecimento, São Paulo-Riode Janeiro: HUCITEC-ABRASCO, 1992.

OLIVEIRA, C. et col. Manual Prático De Ler .Belo Horizonte:Livraria Editora Health, 1998

RIBEIRO, H.P.. A Violência Do Trabalho No Capitalismo: OCaso Das Lesões Por Esforços Repetitivos (L.E.R.) EmTrabalhadores Bancários. São Paulo, [Tese deDoutoramento - Faculdade de Saúde Pública da USP] 1997

ROCHA, L.E. ET ASSUNÇÃO, A. . Isto É Trabalho DeGente? Vida, Doença e Trabalho no Brasil, Petrópolis,RJ: Vozes, 1993

Notas1 A partir de 1998 o Ministério da Previdência passou adotar a expressão DORT (Distúrbios Osteo-muscularesrelacionados ao trabalho), mas aqui adotaremos aexpressão LER, que é de domínio mais corrente em nossopaís.2 Por razões éticas os nomes próprios usados são fictícios,os fatos, infelizmente, são reais.3 Os grupos são realizados sob a supervisão da Dra. RoséColom Toldra, professora titular do depto. de TerapiaOcupacional/ FCM/ PUCCAMP4 Tese de Doutoramento em Saúde Coletiva naFaculdade de Ciências Médicas da UNICAMP –MAGALHÃES, L. .A dor da gente: representações sociaissobre as Lesões por Esforços Repetitivos, 19985 Ramazzini, o médico italiano que é considerado o pai damedicina do trabalho, mencionou em 1700 uma estranhadoença que acometia os notários e escribas, cuja posiçãoda mão sobre o papel provocava terríveis dores e os impediade seguir no trabalho, apud Ribeiro, 1997.6 cf. Bammer, 1988.7 cf. Rocha et Assunção, 1993.8 Portaria 4062 - 06/08/1987 MPAS9 Norma Técnica sobre LER MPS 199110 De fato as LER acometem trabalhadores de diversasáreas da produção, mas também dos esportes e das artes.Oliveira (1998: 26) conta que Pixinguinha, o nosso grandemúsico, teria abandonado a flauta em razão de dores atrozesnas mãos, o que o fez adotar o sax-tenor. O mesmo teriaacontecido a Shumann que abraçou a composição quandojá não podia mais tocar piano, com queixas muitosemelhantes às de dona Elvira.

11 Ver Mattoso, 1994.12 Cabe assinalar que a incidência das LER permaneceelevada em todos os países industrializados, sendo estimadoem 65% o percentual de doenças do trabalho relacionadasàs LER nos EUA, cf. Bureau of Labor Statistic - AnnualOccupational Injury,1994 apud Oliveira, 1988.13 Desde 1993 o Núcleo de Saúde da PUC-CAMPINAS vemfazendo a coordenação executiva do GIL (GrupoInterinstitucional de Estudos sobre LER de Campinas), como objetivo de formular e articular políticas de assistência evigilância das LER em Campinas e região.14 É claro que não estamos fazendo aqui uma apologia aoatraso e ao subdesenvolvimento tecnológico, mas apenasbuscando refletir sobre a maneira como esse “progressotécnico” vem sendo introduzido.

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C.E.T.OC.E.T.OC.E.T.OC.E.T.OC.E.T.O.

AutoraSonia Maria Leonardi Ferrari,Terapeuta Ocupacional com especialização emSaúde Mental pelo CETO, e especialização emCoordenação de Grupos e Análise Institucional peloInstituto “A Casa”. Diretora do CETO e Diretoracientífica do Instituto “A Casa”.

EndereçoR. Fradique Coutinho, 1945CEP 05416-012 - São Paulo - Brasil

ResumoA autora propõe reflexões sobre o uso de atividadesartísticas ou expressivas em Terapia Ocupacional,como instrumentos privilegiados para aconstituição do processo terapêutico.

Palavras-chaveTerapia Ocupacional- criatividade - atividadesartísticas.

à Jô Benetton, pelo empréstimo de idéiase cuidadosa revisão conceitual

de atividades expressivas. A criatividade, resultanteda exploração da imaginação, ilusão, fantasias efantasmas, para os gênios constituíam uma virtude,para os doentes mentais um recrudescimento dossintomas e um agravamento da doença.

A introdução de aportes teóricos e técnicosda psicanálise no hospital psiquiátrico, trouxeramcomo conseqüência a compreensão de que asatividades expressivas apenas deixavam à mostraas fantasias e os fantasmas. Como acontecia comos gênios, a criatividade explorava também, oinconsciente dos doentes mentais. A observaçãodos fenômenos psicológicos através de atividadesartísticas passou a ter então , o mesmo caráter dostestes psicológicos projetivos. Esse pensamentoresponsável pelo desenvolvimento daPsicopatologia da Expressão, resultou através dosestudos de seus principais adeptos - Navratil, Mullere Prinzhorn- em fama e estigma para loucosartistas.

Em 1948 Dubuffet criou a Companhia deArte Bruta, grande incentivadora de produçõesartísticas não atreladas a qualquer condi-cionamento ou sistema cultural e social, explorandoum caráter espontâneo e fortemente criativo dasartes. Essa nova postura frente à criatividade e asartes tornou-se o contraponto da Psicopatologiada Expressão, abrindo um espaço na sociedadepara a arte até então também internada noshospitais psiquiátricos. Aos produtos criados,mesmo que criados dentro do hospital, Dubuffetinsistiu em dar-lhes o status de arte, redefinindo acriatividade como inerente ao homem e não apenasaos escolhidos pelos deuses. “A Companhia de ArteBruta não reconhecida como particular à arte dodoente mental mas, toda arte como um espaço deexaltação de recursos psíquicos que existem demaneira latente em toda a humanidade.” 1

Essas duas posições do pensar a arte e aloucura provocaram antes de tudo acirradas epolêmicas discussões tanto de especialistas comoda sociedade. O importante entretanto é que com

Terapia Ocupacionalespaço da narrativa entre forma e imagem

I- Introdução:

Arte , atividades artísticas ou expressivas ecriatividade, entre outras atividades instrumen-talizam uma Terapia Ocupacional. Estudos epesquisas sustentados pela observação empíricatêm demonstrado que, principalmente na área daSaúde Mental, atividades expressivas, entre asformas e as imagens, subsidiam a construção denarrativas constituintes da história do sujeito.

Tal aporte teórico- técnico recente, tevecomo precedente uma restrição importante para osterapeutas ocupacionais. Quando as atividadeseram prescritas por médicos, da mesma forma queas medicações são hoje, muitas vezes havia arecomendação ou mesmo a restrição para o uso

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C.E.T.OC.E.T.OC.E.T.OC.E.T.OC.E.T.O.essa dupla gênese, os estudos e pesquisas sobreo tema , tornaram-se profícuos em muitas áreasdo conhecimento .

II – Forma e imagem

A Terapia Ocupacional como profissão, noconjunto de suas técnicas e procedimentosassistenciais, tem fundamentado suas práticas epesquisas na dinâmica psíquica e na dinâmica darealização de atividades, ambas fortementecomprometidas com a criatividade. Não há paranós a especificidade do uso de um tal tipo ou outrode atividade, para considerar graus ou níveis decriatividade. O que se pode observar é que emespaços propícios e bem cuidados, odesenvolvimento da criatividade pode ser suscitadoem qualquer tipo de atividade ou em sua realização.

Nesse sentido encontramos em Benetton(1997) “No arcaico, dizemos do pensar em imagensmentais não lógicas, imagens absolutamente nãoverbais que nos são demonstradas melhor pelofazer, um fazer onde processo e produto sãoinseparáveis, onde um pode provocar a existênciado outro até a morte”. A seguir a autora completa:“Só a morte interrompe essa cadeia dacriatividade”.1

Entretanto na Terapia Ocupacional o espaçodinâmico estabelecido na relação triádica - paciente- terapeuta – atividades - forma e imagem sealternam como foco para antes de tudo provocar oconhecimento. Para alcançá-lo é preciso que o quejá é construído seja ampliado e acrescido pelo queé aprendido , apreendido e criado. Entre o que faze o fazer-se, há a concretude de materiais eutensílios e o investimento afetivo- emocional. Osprodutos de ambos os lados instrumentalizam aconstrução da história do sujeito instaurando novosespaços em benefício do próprio sujeito oumunindo-o de instrumentos com valor de troca nomercado social.

Todo investimento no processo que implicacriatividade e produto tem como objetivo final aconstrução de cotidiano. O dia-a-dia interrompido,cortado ou estrangulado pela dor, doença oudeficiência. Há que se imaginar, esperar, mesmose iludir e sem dúvida desejar para criar, então,buscar nesse processo, entre formas e imagens

também uma ética e estética, que unas, se façampresentes na vida. Tendo como pressupostos eposição o que até aqui está, busca-se o lugar danarrativa.

III - Narrativa

Como comemoração de aniversário dos dezanos do hospital-dia “A Casa “, realizamos umaexposição de trabalhos de desenho, pintura emodelagem dos nossos pacientes.

Por cerca de um ano, compilamos asatividades desenvolvidas por um grupo de pacientescom o objetivo analisar suas evoluções durante otratamento. Queríamos que entre formas econteúdos, os pacientes pudessem perceber econhecer suas transformações tanto do ponto devista da produção como da relação. Essacompilação de atividades dá o formato aos nossosprontuários da Terapia Ocupacional. Participandoda revisão dos trabalhos compilados, os pacientesforam consultados sobre a nossa intenção detransportá-los para uma exposição. Aderindo ànossa idéia eles chegaram participar da escolhado que seria exposto.

Como cicerone dessa exposição procureitransformar em palavras aquilo que na construçãode formas e evolução de imagens era percebidocomo coincidentes evolutivos no processoterapêutico.

Segundo Winnicott o objetivo último daTerapia Ocupacional é que o sujeito possa “afastar-se de si mesmo” 2 , e se apropriar do social. Então,esse estudo teve como objetivo a organizaçãodidática do material para o ensino de técnicas deTerapia Ocupacional relativas à relação terapêuticae à ampliação desta na consolidação de um grupo.

A organização do material constitutivo dessanarrativa traz as marcas de um pensamentoassociativo inspirado no conceito de trilhasassociativas descrito por Benetton (1991). Oprocedimento “trilhas associativas” propõe umtrabalho feito em conjunto entre terapeuta e pacientecujo objetivo é correlacionar fatos, objetos epessoas, através das atividades feitas pelo paciente.“Tendo a investigação clínica com base , vamoscombinando suas partes que se encaixam. Ao rever

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C.E.T.OC.E.T.OC.E.T.OC.E.T.OC.E.T.O.esses trabalhos, vamos paciente e eu, em buscade lugares comuns, de semelhanças e dediferenças, de identificações e de nomeações, detal forma que façam parte de um todo historicamentecomposto nessa relação. Muitas das atividadespropostas ao paciente, durante a terapia, assim sãopor permitirem a continuidade dessas associações.Assim como se espera que através delas o pacientepossa também contar a sua própria história.” 3

A partir desses pressupostos propomos aquiuma outra forma de utilização do procedimentotrilhas associativas, acrescentando ao conceito detríade terapeuta- paciente –atividades, o grupo.

Num contexto grupal é possível aconstrução de trilhas associativas com as atividadesde cada um de seus pacientes, num determinadomomento que não é o mesmo para todos osintegrantes do grupo. Nesse sentido o trabalho deconfecção da trilha individual de um paciente setorna enquanto processo, forma, técnica deutilização muito parecido com a proposta da autora.Só que este esforço de significação feito porterapeuta e paciente num grupo, de um processoindividual, não pode ficar alheio ao entendimento dasintercorrências grupais mobilizadoras dosurgimento daqueles conteúdos que irão compor,instaurar a dimensão histórica no universo daquelepaciente.

Da mesma forma a construção de umatrilha grupal, considerando a dimensão histórica, édiretamente relacionada e afetada pela ocorrênciadas trilhas individuais, por narrativas de cada umdos integrantes do grupo. Cabe lembrar que ahistória de um grupo não se resume à somatóriadas diferentes histórias individuais, mas daconstrução de uma outra história, a do grupo.

Assim, o primeiro movimento de estudoforam as formas que apareciam não só nasatividades ditas expressivas ou artísticas mas emtodas as atividades realizadas em nosso setting.Formas que provocam o aparecimento de imagensque em cadeias significantes servem de transportepara a construção de outras formas.

Ao longo de um ano, um intenso programaterapêutico se iniciou com quatro pacientes e trêsterapeutas, que tinham como projeto trabalhar aextrema dificuldade de comunicação, as

estereotipias e a solidão desses pacientes. Ocaminho para chegar ao trabalho da comunicaçãoe das relações começou pelas atividades e suasformas. Na produção desses pacientes foi possívelobservar mudanças que se traduzem por evolução.Num primeiro momento trago o exemplo daprodução de dois pacientes desse grupo e de comoesta foi se processando no acontecer grupal.

Produção de R. : No início solidão, falta, corposmutilados, formas estereotipadas, escritos semprerelacionados com sensações corporais, voltadaspara si. Evolutivamente, com as intervençõesterapêuticas, com o fazer junto, com a relaçãoterapêutica estabelecida, a paciente pôde fazerum corpo articulado com o mundo externo, comafetos e com o grupo.

Produção de W.: No início produções muito simples,pobres, ou então carregadas de misticismo,esoterismo, (componentes de sua produçãodelirante), que o deixavam totalmente fechado emsi próprio. Uma produção que se modifica com aparticipação de um dos terapeutas que entra nessemesmo registro místico- esotérico do paciente e vaiintroduzindo outros conteúdos, com o intuito deestabelecer contato e introduzir humor nessaprodução.

Introdução das atividades grupais: Neste momentofoi indicada a introdução de atividades grupais como objetivo de ampliar esses campos que seestabeleciam a princípio com uma forte carga dual,para que tentássemos construir um outro campoque fosse grupal. Sugerimos desenhos quecirculavam pelo grupo, iniciando sempre por um deseus integrantes , sendo que os outros tinham detentar seguir alguma seqüência com relação à formainicial. Os conteúdos esotéricos que eram de um,não só se intensificam, mas são socializados,compartilhados pelo grupo; as formasestereotipadas da outra se transformam naprodução grupal. Víamos as transformaçõesinternas de cada um aparecerem na mudança deformas e a criação de um novo códigocomunicacional grupal. Fizemos inúmerasatividades como essas, nas quais esse código iase sofisticando. Percebíamos então o grupoconstituído como tal, tanto que agora podia ousarnas formas e materiais e num determinadomomento pôde cuidar grupalmente da demanda deum de seus integrantes.

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C.E.T.OC.E.T.OC.E.T.OC.E.T.OC.E.T.O.O grupo cuida que F. se encontreno seu mapa:

Uma paciente chega ao grupo, contando desuas tentativas de sair para o mundo sozinha. Umapaciente que há muito tempo só conseguia sairacompanhada e que nesse determinado momentofazia esforços, se arriscava a sair só. E sair só nomundo para ela era sair em volta do quarteirão daCasa, ou de sua casa. Depois de um dessespasseios, ela chega muito confusa, nãoconseguindo dizer onde tinha ido, o que tinha feito,quem havia encontrado e conta que chegara a seperder. Sugerimos ao grupo que fizéssemos ummapa. Um mapa no qual ela pudesse ir reproduzindoeste passeio. Por onde havia passado, quem e quelugares encontrara. Ela escolhe fazer um mapa dosarredores da Casa. Por conhecerem as imediações,os pacientes puderam ajudá-la nessa execução. Apaciente começa a fazer um mapa bastanteconfuso, sem nenhuma ordem. Com a ajuda dogrupo vai aos poucos colocando nome nos lugares,nas ruas, localiza o bar, a padaria, a banca de jornale algumas pessoas com as quais se encontravanesses percursos. O que era a princípio um mapaconfuso, tornou-se um mapa organizado,reconhecível, em que a paciente pôde sereconhecer em suas andanças, validando ,significando e organizando suas tentativas de reataralguns de seus laços com o social.

Rituais de iniciação:

A cultura grupal vai-se estendendo para osoutros integrantes do grupo que vão chegando,sendo sempre convidados pelos pacientes aparticiparem dos “desenhos que rodavam”.

Um presente para o terapeuta que se vai:

A esta altura do processo desse grupo, umfato importante ocorre. Um dos terapeutas, pormotivo de mudança de horários, precisa deixar departicipar do grupo. Sua saída é trabalhada, suapresença havia sido muito importante na históriadesse grupo, em sua constituição. O grupo resolveufazer uma pintura de presente para ele. Fazemjuntos uma pintura enorme, carregada de formasmarcadas por conteúdos afetivos, pessoas, cores,

casa, paz. Uma pintura que ocupa todo o papel,com margem, com um enquadre.

Reconstrução do corpo do grupo:

Na sessão seguinte, os pacientes sereuniram na sala de T. O . e ficaram por algumtempo sem escolher que atividade fazer. Algumasidéias surgiam , mas não causavam nenhum efeitono grupo. Uma paciente sugere então, que fizessemum corpo de argila, um corpo de mulher. A propostaaviva o grupo, tirando-os de uma certa apatia.

Começam a falar sobre essa possibilidade,sem que contudo fizessem qualquer movimento nosentido da execução da atividade. Percebendo isso,validamos esta como a proposta do grupo,chamando os integrantes para que começassema entrar em contato com o material escolhido e adefinir como se organizariam. A idéia de se fazerum corpo após a saída de um terapeuta do grupo,nos sugeria a tentativa de reconstrução do corpodeste grupo, a busca de uma nova configuração.

Engatando nesta proposta, cada um seinteressa em fazer uma parte desse corpo: cabeça,tronco, braços, pernas, uma vagina enorme quemais parecia um pênis, mas que adquire uma formamais próxima após várias tentativas. Os pacientesficam bastante mobilizados, entram, saem, brincammuito. Resolvem terminar a atividade no gruposeguinte, deixando o corpo secar. Na sessãoseguinte, encontram o corpo todo rachado. A argilaao secar havia sofrido rachaduras em toda a suaextensão. O encontro com o corpo estilhaçado e asensação de que não conseguiriam nuncaconsertá-lo, faz com que queiram abandoná-lo.

Reclamam, não o querem mais, não temmais jeito. Insisti que buscássemos juntos umaforma de consertá-lo, pensando novamente nosignificado que o corpo poderia ter para o grupo.Sugerimos que usássemos cola branca para juntaras partes, mostrando que era possível e elescomeçam a colar.

Ficam bastante aliviados quando percebemque a cola dava uma nova unidade ao corpo.

Resolvem depois pintá-lo e quando prontocolocam o nome de Deusa do Amor. Brincam com o

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C.E.T.OC.E.T.OC.E.T.OC.E.T.OC.E.T.O.corpo, uns o acariciam, outro se apaixona e quer levá-lo para casa. Disputam entre si sua posse. Acabamconcordando em deixá-lo lá na sala de T. O. para todose escolhem um local onde pudesse ser sempre vistoe tocado, tornando-se um ponto de referência dessegrupo. Depois de algum tempo resolvem fazer umhomem de argila, pois essa mulher precisava de umcompanheiro. Desta vez sem tantos problemastécnicos com o uso do material, fazem mas percebemno final que em vez do marido haviam feito o filho e ochamam de Marte. Talvez ainda fosse cedo paraconcretizar a entrada do terceiro, entrada que talvezainda estivesse por vir.

IV- Conclusão

O uso de atividades artísticas ou expressivassustentado pela particular dinâmica estabelecidana relação triádica terapeuta-paciente-atividades,amplia o espaço para a construção de caminhosassociativos, no qual o constante movimento derepetição e criação de novas formas,acompanhadas de significação, torna-se elementoconstitutivo do espaço de historicidade.

Notas1 Benetton, J. “A descoberta da Insanidade na Arte”. Jornal

da USP, 14 a20/4/19972 Winnicott, C., Sheperd, R., Davis, M., “Explirações

Psicanalíticas - D.W. Winnicott”, Artes Méicas, PortoAlegre, 1994.

3 Benetton, J. “Trilhas Associativas: ampliando recursos naclínica da psicose” São Paulo, Lemos Editorial, 1991.

Referências Bibliográficas:

AGUIRRE, B. E FERRARI,S.M.L.-Aspectos do funcionamentoda clínica de grupos e sua especificidade na TerapiaOcupacional.Boletim de Psiquiatria , vol 22-23, São Paulo,1990

BENETTON, J. “Trilhas Associativas: ampliando recursos naclínica da psicose” São Paulo, Lemos Editorial, 1991.

BENETTON, J. “A Terapia Ocupacional como instrumentonas ações de Saúde Mental- Tese (doutorado ) UNICAMP.Campinas,1994.

FERRAZ, M. H. C. T. “Arte e Loucura: Limites do Imprevisível.São Paulo: Lemos Editorial, 1998.

FERRARI, S. M. L. “A ancoragem no caminho da psicose: umestudo clínico do uso de atividades e sua compreensão notratamento de psicóticos” Revista do Centro de Estudosde Terapia Ocupacional. São Paulo. v.2., p.32. 1997.

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C.E.T.OC.E.T.OC.E.T.OC.E.T.OC.E.T.O.

AutorLuiz Gonzaga Pereira LealTerapeuta Ocupacional, professor do Curso deTerapia Ocupacional da Universidade Federal dePernambuco – UFPE

EndereçoRua Francisco da Cunha – 1910/2002-A – BoaViagem.CEP 51.020-041 – Recife – PE – BrasilFone: (81) 326-0206

ResumoO autor propõe uma reflexão acerca do aquidenominado cenário terapêutico ocupacional noque se refere especificamente à clínica da psicose,bem como às cenas ali deflagradas.

Palavras-chaveTerapia Ocupacional – Cenário Terapêutico – RitualTerapêutico

Indagações sobre a concepçãode cenário em Terapia Ocupacional

Nas instituições, este “espaço-lugar”, via deregra, não é posto e entendido como objeto deprimazia e prioridade. Constitui-se sempre numa“Cavidade escura” – porque sombria, fria, contendopedaços e restos, objetos ali colocados de formamais ou menos aleatória, sem refletir-se sobre aimportância e função que podem assumir noprocesso terapêutico ocupacional. Espaçoanatomicamente deficiente, aleijado, deformado,produzindo assim um impacto em quem neleadentra. Torna-se então objeto de recusa eafastamento, porque amedontra, assusta, apavora.

É neste “espaço-lugar” abrigador que osTerapeutas Ocupacionais buscam e insistem emexercer seu ofício, cuja essência reside em favorecerao paciente um reinvestimento na realidade externa,através do qual uma construção possa se processar,via o fazer, o experimentar, o fabricar. Esse “espaço-lugar” carece de uma materialidade que o sustente,delimite, demarque, para assim apresentar-seenquanto espaço significativo. Este fazer implica, noentanto, vivências e revivências de rituais, ou melhor,o contato com um espaço-tempo que se distingueassim de outros sem significação, porquanto vividossem a delimitação, que o defina como personalizadoe organizado em função de sua finalidade terapêutica.

II – Terapia Ocupacional – umaconceituação a ser pensada

“Tempo-Tempo-Tempo-Tempovou te fazer um pedido.”

(Caetano Veloso)

A Terapia Ocupacional, ao longo de suatrajetória, tem sido conceituada, portanto, das maisvariadas formas. Isto denota a pluralidade destecampo.

Porém, parece-me oportuno pensar sobreo que certa vez um paciente me disse sobre o quesignificava para si a Terapia Ocupacional: “A TerapiaOcupacional é uma maneira de a gente dar sentido

“Tempo-Tempo-Tempo-TempoCompositor de destinos

Tambor de todos os ritmos.”(Caetano Veloso)

I - Uma breve introdução

Este trabalho tem sua origem em reflexõessobre o que convencionalmente se designa “salaou setor de Terapia Ocupacional”; estaremos aquitentando avaliar este “Lugar-Espaço” enquantodetentor de potencialidades que lhe assegurematributos terapêuticos.

Convém ressaltar que pouca importânciatem sido atribuída a este “Lugar-Espaço” no sentidode reconhecê-lo enquanto “continente” que possafavorecer e abrigar uma experiência, que, por assimdizer, possa converter-se em “experiênciaretificadora”. Pelo menos é isso que genericamentevisualiza-se como objetivo, em se tratando decuidados a pacientes psicóticos.

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C.E.T.OC.E.T.OC.E.T.OC.E.T.OC.E.T.O.às horas, e se apaixonar por aquilo que a gente faz.Na Terapia Ocupacional fazemos coisas para osoutros verem e gostarem. As horas na TerapiaOcupacional passam mais rápido”.

O que o paciente Antonio Roberto expressoupode ser lido através de várias ópticas e vertentes.Contudo, no seu depoimento, fica evidente aexperiência subjetiva de representação do “fazer”inserido na dimensão do espaço e do tempo, quepor sua vez definem um contexto a ser enfrentado.Neste confronto o paciente arrisca-se a viveremoções através das quais o indivíduo não se limitaà contemplação solitária de si, mas é tambémcontemplado no que diz, no que exerce e no quefaz. Nesta dimensão, o monólogo converte-se emdiálogo, o singular converte-se em plural, o umconverte-se em uns, o que apresenta fixo vaiganhando movimento, e o que se era errantegradativamente vai tomando o seu devido lugar.

A atividade inserida na ordem de espaço etempo define assim um contexto, que, regido pornormas previamente estabelecidas em consenso,por aquele(s) que dela participa(m) passa a ocuparum lugar qualitativamente distinto das mesmasatividades quando realizadas no cotidiano.

A íntima ligação com noções de obrigaçãoe dever confere ao exercício da atividade em TerapiaOcupacional um movimento, uma dinâmica, umaregularidade, imprimindo-lhe assim “caráter ritual”,estabelecendo portanto uma união ou mesmo umacomunhão, ou pelo menos uma relação orgânicaentre paciente e terapeuta podendo o primeiroconfundir-se, ora com a pessoa do terapeuta oracom o coletivo, que são dados no início comodissociados.

Fica assim evidente a contraposição de“Espaço-Tempo-Atividade” que encerra “significações”e “Espaço-Tempo-Atividade” desprovido de sentido,identificado com a desordenação.

III – Cenário de Terapia Ocupacionalno que pode comportar

“Ainda assim acreditoSer possível reunirmo-mosNum outro nível de vínculo

Tempo-Tempo-Tempo-Tempo.”(Caetano Veloso)

Quando se fala cenário, logo se imagina oque o mesmo possa representar em termos decomprimento, largura e altura, assegurando assimum espaço que possa abrigar determinadoinstrumental, possibilitando a ritualização daatividade cênica.

Por outro lado, entendemos que qualquerespaço, para tornar-se significativo ao homem,precisa ser demarcado concreta ou imagina-riamente, e no qual uma ordem específica évivenciada, que, portanto, lhe concede significação.Uma ordem interna estabelecida, em oposição aoespaço externo, muitas vezes vivenciado de formadesordenada.

O cenário terapêutico ocupacional devedesta maneira, ser um espaço evidentementedotado de dimensões estratégicas, contendoinstrumentos que deverão também ser tomadoscomo espaços em si mesmos: a mesa, ascadeiras, a tela, o cavalete, os tubos de tintas, asprateleiras, etc. são instrumentos-espaços edefinem os aspectos anatômicos e geográficos docenário terapêutico ocupacional. Anatômicosporque à semelhança de um organismo, reúnem-se para a formação do todo; geográficos, na medidaem que estas partes delimitam territórios dentro docontinente maior e portanto definindo uma formaparticular de circulação dentro deste “Espaço-Continente”.

A casa, o palco, o templo, o quarto, o campode futebol, etc. se configuram em espaçosdelimitados aos quais o homem atribui significados.

No cenário terapêutico ocupacional, a mesa,a tela, os tubos de tintas, o tabuleiro de jogos, afolha de papel, o tear, o tecido, etc. adquiremsignificados, já que através deles o pacienteexpressa veemente sinceridade e despojamento,nos quais suas fantasias e fantasmas ganhammaterialidade, podendo assim ser enfrentados edominados. Esses intrumentos-espaços quandoretirados da “Inércia”, vêm por sua vez colocar emmovimento quem ousa tocá-los ou transformá-los,convertendo assim um desejo, uma vontade, emobjeto esteticamente observável por si e por aquelesque comungam daquele espaço.

A “Cena-Evento” ali representada de formaritual apresenta-se estruturada em relação aoespaço, cujo ponto central é “uma mesa com

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O som, a luz, as cores, as formas, o odor, ossólidos, etc. traçam linhas reais ou imaginárias quedemarcam o campo de ação e interaçãopossibilitando-se assim, modulá-lo, aquecê-lo, ativá-lo, possuí-lo.

Convém, assinalar o que nos diz Nise daSilveira sobre a questão do espaço e sua relaçãocom a psicose: “O que causa o delírio e a alucinaçãoé, sobretudo, a aproximação excessiva do objeto. Euobservava nas pinturas dos doentes que os objetosestavam tão próximos, que quase se superpunham.”

É de se notar que a Terapia Ocupacionalcumpre uma função compensatória através de“linguagens outras”, pelo fato de processar-se emespaço significativo, num tempo mítico e repetindoum modelo de criação.

Este cenário, possuindo propriedades que lhesão inerentes, promove o conhecimento ereconhecimento principalmente do queperceptivamente era experienciado de forma caóticae indiferenciada, cumprindo assim uma funçãoordenadora.

Observemos o que diz Freud: “A consciênciapassa pela percepção.”

Estas propriedades conferem ao cenárioterapêutico ocupacional um valor simbólico, portantoorganizador e exploratório. Vejamos algumas delas:

1 – Conformidade

“De modo que meu espíritoGanhe um brilho definidoE eu espalhe benefícios

Tempo-Tempo-Tempo-Tempo.”(Caetano Veloso)

Propriedade através da qual as partespassam a conceber e definir o todo, articulando-se

entre si. Nesta concepção uma certa organizaçãoé visualizada permitindo assim uma fotografia dotodo e não das partes.

Este recinto, comumente quadrado, e osinstrumentos nele contidos devem, numacombinação harmônica, imprimir uma forma cujoobjetivo é promover impressões relacionadas comestrutura, ordem, lugar.

Diz-nos Micea Eliade: “O lugar nunca éescolhido pelo homem, ele é simplesmentedescoberto por ele.”

Ao contrário de cenários destituídos deharmonia, que provocam distanciamento,afastamento, acentuam fragmentação, portanto nãoreferendam, não integram, não acolhem, cenáriosharmonicamente constituídos convidam à ação e àinteração, ao convívio. Esta referência externaordenadora, vem contrapor-se à experiência internade dissociação e desmanchamento vivida pelopsicótico.

O quadrado é tido como um dos quatrosímbolos fundamentais, juntamente com o centro,o círculo e a cruz. Sendo um plano ancorado emquatro lados, simboliza a interrupção, a parada, aretenção do instante, implicando também uma idéiade solidificação e até mesmo de estabilização.Quero lembrar que muitos espaços significativos,tais como altares, templos, praças, casa, quarto,tendem a uma forma quadrangular. Em termossimbólicos o “quadrado” é algo que engloba, protege,sustenta. Para Eliade “representa um lugarreservado aos processos dinâmicos detransformação e renovação, determinado pelanecessidade, de inviolabilidade do seu campo deação”.

É neste lugar-espaço harmonicamenteconstituído, concreto, real, que o paciente éarrastado para o espaço do sonho, que o estimulae incita, e no qual as coisas ora se fundem e ora seconfundem. É como se aqui tudo fosse possível.

Pintando, modelando, jogando, tecendo,escrevendo, o paciente penetra nas suas projeções,atravessando assim o espelho. Neste espaço aritualização do passado e a simulação do futurojustapõem-se às novas percepções da pessoa.Ouvi certa vez, e isto não é raro, de um paciente o

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C.E.T.OC.E.T.OC.E.T.OC.E.T.OC.E.T.O.seguinte comentário: “Luiz, jamais pensei em fazertal coisa. Achava que não dava pra isso. De ondefui tirar essa idéia?”. O comentário era sobre pinturae o conteúdo nela expresso. A experiênciaparecendo-lhe então inédita, provocou-lhe um mistode impacto, surpresa, medo e gratificação.

Este espaço que se revela à pessoa sobuma ou outra forma, na verdade trata-se de umespaço organizado, cosmicizado, quer dizer, providode um centro, servindo então de muralha e defesamágica contra desordens e confusões inerentes aum espaço caótico, não propício à criatividade e osonho. Na verdade um espaço significativo, comoque “sagrado”, é sempre resultado da conversãode espaço não significativo, dito, portanto “profano”.E sua condição para assim tornar-se, decorretambém, dos cerimoniais ali celebrados e dasemoções então suscitadas por este conjunto.Recentemente vejo um paciente que é ator epianista, porém muito grave. Sua família queixa-sede ele não tocar piano há muito tempo e de quequando o faz é de forma muito rápida. Constatamosque o seu piano encontrava-se no quarto que a suamãe dorme, separada do pai. Lugar entulhado deobjetos, de difícil circulação e clima sombrio. Porsua vez em tempos atrás o paciente solicitou desua família que preparassem um quartoabandonado, localizado nos fundos da casa, paraque pudesse assim ali ficar, tocar e fazer suascoisas, no que não foi atendido.

A partir deste fragmento biográfico, entretantas coisas, podemos inferir o quanto o pacientese debate na busca de encontrar um espaço quelhe pareça significativo, determinador e onde possaexercer-se.

2 - A mesa como ponto central edeterminante de um ritual

“Que sejas ainda mais vivoNo seu do seu estribilho

Tempo-Tempo-Tempo-TempoOuve bem o que te digo.”

(Caetano Veloso)

O homem está sempre perseguindo odesejo de achar a si mesmo e sem esforço, ou seja,superar de maneira natural a condição humana, acondição anterior à queda. Essa dimensão do

humano vem definir o que o paciente possa vir aconquistar com a vivência de um processoterapêutico. É como que, simbolicamente, a pessoaestivesse num labirinto de cujo centro se encontraperdido. Um processo terapêutico que pretenda serbem-sucedido reside no fato de levar a pessoa aprocurar e achar o centro.

Em Terapia Ocupacional, ainda no que serefere às propriedades espaciais do seu cenário, a“mesa”, enquanto objeto concreto e simbólico, vemocupar um destaque e essencialidade, na medidaem que vem conferir uma significação ao cenárioterapêutico. É portanto, um espaço inserido emoutro espaço, que, por sua localização geográficaou imaginária, determina o “centro” do espaço maior,promovendo uma ligação com a periferia,relacionando-se portanto este cenário com espaçosritualísticos: assim, a mesa na Terapia Ocupacionalconfigura um “ponto” em torno do qual se estruturaum ritual. Ritual que tem como característica básicaa reunião em torno deste ponto, gerador demovimentos centrípetos e centrífugos em relaçãoa si próprio, ou seja, movimentos de aproximaçãoe afastamento. É de se notar que os pacientessentem-se atraídos por este ponto, aglutinando-seem torno dele e numa atitude de reconhecimento erecitação, inicialmente conversam ou mesmosilenciam, como que esperando que algo sejaanunciado. A exemplo de certos rituais, estaanunciação introdutória tem relação com a pessoado Terapeuta Ocupacional, que traz, que introduzuma atividade num gesto de proposição edecretação de um “ritual expressivo e renovador”.A mesa, portanto, encarna-se como “espaçocriativo”, lugar onde a “criação” pode ter início, jáque este lugar vem também significar um “lugar deruptura” com um tempo e espaço vivenciado semsignificação. O acesso a este lugar equivale a umainiciação, já que à existência sem significação queo antecedia sucede uma nova existência, real,durável, eficaz, porque significativa.

O itinerário que conduz a este “centro” estápermeado de obstáculos e que tão bem seencontram desenhados nas circunvoluções, muitasvezes complicadas e confusas, que o pacienteexerce para nele ancorar-se. Podendo, a exemplodo “labirinto”, adentrá-lo e dele regressar, tendo o“centro” deste como “marco e guia”.

Deste “centro”, fonte de energia e vida,emanam processos criativos, instauradores de uma

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C.E.T.OC.E.T.OC.E.T.OC.E.T.OC.E.T.O.nova realidade, símbolo de integração regenerativa.É como se este “centro”, este “microcosmo”,pudesse ser identificado como “centro do mundo”,e que remete, portanto, à coletividade.

Concretamente, a mesa se dispõe tambémao apoio e sustentação à ação expressivo-criativa,e na qual a “mão” e “seus comandos” têm papeldecisivo, para início e conclusão da manifestaçãocriativa.

Determinando o princípio, foco deintensidade dinâmica, a mesa converte-se em pontoconcentrador de energia, lugar privilegiado aoencontro e coesão das diferenças, de onde brotamas possibilidades de projetos e acordos. Não é rarodiante de uma dificuldade ou desacordo as pessoasnele envolvidas mutuamente se convocarem a“sentar à mesa”. Lugar promovedor “do olho a olho”,“do cara a cara”, é porém foco de onde parte omovimento da unidade rumo à multiplicidade, dointerior para o exterior, do não manifesto para amanifestação. Em Terapia Ocupacional, este objetocumpre esta função convocatória que suadisponibilidade e força inspiram. É um objeto queestá ali disponível.

Poderíamos seguir discorrendo sobre asevocações que a mesa pode suscitar: de refeição,comunhão, banquete, liturgia, rituais por excelênciafomentadores de união e vida para os indivíduos ea sociedade. Sendo estes rituais também rituaisreparadores, instauram entre os indivíduos e nosindivíduos novas formas, relação e produção. EmTerapia Ocupacional observo e detecto isto, no meucotidiano cuidando de pacientes psicóticos.

Observem o que dizem Milton Nascimentoe Chico Buarque no seu “Cio da Terra”:

“Debulhar o trigoRecolher cada bago de trigoForjar do trigo o milagre do pãoE se fartar de pão

Afagar a terraConhecer os desejos da terraCio da terra, propícia estaçãoE fecundar o chão. ”

E agora Willian Blake: “Aquilo que agora seprova foi antes apenas imaginado.”

Comumente observo pacientes esponta-neamente se aglutinarem em torno da mesa comintuito de única e exclusivamente compartilhar deuma conversa, uma discussão, uma recitação,deixando ali impressas algumas de suas marcas:as mesas de Terapia Ocupacional estão semprepovoadas de desenhos, rabiscos, nomes, grafitescomo se fossem códigos secretos à espera decodificação e leitura, denotando assim a existênciatambém de uma trama enigmática, resultado daexperiência de “estar juntos”. Estes códigosentendidos como fala, como palavra, comodiscurso, ou seja, como comunicação, a mesapresta-se também a este fim, convertendo-se emsuporte a todas estas falas.

Se ela por um lado converte-se em espaçoaglutinador, por outro lado converte-se em espaçode demarcação e separação. O lugar da direita, oda esquerda, o do lado de lá, o do lado de cá etc.;imprimem uma noção de especialidade por certoharmonizadora e rítmica.

3 – Terapia Ocupacional -A dimensão do tempo

“Pretendo descobrir no último momentoO tempo que refaz o que desfezQue recolhe todo o sentimento

E brota no corpo outra vez.”(Critovão Bastos – Chico Buarque de Holanda)

A dimensão “tempo” encerra tambémsignificação em razão de como é vivida. Na TerapiaOcupacional esta dimensão está imposta e implícitaconferindo-lhe importância e significação. Se umespaço significativo se configura como ruptura comum espaço que não encerra significação, aquilo queno seu interior se realiza, se celebra, marca tambémuma ruptura com a duração temporal, já que não éo tempo corriqueiro que agora representa, mastrata-se de um tempo, cuja vivência está marcadapela realização de eventos que encerramsignificação: tempo no qual o paciente se reverte,recupera-se e se reconcilia com outras experiênciastemporais, quer das dimensões passada ou futura.

O tempo entre um encontro e outro,obedecendo assim a uma periodicidade, bemcomo a sua duração, caracterizado por algo quese inicia e completa-se, vem simbolizar tambémo tempo expressivo-renovador, através do qual o

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C.E.T.OC.E.T.OC.E.T.OC.E.T.OC.E.T.O.paciente se recria e se regenera. É o tempocriando-o novamente. A abertura dessa “janela dotempo” provoca aberturas de novas e fecundasjanelas de ligação temporal. A exemplo disto,poderíamos refletir sobre a solicitação de alta queos pacientes nos fazem. Geralmente nos dizemcoisa desta ordem: “Quando terei alta, pra podervoltar a estudar? Acho que estou ficando bom. Jáconsigo ir sozinho ao cinema. Antigamente pramim o dia não tinha fim. Tinha até medo de dormir.”

Esta experiência cíclica relacionada aotempo vem inserir o paciente numa dimensãomítica, na qual compartilha de um momento criativode uma realidade.

Através de sua canção, Ivan Lins nos situa:

“No novo tempoApesar dos castigosEstamos atentosEstamos mais vivosPra nos socorrerNo novo tempoApesar dos perigosDa força mais brutaEstamos na lutaPra sobreviver.”

Inferimos daí que o tempo vivido de formaprocessual e significativa em Terapia Ocupacionalvem servir como garantia para o reingresso dopaciente em experiências temporais nãosignificativas e assustadoras, podendo com elasestabelecer algum grau de vínculo e intimidade.Para pacientes psicóticos, um tempo que lhe fogeà regra é sempre objeto de medo e pânico, portantorecusa. Podemos citar como exemplo todosaqueles tempos que estão fora ou à parte dos seusrituais psicóticos: um tempo vivido na rua, no ônibus,na praia, etc. Normalmente essas experiênciastemporais que se tornam objeto de evitação têmuma relação com a vivência de rituais que sãocelebrados na dimensão do coletivo.

Lembramos que qualquer processoevolutivo pressupõe movimento, dinâmica,confronto através do tempo. Certa vez ouvi de umpaciente o seguinte:

“A Terapia Ocupacional é uma ‘pilastra’ naminha vida. Pilastra que me faz crescer. A vida éuma passagem de tempo até a morte. ”

De outro: “A Terapia Ocupacional é umaforma de passar o tempo, pensando na vida. Apessoa não pode estar ocupada com coisas bobas.”

Conclusão

Vemos com isso, que este confronto quese efetua na ordem do espaço e do tempo obriga opaciente a elaborar uma narrativa, uma recitaçãosobre si mesmo. Recitação sobre um “Eu”presente, referente, que tende a se contrapor a um“Eu” anterior, a um “Eu” de antes. É pois um “Eu”que narra o “Eu” que “foi e que está sendo”.

Neste campo de jogo e de lances oTerapeuta Ocupacional é também um narrador,ampliando o âmbito de participação daqueles quedo jogo participam e entendendo em grandemedida, o “raio de ação ritual”.

A tríade: Paciente-Terapeuta-Atividade, pareceassim representar em contexto simbólico eordenador, um estado de transição criativa, um estadode movimento para a maturação e a integração.

A imagem do trio, triádica, do três, alude amovimento, ritmo, mutação através da tensão, doconflito, inerente ao confronto dialético da tese eda antítese, desdobrando-se na síntese. Que emTerapia ocupacional encontra-se marcada na“forma” e na “produção” resultante de um processo.Poderíamos seguir refletindo sobre osacontecimentos, fatos, papéis, eventos que ocampo e o solo terapêutico ocupacional produz.

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C.E.T.OC.E.T.OC.E.T.OC.E.T.OC.E.T.O.

AutorJean-Guy Jobin, M. Sc.,Revue Québécoise d’Ergothérapie, V. 1, no. 1, p.11-16, 1992.

TraduçãoRegina Célia de Brito Jorge, TO.Revisão: Jô Benetton, TO.

Palavras-chaveAnálise de atividades, Atividade terapêutica-Intervenção em Terapia Ocupacional.

ResumoO caminho da análise aqui apresentada tende, aprincípio, a considerar a atividade como um objetoque tem sua coerência e suas característicaspróprias (campo operacional, cadeia operacional,noção de estrutura e de conteúdo). Esse objeto,entretanto, não é independente de tudo, pelocontrario ele depende do meio ambiente, de umcoletivo. Ele é determinado por uma série defatores, (determinantes da atividade). Esse mesmoobjeto no contexto terapêutico, torna-se“ferramenta” de intervenção, obedecerá a umaoutra visão, será submetido a outros fatores, masnão mudará de nome, sendo que poderá guardaro seu sentido (discussão sobre a atividadeterapêutica e os níveis de intervenção em terapiaocupacional).∗ Por solicitação do autor foi acrescentada a virgula no

título do artigo.

Introdução

Dizer que a atividade possui os recursosterapêuticos aplicáveis em terapia ocupacional, àtal ou qual paciente, faz supor um saber clínico,um saber quanto aos recursos terapêuticos daatividade e um saber mais geral sobre a própriaatividade. Existe aqui um caminhar em três tempos,

para o qual a lógica deve ser adquirida nos cursode formação. Um passo que fica polarizado nosujeito da ação, sobre um quem estritamentecaracterizado, seja um paciente em particular ousejam os meios empregados, que fazem referênciaao que e como da atividade.

Não se pode fazer economia do saber sobrea atividade considerada como tal. Não podemospassar diretamente à coleta dos recursosterapêuticos da atividade em resposta a tal patologiaou tal problema, como não podemos abordar deimediato a clínica crendo poder intervir comrecursos imprecisos. Seguramente, as coisasassim, irão mais rápido (o tempo de formação ésempre vivido como longo e sofrido) mas isso serádentro do empirismo puro.

A intervenção pontual, “você tem talproblema, eu lhe aplico tal atividade”, caminha emdireção oposta à intervenção focal ou convergente,que responde a partir de um conhecimento extenso:múltiplas dimensões interligadas da atividade ediversidade de atividades humanas com o intuitode sistematizar. No espectro das atividadeshumanas, certas partes poderão constituir osaportes terapêuticos a partir dos quais ocorrerãoescolhas, segundo as circunstâncias. É precisoselecionar uma parte do prisma ou um feixe, entreo grande cone de atividades, observando que todosos feixes convergem ao ponto de origem na base.Se de imediato, a intervenção convergente visa oápice, isto é, a autonomia, ela fica ligada à base e éa base que tem valor de integração. Ela não tem amesma ressonância que a intervenção pontual.Então, não significa fazer voltar as atividades nopaciente, mas, fazer entrar o paciente em atividade.

O esforço da objetivação da atividade, porser o que esta mais próximo- o que e como - nãopode ser benéfico para o terapeuta ocupacional, quedeverá saber tirar o melhor partido das atividades eas mais diversas. O estudo da própria atividade, setornou uma raridade. Tende-se a deixar todo fazer

*Da atividade, o que pode ainda ser dito

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C.E.T.OC.E.T.OC.E.T.OC.E.T.OC.E.T.O.não informa, todavia, sobre as condições de suarealização, sobre seu contexto - o que a tornapossível e a determina, o que a limita e lhe dá sentido,num determinado tempo e lugar. O possível daatividade está submetido aos fatores de diferentesordens que podemos chamar determinantes. Levarem consideração os determinantes, tende a relativizara maneira de considerar a atividade. Ao passo fatualda objetivação, acrescenta-se um outro passo dacontextualização contendo valor crítico no sentidoem que implica uma tomada de distância. Fala-seaqui, de um olhar antropológico que coloca emperspectiva as atividades de hoje em relação àaquelas de ontem, as atividade do aqui em relaçãoàquelas de outros lugares. As atividades humanastêm também um passado. Elas não aparecemsubitamente, simplesmente. O mesmo pode ser ditosobre as atividades terapêuticas, elas não foraminventadas pelo terapeuta ocupacional. Elas provêm,a maior parte, de um lote comum; elas são a herançade uma cultura, embora devam encontrar hoje seusentido ( por exemplo, a época do macramê dos anos60 de Quebec).

O presente artigo não constitui umrecenseamento de corpus , ele não visa fazer o pontodos conhecimentos sobre a atividade com todas asreferências de apoio, ele constitui antes um ensaiorefletindo o estado da reflexão do autor sobre aquestão. Em seguida a uma tentativa de definição, aatividade primeiro será abordada em termos técnicos(método de análise do campo e da cadeia), depoisem relação às condições de sua realização(predominância dos fatores coletivos) e, finalmenteem relação com a terapia, insistindo sobre a dinâmicainterna da atividade e sobre seu alcance social semfazer referência à clínica como tal.

A Atividade e as Atividades

É preciso distinguir atividade e atividades. Aatividade é a manifestação do ser vivo que tende amanter, a crescer, a regenerar ou reproduzir seuser. A atividade recupera um conjunto de funçõesmotora, sensorial e cerebral, por uma parte, que oser humano partilha com o animal. As atividadessão as formas mais ou menos concretas sob asquais a atividade se manifesta. Elas implicam umagente, um material e um objetivo.

A demarcação não é sempre evidente entreo animal e o homem, como é o caso da utilização

das ferramentas, por exemplo. A diferença seencontra do lado do agente que dispõe de uma certamargem de liberdade, de uma criatividade queescapa ao código. Ela está também no modo decodificação. O homem constituiu uma memória láfora. Memória coletiva lançada nos arquivos dosmonumentos, dos museus, das bibliotecas,depósito transmissível de idéias e de fatos etambém de coisas, tal qual as ferramentas que, aocurso das idades, se aperfeiçoam se multiplicam.O animal, só dispõe de gramas, e de uma memóriabiológica. Sempre em simbiose com o meio, nãopode se distanciar do meio ambiente ele não chegaao pensamento abstrato ligado à funçõessuperiores: conceitualização, memória, invenção,julgamento. O animal não tem acesso à linguagemsimbólica, ele não pode se fazer presente na suaausência, não pode se representar no mundo. Estaé a diferença entre a natureza e a cultura.

O homem manifestará sua atividade(sentido I) nas atividades (sentido II) as quais estarãode pronto sob seu domínio, num agir humano, nosentido de que elas revelarão o coletivo, serãorecebidas e poderão ser transmitidas comoherança, serão parte de interesse profundo de umacultura. A atividade ( II sentido ) poderia assim serdefinida como: colocar em funcionamento umagente e seus instrumentos, sobre um material,através de certas regras e formas específicas defazer, chegando a cumprir objetivos propostos.

Esse sentido, no limite, satisfaz um agente,um material e um fim. Este último é necessário, pois,não é suficiente que haja apenas o encontro entre oagente e o material. As ferramentas e maneiras defazer já representam além de aquisiçõessedimentações culturais. Mas como pensar oprimeiro fazer do Homo Faber, quando o primeirohomem quis fazer os sapatos ou os crepes?

O funcionamento de um agente face aomaterial:

• um escultor que recorta, corta, pule, lixa amadeira, o mármore para fazer um barco emmadeira ou uma Pietá em mármore;

• uma dançarina que modela e mobiliza seu corpopara executar uma coreografia;

• um escritor que reúne as palavras em frases eem capítulos para produzir um romance.

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O material poderá ser mais ou menosconcreto (a pedra) , tangível (os sons) , imaterial(as idéias). O corpo, ele mesmo poderá ser amatéria, a ferramenta (ele é o protótipo de todas asferramentas) e também é o produto: o corpofigurado e transfigurado do dançarino.

Um método de análise

O caminho da objetivação resulta em ummétodo que responde primeiro sobre o quê daatividade, sua forma própria e suas característicasprincipais. O método não se baseia sobre o que jáé conhecido, ele permite organizar o conhecimento.Ele não se refere a um ou outro tipo de atividade,ele deve antes dar conta de todas as atividadespossíveis, da tradicional à contemporânea, cadauma segundo seus traços distintos, por onde serápossível classificá-las, situá-las em um conjunto.

O método da “table rase” então, que nãoparte do já conhecido, aquele que procura apenasconfirmar e não tende senão a reduplicar. O jáconhecido impede de ver, de ver o que temos sobos olhos (coisa particularmente evidente, porexemplo, por ocasião da aplicação dos métodosprojetivos). Em um açougue ou numa sapataria,existe um saber ordinário, banal. Entrando nessasoficinas se observam diferentes utensílios,máquinas e equipamentos que dão idéia do que setrata, o que se opera nesses lugares e quais sãoos resultados. Pode-se observar diferentesoperações. Procedimentos que em cadeia levamaos produtos finais: carne e derivados comestíveise couro para calçados. No desenvolvimento destasoperações se desvenda uma lógica, que podem sereagrupar por etapas que se encadeiam até oproduto final.

A metodologia centra-se no campooperacional e na cadeia operacional sobre a qualjuntam-se os determinantes geoclimáticos,técnicos, econômicos e socioculturais.

O campo operacional

O campo operacional é o lugar onde sedesenvolve a atividade. Trata-se de um espaçoneutro, não diferenciado ou polivalente, tal como

uma praça pública, ou um espaço arrumado paraatividades específicas como uma usina ou uma salade banho. Dentro deste espaço arrumado, existeuma organização de móveis e objetos que estãodispostos para um fim, observando uma lógica.Materiais, utensílios, instrumentos e maquinas,tendem a formar um todo coerente e queestabelecem uma interface. Uma relação entre oespaço em si e seu exterior, para o acesso depessoas e de informações.

A análise do campo que traz sobre osmateriais, utensílios, máquinas e suas disposiçõespode fazer apelo de saber já constituído, seja deaquisições da etnologia, abarcando os materiais eutensílios (LEROIS-GOURHAM, 1971), datecnologia (descrição dos objetos técnicos e filosofiada técnica distinta da tecnociência) da ergonomiapara a disposição racional dos equipamentos.

Questões relacionadas ao campo

A aplicação do método para diferentesformas de atividade leva a falar de uma problemáticado campo que abrange, entre outras coisas, oestatuto dos materiais e do fechamento do campoem si mesmo. O material entendido como matériamodificada, transformada, fabricada, não seencontra em todas as atividades. Os materiaisbásicos, sobretudo os necessários, que são a águae o sabão, o combustível do carro não estão sendolevados em consideração. Quando se fala emmateriais em uma definição de atividade não se tratanecessariamente do material concreto. Pode-seentendê-la no sentido do material para, mas comomatéria a ser processada (o material da atividadede um advogado é também, o conflito). A presençaou não do material nos permite fazer uma distinçãoclara entre as atividades de transformação e asatividades de uso, e o uso das coisas disponíveisna vida cotidiana. O vestir-se, não se resume àfabricação de roupas, como o ciclismo não seresume à fabricação de bicicletas. Assim evocamosas noções de valor de troca, valor de uso ligados àesfera pública e privada das atividades econômicas.Todas as atividades de transformação não sãosempre da esfera pública (economia de mercado)elas ainda encontram-se, felizmente, no privado,onde se produz, se fazem coisas, quando poucose cozinha ou se faz a jardinagem... É que o fazer

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C.E.T.OC.E.T.OC.E.T.OC.E.T.OC.E.T.O.para os outros, cuidar dos bebes, e se utilizar detudo pré- feito, pronta entrega, pronta a comer, abeber – filmes, cassetes, discos e disquetes.

Certas atividades são fundamentais para seentender o campo e suas barreiras. Se geralmenteo campo operatório corresponde ao espaço do gesto(Moles e Rohmer, 1972); o que é então, o campooperatório de um veículo, para o ciclista sobre suabicicleta, para o automobilista no seu carro? Épreciso distinguir o campo imediato do operadoronde a ação tem, por assim dizer, uma finalidade I, do campo mais amplo da máquina operada, paraa finalidade II? Outro exemplo ainda mais marcante:o operador na sala de controle aéreo que faz umdeterminado gesto, gira uma alavanca, encaminhaum sinal. Através do dispositivo dos quadros,botões, alavancas, bem tangíveis, diretamenteacessíveis e não podemos ver facilmente os efeitos,efeitos de porte consideráveis. Existe um de dentroe um de fora sem que exista uma medida comum.

Esta particularidade do campo com umprimeiro círculo imediato e um segundo mais vasto,encaminha à análise do conteúdo. O primeirocírculo, o do espaço do gesto, é a dominânciamotora e cognitiva das ações que tendem a passarabaixo do nível consciente. Enquanto o segundocírculo, de dimensão puramente cognitiva, énecessariamente de nível consciente . Diz-se, alémdisso, que o objetivo, além do efeito da reeducação,será de reinstaurar a atividade corrente por novasaprendizagens, fazendo-a passar às orlas daconsciência , de sorte que, o que o menor gestotem de penoso venha a ser atenuado.

A cadeia operatória

A cadeia operatória é o desenvolvimento dasoperações, a sucessão das etapas da atividade.Precisar, dentro da ordem, as diferentes etapas edistinguir os elementos próprios, é a base da análiseque deve primeiro responder à questão: de que setrata?

As etapas são os estados sucessivos deum processo. De maneira figurada, são osmomentos de um percurso obrigatório, ou oslugares por onde se passa para executar a atividade;que são descritos em termos de tempo ou deespaço (encaminhamento, percurso, seqüência).

Elas se encaminham para um objetivo, sendoordenadas e vetorizadas.

As operações são ações com finalidadespróprias. Elas são as unidades de ação significantesconstitutivas das etapas. De imediato, a ordem doagir ( serrar, aplainar, pregar) responde ao comoda atividade. Cada etapa conta com um número deoperações, que, certamente, podem ser reprisadasde uma etapa à outra. Acontece também, de umaetapa se limitar a uma só operação, por exemplo acardadura na preparação da lã.

De maneira esquemática, toda atividadepoderia compreender três etapas: a preparação, aexecução, a conclusão. Esse recorte arbitráriopermite discutir os limites da cadeia. Quando aatividade começa e quando ele termina? A preparaçãoe a conclusão constituem as etapas, tanto que, elasnão se aplicam indiferentemente a um númeroindeterminado de atividades, assim comocompreendem o fazer as operações próprias. É ocaso, digamos, da limpeza dos pincéis para a pinturaà óleo. Um esquema de cadeia em três tempos nãopode estar explícito antes de ter identificado asoperações. Se se compara, por exemplo, a grandefaxina ao penteado, teremos:Grande faxina: (1) desocupar os cômodos , (2) limpar,reparar, (3) colocar de novo no lugar .Penteado: (1) escolher o modelo, (2) molhar, modelare secar os cabelos, (3) limpar com precaução seexistir lugar, ordenar, arrumar.

Há o realizar aqui as atividades de uso ondenão existe mais o material trabalhado ( a não ser ocabelo, na arte do penteado), o que é diferente dasatividades de transformação cujas etapas obedecema um recorte estrito. As atividades tradicionais sãoum bom exemplo. É bastante fácil de se remuneraras etapas, por exemplo, da olaria, da marcenaria ouda tecelagem ( preparação dos fios, montagem,tecer, cortar e desmontar), mesmo se semesquecem os termos técnicos. As atividadestradicionais têm certamente um valor metodológico.Os materiais se encontram em estado bruto (terra,madeira, couros, fio, metal), as ferramentas sãofixadas na perfeição de suas formas ( a navete, omartelo ou a enxada não podem ser melhorados ),as operações põem em evidência o encontro dasferramentas e materiais com ou sem choques oubatidas, as etapas conduzem certamente, para oproduto final.

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C.E.T.OC.E.T.OC.E.T.OC.E.T.OC.E.T.O.Noção de Estrutura

Para que exista a idéia de estrutura, estadeverá estar ligada à ordem das etapas. A atividadeserá dita estruturada ou não conforme esta ordemesteja mais ou menos presente. A estrutura, a qualé aqui questão, aborda o desenvolvimento de umaatividade e não as suas exigências ou implicações,aquelas que compreendem a análise do conteúdo.A estrutura não é complementarmente simétrica,como a cognição está para a imaginação e ainteligência para a sensibilidade. Esta imposiçãopoderá crescer à medida que avançamos nospassos, nas etapas da atividade. Na fabricação deum bolo, por exemplo, é impossível se retroceder.Quando já no meio só da para ir para a etapa doassar, que fecha o processo. A mistura está, então,fixada, não podemos retorná-la, o sólido plástico damassa tornou-se sólido estável. Só os alquimistassonham com o “ descozinhar”...

A análise pode liberar diferentes modelosde estrutura notadamente a estrutura em tríade, jámencionada (preparação - execução - conclusão),que poderia provir do modelo lingüístico, no qual asetapas correspondem à ordem lógica doselementos de uma frase - sujeito, verbo ecomplemento (dimensão sintagmática), enquantoas variantes possíveis no seio de cada etapacorrespondem às diversas substituições desseselementos (dimensão paradigmática). Isto permitecomparações entre diferentes atividades no que serefere ao número e à ordem das etapas (dimensãosintagmática) como para o exemplo da grande faxinae do penteado. O modelo pode também mostrar asvariantes no curso de uma mesma atividade ou seja,por uma determinada etapa, de operações diversas,cujo efeito é semelhante, como por exemplo: serrar,rachar, aplainar ou raspar no trabalho da madeira(dimensão paradigmática).

Insistir sobre as relações, operações eetapas, etapas e estrutura, não é supérfluo. Essasnoções, diretamente ligadas à coerência e aprogressão da atividade, vêm esclarecer a dinâmicaque se encontra na base da intervenção da terapiaocupacional. O que é se entregar a uma atividadeque podemos qualificar de humana, seja nosbordados, no vôo livre, na cultura hidropônica ounas palavras cruzadas, se não se engajar em umprocesso simples ou complexo que vai ao encontrode alguma coisa que tende à sua realização? E é

necessário que a Terapia Ocupacional se torne umreservatório da atividade humana? Pode-sequestionar face à invasão da lógica das máquinas,da automatização produtivista, da racionalidadegestionária que invadem nosso dia-a-dia.

Os meios de produção automatizada de hojeem dia ao contrário das atividades tradicionais,tendem a apagar os caracteres distintivos daatividade, no sentido de que não existe maisreservas de materiais, só a produção em fluxo. Nãoexistem mais etapas e na extremidade dessacadeia poderá resultar não importa o que. Semestoque no início, sem depósito no final, tudo évendido com antecipação, distribuído nessamedida. Há um fazer aqui de cadeia em cadeiasque se confinam umas as outras, onde tudo setransforma, se troca, se recicla, um vasto intestinoque circunda o globo graças à mundialização damercadoria. Estas cadeias obedecem à lógica dasmáquinas informatizadas. As etapas da atividadedesaparecem, só existem então, tarefas, maisprecisamente unidades de ações mínimas. Aoperacionalização tende a fragmentar as operaçõestais quais realizadas pelo humano. O robôdecididamente, corta mais fino...

Noção de conteúdo

O campo operatório e a cadeia operatória,com sua nítida delimitação e a identificaçãoexaustiva dos elementos que se interligam, vãofacilitar a análise de conteúdo. Podemos chamarconteúdo, as implicações e exigências da atividadee seus efeitos sobre o sujeito. Um sujeito, aindaabstrato, visto como receptáculo possível dasincidências da atividade: exigências motoras,sensoriais, cognitivas, afetivas, relacionais (estasdimensões são conhecidas), efeitos deestimulação, descontração, valorização etc. Sepodemos descrever, sempre num andamento deobjetivação, certos efeitos de uma certa atividade,estes vão depender da resposta do sujeito. Aqui sefaz a junção entre o objetivo e o subjetivo, o que é aatividade, o que ela traz e como podemos nosempenhar. E é neste ponto de junção que poderãoser destacadas as contribuições terapêuticas daatividade ainda concebidas para sujeitosapresentando diversos tipos de problemas e nãopara pacientes.

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C.E.T.OC.E.T.OC.E.T.OC.E.T.OC.E.T.O.Os determinantes da atividade

A análise dos componentes recai sobre osfatores objetivos da atividade, projetando os fatoressubjetivos, notadamente o afetivo para a análise deconteúdo, e, não levando em conta as condiçõesque tornam as atividades possíveis. Falar do possívelda atividade, é colocar em contexto, englobandolugar e clima, os meios materiais, o sistema demutação, a organização social, as representaçõese experiências de uma cultura, de seus usos e seusvalores.

Englobando o espaço geográfico e humanoonde o sujeito agindo é compreendido, inserido nocoletivo, onde o sujeito e suas obras são parte deum tempo e de um lugar e onde as realizaçõescoletivas são elas mesmas situadas e datadas.Isto que inclui o sistema dos tratamentos de saúde,onde a terapia ocupacional é um componente,sistema que é de uma época, que reflete uma visãodo mundo. É o que se pode chamar de um olharantropológico.

Fatores geoclimáticos

Os fatores geoclimáticos, técnicos,econômicos e socioculturais que determinam aatividade são interligados, eles fundam o sistema.Saber que a vela precisa de vento, assim como paraa pipa, e que as plantas precisam de luz, não ésuficiente. Falta entender como, por exemplo, ascondições rigorosas do Grande Norte exigem técnicasparticulares, dentro de uma economia estreitamenteligada aos recursos limitados do meio, como osconhecimento culturais, usos e representações, ritose mitos, vão de certa forma lubrificar o funcionamentodo conjunto e dar-lhe um sentido.

Aspecto Técnico

Se o aspecto geoclimático parece evidente,o aspecto técnico não é tão simples. Primeiramente,uma questão de linguagem: a técnica podesignificar procura do efeito eficaz dentro da ação (oque inclui até o trabalho), ela reenvia ao conjuntodas ferramentas colocadas entre o homem e seumeio, enquanto a tecnologia, em seu sentido maiscomum, é a ciência colocada a serviço da técnica

e, no sentido literal, a filosofia da técnica. A técnica,em relação a atividade, compreende os meios deações. Esses meios vão do corpo em si até asmáquinas “inteligentes”: ferramentas, máquinas,aparelhos e conjuntos de máquinas, é o mundocolocado ao alcance da mão, o mundo dosutensílios. Aos meios de ação, podem também, seacrescentar o know- how.

Considerar o aspecto técnico permite aidentificação de níveis, de acordo com umaclassificação cômoda, ainda que discutível, a dasatividades da automanutenção, fixadas desde aorigem do mundo e adquiridas desde a juventude.Aqui o sujeito não pode se entregar a outros, nem amáquinas para se lavar, se vestir e se possível, parase fritar um ovo! As atividades domésticas são denível artesanal, se bem que elas tendem a serinfiltradas pela lógica produtivista por dentro, pormáquinas tão eficazes como complexas, e por fora,pelos novos servidores que são os serviços.Contudo, a casa pode continuar sendo um pequenodomínio mais ou menos preservado, onde oshabitantes podem encontrar o que fazer. Asatividades de produção têm seus custos, suascomplexidades, suas justificações. Ela sãointerligadas à técnica, à econômica, ao sociocultural,e elas têm repercussão sobre o tratamento deterapia ocupacional. Sem renunciar aosequipamentos, os mais sofisticados, por mais quesejam úteis, é necessário saber utilizar os meiosque se encontram ao nosso alcance, se não nostornamos inaptos para trabalhar em outro local quenão seja em nossa sociedade tecnológica, chamadaavançada, mesmo trabalhando em suas margens,com nossos esquimós, por exemplo. O que iriacontra uma certa tradição da terapia ocupacionalque sabe tirar partido quando se apresenta acondição de fazer fogueira com toda madeira.

Existe aí, uma economia dos meios, umaopção para a simplicidade no desembaraço quepoderia se definir “ética da bricolagem” (saber sevirar), coisa que não deve ser publicada quando sesabe que o que não custa caro, não tem valor.

Aspecto econômico

Do econômico, as noções de base sãoconhecidas: atividades de produção do setorpúblico (economia de mercado), tendo valor decâmbio, e atividades de reprodução do setor

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C.E.T.OC.E.T.OC.E.T.OC.E.T.OC.E.T.O.privado, tendo valor de uso, (nascimento eeducação das crianças, trabalhos domésticos epequenas produções a caráter artesanal, o todonão tendo valor monetário). Sobre isso, pode-seacrescentar o valor de signo ligado ao consumoostentoso, consumo para aparência e consumoda aparência, da embalagem, da imagem doobjeto, das imagens - objetos (BEAUDRILLARD,1972). Na prática da terapia ocupacional a questãoé de economia no custo das atividades realizadase na gestão de um serviço, porém, mais ampla ede forma mais urgente, a questão econômica noque tange ao valor das atividades, esta no sentidoda reintegração ao trabalho. Preparar o paciente aretornar ao trabalho teria sentido quando o trabalhonão tem mais sentido? Enorme é a questão dotrabalho: raridade, desvalorização,desqualificação, defasagem crescente entre o altoe o baixo da gama dos empregos, precariedade,serviços ocultos. A automatização dos meios deprodução, com potencialidade em crescimento,tende a aumentar o desemprego (trabalhadoresem número excedente) ou, pelo menos, a diminuiras horas de trabalho conseqüentementedisponíveis, trabalhos divididos, os empregos demeio expediente, ou possivelmente uma simplesprestação de serviço por cada trabalhador, à suaconveniência, e após entendimento com oempregador. Assim, as carreiras serão certamenteoutras, o tempo livre poderá aparecer como oessencial da vida ativa, abrindo espaço necessárioàs atividades autônomas (GORG, 1988). Mas o quefazer de todo este tempo? Eis a pergunta. Comoficar livre com todo este tempo livre?

Fatores Socioculturais

O sociocultural é uma noção envolventetocante ao coletivo: o social, propriamente dito, tipode sociedade (liberal industrial ou pós-industrialpara a nossa), organização social (divisão dospoderes e função) e regras de funcionamentoinscritas nas leis (instituições), e o cultural com suasregras de conformidade transmitidas através doexemplo, o cultural que toca aos usos e àsrepresentações, o que cada cultura em si manifestaem suas obras e os valores de civilização às quaisela adere.

Assim, não tem atividade que não sejamodelada pela cultura e cada atividade deveencontrar sua justificação cultural. Uma mesmaatividade não é aceita da mesma maneira de ummeio cultural à outro e de uma subcultura à outra(subcultura de grupos, os adolescentes porexemplo, subcultura familiar religiosa, profissional).

O terapeuta ocupacional deve se adaptar àcultura do paciente (Krefting, 1991), ele deve seaculturar de certa maneira para uma ação, umaintervenção mais eficaz que terá em retorno efeitosaculturantes. Entender melhor, por exemplo, ospacientes da subcultura italiana de Montreal, conduza uma melhor integração destes ao meio culturalnorte-americano. Porém, nossa própria culturaestando em evolução, suas manifestações pelomenos estando flutuantes, o terapeuta ocupacionaldeverá escolher atividades levando esse aspectoem consideração. O que não o impedirá de recuoface à sua própria cultura, que não é a única cultura,nem válida para todos, além de que, parece queestamos indo em direção a uma diferenciação cadavez mais marcada (retorno dos nacionalismos,reativações dos fundos culturais antigos, retomadosno contexto contemporâneo: o retorno ao mundocéltico, o avanço de nossos nativos). Ámundialização da cultura, americana no momento,responderia uma diversificação generalizada.

Uniformização e singularização, as duastendências ao mesmo tempo (cavaquinho com aguitarra elétrica, o banjo com o violão, a flauta dosAndes com a bateria de Jazz): amanhã nósseremos todos mestiços.

A passagem para a terapia

Em terapia, o estatuto da atividade se colocaem primeiro lugar, em termos de finalidade e deespecificidade. As atividades às quais o terapeutaocupacional tem como recurso, não são em simesmo terapêuticas. Tratando-se de artesanal, dejogos ou de lazer, essas atividades já existem. Elaspertencem ao lote comum, elas procedem de umahabilidade profissional comum ou de uma habilidadeprofissional mais ou menos especializada. Elas sãoincluídas dentro de uma ou outra área de atividadehumana. Isto, fora de suas contribuições possíveisà terapia.

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C.E.T.OC.E.T.OC.E.T.OC.E.T.OC.E.T.O.A atividade utilizada em terapia conserva suacoerência, no sentido em que se pode aindaidentificá-la, e ela não perde sua finalidade, nosentido de que, por exemplo, trabalhar commarcenaria é produzir objetos de madeira. Pode-se ainda, sustentar que a visão terapêutica deixaraem suspenso a primeira finalidade, reporta-a. Aterapia introduz uma segunda finalidade e transitória.Falar sobre essas atividades com meta terapêutica,não traz dificuldades. Trata-se então de explorar osefeitos sobre o agente, o sujeito da terapia, daatividade em seu desenvolvimento ou pela suaconclusão. A reaprendizagem da escrita poderá serefetuada de forma gradual, a partir de recortes porfrases, as quais serão esquecidas, passarão aoinfraconsciente, quando o sujeito escreverá de novoespontaneamente (primeira finalidade dessaatividade), como cantar uma ária sem precisarlembrar-se das notas. Mas podemos falar, sobreuma tal situação, de escritura terapêutica?

O terapeuta ocupacional, certamente não seidentifica com as atividades que ele contribui para oseu andamento. Ele não é o terapeuta do couro, dacerâmica ou do vime. Ele se separa das formas deterapia tais como a arte ou a música-terapia. Elenão responde como detentor de uma terapia de meioespecífico, que supõe o domínio deste meio, aindaque este último, continue ambíguo por suaprocedência, não sendo nitidamente diferenciado (oque é a pintura, a música terapêutica?), o que nãoé o caso da cirurgia, por exemplo, destacada outrora,da profissão de barbeiro-cirurgião!

Falar de atividades com finalidadesterapêuticas, é falar claro. Se insistimos em falarde atividades terapêuticas, temos de entender nosentido de um construído, de uma organização. Operigo aqui, seria de esquecer sobre o queconstruímos, ou seja, as atividades bemcaracterizadas e situadas dentro de um espaço ede um tempo (“o topo-tecno-econômico-sociocultural”).

A meta geral do tratamento da terapiaocupacional que consiste em tornar “apto a” outornar de novo “apto a” exige uma organização daatividade. Organização por recortes, gradação,processos de facilitação. Balizagem de um percursoque o paciente não é, ou não é mais capaz de realizarsem balizas. Tornar apto a fazer, é despertar aspotencialidades (Étienne, 1991), tornar apto a fazer,

é atualizar um poder-fazer. Este poder-fazer,conforme o caso, é ligado a uma fase dereconstituição, do recondicionamento doequipamento biológico, da retirada dos primeirosobstáculos, ou seja o curativo, seguido de uma fasede retomada da atividade, de reconquista das áreasde vida, ou seja o integrativo.

A análise do campo e da cadeia permiteabraçar de uma só vez os diferentes pontos ondeexiste organização possível, indo a partir dadisposição dos locais, até as operações e etapas.A isso, vai corresponder a análise de conteúdo. E éeste conjunto de fatos que poderá ser levado emconsideração colocando-se desta vez, do lado dosujeito, o quem da atividade que interessa aoterapeuta ocupacional em primeiro lugar, ou seja, opaciente. Qual o percurso que teremos de lhepreparar e através de quais atividades e sob quaiscondições.

Um olhar sobre a terapia ocupacional, talqual ela é apresentada no decorrer dos anos, levaao destaque de três dimensões, três tendências,podendo ser consideradas, como três tempos maisou menos situados historicamente:- o curativo- levantar os primeiros obstáculos (cura

não no sentido de cura a longo prazo, mas, doque é necessário de se iniciar em primeiro. Limparum ferimento como limpar uma fonte) em terapiaocupacional, como se diz, dar novamente afunção, o que fez da terapia ocupacional umaespécie de subfisioterapia;

- o integrativo- favorecer o retorno do paciente àsua vida do dia-a-dia em seu meio habitual, essatendência que podemos qualificar hoje deecológica, poderia fazer da terapia ocupacionaluma espécie de sócio-educador;

- o suplementar- contribuições de ajudas técnicase outras substituições, adaptações que tenderiama fazer do terapeuta ocupacional um tipo deengenheiro, engenheiro da diferença.

Essas três dimensões continuam ligadas naintervenção da terapia ocupacional e é pela atividadeque elas se confluem. No curativo, a volta à atividadefaz da terapia ocupacional uma terapia ativa, nãoativando-se através de exercícios ou submetendo-se à ação de aparelhos, mas engajando-se ematividades que têm efeitos de mobilização e de

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C.E.T.OC.E.T.OC.E.T.OC.E.T.OC.E.T.O.reintegração. A atividade possui uma forma queindica a sua realização, uma “forma formante”. Aatividade é então, dinâmica e dinamisante(existe dinâmica intra-atividade e dinâmicainter-atividade: as atividades se chamam entresi). Não se toca impunemente em um bastão degolfe ou em uma pinça de filatelista sem se tornarfã: isso transborda, vibra. Se entregar à atividade ése expor, não é como tomar um remédio testado eaprovado. Essa dinâmica da atividade é iniciadaem condições particulares. A organização daatividade no quadro do tratamento constitui o quepodemos chamar de uma situação de experiênciacontrolada, com efeitos imediatos e efeitos a longoprazo. A situação de atividade modifica o que vem,ressoa sobre as condutas a vir. Ela pode constituirconhecimentos duráveis aos quais o sujeito adere.Ela adquire então, valor educativo. O aspectointegrativo da intervenção interessa ao paciente emseu modo de vida, seus hábitos, seus interesses,seus valores, como às suas práticas, práticastornadas possíveis ou facilitadas, organizando oslocais ou adaptando os objetos. Aqui, o suplementarencontra lugar: ajudas técnicas, adjuvantesmecânicos ou eletro-mecânicos diversos.

O terapeuta ocupacional deve significar,todavia, crítico face ao mundo da tecnologia. Nãose pode começar do zero com o computador, ocomputador que faz tudo, o computador tornou-seequivalente geral de toda atividade (como o dinheiroé o equivalente geral de todo bem). O robô podeser também uma miragem. Que se faça tudoatravés da máquina, que o robô faça tudo no lugardo paciente, por que não? Então por que tratar opaciente? Por que não refazê-lo de novo... porclonagem?

O sujeito deve permanecer agente de suaatividade. Deve-se preservar o fazer, quanto maisexistir o fazer, mais razão de ser da TerapiaOcupacional. Que a intervenção da TerapiaOcupacional passe pelo corpo, é da ordem daevidência. Ela se destina a um ser que possuimãos (a espécie homo não parece querer sedesfazer proximamente, de seus apêndices). Maso que é ter mãos? O que é esta banalidade? Quemperdeu suas mãos ou quem não as tinha ao nascer,não esta colocado, por isso, como tendo ou lidandocom as condições manuais. Esta justamente aí oproblema e a razão pela qual a terapia ocupacionalpode intervir. Acontece que isto sempre seja levado

ao limite, o mínimo equipamento motor e sensorial,ainda necessário, para continuar humano. O queresta do fazer, nesta extremidade, é pelo menos osentido. A operação mental não se podemanifestar somente por intermédio de imagens aochamar as palavras. É com a imagem dasconstruções bem concretas externas que se podeconstruir na sua mente.

Conclusão

A pesquisa dos meios mais eficazes, dorefinamento das ferramentas de análise, longe deimpedir a reflexão, pode ordenar saídasinesperadas sobre o que está em jogo na atividade.A noção da etapa aparece aqui particularmentesignificativa. A etapa como um dos estados deum processo, mais precisamente como um todoprovisório de um grande todo em via decompletude. A etapa é então, hierarquizada etemporizada. Envolvida no lance da metaperseguida e submetida ao constrangimento daordem a seguir, a atividade encontra suadinâmica. A etapa age como contraforça.

O entalhamento das etapas, suaspassagens sinuosas vão canalizar e conduzir parauma boa conclusão a força louca, o jato bruto doagir. Força e contraforça são os elementosconstitutivos de toda dinâmica.

Fica a questão do sentido, por que estaatividade e não outra, esta atividade precisa, aqui,neste momento? É então que o terapeuta entra emação, e ele deve saber julgar e guiar agindo emseu devido tempo. Sabendo que o sentido é o outro,o sentido provém do contexto, é o que leva, carrega,mostra, privilegia, valoriza a cultura ambiente. Aterapia ocupacional não tem por missão asseguraruma saúde particular a cada um de seus pacientes.

Ela não pode conduzi-los fora dacondição comum, de sorte que, se há uma saúdeela é a mesma para todos.

Resta a última questão do indivíduo e de suamargem de ação, se existe margem de ação,margem de ação ou autonomia, para empregar umapalavra possivelmente perigosa. Se existeautonomia, ela deve poder se traduzir em umaatuação própria, que não procura justificação enecessita só de um pouco de espaço.

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C.E.T.OC.E.T.OC.E.T.OC.E.T.OC.E.T.O.Entre as atividades do si próprio, do cuidado

que se deve (“se levantar, se lavar, se vestir “) e asatividades para os outros, entre o utilitário e o ganha-pão, seria necessário organizar um tempo para asatividades para si, àquelas destinadas para oprazer, para o sonho, para se manter vivo.

Referências Bibliográficas

BAUDRILLARD, J. Pour une critique de l’economie politique du signe,Gallimard, Paris, 1972

ÉTIENNE, A L’activité en Amérique du Nort: évolution vers une scienciede l’éducation, Journal d’Ergothérerapie, Masson, Paris, 1991,3,48-53.

GORZ, A Métamorphose du travail quête du sens, Galilée, Paris, 1988KREFTING, L. The culture concept in the everyday practice of

occupational therapy, The Quarterly Journal of DevelopmentalTherapy, 1991, 4, 1-6

LEROI-GOURHAN, A L’homme et la matière, Albin Michel, Paris,1971.

MOLES, A, ROHMER, E. Psychologie de l’espace, Casterman, Paris,1972.

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C.E.T.OC.E.T.OC.E.T.OC.E.T.OC.E.T.O.

AutoraCecilia Cruz VillaresTerapeuta Ocupacional. Mestre em SaúdeMental pela UNIFESP. Coordenadora do Cursode Especialização em Saúde Mental doDepartamento de Psiquiatria da UNIFESP.

EndereçoDepartamento de Psiquiatria UNIFESPR. Botucatu, 740 3o andar04023-900 - São Paulo SPe-mail: [email protected]

ResumoEsse texto traz algumas idéias para pensarmosa questão da reabilitação psicossocial de umlugar onde seja possível integrar os enquadresterapêutico e social, o conhecimento doprofissional e do leigo, e buscar a co-construçãode uma prática sistêmica, reflexiva ecomprometida com uma posição deresponsabilidade social.

Apresento aqui caminhos abertos aosterapeutas ocupacionais, que, ao assumirem ocompromisso de desenvolver uma clínicavinculada ao contexto social do cotidianopoderão se tornar terapeutas legitimamenteconstrutivistas e exercer um papel importantena articulação de soluções possíveis para aimplementação de redes formais e informais deinserção social àqueles que por motivos dedoença, incapacidade ou desvantagem seencontram marginalizados ou excluídos.

Palavras-chaveTerapia ocupacional - reabilitação psicossocial– saúde mental – modelos

psicóticos, na sua maioria com um diagnóstico deesquizofrenia. Esse serviço, o PROESQ (Programade Esquizofrenia), desenvolve-se no Departamentode Psiquiatria da UNIFESP. A equipe integraprofissionais com diversas formações que lá realizamassistência, ensino e pesquisa. A terapia ocupacionalé um recurso terapêutico respeitado nesse serviço etal reconhecimento vem sendo construídoprincipalmente através do trabalho consistente dasespecializandas do curso de Terapia Ocupacional emSaúde Mental que há mais de dez anos se desenvolveno Departamento. Vejo a minha tarefa de supervisoracomo principalmente a de criar condições para acontinuidade do trabalho desenvolvido, promovendouma reflexão constante sobre essa prática e auxiliandoa registrar a história deste percurso dentro da própriahistória do programa.

Penso que existem algumas condiçõesbásicas para que possamos realizar um trabalhoreflexivo. Eu acredito que a validação do outro,através do respeito à sua maneira de pensar erealizar um trabalho é uma dessas condições.

Eu sinto que no PROESQ eu venhoconquistando, ao longo destes anos, a possibilidadede me tornar, nesta equipe, o que CECCHIN (1998)chama de uma “terapeuta irreverente”: praticar umconstante questionamento e manter a curiosidadea respeito de minhas (e nossas) crenças, modelose formas particulares de práticas. Essa posiçãonunca é confortável. Na verdade, provoca pequenas(e às vezes médias e grandes) crises!

Mas hoje não vejo outra maneira de serterapeuta tão satisfatória quanto esta. Então, a partirdesta experiência pessoal gostaria de apresentaralgumas idéias a respeito da questão da reabilitação,idéias que foram se colocando para mim na medidaem que venho modificando minha postura diantedo que seja “conhecer” e sentindo minha prática seampliar diante destas mudanças.

Este é, evidentemente, um texto na primeirapessoa. Desde já, esclareço que a “irreverência”

Reabilitação psicossocial:O olhar de uma terapeuta ocupacional usando lentes sistêmicas

O contexto e a questão

Nos últimos dez anos tenho trabalhado numserviço de atendimento ambulatorial dedicado àassistência a pessoas portadoras de transtornos

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C.E.T.OC.E.T.OC.E.T.OC.E.T.OC.E.T.O.proposta por CECCHIN nada tem a ver comirresponsabilidade. Ao contrário, essa posiçãoirreverente nos torna ainda mais responsáveis portudo que pensamos, criamos e prescrevemos, poisé uma posição construída em interação (uma co-construção), em que dividimos a responsabilidadepelos contextos que emergem nas interaçõesterapêuticas e profissionais e buscamos umacoerência que provém do contexto interativosignificativo (CECCHIN, 1998, p. 113).

O que eu ofereço então é uma maneira depensar e agir que espero ser útil para a discussãoda reabilitação, principalmente sob o ponto de vistade nossa responsabilidade social como terapeutasbuscando uma prática crítica.

Perguntas irreverentes

Como as questões sempre nascem deexperiências, lembro que anos atrás, em umCongresso de Psiquiatria (Caldas Novas, GO,1994), falando num Simpósio sobre Esquizofrenia,abordei o tema da Reabilitação Psicossocialpartindo de quatro pontos principais:1. O vínculo histórico entre a terapia ocupacional

e a reabilitação em psiquiatria.2. A dissociação entre tratamento e reabilitação:

onde se situa a reabilitação?3. O que a reabilitação realiza?4. Parâmetros qualitativos para avaliar a

reabilitação.

Continuo achando esse um caminho possívelpara abordar o tema. Nesse sentido, procureiescrever a respeito da articulação do eixotratamento-reabilitação e de parâmetros qualitativospara avaliar a reabilitação num capítulo sobre terapiaocupacional em esquizofrenia (VILLARES, 1998).No entanto, hoje vejo algumas questões talvezanteriores a essas formulações. Tentarei torná-lasquestões úteis para todos os leitores desse texto.

Em primeiro lugar, de qual “reabilitação”estamos falando? Qual o modelo?

A cada vez que se propõe o assuntoreabilitação em reuniões de equipe, eu me perguntoquais são as idéias que todos ali têm sobre o queseja essa reabilitação, mesmo quando todossupostamente falam de uma “reabilitaçãopsicossocial”: estaremos compartilhando das

mesmas premissas? Parece que a mesma palavraé usada para expressar propostas muito diversas.Numa ponta estão, por exemplo, os conceitosrepresentados pelo modelo de reabilitaçãopsicossocial propostos por ANTHONY et al. (1990)sustentando que o tratamento visa à diminuição desintomas e a reabilitação ao aumento dofuncionamento do paciente. Em consonância comessa visão, McGLASHAN (1994) afirma que:

“A Reabilitação enfoca a adaptação e acapacidade funcional, em oposição à doença e àpsicopatologia. Estratégias de reabilitação dirigem-se aos recursos dos pacientes, aos talentosexistentes e às possibilidades para lidar com adoença que minimizem a incapacidade.”

Noutra ponta estão as idéias contidas emmodelos como por exemplo a proposição daOrganização Mundial da Saúde (OMS): “...é a restituição plena dos direitos, dasvantagens, das posições que estas pessoas tinhamou poderiam vir a ter, se lhes fossem oferecidasoutras condições de vida, nas quais as barreirasfossem atenuadas ou removidas.” (BERTOLOTE,1996, p. 156).

Ou na definição da Associação Internacionaldos Serviços de Reabilitação Psicossocial:“...o processo de facilitar ao indivíduo comlimitações a restauração, no melhor nível possível,de autonomia do exercício de suas funções nacomunidade” (PITTA, 1996, p. 19)

Onde encaixar então a concepção dareabilitação como uma postura ética?“...é uma atitude estratégica, uma vontade política,uma modalidade compreensiva, complexa edelicada de cuidados para pessoas vulneráveis aosmodos de sociabilidade habituais que necessitamcuidados igualmente complexos e delicados”(PITTA, 1996).“...uma questão ética de toda a sociedade”(SARACENO,1996, p.13).

O problema é que as discussões sobre qualestratégia, técnica ou atitude de reabilitação a serimplementada ocorrem normalmente em umenquadre institucional. E se falamos de açõespolíticas ou atitudes éticas como propõem, porexemplo PITTA e SARACENO, citados acima, logopercebemos que a tradução destas ações em

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C.E.T.OC.E.T.OC.E.T.OC.E.T.OC.E.T.O.intervenções objetivamente eficazes, válidas,reprodutíveis, economicamente viáveis etc., esbarraem incompatibilidades epistemológicas básicas.Empreendemos então desgastantes argumenta-ções sobre a validade e a aplicabilidade de nossasidéias – em geral, porque estamos preocupados emdefender nossos territórios intelectuais e arsenaistécnicos – ou então sobre a viabilidade de acolher,em nossos enquadres, alguma intervenção nãoclínica... e terminamos por não refletir sobre comoconstruímos idéias fundamentais, por exemplo,sobre o que seja doença, tratamento, cura ouinserção social.

Penso que refletir sobre a aparentepolaridade entre modelos de reabilitação e oalinhamento dos profissionais frente a essasproposições pode ser um bom ponto de partida paraentender sobre o que significa “conhecer” a partirde premissas modernas (mecanicistas,cartesianas) e pós-modernas (sistêmicas,construtivistas) e da possibilidade de encontrar umcaminho para a reabilitação através desta visãopós-moderna. Eu imagino que isso pode ser útilpara que se estabeleça, no campo da saúde mental,uma estratégia de ação que integre profissionais,portadores de doenças mentais, seus familiares ea rede social de maneira mais ampla.

Conhecimento e Tratamento emDuas Visões-de-Mundo

A representação dualista do mundo é umavisão produzida pelo pensamento moderno,marcado pelo paradigma cartesiano. Separamos oracional do emocional, o sujeito do objeto, a“realidade interna” da “realidade externa”, e assimpor diante. Nesse tipo de visão, são predominantesas construções disjuntivas do tipo “ou isso ouaquilo”. A crença na objetividade científica é tambémum produto deste tipo de visão-de-mundo. Oobjetivo do conhecimento científico é a conquistade fatos inegáveis, a busca da verdade. Oconhecimento busca a natureza essencial dascoisas.

O pensamento pós-moderno vem proporque aquilo que denominamos realidade objetiva éuma co-construção permanente, determinada pelasrelações que estabelecemos num contexto do qualfazemos parte. As fronteiras entre o que

convencionalmente chamamos de subjetivo eobjetivo, por exemplo, são recortes possíveis deuma narrativa construída através de relações dedistinção que cada um procede ao construir umdeterminado conhecimento. A realidade não existeenquanto uma entidade ou verdade universal. Nessaperspectiva epistemológica, o conhecimento parteda auto-referência e não cabe a separação, porexemplo, de um objeto de estudo do sujeito queestuda esse objeto. A pós-modernidade propõebuscar o conhecimento na diversidade, norelacional, nos contextos e nas múltiplasperspectivas. (LAX, 1998)

FRUGGERI (1998) sugere que precisamosdeslocar o foco da tradição dualista de sujeito eobjeto para abordar o processo do conhecimento,não esquecendo que o conhecimento é umaconstrução social. Ao adotarmos esta posiçãoestamos desenhando um novo referencial no qualo dualismo pode ser superado. Passamos então aformulações do tipo “tanto isso como aquilo”, emque a postura é a de compartilhar possibilidadesampliando narrativas, e não substituindo ou criandooposições.

Superando as Representaçõesde Oposição

A idéia de contrapor modelos “opostos” dereabilitação parece ser possível de ser superadaao examinarmos o que sustenta cada modelo equais as alternativas para o desenvolvimento depráticas baseadas nessa nova epistemologia.

Comecemos por fazer algumas perguntas:-Em primeiro lugar, quem propõe um determinadoenfoque para uma abordagem de tratamento oureabilitação, fala a partir de onde?-Existe uma distinção entre tratar e reabilitar?Quem propõe essa distinção?-Quando tratamos, o que tratamos?-Pode haver alternativa para um modelo detratamento centrado na patologia e na deficiência?

A meu ver, o modelo psicossocialquando propõe que a reabilitação é da pessoa enão do doente, não resolve a questão da dualidadeentre sujeito e objeto, doente e doença, assim pordiante. Este modelo parece buscar uma soluçãoretirando a questão da reabilitação do contexto de

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C.E.T.OC.E.T.OC.E.T.OC.E.T.OC.E.T.O.tratamento, encaminhando-a ao “social”. Lê-se istonas idéias de que a reabilitação não aborda adoença, mas a incapacidade e a desvantagemeconômica e social que podem ou não serdecorrentes da doença.

Entretanto, é preciso pensar que qualquerrelação entre um profissional de saúde e umpaciente se dá num espaço que também é social.Todos os lugares onde se realiza algum tipo deintervenção em saúde mental (hospitais-dia,ambulatórios, centros de convivência, unidades deinternação, etc... ) são enquadres perpassados pelocontexto social. Como diz PAKMAN (1999, p. 24),“...os discursos sociais atravessam e transcendemas paredes invisíveis que pensamos poder construirà nossa volta”.

Quando pensamos em tratamento,freqüentemente formulamos um idéia de tratar apartir da ainda dominante tradição mecanicistacartesiana de identificar elementos patogênicos,isolá-los e eliminá-los. As psicoterapias, apesar deutilizarem uma linguagem marcada pelo subjetivo,também operam freqüentemente a partir dessesmesmos pressupostos ao localizar no espaçointrapsíquico as questões essenciais para aabordagem terapêutica. Estamos, como dizPAKMAN (1999, p.8), freqüentemente aceitando oconvite para exercer uma prática assistêmica,concordando em conduzir avaliações e intervençõesbaseadas em raciocínios causais simplificadores,nos quais “...as dimensões marginalizadas tornam-se mero ‘contexto’, algo supérfluo em relação aoque a mente é ‘essencialmente’, e sem maioresconseqüências se eliminado...”

Da mesma forma, a idéia de separartratamento de reabilitação pode ser vista comoresultado da visão segundo a qual o tratamento visaabordar os sintomas e problemas relacionados aotranstorno ou doença, e a reabilitação cuida de ajudara pessoa a “funcionar” com as capacidades elimitações remanescentes. É como se, nacontabilidade geral da doença, a reabilitação fosseo aproveitamento do resto de uma divisão singular:uma pessoa, dividida pelo processo de doença,resgatadas as possibilidades através do tratamento,o que sobra é o potencial reabilitável.

Em que momento perguntamos ao pacienteou à sua família como eles vivem aquela experiência

que convencionamos chamar de doença? Querepresentações eles têm dessa realidade? Quandonos esforçamos para identificar precisamente ossintomas, as deficiências e as incapacidades, queespaço reservamos para perguntar aos nossosclientes como eles fazem para sobreviver e o queeles identificam como coisas que sabem fazer paramelhorar suas vidas; enfim, que recursos têm?

Parece inquestionável para todos nós que adoença subtrai da pessoa as suas capacidades. E,embora isto seja possível de se verificar em muitasnarrativas de doença, é preciso lembrar que aexperiência da doença é sempre moldadaculturalmente. KLEINMAN (1988) afirma que asorientações culturais locais – aquelas maneirasaprendidas para pensar e agir que reproduzem aestrutura social de um dado contexto – organizamo nosso senso comum, o conhecimento tácitosobre como entender, interpretar, lidar e tratar asdoenças. As expectativas convencionais sobre adoença, diz KLEINMAN, são alteradas através denegociações em diferentes situações sociais e emredes particulares de relacionamentos. E estasmesmas expectativas convencionais tambémdiferem segundo as nossas histórias pessoais devida. Até que ponto estamos conscientes de nossosconhecimentos tácitos quando elaboramoshipóteses clínicas para o tratamento de nossospacientes?

Quando profissionais de saúde interpretamum determinado problema de saúde dentro de umanomenclatura ou classificação diagnóstica, criamuma “entidade” – o transtorno (ou distúrbio) clínicoou psiquiátrico. Esse então é o problema a sertratado, do ponto de vista do profissional. Se otratamento prescrito não aborda, por exemplo omedo, as crises e os conflitos a partir do significadoque a doença tem para o doente e para a família, égrande a possibilidade de uma comunicaçãoineficiente na relação médico-paciente ou terapeuta-paciente. O que dizer então da possibilidade depensar em estratégias de reabilitação?

PAKMAN (1999) afirma que “as instituiçõessociais constróem solidamente os papéis dosatores de uma dada conversação que acontece emum contexto que elas proporcionam. Quandoaqueles que estão em conversação, em ambos oslados do ‘balcão’, representam os ‘scripts’ escritospara eles, ativamente participam da recriação de

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C.E.T.OC.E.T.OC.E.T.OC.E.T.OC.E.T.O.suas identidades à volta desses papéis alienados

... É tempo de nos perguntarmos: que tipode ‘paciente’, ‘cliente’ ou ‘usuário’ (como algunsadmiradores da teoria de mercado parecem preferir)estamos construindo como parte das instituiçõesde saúde mental pela quais somos formados e queencarnamos?”

Qual é a nossa responsabilidade na criaçãodesses “scripts”?

Penso que nós, terapeutas ocupacionais,possuímos uma enorme afinidade com aperspectiva construtivista porque lidamos, noenquadre terapêutico, com o fazer cotidiano e issonos coloca sempre em posição de buscar osrecursos, utilizar o potencial e o saudável de nossosclientes. Além disso, como costumamos pensar noaspecto da inserção social, temos procurado validarnossa prática através de parâmetros não tãofortemente determinados pelo modelo clínico. Essaposição de certa forma nos coloca em vantagempara articular soluções para a reabilitação. E quandodigo ‘vantagem’, não quero sugerir uma provocaçãocompetitiva com outros profissionais de saúdemental, mas apenas um lugar melhor, ‘com umavisão mais ampla’. É preciso reconhecer e usufruirdesse lugar!

BENETTON (1993/6), por exemplo, propõeque a avaliação da eficácia da reabilitaçãopsicossocial tem de ser feita no social, uma vezque “o propósito final é a inclusão social do excluído”(p.56). Porém, antes desta avaliação, BENETTONnos pergunta:

“A aferição se fará pelo novo ou peloreadquirido? ... Quando um esquizofrênico fica bom?Quando ele volta ao que era antes? Sabemos queele não volta e com isso corremos dois grandesriscos: o primeiro é mantê-lo para sempre em testes;o segundo é conseqüência do primeiro, ou seja, énunca poder considerá-lo reabilitado.” (p.56-57).

Penso que esta é de fato uma questãocentral para pensarmos a reabilitação em saúdemental. Ela nos leva a necessariamentereavaliarmos as premissas, expectativas, conceitosde doença e de cura que as orientam.

Se um dos desafios da reabilitação é odesenvolvimento de uma linguagem própria e de

referenciais teóricos que compreendam asinovações das práticas psiquiátricas maiscomplexas e articuladas, seria muito úti lpensarmos em modelos teóricos que dêem contada superação desta cisão entre a clínica e o social.E, aproveitando a experiência comum a muitosserviços de assistência psiquiátrica de que areabilitação vai-se desenvolvendo gradualmentecomo um conceito incorporado ao longo da prática,eu proponho que nós podemos pensar emmodelos teóricos que abarquem estacomplexidade se a utilizarmos justamente comoponto de partida.

A utilização de “lentes sistêmicas”, metáforapara essa postura construtivista, pode entãofornecer guias para a teorização e o desenho destareabilitação. Listando algumas idéias principais,espero então despertar a curiosidade dosterapeutas ocupacionais que vêm pensando eprocurando soluções para a integração de suaspráticas clínicas ao cenário social.

- Buscar a superação das dicotomias lembrandoque todo ser só existe em relação a alguém.

- Lembrar que todo conhecimento é um recorte eque a objetividade nasce da subjetividade.

- Procurar manter um senso de curiosidade comouma postura terapêutica, pois esta propicia aconstrução de alternativas de ação einterpretação (CECCHIN, 1998).

- Pensar sobre quais são as premissas segundoas quais nos definimos como terapeutas,elaboramos nossas teorias e práticas, modelose técnicas de intervenção. Pensar também quaissão as premissas que orientam as nossasrelações interpessoais, sociais e institucionais.

- Saber que as nomeações, os conceitos, asrepresentações, tanto das doenças como dosprocessos de tratamento, restabelecimento ecura, são narrativas encarnadas nos contextossociais dos quais fazemos parte. Refletir sobreas nossas concepções é um caminho paraestabelecer uma escuta para as histórias denossos pacientes em que se torna possível aconstrução de novas narrativas.

- Pensar no tratamento e na reabilitação como acomposição de alternativas possíveis. Buscaros recursos, reconhecendo (validando) ascompetências e soluções propostas pelospacientes e familiares. Criar situações para queas pessoas se dêem conta destes recursos.

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C.E.T.OC.E.T.OC.E.T.OC.E.T.OC.E.T.O.- Estruturar nossos serviços e práticas para criar

reflexividade e agenciamento de redescolaborativas formais e informais (PAKMAN,1999).

E, por fim, lembrar, como bem advertePAKMAN, que do ponto de vista dos pacientes eseus familiares, nós somos marginais. Pensarcomo, desde essa posição de marginalidade, sepode criar uma conversação suficientemente forteem que todos estejam interessados em buscar umasolução para os problemas, tecendo redes queaumentem o quanto possível a capacidade destaspessoas de realizar algo em suas vidas.

Agradecendo

Esse texto é um produto, ainda emconstrução, da reflexão que tenho tido oportunidadede desenvolver em colaboração com todos oscolegas do PROESQ, com os pacientes e seusfamiliares e com as especializandas de terapiaocupacional. A inspiração e o subsídio teórico vêmdo curso de formação em terapia familiar doFAMILIAE, um lugar que têm sido fundamental paraa elaboração destas idéias. A todas essas pessoas,e ao meu marido, Miguel Jorge, semprecompanheiro e disposto a revisar os meus textos,o meu muito obrigada!

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C.E.T.OC.E.T.OC.E.T.OC.E.T.OC.E.T.O.

Autora Silvia Helena dos SantosTerapeuta Ocupacional com especialização emSaúde Mental pela UNIFESP e especializanda peloCETO.

EndereçoRua Alfredo Penido, n 02CEP: 12570 – 000 / Aparecida – SP.Fone: (12) 565 – 25555

ResumoComo proposta disciplinar do CETO apresentamosuma discussão de um atendimento em terapiaocupacional, no qual, durante o processoterapêutico, é possível a construção de novoscaminhos tanto para o paciente como para aterapeuta. Mesmo encontrando algumasdelimitações clínicas e teóricas no exercício daprofissão, nos atendimentos grupais e individuaisnão perdemos as sutilezas dos acontecimentos, oque se transformou em uma importante experiênciadurante o processo de formação.

Palavras-ChaveAtividades – processo terapêutico – trilhasassociativas

Introdução

Refletir e escrever sobre a assistência emterapia ocupacional durante o processo deformação é uma tarefa complexa, mas ao mesmotempo, muito valiosa e prazerosa. A complexidadeencontra-se, muitas vezes, quando nos deparamoscom dificuldades conceituais e de como utilizar onosso instrumento de trabalho – as atividades.Benetton (1994) define as atividades como “oterceiro termo de uma relação que ocorre a partirdo pressuposto de que existe uma terapeutaocupacional e um segundo indivíduo que apresenta

qualquer tipo de motivo, necessidade ou vontadede lá se encontrar para fazer terapia ocupacional”.

Neste primeiro exercício teórico da clínica,utilizamos o atendimento em terapia ocupacionalde um paciente, para discutirmos pontosimportantes que fazem parte do processo e que,devem ser salientados e elaborados.

Assim, no decorrer de nossa formação e naconstrução de nossa clínica, nos instrumentalizar,teórica e praticamente, implica o aprimoramento ea aprendizagem da dinâmica das técnicas deatividades, sua utilização no processo triádico, bemcomo, das constituições teóricas desenvolvidasneste campo.

Benetton (1991) instrumentaliza comdiversos pressupostos teóricos e práticos o trabalhoa ser desenvolvido por terapeutas ocupacionais. Elapropõe, através de um suporte psicodinâmico, atécnica “trilhas associativas”. Trilhas associativasé uma técnica específica da Terapia Ocupacionalque compreende basicamente as seguintes etapas:

- compilação das atividades: elas podempermanecer no setting ou se forem levadas pelopaciente, devem ser fotografadas ou registradasde alguma forma;

- agrupamento e subagrupamento das atividades;

- significação das atividades, por associaçõesfeitas pelo paciente, podendo ter auxílio daterapeuta ocupacional para que ele possaconstruir uma nova história;

- ensinar e/ou indicar atividades.

Cabe ressaltar que, na terapia ocupacionalpodemos utilizar de diversas maneiras a técnica deuma atividade sem alterar o produto, criandotambém um novo meio de comunicação/interaçãocom o paciente. Ë importante também sabermos oquanto que a sala de terapia ocupacional faz parte

O exercício da clínica da Terapia Ocupacionalna especialização profissional

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C.E.T.OC.E.T.OC.E.T.OC.E.T.OC.E.T.O.do instrumento de trabalho da terapeuta. Elaconstitui-se em um espaço de receber alguém queestará de passagem, um local de desenvolvimentode diversas atividades e sobretudo influência dascaracterísticas pessoais e profissionais de quemas coordenará. Benetton (1994).

São esses os pressupostos que utilizamospara a apresentação de um caso clínico.

O Processo

Os procedimentos que serão relatados,foram desenvolvidos em uma instituição constituídapor uma equipe multidisciplinar, que se propunha adiversas formas de intervenção. Os atendimentospodiam ser realizados no nível ambulatorial, hospitaldia, atendimentos domiciliares, ou, ainda, em meioperíodo na própria instituição, tendo em vista aavaliação da equipe sobre cada paciente. Caberessaltar, que em quaisquer formas de equipe,sejam de caráter multidisciplinar, interdisciplinar outransdisciplinar, suas ações deverão sercomplementares na estratégia do tratamento aopaciente, bem como, sua linguagem deverá serúnica, clara e todos componentes deverão se sentirigualmente responsáveis pelo indivíduo, em criseou não, formando diferentes vínculos, de maior oumenor intensidade na tentativa então, de inseri-loem uma dimensão histórica.

Desta forma, E., 33 anos, sansei, o quartofilho entre cinco irmãos, fez formação acadêmicaem medicina clínica, sem ter nunca exercido aprofissão após a residência, chega a nossa equipe,após ter sido atendido em diferentes instituiçõespsiquiátricas, tendo um período de internação, o queacontece a partir de sua formação profissional.Antes de ser encaminhado para terapia ocupacionalE. tinha atendimento psiquiátrico e esporadi-camente, acompanhamento terapêutico, o qual foiinterrompido pela tamanha dificuldade que possuíapara sair de casa, criando um campo de tensão,suficiente para ele não querer mais o tratamento,acarretando a não aderência a esta intervençãoterapêutica. Recebeu diagnóstico clínico deesquizofrenia paranóide. A indicação terapêuticapara a terapia ocupacional foi feita em discussãode equipe, na qual comumente, havia supervisãode casos em atendimentos. Tal indicação é dadapela contextualização e qualidade dos diferentes

diagnósticos profissionais, o diagnóstico específicoda terapia ocupacional é denominado de diagnósticosituacional, (Benetton 1994) que pode serestabelecido entre outras coisas, pela análise dascondições sócio-emocionais atuais com as quaiso indivíduo se apresenta, bem como, seu modo deestar inserido ou não no social, o lugar que ele ocupana família, com seus amigos ou não, no trabalho,atividades esportivas e de lazer.

O paciente em questão morava com suairmã mais velha com a qual mantinha maior contato,já que os outros familiares moravam em outracidade, longe de São Paulo. Era ela quemacompanhava o tratamento e nos fornecia dadosimportantes da história dele, nos auxiliando naindicação terapêutica e na constituição dodiagnóstico situacional. Segundo informaçõescolhidas com a irmã ele apresentava forte tendênciaao isolamento.

Levando em conta principalmente que ogrupo em Terapia Ocupacional é o quarto elementoda relação triádica: terapeuta - atividades -paciente, e, que possibilita a promoção desociabilidade Benetton (1991),como propostaterapêutica inicial, propusemos atendê-lo em grupo.

Também como estratégia clínica ele foiencaminhado para um grupo em formação,composto por ele, outra paciente e a terapeuta.Apresentava alguns sintomas clínicos como porexemplo: acatisia (incapacidade de sentar-se;ansiedade intensa referente a permanecer sentado)e muita ansiedade, que ele dizia ser o empecilhopara fazer as “coisas” em sua vida. Não conseguiapermanecer sentado (andando de um lado para ooutro da sala). Ainda assim, conseguia contar dealgumas atividades que gostava, tais como,desenhar e pintar. Neste momento a outra pacientefalava de sua irritação e incomodo com a presençadele, dizendo que ele a atrapalhava. Enquanto elafazia sua atividade, E. ficava na sala observandoos materiais.

Mais um elemento situacional pode sercolhido neste contexto: E. apresentava dificuldadesem contar sua história e seus projetos, não tinhanenhum interesse de interagir, tendendo aoisolamento mais uma vez. Quase nunca saía decasa, a não ser para comer na lanchonete vizinhade seu apartamento.

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C.E.T.OC.E.T.OC.E.T.OC.E.T.OC.E.T.O.Discutimos com sua médica psiquiátrica a

possibilidade de mudança no esquemamedicamentoso, com o objetivo de diminuir algunssintomas colaterais que o incomodavam muito nogrupo de terapia ocupacional, mesmo que nãoaparecesse com tanta intensidade em outrassituações, eram limitadores de sua interação e deseu fazer.

Parecendo estar mais familiarizado com osetting, ele conseguia sem muito esforço escolheros materiais para sua atividade. Podemosconsiderar que neste momento configura-se aprimeira etapa da técnica “trilhas associativas”, quese inicia a partir da escolha dos materiais por E.para a construção de sua primeira atividade, quedisse ser uma pintura abstrata.

Na relação triádica, a atividade foi facilitandoo encontro e a aproximação da terapeuta à medidaque ele solicitava orientações. O ensinar passouentão a também fazer parte do processo, abrindoum novo caminho para a interação com E.

Alguns atendimentos foram realizados, nosquais E. passou a fazer sua atividade com maiorenvolvimento. Então, percebemos que começa aexistir uma história do tratamento que se delimita maisindividualmente. Desta forma, as intervençõespassam a ser individuais, sendo bem aceito por ele.

Com essa nova intervenção terapêutica emudança na forma de assistência, valorizou-se arelação triádica e a construção de um novo lugarpara E. em um grupo maior – o grupo social.

Nesse atendimento individual ele escolheoutro material – a argila. Comentamos com ele,que apresenta muita habilidade com modelagem ecom pintura.

Começou a fazer suas atividades maisindependentemente, sem necessitar ou mesmopedir nossa participação, que passou a sersolicitada em momentos específicos ou quandotinha alguma dúvida quanto à execução da técnica.

A partir do momento em que houvemudanças acentuadas em seu modo de estar narelação, propusemos uma revisão de suasatividades, compiladas até então. Ele concordou edisse que seria ótimo, pois poderia rever suas

atividades e ver sua melhora. Ficamos atentos aestas palavras. Ele também disse que a terapiaocupacional era um lugar gostoso e seguro.

Espalhadas as atividades pela sala, pedimosque ele as agrupasse de acordo com assemelhanças vistas por ele. Inicialmentesubagrupou atividades que não possuíam figurashumanas, depois atividades com desenhos depessoas de várias idades e sexos e, num terceirosubgrupo, atividades que envolviam objetos, figurashumanas e peças de argila.

Quando o tempo e o espaço vividos noprocesso terapêutico começaram a fazer sentidocriou-se um novo contexto, no qual paciente eterapeuta podem construir uma história diferente.

Desta forma, E. começou a construir suahistória (que é a história dos atendimentos emterapia ocupacional), podendo atualizar situaçõesdo seu passado e dando novas significações aosacontecimentos.

O subgrupo que continha as atividades comdesenhos de pessoas de várias idades e sexos eledenominou de “atividades com vida”. Escolheu umdesenho de uma montanha e de um homem feitode papel canson e tinta acrílica. Descreveu estedesenho como a busca do equilíbrio do homem coma natureza. Comento que esta atividade me lembraa busca de um lugar na realidade comum a todosque até então, para ele era impossível fazer parte.Dos desenhos que ele modificou um pouco, antesde revermos todas as suas atividades, ele contaque elas passaram a “ter mais vida”. Perguntamoso que significa “ter mais vida” e ele respondeu queagora suas atividades podem ser compartilhadascom outras pessoas e que isto significava tambémque não precisaria mais estar sozinho, poderia tera companhia e/ou auxílio de outros sem se sentirameaçado.

Sua última atividade foi confeccionada comargila e descrita como a mais importante. Ele fezuma família de tartarugas – mãe e três filhotes. Aoidentificá-las disse que eram lentas, não semovimentam sozinhas, mas com auxílio elaspodiam caminhar mais rápido.

Olhando para este novo contexto, eu via oquanto ele caminhou de uma dependência do fazer

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C.E.T.OC.E.T.OC.E.T.OC.E.T.OC.E.T.O.junto, enquanto uma necessidade, para uma buscade autonomia, favorecendo a possibilidade deexperimentação de um novo modo de ser, fazer eestar no social.

Assim, com a possibilidade de construir umahistória de vida diferente e poder fazer parte dela,sem se sentir ameaçado ou perseguido, suainteração transformou-se, passou a dar maisopiniões em sua casa, começou a fazer escolhas,indo aos bailes de sua comunidade, saía para comerfora com maior freqüência e, pode ingressar emum curso de canto, talvez sua verdadeira profissão.

Conclusão

Durante o processo terapêutico constituídopelos atendimentos de terapia ocupacional utilizandoa técnica “trilhas associativas”, pudemos criar umanova história para o paciente e consequentemente,para a terapeuta.

Construir novos caminhos e possibilidadesdurante o processo e, fazer parte deles, foi muitogratificante. Isto garantiu um crescimento pessoal

e profissional, já que na terapia ocupacional oterapeuta pode utilizar seu corpo, sua história emarcas, constituindo-se em elementos que, podeme devem ser associados com seu principalinstrumento de trabalho – as atividades.

Assim, pudemos perceber o quanto éimportante o exercício da clínica, ainda que restrita,mas sem perder sua qualidade.

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