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1Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005
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Revista de Controle e AdministraçãoAno I, nº 1 – junho de 2005
Editora: Sonia Virgínia MoreiraEditora Adjunta: Graça Louzada
Conselho EditorialLino Martins da Silva (presidente)
Antonio Lopes de SáArmandino RochaFábio GiambiagiFlávio da Cruz
Fernando XimenesFrançois de Bremaeker
Giselda SauveurMaria da Conceição da Costa Marques
Natan SzusterOlívio Koliver
Ronaldo Costa Couto
Revisão: Janaína SoaresArte e Editoração: Fernando Sperandio
Fotos: Arquivo de Imagens – RioturImpressão: Gráfica Minister
Controladoria Geral do Município do Rio de JaneiroRua Afonso Cavalcanti, 455/sala 1582
Cidade Nova - Rio de Janeiro, RICEP 20211-901 Tel. (21) 2503-2967
E-mail: [email protected]: www.rio.rj.gov.br/cgm
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SumárioSumário
Aos leitores 05
Auditoria das receitas públicas: análise crítica e contribuição 07Lino Martins da SilvaUniversidade do Estado do Rio de Janeiro
A ética e os tributos ao longo dos tempos 29Armandino RochaUniversidade Lusíada
Luca Pacioli, ícone na história da Contabilidade 53Antônio Lopes de SáAcademia Brasileira de Contabilidade
O desenvolvimento sustentável e o papel da auditoria ambiental 69Maria da Conceição da Costa MarquesInstituto Superior de Contabilidade e Administração de Coimbra
Governo eletrônico: desafios e oportunidades 89Giselda SauveurFundação do Desenvolvimento Administrativo
Um futuro para os municípios brasileiros 103François de BremaekerInstituto Brasileiro de Administração Municipal
A contabilização do leasing face ao princípio da 119prevalência da essência sobre a formaAnísio Cândido Pereira e Thaís do LagoCentro Universitário Álvares Penteado
Eventos 131
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Aos leitoresAos leitores
Estudos e textos sobre controle e, mais especificamente, sobre controle na
administração pública, são produtos raros nas estantes brasileiras dedicadas ao assunto.
A criação da Revista de Controle e Administração tem origem nessa lacuna, registrada
com freqüência por pesquisadores e professores da área de Ciências Contábeis.
Pretende-se neste espaço abordar questões atuais, contextos e aspectos históricos
relevantes para o controle interno, a contabilidade e a administração pública.
Além dos colaboradores brasileiros, cada edição pretende publicar artigos, estudos
ou ensaios inéditos de autores estrangeiros – latino-americanos, norte-americanos e
europeus – de universidades e organizações públicas ou privadas atuantes nos setores
de que trata a publicação.
Este primeiro número traz os seguintes artigos: “Auditoria das receitas públicas: análise
crítica e contribuição”, do Professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro Lino
Martins da Silva, que analisa as razões pelas quais os auditores internos e externos têm
dificuldades em planejar e realizar auditoria na área das receitas públicas. Em seguida,
os professores Armandino Rocha, da Universidade Lusíada (Portugal) e Antônio Lopes
de Sá contribuem com dois textos sobre história da Contabilidade. O primeiro aborda
a ética e os tributos ao longo dos tempos, enquanto o segundo faz uma análise da obra
de Luca Pacioli, que segundo ele “merece análise para melhor identificação da obra
com um homem que inaugurou uma nova fase na literatura da Contabilidade”.
Completam esta edição os artigos da professora do Instituto Superior de Contabilidade
e Administração de Coimbra Maria da Conceição da Costa Marques, cujo texto,
intitulado “O desenvolvimento sustentável e o papel da auditoria ambiental” é tema de
interesse de empresas, governos, cidadãos e da opinião pública em geral; de Giselda
Sauveur, socióloga e administradora pública técnica sênior da Fundação do
Desenvolvimento Administrativo (Fundap) do Estado de São Paulo, que apresenta
resultados do estudo “Governo eletrônico: desafios e oportunidades”; de François
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de Bremaeker, economista e geógrafo do IBAM – Instituto Brasileiro de Administração
Municipal, que apresenta no texto “Um futuro para os municípios brasileiros” as
alternativas viáveis para uma reforma tributária adequada às necessidades financeiras
municipais; e, finalmente, o artigo “A contabilização do leasing face ao ‘princípio da
prevalência da essência sobre a forma’”, dos professores Anísio Cândido Pereira e
Thaís do Lago.
Esperamos que esta reunião de artigos sobre temas variados proporcione a todos
uma boa leitura.
Sonia Virgínia [email protected]
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AuditoriaAuditoria das receitas públicas:análise crítica e contribuição
Lino Martins da Silva1
ResumoO presente artigo tem por objetivo analisar as razões pelas quais os auditores internos eexternos têm dificuldades em planejar e realizar auditoria na área das receitas públicas. Discorresobre a lógica atual adotada pelos administradores tributários que, voluntária ouinvoluntariamente, praticam uma verdadeira “blindagem” para o trabalho dos auditores.Inicialmente é apresentada uma visão contextual da ausência de estudos e pesquisas quetratem da administração das receitas públicas, em contraponto à abundante bibliografia nocampo da administração das despesas públicas. Em seguida considera-se a relevância daauditoria das receitas públicas e do controle a ela inerente, apresenta a estruturação do processodo sistema de administração tributária e controle fiscal e, finalmente, relaciona sugestões paraa auditoria das receitas públicas e os aspectos mais relevantes que constituem o desafio a sercumprido tanto pelos administradores tributários responsáveis pelo controle interno primáriocomo pelos auditores quando da realização das auditorias.Palavras-chave: receita pública, auditoria governamental, controle interno, contabilidadepública, finanças públicas
ResumenEste artículo pretende analizar las razones por que los auditores internos y externos tienendificultades en planear y realizar auditoría en el rendimiento público. Habla sobre la lógica actualadoptada por los administradores tributarios que, voluntaria o involuntariamente, practican unverdadero “blindaje” para el trabajo de los auditores. Inicialmente es presentada una visióncontextual de la ausencia de los estudios y pesquisas que hablen sobre la administración delrendimiento público, contrastando con la abundante bibliografía en el campo de la administraciónde los gastos públicos. En seguida, se considera la relevancia de la auditoría del rendimientopúblico y del control a la misma inherente, presenta la estructuración del proceso del sistema deadministración tributaria y el control fiscal y, finalmente, relaciona las sugerencias para la auditoríadel rendimiento público y los aspectos más relevantes que constituyen el desafío a ser cumplidotanto por los administradores tributarios responsables por el control interno cuanto por losauditores cuando realizan las auditorías.Palabras-clave: rendimiento público, auditoría gubernamental, control interno, contabilidadpública y finanzas públicas
1Livre docente pela Universidade Gama Filho. Professor Adjunto da Faculdade de Administração eFinanças da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (FAF/UERJ).
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AbstractThe purpose of this article is to analyze the reasons why internal and external auditors havedifficulty in planning and carrying out audits in the public revenue area, in addition to discussingthe current logic adopted by tax administrators who voluntarily or involuntarily practice averitable “armor-plating” in regard to the auditors´ work. Initially a contextual view ispresented of the absence of studies and research dealing with the administration of publicrevenues, as opposed to the abundant bibliography in the field of administration of publicexpenses. Following this, the article dwells on the relevance of the auditing of public revenuesand of the control inherent in it. In item 3, the structuring of the process of the taxadministration system and fiscal control is presented, and in item 4 suggestions are offeredfor auditing public revenues, besides a presentation of the most relevant aspects that comprisethe challenge to be met both by the tax administrators responsible for primary internalcontrol as well as by the auditors during the performance of the audits.Keywords: public revenues, governmental auditing, internal control, government accounting,public finances
IntroduçãoA ciência das finanças define os ingressos do Estado como os meios pecuniários que
o organismo público dispõe para viabilizar a prestação dos serviços públicos de sua
responsabilidade, ou seja: são os meios financeiros necessários para cobrir o orçamento
de despesas do Estado. Na lição de Nogueira,2 a atividade financeira consiste em toda a
ação que o Estado desenvolve para obter, gerir e aplicar os meios necessários para
satisfazer as necessidades da coletividade e realizar seus fins. A maior parte dos recursos
tem origem no patrimônio privado dos cidadãos que, por força de dispositivo legal, são
coagidos a entregar, na forma de impostos, taxas ou contribuições, uma parte de sua
riqueza. Por outro lado, as necessidades da coletividade exigem que, além dos ingressos
oriundos dos cidadãos, o Estado também possua patrimônio próprio representado por
bens imóveis e móveis com o objetivo de manter a ordem, a defesa interna e externa,
promover a justiça e muitas outras atribuições definidas na Constituição e nas leis.
A observação atenta do referencial teórico produzido no Brasil e da prática aplicada
na auditoria governamental revela que a área das despesas está sob o olhar critico de
muitos estudiosos, inclusive dos auditores, que na suas análises e investigações partem
do processo de planejamento e estabelecimento das metas a serem alcançadas, passando,
quando da execução, pelo projeto básico, licitação e, finalmente, pela a assunção da
obrigação de despesa e de pagamento, segundo as condições pré-estabelecidas.
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Enquanto isso, na área da receita, encontramos poucas reflexões acadêmicas e raros
trabalhos publicados, fazendo com que os auditores limitem o escopo de sua atuação
ao exame, apenas, do efetivo ingresso dos recursos no caixa, deixando de examinar as
fases anteriores relativas ao processo de formação da receita pública que envolve o
exame da função econômica da tributação, a capacidade contributiva dos cidadãos,
bem como o processo de fiscalização e cobrança, que leva ao conhecimento das
condições de cumprimento voluntário das obrigações tributárias.
No processo de formação da receita também deve ser incluída a ação dos
administradores voltada para avaliação de práticas inadequadas ou fraudulentas motivadas
para algum tipo de evasão, que devem gerar lançamento e cobrança compulsória dos
inadimplentes seja pela via administrativa ou judicial.
No presente trabalho procuramos, por um lado, mostrar a importância da auditoria
das receitas públicas e, por outro, mostrar algumas das razões que levam à auditoria
parcial em decorrência de uma verdadeira blindagem praticada por alguns
administradores tributários. Também é preciso reconhecer que muitos auditores do
setor público não vêem as fases anteriores ao ingresso dos recursos como integrantes
do escopo do seu trabalho.
Nosso objetivo, assim, é contribuir para ampliar as referências bibliográficas e teóricas
para que em futuro próximo exista mais eqüidade nas preocupações dos órgãos de
controle com as auditorias de receita e de despesa, uma vez que esta última (despesa)
não existirá sem aquela (receita).
Relevância da auditoria das receitasMomentos do controle das receitas
Sob o aspecto do controle, as receitas são objeto de investigação e análise em três
momentos:
• Controle antecedente ou preventivo
• Controle concomitante ou executivo
• Controle subseqüente ou crítico
Na etapa do controle antecedente ou preventivo é necessário que os auditores atuem
avaliando se o cálculo das estimativas de receita é adequado para dar cobertura aos
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gastos públicos. Nesta fase tudo se reduz à avaliação dos prováveis ingressos do período,
bem como à sua classificação e inscrição na proposta orçamentária, cabendo aos auditores
proceder à validação dessas estimativas.
A etapa do controle concomitante ou executivo envolve o estudo da execução dos ingressos
previstos no orçamento, cuja cobrança deve ser efetuada por força das leis tributárias vigentes,
atendido o princípio da anterioridade quando for o caso. Nesta etapa os auditores devem
avaliar e analisar o processo de realização das receitas, estudando sua repercussão financeira
(balanço financeiro), patrimonial (balanço patrimonial) e de resultados (demonstração das
variações patrimoniais). Devem, além disso, examinar todos os créditos efetivos e potenciais
que constituam valores a receber na data do encerramento de cada mês e ao final do exercício.
A etapa do controle subseqüente ou crítico responde pelo controle da execução da
receita com o objetivo de delimitar a responsabilidade dos agentes públicos, que estão
obrigados a apresentar periodicamente a prestação de contas dos atos que praticaram.
Esta etapa, por sua vez, compreende três fases ou estágios:
• Lançamento
• Arrecadação
• Recolhimento.
A fase do lançamento constitui uma operação, praticada por agente público
competente em obediência às normas e procedimentos financeiros, com o objetivo de
atender aos seguintes requisitos processuais:
• individualização do devedor
• verificação do crédito a favor do Estado
• liquidação do valor por meio do qual o contribuinte paga o que é devido.
A finalidade do lançamento é, portanto, determinar com precisão o direito do Estado
de exigir um ingresso no Tesouro. Na prática, o lançamento depende da delimitação
precisa do sujeito ativo, sujeito passivo, objeto e causa como elementos da obrigação
tributária, cabendo ao agente público, sob o aspecto financeiro, determinar o montante
devido e a data de vencimento a partir da qual deve ser providenciada a cobrança
administrativa ou judicial.
O estágio do lançamento não se confunde, assim, com a fase dos cálculos das estimativas
da receita, que corresponde ao controle antecedente ou preventivo, pois o estágio do
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lançamento da receita é parte integrante do controle concomitante ou executivo, que
individualiza e aperfeiçoa o crédito do Estado, enquanto a fase de cálculos está inserida
no controle antecedente, preventivo, que muitos denominam de estágio da previsão.
É importante considerar que a etapa do controle antecedente tem apenas efeito
administrativo interno, sem qualquer relevância jurídica que afete a movimentação dos
bens e direitos (ativo) ou das obrigações (passivo) do Estado. O lançamento, por sua vez,
é predominantemente jurídico, pois determina o direito creditório do Estado e define os
elementos da relação obrigacional que o sujeito passivo tem com o sujeito ativo (Estado).
O lançamento também deve produzir efeitos contábeis no patrimônio do Estado.
Entretanto, tal efeito depende do regime de apropriação das receitas adotado: quando
o regime é de competência, a etapa do lançamento produz a inscrição do crédito na
conta do ativo denominada “valores a receber”, cujo saldo no final do exercício será
levado para a conta “créditos fiscais inscritos” em face do não pagamento por parte do
sujeito passivo da obrigação. Se, ao contrário, o regime de apropriação for o de caixa, o
lançamento na conta “valores a receber” não será realizado, pois a receita somente é
afetada no momento do efetivo ingresso dos recursos.
A arrecadação é o estágio em que o agente público ou privado, na condição de
representante do Tesouro, exige do contribuinte o pagamento do valor lançado conforme
estágio anterior. Como conseqüência das regras de arrecadação o contribuinte paga o
valor devido, que tanto pode ser efetuado nos agentes arrecadadores (bancos) como
na própria tesouraria ou, ainda, diretamente na conta bancária do Tesouro. O
recolhimento, por sua vez, é o estágio que decorre do efetivo ingresso dos recursos na
conta do Tesouro ficando, a partir daí, disponíveis para pagamentos de despesas.
Finalmente, o controle subseqüente ou crítico, também denominado de controle
externo, corresponde à ação do Poder Legislativo na qualidade de órgão volitivo da
entidade pública. Mas como o Legislativo só atua nas etapas iniciais com a aprovação
da Lei de Orçamento (controle antecedente), na etapa final que traduz o exame e a
aprovação ou a rejeição das contas (controle subseqüente) surge a necessidade de
atuação do Tribunal de Contas como órgão autônomo e independente, com atribuições
de atuar como delegado do Poder Legislativo no exercício das funções operacionais
de controle externo permanente da entidade pública. Por outro lado, também é
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possível a intervenção direta do Poder Legislativo na fase do controle concomitante,
ainda que isso ocorra apenas em circunstâncias especiais, como é o caso de Comissões
Parlamentares de Inquérito.
Controle administrativo das receitas
O controle das receitas do Estado inclui dois aspectos básicos:
• controle dos contribuintes e devedores
• controle da administração sobre os agentes arrecadadores
O controle dos contribuintes e devedores é uma necessidade porque a arrecadação
das receitas não pode depender da boa vontade dos contribuintes. É imprescindível que
a administração adote controles voltados para evitar e reprimir a evasão tributária. O
poder do Estado, porém, para exercer tal controle sobre os contribuintes e devedores
não pode significar que a administração pode agir arbitrariamente. Neste sentido, qualquer
ação dos agentes do Estado terá como limite os direitos e garantias individuais nos termos
do art 5° da Constituição Federal, que no inciso II estabelece que:
II – ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa se não em virtude de lei.
Por outro lado, o Código Penal inclui o excesso de exação entre os crimes praticados
por funcionários públicos contra a administração em geral. É definido como a situação
em que o funcionário exigir tributo ou contribuição social que sabe ou deveria saber
indevido – ou, quando devido, emprega na cobrança meio vexatório ou gravoso que a
lei não autoriza. (§ 1º, art. 316, redação dada pela Lei nº 8.137, de 17.12.1990)
Para o exercício do controle fiscal sobre o contribuinte, a legislação impositiva
estabelece, além da obrigação principal de pagamento dos impostos, taxas e
contribuições, uma série de obrigações acessórias cujo descumprimento implica na
aplicação de penalidades como a manutenção de livros principais e auxiliares, de
documentos fiscais e a apresentação de informações e declarações que permitam ao
Estado acompanhar seu cumprimento. Dentre os instrumentos de controle do
contribuinte também pode ser implementada a obrigatoriedade de retenção dos tributos
devidos por terceiros, como é o caso da substituição tributária e o imposto de renda
retido na fonte pagadora.
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O controle dos contribuintes e devedores também pode ocorrer por meio de
investigações sobre a sua situação econômica e financeira, bem como o exame de livros
e documentos, além da solicitação de informações a instituições bancárias para estimar
de ofício a matéria tributável, aplicando as penalidades previstas em lei quando constatar
a ocorrência de fraude e evasão do valor devido.
O controle da administração sobre os agentes arrecadadores implica na adoção de
uma série de princípios básicos que normalmente estão incorporados na legislação
impositiva. Os mais importantes são os seguintes:
• unidade de direção
• segregação de funções
• responsabilidade dos agentes
• unidade de tesouraria
• prazos rígidos de cobrança
• controle administrativo interno.
A unidade de direção, a organização dos serviços públicos, pode ser feita em função
da especialização (organização horizontal) ou em função da sua estrutura orgânica
hierárquica (organização vertical). Na organização horizontal ocorre a especialização
por objeto ou tipo de trabalho que gera a coesão dos recursos humanos, o equilíbrio
na divisão do trabalho entre os vários agentes e, sobretudo, viabiliza um contato
eficaz da chefia com os elementos do serviço, de modo a permitir conhecimento
suficiente, direção oportuna e controle efetivo. Na organização vertical ou hierárquica,
a ênfase é o ordenamento em órgãos, unidades orçamentárias e unidades
administrativas ou gestoras, que podem ser agrupadas em grandes unidades com o
estabelecimento de alçadas, segundo o poder dos respectivos titulares, de modo a
assegurar a harmonia de cada conjunto.
No primeiro caso temos uma estrutura apoiada nos princípios da cadeia de valor,
enquanto no segundo temos a denominada estrutura institucional, que acompanha a
hierarquia estabelecida no organograma do órgão ou entidade e normalmente está
representada na Lei Orçamentária. Os auditores, ao examinarem a área da receita,
devem avaliar a estrutura dos órgãos responsáveis pela administração tributária levando
em conta que, na estrutura horizontal, é mais fácil a identificação dos macro-processos
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e do valor agregado na atividade pública. Por outro lado, precisam considerar se a
estrutura está apoiada em um sistema coerente e coordenado com as demais áreas que
tangenciam a área tributária. Ou, ainda, se foi implementada por mero acidente ou para
resolver algum problema casuístico revelador da ausência de planejamento estratégico.
O exame da unidade de direção mostrará se o sistema de administração tributária e
controle fiscal foi concebido apenas para reagir a alguma ação interna ou externa sem
qualquer fundamentação. Nesta hipótese, os auditores não podem esperar que ele
ultrapasse as suas próprias fraquezas para tornar-se um exemplo de eficiência e eficácia.
Na segregação de funções, o objetivo é estabelecer um controle mútuo, recíproco
ou de oposição de interesses entre os diversos órgãos administrativos. Assim como nas
entidades privadas é principio elementar de controle a segregação de deveres dos
empregados de tesouraria e de contabilidade, também nas entidades públicas é
necessário separar as diversas fases do processamento da receita, tais como: cadastro,
lançamento, cobrança, arrecadação e recolhimento.
A responsabilidade dos agentes indica que os encarregados da percepção ou arrecadação
das receitas públicas têm responsabilidade tanto pelos valores arrecadados como também
pelos que deixaram de arrecadar, que devem estar registrados como valores a receber,
cabendo ao responsável, no ato da auditoria ou da prestação de contas, justificar que
praticou todas as diligências para a cobrança dos respectivos créditos.
A unidade de tesouraria corresponde à obrigatoriedade de que o recolhimento de
todas as receitas far-se-á em estrita observância do princípio da centralização das receitas
vedando qualquer fragmentação pela criação de caixas especiais (art. 56 da Lei 4.320/
64). Este é um procedimento normalmente denominado de “caixa único”. Assim, todas
as receitas devem estar sob o comando do órgão ou poder que tenha a responsabilidade
de gerir as receitas.
Quando não for possível, por razões de distância, a aplicação da unidade de tesouraria,
o sistema de controle deve criar normas rígidas que levem à segurança de que os agentes
arrecadadores possam prestar contas na velocidade necessária. Neste sentido, um
procedimento eficaz e econômico é determinar que tudo o que for arrecadado de
forma descentralizada seja depositado na conta bancária do Tesouro sem qualquer
dedução para atender despesas locais, cabendo ao agente fazer o depósito imediato
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dos recursos e apresentar no prazo estabelecido a prestação de contas que deve conter
a documentação de suporte dos registros, o valor arrecadado e o recolhido.
Quanto aos prazos rígidos, no que se refere à arrecadação das receitas os prazos
concedidos aos contribuintes devedores e agentes arrecadadores devem ser rígidos e
improrrogáveis e conseqüentemente, qualquer atraso deve sofrer acréscimos de multas
ou juros moratórios, conforme estabeleça a legislação, e encaminhados para cobrança
judicial como dívida ativa.
Controle administrativo interno: para exercer o controle integral do fluxo da receita
a administração deve estabelecer uma padronização de fluxos e rotinas de todos os
momentos de controle com o objetivo de permitir que os auditores, tanto internos
como externos, possam analisar e avaliar periodicamente diversos aspectos, entre os
quais cabe destacar:
• análise das normas tributárias
• análise do processo de lançamento
• exame do registro escritural das operações relativas ao lançamento, arrecadação e
recolhimento
• auditoria dos ingressos no Tesouro
• contagem física
• exame das prestações de contas
• verificação de livros e documentos.
Aos administradores tributários cabe a organização administrativa dos controles
internos relativos às receitas públicas. Os auditores, a partir do atendimento dessa
premissa, estarão habilitados a validar tais controles. Sem esse atendimento preliminar,
os auditores ficam praticamente impossibilitados de realizar a auditoria integral das
receitas públicas e, conseqüentemente, seu trabalho fica restrito ao exame e ao
controle dos valores arrecadados. Não atuam, portanto, na fase de previsão original
das receitas e nem nos procedimentos de tributação, preferindo o exame das receitas
nas fases de arrecadação, quando os agentes arrecadadores informam os valores
arrecadados, e na fase do recolhimento, quando tais valores ficam disponíveis para a
realização de gastos. Entretanto, o objetivo deste trabalho é contribuir para que os
auditores, tanto internos como externos, estejam preparados para identificar e avaliar
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todo o macroprocesso da fiscalização da receita pública, que também deve ser
integralmente auditado.
No planejamento de auditoria das receitas e despesas é de vital importância levar
em conta que as macrofunções fazendárias incluem, na parte da administração
financeira e controle interno, o acompanhamento dos projetos, atividades e operações
especiais, além da avaliação do resultado alcançado pelos gestores. Na parte da
administração tributária e controle fiscal, tratam do acompanhamento das metas de
receita (previstas X realizadas) e dos programas, roteiros e rotinas voltados para a
recuperação de tributos.
Estrutura FazendáriaQualquer estudo mais aprofundado irá revelar que uma das áreas mais sensíveis da
administração do Estado é a área fazendária, vez que é responsável pela captação de recursos
que viabilizam o cumprimento dos programas de governo, sejam eles em nível de custeio e
manutenção ou referentes aos investimentos necessários para estímulo do desenvolvimento
econômico, geração de empregos, facilidades de acesso aos serviços públicos, etc.
Nesta dinâmica podemos observar que, no setor governamental, a área fazendária
tem o indeclinável papel de fazer com que a administração pública:
• funcione melhor
• gaste menos e...
• seja mais eficiente.
Para que tais objetivos sejam alcançados é necessário, além de proceder a uma efetiva
reestruturação de processos voltada para o atendimento das atribuições do sistema
fazendário, estabelecer critérios para a efetiva implantação de um sistema de controle interno.
Entre as dificuldades enfrentadas pela administração fazendária podemos indicar:
Receitas em queda – O aumento das receitas imediatamente após a implantação
do Plano Real ficou estabilizado e em alguns casos evidencia declínio ou crescimento
abaixo das expectativas. O lento crescimento das receitas próprias decorre muitas
vezes da ausência de um cadastro que viabilize a velocidade do lançamento em relação
à ocorrência do fato gerador e das incertezas da política fiscal e econômica, que limitam
o crescimento das receitas.
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Despesas em crescimento – Os administradores públicos enfrentam muitas
dificuldades que vão da ausência de uma discriminação constitucional das despesas, na
qual seriam definidas as competências de alguns dos serviços públicos, ao fato de que
diversos serviços existentes em uma localidade economicamente mais desenvolvida
atendem a contribuintes de outra, não havendo neste caso, salvo algumas exceções,
possibilidade de recuperação de tais gastos. Por outro lado, a espiral de custos
administrativos que não agregam valor e a grande carência de recursos para atendimento
de programas sociais, particularmente nos casos de saúde, educação e serviços sociais,
constituem grave ameaça para o equilíbrio orçamentário, além de inviabilizarem a realização
de investimentos importantes e necessários para melhorar a qualidade de vida do cidadão.
Cidadão exigente por resultados – Cada vez mais, independente dos sistemas de
administração tributária ou de controle interno e externo, o cidadão deseja saber dos
governantes o que tem sido feito, qual o custo das ações desenvolvidas e qual o resultado
alcançado. Tais exigências fazem surgir os seguintes desafios para os gestores públicos:
• Como aumentar as receitas?
• Como diminuir custos e despesas?
• Como financiar os déficits?
• Como priorizar e melhor distribuir os eventuais superávits?
Para responder a estas e muitas outras questões os administradores públicos devem
desenvolver metodologias para a auditoria das receitas e despesas, principalmente das primeiras
e, como conseqüência, permitir que o Estado não apresente déficits que, quando ocorrem,
precisam ser financiados por meio de empréstimos ou com a redução da oferta de serviços.
Infelizmente alguns projetos de reestruturação dos macroprocessos de receita têm sido
inócuos por não conseguirem penetrar na capilaridade do sistema de administração tributária
e controle fiscal que é a base de todo o processo de gestão da receita pública. Embora
existam algumas iniciativas no sentido da reestruturação do ambiente fazendário, a observação
atenta do ambiente administrativo revela um certo conformismo quando do planejamento
dos programas de auditoria que, quase sempre, partem do estágio da arrecadação (ingresso
do recurso no caixa) sem o aprofundamento necessário para permitir a identificação da
cadeia de valor que visualize todo o processo de administrativo e buscar alternativas para
melhorar as fases relevantes desse processo.
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A utilização dos conceitos relativos à cadeia de valor, popularizados por PORTER,3
considera que uma entidade pode ser desagregada em suas atividades de relevância
estratégica de forma a capturar a riqueza e a heterogeneidade de setores e entidades
proporcionando, ao mesmo tempo, uma estrutura disciplinada para suas análises tornando
possível compreender o comportamento dos custos. Neste aspecto, podemos verificar
que a grande maioria das reestruturações efetuadas na área fazendária não apresentou
preocupação em satisfazer as necessidades dos usuários externos, limitando-se a uma
abordagem dos problemas internos, principalmente com a aquisição de equipamentos de
informática mas sem o desenvolvimento de sistemas adequados que permitissem o efetivo
acompanhamento das ações voltadas para o incremento das receitas públicas. O quadro
a seguir mostra o posicionamento das diversas macrofunções na estrutura fazendária.
O estudo do sistema de administração tributária e controle fiscal envolve os aspectos
relativos aos objetivos, à estrutura e à descrição dos processos conforme se detalha a seguir.
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ObjetivosO Sistema de Administração Tributária e Controle Fiscal envolve diversas fases entre
as quais podem ser citadas:
• estudos econômicos sobre as potencialidades e a capacidade contributiva dos
contribuintes;
• organização de estimativas que servirão de base para a elaboração do orçamento anual;
• identificação das hipóteses de incidência e constituição do crédito tributário pelo
lançamento aos contribuintes que se encontrem naquela situação econômica, financeira
ou de disponibilidade de renda;
• arrecadação dos recursos dos contribuintes e acompanhamento não só das entradas de
recursos no Tesouro como também a manutenção das informações necessárias ao
conhecimento permanente da situação do contribuinte em relação ao cumprimento das
suas obrigações.
Estrutura do SistemaA estrutura do sistema em estudo envolve os seguintes processos:
Descrição dos Processos• Cadastro – conterá dados e informações referentes ao universo dos contribuintes, localizados
ou não, e suas atividades econômicas, objetivando suprir com informações os demais
componentes do sistema.
• Tributação e Fiscalização – terá por base o Cadastro e será planejada em função de estudos
econômicos das atividades dos contribuintes e exame da escrita comercial e fiscal segundo
as técnicas modernas de auditoria e investigação, especialmente de fraudes e sonegação
tributária.
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• Arrecadação – conterá informações dos pagamentos, qualificando os diferentes tipos de
receita, gerando relatórios e controles dos contribuintes pagantes e não pagantes, sendo que
estes serão classificados pelo montante da receita e incluídos na programação fiscal imediata.
• Controle Fiscal – este processo é de responsabilidade do gestor do respectivo tributo
e é de fundamental importância para sua administração.
• Informações Econômico-fiscais – Esta área trabalha com informações seletivas oriundas
dos demais processos e deve produzir informações sumarizadas para a tomada de
decisões, permitindo ao órgão fazendário exercer as seguintes atribuições:
• formulação de novas políticas tributárias;
• fiscalização programada;
• projeções de arrecadação;
• previsões de arrecadação;
• estudos econômico-fiscais da região;
• planejamento e orientação da ação fiscal;
• avaliação do desempenho dos órgãos do sistema.
A fiscalização tributária como campo da auditoriaPara entender a auditoria das receitas é preciso levar em conta que a área fazendária
mantém um órgão fiscalizador que atua externamente em contato permanente com os
contribuintes. Seu objetivo é identificar desvios no recolhimento dos tributos e proceder,
quando for o caso, ao lançamento do crédito tributário.
Tal órgão fiscalizador deve direcionar suas preocupações para a definição de estratégias,
determinação de prioridades e orientação operacional, com o objetivo de estudar a
dinâmica econômica e as diversas hipóteses de dissimulação que ensejam a desconsideração
de ato ou negócio jurídico. Para cumprir as funções de fiscalização externa, parte inicial do
processamento das receitas, a administração deve enfocar três fases distintas:
• planejamento fiscal
• execução
• avaliação e controle.
A administração fiscal, conforme já verificamos ao longo deste trabalho, se exprime por
meio de métodos e processos razoavelmente uniformizados, e é disciplinada em maior ou
22 Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005
menor grau conforme o nível de sistematização adotado ou disponível em cada gestão
fazendária. Entretanto, na grande maioria dos entes da Federação brasileira trata-se de um
sistema fechado ao qual os órgãos de auditoria tanto interna como externa não têm acesso.
Assim, qualquer lançamento tributário ou parcelamento fica submetido a um
desconhecido sistema de controle que não é validado por órgão independente (interno
ou externo) podendo gerar práticas corruptas de atuação que vão desde o
descumprimento de prazos constantes das normas reguladoras do Processo
Administrativo Tributário até ao “engavetamento” de processos de alto valor, que ficam
“escondidos” em pilhas de documentos, uma vez que o fluxo de entrada é quase sempre
superior ao fluxo de saída.
É preciso, portanto, que os auditores do setor público incluam entre suas tarefas a
avaliação de controles internos do sistema de administração tributária para verificar a
existência de efetivo planejamento fiscal que tenha como objetivos básicos:
• garantir o recebimento integral dos tributos;
• aprimorar o relacionamento fisco-contribuinte, orientando o contribuinte sobre o
correto recolhimento dos tributos ao Estado;
• valorizar o funcionário fiscal como representante do Estado junto ao contribuinte,
aperfeiçoando a sua capacidade de decisão e consciência profissional;
• manter as exigências em nível realista, para que as normas não sejam desmoralizadas
tanto pelos funcionários como pelos contribuintes;
• aperfeiçoar os métodos e instrumentos utilizados na fiscalização de tributos,
adequando-os às novas técnicas de investigação e de inteligência fiscal.
Para que o planejamento seja bem sucedido é preciso implementar um sistema de
informações detalhadas sobre o ambiente externo no qual as entidades tributadas atuam.
Neste sentido, o sistema deve identificar focos de resistência ao pagamento do tributo
e formas mais ou menos sofisticadas de evasão tributária em cada atividade econômica.
Por outro lado, para o bom desempenho do planejamento é necessário que o ambiente
interno seja estruturado de modo a padronizar os procedimentos dos setores
responsáveis pela gestão dos tributos de modo a evitar o estabelecimento de rotinas
casuísticas e impregnadas de voluntarismo, que é sempre aliado da desorganização,
com implicações na demora para transformar o lançamento tributário em receita efetiva.
23Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005
Internamente os administradores tributários devem ser responsáveis pelo
estabelecimento de indicadores que determinem a periodicidade da programação, bem
como o perfil dos contribuintes e as metas de arrecadação. Neste último aspecto devem
ser considerados os seguintes fatores:
• a evolução natural da arrecadação observada na sua série histórica;
• a projeção da inflação segundo as metas estabelecidas pelo Governo
• as medidas legais que possam interferir para mais ou para menos na arrecadação
• o esforço fiscal a ser despendido segundo os seguintes parâmetros:
- Total de contribuintes a fiscalizar no período, por faixa de importância em relação ao
total arrecadado;
- Percentual máximo de omissão de informações a ser admitido;
- Percentual máximo de correções a serem realizadas em função dos documentos
informados;
- Redução da evasão apontada nos indicadores fiscais;
Uma vez estabelecidas as metas e idealizados os programas de ação fiscal, é necessário
estabelecer pontos de controle que possam verificar se a execução das tarefas está
sendo realizada na direção pretendida. Além disso, em função da metodologia adotada,
as metas têm de ser avaliadas e revistas periodicamente com base na atualização das
previsões formuladas anteriormente. Para atingir esses fins, o controle será exercido
nas seguintes etapas:
• Controles automáticos
- Controle de pagamentos (conta corrente) por faixa de contribuintes;
- Controle de autos de infração, parcelamentos e dívida ativa.
• Controle de qualidade da execução individual
- Relatório de ação fiscal
- Controle do imposto recuperado por ação fiscal
• Controles consolidados
- Controle dos programas de fiscalização desenvolvidos
- Relatório mensal das atividades
- Relatório trimestral de avaliação das metas estabelecidas
• Auditoria
24 Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005
O quadro a seguir apresenta um resumo do fluxo do processo da fiscalização
tributária que tem como produto o lançamento da obrigação tributária:
25Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005
Sugestões para uma auditoria de receitasPlanejamento
No planejamento da auditoria das receitas é necessário adotar alguns procedimentos
preliminares de análise e avaliação dos processos como os que seguem:
• analisar o modelo de organização e gestão;
• analisar os procedimentos operacionais;
• avaliar os usos da informática;
• avaliar o modelo organizacional das áreas/funções/processos para o macro-processo
das receitas, ou seja:
- Legislação
- Cadastro
- Fiscalização
- Lançamento tributário
- Cobrança administrativa ou judicial
Os responsáveis por esse planejamento devem procurar respostas adequadas sobre
as possibilidades do sistema a fim de avaliar os riscos inerentes à auditoria que se pretende
realizar. Cabe ao auditor avaliar se o sistema permite:
• o cadastro de contribuintes de modo eficiente e na época oportuna?
• a emissão de número exclusivo e permanente de identificação do contribuinte?
• identificar os sócios das empresas e verificar, todas as vezes que uma nova empresa esteja
sendo constituída, se cada um dos sócios é responsável por alguma empresa inadimplente
ou que tenha encerrado suas atividades sem a devida baixa e quitação tributária?
• o processamento preciso e na época oportuna de formulários e declarações de
imposto, incluindo o autolançamento?
• identificar o tempo médio gasto na concessão do cadastro dos contribuintes e da
baixa das atividades de modo a estabelecer algum padrão de desempenho?
• verificar se as demonstrações contábeis dos contribuintes são adequadas para a
atividade exercida?
• a identificação dos contribuintes que não entregam suas declarações e das contas em
atraso?
26 Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005
• Gerar estatísticas operacionais, mensurações de produtividade, relatórios
extemporâneos e consultas?
A resposta a estas e outras perguntas podem ser utilizadas como base para o
estabelecimento de diretrizes quantitativas e qualitativas a serem usadas durante todo
o planejamento da auditoria.
Aspectos relevantes para auditoria das receitasCom base em todos os aspectos aqui considerados podemos afirmar que, na
apreciação do modelo de gestão fazendária, cabe ao auditor avaliar se o mesmo tem
capacidade e agilidade para, ao atribuir uma inscrição fiscal ao contribuinte, identificar
determinadas informações que serão de fundamental importância para a atuação futura
dos agentes da fiscalização. Dentre estas informações temos as seguintes:
• atividades preponderantes e atividades secundárias
• tipo de imposto
• responsabilidade fiscal com a identificação dos sócios, cotistas ou dirigentes,
• data do início das atividades.
Nas informações ou declarações entregues, inclusive nos documentos de pagamento
de tributos ou outros, devem constar dados que sejam relevantes para a apropriação e
notificação aos contribuintes, na época devida, bem como identificar aqueles que não
fizeram a entrega das informações solicitadas ou que pagaram menos impostos do que
o valor total devido.
Os pagamentos de impostos feitos em qualquer repartição ou em agentes de
arrecadação (rede bancária) devem ser controlados e os recebimentos diários conciliados
com o caixa e com a contabilidade. A inscrição cadastral do contribuinte é essencial
para o registro adequado dos pagamentos feitos pelo mesmo na conta corrente mantida
em seu nome. Os pagamentos feitos em bancos devem ser controlados pelo próprio
banco mediante o batimento entre os valores registrados nos boletins diários de
arrecadação e o montante dos recursos financeiros arrecadados.
A apropriação da receita dever efetuada segundo os dados descritos acima, recebidos
da rede bancária ou de outros agentes arrecadadores, afetando na forma estabelecida
no plano de pontas as rubricas da execução orçamentária e as variações patrimoniais
27Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005
resultantes, tanto no caso de receita efetiva como no de receita por mutações
patrimoniais. Neste último caso, a alteração patrimonial deve ser efetivada como conta
redutora da receita correspondente. A utilização do regime de competência pressupõe
o registro de todas as receitas lançadas no ativo de contas a receber.
A conta corrente do contribuinte deve ser entendida como o processo de
acompanhamento desse contribuinte e um dos principais componentes de qualquer sistema
de administração tributária e controle fiscal. Permite conhecer, a qualquer tempo, as
responsabilidades fiscais por imposto, período, tipo de transação, faixa de datas e outros
critérios. A chave de um bom e regular acompanhamento do contribuinte está na
capacidade de controle daquilo que é visualizado ou impresso para qualquer contribuinte.
A inclusão nesses dados do nome dos sócios e responsáveis é um forte auxílio no
combate à evasão fiscal, pela atribuição, em qualquer momento, do mecanismo da
responsabilidade ou solidariedade fiscal conforme previsto no Código Tributário Nacional.
O processo de contas a receber (após o lançamento de qualquer tributo ou como
dívida ativa) é extremamente importante, já que se concentra na arrecadação de valores
em atraso. O seu desenho deve estar integrado ao processo de acompanhamento do
contribuinte com a geração automática de notificações-padrão e personalizadas ao
mesmo de forma a acelerar o processo de notificação sobre valores em atraso ou sobre
a não entrega de declarações solicitadas.
O cumprimento das obrigações fiscais pelo contribuinte é afetado pela capacidade da
área tributária em reconhecer aqueles que deixam de entregar ou entregam a declaração
com atraso, deixam de pagar ou pagam com atraso. É importante que as notificações de
atraso, automaticamente geradas pelo sistema informatizado, sejam revistas e verificadas
pelos dirigentes fiscais antes do envio aos contribuintes, uma vez que o computador precisa
ser entendido como ferramenta de auxílio dos administradores, mas não substitui os seus
conhecimentos.
O processo para aprovação e pagamento das devoluções aos contribuintes por pagamentos
em duplicidade ou a maior deve ser convenientemente analisado pelos auditores. Existem
administradores que não processam tais pedidos, outros que processam muito lentamente e
há os que fazem as devoluções rapidamente. Em qualquer das situações é importante que as
devoluções sejam rigorosamente controladas. Por outro lado, é importante que o auditor
28 Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005
fique atento para as devoluções: não devem ser concedidas para um tipo de imposto se o
contribuinte estiver atrasado com o pagamento de qualquer outro tipo de imposto.
No caso de devoluções o auditor deve rastrear o pagamento das mesmas, pois a operação
constitui um dos fatores críticos: na grande maioria das vezes poderão estar sendo rompidos
alguns paradigmas éticos que precisam estar presentes em todo o setor público.
A conciliação fiscal representa uma das tarefas mais importantes da administração
tributária porque será sempre uma rica fonte de informações para o critério de seleção
de auditoria. O processo deve integrar dados fiscais informatizados e facilitar as consultas
padrão e extemporâneas em relação a estes. Os dados fiscais deverão ser cruzados
para serem comparados com uma série de armazenamentos de dados para gerar
relatórios de conciliação fiscal.
Os sistemas fiscais informatizados podem fornecer dados estatísticos usados pela
administração para melhorar as operações. Neste sentido, o desenho do sistema interno
de informações deve permitir suficiente capacidade para emissão de relatórios, que
ficarão armazenados e estarão disponíveis sempre que necessários.
ConclusãoQualquer estudo dos sistemas de administração tributária e controle fiscal revelará,
sem grande esforço intelectual, que o mesmo é fortemente influenciado pelo entorno
político, cultural, econômico, social e tecnológico, assim como pela evolução e tendências
do entorno mundial.
Tais fatores levam os gestores responsáveis a ter que lidar cotidianamente com uma
instabilidade permanente e com relações cada vez mais complexas e interdependentes
entre a administração e a sociedade, que exigem adaptações na forma de gestão, recursos
humanos altamente qualificados e estruturas organizacionais capazes de responder e
adaptar-se às exigências sempre crescentes da sociedade.
Para cumprir tais desafios a administração tributária precisa sofrer adaptações,
principalmente aquelas relativas ao estabelecimento de normas de controle que permitam
a realização, a qualquer tempo, da auditoria integral das receitas públicas. O que equivale
dizer, de todas as fases consideradas fundamentais para que não só os administradores
públicos como todos os interessados possam ter a certeza da adequação dos valores
29Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005
arrecadados. Assim, ao final de cada período os profissionais de controle poderão emitir
parecer de auditoria que valide os dados constantes das demonstrações contábeis.
Notas
2 NOGUEIRA, Ruy Barbosa. Curso de direito tributário, 9ª. ed. S. Paulo: Saraiva: 1989, p. 3.3 PORTER, Michael.Estratégia competitiva – técnicas para análise de indústrias e da concorrên-cia, tradução de Elizabeth Maria Pinho Braga; revisão técnica Jorge A. Garcia Gomes, 7ªed. Rio deJaneiro: Campos, 1986. p. 6
Referências Bibliográficas
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GAITÁN, Rodrigo Estupiñán. Controle interno y fraudes, con base en los ciclos transaccionales. Bogotá: Ecoe Ediciones, 2002.
NOGUEIRA, Ruy Barbosa. Curso de direito tributário, 9ª ed. S.Paulo: Saraiva, 1989.
PORTER, Michael. Estratégia competitiva – técnicas para análise de indústrias e da concorrência, tradução de Elizabeth Maria Pinho Braga; revisão técnica Jorge A. Garcia Gomes, 7ª ed. Rio de Janeiro: Campos, 1986, p. 6.
SILVA, Lino Martins. Contabilidade Governamental, 7ª. ed. S.Paulo: Atlas, 2004.
TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. Rio de Janeiro: Renovar, 1999.
30 Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005
A éticaA ética e os tributos ao longo dos tempos
Armandino Rocha1
ResumoVivemos hoje numa época em que as mudanças culturais, tecnológicas e econômico-financeirasocorrem a um ritmo alucinante e em que as transformações e alterações delas decorrentesassumem dimensões imprevisíveis. Ao longo dos tempos, os impostos sempre procuraram aadaptação à mudança. Essa estratégia implica uma clara definição de objetivos emetas, comandados por princípios. Implica também que se tenha a flexibilidade tática suficientepara se atingir os objetivos, mesmo que os meios falhem, faltem ou sejam insuficientes. Nesteartigo procuramos apresentar um resumo histórico da fundamentação ética do imposto até ointervencionismo do Estado, com uma resenha histórica sobre a evolução dos objetivos políticos,econômicos e sociais da intervenção do Estado.Palavras-chave: evolução, ética e tributos
ResumenVivimos hoy en una época en que los cambios culturales, tecnológicos y económico-financierosocurren a un ritmo loco y en que las transformaciones y las modificaciones provenientes delas mismas asumen dimensiones imprevisibles. En el transcurso del tiempo, los impuestossiempre buscaron la adaptación al cambio. Esa estrategia implica una definición clara de objetivosy metas, ordenados en principios. Implica también que se tenga la flexibilidad táctica suficientepara alcanzar los objetivos, aunque los medios fallen, falten o sean insuficientes. En este artículonosotros presentaremos un resumen histórico de la fundamentación ética del impuesto alintervencionismo del Estado, con una reseña histórica acerca de la evolución de los objetivospolíticos, económicos y sociales de la intervención del Estado.Palabras-clave: evolución, ética y tributos
AbstractWe are living today in a time when cultural, technological and economic-financial changes areoccurring at a maddening pace and when the transformations and alterations resulting fromthem are assuming unpredictable dimensions. Throughout history, taxes always tried to adaptto change. This strategy implies a clear definition of objectives and goals, guided by principles.It also implies the need for tactical flexibility sufficient for achieving the objectives, even if themeans fail, are lacking or insufficient. In this article we try to present a historical summary ofthe ethical basis of taxation up to State interventionism, with a historical account of the evolutionof the political, economic and social objectives of State intervention.Keywords: evolution, ethics and taxes
1 Diretor da Faculdade de Ciências Empresariais da Universidade Lusíada de Vila Nova de Famalicão, Portugal.
31Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005
Breve resumo histórico da fundamentação ética do impostoSe fizermos uma análise retrospectiva, embora necessariamente breve, podemos
verificar que desde o seu nascimento até os dias de hoje o imposto tem sofrido várias
alterações, as quais passam pela sua fundamentação ética, pelo modo como os
contribuintes reagem perante ele e se tentam ou não defraudar o credor tributário.
Antigüidade Clássica
A primeira forma de imposto remonta à Antigüidade, quando as comunidades vencidas
nas guerras como resultado dessa derrota ficavam sujeitas ao pagamento de um tributo
à comunidade triunfadora, o qual era marcado pelo signo da servidão, do domínio ou da
dependência. Esse tributo era imposto unilateralmente pela comunidade vencedora
com o fundamento que por meio do seu pagamento a derrotada podia continuar a
usufruir os seus bens e terras.
Na Grécia Antiga, a concepção dominante de democracia aí existente permitiu que
as contribuições tivessem um caráter voluntário (embora apenas para os cidadãos livres).
Relativamente, aos estrangeiros e libertos (escravos que se libertaram mediante carta
de alforria) incidia um imposto de capitação, o qual consistia num tributo de certa soma
que se pagava por cabeça ou por pessoa.
No entanto, havia certos períodos excepcionais em que, por via, por exemplo, da
guerra, as necessidades financeiras do Estado aumentavam significativamente, pelo
que, nessa altura, o imposto tornava-se obrigatório e incidente sobre os bens próprios
dos cidadãos livres. Esse fato era bem aceito pelos cidadãos gregos, pois para eles a
colaboração, e conseqüente submissão ao imposto, fundava-se nas exigências do bem
comum da Cidade e da comunidade política. Com efeito, para o cidadão grego o
Estado está acima do indivíduo: “a ele se deve, a ponto de considerar a contribuição
como virtude de elevadíssima estima moral, dado que se destina a atender às
necessidades da Cidade”2.
Por meio da educação que lhe era ministrada, o cidadão grego compreendia que a obrigação
de pagar imposto derivava da sua obrigação de, como cidadão, contribuir para os gastos
públicos e não devido a qualquer coação externa. Como conseqüência dessa filosofia, ele
sente-se honrado pelo fato de que pelo seu tributo esteja contribuindo para o bem comum
da cidade, razão pela qual, muitas das vezes, pagava um tributo maior do que lhe era exigido.
32 Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005
A obrigação de pagar imposto, na Roma Antiga, já não era vista da mesma maneira,
pois tal obrigação era encarada como uma forma de servidão, incompatível, portanto,
com o status de pessoa livre. Assim, dado que das pessoas livres não era exigido imposto,
as receitas necessárias para a cobertura das despesas públicas provinham das
contribuições pagas pelos vencidos como contrapartida da permissão de eles ficarem
com a posse e fruição do solo provincial.
Idade Média
Com a decadência do Império Romano, e conseqüente corrupção do sistema
financeiro, tornou-se necessário proceder a uma reforma do sistema tributário, pela
qual também os cidadãos gregos passavam a estar sujeitos a imposto. Tal alteração não
enfrentou uma resistência ativa e organizada por parte deles. No entanto, eles reagiram
de uma forma “passiva e individual sob a pena de fraude”3
Nesse mesmo período, começava a se desenvolver no seio da sociedade romana
uma nova comunidade: os cristãos. Em consonância com os ensinamentos de Jesus
Cristo que manda dar a César o que é de César, era-lhes eticamente vedado apoderarem-
se do alheio, entendendo-se como tal, também, a prestação tributária que lhes era
exigida. Desse modo, não podiam defraudar o fisco, como faziam os não-cristãos, pois
isso tratar-se-ia de um furto.
Para S. Crisóstomo (S. João Crisóstomo – Antioquia C.340, Capadócia 407), a
obrigação de pagar imposto tem como fundamento os benefícios que o indivíduo recebe
da sociedade e como forma de remuneração devida às autoridades gestoras do bem
social, ao qual dedicam as suas vidas. Em Santo Agostinho (Tagasta, 354–430), é referido
que a fraude para com o erário público não é distinta do roubo contra uma pessoa, pelo
que condena veementemente a fraude tributária.
A Alta Idade Média não introduziu alterações à moral tributária perfilhada na Antigüidade,
e o princípio segundo o qual do homem livre não se pode exigir imposto mantém-se.
Com a Baixa Idade Média, e por força das situações de injustiça e abusos tributários
praticadas no seio da sociedade feudal, começam a se desenvolver uma nova moral e
fundamentação ética da exigibilidade do imposto.
Nesse sentido, S. Tomás de Aquino (Castelo de Roccasecca, 1125 – Fossanova, 1274)
afirma que o imposto visa a permitir alcançar o bem comum e, simultaneamente, servir
33Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005
como retribuição ao príncipe pelos serviços que ele presta à coletividade. S. Tomás de
Aquino defende, pela primeira vez, a igualdade do esforço tributário exigido aos cidadãos,
ou seja, que a tributação se reparta em proporcionalidade eqüitativa entre os cidadãos.
Desse modo, o fundamento do imposto deixa de estar relacionado com questões de
submissão e domínio para passar a constituir uma obrigação do cidadão contribuir para
o bem-estar da sua comunidade.
Por sua vez, Martinho Lutero (Eisleben, 1483–1546), partindo do dogma de que é
justo o que está preceituado e também o que é legal, defende que os impostos têm de
ser satisfeitos porque são justos, dado que são estabelecidos pela autoridade.
Thomas Hobbes (Wesport, Malmesbury, 1588 – Hardwich Hall, 1679), no seguimento
do absolutismo mais enérgico em que perante o Estado os súditos não têm direitos,
defende que todos os tributos, sem exceção, devem ser pagos porque só o Estado é
juiz do que se deve ou não executar.
Idade Contemporânea
A chegada da Idade Contemporânea traz consigo a queda do absolutismo político,
o qual deu origem ao individualismo. Essa nova concepção pode ser já observada com
Rousseau (Jean-Jacques Rousseau, Genebra, 1712 – Paris, 1755). Para este autor, as
contribuições individuais têm de ser voluntárias e livres, como conseqüência do pacto
social primitivamente estabelecido e não tanto como conseqüência de vontades
individuais à margem do referido pacto. O cidadão deve submeter-se à vontade
expressa pela maioria. O juiz único das necessidades públicas é o Estado Soberano, a
quem cabe ser juiz estimativo das mesmas e fixar os justos sacrifícios em imposto
proporcional, sem deixar nada de arbitrário nas instituições fiscais. Deste modo,
segundo esse autor, fica automaticamente assegurada a justiça tributária.
Já no século XVIII, Adam Smith (Kirkcaldy, 1723 – Edimburgo, 1790) considera
os impostos como visando ao objetivo de permitir a arrecadação dos meios
financeiros necessários à administração da justiça, à proteção da propriedade privada
e à realização de obras e manutenção de instituições privadas, que os particulares
não podiam realizar.
O século XX foi fortemente marcado pelas duas guerras mundiais (1914/18 e 1939/
45) e pela depressão econômica de 1929. Essas situações levaram a um aumento do
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intervencionismo do Estado, que, por meio de uma política de receitas e despesas
apropriadas, influencia decisivamente a vida econômica da nação, amortecendo os
efeitos das crises cíclicas e fomentando o desenvolvimento econômico.
O intervencionismo do EstadoEnquadramento histórico
Com o dealbar da Revolução Industrial e o êxodo migratório das populações
campesinas e subseqüente pressão demográfica sobre as cidades onde se desenvolviam
e floresciam as atividades mercantil e industrial, acentuaram-se as assimetrias sócio-
econômicas entre os agentes econômicos em presença, com excessiva concentração
da riqueza numa burguesia florescente detentora dos meios de produção, e o
depauperamento e acentuado empobrecimento da classe social emergente, a operária.
Se no âmbito secular de uma economia rural, de subsistência, de sobrevivência, o
povo já vivia mal e pobremente, com a vinda para as cidades passou a viver pior no novo
modelo econômico industrializado, socialmente ainda mais desprotegido4.
A insustentável situação gerada pela subseqüente tensão social daí resultante levou o
Estado a assumir cada vez mais uma obrigação intervencionista (que não vocação,
entenda-se) como órgão privilegiado, dotado do poder necessário, de correção dos
gritantes desnivelamentos e desigualdades sócio-econômicas entre cidadãos integrados
num mesmo espaço comunitário (maximize a Nação).
Os sistemas econômico-sociais (predominantes)
Sistema Capitalista Liberal
Sistema Coletivista
O Capitalismo Moderado (Intervencionismo)
Como forma de melhor e mais eficazmente se determinar a intervenção do Estado,
vários sistemas político-econômico-sociais se perfilaram, dos quais avultam os designados
por capitalismo liberal, moderado ou intervencionista e coletivista, digladiando-se entre
si numa guerra sem quartel, sobre quem deveria deter o poder e prover ao nivelamento
social e econômico, extremando-se as posições. Esses sistemas, numa fase embrionária,
35Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005
tinham como elemento comum uma visão meramente economicista, baseado no
controle das regras da oferta e da procura como forma de estabilizar os preços de
mercado dos bens e produtos, cujo desajuste não sustentado para cima (inflação) ou
para baixo (deflação) estariam na base do empobrecimento e desigual redistribuição da
riqueza e concomitante desnivelamento social.
Sistema Capitalista LiberalAssentava num liberalismo econômico, defendendo uma economia privada, baseada
no livre comportamento dos agentes econômicos, de total e livre concorrência
unicamente baseada em equilíbrios parciais e gerais por eles estabelecidos, que instintiva
ou intuitivamente saberiam por si só gerar e distribuir a riqueza (concomitante bem-
estar social) sem a intervenção do Estado, o qual estava reduzido a funções como as de
garantir a segurança, defesa, manutenção da ordem e da justiça.
Para prosseguir essas funções, o Estado estava dotado de uma estrutura orgânico-funcional
insípida, carecendo de receitas reduzidas, as quais só eram incrementadas para suportar,
regra geral, esforços de guerra.
Essa visão político-econômica, que na prática resulta da concentração da riqueza e
do poder nas classes sociais dominantes, é paradigmática de regimes políticos apodados
à direita do espectro político-partidário, tendo decaído no princípio do século XX,
causa e conseqüência da evolução e da afirmação de teses político-sociais mais
protetoras das classes sociais desfavorecidas. E encontra novo fôlego (após
reformulação a princípios mais pragmáticos e consentâneos com as teses
intervencionistas) nas teses neoliberais, tendo nos americanos e em especial em Milton
Friedman um dos seus expoentes máximos, encontrando nas teses monetaristas um
instrumento privilegiado da regularização econômica. As teses monetaristas
(nomeadamente por meio das teorias quantitativas, que fazem depender o valor da
moeda da sua quantidade e velocidade de circulação, de tal modo que a moeda valerá
mais quando rara e menos quando abundante), tendem a considerar como instrumento
privilegiado a insuflação no mercado ou a retirada deste de massa monetária, de maior
ou menor velocidade de circulação da moeda, como forma de ajustar os níveis de
oferta e da procura, dando desta forma uma contribuição para o controle dos preços
36 Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005
de mercado (mais moeda em circulação, mais poder de compra, maior procura, maior
pressão sobre a oferta, o que gera inflação e carestia dos preços e vice-versa).
Concomitantemente e por via indireta, obtém-se um mecanismo corretor das
desigualdades sociais, porquanto a inflação gera o encarecimento dos preços dos bens
e produtos, sendo que o esforço acrescido na sua aquisição gera para as classes
desfavorecidas o empobrecimento e subseqüentemente o desnivelamento na
redistribuição da riqueza.
Os monetaristas privilegiam as políticas financeiras e cambiais (como maiores ou
menores taxas de juro nos empréstimos bancários) em detrimento das políticas fiscais
(por exemplo, aumento ou diminuição dos impostos) como forma de incrementarem
ou não os níveis de poupança e concomitantemente introduzirem ou retirarem do
mercado a massa monetária em circulação.
O Sistema ColetivistaNo extremo oposto posicionam-se os defensores de um sistema coletivista baseado
no conceito de economia pública, num pressuposto de solidariedade coletiva prosseguida
pelo poder político instituído, que atua por conformação da atividade econômica segundo
esquemas de planificação dirigida ao prosseguimento dos interesses coletivos e sociais
comuns a todos os cidadãos, sendo paradigmática de regimes políticos apodados à esquerda
extremada do espectro político-partidário, principalmente os regimes comunistas. Essas
teses assentam na coletivização dos meios de produção e subseqüente concentração da
propriedade na titularidade do Estado, como forma de melhor e mais eficazmente
prosseguir o controle dos preços, do jogo da oferta e da procura, redistribuição da riqueza
e prosseguimento das políticas de pleno emprego e bem-estar social.
Para prosseguir essa visão política, o Estado está dotado de uma estrutura orgânico-
funcional pesada, sofisticada mesmo, que estende e afirma a sua influência ao mais
recôndito lugar, carecendo absorver elevadíssimas receitas públicas, criando para o efeito
um eficaz sistema de percepção das mesmas.
37Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005
O Capitalismo Moderado (Intervencionismo)No meio evolucionam os defensores dos sistemas de capitalismo moderado, dito
intervencionista, baseado num conceito de economia comunitária, numa confraternização
entre a propriedade privada e a pública, que prossegue e se organiza determinada por
uma lógica de solidariedade social e de interligação entre a iniciativa privada e pública,
dosadas em função das pressões que se estabelecem no mercado, recorrendo para
corrigir as suas distorções quer à intervenção individual, quer à coletiva.
É característico de regimes políticos posicionados ao centro do espectro político-
partidário, típico das ditas economias européias ocidentais (ou das ocidentalizadas) e
que teve em Keynes e no keynesianismo o seu exponente paradigmático. O
keynesianismo tem por filosofia base o combate ao desemprego baseado numa política
de pleno emprego integrada numa visão macroeconômica da sociedade, em vez das
teorias liberalistas até aí dominantes, baseadas numa visão redutora, microeconômica,
centrada na figura isolada do homem ou da empresa como centro da economia.
O Estado intervém na economia por forma racional e em períodos de baixa ou de
crise econômica acentuada, investindo e gerando emprego, como forma de acelerar a
recuperação econômica. Ao Estado incumbe “mandar abrir e tapar buracos na estrada”,
pois ao criar emprego, gera riqueza, poder de compra, maior procura, que incrementa
a oferta (a qual para corresponder tem de aumentar o investimento na produção, gerando
por sua vez emprego e redistribuição da riqueza).
A construção dogmática do keynesianismo assenta grandemente na teoria do
multiplicador, que exprime uma relação direta entre o aumento dos investimentos e
um aumento correspondente do rendimento nacional. Segundo essa teoria, qualquer
aumento do investimento determina um aumento do rendimento, sendo possível por
meio de uma fórmula matemática (1 x K = R) encontrar o fator de multiplicação
(verdadeiro barômetro do estado da economia de determinada sociedade).
O seu prosseguimento determina para o Estado a existência de uma estrutura
orgânico-funcional bem alicerçada, carecendo de grandes recursos financeiros, sendo
também um grande absorvedor de receitas públicas, as quais procura obter quer por
recurso ao setor público (intervindo no mercado produtivo, por exemplo), quer por
recurso ao setor privado (incremento de políticas fiscais, de políticas financeiras, etc.).
38 Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005
O Estado do bem-estar socialAs economias do pós-guerra, principalmente após a Segunda Guerra Mundial, determinam
uma acrescida intervenção do Estado, face à manifestada incapacidade do mercado e dos
agentes econômicos privados de por si só gerarem riqueza e desenvolvimento econômico.
As teorias socioeconômicas que tinham vindo a evoluir intensificam-se no sentido do
entendimento de que ao Estado já não competiria tão só intervir para corrigir as assimetrias
por mecanismos meramente economicistas (pelo controle dos preços, atuando sobre as regras
da oferta e da procura), mas também intervir para fazer face a necessidades de caráter social.
O Estado assume vocações intervencionistas no sentido de afirmar e garantir que o
desenvolvimento econômico passa não só pela prossecução de políticas econômicas, mas
também sociais (garantir políticas de proteção e incentivo na saúde, educação, emprego,
reformas, aposentadorias, etc.), partindo do pressuposto de que o pilar fundamental de
qualquer desenvolvimento econômico de uma comunidade está no bem-estar e qualidade
de vida da sua população.
A essas preocupações de natureza social acresce a conscientização de que o
desenvolvimento econômico passa também pela criação e implementação de grandes
empreendimentos estruturais, como a construção de estradas, pontes, barragens, escolas,
hospitais, etc., obras essas de vulto, caríssimas e sem retorno imediato do capital investido,
fora do alcance ou interesse do investimento privado, investimentos esses só possíveis
por recurso ao erário público.
O Intervencionismo contemporâneoNas modernas economias, o intervencionismo de Estado é um dado adquirido, sendo
impensável até para os liberalistas a sua inexistência (e cujas teses evoluíram como já foi
dito, de uma postura ortodoxa para conceitos econômicos mais pragmáticos por meio
das doutrinas neoliberais), admitindo mesmo que o Estado intervenha em socorro dos
privados, especialmente no que concerne ao comércio internacional, quanto mais não
seja pelo uso da influência política e diplomática que abra horizontes e facilidades de
instalação em países terceiros por parte dos seus agentes econômicos (principalmente, as
multinacionais).
39Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005
Hoje em dia, fazem parte das políticas socioeconômicas de qualquer Governo adepto
de uma economia de mercado o recurso quer às teses monetaristas (intervindo sobre o
mercado financeiro e cambial, aumentando ou diminuindo as taxas de juro, por exemplo,
ou sobre as políticas fiscais, aumentando ou diminuindo a carga fiscal), quer às teses
intervencionistas puras de influência keynesiana (procedendo ao investimento público em
obras de grande envergadura, sofisticando o conceito a ponto da sua concessão aos
privados) e mesmo às teses de pendor coletivista (como o projeto de incentivo à produção
de beterraba, em que o Estado, além de criar condições à sua produção atribuindo subsídios
ou arrendando terras, ainda absorve integralmente a produção, construindo ou propondo-
se construir para o efeito uma unidade industrial de produção do açúcar de beterraba,
assegurando o total escoamento do produto por posterior distribuição quer no mercado
nacional, quer no internacional).
Essa vocação intervencionista do Estado é acompanhada do crescimento do seu
aparelho administrativo e do funcionalismo público (a ponto de o converter no principal
empregador do país), determinando uma despesa pública enorme, com concomitante
desenvolvimento e empenho na percepção de receita que a sustente, cada vez mais
multiforme, mais diversificada.
Síntese dos vários impostos que vigoraram em Portugal até o século XIXO poder de intervir ativamente nos lançamentos de impostos só se efetivou, no nosso
país, por volta do século XIV e, em alguns casos, como o imposto de SISA, só se
transformaram em impostos permanentes e gerais com D. João I (1357-1433).
Para efeitos de cobrança dos rendimentos, procedeu-se à divisão do país em distritos fiscais
(também designados por almoxarifados), os quais eram entregues a mordomos ou porteiros
de distrito que exerciam as suas funções junto aos ricos-homens ou aos juízes dos julgados.
Nessa altura, a centralização financeira pertencia a uma única pessoa, o porteiro-mor
(verdadeiro ministro das Finanças), cargo criado por D. Sancho II (1202-1248) na corte
portuguesa, o qual tinha a seu serviço um reposteiro (nos fins do século XIII toma o nome
de tesoureiro) e vários ovençais que tinham a seu cargo a cobrança das rendas.
Orientando superiormente todo esse processo estava o mordomo-mor (o encarregado
pela repartição da casa real, encarregado das despesas dessa casa) e o rei. Apesar dessa
40 Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005
aparente separação de funções, a verdade é que a organização tributária era bastante
complexa e confusa, pois a linha de separação entre a direção dos serviços públicos e a
dos serviços particulares do rei e da casa real era bastante tênue.
Já durante esse período existiam os impostos diretos e os indiretos. Os primeiros eram
mais utilizados em períodos de crises onde se mostravam mais eficientes na obtenção de
receitas públicas, enquanto que estes eram mais adequados a momentos de prosperidade
e a dias de calma e prosperidade política.
Assim, ao longo desse período, podemos encontrar, entre outros, os seguintes
impostos diretos5:
• fossado – consistia numa multa que era aplicada aos indivíduos que faltassem ao
serviço militar, a que se encontrava obrigada a população vilã e cuja prestação lhe era
exigida segundo as disposições estabelecidas pelo foral ou pelo costume da terra. Como
serviço militar, o fossado consistia numa expedição ou cavalgada, que ia a terras inimigas
para colher frutos, devastar campos, saquear, etc. O fossado “compunha-se de
cavalleiros, escudeiros e tropas regulares, e de gente de toda a casta, muitas vezes até
mulheres e rapazes, para trazerem o que se pilhasse”6;
• jugada – era um tributo muito antigo que desde o tempo dos romanos se pagava na Espanha.
Era um direito real imposto nas propriedades lavradias, ordinariamente baseado no número
de juntas de bois com que o colono arava a terra. “Os lavradores eram, no tempo dos gôdos,
meros servos da gleba, pagando cada ano o censo fiscal, canon, frumentário ou fossatária, que
consistia em certa porção de grãos, por cada junta de bois”.7O concelho de Lisboa pagava a
jugada, ao almoxarifado ou a outro oficial régio, até o Natal (Foral de D. Afonso Henriques).
Passada essa data, não poderia ser exigido do lavrador o pagamento do imposto, que passaria
a recair sobre a pessoa que tinha a responsabilidade de o receber. O oficial negligente era,
assim, obrigado a assumir o imposto. D. João I aboliu a jugada, em Lisboa, a pedido do concelho;
• anúduva (ou anubda, anuda, anuduba, adua) – era um imposto pago em dinheiro, que
vigorou entre os séculos IX e XV e cuja receita se destinava a financiar o custo das
reparações e construção de obras necessárias à defesa de uma terra. Esse imposto era
também de natureza corporal, obrigando os peões a trabalharem na construção e
reparação de castelos e dos paços (para a residência dos reis ou abades), construção de
torres, muros, fossos e outras obras militares semelhantes para a defesa da terra. Essa
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imposição chegou a ser excessiva, levando os povos a reclamar, como é exemplo a
carta de D. Afonso III (1210-1279) dada em Coimbra em 28 de julho de 1265. Nesse
seguimento, na reforma tributária por ele iniciada em 1272, esse imposto foi
meticulosamente regulamentado fixando-se as condições da sua execução e isentando-
se dele várias pessoas;
• calunias (ou coimas) – eram penas pecuniárias impostas, a titulo de indenização, aos
culpados de certos danos (mais freqüentemente os causados pelo gado em propriedade
alheia) e que revertiam uma parte para o lesado e outra para o fisco. O valor da indenização
a pagar pelo infrator era determinado por foral consoante a gravidade do crime. Esse valor
era muito variável de localidade para localidade, não havendo qualquer padrão válido para
todos os casos idênticos, nem sequer para o número de comportamentos sujeitos a multa.
No entanto, e porque estes eram muito numerosos e freqüentes, o produto dessas multas
constituía para o fisco uma receita muito razoável, não obstante a parte que, como referimos,
pertencia ao lesado ou à sua família, ser, em muitos casos, muito superior. Essas multas,
porém, não representavam a total expiação dos crimes, pois o infrator ficava,
independentemente do seu pagamento ou não, sujeito às penas corporais e mesmo à morte;
• colheita – era uma contribuição paga coletivamente por cada concelho e que
consistia no fornecimento de víveres para a mesa do rei e seu séqüito, quando este
passava pelas povoações. Em períodos em que os mantimentos escasseavam com
freqüência e a falta de moeda complicava o sistema dos impostos e da sua
arrecadação, foi necessário recorrer às receitas (também chamadas coletas, jantares,
paradas ou comeduras) para se prover à subsistência do soberano, obrigado, por
motivos vários, a viajar constantemente pelo reino;
• montado (ou montático, montádego, montádigo) – direito que se pagava de certas
espécies de gado. Em 1261, D. Afonso III dirigiu uma carta ao mestre do Templo, e
aos outros comendadores da mesma ordem, em Portugal, na qual lhes dizia que
tivera queixas de que eles recebiam nos termos das vilas e terras da ordem, sem
moderação alguma, e com dano e prejuízo dos seus vassalos, o tributo do montado.
Ordena que eles e os mais religiosos do reino escolham a seu arbítrio uma vila das que
tinham e só dessa recebessem o montado, e não das outras. Esse direito era:
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do rebanho de vaccas uma vacca; do rebanho de ovelhas, 4 carneiros, porém nada deporcos, éguas ou outros gados. E que não tirassem portagem das cousas e dos homensque passassem pelos seus logares, senão em aquelles, nos quaes lhes fôsse concedidopor doações reaes; sob pena de quem o contrário fizesse, pagar 500 soldos, além dascustas e despezas, áquelle que se lhe d´isso queixasse;8
• condado – era um imposto lançado em nível de concelhio e que recaía sobre o produto
da caça que se matava em terreno alheio (denominando-se nesse caso condado do
monte) ou da pesca fluvial que era paga pelos pescadores, no porto (designado de
condado do rio). A sua incidência variava de localidade para localidade e consoante o
agente fosse habitante da terra ou não;
• alcavala – tributo que incidia sobre o produto de todas as vendas públicas ou permutas;
• quinto dos despojos de guerra (ou quinto real) – consistia na quinta parte de todos
os bens conquistados, ao inimigo, nas guerras, com exceção dos direitos de ereita, ou
seja, da indenização devida ao cavaleiro que na batalha, sem culpa, tivesse perdido o
cavalo. Só esses direitos eram desviados do espólio total da batalha antes da separação
do quinto real. O chefe da hoste (exército em campanha), no caso de não ser o
próprio rei, somente podia receber o sétimo ou o décimo e nunca o quinto. Dadas as
lutas constantes que acompanharam o início da nossa monarquia, essa foi uma receita
pública muito importante, que perdurou até a definitiva expulsão dos muçulmanos do
território português;
• imposto sobre o vinho – imposto que, como o nome indica, incidia sobre a produção
de vinho e era cobrado no próprio gênero e, como podia se deteriorar, estabeleceu-
se o relego, que era um verdadeiro tributo na medida em que só o fisco podia vender
vinho na vila de 1º de janeiro a 1º de abril.
Passando aos impostos indiretos e reportando-nos à mesma época, constatamos
que as principais contribuições indiretas incidiam sobre o consumo, as importações e
exportações de mercadorias e sobre a transmissão de bens de raiz. Os impostos mais
importantes eram:
• portagem (mais tarde designado de imposto de barreiras) – imposto de barreiras
exigido às portas de uma cidade ou de uma povoação ou ao atravessar uma ponte. Esse
imposto aparece, pela primeira vez, nos forais dados pelo conde D. Henrique (1512-
1580). Como se sabe, não eram somente os reis que davam forais, também os bispos e
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os grandes do reino os concediam, estabelecendo impostos indiretos, tributando as
mercadorias. Esse imposto variava de portagem de concelho para concelho. A
ordenação Afonsina considerava as portagens como direitos reais, enquanto que a
Filipina isentou os clérigos do pagamento dela. Esse privilégio já estava consignado na
reforma dos forais de D. Manuel (1469 - 1521), como se pode ver no foral de
Guimarães, que contém prescrições aplicáveis a todo o reino. Por lei de 2 de agosto
de 1899, foi o governo autorizado a abolir as portagens das pontes cujo rendimento
anual não fosse superior a 500 reis.
Tal imposto era igualmente devido por todos os produtos entrados no reino e por
todos os gêneros exportados, desde que a essa exportação não correspondesse uma
importação de igual valor;
• açougagem – direito que se pagava de quaisquer vendas ou compras, não só onde
eram vendidas carnes frescas, mas ainda em todo o lugar e praça em que se vendiam
frutas, pães, hortaliças, peixes, panelas, etc., e, por isso, as ruas dos vendedores se
chamaram algumas vezes açougues;
• peagem (ou passagem) – direito que pagavam os que passavam por alguma terra à
qual esse tributo se concedia. Os excessivos abusos que se davam fizeram com que ele
fosse abolido;
• sisa (ou siza) – antes de ser estabelecido em Portugal, esse imposto já havia sido
lançado na península luso-hispânica, independentemente da intervenção do Estado.
Com efeito, a sisa foi, a princípio, um tributo temporário que os povos auto-impunham
e cobravam para acudirem às despesas extraordinárias provocadas pelas guerras, sem
que o Estado tivesse a mínima interferência. Obedecia, portanto, essa atitude do povo
daquela época à firme resolução de obterem, por sua própria iniciativa, os meios
financeiros precisos para manterem bem alto o espírito da conquista pelas armas. O
que se deve sublinhar, principalmente, é a perseverança desse povo e a continuidade da
sua obra até a ponto das cortes decretarem a sisa, como medida extraordinária em
tempo de D. Afonso IV (1291-1357), D. Pedro I (1320-1367) e D. Fernando I (1345-
1383), isto é, vários anos depois de ter sido adotada para Castela por D. Sancho IV em
1295. Desde o tempo de D. João I (1357-1433), passada a necessidade porque se
impuseram, foram-se prorrogando até que em 1387 passaram a constituir receita
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permanente do Estado, obviando o popular rei, por esse meio, entre outros, à difícil
situação financeira que tinha herdado. Mais tarde, D. Afonso V (1432-1481) deu-lhe
regimento, vulgarmente conhecido por artigos das sisas, em 27 de setembro de 1476.
No reinado de D. Sebastião (1554-1578), foi reformado este regimento – aclarado em
alguns pontos e aditado em outros – e fez-se organizar outro regimento com o título de
encabeçamentos, em que se estabeleceu a cobrança por concelhos, a qual foi mandada
pôr em execução pelo cardeal D. Henrique (1512-1580) em 13 de janeiro de 1580.
As disposições desses dois regimentos não só abrangiam a transmissão da propriedade
imobiliária e mobiliária, como também compreendiam um tanto dos modernos impostos
de consumo, industrial e de selagem. Poucas transações escaparam às apertadas malhas
daquela rede tributária. A sisa pagava-se por tudo o que se comprava ou trocava, à
exceção, entre outros, do pão cozido, do ouro e da prata. Pagava-se, geralmente, 10%
do capital nas compras e vendas dos bens de raiz, quando o comprador e o vendedor
eram da mesma terra, existindo, contudo, exceções para mais em algumas terras.
Quando o comprador e o vendedor eram de terras diferentes daquela onde estava
situada a propriedade, pagava-se 20% e quando um deles era da terra e o outro não,
pagava-se 15%, embora houvesse terras em que a sisa era sempre de 20%.
Ao longo do tempo, foram criadas inúmeras isenções para algumas instituições e
para os concelhos mais afetados com os estragos da guerra. Contra algumas dessas
isenções e à prepotência dos exatores desse imposto (aqueles que exigiam o seu
pagamento) levantaram os povos fundados queixumes. Foi esse um dos pontos
vigorosamente tratados nas cortes celebradas em Évora nos anos de 1482 e 1490.
A sisa foi vivendo sem grandes atritos9 e continuou a fruir da mesma atmosfera
mesmo depois de esse imposto ter sido elevado para o dobro, por dois anos, por
carta régia de 19 de junho de 1661, sem exceção de privilegiados, para perfazer o
dote da infanta Catarina de Bragança, que casou com Carlos II da Inglaterra (1630-
1685), argumento que foi prorrogado por mais dois anos pela carta régia de 16 de
novembro de 1663. E como não era próspera a situação econômica do país, quando
expirava a prorrogação para o dote, determinou-se por carta régia de 8 de março
de 1696 que se lançasse meio dobro da sisa para ocorrer às despesas da guerra.
O processo de arrecadação do imposto de sisa era exercido com
45Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005
um tal cortejo de vexames, commettidos à sombra de uma legislação tão contradictoriae com desegualdades tão absurdas e projediciaes, que à grandeza d´este mal deuprompto e efficaz remedio e levantado espirito do grande estadista Mousinho da Silveirano providentissimo decreto de 19 de abril de 1832.10
Com efeito, foi Mousinho da Silveira que pôs termo a essa injustificável discriminação
entre habitantes de um mesmo país e que restringiu o tributo aos contratos das vendas
e troca dos bens de raiz, que igualou para todo o território português pela aplicação da
taxa única de 5%. O citado decreto entrou em vigor no dia 1 de janeiro de 1833,
dispondo que a quota de sisa era de 5% sobre o preço do prédio nas vendas e sobre a
diferença do valores dos prédios, nas trocas.
O regime jurídico dos tributosO conceito de “Finanças Públicas” não se deverá reduzir à atividade financeira, por
se tornar simplista em excesso. Conforme António Sousa Franco (1982):
(...) a actividade financeira envolve complexas arbitragens de interesses e umaestruturação institucional, articulada em razão de fins públicos e do exercício do poderpolítico ou da autoridade pública, por força tem então de ser regida por normas jurídicase determinam a existência de instituições, situações e relações jurídicas (...)
É esse complexo normativo (ou conjunto de normas) que rege a atividade
financeira do Estado, que constitui o objeto do que se designa por Direito Financeiro.
Tem por finalidade, segundo Soares Martinez (1983), “(...) a definição jurídica dos
poderes das entidades públicas na obtenção e no emprego dos meios económicos
destinados à realização dos seus fins (...)”.
Verificando-se, assim, uma especial preocupação da comunidade para que a
percepção de receitas por parte do Estado (GOMES, 1998)
(...) não se exerça de forma fortuita, incondicionada e livre, ao sabor da conveniênciaou da vontade dos órgãos públicos, pois, tratando-se de atividade social relevante,está subordinada ao Direito, que disciplina não só as formas jurídicas de que o Estadopode lançar mão na obtenção de receitas públicas e na satisfação de despesas, masainda o respectivo conteúdo (...)
A percepção de tributos não é discricionária, antes vinculada à observância de
requisitos e pressupostos que a condicionam.
46 Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005
Atualmente o regime jurídico dos tributos vem consagrado na Lei Geral Tributária,
aprovada pelo D.L. nº 398/98, de 17.12, tomando como principais vetores a
determinação do seu objeto e os princípios jurídicos enformadores.
ObjetoO tributo distingue-se no universo jurídico pelo fim que visa a atingir e pelo modo e
a forma como o prossegue, constituindo o seu objeto, o qual para a sua determinação
se sustenta em três grandes parâmetros de aferição:
Objetivos
Eqüidade Patrimonial
Promoção do Desenvolvimento
• Objetivos
O pendor intervencionista do estado fez com que a tributação evoluísse de um conceito
meramente economicista ou financeiro para um instrumento privilegiado de influência no
tecido sócio-cultural e econômico da comunidade, contribuindo o tributo como um
estímulo ou incentivo às atividades de produção ou consumo ou mesmo à redistribuição
de rendimentos, assumindo-se até como uma forma indireta de nivelar a riqueza.
Hoje em dia a tributação só faz sentido e só é admissível para o cidadão anônimo,
quando tenha por objetivo fundamental conferir ao Estado os meios que lhe permitam
custear ou sustentar uma afetividade dirigida à resolução das assimetrias entre os cidadãos.
Veja-se o Art. 5º da LGT (fins da tributação):
1- A tributação visa a satisfação das necessidades financeiras do Estado e de outrasentidades públicas e promove a justiça social, a igualdade de oportunidades e asnecessárias correcções das desigualdades na distribuição da riqueza e do rendimento.
Ou o Art. 103º da CRP (sistema fiscal): “1- O sistema fiscal visa a satisfação das
necessidades financeiras do Estado e outras entidades públicas e uma repartição justa dos
rendimentos e da riqueza”.
47Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005
• Equidade Patrimonial
A tributação deverá ser justa e eqüitativa na distribuição do esforço financeiro exigível
aos cidadãos e aferida em função das suas possibilidades econômicas, sendo garantido
que em caso algum poderá ser posta em causa a estabilidade e a condigna subsistência
do agregado familiar ou da pessoa do tributado.
Veja-se o Art. 104º da CRP (impostos): “1 - O imposto sobre o rendimento pessoal
visa a diminuição das desigualdades e será único e progressivo, tendo em conta as
necessidades e os rendimentos do agregado familiar”.
Ou o Art. 6º da LGT (características da tributação e situação familiar):
1 - A tributação directa tem em conta :a) A necessidade de a pessoa singular e o agregado familiar a que pertence disporemde rendimentos e bens necessários a uma existência digna.b) ........c) ........2 - .......3 - A tributação respeita a família e reconhece a solidariedade e os encargos familiares,devendo orientar-se no sentido de que o conjunto de rendimentos do agregado familiarnão esteja sujeito a impostos superiores aos que resultariam da tributação autónomadas pessoas que o constituem.
• Promoção do Desenvolvimento Econômico e Justiça Social
A tributação não pode onerar de tal forma os agentes econômicos que ponha em
causa a sua atividade e viabilidade econômica, devendo antes ser dirigida ao seu
incentivo e desenvolvimento, contribuindo para um desenvolvimento econômico
alicerçado em valores de justiça social, pleno emprego e qualidade de vida dos cidadãos.
Veja-se o Art. 104º da CRP (impostos):
1 - ....2 - ..... 3 - ....4- A tributação do consumo visa adaptar a estrutura do consumo à evolução dasnecessidades do desenvolvimento económico e da justiça social, devendo onerar osconsumos de luxo.
Ou o Art. 6º da LGT (características da tributação...):1 - .....2 - A tributação indirecta favorece os bens e consumos de primeira necessidade.
Ou o Art. 7º da LGT (objetivos e limites da tributação):1 - A tributação favorecerá o emprego, a formação do aforro e o investimentosocialmente relevante.2 - A tributação deverá ter em consideração a competitividade e internacionalizaçãoda economia portuguesa, no quadro de uma sã concorrência.
48 Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005
Princípios Jurídicos FundamentaisSó se atingirá plenamente o objeto do tributo, se quer na sua feitura, quer na sua
aplicabilidade, a tributação se orientar pelos princípios jurídicos que encontram
consagração na lei constitucional ou na lei ordinária, nomeadamente:
1. Legalidade
2. Generalidade
3. Igualdade
4. Justiça material
Princípio da Legalidade
As receitas tributárias (principalmente os impostos) serão criadas por lei, a qual deverá
determinar a sua tipificação, isto é, a definição dos elementos essenciais da obrigação
tributária (a incidência, a taxa e as garantias do tributado).
Ver Art. 103º, nº 2, da CRP: “Os impostos são criados por lei, que determina a
incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes.”
E o Art. 3, nº 3, da LGT: “O regime geral das taxas e das contribuições financeiras
referidas no número anterior consta de lei especial.”
A esse princípio subjaz o pressuposto do consentimento dos cidadãos para a
criação dos tributos por meio dos seus legítimos representantes políticos, porque
ele se traduz numa restrição legal à livre disposição do Estado sobre os bens dos
particulares (com a finalidade última de não deixar ao arbítrio da Administração
Pública a criação desses tributos).
A criação de receitas tributárias é por imperativo constitucional reservada à
Assembléia da República, sendo matéria da sua reserva relativa, ou seja, tanto pode
ser exercida pela AR como pelo Governo, quando autorizado para o efeito. Art.
165º, nº 1, 2 e 5 da CRP. Presentemente, com a Lei Geral Tributária, os princípios
enformadores que à criação dos impostos respeitavam (conforme o referido Art.
103º/2 CRP) passam a ser extensivos aos demais tipos tributários.
Conforme Art. 8º/1 da LGT: “1- Estão sujeitos ao princípio da legalidade tributária
a incidência, a taxa, os benefícios fiscais, as garantias dos contribuintes, a definição
dos crimes fiscais e o regime geral das contra-ordenações.”
49Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005
Princípio da Generalidade
Este princípio determina que a lei é genérica e abstrata, ou seja, abrange todos os cidadãos
sem exceção, sem privilegiar alguns deles.
O princípio da generalidade não é exclusivo da Direito Tributário, sendo enfatizado
por qualquer ramo do direito, encontrando consagração constitucional no Art. 12º: “1-
Todos os cidadãos gozam dos direitos e estão sujeitos aos deveres consignados na
Constituição.”
No Direito Tributário há que equacionar esse princípio à luz dos demais, isto é,
reduzido nas suas proporções generalistas, considerando só por universo dos cidadãos
visados os que têm capacidade contributiva, só estes ficando genericamente sujeitos ao
tributo e na justa medida das suas capacidades econômicas.
Existe, contudo, uma exceção a esse princípio, o benefício fiscal. Casos há em que
são atribuídas prerrogativas de exceção, determinadas não por quaisquer razões de
privilégio fiscal, mas por razões de justiça social ou de incentivos econômicos, em que
cidadãos são tratados desigualmente, beneficiando de carga tributária inferior à
genericamente considerada.
Princípio da Igualdade
Todos os cidadãos merecem e têm a mesma dignidade social e jurídica, a todos
devendo ser garantido pela Lei um tratamento igual e não-discriminatório.
Genericamente é consagrado no Art. 13º da CRP:
1 - Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei;2 - Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direitoou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território deorigem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica oucondição social.
Igualmente este princípio tem consagração no Art. 7º/3 da LGT:
3- A tributação não discrimina qualquer profissão ou actividade nem prejudica a práticade actos legítimos de carácter pessoal, sem prejuízo dos agravamentos ou benefíciosexcepcionais determinados por finalidades económicas, sociais, ambientais ou outras.
Numa perspectiva jurídico-tributária, esse princípio tem de ser encarado à luz de valores
mais concretos e precisos, nos quais o princípio se revê não numa igualdade absoluta,
tratando todas as situações de um modo genérico e abstrato, mas em uma igualdade
50 Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005
relativa, tratando igualmente as situações iguais e desigualmente as desiguais. Os parâmetros
de aferição para essa igualdade relativa serão de índole econômica ou social.
Numa perspectiva econômica, só se poderá falar em igualdade tributária se a carga
tributária importar para todos os sujeitos um similar sacrifício patrimonial, carreando maior
dispêndio patrimonial para os mais abastados e menor dispêndio para os mais empobrecidos
(em função da sua capacidade contributiva). Materialmente resulta na aplicação de taxas
com valores percentuais diversos, constituindo o fundamento da tributação progressiva.
Numa perspectiva social, só haverá igualdade se pelo tributo se prosseguir a correção
das assimetrias socioeconômicas, promovendo uma maior justiça social, redistribuição
da riqueza, favorecimento e promoção das regiões economicamente mais débeis.
Princípio da Justiça Material
É a face visível do princípio da igualdade, advindo dos princípios constitucionais de
justiça, solidariedade e bem-estar social.
A justiça tributária não se revê numa justiça formal, ou seja, consagradora desses
valores em termos genéricos e abstratos, mas sim numa afirmação concreta,
personalizada, em que cada caso é um caso, pois não haverá duas situações iguais, que
exponencialmente carecerão de um tratamento desigual para que se realize uma justiça
fiscal consubstanciada na abolição de discriminações em matéria tributária.
Esse princípio da justiça material cumpre-se em vários momentos da afirmação do
tributo, segundo parâmetros de natureza socioeconômica, administrativa ou judicial,
tomando como vetores fundamentais:
Capacidade Contributiva
Vetores Eficiência Funcional
Controle Judicial Tributário
• Capacidade Contributiva
Devem contribuir para a cobertura das despesas públicas os que tenham capacidade
econômica para o fazer e na justa medida das suas possibilidades. A capacidade
contributiva pressupõe que os cidadãos só são tratados igualitariamente se o pagamento
que os onera importar igual sacrifício.
51Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005
• Eficiência Funcional
Se aos cidadãos é exigida diligência e espírito de sacrifício na assunção da despesa
pública, ao Estado é exigido diligência para que esse esforço não seja em vão, resultando
no cumprimento dos objetivos político-econômico-sociais a que se destinam, devendo
o Estado envidar todos os esforços para combater a evasão fiscal (sobre as múltiplas
formas que se apresenta), a qual resulta como um elemento altamente perturbador do
cumprimento igualitário e justo da repartição das obrigações tributárias.
• Controle Judicial Tributário
Só se prosseguirá uma verdadeira justiça tributária se a Administração Pública
(principalmente a fiscal) souber atuar e apreciar as situações em concreto por forma
eqüitativa, não se deixando impulsionar pelo arbítrio ou pela discriminação na
interpretação e aplicação dos normativos tributários.
Como garante máximo da observância da legalidade tributária, a todos é garantido o
acesso à justiça tributária (v.g. Tribunais Tributários).
Notas
2 “O imposto: uma penalização ou uma necessidade?”, 1992, Fiscália , n.º 3 e 4, p. 18.3 Ibidem.4 Abreu, Amílcar Augusto Ferreira, Abril 2004, dissertação de Mestrado na Universidade doMinho.5 “Pequena síntese histórica dos impostos em Portugal” (1993). Fiscália, n.º 6, p.s 22 a 24.6 Pereira, Esteves e Rodrigues, Guilherme. (1907): Portugal - Diccionário Histórico, chorographico,biographico, bibliographico, heraldico, numismatico e artistico - Vol. III. João Romano Torres &Cia. - Editores. Lisboa, p. 557.7 Pereira, Esteves e Rodrigues, Guilherme. Op. cit., p. 1069.8 Pereira, Esteves e Rodrigues, Guilherme, ob. cit. Vol. IV, p. 1215.9 Abreu, Amilcar Augusto Ferreira. Ob. Cit.10 Pereira, Esteves e Rodrigues, Guilherme, ob . cit. Vol. VI, p. 982.
52 Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005
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53Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005
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54 Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005
Luca PacioliLuca Pacioli, ícone na história da Contabilidade
Antônio Lopes de Sá1
ResumoPor ter produzido uma obra sobre temas matemáticos, na qual inseriu matéria contábil, LucaPacioli celebrizou-se como um grande difusor dos critérios de escrituração mercantil. Emboranão seja ele o autor das partidas dobradas, nem um inovador de coisa alguma nos procedimentosdessas e tampouco o autor do primeiro livro de difusão contabilística, coube-lhe, todavia, aprimazia da primeira edição “impressa”, pois várias outras obras, produzidas há milênios, eramtodas manuscritas. A vida desse ilustre personagem merece análise, para melhor identificaçãoda obra com um homem que inaugurou uma nova fase na literatura da Contabilidade, cujosefeitos jamais se interromperiam.Palavras-chave: Luca Pacioli, partidas dobradas, história da Contabilidade
ResumenEn razón de haber producido una obra sobre temas matemáticos, en la cual introdujo ladisciplina contable, Luca Pacioli se consagró como un gran difusor de los criterios de lacontabilidad mercantil. Aunque no es él el autor de las partidas dobladas, ni un innovadorde cosa alguna en los procedimientos de las mismas ni tampoco el autor del primer libro dela difusión de la contabilidad, cupo a él, sin embargo, la prioridad de la primera ediciónimpresa, porque varias otras obras, producidas hace milenios, eran todas escritas a mano.La vida de este personaje ilustre merece análisis, para una identificación mejor de la obracon un hombre que inauguró una nueva fase en la literatura de la contabilidad, cuyos efectosnunca serían interrumpidos.Palabras-clave: Luca Pacioli, partidas dobladas e historia de la Contabilidad
AbstractDue to the fact of his having produced a work on mathematical topics in which he insertedmaterial on accounting, Luca Pacioli became known as a major disseminator of commercialbookkeeping criteria. Although he was not the author of the double entry bookkeepingsystem, nor did he innovate any of these procedures nor was he the author of the first bookto disseminate accounting, nevertheless he was the first to produce a “printed” publication,since several other works, produced millenniums ago, were all handwritten. Thisillustrious figure´s life deserves analysis, for better identification of the work with a manwho inaugurated a new phase in accounting literature, whose effects were never interrupted.Keywords: Luca Pacioli, double entry, history of Accounting
1 Presidente da Academia Brasileira de Ciências Contábeis, especialista em história e ética da Contabili-dade, autor de vários livros e artigos na área contábil.
55Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005
Pacioli e PacioloA profusão de referências feitas sobre o livro que mais se difundiu sobre a escrituração
contábil por partidas dobradas, em razão de ter sido o primeiro a ser impresso pelo
processo industrial de Gutemberg, trouxe, também, uma dúvida sobre o verdadeiro
nome do autor.
PACIOLO ou PACIOLI é a interrogação que se faz a respeito do sobrenome do
escritor da obra que divulgou o processo das Partidas Dobradas (1494) e que rompeu
uma inércia de quase três séculos em matéria de literatura contábil.
Encontramos o uso dos dois sobrenomes, ora bem aplicados e outras erroneamente
referidos. Ambos, todavia, por uma fidelidade à origem, podem ser usados, mas, admito,
para que sejam adequados no emprego, com a observância das particularidades relativas
às raízes idiomáticas. Isso porque, em verdade, o que aconteceu, no aparecimento das
duas designações, foi uma peculiaridade no antigo idioma italiano, falado na época de
Paciolo, na Toscana (terra do denominado pai da língua italiana, Dante Alighieri).
O sobrenome terminado com a letra “i”, quando junto ao nome, conservava tal
letra; portanto, ao dizer nome e sobrenome juntos, usava se falar, por exemplo:
Michelangelo Buonarotti; logo, também se dizia: LUCA PACIOLI. Quando, entretanto,
pronunciava-se só o sobrenome, transformava se o “i” em “o” e, então, dizia se IL
BUONAROTTO, logo, também, IL PACIOLO. Portanto, o correto era dizer se: LUCA
PACIOLI ou, então, IL PACIOLO. Não são sobrenomes diferentes, mas a forma de
dizer um mesmo sobrenome: se “junto do nome” (com “i”) ou “sozinho” (com “o”).
Existem referências de que o nome completo do Frei seria: LUCA BARTOLOMEO
PACIOLI, ao que se acrescentava DI BORGO DI SAN SEPOLCRO. O nome Bartolomeo,
todavia, era o do pai de Luca e nas obras maiores que o Frei editou não há referência ao
nome Bartolomeo.
Era também comum, por exemplo, dizer-se “Leonardo fi Bonacci”, ou Leonardo di
Bonacci, o que, entre nós, equivaleria a: “Pedro filho de João” (o mesmo costume se
encontra em muitos outros países, quer da Europa, quer da Ásia; os árabes, por exemplo,
usam, ainda, “Ibn”, que é a expressão “filho”, como os espanhóis usam o sufixo “ez”
para expressar “filho de”, como em “Rodriguez”, para significar “filho de Rodrigo”).
56 Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005
Local de nascimento e a época de PacioloLuca Pacioli nasceu em um vilarejo, em seu tempo denominado “Borgo di San
Sepolcro”, hoje, apenas, “Sansepolcro”, província da cidade de Arezzo, na região da
Toscana, parte central da Itália, acredita se, por volta de 1445 (dúvidas, também, foram
levantadas a respeito). Teria, pois, 49 anos, quando se editou em Veneza a sua Summa
de Aritmética, Geometria, Proporção e Proporcionalidade (na qual está inserido o Tratado
de Computo e Escrituração, ensinando a partida dobrada).
Sansepolcro ergue se no alto de uma colina; ainda hoje conserva seus ares medievais,
o Palácio, a Catedral, algumas igrejas da época, um seminário; ainda hoje é um local que
transpira a respeitabilidade dos gênios que abrigou e dos que ali nasceram (entre eles
bastaria citar, além de Paciolo, Piero della Francesca).
Paciolo foi coevo de Leonardo Da Vinci (1452 1514), Michelangelo (1475 1564),
Maquiavel (1469 1527), Lourenço, o Magnífico (1449-1492), Girolamo Savonarola (1452-
1498), Piero della Francesca (1420-1492) e de muitas personalidades de uma “época de
ouro” da civilização mundial que resplandeceu na Itália. Quando Luca nasceu, Cosme
de Medici, então já banqueiro do papa, era o senhor de Florença (1434 1464). Luca era
ainda muito jovem quando Lourenço, o Magnífico (1449-1492), sucedendo a Cosme,
assumiu o Poder em Florença (1469).
Viveram também naquela época os magníficos Sandro Botticelli, que produziu o famoso
quadro da Primavera, em 1477, Marsilio Ficino (1433-1499), o grande filósofo que
recuperou a imagem de Platão, superando Aristóteles, e o humanista e poeta Angiolo
Poliziano (1454 1494).
Paciolo mal saíra da adolescência quando na Itália inaugurou-se a indústria de imprimir,
pelo processo de Gutemberg (a primeira obra impressa surgiu na península em 1465,
ano em que, por coincidência, vinha ao mundo o magnífico Maquiavel), mas, já era
adulto quando nasceu Rafael Sanzio (1483), o grande gênio da pintura, tendo vivido a
época dos grandes descobrimentos, ou seja, a de Vasco da Gama (1469-1524), Cristóvão
Colombo (1451-1506), Américo Vespúcio (1454-1512) e Pedro Álvares Cabral (1460-
1520). Se analisarmos as revoluções causadas com a imprensa e com o Novo Mundo,
somadas a novos posicionamentos nas artes e no pensamento, é possível compreender
o que se passava na mente de um homem de inteligência. A tudo se acrescenta o entender
57Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005
que o tempo de Paciolo foi aquele dos gênios e de uma expressiva metamorfose histórica.
Não só a descoberta, pelos europeus, de novas terras mudou mercados e visões, mas,
também, viu-se a grande ascensão muçulmana que abalaria até preconceitos do clero.
A queda de Constantinopla, em 1453, como conquista de Maomé II, provocou o fim
do milenar império romano, ensejando mudanças políticas, como a paz de Lodi (1454)
entre os Visconti (poderosos senhores de Milão desde 1277) e Veneza (quando esta
também perdia o predomínio do mediterrâneo), a conspiração dos Pazzi (tentando
derrubar os Medici), que resultou no assassinato de Juliano de Medici (1478), e a
conjuração dos barões em Nápoles, contra o rei Fer-nando (1485).
As influências ambientais ditadas por eventos sociais, econômicos, políticos e
intelectuais têm grande poder sobre a cultura, e a época do Renascimento Italiano foi
uma dessas, ou seja, aquela que ensejaria a eclética formação cultural de Luca (absorvida
de Piero, Alberti, Da Vinci e Rompiasi, especialmente).
Um fato curioso histórico, irônico mesmo, é o de que, quando nascia Paciolo, o
ducado dos Sforza ia à falência, por uma “magnificência alérgica a qualquer preocupação
com a Contabilidade”, como escreveu o magnífico Indro Montanelli em co autoria com
Roberto Gervaso (GERVASO, 1967), sendo salvo pelos toscanos “Medici” (da região
do Frei), que não só eram banqueiros, mas, possuíam excelentes controles contábeis.
A atmosfera cultural sob a qual nasce Paciolo era a de apoio à cultura, fortemente
incentivada por Cosme dos Medici (que se torna senhor de Florença em 1434 e até sua
morte em 1464). A riqueza dos banqueiros florentinos alimentou Brunelleschi (que
construiu a famosa cúpula da catedral de Florença, ao lado da qual existe sua estátua de
bronze), Donatello (o escultor mais original do Renascimento Italiano), Ghiberti (que
fez a porta do Paraíso do batistério de Florença), Botticelli (o exímio pintor da Primavera),
Gozzoli (famoso pintor da cavalgada dos reis), Felipe Lippi (pintor de quadros notáveis
nos templos religiosos), Frei Angélico (famoso pintor, com muitas produções, inclusive
no Vaticano), Pico della Mirandola (erudito dialético), Marsílio Ficino (grande filósofo),
Alberti (arquiteto e humanista) etc.
Os homens de fortuna na Itália, especialmente na Toscana, fizeram fervilhar a cultura
da região e criaram um ambiente favorável à produção intelectual. Como escreveram
Montanelli e Gervaso, na obra citada, referindo-se a Cosme, o povo intitulava a este
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como “ídolo de toda a inteligência”, “pai da pátria”, protetor de “toda a Itália”. A política
dos Medici não se alteraria até o fim do século XV e admite se que tenha sido a principal
a alimentar o milagre da Renascença. Paciolo viveu uma Itália de lutas, invasões, mas de
fortíssimo teor intelectual, com o renascer intenso da filosofia platônica.
Sucedendo a Cosme, Lourenço, o Magnífico, que fora aluno de Marsílio Ficino, líder
de uma escola “platônica”, utilizou seu poder na continuidade de apoio à intelectualidade
e isso, obviamente, consolidou, de forma notória, a produção de matéria artística,
filosófica e científica.
Sob esse clima de valor à cultura, muito cedo Paciolo foi educado em sua cidade
natal por um emérito pintor e matemático, Piero della Francesca (também nascido
em Borgo di San Sepolcro, onde até hoje existe sua casa, defronte ao campanário de
São Francisco, local que emocionado visitei em 1984), que lhe ensinou álgebra,
matemática e a divina proporção platônica.
Piero nasceu entre 1410 e 1420 (não é precisa a data de seu nascimento, como
muitas não são as informações históricas sobre toda a sua vida) e dedicou se a diversos
trabalhos em sua província (em Arezzo e Sansepolcro), admite se de 1455 a 1466. O
célebre pintor e intelectual, em 1469, esteve na cidade de Urbino, após exercer cargos
públicos em Sansepolcro e aceitar empreitadas em Arezzo; depois de 1470 parece
ter ficado a maior parte do tempo em sua cidade (nesse período é que Piero Della
Francesca teria lecionado para Paciolo).
Atividades de Paciolo em Veneza – o início de sua atuaçãoAcredita se que a ida de Paciolo para Veneza deve se ao mercado de trabalho que ali
existia e que faltava em sua vila de nascimento; aos 20 anos, empregou se na casa do
próspero comerciante judeu Antonio Rompiasi, aos filhos do qual dedicaria uma obra.
Entrementes, estudou na Escola de Domenico Bragantino, um “público leitor de
matemática”, como na época se denominavam os especialistas da área que possuíam
concessão para o magistério.
Não se sabe, ao certo, a completa função de Luca na casa comercial de Rompiasi,
mas admite se que fosse a de pedagogo dos filhos deste, considerados os conhecimentos
de aritmética, religião e arte que já trazia de San Sepolcro.
59Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005
Admito que naquela época Paciolo já tivesse conhecimento das partidas dobradas
(conseguimos, junto com o Prof. Marcelo Berti, ilustre docente de História da Contabilidade
na Universidade de Pisa, encontrar no Museu Cívico de San Sepolcro, documentos
escriturados em Partidas Dobradas, da época em que Paciolo estava naquela vila e possuía
ampla convivência com a casa dos religiosos, que se empenhavam também na educação
do ainda muito jovem Luca).
Melis, entretanto, entende que a grande prática sobre comércio Paciolo adquiriu em
Veneza, junto a Rompiasi, o que também justifica, em parte, ter seu Tractatus se dedicado
só ao ramo comercial. Até seu trabalho em Veneza, que culminou com um livro sobre
álgebra, ultimado em 1470, Luca não era, ainda, um frei.
A Summa foi o mais importante dos dez livros escritos (editada em 10 de novembro
de 1494), mas, não o primeiro livro de Paciolo, pois, aos 25 anos, já com grande acervo
cultural, produziu uma obra, dentro de sua grande vocação pelos números e cálculos.
De tal obra tem se referência, mas essa se perdeu, não deixando prova histórica; sabemos
que existiu porque Paciolo a ela se refere em sua Summa.
A passagem por Roma: novos progressos culturais com AlbertiA inquietude cultural de Paciolo, naturalmente despertada em seus verdes anos, por
Piero Della Francesca, em Sansepolcro, parece ter feito com que se sentisse atraído para
absorver novas luzes. Tais luzes, por influência natural, deveriam provir de um grande mestre
que muito se identificava com o pensamento de Piero.
Como escreve Alberto Busignani, biógrafo daquele genial pintor e mestre, Leon Battista
Alberti era um “espírito afim” ao de Piero (BUSIGNANI, 1968. p. 8) e é muito possível que
este tenha repassado a Paciolo a sua forte impressão sobre aquele.Não é, pois, sem razão
que por volta de 1470 ou 1471 (é imprecisa a referência histórica) Luca desloca se para
Roma e passa a residir na casa de Leon Battista Alberti, embora não por muito tempo. É aí
que lhe causam profundas influências os estudos de Teologia e de Filosofia, que encontraram
terreno fértil na mente lógica de Paciolo, essa treinada para Aritmética e Álgebra.
A aproximação com os textos relativos ao que Alberti lhe transfere, naturalmente, despertam
a “consciência religiosa” mais aprofundada e isso iria induzir o genial discípulo a ingressar em
uma ordem que tanta influência na Itália exercia, pela pureza de seus fundamentos.
60 Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005
Alberti era escultor, pintor, músico, filósofo, em suma, um homem afinado com a
policultura, um homem do Renascimento (1404 1472) e de sua autoria, famosíssima na
história da arte, é a fachada da Igreja da Santa Maria Nova e do Palácio Ruccellai, ambos em
Florença (terra de nascimento de Alberti). Paciolo encontrou aquele gênio já no fim da vida,
com grande maturidade intelectual, competente para exercer a grande influência que, de
fato, teve e em plena vitalidade porque, em Roma, executava as obras do Palácio Veneza.
Outros estudiosos, todavia, atribuem a maior religiosidade de Paciolo ao fato de
dois irmãos deste haverem entrado para a Ordem dos Franciscanos (em Borgo di
Sansepolcro, onde o Santo Toscano era devotado com grande eloqüência e ao qual
uma igreja fora no vilarejo dedicada).
O frei Luca Pacioli da ordem dos franciscanos e o magistérioA fé por São Francisco, na cidade de Paciolo, parece ter se iniciado no fim do século
XIII, por volta de 1285, introduzida por um frei chamado Tommaso da Spello que ali
aportou com o objetivo de construir a primeira igreja, em face de terreno doado pela
comunidade (desse antigo templo hoje só existem restos da fachada).
Com a fé consolidada no santo de Assis, com os irmãos que haviam ingressado na
ordem, com o suporte de teologia recebido de Alberti, outra não poderia ter sido a
decisão de Paciolo, senão a de se tornar Frei, o que ocorreu por volta de seu retorno de
Roma, em 1471 (Menores de São Francisco). Outros autores admitem seu ingresso na
ordem somente em 1494 (VLAEMMINCK, 1961). O agora Frei Luca Bartolomeo Pacioli
di Borgo di San Sepolcro parece ter vestido o hábito na sua própria terra natal, segundo
Melis (MELIS, 1950, p. 620).
Poucos anos depois, foi lecionar matemática em Perugia (cidade perto de Assis, onde
estava o principal convento da Ordem Franciscana), provavelmente de 1475 a 1480, firmando
se no magistério. Em tal cidade, escreve seu segundo livro, um pequeno volume, ainda
sobre álgebra.
Ao prestígio da Ordem e à respeitabilidade do hábito, Paciolo somava sua imagem de
mestre e se consolidava como um escritor; a vocação para o ensino sempre em Luca foi
algo manifesto e irreversível. Sua obra manuscrita de 1478, de Perugia (Tractatus
Matematicus ad discípulos perusinos) conserva se na biblioteca do Vaticano sob nº 3.129
61Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005
e abrange Aritmética, Geometria, Álgebra, Câmbio, Moedas etc. e Lamouroux admite
que possa ter sido o embrião da Summa (LAMOUROUX, 1989, p. 302).
A estada de Paciolo em Perugia não é bem precisa (Melis admite de 1475 a 1478 e
Lamouroux até 1480, assim como ainda outros preferem declará la incerta), mas, ali esteve
lecionando e produziu o manuscrito referido, que continha matéria de álgebra e de cálculos
mercantis, semelhante, em alguns pontos, aos assuntos da Summa. O professor Mário
Mari, todavia, em recentes pesquisas que elaborou, afirma que a atuação no magistério,
em Perugia, foi de outubro de 1477 a junho de 1480.
Quase mais 20 anos de andanças e a produção da SummaDe Perugia o Frei deslocou se para Veneza, novamente, onde ficou pouco tempo,
viajando e localizando se em Zara (perto de Veneza, mas já na Iugoslávia). Não se
conhece o motivo da transferência, mas é em Zara que ele escreve o seu terceiro
livro de Matemática, também perdido, em 1481. De tal livro só sabemos da existência
pela referência que lhe faz Paciolo em sua Summa, quando afirma que nele havia passado
de leve sobre o assunto e que agora (na Summa) estava a desenvolver em outro de
maior profundidade.
De Zara, ele volta à Toscana, dessa vez a Florença, e depois a Perugia. Depois vai a
Roma para ensinar. De 1490 a 1494, ainda no magistério, leciona em Nápoles e em
Pádua. Volta a Florença e, finalmente, desloca se para Veneza para revisar a sua obra
Summa de Aritmética, Geometria, Proporções e Proporcionalidade (que se admite tenha
concluído em Perugia, em 1487).
Parece não haver dúvida, todavia, de que a Summa tenha sido produzida e concluída
na segunda metade da década de 80 do século XV (portanto, 200 anos depois que o
processo das partidas dobradas já estava consolidado na Itália; o mais antigo documento
da partida dobrada na Itália é da última década do século XIII). O tempo que decorreu
entre a conclusão da volumosa obra e sua edição, de aproximadamente sete anos,
não é de se admirar, considerando se as condições da época e a preferência que os
editores tinham por livros de melhor aceitação no mercado (Bíblia, obras do latim
clássico etc.); também, o alto custo das edições (muitas perdas e pequenas tiragens)
não estimulava a criação de um grande fundo editorial (por questão de giro de capital).
62 Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005
O referido livro de Paciolo (cuja reprodução do original possuo), além de volumoso,
tem muitos desenhos, fórmulas e arte gráfica (as letras iniciais de parágrafos e distinções
são desenhadas artisticamente e consta que foram da lavra de Leonardo). O editor
Paganino de Paganini imprimiu a Summa e esta veio à luz em 10 de novembro de 1494.
Paciolo e Leonardo da VinciPaciolo tornou-se amigo de Leonardo da Vinci, um dos maiores gênios da humanidade
(1452 1519), figura ímpar do Renascimento. Acredita-se que ambos partiram para Milão,
em 1482, sob o custeio e proteção de Ludovico Sforza (1451-1508), poderoso conde
de uma família de rara importância (o castelo onde vivia, em Milão, está quase intacto
até hoje e constitui motivo de atração turística).
O tronco dos Sforza se iniciou com Muzio Attendolo (1369 1424) e tinha em Ludovico,
cognominado “O Mouro” (1452-1508), um de seus expoentes; o duque muito valorizou
as artes e as técnicas e em razão disso “investiu” nos dois sábios (Da Vinci e Paciolo) e
os trouxe para Milão. De 1496 a 1499, ambos os gênios permaneceram naquela cidade,
até a época da invasão dos franceses (que obrigou a fuga do duque). Perdido o apoio de
Ludovico, pela circunstância desastrosa da guerra, Paciolo voltou a Veneza.
Em Milão, durante sua permanência, o frei ensinou matemática na corte e consta que
tenha, igualmente, ensinado a Da Vinci as noções das “divinas proporções”. Tais
“proporções”, como as difunde Paciolo, são o resultado de comparações harmônicas, ou
seja, admitem-se divinas quando em um segmento de reta dividido em partes desiguais a
parte menor está para a maior, assim como a maior está para o todo.
Admite se, inclusive, que a famosa “Ceia Sagrada”, iniciada em 1495 e concluída em 1497
(tão reproduzida e conhecida), de Leonardo (pintada na parede do Convento de Santa Maria
delle Grazie), tenha tido como inspiração as divinas proporções que Paciolo tanto defendia (o
frei na época já tinha editado a sua famosa Summa). Guido afirma ainda que Leonardo só se
interessou pelos números, pela geometria superior, depois de sua convivência com Luca.
Lamouroux escreve que Paciolo só foi conhecer Da Vinci em Milão (LAMOUROUX,
1989, p. 302), e o questionamento do encontro dos dois fica, desta forma, dividindo
opiniões, mas é inequívoco que se tornaram amigos e trabalharam juntos. Assegura
Ângelo Guido em sua obra sobre o mito de Da Vinci (GUIDO, 1969) que este já havia
63Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005
esboçado o desenho da Ceia (projetos encontram-se atualmente na Academia de
Veneza e no Castelo de Windsor) quando depois o modificou para adaptá-lo de acordo
com os ensinamentos de Paciolo.
Admite Guido que, na mesma época em que Leonardo pintava a Ceia, Paciolo escrevia
o seu outro livro As Divinas Proporções, inspirado nas idéias de Platão (na obra O Timeu) e
de Euclides. De fato, pelas ilustrações de tal obra (cuja reprodução integral possuo em
minha biblioteca) pode-se perceber nas figuras geométricas, quer nas sólidas, quer nas
vazadas, a fixação dos pertinentes “pontos de equilíbrio”. Logo no prólogo do referido
livro, Paciolo destaca o nome de Leonardo como “ilustre arquiteto e engenheiro” e
acrescenta: “compatriota nosso, florentino”. O frei concluiu a obra em 1498 e a dedicou
ao seu protetor Ludovico Sforza (foi editada em Veneza pelo mesmo editor da Summa).
A Summa, de 1494, fora dedicada a “Guido Ubaldo Duca d’Urbimo” (possuo, inclusive,
um quadro pintado, copiado do original de Jacopo di Barbari, com Paciolo ensinando ao
Duque de Urbino, cujo original está no Museu do Banco de Nápoles, em Capodimonti).
Tal a amizade que Da Vinci tinha a Paciolo que, em 1499, após a fuga de Ludovico, com
este se afasta de Milão, viajando juntos. Rapidamente passam por Mantua e Veneza para,
depois, residirem juntos em Florença.
A admiração de Paciolo por Leonardo era tamanha que a este faz muitas referências
calorosas e elogiosas, em outra obra que começou a escrever quando estivera em Milão:
De Viribus Quantitatis (que se acha, em seu original, na Biblioteca da Universidade de
Bolonha). O De Viribus foi um livro que visou a estimular o gosto pelos números e por isso
está pleno de “jogos” e “curiosidades” matemáticas, sendo de cunho popular e incluindo
formas de estabelecer sofismas por meio de cálculos, mas não foi editado.
Tudo faz crer, todavia, que Leonardo e Paciolo separam-se e só se reencontraram em
Roma, em 1514, quando Leão X convidou o frei para lecionar (e quando ele já havia
passado por Veneza, Perugia, Florença e Borgo di San Sepolcro). Escreve Marinoni que o
encontro se deu quando “Leonardo já estava envelhecido e descrente” (MARINONI,
1982, p. 6), ou seja, pouco antes que fosse para Amboise, no Vale do Loire, onde veio a
falecer, em 1519, em “Clos Lucée”, e onde está enterrado - comoveu-me, profundamente,
quando vi, pessoalmente, a singeleza do túmulo de tão grande homem, com uma lápide
não menos singela, em uma modesta capelinha do Castelo de Amboise.
64 Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005
Paciolo, igualmente, vizinho já estava de sua morte, que hoje já se admite, com margem
de segurança, ocorreu em 1517 - vários autores entendiam que o falecimento do frei
tivesse sucedido em 1515. A morte de Paciolo foi, entretanto, em 1517, conforme estudos
idôneos do reverendo Ivano Ricci (bibliotecário, em Sansepolcro, do Museu Cívico), e o
sepultamento deu-se naquele local na igreja de San Giovanni D’Afra.
O encontro dos dois expoentes, em Roma, foi, assim, uma despedida sem retorno,
mas, inequívoca ficou, para a história, a identidade intelectual que estabeleceram. Em
memória de seu ilustre filho, nos fins do século passado, a comunidade ergueu uma
estátua de bronze a Luca e essa hoje adorna um destacado recanto de seu vilarejo
natal. Os dois grandes amigos que o destino juntou, deveriam, neste mesmo,
entretanto, serem separados geograficamente em seus leitos de morte; o túmulo de
Leonardo está em Amboise, França, e o de Paciolo, em Sansepolcro, Itália.
Os últimos anos de PacioloA vocação do Frei, segundo Aloe e Valle, não parece ter sido monástica, pois,
viajou freqüentemente. Após a estada em Florença, com Da Vinci, Paciolo ensinou
nas universidades de Pisa e de Bolonha (entre 1500 e 1507). Em 1501, em Florença,
o frei contou com a proteção do prestigioso cardeal Soderini. Existem provas
documentais de tais passagens, inclusive recibos de salários de magistério assinados
por Luca.
Em 1508, em Veneza, Paciolo proferiu uma aula magna em abertura de um curso
da Igreja de São Bartolomeu do Rialto, tratando da geometria euclidiana (livro V de
Euclides) e das proporções; na mesma época revisou, para seu editor, As Divinas
Proporções (que sairia em 1509) e a edição latina dos “Elementos”.
Em 1510, foi nomeado “comissário” do Convento Franciscano de Sansepolcro e
ali ficou até que Leão X o chamasse a Roma (quando se reencontrou com Da Vinci),
em agosto de 1514. Tudo nos prova que as atividades finais de Paciolo foram tão
intensas quanto às de sua existência, esta que cumpriu dividindo-se entre as suas
missões prediletas, como professor e escritor, ou seja, a de um gênio da difusão
cultural.
65Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005
A cultura que conseguiu acumular, quer pelo acesso aos livros mais preciosos
que leu (como os da biblioteca do duque de Urbino), quer pela influência de Piero,
Alberti e Da Vinci, principalmente, ele procurou retratar em suas obras (dez livros)
e em suas lições. Sabendo conquistar amizades, como revela o famoso historiógrafo
Prof. Esteban Hernández Esteve em sua introdução ao livro De las cuentas y escrituras,
relacionou-se com nobres e todos os papas de seu tempo, sempre no sentido de
valorizar-se culturalmente e, também, de transferir cultura.
No meio milênio da Summa uma consagração mundialQuando ocorreu o meio milênio da edição da Summa, o mundo inteiro reverenciou
o gênio italiano em uma convenção internacional. O local do encontro foi em um
palácio, o Centro Zitelle, na ilha onde viveu Antônio Rompiasi e na casa na qual
Paciolo lecionou para os descendentes deste comerciante – a ilha Judaica, em Veneza.
Várias entidades patrocinaram o monumental encontro, entre elas a Sociedade
Italiana de História da Contabilidade (a qual tenho a honra de pertencer, como
membro honorário), o Conselho Nacional dos Doutores em Comércio e o Conselho
dos Contadores e Peritos Comerciais da Itália.
A convenção ocorreu de 9 a 12 de abril de 1994, com uma série de palestras,
festividades e comemorações. Foram apresentados muitos trabalhos, provenientes
de Alemanha, Japão, Espanha, Nova Zelândia, Austrália, Estados Unidos, Índia,
Inglaterra e Bélgica e foram selecionados 44 deles para publicação.
A edição, feita pela IPSOA em 1995 e com 484 páginas, deu-se sob a coordenação
de uma comissão científica, composta dos mais eminentes professores doutores e
historiógrafos, das universidades mais famosas da Itália, entre os quais os eméritos
intelectuais Carlo Antinori, Giuseppe Catturi, Giuseppe Bruni, Umberto Bertini,
Antônio Amaduzzi, Maurizio Fanni, Rosella Ferraris, W. Santorelli e Giuseppe
Bernoni.
A Itália, em homenagem a seu filho ilustre, na ocasião cunhou uma moeda com a
esfinge de Luca e estampou um selo postal (ambos possuo), assim como facilitou
aos participantes uma peregrinação a Sansepolcro (terra natal do frei). Tive a honra
de representar o Brasil no evento, com um trabalho de pesquisa sobre a vida do
66 Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005
personagem homenageado. Participaram representantes de Brasil, Japão, Rússia,
Estados Unidos, Inglaterra, Austrália, Alemanha, Portugal, Espanha, França, Canadá,
em suma, de todos os continentes.
Em 2003, a Universidade do Grande Rio (Unigranrio) lançou a primeira edição de
meu livro sobre Luca Pacioli e, em 2004, a segunda edição, sob o patrocínio da
Fundação Brasileira de Contabilidade, lançada no Congresso Brasileiro de
Contabilidade, em Santos. Foi a forma de a classe contábil brasileira, no século
XXI, voltar a comemorar o que deveras é imortal em nossa história.
O frei italiano Luca Pacioli é um ícone de nossa história, não só porque teve a
primeira obra impressa onde inseriu um Tratado sobre Escrituração por Partidas
Duplas, mas, especialmente, por ter rompido uma inércia e por fazer conhecido
um dos mais importantes critérios de registro que toda a história da humanidade
conheceu. Cultuar personalidades que construíram uma cultura é uma forma de
valorizar um ramo de conhecimento; desconhecer a História é enfraquecer a
compreensão sobre o presente e perder a visão do futuro.
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69Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005
70 Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005
O desenvolvimentoO desenvolvimento sustentável e o papelda auditoria ambiental
Maria da Conceição da Costa Marques1
ResumoA preocupação pela proteção do meio ambiente alcançou uma considerável notoriedadenos últimos anos, tornando-se num tema de interesse para as empresas e governos,assim como para os cidadãos e a opinião pública em geral. A responsabilidade presentee futura pelos temas ambientais converteu-se, hoje em dia, em algo imprescindível.Surge, deste modo, um novo fator a que as empresas e organizações em geral nãopodem ficar alheias. A auditoria ambiental surge como resultado desta crescentepreocupação com o meio ambiente e da responsabilidade que as empresas detêm nestamatéria. Trata-se de uma ferramenta capaz de avaliar e testar as bases de uma políticacuidadosa na temática ambiental, que tenha em conta a envolvente que rodeia asindústrias e que analise os riscos ambientais decorrentes do desempenho de umaatividade, bem como avaliar o seu impacto. Neste trabalho, pretende-se enquadrar aauditoria ambiental nos sistemas de gestão ambiental das organizações, enfatizar osuporte legal nesta matéria, verificar o que neste âmbito se está a fazer em Portugal equais são os benefícios para as empresas e para o meio ambiente que podem advir dasua realização.Palavras-chave: meio ambiente, auditoria ambiental, gestão
ResumenLa preocupación por la protección del medio ambiente alcanzó una considerablenotoriedad en los últimos años, llegando a ser un tema de interés para compañías ygobiernos, así como para los ciudadanos y la opinión pública en general. Laresponsabilidad presente y futura por los temas ambientales se convirtió actualmenteen algo imprescindible. Entonces, surge un nuevo factor que las empresas y lasorganizaciones en general no pueden ignorar. La auditoría ambiental surge comoresultado de esta creciente preocupación con el medio ambiente y de la responsabilidadque empresas tienen en este asunto. Es un instrumento capaz de evaluar y probar lasbases de una política cuidadosa en la temática ambiental, que se tenga en cuenta laenvolvente que rodea las industrias y que analice los riesgos ambientales que resultandel desempeño de una actividad, así como evaluar su impacto. En este estudio, nosotrosesperamos abordar la auditoría ambiental en los sistemas de gestión ambiental de lasorganizaciones, enfatizar el requisito legal en este asunto, verificar lo que se hace eneste campo en Portugal y cuales son los beneficios para las empresas y para el ambienteque pueden resultar de su realización.Palabras-clave: medio ambiente, auditoría ambiental, gestión
1 Professora adjunta do Instituto Superior de Contabilidade e Administração de Coimbra, Portugal.
71Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005
AbstractThe concern for the environmental protection has gained considerable importance overthe last years, becoming a topic of great interest to companies and governments, as well asfor the citizens and public opinion in general. The present and future responsibility ofenvironmental issues has become presently indispensable. In this manner a new factoremerges that both enterprises and organisations in general cannot ignore. The environmentalaudit emerges as a result of this increasing concern with the environment and of theresponsibility that enterprises have in this matter. This tool is capable of evaluating andtesting the basis of a careful policy on the environmental issue, which is concerned withenvironmental issues involving the industries and analyses the environmental risks resultingfrom carrying out certain activities, as well as evaluating its impact. In this study, we hope tofit the environmental audit in the environmental management systems of the organisations,emphasize the legal requirement in this matter, check what is being done in this field inPortugal and what benefits for both the enterprises and the environment can result fromsuch an audit.Key words: environment, environmental audit, management
IntroduçãoNa atualidade, o desempenho ambiental de qualquer empresa torna-se cada vez
mais importante para todos os intervenientes. Cada vez mais, as instituições dos diversos
setores de atividade econômica concentram a sua atenção e desenvolvem esforços que
mostram o seu compromisso com a melhoria e a preservação contínua da qualidade do
ambiente, para proteger a saúde humana das gerações presentes e futuras.
O meio ambiente está presente em todas as atividades exercidas pelo homem, tanto
como fator que as condicionam quanto elemento que pode ficar prejudicado com essas
atividades. Por isso, hoje em dia, nenhuma empresa pode permanecer alheia ao fator
ambiental, que influenciará diretamente o seu negócio, tanto pela aprovação de nova
legislação, como pela pressão dos consumidores e exigência dos fornecedores e clientes.
Para incluir a variável ambiental na empresa e conseguir que o meio ambiente seja
um fator competitivo para si própria, ela deve dispor de sistemas de gestão ambiental.
Da sua implementação advêm benefícios variados, tais como melhor controle e poupança
nos consumos de matérias-primas e energia, melhoria da eficiência do processo
produtivo, redução nos custos e conseqüente minimização de resíduos.
Os sistemas de gestão ambiental permitem a criação de novos produtos e mercados,
baseados em processos que respeitam o meio ambiente, promovem a redução dos custos
72 Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005
de transporte, armazenamento e embalagem, melhoram a imagem pública da empresa,
introduzem melhorias nas relações com a Administração Pública, ao mesmo tempo que
evitam custos associados a danos ambientais. Evitam, também, os custos relativos à
recuperação do meio ambiente e às multas por infrações da legislação existente e concorrem
para a redução dos prêmios nos seguros por responsabilidade ambiental. Esses são motivos
pertinentes para o desenvolvimento do estudo que se segue sobre o tema auditoria ambiental.
A auditoria ambientalA auditoria ambiental surge em resultado de uma crescente preocupação sobre a
problemática ambiental e do papel assumido pelas empresas quanto à responsabilidade que
lhes cabe. Trata-se de uma ferramenta poderosa, capaz de avaliar e assentar as bases de uma
política cuidadosa com o meio ambiente, que tenha em conta a envolvente que rodeia as
indústrias. Assim, para analisar os riscos ambientais decorrentes da execução de uma atividade
e avaliar o seu impacto, realizam-se auditorias ambientais, não apenas para dar cumprimento
à legislação vigente de cada país, setor de atividade ou região, mas também destinadas à
própria empresa, que tem todo o interesse em exibir uma boa imagem junto ao público.
As empresas que desejem conhecer e analisar a sua situação ambiental realizam
auditorias ambientais, quer sejam internas, efetuadas pela própria empresa, quer sejam
externas, solicitadas a organizações especializadas. A auditoria ambiental converte-
se, então, num instrumento de gestão que garante o correto funcionamento das
políticas adotadas sobre o meio ambiente, proporcionando vantagens tanto à própria
empresa, como ao ambiente em que esta se insere. Como ferramenta, torna-se cada
vez mais necessária dentro da gestão empresarial, quando se quer assegurar que as
atividades desenvolvidas pelas organizações não determinam a deterioração do meio
ambiente.
Em muitos casos, a auditoria ambiental surge apenas para cumprir uma obrigação que
decorre da legislação vigente, mas a auditoria deve saber conjugar o objetivo prioritário
da empresa – o da obtenção de benefícios – com o da proteção ao meio ambiente.
O desenvolvimento econômico sustentado das organizações deve ser compatível
com a conservação do meio ambiente e para isso é necessário obter um equilíbrio
entre ambos. Talvez a principal diferença entre a auditoria ambiental e os demais
73Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005
tipos de auditorias existentes seja o caráter multidisciplinar da primeira, que permite unir
os esforços de grande quantidade de profissionais, como juristas, técnicos ou científicos.
Os profissionais envolvidos devem formar uma equipe de trabalho capaz de estudar
o impacto ambiental que a empresa provoca, permitindo que a sua organização e o seu
funcionamento se ajustem às normas vigentes. As tarefas a serem realizadas por essa
equipe prendem-se com a investigação preliminar, a avaliação posterior, o diagnóstico,
as decisões e as propostas. A equipe de auditores deve ser formada por pessoas
experientes, qualificadas e com amplos conhecimentos das normas ambientais, das leis
em vigor, das atividades, dos processos de produção e instalação, das técnicas existentes,
da minimização de impactos, etc., a que acrescem as características inerentes à profissão
de auditor, como competitividade, honestidade e objetividade, entre outras.
Conceito de auditoria ambientalDiversos temas relacionados com o ambiente têm dado origem a serviços profissionais,
freqüentemente apelidados de auditorias ambientais, de que são exemplos:
• Avaliação e contaminação do lugar;
• Avaliação do impacto ambiental dos investimentos planejados;
• Auditorias peremptórias devido ao meio ambiente (auditorias antes da compra);
• Relatórios da auditoria do desempenho ambiental corporativo;
• Auditoria do cumprimento pela entidade das leis e regulamentos ambientais.
No entanto, existem diferenças práticas e conceituais relevantes nesses serviços,
pelo que chamar a todos eles auditoria ambiental pode ser enganoso. Para isso há de
limitar o termo auditoria somente àqueles serviços que podem dar algum nível de garantia
aos utilizadores do relatório de auditoria. Para distinguir a auditoria ambiental de outros
serviços, há de ter presente a definição de auditoria.
A auditoria é uma ferramenta de gestão que compreende uma avaliação sistemática,
documentada, periódica e objetiva do funcionamento da organização ambiental. Prevê
a implementação de gestão, bem como a existência de equipes de controle necessárias,
para se efetivar o controle de gestão das práticas ambientais e declarar o cumprimento
da política da empresa de acordo com as normas ambientais.
74 Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005
A norma ISO 14 010 define uma auditoria como:processo de verificação sistemática e documentada permitindo obter e avaliar demaneira objetiva as provas da auditoria, tendo em vista determinar se as actividades,acontecimentos, condições, sistema de gestão relativos ao ambiente e as informaçõese aferições, são conformes com os critérios da auditoria tendo em vista comunicar osresultados deste processo ao requerente.
Com a realização de auditorias ambientais pretende-se:
• determinar a conformidade dos elementos do Sistema de Gestão Ambiental (SGA)2
com os requisitos do referencial utilizado;
• determinar a eficácia do SGA implementado para cumprir com os objetivos
especificados;
• identificar oportunidades de melhoria;
• verificar a conformidade legal;
• reconhecer o SGA por entidades externas (certificação).
As auditorias ambientais caracterizam-se por:
• serem realizadas com objetividade, independência e por meio de uma abordagem
sistemática;
• constituírem uma ferramenta efetiva de gestão para examinar atividades e processos
– os seus resultados são utilizados como input para a revisão pela gestão;
• serem efetuadas por equipes auditoras com as competências necessárias à sua
realização;
• serem efetuadas por equipes auditoras que cumprem um código de ética;
• serem planejadas, assegurando a sua condução de forma consistente e a confiança
nos resultados;
• assentar em objetivos e âmbito claramente definidos;
• serem conduzidas em relação a critérios acordados.
Fonte: adaptado de AEP (2005)
75Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005
Vantagens da auditoria ambientalA realização de auditorias ambientais proporciona às empresas determinadas vantagens.
Um dos benefícios que podem advir da sua realização é a melhoria do rendimento dos
recursos da empresa originando, em seqüência, um incremento na poupança. Outro
benefício é a possibilidade de utilizar uma valiosa informação ambiental quando se tomam
decisões sobre o impacto ambiental, em decurso de uma nova estratégia a pôr em prática.
Do mesmo modo, perante qualquer situação de emergência que possa surgir, dispõe de
apoio informativo seguro e eficaz, apto a dirigir os esforços na direção certa. Ajuda tanto
os dirigentes como os funcionários no conhecimento da situação e política ambiental da
empresa, facilitando o intercâmbio de informação entre os diversos setores produtivos.
Isso é possível graças à elaboração de um relatório final, documento que se entrega
à direção e que esta utilizará como ferramenta de controle interno. Essa informação
poderá ser utilizada por todo o pessoal da empresa, pelos organismos oficiais
correspondentes e, em geral, por qualquer interessado que deseje conhecer a situação
ambiental da empresa.
Objetivo da auditoria ambientalUm objetivo geral básico a cumprir pelas auditorias desse tipo é o de conseguir que as
empresas cumpram com a legislação vigente em matéria ambiental. Esse é um dos principais
problemas das indústrias quando decidem solicitar a assistência técnica necessária para
solucionar o conflito, quando não cumprem as normas. Nesses casos, uma vez realizada a
pesquisa adequada e elaborado o relatório correspondente a cada situação particular, a
auditoria deve ser capaz de proporcionar os meios para acautelar a situação. Por meio de
um plano de atuação especial, preparado para a organização, a auditoria deve assegurar
que não se voltará a incorrer no descumprimento das normas, o que implica um
conhecimento profundo da legislação nacional, setorial, territorial, comunitária,
internacional, etc., que seja capaz de propiciar à empresa a cobertura legal de que necessita.
Por outro lado, sob o ponto de vista técnico, a auditoria deve poder verificar se a situação
requer a melhor tecnologia disponível, face ao grau de complexidade. Isso implica a disposição,
pela equipe de auditoria, dos meios necessários para garantir credibilidade, donde se deduz
que necessita de especialistas destacados em cada matéria.
76 Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005
Na etapa de fixação de objetivos é importante obter um acordo econômico, ajustando o
projeto às necessidades da empresa. Podem ser apresentados, tal como acontece no resto
das auditorias, projetos alternativos a diferentes custos, de modo que se cumpram os objetivos
legais, que podem melhorar tecnologicamente com maiores investimentos no futuro.
Posteriormente, podem apresentar-se objetivos específicos destinados a cobrir as
diferentes áreas ou departamentos, como o desenvolvimento de planos de integração
do pessoal dentro dos objetivos gerais, de modo que se compreenda a importância do
tema em questão e a necessidade de cumprir os objetivos fixados.
Nesse sentido, a informação contínua deve-se considerar prioritária – a reciclagem
por meio de cursos, seminários, conferências é crucial para se poder obter um
desempenho efetivo. Em outra ordem de idéias, deve-se levar em consideração a
possibilidade de contar com a colaboração de outras empresas – as companhias a serem
consideradas e em que grau ou medida se estabelecerá a cooperação. Além de efetuar
os contatos pertinentes (como gabinetes jurídicos, assessores econômico-financeiros,
etc.), deve-se contar com o apoio de um sistema de gestão integrado e um programa
informático adequado que facilite a auditoria.
Tipos de auditorias ambientaisDependendo dos objetivos a atingir, é possível distinguir diferentes classes de auditorias
ambientais. Se é certo que as auditorias de gestão ambiental na atualidade fazem parte
da política geral da empresa, existem outros tipos de auditorias que dependem de
situações e interesses específicos. A principal característica das auditorias é que
proporcionam uma imagem estática da empresa, limitada no espaço e no tempo a certos
domínios das suas atividades.
Auditoria de conformidade e responsabilidade – O seu objetivo é comprovar
que o funcionamento da empresa cumpre com as normas vigentes em matéria ambiental.
A ênfase centra-se nos aspectos jurídicos relacionados com o tema. Esse tipo de auditoria,
de caráter defensivo, serve de instrumento para cobertura de responsabilidades passadas
(auditorias de sinistros ou acidentes), presentes (auditorias de situação administrativa
ou de responsabilidade) e futuras (auditorias de riscos).
77Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005
Auditoria de sinistros ou acidentes – A auditoria inicia-se em seqüência de uma
circunstância específica, como sinistro, catástrofe ou acidente, com o fim de se
determinarem as causas, estabelecer as responsabilidades, bem como encontrar soluções
que permitam evitar a sua repetição no futuro, independentemente do processo judicial,
penal ou civil que paralelamente sigam as autoridades correspondentes. A empresa
passa, assim, a dispor da auditoria como um instrumento de defesa.
Auditoria de situação administrativa – Consiste no simples trâmite para assegurar
a conformidade administrativa ou legal da empresa. Trata-se de uma apreciação da
conformidade administrativa do funcionamento da empresa em relação ao ambiente.
Auditoria de responsabilidade – É um estudo das responsabilidades civis ou penais
do funcionamento da empresa relativamente ao meio ambiente.
Auditorias de risco – O seu objetivo destina-se a conhecer e limitar os riscos
ambientais; pode traduzir-se numa atenuação dos possíveis riscos jurídicos e econômicos
que possam ameaçar a empresa. O caráter desta auditoria é mais dinâmico que as
anteriores, dado que se converte numa ferramenta de avaliação dos riscos potenciais e
de decisão do tipo de gestão ou estratégia para prevenir os riscos.
Auditorias operacionaisEssas auditorias apresentam uma maior dinâmica que as anteriores, já que, além de
considerar a responsabilidade potencial, têm em conta as soluções técnicas e jurídicas de
proteção ambiental, os seus custos e investimentos e as suas vantagens. Relacionam, portanto,
responsabilidade com decisão de gestão. Trata-se de auditorias destinadas a preparar uma
operação, uma atividade ou um investimento. Podem mencionar-se as seguintes:
Auditoria para a compra de empresas – Pode-se solicitar uma auditoria de
verificação nos casos de concentrações empresariais. Normalmente, as empresas
envolvidas têm interesse em conhecer os possíveis riscos ambientais resultantes desses
processos. O mesmo sucede nos casos de compra ou aquisição. As empresas asseguram,
por meio de auditoria, os riscos prováveis e as responsabilidades futuras em que
incorrem, ao adquirirem empresas potenciadoras de gerar contaminação.
Auditoria ao sítio e de localização – No caso da criação e construção de uma
indústria, a auditoria centrar-se-á na análise das situações geográficas, hidrológicas e
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condições econômicas, entre outras, procurando detectar a incidência do projeto sobre
o meio ambiente, com o fim de diminuir o possível impacto e adequar a empresa aos
aspectos legais. Trata-se de auditorias sobre aspectos pontuais, dos quais se procura
medir o seu efeito sobre o meio ambiente, de que é exemplo a criação de uma indústria.
Auditoria de impacto ambiental de produtos fabricados – Consiste em fazer
um diagnóstico parcial de um determinado aspecto da atividade industrial ou comercial da
empresa, em relação ao meio ambiente. Alguns desses aspectos prendem-se com a análise
dos riscos que existem para o meio ambiente, resultantes do uso de uma determinada
matéria ou resíduo. Analisa também os efeitos que pode causar o lançamento de um
novo produto ou a execução de uma determinada atividade, bem como o impacto da
produção ou comercialização de um produto específico no meio ambiente.
Auditoria de gestão integral – Compreende o desenvolvimento geral do tema
ambiental na empresa, destinado a conhecer e avaliar se os efeitos decorrentes de uma
verdadeira política sobre a matéria estão de acordo com o resto dos princípios por que
se rege a atividade da empresa. A política ambiental deve ser avaliada de forma contínua
e submeter-se às mudanças que possam ser necessárias, de acordo com a evolução que
suscite o tema. Nesse caso, trata-se de uma análise global da situação ambiental da
empresa e do seu funcionamento. Esse tipo de auditoria, ao contrário das anteriores,
não se limita a um exame das fontes potenciais ou riscos ligados ao funcionamento de
uma instalação. É uma ferramenta de informação, de caráter periódico, e um instrumento
para gestão da organização, visando à adaptação da sua organização interna, em função
do impacto das atividades exercidas. Essas auditorias são geralmente descritas como:
Auditorias externas (de segunda ou terceira parte) – As auditorias de segunda
parte são realizadas por uma parte interessada – por exemplo, uma organização pode
auditar um fornecedor quanto ao seu desempenho ambiental. As auditorias de terceira
parte são realizadas por uma entidade externa independente, como as auditorias de
certificação realizadas pelas entidades certificadoras, que asseguram o reconhecimento
dos Sistemas de Gestão Ambiental.
Auditorias internas (de primeira parte) – As auditorias internas ou de primeira
parte são efetuadas recorrendo a recursos internos ou externos (por exemplo,
79Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005
consultores) e medem pontos fortes e oportunidades de melhoria relativa a
procedimentos, métodos e/ou normas externas adotadas.
As auditorias internas verificam se as atividades de uma organização, na prática, estão
de acordo com os procedimentos estabelecidos, identificam eventuais problemas
relacionados com esses procedimentos e oportunidades de melhoria.
O período de tempo necessário para completar as auditorias de todas as atividades é
designado por ciclo de auditoria, que varia de acordo com a dimensão e complexidade
das organizações. O âmbito das auditorias internas pode mudar desde a auditoria de
um simples procedimento até a auditoria de atividades complexas.
As auditorias internas devem ser realizadas por pessoas suficientemente
independentes em relação às atividades a auditar, para assegurarem um parecer isento.
Essas auditorias podem ser realizadas por recursos humanos internos (colaboradores)
ou externos à organização (colaboradores de outras organizações ou consultores).
A figura seguinte contém as fases de uma auditoria interna.
Fonte: adaptado de APE (2005)
80 Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005
Participantes no processo de auditoriaNuma auditoria ambiental intervêm três figuras:
• Cliente da Auditoria - O cliente da auditoria é quem a solicita, pode ser uma pessoa
ou uma organização, a quem é entregue o relatório final.
• Auditor - O auditor é quem planeja e leva a cabo a auditoria (pode ser independente,
ou pertencer à organização), com a missão de estabelecer os requisitos em função dos
objetivos assinalados pelo cliente e avaliar o cumprimento com base nas evidências objetivas.
• Auditado - O auditado é a pessoa ou empresa cujo Sistema de Gestão Ambiental se
vai avaliar, de cuja cooperação com os auditores dependerá em grande parte o bom
desenvolvimento da auditoria.
A equipe de auditores deve reunir elevados conhecimentos técnicos, atitudes pessoais,
independência e objetividade para garantir a qualidade da auditoria. Dentro do grupo
de auditores destaca-se a figura do auditor-chefe, a quem compete assegurar o bom
desenvolvimento da auditoria e que é responsável pelo cumprimento dos objetivos
estabelecidos, nos moldes do plano de auditoria aprovado pelo cliente.
Enquadramento legalEm Portugal, as bases legais a serem consideradas (nacionais e européias) são diversas:
• Lei de Bases do Ambiente (Lei nº 11/87, de 7 de abril);
• Decreto-Lei nº 69/2003 de 10/04/2003 (normas do exercício da atividade industrial);
• Decreto-Lei nº 516/99 de 02/12/1999 (plano estratégico de gestão de resíduos
industriais);
• Decisão da Comissão nº 2003/241/CE de 26/03/2003 (prevenção e controle integrados
da poluição);
• Regulamento do Conselho nº 1836/93/CEE de 29/06/1993 (generalidades e programas
que permitem a participação voluntária das empresas do setor industrial num sistema
de ecogestão e auditoria).
A Norma ISO 19 011 (Guidelines on Quality and Environmental Management System
Auditing) é a versão conjunta da norma de referência relativa a Auditorias e Sistemas de
Gestão Ambiental e a Sistemas de Gestão da Qualidade. Essa norma substitui as partes
1, 2 e 3 da norma ISO 10011 e as normas ISO 14010, 14011 e 14012.
81Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005
Entidades que procedem a auditorias de certificaçãoA Certificação dos Sistemas é um processo específico de Auditoria ao Sistema de
Gestão, que é realizado por uma terceira parte independente creditada para o efeito.
Podem emitir certificados organismos creditados pelo Sistema Português da Qualidade
e por entidades internacionais.
Os organismos de certificação acreditados pelo Sistema Português da Qualidade para
a ISO 14001 são: Associação Portuguesa de Certificação (APCER); Serviços Internacionais
de Certificação (SGS ICS) e BVQI Portugal - Certificação de Produtos e Sistemas -
Sociedade Unipessoal (BVQI). Das entidades acreditadas internacionalmente, destacam-
se: Det Norske Veritas (DNV) e Lloyd’s Register Quality Assurance (LRQA).
Etapas da auditoria ambiental
A realização de uma auditoria ambiental prevê o cumprimento de etapas, que podem
variar em função do tipo de auditoria, dos objetivos a atingir ou da situação e/ou
características da empresa.
A pré-auditoria ou diagnóstico prévio corresponde à fase anterior à auditoria em si,
conhecida como diagnóstico prévio. Serve de preparação à auditoria e nela se procura
minimizar tempo e gastos, assim como maximizar a produtividade da equipe de auditoria.
Nesta etapa, tem-se em conta as atividades de definição de objetivos, em que se
define a missão, concretizam-se os objetivos, selecionam-se critérios e prioridades e
fixa-se o método, todo ele dependendo do tipo de auditoria que se vá realizar. O
planejamento e a tomada de decisões têm a ver com a forma de realização da auditoria.
Procede-se à elaboração do plano de auditoria, à definição do seu alcance (técnico,
temporal, geográfico, etc.), à identificação das fontes de informação e gestão de
questionários, à discussão do programa da auditoria e à afetação de prioridades. Procede-
se também à escolha dos critérios de avaliação.
A seleção da equipe de auditoria e a designação de tarefas e responsabilidades a ela,
com a comprovação da sua competência e qualidades, é feita nesta fase. Nesta etapa é
imprescindível a cooperação da empresa, facilitando a entrega da informação solicitada
por meio de conversações, entrevistas, documentação, questionários, etc., de forma a
permitir a elaboração de um diagnóstico prévio.
82 Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005
É ainda nesta fase que se define com profundidade o alcance da auditoria e o nível de
detalhe suficiente para ganhar tempo e recursos. O alcance da auditoria dependerá de
fatores como o tipo de auditoria, o tempo disponível, o tamanho da empresa, a
complexidade dos seus processos, os recursos humanos e econômicos, etc.
Quanto às fontes de informação selecionadas, serão fundamentalmente de informação
geral sobre a empresa, acessos e autorizações, documentação da empresa, descrição
dos processos e identificação das emissões e da produção de resíduos e efluentes,
assim como gestão dos resíduos.
A partir desses dados, elaboram-se as perguntas dos questionários destinados ao
pessoal técnico, científico, diretivo, produtivo, etc. do qual se procurará obter respostas
que permitam conhecer a situação da empresa, o seu sistema produtivo, os mecanismos
de controle interno e em que serão afetadas tarefas e responsabilidades. Assim, poder-
se-á elaborar um plano para a auditoria ambiental.
O programa de auditoria deve conter os objetivos e as ações prioritárias, como a
revisão do antigo plano de auditorias, os planos de gestão ambiental (se existirem) e a
revisão das normas ambientais de âmbito local, nacional ou internacional. A revisão dos
planos de instalação, a revisão dos esquemas de processos, a aquisição de cópias dos
acessos, autorizações e planos, a identificação das fontes de emissão, os tipos de
tratamento, armazenamento ou eliminação de resíduos são questões a serem
consideradas também nesta fase.
Por fim, a seleção de pessoal deverá ser feita tendo em conta as características próprias
de um bom profissional desta área. Deverá ser avaliado se se dispõe de conhecimentos
técnicos suficientes, objetividade, honestidade, competência, experiência, capacidade
de comunicação e diálogo, etc.
Processada a informação prévia, a realização da auditoria exige que se faça uma análise
para conhecimento da situação ambiental da empresa. A execução de uma auditoria
ambiental prevê que sejam seguidos os seguintes passos:
• Identificação das atividades, no qual se tem uma visão mais ou menos precisa do
trabalho a realizar;
• Execução da auditoria, no qual se definem os objetivos, a metodologia a ser utilizada,
análise e tratamento da informação recolhida, estudo dos pontos fortes e fracos da
83Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005
empresa, recolhimento de provas, avaliação das provas e elaboração do relatório prévio,
bem como resumo e conclusões da auditoria;
• As técnicas utilizadas na auditoria são várias e a sua eleição depende, em geral, do tipo
de auditoria, recaindo sobre o auditor a responsabilidade da decisão, que será tomada
tendo por base a informação recolhida na etapa de pré-auditoria.
A Pós-Auditoria coincide com a elaboração do relatório final, apresentação dos
resultados, comparação, verificação da legislação vigente, conclusões e propostas,
recomendações e medidas corretivas.
O Sistema de Ecogestão e Auditoria e a sua aplicação ao setor públicoO EMAS e as organizações do setor público
O objetivo do Sistema de Ecogestão e Auditoria (EMAS)3 consiste em promover
a melhoria contínua do ambiente. É um sistema voluntário para as organizações
interessadas na avaliação e melhoria do seu desempenho ambiental. O sistema foi
lançado em abril de 1995, tendo sido revisto em 2001 para integrar a norma ISO
14001 (norma internacional/européia para sistemas de gestão do ambiente), como
seu componente do sistema de gestão ambiental. O EMAS ultrapassa a norma ISO/
EN ISO 14001 em vários aspectos. O sistema exige das organizações que realizem
um levantamento ambiental preliminar; façam participar ativamente o seu pessoal
na aplicação do EMAS e tornem disponíveis ao público e a outras partes as
informações pertinentes (CE 2005).
É um instrumento voluntário dirigido às organizações que pretendam avaliar e
melhorar os seus comportamentos ambientais e informar o público e outras partes
interessadas4 em relação ao seu desempenho e intenções sobre o ambiente, não se
limitando ao cumprimento da legislação ambiental nacional e comunitária existente.
O EMAS está disponível para todas as organizações dos setores público e privado
que estejam interessadas em melhorar o seu desempenho ambiental. Está aberto
aos Estados-membros da União Européia e do Espaço Econômico Europeu
(Noruega, Islândia e Liechtenstein). No quadro da sua preparação para aderirem à
União Européia (EU), um número crescente de países candidatos aplica igualmente
o sistema.
84 Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005
Para as autoridades do setor público decorrem benefícios do uso do EMAS, na
medida em que o EMAS revisto está agora aberto a todos os tipos de organizações,
incluindo as autoridades do setor público, envolvendo inúmeros benefícios para os
participantes. A estrutura do EMAS permite uma abordagem flexível do registro,
concedendo aos serviços individuais das autoridades do setor público a possibilidade
de se registrarem. Desde 1993 as autoridades do setor público de vários Estados-
membros da UE têm podido se registrar, existindo atualmente mais de 120 registros
detidos por autoridades locais nestes países5.
Com o EMAS, as organizações podem cumprir a legislações nacional e
internacional, realizar economias com a redução de resíduos, poupança de energia
e menor utilização de recursos6, melhorar o controle da gestão no seio da autoridade
e reduzir a responsabilidade ambiental7, demonstrar um empenho na melhoria
ambiental, integrar princípios de desenvolvimento sustentável8 na ação da autoridade,
de acordo com a Agenda Local 219.
Para que o programa EMAS tenha sucesso, é importante o empenho dos quadros
superiores, o que pode ser conseguido de várias maneiras: salientando os benefícios,
em especial as poupanças de custos, o cumprimento das disposições regulamentares,
um melhor controle da gestão e a responsabilidade política, demonstrando à direção
o entusiasmo do pessoal pelo sistema, utilizando casos-tipo de autoridades
semelhantes que obtiveram o registro EMAS. Uma vez alcançado, deve ser
amplamente divulgado, pois com isso os funcionários serão encorajados a participar.
O EMAS permite o registro de sítios individuais, o que possibilita às organizações
administrarem o EMAS num sítio determinado. No Reino Unido, as autoridades do
setor público tiveram a faculdade de se registrar numa base de serviços, o que
concede ainda mais flexibilidade.
O registro no EMASNo domínio da política ambiental, são necessários quatro elementos essenciais, tendo
em vista o registro:
• Empenho em cumprir todas as exigências regulamentares pertinentes;
• Empenho no melhoramento contínuo;
85Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005
• Criação de um enquadramento para a definição e revisão de objetivos e metas
ambientais;
• Necessidade de ser comunicada abertamente a todas as partes interessadas.
Existem muitas abordagens diferentes ao desenvolvimento de uma política ambiental,
nomeadamente:
- Organização de seminários para formadores de opinião;
- Análise dos exemplos de políticas de outras autoridades;
- Realização de sessões de reflexão sobre temas-chave e efeitos ambientais;
- Estabelecimento de prioridades;
- Garantia de que a política é adequada à audiência a que se destina.
É essencial proceder a um levantamento preliminar para avaliar os elementos das
atividades da organização em termos de efeitos ambientais. O levantamento deve
incluir os requisitos legislativos, regulamentares e outros aspectos ambientais, critérios
de avaliação dos aspectos identificados, práticas e procedimentos ambientais e
incidentes passados, por exemplo queixas, reações, acidentes que produziram ou
possam ter produzido efeitos no ambiente.
A maioria das autoridades do setor público, independentemente da sua dimensão,
localização ou nacionalidade, apresenta aspectos ambientais semelhantes, dado que
desempenha tarefas e atividades semelhantes. No quadro seguinte, enumeram-se alguns
dos aspectos mais comuns, podendo os itens indicados utilizar-se como ponto de partida
para a identificação desses aspectos.
86 Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005
Com base nos aspectos ambientais acima definidos, pode ser concebido um programa
para a gestão de aspectos ambientais e o controle da poluição. O programa deve dispor
de um coordenador para executar e administrar o programa, contar com a participação
ativa do pessoal, conter os objetivos ambientais e um plano que inclua atividades,
indicadores, objetivos, calendários, responsabilidades e os efeitos dos recursos no ambiente.
Como qualquer programa ambiental, no setor público deve-se promover a participação
ativa do pessoal, sendo esta uma exigência fundamental do EMAS. Para incentivar o pessoal
a participar, indicam-se algumas idéias-chave, defendidas pela Comissão Européia:
• Constituição de um comitê ambiental;
• Presença de um livro/caixa de sugestões para idéias de melhoramentos;
• Existência de formação (por exemplo: trabalho em grupo, sensibilização);
• Representantes ou “campeões” ambientais.
O sistema de gestão ambiental (EMS1) é outra componente essencial do EMAS.
Um EMS incluirá como elementos a estrutura organizativa, as práticas de trabalho,
as atividades previstas, os recursos, as responsabilidades e o controle da
documentação.
Para monitorizar o EMS e os dados de desempenho, é necessária a realização de
auditorias antes do registro EMAS. O ciclo da auditoria não deve ser superior a três
anos, mas pode ser realizado tanto interna como externamente, conquanto os
auditores sejam independentes dos elementos que são objeto de auditoria.
Deve-se promover a elaboração de uma declaração ambiental que necessita ser
validada de forma independente por um verificador credenciado e estar disponível
para consulta do público. Essa declaração deve seguir as normas específicas
existentes, nomeadamente quanto ao conteúdo, que incluirá aspectos políticos, um
resumo do EMS e dados relativos ao desempenho e aos objetivos. A fase final do
processo EMAS consiste na verificação, que deve ser realizada por um inspetor
credenciado e incluir uma visita in loco.
87Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005
Modelo do Sistema de Gestão Ambiental
Fonte: Dramb (2005)
ConclusõesNos últimos anos verificou-se um considerável aumento nas preocupações da sociedade
com questões relacionadas ao meio ambiente. Esse aumento de conscientização social
está alimentado pelas provas científicas que mostram os danos que a atividade humana
gera no meio ambiente e que se repercutem de forma global no mundo, não podendo ser
vistas de modo particular.
À volta dessa problemática, foi aprovada abundante legislação sobre o meio ambiente
que se reflete diretamente na indústria e contribui para que a empresa reconheça a
importância de considerar os aspectos ambientais como um requisito essencial à sobrevivência
e êxito empresarial. Para que as atividades de uma empresa se encaminhem para a consecução
88 Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005
de melhorias em matéria ambiental, é preciso que estejam incluídas num Sistema de Gestão
Ambiental, estruturado e integrado com as demais atividades de gestão.
O Sistema de Gestão Ambiental deve fixar os objetivos e as metas ambientais adequados
e estabelecer a estrutura e o programa que permitam alcançar essas metas e objetivos,
que devem ser objeto de fixação anual, de acordo com a política ambiental da organização.
A auditoria interna serve para comprovar periodicamente que o sistema de gestão
ambiental cumpre os planos estabelecidos e que se encontra em dia. A revisão pela direção
é realizada com o fim de evidenciar a melhoria contínua e a eficácia e a adequação do
sistema implementado.
Para as organizações do setor público decorrem importantes benefícios do uso do
EMAS. Esse sistema foi revisto e está agora aberto a todos os tipos de organizações,
privadas e públicas. Para as entidades públicas existe vantagem em proceder ao registro,
na medida em que podem obter economias com a redução de resíduos, poupam energia,
utilizam menos recursos, aperfeiçoam o controle de gestão, reduzem a responsabilidade
ambiental, ao mesmo tempo em que demonstram aos funcionários e aos clientes um
empenho na melhoria ambiental.
Notas2 No ponto 4 utilizamos também a sigla EMS, para a mesma expressão em língua inglesa.3 O Eco-Management and Audit Scheme foi estabelecido pelo Regulamento (CEE) nº 1836/93, de29 de junho, que definia as responsabilidades dos Estados-membros na criação de estruturas debase do EMAS, as condições de funcionamento e operacionalidade dessas estruturas, bem comoos requisitos de adesão ao sistema. Em 2001, foi publicado o novo regulamento do EMAS (EMASII), instituído pelo Regulamento (CE) nº 761/2001 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19de março de 2001, que revoga o primeiro.4 Hoje em dia utiliza-se o termo “Stakeholders” para designar todas as partes interessadas dasorganizações.5 Em 2004, Portugal quase duplicou o registro das suas organizações (+91%), seguido pela Itália(+50%) e pela Espanha (+31%). Das 396 novas organizações registadas em 2004, 107 provêmda Espanha e 92 da Itália. Quatro organizações registadas desde a ascensão do EMAS são de forados dez Estados-membros: República Tcheca, República da Eslovénia e República de Malta.6 P. ex., em Leicester verificou-se 10% de redução no consumo de água.7 P. ex., no Stroud District verificou-se redução das emissões de CO2 em 36,5% desde 1995/6.8 Desenvolvimento sustentável é aquele que considera as necessidades do presente sem compro-meter a possibilidade de as gerações futuras atenderem às suas próprias necessidades.9 As bases do estabelecimento do processo conhecido como Agenda Local 21 assentam sobre
89Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005
condicionantes e definições políticas. A sua origem é determinada por dois fatores. Em primeirolugar pela crescente utilização, a um ritmo cada vez maior, dos recursos naturais, da má gestãodos mesmos e de um interesse inicialmente nulo na minimização de resíduos da sociedade no seuconjunto. Em segundo lugar, devido à pressão, às vezes silenciosa e às vezes nem tanto, decidadãos cada vez mais informados, que por meio dos seus votos vão condicionando a ação dosseus dirigentes.10 Environmental Management System.
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TAYLOR, B; HUTCHINSON, C.; POLLACK S.; TAPPER, R. The Environmental Management Handbook. London: Pitman Publishing, 1994.
90 Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005
Governo eletrônicoGoverno eletrônico: desafios & oportunidades
Giselda Barroso Sauveur1
ResumoO E-governo, o uso de computadores ou a automatização de processos complexos por sisó não serão capazes de dar efetividade às ações de governo ou promover a participaçãocidadã. O que se espera com as aplicações de governo eletrônico? Ele traz a esperança e,por certo, oportunidades da implementação da boa governança com seus atributos evalores de integridade, transparência e prestação de contas na gestão pública.Palavras-chave: governo eletrônico, governança e administração pública
ResumenEl E-gobierno, el uso de computadoras o la automatización de procesos complejos porsí sólo no serán capaces de dar efectividad a las acciones del gobierno o promover laparticipación ciudadana. ¿Qué esperarse con las aplicaciones del gobierno electrónico?Él trae la esperanza y, por cierto, oportunidades de implementación de la buenagobernación con sus atributos y valores de integridad, transparencia y prestación decuentas en la gestión pública.Palabras-clave: gobierno electrónico, gobernación y administración pública
AbstractE-government, the use of computers or the automation of complex processes bythemselves alone will not be capable of giving effectiveness to governmental actions orpromoting the citizens’ participation. What can be expected from the applications ofelectronic government? It provides the hope of and certainly the opportunities forimplementation of good governance with its attributes and values of integrity,transparency and rendering of accounts concerning the public administration.Keywords: electronic government, governance and public administration
1 Socióloga, administradora pública e técnica sênior da Fundação do Desenvolvimento Administrativo(Fundap) do Estado de São Paulo
91Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005
Existe entre nós uma curiosa inclinação para raciocinar, legislar e administrar tendoem vista um país imaginário, que não é o nosso; um país dominado pelo exercíciofascinante do planejamento abstrato, pela ilusão de ótica das decisões centralizadas edas concepções macroeconômicas, pelo deslumbramento ante as soluções importadas,sofisticadas e onerosas, incompatíveis com a nossa realidade e com os modestos padrõesde renda do nosso povo. A miragem desse país imaginário tem atrasado o reencontrocom a nossa verdadeira identidade e obstruído a redescoberta do Brasil real, construídopredominantemente de gente simples, que permanece à espera de soluções igualmentesimples e compreensíveis para os problemas que constituem o drama de seu quotidiano.Hélio Beltrão, pronunciamento no Encontro Nacional de Desburocratização,Brasília, agosto de 1983.
IntroduçãoA administração pública é concebida, tradicionalmente, como o lado operacional do
governo, a máquina que põe em marcha às políticas dos dirigentes eleitos e parte das
atividades associadas ao desenvolvimento dessas políticas. Esse foco sobre os meios e fins
do governo transforma a administração pública, no início deste século, talvez no mais
importante campo de estudo na ciência política. A razão desse destaque é que os cidadãos,
por certo em todo o mundo, desejam menos governo e mais governança. Em última
análise, governança nada mais é do que nomear a administração pública de outra maneira.
O que é então governança? Por certo pode-se defini-la como a capacidade para governar,
ou mais precisamente, os sistemas e métodos por meio dos quais essa capacidade é
exercida. Assim, a única diferença entre os dois termos é apenas esta: governança é um
termo mais amplo do que administração pública.
Assim, se tomarmos uma agência do governo, por exemplo, a Secretaria da Saúde,
prestadora de serviços à população (promovendo vacinação antipólio, atendimento
materno-infantil), o conceito de governança sugere que os cidadãos estão mais preocupados
com os serviços finais oferecidos do que com a estrutura organizacional, os recursos
financeiros ou os processos de trabalho dessa agência. Desse modo, pode-se considerar
a governança como um processo pelo qual recursos são coletados e utilizados para resolver
os problemas enfrentados pela comunidade.
A partir do momento em que um governo estabelece estratégias para levar avante seu
projeto de governança, importantes desafios e oportunidades surgirão durante o processo
de implementação. A esse propósito, ao avaliar os problemas, as demandas e as
necessidades dos países em desenvolvimento, em seu conjunto, numerosos aspectos
92 Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005
devem ser considerados a respeito das iniciativas de promover o governo eletrônico ou
E-governo enquanto instrumento para a boa governança.
Governos, no mundo inteiro, estão adotando o governo eletrônico. Em quase todas
as regiões do planeta – dos países em desenvolvimento aos industrializados – governos
nacionais e locais estão disponibilizando informações importantes, automatizando
processos morosos e interagindo eletronicamente com seus cidadãos.
Muitos são os desafios e oportunidades trazidos com a decisão política de promover o
governo eletrônico. Discute-se aqui um conjunto de questões que devem estar presentes
ao se planejar e conceber projetos de E-governo. Trata-se mais de inventariar elementos
para aprofundar a reflexão sobre questões como: há uma visão estratégica clara sobre a
promoção do E-governo?; quais os desafios e possibilidades da implementação do E-governo
em países em desenvolvimento?; o governo eletrônico permite a participação cidadã?; o
E-governo trará mais transparência, integridade e prestação de contas à governança?
Hoje se percebe que o uso bem planejado da tecnologia (TIC) pelo governo pode resultar
numa administração mais inclusiva, efetiva, eficiente, transparente, prestadora de contas e
centrada no “cliente”, ou seja, no cidadão. De fato, se entendermos o E-governo como a
aplicação da tecnologia da informação e comunicação (TIC) no âmbito da administração pública
visando à melhoria de suas funções internas e externas, é possível almejar para governo, cidadãos
e empresas a garantia de um conjunto de ferramentas potencialmente capazes de transformar
o modo como ocorrem suas interações, como os serviços são prestados, como o conhecimento
é utilizado, as políticas são concebidas e implementadas, a participação cidadã e as reformas da
administração pública e os objetivos para a boa governança são propostos.
Numa definição ampla, E-governo é o uso da tecnologia da informação e da comunicação
(TIC) para promover um governo mais eficiente, tornar os serviços governamentais mais
acessíveis, permitir maior acesso público à informação e tornar o governo mais transparente
e prestador de contas aos cidadãos. E-governo envolve a prestação de serviços via internet,
telefone, centros comunitários (auto-serviço ou com auxílio de terceiros), radiotelefonia
ou outros sistemas de comunicação.
De onde advém esse entusiasmo com o E-governo? Ele ocorre, em parte, pela crença
de que a tecnologia pode transformar a por vezes negativa imagem do governo. Em
muitos lugares, a imagem que os cidadãos têm do governo é a de uma máquina
93Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005
administrativa inchada, desperdiçadora e omissa na resposta às suas mais prementes
necessidades. A descrença no governo está disseminada tanto no público em geral quanto
no mundo dos negócios. Os funcionários públicos são vistos muitas vezes como
aproveitadores.
Os valores de integridade, transparência e prestação de contas na administração pública
tiveram expressivo renascimento nas últimas três décadas ou mais. A administração pública
somente será revitalizada aos olhos do público ao qual deve atender se houver confiança
entre os cidadãos e a administração pública. Essa confiança somente será construída em
torno da integridade da administração pública na prestação de serviços públicos, transparência
em seu planejamento e operações (especialmente pela participação dos cidadãos) e prestação
de contas na gestão e controle dos recursos e nos resultados alcançados.
A globalização tornou possível a rápida difusão de idéias e práticas, permitindo aos
cidadãos, em toda parte, exigir altos padrões de integridade, transparência e prestação de
contas. Embora o processo de participação possa ser visto inicialmente como difícil de
manejar e consuma tempo, a participação das populações destituídas é não somente
necessária para a boa governança, mas também para a efetividade das ações de governo.
Esses princípios podem ser inculcados por medidas práticas tanto nas instituições quanto
nas populações. Em nível institucional, exigir, por meio de normas, gestão de sistemas e
procedimentos administrativos, relatórios honestos, troca de informação e prestação de
contas por desempenho. Em nível dos cidadãos, valores institucionais e padrões de
conduta e desempenho deveriam ser claramente comunicados, monitorados e fortalecidos.
Tais medidas previnem e detectam a corrupção na prestação de serviços públicos.
Por último, tais valores exigem que todas as organizações públicas avaliem seu
desempenho. Na medida em que esses princípios são aplicados a comportamentos
individuais e organizações, a adesão aos mesmos é difícil de medir e monitorar.
Entretanto, ao aplicar esses procedimentos, as organizações públicas serão capazes de
identificar boas práticas, aprender a partir de seus erros e determinar as ações que
estarão contribuindo para atingir esses princípios.
A disseminação da tecnologia da informação e comunicação (TIC) traz a esperança
de que o governo possa ser transformado. De fato, funcionários públicos em toda parte
estão usando tecnologia para melhorar a gestão do governo. Contudo, E-governo não é
94 Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005
um atalho para alcançar o desenvolvimento econômico, o equilíbrio orçamentário, a
transparência ou o governo eficiente. Embora os benefícios e as promessas do E-governo
sejam teoricamente numerosos, a experiência internacional até o momento indica que
na realidade eles permanecem indefinidos e, até certo ponto, ilusórios.
E-governo é um processo e, muitas vezes, uma batalha que implica custos e riscos,
ambos financeiros e políticos. Tais riscos podem ser significantes porque, quando não
bem concebidas e implementadas, as iniciativas de E-governo podem desperdiçar
recursos, falhar quanto à promessa de oferecer serviços úteis e, em conseqüência,
aumentar a insatisfação pública para com o governo. Nos países em desenvolvimento,
em particular, nos quais os recursos são escassos, o E-governo precisa visar a áreas de
alta oportunidade de sucesso e produzir projetos exitosos.
Além disso, o E-governo nos países em desenvolvimento precisa adequar-se a algumas
condições singulares, necessidades e obstáculos. Estes vão desde a presença de uma
continuada tradição oral à falta de infra-estrutura, à corrupção, à debilidade do sistema
educacional e ao acesso desigual à tecnologia. Freqüentemente, a carência de recursos
e de tecnologia é acompanhada pela ausência de conhecimento e de informação.
Em um governo municipal da China, a criação de uma “sociedade da
informação” é vista como a base de seus planos de governo eletrônico. Essa
idéia define a visão do E-governo para toda a sociedade – cidadãos, negócios,
escolas, administração pública e indústria – operando sob o princípio da
informação. As redes e TIC tornar-se-ão parte do trabalho diário e da vida
cotidiana das pessoas.
A seguir, focalizaremos as muitas lições aprendidas com a implementação de programas
de E-governo tanto no mundo industrializado quanto nos países em desenvolvimento, e
também destacaremos alguns dos seus imensos desafios e oportunidades.
As fases do E-governoAo focalizar de forma sucinta as principais etapas do E-governo, podemos ter uma visão
de sua abrangência e dos seus aspectos peculiares. Desse modo, é possível estabelecer
uma visão das potencialidades oferecidas pelo E-governo no sentido de fortalecer a
95Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005
democracia e tornar os governos mais responsáveis a respeito das necessidades de seus
cidadãos. E-governo é um processo que requer planejamento, alocação sustentada de
recursos e vontade política.
Estudiosos da questão costumam dividir o E-governo em fases. Tais fases são
independentes, não havendo necessidade de que uma esteja concluída antes do início de
outra, mas, conceitualmente, todas permitem estabelecer sobre o estágio de
desenvolvimento do E-governo. As Nações Unidas chegaram a um consenso sobre a questão
e estabeleceram cinco fases (Global E-government Survey 2003).
A fase I (presença emergente) consiste na prontidão para a implantação do governo
eletrônico. Caracteriza-se pela presença do governo na internet, em tornar públicas
(divulgar) as ações de governo. Vale dizer: utilizar a tecnologia (TIC) para ampliar o acesso
dos cidadãos às informações governamentais. Consiste na inserção de páginas de órgãos
estatais visando a divulgar as ações e serviços prestados pelo governo.
A fase II caracteriza-se pela ampliação das atividades do E- governo visando a ordenar a
presença do governo na internet. Essa (presença expandida) consiste em ampliar a
participação cívica no governo. Sítios públicos constituem, possivelmente, o primeiro passo
nessa direção. O governo eletrônico dispõe de um grande potencial para envolver os
cidadãos no processo de governança, pondo-os em contato com tomadores de decisão
por meio do processo político e em todos os níveis de governo.
Os governos produzem enorme volume de informação, até mesmo além da que
pode ser utilizada por indivíduos e empresas. Esse processo, na fase II, é inaugurado
com a apresentação online de documentos de interesse “universal” para a sociedade,
tais como leis, regulamentos e formulários. Ao permitir a cidadãos e empresas um
rápido acesso a informações governamentais sem a necessidade de deslocamentos às
agências, com permanência em longas filas ou pagando suborno, constitui sem dúvida,
um avanço para sociedades imersas na burocracia e na corrupção.
A fase III envolve a interação governo-cidadão. O E-governo interativo compreende
comunicação de mão-dupla, iniciando com funções básicas tipo correio eletrônico (e-mail),
troca de informações com os funcionários públicos ou formulários de respostas que permitam
aos usuários apresentar comentários sobre leis e propostas políticas. De acordo com
especialistas, esta fase de E-governo poderia ainda incluir a criação de fóruns de
96 Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005
cidadãos-governo, cujo exemplo mais destacado é o constituído pelo governo da Armênia.
A fase IV, a das transações, consiste na criação de sítios da web permitindo aos usuários
realizar transações online. Do mesmo modo que o setor privado, nos países em
desenvolvimento, começa-se a utilizar a internet para oferecer seus serviços, os governos
também serão demandados a seguir esse exemplo. Um sítio na web com um link direto
de acesso ao governo, disponível 24 horas, representa um avanço na prestação de serviços
ao cidadão. Inovações tais como os serviços de quiosques localizados em centros de
compras no Brasil ou computadores portáteis que podem ser levados ao meio rural,
como na Índia, são dois exemplos exitosos desta fase que se caracteriza pela prestação
direta de serviços de E-governo.
Tem-se por último a fase V, também chamada presença em rede ou transformação, na
expressão do Gartner Group. Nesta etapa as iniciativas de E-governo estão em seu estágio
mais avançado. As agências governamentais poderão utilizar um variado conjunto de
tecnologias (TIC) para melhorar não somente seus próprios procedimentos de trabalho,
mas também a prestação de serviços à comunidade.
Talvez o maior incentivo aos governos com o uso da tecnologia (TIC) seja a de agilizar
os processos burocráticos e procedimentos de trabalho-intensivo, os quais podem
economizar recursos financeiros e aumentar a produtividade a longo prazo. Além disso, a
automatização de procedimentos e processos, especialmente em áreas geradoras de renda
tais como a cobrança de taxas e multas, pode levar o governo a deter a corrupção, aumentar
seus recursos e, ao mesmo tempo, elevar a confiança no governo.
Transformando o governo: projetos de E-governoUm princípio básico é o entendimento, pelos dirigentes, que E-governo significa antes
de tudo a transformação de como o governo interage com seus governados. Processo
que não é rápido nem simples. Isso requer, desde logo, uma estratégia coerente,
começando com a análise cuidadosa dos anseios políticos do país, dos recursos
disponíveis, o sistema legal e, de suma importância, da habilidade da população para
fazer uso da tecnologia. Desse modo, pode-se adiantar que o sucesso do E-governo
requer mudança no modo como o governo trabalha e como a população encara a maneira
de o governo responder às suas demandas e necessidades.
97Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005
É certo que não há modelo universal ou estratégia única para a implantação do E-
governo. Entretanto, especialistas da área identificaram cinco elementos essenciais para
iniciar o processo de transformação de governos por meio de projetos de E-governo.
O primeiro deles é a reforma do governo. Sem dúvida crítico para o sucesso do
processo de reforma do governo é o entendimento de que E-governo não é a mera
automação dos atuais processos e procedimentos ineficientes. Mais do que isso, é a
criação de novos processos e novas relações entre governados e governante. A
aplicação da tecnologia (TIC) não é simplesmente utilizar uma ferramenta para
economizar trabalho, a ser alcançada pela simples concessão de computadores aos
funcionários públicos ou mediante a automação de processos manuais. Em
conseqüência, os dirigentes governamentais que concebem projetos de E-governo
deveriam examinar, em primeiro lugar, as funções e operações nas quais desejam
fazer uso da TIC. Exemplo: os governos deveriam usar a tecnologia (TIC) em áreas
nas quais a transparência representa um novo modo de apresentar o problema.
O segundo elemento é a liderança. Para ser bem sucedido, o E-governo exige forte
liderança política, para poder assegurar o comprometimento, a longo prazo, de recursos
e experiência e cooperação de diferentes setores. O Chile oferece um bom exemplo
de liderança política por meio de estímulo à criação de uma agência central de E-governo.
Esta dispõe não somente de experiência, mas também de autoridade institucional para
implementar as mudanças requeridas no âmbito do governo.
Um terceiro aspecto é o investimento estratégico. É imperativo que países em
desenvolvimento escolham cuidadosamente os projetos de E-governo no sentido de
otimizar seus investimentos de tempo e recursos. Tais projetos deveriam ter seus valores
explicitados no sentido de aumentar a transparência e a participação dos cidadãos no
processo de governança, desburocratizando ou economizando recursos.
A colaboração intergovernamental é outro fator crucial nesse processo. Os governos
deverão explorar novas relações entre as agências governamentais bem como com os
parceiros do setor privado e organizações não-governamentais para garantir acessibilidade
e qualidade do E-governo. As agências governamentais deverão superar a tradicional
relutância de trabalhar colaborativamente para obter ganhos de escala em seus projetos
de E-governo. Essa colaboração será tanto mais útil na medida em que os especialistas do
98 Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005
setor privado, por conhecerem em profundidade aspectos tais como e-comércio, TIC,
marketing e gestão, poderão aconselhar os gestores públicos sobre essas áreas. O setor
privado, pelas suas características e experiência, será de grande ajuda para enfrentar os
desafios de aumento da eficiência, da capacidade gerencial e do entendimento das
“necessidades do consumidor”, isto é, do cidadão.
Como último elemento, mas tão importante quanto os demais, temos o envolvimento
do cidadão. O sucesso das iniciativas de E-governo depende de cidadãos engajados e,
para tanto, é fundamental desenvolver esforços para fomentar o envolvimento dos
cidadãos. E aqui se chega a uma questão central: o conceito de E-governo centra-se no
cidadão. Portanto, E-governo não é somente corte de custos ou implementação de
iniciativas para melhorar a eficiência dos serviços, mas ações direcionadas para melhorar
as vidas das pessoas comuns. Para desenvolver essa visão, focada no cidadão, ao conceber
seus projetos de E-governo os dirigentes devem ter em mente esse cidadão comum e,
mais do que isso, contemplar diferenças culturais e regionais.
No Brasil, o estado da Bahia oferece um exemplo de como prestar serviços
de E-governo a comunidades que não têm acesso às TIC. A Bahia criou centros
de atendimento móveis (caminhões equipados com computadores) que se
deslocam para zonas rurais a fim de prestar serviços a mais de 400 comunidades
do estado. Essas unidades móveis estão conectadas a redes informatizadas e
bases de dados que lhes permitem emitir cédulas de identidade, certidões de
nascimento e carteiras de trabalho. As unidades sanitárias móveis trabalham
de modo análogo, oferecendo serviços de saúde, informação e registros
eletrônicos para pacientes das cem comunidades mais carentes do estado.
Mais de cinco milhões de pessoas já foram beneficiadas por esses serviços.
Desafios e oportunidadesMuitos países em desenvolvimento, mesmo possuindo vontade política, não dispõem
da infra-estrutura necessária para prontamente prestar serviços em todo o território
nacional. Assim, o grande desafio a ser enfrentado será a concepção de projetos
compatíveis com a infra-estrutura de telecomunicações disponível no país. Sob esse
99Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005
aspecto, é importante considerar o estágio atual da tecnologia em uso no país e aprender
a partir dos sucessos e insucessos passados. Alguns dos melhores exemplos e orientações
sobre essa questão podem ser encontrados no sítio InfoDev, do Banco Mundial <http:/
/www.infodev.org/ereadiness/methology.htm>.
A aplicação de tecnologia (TIC) em processos de governo pode também enfrentar
barreiras políticas ou legais. Desse modo, torna-se imperativa a atualização do sistema
legal para regulamentar, por exemplo, o reconhecimento de documentos e transações
eletrônicas.
Mesmo em áreas nas quais a infra-estrutura de comunicações é bastante generalizada,
há ainda grandes contingentes marginalizados, incapazes de utilizar as tecnologias de
informação e comunicação pelo simples fato de desconhecerem noções básicas do uso
de computadores. A despeito do potencial de democratização implícito no E-governo,
há o reconhecimento de um risco real: o de que o mundo venha a ser dividido entre a
“informação rica” e a “informação pobre”, vale dizer, que esse processo possa acarretar
o aumento das barreiras à participação e à justiça social.
A exclusão digital – o desnível entre os que têm e os que não têm acesso à internet –
surge como uma das questões mais críticas na implementação de programas de E-
governo. Os excluídos desse acesso não podem adquirir as noções básicas essenciais
para usar computadores, nem acessar informações que lhes permitam participar do
mercado de trabalho. Além de enfrentar esse duplo desafio, promovendo o acesso dos
excluídos ao governo e aos seus serviços, os dirigentes deverão considerar – e este é o
caso do Brasil – as diferenças sócio-culturais, de classe, de etnia e regionais, oferecendo
programas adequados aos diferentes públicos, de acordo com sua especificidade.
Mais do que um desafio, a questão da transparência emerge como uma oportunidade
para resgatar a confiança do governo, cada vez mais debilitada junto aos cidadãos e às
empresas. Os cidadãos raramente entendem como os governos tomam decisões. Essa
falta de transparência impede o público de participação ativa no governo e de questionar
ou protestar contra injustiças ou decisões equivocadas. A falta de transparência pode
ocultar suborno ou favoritismo. Desde logo, o E-governo pode desempenhar um papel
crucial nesse campo, divulgando amplamente as políticas que estão sendo adotadas ou
as ações que o governo está promovendo em benefício da população.
100 Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005
O Estado de São Paulo adotou o Pregão de Compras, a nova modalidade de
licitação instituída desde 2000 por lei nas esferas federal, estadual e municipal.
É uma modalidade de compras utilizada no âmbito do governo para a aquisição
de bens e serviços considerados comuns, ou seja, aqueles cujos padrões podem
ser definidos pelas especificações usuais do mercado. O objetivo é tornar o
processo de compras governamental mais econômico, eficiente e transparente.
O sistema torna público qual o serviço ou produto que estão sendo adquiridos.
A iniciativa já está sendo oferecida online por algumas agências e a perspectiva
é que seja estendida a toda a administração estadual a partir do segundo
semestre de 2005. A licitação será integralmente efetuada pela Internet.
Junto à transparência é necessário que os cidadãos tenham confiança. Para ser bem
sucedido, o E-governo precisa construir confiança no interior das agências, entre agências
e ainda com o setor privado, ONGs e cidadãos em geral.
Ao conceber projetos de E-governo, os planejadores muitas vezes desconhecem as
diversas barreiras, tanto físicas quanto administrativas, que determinado projeto terá
de superar. Especialistas anotam que o sucesso de projetos de E-governo surge por
meio da construção de confiança e mútuo entendimento de uma variedade de atores
desde o início do processo. A maior preocupação para as partes envolvidas é que as
mudanças trazidas pelo novo sistema não acarretem impactos negativos. A questão da
confiança envolve ainda duas outras de especial interesse para qualquer serviço online:
(a) privacidade, qual seja a proteção das informações pessoais que o governo detém
sobre os indivíduos; (b) segurança, que é a proteção dos sítios governamentais de ataques
e uso indevido. As questões de privacidade e segurança têm merecido intensa atenção
internacional. De um lado, em razão do grande volume de informações pessoais
custodiadas pelos governos, e de outro, porque a violação de informações reservadas e
mesmo sigilosas atingem a credibilidade do E-governo.
No atual estágio de desenvolvimento tecnológico, a gestão da informação é um aspecto
crucial para a boa governança. Novas tecnologias estão sendo concebidas para auxiliar
a gestão da informação e, nesse campo, os governos têm necessidades muito específicas.
101Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005
Uma gestão da informação de qualidade pode auxiliar os funcionários a identificar
obstáculos à maior eficiência do governo. Registros de dados oficiais precisos podem
auxiliar na elaboração de leis, desenvolvimento econômico e prestação de contas.
Um projeto de cinco anos de duração – Evidence-Based Governance in the
Electronic Age – foi iniciado pelo Banco Mundial em parceria com o International
Records Management Trust. Envolve a coordenação de uma rede global de
instituições e organizações para prover apoio na modernização da gestão de
sistemas de registros e de medidas para melhorar a gestão do setor público.
<http://www.irmt.org/evidence>
Como decorrência natural do processo de governo eletrônico, surge a questão da avaliação.
Os governos devem avaliar regularmente o progresso e a efetividade de seus investimentos
em E-governo para determinar se as metas estabelecidas estão sendo alcançadas. Calcular o
gasto e a progressão dos investimentos em E-governo é uma etapa difícil, mas necessária, se
os governos desejarem manter apoio aos seus projetos. Padrões de medida podem ser de
natureza qualitativa e quantitativa, como número de agências e funções online, redução no
tempo de processamento de solicitações dos cidadãos ou preenchimento de formulários,
redução na quantidade de reclamações sobre o nível e qualidade de serviços prestados pelo
governo, crescente participação por meio de consultas, redução nos custos de prestação de
serviços pelo governo e aumento da renda, entre outros.
Como decorrência, a educação passa a desempenhar um papel relevante nesse
processo. Os serviços do E-governo somente serão úteis se os cidadãos tomarem
conhecimento de sua existência. Não basta desenvolver uma página da web atraente.
Projetos bem sucedidos exigirão boa divulgação para encorajar os cidadãos a fazer uso
deles. O público, especialmente o não familiarizado com a tecnologia ou por falta de
entendimento do seu potencial, pode relutar em utilizar os serviços de E-governo,
desconfiar de sua eficácia ou mesmo não acreditar que serviços online possam atender
as suas necessidades. Neste caso, campanhas educativas devem ser encorajadas e a
população convidada a usar os serviços desde que, evidentemente, eles sejam concebidos
tendo em mente as características do “cliente”.
102 Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005
Destaque-se ainda, sobre a questão educação, que um corpo de funcionários bem
treinado e motivado é elemento crítico para o sucesso do E-governo. Funcionários
públicos necessitam de treinamento e liderança para integrar-se na nova estrutura de
E-governo. É necessário atentar para os sentimentos de ameaça e resistência que muitos
funcionários irão experimentar diante dos novos processos de trabalho: seja porque
temem a perda do seu posto de trabalho, dos controles que evitarão suborno e corrupção
ou mesmo perda de poder. A liderança desempenhará importante papel e criará uma
atmosfera propícia à mudança oferecendo treinamento adequado e recompensando os
que apoiarem as mudanças oferecidas pelo E-governo.
A Fundação do Desenvolvimento Administrativo (Fundap) em parceria com
a Casa Civil do governo de São Paulo desenvolveu um exitoso experimento na
área de capacitação de recursos humanos. Utilizando a tecnologia (TIC) para
realizar educação a distância, concebeu o curso Licitação e Gestão de Contratos
Terceirizados. Outro curso, este abordando temas específicos de E-governo,
estará em funcionamento a partir de junho deste ano. Oferecidos totalmente
online, envolvem um público de aproximadamente 6 mil participantes que os
acessam a partir dos seus postos de trabalho.
Considerações finaisO processo de globalização poderá provocar o paradoxo de reduzir a disparidade de
riqueza entre nações, mas, ao mesmo tempo, provocar a crescente desigualdade de
renda no interior das mesmas. Nessa perspectiva, para muitos países, refletir sobre a
questão da inclusão digital constituirá uma batalha nas frentes interna e externa. Em
ambas as frentes, o E-governo constituirá uma poderosa ferramenta para auxiliar qualquer
economia – industrializada ou em desenvolvimento – trazendo os benefícios da
emergente sociedade global da informação a amplos segmentos das suas respectivas
populações.
Os efeitos diretos do E-governo incluem a efetividade de custos do governo e das
operações públicas, com ganhos substanciais em áreas como compras, coleta de impostos
e taxas e operações alfandegárias, além de melhores e contínuos contatos com os cidadãos,
103Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005
especialmente com aqueles que habitam áreas remotas ou menos densamente habitadas.
Os efeitos indiretos não são menos importantes, e incluem maior transparência e
prestação de contas nas decisões públicas, poderosos meios de lutar contra a corrupção,
habilidade para estimular o surgimento de e-culturas locais e, sobretudo, fortalecimento
da democracia.
Essas são algumas das razões por que, após disseminar-se por meio das economizas
industrializadas, o E-governo tornou-se uma prioridade em um número cada vez maior dos
países em desenvolvimento. No plano mundial, recursos significativos estão sendo mobilizados,
tanto recursos humanos quanto energia para desenvolver, implementar e promover o uso do
E-governo. Entretanto, na medida em que tais recursos são escassos em relação ao imenso
desafio de promover o desenvolvimento econômico e social e a redução da pobreza, é essencial
que eles sejam aplicados sabiamente e com o máximo de possibilidades de sucesso.
Utilizar a experiência de outros países, aprendendo com seus êxitos e insucessos e
adaptando esse conhecimento ao contexto particular de cada país, é vital para o futuro
do E-governo em muitas regiões do mundo.
Como notamos antes, implementar governo eletrônico não é simplesmente fornecer
computadores aos funcionários, criar uma página atraente na web ou mesmo automatizar
velhos procedimentos. O uso de computadores ou a automatização de processos
complexos por si só não serão capazes de dar efetividade às ações de governo ou
promover a participação cidadã. Há caminhos inexplorados que devem ser palmilhados
com visão estratégica e planejamento. As boas práticas e exemplos internacionais e
mesmo nacionais nos exortam a olhar o problema dessa perspectiva.
104 Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005
Um futuroUm futuro para os municípios brasileiros
François E. J. de Bremaeker1
ResumoO artigo insere o município no cenário político-administrativo do País e apresenta dadosque mostram a realidade municipal brasileira, cujas diversidades dificultam a adoção deuma reforma tributária adequada às suas necessidades financeiras, para a consecuçãode um novo pacto federativo. O artigo apresenta uma alternativa viável para osMunicípios, mediante a criação de um sistema de compensação de despesas, com regrasa serem definidas pelo Conselho de Gestão Fiscal, organismo previsto na Lei deResponsabilidade Fiscal, como forma de se chegar a um efetivo pacto federativo.Palavras-chave: município, pacto federativo e reforma tributária
ResumenEl artículo incluye el municipio en el escenario político-administrativo del país y presentadatos que muestran la realidad municipal brasileña, cuyas diversidades dificultan laadopción de una reforma tributaria adecuada a sus necesidades financieras para laconsecución de un nuevo pacto federativo. El artículo presenta una alternativa viablepara los municipios, mediante la creación de un sistema de compensación de gastos,con reglas a ser definidas por el Consejo de Gestión Fiscal, organismo previsto en la Leyde Responsabilidad Fiscal, como forma de llegar a un efectivo pacto federativo.Palabras-clave: municipio, pacto federativo y reforma tributaria
AbstractThe article places the municipality in the Brazilian political-administrative scene andpresents data that illustrate the Brazilian municipal reality, whose diversity hampers theadoption of an appropriate tax reform to satisfy financial needs, for the achievement ofa new federal pact. The article presents a feasible alternative for the Municipalities, bymeans of the creation of a system for offsetting expenses, with rules to be defined bythe Fiscal Management Council, a body provided for by the Fiscal Responsibility Law, asa way to attain an effective federal pact.Keywords: municipality, federal pact and tax reform
1 Economista e Geógrafo do Centro de Estudos Interdisciplinares de Finanças Municipais do Instituto Bra-sileiro de Administração Municipal (Ibam). Coordenador Técnico do Banco de Dados Municipais do Ibam(Ibamco).
105Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005
O cenárioO endividamento do setor público no País, que assola as três esferas de Governo, tem
suas origens no passado e se descontrolou de vez no tempo em que a inflação girava em
torno dos 2.500% ao ano, ou seja, quando de fato as peças orçamentárias não passavam
de uma mera formalidade burocrática. Com o advento do Plano Real, quando finalmente
se conseguiu, após sucessivas tentativas, controlar o processo inflacionário ou pelo menos
fazer com que se convivesse com uma inflação civilizada, aí sim o Poder Público caiu
literalmente na real.
Os compromissos assumidos com o objetivo de reduzir o elevado endividamento e a
crescente demanda por parte da população quanto ao atendimento dos serviços sociais
(principalmente nas áreas de educação, saúde e assistência social) e na manutenção e
ampliação da infra-estrutura (principalmente nas áreas de saneamento básico, habitação e
transporte) estimularam os Governos a aumentar suas receitas, seja por meio do
aprimoramento das suas máquinas arrecadatórias, seja pela simples elevação da carga
tributária, aliás, o caminho mais fácil.
Neste meio tempo, a sociedade, capitaneada pelo meio empresarial, vem lutando para
que a carga tributária seja reduzida, o que implicaria a necessidade de redução dos gastos
do setor público. Imaginava-se, a princípio, que pela via das privatizações esse objetivo
seria atingido mais facilmente, porém, o que se viu é que, mesmo assim, a voracidade
tributária continua presente.
Como os recursos são limitados e o atendimento das necessidades é crescente, verifica-
se que tanto a União quanto os Estados passaram a se valer de inúmeros mecanismos
para repassar para os Municípios diversos serviços e obrigações que deveriam ser de sua
exclusiva competência. Isso vem se dando tanto pela transferência de obrigações ou pela
não-execução dos serviços (que a população acaba cobrando dos prefeitos e vereadores,
por serem os agentes políticos mais próximos dela) quanto indiretamente pelo
contingenciamento de recursos orçamentários federais e estaduais.
Com o passar dos anos têm se intensificado as dificuldades enfrentadas pelos
Municípios brasileiros, que só vêem aumentar as suas responsabilidades, sem que os
recursos financeiros necessários para tanto cresçam, pelo menos no mesmo ritmo. E
esse que era um problema enfrentado principalmente pelos municípios de pequeno e
106 Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005
médio portes demográficos no passado já se torna uma realidade bem mais aparente
hoje em dia também para os municípios de grande porte.
Não é por acaso que do elenco de reivindicações apresentadas pelos prefeitos, que
representam os reclamos do movimento municipalista, dez entre 12 dessas reivindicações
se referem, direta ou indiretamente, à necessidade de ampliação dos recursos financeiros
em favor dos municípios. As reivindicações mais ouvidas dizem respeito ao aumento na
participação das transferências constitucionais federais e estaduais e no recebimento de
uma parcela dos recursos auferidos pelo Governo Federal por meio da cobrança das
contribuições, que não são partilhadas com os demais entes da Federação.
Portanto, não se venha dizer que isso está acontecendo por causa da Lei Complementar
nº 101/2000, a Lei de Responsabilidade Fiscal, que estaria impondo uma série de restrições
fiscais aos Municípios, em razão da vedação à realização de despesas acima do montante
das receitas, que, além de ser preceituado pela LRF, já consta de uma série de instrumentos
legais, como a Lei nº 4.320/1964. Esse é um preceito de bom senso, ou seja, de bom juízo.
A solução para o equacionamento dos problemas enfrentados pelos Municípios estaria,
segundo muitos, na implementação de um novo pacto federativo, que definisse as
responsabilidades de cada esfera de Governo e que lhes garantisse os recursos financeiros
imprescindíveis para o atendimento das necessidades de cada ente federado, o que se
daria pela via de uma ampla reforma tributária.
A realidade municipal brasileiraSabemos que a realidade dos Municípios brasileiros não permite generalizações, dadas
as enormes diferenças encontradas entre eles, seja em relação ao porte demográfico,
ao grau de urbanização, à vocação econômica, às condições sociais da sua população,
ao grau de participação da população na sua interação com a Administração local, à
estrutura administrativa da Prefeitura, aos condicionantes políticos locais e externos, às
características e percepções dos prefeitos e dos vereadores, à localização geográfica e
à dimensão territorial do Município, ou ainda em relação a uma série de outros atributos.
Enfim, como já dizia há décadas Diogo Lordello de Mello, imaginar que os Municípios
são todos iguais e que reagem da mesma forma a todos os estímulos externos seria
pecar pela “síndrome da simetria”.
107Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005
Segundo dados da Secretaria do Tesouro Nacional para o ano de 2003, obtidos pela
Portaria MF/STN nº 307/2004, que efetua a consolidação das contas públicas e dos
dados contábeis dos Municípios, disponibilizados pela internet, os recursos correntes
ajustados, disponíveis para as esferas de Governo, mostram que a União concentra
53,7% dos recursos correntes, os Estados detém 28,3% e os Municípios ficam com
18,0%. Se às receitas correntes forem adicionadas as receitas de capital, então as relações
se alteram significativamente: 72,9% dos recursos concentrados na União, 16,6% com
os Estados e 10,5% com os Municípios.
Do montante de R$ 132,2 bilhões, referentes à receita orçamentária total do conjunto de
Municípios brasileiros, realizada em 2003, apenas 17,0% são constituídos pelas receitas
tributárias, contra 66,7% oriundos de transferências constitucionais e 16,3% de outras receitas.
Entretanto, a distribuição dos recursos entre os Municípios é bastante desigual em
relação aos grupos de habitantes, quando fica patente a influência do variável grau de
urbanização nas receitas tributárias municipais.
TABELA 1PARTICIPAÇÃO RELATIVA DAS RECEITAS MUNICIPAIS
SEGUNDO OS GRUPOS DE HABITANTES NO ANO DE 2003 (*)
Fonte: Ministério da Fazenda. Secretaria do Tesouro Nacional – 2003.Tabulações especiais: Ibam – Banco de Dados Municipais (Ibamco).
(*) Dados expandidos a partir de uma amostra de 4.736 Municípios para um total de 5.559 Municípios. Não são considerados os dados referentes ao Distrito Federal.
108 Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005
A concentração da receita tributária nos Municípios de maior porte demográfico
se deve a um fato: os impostos Municipais mais significativos, que são o Imposto
sobre Serviços (ISS) e o Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), têm sua base
de incidência no meio urbano. Isso significa dizer que, para a maior parte dos
Municípios brasileiros, que, além de ser de porte demográfico pequeno, tem sua
vida econômica voltada para as atividades rurais, não tem muito o que arrecadar ou
de quem arrecadar.
Esse é um dos motivos que fazem com que 81% dos Municípios brasileiros tenham
no Fundo de Participação dos Municípios (FPM) uma transferência constitucional
do Governo Federal, sua principal fonte de receita. E em 28% dos Municípios o
FPM representa mais da metade dos recursos de que dispõe o Município.
Esse quadro de dependência financeira das transferências constitucionais é
apontado por muitos como um argumento para apontar a fragilidade dos Municípios
e até mesmo colocar em dúvida a sua viabilidade como ente governamental
autônomo. Entretanto, esses críticos se esquecem de que o Município não é nada
mais do que um grande espelho da realidade sócio-econômica do País, traduzida
pela péssima distribuição de renda da população.
A distribuição da renda das pessoas pelos Municípios mostra que os 562 Municípios
(aí computado Brasília) com população superior a 50 mil habitantes, que representam
10,1% do total de Municípios do Brasil, concentram nada menos que 79,7% de
toda a renda das pessoas. No outro extremo, que são os 2.671 Municípios com
população abaixo de 10 mil habitantes, e que representam 48,0% do total de
Municípios, são encontrados tão-somente 4,3% da renda das pessoas.
Isso representa dizer que, para termos Municípios financeiramente fortes, antes
é necessário que a população apresente melhores condições de vida e possa fazer
valer sua condição de verdadeiros cidadãos contribuintes dos fiscos. Como pode
ser observado, esses dados de distribuição de renda se casam perfeitamente com a
distribuição da receita tributária dos Municípios.
109Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005
A viabilidade de uma reforma tributária para os MunicípiosUma série de simulações efetuada pelo Banco de Dados Municipais (Ibam), tomando por
base diferentes cenários e alternativas tributárias, mostrou que qualquer que venha a ser o
desenho de uma reforma tributária, ampla ou restrita, não produzirá nenhuma mudança na
atual situação financeira dos Municípios brasileiros.
A utilização dos dados que serviram para compor o Índice de Desenvolvimento Humano
Municipal (IDH-M) em 2000, referentes à renda da população, mostra que 55,8% dela se
concentram na região Sudeste, vindo em seguida a região Sul com 17,0% e posteriormente
a região Nordeste com 14,7%. Não é por outro motivo que 84,9% dos Municípios que
apresentam os 30% piores IDH-M se encontram na região Nordeste do País, enquanto que
91,2% daqueles que apresentam os 30% melhores IDH-M estão nas regiões Sudeste e Sul.
Esses dados mostram que as desigualdades encontradas entre os Municípios têm a
ver não apenas com a sua distribuição regional, mas também com a distribuição em
relação ao porte demográfico dos Municípios, segundo combinações que apresentam
variações bastante significativas, que se refletem na distribuição do IDH-M em relação
ao porte demográfico dos Municípios.
Em razão do pequeno porte demográfico combinado à elevada receita per capita
oriunda do FPM, os Municípios com população inferior a dois mil habitantes apresentam
um IDH-M médio de 0,733, enquanto que os Municípios com população entre dois mil
e cinco mil habitantes, 0,704, ou seja, índices superiores aos Municípios com população
entre 5 mil e 10 mil habitantes (IDH-M = 0,680), àqueles com população entre 10 mil
e 20 mil habitantes (IDH-M = 0,688) e até mesmo em relação àqueles com população
entre 20 mil e 50 mil habitantes (IDH-M = 0,697).
Essas colocações servem de embasamento para mostrar que, qualquer que seja o
tributo que venha a ser atribuído aos Municípios, seja ele o Imposto sobre a Circulação
de Mercadorias (ICMS), o Imposto de Renda (IR), o Imposto sobre a Propriedade de
Veículos Automotores (IPVA) ou o próprio talvez futuro Imposto sobre Valor Agregado
(IVA), sem falar nas diversas modalidades de contribuições arrecadadas pelo Governo
Federal, ou até mesmo se fosse levado em consideração o conjunto desses tributos, na
maioria dos Municípios brasileiros, não se conseguiria arrecadar o suficiente para suprir
os recursos a eles transferidos pelo FPM.
110 Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005
Chamamos a atenção para o papel desempenhado pela transferência do FPM, porque
na mais recente proposta de reforma tributária, está posto que com a instituição do
IVA, a partir de 2007, o FPM seria extinto, valendo-se os Municípios exclusivamente das
transferências do IVA para substituir as transferências do FPM e do ICMS. Essa nova
modalidade é anunciada no Jornal do Senado de 19 de dezembro de 2003 (p. 5).
Isso não funcionaria porque, vale a pena repetir, falta à população desses Municípios
capacidade contributiva por parte da sua população, em razão da péssima distribuição
da sua renda, por um lado, e da sua escala por outro lado. E mais, segundo as simulações
efetuadas pelo Ibam, apenas em um Estado das regiões Norte e Nordeste se conseguiria
arrecadar por meio do IVA os recursos necessários para suprir a perda do ICMS, do
Fundo de Participação dos Estados (FPE) e ainda compensar os seus Municípios pela
perda do FPM: seria o Estado do Amazonas, graças à Zona Franca de Manaus, que
representa uma excepcionalidade.
Quanto à implementação de uma reforma tributária que direcionasse a tributação da
renda pelo Governo Federal, a tributação do consumo pelos Estados e a tributação da
propriedade pelos Municípios, muito pouco se alteraria o resultado final, que ainda assim
seria desfavorável aos Municípios, vez que o que eles perderiam com a arrecadação do
ISS não seria compensado pela tributação por meio do Imposto sobre a Transmissão
Causa-Mortis e Doação (ITCD), os 50% do IPVA e os 50% do Imposto Territorial Rural.
O pacto federativo é factível?É imprescindível dizer que as tarefas de redesenhar um novo pacto federativo e
elaborar uma reforma tributária ampla deveriam ser conduzidas em paralelo.
Efetivamente o que se tem assistido são posicionamentos que reproduzem belos
discursos, que na prática não levam a resultado algum. Em primeiro lugar, pelo fato
de que o processo de reforma tributária se encontra em discussão no Congresso
Nacional desde 1995 e sempre esteve divorciado da discussão do pacto federativo.
Em segundo lugar, se fosse fácil conciliar os conflitos existentes entre os diferentes
entes da Federação (União, Estados e Municípios) e também aqueles existentes entre
os 26 Estados e o Distrito Federal e entre os 5.562 Municípios, tudo já estaria
equacionado há muito tempo e não estaríamos aguardando até hoje a regulamentação
111Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005
do parágrafo único do artigo 23 da Constituição de 1988, que seria a concretização
desse pacto federativo.
O único fato digno de registro é que apenas a federação brasileira deu ao Município
um status constitucional, muito embora, segundo diversos juristas, a ampliação da
autonomia municipal, inclusive com a possibilidade de que esses venham a se auto-
organizar por meio da edição das Leis Orgânicas Municipais, não seja o suficiente para
incorporar o Município na federação, isso porque seriam necessários dois pressupostos
básicos para que existisse efetiva autonomia e para que os Municípios fizessem parte do
Poder Central, o que em verdade não acontece: autonomia e participação. Segundo
esses especialistas, o Município tem assumido novas responsabilidades simplesmente
na posição de ente colaborador e solidário da federação.
Na prática, o repasse de encargos para os Municípios é um problema já bem antigo e
vem se agravando ano após ano. Os serviços e ações que são de exclusiva competência
do Governo Federal e dos Estados desempenhados pelos Municípios custam anualmente,
em valores de 2003, pelo menos R$ 5,890 bilhões, ou seja, um valor muito superior ao
déficit orçamentário apresentado pelo conjunto dos Municípios nesse mesmo ano (R$
1,1 bilhão), conforme cálculos elaborados pelo Ibam para o universo de Municípios, a
partir dos dados divulgados pela Secretaria do Tesouro Nacional.
Se esses valores gastos pelos Municípios fossem expandidos para o período de
vigência da atual Constituição, teríamos que nos 16 anos decorridos entre 1989 e
2004 o resultado alcançaria um valor não inferior a R$ 94,24 bilhões, em valores de
2003, uma soma muito maior do que aquela que corresponde à dívida fundada e
flutuante dos Municípios.
E novamente vamos encontrar uma série de disfunções nesses números, que
resultam de um processo extremamente perverso para com os Municípios: quanto
menor o porte demográfico do Município, mais ele despende recursos com a
manutenção desses serviços!
Enquanto em média os Municípios brasileiros destinam 4,46% de sua receita total
para o custeio desses serviços, os Municípios com população inferior a 10 mil habitantes
chegam a comprometer nada menos que 10,85% do seu orçamento, relação que vai
se reduzindo à medida que cresce o porte demográfico dos Municípios.
112 Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005
TABELA 2
GASTOS EFETUADOS PELOS GOVERNOS MUNICIPAIS COM SERVIÇOS DE COMPETÊNCIA EXCLUSIVA DA UNIÃO E DOS ESTADOS,
SEGUNDO OS GRUPOS DE HABITANTES (*)BRASIL - 2003
Fontes: Ministério da Fazenda, Secretaria do Tesouro Nacional – 2003.Ibam – Banco de Dados Municipais (Ibamco) – levantamento dos gastos municipais.
É fácil verificar que não apenas as desigualdades existentes entre os Municípios, mas
também os tipos de relacionamentos existentes entre as diferentes esferas de Governo
também se manifestam de maneiras bastante diferentes segundo o porte demográfico
dos Municípios, no qual os de menor população se vêem em nítida desvantagem diante
daqueles de maior população.
Isso tudo acontece porque as necessidades por parte dos pequenos, dos médios e dos
grandes Municípios são bastante diferentes, o que dificulta em muito o estabelecimento
de uma “regra única”, vez que os Municípios não são simétricos entre si.
A alternativa viável para os MunicípiosSe as desigualdades existentes entre os Municípios não encontram uma solução pela
via tributária e o equacionamento de um novo modelo de pacto federativo esbarra em
inúmeras dificuldades, a única alternativa plausível seria a adoção de um sistema de
compensação financeira, o que não apenas seria politicamente mais justo, como também
resolveria toda série de problemas fiscais dos Municípios.
(*) Dados expandidos a partir de uma amostra de 4.736 Municípios para um universo de 5.559 Municípios Observação: não foram levados em consideração os dados de Brasília (DF).
113Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005
Neste sentido, o Ibam sugeriu a elaboração de uma Proposta de Lei Complementar,
apresentada pelo senador Roberto Saturnino (PLC/SF nº 112/2001), que incluía novo
dispositivo na Lei de Responsabilidade Fiscal, cujo teor é transcrito a seguir:
Art. 1º Inclua-se novo artigo no Capítulo X da Lei Complementar nº 101, de 04 deMaio de 2000, com a seguinte redação:
Art. Para fins de apuração do cumprimento dos limites de gastos e endividamentoprevistos nesta lei complementar, não serão consideradas as despesas realizadas pelosMunicípios com ações de competência de outro ente da Federação, desde queautorizada a dedução pelo Conselho de Gestão Fiscal.Art. 2º Esta lei complementar entra em vigor na data de sua publicação.
O projeto de Lei Complementar teve uma rápida tramitação na Comissão de Assuntos
Econômicos (CAE) do Senado Federal, tendo sido rejeitado pelos seus membros.
Vê-se pelo teor da propositura que o procedimento da compensação financeira não
se daria ao sabor da vontade dos Municípios, mas obedeceria a critérios técnicos
estabelecidos pelo Conselho de Gestão Fiscal, previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal,
cuja instalação continua apenas no papel.
Vale a pena lembrar que a recente criação de uma nova organização de âmbito
mundial unificada de governos locais – “Cidades e Governos Locais” – reunindo
prefeitos, líderes e representantes das cidades e governos locais do mundo, ao serviço
da população das comunidades rurais e urbanas, pequenas, médias e grandes cidades,
metrópoles e regiões, objetiva cumprir a missão de realizar o “ futuro do
desenvolvimento” por meio dessa união.
A Declaração do Congresso Fundador “Cidades e Governos Locais: o futuro do
desenvolvimento” apresenta como considerações:
• que os desafios globais num mundo em rápida transformação são sentidos, em primeiro
lugar, em nível local e precisam ser enfrentados nesse nível pela esfera de governo mais
próxima do cidadão;
• que são valores fundamentais a democracia, a autonomia, a descentralização e a
governabilidade urbana, como indicado na Carta Mundial da Autonomia Local;
• que os Governos locais têm a desempenhar um papel essencial na promoção do
desenvolvimento, bem como para a realização dos “Objetivos do Desenvolvimento
para o Milênio”, subscrito pelos países membros da Organização das Nações Unidas,
114 Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005
que fazem parte dos deveres quotidianos dos Governos locais na prestação de serviços
às cidades e às comunidades;
• que é necessário apoiar o desenvolvimento de uma autonomia local forte, efetiva e
democrática;
• que devem tratar dos problemas, das responsabilidades e dos desafios das cidades e
das comunidades, em particular o desenvolvimento sustentável e a inclusão social, a
descentralização e a democracia local.
Para que sejam alcançados esses objetivos, são propostas pela Declaração do
Congresso Fundador “Cidades e Governos Locais: o futuro do desenvolvimento”, o
atendimento a três propósitos:
1. desenvolvimento local sustentável num mundo em vias de globalização;
2. descentralização e democracia local;
3. cooperação e diplomacia.
Entre os meios de se realizar os objetivos propostos, destacam-se aqueles que
propõem:
• que um dos fundamentos da descentralização é a adoção de uma política adequada
de transferência dos recursos financeiros entre os diferentes níveis de administração;
• que as autoridades locais precisam de meios financeiros adequados para poder assumir
seus compromissos, desenvolver seus serviços, dispor de recursos humanos qualificados
para atender às necessidades dos cidadãos;
• que é necessário que os Governos locais sejam diretamente responsáveis pelas decisões
relacionadas com seus recursos;
• que os Governos locais têm a necessidade de atuar com o conjunto dos atores para
atingir seus objetivos, destacando-se que a parceria entre o setor público e o privado e
a sociedade civil pode ser decisiva para melhorar os serviços e tornar mais eficiente a
administração dos recursos públicos;
• que diante da complexidade crescente dos serviços solicitados pela população e do
conflito de interesses que excedem, por vezes, as competências dos Governos locais,
estes devem velar pela proteção dos interesses de sua cidadania;
• que num mundo globalizado as decisões públicas são cada vez mais complexas e suas
conseqüências têm maior impacto;
115Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005
• que ampliar a participação é uma exigência cidadã e um meio de recuperar a legitimidade
necessária e reforçar os laços sociais;
• que o desenvolvimento de novas formas de participação nas diferentes regiões do mundo
(conselho de bairros e orçamento participativo) são manifestações desse fenômeno.
Verifica-se que o novo quadro institucional mundial propugna que os Municípios são a
via natural para acelerar o desenvolvimento sustentável, isso porque são aqueles que
melhor conhecem a realidade local.
Para que os Municípios possam desempenhar com maior liberdade sua missão, é
necessário que lhes sejam destinados mais recursos, para que esses sejam aplicados da
melhor forma e para que sejam obtidos os melhores resultados, que poderão ser avaliados
por meio de indicadores de desempenho e que não deixarão de estar submetidos à
fiscalização da sociedade pelos diversos mecanismos já existentes.
O reconhecimento da diversidade da realidade municipal brasileira e a vontade política
de acelerar o desenvolvimento com a efetiva participação dos Municípios passam
necessariamente pela construção de uma nova ordem institucional baseada na confiança.
Para tanto faz-se necessário dar maior liberdade aos Municípios na aplicação dos seus
recursos, o que não quer dizer que não estarão submetidos a rígidos controles por parte
das entidades que têm essa responsabilidade.
A adoção de um critério justoUma questão fundamental surge no momento: até quando as relações federativas dar-
se-ão sob o regime da adoção de “dois pesos e duas medidas” ou de um sistema de “mão-
única”, dependendo da situação?
No primeiro caso, o exemplo seria retirado da filosofia que rege a adoção do Fundo de
Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério
(Fundef), que direciona os recursos para o ente federado que efetivamente mantém alunos
matriculados na rede de ensino fundamental. Estudos realizados pelo Ibam comprovaram
que em 2002, ao se efetuar um balanço final da influência do Fundef nas finanças municipais,
verificava-se que 39,3% dos Municípios brasileiros (um total de 2.185 unidades) perderam
recursos no balanço entre os créditos e as deduções do referido fundo. As perdas ocorriam
principalmente nos Municípios de menor porte demográfico, em razão das deduções
116 Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005
sobre o FPM e pelo fato de apresentarem no conjunto um relativo pequeno número de
alunos, mesmo que estivessem mantendo 100% dos alunos no território do Município.
Se esse critério é considerado justo do ponto de vista macro, pois se está priorizando
a mais perfeita distribuição dos recursos para que sejam alocados onde realmente se
efetuam as despesas do ensino fundamental, por que o mesmo critério não pode ser
adotado nas relações federativas entre os diversos entes, fazendo-se com que os recursos
sejam alocados em favor do ente que realmente efetua a despesa com a prestação do
serviço?
No segundo caso, temos o exemplo da adoção de uma política tributária por parte do
Governo Federal, em meados de 2004, quando foram aplicados dois pacotes tributários,
com o objetivo de incentivar alguns setores da economia e gravar mais outros setores,
em que no primeiro deles eram retirados da sociedade R$ 10,05 bilhões, sendo R$ 9,65
bilhões por meio da elevação de contribuições federais (Cofins e CSLL) e R$ 0,4 bilhão à
conta do IPI; enquanto que os estímulos que montavam R$ 4,95 bilhões eram concedidos
exclusivamente com o Imposto de Renda e o IPI, que são recursos partilhados com os
Estados e os Municípios.
ConclusãoNão é difícil verificar que está bem longe a possibilidade de um novo pacto federativo
que atenda aos interesses dos Municípios, vez que as relações federativas existentes
continuam a pender em favor dos entes federados mais fortes.
As relações federativas somente começarão a prosperar no dia em que as esferas
superiores começarem a abrir mão de uma parte do poder, o que significa dizer, em
termos concretos, melhor distribuir os recursos financeiros de acordo com as reais
necessidades dos diversos entes da Federação.
O que se vê na prática é uma eterna desconfiança de um ente em relação ao
outro, motivo pelo qual praticamente tudo aquilo que diz respeito às relações entre
os diferentes entes da Federação deve estar inscrito na Constituição, nos seus
mínimos detalhes. E mesmo assim não se tem garantido o seu real cumprimento,
pois inúmeros são os mecanismos utilizados para distorcer essas relações em favor
dos entes mais fortes.
117Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005
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119Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005
120 Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005
A contabilizaçãoA contabilização do leasing face ao“princípio da prevalência da essência sobre a forma”
Anisio Candido Pereira1
Thaís do Lago2
ResumoAlgumas regras tributárias distorcem a percepção do resultado mais provável das atividadeseconômicas. Isso conduz a uma má compreensão dos efeitos das mudanças sobre o patrimônio,tanto quantitativa quanto qualitativa, já que a informação fornecida revela uma realidadeeconômica equivocada, não baseada em valores verdadeiros e justos. O objetivo do presenteestudo é propor um conhecimento interdisciplinar, de amplitude contábil e jurídica, tendocomo referência o contrato de arrendamento mercantil (financeiro e operacional), cujosaspectos jurídicos, materiais e formais, ainda não estão completa ou suficientementeesclarecidos. A metodologia aplicada foi a pesquisa teórica, envolvendo a literatura e a legislaçãopertinente, focando a análise da Resolução 2.309/96 do Banco Central do Brasil, Resolução921 do Conselho Federal de Contabilidade e Lei Complementar 116/03. Portanto, o presenteestudo contribui para integrar a abordagem das ciências mencionadas.Palavras-chave: tributo, arrendamento mercantil financeiro e operacional
ResumenAlgunas reglas tributarias retuercen la percepción del resultado más probable de las actividadeseconómicas. Eso lleva a una equivocación de los efectos de cambios sobre la propiedad, tantocuantitativa cuanto cualitativa, desde que la información suministrada revela una realidadeconómica equivocada, no basada en valores verdaderos y justos. El objetivo del presenteestudio es proponer un conocimiento interdisciplinar, de amplitud contable y legal, teniendocomo referencia el contrato de arrendamiento mercantil (financiero y operacional), cuyosaspectos legales, materiales y formales, todavía no están completos o suficientementeesclarecidos. La metodología aplicada fue la investigación teórica, envolviendo la literatura y lalegislación pertinente, enfocando el análisis en Resolución 2.309/96 del Banco Central de Brasil,Resolución 921 del Consejo Federal de Contabilidad y la Ley Complementar 116/03. Portanto, el presente estudio contribuye para unir el enfoque de las ciencias mencionadas.Palabras-clave: tasa, arrendamiento mercantil financiero y operacional
1 Professor do Mestrado em Controladoria e Contabilidade Estratégica do Centro Universitário ÁlvaresPenteado (Unifecap).2 Mestranda do Curso de Controladoria e Contabilidade Estratégica do Centro Universitário ÁlvaresPenteado (Unifecap).
121Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005
AbstractSome taxation rules distort the perception of the most probable result of economicactivity. This leads to a misunderstanding of the effects of the changes on net worth,both quantitative as well as qualitative, since the information furnished reveals a mistakeneconomic reality, not based on true, fair amounts. The objective of this study is topropose an interdisciplinary consciousness, with accounting and legal scope, having asits reference point leasing contracts (financial and operational), whose legal, materialand formal aspects are still not completely or sufficiently clarified. The methodologyapplied was that of theoretical research, involving the pertinent literature and legislation,focusing on the analysis of Central Bank of Brazil Resolution 2,309/96, Federal AccountingCouncil Resolution 921 and Supplementary Law 116/03. In this way, this study contributesto integrating the approach of the sciences mentioned.Keywords: tax, financial and operational leasing
IntroduçãoUm dos fatores necessários para a consecução do objetivo da Contabilidade de
fornecer informação de qualidade é o registro dos lançamentos contábeis segundo a
prevalência da essência econômica sobre a forma. O fornecimento de informação
econômica para a tomada de decisão suscita abordagens distintas. Ora se privilegia uma
abordagem geral, ora uma abordagem específica, para cada tipo de usuário.
O grau de importância e o nível de detalhamento das informações aumentam
conforme a necessidade e a sofisticação do usuário e dependem do padrão considerado
mais desejável. Nos Estados Unidos, como os investidores e credores compõem o
grupo dos destinatários principais das informações financeiras, define-se a divulgação
como sendo a “apresentação de informação necessária para o funcionamento ótimo de
mercados eficientes de capitais”. Já na Europa, segundo o autor, a importância dos
investidores e credores é diminuída em favor de uma divulgação mais ampla e menos
específica e que abrange funcionários, clientes órgão do governo e o público em geral
(HENDRIKSEN, 1999, p. 511).
O escopo deste artigo é analisar a interferência da legislação tributária na
evidenciação das transações e a importância da informação econômica de qualidade
para os seus usuários, a fim de demonstrar que a forma como uma empresa
aproveita as vantagens fiscais têm reflexos sobre a qualidade da informação, tendo
122 Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005
o contrato de leasing como exemplo da distorção causada por regras que visam a
interesses de um único usuário, no caso o Governo Federal.
Com isso, espera-se proporcionar um conhecimento dinâmico, de amplitude contábil
e jurídica, de modo que confira instrumental para os profissionais que atuam nessas
áreas opinarem acerca da necessidade de tais ciências estarem em harmonia, oferecendo
condições para uma tomada de decisão de investimento melhor fundamentada.
A classificação do leasing pelo Bacen e pelo CFCFoi o Conselho Monetário Nacional, por meio da Resolução nº 2.309, do Banco
Central do Brasil (Bacen), de 28 de agosto de 1996, que, exercendo a delegação conferida
pela supracitada lei, elaborou regulamento conceituando as peculiaridades inerentes ao
leasing operacional e ao leasing financeiro, disciplinando essas duas modalidades de
arrendamento mercantil, autorizando a prática de operações de arrendamento mercantil
com pessoas físicas em geral, consolidando, enfim, as normas a esse respeito.
Nos termos do Art. 1º do regulamento anexo à Resolução nº 2.309/96, as operações
de arrendamento mercantil, seja financeiro, seja operacional, com o tratamento tributário
previsto na Lei nº 6.099/74, alterada pela Lei nº 7.132/83, somente podem ser realizadas
pelas seguintes pessoas jurídicas:
a) que tenham como objeto principal de sua atividade a prática de operações de
arrendamento mercantil (denominadas sociedades de arrendamento mercantil);
b) bancos múltiplos com carteira de arrendamento mercantil;
c) instituições financeiras que, nos termos do Art. 13, estejam autorizadas a contratar
operações de arrendamento com o próprio vendedor do bem ou com pessoas jurídicas
a ele coligadas ou interdependentes.
Considera-se arrendamento mercantil financeiro a modalidade em que:
I - as contraprestações e demais pagamentos previstos no contrato, devidos pelaarrendatária, sejam normalmente suficientes para que a arrendadora recupere o custodo bem arrendado durante o prazo contratual da operação e, adicionalmente, obtenhaum retorno sobre os recursos investidos;II - as despesas de manutenção, assistência técnica e serviços correlatos aoperacionalidade do bem arrendado sejam de responsabilidade da arrendatária;III - o preço para o exercício da opção de compra seja livremente pactuado, podendoser, inclusive, o valor de mercado do bem arrendado (Art. 5º da Resolução nº 2.309/96do BACEN, grifo nosso).
123Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005
Considera-se arrendamento mercantil operacional a modalidade em que:
I - as contraprestações a serem pagas pela arrendatária contemplem o custo dearrendamento do bem e os serviços inerentes a sua colocação a disposição daarrendatária, não podendo o valor presente dos pagamentos ultrapassar 90% (noventapor cento) do custo do bem;II - o prazo contratual seja inferior a 75% (setenta e cinco por cento) do prazo de vidaútil econômica do bem;III - o preço para o exercício da opção de compra seja o valor de mercado do bemarrendado;IV - não haja previsão de pagamento de valor residual garantido (Art. 6º da Resoluçãonº 2.309/96 do BACEN, grifo nosso).
As operações de leasing operacional, entretanto, são privativas dos bancos múltiplos
com carteira de arrendamento mercantil e das sociedades de arrendamento mercantil.
É de se notar que o regulamento prevê que para a modalidade de leasing operacional
a manutenção, a assistência técnica e os serviços correlatos à operacionalidade do bem
arrendado podem ser de responsabilidade da arrendadora ou da arrendatária.
Ressalte-se que a operação de arrendamento mercantil será considerada como de
compra e venda a prazo, se a opção de compra for exercida antes de decorrido o
seguinte prazo mínimo (Art. 8º, c/c Art. 10 da Resolução nº 2.309/96 do Bacen):
I - para o arrendamento mercantil financeiro:a) 2 (dois) anos, compreendidos entre a data de entrega dos bens a arrendatária,consubstanciada em termo de aceitação e recebimento dos bens, e a data de vencimentoda última contraprestação, quando se tratar de arrendamento de bens com vida útiligual ou inferior a 5 (cinco) anos;b) 3 (três) anos, observada a definição do prazo constante da alínea anterior, para oarrendamento de outros bens;II - para o arrendamento mercantil operacional, 90 (noventa) dias.
No mais, as operações que se realizarem em desacordo com as disposições desse
Regulamento não se caracterizam como de arrendamento mercantil (Art. 33 da
Resolução nº 2.309/96 do Bacen).
Em 13 de dezembro de 2001, o Conselho Federal de Contabilidade (CFC) anunciou,
via Resolução nº 921, os aspectos contábeis específicos do arrendamento mercantil
classificando-o como financeiro quando, necessariamente, além de cumprir a previsão
do inciso I do Art. 5º da Resolução nº 2.309/96 do Bacen:
a) o valor residual, que é a parcela do principal não incluída nas contraprestações aserem pagas pela arrendatária e serve de base para a opção de compra do bemarrendado, é significativamente inferior ao valor de mercado do bem na data da opção;
124 Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005
b) o bem objeto de arrendamento é de tal maneira específico que somente aquelearrendatário pode utilizá-lo em sua atividade econômica.
Por exceção, o arrendamento operacional foi classificado pelo CFC como a modalidade
que não se enquadra em ao menos uma das condições estabelecidas acima. Essa
resolução também estabeleceu a avaliação dos componentes patrimoniais. No caso do
arrendamento financeiro, sob o ponto de vista da arrendatária, dispôs que:
10.2.2.1.1 - O valor do bem arrendado integra o imobilizado no ativo permanente,devendo ser identificado como sendo objeto de arrendamento financeiro, emcontrapartida ao valor total das contraprestações e do valor residual que deve serregistrado no passivo circulante ou no exigível a longo prazo.10.2.2.1.2 - A depreciação desse bem deve ser consistente com a depreciação aplicávela outros ativos de natureza igual ou semelhante.(grifos nossos).
Por outro lado, para a arrendadora tem-se que:
10.2.2.2.1 - O valor total das contraprestações e do valor residual, parcelado ou não,decorrentes de contrato de arrendamento financeiro, deve ser registrado comoarrendamentos a receber e classificado no ativo circulante ou no realizável a longoprazo.
No que concerne às operações de arrendamento operacional, sob o ponto de vista
da arrendatária, temos que:
10.2.2.3.1 - As operações de arrendamento operacional, por serem modalidade emque o bem arrendado proporciona util ização dos serviços sem que hajacomprometimento futuro de opção de compra, caracterizando-se, essencialmente,como uma operação de aluguel, não devem integrar as contas do balanço patrimonial.10.2.2.3.2 - As obrigações decorrentes do contrato de arrendamento operacional nãodevem integrar as contas do passivo circulante ou exigível a longo prazo, exceto pelaparcela devida no mês.
Sob o ponto de vista da arrendadora, prescreveu que:
10.2.2.4.1 - Os bens objeto de arrendamento operacional devem ser registrados emconta específica do ativo imobilizado.10.2.2.4.2 - As despesas com depreciações devem ser apropriadas mensalmente noresultado, em contrapartida à conta específica de depreciação acumulada do ativoimobilizado.10.2.2.4.3 - Os contratos de arrendamento operacional não devem ser objeto deinclusão nas contas patrimoniais, devendo ser controlados em contas de compensação.(grifos nossos).
125Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005
O problema da conceituação genérica do arrendamento mercantilpela legislação tributária
A controvérsia surge porque a legislação tributária não distinguiu as modalidades de
leasing. É importante adiantar que os elementos característicos das duas modalidades
de arrendamento (financeiro ou operacional) são de suma importância, pois, por meio
deles torna-se mais clara a qualificação jurídica desta espécie contratual.
Vejamos qual é a qualificação jurídica dada ao contrato de leasing para fins de tributação:
Considera-se arrendamento mercantil, para os efeitos desta Lei, o negócio jurídicorealizado entre pessoa jurídica, na qualidade de arrendadora, e pessoa física ou jurídica,na qualidade de arrendatária, e que tenha por objeto o arrendamento de bens adquiridospela arrendadora, segundo especificações da arrendatária e para uso próprio desta(parágrafo único, Art. 1º da Lei nº 6.099, de 12 de setembro de 1974, alterada pela Leinº 7.132, de 26 de outubro de 1983).
Nesse sentido, o arrendamento mercantil consiste na concessão pelo arrendador do
uso prolongado, porém determinado, de bem ao arrendatário, mediante o pagamento de
prestações periódicas mais substanciais que um mero aluguel, na medida em que se
vislumbra que o arrendatário optará por adquirir o bem, o que se dará com o pagamento
do valor residual. Neste caso, isto é, vez que o arrendatário opte pela aquisição do bem,
direito que lhe é inegável, as prestações transformar-se-ão em paga pelo bem.
Sendo assim, se o contrato de arrendamento é um misto de propriedade e uso, isto é,
possibilita a retenção da propriedade do bem por uma das partes, enquanto permite à
outra seu usufruto, e se tais peculiaridades o tornam único, tem-se que esse negócio não
pode ser confundido com uma compra e venda financiada ou com uma locação de bem,
ainda se pareçam do ponto de vista contábil.
Ressalte-se que a Lei nº 6.099/74, no Art. 11, garantiu que seriam deduzidas, seja como
custo, seja como despesa operacional (e, portanto dedutível do lucro tributável pelo
Imposto de Renda), da pessoa jurídica arrendatária as contraprestações pagas ou creditadas
por força do contrato de arrendamento mercantil, diferenciando o contrato de leasing da
operação de compra e venda a prazo.
No Art. 12, permitiu-se a dedução como custos das pessoas jurídicas arrendadoras ascotas de depreciação do preço de aquisição de bem arrendado, calculadas de acordocom a vida útil do bem.
126 Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005
Ocorre que, apesar de disciplinar o tratamento tributário das operações dearrendamento mercantil, ao não fazê-lo de acordo com as diferentes modalidades,distorceu a contabilização dessas transações.
Controvérsias acerca da incidência do ISS e do ICMS sobre o leasingDeve-se observar que inexiste operação relativa à circulação de mercadoria,
juridicamente falando, no arrendamento mercantil, conforme Machado (2004, p. 79):
No contrato de arrendamento mercantil, como aludido anteriormente, não hátransferência do domínio da coisa, o que se apresenta como pressuposto essencialpara incidência de ICMS. Como é assente na doutrina, um dos critérios materiais a serverificado em concreto para a exigência de ICMS é a circulação, não meramente física,da mercadoria o que se verifica na transferência de propriedade da mesma.No caso de leasing não há venda de mercadoria. Repise-se: há um contrato no qual oarrendatário indica ao arrendante um bem de seu interesse; este paga o preço e adquiretal bem da indústria fornecedora, para então conceder por longo prazo, o direito deuso de tal bem ao arrendatário, que deverá pagar uma determinada quantia a título dealuguel, caracteriza-se, ainda, por ter o arrendatário a opção de compra de tal bemmediante pagamento do preço residual (grifos nossos).
Certo que não há circulação de mercadoria, não há que se falar em incidência do
ICMS. Vide que o Art. 3º, inc. VIII da Lei Complementar nº 87, de 13 de setembro de
1996 (Lei Kandir), expressamente dispõe que o imposto não incide sobre operações de
arrendamento mercantil (não compreendida a venda do bem arrendado ao arrendatário).
Outrossim, a tese que está em pauta, fundamentada no Recurso Extraordinário nº
116.121-3/SP, é a de que sobre o arrendamento mercantil de bem móvel não incide
nem ICMS e nem ISS, uma vez que configurada a preponderância de uma obrigação de
dar, que não pode ser encarada como serviço pelo legislador tributário, sob pena de
alterar a definição desta atividade.
Vale noticiar que o Supremo Tribunal Federal, em acórdão publicado em 25 de maio
de 2001 (Recurso Extraordinário nº 116.121-3/SP), já declarou incidentalmente a
inconstitucionalidade do ISS sobre a locação de bens móveis, atividade que configura
obrigação de dar, enquanto a prestação de serviços, necessariamente, compreende
obrigação de fazer. Resta saber se esse entendimento será mantido com o advento da
Lei Complementar nº 116, de 31 de julho de 2003, que instituiu a incidência do ISS
sobre as operações de leasing (item 15.09).
Esclareça-se que a Lista de Serviços anexa à Lei Complementar nº 116/03 classificou
o leasing no item 15.09 como arrendamento mercantil de quaisquer bens, inclusive
127Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005
cessão de direitos e obrigações, substituição de garantia, alteração, cancelamento e
registro de contrato e demais serviços relacionados ao arrendamento mercantil.
A contabilização do leasing face ao princípio da prevalência da essênciasobre a forma
O § 2º do Art. 1º da Resolução n º 750, do Conselho Federal de Contabilidade, de 29
de dezembro de 1993, que dispõe sobre os Princípios Fundamentais da Contabilidade
(PFC), prevê a aplicação destes princípios a situações concretas, uma vez que a essência
das transações deve prevalecer sobre seus aspectos formais.
Vale acrescentar que o apêndice à Resolução nº 774 do Conselho Federal de
Contabilidade, de 16 de novembro de 1994, no item 1.4, in fine, tece comentário a
respeito de situações nas quais os aspectos jurídico-formais das transações ainda não
estão completa ou suficientemente elucidados. Nesses casos, explica, deve-se considerar
o efeito mais provável das mutações sobre o patrimônio, quantitativa e qualitativamente,
concedendo-se prevalência à substância das transações, de modo que corrobora a
relevância da essência econômica.
Entretanto, no Brasil a “prevalência da essência sobre a forma” não foi expressamente
elevada ao status de princípio. Esse não-reconhecimento, entretanto, não tem o condão
de descaracterizar sua natureza de postulado ou norte, sob o qual deve se pautar a
evidenciação, dado que o seu caráter está intimamente relacionado com a ciência
contábil.
No caso em análise, restou evidente que a Lei nº 6.099/74 não observou que a
propriedade do bem muda conforme a modalidade contratual, o que implica a não-
dedução como custo da pessoa jurídica arrendadora das cotas de depreciação do preço
de aquisição do bem arrendado, no caso do leasing financeiro.
Outro ponto a ser considerado é que a disposição da Portaria nº 140/84 do Ministério
da Fazenda, no sentido de que antecipação do valor residual garantido – que consiste
em uma “obrigação assumida pelo arrendatário para garantir ao arrendador uma quantia
mínima final de liquidação do negócio, no caso de o arrendatário não exercer a opção
de compra ou não quiser prorrogar o contrato” (ROLIM, 2001, p. 321) – e o pagamento
da opção de compra, não constituem receita do arrendador, nem despesa do
128 Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005
arrendatário, até o momento da liquidação do contrato, vai de encontro ao postulado
da prevalência da essência econômica sobre a forma, sendo discutível sua subsunção ao
princípio contábil da competência.
Ainda, tem-se que a antecipação do valor residual garantido pode interferir na essência
econômica das transações, na medida em que, “dependendo do seu valor e das suas
condições em comparação com o valor da opção de compra, esta poderá ser
absolutamente ou substancialmente compreendida na primeira”, passando a ser um
contrato de compra e venda (ROLIM, 2001, p. 321-322). Esse entendimento é respaldado
pela jurisprudência. A justificação econômica para a possibilidade da garantia do valor
residual, segundo Rolim (2001, p. 322), é o fato de que a sua não-existência poderia
restringir o crédito a longo prazo.
Vale citar que a inserção parágrafo único ao artigo 116 do Código Tributário Nacional
(CTN), pela Lei Complementar nº 104, de 10 de janeiro de 2001, sedimentou o
entendimento de que a autoridade administrativa poderá desconsiderar atos e negócios
praticados em detrimento da arrecadação tributária que dissimulem a ocorrência do
fato gerador ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária. Ressalte-
se que a eficácia desse dispositivo depende de legislação ordinária que o regule.
De acordo com Cardoso (2003):
Agora, nos deparamos com outro instituto da common law sendo inserido em nossoordenamento jurídico tributário, o business purpose test, doutrina que prevê apossibilidade de desconsideração de atos ou negócios que desviem da finalidade negociale tenham apenas a intenção de reduzir ou não pagar impostos.
Para melhor compreensão acerca da contabilização do arrendamento mercantil, face
o princípio contábil da prevalência da essência econômica sobre a forma, é elucidativo
o caso citado por Rolim (2001, p. 338-340). Segundo seu relato, tratava-se de um
proprietário de um terreno, no qual estava sendo edificada sua sede. Esse proprietário
vendeu o terreno a uma instituição financeira e, posteriormente, esta lhe arrendou o
imóvel. Desse modo, foi possível deduzir as prestações dos aluguéis, com a vantagem
de os gastos com a construção passarem a ser tratados como benfeitorias realizadas
em propriedade alheia, devendo, portanto, serem amortizadas pelo prazo do
arrendamento e não pelo longo prazo de vida útil do edifício.
129Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005
O Superior Tribunal de Justiça desqualificou a operação de venda seguida de
arrendamento mercantil ao próprio vendedor do bem para considerá-la um
financiamento com garantia do bem.
Rolim (2001, p. 340) apresenta-nos os seguintes questionamentos acerca desse
entendimento:
a) não representaria verdadeira utilização do terreno ainda que o mesmo seja utilizado
para construção de edifício?;
b) somente pelo fato da obtenção da vantagem fiscal a transação não pode ser efetivada
ou devido ao provável exercício do direito à compra entendeu-se como inadequada a
opção pelo arrendamento mercantil?;
c) foi interpretada como de má-fé a intenção das partes no início do contrato, sendo
meramente formal (ou simulada) a previsão da opção de compra ao término do contrato?
Sem desmerecer as brilhantes considerações do autor acima citado, no sentido de
que a vontade das partes, materializada no contrato, deveria valer como lei entre as
partes, a despeito do leasing back não ser reconhecido pelo ordenamento jurídico
brasileiro como modalidade de arrendamento mercantil, é notável que o Art. 116 do
CTN mantém relação com o postulado da prevalência da essência econômica sobre a
forma.
Conclusão
Se, para fins de tributação, a propriedade do bem arrendado pertence ao arrendador,
até o momento do exercício da opção de compra pelo arrendatário, quando então
dar-se-á a integralização deste bem ao ativo fixo do adquirente, para fins contábeis o
bem objeto de arrendamento operacional deve ser registrado em conta específica do
ativo imobilizado da arrendadora, enquanto que no arrendamento financeiro o bem
arrendado integra o ativo permanente da arrendatária.
Vê-se que a Resolução nº 774 do CFC, de 16 de novembro de 1994, a qual prevê
que deve ser analisado o efeito mais provável das mutações sobre o patrimônio,
quantitativa e qualitativamente, em situações nas quais os aspectos jurídico-formais
130 Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005
das transações ainda não estiverem completa ou suficientemente elucidados, é um
norte em situações conflituosas, como a que está em foco. Em outras palavras, a
atividade a ser desempenhada com o bem há de ser a que possui maior relevância,
que é a que mais reflete no aumento da capacidade contributiva.
Finalmente, no que se refere à inserção, pela LC nº 104/01, do parágrafo único
ao Art. 116 do CTN, conclui-se pela necessidade de se atribuir maior importância
ao postulado contábil da prevalência da essência econômica sobre a forma, haja
vista o relevo que a materialidade das transações assumirá, lembrando que os
conhecimentos inerentes à informação contábil de qualidade permanecem, isso
posto, eficazes para a solução de conflitos correlatos.
Referências Bibliográficas
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BRSIL. Lei nº 7.132, de 26 de outubro de 1983. Altera a Lei nº 6.099, de 12 de setembro de 1974, que “dispõe sobre o tratamento tributário de arrendamento mercantil, e dá outras providências” e o Decreto-lei nº 1.811, de 27 de outubro de 1980. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L7132.htm>. Acesso em 06 de setembro de 2004.
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CARDOSO, Lais Vieira. As doutrinas de prevalência da substância sobre a forma diante do parágrafo único do Art. 116 do Código Tributário Nacional. Jus Navigandi, Teresina, a. 7, n. 62, fev. 2003. Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=3684>. Acesso em 06 de junho de 2004.
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133Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005
134 Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005
EVENTOSEVENTOS
JULHO
19º Encontro Nacional dos Estudantes de Ciências Contábeis (Enecic)Local: Natal, RNData: 31 de julho a 5 de agosto
O Enecic terá como tema principal “A pesquisa como instrumento propulsor para o
avanço da Ciência Contábil” e acontecerá na Universidade Federal do Rio Grande do Norte
(UFRN) e no Centro de Convenções de Natal. A organização do evento está sendo feita
pelo Centro Acadêmico de Ciências Contábeis e pela Base de Pesquisa em Controladoria e
Gestão de Tecnologia da Informação da UFRN. O evento terá palestras sobre pesquisa
contábil, mesas redondas sobre a inserção da pesquisa na área contábil e mini-cursos sobre
a formação acadêmica e profissional do estudante. Os universitários também apresentarão
trabalhos de iniciação científica sobre os mais variados temas contábeis. Haverá ainda
workshops com entidades de programas contábeis e eventos culturais.
AGOSTO
X Convenção de Contabilidade do Rio Grande do SulLocal: Bento Gonçalves, RSData: 17 a 19 de agosto
A convenção é dedicada a profissionais de contabilidade que queiram se manter
atualizados na área e desenvolver suas habilidades. Este ano, o tema será “Estratégias
para obter resultados”. Os trabalhos a serem apresentados versarão sobre Auditoria,
Perícia, Contabilidade Pública, Ética, Responsabilidade Social, Governança Corporativa,
Educação/Ensino, Contabilidade Gerencial e Societária, entre outros. Mais informações
podem ser obtidas no site <www.crcrs.org.br/xccrs>.
135Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005
XVI Encontro Nacional dos Cursos de Graduação em Administração (Enangrad)Local: Belo Horizonte, MGData: 28 a 31 de agosto
O evento é organizado em parceria da Associação Nacional dos Cursos de Graduação
em Administração (Angrad) com o Conselho Federal de Administração (CFA).
Direcionado a alunos, professores, e profissionais da área, o Enangrad é um dos mais
importantes encontros para discussões da comunidade acadêmica de Administração.
Este ano, o tema principal das palestras e dos painéis será “As Competências
Condicionantes para o Ensino da Graduação em Administração”. Informações detalhadas
sobre o evento estão disponíveis em <www.angrad.org.br>.
SETEMBRO
4ª Conferência Internacional sobre História da ContabilidadeLocal: Braga, PortugalData: 7 a 9 de setembro de 2005
A 4ª AHIC (Quarta Conferência Internacional sobre História da Contabilidade) acontece
bienalmente em diferentes países, de forma a possibilitar uma representação tão ampla
quanto possível de acadêmicos com variadas áreas de interesse influenciadas por diferentes
panoramas culturais e sociais. As conferências anteriores tiveram lugar em Melbourne (agosto
de 1999), em Osaka (agosto de 2001) e em Siena (setembro de 2003). Em 2005 a Escola de
Economia e Gestão da Universidade do Minho sedia a Conferência entre os dias 7 e 9 de
setembro. Outras informações no endereço: <http://www.eeg.uminho.pt/4ahic>
19ª Convenção dos Contabilistas do Estado de São Paulo (Convecon)Local: Santos, SPData: 7 a 9 de setembro
A convenção, que acontece a cada dois anos, é uma oportunidade para troca de
informações, atualização, reciclagem profissional e contato com palestrantes da área
contábil. Os participantes que se inscreverem até 31 de julho têm desconto de 20%.
Os três melhores trabalhos, cujas inscrições devem ser feitas até 15 de julho, ganharão
prêmios de R$ 1.000 a R$ 3.000, dependendo da categoria (estudante ou profissional).
136 Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005
Juntamente com a Convecon, será realizada a tradicional Feira de Negócios. Informações
podem ser obtidas no site <www. convecon.com.br>.
X Conselho Nacional de Administração (Conad)Local: Goiânia, GOData: 8 a 10 de setembro
O encontro, que acontecerá no Centro de Convenções de Goiânia, terá como
objetivo principal o aperfeiçoamento profissional, o intercâmbio de experiências e a
comemoração dos 40 anos da profissão. Poderão participar administradores,
empresários, executivos, dirigentes públicos, professores, acadêmicos e demais
interessados. Mais informações podem ser obtidas pelo e-mail
<[email protected]>. O evento está sendo organizado pelos conselhos regionais
de administração de Goiás e de Tocantins, pelo Conselho Federal de Administração,
pelo Sindicato dos Administradores de Goiânia (Sinago) e pela Organização Latino-
americana de Administração (OLA).
XIV Convenção Estadual dos Contabilistas do ParanáLocal: Curitiba, PRData: 14 a 16 de setembro
“O contabilista em sintonia com a sociedade” será o tema da convenção, que
discutirá a importância da contabilidade no contexto atual, as mudanças, as
tendências, a evolução do conhecimento contábil e a influência do desenvolvimento
tecnológico na profissão. Entre os palestrantes confirmados estão Domingos Poubel
de Castro, Gilberto Luiz do Amaral e Antoninho Trevisan. Os interessados em
inscrever trabalhos têm até o dia 1º de agosto para fazê-lo. Serão concedidos prêmios
para os três melhores trabalhos, nos respectivos valores: R$ 1.000, R$ 750 e R$
500. A previsão da organização do evento é receber mil participantes. Informações
podem ser obtidas no site <www.crcpr.org.br/convencao>.
137Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005
III Simpósio de Gestão e Estratégia em Negócios (Simgen)Local: Seropédica, RJData: 14 a 16 de setembro
No congresso, os participantes terão acesso a novidades da área de técnicas de gestão
e desenvolvimento científico e acadêmico da Administração, buscando articular o ensino
e a pesquisa científica com a prática profissional. O simpósio é dedicado a pesquisadores,
docentes e acadêmicos da área de Administração e demais interessados. Tem preços
diferenciados para alunos de mestrado, de doutorado e de graduação. Informações
detalhadas podem ser encontradas em <www.ppgen.ufrrj.br/simgen>.
XXIX Encontro da Associação Nacional dos Programas de Pós-graduação emAdministração (Enanpad)Local: Brasília, DFData: 17 a 21 de setembro
No XXIX Enanpad serão apresentados trabalhos de dez áreas científicas:
Administração da Informação, Administração Pública e Gestão Social, Estratégia em
Organizações, Estudos Organizacionais, Finanças e Contabilidade, Gestão de Ciência,
Tecnologia e Inovação, Gestão de Pessoas e Relações de Trabalho, Gestão de
Operações e Logística, Marketing, Ensino e Pesquisa em Administração e
Contabilidade. O encontro, destinado a administradores, professores e estudantes,
será realizado no Blue Tree Alvorada, SHTN Trecho 01, Lote 1B, blocos A, B e C. Os
interessados podem obter informações pelo e-mail <[email protected]>.
138 Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005
11ª Convenção Nacional das Empresas de Serviços Contábeis e das Empresasde Assessoramento, Perícias, Informações e Pesquisas (Conescap)Local: Natal, RNData: 21 a 23 de setembro
O tema principal dessa convenção será: “Empresas e Serviços: Desafios e
Perspectivas”. O público estimado é de cerca de mil pessoas, entre profissionais do
meio contábil e empresas de assessoramento. Na convenção, promovida pela Federação
Nacional das Empresas de Serviços Contábeis e das Empresas de Assessoramento,
Perícias, Informações e Pesquisas e pelo Sindicato das Empresas de Serviços Contábeis
de Assessoramento, Perícias, Informações e Pesquisa do Estado do Rio Grande do Norte,
proporcionará reciclagem profissional e oportunidades de negócios. Informações em
<www.conescap.com.br>.
OUTUBRO
Fórum Internacional de Administração (FIA)Local: Acapulco – MéxicoData: 12 a 15 de outubro
O FIA é bianual, de origem brasileira, e pela primeira vez acontecerá no México, na
cidade de Acapulco, a 40 minutos da cidade do México. O evento, promovido pelo
Conselho Federal de Administração, pela Organização Latina de Administração (OLA)
e pelo Conselho Regional de Administração do Rio Grande de Sul, é destinado a
profissionais de administração, que irão discutir temas atuais. A previsão da organização
é receber 500 participantes. Informações podem ser obtidas pelo e-mail
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26ª Conferência Interamericana de ContabilidadeLocal: Salvador, BAData: 23 a 26 de outubro
A conferência, organizada pela Associação Interamericana de Contabilidade (AIC)
será realizada no Centro de Convenções da Bahia. A intenção principal do encontro
será “Restaurar a confiança da profissão mediante a transformação de seus paradigmas
vitais”. Entre os assuntos a serem abordados estão: Investigação Contábil, Auditoria,
Setor Governamental, Administração e Finanças, Ética e Exercício Profissional, Integração
Econômica e Fiscal, Auditoria Interna, Pequenas e Médias Empresas, e Sistemas e
Tecnologia da Informação. Os interessados em participar devem se inscrever pelo site
<www.26cic.com.br>.
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