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Revista Brasileira de PolíticaInternacional:quatro décadas ao serviço dainserção internacional do BrasilPAULO ROBERTO DE ALMEIDA*
A Revista Brasileira de Política Internacional, cujo primeiro númerofoi lançado em março de 1958, é o mais antigo empreendimento editorial brasileironum terreno pouco freqüentado pelo establishment acadêmico do País, qual seja,o do estudo e reflexão sobre temas de relações internacionais em geral e de políticaexterna brasileira em particular. Criada para ocupar um espaço então lacunar noâmbito da reflexão profissional e universitária em torno desses temas, nos seusprimeiros quarenta anos de vida ela certamente cumpriu amplamente esse papelde instrumento “debatedor” e “informador” sobre a inserção internacional do Brasil,missão que lhe tinha sido atribuída pelo seu órgão patrocinador, o InstitutoBrasileiro de Relações Internacionais, criado quatro anos antes, no velho PalácioItamaraty do Rio de Janeiro.
Nas quatro décadas que decorreram desde seu lançamento, em plena eraotimista do desenvolvimentismo de Kubitscheck, inúmeras outras revistas, dedicadasstricto ou lato sensi às questões internacionais e à política externa, apareceram edesapareceram do mercado brasileiro, despertando maiores ou menores comoçõesnos círculos especializados, sem que a velha RBPI tenha deixado de fazer-se presente,também com maior ou menor sucesso segundo as épocas, nas estantes das bibliotecase nas mesas dos estudiosos da área. O próprio IBRI, que detém, por assim, dizer o“copyright” desta paternidade responsável, há muito deixou de existir em sua formaoriginal, tendo sido substituído por entidade equivalente recriada em Brasília poucodepois da morte, no Rio de Janeiro, de seu principal animador e financiador generoso,Cleantho de Paiva Leite. O novo IBRI, criado no “novo” Palácio do Itamaraty emjunho de 1993, empenhou-se, de imediato, no fortalecimento da RBPI que, em razãodas dificuldades organizacionais e financeiras que costumam atingir esse tipo deempreendimento, vinha apresentando baixos índices de circulação no período anterior.A RBPI pode legitimamente orgulhar-se, portanto, de constituir-se em “memóriaviva” das relações internacionais e da política externa do Brasil no quase meio séculoque leva de existência._________________________________________________________________________________________Rev. Bras. Polít. Int. 41 (n. esp. 40 anos): 42-65 [1998]* Editor Adjunto da RBPI, Diretor Geral do Instituto Brasileiro de Relações Internacionais.
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A RBPI evidentemente não está só nessa tarefa nem labora em campovirgem. Algumas outras revistas acadêmicas, mais ou menos especializadas nessasáreas, dedicam-se igualmente a “pensar” as relações exteriores do País ou ocomplexo quadro das relações internacionais num cenário marcado por profundasmutações de natureza política, econômica e tecnológica. Algumas são relativamenterecentes, como a Política Externa (São Paulo, 1992), que dispõe de sólida baseeditorial; outras são mais antigas e desfrutam de crescente audiência, como aContexto Internacional (Rio de Janeiro, 1985), que já completou uma dúzia deanos num ambiente essencialmente universitário; outras ainda, infelizmentedesapareceram do mundo, tragadas pelas dificuldades editoriais próprias a umcenário cultural de interesse relativamente restrito em termos de mercado, como aPolítica e Estratégia (São Paulo, 1983-1991). Mas, felizmente, ela foi por assimdizer substituída pelos cadernos Premissas, do Núcleo de Estudos Estratégicos daUniversidade de Campinas, cujo primeiro número veio a lume nessa mesmaoportunidade, mais exatamente em setembro de 1992. Ainda mais recentemente,em maio de 1996, foi lançada, nessa mesma vertente, a revista ParceriasEstratégicas, do Centro de Estudos Estratégicos da Secretaria de AssuntosEstratégicos da Presidência da República.
Em termos de “antiguidade”, portanto, a RBPI é a única que pode ostentaruma contemporaneidade com várias idades “geológicas” das relações internacionaise da política externa brasileira. Com efeito, nascida em plena era da Guerra Fria, elaatravessou incólume — ou quase, considerando-se períodos mais ou menos felizesno que se refere ao seu conteúdo editorial — a grande “euforia” desenvolvimentistados anos 60, a détente e a “nova ordem econômica internacional” dos anos 70, anova Guerra Fria e a ascensão da ordem liberal da era Reagan, a neo-détente daAdministração Busch, para chegar ao fim do socialismo dos anos 90. Nenhumaoutra revista possui em seus arquivos análises e documentos sobre período tão vastoda política contemporânea. Com efeito, descontando-se obviamente as revistasmilitares — como A Defesa Nacional ou a Revista da Armada, caracterizadas porevidente profissionalismo e claro comprometimento com a Weltanschauung de suasrespectivas corporações, mas que contêm cobertura sistemática de temasinternacionais, embora o fazendo numa ótica especificamente instrumental, sem adiversidade doutrinária ou metodológica das revistas “civis”— nenhuma das revistascitadas pode ostentar a “senioridade” que caracteriza hoje a RBPI, decana em terrenorarefeito e de relativa mortalidade editorial.
Para colocar a RBPI em perspectiva histórica, seria útil, talvez, repassara experiência editorial brasileira nesse terreno dos estudos e análises sobre temasinternacionais, indicando o aparecimento, seguindo a existência e constatando —helàs — a morte de alguns dos mais importantes veículos acadêmicos ou dedivulgação ampla nesse terreno, colocando-os também no contexto social eeconômico das últimas quatro ou cinco décadas do itinerário político nacional. Os
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parágrafos que se seguem, listando as principais revistas brasileiras dotadas depropósitos relativamente similares aos da RBPI, não tem pretensão à“exaustividade”, mas constituem, ainda assim, um retrato relativamente fiel dopanorama editorial brasileiro em matéria de relações internacionais. O texto écomplementado por quadro sinóptico-cronológico que permite acompanhar, anoa ano, grandes eventos internacionais e processos relevantes do ponto de vista doBrasil, com a indicação correspondente das matérias mais importantes publicadasna RBPI durante todo esse período.
As iniciativas pioneiras
O Brasil do pós-Segunda Guerra é um “país essencialmente agrário”,como então se dizia, com uma rarefeita população universitária, mas tambémintensamente preocupado com o seu papel num mundo em reconstrução. Aparticipação no teatro de guerra europeu, a contribuição das missões universitáriaseuropéias, quando não a presença de intelectuais e de refugiados europeus emnossas principais capitais permitem a emergência de um ambiente cosmopolitaainda incipiente mas receptivo à discussão de temas de política internacional.
Inexistia, contudo, um veículo intelectual suscetível de canalizar o de-bate em curso — dominado já pelo clima de Guerra Fria e pela situação de relativadependência dos Estados Unidos — ou de abrigar as primeiras reflexões de caráteracadêmico que começavam a ser produzidas sobre nossa inserção internacionalnaquele cenário bipolarizado. Curiosamente, algumas boas fontes para a pesquisasobre os principais problemas “internacionais” que preocupavam nossas liderançaspolíticas e intelectuais podem ser encontradas em revistas da área econômica.
Aqui se destaca Conjuntura Econômica, da Fundação Getúlio Vargasdo Rio de Janeiro, que desde seu primeiro número (novembro de 1947) dedicaparte de seu espaço editorial a questões de economia internacional e de comércioexterior, numa visão bem ampla desse conceito. Através das seções “Conjunturano Estrangeiro” e “Estudos Especiais”, ela passa a divulgar trabalhos de grandeimportância para uma análise das relações econômicas internacionais do Brasilou da agenda econômica mundial: são inúmeros os textos, por exemplo, sobre oPlano Marshall e suas implicações para a América Latina, assim como de análisedo processo de construção do mercado comum europeu. Sua “irmã gêmea” teórica,a Revista Brasileira de Economia (setembro de 1947), desempenhou um papeligualmente importante na discussão dos grandes problemas do desenvolvimentoeconômico em escala comparativa, com a divulgação de textos do Secretariadodas Nações Unidas ou de eminentes especialistas internacionais que regularmentevisitavam o Brasil a convite da Escola de Economia: Gottfried Haberler, JacobViner, Raúl Prebisch e muitos outros mais. É também nas páginas de outra revistaeconômica, Estudos Econômicos (da Federação do Comércio do Rio de Janeiro),
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que são publicados alguns bons artigos sobre essa mesma problemática das relaçõeseconômicas externas do Brasil.
Mas, foi apenas com o surgimento dos Cadernos do Nosso Tempo, doInstituto Brasileiro de Economia, Sociologia e Política (IBESP/RJ), que tem início,entre nós, o debate aprofundado dos temas de política internacional. Emboradedicada a “compreender o nosso tempo na perspectiva do Brasil e (...) o Brasil naperspectiva do nosso tempo”, como afirmava a apresentação de seu número inau-gural (outubro-dezembro de 1953), a revista o faz de um ângulo propriamenteplanetário, com mais de dois terços de suas páginas ocupados pelos principaisproblemas da conjuntura internacional: Hélio Jaguaribe já era presença constanteem seus números, com matérias pioneiras (e desafiadoras) sobre a integração Brasil-Argentina.
RBPI: a revista decana
No final do segundo Governo Vargas, marcado pelos grandes debatesentre “nacionalistas” e “entreguistas”, se constituiu, com forte participação deintelectuais cosmopolitas e de vários diplomatas, o Instituto Brasileiro de RelaçõesInternacionais, voltado, segundo seus estatutos (aprovados por assembléia reunidano Palácio Itamaraty, em 27 de janeiro de 1954), para a promoção e o incentivo deestudos sobre problemas internacionais, “especialmente os de interesse para oBrasil”. É o IBRI quem vai impulsionar, a partir de março de 1958, o mais antigoempreendimento editorial “internacionalista” ainda existente no Brasil: a RevistaBrasileira de Política Internacional, fundada precisamente com o propósito dedifundir matérias e documentos vinculados à política internacional, bem como àsrelações internacionais do Brasil e ao próprio pensamento e prática brasileira emtemas de política exterior. Um balanço ainda que sumário de suas realizaçõesindicaria que ela cumpriu galhardamente esse papel, graças aos esforços deintelectuais, profissionais liberais, diplomatas e personalidades públicas de diversoshorizontes, como José Honório Rodrigues, Oswaldo Trigueiros, Henrique Valle e,seu Diretor por longos anos, Cleantho de Paiva Leite, falecido em 1992.
Pioneira em sua época (se excluirmos os já citados Cadernos do NossoTempo, de existência meteórica em meados dos anos 50), a RBPI preencheu eainda preenche uma lacuna inestimável em nossa cultura política e acadêmica noterreno que é o seu: a divulgação oportuna e a discussão aprofundada em torno detodas as questões e problemas que ocupam os homens de Estado e os profissionaisda diplomacia brasileira. Numa época em que o registro dos eventos internacionaisinteressando o Brasil era feito de maneira precária pelo Itamaraty (por meio dos“Relatórios” anuais, já que a Resenha de Política Exterior só vem a surgir quaseduas décadas depois), a RBPI compilava e publicava os textos e declarações oficiaisproduzidos pela burocracia diplomática, bem como os resultados da mais importantes
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reuniões internacionais de que o Brasil tivesse tomado parte. Figuram também emsuas páginas artigos que já podem ser classificados como “históricos”, sobre asorigens da política antártica brasileira, por exemplo, ou sobre os primeiros passosdo Brasil no GATT e nas organizações econômicas regionais (CEPAL e ALALC).
Embora praticamente solitária num universo bastante restrito de periódicosespecializados na temática internacional, é bem verdade que a RBPI chegou aenfrentar a concorrência em algumas poucas oportunidades de outras revistasmomentânea ou ocasionalmente voltadas para temas correlatos, como a influenteRevista Brasiliense (São Paulo) ou a combativa Civilização Brasileira (Rio deJaneiro). Concorrência efetiva, realmente, foi exercida, mais diretamente, apenaspela revista Política Externa Independente (Rio de Janeiro). Embora ela tenhaatraído fortemente a atenção de políticos, pesquisadores e diplomatas brasileirosengajados numa postura internacional progressista e não-alinhada, ela teve, noentanto, vida muito breve: três densos números entre maio de 1965 e janeiro de1966. O regime militar então inaugurado caracterizava-se, precisamente, em suaprimeira fase, por um alinhamento exemplar à política norte-americana, condenandoa PEI (e também sua manifestação prática, a “PEI” dos últimos governos civis doregime de 1946) ao purgatório dos empreendimentos sem futuro.
Nessa mesma época, José Honório Rodrigues, eleito Diretor-Executivodo IBRI, encontrou a RBPI em atraso de vários números — uma fatalidade queparece atingir a todas as revistas acadêmicas no Brasil — e se decide pela publicaçãode um índice temático dos 6 primeiros volumes (23 números). Ele também pretendiapublicar vários números especiais, dedicados a temas como desarmamento,descolonização, comércio internacional de produtos de base (estávamos às vésperasda primeira reunião da UNCTAD) e política cultural internacional, uma questãoque sempre o atraiu. De fato, ele o fez, como se poderá verificar mais adiante,num tipo de iniciativa que mereceria retomada em novas bases e modalidades.
A Academia abre-se ao Mundo
Os anos 60 e 70, a despeito da repressão política e do controle ideológicopatrocinados pelo regime militar, foram extremamente produtivos em matéria dedebates acadêmicos e intelectuais. Papel protagônico nesse fermento político, poriniciativa desse grande editor e homem “renascentista” que foi Enio Silveira, tevea Revista Civilização Brasileira, que abrigou inúmeros editoriais e quantidadeapreciável de artigos de qualidade sobre temas de política externa e internacionais(eram os anos da guerra do Vietnã, lembre-se). Seus colaboradores habituaisincluíam escritores como Otto Maria Carpeaux, um exemplo, entre muitos outrosarticulistas, de grande peso intelectual. Considere-se, por exemplo, seu númeroinaugural, em março de 1965 – quase um ano depois, portanto, do golpe militar –que traz um artigo seminal, ainda que ideologicamente orientado, sobre a “finada”
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política externa independente: ele era apropriadamente chamado de “um balanço”e era publicado em caráter anônimo, o que indica, obviamente, a autoria comosendo a de um diplomata de “esquerda”, identificado com os princípios e açõesque tinha marcado a política externa entre o Governo Jânio Quadros, em 1961, eo advento do regime militar.
Desenvolvem-se também, no período militar, núcleos de pesquisaacadêmica em vários centros universitários do País, sendo que algumas revistaseram financiadas pelo próprio establishment de apoio educacional. A RevistaBrasileira de Estudos Políticos, fundada em 1956 e publicada pela UFMG, abrigoueventualmente em suas páginas contribuições sobre a política externa brasileirapor acadêmicos de projeção (Celso Lafer, por exemplo). É na RBEP que foioriginalmente publicado um dos textos “fundadores” — em termos conceituais— da nova política externa brasileira da segunda fase do regime militar, “OCongelamento do Poder Mundial”, de J. A. de Araújo Castro (nº 33, janeiro de1972), muito embora também a RBPI tenha publicado vários trabalhos dessediplomata que deixou discípulos no Itamaraty.
A antiga Revista de Ciência Política, do Instituto de Direito Público eCiência Política da FGV/RJ, observava a mesma política de ampla abertura atemas correlatos na área externa: Celso Albuquerque Mello, por exemplo, erapresença constante no terreno do direito internacional. Durante algum tempo, nosanos 60 e princípios dos 70, o Centro Latino-Americano de Pesquisas em CiênciasSociais (funcionando no Rio de Janeiro sob os auspícios da UNESCO e dirigidopelo eminente intelectual Manuel Diegues Júnior) publicou a revista AméricaLatina, acrescentando algumas matérias de natureza sociológica e culturalista àanálise da inserção internacional dos países da região.
Também no Rio de Janeiro, o IUPERJ passou a manter, desde essa época,a excelente revista Dados, que embora voltada mais precipuamente para asociologia política e as ciências sociais de modo amplo, chegou a publicar artigosde grande interesse para os pesquisadores de relações internacionais, como a origi-nal pesquisa de Zairo Borges Cheibub e de Alexandre Barros sobre os determinantessociais da carreira diplomática ou a contribuição de Pedro Malan ao estudo dasrelações econômicas do Brasil. Foi na revista Dados que a jovem geração depesquisadores acadêmicos brasileiros, vários treinados nas novas técnicas emuniversidades do exterior, publicaram, antes do surgimento da ContextoInternacional, trabalhos de relevância para o estudo da problemática internacional.Mencione-se, apenas como registro, o trabalho de Maria Regina Soares de Lima eGerson Moura sobre “A Trajetória do Pragmatismo: uma análise da política externabrasileira” (vol. 25, nº 2, 1982).
No universo intelectual da esquerda, muitas contribuições de qualidadeou de forte impacto político e conceitual na análise da política externa brasileiravêem à luz em pleno regime de censura da ditadura militar (que atingia mais de
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perto, é verdade, os meios de comunicação de massa). Se um intelectual engajadocomo Ruy Mauro Marini divulga, preferentemente, suas teses sobre o“subimperialismo brasileiro” em revistas do exterior (do Chile, do México oumesmo dos EUA), muitos outros passam a utilizar-se dos novos veículos“alternativos” criados nesses anos negros de perseguições políticas e de paranóiaideológica. Carlos Estevam Martins, por exemplo, publica seu muito aclamadoestudo sobre “A Evolução da Política Externa Brasileira na Década 64/74” nosEstudos Cebrap (nº 12, 1975), corajosa iniciativa de intelectuais e professoresexpulsos da USP pelo AI-5 (dentre os quais o ex-Chanceler e atual Presidente,Fernando Henrique Cardoso). No final da década, em 1978, a Revista CivilizaçãoBrasileira, que tinha sobrevivido heroicamente entre 1965 e 1968, volta em novoformato, Encontros com a Civilização Brasileira, com um amplo espectro decontribuições na área internacional.
Ainda no ambiente acadêmico, nesse mesmo ano, surge uma das melhoresiniciativas em termos de revista da área, a Relações Internacionais, publicadamediante convênio entre a Universidade de Brasília e a Câmara dos Deputados eenvolvendo o trabalho conjunto de diplomatas e professores da UnB. Extremamentebem cuidada em termos editoriais e comportando artigos da melhor qualidade deestudiosos brasileiros e de scholars estrangeiros, a RI deixou uma marca pro-funda, ainda que temporária, no avanço das pesquisas em relações internacionaisna própria capital da República, até então isolada das correntes universitárias doresto do País: estudou-se o pensamento de “próceres” da política externaindependente, como Araújo Castro (por Ronaldo Sardenberg) e San Tiago Dantas(Marcílio Marques Moreira), aprofundou-se a pesquisa histórica da política exte-rior brasileira (Amado Luiz Cervo), debateu-se os princípios do direito internacionale seu impacto no Brasil (A. A. Cançado Trindade), reproduziu-se textos há muitoindisponíveis (de Rio Branco ou de Jânio Quadros, por exemplo, ou as partes depolítica externa das mensagens presidenciais dos primeiros governos republicanos)e são traduzidos inúmeros trabalhos de especialistas estrangeiros. Nesse mesmoperíodo, a Editora da UnB traduzia e publicava as mais importantes obras dopensamento político mundial, sobretudo no terreno das relações internacionais(alguns “clássicos”, como Raymond Aron, Paix et Guerre, ou Edward Carr, TwentyYears’ Crisis, por exemplo).
A Nova Geração
A partir dos anos 80, a pioneira RBPI teve de dividir o espaço da coberturade temas internacionais com outras revistas, das quais apenas duas lograram firmar-se e ocupar espaço político e intelectual no decorrer da década. Uma, de iniciativamais conservadora, ou liberal, e identificada com o chamado “pensamentoestratégico brasileiro”, intitulava-se, precisamente, Política e Estratégia: tendo
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sido editada a partir de 1983 em bases trimestrais, pelo Centro de EstudosEstratégicos da Sociedade de Cultura Convívio (São Paulo) e sob a responsabilidadeeditorial de Antonio Carlos Pereira, jornalista e editorialista d’O Estado de SãoPaulo, suua periodicidade tornou-se intermitente no começo dos anos 90, atéfinalmente desaparecer do cenário editorial num momento em que o pensamentoestratégico brasileiro e o próprio establishment militar passou a viver o que sepoderia talvez chamar de “crise de identidade”. A PeE, embora abrigando teóricosrealistas da linha do “poder” e defensores do “Brasil Potência”, abriu-seexemplarmente a representantes do mundo acadêmico, inclusive alguns dos maiscontundentes críticos das doutrinas geopolíticas então ainda em voga em círculosremanescentes de militares. Seu desaparecimento, a todos os títulos lamentável,deixou uma lacuna que foi parcialmente preenchida pelos cadernos Premissas, doNEE/UniCamp.
Uma outra iniciativa, vinculada diretamente a uma instituição acadêmica,a Contexto Internacional, vem sendo editada, desde 1985, com crescente sucessopelo Instituto de Relações Internacionais (IRI) da PUC/RJ. Ela abriga basicamenteproduções da área acadêmica, várias do exterior, com forte conteúdo conceitual emetodológico, abrindo espaço a um verdadeiro scholarly work at its best. Ela nãose restringe, contudo, ao universo disciplinar exclusivo da politologia comparadaou à sociologia das relações internacionais, buscando contribuições nas diversasvertentes das ciências sociais e congregando representantes da comunidadediplomática e pesquisadores e debatedores dos mais diversos países, com umaforte preferência pelos latino-americanos no segundo caso.
Outras revistas para-acadêmicas surgidas no período recente tambémdevotam, a despeito de uma vocação mais generalista ou de uma especializaçãotemática em outras áreas, crescente espaço a problemas de política externa e derelações internacionais. É o caso, por exemplo, da Lua Nova, editada pelo Centrode Estudos de Cultura Contemporânea (São Paulo), dos Novos Estudos Cebrap(São Paulo) ou da Estudos Avançados, da USP, que têm veiculado artigos voltadospara as relações internacionais e o Brasil. Em 1989 surgia, por iniciativa doDepartamento de Ciência Política da UnB, a Revista Brasileira de Ciência Política,cujo número inaugural (e até aqui único) trouxe várias contribuições de qualidadena área internacional. Ainda na UnB, e mesmo anterior à RBCP, a revistaHumanidades, em sua nova série (a partir de 1986), dedica parte de seu espaçoeditorial a problemas latino-americanos, embora sob uma ótica mais política eantropológica do que propriamente no campo das relações internacionais.
Finalmente, em 1992, duas iniciativas felizes permitiram completar oquadro relativamente restrito de veículos à disposição da comunidade brasileiradedicada aos temas internacionais. Em junho, por iniciativa de acadêmicos comoLuciano Martins e José Augusto Guilhon de Albuquerque, era lançada a PolíticaExterna (sustentada materialmente pela Editora Paz e Terra e intelectualmente
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pelo Núcleo de Pesquisa em Relações Internacionais e Política Comparada da USP,cujas características específicas a tornam algo exclusiva nesse meio ambiente decerto modo rarefeito das revistas “internacionais”. Em setembro desse ano, por suavez, começava a circular o caderno Premissas, do Centro de Estudos Estratégicosda UniCamp, congregando especialistas reputados em questões militares, tecnológicas,além, obviamente, de temas estratégicos e de segurança. A Política Externaapresenta, para começar, uma forte abertura “externa” das colaborações e dadocumentação selecionada para publicação. Ela é também a única das revistasbrasileiras que edita “material de pesquisa”, exemplo provavelmente retirado da antigaseção “Source Material” da Foreign Affairs e instrumento bastante importante parao estudante e mesmo o pesquisador acadêmico. Mais do que uma revista de “políticaexterna”, ela é propriamente uma revista internacional, no melhor sentido da palavra,ao passo que a RBPI, paradoxalmente, sempre foi, também, e talvez essencialmente,uma revista de política externa brasileira.
O caderno Premissas, por sua vez, apresenta um espaço de pensamentocrítico e de reflexão acadêmica sobre os temas que lhe são próprios que faziamfalta no cenário intelectual brasileiro; trata-se, em primeiro lugar, de uma revistaabsolutamente brasileira – no sentido em que seu copyright é legitimamentenacional, com material produzido made in Brazil, e não à base de traduções comooutras revistas acadêmicas – e, em segundo lugar, de um veículo que serve desuporte a uma série de outras iniciativas paralelas e complementares – seminários,programas de pesquisa – aos esforços do NEE, que vem firmando, ano a ano, suareputação de “laboratório” de “cabeças pensantes” sobre as grandes questõesestratégicas do Brasil. Outra iniciativa meritória nesse mesmo terreno dos estudosestratégicos foi o lançamento da revista Parcerias Estratégicas, em maio de 1996.A despeito de sua filiação institucional — Centro de Estudos Estratégicos da SAE/PR — trata-se de empreendimento diversificado do ponto de vista estritamenteeditorial, pois que comportando seções dedicadas à memória política nacional e acontribuições de caráter cultural ou científico, e preocupado com uma visãomultidisciplinar nos estudos e reflexões sobre o Brasil: questões estratégicas,evidentemente, mas também políticas públicas em geral, prospectiva e a visão“exterior” sobre o Brasil.
Sobrevivendo no Mundo
A maior parte dessas revistas, em especial num país caracterizado porinúmeras iniciativas acadêmicas natimortas, tem uma existência financeira precária,canais de distribuição bastante deficientes e uma dependência física e política dealguns poucos entusiastas. É o caso, por exemplo, da RBPI, que ainda assimcondensa, em seus quarenta anos de existência e nas dezenas de volumes editadosquase que artesanalmente, um somatório extremamente rico de informações sobre
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a política externa brasileira e as relações internacionais dessas últimas quatrodécadas. Em suas páginas comparecem praticamente todos os diplomatas,intelectuais e estadistas que pensaram, exercitaram ou analisaram a política externabrasileira e as relações internacionais nesse período, bem como uma massa relevantede documentação de referência para o estudo dos mais diversos problemas atinentesa esse problemas. Ela constitui, assim, uma “memória coletiva” bastante preciosapara uma investigação profissional sobre a inserção internacional do País no períodocoberto por sua publicação.
Embora enfrentando as dificuldades que costumam afetar as revistasacadêmicas de público restrito, geralmente derivadas da falta de recursos materiaise humanos, a RBPI ainda assim conheceu uma notável regularidade de publicação,graças, mais uma vez, ao notável empenho individual de seu diretor no Rio deJaneiro. Com o falecimento de Cleantho de Paiva Leite, em outubro de 1992,colocou-se o problema da sobrevivência da revista, que não dispunha de ConselhoEditorial ou de uma “equipe de produção”. Felizmente, um grupo de diplomatas ede pesquisadores de Brasília assumiu o encargo de relançá-la em novas bases eprincípios editoriais, o que ocorreu em 1993. Desde então, como se pode constatarpor uma consulta ao sumário dos números da série de Brasília, ela vem cumprindoseu mandato original e mantendo a alta qualidade editorial das contribuições quedivulga em suas páginas.
Para testemunhar de sua continuada atualidade em relação aos temas emdebate na agenda política e econômica internacional, de sua versatilidade edito-rial, assim como de sua evidente utilidade enquanto material de pesquisabibliográfica, o quadro sinóptico apresentado a seguir, sem pretender ao rigor deuma cronologia das relações internacionais ou à exaustividade de um índiceremissivo geral — aliás publicado, no que se refere aos primeiros 35 anos darevista, no número 1994/1 — oferece ainda assim um referencial importante, emperspectiva linear, sobre os principais eventos dos panoramas internacional, re-gional e brasileiro, entre 1954 e 1998, correlacionando-os com artigos e documentospublicados na RBPI. Pelo quadro se torna claro o quanto a RBPI contribuiu para oenriquecimento da pesquisa e da reflexão propriamente brasileiras em todos ostemas vinculados de perto ou de longe com a “questão internacional” do Brasil.
O guia cronológico é inclusive mais extenso do que a própria revista,pois que começa na própria fundação do primeiro IBRI, em 1954. Esse períodoinicial encontra-se coberto por artigos dos excelentes — helàs efêmeros também— Cadernos do Nosso Tempo, editado pelo IBESP, cujo secretário geral e princi-pal redator era Hélio Jaguaribe, que participou igualmente da vida do IBRI e daRBPI durante toda a sua existência no Rio de Janeiro. Para os anos de 1956 e de1957 a escolha recaiu, inclusive como forma de diversificar a amostragem, sobrea revista Conjuntura Econômica, que sempre dedicou atenção aos muitosproblemas da inserção econômica internacional do Brasil: acordos de produtos de
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base, câmbio e sistemas de pagamentos, protecionismo agrícola europeu etc. Apartir de 1958, a “cobertura” se faz exclusivamente por meio de artigos e documentosda RBPI, numa seleção que, se apresenta algo de arbitrário e de escolhas pessoaisdeste resenhista, recolhe, ainda assim, o essencial da produção intelectual veiculadaem suas páginas ao longo desses anos.
Ao fazer a introdução de um Índice Remissivo Geral da RBPI, queelaborei à distância, em 1994 — encontrava-me então em Paris — e segundocritérios algo artesanais, eu discorria com entusiasmo sobre os primeiros númerosda revista, como se pode perceber pela transcrição abaixo:
“O [segundo] número da revista, em [junho de] 1958, traz um extensoe denso artigo de Garrido Torres, ‘Por que um Mercado Regional Latino-Americano?’, no qual o grande economista e homem público — um dos principaisnegociadores econômicos brasileiros desde a época constitutiva do GATT —traça uma agenda absolutamente realista e adequada da integração regional (aindaem fase de projeto e objeto de estudos da CEPAL), cujos problemas são enfocadossempre do ponto de vista do desenvolvimento industrial da região. Criada aALALC, em 1960, a RBPI publica seu tratado constitutivo e os documentosmais importantes do processo negociador. Essa cobertura se intensificaria bastantenos anos seguintes, com a presença de vários diplomatas que tinham servidojunto à ALALC, como o próprio Diretor Henrique Valle e Mozart Gurgel Valente.Do ponto de vista da definição conceitual de uma política brasileira para aAntártida, cabe lembrar o papel essencial de João Frank da Costa que, numasérie de cinco artigos seminais, ‘Antártida: O Problema Político’ (números 3, 4,5, 11 e 14, volumes 1 a 4), contribuiu para esclarecer as questões em jogo e abriucaminho para a necessária tomada de decisão. O mesmo poderia ser dito deoutras questões que ocuparam intensamente nossa diplomacia, como a longuíssimaconferência sobre o Direito do Mar ou, de forma marcante, as relações entre ocomércio internacional e o desenvolvimento econômico. Algumas personalidadesassumiram um papel marcante na vida da revista, como foi o caso de SantiagoDantas. A RBPI, aliás, pode ser considerada como a ‘mãe espiritual’ da políticaexterna independente, antes mesmo que ela viesse a ser conhecida com essenome. Entre 1958 e 1962/63, quando ela é formulada mais explicitamente, a‘PEI’ já tem suas bases expostas de uma forma ou de outra na revista, quesempre defendeu, é claro, posições próximas daquelas que fizeram a glória dadiplomacia brasileira em outras épocas. Quando da morte de Santiago, em 1964,a revista dedica todo o seu número 27 à memória do grande tribuno, professor,político e diplomata brasileiro, com diversos estudos, conferências e discursos desua própria lavra ou de um próximo colaborador, como Renato Archer. Ésintomático observar que nenhuma outra personalidade política ou acadêmica davida pública brasileira mereceu tanto espaço da revista como Santiago Dantas”(RBPI, ano 37, nº 1, 1994, p. 152).
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Eu também lamentava que o Índice então apresentado para o período deexistência da revista no Rio de Janeiro — organizado tematicamente e por autor— não fosse o ideal, em termos científicos, para a pesquisa acadêmica, formulandoentão as bases do que deveria ser feito nessa área, trabalho ainda à espera decandidatos:
“Idealmente, um Index Geral da RBPI deveria ser elaborado porespecialistas e comportar uma divisão em três seções, pelo menos, para buscasistemática. Ele apresentaria, antes de mais nada, uma primeira parte de ‘palavras-chaves’, retomando de maneira recorrente todos os conceitos vinculados adeterminadas matérias, todos os nomes das personalidades envolvidas(personagens históricos, não autores) e todas as indicações geográficas suscetíveisde integrar uma pesquisa temática. Essas palavras-chaves, várias por matéria,seriam evidentemente apresentadas em ordem alfabética, dispensando-se, assim,a classificação temática subjetiva (e algumas vezes arbitrária) aqui elaborada[isto é, no Índice de 1994]. Esse índice conceitual seria seguido, tão simplesmente,dos sumários de todos os números publicados, o que permitiria a localização (eulterior citação) de cada entrada selecionada, com título completo e natureza dacontribuição, nome do autor da matéria e páginas extremas. Finalmente, umaterceira parte do índice, organizada por nome de autores, comportaria a relaçãodos responsáveis por matérias assinadas (eventualmente também resenhas) naRBPI durante o período coberto, cada nome sendo seguido dos títulos resumidosdos artigos ou das publicações resenhadas” (Idem, p.154).
À falta desse Índice “científico, o guia de “pesquisas” que se oferecea seguir, bem como os sumários coletados in fine permitem ambos visualizar aexcelência e a profundidade da contribuição da RBPI para o acompanhamentoquase completo dos diversos eventos e processos que enquadraram ou definiramas relações internacionais, em geral, e a política externa brasileira em particular.Mais, importante, a apresentação de grandes resenhas temáticas em cincocampos selecionados de estudo das relações internacionais e da política externabrasileira — eixos conceituais da política externa, parcerias estratégicas erelações bilaterais, economia internacional e desenvolvimento econômico,questões estratégicas e de segurança internacional e multilateralismo —,correlacionando essas grandes áreas de interesse analítico com matériasselecionadas da RBPI, permite acompanhar de perto a evolução do cenáriointernacional e brasileiro nos últimos 40 anos, o que realça ainda mais a utilidadedidática deste número especial.
O IBRI, do qual sou atualmente o Diretor Geral, está empenhado emrecuperar, eletronicamente, o conteúdo substantivo da RBPI, de maneira a poderdisponibilizá-lo para os pesquisadores na Internet, onde também já pode serencontrada uma “página” com informações institucionais sobre o IBRI e o sumáriodos números recentes. Algumas novas iniciativas editoriais em relação à revista,assim como no que se refere à própria vida do Instituto deverão ser tomadas, de
54 PAULO ROBERTO DE ALMEIDA
maneira a inseri-los cada vez mais no debate sobre os temas de relaçõesinternacionais e de política externa em nosso País.
A RBPI continuará sendo, porém, o “centro intelectual” das atividadesdo IBRI e sua principal razão de ser. Nos seus cinco anos de vida em Brasília elademonstrou seu renovado comprometimento com o mandato original e uma pro-funda identificação com a discussão dos temas centrais e de atualidade quecompõem o “cahier de charges” da diplomacia brasileira, além de proceder àcobertura regular de outras questões da agenda política e econômica internacional.Espera-se, assim, que pelos próximos quarenta anos, e provavelmente mais, elacontinue a ser tão prolífica, pertinente e abrangente nos temas que lhe são caroscomo ela o foi até aqui. Por tudo isso e muito mais, cabe desejar, assim, longa vidaà revista decana da comunidade internacionalista no Brasil!
REVISTA BRASILEIRA DE POLÍTICA INTERNACIONAL 55
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