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Produção de café agroecológico no sul de Minas Gerais: sistemas alternativos à produção intensiva em agroquímicos Producing agroecological coffee in Southern Minas Gerais: alternative systems for intensive production of agrochemicals LOPES, Paulo Rogério¹; ARAÚJO, Keila Cássia Santos²; FERRAZ, José Maria Guzman³; LOPES, Iara Maria 4 ; FERNANDES, Lêda Gonçalves 5 1 Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” (ESALQ) - Universidade de São Paulo, Piracicaba/SP - Brasil, [email protected]; 2 Universidade Federal de São Carlos – UFSCar, Centro de Ciências Agrárias, Araras/SP - Brasil, [email protected]; 3 Universidade Federal de São Carlos – UFSCar, Centro de Ciências Agrárias, Araras/SP - Brasil, [email protected]; 4 Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro – UFRRJ, Seropédica/RJ - Brasil, [email protected]; 5 Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia – IFSULDEMINAS, Campus Machado, Machado/MG - Brasil, [email protected] RESUMO :O presente trabalho teve como objetivo analisar os aspectos sócio-econômicos, ambientais e fitossanitários de agroecossistemas cafeeiros sob manejos convencional, organo-mineral, orgânico e agroflorestal conduzidos nos municípios de Machado e Poço-Fundo, localizados no sul de Minas Gerais, possibilitando uma análise técnica das diversas vertentes de cafeicultura alternativa. A pesquisa foi realizada com base no DRP (Diagnóstico Rural Participativo). Utilizaram-se questionários semi-estruturados para realização de entrevistas com os cafeicultores e realizou-se o acompanhamento (monitoramento) das lavouras cafeeiras por um período de um ano. Verificou-se que o agroecossistema convencional é extremamente dependente de fontes externas de insumos, principalmente agroquímicos (fertilizantes e agrotóxicos). O sistema orgânico também utiliza insumos de fora da propriedade como o farelo de mamona, estercos de animais e produtos orgânicos industrializados e atingiu a maior média de produtividade entre os sistemas (45 sacas ha -1 ). O agroecossistema organo-mineral utiliza adubação química com diversificação através de culturas intercalares. A agrofloresta apresentou a menor produtividade média (14 sacas ha -1 ) de café entre todos os sistemas, mas possibilita a produção de outros gêneros alimentícios que contribuem com a renda mensal da propriedade. O seu manejo caracteriza-se pela roçada da vegetação espontânea, utilização da palha de café própria e a arborização da lavoura. A produtividade do agroecossistema convencional é inferior ao organo-mineral e orgânico, apesar de ser o sistema que mais utiliza inputs externos (insumos), o que pode concorrer para a sua sustentabilidade a médio e a longo prazo. PALAVRAS-CHAVE: Cafeicultura familiar, sistemas agroecológicos, sustentabilidade sócio-ambiental, fitossanidade. ABSTRACT: This work had the aim of analyze the socio-economic, environmental and plant health coffee agroecosystems under conventional management, organic-mineral, organic and agroforestry conducted in the municipalities of Machado and Poço Fundo, located in southern of the State of Minas Gerais. The research was based on DRP (Participatory Rural Diagnosis). It was found that the conventional agroecosystem is dependent on external sources of inputs to the need for interventions in the use of agrochemicals The system uses organic inputs from outside the property as the castor bean bran, bovine manure and industrial organic products and wind breaks with bananas reaching the highest average productivity of the systems (45 bags ha -1 ). The agroecosystem organic- mineral fertilizer chemical use through crop diversification with interim. The agroforestry offers the lowest yield (14 bags ha -1 ) between the systems and its management is characterized by the weed mowing, use of coffee straw and afforestation. The productivity of the agroecosystem is less than the conventional organic-mineral and organic, while the system that uses more inputs external inputs which may contribute to its sustainability over the medium to long term. KEY WORDS: Coffee farming family, agroecological systems, social and environmental sustainability, plant. Revista Brasileira de Agroecologia Rev. Bras. de Agroecologia. 7(1): 25-38 (2012) ISSN: 1980-9735 Correspondências para: [email protected] Aceito para publicação em 15/11/2011

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Produção de café agroecológico no sul de Minas Gerais: sistemas alternativos àprodução intensiva em agroquímicos

Producing agroecological coffee in Southern Minas Gerais: alternative systems forintensive production of agrochemicals

LOPES, Paulo Rogério¹; ARAÚJO, Keila Cássia Santos²; FERRAZ, José Maria Guzman³; LOPES, Iara Maria4;FERNANDES, Lêda Gonçalves5

1 Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” (ESALQ) - Universidade de São Paulo, Piracicaba/SP - Brasil,[email protected]; 2 Universidade Federal de São Carlos – UFSCar, Centro de Ciências Agrárias, Araras/SP- Brasil, [email protected]; 3 Universidade Federal de São Carlos – UFSCar, Centro de Ciências Agrárias,Araras/SP - Brasil, [email protected]; 4 Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro – UFRRJ,Seropédica/RJ - Brasil, [email protected]; 5 Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia –IFSULDEMINAS, Campus Machado, Machado/MG - Brasil, [email protected]

RESUMO :O presente trabalho teve como objetivo analisar os aspectos sócio-econômicos, ambientais e fitossanitários de

agroecossistemas cafeeiros sob manejos convencional, organo-mineral, orgânico e agroflorestal conduzidos nos municípios de

Machado e Poço-Fundo, localizados no sul de Minas Gerais, possibilitando uma análise técnica das diversas vertentes de

cafeicultura alternativa. A pesquisa foi realizada com base no DRP (Diagnóstico Rural Participativo). Utilizaram-se questionários

semi-estruturados para realização de entrevistas com os cafeicultores e realizou-se o acompanhamento (monitoramento) das

lavouras cafeeiras por um período de um ano. Verificou-se que o agroecossistema convencional é extremamente dependente de

fontes externas de insumos, principalmente agroquímicos (fertilizantes e agrotóxicos). O sistema orgânico também utiliza insumos

de fora da propriedade como o farelo de mamona, estercos de animais e produtos orgânicos industrializados e atingiu a maior

média de produtividade entre os sistemas (45 sacas ha-1). O agroecossistema organo-mineral utiliza adubação química com

diversificação através de culturas intercalares. A agrofloresta apresentou a menor produtividade média (14 sacas ha-1) de café entre

todos os sistemas, mas possibilita a produção de outros gêneros alimentícios que contribuem com a renda mensal da propriedade.

O seu manejo caracteriza-se pela roçada da vegetação espontânea, utilização da palha de café própria e a arborização da lavoura.

A produtividade do agroecossistema convencional é inferior ao organo-mineral e orgânico, apesar de ser o sistema que mais utiliza

inputs externos (insumos), o que pode concorrer para a sua sustentabilidade a médio e a longo prazo.

PALAVRAS-CHAVE: Cafeicultura familiar, sistemas agroecológicos, sustentabilidade sócio-ambiental, fitossanidade.

ABSTRACT: This work had the aim of analyze the socio-economic, environmental and plant health coffee agroecosystems under

conventional management, organic-mineral, organic and agroforestry conducted in the municipalities of Machado and Poço Fundo,

located in southern of the State of Minas Gerais. The research was based on DRP (Participatory Rural Diagnosis). It was found that

the conventional agroecosystem is dependent on external sources of inputs to the need for interventions in the use of agrochemicals

The system uses organic inputs from outside the property as the castor bean bran, bovine manure and industrial organic products

and wind breaks with bananas reaching the highest average productivity of the systems (45 bags ha-1). The agroecosystem organic-

mineral fertilizer chemical use through crop diversification with interim. The agroforestry offers the lowest yield (14 bags ha-1)

between the systems and its management is characterized by the weed mowing, use of coffee straw and afforestation. The

productivity of the agroecosystem is less than the conventional organic-mineral and organic, while the system that uses more inputs

external inputs which may contribute to its sustainability over the medium to long term.

KEY WORDS: Coffee farming family, agroecological systems, social and environmental sustainability, plant.

Revista Brasileira de AgroecologiaRev. Bras. de Agroecologia. 7(1): 25-38 (2012)ISSN: 1980-9735

Correspondências para: [email protected] para publicação em 15/11/2011

IntroduçãoA cafeicultura no Brasil gerou um crescimento

econômico de notória relevância ao longo de suahistória e possibilitou ao país destacar-se comomaior produtor de café do mundo. No entanto,verifica-se que muitos impactos sócio-ambientaisforam desencadeados durante esse processo.Entre os principais impactos estão o alto índice dedesmatamento da Mata Atlântica e do Cerradopara implantação dos monocultivos de café, aperda da biodiversidade faunística e florística, acontaminação e degradação dos recursos hídricospelo constante uso dos agroquímicos e destruiçãodas matas ciliares, intoxicações e mortes detrabalhadores ocasionadas pelos agrotóxicos.Além de causar o empobrecimento do solo edesequilíbrio ambiental acompanhado dosurgimento de pragas e doenças que ocasionamseveros danos às lavouras.

As atuais crises econômica e ecológica globaisevidenciam e expõem a insustentabilidade dopadrão produtivo da agricultura industrial,estampado na dependência dos países do primeiromundo centrados na importação de commoditiesagrícolas produzidas no terceiro mundo, dentreelas, o café. Esse fato vem chamando a atençãopara a convergência de três grandes dilemasdescritos por Petersen & Almeida (2008) com osquais a humanidade se depara: o primeiro serefere ao aumento exponencial dos preços dopetróleo e suas implicações diretas sobre oscustos dos agroquímicos; o segundo está ligadoaos impactos ainda imprevisíveis das mudançasclimáticas sobre a produção alimentar; o terceiro éa degradação e a perda em ritmos acelerados daagrobiodiversidade, dos solos e dos recursoshídricos em função do emprego de métodospredatórios de produção agrícola que vêm sendofavorecidos por atraentes políticas públicas esubsídios.

O modelo de cafeicultura adotado no Brasil,desde o início do século XIX, caracteriza-se pelomonocultivo a pleno sol, e, portanto, com baixo

nível de diversidade biológica, desconsiderando aidéia de que o cafeeiro pode ser cultivado abaixodo dossel das florestas, a exemplo dos cafeeirosda Colômbia, Venezuela, Costa Rica, México,Nicarágua e Panamá (BEER, 1997; ESCALANTE,1997; SCHIBLI, 2001 apud AGUIAR-MENEZES etal., 2007). Na cafeicultura orgânica, adiversificação do sistema pode ser obtida pelaincorporação de árvores que proporcionamsombra, aporte de matéria orgânica, maiorciclagem de nutrientes e conservação do solo,hospedagem de maior diversidade de organismos;além de serem fontes de alimentos, lenha emadeira para as famílias rurais (AGUIAR-MENEZES et al., 2007).

A pesquisa brasileira vem sendo impulsionadapara a busca de soluções mais ecológicas eeconomicamente viáveis, principalmente para ospequenos e médios agricultores (RICCI & NEVES,2006; RICCI & OLIVEIRA, 2007). Ademais,preocupações com a qualidade dos alimentos e asquestões sócio-ambientais engajadas nosprocessos de produção agrícola são crescentespor parte dos consumidores. Face às crises sócio-ambientais geradas a partir do modelo dedesenvolvimento rural e tecnológico, vinculado aosparadigmas da Revolução Verde, vemos cada vezmais necessário investigar formas alternativas demanejo dos recursos naturais e de organizaçãosocial, capazes de responder positivamente aosdesafios da produção agrícola sustentável, dapreservação da biodiversidade sócio-cultural e dainclusão social (MOREIRA, 2003).

De uma forma geral o sistema convencional demanejo agrícola utilizado pela cafeicultura atual écaracterizado pela artificialização e simplificaçãodos agroecossistemas, formado geralmente porplantas geneticamente similares ou idênticas, quetêm sido selecionadas como propósito de aumentoda produtividade, sendo altamente dependente deinsumos externos da propriedade (pesticidas,

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fertilizantes solúveis, máquinas e combustíveis).Tal manejo proporciona um severo desequilíbrioecológico e tende a alterar os processos de auto-regulação de pragas e doenças, diminui o poderde recuperação dos agroecossistemas frente àsadversidades climáticas e fitossanitárias,desregulando a estabilidade, flexibilidade,resiliência, equidade e auto-suficiência que osagroecossistemas diversificados possuem.

A busca de sistemas agrícolas sustentáveis ediversificados de baixa utilização de insumos eque utilizam eficientemente a energia, éatualmente motivo de preocupação depesquisadores, agricultores e políticos em todo omundo. Assim, como resposta ao modeloprodutivista surgiram por volta de 1920 algunsmovimentos contrários à agricultura moderna. Deacordo com Ehlers (1994) os principaismovimentos de agricultura alternativa que sedestacaram neste período foram agrupados emquatro grandes vertentes: agricultura biodinâmica,orgânica, biológica e natural. Tais movimentosevidenciavam a importância da complexidade nosagroecossistemas, o uso da matéria orgânica nossolos, práticas agrícolas que respeitassem as leisda natureza e o meio ambiente, prezasse osanseios sociais e maximizassem os processosbiológicos.

Considera-se sistema orgânico de produçãotodo aquele em que se adotam tecnologias queotimizem o uso de recursos naturais e sócio-econômicos, respeitando a integridade cultural etendo por objetivos a auto-sustentação no tempo eno espaço, a minimização da dependência deenergias não renováveis e a eliminação deemprego de agrotóxicos e outros insumos artificiaistóxicos, privilegiando a preservação da saúdeambiental e humana (THEODORO, 2002).

O conceito de sistemas orgânicos de produçãoagropecuária e industrial abrange os denominadosecológicos, biodinâmicos, natural, regenerativo,biológico e permacultura (THEODORO, 2002). Noentanto, com relação ao manejo adotado nesses

modelos de agricultura alternativa há muitasdivergências, alguns são altamente dependentesde energia externa e possuem arranjossimplificados (monoculturas) e outros bemdiversificados e conduzidos somente com osrecursos encontrados nas unidades produtivas.

A agricultura biodinâmica preconiza a modernaabordagem sistêmica, entendendo a propriedadecomo um organismo e destacava a presença debovinos como um dos elementos centrais para oequilíbrio do sistema (KHATOUNIAN, 2001).

A agricultura natural procura imitar osprocessos biológicos estabelecidos na natureza,evita as intervenções drásticas nos sistemasprodutivos e prioriza a ciclagem energética. Suaspráticas agrícolas principais concentram-se narotação de culturas, cobertura vegetal e nafertilização baseada em compostos orgânicoscujas fontes sejam exclusivamente de origemvegetal. O esterco bovino e demais materiais deorigem animal são considerados impuros, portantodeve-se abster deles nos sistemas agrícolasbaseados na agricultura natural. Segundo Borges(2000) na agricultura natural o esterco, além dedeixar os alimentos impuros, é visto como umcontaminante dos recursos naturais. O controle depragas e doenças é baseado somente no manejoconservativo e aumentativo da agrobiodiversidadee biodiversidade.

De acordo Caixeta e Pedini (2002) o sistemaorgano-mineral é um sistema que tem crescido emvolume de produção, principalmente de café, etambém pode ser denominado de SAT (semagrotóxicos), tratando-se de um manejo no qual oagricultor elimina da propriedade toda e qualquerforma de aplicação de agrotóxicos, mas continuautilizando, por um período determinado,fertilizantes sintetizados quimicamente.

O movimento da Permacultura desenvolveu-sena Autrália a partir da idéia da criação deagroecossistemas sustentáveis através dasimulação dos ecossistemas naturais, priorizandoas culturais perenes como elementos centrais

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(KHATOUNIAN, 2001). Segundo Altieri (1987)apud Altieri (2002b) a estratégia chave daagricultura sustentável é a restauração dadiversidade na paisagem agrícola. Dessa forma, ossistemas agroflorestais surgem como capazes demelhorar as condições atuais, podendo fornecerbens e serviços, integrados a outras atividadesprodutivas da propriedade.

Com as recentes tendências ecológicas naagricultura, tanto o manejo agroflorestal quanto omanejo orgânico do cafeeiro constituem-se emtecnologias importantes para a recuperação dossolos degradados, que, durante muitos anos, foramsubmetidos ao manejo intensivo desta cultura(ALFARO-VILLATORO, 2004). No sul do México,em um estudo realizado por Moguel e Toledo(1999), em plantações de café, foram reconhecidoscinco tipos de sistemas de produção de café,distinguidos em concordância com o nível demanejo, a composição vegetativa e a estrutura dosextratos (SMBC, 2006).

Dada a atual crise econômica e ecológicaenfrentada pela cafeicultura baseada no usointensivo de agroquímicos e a diversidade demodelos alternativos à produção convencional, opresente trabalho teve o intuito de analisar algunsaspectos sócio-econômicos, ambientais efitossanitários de agroecossistemas cafeeiros sobmanejos convencional, organo-mineral, orgânico eagroflorestal conduzidos no sul de Minas Gerais, afim de possibilitar uma análise comparativa dasdiversas vertentes da cafeicultura de baseecológica.

MetodologiaA pesquisa foi realizada em lavouras cafeeiras

localizadas nos município de Poço-Fundo eMachado, sul de Minas Gerais. O município dePoço-Fundo situa-se a 21° 46’ de latitude sul e45° 57’ de longitude oeste e faz fronteira com omunicípio de Machado. Possui área de 475 Km²,clima tropical-temperado, temperatura média anual

de 20ºC, precipitação média anual de 1592,7 mme altitude máxima de 1435m. Machado é ummunicípio localizado no sul/sudoeste de MinasGerais, possui as seguintes coordenadasgeográficas: latitude 21º 39' 59 S e longitude 45º55' 16 W . Possui uma área de 594,54 Km², climatropical de altitude e um parque cafeeiro de 14.500hectares.

Com a colaboração da Coopfam (Cooperativados Agricultores Familiares de Poço-Fundo), quereúne mais de 200 cafeicultores orgânicos,selecionou-se os agroecossistemas de interesseao estudo. Sendo encontrados três sistemas deprodução cafeeira (convencional, organo-mineral eorgânico) em uma mesma propriedade familiar,denominada Sítio Boa Vista, no município dePoço-Fundo, e um agroecossistema agroflorestal,no Sitio Canaã, que denominamos de agroflorestalorgânico natural, no município vizinho deMachado/MG.

A pesquisa foi realizada com base no DRP(Diagnóstico Rural Participativo), onde oscafeicultores puderam participar de diálogos eentrevistas semi-estruturadas conduzidas atravésde um intercâmbio de saberes estabelecido entreos agricultores e o pesquisador. Além da aplicaçãode questionários semi-estruturados aoscafeicultores, realizaram-se visitas periódicasmensais nos agroecossistemas já evidenciadoscom o intuito de acompanhar o manejo efetuadonos sistemas e monitorar a incidência dasprincipais pragas do cafeeiro (broca e bicho-mineiro) ao longo do ano de 2008. O DRP(Diagnóstico Rural Participativo), é um conjunto detécnicas e ferramentas que permite que ascomunidades participem ativamente dodiagnóstico do agroecossistema e a partir daísejam capazes de auto gerenciar o seuplanejamento e desenvolvimento.

As amostragens de folhas para determinaçãoda incidência do bicho-mineiro (Leucopteracoffeella) em cada sistema de produção foram

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realizadas no terço mediano de cada planta,tomada aleatoriamente por meio de caminhamentoem zigue-zague nos agroecossistemascaracterizados. Coletou-se no terço mediano docafeeiro 10 folhas do 3º ou 4º par em todos oslados da planta (norte/sul e leste/oeste), sendoamostrados 20 cafeeiros por agroecossistema,totalizando 200 folhas coletadas. As folhas foramacondicionadas em sacos de papel para posteriorquantificação da doença em laboratório. Adeterminação da incidência do bicho-mineiro foirealizada por meio de coletas mensais durante operíodo de dezembro de 2007 a novembro de2008. De acordo com Matiello (2005), aporcentagem de ocorrência da praga foideterminada segundo a expressão:

Incidência (%) = (n° de folhas com lesões x100)/ (n° total de folhas coletadas )

A infestação por broca Hypothenemus hampei(FERRARI, 1867) nos frutos foi determinada emamostragens não-destrutivas, pois se realizou omonitoramento sem retirada dos frutos. Foramrealizadas observações mensais a partir dedezembro de 2007 até junho de 2008, período quecoincidiu com o início da colheita do café. Ainfestação por broca foi quantificada observando-se 32 plantas tomadas aleatoriamente(caminhamento em ziguezague) poragroecossistema, 6 pontos/planta, sendo 1 pontopor terço (superior, médio e inferior) em cada ladoda planta (norte/sul), totalizando 2 pontos porterço. Em cada ponto avaliavam-se 10 frutosagrupados e o ponto amostrado correspondia a umramo plagiotrópico do cafeeiro. De acordo comMartins (2003), a porcentagem de infestação porbroca nos frutos foi determinada segundo aexpressão:

Infestação da broca (%) = (n° de frutosbrocados x 100)/ (n° total de frutos amostrados)

Resultados e discussõesAspectos sócio-econômicos e ambientais dos

agroecossistemasO sistema convencional de produção de café

estudado utiliza anualmente diversos tipos deagroquímicos para a nutrição dos cafeeiros econtrole fitossanitário. No período de avaliação alavoura convencional recebeu adubações de NPK,pulverizações foliares de micronutrientes efungicida sistêmico (Flutriafol), sendo que cadacafeeiro foi adubado com 450 g de 20.05.20,divididas em 2 aplicações, no período dedezembro a março de 2008. Foram feitas trêspulverizações a cada 40 dias, iniciadas emdezembro de 2008; a primeira foi realizada com 3 lde Dacafé Cerrado/ha, a segunda com 2,5 kg deNutricafé ha-1 e a terceira com 1,5 l de Borolíquido ha-1 (o agricultor não especificou asconcentrações dos produtos).

Os cafeicultores com uso intensivo em insumosquímicos relatam com freqüência a necessidadede um controle preventivo de pragas e doenças.No entanto é necessário ter-se cautela comrelação a esse enfoque sanitarista convencional,pois o uso de agrotóxicos nem sempre resolverá oproblema do agricultor. Em muitos casos, poderáocasionar o surgimento de pragas e doenças ouagravar esses problemas de ordem sanitária. Alémde causar um aumento do custo de produção àcultura, o uso de agroquímicos minimizará osdanos causados pelas pragas e doenças numcurto espaço de tempo, sendo necessária autilização contínua dos agrotóxicos.

No processo de transição agroecológica sabe-se que o rompimento do uso de agroquímicosocorre de maneira gradual ao longo do tempo(FEIDEN, 2002). Dessa forma, pode-se afirmarque o agroecossistema cafeeiro organo-mineralanalisado encontra-se nesse processo deconversão e é caracterizado pela ausência de

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agrotóxicos em seu manejo. Os cafeeirosconduzidos nesse modelo produtivo utilizaramfertilizantes químicos somente durante o períodoavaliado. Entretanto, também receberam outrosinsumos para a nutrição e sanidade dos cafeeirosnos anos anteriores, mas eram de origem orgânica(Tabela 2).

Os agroecossistemas cafeeiros orgânicosanalisados estão caracterizados nas Tabelas 1 e 2,como “orgânico” e “agroflorestal orgânico natural”.Ambos os sistemas possuem certificação orgânicapela certificadora BCS OKO Garäntie, no entantodiferem-se no manejo agrícola e na diversidadebiológica. O agroecossistema orgânico é arranjadoem monocultura e, portanto, depende de imputsexternos à propriedade para sua manutenção e oagroecossistema agroflorestal possui uma alta

diversidade (agrobiodiversidade e biodiversidade).O sistema orgânico caracteriza-se pelo usoconstante de insumos externos à propriedade, taiscomo farelo de mamona, palha de café, estercosde animais e produtos ecológicos(industrializados) no controle de pragas e doenças,apesar de não ter utilizado todos esses produtosno período de realização do estudo (Tabela 1). Jáo sistema agroflorestal orgânico natural écaracterizado pela realização do manejo das ervasespontâneas com enxada e roçadeira, a nutriçãodo cafeeiro é feita com subprodutos do café(palha) e, principalmente, com a serrapilheiraacumulada através dos restos de folhas, ervasespontâneas e galhos oriundos do sistemaagroflorestal.

Verificou-se que o sistema agroflorestal

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Tabela 1: Manejo adotado nos agroecossistemas convencional, organo-mineral, orgânico, agroflorestalorgânico natural de outubro/07 a novembro/08.

utilizado pelo agricultor representa a junção de 3estilos de agricultura, pois possui princípios epráticas que condizem com a agricultura orgânica,a natural e a permacultura (sistemasagroflorestais). No entanto, denominamos estesistema como agroecossistema agroflorestal nointuito de facilitar didaticamente a definição dos 4tipos de agroecossistemas evidenciados noestudo.

Em 2001 o sistema agroflorestal recebeu acertificação do café, banana e eucalipto orgânicospela certificadora BCS Öko-Garantie (certificadoraalemã com reconhecimento do Ministério daAgricultura e do Abastecimento do Brasil).Atualmente, a produção do sistema agroflorestalpossibilita a comercialização de banana orgânica(150 caixas por mês) e o eucalipto orgânico(moirões, tábuas etc.) nos mercados locais deMachado, além de comercializar a madeira paracarvoarias da região. Diferentemente dos demaissistemas alternativos de produção aqui estudados,o café produzido no sistema agroflorestal é vendidopara a Inglaterra através dos parceiros (corretores)

comercializadores de café, Bourbon SpecialtyCoffee, que compram o seu café e, juntam comoutros lotes de café orgânico para completarcontêineres de 300 a 500 sacas e os exportam.Pois o proprietário do sistema agroflorestal não écooperado da COOPFAM. Nos últimos três anostêm-se alcançado cerca de R$ 500,00 reais pelasaca de café beneficiado (quase o dobro do preçoem relação à saca de café convencional) e a safrade 2008 poderá ser vendida em torno de U$210,00 dólares a saca de 60 kg. Em 2001, quandoum lote de seu café orgânico foi eleito como 2°melhor do concurso de qualidade Cup ofExcellence, promovido pela BSCA – BrazilSpecialty Coffee Association, teve a oportunidadede vender o café a preços bastante elevados. Nasafra de 2008, ficou entre os 80 melhoresclassificados do Brasil no mesmo concurso dequalidade do café que privilegia a qualidade dabebida do produto.

Em 2008 a produção do café na propriedadecom sistema agroflorestal alcançouaproximadamente 180 sacas beneficiadas, na área

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Tabela 2: Área, cultivar, plantio, números de plantas, produção e produtividade das áreas amostradas(agroecossistemas convencional, organo-mineral, orgânico e agroflorestal).

total de 10 hectares de lavoura cafeeira, obtendouma produtividade média de 18 sacas/ha. Noentanto a produtividade média do café nos últimosquatro anos foi de 14 sacas beneficiadas/ha.

Pode-se observar que os agricultores familiaresque adotaram os sistemas de manejo organo-mineral, orgânico e agroflorestal orgânico natural,além de possuírem ideais no tocante às questõesambientais, sociais, culturais, preocupam-se com aqualidade do produto a ser destinada aoconsumidor, fato que podemos associar aosprincípios éticos e econômicos que a cafeiculturaorgânica local possui.

Na Tabela 2, pode-se observar o tamanho daárea de todos os agroecossistemas, bem como acultivar, época de plantio, número de plantas eprodutividade nos últimos 4 anos. Através daTabela 2 notou-se que a produtividade doagroecossistema convencional é inferior ao organo-mineral e orgânico, apesar de ser o sistema quemais recebeu insumos, conseqüentemente, possuimaiores custos de produção e não possui valoragregado no café como os demais sistemas. Deacordo a COOPFAM, cooperativa que recebe ecomercializa os lotes de café produzidos nossistemas organo-mineral e orgânico (monocultura),nos últimos três anos tem-se alcançado cerca deR$ 480,00 reais pela saca de café orgânico (quaseo dobro do preço em relação à saca de caféconvencional) e R$ 310,00 pela saca de caféorgano-mineral. A boa produção dos sistemasagroecológicos unida aos bons preços obtidos emmercados externos tem proporcionado umasatisfação aos agricultores familiares, pois osmesmos declaram possuir uma renda que atendetodos os anseios e necessidades dos atoressociais envolvidos nas atividades agrícolas dafamília.

Aspectos agronômicos e fitossanitários dosagroecossistemas

Bicho-mineiro (Leucoptera coffeella – Guérin –Mèneville, 1842)

Segundo Souza et al. (1998), deve-seconsiderar, para início do controle dessa praga,20% ou mais de folhas minadas no terço superior(local de coleta de folhas) ou 30% ou mais defolhas minadas nos terços médio e superior (locaisde coletas de folhas) dos cafeeiros.

Consideram-se folhas minadas com minasintactas, de qualquer tamanho. No sistemaconvencional, as infestações do bicho-mineiro docafeeiro não ultrapassaram 2% no período dedezembro de 2007 a agosto de 2008. Somentenos meses de setembro e outubro teve-se um picopopulacional crescente, atingindo níveis de 3,5% e4,5%, consecutivamente, conforme segue naFigura 1.

No entanto, tais níveis de incidência sãoconsiderados incapazes de causar danoeconômico à cultura. Verificou-se noagroecossistema organo-mineral níveis baixos deincidência do bicho-mineiro em todas asavaliações. Como pode ser observado na Figura I,no mês de dezembro de 2007 obteve-se 3% deinfestação. De janeiro a agosto de 2008, osíndices não ultrapassaram 2% e em outubroobservou-se o maior pico populacional (8,5%). Noentanto, em nenhuma avaliação a evoluçãopopulacional da praga mostrou-se capaz dealcançar níveis que viessem a causar danoeconômico ao sistema cafeeiro produtivomanejado nos moldes da cafeicultura organo-mineral.

Já no agroecossistema orgânico os níveis deincidência da praga não atingiram 2% em todos osmeses de avaliação, com exceção do mês desetembro, chegando-se a um índice de 2,5%(Figura 1). Justifica-se que as avaliações nessesistema de manejo foram feitas somente até o mêsde setembro pelo fato da lavoura ter sofrido umaforte chuva de granizo e conseqüentemente, oagricultor realizou uma poda drástica nos

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cafeeiros.Os cafeeiros conduzidos no agroecossistema

agroflorestal sofreram mínimas infestações nosmeses de dezembro de 2007 a agosto de 2008,com oscilações na incidência entre 0,5% e 5,5%(Figura 1). No entanto, verificou-se que aincidência da praga evoluiu crescentemente nosmeses de setembro, outubro e novembro de 2008,período caracterizado pelas poucas chuvas e altastemperaturas no município. Nesses três últimosmeses avaliados (setembro, outubro e novembro),a infestação do bicho-mineiro atingiu os índices de9,5%, 19,5% e 16,5%, consecutivamente. Salienta-se que mesmo com esse pico populacional dapraga a sua incidência não foi suficiente paraalcançar o nível econômico de dano estabelecidopara esta praga.

Acredita-se que o grande porte dos cafeeiros, oalto índice de enfolhamento e um espaçamentomenor possibilitaram o auto-sombreamento doscafeeiros nos agroecossistemas convencional,orgânico e organo-mineral, diminuindo a insolaçãoe altas temperaturas, interferindo nas condiçõesclimáticas favoráveis ao desenvolvimento da praga.

Cafeeiros plantados em espaçamentos adequadospara alta tecnologia propiciam melhores condiçõespara o ataque do bicho mineiro, desenvolvendo-sebem em condições de maior insolação e baixaumidade do ar (REIS et al., 2002).

Através de observações a campo durante ascoletas dos dados de infestação de bicho-mineironotou-se um menor índice de enfolhamento e portedos cafeeiros no agroecossistema agroflorestal emrelação aos demais agroecossistemas. Essasvariações possivelmente contribuíram com asmaiores infestações do bicho-mineiro no sistemaagroflorestal. O baixo nível de enfolhamento e oporte reduzido dos cafeeiros permitem índiceselevados de solarização nas folhas das plantas decafé, afetando o microclima do agroecossistema.Além disso, o sistema agroflorestal ainda nãopossuía um dossel suficiente para sombrear oscafeeiros. Tais variáveis favorecem uma elevaçãoda temperatura no ambiente agrícola, condiçãonecessária para o crescimento populacional dobicho-mineiro.

Provavelmente o estado fisiológico doscafeeiros seja afetado pelo sistema de colheita

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Figura1: Incidência do bicho-mineiro (Leucoptera coffella) nos agroecossistemas cafeeiros convencional,organo-mineral, orgânico e agroflorestal no sul de Minas Gerais

seletiva adotado no sistema agroflorestal. E acondição fisiológica das plantas de café poderáinfluenciar positivamente a infestação do bicho-mineiro. Sabe-se que este sistema de colheitapermite a obtenção de café com excelentequalidade. No entanto, a maturação desigual elenta dos frutos ocasionada pelas diversas floradasem períodos distintos e pelo sombreamentopermite que a presença de frutos nas plantas seprolongue por um período maior de tempo, umavez que a retirada de frutos dos cafeeiros ocorrerásomente quando estes estiverem no estágio decafé cereja. Além disso, possivelmente osmecanismos de defesa do cafeeiro são afetadospelo desgaste energético causado pela granação ematuração dos frutos, que no caso, foi por umperíodo maior de tempo. A disponibilidade denutrientes minerais pode influenciar a seleção dohospedeiro pelo inseto por alterar a composiçãoquímica, a morfologia e anatomia, bem como afenologia da planta (MARSCHNER, 1995 apudCAIXETA et al., 2004). Alta disponibilidade de Naumenta o teor foliar de aminoácidos e proteínas,bem como o crescimento vegetativo, retardando amaturação e lignificação dos tecidos, enquantoque, a adequada nutrição potássica aumenta essalignificação (CAIXETA et al., 2004). Dessa forma,estudos futuros nessa linha temática poderãoaveriguar a hipótese levantada neste trabalho.

Outra hipótese levantada no estudo diz respeitoao manejo agroflorestal adotado na propriedade,pois talvez ele não consiga suprir as necessidadesnutricionais do cafeeiro. Aporte de nutrientes viamanejo orgânico do solo (aplicação de compostoorgânico, manejo sistemático da biomassa vegetal)é fundamental à nutrição e sanidade das plantas.

De qualquer forma, os resultados observadosnesta pesquisa indicam que as infestações dobicho-mineiro nos sistemas alternativos deprodução não atingiram níveis capazes de gerardano econômico à cultura. Tais dados confirmamas afirmações de Khatounian (2001), de que a

exclusão dos agrotóxicos e de adubos solúveis, autilização de biomassa como fertilizante, oestímulo à biodiversidade e o uso de algunspreparados, no seu conjunto, têm-se mostradoeficientes para reduzir os danos por pragas.

Apesar de não ser objetivo do presentetrabalho, observou-se sinais de predação daslagartas do bicho-mineiro por vespas. De acordoReis et al. (2002), a ocorrência do bicho-mineiroestá condicionada a diversos fatores, dentre eles apresença ou não de predadores e parasitóides.Acredita-se que a presença de fragmentos dematas no entorno de todos os agroecossistemascaracterizados servem como abrigo e fonte dealimentos secundários aos inimigos naturais dobicho-mineiro, sendo uma das determinantes quepossibilitaram níveis de infestações abaixo donível de dano econômico em todas as avaliaçõesdos agroecossistemas estudados.

Sabe-se que o café no Brasil, desde o início desua implantação no século XVIII até os dias atuais,é realizado em monocultivos a pleno sol,acarretando maiores níveis de insolação e altastemperaturas nos agroecossistemas, o quecontribui positivamente com elevadas infestaçõesdo bicho-mineiro, se não for monitorado econtrolado com o uso de inseticidas.

Por isso, acredita-se que a arborização doscafeeiros é uma prática cultural indicada para aminimização da insolação e altas temperaturasnos agroecossistemas e, conseqüentemente, ummicroclima nessas condições evidenciadasdiminuirá a evolução da infestação da praga.Segundo Guharay et al. (2001), a presença deárvores no sistema reduz a temperatura e aentrada de luz, e aumenta a umidade no ambiente,variáveis que influenciam as dinâmicas daspragas.

A associação de cafeeiros com espéciesarbóreas pode significar maior estabilidade daprodução, redução da bienalidade, redução daincidência de plantas daninhas e da seca dos

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ponteiros, do bicho-mineiro, proteção contrageadas e uma diversificação da fonte de renda doprodutor (CAMPOE et al., 2003a e b apud RIGHI,2005), (LUNZ et al., 2004 apud RIGHI, 2005).

Broca-do-café (Hypothenemus hampei – Ferrari,1867)

As avaliações da infestação da broca-do-caféforam realizadas através de análises nãodestrutivas, ou seja, avaliavam-se a presença ounão de frutos brocados sem retirá-los doscafeeiros, de acordo com a metodologia jádescrita. Os monitoramentos foram realizadosmensalmente, com início das avaliações emdezembro de 2007 e término em junho de 2008.

De acordo com Moraes (1997) apud Martins(2003), os danos provocados pela broca-do-cafécomeçam quando a infestação atinge valores de 3a 5% ou acima de 5%.

No agroecossistema convencional pode-severificar o início de uma pequena infestação de0,46% somente em fevereiro de 2008. Em marçoocorreu um decréscimo da infestação (0,31%), em

abril e maio observaram-se os maiores índices,1,3% e 1,35%, consecutivamente, e no último mêsde avaliação (junho) obteve-se 0,98% (Figura 2).

No agroecossistema organo-mineral observou-se baixíssimos índices de infestação da broca,onde a incidência variou de 0,052% a 0,67% noperíodo de avaliação, conforme se pode observarna Figura 2. Coincidentemente, noagroecossistema orgânico a infestação da brocaatingiu níveis parecidos aos encontrados nosistema organo-mineral, variando de 0,05% a0,72% (Figura 2).

Como se pode observar na Figura 2, aevolução populacional da broca-do-café noagroecossistema agroflorestal manteve-se abaixode 0,6% em todos os meses que se realizou omonitoramento, exceto no mês de maio ondeatingiu um índice de 1,14%. No entanto, em todasas avaliações realizadas evidenciaram-se índicesinsignificantes de infestação.

Verificou-se que, em nenhum agroecossistema,a infestação da broca-do-café foi superior a 3%,porcentagem representativa do nível de dano

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Figura 2 : Incidência da broca-do-cafeeiro (Hypothenemus hampei) em agroecossistemas convencional,organo-mineral, orgânico e agroflorestal no sul de Minas Gerais.

econômico. Dentre todos os sistemas, oconvencional obteve o maior índice de infestaçãoem maio de 2008 (1,35%), conforme se podeobservar na Figura 2. E os agroecossistemasorgano-mineral e orgânico atingiram infestaçõesmenores que 0,67% e 0,72%, consecutivamente(Figura 2).

Em todos os agroecossistemas (convencional,organo-mineral e orgânico), a colheita foi feita comderriçadores costais motorizados, com exceção doagroflorestal, que foi realizada de forma seletiva emanual, onde se privilegiava somente a retirada defrutos cereja. Na colheita mecanizada, enquanto ooperador da máquina derriçava os frutos, umaoutra pessoa realizava o repasse através dacolheita manual.

Os dois sistemas de colheita utilizados peloscafeicultores evidenciam práticas agrícolasessenciais ao manejo alternativo da broca-do-café.A derriça do café sobre panos de polietilenojuntamente com repasse para retirada dos grãosremanescentes e a colheita seletiva somente dosfrutos maduros visam uma colheita bem feita,evitando-se deixar frutos nas plantas e no solo. Acolheita seletiva impede a possível queda de frutossecos no chão, que servem de abrigo para apraga.

Sabe-se que frutos deixados na planta ou nochão representam riscos de infestações da brocano ano seguinte, pois elas utilizam esses frutosremanescentes como abrigo nos períodos quepodem variar de maio a novembro (entressafra),dependendo da época da colheita e floração docafé, iniciando um novo ciclo com entrada nosfrutos “jovens”, conhecidos como chumbinhos.

Apesar das infestações da broca nosagroecossistemas avaliados não atingirem níveiscapazes de causar dano econômico, pode-seconstatar que a lavoura cafeeira convencionalsofreu maior incidência da praga mesmo utilizandoo inseticida Endossulfan, obtendo em algunsmeses de avaliação o dobro da infestação em

relação aos demais sistemas que não utilizaramagrotóxicos. Presume-se que assim oagroecossistema convencional teve um custoadicional na compra do inseticida e na aplicaçãodo mesmo, enquanto os agroecossistemasalternativos adquiriram maior resiliência à pragadevido ao manejo utilizado e ao possível equilíbriobiológico gerado pela abstinência ao uso deagrotóxicos nos sistemas.

Considerações finaisA produtividade média alcançada pelos

sistemas organo-mineral e orgânico nos últimosquatro anos foi superior à produtividade obtidapelo agroecossistema convencional, talvez peloseu maior equilíbrio, por não receberemagrotóxicos, que é, dentro da teoria da trofobiose,uma das causas deste desequilíbrio. Já o sistemaagroflorestal possui uma produtividade debiomassa maior do que a encontrada em todos ossistemas (150 caixas de banana/mês, uma boaquantidade de madeira e frutos não mensurada napesquisa, 14 sacas de café ha-1 ano-1).

Além de evidenciar sustentabilidade sócio-ambiental, o resultado da pesquisa evidencia asustentabilidade econômica desses sistemasagrícolas alternativos, tanto questionada pormuitos agricultores, técnicos e pesquisadores.Assumindo importante estratégia dedesenvolvimentos rural sustentável para acafeicultura sul mineira.

Em todos os agroecossistemas monitorados, ouseja, o agroecossistema convencional, o organo-mineral (SAT), o orgânico (monocultivo) e oagroflorestal (biodiverso), ambos manejados pelaagricultura familiar, a infestação da broca-do-cafénão atingiu nível de dano econômico.Provavelmente, esse resultado foi possível porquese realizou uma colheita do café bem feita emtodos os agroecossistemas, evitando-se deixarfrutos nos cafeeiros. Dentre todos osagroecossistemas, o convencional obteve o maior

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índice de infestação da praga, apesar de terutilizado controle químico, fato que causouaumento nos custos de produção. A utilização deagrotóxicos no sistema convencional de manejopode ter proporcionado um desequilíbrio biológico,possibilitando maior infestação da broca nesteagroecossistema.

Situação parecida ocorreu com os resultadosda infestação do bicho-mineiro, pois não atingiunível de dano econômico em nenhum dos sistemasavaliados. Os baixos índices de infestação debicho-mineiro encontrados em todos osagroecossistemas estudados podem estarrelacionados ao porte alto dos cafeeiros, ao altoíndice de enfolhamento, e um espaçamento semi-adensado, que possivelmente possibilitaram oauto-sombreamento da cultura, diminuindo ainsolação e altas temperaturas, condiçõesclimáticas estas favoráveis ao desenvolvimento dapraga. E os baixos níveis de infestação de ataquedo bicho-mineiro no sistema convencional podemser atribuídos à aplicação de inseticida.

Averiguou-se neste trabalho que o manejoecológico adotado pelos agricultores familiares dosul de Minas Gerais foi eficiente no controle daspragas, bicho-mineiro e broca-do-café. Com osresultados dessa pesquisa, verificou-se que ossistemas alternativos de produção de café (organo-mineral, orgânico e agroflorestal), representamdiferentes maneiras de relacionamento com anatureza, respeito aos processos ecológicos e aomeio ambiente.

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