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O DEPOIMENTO DE JOSÉ RIBEIRO ESCOBAR NOS INQUÉRITOS DO JORNAL
O ESTADO DE SÃO PAULO (1914 E 1926)
ANA MARIA ANTUNES DE CAMPOS
RESUMO: Este texto tem por objetivo analisar a atuação de José Ribeiro nos Inquéritos
Educacionais organizados pelo jornal O Estado de São Paulo nos anos de 1914 e 1926. O jornal
O Estado de S. Paulo, na sua origem, não tinha característica partidária, mas defendia a pauta
republicana; contudo após o controle do jornal em 1897 pelos Mesquitas o jornal passa a
difundir os pontos de vistas de um grupo partidário, e este foi o motor propulsor para grande
sucesso do jornal. Neste período as escolas paulistas eram a missão dos republicanos,
consideradas modelo a ser seguido; caracterizada como uma pressuposta pedagogia moderna,
no qual o professor era especialista na arte de ensinar com o que demais moderno havia em
instrução pública. Apesar do discurso que apregoava a escola pública paulista como referência,
os intelectuais paulistas sabiam, desde os anos dez, sobre as falhas do sistema de ensino e esses
fracassos foram apontados nos Inquéritos de 1914 e 1926. Na década de 1910, o jornal O Estado
de São Paulo questionava e criticava o sistema educacional e ao mesmo tempo abria espaço
para que os educadores apresentassem seus diferentes pontos de vistas, criando assim os
discursos educativos e jornalísticos. Dentre esses educadores estava José Ribeiro Escobar, que
teve grande participação no campo educacional atuando como professor e ocupando outros
cargos que lhe possibilitaram ser reconhecido como um importante intelectual paulista.
Algumas concepções de Escobar que foram divulgadas no jornal e nos inquéritos eram
compartilhadas entre os intelectuais da época. Isto posto o objetivo deste artigo é analisar sua
atuação nos inquéritos e divulgar seu ponto de vista referente a educação paulista neste período.
Palavras-Chave: José Ribeiro Escobar; Inquérito educacional; Instrução Pública Paulista,
OESP; Jornais.
Os jornais nas primeiras décadas da República se transformavam de pequenas a grandes
empresas. É o caso do jornal A Província de S. Paulo que foi criado em 1875 por Américo
Brasiliense de Almeida e Melo e Manuel Ferraz de Campos Sales, com a participação de
republicanos paulistas como Rangel Pestana que exerceu a função de redator do boletim por
muitos anos, em companhia de Américo de Campos e Júlio Mesquita que se torna anos mais
tarde diretor do jornal. (BONTEMPI, 2006). Após a proclamação da República, o jornal altera
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de São Paulo - Escola de
Filosofia, Letras e Ciências Humanas - UNIFESP. O texto faz parte da dissertação “A trajetória profissional e
intelectual de José Ribeiro Escobar (1903-1938)”, sob orientação da professora Dra. Mirian Jorge Warde.
seu nome para O Estado de S. Paulo e deixa de ser um pequeno noticioso para se tornar um
membro proeminente da grande imprensa paulista.
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A imprensa era um aparelho eficiente na propagação do pensamento conservador tanto
quanto das ideias inovadoras no campo intelectual, assim “a expansão da imprensa e de outros
veículos para a produção cultural (revistas ilustradas, de humor, etc.) propiciou o surgimento
dos primeiros intelectuais profissionais.” (MICELI, 2001: 197).
Alguns desses jornais foram criados por intelectuais, estudantes, associações e
agremiações; o jornal O Estado de S. Paulo, foi um deles. O jornal O Estado de S. Paulo era
um impresso laico, republicano e elitista. Era o lugar das agremiações da intelectualidade e, ao
mesmo tempo se apoiava nestes intelectuais para difundir seus ideais, sendo porta voz de teses
avançadas. Não foi uma casa editorial que se constituiu sozinha; este jornal arregimentou
intelectuais que falavam por ele e com ele, constituindo uma grande empresa; que tinha como
objetivo civilizar o Brasil através da transformação do regime político.
Atuando como porta voz de um projeto para educação, formador de opinião, educador
do adulto, o jornal lança dois Inquéritos sobre a instrução pública. Um em 1914 e outro em
1926, trazendo a público um grande debate sobre a situação das escolas públicas paulistas.
Os Inquéritos não são apenas compostos de depoimentos e críticas sobre as falhas do
sistema educacional de São Paulo, mas abordam também diferentes pontos de vistas;
estabelecem os diagnósticos referentes às escolas brasileiras, sugerem a implantação no ensino
público brasileiro de inovações pedagógicas e trazem soluções para o ensino primário e
secundário.
Inquérito 1914
Em 1914 José Ribeiro Escobar, João Lourenço Rodrigues, Pedro Voss, Paulo Pestana,
Ruy de Paula Souza, Antônio Rodrigues Alves Pereira, João Chrisóstomo, Arnaldo de Oliveira
Barreto, João Pinto e Silva, Francisco Azzi e Ramon Rocca Dordal e Oscar Thompson
participam do Inquérito sobre a instrução pública em São Paulo do jornal O Estado de S. Paulo.
Quem os escolheu foi Júlio Mesquita, o então diretor e redator chefe do jornal. Houve também
a participação de dois leitores do jornal, mantidos em anonimato, e a participação do médico
alemão Dr. Martin Ficker (BONTEMPI, 2006).
Esses senhores tiveram condições para conciliar suas diversas tarefas com seus projetos
intelectuais, com vistas a propagarem suas aspirações com relação a educação pública. Esse era
o caso dos participantes do inquérito, bem como do próprio redator chefe Júlio Mesquita.
O Inquérito foi composto de um questionário previamente estipulado, a ser respondido
pelos participantes presencialmente ou por carta, no caso de impossibilidade de
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comparecimento, devido a horários/agenda. Segundo Tanuri, o Inquérito de 1914 foi o primeiro
de que se te notícias em São Paulo e, ilustraria, “de certa forma, as preocupações pelo estado
do ensino com a instrução pública manifestadas no segundo decênio deste século e a
consciência da necessidade de um reexame dos padrões escolares vigentes na época”
(TANURI, 1979: 138).
As opiniões de José Ribeiro Escobar foram publicadas em 20 de março de 1914. O
início do texto é um elogio ao “Sr. José Escobar, professor em Itapetininga, pertence à falange,
não muito numerosa nestes dias, dos professores que amam a sua carreira e se entregam com
entusiasmo e com fé ao estudo e ao trabalho” (O ESTADO DE S. PAULO, 20/03/1914: 4).
Todavia, pode se conjecturar que José Ribeiro Escobar tenha criticado inicialmente o
Inquérito, pois, declara que o jornal só “lhe pediu para falar das lacunas do ensino.” (O
ESTADO DE S. PAULO, 20/03/1914: 4). Por outro lado, o redator do periódico se defendeu,
afirmando que sua intenção não era desmoralizar o ensino brasileiro:
Se a nossa intenção fosse depreciar o ensino, não estaríamos aqui a consultar
professores e entendidos, e coligir e a publicar as opiniões de pessoas cujas ideias e
sentimentos só ficamos conhecendo depois de lhes obter as respostas; sobretudo, não
consultaríamos altos funcionários do Estado, preferindo a isso abrir em nossas
colunas um respiradouro à multidão das queixas anônimas, que não escasseiam (O
ESTADO DE S. PAULO, 20/03/1914:.4).
Explica, ainda, que as perguntas estavam relacionadas aos problemas da instrução
pública por que tinha por objetivo informar as lacunas e defeitos, bem como indicar os remédios
que poderiam produzir algum benefício apreciável a discussão. Informa, em adendo, que “nem
o autor da presente resposta deixa de apontar muitas falhas e erros, como aliás o fizeram todos
os outros que o precederam, a par e quantos elogios entenderam de externar.” (O ESTADO DE
S. PAULO, 20/03/1914: 4). José Ribeiro Escobar se previne, declarando que em todos os países
existem lacunas e não só no ensino paulista.
O ensino paulista, como a superfície do sol, não tem somente manchas, senão
também fáculas brilhantes. Exclusivamente para as primeiras convida-me
gentilmente o Estado a trazer o meu desvalioso auxílio, apontando-as. Lacunas,
mostra-as a organização do ensino dos mais cultos países e não é o nosso magistério
que se corre do confessá-las sob-calor [sic] de ser acoimado de pessimista”. (O
ESTADO DE S. PAULO, 20/03/1914: 4).
Ele já havia contribuído anteriormente com o jornal O Estado de S. Paulo, o próprio
redator alega que “da sua lavra temos publicado diversos artigos relativos a assumptos de
ensino” (O ESTADO DE S. PAULO, 20/03/1914:4).
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Cada participante abordou as temáticas que desejava discutir. José Ribeiro Escobar
discorreu em vinte e cinco tópicos sobre as dificuldades encontradas e seus diagnósticos. Esses
tópicos são: preparo deficiente; política; preparação de professores; ensino moral e cívico;
conselho superior de educação; bibliotecas pedagógicas; cursos suplementares; missões
escolares; fiscalização do ensino; concursos; material para o ensino intuitivo; excursões
escolares; conferências pedagógicas; saraus dos pais; escolas complementares; obras de
metodologia; ordenados e recompensas; escolas rurais; inspeção médica; higiene; puericultura;
nova escola normal; as escolas Montessori; die ardeitschule1 e vários assuntos.
José Ribeiro Escobar relata a falta de organização competente e como isso era algo
inquietante, sendo imprescindível que os professores tivessem propriedade referente a
psicologia e a pedagogia. Sobre os concursos, ele acredita que deveriam exigir dos participantes
habilitação pedagógica e que era necessária uma lei mais firme que não se regenerasse de forma
vagarosa.
O depoimento de José Ribeiro Escobar foi um dos mais longos do Inquérito, ele
descreve que urge a criação de um curso suplementar, com um ou dois anos de duração para
que os professores pudessem explorar os materiais a serem utilizados, enquanto docentes e que
sem o diploma desse curso não seria possível prestar concurso e ser diretor. Ele faz referência
ao curso suplementar dos Estados Unidos, descrevendo quais são os livros lidos durante o
primeiro semestre.
José Ribeiro Escobar acredita que o governo deveria adquirir livros especiais para
consulta do professor, “urge a instalação de bibliotecas de livros e revista de pedagogia e
psicologia na sede dos 170 e poucos municípios” Segundo ele, só no ano de 1912 apareceram
cerca de 2729 artigos, revistas e livros sobre pedagogia e psicologia, e que infelizmente esses
títulos não chegaram as mãos do professorado paulista.
Um dos pontos discutidos no Inquérito foi o rumo que a Escola Normal deveria seguir,
José Ribeiro Escobar menciona que, já havia redigido um artigo sobre esse tema para o jornal
O Estado de S. Paulo. No Inquérito ele relata que as Escolas Normais de São Paulo precisam
ser de acordo com os países avançados, para ele há uma má distribuição entre as matérias, o
que torna as aulas excessivamente teóricas, posto que ele reconhece que houve uma grande
melhoria com a criação da cadeira de psicologia experimental, a construção dos laboratórios e
das Escolas Secundárias que foram criadas por intermédio do Dr. Altino Arantes.
1 Segundo José Ribeiro Escobar é um termo alemão designativo para “hora da educação pela atividade
individual.” (O ESTADO DE S. PAULO, 20/03/1914, p.4).
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A polícia mais feliz, tem um Dr. Reiss; porque não teremos um Dr. Pizzolli? A ideia,
que eu propus, venceu em toda a linha, até na escolha do nome, que poderia ser outro,
um Toulouse, por exemplo; o professor de Modena em abril estará em São Paulo,
graças ao poderoso ângulo de visão do Dr. Altino Arantes, que com isso, conquistou
mais um título de glória na gestão de sua pasta. Fala-se agora na criação de mais
uma Escola Normal Secundária em São Paulo. Confiando no patriotismo do Dr.
Altino Arantes, que já uma vez me atendeu, faço-lhe um fervoroso apelo. Essa nova
Escola Normal deve ser feita com um plano inteiramente novo, maduramente
pensado, largamente debatido, de acordo com as ideias mais adiantadas do Estados
Unidos e da Europa, como a Universidade de La Plata fez com o seu curso secundário
que hoje deslumbra as maiores notabilidades, Escola Normal deve ter uma escola-
modelo que seja um “jardim de adolescentes” na frase pitoresca de Compayré. (O
ESTADO DE S. PAULO, 20/03/1914: 4).
As principais queixas com relação a Escola Normal eram referentes ao extenso currículo
e a má distribuição da carga horária de cada matéria. Para José Ribeiro Escobar a função da
Escola Normal ia muito além de formar professores, ela iria formar os senhores do futuro, logo:
Não se deve confundir a Normal com qualquer instituito de ensino secundário. Suas
funções são melindrosas, delicadissimas: ela vai formar os bandeirantes da
civilização, os sacerdotes da patria, os órgãos do professor, o batalhão da vanguarda
na transformação de um povo, na assimliação do elemento estranho: ela vai formar
os donos, os senhores do futuro, esses que apontam a trilha a uma raça. (O ESTADO
DE S. PAULO, 20/03/1914: 4).
João Lourenço Rodrigues, antigo inspetor geral de ensino “é apontado como parte da
elite do professorado paulista”, (O ESTADO DE S. PAULO, 07/03/1914: 5), concorda com a
deficiência na regulamentação das escolhas dos profissionais, com a falta de organização das
diretorias que iniciam os trabalhos e não os concluí, bem como a falta de integração nas visitas
dos inspetores, que para ele são partes integrantes da defasagem da educação paulista.
Pedro Voss, diretor da Escola Normal Secundária de Itapetininga, expõe que não se
pode deixar de reconhecer os esforços dos poderes públicos, nada obstante o professor precisa
de um estímulo para aperfeiçoar-se e logo é imprescindível a criação do Conselho Superior de
Educação, que terá por objetivo selecionar professores competentes para exercerem o cargo.
Ele ainda explana sobre o conselho superior da Argentina e como o mesmo funciona de forma
surpreendente, sobre a organização do ensino relata que é indispensável “criar verdadeiramente
o nosso – aparelho escolar” (O ESTADO DE S. PAULO, 27/03/1914: 6).
O ensino cívico e moral foi fortemente debatido durante o Inquérito de 1914, assim
como as condições das escolas normais. Segundo Rui de Paula Souza o mestre tem que ter um
preparo especial e não só cultura e moral própria, “a sobrecarga dos programas nas Escolas
Normais não permitira ao mais esforçado dos professores de pedagogia entrar no estudo
acurado das questões referente à cultura moral”. (O ESTADO DE S. PAULO, 05/03/1914: 4).
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Para Lourenço Rodrigues não existe ensino moral sem ensino religioso. Pedro Voss acredita
que o professor deve estar “preparado para aproveitar as oportunidades que se apresentarem na
transmissão do ensino, para tirar as conclusões favoráveis ou contrárias”. (O ESTADO DE S.
PAULO, 27/03/1914: 6).
Paulo Pestana em seu depoimento em 03/03/1914, sugere a reorganização do Ensino
Normal sobre três bases: Transformar as normais primárias em escolas rurais (idênticas a da
Argentina), com instrução agrícola; remodelar as normais secundárias visando a formação do
professorado urbano; e, criar uma normal superior para diplomar professores habilitados em
estudos pedagógicos de forma à atuarem nas Escolas Normais e nos ginásios.
João Chrisóstomo acredita que é primordial dar um caráter profissional a escola
complementar, e que a Direção Geral e atual do ensino é formada de professores competentes,
armada de “plena autonomia, de modo a poder deliberar e agir livremente, e auxiliado por um
corpo de profissionais encarregados de observar e executar as suas deliberações” (O ESTADO
DE S. PAULO, 10/03/1914: 4). Ao ler o seu depoimento percebe-se que o grande problema,
para o diretor geral João Chrisóstomo é o tempo, no qual ele afirma que “o período de vinte e
dois anos, que a tanto monta o tempo decorrido desde o início das reformas escolares no regime
republicano, não tem sido suficiente para tornar perfeita uma instituição que se achava em
estado embrionário.” (O ESTADO DE S. PAULO, 10/03/1914: 4).
Diante do exposto fica evidente que era fundamental renovar o ensino público brasileiro
e voltar ao ritmo próspero vivenciado no início da república, era necessário voltar ao entusiasmo
que se esfriou, o Inquérito tinha como finalidade auxiliar neste processo, expor as dificuldades
pelo qual a escola passava e trazer diferentes pontos de vistas sobre soluções e iniciativas a
serem tomadas.
Uma das intervenções registradas como fator primordial para melhoria da instrução
pública foi a sugestão da criação de cursos intermediários, que viria solucionar a falta de preparo
dos alunos que seriam os futuros professores, assim, embora os participantes relatassem as
falhas e essas fossem maiores dos que as soluções indicadas, algumas medidas foram adotadas
após o Inquérito e a primeira solução foi a “criação do curso complementar como intermediário
entre a escola primária e a normal. Em relatório das atividades do ano de 1916, apresentado ao
Presidente do Estado, Altino Arantes, o secretário do Interior assim intercedia em favor dessa
medida.” (TANURI, 1979: 139).
Esses senhores tinham como visão proteger e dirigir os professores de forma a
estabelecer uma sólida carreira, com profissionais capacitados. Eles participavam de outros
projetos que disseminavam esses ideais, considerando “dever da atividade jornalística (em suas
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várias manifestações) seguir e controlar todos os movimentos e centros intelectuais que existem
e se formam num país” (GRAMSCI 1982: 164). Encontraram-se em outros espaços de atuação
e em distintas organizações, que circulavam suas opiniões, práticas políticas e educacionais,
assim como sua produção literária.
Grande parte dos entrevistados figurou na diretoria da Associação Beneficente do
Professorado Público Paulista (1901), entidade criada com o fim de defender e
orientar a classe docente do Estado, assim como das comissões de redação da Revista
de Ensino, sua publicação periódica. Assim, Antônio Rodrigues Alves Pereira, João
Pinto e Silva, Ramon Rocca Dordal e João Chrisóstomo dos Reis Jr. haviam sido
signatários dos estatutos da Associação; enquanto João Lourenço Rodrigues, Oscar
Thompson e José Ribeiro Escobar ingressaram na entidade após a aprovação dos
estatutos, mas se destacaram por suas atuações junto à Revista. (BONTEMPI, 2007:
3).
Os educadores partilhavam dos mesmos princípios com relação ao que diz respeito a
educação pública, eles discutiam que a qualidade do ensino havia caído, em relação aos
primeiros anos da República e que este projeto educacional já não atendia a demanda
populacional e econômica do Estado. Desse modo, os laços entre os participantes do Inquérito
não estavam apenas relacionados com o cargo que exerciam, mas organizavam-se “também em
torno de uma sensibilidade ideológica ou cultural comum e de afinidades mais difusas, mas
igualmente determinantes” (SIRINELLI, 2003: 232).
O cenário do país neste período era caracterizado pela modificação do sistema agrário-
comercial para o sistema urbano-industrial2, o que fez surgir a estrutura de uma sociedade de
classes, constituindo uma nova fase política e econômica. Esses fatores atingem o coletivo e
geram novos modelos de pensamentos e novas normas de conduta. Essas modificações foram
em vários ramos de atividades sociais e na “esfera da educação escolar, principalmente na
década dos vinte; o entusiasmo pela educação e as frequentes reformas deixam entrever o
objetivo de democratizar a cultura pela ampliação dos quadros escolares. (NAGLE, 1974: 30).
Com esse clima de efervescência e renovação política, econômica e educacional o jornal
O Estado de S. Paulo, novamente por iniciativa de Júlio de Mesquita Filho, promoveu outro
Inquérito sobre a instrução pública paulista. Por que outro Inquérito? Qual seria o objetivo?
Inquérito 1926
Segundo Nagle (1974), até 1920 o Brasil fez “uma simples preparação do terreno, a
verdade é que não havia condições sociais e pedagógicas que estimulassem o desenvolvimento
2 A esse respeito consultar: Nagle (1964); Monarcha (1990); Nery (2008).
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da nova forma de entender a escolarização” (NAGLE, 1974: 230). Assim dentre os anos de
1920 e 1929 o país estava em um clima de efervescência ideologia e de inquietação social, era
o período de uma republicanização da república3, ou seja, era necessário reeditar o país com
vistas a modificar o ensino para atender ao povo e não só a elite como foi feito no início da
república. Nesse clima de tensão, o jornal O Estado de S. Paulo, lança um novo inquérito4,
para discutir as falhas na instrução pública.
O Inquérito de 1926, assim como o de 1914, tinha por objetivo realizar um diagnóstico
do ensino público. Nesse momento “a ordem era desnudar, expor, fazer inquéritos, interpretar,
diagnosticar e medicar.” (MONARCHA, 1999: 59). Após o Inquérito de 1914 a instrução
pública teve uma avaliação nada positiva, a taxa de analfabetismo era de 65%; a estrutura de
ensino era desconexa; em 1920 o Brasil contava só com uma universidade, a do Rio de Janeiro;
havia falta de preparação de docentes e falta de um programa voltado as ciências, com caráter
formativo de uma sociedade em expansão.
Diante deste quadro educacional, era necessária uma remodelação da instrução pública
e nada mais assertivo do que ouvir os intelectuais, jornalistas, diretores e inspetores a respeito
do assunto, assim em 1926 o jornal O Estado de S. Paulo, promove outro inquérito, agora sob
a direção de Fernando de Azevedo. Esse Inquérito foi dividido em três partes, sendo
investigados os aspectos gerais do ensino no Estado: o ensino primário, secundário,
profissionalizante e superior. Como no Inquérito anterior, os participantes foram submetidos a
um questionário, porém esta investigação era composta por dezesseis perguntas que tinha por
objetivo traçar a situação do ensino e fornecer subsídios para uma intervenção precisa e eficaz.
Ao todo foram 34 depoimentos colhidos de junho a dezembro de 1926.
Nesse novo Inquérito além dos principais participantes Júlio de Mesquita Filho,
Fernando de Azevedo e Sampaio Dória, deram depoimentos, na primeira fase, acerca da
situação das escolas de ensino primário e normal: Francisco Azzi, Almeida Júnior, Renato
Jardim, José Ribeiro Escobar, Sud Mennucci e Lourenço Filho; na segunda fase, sobre o ensino
técnico e profissional: Paulo Pestana, Navarro de Andrade, J. Melo Morais, Roberto Mange,
Teodoro Braga, Paim Vieira; e na terceira fase, sobre o ensino secundário e superior: Rui Paula
3 Segundo Carvalho (2003) essa era uma das falhas da república que se esqueceu de olhar para o ensino
profissional, com vistas a pensar na organização do trabalho nacional, “para responder a problemas políticos e
sociais que a presença da fábrica gerava” (CARVALHO, 2003: 26). 4 “O grande alvo das críticas feitas pelos participantes do Inquérito entre eles Sud Mennucci, Lourenço Filho e
José Escobar, era a reforma da Instrução Pública, em São Paulo, de 1925, que “pouco mais fizeram do que jogo
de redistribuição dos anos de escolaridade entre os cursos complementar e normal”. (TANURI, 1979: 157).
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Sousa, Mário de Sousa Lima, Amadeu Amaral, Ovídio Pires de Campos, Raul Briquet, Teodoro
Ramos, Reinaldo Porchat e Artur Neiva.
O professorado tinha como desígnio elaborar um projeto de Plano Nacional que
abrangesse desde o ensino primário até o ensino superior, de forma a modificar a instrução
pública brasileira com o escopo de “educar o povo para que dele surjam as elites, ou formar a
elite para compreenderem a necessidade de educar o povo”. (AZEVEDO, 1957: 34). O
Inquérito não era composto por uma equipe qualquer, era um grupo seleto que representava a
instrução pública, conforme Fernando de Azevedo:
Não era um grupo de renovadores sectários que procuramos ouvir. De todos que
foram consultados não havia senão dois ou três tipos de reformadores que tomaram
francamente posição em favor de uma nova política nacional de educação. A maior
parte deles eram profissionais experimentados. Nenhum, porém, então se debruçou,
para contemplá-las enlevado, sobre as instituições escolares, que todos conheciam
mais de perto e das quais podiam falar, por sua experiência no magistério, com uma
autoridade incontestável. (AZEVEDO, 1957: 29).
A primeira parte do Inquérito foi publicada no jornal O Estado de S. Paulo entre 10 e
30 de junho de 1926. Esse Inquérito traz “a opinião de diversas pessoas ligadas à educação,
excetuando-se o grupo ligado à Revista Escolar, cujo principal responsável era o professor
Pedro Voss, então Diretor da Instrução Pública.” (NERY, 2008: 20). O Inquérito não contempla
depoimentos do grupo da Revista Escolar devida divergência de opinião entre Fernando de
Azevedo e do corpo editorial. O corpo editorial afirmava que o papel do impresso era de
orientação na parte didática e que seus ideias eram distintos dos escolanovistas, concepção
defendida por Azevedo5.
As questões encaminhadas aos depoentes procuravam abranger o problema da instrução
pública em sua complexidade, abrindo debate para a questão educacional. Ao todo, o Inquérito
contém dezesseis perguntas, são elas:
1) Temos nós um aparelhamento pedagógico, primário e normal, conforme as nossas
necessidades e à altura do progresso material do Estado de São Paulo? 2) Podia
apresentar em síntese as falhas e os erros mais graves do ensino primário e normal, na
sua atual organização? 3) Em que termos se deve colocar e qual a solução que deve
ter o problema do ensino primário, gratuito e obrigatório? 4) Qual a melhor solução
provisória ao problema do ensino primário: ensino primário incompleto para todos ou
primário integral para alguns? 5) Não acha que a nossa escola primária ainda não
adaptada às classes populares em cujo proveito deve organizar-se, tem falhado a fins
essenciais, dentro dos ideais modernos de educação? 6) Qual o verdadeiro papel que
deve caber à escola primária: a) na formação do caráter nacional; b) na obra moderna
de assistência social; c) no plano geral de educação física e na criação de hábitos
5 Conforme Nery (2008) nenhum dos participantes do Inquérito pertencia a Diretoria Geral da Instrução Pública,
contudo a maioria tinha sido membro da Sociedade de Educação. A esse respeito consultar: Nery (2008).
11
higiênicos; d) e como instrumento de iniciação profissional e preparação para a vida?
7) Posta a questão neste pé, é partidário da uniformidade do ensino primário, teórico
e rígido, ou da variedade desse ensino, prático e maleável segundo as necessidades
(industriais, agrícolas, pastoris, etc.) da região em que a escola se instalou? 8) Não
acha que o Estado de São Paulo não poderá resolver, de maneira intensiva e extensiva,
o problema da educação popular, sem pôr a serviço dessa obra os grandes recursos
modernos como o cinema e a radiotelefonia? 9) Como está tratada e como deveria ser
resolvida a questão da assistência técnica e da inspeção e fiscalização do ensino? 10)
Não reconhece que nosso ensino normal está quase inteiramente: a) desviado de seu
caráter profissional; b) desamparado de material didático atual e suficiente (como
museus, herbários, laboratórios e bibliotecas); c) e inspirado enfim em um plano que
não consulta nem a natureza do curso nem as necessidades culturais? 11) Nestas
condições, qual a organização que imprimirá às nossas escolas normais, para as ajustar
às suas funções e multiplicar sua eficácia? 12) Não acha que é preciso pensarmos em
promover uma cooperação eficaz da família e da escola: a) convidando os pais a
assistir às aulas e a interessar-se “pela vida normal” e não apenas nos “incidentes” da
escola; b) e por meio de reuniões em que se encontrem, para troca de ideias,
professores, pais e alunos? 13) Sendo questão vital para o ensino a formação de
professores, não concorda em que, com o ensino normal, reorganizado em bases
novas, devem entrar em colaboração, ao lado e acima dele, o curso periódico de
conferências nas férias e uma escola normal superior? 14) Que me diz da Faculdade
de Educação, segundo a reforma de 1920 e as “modificações” introduzidas pela
reforma de 1925? Quais os princípios que deverão inspirar a sua organização para
que, instalada, não redunde um dia no mais completo descalabro? 15) Qual o melhor
processo de seleção para o provimento de cadeiras, no ensino primário, no ensino
normal secundário e no ensino normal superior? 16) Como se poderia organizar em
São Paulo praticamente uma obra eficaz particular, de orientação e propaganda do
ensino, e de assistência econômica, higiênica e judiciária a todo o professorado? (O
ESTADO DE S. PAULO, 1926: 4).
As questões de 1926 direcionavam, conduziam, os depoimentos, diferentemente do que
ocorrera no Inquérito de 1914. Qual o intuito desse novo questionário? Por um lado, os
participantes iniciais já haviam conversado, já tinham se encontrado em outras repartições,
muitos eram membros da Sociedade de Educação, participavam como colaboradores de
diversas revistas, eram professores normalistas ou já haviam atuado na Escola Normal.
Fernando de Azevedo confirmou, décadas depois, que aquela investigação foi direcionada tanto
na parte ideológica, quanto na análise e crítica:
[...]se tratava de Inquérito conduzido e, de certo modo, orientado em determinada
direção que era a de quem o organizou. E é verdade. Mas o que com isso pretendia
no grande diário que dele teve a iniciativa, foi não somente apontar à atenção de
todos alguns problemas e aspectos que podiam passar despercebidos, como também
proceder a uma sondagem sobre o grau de penetração e de difusão das ideias novas.
Pois se alguns nele estavam fortemente integrados, com uma consciência clara de
seus fundamentos ideológicos e de seus objetivos, outros apenas se sentiam mais ou
menos atraídos para esses movimentos de renovação educacional que estava nos
meus propósitos promover, e que, pelo seu esforço crítico e criador, se desencadeou
com força bastante para se desenvolver, com intensidade crescente, por mais de um
decênio de lutas, reformas e realizações. Desde o começo havia eu tomado uma
posição ideológica e crítica, bem definida, e cada qual, com a mesma liberdade
adotou a sua, eminentemente pessoal, embora, em muitos pontos, incidente com as
minhas próprias ideias e reflexões. É que certas ideias renovadoras, já naquela
época, haviam conquistado todo um grupo, pequeno, mas decidido, de que saíram
alguns de seus líderes principais. (AZEVEDO, 1957:. 21).
12
O parecer de José Ribeiro Escobar foi divulgado no jornal O Estado de S. Paulo nos
dias 19 e 20 de junho de 1926. O texto se inicia com uma respeitosa saudação de Fernando de
Azevedo ao nobre professor, referindo-se ao seu espírito vigilante e culto, bem como a sua
atenção aos ideais educativos:
Entre os nossos mais distintos professores, poucos haverá que possam equiparar-se
ao sr. José Escobar, na fidelidade aos princípios, no zelo pela boa causa do ensino e
na acessibilidade, quase religiosa, às novas ideias. Esta solicitude em encarar as
questões relativas à atividade que exerce há longos anos, manifesta-se na predileção
marcada pelo “assunto pedagógicos”, nas palestras, nas revistas e nos jornais. Não
nos lembra mesmo outra matéria que lhe tenha desviado a atenção solicitada pelos
ideais educativos, como por um imã e cuja força de atração não lhe fosse possível
escapar. Espirito vigilante e culto, sem preconceitos, dir-se-ia inclinando a aceitar
todas as ideias que pareçam representar uma inovação, ainda que, uma vez ou outra,
colidem entre si ou não estejam bastante esclarecidas e apuradas para resistirem,
vitoriosas as provas ásperas das aplicações. Na resposta com que atendeu ao nosso
apelo, o dedicado professor da Escola Normal da Praça da República volta a insistir
sobre pontos interessantes que têm constituído matéria dileta de suas cogitações e
campanhas pedagógicas. A pregação, aliás, consiste em “repetir”, com sinceridade
e com fé, em uma palavra, com a força dominadora das convicções. O seu evangelho,
porém, não é “uma” educação nova, com todos os seus elementos já em frutificação,
ainda em florescência ou apenas na sua fase germinal...É, como se vê, um
vulgarizador, de palavra quente e nutrida que será sempre útil recolher, naquele seu
estilo conceituoso, de ideias fragmentárias, concentradas frequentemente em
provérbios, citações e sentenças, vivas e luminosas, como preceitos da nova lei.... (O
ESTADO DE S. PAULO, 1926: 4).
José Ribeiro Escobar era colega de Fernando de Azevedo, ambos atuavam na Escola
Normal da Capital, na Revista da Sociedade de Educação, e tinham profundo respeito pelo
trabalho que realizavam. Para ele, este novo Inquérito bem como os ideias de Fernando de
Azevedo, representavam os preceitos da nova lei, ou seja, por meio desses debates seria possível
organizar a escola de forma a atender as necessidade do professorado e dos estudantes.
Escobar começa seu questionário comentando que o Brasil não investe em educação,
ocupando a posição de quinto lugar no quesito com gastos com a instrução. Outra problemática
para ele é que “Toda reforma, sem uma larga consulta ao professorado, está condenada a priori.
A de 1925 foi uma camuflagem” (O ESTADO DE S. PAULO, 19/06/1926: 4). Salienta que no
ensino primário, para começar, falta a obrigatoriedade do ensino; as férias se prolongaram e
deste modo não atendem mais às necessidades religiosas; o professor de didática virou diretor
e os demais professores são de qualquer grau, ou seja, sem formação específica; nomearam
encarregados de gabinete de psicologia em varias Escolas Normais, sem se quer haver os
gabinetes. (O ESTADO DE S. PAULO, 19/06/1926: 4). Defende que a abertura do ensino
primário deva ser uma iniciativa privada, no qual o Estado deveria subvencioar esses cursos
13
constituídos de professores normalistas. Ele elogia o patriotismo “intemerato” da imprensa e
diz “não somos pessimistas. Só damos o alarme; e, esse, nunca foi falso. Só quem conhece a
complexidade do fenômeno educativo pode pensar que a educação é perfeita em alguma parte
do mundo” (O ESTADO DE S. PAULO, 19/06/1926: 4).
José Ribeiro Escobar acredita que a educação é o problema fundamental do planeta.
Relata que países como os Estados Unidos e a Inglaterra têm em seu sangue “o fanatísmo civíco
de seu povo pela educação. Escolas, boa escolas, em toda parte. Um professor – onde houver
cinco pessoa analfabetas” (O ESTADO DE S. PAULO, 19/06/1926: 4), e que chegaram a esse
patamar por meio da cobrança de impostos (sobre cigarros, bebidas e tudo o que é ilícito),
promovendo um fundo destinado à criação de cursos particulares, para garantir a escola e só
então, exigir o ensino obrigatório a todos. 6
José Ribeiro Escobar não responde diretamente à terceira e quinta perguntas do
Inquérito, provavelmente porque suas demais respostas já abrangiam os aspectos nelas
contidos; evitava, assim, a redudância. Seus pontos de vistas estavam em consonância com as
ideias de outros participantes, uniformidade que é confirmada por Fernando Azevedo:
Tanto no domínio das ideias, quanto no da análise da situação estabeleceu-se uma
“zona de concordância”, maior do que se podia esperar, e em que todos se
encontraram, a despeito e acima de divergências secundárias ou essenciais. É mesmo
digno de um destaque especial o fato de que, apesar de diferentes as cartilhas por que
rezavam uns e outros, conservadores e renovadores, as críticas ao sistema antigo
coincidiam em pontos numerosos. (AZEVEDO, 1957: 22).
Almeida Junior concorda com os colegas nos aspectos já mencionados e chega a relatar
que “São Paulo com suas exterioridades brilhantes, e o seu relativo descaso pela cultura popular,
dá a impressão de um “noveau riche”, dono, repentinamente, de grande haveres, e que só pensa
em cobrir-se de joias e adornar a casa” , por isso não tem um aparelho pedagógico primário e
normal que satisfaça as necessidade da cidade e que corresponda ao grau de progresso da vida
social paulista. (O ESTADO DE S. PAULO, 15/06/1926: 3).
Lourenço Filho7. acredita que o papel da escola é de “adaptar futuros cidadãos material
e moralmente, às necessidades sociais presentes e, tanto quanto seja possível, às necessidades
vindouras, desde que possam ser previstas com segurança.” (O ESTADO DE S. PAULO,
24/06/1926: 4). Para Escobar a “escola deveria preparar a criança para a vida cotidiana” (O
6 “A participação de Escobar é a mais longa do Inquérito de 1926, discorrendo por várias vezes sobre o ensino nos
Estados Unidos e autores daquele e de outros países”(NERY, 2008: 179). 7 O depoimento de Loureço Filho e de Escobar, nesta primeira fase, foram os mais longos. Lourenço Filho teve
seu depoimento publicado nos jornais de 23 e 24 de junho de 1926.
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ESTADO DE S. PAULO, 20/06/1926: 4). José Ribeiro Escobar e Lourenço Filho concordam
em outros aspectos, como a necessidade de unificar e utilizar o método de ensino intuitivo;
ensinar pela resolução de problemas, segundo Dewey; a escola pública deve ser a máquina da
vida civíca, logo deveria ser a base de para o trabalho em cooperação, segundo os preceitos de
Kerchensteiner.
Lourenço Filho cita no Inquérito o trabalho de José Ribeiro Escobar impresso no jornal
O Estado de S. Paulo em 25 de fevereiro de 1926, intitulado Os novos programas do Distrito
Federal,8 como sendo um dos melhores trabalhos a respeito da escola nacionalizadora. Os
outros trabalhos mencionados por Lourenço Filho que abordam este assunto são de William
Stern, Lipmann e Ruttmann.
Sud Menucci é contra a gratuidade do ensino, pois acredita que somente quando o ensino
não for mais gratuito, o Estado poderá cuidar de ensino primário integral para todos. Para ele,
o ensino primário existente tem por finalidade formar o homem rapidamente para que este
busque seu sustento; o ensino secundário é para os que buscam uma formação sólida; esses
graus de ensino são diferentes e não devem ser uniformizados para atender a população. (O
ESTADO DE S. PAULO, 22/06/1926: 4). Já Renato Jardim, acredita que o ensino gratuito deva
ser destinado a crianças pobres, contudo relembra que a instrução pública deve estar de acordo
com a Constituição, “que manda dar a todos indistintamente”a educação. (O ESTADO DE S.
PAULO, 17/06/1926: 4).
Francisco Azzi, o primeiro a responder o questionário, relembra que anos atrás havia
abordado a perguntas similares e que, infelizmente ainda faltavam organização e planejamento
na instrução pública. Para Azzi, apesar de as Escolas Normais terem sido acrescidas de mais
um ano, continuavam fracas, pois as disciplinas foram reduzidas em quase nada. Outra
problemática era a falta de obrigatoriedade no ensino primário e a carência de se oferecer um
ensino completo tanto quanto possível. Ele chama José Ribeiro Escobar de eminente professor
e colega, e cita-o por já ter advertido nas próprias colunas do periódico a superioridade do
ensino primário do Distrito Federal sobre o ensino de São Paulo, tanto no aspecto substancial,
como na elaboração do projeto.
Para Fernando de Azevedo são desconcertantes as dificuldades encontradas na instrução
pública e que após a divulgação dos depoimentos no jornal, a redação recebeu inúmeras cartas
8 O artigo mencionado por Lourenço Filho, não consta no acervo do Jornal do Brasil, que foi investigado na
memoria.bn.br, foi encontrado o artigo A Reforma da Instrução Pública no Distrito Federal: A mensagem do
prefeito ao conselho municipal – as bases da nova organização. Entretanto não está assinado e a data é de
07/10/1927.
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de solidariedade ao professorado. Para ele, esses intelectuais atuavam em diferentes escolas,
cidades e cada um tinha uma concepção pedagógica, no entanto, tinham a mesma percepção de
escola. Na conclusão referente ao Inquérito, Azevedo faz uma crítica a reforma de Rocha Vaz
de 19259, que para ele teria o mesmo destino das reformas que a precederam:
Não nos preocupa a Reforma de 1925 que terá certamente o destino das que a
precederam. Mas, homens de espírito novo, as pessoas consultadas não poderíam
saudar de chapéu na mão, sem um protesto, a bandeira renovada que, ainda mal
hasteada, já arriavam os reformadores de 1925, para içar em lugar dela, bem alto no
topo, um velho estandarte de procissão, que já era tempo de estar recolhido e com
que ainda uma vez saíram à rua para entoar, com intuitos louvaminheiros, hinos
nostálgicos ao passado. (AZEVEDO, 1957: 110).
José Ribeiro Escobar e os demais intelectuais acreditavam que tinham condições para
contribuir para uma mudança social, educacional e política, e seria por intermédio deste debate
que alcançariam seus objetivos, pois dirigiam-se aos seus pares e a um grande público. As
critícas ao sistema de ensino foram assinaladas em todos os depoimentos. Para os depoentes “a
educação se ressentia da falta de planejamento e que, sem plano e sem alvo, desenvolvendo-se
‘por adições e enxertos’, andava divorciada do meio e renhida com os interesses fundamentais
da vida nacional e da civilização”. (AZEVEDO, 1957: 22).
José Ribeiro Escobar estava olhando para o mundo com lentes ajustadas para o que
havia de mais moderno em modos de ensinar com o intuito de popularizar e reorganizar a
educação. Quase todos os participantes relatam da falta de investimento financeiro na
instruçção pública; falta de organização; escasso aparelhamento didático; necessidade de
métodos práticos; museus, bibliotecas e laboratórios.
Fica evidente que estes Inquéritos não foi um conflito entre educadores tradicionais e
renovadores. Tratava-se de uma disputa política no campo educacional, que tinha como
finalidade defender os princípios democráticos da educação. Consequentemente era
fundamental o debate público, sob o escrutínio de profundos conhecedores; essa contestação se
tornaria a bússola das futuras reformas de ensino.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS
9 Esta reforma foi estabelecida pelo Decreto nº 16.782-A de 13 de janeiro de 1925, segundo Nagle (1974) esta foi
a medida mais ampla da União, pois reorganizou o sistema escolar brasileiro em diversos aspectos, entre eles,
remodelou o ensino primário, secundário e superior; a União passou a intervir na difusão do ensino primário; criou-
se o Departamento Nacional do Ensino subordinado ao Ministério da Justiça e Negócios Interiores; instaurou
bancas examinadoras nas escolar particulares para exames de validade igual ao do Colégio Pedro II ou de
estabelecimentos equiparados. Aboliu os exames preparatórios parcelados e foi instituído a obrigatoriedade de um
curso ginasial e seriado. A esse respeito consultar: Nagle (1974); Monarcha (1999); Nery (2008).
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