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A CULTURA NEOTROPICAL
Marcos Pereira Magalhães
Museu Paraense Emílio Goeldi CCH/Arqueologia
RESUMO: o conhecimento sobre a ocupação humana da Amazônia tem revelado uma
história com mais de 11.000 anos de desenvolvimento. Mas são as grandes culturas nativas,
imediatamente anteriores à conquista européia, que despertam as maiores curiosidades e
também as maiores polêmicas. Essas polêmicas, em geral, partem de diferentes
perspectivas teóricas, às vezes até mesmo antagônicas. Entretanto, além das tradicionais
perspectivas neo-evolucionistas, do relativismo cultural e das recentes neo-darwinistas, é
possível elaborar uma mais consistente, ao desenvolvermos uma idéia mais moderna de
civilização, que estaria na base de formação e desenvolvimento dessas culturas.
PALAVRAS-CHAVE: diversidade cultural; organização social; Amazônia.
ABSTRACT: Our knowledge of Amazonian prehistory reveals that this region has been
occupied for over 11,000 years. In spite of this fact, overemphasis has been given to the
more evident indigenous societies which were present and flourishing on the eve of
European colonization. These societies have piqued more curiosity and polemic discussions
than the Amazonian groups which preceded them. Nevertheless, today new questions have
been raised beyond the current issues presently being discussed, namely, the socio-cultural
and political complexity reached by these societies. As such, new themes are being
elaborated, such as: how did these societies originate and did their development comprise
only one or a multitude of civilizations?
KEY WORDS: Cultural diversity; social organization; Amazon.
INTRODUÇÃO
Este artigo tem por objetivo apresentar, em termos teóricos, a idéia de Cultura
Neotropical, que é o resultado da interpretação de evidências arqueológicas concretas,
cujos dados já foram anteriormente publicados (i). O assunto em pauta visa expor as
entranhas do conhecimento produzido a partir de pesquisas objetivas, de modo a torná-lo
suficientemente visível para ser compreendido e analisado. Consequentemente, a
construção teórica a ser abordada não é mera peça de ficção arqueológica. Ela foi fruto de
análises diversas em torno de objetos de estudo provenientes da cultura material de
sociedades de caçadores-coletores, especialmente de vestígios encontrados em Carajás
(PA). Por conta disso, a observação de campo, complementada por análises laboratoriais,
foi fundamental.
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Como resultado das observações arqueológicas realizadas, parto da hipótese de que
a antigüidade holocênica da presença humana na Amazônia, cientificamente consolidada
desde a década de 1990 (ii) também vem ao encontro da idéia de que teria existido uma
longa duração na formação histórica e sociocultural indígena, cuja complexidade mais tarde
alcançada foi fruto de experiências locais milenares e da reorganização sucessiva, mas não
linear, de técnicas e práticas culturais originais.
Com isto quer-se dizer que muito antes das sociedades horticultoras, forrageiras ou
não e agricultoras se instalarem nas terras baixas Amazônicas, estas já haviam sido
percorridas e exploradas por caçadores-coletores nômades, milhares de anos antes, os
quais, lançando mão de observações refinadas sobre o ambiente, desenvolveram técnicas e
relações sociais regionalmente adequadas. Foi a maneira pela qual eles organizaram suas
relações sociais nos ambientes nos quais viviam e exploravam, que traçou o rumo
sociocultural subseqüente. E foram essas sociedades originais, tropicais, de economia não
especializada e de grande mobilidade social e mais nenhuma outra, que criaram as
condições necessárias para o surgimento de diferentes sociedades bem mais complexas e
diversas (culturalmente distintas), que as sucederam no tempo e no espaço.
Desse modo, a variabilidade na organização social das comunidades complexas
evoluiu a partir do conjunto de comunidades regionais tropicais, com pouca variação
organizacional. Com isto quero deixar claro, desde o início, que o termo neotropical a ser
empregado nada tem a ver com aquele definido pela biogeografia. Aqui ele se refere,
apenas, a uma fase posterior à evolução sociocultural das sociedades tropicais amazônicas.
Para formular essa afirmação em toda a sua essência foi considerado o conhecimento
produzido por diferentes saberes, que extrapolam aqueles elaborados pela antropologia e
inclusive pela história. Porém, foram privilegiados alguns elementos teóricos próprios da
história, sem que, no entanto, houvesse qualquer esforço para explicitá-los com
exclusividade. Na verdade, mais do que a busca de um discurso holístico, buscou-se a
narrativa de um pensamento integrado, onde os aspectos analíticos são considerados
subconjuntos específicos, mas também componentes de um conjunto global amplo, mas
não infinito. Isto compreende mais uma teia de ‘historicidades’ do que propriamente uma
rede. Por sua vez, a malha desta teia foi recortada conforme certas características próprias
do conjunto global. A narrativa dela derivada foi previamente esboçada e apontada,
conscientemente, para uma finalidade valorativa construída a partir das experiências
particulares (sociais, culturais e políticas) nela constantes.
Para tanto foram considerados:
1) aspectos de ordem filosófica, cuja base principal é a compreensão de que o todo é um
múltiplo componencial, composto de múltiplos de múltiplos, de múltiplos. Esta base formata:
a idéia de que a compreensão do todo antecede a compreensão das partes e que estas,
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uma vez compreendidas, interferem na compreensão do todo. Ou seja, o homem sempre
possui uma noção geral do mundo em que vive e, ao alterar as partes que o compõe acaba
por alterar o próprio mundo e com isto a si mesmo. Assim, segundo Benedito Nunes (iii),
“antes de se apresentarem como seres determinados, mesmo as coisas chamadas naturais
ou artificiais, são, antes de tudo, entes disponíveis, instrumentais, no mundo circundante”.
Em resumo, repetindo Spengler, a coisa-que-é só sucede à coisa-que-está-sendo. Além
disto, compreende-se que o estilhaçamento do tempo histórico em temporalidades
heterogêneas não nega a história global, mas a classifica em diferentes especiações
regionais compostas de sub-unidades familiares que se distinguem das demais histórias
globais do planeta (iv). Ou seja, a presença do homem no planeta compôs uma miríade de
histórias globais possuidoras de intensidades, sentidos e durações espaço-temporais
próprias.
2) aspectos de ordem evolucionária: como os processos de desenvolvimento – os
mecanismos complexos pelos quais um organismo cresce até atingir a plenitude de sua
forma e tamanho – que abrem uma janela para a evolução anatômica de uma espécie. Ou
seja, essa idéia de desenvolvimento evolucionário, que atualmente biólogos especialistas
em origens de organismos vivos chamam de “evo-devo”, quando transplantada para o
estudo da evolução social humana afirma que a natureza e o grau de complexidade de uma
dada sociedade têm origem na reorganização de módulos subseqüentes e intermitentes de
certas experiências particulares. Estudos recentes confirmam: o padrão de toda identidade é
persistente, mas a sua estrutura material e/ou mental permanece constantemente em
mudança (v). Outros estudos sobre a evolução da mentalidade afirmam também que o
conhecimento não se efetua graças à acumulação pura e simples. Ele (o conhecimento) se
efetua pela conexão modular de experiências específicas representando etapas de níveis
característicos (vi). Cada etapa exige a reorganização de um conjunto particular de
conexões modulares provenientes de experiências previamente adquiridas que, na verdade,
por apresentarem níveis de conexão variáreis e até irregulares, é melhor caracterizada
como componencial.
Portanto, tanto a filosofia e a história, bem como a moderna teoria da evolução,
oferecem argumentos que podem mudar completamente as tradicionais interpretações
sobre a ocupação pré-histórica da Amazônia.
Até aqui, especialmente no senso comum, as idéias tradicionais sobre evolução
social, como sendo lineares e sem relativismo cultural, é que têm prevalecido na
interpretação sobre a ocupação humana na Amazônia. Ainda que os evolucionistas atuais
tenham dado a volta por cima, colocando o relativismo cultural na berlinda (vii) ao
reintroduzirem o tempo no espaço, a crítica ao senso comum permanece válida, já que sua
perspectiva continua repercutindo nas interpretações arqueológicas.
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Esse senso deriva de anseios epistêmicos que caíram nas graças do saber popular.
Ele tem origem na intenção intelectiva remanescente do século XX, de inserir o homem
antigo da Amazônia na evolução humana mundial, quando buscaram ligação com a ordem
artificialmente estabelecida a partir de modelos evolucionistas lineares. Como complemento
ao modelo europeu, o modelo de maior sucesso para o Novo Mundo foi inicialmente
formulado nos idos do século XIX por Teylor e Morgan. Mais tarde, entre as décadas de
1950 e 1960, Julian Steward, Morton Fried, Marshall Sahlins, Leslie White e Elman Service
retomam esse modelo que será conhecido como evolucionismo cultural. Ele será
incorporado pela arqueologia das Américas através da Escola Histórico-Cultural, aplicada no
Brasil no decurso do PRONAPA/PRONAPABA, que foram programas de pesquisas
arqueológicas coordenados por Betty Meggers. Segundo Service (viii), as sociedades se
classificariam por meio de uma ordem cronologicamente estabelecida, através de bandos,
tribos, chefias e estados. A este esquema, a arqueologia americana incorporou o paleoíndio.
A principal diferença, segundo Trigger (ix), entre o evolucionismo unilinear do século
XIX e o neo-evolucionismo do século XX é o determinismo de ordem ecológica, demográfica
ou tecnológica defendido por este último. Funcionando como uma força essencialmente
conservadora dos padrões culturais, o evolucionismo cultural não reconhece mudanças
promovidas por indivíduos, mas apresenta uma abordagem ecológica determinista e
multilinear, baseada no difusionismo cultural (X).
Ainda assim, mesmo que na história da antropologia a noção de complexidade para
explicar a evolução universal das sociedades humanas parta do mais simples para o mais
complexo e distribua a unidade do gênero humano por etapas distintas de evolução, a
noção de relativismo cultural foi se impondo, progressivamente, como instrumento
fundamental para a perspectiva antropológica (xi). Deste modo foi possível perceber que
sociedades de economia e tecnologia aparentemente simples poderiam apresentar grande
complexidade em outros domínios; que todas as sociedades apresentam invariáveis
ocorrendo desde aquelas tidas como primitivas, até aquelas consideradas modelos de
civilização; que, além disto, essas invariáveis apresentam formas e organizações
particulares que não podem ser distribuídas em escalas sucessivas, mas sim paralelas; que
a cultura não se revela pelo estudo de cada um de seus elementos de comunicação vistos
separadamente, porém quando neles são apreendidos os seus códigos e sistemas de
contextualização (xii). Enfim, que natureza e cultura não se excluem, pois, como mostrou o
estruturalismo, a cultura é uma produção da natureza e não a sua negação.
A desconstrução do centralismo histórico, a partir da crítica à história universal linear
e da antropologia eurocentrada, dilatou o território das ciências sociais a ponto de abrir as
portas para múltiplas e heterogêneas temporalidades. Porém, segundo Dosse (xiii), a
fragmentação do tempo histórico privilegiou fenômenos repetíveis, a longa duração, as
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permanências e o descentramento do homem, permitindo o triunfo de um estruturalismo
anti-humano e de uma história desconstrutora da totalidade. Na perspectiva estruturalista de
Lévi-Strauss (xiv) não há totalidade histórica, mas uma pluralidade de histórias não ligadas a
um tema central, na qual elas só podem ser parciais. Nesta perspectiva não há sucessão de
etapas, estágios que seguem um rumo final melhor. Ainda segundo Dosse, a longa duração
proposta por Braudel reorganizou as estruturas em esquemas históricos que identificavam
manifestações de comportamento imutáveis, recuperando assim a totalidade histórica,
porém, eliminando o fato e o acontecimento. Entretanto, os acontecimentos são
individuações históricas particularizadas onde a mudança incessante está implícita, pois os
mesmos são componentes variáveis de um mesmo conjunto unitário transformando-se por
conta da própria variabilidade desses acontecimentos.
O mérito do estruturalismo e da idéia de longa duração foi o descolamento do
homem e da história do ponto de vista ocidental. O homem europeu, sua evolução e sua
história deixam de ser os modelos aos quais todos deveriam se espelhar e procurar um nível
(sempre inferior) em sua escala de progresso. O homem europeu e seus produtos passaram
a ser apenas mais uma variável da evolução humana. Entretanto, a negação do total e a
busca de uma invariância comportamental universal encerraram o sucesso da crítica ao
evolucionismo social do século XX inicial. Ora, ocorre que existem diversos centros
possíveis. Mas esses diferentes centros possuem duração, intensidade e sentido com
ritmos, características e velocidades diversas não excludentes, pois sempre são
componentes de um conjunto mais amplo e global, mas nunca universal; que tudo se repete,
mas apenas na diferença; que se a cultura está na natureza e a natureza é diversificada,
logo a cultura varia no tempo e no espaço; por fim, que esses centros, por sua vez, são
componentes atratores de uma teia global formada por um conjunto composto de muitos
outros subconjuntos, ocupando posições espaço-temporais distintas.
A idéia de teia se distingue da de rede. Uma rede é composta de reduzido número de
sistemas centrais aos quais toda a malha está conectada. Assim, a pane ou a destruição de
um desses centros compromete a rede como um todo. Isto acontece tanto nas redes
históricas, nas artificiais como nas naturais. Por exemplo: a conquista de Roma significou a
queda do Império Romano; a pane num computador central paralisa todos os sistemas a ele
conectados; doenças cardíacas não comprometem apenas o sistema circulatório, mas o
funcionamento do corpo como um todo. Mas numa teia os centros estão espalhados pela
malha numa quantidade bem maior. Por exemplo: a conquista de Roma significou apenas a
queda do Império Ocidental, mas sua vertente Oriental continuou através de Constantinopla;
a pane em um computador de um conjunto de computadores associados compromete
apenas os sistemas a ele relacionados; já as doenças cardíacas afetam apenas a
permanência do indivíduo, cuja continuidade é garantida, por outro lado, pela sua
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capacidade reprodutiva atingir o auge, geralmente, antes das doenças do coração se
manifestarem. O que se observa, então, é que na história, na natureza e no mundo dos
artifícios, a resistência será maior quanto maior for a quantidade de centros de confluência
aos quais os sistemas podem se conectar. Isto implica que num mesmo espaço global, as
conexões se estabelecerem através de diferentes trajetórias.
De fato, para o homem, existem muitas trajetórias possíveis, já que a diversidade na
organização humana é maior do que as categorias evolutivas. É o lugar que atribui às
experiências sociais o princípio de realidade histórica, relativizando o seu sentido,
integrando-as num conjunto de vida enquanto lhes atribui efetividade histórica. E, num
determinado lugar, as experiências não derivam de ações ou técnicas isoladas. O efeito da
idade de uma delas é sempre condicionado pelo das outras. Experiências particulares são
manejadas por grupos sociais portadores de experiências socioculturais diversas e se dão
sobre um território que é, ele próprio, em sua constituição material, diverso, do ponto de
vista experimental. É dessa maneira que se constitui uma espécie de tempo histórico do
lugar (xv). Por outro lado, o conjunto dos territórios, ou seja, de lugares culturais
estrategicamente ocupados, se organizam numa região, que é o espaço global para todos
esses lugares.
Sensíveis a isto, hoje, a maioria dos arqueólogos já tem consciência da notável
diversidade das sociedades antigas e entre eles tem surgindo um crescente interesse por
um melhor entendimento da multiplicidade de configurações históricas que elas assumiram.
Entretanto, é preciso ir além e buscar os pontos de conexão que as posicionam numa teia
global, onde elas podem ser identificadas como um conjunto genérico particular, mas
relacionadas, por sua vez, com outros conjuntos regionais.
Estudos diversos têm mostrado que bem antes das sociedades agricultoras, os
homens construíram diferenças sociais através de formas de exclusão e da formação de
hierarquias sociopolíticas, mesmo nas etapas que antecederam a domesticação de plantas
(xvi). Com isto, idéias de sedentarismo, desigualdade social, trabalho especializado, trocas a
longas distâncias, arte elaborada, sepultamentos diferenciados, entre outras,
tradicionalmente atribuídas à dicotomia entre caçadores-coletores x agricultores perdeu
significado no estudo do desenvolvimento das sociedades humanas. Por outro lado, a idéia
de que apenas mudanças econômicas são capazes de alterar fundamentalmente a
organização social e política das sociedades vem sendo profundamente questionada (xvii).
Há diversos fatores das mais variadas ordens (social, política, religiosa, etc.), que podem
reorganizar completamente uma sociedade. E foi justamente quando as antigas sociedades
de caçadores-coletores amazônicos reorganizam suas práticas e costumes em prol de
outras mais conscientes e voltadas para uma vida com bases territoriais sedentárias, que a
diversidade cultural se multiplicou, permitindo a sua pluralidade histórica.
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Consequentemente, como todas as mudanças se deram em espaços geográficos
compostos por conjuntos naturais e históricos particulares, o processo de diferenciação
social não foi um processo passivo, e outros agentes de mudança precisam ser levados em
conta. Outros fatores, além do ambiente e da subsistência, tais como desequilíbrio nas
relações de poder e alterações na visão de mundo, devem ser considerados. A mudança
social provocada pelo clima, pelo ambiente, ou pelas condições externas particulares, são
variáveis causais que podem ser tidas como remotas e indiretas. Porém, mais que isto, são
variáveis componenciais de um conjunto mais amplo. Na verdade, são subconjuntos
compostos por outros conjuntos menores de ações e técnicas sociais que se interpenetram
no tempo e no espaço. Os seus limites não são definidos por seqüências lineares
particularizadas (o que implicaria na aceitação de um número indefinido de linhas paralelas),
com durações definidas ao sabor de cortes aleatórios quaisquer. Mas, pelos pontos de
mutação que determinado conjunto de elementos componenciais apresentam, de modo a
diferenciá-lo de outros conjuntos espaços-territoriais e/ou históricos distintos.
Segundo essa perspectiva, há fortes indícios sugerindo que conjuntos de sociedades
de caçadores-coletores, tais como as de Carajás, podem ter reunido, ao longo dos tempos,
condições particulares para desenvolver formas mais diversas e complexas de organização
regional, perfeitamente inteiradas aos ecossistemas amazônicos. De certo modo pode-se
reconhecer que as causas ambientais, tecnológicas ou demográficas são dependentes de
relações sociais. Estas, por sua vez, implicam em um processo de longa duração de
amadurecimento da consciência, que por motivos diversos associados, desencadeiam uma
mudança global expressiva não só na organização social, como também na política e na
visão de mundo. Assim, o crescimento populacional, por exemplo, mais que uma variável
causal, pode ser tido como o resultado da reorganização econômica e política da sociedade
em determinado território. Do mesmo modo, a pressão demográfica pode ser entendida
como conseqüência de um conjunto de causas diversas, mas convergentes, entre as quais
se somariam mudanças particulares, porém não necessariamente dominantes, nas relações
de produção (xviii).
Tudo indica, portanto, que os costumes e sistemas das populações indígenas
agricultoras, nada mais seriam do que a reorganização espacial das ações e técnicas
derivadas de práticas experimentadas e aperfeiçoadas ao longo de centenas e centenas de
anos, por antigos caçadores-coletores de floresta tropical. Mas aqui, o que se está
entendendo como cultura tropical não é a cultura de floresta tropical que Lowie definiu e
Meggers e Lathrap adotaram e até certo ponto aperfeiçoaram (xix). Para alguns desses
autores, além da cultura de floresta tropical não possuir traços arquitetônicos e nem
refinamentos metalúrgicos, resignava-se com o cultivo de raízes e tubérculos, a pesca e a
manufatura da cerâmica e traria implícita a idéia de difusão por meio de movimentações
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populacionais, dentro de um ambiente opressor e determinístico. Já a Cultura Tropical, de
maior antigüidade, está relacionada a sociedades de caçadores-coletores que,
inteirativamente, alteravam e/ou adaptavam localmente, experiências espaciais universais,
as quais mais tarde viriam a fazer parte do arcabouço cultural de sociedades agricultoras
posteriores, mas sem qualquer imperativo de movimentos difusionistas e/ou restrições
causais determinísticas. Isto inclui, além do desenvolvimento tecnológico da produção de
cerâmica e o processamento de raízes e tubérculos, uma territorialidade baseada no
desenvolvimento de relações sociais e geopolíticas particulares. Nesse quadro de
desenvolvimento regional, as influências externas eram filtradas e adaptadas a um sistema
típico da Amazônia, que a população ancestral nativa há muito já havia consagrado como
importante meio de sustentabilidade, através de práticas e técnicas econômicas,
socioculturais e políticas locais.
A CULTURA TROPICAL
Se a questão da antigüidade humana na Amazônia tivesse sido apresentada há
apenas dez anos, apesar de todas as evidências acumuladas até então, ela seria
completamente desprovida de fundamento teórico. Isto porque a idéia de uma ocupação
precoce do homem na Amazônia, até a década de 1990, ainda era considerada, no mínimo,
de comprovação difícil. Sem dúvida, duas das premissas que justificavam esta afirmação
era a dificuldade de acesso aos locais prováveis de ocorrência e a dúvida sobre quais locais
seriam esses. Entretanto, apesar de Simões já ter apresentado indícios da existência de
caçadores-coletores na Amazônia desde os anos de 1970, até a década seguinte era
bastante comum a idéia apresentada por Schmitz de que os “recursos para a sobrevivência
humana parecem mais ligados ao cerrado que à caatinga e à mata”. (xx)
De fato, continuava predominando uma das idéias caras ao determinismo ecológico
e importante entre os pressupostos básicos do PRONAPABA (xxi), de que a ocupação
humana da Amazônia fora bastante breve, esparsa e móvel; que caçadores-coletores mais
antigos, “paleoíndios” migrantes do norte, por serem adaptados à caça de grande porte de
áreas temperadas abertas, nunca teriam se fixado ou se adaptado à floresta quente e úmida
amazônica; que caçadores-coletores tardios e mais sedentários, seriam provenientes de
outras áreas periféricas, mas não teriam logrado sucesso na exploração dos supostos
parcos recursos disponíveis, amargando uma estagnação sociocultural prolongada.
Além de toda esta visão pessimista, os sítios cerâmicos resultantes das atividades de
antigos agricultores, seguiam exercendo uma atração muito grande sobre os pesquisadores.
Tanto que as primeiras pesquisas de Roosevelt (xxii) na Amazônia brasileira foram no Teso
dos Bichos, em Marajó, motivada pela necessidade de buscar elementos comprobatórios
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que justificassem suas críticas à teoria dominante de então, construída exclusivamente
sobre esses sítios.
Somente com as descobertas dos sítios no rio Jamarí, na bacia do Alto Madeira
(RO), da Gruta do Gavião na serra de Carajás e, posteriormente, da Caverna da Pedra
Pintada em Monte Alegre, ambas no Pará, que teve início, enfim, o estudo e ou a busca
sistemática de evidências de caçadores-coletores na Amazônia brasileira. Entretanto, o
avanço tem sido lento. Pesquisas mais completas só foram realizadas nos citados locais,
sendo que em Carajás (PA), quinze sítios foram localizados e desses, até o momento,
somente quatro foram bem estudados: a Gruta do Gavião, a Gruta do Pequiá (com 9.000
anos AP.), a Gruta do Rato e a Gruta da Guarita.
Esse quadro, evidentemente bastante incompleto, parece que não mudará tão cedo,
haja vista o interesse renovado pelos sítios dos agricultores que agora são estudados sob
uma nova ótica teórica. Assim é que estudos sobre antigas aldeias no Xingú, no Rio Negro,
no Marajó e de cemitérios em Maracá retomam com força total o interesse pelas sociedades
ceramistas com organização sociopolítica complexa (xxiii).
Porém, apesar do estudo incipiente e fragmentado disponível atualmente, já temos a
certeza de que a Amazônia foi habitada por caçadores-coletores não especializados, no
mínimo, desde o final do Pleistoceno, talvez uns 12.000 anos atrás.
Mas como isto teria acontecido? Quais processos históricos foram desencadeados,
para que grupos de caçadores-coletores adaptados aos recursos de savana (xxiv) tivessem,
em primeiro lugar, dado origem à sociedades de caçadores-coletores de floresta tropical e,
posteriormente, evoluído para sociedades relativamente sedentárias e algumas altamente
complexas, que dominaram a Amazônia até a chegada do colonizador português?
Pode-se mostrar como isto aconteceu respondendo algumas questões: 1) Esses
caçadores-coletores até agora identificados, seriam os descendentes dos primeiros homens
que chegaram à Amazônia? Ou teriam sido precedidos por uma outra população,
pleistocênica, com biótipo e hábitos diferenciados? E a paisagem por eles explorada,
comporia um meio ambiente diferente do que conhecemos hoje? As práticas e costumes
tradicionais das populações agricultoras posteriores teriam sido o resultado da evolução das
experiências dessas populações milenarmente ancestrais, ou teriam sido fruto de influências
difusionistas mais complexas e dominantes? Eles, ou algumas sociedades deles teriam se
organizado sócio-culturalmente, num grau de complexidade maior do que aquele atribuído,
tradicionalmente, às sociedades de caçadores-coletores?
Em relação à primeira questão, pelas evidências existentes ainda não é possível
afirmarmos com certeza quais das duas hipóteses em voga é a verdadeira. Segundo o
modelo dos dois componentes biológicos, uma afirma que as populações “pré-históricas”
pertenceriam a uma onda migratória de uma ou várias linhagens mongolóides originárias do
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nordeste asiático (xxv); a outra, de que ocorreram processos de pelo menos duas migrações
diferentes, nas quais as mongolóides teriam sido precedidas por uma população do final do
Pleistoceno não mongolizada, proveniente do sudeste asiático, similar à que ocupou a
Austrália no Pleistoceno superior e cujas origens mais remotas podem ser achadas no
continente africano (xxvi). Esta última teoria, bem mais recente, implica também em
tentarmos entender como a população mongolóide teria substituído a negróide: pela
escassez dos recursos naturais explorados pelos primeiros (megafauna)? Por um processo
de mongolização da população original? Pela absorção genética feita por uma população
mongolóide maior? Por conflitos inter-raciais? Pelo desenvolvimento de estratégias mais
eficientes de exploração dos recursos da nova realidade ambiental que se formava? Um
pouco de tudo isto? Enfim, muita coisa ainda precisa ser explicada.
Porém, independente de qualquer uma das hipóteses apresentadas acima, a
verdade é que os caçadores-coletores dos sítios até aqui conhecidos na Amazônia, já
estavam perfeitamente adaptados à floresta tropical e apresentavam hábitos que parecem
ter sofrido aperfeiçoamentos mais tarde elaborados por sociedades agricultoras.
Os primeiros homens que conquistaram a Amazônia teriam chegado através das
áreas abertas, representadas especialmente pelos cerrados que cobriam seus baixos
chapadões, em pleno Pleistoceno Superior. Na ocasião, o clima na Amazônia era menos
úmido e menos quente. Com o aumento da umidade e do calor, as florestas retomam parte
do espaço ocupado por cerrados e outros ecossistemas. Isto representou, por exemplo, o
confinamento dos cerrados nas áreas onde o solo era mais pobre em nutrientes. Por isto, as
paisagens amazônicas onde hoje encontramos o sistema de cerrado ou elementos típicos
do mesmo, indicam que elas, além de originais, não teriam sofrido modificações
significativas em suas características fundamentais, nem mesmo durante as oscilações
climáticas registradas entre o final do Pleistoceno e início do Holoceno.
Paralelamente aos corredores pleistocênicos de cerrado dos baixos chapadões
amazônicos, a floresta também já estava instalada nas áreas de maior umidade, como nas
margens dos rios e nas áreas de solo mais rico em nutrientes. Assim, essas florestas
também constituíam paisagens originais que, com o advento das condições mais úmidas e
favoráveis do Holoceno, se expandiram sobre as coberturas vegetais típicas de climas mais
secos. Isto ocorreu, sobretudo, naquelas áreas onde o solo era favorável, mas sobre os
quais até então predominavam coberturas de cerrado.
Deste modo, seria justamente nessas paisagens de/ou com elementos de serrado
que encontraríamos os sítios arqueológicos mais antigos da Amazônia, por elas terem sido
a referência e o caminho natural dos seus primeiros habitantes. E não por coincidência, as
datações mais antigas para a presença humana na Amazônia são justamente provenientes
de áreas onde existem elementos de cerrado. E nelas estão incluídas as datações dos sítios
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em grutas de Carajás (9.000 AP), localizados nas bordas dos platôs cobertos por uma
vegetação de canga, onde sobressaem espécimes de cerrado e de caatinga, e da Caverna
da Pedra Pintada (11.300 AP), no Baixo Amazonas, em cujo local também predomina uma
vegetação de características semelhantes ao cerrado.
Isto não quer dizer que não haveria áreas florestadas ou com outro ecossistema,
ocupadas pelo homem. As pesquisas de Miller (xxvii) no vale do Jamari (ocupado quase que
continuamente desde 8.000 AP. até o contato com o europeu) e as de Roosevelt (xxviii), em
Taperinha comprovam isto (xxvix). Porém, essas ocupações, provavelmente seriam em
menor escala. Por outro lado, como essas paisagens foram mais sensíveis às mudanças
climáticas (xxx) e podem apresentar um quadro de ocupação mais contínua (xxxi),
obviamente que os impactos sofridos foram muito grandes, dificultando a identificação delas
hoje. De todo modo, é mais plausível supor que as áreas de savana oferecessem maiores
atrativos no período inicial da ocupação humana na Amazônia. Já as áreas de florestas do
Holoceno Inferior, com vanguardas humanas, além de limitadas, estavam sujeitas às
alterações impostas pelas oscilações climáticas e também pelas oscilações do nível do mar.
A estabilidade climática, porém, muda a situação. A expansão das florestas, inclusive
sobre antigas áreas de cerrado, favorecidas pela maior umidade do ar acaba por “ilhar” as
paisagens de cerrado, tal como ocorre em Carajás, forçando o homem a sair do isolamento
e penetrar e explorar a floresta. Deste modo, foram aqueles que obtiveram sucesso neste
empreendimento, que forjaram as características fundamentais das futuras culturas
amazônicas.
Chegou-se a esta conclusão porque: 1º- estudos diversos demonstram que o
Pleistoceno Superior, caracterizado pelo último estágio glacial, trouxe sensíveis
modificações no quadro paisagístico da Amazônia; 2º- essas modificações implicaram a
inversão das formas tradicionais de paisagens, refletidas notadamente no quadro vegetal e
na biomassa animal; 3º - essa inversão, por sua vez, criou as condições para o
delineamento do quadro atual; 4º- paralelamente, uma grande leva migratória de homens
chega na região junto com essas transformações; 5º- essa população desenvolve suas
ações e técnicas socioculturais juntamente com a consolidação da paisagem regional. Por
tudo isto, podemos afirmar que, desde 12.000 anos atrás, a Amazônia já teria sido
conquistada por grupos humanos organizados em sociedades de caçadores-coletores, que
exploravam seus diferentes nichos e, em especial, os de floresta, interferindo nela quanto
mais o clima se estabilizava, a conhecia e dependia de seus recursos.
Em Carajás (PA), na Gruta do Gavião que foi ocupada entre 8.000 e 4.000 (AP) e na
Gruta do Pequiá ocupada desde 9.000 A.P., por exemplo, isto ficou bastante evidente,
especialmente por conta da presença de plantas (Manihot sp, Duck, Couepia, Copaibera,
Hymenaea e Astrocaryum sp) que podem ter sido, de algum modo, manejadas (xxxii).
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Portanto, o conhecimento sobre os recursos tropicais já estava sendo forjado há milhares de
anos, provavelmente desde a chegada do homem no início do Holoceno. A paisagem
explorada por essas populações de caçadores-coletores do Holoceno inicial, enfim, teria
sido tropical e não se diferenciaria muito daquela que conhecemos hoje, exceto pela maior
extensão das áreas cobertas de cerrado que foram, paulatinamente, sendo substituídas por
florestas.
Os fortes indícios de que os costumes e sistemas das populações indígenas
agricultoras, nada mais seriam do que a resposta regional de práticas experimentadas e
aperfeiçoadas ao longo de centenas de anos por antigos caçadores-coletores de floresta
tropical, implica a consideração de que a formação histórica de nossa História Anterior
resultou num Processo Civilizador de longa duração. A idéia de que, evolutivamente falando,
o ponto do destino é tão importante quanto o ponto de partida, força a revisão do atual
paradigma, resultado da leitura linear da história mundial, que tem gerado seqüências
muitas vezes absurdas e regularmente provisórias a respeito da antiguidade histórica sul
americana. Fato estabelecido porque a preocupação não é com a gênese dos
acontecimentos, mas com o evento preciso que deu início aos processos progressivos de
um acontecimento supostamente único e universal. Acontece que a arqueologia tem
mostrado que não há começo absoluto, que os acontecimentos só podem ser observados
na duração e que na longa duração, os acontecimentos tomam sentidos e graus de
intensidade social diversos. Assim, a idéia de aculturação através do difusionismo cunhada
ainda no século XIX, hoje é apenas um item bastante subalterno diante das potências
regionais de especiação cultural.
Na concepção tradicional, entretanto, o uso repetido dos modelos neo-evolucionistas
deixou marcas profundas na arqueologia e os arqueólogos acostumaram-se com a
discussão da natureza dos seus sistemas de classificação. Com isto, o conceito de
paleoíndio na Amazônia seria apenas o marco da presença do paleoíndio norte-americano
na nova realidade da floresta úmida. Mas, com o que se sabe hoje, sobre a evolução
humana nas florestas úmidas e sobre a antigüidade da presença humana na América do
Sul, esta hipótese não encontra respaldo nas evidências identificadas. Na verdade, a
definição para paleoíndio utilizada como conceito na arqueologia brasileira data de 1980,
quando foi definido um conjunto de terminologias o qual pudesse ser claramente
empregado. Porém, a definição desenvolvida era muito superficial e em síntese utilizava “o
conceito de paleoíndio simplesmente para caracterizar as culturas antigas que vão
provavelmente até uma primeira mudança climática maior depois que o Pleistoceno já se
apagou” (xxxiii). Assim, mais por força de hábito e ausência de um outro conceito
consistente, é que continuam a empregar este termo.
13
Ao propor uma perspectiva histórica na evolução sociocultural do homem na
Amazônia, é perfeitamente possível identificar o período em que diversas sociedades -
independentemente do nível de organização social e do aparato material particular que
tenham tido - empreenderam um processo civilizador de longa duração (xxxiv). Mas para
compreender isso temos que entender que o espaço é a ordem das coexistências possíveis;
que o espaço regional é composto por territórios socialmente explorados, que por sua vez é
composto de lugares diversamente ocupados. É no espaço que os acontecimentos se
globalizam. Entretanto, são nos seus diferentes lugares, organizados em diferentes
territórios, onde os sistemas sucessivos do acontecer social distinguem diferentes períodos,
sejam passados ou presentes: o eixo das sucessões. Em cada lugar, o tempo das diversas
ações e dos diversos atores e a maneira como utilizam o tempo social não são os mesmos.
No viver comum de cada instante, os eventos não são sucessivos, mas concomitantes: o
eixo das coexistências. Portanto, no espaço regional, se as temporalidades não são as
mesmas para as suas diversas sociedades elas, todavia, se dão de modo simultâneo (xxxv).
Além disto, cada tempo próprio de um evento tem um sentido, uma intensidade e uma
duração (xxxvi). E é na duração onde as coisas se originam e cujo tempo só pode ser
apreendido no presente.
Não obstante, se por um lado não há nenhum espaço onde a construção do tempo
seja idêntica para todos, é a simultaneidade das diversas temporalidades dos
acontecimentos sociais sobre uma determinada área geográfica que constitui o domínio de
um espaço regional. Por isto podemos dizer que a sucessão dos acontecimentos é abstrata
e que a simultaneidade generalizada dos acontecimentos é o tempo concreto da vida real de
todos. Citando Milton Santos, “o espaço é que reúne a todos, com suas múltiplas
possibilidades, que são possibilidades diferentes de uso dos seus territórios relacionadas
com possibilidades diferentes de uso do tempo” (xxxvii).
O espaço é um conjunto, mas um conjunto regional paralelo, ou seja, do mesmo
modo que há o espaço geográfico tropical amazônico, há o espaço antártico, andino e etc.
Os territórios são seus subconjuntos. Esses territórios, particularizados, são cultural, política
e socialmente definidos pela inteiração histórica do homem com a natureza dos seus
diversos lugares componentes. Ou seja, os subconjuntos dos territórios são os lugares onde
o tempo histórico é construído. Portanto, a territorialidade é definida pelas relações sociais e
históricas do homem em determinado conjunto de lugares (sítios) por ele ocupado. Assim,
no conjunto espaço, se há territórios paralelos – portanto - há histórias paralelas. Mas sendo
o espaço geográfico o universo onde essas histórias se dão, além de coexistentes, elas se
influenciam. Deste modo, no conjunto espacial total elas compartilham uma mesma noção
comum subjacente.
14
Até aqui falamos da simultaneidade generalizada dos acontecimentos no plano
horizontal do espaço. Entretanto, não podemos conceber o espaço sem o tempo. Nem
mesmo como coisas conectadas, mas paralelas, como apresentamos até agora. Espaço e
tempo são uma só e mesma coisa. Ao entendermos o conjunto espaço como um total de
lugares, onde cada qual tem o seu próprio tempo, entendemos que o tempo de um espaço
total, por sua vez, é um total de eventos temporalmente distintos.
Acontece que no espaço a história é construída na horizontal, mas no tempo ela é
transformada na vertical (ao longo da sucessão temporal). Portanto, temos dois vetores
espaço-temporais que se cruzam: um horizontal e outro vertical. O ponto de intercessão
vetorial, o zero que divide o anterior e o posterior (o passado/presente/futuro mais o
espaço/lugar/território), é o tempo do observador que só é concebível no presente de um
determinado local historicamente compreendido. Assim, se no plano horizontal, a
simultaneidade generalizada dos acontecimentos ocorre no mesmo vetor espaço-temporal,
consequentemente, no vetor vertical do espaço-tempo, todos os acontecimentos também
serão generalizadamente simultâneos. Ou seja, todos os eventos históricos particulares não
só são simultâneos no espaço como também o são no tempo. Como o observador só pode
perceber o tempo a partir do lugar e como esse lugar só poder ser territorialmente
vivenciado no seu presente histórico, é no presente que o devir e o porvir coexistem e
particularizam os acontecimentos históricos, que assumem sentidos, intensidades e
durações próprias. Temos daí que, no campo territorial dos acontecimentos históricos,
sincronia e diacronia socioculturais são ritmos diferentes do mesmo evento.
O nosso senso comum induz-nos a acreditar que a natureza é tridimensional. Mas no
início do século passado foi demonstrado que a natureza é tetradimensional. Ou seja, que
além de altura, largura e comprimento, havia uma outra dimensão: a temporal. A relatividade
geral condicionou essa temporalidade à existência de um referencial. O tempo, para ser,
tinha que ser relativo a alguma coisa. Para tanto, são necessários, no mínimo, dois corpos
referenciais para termos a percepção da tetradimensionalidade da natureza. Durante muito
tempo a mentalidade ótica das sociedades modernas dificultou a compreensão da
tetradimensionalidade da natureza. Até recentemente era comum ouvirmos dizer que a
quarta dimensão era simplesmente o tempo e que, portanto, não poderia ser representado e
nem visualizado. Problema talvez causado por esquecerem que na relatividade geral, tempo
não se separa de espaço. Ou seja, o tempo é definido pela posição do corpo no espaço.
Assim, as quatro dimensões são: a altura, a largura, o comprimento e a posição do corpo no
espaço. As quatro dimensões, não só são mensuráveis como visualmente representáveis.
Isto ocorre porque a natureza do espaço é o tempo; a natureza do tempo é o espaço.
Portanto, a posição relativa de uma sociedade no espaço é a sua existência histórica
no tempo. O território não é apenas o espaço onde as relações sociais se dão, é também o
15
espaço onde a história se realiza e se diferencia, simultaneamente. Na Amazônia, o espaço
regional é um mosaico de territórios cujos artefatos culturais, além de fluírem de um para o
outro, se particularizaram conforme os lugares onde se estabeleceram. Daí se poder dizer
que a gênese das sociedades amazônicas antigas deu-se quando práticas, costumes e
técnicas regionais diversas convergiram para uma mesma noção comum subjacente,
compartilhada espaço-temporalmente, segundo a organização dos lugares em territórios
sociais culturalmente definidos. Assim, os caçadores-coletores amazônicos podem ser
identificados como formadores de um processo civilizador, já que a integração territorial
deles (tanto econômica, quanto social, política e cultural) foi coletiva e compartilhada através
de ações e técnicas comuns desenvolvidas conforme a exploração dos recursos da floresta
tropical que, consequentemente, em boa parte, é fruto da ação histórica deles.
Mas, antes de avançarmos sobre este assunto, vamos retornar à representação
temporal, aprofundando o seu entendimento. Dizia que o tempo é definido pela posição do
corpo no espaço. Vamos agora imaginar esse corpo como sendo um conjunto composto por
subconjuntos. Imaginemos que cada subconjunto ocupa, dentro do conjunto, uma posição
particular. Imaginemos também, que sendo os subconjuntos componentes de um mesmo
conjunto, que eles compartilham uma mesma rede de conexão. E que nesta rede, eles são
muito mais análogos do que, necessariamente, semelhantes entre si. Para completar,
vamos supor que apesar de fazerem parte da mesma rede, existem alguns subconjuntos
redundantes, os quais estão conectados apenas com alguns dos outros subconjuntos.
Assim, dentro de um conjunto existem subconjuntos que se conectam entre si, mas também
existem aqueles que apresentam restrições conectivas.
Isso pode ocorrer porque o espaço entre um território e outro é o espaço global onde
ocorrerem os contatos e as trocas diversas, que exercem maior ou menor influência
conforme a receptividade de cada um dos grupos sociais envolvidos. É a importação de
elementos significantes de artefatos culturais externos, próprios de um determinado território
ou lugar, introduzidos em um outro determinado território ou lugar de um mesmo espaço
regional ou não, que gera redundância. Ou seja, esses elementos absorvidos serão, em
princípio, culturalmente redundantes.
Ou ainda, populações provenientes do espaço exterior, que são absorvidas
culturalmente em determinado território, trarão artefatos culturais que poderão resistir ao
padrão dominante, permanecendo imutáveis no seu âmbito particular. Mais tarde, esses
artefatos poderão ser absorvidos inter-culturalmente e então serem admitidos no padrão
dominante, que poderá ou não sofrer mudanças por isto. Portanto, tanto os artefatos
absorvidos perifericamente, quanto aqueles trazidos por novos contingentes populacionais
admitidos pelo padrão cultural dominante, poderão permanecer como elementos
redundantes, sejam eles atitudes, atividades, experiências ou sentimentos. Mas a
16
redundância pode surgir no interior da própria sociedade, por razões de ordem histórica,
econômica, política etc. Esses elementos redundantes, por sua vez, não só podem interligar
diferentes espaços culturais, como inclusive podem transformar, completamente, o sentido,
a duração e a intensidade do padrão até então dominante em um subconjunto local ou
mesmo regional, por sua vez composto por diferentes territórios socioculturais.
Pode-se afirmar, em síntese, que o processo civilizador na Amazônia teve início
quando o homem, de origem mongolóide, interage com a floresta úmida, produzindo
práticas e costumes sociais específicos ao longo de muitos séculos de exploração e manejo
dos recursos naturais. Ora, este processo civilizador envolve grupos sociais distintos, em
tempos e espaços diferentes, cujos contatos em diferentes graus de inteiração resultaram
na absorção de traços redundantes, que mais tarde não só se tornaram dominantes, como
inclusive caracterizaram a noção comum da cultura regional. A sua evolução foi
heterogênea e não linear, não só no espaço, como também no tempo. O início desse
acontecimento pode ter partido de grupos humanos que aqui chegaram ainda no
Pleistoceno, mas já em pleno Holoceno, muitos grupos poderiam estar apenas
engatinhando na sua tropicalização.
A este período histórico dominado pelos caçadores-coletores mongolóides, que
viviam interativamente com os recursos de floresta e rios, vamos chamar de Cultura
Tropical. Ele envolve experiências práticas e sensíveis (como a manipulação antropogênica
do ambiente) primariamente dominadas pela experiência cognitiva, mas que de longe
supera o período anterior. Neste período anterior, pré-tropical, as experiências limitavam-se
à satisfação das necessidades relacionadas à subsistência e estavam submetidas aos
fenômenos da natureza, tal como teria sido vivenciado pelas populações pleistocênicas, não
mongolóides e/ou não tropicais. À medida que as relações socioculturais interagiram com
certos tipos de experiências, como a caça e a coleta generalizada (não especializada) de
produtos tropicais, os grupos humanos foram capazes de abstrair e organizar novos padrões
afetivos, sensoriais e técnicos, com reflexo direto sobre suas práticas e costumes (xxxviii).
Na verdade, esse processo civilizador rompe radicalmente com as tradições anteriores e
aponta o caminho para o sucesso definitivo das atividades humanas junto à floresta tropical
amazônica.
Ao inteirar-se com a floresta o homem co-evolui com ela e garante a continuidade de
ambos. Essa co-evolução é cumulativa e componencial. Não é progressiva, visto ocorrer
através das diversas práticas humanas (sociais, políticas, econômicas, técnicas, etc.) de
modo sincrônico, mas também diacrônico, pois os seres individuais, sociais e seus artefatos
apresentam tempos e velocidades específicas. Com o tempo, o ambiente natural veio a se
tornar antropicamente familiar, porém com histórias técnicas específicas. Isto ocorreu
17
porque os grupos sociais ocuparam lugares e territórios particulares, onde suas relações
socioculturais se individuaram no tempo e no espaço familiar de suas vivências.
Cada uma das práticas humanas é componencial, isto é, implica em um conjunto de
componentes específicos que necessita de amadurecimento consciente antes de interagir
com os componentes das outras práticas. A cumulação se dá a nível componencial (de
conexões modulares variáveis), mas é a inteiração das práticas e/ou dos usos que
caracterizam certa experiência com as demais experiências práticas e sensíveis, que altera
as relações sociais, políticas, econômicas, técnicas e etc. A capacidade na experiência
técnica de produzir determinado artefato de uso específico, por exemplo, pode preceder no
espaço e no tempo qualquer alteração nas ações sociais. Ou seja, a introdução de novas
tecnologias, não implica, necessariamente, em novas práticas sociais, pois elas podem
permanecer redundantes durante bastante tempo. Entretanto, quando determinada ação
específica é cognitivamente conectada com todo ou por parte significativa do conjunto das
experiências – e é social, política e economicamente conscientizada - as mudanças podem
ser rápidas e profundas.
Assim, quando por fatores diversos, certo conjunto de experiências práticas e
sensíveis, acumulado modularmente pelos caçadores-coletores tropicais, é dominado
conectivamente pela experiência cognitiva deles, eles alcançam um ponto crítico de
mutação que acaba por reorganizar todas as relações socioculturais anteriores. Isto os leva
a um processo de institucionalização de hábitos e costumes há muito tempo adquiridos, mas
que ainda eram marginais. Foi assim que os caçadores-coletores tropicais reorganizaram
suas velhas experiências, em relações tribais intensas, com agricultura e definição de novas
estruturas sociais, culturais e políticas. Com isto fizeram surgir um outro período histórico,
com um processo civilizador diferente e mais sofisticado, que vamos chamar de Cultura
Neotropical.
A CULTURA NEOTROPICAL
A gênese das sociedades antigas da Amazônia, enfim, ocorreu na floresta tropical e
teve início com populações de caçadores-coletores de origem mongolóide, provavelmente
há mais de 12.000 anos atrás. Esta gênese constituiu um acontecimento histórico de longa
duração. Quando os caçadores-coletores se tornaram suficientemente conhecedores dos
recursos e dos limites da floresta, cujos ecossistemas, com os quais interagiam,
manipulavam antropogenicamente, eles superam suas origens ao fizeram florescer
sociedades agrícolas complexas, com relações interétnicas e políticas, talvez únicas no
mundo.
18
Ao falarmos deste período, porém, entramos numa seara há muito estudada e
discutida pela arqueologia brasileira e sul-americana em geral. As discussões mais
prolíferas e que predominaram durante as últimas cinco décadas do século XX, apesar de
apresentarem alguns pontos até contraditórios entre si, têm uma mesma base teórica
desenvolvida a partir da antropologia ecológica e evolucionista norte-americana. Por conta
disto, tradicionalmente é aceito que o florescimento das sociedades agricultoras na
Amazônia teria surgido, mais ou menos entre 3.000 e 5.000 anos atrás (xxxix). Contudo, é
até possível que algumas delas tenham ocorrido bem antes disto (xl). De todo modo, elas
foram distribuídas segundo dois níveis de complexidade socioculturais relacionados à
evolução geral dessas sociedades. O primeiro seria aquele relacionado ao Formativo, tal
como proposto por Meggers em 1962, com sociedades horticultoras de raízes, organizadas
em aldeias sedentárias, mas com populações pequenas e sem maiores vínculos políticos
entre si, que se estabelecem de modo generalizado nas terras baixas. O segundo, mais
recente, e tal como proposto por Roosevelt, seria formado por sociedades complexas
formadas a partir de populações que ocupavam, preferencialmente, as margens dos
grandes rios e das várzeas em particular. Essas sociedades eram compostas por grandes
populações divididas em diversas aldeias politicamente relacionadas, ocupando extensos
territórios estrategicamente coordenados.
Segundo o esquema proposto pelo PRONAPA, tanto o primeiro quanto o segundo
nível foram divididos em Tradições, por sua vez subdivididas em Sub-Tradições e Fases. As
Tradições são uma seqüência de estilos ou de culturas que se desenvolvem no tempo,
partindo uns dos outros, formando uma continuidade cronológica. Já as Fases
correspondem a qualquer padrão da cultura material, relacionado no tempo e no espaço,
num ou mais sítios. Cronologicamente, essas divisões e sub-divisões seguem o esquema do
tempo linear baseado no quadro intercontinental proposto pelo neo-evolucionismo. Contudo,
o esquema das Tradições também tem incongruências técnicas. Por exemplo, ele não é
capaz de correlacionar os elementos materiais e as técnicas com persistência temporal
identificadas, nem com a etnologia, nem com padrões de desenvolvimento particulares. Este
esquema ainda desconhece a natureza do espaço e não considera a territorialidade e o
lugar como diferenças espaciais complementares.
Como efeito colateral observável, as Tradições acabam por correlacionar,
espacialmente, todas as fases numa seqüência cronológica sucessiva, como se todas as
fases, regionalmente distribuídas, fossem, necessariamente, derivadas umas das outras; e
como se todos os sujeitos, em qualquer região particular, desenvolvessem os mesmos
meios para satisfazerem suas diferentes necessidades históricas e afetivas. Daí a idéia de
que o Formativo está, cronológica e evolutivamente, num estágio inferior ao Complexo. Mas,
para serem inseridas no Complexo, as evidências arqueológicas devem apresentar um
19
determinado padrão que desconhece variáveis geo-econômicas e políticas. Assim, variáveis
de exploração ecossistêmicas estratégicas, muitas vezes são relacionadas a Fases e/ou a
Tradições do Formativo, quando na verdade podem fazer parte da rede de subsistência
desenvolvida por uma mesma sociedade do chamado nível Complexo. Fato observado,
principalmente, na dicotomia estabelecida entre as evidências observadas nas terras firmes
e nas várzeas. Por outro lado, a cultura material de formações socioculturais independentes
desenvolvidas a partir de experiências territoriais particulares, que apresentam certas
noções comuns por compartilharem uma mesma ancestralidade e uma mesma vivência
espacial geográfica, pode ser tida apenas como uma Fase diferente, entre as tantas
sucessivamente possíveis de uma única e determinada Tradição. Para completar, muitas
vezes, sociedades que apresentam características socioculturais particulares e
diferenciadas entre si são agrupadas numa mesma seqüência evolutiva quando, na
verdade, são unidades culturais com processos históricos particulares.
No entanto, o elo mais frágil deste esquema está na sua própria base. Ou seja, as
Tradições são definidas por fases que, por sua vez, são estabelecidas por tipos definidos
pela análise estatística da cerâmica. O problema é que as variáveis tipológicas oscilam
conforme as variáveis definidas para a análise. Essas variáveis não são infinitas (em geral
variam conforme os traços intencionalmente privilegiados no tratamento de superfície e ou
no antiplástico da cerâmica), mas são amplas o suficiente para acomodar a análise de
melhor resultado, às Fases e às Tradições já definidas. Neste caso, a essência do problema
não está no método quantitativo em si, porém, em superestimar os seus resultados que,
bastante limitados, de modo algum deveriam servir de base única para a definição de Fases,
Tradições e muito menos de culturas.
Muitas vezes ainda, as análises definem Fases que não podem, mesmo
considerando a manipulação das variáveis, ser encaixadas nas Tradições conhecidas.
Quando se repetem em outros conjuntos de amostragem criam uma Sub-Tradição, quando
isto não é possível criam uma Fase independente. Porém, qualquer que seja a saída, ela
sempre busca seu espaço na seqüência cronológica evolutiva estabelecida pelas Tradições
fixadas entre o Formativo e o Complexo. Ocorre que este esquema acaba por confundir
seus termos classificatórios, com culturas arqueológicas e estas mais como entidades reais
(como se existisse, de fato, por exemplo, uma tradição Tupiguaraní, uma tradição Policroma
e etc.) do que como conceitos analíticos. Entretanto, se este esquema privilegia processos
de difusão e migração, por outro lado ignora particularidades culturais, sociais e políticas.
Foi baseado no esquema acima que os diversos padrões arqueológicos da
Amazônia foram organizados cultural e cronologicamente. Inicialmente, como horizontes-
estilos Hachurado zonado, Borda Incisa, Policroma e Inciso Ponteado (xli); posteriormente o
termo horizonte-estilo (continuidade espacial de traços culturais de rápida dispersão) foi
20
substituído por Tradição (continuidade temporal ou sucessão regional de fases
relacionadas). A essas Tradições, mais tarde foram incorporadas outras, como a
Tupiguarani e a Barrancóide, por exemplo. Mas, este esquema, conforme aumentava o seu
sucesso entre os arqueólogos, com forte e duradoura influência sobre suas perspectivas
teóricas e metodológicas, despertava muitas discussões e ressalvas culminando com o
fulminante petardo crítico lançado por Anna Roosevelt em 1991 (xlii).
Todos os pontos mais sensíveis do esquema foram avassaladoramente criticados
por Roosevelt, tais como o determinismo ecológico e a idéia conseqüente da limitação dos
recursos ambientais amazônicos para o desenvolvimento de sociedades complexas; a idéia
de que as tecnologias observadas (a manufatura da cerâmica, especialmente) e o cultivo de
plantas foram introduzidos na região a partir de difusões culturais provenientes dos Andes e
da Mesoamérica; a superestimação das fontes etnológicas contemporâneas e a
subestimação das fontes etnohistóricas e dos registros empíricos da própria arqueologia;
finalmente, a artificialidade dos resultados obtidos por seus métodos de escavação e
análises, que ignoravam todos os registros biológicos (restos orgânicos) por acaso
existentes.
As principais assertivas dessas críticas foram as hipóteses de que as antigas
sociedades amazônicas apresentavam evidências de adaptações culturais locais às
características do meio-ambiente (que, por outro lado, mantinha a ecologia humana em
evidência); que os estilos artísticos, a subsistência e a tecnologia encontradas nas
sociedades mais complexas teriam raízes em sociedades amazônicas mais antigas; que as
teorias derivadas da biologia evolutiva, que explicam o surgimento do progresso no registro
paleontológico podem ser aplicáveis à Amazônia; e que a intensificação da agricultura, com
o aumento populacional aliado à introdução de novos métodos de produção, justificavam a
grande densidade humana que habitava as áreas de várzea, em tempos imediatamente
anteriores à conquista européia.
Porém, ao apresentar argumentos sobre a complexidade alcançada pelas
sociedades tribais Amazônicas, que teriam atingido níveis avançados de “cacicado”,
Roosevelt (xliii) inverte os papéis e superestima as fontes etnohistóricas e os registros
empíricos disponibilizados pela arqueologia, enquanto subestima as fontes etnológicas
contemporâneas. Aí ela desfila uma série de especulações (algumas hoje refutadas e outras
não confirmadas pela arqueologia) a respeito de estratificações sociais; cidades
administrativas cercadas por cidades de moradias sedentárias; chefes senhores de terra;
guerras para conquista de territórios e escravos; cultivos intensivos de milho, feijão e outros
cereais; produção em larga escala de produtos luxuriantes; centros especializados não
igualitários; e a oposição entre várzea e terra firme e entre mandioca e milho, determinadas:
21
primeiro, por uma suposta diferença do potencial agrícola entre ambas as áreas; segundo,
pela suposta diferença quantitativa e qualitativa desses cultivos.
Não obstante a falta de evidência para algumas de suas suposições, o fato é que o
sucesso das críticas de Roosevelt foi significativo e desde então a arqueologia da Amazônia
não foi mais a mesma. E a diferença principal não foi traçada pela mudança de perspectiva,
que muitas vezes mostra mais semelhanças entre si do que diferenças. O interessante é
que embora tenha havido um grande progresso, especialmente metodológico, com
praticamente o abandono dos procedimentos aplicados pelo PRONAPABA e a ascensão de
procedimentos positivistas mais vigorosos inspirados na new archaeology, na verdade, por
não ter havido qualquer mudança de paradigma, o que restou foi um grande hiato teórico.
Esta diferença pode ser notada nas sínteses atuais sobre a arqueologia da Amazônia.
Antes havia um escopo filosófico e teórico facilmente identificáveis nessas sínteses,
fossem elas plausíveis ou não com a realidade observada. Hoje, ainda que se note um
maior cuidado com a observação da realidade, essa observação regularmente é pontual e
particularmente sem compromisso com uma visão mais ampla e profunda que vá além das
premissas técnicas empregadas. Pelo contrário, muitos insistem na negação da
necessidade de uma teoria geral, em defesa de casos ou seqüências que sejam apenas
bem entendidas através de estudos arqueológicos detalhados. Quando muito temos apenas
a cuidadosa narração histórica da evolução do pensamento sobre a arqueologia amazônica.
O desenvolvimento do pensamento, no entanto, até parece ter ficado paralisado nas
discussões sobre a existência ou não de cacicados e ou de urbanização na Amazônia. Ao
que tudo indica, neste início do século XXI continua prevalecendo a concepção pós-
moderna que prega o fim dos grandes sistemas de pensamento que subordinam, organizam
e explicam as narrativas, e permitem distinguir o discurso, muito diferente, das diversas
perspectivas de uma disciplina. A conseqüência disso tudo, é a incapacidade dos saberes
derivados das narrativas teóricas, sem identidade filosófica, se relacionarem com o tempo e
com a história, reproduzindo apenas um presente perpétuo no qual os signos se dissociam
de sua função de referir o mundo real. Talvez isto seja um subproduto do evolucionismo
que, para alguns autores, teria descredenciado a filosofia nos assuntos sobre a natureza
humana. Equívoco mantido pelos neo-darwinistas e positivistas de plantão. De qualquer
modo, foi o estruturalismo que fundamentou tais argumentos, especialmente quando
historiadores como Braudel buscaram a imobilidade do tempo histórico, e filósofos como
Foucault fragmentaram a realidade quase ao infinito, desconstruindo o sentido da história
numa multiplicidade aleatória de sentidos (xliv).
Enquanto isto, resistentemente, os horizontes culturais ainda são referência
significativa para quem estuda a cerâmica arqueológica produzida por populações anteriores
à conquista européia. Paralelamente, há uma tendência à mudança do status de certos
22
conceitos, como por exemplo, o de Fase, ao referir-se a coleções ceramistas
arqueologicamente contextualizadas. Como, por exemplo, abandonar a idéia mais geral e
imprecisa de uma Tradição Policroma para realçar apenas uma de suas Fases, como a
Marajoara. Deste modo ela ganha em particularidade e em liberdade para ser
correlacionada àquelas que as antecederam e ou sucederam localmente, buscando, assim,
uma melhor precisão na identificação da cultura que as produziu e na compreensão da
evolução dos processos históricos aí envolvidos. Neste sentido, hoje são comuns
referências à Fase Marajoara, à Cultura Tapajós ou Santarém, todas famosas pela riqueza
estilística de suas cerâmicas ritualísticas, sem a conotação de uma idéia de Tradição por
trás delas.
Além disso, há a criação de seqüências cronológicas hipotéticas, segundo o método
da análise modal, baseada na lingüística descritiva, que concebe os modos cerâmicos como
unidades mínimas, análogas aos fonemas. Proposta esta que apesar de recentemente
recuperada, foi originalmente aplicada na Amazônia por Lathrap, que por sua vez se
inspirara em definições estabelecidas por Rouse em 1960 (xlv). Porém, os tipos obtidos da
análise modal e impostos à coleção, tal como para a tipologia quantitativa, também são
produtos artificiais organizados em escalas lineares. O propósito, como não poderia deixar
de ser, visa o agrupamento, cronologicamente definido, de atributos significativos. Assim,
essa metodologia tem por objetivo a percepção e a inserção de diferenças micro-estilísticas
nos tipos definidos ou unidades já existentes. Daí que ela não se diferencia em essência da
idéia de fase e acaba por assumir o mesmo problema, que é a insuficiência de ambas para
a narração histórica. A particularização dos acontecimentos, entretanto, não pode condenar
o sentimento de globalidade. Pois a sociedade não nasce do homem: por mais longe que se
retroceda na história, é ele que nasce em uma sociedade já constituída.
Assim, por um lado existe a intenção deliberada de ordenar todas as variáveis
humanas dentro de um esquema ordenado de progressão sucessiva. Por outro, existe a
contrapartida de dispersar essas variáveis entre possibilidades paralelas que só se
encontram no infinito. Mas, ao se constatar que o homem tem raízes, uma genealogia, uma
memória étnica e que sua consciência é posterior à sua proveniência, então deve-se
reconhecer que o seu produto é um bem patrimonial que extrapola as especificidades que
ele expressa (xlvi). Ou seja, o todo é constituído de partes, mas um todo nunca é “o todo”,
porém um fragmento de um todo muito maior. Enfim, o todo é um múltiplo, composto de
múltiplos de múltiplos de múltiplos. Portanto, não é porque as antigas teorias não
conseguem explicar a realidade existente além desses fragmentos, que vamos ignorar a
capacidade conectiva que a construção das grandes narrativas tem para entendermos a
história. Essa história não é meramente global. Deve-se entender que o regional também é
um espaço do universal, mas que se subdivide em territórios particulares agrupados num
23
conjunto maior, para cuja construção histórica todos contribuem. Ou seja, da perspectiva do
espaço regional, não só temos o particular, como também o sentido global compartilhado.
Atualmente, as pesquisas estão se consolidando no estudo da organização social e
política das grandes “culturas pré-históricas”. Isto implica o esforço para se compreender
qual era o grau de complexidade social que elas teriam alcançado; o tamanho real de suas
populações e seus sistemas de subsistência; os sistemas de organização das atividades
econômicas; as relações políticas desenvolvidas e o grau de influência delas sobre a
organização da sociedade. Essas pesquisas têm confirmado que, apesar de certos aspectos
permanecerem obscuros, as sociedades Neotropicais realmente eram bastante complexas,
tinham um sistema sociopolítico sofisticado e exerceram influência cultural para além da
região amazônica.
Denise Schaan (xlvii), em seus estudos ainda em curso sobre a Cultura Marajoara,
isto é, sobre a chamada Fase Marajoara da Tradição Policroma, parte do princípio de que
ela, tal como proposto por Roosevelt, era constituída por sociedades controladas por
cacicados rivais. Essas sociedades manteriam alianças entre si em situações especiais,
principalmente, religiosas, ou quando uma delas se impunha culturalmente sobre as outras.
Considerando que o Marajó é uma ilha, essa hipótese também se baseia na teoria da
circunscrição territorial, proposta por Robert Carneiro em 1961 (xlviii), segundo a qual
sociedades que vivem em territórios limitados ou circunscritos (como são as ilhas) podem
desenvolver padrões sofisticados de convivência. As conclusões de Schaan se baseiam no
fato de que essa Cultura era socialmente complexa, mas segundo certos parâmetros
propostos pelas teorias cultural-evolucionistas de desenvolvimento cultural, como chefia
hereditária e formação de elites religiosas e políticas, entretanto, versus heterotopias
sociais. Só que, neste caso, a heterotopia era justamente quando ocorria aliança.
Entretanto, em Foucault (xlix), do qual se extraiu a definição do uso atual do termo,
apesar da heterotopia cumprir no espaço social a função de criar uma realidade
compensatória organizada segundo uma ordem meticulosa e fechada, também cumpre a
função de criar a possibilidade do surgimento de sociedades alternativas, que colocam em
cheque as relações do biopoder (da vontade de poder instintiva ou natural, sem interferência
cultural). Ora, as alianças políticas marajoaras ainda que ocasionais, eram apenas uma das
expressões, em um nível mais integrado, das próprias relações políticas do biopoder (chefia
hereditária, elites religiosas e políticas), que já ocorreriam, segundo Schaan, entre
sociedades rivais. Desse modo, as alianças até poderiam ser uma exceção regional, porém,
dentro das relações humanas, é justamente o previsível, o esperado. Contudo, como
Schaan mesma observa, antes do advento dessas alianças políticas, a ilha do Marajó foi
habitada por sociedades de diferentes etnias e costumes, mas que mantinham contatos
através de uma extensa rede de trocas. E é a esse mesmo padrão ao qual as sociedades
24
complexas marajoaras retornam após a decadência política dos “cacicados”. Ou seja,
apesar das relações políticas do biopoder sempre levarem o homem a voltar-se a um antes-
de-si-mesmo, tal como imposto pelas suas funções instintivas inerentes, a cultura é capaz
de criar situações que não existiam antes e que levam o homem ao depois-de-si-mesmo.
No entanto, as especulações sobre a hegemonia de chefias hereditárias de ordem
religiosa, cuja ascensão cultural ocorria quando eram celebradas alianças políticas no
Marajó, não apresentam nenhuma evidência concreta e objetiva. A complexidade
sociocultural observada nas sociedades marajoaras, muito pelo contrário, sugerem outros
modos de organização sociocultural, onde a colaboração em nome de uma poderosa
tradição cultural voltada para os ritos religiosos exercia uma importante influência na
agregação regional. Isto não quer dizer que não existissem chefes, mas esses chefes não
teriam o poder que a própria tradição religiosa congregava, porque a heterotopia social
(contra o biopoder) era a regra de controle do poder (controle que, por não ser de exceção,
nem mesmo pode ser considerado uma heterotopia regional). Mesmo na ausência de uma
chefia forte, as relações culturais permitiam com que as diferentes sociedades, apesar de
manterem suas especificidades étnicas, lingüísticas e simbólicas, compartilhassem, com
intensidade, um mesmo padrão cultural regional.
Pesquisas anteriores efetuadas por Henckenberger (l) têm confirmado que, apesar
de certos aspectos ainda obscuros, algumas sociedades como as do Alto Xingu, também
eram bastante complexas, tinham um sistema sociopolítico sofisticado e exerceram
influência cultural para além da região amazônica.
Lançando um olhar estruturalista com preocupações holísticas sobre dados
arqueológicos, etnológicos e lingüísticos, Henckenberger encontrou evidências de
persistência no modo de organização política de sociedades xinguanas modernas, com mais
de mil anos de desenvolvimento cultural in situ. Além disso, essa organização, hoje bastante
simplificada em relação ao seu passado antigo, teria comportado uma densa população,
com dezenas de milhares de pessoas, relativamente fixadas em povoados grandes e
permanentes e largamente distribuídas por boa parte da bacia do Alto Xingu. Ele estudou a
complexidade das estruturas sociais e inclusive de construções de terra em grande escala,
cujo plano arquitetural foi erguido em toda a sua grandeza justamente no seu passado
remoto, poucos séculos antes do contato com o colonizador euro-brasileiro.
O grande mérito de Heckenberger foi ter encontrado no Alto Xingu, apesar das
descontinuidades existentes entre o passado e o presente, a continuidade histórica de
estruturas básicas cambiantes de longa duração. Desse modo, ele reconheceu um esquema
cultural durável com processos singulares de desenvolvimento histórico regional, paralelo
aos grandes processos mundiais conhecidos. Ao realizar isso, ele também rompe,
25
definitivamente, com o até então resistente esquema evolucionista e linear da formação
sociocultural do homem na Amazônia.
Mostrando a conexão entre as evidências arqueológicas e as evidências etnológicas
observadas nas atuais aldeias dos Aruak no Alto Xingu _ periferia meridional da Amazônia _
cuja dispersão original, centenas de anos antes, teria sido proveniente da Mesoamérica, ele
correlaciona a cultura ceramista deles com a “Tradição Barrancóide”, também de larga
distribuição continental e, por sua vez, originária das Antilhas. Com organização social e
política particulares, os Aruak se distinguiriam assim, dos povos tupi-guarani, jê e karibe,
todos, por sua vez, também com suas formações históricas particulares paralelas e com
maior ou menor mútua influência, conforme a distância espaço-temporal de cada uma delas
com os núcleos regionais originais das demais.
Porém, nessa perspectiva, os processos históricos de cada uma dessas tradições
culturais, apresentados como paralelos, teriam o grau de elementos culturais mutuamente
compartilhados, apenas conforme a distância espacial existente entre eles. Assim, esses
processos seriam sistemas modelares essencialmente divergentes, nem diacrônicos e nem
civilizacionais, talvez determináveis e mecanicamente previsíveis, porém irreais. Ou seja,
traços comuns na organização social do espaço e das relações de poder, por exemplo, não
seriam pontos de conexão de uma rede civilizadora mais ampla, contudo influências mútuas
conforme a proximidade regional entre essas diferentes tradições, com a tradição mais
poderosa do momento. Além disso, a busca de uma origem primeira (Tradição Barrancóide
mesoamericana) compromete a própria phýsis (natureza) Aruak, já que a filia a um esquema
sabidamente inconsistente.
Ao apresentar o sedentarismo, a regionalidade e a hierarquia social como
características culturais com formatação histórica de longa duração própria dos Aruak do
Alto Xingu, Heckenberger enfatiza uma organização política, que embora óbvia, já que a sua
base é o biopoder, tem claras referências para uma suposta supremacia étnica e cultural. E
a estrutura da organização política se basearia em relações de poder com status sociais
diferenciados.
Entretanto, como ele mesmo observa, esses traços, desenvolvidos conforme as
experiências particulares, também podem ser observados em grupos não-Aruak, por toda a
Amazônia, desde a sua antiguidade. Ele cita textualmente (página 33), inclusive, como um
dos fatores do sedentarismo xinguano a manutenção de uma orientação econômica e
ecológica básica, fundada no cultivo “relativamente” intensivo da mandioca e na pesca, ao
longo de uma seqüência cultural inteira a qual, não obstante, pode ser universalizada para
todas as sociedades amazônicas.
Ele observa ainda, que no Alto Xingu, a hierarquia social não se cristalizou de modo
explícito em classes sociais rigidamente estratificadas. Pelo contrário, ele afirma que haveria
26
forças sociais centrífugas reorientando as relações de poder. Diz na página 107, que a
“distribuição de poder, ou as disputas em torno deste, não eram uma mera hierarquia, mas
uma hierarquia de centros de poder alternativos e muitas vezes em competição, dispostos
de diversas maneiras de acordo com as condições.” O fato é que Heckenberger afirma ter
se baseado nos conceitos de poder de Foucault. Mas, os conceitos de poder de Foucault,
apesar de categorizá-lo como divergente, elimina a figura do Estado. Isto leva Heckenberger
à contradição ao relativizar, excessivamente, a experiência xinguana dos Aruak.
Contradições à parte, Heckenberger nos permite observar que essas relações de poder
representam duas forças antagônicas em acomodação, uma convergente e outra
divergente, uma centrífuga e outra centrípeta, que bloqueia o fortalecimento de um
“governo”, mas mantém o equilíbrio do “Estado”.
Por tudo isto, podemos compreender essa hierarquia como uma diferenciação
qualitativa e não como uma ordenação quantitativa, crescente ou decrescente dos poderes.
É este tipo de estado da situação histórico-social que encontramos nas sociedades
amazônicas. Segundo Foucault, os poderes também se realizam pelo controle das
populações, por um bio-poder que age sobre a espécie humana, que avalia o conjunto
segundo a manutenção da sua existência. Deste modo, a gerência do corpo social seria,
segundo esta perspectiva, fruto de um tipo de poder determinado e exercido ao nível da
espécie, diretamente ligado ao nascimento, à mortalidade, ao nível de vida e à sua duração.
O “bio-poder”, o “controle”, os “dispositivos de segurança” então, estariam nas origens da
organização do espaço social. Mas o bio-poder de Foucault refere-se apenas à política do
corpo, ou seja, à ação do corpo orgânico individual sobre o corpo inorgânico social.
Entretanto, levando este conceito para uma perspectiva mais profunda, observamos que o
bio-poder não se manifesta apenas pela expressão física sensual, porém, sutilmente, ao
nível dos instintos também. Isto quer dizer haver de fato, um bio-poder inerente,
manifestando-se nas pessoas, independente da sua intenção consciente. A vontade de
poder e de domínio, tal qual acontece com inúmeros animais gregários, enfim, é instintiva.
Para Weber (li), por outro lado, havia a emergência, vez ou outra, de lideranças
carismáticas. Porém, a capacidade de interferência dos líderes carismáticos sobre a
comunidade só ocorreria em situações revolucionárias. Dentro desse mesmo viés, mais
tarde, Foucault desenvolveria argumento semelhante através da idéia de formações sociais
heterotópicas nas sociedades modernas. Mas na Amazônia encontramos uma série de
exemplos que indicam que a liderança carismática seria uma relação de poder muito comum
e independente de situações sociais revolucionárias. Existe mais do que suficiente número
de evidências para acreditarmos que o movimento migratório dos Tupi-guaranís, além de
não ser de diáspora, não era nem de exceção, nem excepcional (lii). Na Amazônia foi muito
27
comum a interferência de forças conscientes que se contrapunham aos poderes tradicionais,
mesmo àqueles alinhados a uma chefia hereditária.
Associado ao bio-poder temos as redes de poderes (a quem ninguém escapa, mas
também não domina), as lideranças carismáticas versus as lideranças tradicionais e do
poder de diferenciação qualitativa como um conjunto de submúltiplos, os quais caracterizam
os modos de ser dos poderes nas sociedades amazônicas. As hierarquias, então, para
melhor nos aproximarmos do que parecia realmente acontecer, não era uma ordem social
escalonada, orientada para uma centralização do poder. Era, pelo contrário, a organização
dos poderes segundo a sua qualidade, orientada para várias direções socialmente
valorizadas.
Toda sociedade organizada possui um estado da situação que extrapola as suas
manifestações, quer pessoais ou coletivas. Segundo Badiou (liii) esse estado é, antes de
mais nada, o múltiplo de todos os submúltiplos da sociedade. Nele o poder pode se
manifestar através das relações sociais, dos mais diversos modos, mas nenhum deles pode
conter a situação coletiva em si mesmo. A situação coletiva excede a soma de suas próprias
diversidades componenciais. Por exemplo: o Estado excede os poderes, seja individual, seja
institucional, porque ele não é o resultado da simples soma desses poderes, mas o conjunto
intrincado disto tudo e muito mais.
Foram os marxistas que primeiro perceberam com clareza que Estado e governo são
coisas distintas. Até então, especialmente antes da ascensão capitalista e na monarquia em
especial, Estado e governo eram tidos como uma só e mesma coisa. Os marxistas,
entretanto, diziam que o Estado sempre era o Estado da classe dominante. Mas Badiou
corrige mostrando que o Estado só exerce sua dominação segundo uma lei que qualifica
uma por uma todas as suas composições estruturais componentes, previamente
conhecidas. Porém, antes disto, o Estado ao mesmo tempo em que está absolutamente
ligado à representação histórico-social, também está separado dela. Na verdade, o Estado é
a garantia de que a sociedade é o resultado de todas as suas partes componentes, e não da
consideração de indivíduos ou mesmo de organizações institucionais ou de classe. É a
garantia de que o indivíduo não apenas pertence à sociedade, mas é aquele que está
incluído nela.
Há o estado da situação (liv) associado ao bio-poder, em que nem os indivíduos nem
as instituições têm consciência da sua existência, de modo que as estruturas de
funcionamento da sociedade é a própria estrutura da existência do Estado. Esse estado da
situação se manifesta nas sociedades que não possuem poder dominante organizado e
estratificado, emanando a partir de um centro irradiador. Ou seja, manifesta-se onde
nenhuma das suas partes componentes consegue, de um modo ou de outro, exercer o
monopólio do poder. Isto não quer dizer que não possa haver, em seu interior, uma
28
hierarquia de poderes, mas entendendo que ela só pode ser tida como uma diferenciação
qualitativa de poderes diversamente orientados.
Concomitantemente, podemos inferir que certos traços da complexidade social
podem ser definidos antes de suas relações serem claramente conscientes e desenvolvidas
a partir de experiências práticas e sensíveis, cognitivamente dominadas. Isto é, mesmo na
ausência de um domínio cognitivo ou institucional legal, ações e objetos sociais complexos
podem existir significantemente. A existência da potência universal – ou estatal – é originária
ou a priori. Já a existência em situação de coisas particulares é a posteriori, ou
experimentada.
Pesquisas etnohistóricas mostram que no sistema das relações das sociedades
amazônicas ocorreu a emergência de formações históricas paralelas e que a construção das
relações políticas e econômicas mantinha práticas cooperativas e familiares que também
aconteciam regularmente fora dos grupos lingüísticos. Nações multiétnicas se formaram
pela força dessas práticas, que entre os Caribe e os Tupi, por exemplo, foram tão
fundamentais, que não se registra qualquer terminologia diferenciando níveis de intercâmbio
entre os grupos étnicos distintos que se relacionavam com eles. Não obstante, existir entre
os Tupi o termo apropriado para definir estrangeiros, relacionado apenas àqueles com os
quais não possuíam qualquer laço político ou comercial.
Os graus escalonados de hierarquia, por acaso existentes dentro do próprio grupo ou
mesmo fora dele, na sociedade inter-étnica, eram severamente atenuados por práticas
cooperativas, nem mais nem menos, porque isto era necessário para o sucesso da
exploração econômica biodiversificada e descontínua que mantinham e da manutenção do
estado da situação histórico-social que construíam.
Tal como podemos interpretar nas evidências arqueológicas juntamente com as
evidências etnológicas, a organização humana no espaço amazônico da-se em diferentes
escalas. Em primeiro lugar, existe um território, composto por sítios particulares. Esse
território será tanto menor quanto mais sedentária for a sociedade. O fluxo de informação
(social, cultural, técnica e etc.) circula através desse território. Mas no território existem
áreas vazias, onde circulam não só as informações inerentes àquele território, bem como
aquelas provenientes de territórios vizinhos, de onde as redundâncias são importadas. Em
segundo lugar, esses vazios são fragmentos do espaço regional global, onde todos os
diferentes fluxos históricos e seus agentes se encontram.
Sabemos que na Amazônia por mais sedentária que seja uma sociedade, ela
apresenta fluxos migratórios de diversas motivações. Essas migrações podem até ser
completas, mas o mais comum é que sejam o resultado de pequenas fragmentações
internas de origem sócio-estrutural. O fato é que esses fluxos muitas vezes empurram seus
agentes para fora de suas áreas familiares, onde então cruzam com novas experiências,
29
sobre as quais influenciam e sofrem influência. Esses fluxos são divergentes e
convergentes, de modo que experiência adquirida é experiência transmitida. Experiência
essa que se repete de modo diferente no sítio receptor, onde pode se fixar ou não, se
popularizar ou não, mas sempre segundo o olhar condicionado dos agentes internos. Assim,
os territórios vão se caracterizando, segundo a ação histórica dos sujeitos no lugar.
Relatos etno-históricos e pesquisas de Meggers, Lathrap, dos pesquisadores do
PRONAPABA e outros, propõem, por outro lado, que grandes migrações foram levadas a
cabo pelos antigos povos amazônicos. Meggers e o PRONAPABA tentaram encontrar as
razões para isso através da ecologia. Principalmente com estudos sobre as influências das
mudanças climáticas nas populações adaptadas à floresta tropical. Há inúmeros trabalhos
sobre o tema, que vão desde às macro-mudanças do Quaternário até aos efeitos regionais
do El Niño. Esses trabalhos tentam mostrar que muitas das grandes migrações coletivas
identificadas em determinadas épocas estão associadas a mudanças ecológicas de grande
intensidade. Para Lathrap (lv), ao contrário, as migrações estariam relacionadas às pressões
populacionais nas áreas de várzea, que concentrariam a maior parte dos recursos
disponíveis. Mais recentemente, Heckenberger vem sugerindo que, pelo menos no Alto
Xingu, a motivação das migrações seria uma diáspora religiosa. Interpretação essa um tanto
o quanto retrô, já que foi assim que os jesuítas quinhentistas interpretaram as migrações
tupi-guaranís, que estariam em busca da terra sem males.
Entretanto, esses estudos não explicam porque, mesmo sem alterações climáticas
significativas, e em diversas outras áreas férteis, de várzeas de rios secundários ou não,
sem qualquer evidência de pressão populacional ou social, as evidências de migração
permanecem (sejam arqueológicas, etno-históricas ou até mesmo históricas). As origens
desse costume podem ser até climáticas (tropicais) e econômicas, mas ele foi tão bem
incorporado às relações socioculturais amazônicas, que permaneceu e se institucionalizou
mesmo depois da estabilização do clima e da ausência de pressões econômicas e sociais
heterotópicas significativas. O fato é que, tais costumes migratórios, estavam
ontologicamente enraizados na cosmologia das sociedades humanas, que experimentaram
o sentido da história na Amazônia. Eles, enfim, não eram fruto de revoluções ou conflitos
sociais, mas resultado da própria organização política dessas sociedades.
Os poderes tradicionais regionais _ todavia fracos e controlados, durante séculos,
por lideranças carismáticas mantenedoras de costumes migratórios relacionados à
exploração dos recursos naturais e de organizações sociais centrífugas _ só após o contato
com o homem europeu, teriam encontrado razões históricas e culturais para a valoração de
hierarquias (lvi) sedentárias e de migrações de sobrevivência, em virtude das perseguições
dos conquistadores de além mar. Porém, no estado normal de existência das sociedades
30
Amazônicas, as crises de centrifugação do poder eram relações sociais comuns e não
heterotópicas.
Voltando às questões políticas propostas por Heckenberger, quanto à interpretação
de que as estruturas de terra, em formatos geométricos e estradas cardinalmente
orientadas, relacionadas a uma praça central, encontradas no Alto Xingu, fossem estruturas
voltadas para a defesa, pode-se sobrepor uma outra, também plausível. Schaan tem
concluído em seus estudos sobre os tesos de Marajó e a cultura material neles encontrada,
que vários aspectos culturais eram usados como instrumentos de comunicação social, para
a manutenção de normas consagradas pelos diversos costumes estruturais da sociedade.
Outros estudos levados por Pereira (lvii) permitem-nos concluir que esses
instrumentos comunicativos podem ter tido uma origem bastante antiga. Eles teriam se
transformado segundo saltos promovidos pela cumulação cognitiva componencial alcançada
por diversas culturas, que inicialmente se expressavam nas representações rupestres,
através de gravações e pinturas deixadas por inúmeros povos. Em algumas das
representações rupestres mais antigas, pode ser observada, inclusive, tal como nos antigos
e nos modernos aruak, uma preocupação com alinhamentos astronômicos, talvez para a
maior precisão da informação a ser transmitida. Posteriormente, cada vez mais, as
sociedades neotropicais foram se expressando através da sofisticação de sua cultura
material, fosse ela instrumental ou estrutural.
De modo geral, o que podemos notar nos estudos arqueológicos atuais, é que cada
uma dessas sociedades, agrupadas como diferentes tradições, de fato parecem apresentar
características culturais próprias, mas compartilhando uma mesma noção comum
subjacente, porém bastante mais significativa do que aquela atribuída por Heckenberger. Os
elementos dessa noção comum, portanto, extrapolam os limites topográficos e, inclusive, os
limites territoriais impostos entre os domínios da terra firme e da várzea (entre outros), já
que eles se encontram no espaço-tempo muito mais amplo e longo da coexistência regional.
Nisto, ficam incluídos elementos espaço-temporais antes nunca considerados, mas
importantes não só para a definição geopolítica, como para as relações comerciais e os
meios de exploração das reservas dos recursos naturais. Assim, várzeas, zonas costeiras,
terras firmes das planícies ou altas, seus diferentes nichos ecológicos e todas as técnicas
associadas, faziam parte dos domínios universalmente explorados pelo homem amazônico
antigo.
As táticas de exploração de cada domínio e as técnicas daí derivadas, entretanto,
implicavam em estratégias diferenciadas e ao mesmo tempo semelhantes para as diversas
sociedades nelas instaladas que, complementarmente, mantinham uma produção
interdependente. Isto tinha reflexo sobre a organização sociopolítica dessas sociedades, a
qual era essencialmente descontínua. Ademais, independentemente do grau de
31
complexidade cultural que possuíam, essas sociedades apresentavam relações sociais
comuns, regionalmente compartilhadas, que extrapolavam os processos históricos
particulares de cada uma delas. Assim, fossem no Marajó, no Alto Xingu, no Alto Amazonas,
ao longo das várzeas, em terras altas ou terras baixas, mil anos antes ou mil anos depois,
até a invasão européia, os processos históricos das sociedades amazônicas convergiam
para um mesmo atrator civilizador, que as identificavam mais entre si, do que com qualquer
outra sociedade fora da Amazônia.
Com isso quer se dizer, que podemos substituir no todo, a incongruência técnica
embutida na idéia de Tradição e suas Fases, não apenas por uma outra seriação histórica,
em que fases podem ser entendidas como Culturas, como inclusive, essas Culturas podem
ser inseridas numa rede histórica regional mais ampla, entendida como um processo
civilizador com diferentes temporalidades históricas.
É por conta disto que se propõe a Cultura Neotropical como uma temporalidade
histórica de longa duração, que se caracteriza como um processo civilizador de larga escala
regional. A Cultura Neotropical, resultado de experiências levadas a cabo ao longo de
milhares de anos, configura-se nas sociedades que já possuíam uma agricultura
desenvolvida, tinham aldeias relativamente sedentárias, relações culturais e políticas
regional e interregionalmente formalizadas. Mas, isto tudo, dentro de um padrão social
particular, que embora fosse hierarquicamente organizado, não era estratificado e nem
possuía um centro de poder regulador ou que defendesse geopolíticas expansionistas.
Sobretudo, o processo civilizador da Cultura Neotropical, em nenhum momento do
desenvolvimento das sociedades a ele vinculadas, criou qualquer mecanismo de controle
econômico, territorial ou político, tal como se observa, desde as origens, entre os Incas,
Maias, Astecas, e em diversas outras sociedades norte-americanas, africanas, asiáticas ou
ocidentais.
De fato, a Cultura Neotropical, não sendo homogênea e nem identificada com um
costume ou uma etnia particular e ainda caracterizando-se como diversificada e
socioculturalmente descontínua, pode ser entendida como uma civilização por possuir várias
características que, além de serem subjacentes, convergem para uma mesma noção
comum compartilhada. Entretanto, o que está sendo entendido como civilização é parte
daquilo que Huntington (lviii) define como “o mais alto grupamento de pessoas e o mais
amplo nível de identidade cultural...”. Ela (a civilização) possui partes diferentes que se
relacionam umas com as outras e com o conjunto delas, podendo compor-se de diversas
etnias e/ou nações. Assim, segundo Melko (lix), essas etnias ou nações guardarão mais
relação entre si do que com etnias e nações fora da sua civilização.
Portanto, está se identificando civilização como cultura num sentido plural e espacial.
Ou seja, na visão de Braudel, ela é um espaço, uma área cultural, uma coletânea de
32
características e fenômenos culturais. Ou ainda, segundo Wallerstein, civilização é uma
concatenação especial de visão do mundo, de costumes, de estruturas e de culturas, que
forma alguma espécie de totalidade histórica, coexistindo com outras variedades desse
fenômeno (lx).
Uma civilização pode ser composta por diferentes etnias que se integram como uma
entidade cultural mais ampla dentro de um espaço geográfico comum compartilhado. Uma
civilização não tem fronteiras políticas definidas, mas possui um sentido e uma condição
limite natural. Ela também evolui, interage e é duradoura. Sua essência única e particular é
a sua longa continuidade histórica nos lugares próprios de sua existência, onde ela tem a
sua própria phýsis. Isto é, uma natureza plena de informação, organização e sentido, cuja
intensidade cultural formou-se ao curso de uma longa duração localizada. Em síntese, as
civilizações identificam-se com uma noção comum cultural e são delimitadas por um espaço
geográfico amplo e um sentido histórico longo e profundo.
Porém, por serem entidades com diversos padrões socioculturais, as civilizações
podem ser constituídas por diversas unidades sociopolíticas com níveis e estruturas
diferentes. Por isto que a Cultura Neotropical define-se como uma civilização, visto
compreender culturas, etnias e relações sociopolíticas originais que convergem para uma
mesma noção comum subjacente, com sentidos, densidades, durações e diversidade
territorial própria: possui espaços próprios diversos, mas paralelos e tempos históricos
simultâneos, mas não sintônicos. A especificidade civilizadora da Cultura Neotropical, à luz
da interpretação dos dados arqueológicos, caracteriza-se pelas relações socioculturais
predominantemente descentralizadas; pelos modos de exploração cooperativo dos recursos
naturais, pelas suas relações inter-étnicas e diversos outros traços constantes na cultura
material, tais como aqueles identificados na cerâmica ritualística produzida por diversos
povos amazônicos.
Não há, contudo, consenso sobre quando e como as civilizações se formariam.
Geralmente, o início delas é associado à urbanização, ou então, ao domínio da agricultura.
Mas nem mesmo isto é verdade. Na Amazônia, a domesticação de plantas precedeu a
Cultura Neotropical, que não se despontou como uma civilização urbana clássica, por conta
do modo como as concentrações populacionais e as relações de poder nelas inscritas
evoluíram. A evolução do comportamento social dos grupos humanos tropicais pré-
agricultores da Amazônia desenvolveu uma comunicação que descartava a necessidade de
controle. Daí não ter surgido princípios legais ou comunicação escrita nas relações sociais e
de poder dos povos Neotropicais. E essa é a característica fundamental, que a define com o
uma civilização original.
CONCLUSÃO
33
Sabemos que a organização sociopolítica humana não é uma escala de melhoria
que culmina no “Estado”. Ela é um “processo” contínuo e compartimentado de interações
diversas para milhares de sociedades correlatas, cada uma construindo e seguindo seu
próprio caminho histórico. Isto pode ser comprovado nas pesquisas de Heckenberger,
Schaan e outros. São, porém, os grupos humanos precedentes que traçam os rumos
históricos que sociedades posteriores reorganizarão, segundo as experiências sensíveis e
as práticas vivenciadas. Sendo assim, se na Amazônia tivessem surgido sociedades
urbanas com políticas centralizadoras fortes, a evolução da comunicação social necessária,
teria se desenvolvido desde recuada idade e fatalmente culminado num sistema de
linguagem controladora, onde as leis ou os mitos seriam mais importantes do que as
tradições e os tabus.
Entretanto, diferente do que acontece nos Andes, na América Central e na América
do Norte, na Amazônia jamais foi identificado qualquer sistema de linguagem cuja
comunicação representasse a vontade de controle em larga ou mesmo em média escala.
Por deficiência cultural, étnica ou dificuldade na adaptação humana à floresta tropical? Não!
Muito pelo contrário. Justamente por terem logrado sucesso em tudo isto, é que as
sociedades amazônicas foram capazes de desenvolver relações socioculturais únicas e
perfeitamente integradas ao mundo onde viveram.
Por serem o resultado de experiências desenvolvidas por populações precedentes
há milhares de anos, foram as próprias sociedades de caçadores-coletores que
desenvolveram a agricultura e as relações políticas (divergentes, mas não estratificadas)
que mais tarde foram herdadas e aperfeiçoadas pelas sociedades agricultoras, fossem elas
nativas ou migrantes. Foram os caçadores-coletores precedentes, que fixaram no seu
inconsciente toda prática, toda experiência sensível, todo potencial histórico para operar a
mudança que mais tarde viria acontecer. Como, independente de clima e tecnologia, a
agricultura intensiva parece estar na base das sociedades complexas da Amazônia, os seus
efeitos já estavam sendo produzidos muito antes de serem coletivamente dominados pelos
agricultores, uma vez que a experiência sensível advinda com a prática da domesticação de
plantas precedeu em dezenas de séculos, a sua plena consciência.
Quando, entre sete e cinco mil anos atrás, fatores climáticos e históricos favoreceram
a implantação da agricultura, quase todas as sociedades amazônicas já tinham acumulado
experiência ambiental suficiente para desenvolvê-la, segundo as características das
sociedades envolvidas, em qualquer lugar que fosse possível. Foram fatores dispersos, mas
convergentes, que ao conectarem os diversos componentes experimentais adquiridos ao
longo de milhares de anos, que reorganizaram as antigas práticas numa nova ordem social.
Deste modo, a Cultura Neotropical teria surgido, sincronicamente, ao longo de alguns
34
poucos milhares de anos, em quase toda região, após a reorganização conectiva de
experiências anteriores componencialmente acumuladas.
É a Cultura Tropical que fundamenta as sociedades agrícolas indígenas posteriores
aos caçadores-coletores tropicais. Os padrões e comportamentos sociais Neotropicais já
eram potencialmente virtuais muitos milhares de anos antes de se constituírem
efetivamente, posto suas sementes terem sido semeadas pelas relações práticas das
sociedades de caçadores-coletores tropicais, os primeiros a conhecerem plenamente os
ecossistemas da região e a desenvolverem os modos adequados de sua exploração.
Obviamente que nem todas as sociedades experimentaram relações de mudança
significativas na mesma intensidade, já que a simultaneidade entre elas, tal como já vimos,
não era, necessariamente, sintônica. Mas a intensidade das experiências sensíveis
generalizadas, vivenciadas em maior ou menor grau pelas diversas sociedades amazônicas,
caracterizou, subjacentemente, o padrão civilizador da Cultura Neotropical. Essas
sociedades variaram segundo a formação histórica e a inteiração do homem com os lugares
onde elas se materializaram, quando então floresceram sociedades agrícolas com áreas
organizadas descontinuamente e arquitetadas sobre bases cosmológicas subjetivas.
Foi a chegada de um novo contigente populacional (europeu), com hábitos,
costumes e práticas socioculturais completamente inadequados à floresta tropical, mas com
interesses comerciais e técnicas e métodos poderosos, capazes de substituir o natural
selvagem pela eficiência de artifícios normativos, que interrompeu a evolução da civilização
neotropical.
NOTAS
(i) MAGALHÃES, Marcos P. A Phýsis da Origem: o sentido da história na Amazônia. Belém,
Ed. do Museu Paraense Emílio Goeldi, 2005.
(ii) ROOSEVELT, A. Determinismo ecológico na interpretação do desenvolvimento social
indígena na Amazônia. In: Neves, W. (org.) Origens, adaptações e diversidade biológica do
homem nativo da Amazônia. Belém, Coleção Emilie Snethlage, Museu Paraense Emílio
Goeldi. Pg,. 103 a142. 1981; em Arqueologia da Amazônia. In: CUNHA, M. C. da. (org.)
História dos Índios do Brasil. São Paulo: Ed. da Universidade São Paulo, 1992; e em
Amazonian Anthropology: Strategy for a New Synthesis. In: Amazonian Indians from
prehistory to the Present: anthropological perspectives. Tucson: University of Arizona Press,
1994. Pp 1-29; MILLER, Eurico et al. Arqueologia nos empreendimentos hidroelétricos da
Eletronorte: resultados preliminares. Brasília: Eletronorte, 1992; MAGALHÃES, Marcos P. O
tempo arqueológico. Belém: Museu Paraense Emílio Goeldi. Coleção Eduardo Galvão,
1993.
35
(iii) NUNES, Benedito. Hermenêutica e Poesia: o Pensamento Poético. Belo Horizonte:
Editora da UFMG, 2000.
(iv) DOSSE, F. A História à Prova do Tempo: da história em migalhas ao resgate do sentido.
Tradução: Ivone Castilho Benedetti, São Paulo. Editora UNESP, 1999.
(v) HOLLAND, J. Sistemas Complexos Adaptativos e Algoritmos Genéticos. In:
NUSSENZVEIG, H. M. (Org.) Complexidade e Caos. Rio de Janeiro. Editora
UFRJ/COPEA.1999.
(vi) MITHEN, S. A Pré-História da Mente. Tradução: Laura Cardelline Barbosa de Oliveira.
São Paulo. Ed. UNESP. 2002.
(vii) FOLEY, R. Os Humanos Antes da Humanidade: uma perspectiva evolucionista.
Tradução: Patrícia Zimbres. São Paulo. Ed. UNESP. 2003.
(viii) SERVICE, E.R.. Os Caçadores. Tradução: Álvaro Cabral. Rio de Janeiro, Zahar.1971.
(ix) TRIGGER, B. T. A History of Archaeological Thougth. Cambridge, Cambridge University
Press. 1995.
(x) STEWARD, J. H. Review of “The Evolution of Culture”by L. White. American
Anthropologist. 1960, 62: 144-148.
(xi) VELHO, G. 1999. Sociedades Moderno-Contemporâneas: uma perspectiva
antropológica. In: NUSSENZVEIG, H. M. (Org.) Complexidade e Caos. Rio de Janeiro.
Editora UFRJ/COPEA.
(xii) HODDER, Y. Reading the Past: current approachs to interpretation in Archaeology.
(second edition). Cambridge. Cambridge University, 1991.
(xiii) DOSSE, F. Ibidem.
(xiv) LÉVI_STRAUSS, C. Antropologia Estrutural II, Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro. 1976. (xv) MILTON SANTOS. A Natureza do Espaço. São Paulo, EDUSP, 2002.
(xvi) ANDRADE LIMA, T. Em busca dos frutos do mar: os pescadores/coletores do litoral
centro-meridional brasileiro. Revista USP, Dossiê Antes de Cabral: Arqueologia Brasileira,
vol. II São Paulo, Universidade de São Paulo, 2000, pp 270-327.
(xvii) FLANAGAN, J. C. Hierarchy in Simple “Egalitarian” Societies. Annual Review of
Anthropology, 18:245-66. 1989; PRICE, T. D & BROWN, J. A. Complex Hunter-Gatherers:
Retrospect and Prospect. In T. D. Price. & J. A. Brown (eds.). Prehistoric Hunter-Gatherers:
the Emergence of Cultural Complexity. New York, Academic Press. 1985: 6; KELLY, R. L.
Sedentism, Sociopolitical Inequality, and Resource Fluctuations. In S. A. Gregg (ed.),
Between Band and States. Occasional Papers 9, Center for Archaeological Investigations,
Carbondale, Southern Illinois University, pp 135-58. 1991; ARNOLD, J. E. 1996.
Organizational transformation: power and labor among complex hunter-gatherers and other
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Intermediate Societies. In J. Arnold (ed.) Emergent Complexity: the Evolution of
Intermediate Societies. Ann Arbor, International Monographs in Prehistory. 1996.
(xviii) CREAMER, W. Developing Complexity in the American Southwest: a Model for the Rio
Grande Valley. In J. Arnold (ed.), Emergent Complexity: The Evolution of Intermediate
Societies. Ann Arbor, International Monographs in Prehistory, pp 91-106. 1996.
(xix) LOWIE, R. The Tropical Forest Tribes: an introduction. In: STWARD, J. (ed) Handbook
of South American Indians, v. 3, New York, Cooper Publishers Inc, pp. 1-56, 1963;
MEGGERS, B. The archaeology of the Amazon Basin. In: STEWARD, J. (ed) Handbook of
South American Indians, v. 3, New York, Cooper Publishers Inc, pp. 149-166, 1963 e em
Archaeological and Ethnographic Evidence Compatible with the Model of Forest
Fragmentation. In: GHILLEAN PRANCE. Biological Diversification in the Tropics. New York:
ed. Columbia University Press, Pp: 483-496.1982; LATHRAP, D. “The tropical lowlands of
South America”. In: Actas y Memorias. XXXIV Cong. Inter. Americanistas. Lima, 4:13-23.
1972.
(xx) SIMÕES, Mário F. Nota sobre duas pontas-de-projétil da Bacia do Tapajós. Belém,
Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi, Nova Série, Antrop. No 62, janeiro de1976;
SCHMITZ, P. I. Caçadores-Coletores da Pré-História do Brasil. São Leopoldo, Instituto
Anchietano de Pesquisa/UNISINOS. 1984: p.3.
(xxi) PRONAPABA (Programa Nacional de Pesquisas Arqueológicas na bacia Amazônica)
foi uma expansão do PRONAPA (Programa Nacional de Pesquisas Arqueológicas) iniciado
em 1965 e concluído em 1970, que reuniu pesquisadores de diversos Estados do Brasil.
Teve patrocínio do Conselho Nacional do Desenvolvimento Científico e Tecnológico e da
Smithsonian Institution, contando com o aval da, então, SPHAN (Secretaria do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional). Coordenado no Brasil por Mário Simões do Museu Goeldi, o
Programa tinha a coordenação geral de Betty Meggers.
(xxvii)
(xxii) ROOSEVELT, A. Determinismo ecológico na interpretação do desenvolvimento social
indígena na Amazônia. In: Neves, W. (org.) Origens, adaptações e diversidade biológica do
homem nativo da Amazônia. Belém, Coleção Emilie Snethlage, Museu Paraense Emílio
Goeldi. Pg,. 103 a142. 1991.
(xxiii) HECKENBERGER, M. Estrutura histórica e transformação: a cultura xinguana na
longue durée, 1000-2000 D.C. In: HECKENBERGER, M. & FRACHETTO, B. (Orgs.) Os
povos do Alto-Xingu: história e cultura. Rio de janeiro, Editora da UFRJ, 2001; NEVES, E. G.
Indigenous historical trajectories in the upper Rio Negro Basin. In COLIN, M.; BARRETO, C.
& NEVES, E. G. (orgs). Unknown Amazon. London, The British Museum Press, 2001;
SCHANN, Denise P. A Linguagem Iconográfica da Cerâmica Marajoara. Porto Alegre:
EDIPUCRS, 1997 e em Into the labyrinths of Marajoara potters: status and cultural identity in
37
Prehistoric Amazônia. In COLIN, M.; BARRETO, C. & NEVES, E. (orgs). Unknown Amazon.
London, The British Museum Press, 2001; GUAPINDAIA, Vera. Encountering the ancestor:
the Maracá Urns. In COLIN, M.; BARRETO, C. & NEVES, E. (orgs). Unknown Amazon.
London, The British Museum Press, 2001. Respectivamente.
(xxiv) BARBOSA, Altair Sales. Andarilhos da Claridade: os primeiros habitantes do cerrado.
Goiânia, Universidade católica de Goiás. 2002.
(xxv) NEVES, W. A.; POWELL, J. et al. Afinidades biológicas extra-continentales de los dos
esqueletos más antiguos de América: implicaciones para el poblamiento del Nuevo Mundo.
Antropologia Física Latinoamericana. 2, T.22. 1999;NEVES, W. & BLUM, M. The buhl burial:
a comment on Green et al. In American Antiquity, 65(1), 2000, pp. 191-193.
(xxvi) NEVES, W.; POWEL, J.F.; OZELINS, E.G. Modern Human Origens as seen from the
Peripheries. Journal of human Evolution. 1999, 37:129-133.
(xxvii) MILLER, Eurico et al. Arqueologia nos empreendimentos hidroelétricos da Eletronorte:
resultados preliminares. Brasília: Eletronorte, 1992.
(xxviii) ROOSEVELT, A. O Povoamento das Américas: o Panorama Brasileiro. In:
TENÓRIO, M. Cristina. Pré-história da Terra Brasilis. Rio de janeiro, Ed. UFRJ, 1999.
(xxix) Miller (1992: 221) faz referências indiretas (estratigráficas) sobre o possível ambiente
que os sítios por ele identificados como “paleoindígenas” (complexo cultural Periquitos)
ocupariam, como sendo de savana arbórea e matas ciliares abertas.
(xxx) BARBOSA, Altair Sales. Andarilhos da Claridade: os primeiros habitantes do cerrado.
Goiânia, Universidade católica de Goiás. 2002.
(xxxi) ROOSEVELT,A., MACHADO,C.L., MICHAB,M., MERCIER,N., SILVEIRA,M.I.,
HANDERSON,A., SILVA,J., RESSE,D.S. Paleo-Indian Cave Dwellers in the Amazon: the
Peopling of the Americas. Science. 1996, vol. 272 (19 April), p. 373-384.
(xxxii) SILVEIRA, Maura I. da. Estudos sobre estratégias de subsistência de caçadores-
coletores pré-históricos do sítio Gruta do Gavião, Carajás/PA. Dissertação de Mestrado,
Universidade de São Paulo (USP), 1995; MAGALHÃES, Marcos P. A Phýsis da Origem: o
sentido da história na Amazônia. Belém, Ed. do Museu Paraense Emílio Goeldi, 2005.
(xxxiii) BARBOSA, Ibidem: 220.
(xxxiv) Entende-se como civilização grupos sociais que se identificam com uma noção
comum cultural distribuída regionalmente, mas compartilhando diferentemente os territórios
delimitados por um espaço geográfico e um sentido histórico comum. Entretanto, na
civilização, a idéia de padrões culturais, políticos, materiais e religiosos não é suficiente para
defini-la, quando estes são apresentados isoladamente. Ou seja, civilização é um conjunto
de comunidades territorialmente organizadas, onde seus sistemas socioculturais particulares
compõem um quadro único sobre o qual a história se dá. Deste modo, uma comunidade
histórica regionalmente isolada não constitui uma civilização.
38
(xxxv) MILTON SANTOS, ibidem.
(xxxvi) MAGALHÃES, Marcos P. O tempo arqueológico. Belém: Museu Paraense Emílio
Goeldi. Coleção Eduardo Galvão, 1993.
(xxxvii) MILTON SANTOS, idem: 160.
(xxxviii) Convém observar que a economia não especializada foi uma prática bastante
comum entre as diversas sociedades de caçadores-coletores espalhadas pelo mundo, e que
é essa prática que melhor favorece o conhecimento do mundo, pois é a que permite a
observação mais geral da natureza. Mas isto não implica, necessariamente, em um estágio,
já que os modos e as vivências culturais só resultam na construção da história se elas forem
partes de um conjunto com o qual interagem territorial e temporalmente.
(xxxix) LATHRAP, D. Our Father the Cayman, Our Mother the Gourd: Spinden Revisited or a
Unitary Model for the Emergence of Agriculture in the New World. In: Origins of Agriculture,
C. Reed, ed. The Hgue: Mouton, Pp. 713-751. 1977; MEGGERS, B. Archaeological and
Ethnographic Evidence Compatible with the Model of Forest Fragmentation. In: GHILLEAN
PRANCE. Biological Diversification in the Tropics. New York: ed. Columbia University Press,
Pp: 483-496.1982; ROOSEVELT, A. Determinismo ecológico na interpretação do
desenvolvimento social indígena na Amazônia. In: Neves, W. (org.) Origens, adaptações e
diversidade biológica do homem nativo da Amazônia. Belém, Coleção Emilie Snethlage,
Museu Paraense Emílio Goeldi. Pg,. 103 a142. 1991.
(xl) Há datações para cerâmica que alcançam até 8.000 AP. (ROOSEVELT, 1994), mas
como não existe relação necessária entre ela e a agricultura, a correlação entre ambas só
pode ser feita quando é identificado um objeto obviamente relacionado com o
processamento de plantas.
(xli) MEGGERS, B & EVANS, C. An experimental formulation of Horizon Styles in the
Tropical Forest of South America. In: LOTHROP, S. (ed.) Essays in Pre-Columbian Art and
Archaeology. Cambridge, Mass, Harvad University Press, pp. 372-388. 1961.
(xlii) PALMATARY, H.C. The archaeology of the lower Tapajós Valley, Brazil. Transactions of
the American Philosophical Society, n.s., 50(3). 1960; LATHRAP, D. “The tropical lowlands
of South America”. In: Actas y Memorias. XXXIV Cong. Inter. Americanistas. Lima, 4:13-23.
1972; BROCHADO, J.P. An Ecological Model of the Spread of Pottery and Agriculture into
Eastern South America. Doctoral thesis. Champaign, University of Illinois at Urbana. 1984;
ROOSEVELT, A. Determinismo ecológico na interpretação do desenvolvimento social
indígena na Amazônia. In: Neves, W. (org.) Origens, adaptações e diversidade biológica do
homem nativo da Amazônia. Belém, Coleção Emilie Snethlage, Museu Paraense Emílio
Goeldi. Pg,. 103 a142. 1991.
(xliii) ROOSEVELT, A. Arqueologia da Amazônia. In: CUNHA, M. C. da. (org.) História dos
Índios do Brasil. São Paulo: Ed. da Universidade São Paulo, 1992 e em Amazonian
39
Anthropology: Strategy for a New Synthesis. In: Amazonian Indians from prehistory to the
Present: anthropological perspectives. Tucson: University of Arizona Press, 1994. Pp 1-29.
(xliv) DOSSE, ibidem.
(xlv) LATHRAP, D. “The tropical lowlands of South America”. In: Actas y Memorias. XXXIV
Cong. Inter. Americanistas. Lima, 4:13-23. 1972.
(xlvi) FINKIELKRAUT, A. A Derrota do Pensamento. Tradução: Mônica Campos de Almeida.
Rio de janeiro, Ed. Paz e Terra, 1988.
(xlvii) SCHANN, Denise P. “The Camutins Chiefdom: Rise and Development of Social
Complexity on Marajó Island, Brazilian Amazon". Tese de Doutorado, Universidade de
Pittsburgh, 2004.
(xlviii) CARNEIRO, R. Slash-and-burn cultivation among the Kuikuru and its implicaions for
cultural development in the Amazon basin. In: WILBERT, J., ed. The evolution of horticultural
systems in native South América, causes and consequences: a symposium. Antropológica,
Caracas, Supplement Publication, (2): 46-7, 1961.
(xlix) FOUCAULT, M. Of Other Places. Diacritics, v.16, n. 1, Spring, 1986, p. 22-27.
(l) HECKENBERGER, M. Estrutura histórica e transformação: a cultura xinguana na longue
durée, 1000-2000 D.C. In: HECKENBERGER, M. & FRACHETTO, B. (Orgs.) Os povos do
Alto-Xingu: história e cultura. Rio de janeiro, Editora da UFRJ, 2001, p. 23.
(li) WEBER, Max. Economia e sociedade. Tradução: Regis Barbosa e Karen Barbosa.
Brasília: UnB. Vol. 1, 1994.
(lii) CASTRO, E.V. de. A Inconstância da Alma Selvagem e Outros Ensaios de Antropologia.
São Paulo: Cosac & Naify. 2002; PORRO, A. História Indígena do Alto e Médio Amazonas:
séculos XVI e XVIII. São Paulo: Ed. da Universidade de São Paulo, 1992.
(liii) BADIOU, A. O Ser e o Evento. Tradução: Maria Luiza X. de A. Borges. Rio de Janeiro.
Editora UFRJ/Jorge Zahar Editor, 1996.
(liv) Estado da situação, segundo Badiou, é a realidade objetiva vivenciada pela sociedade
(BADIOU, 1996).
(lv) LATHRAP, ibidem.
(lvi) O termo hierarquia neste texto está sendo empregado como qualquer corpo graduado e
escalonado de pessoas e/ou relações, na medida em que refletem diferenças de poder,
autoridade ou prestígio. A hierarquia é um tipo de ordem social onde as relações humanas
são determinadas pelo grau de autoridade exercida por um grupo sobre o outro. Dicionário
de Ciências Sociais, Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1986.
(lvii) PEREIRA, Edithe. Testimony in stone: rock art in the Amazon. In COLIN, M.;
BARRETO, C. & NEVES, E. (orgs). Unknown Amazon. London, The British Museum Press,
2001.