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262 Estilos clin., São Paulo, v. 17, n. 2, jul./dez. 2012, 262-277. RESUMO Em sua origem, a clínica psica- nalítica de crianças nos brindou com os importantes aportes de Melanie Klein e Anna Freud, que nos apontaram a especificidade dessa clínica. Se o que antes ocupava as analis- tas repercutia na técnica a ser utilizada com crianças, nossa proposição sustenta uma especificidade ainda mais singu- lar quando se trata de bebês, uma vez que não se pode escutá- los da mesma maneira que se escuta uma criança que já ence- na em seu brincar a apropria- ção dos significantes do Outro. Na atualidade, após décadas de história clínica veremos que, além da importância de uma estratégia clínica apropriada ao psiquismo infantil, será na re- lação do inconsciente com a lin- guagem que esta clínica encon- trará subsídios que autorizem uma intervenção analítica. Descritores: bebês; clínica psicanalítica; crianças; psiquismo infantil. Dossiê Psicanalista. Mestrado em Psicanálise pela Universidad de León – (León, Espanha), Especialização em Intervenção Precoce pela Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública, membro- fundador do Núcleo Interdisciplinar de Intervenção Precoce da Bahia (NIIP) e membro do Espaço Moebius de Psicanálise, Salvador, BA, Brasil. A CLÍNICA PSICANALÍTICA: DE CRIANÇAS A BEBÊS, UMA ESPECIFICIDADE Denise Carvalho Barbosa psicanálise de crianças, inaugurada pelo famoso pequeno Hans, foi empreendida numa situ- ação ímpar, já que Freud o viu uma única vez e o tratamento, sob sua supervisão, esteve a cargo do pai, Max Graf 1 . Sem pretender fazer desta o protóti- po da análise de crianças e sem que se fizesse uso da transferência como instrumento técnico, Freud, neste momento, conclui: “Só porque a autoridade de um pai e a de um médico se unia numa só pessoa, e porque nela se combinava o carinho afetivo com o interesse científico, é que se pôde, nesse único exem- plo, aplicar o método em uma utilização para a qual ele próprio não se teria prestado, fossem as coisas A

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262 Estilos clin., São Paulo, v. 17, n. 2, jul./dez. 2012, 262-277.

RESUMO

Em sua origem, a clínica psica-

nalítica de crianças nos brindou

com os importantes aportes de

Melanie Klein e Anna Freud,

que nos apontaram a

especificidade dessa clínica. S e

o que antes ocupava as analis-

tas repercutia na técnica a ser

utilizada com crianças, nossa

proposição sustenta uma

especificidade ainda mais singu-

lar quando se trata de bebês,

uma vez que não se pode escutá-

los da mesma maneira que se

escuta uma criança que já ence-

na em seu brincar a apropria-

ção dos significantes do Outro.

Na atualidade, após décadas de

história clínica veremos que,

além da importância de uma

estratégia clínica apropriada ao

psiquismo infantil, será na re-

lação do inconsciente com a lin-

guagem que esta clínica encon-

trará subsídios que autorizem

uma intervenção analítica.

Descritores: bebês; clínica

psicanalítica; crianças;

psiquismo infantil.

Dossiê

Psicanalista. Mestrado em Psicanálise pela Universidad de

León – (León, Espanha), Especialização em Intervenção Precoce

pela Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública, membro-

fundador do Núcleo Interdisciplinar de Intervenção Precoce da

Bahia (NIIP) e membro do Espaço Moebius de Psicanálise,

Salvador, BA, Brasil.

A CLÍNICAPSICANALÍTICA: DECRIANÇAS A BEBÊS,

UMA ESPECIFICIDADE

Denise Carvalho Barbosa

psicanálise de crianças, inaugurada pelofamoso pequeno Hans, foi empreendida numa situ-ação ímpar, já que Freud o viu uma única vez e otratamento, sob sua supervisão, esteve a cargo dopai, Max Graf1. Sem pretender fazer desta o protóti-po da análise de crianças e sem que se fizesse uso datransferência como instrumento técnico, Freud, nestemomento, conclui: “Só porque a autoridade de umpai e a de um médico se unia numa só pessoa, eporque nela se combinava o carinho afetivo com ointeresse científico, é que se pôde, nesse único exem-plo, aplicar o método em uma utilização para a qualele próprio não se teria prestado, fossem as coisas

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diferentes” (Freud, 1909/1988a, p.15). Contudo, Freud (1933/1988b) abordaria de maneira mais incisiva a eficácia do tratamentoanalítico com crianças, embora a alusiva especificidade do psiquismoinfantil culminasse numa modificação da técnica utilizada com osadultos. A consequente leitura do legado freudiano acerca da técni-ca e da estruturação do psiquismo infantil ficaria a cargo daquelesque se ocupariam do sofrimento psíquico na infância.

Se, por um lado, Anna Freud se incumbiu de ler ao pé da letrao enunciado freudiano, por outro, Melanie Klein (1975), apoiada naconcepção de um Édipo mais precoce, defende a transferência des-de o início e preconiza o brincar, uma atividade simbólica, comoum substituto da associação livre. Na atualidade, passadas algumasdécadas de história clínica, quando contamos com a fina leitura fei-ta por Lacan da genialidade dos textos freudianos, os importantestrabalhos de Dolto, Winnicott, renomados psicanalistas contempo-râneos, e inúmeras pesquisas que atestam as competências do bebê,somos convocados a pensar numa especificidade ainda mais peculi-ar para esta clínica, a qual traz em sua essência uma vocação parasuscitar questões.

As perguntas que os psicanalistas se empenharam em respon-der acerca da especificidade daquela clínica ao longo dos anos pare-cem dar lugar ao espanto com que nos deparamos hoje ao mencio-narmos a clínica psicanalítica de bebês. Esse espanto, solidário àsquestões que formulamos tentando dar conta dessa clínica pareceincidir num ponto: se os bebês não falam, o quê e como escutá-los?E se os bebês não entendem, para quê e por que enchê-los de pala-vras que beiram a insensatez e esperar que sustentem esse delírio,mesmo se estas lhes pareçam música aos ouvidos? Dito de outromodo, qual a particularidade desta clínica? Que pressupostos teóri-cos a sustentam e autorizam uma intervenção por parte do analista?

As questões que se nos apresentam acerca da especificidadedesta clínica que se delineia como da intervenção precoce requeremdesdobramentos que operam desde a importância do primeiro tem-po na constituição do psiquismo à asserção de que as estruturasclínicas, embora nela se originem, não se decidem na infância, e sãonão-decididas até que advenha a adolescência2. Alia-se a esta pro-posição a expressiva contribuição das neurociências, a qual veiocorroborar alguns pressupostos psicanalíticos. Assim, temos, porum lado, um bebê prematuro do ponto de vista neuropsíquico exi-

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bindo competências e uma temporá-ria e providencial plasticidade neuro-nal, sabidamente permeável ao signi-ficante do desejo do outro3.Jerusalinsky (2010) postula que essetempo do bebê é caracterizado, prin-cipalmente, para além da plasticidadedo sistema neurogenético, pela plas-ticidade das representações linguísti-cas que o caracteriza.

A prematuridade neuropsíquicado bebê, condição em que o tempocronológico é vital para que certasfunções orgânicas e psíquicas se va-lham da permeabilidade à incidênciada linguagem evidencia, pois, o lugardecisivo do outro em um tempo pre-ciso da constituição psíquica, à qualse atrela o desenvolvimento4. Nesseprimeiro tempo, cabe à mãe oucuidador instituir o campo do Outro,condição para o advento do sujeito.A submissão do filhote do homem àordem simbólica imposta pela lingua-gem constitui, assim, uma condiçãoprévia e absoluta da subjetividade edas relações que o sujeito estabelececom o outro. Por outro lado, o lugardo analista que, especialmente nestaclínica, é convocado a ocupar, na trans-ferência, o lugar do Outro do bebê,dar sua contribuição libidinal enquan-to semblante do objeto a visando pro-mover mudanças na subjetividade dospais até que se lhes restitua o lugar delegítimos outros do bebê.

Veremos que, apesar da impor-tância atribuída às estratégias clínicasmoldáveis à especificidade do psiquis-mo infantil, será na relação do incons-

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ciente com a estrutura da linguagem,resgatada por Lacan do texto freudi-ano, que dimensionaremos o lugar daescuta e da intervenção analítica. Se-gundo Vorcaro (2004, p.136) “A ope-ração clínica que supomos capaz deresgatar a realidade psíquica da crian-ça é orientada pela hipótese de que asmanifestações da criança são atos deescrita do texto que cifra a leitura desua relação com a alteridade”.

A especificidade da psicanálisede crianças se refere à posição do su-jeito em relação ao significante, quenão é a mesma do adulto. Trata-se deum tempo lógico em que os efeitosproduzidos pelo significante no cam-po subjetivo dependem do enoda-mento entre os registros RSI ao quala significação está submetida (Jerusa-linsky, 1990). Isto é o que constata-mos com a poética expressão: “ela seconjuga no futuro anterior” (p.13).Estaria Jerusalinsky se referindo àantecipação a que toda criança se vêsubmetida, por já estar, desde muitoantes de nascer, inserida em uma or-dem simbólica que pré-existe a ela;entretanto, será pela via de uma cola-gem identificatória que ela irá sem-blantear a realização de um ideal pa-rental; e é por isso que o meninobrinca de carrinho – “agora eu era opapai”, e ela brinca de casinha, brin-ca de bonecas, enquanto o “papai”estrategicamente sai para “trabalhar”– “Agora eu era a mamãe”. Assim elesensaiam e sonham um futuro já hámuito tramado, tecido, imaginarizadoe, portanto, subjetivamente, o seurelógio está adiantado.

A direção do tratamento de umacriança deve levar em conta a “posi-ção temporal do inconsciente5, ondeo infantil se caracteriza, precisamen-te, pelo adiantamento do relógio bran-do da infância” (Jerusalinsky, 1990,p.14).

Entretanto, o infans, sujeitinhosuposto, embora imerso no universosimbólico, ainda não acedeu à lingua-gem, e, portanto, ainda não pode con-jugar-se; esse é o tempo da aposta dooutro que, antecipando-o enquantosujeito, cuidando e desejando coisaspor ele, vai imprimindo em seupsiquismo as marcas que se inscreve-rão na memória como letra, “comotraços que, a posteriori, serão tomadosnuma posição particular por umainjunção significante”. É bem verda-de, diz Jerusalinsky (1991, p.21), “que,a certa altura da exposição de um pe-queno bebê à obra do Outro, em ra-zão de sua intromissão significante ede seu trabalho arbitrário de signifi-cação esse aparece capturado por esseagir do significante sobre os traçosque formam restos mnêmicos... quesão tomados associativamente, numacerta posição de significação edípica”.

Pois bem, os psicanalistas apren-deram com Freud que há um saberinconsciente que circula entre a mãee o seu bebê, saber este que o desejose incumbe de colocar em movimen-to. Desde o ponto de vista lógico, amãe é engendrada pelo bebê, uma vezque esta só se torna mãe a partir deum filho e, desde a lógica do incons-ciente, a partir do lugar que ela, en-

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quanto filha, ocupou no desejo de seus pais. A maternidade sofre asvicissitudes de um tempo lógico em que, para conjugar-se e apro-priar-se do “agora eu sou uma mãe”, não basta ter um filho, é preci-so que antes tenha havido uma inscrição marcada pelo desejo dooutro. Ocorre-me a sofrida constatação de uma jovem mãe com oseu filho de três meses nos braços: “eu não me sinto mãe, eu não seio que fazer com ele, parece que dependo de autorização para sermãe”.

A maternidade é um momento oportuno para reativar os tra-ços mnêmicos inconscientes da maternagem recebida e possibilitaro exercício de sua função (Cabussu, 2003). Uma mãe bemposicionada na estrutura simbólica irá supor que o seu filho é umsujeitinho bem sabido, capaz inclusive de ensinar-lhe coisas, daí arazão para as mães conversarem com o seu bebê e considerarem oque ele tem a dizer, mesmo que para isso tenham que falar em seunome. E as mamães logo descobrem a paixão desse bebê por umafala meio insólita, embalada por uma voz6 encantada e exagerada,signo de um gozo inconfundível. Parece que mãe e filho desconfi-am que haja um importante desafio a se fazer cumprir: inserir e serinserido no universo da linguagem. O trabalho arbitrário decodificação que o outro se incumbe de realizar se observa na escutade pais, mais precisamente a mãe, que fala manhês com o seu bebê– ávido de linguagem e aparatado para se comunicar7 – e, cuja pala-vra, raramente oferecida numa posição a dar lugar a um sentidounívoco. A complexidade desta interlocução deriva do fato de amãe antecipar e atribuir ao seu bebê uma posição subjetiva tal, comose este, de fato, pudesse sustentá-la. Essa loucura necessária às mães,como dizia Winnicott (1979), suporta um excesso de sentido quesustenta precocemente o pequeno sujeito, e o introduz no universosimbólico, salvando-o de uma identificação ao próprio corpo. Esseexcesso de sentido bem que poderia ser traduzido pelo sem-sentidodo manhês e da lalíngua, como postula Ferreira (2010, p.67): “Sepodemos falar do sem-sentido do manhês, tanto quanto do sem-sentido da lalíngua, é somente na proporção em que, não sendo possí-vel vislumbrar um significado em grande parte das alocuções maternas,seja um sentido acessível (consciente) à mãe, à criança (pela sua condi-ção de infans) ou ao observador, é justamente porque há gozo”.

Enquanto ser de linguagem, o ser humano se inscreve comosujeito desejante a partir do Outro que dará sentido ao seu apelo,identificando-o como demanda. Esta é a saída e, paradoxalmente,

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também a armadilha com a qual opequeno terá que haver-se, onde po-deremos situar um indicador clínicode risco, e que poderá ser a razão dosofrimento do bebê: o sentido vemdo Outro e em conformidade comseu desejo e sua lei, e o sentido podefaltar. Isto ocorrendo, se o saber doOutro vacila, obstáculos se interpõemno devir do sujeito e a promessa táci-ta entre mãe e filho pode não se cum-prir, seja pelas dificuldades intrínse-cas à história desta mãe, seja por umadificuldade do bebê cujo aparato or-gânico não esteja em condições deinteragir (Kupfer, 2000) e se deixarmarcar pelo desejo do outro, ou pelasensibilidade daquele bebê que não sedeixa enganar pelo que o carinhomaterno visa ocultar; diante dessascircunstâncias, podemos nos defron-tar com uma mãe impotente, destitu-ída e desautorizada e um bebê emsofrimento psíquico, que apela peloviés de um sintoma no corpo, do qualele não poderá fazer cargo. A partirdaí, os pais nos procuram supondoum saber que, em princípio, estaria dolado deles.

Após ouvir da mãe de um lin-do bebê de cinco meses que apresen-tava transtornos do sono: “eu quasenão trazia ele, pensando que não pre-cisava”. Ocorreu à analista dirigir-seao bebê e dizer: – “que espertinho,você, tão pequenininho e já trazendopapai e mamãe para conversar comi-go!”. Esta é uma particularidade daclínica de bebês, na transferência comos pais, as intervenções analíticas vi-

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sam o laço pais-bebê, e para que estase alavanque e se possam extrair asconsequências disto, o bebê deve serincluído na série e antecipado comoum sujeito suposto saber do que lhecausa. Daí o analista também ocupar,na transferência, o lugar do bebê, orafalando por ele, “semblanteando” otransitivismo materno8, ora dirigindo-se a ele, fazendo deste um interlocutor– agora desde um lugar terceiro. Serápor esse viés que as intervenções po-derão alcançar sua eficácia junto aospais e promover uma mudança naposição subjetiva destes; subjetivida-de que se refletirá na interação pais-bebê9. Tal intervenção, se por um ladovisa o bebê, reconhecendo no seusofrimento uma forma de dizer quealgo não vai bem entre eles, por ou-tro, visa o Outro do bebê, abrindouma brecha que possibilite amodalização da demanda de atendi-mento – é verdade, diz a mãe, comum meio-sorriso, “acho que somosnós que estamos precisando”. Obser-vamos que assim os pais têm uma boaoportunidade para começarem a fa-lar de sua história. Escutar os pais, oque eles demandam; situar o lugar dofilho no seu narcisismo e no seu dis-curso, como o fazia Dolto (1984),bem como a representação desse fi-lho no imaginário materno, possibili-tará uma leitura que desvele a funçãodo filho e do sintoma no filho. A es-cuta da demanda visa sua elaboraçãoe modalização, possibilitando umaimplicação dos pais nas produçõessintomáticas do filho. Logo nas pri-

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meiras entrevistas o bebê já havia recuperado o sono perdido, noentanto, a mãe concordou em ser encaminhada a outro analista.

Comungamos com a opinião de Jerusalinsky (2002) quando aanalista se refere à necessidade de se diferenciar o “mal estar dospais” daquilo que constituiria um impasse à estruturação subjetivado bebê. Atender um bebê em tais circunstâncias seria condená-lo aencarnar o sintoma em seu corpo, e obstruir a fala parental que,caso fosse escutada, poderia, pelo seu desdobramento, deslocar ofoco de queixa do bebê. Saber olhar o bebê, segundo Coriat (1997)implica o reconhecimento das marcas do Outro no seu corpo, leresta escrita e intervir considerando os protagonistas dessas marcas.Marcas que Laznik (1999) propõe sejam lidas através dos sinaispulsionais do bebê.

Contudo, prossegue Jerusalinsky (2002), uma vez observadoum sintoma clínico, este deve ser lido considerando o circuito de-manda-desejo no qual o bebê está implicado, ou seja, devemos ob-servar como a imagem de seu corpo10 está se constituindo e as ins-crições simbólicas que a fantasia materna vai imprimindo nele.

A clínica psicanalítica de bebês, na medida em que estes não“falam”, comporta uma singularidade – não se pode escutá-los domesmo modo como se escuta uma criança que já encena em seubrincar a apropriação dos significantes do Outro11. Trata-se, pois,de escutar o Outro do bebê e o bebê do Outro, para que possam serlidas as letras desse Outro cunhadas no seu corpo12.

Jerusalinsky (1988) estabelece uma correlação entre o brincar13

da criança enquanto suporte de um dizer e o sintoma psicossomáticodo bebê enquanto suporte de um traço significante do Outro; se-gundo o autor, “Uma criança suporta em seu brincar o dizer do queainda não pode falar. Assim como o bebê suporta, na psicossomáticae em uma implicação corporal, o traço significante que o captura nodizer do Outro para além de sua insuficiência verbal” (p. 49).

Um breve exemplo de indicação de atendimento ao bebê e seuspais no qual pudemos constatar os efeitos decorrentes de um pro-cesso de constituição subjetiva em risco e que se refletiam no de-senvolvimento, na dificuldade de aquisição da fala de um meninode dois anos de idade. Manuelito é trazido pela mãe que, ao marcara consulta por telefone, relata o diagnóstico de autismo dado pelapsiquiatra devido às “dificuldades de linguagem” (ele praticamentenão verbalizava, sua tentativa de comunicação resultava enigmática,emitia estranhos e incompreensíveis sons guturais, gritava muito e

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jogava os objetos da casa pela janela).Inicialmente eles são recebidos

sem a presença do pai que não podevir devido ao trabalho. Manuelito temum olhar incrivelmente brilhante,perscrutador, e me devolve umsorrisinho matreiro e cativante, umelemento a mais que encoraja e leva aanalista a ignorar o diagnóstico inici-al e apostar num prognóstico maisfavorável. Segundo a mãe, o pai émuito calado, e acha que seu filho separece com ele, não tem problemas eque é normal, nessa idade, uma cri-ança fazer birras e ainda não falarmuito, no que, em parte, ele tem ra-zão. Tomo essa posição do pai comoalgo positivo, já que reserva ao filhoum lugar na filiação e uma possibili-dade outra que a repetição de umahistória, porém, há nuances importan-tes que ultrapassam o fato de ele ain-da não falar, como veremos em se-guida.

Recebo mãe e filho durante vá-rios encontros em que esta fala de umepisódio de depressão durante a gra-videz e consequente hospitalizaçãoapós a morte da mãe; relata sua his-tória de sofrimento e abandono diantedas dificuldades que enfrenta com osdois filhos (o primeiro, de oito anos,também diagnosticado autista). Noimaginário da mãe, a história parecerepetir-se, é mister que se empreendacom ela a separação simbólica entreos dois filhos, cujo desejo, necessida-des, dificuldades e possibilidades sãodiferentes. O trabalho analítico come-çará por essa linha, até que a mãe con-

ceba a possibilidade de um destino di-ferente para cada um e possa ofertar aesse filho outra representação com aqual ele possa vir a se identificar.

A representação de um filho noimaginário materno cultivada duran-te a gestação é um assunto que ocupao interesse da analista há algum tem-po Barbosa (2007). Nesse caso, nãoconstatamos uma ausência de repre-sentação, o que certamente seria maisgrave, mas uma representação, pro-vavelmente potencializada pelo esta-do depressivo da mãe, e que o diag-nóstico psiquiátrico veio confirmar:“vou ter mais um filho com proble-mas, vou prosseguir com a minha via-sacra de médico em médico”. É im-portante ressaltar que esta mãe cuidabem de seus filhos, estão sempre lim-pinhos e bem alimentados. O quedefendemos, e esta mãe vem ilustraràs avessas, é que uma representaçãoque uma mãe tenha do seu bebê con-corre para o investimento narcísico eo bom andamento do exercício de suafunção, a qual ultrapassa os cuidadose preocupações maternos.

Durante as entrevistas, Manue-lito entra tranquilo e sorridente indodireto aos brinquedos. Espalha-os,porém estes não são utilizados na ex-tensão de suas possibilidades simbó-licas, são manipulados e arremessa-dos com violência em várias direções,enquanto grita, ininterruptamente,com todas as suas forças; a mãe nãoo socorre e parece estar diante de umacena rotineira e trivial; esta cena lhereporta sua dificuldade de brincar

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com o filho, já que ela “não brincouquando criança”, e a dificuldade desaber o que ele quer, já que ele verba-liza muito pouco e de forma bastantetruncada; diante desses obstáculos, elanão se autoriza a aventurar-se peloviés do seu desejo, não codifica seusgestos e não lhe ocorre perguntar aofilho o que ele quer, embora saiba queele quer alguma coisa. É interessantenotar que, embora haja uma suposi-ção de sujeito, não há uma suposiçãode saber nele, provavelmente devidoà representação que ela tem dele – umoutro filho autista – como tambémpelo fato de se sentir fracassada en-quanto mãe, de não supor em si umsaber sobre o filho. A atitude mater-na frente à demanda do filho, a falhada função observada na dificuldadede lançar mão de seu repertório par-ticular para significar a demanda dofilho e de fazer dele seu interlocutor(Barbosa, 2009), a angústia e a faltade recursos para elaborá-la, evidenci-ados na pobreza simbólica do seubrincar, denunciam um sintoma clí-nico; é preciso intervir, emprestar-secomo o Outro do bebê.

Certa vez Manuelito foi atendi-do na sala de espera: ao chegar a suavez, observo certa lentidão nos seuspassinhos, algo que contrastava comas vezes em que ele adentrava corren-do, assim que a porta se abria – “oque esse passinho quer dizer,Manuelito?” Ele sorri e busca os brin-quedos da sala de espera. O efeitodesta leitura pode ser observado al-gumas sessões seguintes: Manuelito

começou a arrastar seu pézinho quan-do anunciei o final da sessão: “vejadoutora”, diz a mãe: “ele não quer irembora, agora você quer ficar, é? É,danadinho?” – ele abraça a mãe e diz– “é”. Acolher a demanda deManuelito, dilatando o tempo da ses-são, foi também uma maneira de en-dossar a interpretação materna e le-gitimar-lhe o lugar de Outro do bebê.

Um pequeno recorte clínico desessões ocorridas após um ano deatendimento: Manuelito “batuca”com suas mãozinhas no divã extrain-do um som que o surpreende e con-voca o olhar da analista, o que o levaa repetir sua façanha. O ritmo de suabatida evoca uma conhecida músicaespanhola e a analista começa a can-tarolar; o curioso é que a analista nãosabe a letra, mas a música, esse novosentido, o empolga, ele dança, grita eo grito, antes estranho, agora parecefamiliar, já que, mesmo sem palavras,passamos a compartilhar o mesmocódigo, elemento essencial para o gan-cho transferencial. A partir de então,as sessões começarão com o grandeconcerto do pequeno percussionistaque, por um bom período, não dis-pensará o olhar e a voz da cantoraimprovisada, objetos a da analista quese deixa fisgar, e que se ofertam comolegitimadores de uma produção sig-nificante, na qual ele poderá se fazerrepresentar “agora eu era o a(r)tista”.Em seguida, Manuelito se interessarápor uma parte do corpo da analista:com uma panelinha pega pelo cabocomo se fosse a extensão de sua mão,

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Manuelito a faz deslizar pelo rosto daanalista que lhe diz: humm ...que mão-zinha gostosa e carinhosa você tem!Algumas sessões mais tarde, ele en-volverá o rosto da analista com suaspróprias mãozinhas e por um longotempo empreenderá essa pesquisa quelhe parece fascinante e lhe devolve umsemblante de satisfação quando per-cebe que a analista-espelho vai nome-ando as expressões de seu rosto.

À medida que ele vai reconstitu-indo sua imagem, ele vai podendoretornar, desde outra posição, aospequenos objetos a próprios da infân-cia e suportes materiais que lhe pos-sibilitam a expressão da fantasia; ostalheres e as panelinhas cobram seustatus de utensílios e ele fará delicio-sas comidinhas, alimentará a analista,alimentará a mãe e se deixará alimen-tar por ela. Se nos conduzimos pelosensinamentos de Lacan (1998, p. 822)quando ele diz que “a fala só começacom a passagem do fingimento à or-dem do significante”, podemos pen-sar que Manuelito está trilhando ocaminho certo, contudo, ainda incer-to, de sua constituição subjetiva. Em-bora ainda apresente dificuldades nafala, ele entende os enunciados e jáconstrói pequenas frases como “medá água”, ao invés de “agu”, “ queronão”, ou “quero”, ao invés da sim-ples menção com a cabeça; o nomeda analista foi incluído na série e a mãerelata que vir para o consultório é umaatividade prazerosa para ele; os gritosna sessão foram substituídos pelo quehoje parece ser sua expressão prefe-

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rida, o “não”, às vezes seguido de um sorriso zombeteiro, o quedenota uma mudança de posição do sujeito na linguagem, instituídapelo corte, pela separação entre o sujeito e o outro.

O manejo da transferência com a criança pequena, mesmo queainda não verbalize muito, requer do analista uma estratégia que ainclua, de fato, no discurso. Desde o início, sempre que a analistaprecisou contatar os pais pelo telefone, Manuelito era chamado elhe era explicado o motivo. Assim, ele ficava sabendo quando aanalista poderia atendê-lo ou não, ou quando a analista constatavasua ausência na sessão anterior. Os pais, do outro lado da linha,diziam que ele parecia entender tudo, principalmente quando eleesboçava seu risinho maroto, muito embora dissessem não enten-der a razão da atitude da analista; nessa estratégia, o manejo da trans-ferência visa o laço pais-bebê, outorgar a ele um lugar privilegiadode sujeito visa efeitos na sua subjetividade e na dos pais.

A demanda e a transferência revelam, nessa extensão, aespecificidade desta clínica em seu aparente paradoxo: o supostosujeitinho, nos primórdios de sua constituição, está necessariamen-te alienado ao outro, daí ele ainda não poder arcar com simbolização,das letras impressas nele, ao mesmo tempo em que o constituem;se, por um lado, a intervenção analítica considera a posição tempo-ral do inconsciente na infância, que é diferente da do adulto, em setratando da clínica de bebês, deve-se considerar a especificidade deum tempo em que o sujeito do inconsciente ainda não se inscreveu- trata-se do tempo da inscrição da letra14. Nesse tempo privilegiadodas primeiras coordenadas da estruturação psíquica, estamos pres-tes a testemunhar e intervir num tempo primordial em que as expe-riências precoces marcam e fundam o psiquismo o que coloca emrelevo uma ética que só se sustenta, na transferência, pela confluên-cia de desejos díspares – o desejo inédito do analista, e desejo dooutro, posto que sua função é desejar15.

A PSYCHOANALYTICAL CLINIC: SPECIFICITY BETWEEN CHILDRENAND BABIES ALSO

ABSTRACT

In the beginning, important contributions of Melanie Klein and Anna Freud showed us thespecificity of the psychoanalytical clinic for children. However, if this subject resulted in achange in the technique for treating children, we propose a more specific approach when dealing

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with babies. Nowadays, after many decades of clinical history, we will see that, besides theimportance of a clinic strategy appropriate to the child and baby’s psyche, the proposition ofLacan that the unconscious is structured as a language will allow an analytic intervention.

Index terms: newborns; psychoanalytical clinic; children; child psyque.

LA CLÍNICA PSICOANALÍTICA: DESDE LOS NIÑOS A LOS BEBÉS, UNAESPECIFICIDAD

RESUMEN

En su origen la clínica psicoanalítica de niños nos brindó con los importantes aportes de MelanieKlein y Anna Freud, las cuales nos señalaron la especificidad de esa clínica. Si lo que antesocupaba a las psicoanalistas repercutía en la técnica a ser usada con niños, nuestra propuestasustenta una especificidad todavía más singular cuando se trata de bebés, una vez que no puedenser escuchados de la misma manera que se escucha a un niño que ya escena en su juego laapropiación de los significantes del Otro. En la actualidad, después de décadas de historiaclínica, veremos que, además de la importancia de una estrategia clínica apropiada al psiquismoinfantil, será en la relación del inconsciente com el lenguaje que esta clínica encontrará subsidiosque autoricen una intervención analítica.Palabras clave: bebés; clínica psicoanalítica; niños; psiquismo infantil.

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NOTAS

1 Análise que permitiu a Freud assentar os fundamentos para a compreensão da linguagempré-verbal e utilização da interpretação (Aberastury, 1986), cujos efeitos confirmaram a possi-bilidade de se analisar crianças, bem como também comprovar suas descobertas acerca dasexualidade infantil.

2 Jerusalinsky (2005, p. 49) “também as estruturas da infância são provisórias. Porque depen-dem das transformações que se produzem nas relações com este Outro primordial encarnadonos pais”.

Lembremos o quanto há de freudiano nesse pressuposto, na insistência do psicanalista emdefender, desde o início, – embora isso vá tomando contornos diferentes ao longo de sua obra–, a necessidade de dois tempos para que se configure uma psicopatologia, o tempo da inscri-ção, na infância, e o da fixação do sintoma, quando chega a puberdade, momento de eclosão dasexualidade e do imperativo da escolha do objeto, a qual comporta uma renúncia à mãe, entan-to primeiro objeto de amor.

3 Jerusalinsky (1988) já havia anunciado a “permeabilidade biológica ao significante” (p. 44).

4 Esta correlação entre o desenvolvimento e a constituição psíquica é abordada amplamentepor Julieta Jerusalinsky (2002).

5 Jerusalinsky (1990) se refere à posição temporal do Nome-do-pai; segundo ele, a problemá-tica da sexuação é, precisamente, a que determina a posição do inconsciente na infância.

6 Considerando a anterioridade da voz em relação ao olhar, Catão (2009) propõe a voz comoo primeiro organizador do caos psíquico em que se encontra o infans.

7 “Desde o nascimento, a criança é um ser de fala, receptivo e ativo, à espera de trocassensório-motoras da linguagem vocal e gestual, e atento ao outro que o embala, lhe sorri e lhefala” (Dolto, citado por Ledoux, 1991, p. 24).

8 Para nós, trata-se de semblantear, uma vez que, embora o analista fale pelo bebê, é dosenunciados parentais que ele se vale para intervir. Pensamos nas duas vertentes do laço primor-dial de que nos fala Cullere-Crespin (2004), que aqui referimos ao lugar ocupado pelo analistana transferência.

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9 E aqui nos reportamos a Laznik (2004):segundo ela, o analista com uma contribui-ção libidinal poderá operar uma mudança noolhar desses pais em relação ao bebê. A nos-sa hipótese é que esta mudança se refletirána imagem real com a qual o bebê poderá seidentificar.

10 A imagem inconsciente do corpo, con-ceito privilegiado da Obra de Dolto, apontapara a precocidade da atividade representati-va do infans. Por estar marcada pela dimen-são simbólica, esta imagem não se reduz aoimaginário, liga-se à história pessoal e à ma-neira como se estabelece a relação libidinalcom o Outro.

11 Para Coriat “o brincar é o cenário no quala criança se apropria dos significantes que amarcaram” (1997, p. 303)

12 Propomos uma intervenção quando umbebê apresenta transtornos psicossomáticos,de desenvolvimento ou em situação de riscopsíquico (Barbosa, 2007, p.73).

13 Aqui podemos pensar no brincar enquan-to sintoma clínico ou de estrutura.

14 Esse tema foi amplamente discutido porJerusalinsky (2002)

15 Lacan (1985) se refere ao papel da mãecomo sendo o desejo da mãe. Ferreira (2010)formaliza e articula o desejo da mãe à funçãomaterna.

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Recebido em dezembro/2010.Aceito em maio/2011.

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