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Se, por um lado, tal pensamento foi responsável por “imensos progressos no conhecimento científico” (MORIN 2010, p.193), por outro, moldou uma lógica e
uma epistemologia que concebem o conhecimento através de um processo de
disjunção, separação, dicotomia e fragmentação, uma “ciência sem
consciência”
Capra (1995, p. 25) irá dizer que a divisão cartesiana do mundo, que em seguida
servirá de fundamento ao mecanicismo de Newton e à ciência clássica, possibilitou aos cientistas “tratar a matéria como algo
morto e inteiramente apartado de si mesmos, vendo o mundo material como
uma vasta quantidade de objetos reunidos numa máquina de grande proporção”.
Para o chileno Humberto Maturana, o racionalismo não pode responder por todas as formas de estar no mundo.
Nosso primeiro cérebro não é o neocórtex, mas o cérebro límbico,
emocional. Para ele, aquisições como a linguagem não tem preponderância cerebral, mas relacional: consensos
construídos em relação de amorosidade e cooperação
DesafioNão basta juntar as
peças, rejuntar o que foi separado, mas criar sentidos e nexos neste
processo, laços de parentesco. Não é mais
tempo de nos interrogarmos sobre a essência das coisas,
mas sobre como funcionam, que
conexões fazem...
Afirmar a diversidade epistemológica do mundo
implica numa prática político-pedagógica que reconhece a importância da diversidade cultural,
étnica, religiosa, social, de gênero. Significa afirmar formas diversas de vida, de pensamento, de ação,
de convivência, de relacionamento, de
resolução de conflitos, de modos de viver, em que as
polaridades não se antagonizam mas se
complementam
O trabalho de direitos humanos na Educação consiste no processo diário de trazer o outro (ausente que foi produzido como não-existência e negação) para o lugar do legítimo. É promover a justiça
cognitiva, condição para uma justiça social. O desafio da Educação é deixar de ser
projeto de um mundo para ser projeto dos muitos mundos existentes e invisibilizados,
alguns destes ainda por inventar.
Necessitamos ressacralizar a vida, as relações, o cotidiano, os símbolos, os nossos
valores e rituais, afirmando-os no
cotidiano coletivo, “voltando para nossas
moradas” (corpo, coração, casa, relações, planeta) e recriando aí relações de comunhão,
de convivência, de singularidade
Cuidar da vida é uma prática e não um princípio. Precisamos abrir brechas para experimentar a vida:
resgatar dimensões e momentos essenciais da
existência; ir para a natureza e trazê-la para perto de nós. Plantar
flores, plantar árvores, dar de beber e comer aos
pássaros e animais, apoiar causas que não são as nossas, encontrar uma
árvore protetora... Exercitar práticas de
oferenda...
O Peregrino e a ÁguaEra uma vez um sujeito perdido num deserto já a
ponto de morrer de sede. Quando estava por se desesperar, avistou um abrigo rudimentar onde havia uma antiga bomba de água. A bomba estava em estado lastimável e o homem, mesmo com seu empenho, não conseguiu retirar uma única gota de água. Então deu com os olhos em uma garrafa escondida atrás da bomba. Nela havia um bilhete. Trazia instruções claras: “Derrame todo o conteúdo da garrafa dentro da bomba e ela funcionará. Mas deve ser toda a água; caso contrário, não irá funcionar. Feito isso, encha novamente a garrafa e deixe para o próximo viajante.”
Diante da água que ele tanto desejava e que poderia saciar sua sede, o sujeito ficou num dilema. Cumprir as instruções da garrafa ou garantir a sua sobrevivência? Finalmente, optou por seguir a sugestão da garrafa. Despejou toda a água dentro da bomba, ciente de que poderia estar jogando fora sua sobrevivência e então começou a bombear. Inicialmente, a bomba começou a ranger, mas nada de água. Ele insistiu e pouco a pouco a bomba foi ganhando pressão, e um filete deu vazão a um fluxo que fez jorrar água em abundância. O homem bebeu da água cristalina que esguichava e, depois de saciar-se, encheu a garrafa como instruído.
(Bonder, Nilton. Tirando os sapatos. O caminho de Abraão, um caminho para o outro. Rio de Janeiro, Rocco, 2008, pp. 50-51)
Waris Dirie, nômade somali
Alimentam-se quando encontram comida
Aceitam as intempéries com conformismo
Dão à luz sozinhas no deserto
Andam dias e noites, sem alimento e proteção, para encontrarem água para as pessoas e animais
Dominam a arte de andar em camelos
São mutiladas na primeira infância, sem anestesia e sem condições de higiene
Curam-se sozinhas de suas dores e doenças