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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ
GUSTAVO MACHADO POLIDORO
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS CLUBES DE FUTEBOL POR ATOS
PRATICADOS EM SUAS PRAÇAS DESPORTIVAS
São José
2010
2
GUSTAVO MACHADO POLIDORO
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS CLUBES DE FUTEBOL POR ATOS
PRATICADOS EM SUAS PRAÇAS DESPORTIVAS
Monografia apresentada como requisito
parcial para obtenção do título de Bacharel
em Direito, na Universidade do Vale do Itajaí,
Centro de Ciências Jurídicas e Sociais
Orientador: Prof. Bel. Emanuel Dal Toé
São José
2010
3
GUSTAVO MACHADO POLIDORO
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS CLUBES DE FUTEBOL POR ATOS
PRATICADOS EM SUAS PRAÇAS DESPORTIVAS
Esta Monografia foi julgada adequada para a obtenção do título de Bacharel em
Direito e aprovada pelo Curso de Direito, da Universidade do Vale do Itajaí, Centro
de Ciências Sociais e Jurídicas.
Área de Concentração: Direito Civil
São José, 01 de dezembro de 2010.
Prof. Bel. Emanuel Dal Toé
UNIVALI – Campus de São José
Orientador
Prof. MSc. Elisabete Wayne Nogueira
UNIVALI – Campus de São José
Membro
Prof. MSc. Geyson José Gonçalves da Silva
UNIVALI – Campus de São José
Membro
4
Dedico este trabalho à minha família, em especial aos meus
pais, que sempre estiveram lá para dar apoio e compreensão.
5
AGRADECIMENTOS
Agradeço inicialmente ao Professor Emanuel Dal Toé, pela atenção,
dedicação e pelo grande aprendizado expressado nos quase dois anos de estágio e
nas horas de orientação.
A minha namorada Alini, pelos momentos de alegria e compreensão
demonstrados durante esses cinco anos de universidade.
Aos meus amigos, pela força e carinho despejados.
A todos aqueles que, de alguma forma, contribuíram para a conclusão
deste trabalho.
6
TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE
Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade
pelo aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do
Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o
Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.
São José, 01 dezembro de 2010.
Gustavo Machado Polidoro
7
RESUMO
A atividade desportiva é um fenômeno de grande complexidade, sendo uma das maiores atividade sociais humanas, visto não haver restrições para a sua prática. O futebol profissional engloba uma grande gama de interesses e valores, devendo, por bem, haver leis que venham a proteger seus praticantes e seus espectadores. Assim, a responsabilidade civil no âmbito desportivo, prevista expressamente no Estatuto de Defesa do Torcedor, Lei nº. 10.671 de 2003, vem impor regras e limites aos atos cometidos dentro e fora de palcos desportivos. O art. 19 impõe que a modalidade objetiva de responsabilidade civil será somente aplicada no caso de falta de segurança ou inobservância do citado estatuto. O problema, entretanto, surge da equiparação realizada pelo art. 3º do mesmo estatuto, o qual iguala as entidades desportivas responsáveis pela organização do evento desportivo, bem como as entidades desportivas detentoras do mando de jogo ao conceito de fornecedor, que, por sua vez, encontra-se elencado no Código de Defesa do Consumidor, Lei nº. 8.078 de 1990. Com isso, tendo em vista a modalidade defendida por este corpo de normas, aplicar-se-ia a modalidade objetiva para todos os casos perpetrados dentro e fora da praça desportiva, e não somente nos casos elencados no art. 19. A partir dessa questão procurou-se responder a seguinte indagação: qual modalidade de responsabilidade civil deverá ser aplicada aos clubes de futebol por atos cometidos dentro de suas praças desportivas? Para tanto, utilizou-se o método dedutivo de pesquisa, partindo-se do aspecto geral ao específico. Deste modo, diferentes correntes doutrinárias e jurisprudenciais foram criadas para tentar responder a presente problemática. A primeira corrente defende a aplicação da modalidade objetiva de responsabilidade civil, tendo como base o art. 3º do estatuto, havendo, assim, uma possível relação consumerista entre os agente acima citados e os espectadores do evento desportivo. A segunda corrente defende a aplicação do inteiro teor do art. 19, visto que o tal artigo é parte específica sobre a responsabilidade civil no Estatuto de Defesa do Torcedor. A terceira e última corrente, defende que a responsabilização por qualquer ato cometido dentro de um evento desportivo será da Polícia Militar, visto caber a ela a segurança dos espectadores, conforme dispõe o art. 14, I do estatuto. Bem assim, a modalidade de responsabilidade civil a ser aplicada no âmbito desportivo deverá ser a subjetiva, aproveitando-se do inteiro teor do art. 19 do estatuto. Caso contrário, se poderia criar uma indústria do dano, pois a atividade desportiva profissional conglomera uma grande quantidade de pessoas, sendo impossível manter controle sobre todas elas. Assim, tendo as entidades desportivas cumprido na totalidade o estatuto, não há que se falar em responsabilidade objetiva. Contudo, sendo a Polícia Militar a responsável por qualquer dano perpetrado dentro do palco desportivo, aplicar-se-á a terceira corrente, visto ser aquela o órgão estatal responsável pela segurança dos espectadores dentro da praça desportiva.
Palavra-chave: 1. Responsabilidade civil 2. Atividade desportiva 3. Estatuto de Defesa do Torcedor
8
ABSTRACT
The sporting activity is a phenomenon of great complexity, one of the largest human social activity, since there are no restrictions on their practice. Professional football encompasses a wide range of interests and values, and should well be laws that will protect its practitioners and its audiences. Thus, liability under sports, expressly provided for in the Estatuto de Defesa do Torcedor, Law no. 10,671 of 2003, is to impose rules and limits to acts committed in and out of sporting venues. The article 19 requires that the objective mode of liability is applied only in cases of failure or security breach of that statute. The problem, however, arises from the matching performed by art. 3 of the same statute, which equals the sporting bodies responsible for organizing the sports event and the sports bodies that hold command of the game to the concept of supplier, which, in turn, is listed in the Código de Defesa do Consumidor, Law no. 8.078 of 1990. With this, in view mode supported by this body of standards, would apply to objective modality in all cases committed within and outside the sporting square, not only in the cases listed in the art. 19. From this question we sought to answer the following question: what kind of liability should be applied to football clubs for acts committed within its sporting squares? For this, we used the deductive method of research, starting from the general to the specific aspect. Therefore different doctrinal and jurisprudential currents were created to try to answer this problem. The first stream supports the application of objective modality of civil liability based on art. 3 of the statute, thus, there was a possible consumer relationship between the agent quoted above and spectators of the sporting event. The second stream supports the application of the full content of art. 19, since that this article is specific part of civil liability in the Estatuto do Torcedor. The third and last stream, argues that the accountability for any act committed within a sporting event is from the military police, seen it fit to spectator safety, as provided in art. 14, I of the statute. Well, the mode of liability to be applied in the sports scope should be the subjective, taking advantage of the full content of art. 19 of the statute. Otherwise, it could create an industry of damage, because the sport professional conglomerate a lot of people, making it impossible to keep track of them all. Thus taking the sports bodies met in full the statute, we should not talk about objetive liability. But as the military police responsible for any harm perpetrated within the sports scene, will apply to the third power, as it is that the state agency responsible for the safety of spectators inside the square sport.
Key-words: 1. Liability 2. Sport activity 3. Defense statute of fans
9
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ...................................................................................... 11
1. O INSTITUTO DA RESPONSABILIDADE CIVIL .............................. 14
1.1. A EVOLUÇÃO DO INSTITUTO DA RESPONSABILIDAE CIVIL ....................... 14
1.2. ELEMENTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL ................................................ 20
1.2.1. Dano ............................................................................................................... 21
1.2.2. Nexo causal ................................................................................................... 26
1.2.3. Culpa .............................................................................................................. 27
1.3. MODALIDADES DE RESPONSABILIDADE CIVIL ............................................ 28
1.3.1. Responsabilidade civil subjetiva ................................................................. 29
1.3.2. Responsabilidade civil objetiva ................................................................... 31
1.3.3. Responsabilidade civil transubjetiva ........................................................... 34
2. A ATIVIDADE E A LEGISLAÇÃO DESPORTIVA............................. 37
2.1. A ATIVIDADE DESPORTIVA ............................................................................. 37
2.2. A LEGISLAÇÃO DESPORTIVA ......................................................................... 39
2.2.1. Princípios da legislação desportiva............................................................. 39
2.2.2. Histórico da legislação desportiva brasileira ............................................. 42
2.2.3. Lei Zico – Lei nº. 8.672/93 ............................................................................. 47
2.2.4. Lei Pelé – Lei nº. 9.615/98 ............................................................................. 48
2.2.5. Código de defesa do consumidor – Lei nº. 8.078/90 .................................. 51
2.2.6. Estatuto de defesa do torcedor – Lei nº. 10.671/03 .................................... 55
3. RESPONSABILIDADE CIVIL DOS CLUBES DE FUTEBOL POR
ATOS PRATICADOS EM SUAS PRAÇAS DESPORTIVAS ................. 59
3.1. A PROBLEMÁTICA ENVOLVENDO A QUESTÃO DA RESPONSABILIDADE
CIVIL NO ÂMBITO DESPORTIVO ............................................................................ 59
3.2. CORRENTES DOUTRINÁRIAS E JURISPRUDENCIAIS VOLTADAS A
DISCUSSÃO DA RESPONSABILIDADE CIVIL NO ÂMBITO DESPORTIVO ........... 61
3.2.1. Corrente objetiva ........................................................................................... 63
3.2.2. Corrente subjetiva ......................................................................................... 70
3.2.3. Corrente jurisprudencial ............................................................................... 75
10
CONCLUSÃO ....................................................................................... 77
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..................................................... 82
11
INTRODUÇÃO
A violência na sociedade encontra-se muito elevada e,
conseqüentemente, em lugares onde há grande aglomeração de pessoas, como nos
estádios de futebol, por exemplo, esta violência tende a ter maior proporção.
O presente trabalho de conclusão de curso tem como objetivo analisar o
instituto da responsabilidade civil no âmbito desportivo, voltando-se principalmente
ao futebol, a fim de se verificar qual modalidade de responsabilidade civil, quais
sejam, objetiva ou subjetiva, deverá ser aplicada aos clubes de futebol nos casos
perpetrados dentro e fora de suas praças desportivas.
Sobre a responsabilidade civil em tela, o Estatuto de Defesa do Torcedor,
Lei nº. 10.671 de 2003, principal corpo de normas de proteção do torcedor
desportivo brasileiro, apresenta em seu texto contradição.
Segundo tal estatuto, as entidades organizadoras da competição
desportiva, bem como as entidades detentoras de mando de jogo serão
consideradas como fornecedores para o disposto no estatuto (art. 3º), remetendo,
assim, ao Código de Defesa do Consumidor, Lei nº. 8.078 de 1990, que possui como
regra geral a aplicabilidade da modalidade objetiva de responsabilidade civil.
Entretanto, essa mesma legislação, em seu art. 19, dispõe
expressamente sobre a responsabilidade civil no âmbito desportivo, sendo que
somente se aplicará a modalidade objetiva nos casos em que as entidades
desportivas não observarem todas as regras estipuladas pelo precitado estatuto ou
houver falha de segurança no palco desportivo.
Neste sentido, busca-se com o presente trabalho encontrar uma resposta
à seguinte indagação: as entidades organizadoras do evento esportivo e as
entidades detentoras do mando de jogo, mesmo cumprindo todas as normas que a
legislação específica determina, respondem objetivamente pelos danos que vierem a
ocorrer no palco desportivo; ou respondem subjetivamente por tais danos?
Partindo-se do entendimento de que os agentes dispostos acima são
considerados fornecedores, estes irão responder objetivamente por todo e qualquer
12
dano que um determinado espectador venha a sofrer dentro e fora do palco
desportivo, tendo em vista a relação consumerista que se impõe às partes. Isto,
pois, cabe aos agentes supracitados zelar pela segurança (teoria do risco) dos que
vão até o local para assistir uma partida de futebol e se divertir. Deste modo,
somente se eximirá da responsabilidade civil nos casos de excludentes desta, quais
sejam, culpa exclusiva da vítima, culpa de terceiro e caso fortuito ou força maior.
Por outro lado, partindo do entendimento de que o art. 19 do Estatuto de
Defesa do Torcedor prevalece, por ser parte específica de segurança do espectador
dentro da praça desportiva, entende-se que a responsabilidade seria subjetiva como
regra e objetiva como exceção. Tal artigo dispõe expressamente que a modalidade
objetiva será somente aplicada por falha de segurança e a não observância do
estatuto, sendo que para todos os outros acontecimentos deverá ser aplicada a
modalidade subjetiva de responsabilidade civil, cabendo aos espectadores a
comprovação de culpa das entidades desportivas.
Além disso, há, ainda, uma corrente jurisprudencial que entende que
havendo a correta requisição e comparecimento do Poder Público no espetáculo
desportivo, através da Policia Militar, caberá a esta a responsabilidade pelos atos
ocorridos dentro do palco desportivo, visto ser esta a responsável pela segurança
dos espectadores.
Para tentar responder tal indagação e explorar as hipóteses existentes,
utilizou-se o método dedutivo de pesquisa científica, partindo-se do aspecto geral ao
tema específico deste trabalho de conclusão de curso. Bem assim, foi utilizada a
técnica de documentação indireta, através de pesquisa documental, envolvendo a
utilização da Constituição Federal de 1988, o Estatuto de Defesa do Consumidor, o
Código Civil, dentre outros; e da pesquisa bibliográfica em livros e artigos referentes
ao caso apresentado.
Deste modo, o primeiro capítulo deste trabalho versa sobre o instituto da
responsabilidade civil, dispondo sobre a sua evolução histórica até os momentos
atuais, os elementos que a compõem, e as suas modalidades.
No segundo capítulo apresenta-se a importância da atividade desportiva
para a sociedade, observando seus princípios, um breve histórico e as principais
13
legislações que norteiam o futebol profissional no Brasil que possuem relevância
para o objetivo final deste trabalho de conclusão de curso.
No terceiro capítulo aborda-se a problemática envolvendo a questão da
responsabilidade civil no âmbito desportivo, dispondo-se sobre as correntes
doutrinárias e jurisprudenciais existentes acerca do assunto.
Por fim, após a análise da questão e das correntes existentes, apresenta-
se as conclusões a que chegou o autor no presente trabalho monográfico, com a
devida exposição pessoal deste, a fim de responder a problemática estudada.
14
1. O INSTITUTO DA RESPONSABILIDADE CIVIL
A responsabilidade civil é o instituto do direito civil que visa a restauração
do status quo de uma determinada situação ocorrida em sociedade. Conforme
preconiza Silvio de Salvo Venosa, “o termo responsabilidade é utilizado em qualquer
situação na qual alguma pessoa, natural ou jurídica, deva arcar com as
conseqüências de um ato, fato, ou negócio danoso”.1
Neste capítulo se abordará o instituto da responsabilidade civil,
demonstrando sua evolução histórica, seus elementos essenciais e suas
modalidades.
1.1. A EVOLUÇÃO DO INSTITUTO DA RESPONSABILIDADE CIVIL
Para se iniciar a compreensão do instituto da responsabilidade civil faz-se
necessária a explanação sobre sua evolução histórica, retratando os principais
aspectos dos primórdios da responsabilidade civil até os tempos atuais.
No início da história humana, o instituto da responsabilidade civil não
existia, reinando apenas o sentimento de vingança entre as partes envolvidas
quando da ocorrência de uma ofensa. Dessa forma, tal sentimento corrompia todo
determinado grupo social, que se via no direito de se vingar daquele que tenha
prejudicado um de seus componentes.2
A partir do Direito Romano, nasce o instituto da responsabilidade civil, por
meio da Lei de Talião, qual seja, “olho por olho, dente por dente”, despertando a
1 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil. 7ª ed. 2ª reimpr. São Paulo: Atlas,
2007. 4º v. p. 01. 2 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 21ª ed. rev. e atual.
de acordo com a reforma do CPC. São Paulo: Saraiva, 2007. 7º v. p. 10.
15
vingança privada, pelo qual os homens faziam justiça pelas próprias mãos.3 Porém,
na tentativa de coibir abusos, o Estado intervinha apenas para declarar se havia a
possibilidade de punição e de que forma esta deveria ser feita.4
Segundo Silvio de Salvo Venosa, a responsabilidade encontrada através
da Lei de Talião é um princípio
da natureza humana, qual seja, reagir a qualquer mal injusto perpetrado contra a pessoa, a família ou o grupo social. A sociedade primitiva reagia com a violência. O homem de todas as épocas também o faria, não fosse reprimido pelo ordenamento jurídico.5
Com a criação da Lei das XII Tábuas, no ano de 450 a.C.,
“institucionalizou-se o procedimento de autocomposição já existente e que vinha se
desenvolvendo gradativamente”,6 visto que tábua VII dispunha o seguinte texto: “si
membrum rupsit, ni cume o pacit, talio esto” (se alguém fere a outrem, que sofra a
pena de Talião, salvo se existiu acordo).7
Vê-se, assim, que a responsabilidade, em seus primórdios, era puramente
objetiva,8 pois não se fazia necessária a comprovação de culpa, bastando que o
dano fosse realizado para que se buscasse a sua reparação, sem qualquer
fundamento.
Posteriormente, durante o período Justiniano, surge a idéia da
composição do dano, visto que seria mais vantajoso ao ofendido entrar em acordo
com o ofensor, do que puni-lo tal qual a ofensa, conforme era imposta pela Lei de
Talião. Este pensamento desperta da não-reparação do dano no acompanhamento
3 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 21ª ed. rev. e atual.
de acordo com a reforma do CPC. São Paulo: Saraiva, 2007. 7º v. p. 10. 4 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 21ª ed. rev. e atual.
de acordo com a reforma do CPC. São Paulo: Saraiva, 2007. 7º v. p. 11. 5 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil. 7ª ed. 2ª reimpr. São Paulo: Atlas,
2007. 4º v. p. 16. 6 LISBOA, Roberto Senise. Manual elementar de direito civil. 2º v. obrigações e responsabilidade
civil. 2ª ed. rev. e atual. em conformidade com o novo código civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 180. 7 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 21ª ed. rev. e atual.
de acordo com a reforma do CPC. São Paulo: Saraiva, 2007. 7º v. p. 11. 8 LOPES, Miguel Maria de Serpa. Curso de direito civil. 5º v. fontes acontratuais das obrigações:
responsabilidade civil. 5ª ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2001. p. 163.
16
da Lei de Talião, no qual iria apenas causar um duplo dano, a do ofendido e,
posteriormente, a do ofensor.9
Assim, nasce a Lex Aquilia de damno, que tinha como princípio o
pagamento de certa quantia em dinheiro no caso de existência de uma ofensa. Este
instituto “é o divisor de águas da responsabilidade civil”.10
A Lex Aquilia de damno, na sua constituição, foi composta de três
capítulos. O primeiro dispunha sobre a morte dos escravos ou semoventes que
pastam em rebanhos; o segundo capítulo regulava sobre o dano causado pelo
credor acessório ao credor principal, que deduzia a dívida prejudicando a parte
deste; e o terceiro capítulo instituiu o damnum injuria datum.11
Retratando as origens da Lex Aquilia de damno Venosa assim explica
foi um plebiscito aprovado provavelmente em fins do século III ou início do século II a.C., que possibilitou atribuir ao titular de bens o direito de obter o pagamento de uma penalidade em dinheiro de quem tivesse destruído ou deteriorado seus bens. Como os escravos eram considerados coisas, a lei também se aplicava na hipótese de danos ou morte deles. Punia-se por uma conduta que viesse a ocasionar danos.
12
Neste diploma, o pagamento era conhecido como poena, que era
estabelecido subjetivamente a critério da autoridade pública, caso o dano fosse
perpetrado contra direitos da res publica, ou a critério do ofendido, caso o dano
fosse perpetrado contra direito de interesse particular.13
Dessa forma, a Lex Aquilia de damno, impondo a restituição do dano
através da poena, é vista como “a reação contra a vingança privada, que é assim
abolida e substituída pela composição obrigatória”.14
Tal instituto, conforme explica Maria Helena Diniz, “consiste na destruição
ou deterioração da coisa alheia por fato ativo que tivesse atingido coisa corpórea ou
9 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 21ª ed. rev. e atual.
de acordo com a reforma do CPC. São Paulo: Saraiva, 2007. 7º v. p. 11. 10
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil. 7ª ed. 2ª reimpr. São Paulo: Atlas, 2007. 4º v. p. 16. 11
GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: responsabilidade civil. 4.ed. rev. e atual. e reform. São Paulo: Saraiva, 2006, v.3. p. 11. 12
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil. 7ª ed. 2ª reimpr. São Paulo: Atlas, 2007. 4º v. p. 16. 13
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 21ª ed. rev. e atual. de acordo com a reforma do CPC. São Paulo: Saraiva, 2007. 7º v. p. 11. 14
LIMA, Alvino. Culpa e risco. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 21 APUD GAGLIANO, Pablo Stolze. PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil. 3º v. responsabilidade civil. 4ª ed. rev. e atual. e reform. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 10.
17
incorpórea, sem justificativa legal”,15 que vem depauperar o lesado, sem enriquecer
o ofensor.16
Através da Lex Aquilia de damno, para alguns autores, constituiu-se a
concepção de culpa na responsabilidade civil. Porém, há certa divergência
doutrinária sobre o tal momento.
Para Maria Helena Diniz e Silvio de Salvo Venosa, a Lex Aquilia de
damno veio imputar a reparação do dano à conduta culposa do agente, surgindo
assim, a culpa na responsabilidade civil. A autora expõe que:
A Lex Aquilia de damno veio a cristalizar a idéia de reparação pecuniária do dano, impondo que o patrimônio do lesante suportasse os ônus da reparação, em razão do valor da res, esboçando-se a noção de culpa como fundamento da responsabilidade, de tal sorte que o agente se isentaria de qualquer responsabilidade se tivesse procedido sem culpa. Passou-se a atribuir o dano à conduta culposa do agente.
17
No mesmo sentido, só que de forma sucinta, explica Silvio de Salvo
Venosa: “a idéia de culpa é centralizadora nesse instituto de reparação”.18
Por outro lado, Miguel Maria de Serpa Lopes pondera que “só com os
compiladores justinianeus passou a culpa a subjetivar a responsabilidade,
certamente muito depois da Lex Aquilia”.19 E continua:
Quem quer que produzisse um dano sem nenhum direito permanecia obrigado, ainda que, para evitar o fato, houvesse procedido com a mais escrupulosa diligência e cuidado. A inoculação da idéia de culpa na responsabilidade civil foi obra da jurisprudência clássica [...] tal situação não se modificou por força da Lex Aquilia, sob a qual permaneceu ainda nitidamente objetiva.
20
Ulteriormente, o Estado passou a intervir nos conflitos privados, de modo
a obrigar o ofendido a entrar em composição com o ofensor, em vez de vingar-se
dele, além de estabelecer quanto seria a quantia da poena.21
15
GAGLIANO, Pablo Stolze. PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil. 3º v. responsabilidade civil. 4ª ed. rev. e atual. e reform. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 11. 16
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 21ª ed. rev. e atual. de acordo com a reforma do CPC. São Paulo: Saraiva, 2007. 7º v. p. 11. 17
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 21ª ed. rev. e atual. de acordo com a reforma do CPC. São Paulo: Saraiva, 2007. 7º v. p. 11. 18
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil. 7ª ed. 2ª reimpr. São Paulo: Atlas, 2007. 4º v. p. 16 19
LOPES, Miguel Maria de Serpa. Curso de direito civil. 5º v. fontes acontratuais das obrigações: responsabilidade civil. 5ª ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2001. p. 163. 20
LOPES, Miguel Maria de Serpa. Curso de direito civil. 5º v. fontes acontratuais das obrigações: responsabilidade civil. 5ª ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2001. p. 163. 21
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 21ª ed. rev. e atual. de acordo com a reforma do CPC. São Paulo: Saraiva, 2007. 7º v. p. 11.
18
Com a imposição do Estado nos conflitos privados, surgem, assim, outras
situações de responsabilidade, que ficaram conhecidas como quase delicta (quase
delitos),22 vê-se algumas:
a) Positum et suspensum, (queda de objeto de edifício);
b) Effusum et deiectum (derramamento de coisa em via pública);
c) Receptum nautarum (furto de bens transportados, praticado por
empregado, mas sendo o capitão responsabilizado);
d) Stabularum (furto de bens em estábulo, praticado por empregado, mas
sendo o dono do estábulo responsabilizado);
e) Cauponum (furto de bens em hospedaria, praticado por empregado,
mas sendo o dono da hospedaria responsabilizado);
f) Si iudex litem suam facit (responsabilização do juiz por sentença
proferida com má-fé).23
Tendo em vista que no direito romano não havia uma clara distinção entre
a responsabilidade civil e penal, as composições impostas pelo Estado variavam
desde pena privada a reparação do dano. Essa distinção entre responsabilidade civil
e penal apenas começa a ocorrer a partir da Idade Média, com a criação da idéia de
dolo e da culpa stricto sensu.24
A partir do século XVII, o conceito da Lex Aquilia de damno, ou seja, a
teoria da reparação de danos, passou a ser ampliada pela Escola do Direito Natural.
Desta forma, restou melhor compreendida “quando os juristas equacionaram que o
fundamento da responsabilidade civil situa-se na quebra do equilíbrio patrimonial
provocado pelo dano. Nesse sentido transferiu-se o enfoque da culpa, como
fenômeno centralizador da indenização, para a noção de dano”.25
22
LISBOA, Roberto Senise. Manual elementar de direito civil. 2º v. obrigações e responsabilidade civil. 2ª ed. rev. e atual. em conformidade com o novo código civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 180. 23
LISBOA, Roberto Senise. Manual elementar de direito civil. 2º v. obrigações e responsabilidade civil. 2ª ed. rev. e atual. em conformidade com o novo código civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 180. 24
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 21ª ed. rev. e atual. de acordo com a reforma do CPC. São Paulo: Saraiva, 2007. 7º v. p. 11. 25
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil. 7ª ed. 2ª reimpr. São Paulo: Atlas, 2007. 4º v. p. 16.
19
Porém, foi no direito francês que a teoria da responsabilidade civil foi
aperfeiçoada.26 Isto se deu, através do jurista francês Domat, que foi o responsável
pelo princípio geral da responsabilidade civil,27 dispondo que:
toutes les pertes et tous les dommages qui peuvent arriver par le fait de quelque personne, soit imprudence, légéreté, ignorance de ce qu'on doit savoir, ou autres fautes semblables, si légères qu'elles puissent être, doivent être réparées par celui dont l'imprudence ou autre faute y a donné lieu28 29
Segundo este pensamento, o Código Civil Francês, em seu art. 1.382,
adotou como fundamento a culpa na responsabilidade civil, influenciando as demais
legislações.30
A evolução da responsabilidade civil chega até o momento da criação da
teoria do risco, surgindo assim a responsabilidade civil objetiva pelo risco da
atividade, caso em que não será necessária a comprovação de culpa, mas somente
a existência do dano.
A criação desta teoria, a do risco da atividade, deu-se através da
revolução industrial, quando do surgimento de maquinaria pesada. Isto se deu, pois,
as mudanças de grande proporção ocorridas no período, ocasionaram modificação
na “orientação doutrinária e jurisprudência sobre a responsabilidade civil, ante a
dificuldade de prova da culpa do autor do ilícito pelos prejuízos sofridos pela vítima,
conseqüentes do uso das máquinas”.31
Sobre tal ponto, discorre Maria Helena Diniz:
Este representa uma objetivação da responsabilidade, sob a idéia de que todo risco deve ser garantido, visando a proteção jurídica à pessoa humana, em particular aos trabalhadores e às vítimas de acidentes, contra a
26
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil. 7ª ed. 2ª reimpr. São Paulo: Atlas, 2007. 4º v. p. 16. 27
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 21ª ed. rev. e atual. de acordo com a reforma do CPC. São Paulo: Saraiva, 2007. 7º v. p. 11-12. 28
DOMAT, Jean. Lois civiles. APUD DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 21ª ed. rev. e atual. de acordo com a reforma do CPC. São Paulo: Saraiva, 2007. 7º v. p. 12. 29
Tradução: “todas as perdas e os danos que podem ocorrer pelo fato de qualquer pessoa ou leviandade irresponsável, a ignorância do que se deve saber, ou outros erros semelhantes, ainda que pequena que seja, deve ser reparado por aquele cuja descuido ou má conduta de outros deram origem” 30
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 21ª ed. rev. e atual. de acordo com a reforma do CPC. São Paulo: Saraiva, 2007. 7º v. p. 12. 31
LISBOA, Roberto Senise. Manual elementar de direito civil. 2º v. obrigações e responsabilidade civil. 2ª ed. rev. e atual. em conformidade com o novo código civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 181.
20
insegurança material, e todo dano deve ter responsável. [...] baseia-se no princípio do ubi emolumentum, ibi ius (ou ibi onus), isto é, a pessoa que se aproveitar dos riscos ocasionados deverá arcar com suas conseqüências.
32
Em assim sendo, percebe-se que a evolução da responsabilidade civil
parte da vingança privada, para, em seguida, haver uma responsabilidade
dependente da comprovação de culpa, chegando, por fim, na responsabilidade
independente de culpa.
Com isso, houve no instituto da responsabilidade civil a distinção entre
responsabilidade civil subjetiva, responsabilidade civil objetiva e responsabilidade
civil transubjetiva, no qual ainda se irá discorrer. Não obstante, mister expor que a
regra da responsabilidade civil no direito brasileiro é a da responsabilidade civil
subjetiva, visto ser esta a adotada como fundamento no Código Civil Brasileiro.33
1.2 ELEMENTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL
Passando a analisar o instituto da responsabilidade civil, verifica-se que
este para ser caracterizado deve possui certos elementos básicos, conforme a
modalidade utilizada.
Por conseguinte, é necessária a verificação da existência do dano, do
nexo causal, e, em alguns casos, da culpa, para que seja imposta a
responsabilidade ao agente infrator.34
Visto isto, explanaremos sobre cada um desses elementos
indispensáveis, exceto no que se refere à culpa, para a configuração da
responsabilidade civil.
32
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 21ª ed. rev. e atual. de acordo com a reforma do CPC. São Paulo: Saraiva, 2007. 7º v. p. 12-13. 33
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 21ª ed. rev. e atual. de acordo com a reforma do CPC. São Paulo: Saraiva, 2007. 7º v. p. 13. 34
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 21ª ed. rev. e atual. de acordo com a reforma do CPC. São Paulo: Saraiva, 2007. 7º v. p. 37-38.
21
1.2.1 Dano
Preliminarmente, incumbe mencionar que a responsabilidade civil funda-
se na existência de um dano proveniente de uma ação ou omissão e na
necessidade de repará-lo. Assim, tem-se como necessária a conceituação do dano e
de suas formas.
Deste modo, verifica-se que o dano trata-se de um requisito indispensável
para a existência de responsabilidade civil, podendo ser conceituado como “sendo a
lesão a um interesse jurídico tutelado – patrimonial ou não –, causado por ação ou
omissão do sujeito infrator”.35
Nesta esteira, Carlos Alberto Menezes Direito e Sérgio Cavalieri Filho,
expõem que:
O dano é, sem dúvida, o grande vilão da responsabilidade civil. Não haveria que se falar em indenização, nem em ressarcimento, se não houvesse o dano. Pode haver responsabilidade sem culpa, mas não pode haver responsabilidade sem dano. Na responsabilidade objetiva, qualquer que seja a modalidade de risco que lhe sirva de fundamento, risco profissional, risco-proveito, risco criado etc., o dano constitui o seu elemento preponderante. Tanto é assim que, sem dano, não haverá o que reparar, ainda que a conduta tenha sido culposa ou até dolosa. Se o motorista, apesar de ter avançado o sinal, não atropelou ninguém, nem bateu em outro veículo, se o prédio desmorona por falta de conservação do proprietário, mas não atinge nenhuma pessoa ou outros bens, não haverá o que indenizar.
36
Logo, havendo a existência do dano, resta permanente a possibilidade de
indenização37, a qual tem como objetivo retornar ao estado anteriormente existente
através de pagamento.
Além disso, para haver a indenização do dano, é indispensável que este
seja certo, atual e subsistente. Certo, pois deve ser preciso, deve existir de fato;
35
GAGLIANO, Pablo Stolze. PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil. 3º v. responsabilidade civil. 4ª ed. rev. e atual. e reform. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 36. 36
DIREITO, Carlos Alberto Menezes. CAVALIERI FILHO, Sérgio. Comentários ao novo Código Civil: da responsabilidade civil, das preferências e privilégios creditórios. Rio de Janeiro: Forense, 2004. 13º v. p. 92. 37
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil. 7ª ed. 2ª reimpr. São Paulo: Atlas, 2007. 4º v. p. 31.
22
atual, pois se refere ao momento de seu surgimento; e subsistente, pois é, ainda,
suscetível de reparação.38
Ademais, pode-se dividir o dano em cinco modalidades distintas: a) dano
patrimonial; b) dano material reflexo; c) dano moral; d) dano estético; e e) dano à
imagem.39 Contudo, dispor-se-á apenas das três primeiras modalidades, tendo em
vista que as demais fogem do escopo do presente trabalho.
1.2.1.1 Dano patrimonial
O dano patrimonial ou material, de julgamento simples, trata-se do dano
que atinge os bens pertencentes ao patrimônio do lesado.40
No entanto, podemos conceituar o dano patrimonial de uma forma mais
completa, como sendo uma “lesão concreta, que afeta um interesse relativo ao
patrimônio da vítima, consistente na perda ou deterioração, total ou parcial, dos bens
materiais que lhe pertencem, sendo suscetível de avaliação pecuniária e de
indenização pelo responsável”.41
Além disso, o dano patrimonial pode atingir o patrimônio presente da
vítima e até mesmo o patrimônio futuro desta, podendo diminuí-lo ou impedir o seu
crescimento.42
Temos, assim, o dano emergente e o lucro cessante.
38
LISBOA, Roberto Senise. Manual elementar de direito civil. 2º v. obrigações e responsabilidade civil. 2ª ed. rev. e atual. em conformidade com o novo código civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 207 e 208. 39
DIREITO, Carlos Alberto Menezes. CAVALIERI FILHO, Sérgio. Comentários ao novo Código Civil: da responsabilidade civil, das preferências e privilégios creditórios. Rio de Janeiro: Forense, 2004. 13º v. p. 92-118. 40
DIREITO, Carlos Alberto Menezes. CAVALIERI FILHO, Sérgio. Comentários ao novo Código Civil: da responsabilidade civil, das preferências e privilégios creditórios. Rio de Janeiro: Forense, 2004. 13º v. p. 93. 41
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 21ª ed. rev. e atual. de acordo com a reforma do CPC. São Paulo: Saraiva, 2007. 7º v. p. 66. 42
DIREITO, Carlos Alberto Menezes. CAVALIERI FILHO, Sérgio. Comentários ao novo Código Civil: da responsabilidade civil, das preferências e privilégios creditórios. Rio de Janeiro: Forense, 2004. 13º v. p. 94.
23
Aquele, trata-se da efetiva perda do patrimônio da vítima no momento de
ocorrência do ato ilícito, sendo mensurado pela diferença entre o valor que possuía
antes e depois do acontecimento. Este, por sua vez, trata-se do dano futuro, ou seja,
do reflexo que o ato ilícito irá opor sobre o patrimônio da vítima.43
Em outras palavras, o lucro cessante consiste
na perda do ganho esperável, na frustração da expectativa de lucro, na diminuição potencial do patrimônio da vítima. Pode decorrer não só da paralisação da atividade lucrativa ou produtiva da vítima, como por exemplo, a cessação dos rendimentos que alguém já vinha obtendo da sua profissão, como, também, da frustração daquilo que era razoavelmente esperado.
44
Ainda, é mister expor que o dano patrimonial subdivide-se entre dano
patrimonial direto e dano patrimonial indireto. Aquele é a espécie de dano exposto
acima, este é a espécie de dano que passaremos a explanar no item subseqüente.45
1.2.1.2 Dano material reflexo
O dano material reflexo, por sua vez, trata-se do dano em que a sua
repercussão incide em desavinda pessoa, que possui ligação direta com a vítima do
ato ilícito.46
Esta espécie de dano pode ocorrer, por exemplo, “em razão da morte da
vítima, a sua esposa e filhos ficam sem a pensão que aquela lhes pagava, os
credores ficam sem receber seus créditos, e assim por diante”.47
43
DIREITO, Carlos Alberto Menezes. CAVALIERI FILHO, Sérgio. Comentários ao novo Código Civil: da responsabilidade civil, das preferências e privilégios creditórios. Rio de Janeiro: Forense, 2004. 13º v. p. 94. 44
DIREITO, Carlos Alberto Menezes. CAVALIERI FILHO, Sérgio. Comentários ao novo Código Civil: da responsabilidade civil, das preferências e privilégios creditórios. Rio de Janeiro: Forense, 2004. 13º v. p. 95. 45
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 21ª ed. rev. e atual. de acordo com a reforma do CPC. São Paulo: Saraiva, 2007. 7º v. p. 71. 46
GAGLIANO, Pablo Stolze. PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil. 3º v. responsabilidade civil. 4ª ed. rev. e atual. e reform. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 45. 47
DIREITO, Carlos Alberto Menezes. CAVALIERI FILHO, Sérgio. Comentários ao novo Código Civil: da responsabilidade civil, das preferências e privilégios creditórios. Rio de Janeiro: Forense, 2004. 13º v. p. 97.
24
Assim, no dano material reflexo, “o prejuízo se dá porque aquele que
deveria cumprir com a obrigação deixa de fazê-lo por se encontrar incapacitado para
tanto, por força de prejuízo diverso que veio a padecer”.48
Porém, o grande problema é estabelecer um limite para a sua
determinação, visto que só a existência do dano não importa no reflexo deste.49
Assim, para a caracterização do dano material reflexo, este deve ser certo,
comprovado e suscetível de reparação,50 “ficando afastado aquele que se coloca
como conseqüência remota, como mera perda de uma chance”.51
Entende-se, assim, que, ao contrário do dano material simples, que atinge
somente a pessoa sofredora da lesão, o dano material reflexo, atinge outras
pessoas não participantes do ato lesionador, mas que, por uma relação com a
vítima, se vêem atingidas em outros aspectos.
1.2.1.3 Dano moral
Por fim, o dano moral vem a ser o dano sofrido não no patrimônio do
lesado, mas sim em seu direito personalíssimo, não sendo suscetível a avaliação
pecuniária.52 Num conceito positivo, dano moral “é a lesão de um bem integrante da
personalidade; [...] tal como a honra, a liberdade, a intimidade, a privacidade, a
48
LISBOA, Roberto Senise. Manual elementar de direito civil. 2º v. obrigações e responsabilidade civil. 2ª ed. rev. e atual. em conformidade com o novo código civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 215. 49
DIREITO, Carlos Alberto Menezes. CAVALIERI FILHO, Sérgio. Comentários ao novo Código Civil: da responsabilidade civil, das preferências e privilégios creditórios. Rio de Janeiro: Forense, 2004. 13º v. p. 98. 50
GAGLIANO, Pablo Stolze. PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil. 3º v. responsabilidade civil. 4ª ed. rev. e atual. e reform. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 45. 51
DIREITO, Carlos Alberto Menezes. CAVALIERI FILHO, Sérgio. Comentários ao novo Código Civil: da responsabilidade civil, das preferências e privilégios creditórios. Rio de Janeiro: Forense, 2004. 13º v. p. 98. 52
LISBOA, Roberto Senise. Manual elementar de direito civil. 2º v. obrigações e responsabilidade civil. 2ª ed. rev. e atual. em conformidade com o novo código civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 210.
25
saúde, a integridade psicológica, causando dor, vexame, sofrimento, desconforto e
humilhação à vítima”.53
A problemática existente quanto ao dano moral, resta sobre a sua
reparabilidade, visto não ser fácil a diferenciação entre a sua configuração e fatos
banais cotidianos. Nesse sentido, discursam Carlos Alberto Menezes Direito e
Sérgio Cavalieri Filho:
Na falta de critérios objetivos, essa questão tornou-se tormentosa na doutrina e na jurisprudência, levando o julgador à situação de perplexidade. Há quem sustente que, ultrapassadas as fases da irreparabilidade do dano moral e da sua inacumulabilidade com o dano material, corremos, agora, o risco de ingressar na fase da sua industrialização, pois o aborrecimento banal ou mera sensibilidade são apresentados como dano moral, em busca de indenizações expressivas.
54
Visto isto, encontramos na doutrina, várias objeções ao direito de reparar
o dano moral, vejamos alguns exemplos citados por Maria Helena Diniz: a)
efemeridade do dano moral; b) escândalo da discussão, em juízo, sobre sentimentos
íntimos de afeição e decoro; c) incerteza, nos danos morais, de um verdadeiro
direito violado e de um dano real; d) dificuldade de descobrir-se a existência do
dano; e) impossibilidade de uma rigorosa avaliação pecuniária do dano moral; f)
indeterminação do número de lesados; g) imoralidade da compensação da dor com
o dinheiro; h) perigo de inevitabilidade da interferência do arbítrio judicial conferindo
ao magistrado poder ilimitado na apreciação dos danos morais, ao avaliar o
montante compensador do prejuízo; i) enriquecimento sem causa; e j)
impossibilidade jurídica de se admitir tal reparação.55
Nesse pensamento, deve-se aplicar o direito de reparação por danos
morais nos casos em que “a dor, o vexame, o sofrimento ou a humilhação que,
fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento psicológico do
indivíduo, causando-lhe aflições, angústias e desequilíbrio em seu bem-estar”.56
53
DIREITO, Carlos Alberto Menezes. CAVALIERI FILHO, Sérgio. Comentários ao novo Código Civil: da responsabilidade civil, das preferências e privilégios creditórios. Rio de Janeiro: Forense, 2004. 13º v. p. 100. 54
DIREITO, Carlos Alberto Menezes. CAVALIERI FILHO, Sérgio. Comentários ao novo Código Civil: da responsabilidade civil, das preferências e privilégios creditórios. Rio de Janeiro: Forense, 2004. 13º v. p. 99. 55
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 21ª ed. rev. e atual. de acordo com a reforma do CPC. São Paulo: Saraiva, 2007. 7º v. p. 92 a 96. 56
DIREITO, Carlos Alberto Menezes. CAVALIERI FILHO, Sérgio. Comentários ao novo Código Civil: da responsabilidade civil, das preferências e privilégios creditórios. Rio de Janeiro: Forense, 2004. 13º v. p. 103.
26
Em assim sendo, afigura-se o dano moral, como um dano a um direito
personalíssimo, cuja caracterização é de difícil verificação objetiva, e que, por não
possuir valores certos, sua indenização leva em conta elementos subjetivos do
lesado.
1.2.2 Nexo causal
Para haver a responsabilidade civil, conforme ulteriormente exposto, faz-
se necessária a compreensão de fatores básicos, quais sejam, o dano sofrido, em
alguns casos a culpa, e, certamente, o nexo causal.
Deste modo, o nexo causal trata-se de um requisito infalível à
responsabilidade civil, onde na não existência daquele, esta não se perpetuará.57
O nexo causal pode ser conceituado como sendo “o elo etiológico, do
liame, que une a conduta do agente (positiva ou negativa) ao dano”.58
Explanando sobre o nexo causal, Miguel Maria de Serpa Lopes, afirma
que:
Uma das condições essenciais à responsabilidade civil é a presença de um nexo causal entre o fato ilícito e o dano por ele produzido. É uma noção aparentemente fácil e limpa de dificuldade. Mas se trata de mera aparência, porquanto a noção de causa é uma noção que se reveste de um aspecto profundamente filosófico, além das dificuldades de ordem prática, quando os elementos causais, os fatores de produção de um prejuízo se multiplicam no tempo e no espaço.
59
Observa-se, assim, a importância da comprovação do nexo causal
quando da perpetração de um dano, visto que nem na responsabilidade civil objetiva
tem-se a indispensabilidade do nexo causal. Caso a vítima não faça a conexão entre
57
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 21ª ed. rev. e atual. de acordo com a reforma do CPC. São Paulo: Saraiva, 2007. 7º v. p. 107. 58
GAGLIANO, Pablo Stolze. PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil. 3º v. responsabilidade civil. 4ª ed. rev. e atual. e reform. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 85. 59
LOPES, Miguel Maria de Serpa. Curso de direito civil. 5º v. fontes acontratuais das obrigações: responsabilidade civil. 5ª ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2001. p. 218.
27
o nexo causal e o causador do dano, não há como se ver ressarcida do prejuízo que
sofreu.60
1.2.3 Culpa
O ordenamento jurídico brasileiro, conforme veremos posteriormente, tem
a culpa como sua regra geral para a verificação da responsabilidade, visto ser esta
um requisito básico para a averiguação da responsabilidade civil subjetiva.61
Podemos, assim, conceituar a culpa como sendo o “fundo animador do
ato ilícito, da injúria, ofensa ou má conduta imputável. Nesta figura encontram-se
dois elementos: o objetivo, expressado na iliceidade, e o subjetivo, do mau
procedimento imputável”.62
Desta forma, podemos observar que a culpa pode ser considerado em
dois aspectos: em sentido amplo (lato sensu) e em sentido restrito (strictu sensu).
Na culpa em sentido estrito, não há a intenção de praticar o ato ilícito,
porém previsível a sua ocorrência. Logo, “na culpa não há a intenção, há a vontade;
não há conduta intencional, mas manifestação livre da vontade. A vontade não se
dirige a um fim determinado, como no dolo, mas se dirige à conduta. A conduta é
voluntária; involuntário é o resultado”.63
Vejamos o conceito de culpa nas palavras de José de Aguiar Dias:
A culpa é falta de diligência na observância da norma de conduta, isto é, o desprezo, por parte do agente, do esforço necessário para observá-la, com
60
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil. 7ª ed. 2ª reimpr. São Paulo: Atlas, 2007. 4º v. p. 45. 61
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 21ª ed. rev. e atual. de acordo com a reforma do CPC. São Paulo: Saraiva, 2007. 7º v. p. 39. 62
STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência. 7º ed. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 133. 63
DIREITO, Carlos Alberto Menezes. CAVALIERI FILHO, Sérgio. Comentários ao novo Código Civil: da responsabilidade civil, das preferências e privilégios creditórios. Rio de Janeiro: Forense, 2004. 13º v. p. 70.
28
resultado não objetivando, mas previsível, desde que o agente se detivesse na consideração das conseqüências eventuais de sua atitude.
64
Verifica-se, ainda, que a culpa em sentido amplo engloba tanto a culpa
em sentido estrito como também o dolo. Por esta ótica, explana Maria Helena Diniz:
A culpa em sentido amplo, como violação de um dever jurídico, imputável a alguém, em decorrência de fato intencional ou de omissão de diligência ou cautela, compreende: o dolo, que é a violação intencional do dever jurídico, e a culpa em sentido estrito, caracterizada pela imperícia, imprudência ou negligência, sem qualquer deliberação de violar um dever.
65
Considerado isto, é a culpa um elemento infalível para a apreciação da
responsabilidade civil subjetiva e transubjetiva, pois sem esta, não há a possibilidade
de aferição da responsabilização a nenhum agente.
Visto os elementos essências para a perpetração da responsabilidade
civil, passa-se a expor a seguir sobre as modalidades de responsabilidade civil, as
quais se dividem em três modalidades distintas.
1.3 MODALIDADES DE RESPONSABILIDADE CIVIL
O instituto da responsabilidade civil possui a finalidade de restituir o status
quo anterior a qualquer ação ou omissão que venha a causar dano a outrem. Deste
modo, para melhor compreensão, este instituto encontra-se divido em modalidades,
que se encaixam nas situações pertinentes a sociedade.
Destarte, podemos dividir a responsabilidade civil em três modalidades
distintas: a) responsabilidade civil subjetiva; b) responsabilidade civil objetiva; e c)
responsabilidade civil transubjetiva.
64
DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. 6º ed. Rio de Janeiro: Forense, 1979. p. 136. 65
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 21ª ed. rev. e atual. de acordo com a reforma do CPC. São Paulo: Saraiva, 2007. 7º v. p. 41.
29
1.3.1 Responsabilidade civil subjetiva
A responsabilidade civil subjetiva inspira-se na idéia de culpa do agente
causador de um ato ilícito. Porém, para sua aplicação resta necessária a verificação
dos outros elementos inerentes a responsabilização, quais sejam, a existência do
dano e o nexo causal.66
Conforme exposto anteriormente, verifica-se que, no ordenamento jurídico
pátrio, a regra geral encontrada é a responsabilização subjetiva do agente. Isto, pois,
o Código Civil, através dos artigos 186 e 927, caput, prescreve, embora tacitamente,
que para a existência de ato ilícito faz-se necessária a culpa ou dolo do agente
ativo.67 Vejamos os citados artigos:
Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Observa-se, assim, que “a culpa está aqui inserida (e isso decorre dos
termos negligência e imprudência) como um dos elementos do ato ilícito, o que torna
imperativo concluir que temos, neste artigo 186, os pressupostos da
responsabilidade subjetiva”.68
Deste modo, havendo a pratica de um ato lesivo com culpa, a lei impõe
que tal ato deva ser reparado pelo autor do fato, partindo do pressuposto de que a
este havia a possibilidade de ter agido de forma diversa.69 Assim, cabe ao autor o
ônus de provar a culpa do réu, visto ser este um fato constitutivo à pretensão
66
MONTENEGRO, Magda. Meio ambiente e responsabilidade civil. São Paulo: IOB Thomson, 2005. p. 21. 67
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 21ª ed. rev. e atual. de acordo com a reforma do CPC. São Paulo: Saraiva, 2007. 7º v. p. 40. DIREITO, Carlos Alberto Menezes. CAVALIERI FILHO, Sérgio. Comentários ao novo Código Civil: da responsabilidade civil, das preferências e privilégios creditórios. Rio de Janeiro: Forense, 2004. 13º v. p. 60 e 61. 69
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 21ª ed. rev. e atual. de acordo com a reforma do CPC. São Paulo: Saraiva, 2007. 7º v. p. 39.
30
reparatória70, pois, se não obtiver sucesso na comprovação, “terá que se conformar
com a sua má sorte e sozinha suportar o prejuízo”.71
Destarte, para a verificação da culpa na prática do ato ilícito, conforme
assevera Magda Montenegro, tem-se um padrão abstrato, observando-se qual seria
o comportamento do homem considerado “normal” e o comportamento apresentado
pelo autor do dano.72
Vê-se, assim, que para a caracterização da responsabilidade civil
subjetiva
é necessário que haja uma ação ou omissão voluntária, que viole norma jurídica protetora de interesses alheios ou um direito subjetivo individual, e que o infrator tenha conhecimento da ilicitude de seu ato, agindo com dolo, se intencionalmente procura lesar outrem, ou culpa, se consciente dos prejuízos que advêm de seu ato, assume o risco de provocar evento danoso. Assim, a ação contrária ao direito, praticada sem que o agente saiba que é ilícita, não é ato ilícito, embora seja antijurídica. [...] Dever-se-á, então, verificar se o agente é imputável para efeitos de responsabilidade civil e se, em face da situação, podia ou devia ter agido de outra maneira.
73
Ademais, o sentido de culpa apreciado na responsabilidade civil subjetiva
é em seu sentido lato sensu, englobando, assim, a culpa stricto sensu e o dolo.
Examinando tal diferença, expõe Magda Montenegro:
Na comunidade social, incumbe a cada indivíduo o dever de praticar os atos da vida com as necessárias cautelas para que, do seu atuar, não resulte dano a bens jurídicos alheios. A culpa decorre da inobservância desse cuidado objetivo exigível do agente. Traduz a falta de diligência na observância de uma norma de conduta, o que lhe permitiria, caso se detivesse na consideração das conseqüências eventuais de sua atitude, prever o resultado danoso. Difere do dolo, caracterizado pela vontade consciente do agente de violar o direito e provocar o dano. Portanto, diz-se culposo o procedimento em que, através de um fazer ou não fazer, não objetivando um resultado nem assumindo o risco de produzi-lo, deixa o agente de observar mínimos, previsíveis, que deve ou deveria ter ciência, alcançando um resultado danoso.
74
Tem-se, assim, na culpa strictu sensu, a ocorrência de negligência,
imprudência ou até mesmo a imperícia.
70
GAGLIANO, Pablo Stolze. PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil. 3º v. responsabilidade civil. 4ª ed. rev. e atual. e reform. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 14. 71
DIREITO, Carlos Alberto Menezes. CAVALIERI FILHO, Sérgio. Comentários ao novo Código Civil: da responsabilidade civil, das preferências e privilégios creditórios. Rio de Janeiro: Forense, 2004. 13º v. p. 64. 72
MONTENEGRO, Magda. Meio ambiente e responsabilidade civil. São Paulo: IOB Thomson, 2005. p. 23. 73
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 21ª ed. rev. e atual. de acordo com a reforma do CPC. São Paulo: Saraiva, 2007. 7º v. p. 40. 74
MONTENEGRO, Magda. Meio ambiente e responsabilidade civil. São Paulo: IOB Thomson, 2005. p. 23.
31
A negligência é caracterizada pela não observação dos cuidados que
deveria proceder para a realização de determinada ação.75 Em outras palavras,
negligência “é a indiferença do agente que, podendo tomar as cautelas exigíveis,
não o faz, por displicência ou preguiça mental”.76
Imprudência seria a total falta de diligência na conduta do causador do
dano, no qual este atua de forma comissiva.77
Já a imperícia “decorre da falta de aptidão ou habilidade específica para a
realização de uma atividade técnica ou científica”.78 Verificando-se, deste modo, o
desarranjo do agente causador do dano.79
Considerando, assim, a comprovação de culpa do agente ativo, resta
apenas a confirmação do dano e o nexo causal entre eles, para que, nesta espécie
de modalidade de responsabilidade civil, a vítima se veja ressarcida de todos os
danos percebidos.
1.3.2 Responsabilidade civil objetiva
Vimos anteriormente que o instituto da responsabilidade civil, no momento
de sua criação, era puramente objetiva,80 não se fazendo necessária a comprovação
de culpa do agente ativo, bastava a realização do dano para que se buscasse a sua
reparação, sem qualquer fundamento.
75
GAGLIANO, Pablo Stolze. PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil. 3º v. responsabilidade civil. 4ª ed. rev. e atual. e reform. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 128. 76
MONTENEGRO, Magda. Meio ambiente e responsabilidade civil. São Paulo: IOB Thomson, 2005. p. 24. 77
MONTENEGRO, Magda. Meio ambiente e responsabilidade civil. São Paulo: IOB Thomson, 2005. p. 24. 78
GAGLIANO, Pablo Stolze. PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil. 3º v. responsabilidade civil. 4ª ed. rev. e atual. e reform. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 129. 79
MONTENEGRO, Magda. Meio ambiente e responsabilidade civil. São Paulo: IOB Thomson, 2005. p.24. 80
LOPES, Miguel Maria de Serpa. Curso de direito civil. 5º v. fontes acontratuais das obrigações: responsabilidade civil. 5ª ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2001. p. 163.
32
Contudo, com o passar dos anos e a tentativa de civilizar ainda mais a
humanidade, surge a responsabilidade civil subjetiva, fundada na comprovação de
culpa do causador do dano.
Porém, conforme a sociedade evoluía, tal fato também ocorria com o
instituto da responsabilidade civil, tendo este se destacado no direito civil como
sendo um dos institutos que mais se viu desenvolvido nos últimos anos, fazendo
com que diversas concepções, até então inalteradas, fossem superadas.81
Assim, com a evolução nas áreas industriais e tecnológicas e com a falta
de capacidade de englobar determinadas situações por parte da responsabilidade
civil subjetiva, surge para a sociedade, a necessidade da criação de outro instituto
que venha preencher as lacunas, para que não haja dano sem reparação.82 Nasce,
assim, a responsabilidade civil objetiva.
Sobre o surgimento da responsabilidade civil objetiva, discursam Carlos
Alberto Menezes Direito e Sérgio Cavalieri Filho:
É que a implantação da indústria, a expansão do maquinismo e a multiplicação dos acidentes deixaram exposta a insuficiência da culpa como fundamento único e exclusivo da responsabilidade civil. Pelo novo sistema, provados o dano e o nexo causal exsurge o dever de reparar, independentemente de culpa. O causador só se exime do dever de indenizar se provar a ocorrência de alguma das causas de exclusão do nexo causal: caso fortuito, força maior, fato exclusivo da vítima ou de terceiro.
83
Desta feita, a responsabilidade civil objetiva é a “obrigação de indenizar o
dano produzido por atividade exercida no interesse do agente e sob seu controle,
sem que haja qualquer indagação sobre o comportamento do lesante, fixando-se no
elemento objetivo”.84
Importante salientar que a responsabilidade civil objetiva funda-se na
teoria do risco da atividade, através do qual é levada em consideração a
81
STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil: responsabilidade civil e sua interpretação doutrinária e jurisprudencial. 5º ed. rev., atual. e ampl. do livro Responsabilidade civil e sua interpretação jurisprudencial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 107. 82
LISBOA, Roberto Senise. Manual elementar de direito civil. 2º v. obrigações e responsabilidade civil. 2ª ed. rev. e atual. em conformidade com o novo código civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 257-258. 83
DIREITO, Carlos Alberto Menezes. CAVALIERI FILHO, Sérgio. Comentários ao novo Código Civil: da responsabilidade civil, das preferências e privilégios creditórios. Rio de Janeiro: Forense, 2004. 13º v. p. 11. 84
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 21ª ed. rev. e atual. de acordo com a reforma do CPC. São Paulo: Saraiva, 2007. 7º v. p. 51.
33
potencialidade do risco que determinada atividade trará para os que ali
permanecem.85
Nas palavras de Maria Helena Diniz, “a responsabilidade objetiva funda-
se num princípio de eqüidade, existente desde o direito romano: aquele que lucra
com uma situação deve responder pelo risco ou pelas desvantagens dela
resultantes”.86
Mister deixarmos claro que a responsabilidade civil objetiva resulta do
risco da atividade do causador do dano e não de seu próprio comportamento,87 pois,
neste caso, a responsabilidade seria subjetiva e não objetiva.
É nesse sentido que o novo Código Civil dispõe sobre a responsabilidade
civil objetiva em seu artigo 927, parágrafo único. Vejamos:
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.
Observa-se, assim, que para a caracterização da responsabilidade civil
objetiva são necessários os seguintes elementos: a ocorrência do dano, o nexo
causal e a atividade geradora do risco desenvolvida pelo agente causador do
dano.88
Visto isso, pode-se afirmar que uma das principais diferenças entre a
responsabilidade civil subjetiva e a responsabilidade civil objetiva é que naquela o
dever de indenizar surge com a existência de um ato ilícito, havendo a necessidade
de comprovação da culpa, e neste, o dano surge de uma atividade considerada
lícita, cuja indenização pelo dano independe de culpa.89
85
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil. 7ª ed. 2ª reimpr. São Paulo: Atlas, 2007. 4º v. p. 09. 86
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 21ª ed. rev. e atual. de acordo com a reforma do CPC. São Paulo: Saraiva, 2007. 7º v. p. 50-51. 87
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 21ª ed. rev. e atual. de acordo com a reforma do CPC. São Paulo: Saraiva, 2007. 7º v. p. 51. 88
MONTENEGRO, Magda. Meio ambiente e responsabilidade civil. São Paulo: IOB Thomson, 2005. p. 32. 89
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 21ª ed. rev. e atual. de acordo com a reforma do CPC. São Paulo: Saraiva, 2007. 7º v. p. 53 e 54.
34
1.3.3 Responsabilidade civil transubjetiva
A responsabilidade civil transubjetiva não possui muito reconhecimento
doutrinário como sendo uma modalidade diversa de responsabilidade civil, sendo
muitas vezes posta como uma responsabilidade civil indireta ou, na forma mais
conhecida, como responsabilidade civil por fato de outrem. Porém, é necessário
discursarmos separadamente, porquanto o agente que irá responder pelo dano será
diverso daquele disposto pela responsabilidade civil subjetiva ou objetiva.
Tem-se na responsabilidade civil transubjetiva a junção entre
responsabilidade civil subjetiva e a responsabilidade civil objetiva, visto que há a
necessidade de comprovação de culpa do causador do dano, ao mesmo tempo em
que o terceiro será responsabilizado objetivamente, conforme discursaremos a
seguir.
Nesta esteira, explana Carlos Alberto Menezes Direito e Sérgio Cavalieri
Filho:
Não se olvide, entretanto, que objetiva é a responsabilidade dos pais, tutor curador e empregador, e não das pessoas pelas quais são responsáveis. Em qualquer dessas hipóteses, será preciso a prova de uma situação que, em tese, em condições normais configure a culpa do filho menor, do pupilo, do curatelado, como também do empregado (se for caso de responsabilidade subjetiva) [...] De onde se conclui que na responsabilidade pelo fato de outrem há, na realidade, o concurso de duas responsabilidades: a do comitente ou patrão, e a do preposto. A do primeiro é objetiva porque o comitente é garantidor, ou o assegurador das conseqüências danosas dos atos de seu agente; a do segundo é subjetiva porque, embora desnecessária a culpa do civilmente responsável (comitente), é indispensável em relação ao agente, autor do fato material (preposto, agente, etc.).
90
Esta espécie de modalidade seguirá os requisitos básicos encontrados na
responsabilidade civil, quais sejam, a comprovação de culpa, a ocorrência do dano e
nexo causal entre este e aquele. Contudo, conforme explicitado, o agente causador
do dano não será aquele que irá responder por este.
90
DIREITO, Carlos Alberto Menezes. CAVALIERI FILHO, Sérgio. Comentários ao novo Código Civil: da responsabilidade civil, das preferências e privilégios creditórios. Rio de Janeiro: Forense, 2004. 13º v. p. 201.
35
Deste modo, podemos definir a responsabilidade civil transubjetiva como
sendo a responsabilização civil imposta a alguém alheio ao dano, mas que o seu
causador seja subordinado a este, por algum vínculo jurídico.91
Nesta modalidade de responsabilidade civil, o responsável será o terceiro
alheio ao dano, o qual possui um vínculo com o seu causador, visto que “uma
pessoa é responsável quando suscetível de ser sancionada, independentemente de
ter cometido pessoalmente um ato antijurídico”.92
Na responsabilidade civil transubjetiva opera-se sobre três modalidades
diferentes de culpa, vale dizer, a culpa in vigilando, a culpa in eligendo e a culpa in
custodiendo.
A culpa in vigilando nada mais é do que a “falta de vigilância, de
fiscalização, em face da conduta de terceiro por quem nos responsabilizamos”.93
Para a sua caracterização, basta que a vítima prove que quem causou o dano foi
aquele em que se deveria fiscalizar. Deste modo, impõe-se automaticamente a culpa
de quem a lei indica como sendo o responsável.94
Tem-se, assim, a culpa derivada da lei,95 que se encontra
consubstanciada nos artigos 932 e 933 do Código Civil. Vejamos:
Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil:
I - os pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia;
II - o tutor e o curador, pelos pupilos e curatelados, que se acharem nas mesmas condições;
III - o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele;
IV - os donos de hotéis, hospedarias, casas ou estabelecimentos onde se albergue por dinheiro, mesmo para fins de educação, pelos seus hóspedes, moradores e educandos;
V - os que gratuitamente houverem participado nos produtos do crime, até a concorrente quantia.
91
MONTENEGRO, Magda. Meio ambiente e responsabilidade civil. São Paulo: IOB Thomson, 2005. p. 26. 92
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil. 7ª ed. 2ª reimpr. São Paulo: Atlas, 2007. 4º v. p. 04. 93
GAGLIANO, Pablo Stolze. PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil. 3º v. responsabilidade civil. 4ª ed. rev. e atual. e reform. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 130. 94
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil. 7ª ed. 2ª reimpr. São Paulo: Atlas, 2007. 4º v. p. 66. 95
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil. 7ª ed. 2ª reimpr. São Paulo: Atlas, 2007. 4º v. p. 67.
36
Art. 933. As pessoas indicadas nos incisos I a V do artigo antecedente, ainda que não haja culpa de sua parte, responderão pelos atos praticados pelos terceiros ali referidos.
Um exemplo clássico da culpa in vigilando, como visto nos citados artigos,
é a responsabilização dos pais pelos filhos menores que estiverem sob sua
autoridade e em sua companhia. Nesta redação, a priori, ter-se-ia a compreensão de
que somente se responsabiliza os pais quando estes se encontram na companhia
dos filhos no momento do dano. Contudo, os pais são responsáveis mesmo quando
não se encontram no momento da ocorrência do dano, uma vez que “essa
responsabilidade tem como base o exercício do poder familiar que impõe aos pais
um feixe enorme de deveres”.96
A culpa in eligendo trata-se da culpa envolvendo a escolha de empregado
ou representante,97 disposta no inciso III do citado artigo 932 do Código Civil98.
Há, ainda, a culpa in custodiendo que advém da falta de cautela sobre um
determinado animal ou objetivo que se encontra sob responsabilidade do agente.99
Assim, neste capítulo restou observado a evolução do instituto da
responsabilidade civil, os elementos essenciais para sua caracterização, bem como
as modalidades de responsabilidade civil, duas das quais se confrontam no tema
cardeal deste presente trabalho de conclusão de curso.
Deste modo, para a devida compreensão do problema apresentado neste
trabalho, passar-se-á a discussão sobre a atividade e a legislação desportiva,
apresentando, com isso, a sua devida importância para a sociedade.
96
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil. 7ª ed. 2ª reimpr. São Paulo: Atlas, 2007. 4º v. p. 71. 97
MONTENEGRO, Magda. Meio ambiente e responsabilidade civil. São Paulo: IOB Thomson, 2005. p. 26. 98
“Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil: [...] III - o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele;” 99
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 21ª ed. rev. e atual. de acordo com a reforma do CPC. São Paulo: Saraiva, 2007. 7º v. p. 45.
37
2. A ATIVIDADE E A LEGISLAÇÃO DESPORTIVA
Neste capítulo, iremos explanar inicialmente sobre a atividade desportiva
em si, apresentando a sua importância para a sociedade, visto que é capaz de
movimentar todas as classes sociais.
Versaremos, após, sobre a legislação desportiva brasileira, observando
seus princípios, fazendo uma breve explanação sobre o seu histórico e as principais
legislações que norteiam o futebol profissional no Brasil que possuem relevância
para o objetivo final deste trabalho de conclusão de curso.
2.1 A ATIVIDADE DESPORTIVA
A atividade desportiva, atualmente, é uma das maiores atividades sociais
humanas, englobando muitos campos de atuação, possuindo uma grande
capacidade de mobilizar e entreter a sociedade.100
Segundo Kátia Rúbio, o desporto pode ser conceituado como “um
fenômeno cultural complexo e de grande importância para a sociedade
contemporânea, capaz de anunciar e denunciar manifestações latentes nos diversos
grupos sociais”.101
100
TADEU, Silney Alves. Responsabilidade civil desportiva torcedor e consumidor. Academia Brasileira de Direito. Disponível em <http://www.abdir.com.br/doutrina/ver.asp?art_id=&categoria= Desportivo> . Acesso em: 23 de junho de 2010. 101
RUBIO, Kátia. O trabalho do atleta e a produção do espetáculo esportivo. Revista Electrónica de geografia y ciências sociales. Universidade de Barcelona: v.06, n.119(95), de 01 de agosto de 2002. Disponível em: < http://www.ub.es/geocrit/sn/sn119-95.htm>. Acesso em: 14 de junho de 2010.
38
Esta atividade possui tamanha importância social, que pode ser praticada
por qualquer pessoa, independentemente de classe social, raça, sexo, etc., podendo
ser praticada amadora ou profissionalmente.102
O desporto profissional possui ainda maior relevância à sociedade,
porquanto repassa a ela diversas formas necessárias ao seu desenvolvimento, seja
direta ou indiretamente.
O futebol profissional, por exemplo, se tornou uma indústria mundial de
entretenimento, proporcionando à sociedade diversos benefícios, entre eles,
empregos diretos e indiretos, gerando renda para muitas famílias, e movimentando
milhares de cifras entre diversos segmentos.103
Há muito o desporto de rendimento deixou de ser um desporto de
fenômeno individual e tornou-se um fenômeno de massas, envolvendo uma gama
de interesses, valores e aspirações.104
O desporto profissional, principalmente o futebol, mexe de tal forma com
os brios da sociedade, que muitas vezes surgem problemas gerados através da
atividade desportiva.
Vê-se que a culpa não é da atividade desportiva em si, mas dos
sentimentos gerados pelo resultado dela.
Tomando o futebol como exemplo, vê-se que, por diversas vezes,
ocorrem distúrbios antes, durante e após o fim da atividade desportiva.
Dessa maneira, surgiu a necessidade da existência de um direito do
torcedor, visto estar-se diante de uma atividade popular, de âmbito coletivo, motivo
pela qual deve-se manter a dignidade da pessoa, do cidadão e, de certa forma, do
consumidor.105
Mesmo sendo notória a importância do desporto para a sociedade, não há
muitas leis que o regem, o que dificulta a sua organização e a aplicação da justiça.
102
TADEU, Silney Alves. Responsabilidade civil desportiva torcedor e consumidor. Academia Brasileira de Direito. Disponível em <http://www.abdir.com.br/doutrina/ver.asp?art_id=&categoria= Desportivo> . Acesso em: 23 de junho de 2010. 103
STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência. 7º ed. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 930. 104
MELO FILHO, Álvaro. Direito desportivo: aspectos teóricos e práticos. São Paulo: IOB Thomson, 2006. p. 91. 105
MELO FILHO, Álvaro. Direito desportivo: aspectos teóricos e práticos. São Paulo: IOB Thomson, 2006. Prefácio.
39
Deste modo, o desporto brasileiro, e principalmente o futebol, tema principal deste
trabalho de conclusão de curso, não consegue atingir o patamar alcançado por
outros países que possuem uma legislação desportiva mais aprofundada.
Sobre tal matéria, discursa Álvaro Melo Filho:
Há um evidente despreparo do Judiciário para o trato das questões jurídico-desportivas, que exigem dos julgadores o conhecimento e a vivência de normas, práticas e técnicas desportivas a que, normalmente, não estão afeitos e familiarizados, criando, desse modo, um perigo extraordinário em termos de denegação de justiça, pois há peculiaridades da codificação desportiva compreendidas e explicadas somente por quem milita nos desportos.
106
Deste modo, para melhor compreensão da legislação desportiva
brasileira, apresenta-se, a seguir, os princípios que a norteiam e apresenta-se um
breve histórico, com o fito de demonstrar a escassez de legislação desportiva e a
sua evolução. Após, nos itens posteriores do capítulo, apresenta-se
especificadamente as principais legislações desportivas voltadas ao futebol
profissional.
2.2 A LEGISLAÇÃO DESPORTIVA
2.2.1 Princípios da legislação desportiva
Os princípios que norteiam a legislação desportiva brasileira não
apresentam grande densidade jurídica, embora arrolados no texto legal. Isto, pois,
será sempre plausível concluir de seus conteúdos que são “normas gerais”, sem
muito aprofundamento, “com muito mais condições de atuar tanto no plano da
justificação, quanto no plano da aplicação da novel consolidação jusdesportiva”.107
106
MELO FILHO, Álvaro. Novo regime jurídico do desporto: comentários à Lei 9.615 e suas alterações. Brasília: Brasília Jurídica, 2001. p. 263. 107
MELO FILHO, Álvaro. Direito desportivo: aspectos teóricos e práticos. São Paulo: IOB Thomson, 2006. p. 89.
40
Os princípios da legislação desportiva contêm uma paupérrima discussão
doutrinária, visto haver apenas um doutrinador que explana a respeito, qual seja,
Álvaro Melo Filho.
É mister dispormos que tal rol não é taxativo, mas sim, representa uma
amostra dos basilares princípios desportivos, o que garante uma melhor
compreensão da legislação desportiva.108
a) Princípio da universalidade:
Este princípio dimana do direito constitucional para o desporto, através do
qual garante-se a todos a possibilidade de realizar uma atividade desportiva.
Portanto, é obrigação estatal fomentar práticas desportivas formais e informais em
todos os níveis da federação, quais sejam, nível federal, estadual e municipal.109
O princípio da universalidade garante, também, que a prática desportiva
seja assegurada em todas as vertentes, seja de rendimento, de educação, ou por
lazer.110
b) Princípio da autonomia desportiva:
Dito princípio está presente na Constituição Federal por meio do art. 217,
inciso I, no qual estabelece a proibição por parte do Poder Público de se “intrometer”
na atividade desportiva, na sua forma de organização.111
Deste modo, cabe somente às entidades desportivas se organizarem para
atingir seus objetivos, preservando o desporto de qualquer imposição política.112
c) Princípio da descentralização:
Determinado princípio dispõe sobre a estrutura das entidades desportivas
dirigentes, ou seja, aqueles que vêm organizar o desporto brasileiro, fazendo com
que tal poder não se restrinja a somente uma entidade desportiva dirigente.113
108
MELO FILHO, Álvaro. Direito desportivo: aspectos teóricos e práticos. São Paulo: IOB Thomson, 2006. p. 93. 109
MELO FILHO, Álvaro. Direito desportivo: aspectos teóricos e práticos. São Paulo: IOB Thomson, 2006. p. 89. 110
MELO FILHO, Álvaro. Direito desportivo: aspectos teóricos e práticos. São Paulo: IOB Thomson, 2006. p. 89. 111
MELO FILHO, Álvaro. Direito desportivo: aspectos teóricos e práticos. São Paulo: IOB Thomson, 2006. p. 90. 112
MELO FILHO, Álvaro. Direito desportivo: aspectos teóricos e práticos. São Paulo: IOB Thomson, 2006. p. 90.
41
Tem-se no país diversas entidades desportivas dirigentes, tais como
confederações, federações, ligas e clubes, organizados autonomamente, havendo
vinculação entre elas, resultando em uma estrutura piramidal.114
d) Princípio do reconhecimento do olimpismo:
Tal princípio vem garantir o apoio estatal ao Comitê Olímpico Brasileiro
(COB) e ao Comitê Paraolímpico Brasileiro (CPB), que são as entidade brasileiras
filiadas à Carta Olímpica, para a preparação e participações olímpicas.115
e) Princípio da pluralidade da atividade desportiva:
Dito princípio tem como escopo garantir que o Estado fomente as práticas
desportivas em todas as suas formas, quais sejam, de participação, de educação e
de rendimento.116
f) Princípio da proteção da Justiça Desportiva:
Este princípio vem garantir o papel da Justiça Desportiva dado pela
Constituição Federal, no qual a Justiça Comum somente irá admitir demandas
desportivas após o esgotamento das instâncias nas esferas desportivas.117
g) Princípio da transparência da gestão desportiva:
Mencionado princípio diz respeito à transparência na gestão das
entidades desportivas, devendo haver publicidade e controle dos recursos
financeiros ali aportados.118
h) Princípio do estímulo à prática desportiva:
Determinado princípio vem assegurar que os ditames encontrados na
legislação desportiva, os quais dizem respeito ao desenvolvimento de jovens
talentos desportivos, sejam cumpridos, como, por exemplo, o benefício da bolsa-
113
MELO FILHO, Álvaro. Direito desportivo: aspectos teóricos e práticos. São Paulo: IOB Thomson, 2006. p. 90. 114
MELO FILHO, Álvaro. Direito desportivo: aspectos teóricos e práticos. São Paulo: IOB Thomson, 2006. p. 90. 115
MELO FILHO, Álvaro. Direito desportivo: aspectos teóricos e práticos. São Paulo: IOB Thomson, 2006. p. 91. 116
MELO FILHO, Álvaro. Direito desportivo: aspectos teóricos e práticos. São Paulo: IOB Thomson, 2006. p. 91. 117
MELO FILHO, Álvaro. Direito desportivo: aspectos teóricos e práticos. São Paulo: IOB Thomson, 2006. p. 91. 118
MELO FILHO, Álvaro. Direito desportivo: aspectos teóricos e práticos. São Paulo: IOB Thomson, 2006. p. 91.
42
atleta. Esta colaboração dá-se através de incentivos fiscais, que com o passar dos
tempos, caracteriza-se como investimento.119
i) Princípio da diferenciação desportiva:
Tal princípio prevê um tratamento desigual para atividades desportivas
praticadas profissional e amadoramente, porquanto ser sua realidade e organização
diferentes um do outro. Vemos, assim, ser “inadmissível um modelo legal uniforme e
estandardizado para o desporto praticado de modo profissional e não-profissional,
de onde se conclui pela necessidade de um tratamento desigual das distintas
estruturas e formas de prática desportiva”.120
j) Princípio da inclusão social pelo desporto:
Tal princípio vem asseverar a preocupação da legislação desportiva em
facilitar a participação nas atividades desportivas pelas classes menos abastadas da
sociedade brasileira, sem qualquer discriminação ou distinção. Temos, assim, a
chamada “função social do desporto”, pelo qual todos podem usufruir das atividades
desportivas.121
Portanto, após a exposição dos basilares princípios da legislação
desportiva, passa-se a explanar sobre o histórico da legislação desportiva brasileira.
2.2.2 Histórico da legislação desportiva brasileira
A primeira norma-regulamentadora do direito desportivo brasileiro nasceu
com o Decreto-lei nº. 3.199, editada em 14 de abril de 1941, época em que se
encontrava no poder o ditador Getúlio Vargas. Tal norma era praticamente uma
119
MELO FILHO, Álvaro. Direito desportivo: aspectos teóricos e práticos. São Paulo: IOB Thomson, 2006. p. 92. 120
MELO FILHO, Álvaro. Direito desportivo: aspectos teóricos e práticos. São Paulo: IOB Thomson, 2006. p. 92. 121
MELO FILHO, Álvaro. Direito desportivo: aspectos teóricos e práticos. São Paulo: IOB Thomson, 2006. p. 92.
43
cópia da legislação vigente na Itália, local em que se encontrava no poder o regime
fascista, sendo, assim, uma legislação autoritária.122
Pode-se verificar o autoritarismo imposto pelo Decreto-lei nº. 3.199, em
seu corpo que, ao criar o Conselho Nacional de Desportos, deu-lhe competência
para
Incentivar, por todos os meios, o desenvolvimento do amadorismo, como prática de desportos educativos por excelência e ao mesmo tempo exercer rigorosa vigilância sobre o profissionalismo, com o objetivo de mantê-lo dentro dos princípios da estrita moralidade.
123 (grifo nosso).
Sob tal norma, o desporto brasileiro era regido pelo Estado, que
organizava e regulamentava a atividade desportiva jurídica e administrativamente,
não dando espaço para a livre iniciativa.124
As relações existentes entre os atletas e as entidades esportivas
passaram a ser mais valorizadas com o advento do Decreto-Lei nº. 5.342 de 25 de
março de 1943, o qual exigiu que tal relação deveria ser exteriorizada através de
contratos, e que estes devessem ser registrados no Conselho Nacional de Desporto,
ou ainda, nos Conselhos Regionais de Desportos.125
Através deste Decreto, surgiram diversos institutos no desporto
profissional, tais como a condição de jogo, que era uma seleção de requisitos que os
atletas deveriam cumprir para estarem devidamente inscritos e regularizados; a
criação da carteira de atleta, que se tornou imprescindível para o registro do contrato
do atleta profissional; e a ampliação da competência do Conselho Nacional de
Desportos, passando este a estabelecer normas sobre transferências de atletas de
uma entidade desportiva para outra.126
O primeiro diploma legislativo que veio a tratar especificadamente sobre o
futebol profissional foi o Decreto-lei nº. 51.008 de 21 de julho de 1961, que institui
122
AIDAR, Carlos Miguel Castex. Lei Pelé, principais alterações IN YOCHITAKE, Joaquim (COORD.). Direito desportivo. Campinas: Editora Jurídica Mizuno, 2000. p. 18. 123
CARVALHO, Alcirio Dardeau de. Comentários à lei sobre desportos: Lei nº. 9.615, de 24 de março de 1998. Rio de Janeiro: Destaque, 2000. p. 77. 124
AIDAR, Carlos Miguel Castex. Lei Pelé, principais alterações IN YOCHITAKE, Joaquim (COORD.). Direito desportivo. Campinas: Editora Jurídica Mizuno, 2000. p. 18. 125
CARVALHO, Alcirio Dardeau de. Comentários à lei sobre desportos: Lei nº. 9.615, de 24 de março de 1998. Rio de Janeiro: Destaque, 2000. p. 78. 126
CARVALHO, Alcirio Dardeau de. Comentários à lei sobre desportos: Lei nº. 9.615, de 24 de março de 1998. Rio de Janeiro: Destaque, 2000. p. 78.
44
um intervalo mínimo entre as realizações das partidas de futebol e o recesso
obrigatório para todos os atletas vinculados a entidades desportivas do país.127
Em 24 de março de 1964, surge outra norma legislativa voltada a
regulamentar o futebol, o Decreto nº. 53.820, sendo considerada a mais importante
norma para esta atividade desportiva até o surgimento da Lei nº. 6.251/75, que
veremos a seguir.128
Este Decreto veio dar efetividade e segurança às relações entre atletas
profissionais e as entidades desportivas, regulamentando as transferências de
atletas e o recesso obrigatório.129
Neste sentido, explana Alcirio Dardeau de Carvalho:
O atleta profissional de futebol, pelo Decreto nº. 53.820/64, obteve do poder público dois importantes e fundamentais direitos, talvez os maiores desde que o profissionalismo foi introduzido no país: o direito à percepção de 15% sobre o valor de sua cessão para outra associação e o direito de ser previamente consultado, sob pena de nulidade de transação, quando o clube a que estiver vinculado pretender utilizar-se da faculdade de cedê-lo.
130
Na década de 1970, com a mudança na ordem política brasileira, surge a
Lei nº. 6.251 de 06 de outubro de 1975, que veio substituir o Decreto-Lei nº. 3.199
de 1941. Como o Brasil ainda vivia sobre o regime de “mão forte” do Estado, sendo
desta vez a ditadura militar, tal legislação não diferiu muito da anterior, mantendo,
assim, o Estado como organizador e regulamentador da atividade desportiva.131
Nesta esteira, expõe Carlos Miguel Castex Aidar:
Não era dado por exemplo, ao Corinthians ou ao São Paulo ou a um clube de menor expressão seja ele qual fosse, se organizar de acordo com a sua necessidade, todos tinham que se organizar da mesma maneira, todos tinham que ter a sua quantidade de sócios e todos tinham que ter no mínimo vinte conselheiros, no máximo trezentos em razão da quantidade de milhares de sócios, para cada milhar era um limite de vinte conselheiros, até o limite de trezentos. De forma que, era muito difícil os clubes se organizarem livremente.
127
CARVALHO, Alcirio Dardeau de. Comentários à lei sobre desportos: Lei nº. 9.615, de 24 de março de 1998. Rio de Janeiro: Destaque, 2000. p. 79. 128
CARVALHO, Alcirio Dardeau de. Comentários à lei sobre desportos: Lei nº. 9.615, de 24 de março de 1998. Rio de Janeiro: Destaque, 2000. p. 79. 129
CARVALHO, Alcirio Dardeau de. Comentários à lei sobre desportos: Lei nº. 9.615, de 24 de março de 1998. Rio de Janeiro: Destaque, 2000. p. 79. 130
CARVALHO, Alcirio Dardeau de. Comentários à lei sobre desportos: Lei nº. 9.615, de 24 de março de 1998. Rio de Janeiro: Destaque, 2000. p. 81. 131
AIDAR, Carlos Miguel Castex. Lei Pelé, principais alterações IN YOCHITAKE, Joaquim (COORD.). Direito desportivo. Campinas: Editora Jurídica Mizuno, 2000. p. 19.
45
Ademais, a Lei nº. 6.251 dava maior ênfase no desporto amador,
possuindo pouquíssimos artigos reverentes ao desporto profissional.132
Destarte, com o advindo da Constituição Federal de 1988, mais
precisamente com o art. 217, o desporto brasileiro ganhou uma nova garantia.
Assim, passou a ser dever do Estado fomentar a atividade desportiva,
proporcionando às entidades desportivas autonomia para a sua organização.
Por isso, nasce um movimento no Estado de São Paulo para modificar a
realidade fática do futebol profissional, visto que mesmo com a letra do art. 217, os
clubes de futebol profissional não possuíam a autonomia necessária para se
organizarem de acordo com suas vontades.133
Tal movimento deu ensejo à criação da Lei nº. 8.672 de 06 de julho de
1993, mais conhecida como Lei Zico.134 Esta lei veio dar cumprimento ao art. 217 da
Constituição Federal de 1988, deixando este de ser considerado como letra
morta.135
O projeto elaborado para a criação da Lei nº. 8.672, já previa a adaptação
da legislação desportiva brasileira ao sistema desportivo mundial moderno,
buscando facilitar a incrementação de investimento no desporto através de
parcerias, criando-se, assim, o chamado “clube empresa”.136
A Lei 8.672 reinou vigente até a criação da Lei 9.615 de 24 de março de
1998, que ficou conhecida como Lei Pelé. Este foi o primeiro corpo de normas a
dispor, mesmo que de forma indireta, sobre a responsabilidade civil no âmbito
desportivo.
Essa lei também teve o intuito de modernizar o futebol profissional
brasileiro, mas recebeu diversas críticas, sendo considerada por Álvaro Melo Filho,
132
AZEVÊDO, Paulo Henrique. A gestão profissional do esporte. Gestão e marketing do esporte. Disponível em < http://gesporte.blogspot.com/2007/03/gesto-profissional-do-esporte.html >. Acesso em: 21 de junho de 2010. 133
AIDAR, Carlos Miguel Castex. Lei Pelé, principais alterações IN YOCHITAKE, Joaquim (COORD.). Direito desportivo. Campinas: Editora Jurídica Mizuno, 2000. p. 19. 134
AIDAR, Carlos Miguel Castex. Lei Pelé, principais alterações IN YOCHITAKE, Joaquim (COORD.). Direito desportivo. Campinas: Editora Jurídica Mizuno, 2000. p. 19. 135
AIDAR, Carlos Miguel Castex. Lei Pelé, principais alterações IN YOCHITAKE, Joaquim (COORD.). Direito desportivo. Campinas: Editora Jurídica Mizuno, 2000. p. 19. 136
AIDAR, Carlos Miguel Castex. Lei Pelé, principais alterações IN YOCHITAKE, Joaquim (COORD.). Direito desportivo. Campinas: Editora Jurídica Mizuno, 2000. p. 20.
46
principal doutrinador da área desportiva, como “„clonagem jurídica‟ de 58% da „Lei
Zico‟, trazendo como inovações algumas „contribuições de pioria‟”.137
As “contribuições de pioria”, relatadas pelo autor, seriam as principais
inovações trazidas pela chamada Lei Pelé, quais sejam, o fim do “passe”, fazendo
com que os jogadores de futebol profissional não mais ficassem restritos ao clube
em que atuem; e a obrigatoriedade de transformação dos clubes de futebol em
empresas.138
Somente no dia 14 de julho de 2000 é promulgada a Lei 9.981, a qual
veio desobrigar os clubes de futebol a se transformarem em clube-empresa,
revogando o art. 27 da Lei Pelé. Deste modo, passou a ser condição facultativa aos
clubes de futebol a transformação em clube-empresa.139
De todas as leis apresentadas aqui até o momento, apenas a Lei Pelé
dispunha, mesmo que de forma indireta, sobre a sobre responsabilidade civil em
espetáculos desportivos. Dessa forma, através do art. 42, §3º da citada lei, aplicava-
se a Lei nº. 8.078 de 11 de setembro 1990, que é conhecida como Código de Defesa
do Consumidor, no que tange a essa matéria.
Após, em 15 de maio de 2003, adveio a Lei nº. 10.671, mais conhecida
como Estatuto de Defesa do Torcedor. Tal legislação trouxe em seu corpo a
discussão da responsabilidade civil dos organizadores do espetáculo desportivo e da
entidade detentora do mando de campo. Porém, há a discussão sobre qual
modalidade de responsabilidade civil deve-se aplicar a tal matéria, fato este que
gerou a controvérsia presente neste trabalho de conclusão de curso.
Diversos dispositivos do Estatuto de Defesa do Torcedor foram
modificados pela Lei nº. 12.299 de 27 de julho de 2010. No entanto, em nada se
modificou a discussão sobre a responsabilidade civil.
Visto isso, passaremos a explanar especificadamente sobre as principais
legislações desportivas voltadas ao futebol.
137
MELO FILHO, Álvaro. Direito desportivo: aspectos teóricos e práticos. São Paulo: IOB Thomson, 2006. p. 66. 138
MELO FILHO, Álvaro. Direito desportivo: aspectos teóricos e práticos. São Paulo: IOB Thomson, 2006. p. 66. 139
SANTOS, Antônio Sérgio Figueiredo. Prática desportiva: lei Pelé com alterações da lei 9.981, de 14/072000. Belo Horizonte: Inédita, 2001. p. 24.
47
2.2.3 Lei Zico – Lei nº. 8.672/93
A Lei nº. 8.672 de 06 de julho de 1993, conhecida como Lei Zico, surgiu
devido a um movimento realizado no Estado de São Paulo, o qual visava acabar
com a intervenção do Estado no futebol, dando autonomia para os clubes se
organizarem da forma que melhor lhes aprouvesse.140
A Constituição Federal de 1988 foi a primeira constituição brasileira a
contemplar o desporto, passando a possuir um dispositivo específico, o art. 217. Tal
dispositivo resolve que é dever do Estado fomentar práticas desportivas formais e
não formais, porém, sem se intermeter na organização das entidades e competições
desportivas.
O art. 217 da Constituição Federal estabeleceu que o Poder Judiciário só
admitirá ações referentes à matéria desportiva após o esgotamento das instâncias
específicas da justiça desportiva, sendo que esta possui prazo de 60 (sessenta)
dias, a partir da instauração do processo, para proferir a decisão final.
Dessa maneira, restou incumbida a criação do projeto para esta lei, no
qual já se objetivava a modernização do cenário legislativo desportivo brasileiro,
dando autonomia aos clubes de futebol e criando o chamado clube empresa.141
Assim, a Lei Zico surgiu com o propósito de dar cumprimento ao disposto
no art. 217 do Constituição Federal, com o escopo de difundir a organização e
funcionamento do futebol brasileiro, retirando do Estado esta função.142
Dito corpo de normas ficou conhecido como Lei Zico, pois este foi
convidado pelo então Presidente da República, Fernando Collor de Melo, a ser o
primeiro secretário de esportes, após a criação da Secretaria Especial dos Esportes,
o que retirou a matéria desportiva do âmbito do Ministério da Educação e Cultura.143
140
AIDAR, Carlos Miguel Castex. Lei Pelé, principais alterações IN YOCHITAKE, Joaquim (COORD.). Direito desportivo. Campinas: Editora Jurídica Mizuno, 2000. p. 19. 141
AIDAR, Carlos Miguel Castex. Lei Pelé, principais alterações IN YOCHITAKE, Joaquim (COORD.). Direito desportivo. Campinas: Editora Jurídica Mizuno, 2000. p. 19-20. 142
AIDAR, Carlos Miguel Castex. Lei Pelé, principais alterações IN YOCHITAKE, Joaquim (COORD.). Direito desportivo. Campinas: Editora Jurídica Mizuno, 2000. p. 24-25. 143
AIDAR, Carlos Miguel Castex. Lei Pelé, principais alterações IN YOCHITAKE, Joaquim (COORD.). Direito desportivo. Campinas: Editora Jurídica Mizuno, 2000. p. 20.
48
Com a chegada desta lei, criaram-se normas gerais sobre desporto,
garantidas constitucionalmente, abrindo espaço para a autonomia desportiva.144
Verifica-se, assim, que:
Com a „Lei Zico‟ o conceito de desporto, antes adstrito e centrado apenas no rendimento, foi ampliado para compreender o desporto na escola e o desporto de participação e lazer; a Justiça Desportiva ganhou uma estruturação mais consistente; permitiu-se que o voto nos entes desportivos pudesse ser singular ou plural transitório; facultou-se ao clube profissional transforma-se, constituir-se ou contratar sociedade comercial; em síntese, reduziu-se drasticamente a interferência do Estado, fortalecendo a iniciativa privada e o exercício da autonomia no âmbito desportivo, exemplificada, ainda, pela extinção do velho Conselho Nacional de Desporto, criado no Estado Novo e que nunca perdeu o estigma de órgão disciplinador e controlador do sistema desportivo, de visível atuação cartorial e policialesca.
145
Desta forma, através do art. 217 da Constituição Federal e a promulgação
da Lei Zico, houve grandes mudanças no futebol brasileiro, consagrando-se a justiça
desportiva, a qual adquiriu uma estrutura mais sólida.146
2.2.4 Lei Pelé – Lei nº. 9.615/98
A Lei nº. 9.615 de 24 de março de 1998 foi instituída com o propósito de
modificar completamente o futebol brasileiro, trazendo em seu corpo diversas
inovações, mas sendo muito criticada pela doutrina.
Como já afirmado anteriormente, as inovações trazidas pela Lei Pelé,
como o fim do “passe” e a obrigatoriedade de transformação dos clubes de futebol
em clube-empresa, foram consideradas como “contribuições de pioria” por parte da
doutrina, mas tinham como escopo aproximar a realidade do futebol brasileiro à
realidade européia.
144
MELO FILHO, Álvaro. Direito desportivo: aspectos teóricos e práticos. São Paulo: IOB Thomson, 2006. p. 66. 145
MELO FILHO, Álvaro. Direito desportivo: aspectos teóricos e práticos. São Paulo: IOB Thomson, 2006. p. 66. 146
AIDAR, Carlos Miguel Castex. Lei Pelé, principais alterações IN YOCHITAKE, Joaquim (COORD.). Direito desportivo. Campinas: Editora Jurídica Mizuno, 2000. p. 21.
49
No entanto, esta lei foi a primeira da legislação brasileira a dispor
realmente sobre responsabilidade civil no âmbito desportivo, no qual, através do art.
42, §3º, equiparou o torcedor pagante ao conceito de consumidor estabelecido pelo
Código de Defesa do Consumidor, criado em 11 de setembro de 1990.
Deste modo, a aplicação do Código de Defesa do Consumidor restou
expressa também para os fatos ocorridos dentro dos eventos desportivos.
Com relação ao fim do “passe”, tal fato veio terminar qualquer relação
existente no mundo contemporâneo que buscasse a perpetuação de um vínculo
permanente. Essa alteração tinha como fundamento a liberdade, um preceito
constitucional de grande estima, preceito este que acabaria por derrubar essa
política do “passe”, seja através do legislador, como ocorreu, seja através do
judiciário.147
Nessa esteira, dispõe Gilmar Ferreira Mendes:
O passe é um instituto um tanto complicado de justificar, já à luz da própria Constituição: essa idéia de um vínculo permanente, de submissão quase absoluta do cidadão a outro é de difícil justificação no mundo hodierno. Alguns falam – até com exagero, pelo menos em relação aos casos de escola – que era uma das últimas relações de servidão, de servitude, de escravidão que remanescia.
148
Entretanto, parte da doutrina credita tal modificação como sendo
prejudicial aos clubes de futebol profissional brasileiros. É o caso do célebre
doutrinador desportivo Álvaro Melo Filho, no qual explana que:
Quanto à supressão do “passe”, tal “desapropriação desportiva”, sem indenização, não surtiu qualquer efeito positivo. Ao revés, a “servidão” ou “escravidão” que prendia os atletas aos clubes, apenas mudou de “senhorio” ou de “feitor”. Ou seja, os atletas livraram-se do “passe”, mas ficaram reféns dos empresários, agentes e procuradores que passaram a “controlá-los” como se fossem sua “propriedade”, exercitando, na prática, um autêntico “canibalismo desportivo”.
149
Com o fim do “passe”, os atletas de futebol, restarão igualmente
condicionados aos demais trabalhadores brasileiros, no qual é de livre escolha o
exercício de qualquer trabalho, como dispõe o art. 5º, XIII da Constituição Federal.150
147
MENDES, Gilmar Ferreira. Tendências e Expectativas do Direito Desportivo. Direito Desportivo. Campinas, Mizuno, 2000. p. 272. 148
MENDES, Gilmar Ferreira. Tendências e Expectativas do Direito Desportivo. Direito Desportivo. Campinas, Mizuno, 2000. p. 272. 149
MELO FILHO, Álvaro. Direito desportivo: aspectos teóricos e práticos. São Paulo: IOB Thomson, 2006. p. 79. 150
SANTOS, Antônio Sérgio Figueiredo. Prática desportiva: lei Pelé com alterações da lei 9.981, de 14/072000. Belo Horizonte: Inédita, 2001. p. 29.
50
Outro ponto de controvérsia da Lei Pelé foi a obrigatoriedade de
transformação dos clubes em clube-empresa, visando profissionalizar os dirigentes
desportivos. Isto, pois, conforme dispõe Antônio Sérgio Figueiredo Santos:
A partir das incursões de clubes europeus, supervalorizando os atletas brasileiros, o nosso futebol entrou num processo de inviabilidade financeira exercendo um papel de mero revelador de “craques” para toda a Europa. Diante de tal situação, a transformação do clube-empresa foi a saída plausível para o restabelecimento das entidades de prática desportiva.
151
Tal obrigatoriedade foi posta como inconstitucional pela doutrina, visto
que a Constituição Federal, em seu art. 217, I dispõe sobre a autonomia das
entidades e dirigentes desportivos quanto à organização e funcionamento das
entidades e competições.152
Seguindo tal pensamento explana Álvaro Melo Filho:
Já no tocante à obrigatoriedade de transformação do clube em empresa, sua cogência era de visível inconstitucionalidade, por malferir os princípios constitucionais da liberdade de associação (art. 5º, XVII) e da autonomia desportiva (art. 217, I), até porque obrigar todo clube profissional a se transformar em empresa é tão inconstitucional quanto seria obrigar toda empresa transforma-se em clube profissional. Aliás, não é o fato de ser clube-empresa que assegura profissionalismo, credibilidade e honestidade de seus dirigentes, como atestam a Encol, as contas fantasmas dos bancos e os “caixas 2” das empresas, sem deslembrar que os grandes escândalos financeiros mundiais ocorreram entre sociedades empresariais.
153
Buscando cumprir o preceito constitucional, cria-se a Lei 9.981 de 14 de
julho de 2000, a qual veio desobrigar os clubes de futebol a se transformar em
clube-empresa.
A citada lei revogou o art. 27 da Lei Pelé, tornando a obrigatoriedade em
uma mera condição facultativa aos clubes de futebol, retornando a eles a autonomia
uma vez perdida com o advento da Lei Pelé. Assim, cabe à entidade desportiva a
opção de transformação em clube-empresa, restando reformada a
inconstitucionalidade apontada.154
151
SANTOS, Antônio Sérgio Figueiredo. Prática desportiva: lei Pelé com alterações da lei 9.981, de 14/072000. Belo Horizonte: Inédita, 2001. p. 23. 152
SANTOS, Antônio Sérgio Figueiredo. Prática desportiva: lei Pelé com alterações da lei 9.981, de 14/072000. Belo Horizonte: Inédita, 2001. p. 23 e 24. 153
MELO FILHO, Álvaro. Direito desportivo: aspectos teóricos e práticos. São Paulo: IOB Thomson, 2006. p. 80. 154
SANTOS, Antônio Sérgio Figueiredo. Prática desportiva: lei Pelé com alterações da lei 9.981, de 14/072000. Belo Horizonte: Inédita, 2001. p. 24.
51
2.2.5 Código de defesa do consumidor – Lei nº. 8.078/90
O Código de Defesa do Consumidor, instituído pela Lei nº. 8.078 de 11 de
setembro de 1990, vem disciplinar matérias relevantes ao cotidiano da sociedade,
tendo em vista que esta necessita de produtos e serviços para seu melhor
desenvolvimento.155
Havendo uma desigualdade econômica, é dever do Estado Social intervir
nesta relação, exigindo retribuição de um para outro através das leis. O Estado
Social deve preocupar-se com o acúmulo de riqueza em detrimento do
empobrecimento do outro.156
A defesa do consumidor surge da grande distância existente entre a figura
do consumidor e a figura do fornecedor, no qual se tem o consumidor como ser
vulnerável da relação negocial.157
Tal instituto estipulou a responsabilidade civil na relação consumerista,
sendo, na sua grande maioria, aplicada na modalidade objetiva, visto buscar o
equilíbrio entre os dois nortes desta relação.158
Conforme visto, a responsabilidade civil no âmbito do espetáculo
desportivo não foi lembrada, diretamente, em nenhuma lei apresentada até o
momento.
Deste modo, com a promulgação da Lei nº. 8.078/90, passou-se a aplicá-
la analogicamente ao futebol profissional, porquanto esta lei trouxe a definição de
consumidor e fornecedor, sendo considerado a entidade desportiva como
fornecedora de um serviço.159
155
FILOMENO, José Geraldo Brito. Curso fundamental de direito do consumidor. São Paulo: Atlas, 2007. p. 01. 156
FILOMENO, José Geraldo Brito. Curso fundamental de direito do consumidor. São Paulo: Atlas, 2007. p. 13. 157
FILOMENO, José Geraldo Brito. Curso fundamental de direito do consumidor. São Paulo: Atlas, 2007. p. 03. 158
KHOURI, Paulo Roberto Roque Antonio. Direito do consumidor: contratos, responsabilidade civil e defesa do consumidor em juízo. 4ª ed. rev. atual. e ampli. São Paulo: Atlas, 2009. p. 154. 159
DUARTE, Haroldo Augusto da Silva Teixeira. Comentários às disposições de responsabilidade civil da Lei nº 10.671/03 (Estatuto de Defesa do Torcedor). Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 206, 28 jan. 2004. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4726>. Acesso em: 24 set. 2010.
52
Após o advento da Lei Pelé, o instituto consumerista passou a ter mais
força na aplicação aos espetáculos desportivos, tendo em vista o art. 42, §3º da
citada lei, o qual equiparou os torcedores pagantes ao conceito de consumidor
disposto pela Lei nº. 8.078/90.
A definição do sujeito tutelado pelo direito do consumidor não ocorre em
apenas um artigo, mas sim, aparece no seu art. 2º, caput, e parágrafo único, art. 17
e art. 29, conforme se verifica nas transcrições abaixo.
Art. 2° Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.
Parágrafo único. Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo.
Art. 17. Para os efeitos desta Seção, equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento.
Art. 29. Para os fins deste Capítulo e do seguinte, equiparam-se aos consumidores todas as pessoas determináveis ou não, expostas às práticas nele previstas.
Buscando apresentar uma idéia das noções trazidas pelo Código de
Defesa do Consumidor, Cláudia Lima Marques explica:
O consumidor é uma definição também ampla em seu alcance material. No Código de Defesa do Consumidor, o consumidor não é uma definição meramente contratual (o adquirente), mas visa também proteger as vítimas dos atos ilícitos pré-contratuais, como a publicidade enganosa, e das práticas comerciais abusivas, sejam ou não compradoras, sejam ou não destinatárias finais. Visa também defender toda uma coletividade vítima de uma publicidade ilícita, [...] assim como todas as vítimas do fato do produto e do serviço, isto é, dos acidentes de consumo [...].
160
As definições trazidas no art. 2º, parágrafo único, art. 17 e art. 29 são
consideradas de consumidores equiparados. Desse modo, verifica-se o grande rol
de sujeitos tutelados pelo direito do consumidor, de modo que a coletividade, a
vítima de um produto ou serviço, assim como todas as pessoas expostas a qualquer
prática prevista no Código de Defesa do Consumidor, são amparadas pela
legislação mais benéfica, no sentido de trazer igualdade material, trazida pelo
Código.161
Além disso, percebe-se que o conceito de consumidor deixa dúvidas
quando trazido no art. 2º do Código de Defesa do Consumidor, especialmente
160
BENJAMIM, Antônio Herman V.; BESSA, Leonardo Roscoe; MARQUES, Cláudia Lima. Manual de direito do consumidor. 2.ed.rev. atual.e ampl.São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009. p.69. 161
SIMÃO, José Fernando. Vícios do produto no novo código civil e no código de defesa do consumidor. São Paulo: Atlas, 2003. p. 29.
53
quando menciona “destinatário final”. Com base na interpretação desta expressão
surgiram duas teorias: a teoria finalista e a teoria maximalista.162
Incumbe ressaltar que tanto a teoria finalista como a maximalista
entendem como destinatário final dos produtos ou serviços aquele que retira o bem
do mercado, surgindo a divergência no que se refere ao fato de o sujeito adquirir o
bem em sua profissão, com o fim de lucro.163
A teoria maximalista entende que a definição do art. 2º do Código de
Defesa do Consumidor é objetiva, não importando se o adquirente do produto visa
utilizá-lo no seu serviço ou tenha o fim de lucro. Destarte, consumidor seria o
destinatário fático, ou seja, aquele que simplesmente o retira do mercado e o
utiliza164, “encerrando objetivamente a cadeia produtiva em que inseridos o
fornecimento do bem ou a prestação de serviços”.165
A teoria finalista, por sua vez, é baseada no elemento subjetivo, isto é,
não basta ser o adquirente o destinatário fático do produto, mas sim, deve ser
também destinatário econômico do produto, sendo “necessário não adquiri-lo para
revenda, não adquiri-lo para uso profissional, pois o bem seria novamente um
instrumento de produção cujo preço será incluído no preço final do profissional que o
adquiriu”.166 Dessa forma, restringe-se o campo de aplicação do Código de Defesa
do Consumidor, o qual busca atender o consumidor porque parte vulnerável nas
relações contratuais no mercado, se restringindo àqueles que necessitam de
proteção.167
Já o conceito de fornecedor encontra-se exposto no art. 3º, caput, do
Código de Defesa do Consumidor, definindo-o como
162
SIMÃO, José Fernando. Vícios do produto no novo código civil e no código de defesa do consumidor. São Paulo: Atlas, 2003. p. 30. 163
BENJAMIM, Antônio Herman V.; BESSA; Leonardo Roscoe; MARQUES, Cláudia Lima. Manual de direito do consumidor. 2.ed.rev. atual.e ampl.São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009. p.70. 164
MARQUES, Cláudia Lima; BENJAMIN, Antônio Herman V.; MIRAGEM, Bruno. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 2.ed.rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006. p.84. 165
ZANETTI, Robson. A erradicação do binômio fornecedor-consumidor na busca do equilíbrio contratual. Jus Navegandi. Teresina, ano 10, n. 854, 4 nov. 2005. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7543>. Acesso em: 13 ago. 2010. 166
BENJAMIM, Antônio Herman V.; BESSA; Leonardo Roscoe; MARQUES, Cláudia Lima. Manual de direito do consumidor. 2.ed.rev. atual.e ampl.São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009. p.71. 167
BENJAMIM, Antônio Herman V.; BESSA; Leonardo Roscoe; MARQUES, Cláudia Lima. Manual de direito do consumidor. 2.ed.rev. atual.e ampl.São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009. p.70-71.
54
toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.
Primeiramente, é possível extrair deste conceito uma diferenciação entre
o fornecimento de produtos e de serviços.
O critério caracterizador do fornecimento de produtos “é desenvolver
atividades tipicamente profissionais, como a comercialização, a produção, a
importação, indicando também a necessidade de certa habitualidade, como a
transformação, a distribuição de produtos”.168
No que se refere ao fornecimento de serviços, o Código de Defesa do
Consumidor apenas menciona o critério de desenvolver atividades de prestação de
serviços. A expressão “atividades” importa em reiteração ou habitualidade do serviço
desenvolvido. Além disso, como elemento caracterizador tem-se a remuneração do
serviço e não se o fornecedor é um profissional, o que difere dos produtos, que,
quando gratuitos, podem estar sujeitos ao Código de Defesa do Consumidor.
Importante salientar que o uso da expressão “remunerado” dá margem a incluir os
serviços de consumo remunerados indiretamente nas regras do Código de Defesa
do Consumidor.169
Outrossim, é percebível a partir de uma leitura do art. 3º do Código de
Defesa do Consumidor que são fornecedores “todos os que participam da cadeia de
fornecimento de produtos e da cadeia de fornecimento de serviços [...] não
importando sua relação direta ou indireta, contratual ou extracontratual com o
consumidor”.170
Vê-se, assim, através de tais conceitos, a aplicabilidade de Código de
Defesa do Consumidor frente a necessidade de responsabilização civil inexistente
no âmbito do espetáculo desportivo até aquele momento, utilizando-o
analogicamente até o surgimento da Lei Pelé, que a ele é remetido, e do Estatuto de
168
MARQUES, Cláudia Lima; BENJAMIN, Antônio Herman V.; MIRAGEM, Bruno. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 2.ed.rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006. p.113. 169
BENJAMIM, Antônio Herman V.; BESSA; Leonardo Roscoe; MARQUES, Cláudia Lima. Manual de direito do consumidor. 2.ed.rev. atual.e ampl.São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009. p.82-83. 170
MARQUES, Cláudia Lima; BENJAMIN, Antônio Herman V.; MIRAGEM, Bruno. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 2.ed.rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006. p.116.
55
Defesa do Torcedor, no qual trouxe em seu corpo a responsabilidade civil para tal
matéria.
2.2.6 Estatuto de defesa do torcedor – Lei nº. 10.671/03
O Estatuto de Defesa do Torcedor entrou em vigência no dia 15 de maio
de 2003, através da Lei nº. 10. 671, dispondo em seu corpo diversas inovações ao
desporto profissional.
Dentre tais inovações, podemos citar algumas, vejamos: a) proteção e
defesa do torcedor, em todos os níveis; b) regulamentação das competições
desportivas; c) proteção à forma de aquisição do ingresso pelo torcedor; d) proteção
ao meio de transporte utilizado por este para se locomover até o estádio; e)
fiscalização da alimentação e da higienização dos banheiros; f) interação entre
torcedor e arbitragem desportiva; e g) relação torcedor – entidade desportiva.171
Viu-se, anteriormente, que as antigas leis não continham expressamente
em seu corpo a instrução de responsabilidade civil, sendo aplicado o Código de
Defesa do Consumidor e, anteriormente, o Código Civil vigente, aos casos desta
modalidade nos eventos desportivos. A Lei Pelé não continha em seu corpo o
instituto da responsabilidade civil, sendo que apenas remetia à outra legislação a
sua aplicação.
Nesta esteira, o Estatuto de Defesa do Torcedor, através de seu art. 3º,
expressamente equiparou a fornecedor as entidades responsáveis pela organização
do evento desportivo, bem como as entidades desportivas detentoras do mando de
jogo, possibilitando ao torcedor utilizar de todas as ferramentas processuais
elencadas no Código de Defesa do Consumidor.172
171
STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência. 7º ed. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 933. 172
DUARTE, Haroldo Augusto da Silva Teixeira. Comentários às disposições de responsabilidade civil da Lei nº 10.671/03 (Estatuto de Defesa do Torcedor). Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 206,
56
Assim sendo, explana Rui Stoco:
Significa, portanto, que equiparou as atividades esportivas profissionais, no que se refere às obrigações da entidade responsável pela organização da competição (“liga”, associação, federação o confederação) e a equipe que tem o mando de jogo, às relação de consumo.
173
No entanto, o espectador do evento desportivo, neste corpo de normas,
não foi expressamente equiparado ao conceito de consumidor elencado pelo Código
de Defesa do Consumidor, como procedeu a Lei Pelé.
O espectador do evento desportivo, no presente estatuto, recebeu
conceito próprio, através de seu art. 2º, sendo “toda pessoa que aprecie, apóie ou se
associe a qualquer entidade de prática desportiva do País e acompanhe a prática de
determinada modalidade esportiva”.
Todavia, tal disposição se tornou desnecessária, pois a equiparação das
entidades desportivas a fornecedores já enquadra suas atividades no Código de
Defesa do Consumidor.174
Em suma, restou o torcedor brasileiro resguardado expressamente no
Estatuto do Torcedor em face da proteção jurídica encontrada no Código de Defesa
do Consumidor, 175 retirando qualquer dívida existente acerca de sua aplicação
frente a essas relações jurídicas.176
O Código de Defesa do Consumidor, no que tange a responsabilidade
civil, estipulou, na sua grande maioria, a aplicabilidade da modalidade objetiva nas
relações consumeristas, porquanto busca impor um equilíbrio entre os dois lados
desta relação, no qual temos de um lado o fornecedor, que possui muito mais poder
econômico, e do outro o consumidor, que é a parte vulnerável.177
28 jan. 2004. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4726>. Acesso em: 24 set. 2010. 173
STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência. 7º ed. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 933. 174
STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência. 7º ed. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 933. 175
STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência. 7º ed. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 933. 176
DUARTE, Haroldo Augusto da Silva Teixeira. Comentários às disposições de responsabilidade civil da Lei nº 10.671/03 (Estatuto de Defesa do Torcedor). Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 206, 28 jan. 2004. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4726>. Acesso em: 24 set. 2010. 177
KHOURI, Paulo Roberto Roque Antonio. Direito do consumidor: contratos, responsabilidade civil e defesa do consumidor em juízo. 4ª ed. rev. atual. e ampli. São Paulo: Atlas, 2009. p. 154.
57
Deste modo, com a equiparação das entidades responsáveis pela
organização do evento desportivo, bem como as entidades desportivas detentoras
do mando de jogo a fornecedor, presumi-se que para as relações previstas no
Estatuto do Torcedor seja aplicado, também, a responsabilidade civil em sua
modalidade objetiva.178
Esta interpretação encontra escopo no art. 19 do citado estatuto, o qual
ilustra expressamente sobre o instituto da responsabilidade civil nos eventos
desportivos, determinando, para tal, a aplicação da modalidade objetiva ao dispor
que os agentes intitulados no art. 3º serão responsabilizados independentemente da
existência de culpa.
No entanto, o mesmo dispositivo, em sua parte final, enfatiza que, tal
modalidade de responsabilidade civil, será aplicada no caso de ocorrência de “falhas
de segurança” ou “inobservância do disposto neste capítulo”.
Assim, tem-se a interpretação de que a modalidade objetiva será somente
aplicada nos casos descritos acima, sendo que, conseqüentemente, para todos os
outros fatos que possam vir a ocorrer no evento desportivo, aplicar-se-á a
modalidade subjetiva de responsabilidade civil, tratando-se, desta maneira, de uma
grande contradição da norma.179
Devido a tal contradição, surge a necessidade de averiguar qual é a
modalidade de responsabilidade civil que melhor se encaixa nestas relações
jurídicas.
Existem duas correntes reconhecidas sobre a matéria. A primeira defende
a aplicação do Código de Defesa do Consumidor no seu natural, devendo, assim,
ser aplicada a modalidade objetiva de responsabilidade civil as relações
resguardadas pelo Estatuto de Defesa do Torcedor. Já a segunda corrente defende
a aplicação do inteiro teor do art. 19 do Estatuto, ou seja, defende a aplicação da
modalidade subjetiva de responsabilidade civil, exceto nos casos abordados pelo
citado artigo.
178
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 21ª ed. rev. e atual. de acordo com a reforma do CPC. São Paulo: Saraiva, 2007. 7º v. p. 420. 179
STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência. 7º ed. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 933.
58
Há, ainda, uma terceira corrente, formada por jurisprudências, que
creditam à Polícia Militar, órgão estatal chamado para realizar a segurança, a
responsabilidade de todos os que adentrem o palco desportivo.
Assim sendo, abordaremos, no derradeiro capítulo, esta contradição,
procurando a resposta ao problema elaborado neste trabalho sobre qual modalidade
deverá ser aplicada nos casos de responsabilidade civil nos eventos desportivos.
59
3. RESPONSABILIDADE CIVIL DOS CLUBES DE FUTEBOL POR
ATOS PRATICADOS EM SUAS PRAÇAS DESPORTIVAS
Neste capítulo, será observado a problemática apresentada por este
trabalho de conclusão de curso, qual seja, a verificação de qual modalidade de
responsabilidade civil se encaixaria nas situações ocorridas dentro do palco do
evento desportivo futebolístico, em face da controvérsia existente no Estatuto de
Defesa do Torcedor.
Sendo assim, será analisado a questão da responsabilidade civil no
âmbito desportivo e as correntes doutrinárias e jurisprudenciais que tentam
respondê-la, para, por fim, apresentarmos a melhor opção para a solução do
problema.
3.1 A PROBLEMÁTICA ENVOLVENDO A QUESTÃO DA RESPONSABILIDADE CIVIL NO ÂMBITO DESPORTIVO
Como a prática do futebol tomou grandes proporções, tornando-se algo
que engloba diversão, paixão, fanatismo, grande quantidade de recursos financeiros,
e até violência, restou necessário ao Poder Público regulamentar tal prática.
O instituto da responsabilidade civil, conforme disposto anteriormente,
possui como objetivo fazer com que se retorne ao status quo uma determinada
situação ocorrida de forma ilícita, através de um negócio, ato ou fato danoso.180
No âmbito desportivo, a responsabilidade civil abrolhou a partir da
publicação da Lei nº. 9.615 de 24 de março de 1998, mais conhecida como Lei Pelé,
e tomou forma com a publicação da Lei nº. 10. 671, de 15 de maio de 2003, a qual
instituiu o chamado Estatuto de Defesa do Torcedor – sendo que neste, o instituto
jurídico da responsabilidade civil restou previsto expressamente em seu corpo.
180
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil. 7ª ed. 2ª reimpr. São Paulo: Atlas, 2007. 4º v. p. 01.
60
O Estatuto de Defesa do Torcedor, principal engenharia do torcedor
brasileiro aos acontecimentos desportivos, através de seu art. 3º, equiparou a
fornecedor as entidades responsáveis pela organização do evento desportivo, bem
como as entidades desportivas detentoras do mando de jogo.
Com isso, tem-se a informação de que, através de tal equiparação, as
atividades propostas por aqueles agentes, ou seja, os assinalados pelo art. 3º, são
atividades inerentes da relação consumerista.181
A modalidade de responsabilidade civil no Código de Defesa do
Consumidor é a da responsabilização civil objetiva182, ou seja, necessário se faz,
apenas, para sua caracterização, a existência do dano, o nexo causal e a atividade
geradora do risco desenvolvida pelo agente causador do dano.183
Deste modo, em teoria, para todos os atos ocorridos nos eventos
desportivos, aplicar-se-á a modalidade objetiva de responsabilidade civil.
Neste sentido, perfaz o art. 19 do citado estatuto, o qual dispõe
expressamente que os agentes equiparados a fornecedores pelo art. 3º, serão
responsabilizados objetivamente pelos eventuais danos ocorridos no transcorrer do
espetáculo desportivo.
Art. 19. As entidades responsáveis pela organização da competição, bem como seus dirigentes respondem solidariamente com as entidades de que trata o art. 15 e seus dirigentes, independentemente da existência de culpa, pelos prejuízos causados a torcedor que decorram de falhas de segurança nos estádios ou da inobservância do disposto neste capítulo.
Vê-se, assim, que o art. 19 trata da responsabilidade civil objetiva, ao
dispor que a responsabilidade ocorrerá independentemente da existência de culpa.
Sobre tal dispositivo, discursa Rui Stoco:
A nós parece que a disposição era desnecessária, considerando que o art. 3º enquadra tais atividades no Código de Defesa do Consumidor que, por sua vez, estabelece a responsabilidade objetiva do fabricante, produtor, construtor, importador, vendedor e do prestador de serviços.
184
181
STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência. 7º ed. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 933. 182
KHOURI, Paulo Roberto Roque Antonio. Direito do consumidor: contratos, responsabilidade civil e defesa do consumidor em juízo. 4ª ed. rev. atual. e ampli. São Paulo: Atlas, 2009. p. 154. 183
MONTENEGRO, Magda. Meio ambiente e responsabilidade civil. São Paulo: IOB Thomson, 2005. p. 32 184
STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência. 7º ed. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 933.
61
Contudo, a problemática em relação à qual modalidade de
responsabilidade civil se deve aplicar aos eventos desportivos, surge no momento
em que o citado artigo enfatiza as hipóteses de “falhas de segurança” e
“inobservância do disposto neste capítulo”,185 conforme dispõe, novamente, Rui
Stoco:
Ademais, a norma contém contradição, pois estabelece a responsabilidade das entidades organizadoras da competição e dos seus dirigentes, em conjunto com outras que especifica, “independentemente da existência de culpa”, mas enfatiza a hipótese de prejuízos que decorram de “falhas de segurança” nos estádios.
186
Assim, tem-se a noção de que, na não ocorrência de nenhum dos casos
citados acima, haver-se-ia de se aplicar a responsabilização subjetiva, pois, o art.
19, ao enfatizar as expressões “falhas de segurança” e “inobservância do disposto
neste capítulo”, determinou a exclusão da responsabilidade civil em sua modalidade
objetiva, restando, apenas, a ser aplicada, a modalidade subjetiva.
Através de tal contradição da norma legal, tem-se a discussão sobre qual
modalidade deve-se aplicar ao caso concreto, ou seja, surge, assim, a problemática
envolvendo a questão da responsabilidade civil no âmbito desportivo.
3.2 CORRENTES DOUTRINÁRIAS E JURISPRUDENCIAIS VOLTADAS A DISCUSSÃO DA RESPONSABILIDADE CIVIL NO ÂMBITO DESPORTIVO
Conforme já exposto, o Estatuto de Defesa do Torcedor, Lei nº. 10.671 de
2003, principal legislação desportiva brasileira, trouxe em seu corpo, através do art.
19, a discussão sobre qual modalidade de responsabilidade civil deverá ser aplicada
nas situações advindas dos eventos desportivos.
Tal problemática persiste até o presente momento, mesmo após entrada
em vigor da Lei nº. 12.299 de 27 de julho de 2010, a qual veio modificar vários
185
STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência. 7º ed. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 933. 186
STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência. 7º ed. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 933.
62
dispositivos do citado estatuto, porquanto o art. 19, que dispõe sobre a
responsabilidade civil, restou intacto.
Na tentativa de responder a problemática criada pelo décimo-nono
dispositivo do citado estatuto, surgiram correntes doutrinárias distintas, as quais,
posteriormente, começaram a ser aplicadas nas jurisprudências dos tribunais.
A primeira corrente acastela a aplicação da modalidade objetiva de
responsabilidade civil, por força da teoria do risco, seja com fundamento no Código
Civil, através dos arts. 927 e 932, ou com fundamento no arts. 3º e 19 do Estatuto de
Defesa do Torcedor.187
Deste modo, tal corrente defende a aplicação do Código de Defesa do
Consumidor, pois através da equiparação feita pelo art. 3º do Estatuto de Defesa do
Torcedor, os fatos ocorridos durante um evento desportivo, seriam, também,
relações consumeristas. Assim, os organizadores do evento desportivo, bem como
as entidades detentoras do mando de jogo seriam os fornecedores do serviço e o
espectador o consumidor deste serviço.188
Por outro lado, a segunda corrente entende que nos acontecimentos dos
eventos desportivos deve-se aplicar a modalidade subjetiva de responsabilidade
civil, utilizando-se do interior teor do art. 19 do estatuto, aproveitando-se da
modalidade objetiva, apenas nos casos dispostos expressamente por tal dispositivo.
Assim, segundo esta corrente, não há a que se falar na aplicação da
teoria do risco no âmbito desportivo.189
Ambas as correntes descritas acima são reconhecidas no mundo jurídico,
dispondo cada uma sobre uma modalidade de responsabilidade civil. Além destas,
há, ainda, uma terceira corrente que, embora enfraquecida, dispõe que a
responsabilidade de qualquer fato a ser observado nos eventos desportivos, neste
caso, no futebol, será da Polícia Militar, visto ser esta, juntamente com os
187
STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência. 7º ed. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 931. 188
DUARTE, Haroldo Augusto da Silva Teixeira. Comentários às disposições de responsabilidade civil da Lei nº 10.671/03 (Estatuto de Defesa do Torcedor). Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 206, 28 jan. 2004. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4726>. Acesso em: 24 set. 2010. 189
RODRIGUES, Helder Gonçalves Dias. A responsabilidade civil e criminal nas atividades desportivas. São Paulo: Servanda, 2004. p. 189.
63
seguranças do clube mandatário, quem irá fazer a segurança do espectador no
palco desportivo.
3.2.1 Corrente objetiva
A corrente objetiva, conforme dispõe sua nomenclatura, advém da idéia
de que os organizadores do evento esportivo, respondem objetivamente pelos danos
causados aos torcedores nos estádios de futebol.
Isto, pois, além de restar expressamente no Estatuto de Defesa do
Torcedor, que iguala os clubes de futebol e os organizadores da competição como
fornecedores, aplicando-se, assim, analogicamente o Código de Defesa do
Consumidor, cabe aos organizadores zelar pela segurança (teoria do risco) dos que
vão até o local para assistir uma partida de futebol e se divertir.190
O exercício do esporte profissional pressupõe certos perigos, cabendo a
entidade organizadora do evento, juntamente com o seu dirigente, responder pelos
danos causados sem a comprovação de culpa.191
Nesta esteira, pondera Rui Stoco:
O torcedor ou pessoa que comparece ao estádio e venha a sofrer danos causados por tumultos, agressões, brigas, assaltos e subtração, praticados por outros torcedores tem direito de ser indenizado, respondendo aquelas pessoas por esses acontecimentos. Sua responsabilidade independe de culpa, por força da teoria do risco, seja com fundamento no parágrafo único do art. 927 do CC, seja por aplicação analógica do art. 932, III, do mesmo Estatuto e, ainda, por força de norma específica constante do novíssimo Estatuto do Torcedor (art. 19 da Lei 10.671, de 15.05.2003).
192
A teoria do risco, criada pelo Código Civil italiano de 1942, subsiste da
potencialidade de causar danos de uma determinada atividade ou conduta do
190
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 21ª ed. rev. e atual. de acordo com a reforma do CPC. São Paulo: Saraiva, 2007. 7º v. p. 419. 191
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 21ª ed. rev. e atual. de acordo com a reforma do CPC. São Paulo: Saraiva, 2007. 7º v. p. 419-420. 192
STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência. 7º ed. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 931.
64
agente, a qual resulta por si só na exposição ao perigo de outrem.193 Tal exposição
deve resultar da natureza da atividade e não do comportamento do atuante.194
Neste sentido, explana Sílvio de Salvo Venosa:
Leva-se em conta o perigo da atividade do causado do dano por sua natureza e pela natureza dos meios adotados. Nesse diapasão poderíamos exemplificar com uma empresa que se dedica a produzir e apresentar espetáculos com fogos de artifício. Ninguém duvida de que o trabalho com pólvora e com explosivos já representa um perigo em si mesmo, ainda que todas as medidas para evitar danos venham a ser adotadas. Outro exemplo que parece vem claro diz respeito a espetáculos populares, artísticos, esportivos etc. com grande afluxo de espectadores: é crucial que qualquer acidente que venha a ocorrer em multidão terá natureza grave, por mais que se adotem modernas medidas de segurança. O organizador dessa atividade, independentemente de qualquer outro critério, expõe as pessoas presentes inelutavelmente a um perigo.
195
A presente teoria se encontra prevista expressamente no Código Civil
brasileiro, através do parágrafo único do art. 927, dispondo da não necessidade de o
ato ser ilícito para ensejar responsabilidade, mas, somente, que a atividade, por sua
natureza, venha a implicar riscos a sociedade.196
O risco, por seu lado, “é perigo, é probabilidade de dano, importando,
isso, dizer que aquele que exerce uma atividade perigosa deve-lhe assumir os riscos
e reparar o dano decorrente”.197
Bem assim, o atuante de uma atividade, que por sua natureza é perigosa,
será responsabilizado sem a necessidade de comprovação de culpa, visto ser esta
considerada como presumida.
A culpa presumida faz com que o ônus da prova seja invertido,198
cabendo aos agentes elencados no art. 3º do Estatuto de Defesa do Torcedor
comprovar um dos casos excludentes de responsabilidade, quais sejam, culpa
193
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil. 7ª ed. 2ª reimpr. São Paulo: Atlas, 2007. 4º v. p. 09. 194
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 21ª ed. rev. e atual. de acordo com a reforma do CPC. São Paulo: Saraiva, 2007. 7º v. p. 51. 195
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil. 7ª ed. 2ª reimpr. São Paulo: Atlas, 2007. 4º v. p. 09-10. 196
STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência. 7ª ed. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 157. 197
CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 8ª ed. 3ª reimpr. São Paulo: Atlas, 2009. p. 136. 198
DIREITO, Carlos Alberto Menezes. CAVALIERI FILHO, Sérgio. Comentários ao novo Código Civil: da responsabilidade civil, das preferências e privilégios creditórios. Rio de Janeiro: Forense, 2004. 13º v. p. 06.
65
exclusiva da vítima, fato de terceiro, caso fortuito e força maior, legítima defesa,
estado de necessidade, exercício regular do direito e estrito dever legal.199
Sob tal ótica, discursa Rui Stoco:
Ao se encaminhar para a especialização da culpa presumida, ocorre uma inversão do onus probandi. Em certas circunstâncias, presume-se o comportamento culposo do causador do dano, cabendo-lhe demonstrar a ausência de culpa, para se eximir do dever de indenizar.
200
Havendo, entretanto, uma das excludentes de responsabilidade, os
agentes não serão responsabilizados pelos atos ocorridos. Desse modo, dispõe a
jurisprudência:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO INDENIZATÓRIA RESPONSABILIDADE CIVIL. ACIDENTE OCORRIDO EM ESTÁDIO DE FUTEBOL. CULPA EXCLUSIVA DA VÍTIMA. IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO.
PRELIMINAR. REJEIÇÃO A PEDIDO DE PRODUÇÃO DE PROVA DEDUZIDO EM AUDIÊNCIA. PRECLUSÃO DA INSURGÊNCIA RECURSAL. OMISSÃO DA PARTE. CERCEAMENTO DE DEFESA NÃO CARACTERIZADO.
[...]
Inexiste o direito à reparação quando o dano sofrido decorre de culpa exclusiva da vítima, hipótese em que resta rompido o nexo de causalidade, elemento essencial à responsabilização do agente, ainda que em sede de responsabilidade civil do tipo objetiva fundada no risco.
A conduta de torcedor que, em partidas de futebol, tem por hábito assistir ao jogo em pé, equilibrando-se sobre a mureta de proteção que separa as arquibancadas e o fosso, com imprudência manifesta e inaceitável, não pode gerar dever reparatório ao Clube de Futebol pelas lesões por ele sofridas em decorrência de uma queda.
Ausência de demonstração, ainda, de defeito no serviço a justificar a condenação da agremiação futebolística ao pagamento da indenização postulada sob à ótica das relações consumeristas, seja porque demonstrado o atendimento às normas de postura exigidas na legislação municipal, seja porque atendida a contento a segurança legitimamente esperada, em um parâmetro de razoabilidade. Inteligência do art. 14, II, §3º, do CDC.
201
A teoria do risco, como qualquer outra doutrina, se multiplicou, dividindo-
se em diversas modalidades de “riscos”. Assim, doutrinariamente, temos o risco-
proveito, o risco profissional, o risco excepcional, o risco integral e o risco criado.202
199
GAGLIANO, Pablo Stolze. PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil. 3º v. responsabilidade civil. 4ª ed. rev. e atual. e reform. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 101. 200
STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência. 7ª ed. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 156. 201
RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Cível Nº 70026455626, Sexta Câmara Cível, Des. Relatora Liége Puricelli Pires, Julgado em 26/03/2009. 202
DIREITO, Carlos Alberto Menezes. CAVALIERI FILHO, Sérgio. Comentários ao novo Código Civil: da responsabilidade civil, das preferências e privilégios creditórios. Rio de Janeiro: Forense, 2004. 13º v. p. 12.
66
Entretanto, face sua importância, faz-se necessário expor apenas a
primeira e última modalidade da teoria do risco.203
O risco-proveito estrutura-se no ganho que a atividade considerada
perigosa irá proporcionar ao seu agente, com base no princípio ubi emolumentum,
ibi onus. Em outras palavras, o agente que aferir qualquer espécie de proveito da
atividade, deverá responder pelas conseqüências que esta vier a produzir.204
O risco criado surge da razão da própria atividade do agente, o qual está
sujeito a reparar o dano que esta vier a proporcionar. O dano nasce
independentemente de imprudência, negligência ou imperícia.205
Conforme dispõe Caio Mário, há diferença entre o risco-proveito e o risco
criado, sendo que nesta última:
Não se cogita do fato de ser o dano correlativo de um proveito ou vantagem para o agente. É obvio que se supõe que a atividade pode ser proveitosa para o responsável. Mas, não se subordina o dever de reparar ao pressuposto da vantagem, o que se encara é a atividade em si mesma, independentemente do resultado bom ou mau que dela advenha para o agente. [...] importa em ampliação do conceito do risco-proveito. Aumenta os encargos do agente; é, porém, mais eqüitativa para a vítima, que não tem que provar que o dano resultou de uma vantagem ou de um benefício obtido pelo causador do dano. Deve este assumir as conseqüências de sua atividade.
206
Ademais, a corrente objetiva, na tentativa de demonstrar que a
modalidade objetiva de responsabilidade civil é a que deve ser aplicada no âmbito
desportivo, possui um segundo embasamento.
203
Vejamos as outras espécies de risco: a) Risco profissional - “o dever de indenizar está presente
quando o fato prejudicial é uma decorrência da atividade ou da profissão do lesado”; b) Risco excepcional – “a responsabilidade está presente, quando o dano decorre de situação anormal, escapando da craveira comum da atividade da vítima”; e c) Risco integral – “a responsabilidade decorre da própria atividade, sendo uma forma de repartir por todos os membros da coletividade os danos atribuídos ao Estado, ainda que o dano seja decorrente da atividade da vítima”. Fonte: SALIM, Abid Pereira Netto. A teoria do risco criado e a responsabilidade objetiva do Empregador em acidentes de trabalho. Tribunal Regional do Trabalho/MG. Disponível em: <http://www.mg.trt.gov.br/escola/download/revista/rev_71/Adib_Salim.pdf >. Acesso em 02 dez. 2010. 204
DIREITO, Carlos Alberto Menezes. CAVALIERI FILHO, Sérgio. Comentários ao novo Código Civil: da responsabilidade civil, das preferências e privilégios creditórios. Rio de Janeiro: Forense, 2004. 13º v. p. 12. 205
MÁRIO, Caio. Responsabilidade civil. 9ª ed. Rio de Janeiro: Forense. p. 270 APUD DIREITO, Carlos Alberto Menezes. CAVALIERI FILHO, Sérgio. Comentários ao novo Código Civil: da responsabilidade civil, das preferências e privilégios creditórios. Rio de Janeiro: Forense, 2004. 13º v. p. 14-15. 206
MÁRIO, Caio. Responsabilidade civil. 9ª ed. Rio de Janeiro: Forense. p. 284-285 APUD DIREITO, Carlos Alberto Menezes. CAVALIERI FILHO, Sérgio. Comentários ao novo Código Civil: da responsabilidade civil, das preferências e privilégios creditórios. Rio de Janeiro: Forense, 2004. 13º v. p. 14-15.
67
Para que a atividade desportiva profissional aconteça, deve haver uma
relação entre seu organizador e seus participantes. Tem-se, assim, a necessidade
de existência contratual entre as partes.207
Deste modo, entre os organizadores, ou seja, as pessoas equiparadas
pelo art. 3º do Estatuto de Defesa do Torcedor, e os espectadores, também há uma
relação contratual, existente no momento em que estes adquirem o ingresso para
assistir a uma partida de futebol organizada por aqueles.208 É neste sentido que
assevera Rui Stoco:
Ademais, a entidade organizadora da competição, o administrador do estádio e a agremiação que assume o mando de jogo têm o dever de guarda e de incolumidade sobre os torcedores. O vínculo que os liga é contratual e oneroso, pois o bilhete de ingresso estabelece esse vínculo, de modo que os primeiros respondem por danos sofridos por qualquer pessoa que ingresse no estádio para assistir o jogo pelo só fato de que assumem o risco e o referido dever de incolumidade, independentemente de indagação de culpa.
209
Vê-se, assim, que a relação entre as partes da atividade desportiva
profissional dá-se através de uma relação contratual, incidindo, desta forma, a
responsabilidade civil objetiva para tais casos, pois se aplica analogicamente o
Código de Defesa do Consumidor, ocorrendo no âmbito desportivo uma prestação
de serviços por parte dos agentes equiparados pelo art. 3º do Estatuto de Defesa do
Torcedor.210
Neste sentido é a jurisprudência pátria:
RESPONSABILIDADE DO CLUBE DEMANDADO. CDC. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. TORCEDOR DA CORÉIA LANÇADO NO FOSSO EM MOMENTO DE EUFORIA DA TORCIDA DEVER DE INDENIZAR CONFIGURADO. QUANTUM. É responsável o Clube pela segurança dos torcedores que, mediante pagamento de ingresso, acorreram ao estádio para assistir à partida de futebol. Tal responsabilidade, tratando-se de prejuízos causados pela falha na segurança, é objetiva, nos moldes preceituados no art. 14 do CDC, que diz com a responsabilidade objetiva do fornecedor por defeitos no fornecimento de produtos ou na prestação de serviço. O acidente descrito na inicial e suas conseqüências restaram devidamente comprovados nos autos, pelas provas testemunhal, documental e fotográfica acostadas, não vingando a
207
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 21ª ed. rev. e atual. de acordo com a reforma do CPC. São Paulo: Saraiva, 2007. 7º v. p. 417. 208
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 21ª ed. rev. e atual. de acordo com a reforma do CPC. São Paulo: Saraiva, 2007. 7º v. p. 417. 209
STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência. 7º ed. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 934. 210
DUARTE, Haroldo Augusto da Silva Teixeira. Comentários às disposições de responsabilidade civil da Lei nº 10.671/03 (Estatuto de Defesa do Torcedor). Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 206, 28 jan. 2004. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4726>. Acesso em: 24 set. 2010.
68
tese do demandado, reiterada em razões recursais, de que não houve comprovação que o infortúnio ocorrera nas dependências do Clube. Valor da reparação que vai reduzido para importância compatível com a grandeza do ocorrido. APELO DO RÉU PARCIALMENTE PROVIDO. IMPROVIDO O DO AUTOR.
211
Contudo, quanto aos torcedores que não adquirirem os ingressos, e de
igual modo adentrarem no palco desportivo, não haverá que se falar de
responsabilidade contratual, visto não haver entre eles o contrato estabelecido em
forma de bilhete de ingresso, havendo, desta maneira, a responsabilidade
extracontratual.212
O art. 14 do Estatuto de Defesa do Torcedor, ao dispor sobre a
responsabilidade da segurança a ser proporcionada ao espectador no espetáculo
desportivo, remeteu a matéria também ao Código de Defesa do Consumidor, mais
precisamente aos art. 12 e 14 deste instituto.
Tais artigos dispõem sobre a responsabilidade pelo fato do produto e do
serviço, sendo que, desta forma, as normas do precitado código devem ser
estritamente observadas também no âmbito desportivo, sem prejuízo do disposto no
Estatuto de Defesa do Torcedor.213
Vejamos o art. 14, juntamente com seu §1º, do Código de Defesa do
Consumidor:
Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.
§ 1° O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais:
I - o modo de seu fornecimento;
II - o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam;
III - a época em que foi fornecido.
Com isso, não resta dúvida quanto a aplicação do mesmo modo do
Código de Defesa do Consumidor frente aos eventos desportivos, visto haver uma
211
RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Cível Nº 70014192389, Décima Câmara Cível, Des. Relator Luiz Ary Vessini de Lima, Julgado em 08/06/2006. 212
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 21ª ed. rev. e atual. de acordo com a reforma do CPC. São Paulo: Saraiva, 2007. 7º v. p. 419. 213
CARDOSO FILHO. José Adriano de Souza. O código de defesa do consumidor e os eventos esportivos após o advento do estatuto do torcedor. 2007. 178 p. Dissertação. Curso de Relações Sociais / PUC-SP, São Paulo.
69
relação consumerista entre os espectadores e os agentes elencados no art. 3º do
precitado estatuto. Dessa forma, observa-se a jurisprudência:
RECURSO – AGRAVO INOMINADO - ARTIGO 557, §1°, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL – INCONFORMISMO MANIFESTADO CONTRA DECISÃO DA RELATORIA QUE NEGOU SEGUIMENTO AO RECURSO FACE SUA MANIFESTA IMPROCEDÊNCIA – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS – RELAÇÃO CONSUMERISTA – ALEGAÇÃO DE FATO DE TERCEIRO – NÃO CARACTERIZAÇÃO DE CAUSA EXCLUDENTE DE RESPONSABILIDADE – DANOMORAL CONFIGURADO – PEDIDO DE REDUÇÃO – DESCABIMENTO. Falha na prestação de serviço. Pela teoria do risco do empreendimento, todo aquele que se disponha a exercer alguma atividade no campo do fornecimento de bens e serviços, tem o dever de responder pelos fatos e vícios resultantes do empreendimento, independentemente de culpa. Dano moral. Verba fixada em observância aos ditames da razoabilidade e proporcionalidade. Desprovimento do recurso.
214215
Visto isto, começaram a surgir decisões que sustentam este raciocínio.
Vejamos:
RESPONSABILIDADE CIVIL. QUEDA DE TORCEDOR DA ARQUIBANCADA SUPERIOR DE ESTÁDIO DE FUTEBOL, ATINGINDO ESPECTADORES DOS ASSENTOS ABAIXO. ASSISTENTE QUE TEVE O PÉ QUEBRADO. CULPA OBJETIVA DO CLUBE. INDENIZAÇÕES POR DANOS MATERIAIS E MORAL. PARCELAS DE RESSARCIMENTO. VALORES.
Os acidentes ocorridos com os espectadores nas dependências dos estádios de futebol impõem, de regra, culpa objetiva das agremiações responsáveis pelo equipamento – art. 14 do CDC. Caso em que o espectador foi atingido pelo corpo de outro torcedor que caiu da arquibancada superior. Provas carreadas ao feito que dão conta de o acidente ter efetivamente ocorrido no estádio do réu, ausente comprovação de alguma das excludentes legais da responsabilidade – art. 14, § 3º, do CDC. [...] Recurso provido em parte. Unânime.
216
Observa-se outra decisão colegiada pátria:
INDENIZATÓRIA. DANOS MATERIAIS E MORAIS. LESÕES CORPORAIS PERPETRADAS EM ESTÁDIO DE FUTEBOL. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA ENTIDADE DESPORTIVA QUE DETÉM O MANDO DE JOGO, EM CONFORMIDADE COM O ESTABELECIDO NO ESTATUTO DO TORCEDOR, LEI Nº 10.671/03. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO IMPROVIDO.
217
Desse modo, percebe-se a partir dos julgados apresentados que parte da
jurisprudência tem entendido que a modalidade de responsabilidade civil a ser 214
RIO DE JANEIRO. Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Agravo Inominado na Apelação Cível Nº 0267817-80.2009.8.19.0001, Sétima Câmara Cível, Des. Relatora Maria Henriqueta Lobo, Julgado em 08/06/2006. 215
CARDOSO FILHO. José Adriano de Souza. O código de defesa do consumidor e os eventos esportivos após o advento do estatuto do torcedor. 2007. 178 p. Dissertação. Curso de Relações Sociais / PUC-SP, São Paulo. 216
RIO DE JANEIRO. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Cível Nº 70018625392, Décima Câmara Cível, Des. Relator Jorge Alberto Schreiner Pestana, Julgado em 13/09/2007. 217
RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Cível Nº 71001292986, Segunda Turma Recursal Cível, Drª. Mylene Maria Michel, Julgado em 04/07/2007.
70
aplicada no âmbito desportivo é a objetiva, tendo em vista a aplicabilidade do Código
de Defesa do Consumidor, frente a equiparação feita pelo art. 3º do Estatuto de
Defesa do Consumidor.
Além disso, os organizadores do evento desportivo também restarão
obrigados a reparação perante os espectadores por quaisquer danos que tenham
como fonte os participantes, produzidos através de imprudência, negligência ou
imperícia, ou até mesmo, no caso de infração das regras que norteiam a
determinada atividade, porquanto ser obrigação daqueles de garantir a segurança
do espetáculo desportivo.218
Assim, mesmo tendo o art. 19 do Estatuto de Defesa do Torcedor
enfatizado as expressões “falhas de segurança” e “inobservância do disposto neste
capítulo”, entende esta corrente que há de se aplicar a modalidade objetiva de
responsabilidade civil, visto ter sido apenas um equívoco do legislador, conforme
discursa Rui Stoco:
Não obstante o equívoco da lei, a só equiparação estabelecida no art. 3º da Lei em apreço é suficiente para assegurar a responsabilidade objetiva. E, ainda que assim não fosse, há normas no Código Civil que estabelecem essa mesma responsabilidade sem culpa para hipóteses que tais.
219
Visto isto, de acordo com a corrente objetiva, não há que se falar em
responsabilidade subjetiva no âmbito desportivo, porquanto o art. 3º e 14 do estatuto
supracitado remetem ao Código de Defesa do Consumidor, fazendo com que,
assim, seja aplicada a modalidade objetiva nos acontecimentos desportivos.
3.2.2 Corrente subjetiva
A corrente subjetiva, defendida pela minoria dos juristas brasileiros, alega
que a modalidade de responsabilidade civil a ser aplicada no âmbito desportivo é a
modalidade subjetiva, tendo por base o inteiro teor do art. 19 do Estatuto de Defesa
do Torcedor. Vejamos tal dispositivo:
Art. 19. As entidades responsáveis pela organização da competição, bem como seus dirigentes respondem solidariamente com as entidades de que
218
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 21ª ed. rev. e atual. de acordo com a reforma do CPC. São Paulo: Saraiva, 2007. 7º v. p. 421. 219
STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência. 7ª ed. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 934.
71
trata o art. 15 e seus dirigentes, independentemente da existência de culpa, pelos prejuízos causados a torcedor que decorram de falhas de segurança nos estádios ou da inobservância do disposto neste capítulo.
Vê-se, assim, que a modalidade objetiva de responsabilidade civil
somente será aplicada nos casos de “falhas de segurança” e “inobservância do
disposto neste capítulo”.
Nesta guia, dispõe Décio Luiz José Rodrigues:
Todavia, pela redação do dispositivo (artigo 19 do Estatuto de Defesa do Torcedor), por mencionar prejuízos causados a torcedor que “decorram de falhas de segurança nos estádios ou da inobservância do disposto no capítulo que trata de segurança do torcedor nos estádios”, forçoso parece-nos concluir que haveria a necessidade da prova de “culpa das entidades responsáveis pela organização da competição, de seus dirigentes, da entidade detentora do mando do jogo e de seus dirigentes”.
220
Através de tal rotulação, exclui-se a modalidade objetiva aos demais
casos que possam ocorrer no palco desportivo, sendo-lhes impostos, desta forma, a
modalidade subjetiva, fazendo-se, assim, necessário a comprovação de culpa.
As expressões enfatizadas pelo art. 19 remontam a culpa stricto sensu,
conforme expõe novamente Décio Luiz José Rodrigues:
E assim, penso que quando se fala em “falha” ou “inobservância”, estamos nos referindo a “culpa” juridicamente, devendo, portanto, haver imprudência, negligência ou imperícia e que tais tenham causado o prejuízo.
Logo, caso um torcedor, durante um jogo, caia das arquibancadas em virtude de falta de manutenção da grade de segurança no local, por exemplo, surge a responsabilidade das entidades e dos dirigentes já mencionados.
Todavia, se o torcedor, no mesmo caso, tenha caído, mas porque brigava com alguém e rolou arquibancada abaixo, não podemos falar em responsabilidade daquelas entidades nem de seus dirigentes.
221
Embora o art. 3º do citado estatuto venha a equiparar as entidades
responsáveis pela organização do evento desportivo, bem como as entidades
desportivas detentoras do mando de jogo ao conceito de fornecedor, o qual está
elencado no Código de Defesa do Consumidor, em nada persiste a imputação da
220
RODRIGUES, Décio Luiz José. Direitos do torcedor e temas polêmicos do futebol. São Paulo: Rideel, 2003, pp. 23-24 APUD CARDOSO FILHO. José Adriano de Souza. O código de defesa do consumidor e os eventos esportivos após o advento do estatuto do torcedor. 2007. 178 p. Dissertação. Curso de Relações Sociais / PUC-SP, São Paulo. 221
RODRIGUES, Décio Luiz José. Direitos do torcedor e temas polêmicos do futebol. São Paulo: Rideel, 2003, pp. 23-24 APUD CARDOSO FILHO. José Adriano de Souza. O código de defesa do consumidor e os eventos esportivos após o advento do estatuto do torcedor. 2007. 178 p. Dissertação. Curso de Relações Sociais / PUC-SP, São Paulo.
72
modalidade objetiva, visto que o art. 19 é parte específica sobre a responsabilidade
civil no presente estatuto.222
Tal dispositivo encontra-se localizado no capítulo que dispõe sobre a
segurança do torcedor partícipe do evento esportivo, sendo, deste modo, mais
específico sobre a matéria do que o Código de Defesa do Consumidor. Além disso,
necessário se faz levar em conta ser o Estatuto de Defesa do Torcedor, lei posterior
ao Código de Defesa do Consumidor.223
Neste sentido, segue parte da jurisprudência pátria:
Ação de Indenização - Danos morais e materiais - Estádio - Partida de Futebol - Agressão sofrida por torcedor - Aplicação do CDC - Estatuto do Torcedor - Exigências cumpridas - Segurança garantida - Responsabilidade objetiva - Procedência do pedido - Recurso - Agravo retido - Não-conhecimento - Preliminar de ilegitimidade rejeitada - Culpa exclusiva da vítima - Inexistência do dever de indenizar. Não se conhece de agravo retido se a apelante não pede expressamente nas razões de recurso a sua apreciação. Nos termos do art. 14 do Estatuto do Torcedor (Lei nº 10.671/2003) é parte passiva legítima a entidade de prática desportiva detentora do mando do jogo. Improcede o pedido de indenização de danos morais em razão de agressão sofrida em campo de futebol, quando se verifica pelas provas dos autos inexistência de falha na segurança e, principalmente, se o ato que deu causa à agressão, censurável e reprovável, foi provocado por fato e culpa exclusiva da vítima.
224
Deste modo, não há que se falar em responsabilidade objetiva pelos
danos ocorridos no palco desportivo fora das hipóteses elencadas no precitado
artigo, visto que “a responsabilidade se dá se inobservadas as regras de segurança
ordenadas, o que importa em afirmar a necessidade da verificação da culpa”.225
Seguindo este pensamento, dispõe Helder Gonçalves Dias Rodrigues:
Seria um contra-senso falar em aplicação da teoria (geral) dos riscos, na atividade desportiva, onde, reconhecidamente, sabe-se que sua difusão e pratica atuam como ajuste de equilíbrio social, sem ater-se, tão somente, as fundamentais regras desportivas.
226
Destarte, a pessoa que se aventura a ir a um espetáculo desportivo, por
assim dizer, um jogo de futebol, conhece dos prováveis perigos que poderá
222
RIZZARDO, Arnaldo. Responsabilidade civil. 3ª ed. São Paulo: Forense, 2007. p. 710-711. 223
RODRIGUES, Décio Luiz José. Direitos do torcedor e temas polêmicos do futebol. São Paulo: Rideel, 2003, pp. 23-24 APUD CARDOSO FILHO. José Adriano de Souza. O código de defesa do consumidor e os eventos esportivos após o advento do estatuto do torcedor. 2007. 178 p. Dissertação. Curso de Relações Sociais / PUC-SP, São Paulo. 224
MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Apelação Cível Nº 1.0024.06.076393-5/001, Nona Câmara Cível, Des. Relator Generoso Filho, Julgado em 12/08/2008. 225
RIZZARDO, Arnaldo. Responsabilidade civil. 3ª ed. São Paulo: Forense, 2007. p. 711. 226
RODRIGUES, Helder Gonçalves Dias. A responsabilidade civil e criminal nas atividades desportivas. São Paulo: Servanda, 2004. p. 189.
73
encontrar. Esta não é obrigada a adentrar ao estádio. Procede tal ação por livre e
espontânea vontade, sem haver qualquer intimação pelos agentes elencados no art.
3º do Estatuto de Defesa do Torcedor.227
O futebol profissional é um esporte que mexe, de forma até mesmo
excessiva, com os brios de seus participantes, sejam organizadores, entidades
desportivas, jogadores, arbitragem, e principalmente, seus espectadores.
Nesta esteira, discursa Arnaldo Rizzardo:
Ademais, certos eventos são insuscetíveis de evitar. Não se torna viável interromper o levante da turba que passa a ter uma conduta irracional, a qual se generaliza e contamina a maioria dos indivíduos presentes. Existem fatos da vida que, por maiores que sejam as cautelas e providências preventivas, mostram-se inevitáveis e insuscetíveis de controle.
228
Deste modo, sendo diligente a entidade desportiva responsável pela
segurança dos espectadores, de imediato se afasta a objetividade da culpa, a qual
só persistirá nos casos prontamente citados. Tem-se a seguinte jurisprudência de
exemplo:
APELAÇÃO CÍVEL - RESPONSABILIDADE CIVIL - AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS MATERIAIS E MORAIS ACIDENTE COM RESULTADO MORTE, OCORRIDO EM ESTÁDIO DE FUTEBOL TORCEDOR QUE CAI DA ARQUIBANCADA, DE UMA ALTURA APROXIMADA DE 05 METROS RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA ENTIDADE QUE ORGANIZA A COMPETIÇÃO E DO CLUBE MANDANTE FALHA NA SEGURANÇA VERIFICADA AUSÊNCIA DE CORDA DE ISOLAMENTO DO GUARDA-CORPOS - ROMPIMENTO DA REDE DE PROTEÇÃO DO FOSSO PARA AMORTECER QUEDAS - MEDIDAS DE SEGURANÇA QUE SE MOSTRARAM INEFICAZES DEVER DE INDENIZAR CULPA CONCORRENTE DA VÍTIMA, EM MAIOR EXTENSÃO REDUÇÃO PROPORCIONAL DA INDENIZAÇÃO DANOS MATERIAIS (PENSÃO MENSAL) E MORAIS CONFIGURADOS. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. 1 - A responsabilidade da entidade organizadora da competição e do clube detentor do mando de jogo, tratando-se de prejuízos causados pela falha na segurança, é objetiva, nos moldes preceituados nos arts. 13, 14 e 19 do Estatuto Torcedor, e art. 14, do Código de Defesa do Consumidor. Falha na prestação do serviço que está consubstanciada na ausência do item de segurança "isolamento do guarda-corpos com corda" e, principalmente, no rompimento da rede de proteção do fosso, colocado para amortecer quedas, que não teve a sustentabilidade necessária para suportar o peso corpóreo da vítima, permitindo a queda livre do torcedor, não atingindo, pois, a segurança que dele se esperava, sendo concausa determinante da morte do torcedor. De outro lado, tendo a vítima escalado voluntariamente o guarda-corpos, permanecendo com grande parte do seu corpo acima da grade e, portanto, desprotegida, passando a gesticular com as duas mãos e com o movimento do corpo, evidentemente que atentou contra as mais elementares regras de segurança, realizando conduta irresponsável e atentatória à sua própria
227
RODRIGUES, Helder Gonçalves Dias. A responsabilidade civil e criminal nas atividades desportivas. São Paulo: Servanda, 2004. p. 189. 228
RIZZARDO, Arnaldo. Responsabilidade civil. 3ª ed. São Paulo: Forense, 2007. p. 712.
74
integridade física, o que importa no reconhecimento da culpa concorrente da vítima pelo evento fatídico, em maior extensão, donde justificável a redução proporcional do valor indenizatório, consoante artigo 945 do Código Civil. [...].
229
É publico e notório os perigos que advém desta atividade, mesmo que
somente para assistir a um simples jogo de futebol. Cabe a cada indivíduo decidir
acompanhá-lo ou não diretamente no palco desportivo, no qual, este, “decidindo
comparecer ao local onde se realiza o jogo, automaticamente assume os fatos
possíveis de ocorrerem, e próprios a causarem danos”.230 Por isso, no âmbito
desportivo, não se pode aplicar a teoria do risco.231
Conforme a corrente subjetiva, não é possível a argumentação, somente,
de que a partir da compra de ingresso, compete às entidades desportivas a
segurança completa do espetáculo desportivo, por se tratar de responsabilidade
contratual, a qual remete ao Código de Defesa do Consumidor.232
Tal ação está relacionada à própria lei específica, qual seja, o Estatuto de
Defesa do Torcedor, no qual sendo cumprida na sua totalidade, principalmente o
disposto no Capítulo IV, que dispõe sobre a segurança do torcedor no evento
desportivo, não há que se falar em modalidade objetiva de responsabilidade civil.233
Isto, pois, o art. 19, enfatiza somente duas possibilidades de objetivação
da culpa no âmbito desportivo. E, caso se tornasse necessária a completa
segurança da cada indivíduo que adentrasse no palco desportivo, tal prática tornar-
se-ia completamente inviável.234
Sobre este ponto, discursa Arnaldo Rizzardo:
O mero fato do pagamento do bilhete não é suficiente para garantir a segurança absoluta, já que a contraprestação paga visa a assistência ao espetáculo e ao oferecimento de condições apropriadas. Impossível exercer o controle sobre cada espectador, porquanto exigiria a presença de seguranças em número equivalente à quantidade das pessoas que ingressaram no local. Haveria total inviabilidade na realização do evento esportivo.
235
229
PARANÁ. Tribunal de Justiça do Paraná. Apelação Cível Nº 663.226-6, Nona Vara Cível do Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba, Des. Relator Luiz Lopes, Julgado em 29/07/2009. 230
RIZZARDO, Arnaldo. Responsabilidade civil. 3ª ed. São Paulo: Forense, 2007. p. 711. 231
RODRIGUES, Helder Gonçalves Dias. A responsabilidade civil e criminal nas atividades desportivas. São Paulo: Servanda, 2004. p. 189. 232
RIZZARDO, Arnaldo. Responsabilidade civil. 3ª ed. São Paulo: Forense, 2007. p. 711. 233
RIZZARDO, Arnaldo. Responsabilidade civil. 3ª ed. São Paulo: Forense, 2007. p. 711. 234
RIZZARDO, Arnaldo. Responsabilidade civil. 3ª ed. São Paulo: Forense, 2007. p. 711. 235
RIZZARDO, Arnaldo. Responsabilidade civil. 3ª ed. São Paulo: Forense, 2007. p. 711.
75
Vê-se, assim, que para essa corrente, a modalidade de responsabilidade
civil a ser aplicada no âmbito desportivo é a da modalidade subjetiva, seja pela
aplicação do inteiro teor do art. 19 do Estatuto de Defesa do Torcedor, seja pela não
exigência de participação do evento desportivo.
3.2.3 Corrente jurisprudencial
Além das duas correntes doutrinárias dispostas acima, há, também,
conforme previamente discorrido, uma terceira corrente que, embora pouco
reconhecida, aduz respeito sobre uma terceira solução para a presente
problemática.
Esta se trata de uma corrente jurisprudencial, a qual alega que sendo a
Polícia Militar requisitada a comparecer ao espetáculo desportivo pela entidade
responsável, o que é uma regra elencada no art. 14, I, do Estatuto de Defesa do
Torcedor, não responde as entidades elencadas no art. 3º, pelos eventuais danos
ocorridos no interior e no exterior do palco desportivo.
Observa-se o art. 14 do precitado estatuto:
Art. 14. Sem prejuízo do disposto nos arts. 12 a 14 da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, a responsabilidade pela segurança do torcedor em evento esportivo é da entidade de prática desportiva detentora do mando de jogo e de seus dirigentes, que deverão:
I – solicitar ao Poder Público competente a presença de agentes públicos de segurança, devidamente identificados, responsáveis pela segurança dos torcedores dentro e fora dos estádios e demais locais de realização de eventos esportivos;
Assim, cabe a Polícia Militar garantir a segurança de todos os envolvidos
no espetáculo, eximindo o clube e os organizadores de qualquer responsabilidade,
tendo em vista que estes cumpriram o seu papel ao requisitar a presença do Poder
Público.
Neste sentido explana o oficial Márcio José Cabral:
O art.14 do estatuto do torcedor diz que “a responsabilidade pela segurança do torcedor em evento esportivo é da entidade de prática desportiva
76
detentora do mando de jogo e de seus dirigentes”. Ao analisar-se esta premissa legal, obviamente, observa-se que, ao fim da linha está a Polícia Militar, que é o órgão contratado pelos clubes de futebol para prestação de tal segurança, sendo que à mesma compete, por lei, estabelecer normas e diretrizes administrativas e operacionais para a execução de policiamento no evento futebolístico, com base nas normas legais já existentes.
236
Além disso, não há que se falar em responsabilização das entidades
desportivas por atos acometidos com excesso pelo Poder Público, através da Polícia
Militar, visto que não possui o poder de gerenciar os policiais.
Neste sentido é a jurisprudência pátria:
APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. TORCEDOR EM ESTÁDIO DE FUTEBOL. INEXISTÊNCIA DE RESPONSABILIDADE POR PARTE DO TIME DE FUTEBOL EM CUJO ESTÁDIO OCORRERAM OS FATOS. ATUAÇÃO EXTREMADA DA BRIGADA MILITAR. PEDIDO DE INDENIZAÇÃO POR DANO MATERIAL E MORAL NEGADO. SENTENÇA MANTIDA. 1. O Clube de futebol anfitrião cumpriu com as medidas impostas pelo Estatuto do Torcedor, no que se refere à segurança dos torcedores durante partida de futebol, e não pode ser responsabilizado pelos excessos na atuação da Brigada Militar, pois não tem ingerência sobre os policiais, que devem obediência a superior hierárquico da instituição. [...].
237
Vê-se outra jurisprudência:
APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. DANOS MORAIS. AGRESSÕES PERPETRADAS A TORCEDOR NO INTERIOR DE ESTÁDIO DE FUTEBOL. QUEBRA DO NEXO DE CAUSALIDADE. [...] Muito embora não esteja de todo desarrazoado o autor no que diz com o dever do réu de propiciar a seus torcedores e freqüentadores condições seguras em seus eventos esportivos, tenho que, no caso, não lhe assiste razão. Em que pese ocorrido no interior do estádio Beira-Rio, quando da realização de evento esportivo (jogo de futebol) promovido por parte do réu, é público e notório que o episódio foi desencadeado por atitude desmedida dos próprios integrantes da Brigada Militar, aqueles, ironicamente chamados para garantir a segurança dos torcedores. Redistribuídos os ônus de sucumbência. Apelo do réu provido. Apelo do autor julgado prejudicado. Unânime.
238
Enfim, tal corrente entende que havendo a requisição ao Poder Público
para que compareça ao evento desportivo, não há que se falar em
responsabilização do clube mandatário e nem da entidade organizadora da
competição desportiva, visto que estes já cumpriram sua função ao requisitar a
presença do órgão garantidor da segurança pública.
236
CABRAL, Márcio José. O estatuto do torcedor e o policiamento de futebol. 2004. Monografia apresentada para obtenção do título de especialista no curso de aperfeiçoamento de oficiais. Unisul. Florianópolis. 237
RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Cível Nº 70031596547, Quinta Câmara Cível, Des. Relator Luiz Felipe Brasil Santos, Julgado em 14/04/2010. 238
RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Cível Nº 70018130765, Nona Câmara Cível, Des. Relatora Iris Helena Medeiros Nogueira, Julgado em 28/03/2007.
77
CONCLUSÃO
O instituto da responsabilidade civil possui como escopo restaurar ao
status quo ante uma determinada situação, a qual sofreu um desequilíbrio em razão
de alguém ter cometido um ato ilícito, o que causou, assim, um dano a outrem.
Deste modo, caberá ao autor do dano, seja pessoa física ou jurídica, arcar com as
conseqüências de seu ato, restaurando o equilíbrio patrimonial e moral entre as
partes envolvidas.
Tal apreciação em torno da responsabilidade civil surgiu através da Lei de
Talião, conhecida pela expressão “olho por olho, dente por dente”.
Antes deste particular momento, não há registro de responsabilidade civil,
nem mesmo em seu conceito mais primitivo, visto que reinava apenas o sentimento
de vingança quando da ocorrência de um determinado dano.
Posteriormente, passado o período da Lei das XII Tábuas, e durante o
período Justiniano, surge o conceito da Lex Aquilia de damno, através da idéia de
composição, ao qual objetivava o acordo entre as partes, ao invés da ocorrência do
duplo dano, conceito imposto pela Lei de Talião.
A Lex Aquilia de damno tinha como princípio o pagamento de um
montante conhecido como poena, o qual era arbitrado subjetivamente pela
autoridade pública ou pelo próprio ofendido.
O instituto da responsabilidade civil, conforme conhecido atualmente, se
aperfeiçoou, primeiramente, no direito francês, com a criação de seu princípio geral
pelo jurista francês Domat, e, segundamente, após a revolução industrial, com a
criação da teoria do risco.
Com isso, a responsabilidade civil dividiu-se em dois nortes, passando a
subsistir a responsabilidade civil objetiva e a responsabilidade civil subjetiva.
A primeira diz respeito à responsabilidade sem comprovação de culpa,
sendo necessária, apenas, a comprovação da ação ou omissão, nexo causal, e,
obviamente, do dano.
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Este modalidade de responsabilidade civil encontra-se existente, mesmo
não juridicamente, desde os primórdios da civilização humana, no período em que o
sentimento de vingança era latente, visto que a “contra-ação” imposta pela vítima
era praticada tão somente após o juízo próprio desta.
Após a revolução industrial, esta modalidade de responsabilidade civil
perpetrou-se através da teoria do risco da atividade, porquanto os riscos
apresentados pelas recém criadas fábricas.
A segunda modalidade de responsabilidade civil dispõe sobre a
necessidade de comprovação de todos os elementos pertinentes ao instituto da
responsabilidade, quais sejam, ação ou omissão, nexo causal, dano e culpa do
agente causador do dano.
Segue neste sentido o ordenamento jurídico brasileiro, sendo a
responsabilidade civil subjetiva a sua regra geral, aplicada através dos arts. 186 e
927, caput, do Código Civil.
Entretanto, além destas, existe, ainda, uma terceira modalidade de
responsabilidade civil, que, embora não muito reconhecida em sendo uma
modalidade diversa das anteriores, é importante para o ordenamento jurídico
brasileiro. Trata-se da responsabilidade civil transubjetiva.
Esta modalidade de responsabilidade civil diverge das anteriores pelo
simples motivo de ser uma junção daquelas, porquanto haver ambas as
modalidades em uma determinada situação, onde o agente que irá responder pelo
dano será diverso daquele disposto pela responsabilidade civil subjetiva ou objetiva.
O instituto da responsabilidade civil aplica-se a todas as vivências do
cotidiano da sociedade. Por isso, na atividade desportiva, necessário se faz,
também, a sua aplicação.
A atividade desportiva, em seu conceito mais profundo, não possui
puramente limitação de conduta, não sendo imposta qualquer regra para a sua
prática. Todo cidadão poderá praticar qualquer modalidade desportiva criando suas
próprias regras, desde que não cometa nenhum dano a outrem.
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Assim, a atividade desportiva tornou-se mais do que um prazer, um
negócio, ou até mesmo um hobby, tornou-se uma necessidade para a evolução da
sociedade.
Não obstante, a atividade desportiva profissional, sem falar da amadora,
envolve uma gama gigantesca de pessoas, mexendo com diversos sentimentos,
trazendo consigo, assim, de certa forma, grandes complicações.
Deste modo, surgiram leis para acolher a espectador e os participantes do
perigo que advém destas atividades.
A responsabilidade civil no âmbito desportivo brasileiro surgiu, mesmo
que de forma indireta, através da publicação da Lei nº. 9.615 de 1998, que
equiparou os espectadores pagantes aos conceitos elencados pelo Código de
Defesa do Consumidor, criado pela Lei nº. 8.078 de 1990.
Posteriormente, com o advento do Estatuto de Defesa do Torcedor,
através da Lei nº. 10.671 de 2003, o instituto da responsabilidade civil restou
previsto expressamente no âmbito desportivo.
O art. 3º do citado estatuto equiparou a fornecedor as entidades
responsáveis pela organização do evento desportivo, bem como as entidades
desportivas detentoras do mando de jogo.
Com isso, através de tal equiparação, permaneceu a possibilidade de
utilização do Código de Defesa do Consumidor frente à atividade desportiva.
No entanto, o art. 19 do mesmo diploma legal, dispôs expressamente que
a modalidade objetiva, a espécie de responsabilidade civil consagrada no Código de
Defesa do Consumidor, será aplicada desde que comprovada “falhas de segurança”
ou “inobservância do disposto neste capítulo”.
Assim, no âmbito desportivo, a responsabilidade civil encontra-se dividida
em correntes doutrinárias e jurisprudenciais, tendo em vista o erro do legislador.
Deste modo, surgiram três correntes para tentar explicar qual modalidade
deverá ser aplicada nestas relações jurídicas: a corrente objetiva; a corrente
subjetiva; e uma corrente jurisprudencial.
A primeira corrente defende a aplicação do art. 3º do Estatuto de Defesa
do Torcedor, o qual remete ao Código de Defesa do Consumidor. Isto devido ao
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motivo de que há efetivamente uma relação consumerista entre os agentes
elencados pelo citado artigo e os espectadores do evento desportivo. Assim, aplicar-
se-á a modalidade objetiva de responsabilidade civil.
Já a segunda corrente defende a aplicação do inteiro teor do art. 19 do
Estatuto, ou seja, defende a aplicação da modalidade subjetiva de responsabilidade
civil, exceto nos casos abordados pelo citado artigo. Tal posição é adotado tendo em
vista a impossibilidade de se prever e prevenir todo e qualquer acontecimento que
poderá gerar um dano dentre as milhares de pessoas que acompanham o evento
desportivo.
A terceira corrente, tratando-se de uma corrente formada apenas por
jurisprudências, sendo assim, pouco reconhecida na doutrina, dispõe que a
responsabilidade dos espectadores nos eventos desportivos cabe a Polícia Militar,
órgão estatal chamado para realizar a segurança. Com isso, não há a
responsabilização dos agentes elencados no art. 3º do citado estatuto, visto que
cumpriram o determinado pelo art. 14, I do mesmo estatuto.
Visto isto, parte-se para uma real aplicação das teorias criadas para tentar
enquadrar a melhor modalidade de responsabilidade civil no âmbito desportivo, para,
assim, tentar responder o problema existente.
Conquanto seja racional a aplicação do Código de Defesa do Consumidor
no espetáculo futebolístico profissional, através da idéia de relação consumerista
entre os organizadores do evento e os espectadores pagantes, a teoria subjetiva
trata-se da melhor teoria a ser aplicada quando de responsabilidade civil dos clubes
de futebol por atos praticados em suas praças desportivas.
Embora o art. 3º do Estatuto de Defesa do Torcedor venha a equiparar a
fornecedor as entidades responsáveis pela organização do evento desportivo, bem
como as entidades desportivas detentoras do mando de jogo, a modalidade objetiva
não deve ser aplicada, visto que o art. 19 do mesmo diploma legal dispõe
expressamente sobre a responsabilidade civil dos agentes supracitados.
Este artigo encontra-se elencado no capítulo IV do citado estatuto, o qual
dispõe sobre a segurança dos espectadores nos eventos desportivos, sendo, deste
modo, mais específico do que o art. 3º do precitado estatuto.
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Aplicando-se a modalidade objetiva para todos os possíveis casos que
venham a ocorrer dentro de um estádio de futebol, correr-se-ia o risco de criar uma
indústria do dano, seja ele patrimonial ou moral.
Tendo os agentes mencionados cumprido todos os dispositivos do
Estatuto de Defesa do Torcedor, dentre eles a requisição de comparecimento da
Polícia Militar, órgão estatal, não há que se falar em responsabilidade objetiva.
Além disso, sendo a Polícia Militar responsável por atos que venham a
prejudicar os espectadores, cabe a esta a responsabilidade civil, aplicando-se,
assim, a terceira corrente, visto ser este o órgão estatal próprio para exercer a
segurança da platéia nos eventos desportivos.
Os espectadores do principal evento desportivo do país, não são
obrigados a adentrar o palco desportivo, e sabem que este esporte mexe com os
brios da sociedade. Assim, haver-se-á de comprovar a culpa dos agentes precitados
para haver a sua responsabilidade.
Em locais de grande aglomeração de pessoas, não há a possibilidade de
real controle sobre todos os indivíduos. Cabe aos organizadores dos eventos agirem
prontamente com a lei, para evitar eventuais danos.
No caso em tela, a lei que rege a matéria é o Estatuto de Defesa do
Torcedor, que, mesmo contendo contradição, é mais específica do que o Código de
Defesa do Consumidor. Assim, somente se aplicará tal código nos casos elencados
especificamente no art. 19 do estatuto.
Com isso, não há que se falar em aplicação da modalidade objetiva de
responsabilidade civil, e sim, em responsabilidade civil subjetiva para casos
perpetuados dentro dos palcos desportivos.
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