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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, POLÍTICAS E SOCIAIS - CEJURPS CURSO DE DIREITO
RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR ATOS JURISDICIONAIS NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO
LUCAS DIEGO BÜTTENBENDER
Itajaí, novembro de 2006
UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, POLÍTICAS E SOCIAIS - CEJURPS CURSO DE DIREITO
RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR ATOS JURISDICIONAIS NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO
LUCAS DIEGO BÜTTENBENDER
Monografia submetida à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como
requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito.
Orientador: Professor MSc. José Everton da Silva
Itajaí , novembro de 2006
AGRADECIMENTO
Primeiramente a Deus, por ter me dado a vida, o maior dom do ser humano.
A Jesus, por ter me ensinado a caminhar.
Ao meu pai, por ter me dado as primeiras noções de eqüidade.
A minha mãe, por me despertar na busca pelo conhecimento.
A minha irmã, por ajudar a moldar o que há de melhor em mim.
Ao meu orientador, pela paciência, ensinamentos e prestatividade ao longo desse trabalho, o meu sincero obrigado.
DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho a Jesus, a maior vítima da jurisdição e o maior homem que já existiu.
Dedico a Ti Senhor, e prometo, desde já, seguir no caminho dos justos.
Eu nada poderia se a minha cabeça não estivesse escorada na pedra angular.
TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE
Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo
aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do
Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o
Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.
Itajaí, 29 de novembro de 2006.
Lucas Diego Büttenbender Graduando
PÁGINA DE APROVAÇÃO
A presente monografia de conclusão do Curso de Direito da Universidade do Vale
do Itajaí – UNIVALI, elaborada pelo graduando Lucas Diego Büttenbender, sob o
título Responsabilidade Civil do Estado por Atos Jurisdicionais no Ordenamento
Jurídico Brasileiro, foi submetida em novembro de 2006 à banca examinadora
composta pelos seguintes professores: José Everton da Silva, MSc. (presidente),
Mauro Bittencourt, Dr. (membro) e Emerson de Morais Granado, MSc. (membro),
aprovada com a nota 10,0 (dez).
Itajaí, 29 de novembro de 2006.
Professor MSc. José Everton da Silva Orientador e Presidente da Banca
Professor MSc. Antônio Augusto Lapa Coordenação da Monografia
ROL DE ABREVIATURAS E SIGLAS
a.C. Antes de Cristo
CC/02 Código Civil (Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002)
CC/16 Código Civil (Lei n. 3.071, de 1º de janeiro de 1916)
CPC Código de Processo Civil (Lei n. 5.869, de 11 de janeiro de 1973)
CP Código Penal (Decreto-Lei n. 2848, de 7 de dezembro de 1940)
CPP Código de Processo Penal (Decreto-Lei n. 3.689, de 3 de outubro de 1941)
CRFB/88 Constituição da República Federativa do Brasil de 1988
d.C. Depois de Cristo
LOMAN Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Lei Complementar n. 35, de 14 de março de 1979)
ROL DE CATEGORIAS
Rol de categorias que o Autor considera estratégicas à
compreensão do seu trabalho, com seus respectivos conceitos operacionais.
Agente Público
“(...) Pessoas físicas que sob qualquer liame jurídico e algumas vezes sem ele
prestam serviços ao Estado ou realizam atividades que estão sob sua
responsabilidade” (Gasparini, 2004, p. 133).
Ato Jurisdicional 1
Todo ato jurídico e administrativo do Poder Judiciário, exercitado pelo magistrado
competente, a fim de dar persecução à atividade jurisdicional.
Dano 2
É o resultado que gera lesão patrimonial ou extrapatrimonial (moral) a vítima.
Erro Judiciário
“(...) O erro é sempre derivado da realização de um juízo, e quando promana de
ato jurisdicional, viciando deliberadamente ou não a manifestação do Estado-Juiz,
tem a natureza de erro judiciário” (Nunes, 1999, p. 106).
Estado
“(...) Ordem jurídica soberana que tem por fim o bem comum de um povo situado
em determinado território (...)” (Dallari, 2003, p. 118).
Função Jurisdicional 3
Função do Estado, reservada ao órgão do Poder Judiciário, que lhe atribui o
dever de aplicar a norma jurídica ao caso concreto, compondo os conflitos de
interesses entre os sujeitos de direito.
1 Conceito de categoria elaborado livremente pelo autor desta monografia. 2 Conceito de categoria elaborado livremente pelo autor desta monografia. 3 Conceito de categoria elaborado livremente pelo autor desta monografia.
Magistrado
“Vocábulo tecnicamente empregado para designar o juiz, ou seja, a autoridade
judiciária, a que se comete julgar as questões jurídicas” (De Plácido e Silva, 2000,
p. 508).
Ordenamento Jurídico 4
Conjunto de regras e princípios que formam um determinado sistema de normas;
aplicável a pessoas e coisas em um local determinado.
Relação de Causalidade 5
Pressuposto da responsabilidade civil que efetua a junção da ação ou omissão do
agente com o dano suportado pela vítima.
Responsabilidade Extracontratual 6
Espécie de responsabilidade civil que se inicia da violação de uma norma jurídica
que acaba por ocasionar dano a terceiro.
Responsabilidade Civil
“(...) A obrigação da pessoa física ou jurídica ofensora de reparar o dano causado
por conduta que viola um dever jurídico preexistente de não lesionar (neminem
laedere) implícito ou expresso em lei” (Stoco, 2004, p. 120).
Responsabilidade Civil do Estado 7
Responsabilidade que incumbe ao Estado o dever de reparação os danos
causados por seus agentes, no exercício de suas funções.
4 Conceito de categoria elaborado livremente pelo autor desta monografia. 5 Conceito de categoria elaborado livremente pelo autor desta monografia. 6 Conceito de categoria elaborado livremente pelo autor desta monografia. 7 Conceito de categoria elaborado livremente pelo autor desta monografia.
Responsabilidade Contratual 8
Espécie de responsabilidade civil que decorre do inadimplemento de obrigação
contida em cláusula contratual.
Responsabilidade Objetiva 9
Responsabilidade civil (baseada na teoria do risco) que utiliza o dano e a relação
de causalidade para apurar o direito à reparação.
Responsabilidade Subjetiva 10
Responsabilidade civil que se vincula a existência e comprovação da culpa
(sentido lato) do seu agente agressor.
Teoria do Risco Administrativo 11
Teoria publicista (objetiva) que leva em consideração o equilíbrio entre o Estado e
o particular para que ocorra a reparação do dano, exigindo, para tanto, a
comprovação do dano e da relação de causalidade.
8 Conceito de categoria elaborado livremente pelo autor desta monografia. 9 Conceito de categoria elaborado livremente pelo autor desta monografia. 10 Conceito de categoria elaborado livremente pelo autor desta monografia. 11 Conceito de categoria elaborado livremente pelo autor desta monografia.
SUMÁRIO
RESUMO............................................................................................. XII
INTRODUÇÃO.......................................................................................1
CAPÍTULO 1......................................... .................................................3
DO ESTADO E DA SUA FUNÇÃO JURISDICIONAL............ .............3 1.1 DAS TEORIAS DE ORIGEM DO ESTADO................ .......................................3 1.2 DAS TEORIAS DE JUSTIFICAÇÃO DO ESTADO.......... .................................5 1.2.1 Das Teorias Teológicas-Religiosas.................. ...........................................6 1.2.2 Das Teorias Racionalistas (Jusnaturalismo)... ...........................................8 1.2.3 Da Teoria do Contrato Social................. ....................................................10 1.2.4 Da Escola Histórica.......................... ...........................................................11 1.2.5 Da Escola Orgânica........................... .........................................................13 1.2.6 Da Teoria da Supremacia de Classes........... ............................................14 1.3 DO ESTADO NOS PERÍODOS HISTÓRICOS...............................................15 1.4 DAS FUNÇÕES DO ESTADO E DA SUA SEPARAÇÃO....... .......................20 1.4.1 Da Função Jurisdicional...................... .......................................................22 1.4.2 Da Magistratura e suas Garantias............. ............................................... 23
CAPÍTULO 2......................................... ..............................................26
DA RESPONSABILIDADE CIVIL.......................... .............................26 2.1 ORIGENS HISTÓRICAS.................................................................................26 2.2 DO CONCEITO DE RESPONSABILIDADE CIVIL.......... ...............................31 2.3 DAS CLASSIFICAÇÕES DA RESPONSABILIDADE CIVIL... .......................33 2.3.1 Quanto à Origem da Responsabilidade Civil.......... .................................34 2.3.2 Quanto ao Fato Gerador da Responsabilidade Ci vil...............................36 2.4 DOS PRESSUPOSTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL..... .......................38 2.4.1 Da Ação ou Omissão do Agente................. ..............................................38 2.4.2 Do Dolo ou Culpa do Agente................... ..................................................39 2.4.3 Do Dano...................................... .................................................................41 2.4.4 Da Relação de Causalidade.................... ...................................................44 2.5 DAS CAUSAS DE IRRESPONSABILIDADE............... ...................................45
CAPÍTULO 3......................................... ..............................................49
DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR ATOS JURISDICIONAIS .............................................................................................49 3.1 DAS TEORIAS DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO ....................49 3.1.1 Da Teoria da Irresponsabilidade.............. ..................................................49 3.1.2 Das Teorias Civilistas....................... ..........................................................51
3.1.3 Das Teorias Publicistas...................... ........................................................54 3.2 DA EVOLUÇÃO DAS TEORIAS DA RESPONSABILIDADE CIV IL DO ESTADO NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO.......... .........................57 3.3 DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR ATOS JURISIDICIONAIS.................................... .............................................................60 3.3.1 Considerações Preliminares................... ...................................................60 3.3.2 Dos Dispositivos Legais Pertinentes.......... ..............................................61 3.3.3 Do Erro Judiciário........................... ............................................................63 3.3.4 Da Prisão Provisória de Pessoa Inocente...... ..........................................65 3.3.5 Da Denegação da Justiça...................... .....................................................67 3.3.6 Da Responsabilização do Magistrado: Direito R egressivo.....................69
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................... .................................71
REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS ...................... ........................7
ANEXOS ..............................................................................................79
RESUMO
O presente trabalho trata da Responsabilidade Civil do
Estado por Atos Jurisdicionais e a sua inclusão no Ordenamento Jurídico
Brasileiro. Para tanto, parte-se de um breve exame sobre o ente Estado e sua
Função Jurisdicional, observando-se, inicialmente, as principais teorias que
explicam a sua origem e justificação, o seu desenvolvimento nos períodos
históricos, bem como as funções, em especial, a jurisdicional. Num segundo
momento, pesquisou-se acerca do instituto da Responsabilidade Civil, por meio
de suas origens históricas, modos de classificação, além de seus pressupostos.
Por último, efetua-se uma junção entre o instituto da Responsabilidade Civil e o
ente Estado a fim de constatar a sua atuação no campo jurisdicional, cuidando-se
de suas principais teorias, momentos de evolução e inserção no Ordenamento
Jurídico pátrio, hipóteses de ocorrência, além de uma breve explanação sobre a
responsabilidade do Magistrado junto ao Estado. Utilizou-se na fase de
investigação do método indutivo, sendo o relatório de resultados composto na
base lógica indutiva.
INTRODUÇÃO
A presente Monografia tem como objeto a Responsabilidade
Civil do Estado por Atos Jurisdicionais no Ordenamento Jurídico Brasileiro.
Teve como objetivo geral investigar o ente Estado e sua
Função Jurisdicional; e como objetivos específicos, examinar o instituto da
Responsabilidade Civil e seus pressupostos, verificando-se se é possível aplicá-la
para responsabilizar o Estado por Atos Jurisdicionais que resultem em dano.
O tema é atual e relevante, pois a Responsabilidade Civil do
Estado por Atos Jurisdicionais é um antigo ponto de discussão nos meios
jurídicos e a sua importância encontra-se principalmente na atual visão do Estado
de Direito.
Para a presente monografia foram levantadas as seguintes
hipóteses:
� O Estado assume a Responsabilidade Civil pelos atos praticados por seus Agentes Públicos no exercício de suas funções;
� A teoria do risco administrativo autoriza a Responsabilidade Civil do Estado no Ordenamento Jurídico Brasileiro;
� Com base na regra disposta no artigo 37, §6º da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, é possível aplicar o instituto da Responsabilidade Civil ao Estado quando os danos são originários de Atos Jurisdicionais;
No Capítulo 1, elegeu-se a figura do Estado como tema
principal e inicial do trabalho, tendo em vista a sua importância histórica e melhor
compreensão didática do assunto. Assim, iniciou-se o estudo pelas principais
teorias que procuram esclarecer a origem do Estado e aquelas buscam justificar a
sua existência. Após, tratou-se da idéia de Estado nos períodos históricos, para,
na seqüência, estudar-se as suas funções, em especial, a Função Jurisdicional e
o órgão do Poder Judiciário.
2
O Capítulo 2, por sua vez, tratou da Responsabilidade Civil,
para que, adiante, fosse possível observar a relação deste instituto com o Estado
e sua Função Jurisdicional. Nesta parte do trabalho, inicialmente foram
apresentadas as suas origens históricas, modos de classificá-la, os seus
pressupostos e circunstâncias que excluem a própria Responsabilidade Civil.
Por derradeiro, o Capítulo 3 versou especificamente sobre a
Responsabilidade Civil do Estado, enfatizando-se os Danos decorrentes de Atos
Jurisdicionais. De início, analisou as principais teorias que fundamentam a
possibilidade de o Estado ser ou não responsabilizado civilmente. Em um
segundo momento, apresentou-se uma sinopse acerca da inserção destas teorias
no Ordenamento Jurídico Brasileiro. Por fim, tratou-se das principais correntes
doutrinárias, dispositivos legais em vigor, figuras que destacam a atividade
jurisdicional danosa, bem como sobre o direito que o Estado tem em indenizar-se
pelos Danos que seus Magistrados derem causa nessa esfera.
O presente Relatório de Pesquisa se encerra com as
Considerações Finais, nas quais são apresentados pontos conclusivos
destacados, podendo-se verificar a confirmação (ou não) das hipóteses em
apreço, seguidas de reflexões sobre a responsabilização do Estado em razão de
Danos decorrentes de Atos Jurisdicionais.
Quanto à Metodologia empregada, registra-se que, na Fase
de Investigação foi utilizado o Método Indutivo, na Fase de Tratamento de Dados
o Método Cartesiano, e, o Relatório dos Resultados expresso na presente
Monografia é composto na base lógica Indutiva.
Nas diversas fases da pesquisa, foram utilizadas as técnicas
do Referente, da Categoria, dos Conceitos Operacionais e da Pesquisa
Bibliográfica, todas estas propostas por Pasold (2002, p. 229 e p. 240-241).
CAPÍTULO 1
DO ESTADO E DA SUA FUNÇÃO JURISDICIONAL
A princípio, antecedendo qualquer abordagem acerca da
Responsabilidade Civil do Estado, torna-se necessário reportar-se o presente
estudo à figura do Estado, passando assim, a examinar brevemente, as principais
teorias que procuram explicar a origem do Estado, bem como aquelas que
buscam justificar a sua existência no contexto social.
1.1 DAS TEORIAS DA ORIGEM DO ESTADO
Outrossim, cumpre esclarecer ainda, que o presente
capítulo não visa esgotar todas as possíveis variáveis acerca do assunto,
objetivando apenas, estabelecer idéias gerais concernentes ao ente Estado12.
Quanto às teorias que buscam explicar a origem do Estado,
Maluf (1998, p. 53) enfatiza a existência de um grande número delas, as quais
caracterizam-se por apresentarem contradições na suas premissas e conclusões.
O autor explica ainda, que são teorias baseadas em mero raciocínio hipotético,
podendo-se considerar como as principais as seguintes: teorias da origem
familiar, teorias da origem patrimonial e teorias da força.
Acerca das teorias da origem familiar do Estado, Dallari
(2003, p. 54) considera que “(...) estas teorias situam o núcleo social fundamental
na família (...)” e, ainda, que ”(...) cada família primitiva se ampliou e deu origem a
um Estado”.
Nesse interregno, importante esclarecer que as teorias
examinadas apresentam a seguinte dicotomia, mencionada por Maluf (1998, p.
12 Para fins didáticos entende-se Estado como a “(...) ordem jurídica soberana que tem por fim o
bem comum de um povo situado em determinado território (...)”. (Dallari, 2003, p. 118).
4
54), qual seja: teoria patriarcal (ou patriarcalística) e teoria matriarcal (ou
matriarcalística).
Acquaviva (1994, p. 11), ao referir-se à teoria patriarcal,
propugna que esta:
(...) Afirma que a primeira organização social humana é, com efeito, a família, grupamento cujos componentes são aparentados pelo sangue e cuja autoridade máxima é confiada a um chefe varão. A origem do próprio Estado encontrar-se-ia na união de famílias diversas, após fases sucessivas de transformação: gens
– tribo – nação – Estado (...).
Convém observar-se igualmente, que o maior divulgador
desta corrente foi o inglês Robert Filmer13, seguido por Summer Maine, Niebühr,
Mommsen, Westermack e Starke.
Já a respeito da teoria matriarcal, que prega a organização
familiar com base na autoridade da mãe, baseada na máxima mater semper
certa, Maluf (1998, p. 55) leciona que:
(...) Como era geralmente incerta a paternidade, teria sido a mãe
a dirigente e autoridade suprema das primitivas famílias, de
maneira que o clã matronímico, sendo a mais antiga forma de
organização familiar, seria o fundamento da sociedade civil.
Destacam-se como os maiores seguidores do pensamento
acima referido Bachofen, Lewis Morgan, Friedrich Engels, Giraud Telon, Grosse,
Köhler e Durkheim.
Em segundo plano, existem as teorias de origem patrimonial
do Estado, as quais pregavam que este fora criado para defender a propriedade e
a ordem patrimonial, as quais basearam-se principalmente nas idéias de Platão14.
13 “Foi no século XVII que surgiu um grande familialista, que se chamou Robert Filmer (1589-
1653), panfletário político inglês, de cuja pena saiu o livro Patriarcha; or, the Natural Power of Kings, publicado somente depois de sua morte, em 1680. Filmer ergue uma verdadeira teoria patriarcal do governo, fazendo culto a direito divino dos reis, por via do qual enveredou, afinal, em justificativa ao absolutismo monárquico, idéias essas que foram combatidas por Locke no seu Two Treatises concerning Government, em cujo primeiro volumese encontra propositada refutação ao Patriarcha". (Menezes, 1996, p. 95).
5
Sobre a teoria em destaque, Dallari (2003, p. 55)
sucintamente esclarece que segundo esse pensamento:
(...) O Estado teria sido formado para se aproveitarem os benefícios da divisão do trabalho, integrando-se as diferentes atividades profissionais, caracterizando-se, assim, o motivo econômico (...).
A última corrente de teorias que busca explicar a origem do
Estado é a das teorias da força, as quais tem fundamento no poder de dominação
do mais forte sobre o mais fraco.
Nessa direção, Menezes (1996, p. 88) propugna que estas
teorias entendem “(...) o Estado como simples instrumento de domínio, que a sua
origem dimana da violência (...)”. Acresce o autor ainda, que estas asseguram
“(...) a exploração dos vencidos pelos vencedores”.
No entanto, o principal questionamento da doutrina em
relação a esse pensamento é de que esta teoria atribui o conceito de força, como
origem de autoridade, o que não poderia ser considerado meio eficaz para
justificar a legitimidade e explicação jurídica do Estado.
1.2 DAS TEORIAS DE JUSTIFICAÇÃO DO ESTADO
Igualmente relevante para o estudo do tema pesquisado,
mostra-se necessário o exame das teorias que procuram justificar a existência do
Estado.
Importante esclarecer que enquanto as teorias de origem do
Estado visam explicar sua gênese, as teorias de justificação do Estado procuram
esclarecer a razão de sua existência no meio social, refletindo o pensamento
político do período histórico concernente a teoria difundida.
14 “A teoria patrimonial tem as raízes, segundo alguns autores, na filosofia de Platão, que admitiu,
no Livro II de sua República, originar-se o Estado da união das profissões econômicas”. (Maluf, 1998, p. 55).
6
No que tange às teorias de justificação do Estado, Maluf
(1998, p. 59) expõe que estas procuram explicar a derivação do Estado, seguindo
basicamente três linhas de pensamento, quais sejam:
(...) a) sobrenatural (Estado divino); b) da lei ou da razão natural (Estado humano); e c) da história ou da evolução (Estado social)”. Assim, entende-se necessário um breve exame de cada uma delas.
Ademais, cumpre ressaltar haver um grande número de
teorias sobre o tema, pois conforme leciona Menezes (1996, p. 77) “(...) umas
consideradas matrizes pensamentais e outras consideradas como simples
variações do estilo requintado (...)”, sendo, portanto, desnecessário e inviável
didaticamente o estudo de todas.
Esclarece-se ainda, que foi adotada a organização proposta
por Maluf (1998, p. 59-89) como base, por entender-se que esta é a que melhor
espelha os objetivos deste trabalho.
1.2.1 Das Teorias Teológicas-Religiosas
As teorias teológicas-religiosas buscam justificar o Estado
como instituição advinda de uma conjuntura mística, de origem sagrada,
perdurando no mundo inteiro, durante alguns milênios, observando-se o seu
declínio no fim da Idade Moderna. Segundo Maluf (1998, p. 60) as referidas
teorias apresentam a seguinte dicotomia: teoria do direito divino sobrenatural e
teoria do direito divino providencial.
Ao tratar da teoria do direito divino sobrenatural, Maluf
(1998, p. 60) afirma que:
Segundo esta teoria, o Estado foi fundado por Deus, através de um ato concreto de manifestação da sua vontade. O Rei é ao mesmo tempo sumo-sacerdote, representante de Deus na ordem temporal e governador civil.
A teoria em epígrafe foi muito adotada nas monarquias
orientais, como esclarece Bonavides (1995, p. 26), observando-se que nestas
7
“(...) representou a religião o princípio absoluto ao redor do qual se processava a
rotação de todas as idéias (...)”. Destarte, frisa ainda o autor que ”(...) a idéia de
Estado não poderia ser, de conseguinte, autônoma”.
Importante destacar também que a teoria em tela gozou de
grande aceitação na Europa, onde, conforme relata Menezes (1996, p. 79), foi
encarnada por Luís XIV, imperador de França, o qual, em suas Memórias ousou-
se a escrever “(...) está em Deus, e não no povo, a fonte de todo o poder, e
somente a Deus é que os reis têm de dar contas do poder que lhes foi confiado”.
Outrossim, cabe destacar ainda que, Menezes (1996, p.
79), ao citar Bossuet15, entende que este apresenta Deus como aquele que
delega aos reis a sua autoridade, como se vê no seguinte trecho:
’(...) O rei da França é verdadeiramente o representante de Deus sobre a terra; sua autoridade é, pois, absoluta; e ele não presta conta senão a Deus, que lhe ordena então governar para o bem de seus povos e não para o orgulho.
Por derradeiro, observa-se que autores como Menezes
(1996, p. 79) e Maluf (1998, p. 61-62) atribuem à teoria explanada a base para a
criação da monarquia absolutista.
Já a teoria do direito divino providencial alcançou o seu
apogeu durante a Idade Média e no período moderno, apresentando esta,
conforme Maluf (1998, p. 62) um entendimento mais racional que a anterior.
Doutrinadores como Maluf (1998, p. 63), Menezes (1996, p.
78) e Bonavides (1995, p. 27-28) apresentam como principal nome dessa corrente
Santo Tomás de Aquino, seguidos de Santo Agostinho, Suarez, Soto, Molina,
Mariana, Joseph de Maistre e De Bonald.
15 “Foi Jacques Bossuet, Bispo de Condom, 1627-1704, o mais extremado defensor dessa teoria
absolutista. Preceptor do Delfim, de 1670 a 1679, escreveu A política, obra em 10 volumes, dos quais os seis primeiros inspirados em Aristóteles e Hobbes são dedicados à instrução do herdeiro real, e, os demais, ao estudo da origem e do fundamento divino do poder. A autoridade real, disse Bossuet, é invencível, sendo-lhe único contrapeso o temor de Deus. É devida a obediência ao Rei ainda quando seja este injusto e infiel. Só no caso de agir o Rei contra Deus é que pode cessar o dever de obediência (...)”. (Maluf, 1998, p. 61).
8
Maluf (1998, p. 62) ressalta que Santo Tomás de Aquino
defendia que todo poder é divino, pregando que:
Deus dirige providencialmente o mundo, guiando a vida dos povos e determinando os acontecimentos históricos. Dessa direção suprema resulta a formação do Estado; o poder vem de Deus através do povo – per populum – como doutrinou Santo
Tomás de Aquino.
Nesse rumo, Menezes (1996, p. 78) sustenta que para essa
doutrina:
(...) O Estado é instituído pela graça da Providência divina, que o conduz indiretamente, isto é, pela direção providencial dos acontecimentos e das vontades, porque os homens, dotados de livre-arbítrio, praticam seus atos e se organizam entre si, respondendo, no entanto à onipresença de Deus.
Referindo-se à teoria em questão, Bonavides (1995, p. 28)
aclara que o Estado servia “(...) como meio para a realização dos fins espirituais
da Igreja, partindo sempre da premissa de que ao poder temporal deverá
sobrepor-se o poder sobrenatural, a ordem de Deus à ordem terrena (...)”.
Por fim, cabe ressaltar que essa teoria trouxe forte oposição
ao absolutismo monárquico, ditando parâmetros para a consolidação do
cristianismo junto ao estado medieval, tema este que será devidamente
explanado posteriormente.
1.2.2 Das Teorias Racionalistas (Jusnaturalismo)
As teorias racionalistas utilizam-se da razão humana como
instrumento nuclear para fundamentar a existência do Estado, tendo como
principais defensores Hugo Grotius, Puffendorf, Thomas Hobbes16, John Locke17,
Immanuel Kant18 e Benedito Spinoza.
16 Thomas Hobbes estudou em Oxford, onde se formou no ano de 1608. Em seguida, torna-se o
preceptor de um filho do futuro Conde de Devonshire, posteriormente, trabalhando como
9
Ao explanar acerca do tema, Bonavides (1995, p. 31)
acrescenta que estas teorias contêm direção filosófica individualista, apoiadas em
teorias contratuais, tendo seu apogeu durante o século XVIII, contribuindo para
destruição da estrutura política e social do feudalismo.
Hugo Grotius é considerado pela doutrina especializada
como o precursor da doutrina do direito natural. Conforme Maluf (1998, p.66), o
Estado para Grotius é “(...) uma sociedade perfeita de homens livres que tem por
finalidade a regulamentação do direito e a consecução do bem-estar coletivo”.
Em exame à obra de Thomas Hobbes, defensor da
monarquia absolutista, Acquaviva (1994, p. 12) explica que para este:
(...) O homem era um ser anti-social por natureza, e seu ‘apetite-social’ seria fruto da necessidade da vida comunitária, fiscalizada por um aparato social gigantesco destinado a impor a ordem, o Estado, enfim. A este aparato Hobbes denominava ‘Leviatã’(...).
Já em relação a Locke, precursor do liberalismo19 na
Inglaterra, o qual sustentava forte oposição às idéias de Hobbes, convém
mencionar Menezes (1996, p. 85), o qual extrai a idéia intrínseca de Estado para
Locke, afirmando que:
secretário de Francis Bacon. Hobbes considera o Estado monstruoso referindo-se a sua dimensão, assim, compara-o ao monstro bíblico Leviatã – nome que dá título à sua obra. Dessa maneira “(...) o que há de monstruoso no Estado é seu caráter artificial: quem o ocupa pode ser um homem ou vários deles, mas não há qualidade de indivíduos naturais, pois são antes de mais nada representantes de uma única vontade consolidada pelo pacto entre todos(...)”. (Abrão, 1999, p. 235 e 238).
17 John Locke nasce em Wrington, perto de Bristol (Somerset), em 1632. Estuda em Oxford buscando a carreira religiosa, onde, no entanto seus interesses se voltam à medicina. No ano de 1667, torna-se médico particular e conselheiro político de lorde Ashley, futuro conde de Shaftesbury e líder de oposição do rei Carlos II. Locke justifica o Estado explicando que os homens decidiram renunciar à sua liberdade natural, principalmente ao direito de executar a lei da natureza com as próprias mãos, entregando-a ao corpo político, ou seja, ao Estado. (Abrão, 1999, p. 240 e 244).
18 “A passagem do status naturalis ao status civilis é o momento racionalmente decisivo para a implantação da liberdade na ordem de coexistência dos indivíduos. O Estado natural não é um estado fora do Direito, na concepção contratualista de Kant”. (Bonavides, 1996, p. 111).
19 “O Liberalismo se consolidou como uma filosofia de progresso – econômico, social e técnico – ao propor, essencialmente, uma liberação total das potencialidades dos indivíduos, com suas premissas básicas assentadas na liberdade, (...) segundo este Liberalismo, o Governo seria de certa forma, necessário, mas não natural. Só a liberdade seria condição natural do homem. Portanto, a única fonte possível de legitimidade da autoridade política é o convencimento dos cidadãos da utilidade para a Sociedade desta autoridade pública”. (Cruz, 2002, p. 92-93).
10
(...) O que dá nascimento a uma sociedade política, o que a institui efetivamente não é outra coisa senão o consentimento para isso de certo número de homens livres, prestes a aceitar o princípio majoritário, concordando em unir-se para formar um só corpo social. É isto e isto somente o que tem podido e poderá ainda dar origem a um governo legítimo (...).
Importante expor ainda que a doutrina em geral atribui a
Locke a autoria da teoria dos três poderes, posteriormente desenvolvida por
Montesquieu20.
Conclusivamente, observa-se que a teoria em matiz
propagou idéias abstratas a fim de justificar o Estado e que, posteriormente,
desfrutaram de grande apreço nas distintas fases de transição do Estado
Moderno, tema este, que será esclarecido adiante.
1.2.3 Da Teoria do Contrato Social
A teoria contratualista, de origem convencional da
sociedade humana, a qual identifica-se com o jusnaturalismo, encontrou seu
ápice junto aos filósofos do século XVII.
Nesse sentido, observa Dallari (2003, p. 54) que as:
(...) Teorias que sustentem a formação contratual do Estado, apresentam em comum, apesar de também divergirem entre si quanto às causas, a crença em que foi a vontade de alguns homens, ou então de todos os homens, que levou à criação do Estado (...).
Para Azambuja (2003, p. 99), “com Hobbes, Spinosa,
Grotius, Puffendorf, Tomasius, Locke e Rosseau21 é que o contrato social
assumiu uma importância primordial”.
20 “(...) com Montesquieu, a teoria da separação dos poderes já é concebida como um sistema em
que se conjugam um legislativo, um executivo e um judiciário, harmônicos e independentes entre si, tomando, praticamente, a configuração que iria aparecer na maioria das Constituições(...)”. (Dallari, 2003, p. 218).
21 Jean-Jacques Rousseau nasceu em Genebra, na Suíça, em 1712. Órfão de mãe desde o nascimento foi criado por seu pai Isaac Rousseau, o qual o incitou à leitura de clássicos desde muito cedo. Em sua obra máxima Do Contrato Social, Rousseau apresenta idéia diversa à de
11
Em relação às idéias de Rousseau, maior teórico do
contrato social, Azambuja (2003, p. 99) propaga que este:
(...) Tenta, ao menos, em teoria, fugir ao absolutismo a que fatalmente teria de chegar sua doutrina, que funda o Direito e o Estado exclusivamente na igualdade dos homens, sem admitir nenhum princípio ou norma permanente que limitasse a vontade geral. E os argumentos que usa vão desde a declamação ao mais espantosos dos sofismas, disfarçados em lógica fictícia e aparente (...).
Maluf (1998, p. 73), por sua vez, ao tratar da teoria de
Rousseau, ensina que para este o Estado “(...) resulta da vontade geral, que é a
soma da vontade manifestada pela maioria dos indivíduos (...)”. Esclarece, ainda,
o autor que para Rousseau a nação (povo organizado) é superior ao rei, sendo
direito legal decorrente da soberania nacional, instituindo-se o governo a fim de
promover o bem comum, ficando a critério do povo mantê-lo.
Derradeiramente, necessário mencionar ainda, que
segundo Maluf (1998, p. 69), o pensamento de Rousseau foi o dínamo propulsor
da Revolução Francesa, considerando também (1998, p. 75), a teoria citada como
uma verdade imperecível, a qual, dominará o pensamento democrático na
atualidade e no futuro.
1.2.4 Da Escola Histórica
Ao contrário do que prega a teoria contratualista, que
considera o Estado como fruto de uma convenção entre os indivíduos, a teoria
desenvolvida pela escola histórica fundamenta-se na premissa que considera o
Estado como resultado natural de um agrupamento de pessoas que vivem em um
determinado local.
Nessa linha, Menezes (1996, p. 97) esclarece que esta
teoria propaga que ”(...) a sociedade política se formou na ordem regular das
Hobbes e Locke, atribuindo ao contrato a função de transmitir a vontade geral e soberana do povo, com o fim de preservar a liberdade, considerada por este, o bem mais precioso que o homem pode usufruir. (Abrão, 1999, p. 282 e 286-287).
12
coisas, em cujos meandros se firmou e legitimou o poder como decorrência da
própria necessidade de vida em conjunto”.
Aderindo a este entendimento, que prega a formação
natural do Estado, Dallari (2003, p. 54) ensina que segundo esta teoria “(...) o
Estado se formou naturalmente, não por um ato puramente voluntário”.
Cabe inteirar ainda, que a teoria em questão fundamentou-
se no pensamento de Aristóteles22 (1999, p. 146), o qual aduz “(...) que o Estado
é uma criação da natureza e que o homem é, por sua natureza, um animal político
(...)”.
Os principais defensores desta teoria são Gustavo Hugo e
Savigny na Alemanha, além de Adam Muller, Bluntschli23, Rudolph Von Ihering,
sendo seu maior defensor o inglês Edmundo Burke24.
Queirós Lima apud Menezes (1996, p. 98-99) salienta que
segundo Burke, o Estado:
(...) Não é obra voluntária, convencional, artificial dos homens, mas o produto histórico da lenta evolução dos costumes de um povo, o resultado do concurso de condições independentes da vontade das maiorias ocasionais (...).
Por fim, observa-se que grande parte da doutrina
especializada, tal como Maluf (1998, p. 78) salienta que esta corrente serviu como
22 Aristóteles nasceu em 384 a.C. em Estagira, na atual Macedônia. Discípulo da escola de Platão
teve como seu pupilo Alexandre Magno, imperador da Macedônia. Em sua célebre obra A Política, afirmava ser o homem um animal político, que vive naturalmente em sociedade. Além disso, ainda classificou as diferentes formas de governo como: governo de um só indivíduo (monarquia e despotismo), de alguns (aristocracia e oligarquia) e de todos (democracia). (Abrão, 1999, p. 53-54 e 67).
23 “(...) foi de Johan Kaspar Bluntschli (1808-1881), jurisperito suíço-germânico, de tão grande renome como estatólogo, que, balizando-se na sociabilidade natural do homem e na consciência do Estado, resume a concepção, que os antigos tiveram tacitamente, de que a sociedade política é indiretamente divina, porque Deus proporcionou aos homens aquela sociabilidade, e por conseqüência, quis o Estado (...)”. (Menezes, 1996, p. 99-100).
24 “O principal expoente da escola histórica, no vasto campo do direito público, foi Edmundo Burke, notável orador e parlamentar inglês, membro da Câmara dos Comuns a partir de 1766 pelo partido Whig, e autor da monumental obra Reflexões sobre a Revolução Francesa”. (Maluf, 1998, p. 78).
13
base aos movimentos nacionalistas do século XX, entre os quais o fascismo,
trazendo consigo o ideal de restauração das glórias do antigo império romano.
1.2.5 Da Escola Orgânica
A escola orgânica fundamenta-se em preceitos da filosofia
panteísta25, tendo seu alvorecer na Alemanha, durante o século XIX. Pregava a
teoria em questão, que o Estado é uma estrutura com características idênticas a
um organismo vivo.
Nesse sentido, Maluf (1998, p. 80) leciona que:
(...) O Estado, segundo esta doutrina, é um organismo natural, semelhante aos organismos dos seres vivos, sujeito às mesmas leis biológicas. É um ser coletivo, um superser, dotado de membros, órgãos, unidade biológica e fisiologia própria, tal como os seres do reino animal (...).
Dentre os principais integrantes desta escola encontram-se
Hegel, Schelling, Herbhart, Krause, Roeder e Ahrens.
Todavia, como relata Maluf (1998, p. 81), com o
aparecimento de Bluntschli26 a escola orgânica ganha novo rumo, abandonando-
se o comparativo com organismos biológicos, passando-se a assemelhar o
Estado com organismos psicológicos ou éticos, contudo, sem deixar o campo da
ficção.
Azambuja (2003, p. 109), ao tratar dos ensinamentos de
Bluntschli, explica que o Estado para este, pode formar-se de três maneiras: de
modo originário, secundário ou derivado. Na primeira hipótese, a formação é
nova, sem derivar de outro Estado pré-existente. Na segunda hipótese, ocorre a
25 “A palavra panteísmo vem do grego: pan, todo, tudo; théos, Deus; mais o sufixo ismo.(...) o
panteísmo é um sistema filosófico monista que integra em uma só realidade Deus e o mundo. Identifica o sujeito com o objeto no absoluto. O absoluto manifesta-se na natureza, pelos reinos animal, vegetal e mineral; e na história, através da família, da sociedade e do Estado. O Estado é uma das expressões do absoluto. Nega este sistema o livre-arbítrio e todas as formas de convencionalismo jurídico, para admitir em tudo um fatalismo cego, um indeterminismo invencível. Deus está presente em todas as manifestações da natureza; assim no Direito e no Estado(...). (Maluf, 1999, p. 79).
26 Embora Bluntschli figure como teórico da escola histórica, suas idéias foram primordiais para a formação do pensamento da escola orgânica.
14
junção de vários Estados para formar um novo, ou do fracionamento de um
anterior para formar outros. Já na terceira, a formação surge por influência de
outros Estados.
Diante das proposições de Bluntschli, Azambuja (2003, p.
110) aponta como exemplo típico da formação secundária do Estado a separação
do Império Austro-Húngaro em conseqüência da 1ª Guerra Mundial. Já como
exemplo de formação derivada do Estado, o mais significativo seria o processo de
colonização, como nos Estados americanos.
1.2.6 Da Teoria da Supremacia de Classes
Fruto da escola sociológica alemã, a teoria da supremacia
de classes, baseia-se nos princípios da força e do interesse patrimonial para
justificar a existência do Estado, tendo como precursores Ludwig Gumplowicz27 e
Franz Oppenheimer.
Nesse contexto, Dallari (2003, p. 54) comenta que:
(...) Com pequenas variantes, essas teorias sustentam, em síntese, que a superioridade de força de um grupo social permitiu-lhe submeter um grupo mais fraco, nascendo o Estado dessa conjunção de dominantes e dominados (...).
Azambuja (2003, p. 101), citando Gumplowicz, aduz que
segundo o pensamento deste:
(...) O Estado é um fenômeno social, produto de ações naturais, de que a primeira é ‘a subjugação de um grupo social por outro grupo e o estabelecimento, pelo primeiro, de uma organização que lhe permite dominar o outro.
27 A obra de Ludwig Gumplowicz (1838-1909), jurisconsulto polonês e professor de Ciência
Política na Universidade de Graz é preferentemente sobre sociologia, cuja concepção basilar ele faz repousar na existência primordial de grupos humanos muito diferentes uns dos outros, conduzidos à luta pela vida em face de sua heterogeneidade radical (...). (Menezes, 1996, p. 89-90).
15
Cumpre complementar ainda, que também aderiu à escola sociológica alemã o francês Léon Duguit28, o qual formulou teoria particular, em desenvolvimento ao pensamento de Gumplowicz.
Menezes (1996, p. 89), ao tratar de Oppenheimer, cita o
seguinte trecho de autoria deste último, para o qual, o Estado é:
(...) Uma organização social imposta por um grupo vencedor a um grupo vencido, organização cujo único objetivo é regular a dominação do primeiro sobre o segundo, defendendo sua autoridade contra as revoltas internas e os ataques externos.
Conclusivamente, tem-se ainda que Maluf (1998, p. 84)
destaca que Marx e Engels deram ampla desenvoltura à teoria em epígrafe,
servindo esta como fundamento às idéias do Estado comunista.
1.3 DO ESTADO NOS PERÍODOS HISTÓRICOS
A concepção que atualmente assume o Estado no mundo
ocidental é fruto de um poderoso processo de transformações históricas que
culminou na presente conjuntura sócio-política. Destarte, mostra-se necessário
um breve resgate histórico acerca da atuação do Estado no desenvolvimento
social ao longo dos distintos períodos históricos.
Em exame ao papel do Estado na Idade Antiga, Dallari
(2003, p. 62), em alusão a Gettel29 afirma que neste período histórico o Estado
inseria-se num conjunto confuso e de difícil separação, formado também pela
família, pela religião e organização econômica da época. O autor acrescenta
ainda que “(...) a influência predominante foi a religiosa, afirmando-se a
autoridade dos governantes e as normas de comportamento individual e coletivo
como expressões da vontade de um poder divino (...)”.
28 (...) sua teoria limita-se a explicar o Estado como fato consumado: os fracos submeteram-se à
autoridade dos fortes, para poderem contar com segurança e proteção (...) assim o Estado consiste numa organização em que vontades individuais dominantes dirigem a massa de governados. (Maluf, 1998, p. 84).
29 GETTEL, Raymond G. Historia de las Ideas Políticas, vol. I, págs 61 e segs.
16
Convém salientar que se destacaram neste período
histórico o Estado Grego30 e o Estado Romano.
O Estado Grego, conforme leciona Azambuja (2003, p.
140), instituía-se em sua grande parte na forma de oligarquia31, com pequena
extensão e população, representado pelas polis (cidades gregas), as quais
formavam um todo econômico, social e político dotado de vida própria. Sustenta o
doutrinador que o Estado grego é uma religião, na qual o culto religioso e o Direito
eram funções do Estado, submetendo todos os cidadãos e eximindo-os de uma
verdadeira liberdade política.
Maluf (1998, p. 98), ao tratar do apogeu da estrutura social
de Atenas, explica que:
(...) Sob a liderança de Péricles, apresentava, na sua população de meio milhão de habitantes, cerca de 60% de escravos, sem direitos políticos de qualquer espécie, além de cerca de 20.000 estrangeiros. Resumia-se a pouco mais de 40.000 os cidadãos
que governavam Atenas (...).
Conclui dessa forma Maluf (1998, p. 98) que o Estado
Grego nunca chegou a ser um Estado democrático na acepção do direito público
moderno.
Já quanto ao Estado Romano32, Dallari (2003, p. 64)
enfatiza que este experimentou várias formas de governo, gozando de grande
dimensão territorial, atingindo ainda, diversos povos com organizações e culturas
díspares, constituindo-se num império mundial. Destaca também, que as
30 “(...) a expressão acima é convencionada, em virtude de, à justa, não existir o Estado grego,
mas sim diversos Estados helênicos, formados cada um por uma porção da coletividade fixada em cada centro urbano daquele mundo, que estava integrado por um grupo de cidades, distribuídas nas colinas e vales da Grécia, nas encostas e ilhas vizinhas”. (Menezes, 1996, p.110).
31 “Do grego oligoi, poucos, e arche, governo, oligarquia significa, literalmente, governo de poucos. Entretanto, como aristocracia significa, também, governo de poucos – porém, os melhores -, tem-se, por oligarquia, o governo de poucos em benefício próprio, com amparo na riqueza pecuniária (...)”. (Acquaviva, 1994, p. 150).
32 “O Estado romano tinha a sua origem, efetivamente, na ampliação da família. A família era constituída pelo pater, seus parentes agnados, os parentes destes, os escravos (servus) e mais os estranhos que se associavam ao grupo (famulus). A autoridade do pater familia era absoluta: pontífice, censor de costumes, juiz e senhor, com poder de vida e morte sobre todos os componentes do grupo (jus vitae et necis)”. (Maluf, 1998, p. 101).
17
chamadas famílias patrícias eram a base da organização estatal, sendo que lenta
e gradativamente, outras camadas sociais foram adquirindo direitos.
Já em relação à Idade Média - compreendida entre 476 d.C.
a 1453 d.C. – Menezes (1996, p. 115) ressalta que o cristianismo33, as invasões
bárbaras34 e o regime feudal foram as características mais marcantes deste
período.
Acerca do regime feudal, Menezes (1996, p 117) aclara que
“(...) os homens punham-se debaixo da proteção dos próprios, ficando, em troca,
ligados ao solo e sujeitos à prestação de serviços (...)”. Reitera o doutrinador que
diante de um vasto território, fracionado pelo domínio individual de vários barões
feudais, impossibilitou-se o feudalismo instituir uma autoridade una e absoluta.
Além dos fatores em questão, Azambuja (2003, p. 144)
acrescenta que “a luta pelo poder temporal e espiritual, que acompanhou o
aparecimento e a consolidação dos novos Estados terminou com o
estabelecimento das monarquias absolutas (...)”.
Diante da queda do Estado Medieval em virtude da
dificuldade de estabelecer-se um poder soberano, surge o Estado Moderno,
fundamentado no absolutismo monárquico35, o qual, segundo Dallari (2003, p.
70), trazia como característica fundamental a unidade territorial dotada de um
poder soberano.
33 “A doutrina cristã e a propagação da Igreja constituem, a qualquer exame, influências cardeais
na marcha do pensamento político, marcado pela tradição romana e que recebe, por igual, a contribuição ideológica das migrações de, principalmente, eslavos, godos e germanos, sob o tipo de instituições diversas, estabelecendo-se, em conseqüência, forte oposição entre a nova sociedade religiosa, a sociedade patriarcal dos bárbaros e a sociedade imperial de fato decadente, mas não absolutamente extinta (...)”. (Menezes, 1996, p. 115-116).
34 “As invasões dos bárbaros, iniciadas já no século III, e reiteradas até o século VI, representadas por incursões de hordas armadas pelo território do Império Romano, constituíram um fator de grave perturbação e de profundas transformações na ordem estabelecida (...)”. (Dallari, 2003, p. 68).
35 “O absolutismo monárquico, que surgiu no fim da Idade Média e triunfou em todo o continente europeu, procurou instalar-se na Inglaterra com Carlos I, mas ali encontrou a reação de uma consciência liberal já amadurecida, cujo processo de evolução se iniciara com a revolta das baronias em 1215”. (Maluf, 1998, p. 123).
18
Nesse contexto, Maluf (1998, p. 115) propaga que a
monarquia absolutista “(...) compõe um período de transição para os tempos
modernos (...)” sendo que das idéias de Maquiavel, Bodin e Botero:
(...) Teve suas fulgurações produzidas pelo verniz teórico dos humanistas da Renascença, os quais, afastando os fundamentos teológicos do Estado, passaram a encarar a ciência política por um novo prisma, exageradamente realista.
Ao tratar do absolutismo, Menezes (1996, p. 119) destaca
que este regime apresentava poderes ilimitados ao monarca, muito bem
simbolizado no dizer “L’ État c’est moi” 36 de Luís XIV. Essa máxima, por sinal, é
muito usada para representar a idéia de Estado civilmente irresponsável,
circunstancia que será melhor explanada adiante.
Entretanto, como propõe Maluf (1998, p. 123) surge na
Inglaterra, pela burguesia emergente, em meio as aspirações do liberalismo de
John Locke, idéias anti-absolutistas, as quais consolidando este pensamento,
culminaram na assinatura da declaração de direitos Bill of Rights37.
Enquanto isso, na França borbulhavam princípios liberais
que apoiadas nas idéias de Montesquieu38, Voltaire e D’Argeson, culminaram na
Revolução Francesa39, eternizada pelo lema de liberdade, igualdade e
fraternidade.
36 A tradução da expressão para o português é: “O Estado sou eu”. 37“No ano de 1689 o Parlamento Britânico aprovou um documento que passou a ser conhecido
como Bill of Rights e que para muitos teve o sentido de uma nova Magna Carta. Na realidade, esse documento, cujo título oficial foi ‘Um ato declarando os direitos e as liberdades da pessoa e ajustando a sucessão da coroa’, veio em seguida a uma declaração que visava dar legitimidade aos sucessores do rei que havia fugido, bem como afirmara a legitimidade do próprio Parlamento. O novo texto aprovado por esse Parlamento foi promulgado como declaração com força de lei, razão pela qual passou a ser conhecido como Bill of Rights”. (Dallari, 2003, p. 208).
38 A Constituição da República Federativa do Brasil estabelece em seu artigo 2º, os poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário, aderindo à tripartição de poderes proposta por Montesquieu.
39 “A revolução popular de 1789, baseada nas idéias liberais do século XVIII, nivelou os Três Estados, suprimiu todos os privilégios e proclamou o princípio de soberania nacional. Foram estas as máximas da revolução: todo governo que não provém da vontade nacional é tirania; a nação é soberana e sua soberania é uma, indivisível, inalienável e imprescritível; o Estado é uma organização artificial, precária, resultante de um pacto nacional voluntário, sendo o seu destino o de servir ao homem; o pacto social se rompe quando uma parte lhe viola as cláusulas; não há governo legítimo sem o consentimento popular; a Assembléia Nacional representa a
19
Importante acrescentar que surge nesse período a idéia de
Responsabilidade Civil do Estado, que como assinala Mukai (1999, p. 524):
(...) Os governos liberais, equiparando os particulares ao Estado, passaram a admitir a Responsabilidade do Estado decorrente de atos culposos de seus agentes, baseada, portanto, em regras civilistas.
Outrossim, Azambuja (2003, p. 145-146) explica que o
Estado Liberal diante dos novos problemas e necessidades, os quais o indivíduo
e o povo exigiam resolução pelo Estado, ocasionaram uma hipertrofia deste “(...)
exatamente para atender os reclamos dos que mais tenazmente pretendiam
defender os direitos dos indivíduos contra o poder do Estado (...)”.
Assim, Azambuja (2003, p. 146) defende que o termo exato
para traduzir o Estado Moderno é burocracia, governo dos funcionários, afirmando
que “(...) o Estado burocrata é uma expressão mais real do que qualquer outra”.
Em contraposição as idéias liberais, surgiram ainda as
doutrinas totalitárias, representadas pelo comunismo, fascismo e nazismo, as
quais segundo Azambuja (2003, p. 148) “(...) preconizam a absorção total e
absoluta do homem em uma classe, no Estado ou em uma raça”.
Porquanto, da igualmente infrutífera tentativa dessas
últimas, em suprir o fim social esquecido pelo Estado Liberal, surgiu o Estado
Contemporâneo, o qual Bonavides (1996, p. 13) explica constituir-se:
(...) De uma inspiração de justiça, igualdade e liberdade; é a criação mais sugestiva do século constitucional, o princípio governativo mais rico em gestação no universo político do Ocidente.
Pasold (1988, p. 43) tomando por referente o discurso
constitucional, atribui o surgimento do Estado Contemporâneo à segunda década
do século XX, através da Constituição Mexicana de 1917 e da Constituição de
Weimar de 1919.
vontade da maioria que equivale à vontade geral; a lei é expressa da vontade geral; (...)”. (Maluf, 1998, p. 126).
20
Nessa mesma linha, continua Pasold (1988, p. 45),
conceituando o Estado Contemporâneo como aquele que detém:
(...) Seu compromisso com o Bem Comum, compreendido este além da satisfação das necessidades materiais, alcançando a dimensão do respeito aos valores fundamentais da pessoa humana, os quais devem sustentar o interesse comum.
Por derradeiro, verifica-se ser o Estado Contemporâneo
aquele que tem por finalidade o bem comum, fim este, particular a cada Estado
em específico, como aclara Dallari (2003, p. 107) é o bem comum de um certo
povo, situado em determinado território.
1.4 DAS FUNÇÕES DO ESTADO E DA SUA SEPARAÇÃO
Realizado uma sinopse acerca da origem e formação do
Estado ao longo dos períodos históricos, verte-se o estudo às funções do Estado.
De início, ao utilizar como norte a concepção de Dallari
(2003, p. 119), é possível afirmar que a existência do Estado pressupõe a de uma
ordem jurídica soberana, vinculando-se o seu conceito à idéia de poder40.
Nessa íntima relação entre Estado e poder, surge, segundo
Moraes (2004, p. 382), a teoria de separação dos Poderes, já esboçada por
Aristóteles, e que, posteriormente, seria reconhecida por Locke e definitivamente
consagrada por Montesquieu.
Conforme Moraes (2004, p. 382), a citada teoria consiste
em distinguir três funções estatais, quais sejam, legislação, administração e
jurisdição, atribuídas, por conseguinte, a três órgãos autônomos entre si, que as
exercem com exclusividade. Estes órgãos servem ainda como mecanismos de
controles recíprocos, sempre como garantia da perpetuidade do Estado
democrático de Direito.
40 Acerca do poder na atuação do Estado, Dallari elucida que “(...) no Estado, o poder se reveste
de características que não são encontradas em outro lugar, a saber: seu modo de enraizamento no grupo lhe dá uma originalidade que repercute na situação dos governantes e sua finalidade o liberta da arbitrariedade das vontades individuais; seu exercício, enfim, obedece a regras que limitam o seu perigo”.
21
Logo, sob os contornos da teoria em exame, Dallari (2003,
p. 209) infere que o sistema de separação de poderes consistiria num gigantesco
aparato de freios e contrapesos, onde cada órgão teria uma função específica,
limitando a sua atuação e a dos demais.
Nesse contexto, Slaibi Filho (2004, p. 623) estabelece
diferenças gerais entre as funções de legislar e jurisdicionar:
(...) a legislação é uma produção do direito sub specie normativa,
isto é, uma produção de normas jurídicas; poderíamos dizer, uma produção do preceito em série, para casos típicos, não para casos concretos. A jurisdição, pelo contrário, produz preceitos, ministra direito para cada caso singular; ousarei dizer, não trabalha para armazenar, mas por encomenda, sob medida.
Por último, Slaibi Filho (2004, p. 625-626) descreve a
função de administração, onde, por meio da qual seriam resolvidos os problemas
emergentes, caracterizando-se numa diuturna atuação visando satisfazer o
interesse público. Sua finalidade essencial seria a validade do ato da
administração, agindo sempre em favor do interesse do Estado.
Isto posto, constata-se que o Estado possui três funções
basicamente definidas: administrar, legislar e jurisdicionar. Com efeito, a primeira
visa satisfazer o interesse público de modo imediato, a segunda produzir normas
e a última, aplicar as normas aos casos concretos.
No ordenamento pátrio, a divisão das funções do Estado é
elevada ao status de princípio constitucional fundamental, previsto no art. 2º da
Constituição da República Federativa do Brasil de 198841, ao definir que são
Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o
Executivo e o Judiciário.
No entanto, cabe observar que embora sejam descritos no
texto constitucional como poderes, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário são
órgãos do Estado, dotados com funções próprias, pois como instrui Dallari (2003,
p. 215), embora seja clássica a expressão separação de poderes, que alguns
41 Doravante denominada CRFB/88.
22
autores desvirtuaram para divisão de poderes, é ponto pacífico que o poder do
Estado é uno e indivisível.
1.4.1 Da Função Jurisdicional e o Poder Judiciário
Dada a devida abordagem às funções do Estado, traz-se à
presente investigação o estudo da Função Jurisdicional, por ser esta essencial ao
conhecimento do tema pesquisado.
Ao tratar da matéria, Azambuja (2003, p. 200) aclara que
cabe ao Poder Judiciário a função precípua de interpretar e aplicar a lei nos
dissídios surgidos entre os cidadãos ou entre os cidadãos e o Estado. Entretanto,
certifica que nem toda Função Jurisdicional está entregue ao Poder Judiciário,
pois o Executivo também exerce funções jurisdicionais em processos
administrativos, e o Legislativo, ao julgar um Ministro, também exerce função de
natureza jurisdicional. Assim, o fator que determina o Poder Judiciário como típico
detentor da Função Jurisdicional é sua autonomia na esfera de competência que
a Constituição lhe atribuiu.
Nessa banda, Santos (2004, p. 67) sustenta que a Função
Jurisdicional é própria e exclusiva do Poder Judiciário, pois, dentro desta, atua o
direito objetivo na composição dos conflitos de interesses concorrentes.
Além disso, Santos (2004, p. 67) menciona que:
É função do Estado desde o momento em que, proibida a autotutela dos interesses individuais em conflito, por comprometedora da paz jurídica, se reconheceu que nenhum outro poder se encontra em melhores condições de dirimir os litígios do que o Estado, não só pela força que dispõe, como por nele presumir-se interesse em assegurar a ordem jurídica estabelecida.
Ao completar seu raciocínio, Santos (2004, p. 67) conceitua
a Função Jurisdicional como uma das funções de soberania do Estado. Ainda
segundo o autor, esta consiste no poder de atuar o direito objetivo, que o próprio
Estado elaborou, compondo os conflitos de interesses e dessa forma
resguardando a ordem jurídica e a autoridade da lei. Por derradeiro, destaca que
23
a Função Jurisdicional é, assim, como que um prolongamento da função
legislativa, e a pressupõe.
Pela inteligência em exposição, verifica-se que o Poder
Judiciário, através da Função Jurisdicional objetiva a solução dos conflitos de
interesses, sejam individuais ou coletivos, públicos ou privados, legitimando seus
atos de jurisdição, em regras gerais abstratas (normas) que regulam as condutas
no meio social. Destarte, é do Estado o dever de dizer o direito (pela norma) e,
posteriormente, declará-lo (pela jurisdição).
Ademais, a fim de alcançar sua atividade fim, o Poder
Judiciário possui demais atribuições (administrativa e legislativa), todavia, como
explica Nunes (1999, p. 51), todas estas constituem atividade judiciária que
compreendem a Função Jurisdicional. Desse modo, complementa o autor que:
(...) a atividade jurisdicional não se limita à prolação da sentença, porque também são jurisdicionais os demais atos praticados pelo juiz no decorrer do processo de conhecimento, como as decisões interlocutórias e os despachos (...).
Observa-se ainda, que a CRFB/88 proporciona ao Poder
Judiciário autonomia administrativa e financeira (art. 99, caput), além de um
repleto arcabouço de princípios42 para o exercício da atividade judiciária e
garantias aos seus Magistrados, como será visto a seguir.
1.4.2 Da Magistratura e suas Garantias
Como já constatado anteriormente, o Estado é um ente
fictício, não podendo realizar por si só as atividades pelas quais encontra-se
incumbido.
42 Consoante Cintra, Grinover e Dinamarco (2001, p. 137-140) figuram como princípios vetores da
atividade judiciária: a) o princípio da investidura; b) o princípio da aderência ao território; c) o princípio da indelegabilidade; d) o princípio inevitabilidade; e) o princípio da inafastabilidade; f) o princípio do juiz natural; e g) o princípio da inércia dos órgãos jurisdicionais.
24
Dessa maneira, o Estado acha em um número considerável
de pessoas físicas43, o meio eficaz de realizar seus serviços, recebendo estas o
nome de agentes públicos.
Para Gasparini (2004, p. 133) os agentes públicos44 são as
pessoas físicas que sob qualquer liame jurídico e algumas vezes sem ele prestam
serviços ao Estado ou realizam atividades que estão sob sua responsabilidade.
Na seara de organização do Poder Judiciário, cabe aos
Magistrados o principal posto como Agente Público do citado órgão estatal, pois
segundo Santos (2004, p. 102), é destes a função específica de compor conflitos
de interesses pela aplicação da lei aos casos concretos, onde deverão gozar da
mais absoluta independência. Consoante explica o autor, esta independência
deverá ser interna e externa, isto é, jurídica e política.
No que tange a independência jurídica, Santos (2004, p.
102) destaca que:
No exercício de suas funções o juiz deverá sentir-se o intérprete da lei, o órgão que manifesta a sua vontade na solução do caso concreto, a vox legis. Nisso consiste a sua independência interna, dita independência jurídica. O juiz a ninguém e a nada se subordina, senão à lei.
Nesse diapasão Colucci e Almeida (1996, p. 90)
acrescentam que a independência jurídica:
(...) diz respeito aos juízes de um modo particular, que têm desta forma assegurada a liberdade de julgamento (princípio da livre convicção), não se subordinando em suas decisões a outros do Poder Judiciário ou de outros poderes.
43 A ordem civil estabelece direitos e deveres à pessoa física desde o seu nascimento com vida,
nos termos do artigo 1º do Código Civil. 44 “Despersonaliza-se a pessoa física, estatizando-se. Personaliza-se o Estado mediante
delegação de poderes a pessoas físicas. Enquanto agente do poder público, o Agente Público deixa de lado os interesses pessoais para integrar-se em entidade maior – a Administração – da qual passa a fazer parte, constituindo com ela um todo homogêneo”. (Cretella Júnior, 2000, p. 453).
25
Quanto à chamada independência política, Alvim (2005, p.
165) anota que:
Em nosso Direito Constitucional vigente gozam os juízes de garantias asseguradoras de sua independência (...)” as quais “(...) asseguram indiretamente a operatividade da regra que estabelece a independência do Poder Judiciário. O pensamento comum dos constitucionalistas ocidentais aponta três garantias da magistratura: 1ª) a vitaliciedade; 2ª) inamovibilidade; e 3ª) a irredutibilidade de subsídios.
As garantias supra citadas são conferidas aos Magistrados
pelo comando do art. 95, incisos I, II e III da CRFB/88, onde ainda, com o mesmo
escopo, o de estabelecer a independência destes e do órgão judiciário, fixa-lhes
diversas vedações45.
Destarte, vê-se que o Magistrado é o principal Agente
Público do órgão do Poder Judiciário, sendo lhe atribuída uma ampla
independência funcional para o exercício de sua atividade.
Na seqüência, será abordado acerca do instituto da
Responsabilidade Civil, especialmente, para que sejam compreendidas as suas
peculiaridades, antes de observar-se a sua relação com o Estado e sua Função
Jurisdicional.
45 É defeso aos Magistrados (segundo o art. 95, da CRFB/88): a) exercer, ainda que em
disponibilidade, outro cargo ou função, salvo uma de magistério; b) receber, a qualquer título ou pretexto, custas ou participações em processo; c) dedicar-se a atividade político-partidária; d) receber, a qualquer título ou pretexto, auxílios ou contribuições de pessoas físicas, entidades públicas ou privadas, ressalvadas as exceções previstas em lei; e) exercer a advocacia no juízo ou tribunal do qual se afastou, antes de decorridos três anos do afastamento do cargo por aposentadoria ou exoneração.
26
CAPÍTULO 2
DA RESPONSABILIDADE CIVIL
2.1 ORIGENS HISTÓRICAS
Para haver uma ideal compreensão do instituto da
Responsabilidade Civil, inicia-se o estudo, neste capítulo, a partir de suas origens
históricas.
Ao cuidar do tema, Alonso (2000, p. 03) propaga que no
surgimento das civilizações, o homem valia-se apenas de sua força física como
instrumento de defesa. Nesse período, o autor explica que a vingança era o meio
para obter-se uma reparação, onde se considerava o resultado da ação (prejuízo),
sem ao menos se cogitar a existência ou não da culpa.
Nessa direção, Lisboa (2004, p. 179) acrescenta que “desde
os tempos remotos preponderou a idéia de delito como origem da
responsabilidade”, sendo que “não havia qualquer distinção sistemática entre a
Responsabilidade Civil e a responsabilidade penal”. Com efeito, o princípio vetor
era o de vedação de Dano a outrem (neminem laedere).
Outro importante marco apresentado pela doutrina, ocorreu
quando do surgimento de certa regulamentação dessa atividade. No ordenamento
mesopotâmico, como explica Oliveira (2001, p. 21), o Código de Hamurabi já
apresentava a idéia de punir o Dano, instituindo em desfavor de seu causador um
sofrimento igual.
Não divergiu muito deste anterior o Código de Manu,
presente ao antigo direito dos hebreus, o qual estabelecia o pagamento de cem
panas por uma simples escoriação de epiderme ou, pela ferida mais profunda,
seis nishkas (Alonso, 2000, p. 05).
27
Segundo Diniz (2005, p. 11) há menção do direito de
retaliação ainda na Lei das XII Tábuas, mais precisamente, na tábua VII, lei 11ª:
“si membrum rupsit, ni cume o pacit, tálio esto”, isto é, se alguém fere a outrem,
que sofra a pena de Talião, salvo se existiu acordo. Ademais, observa a autora
que a responsabilidade apresentava-se como objetiva, sem a apuração de culpa.
Sucede a essa fase o chamado período da composição,
onde, como enfatiza Diniz (2005, p. 11):
(...) ante a observância do fato de que seria mais conveniente entrar em composição com o autor da ofensa – para que ele reparasse o dano mediante a prestação da poena (pagamento de
certa quantia em dinheiro), a critério da autoridade pública se o delito fosse público (perpetrado contra direitos relativos à res publica), e do lesado, se se tratasse de delito privado (efetivado
contra interesses de particulares) – do que cobrar a retaliação, porque esta não reparava dano algum, ocasionando na verdade duplo dano: o da vítima e o de seu ofensor, depois de punido (...).
De outra banda, Carvalho Neto (2000, p. 24) esboça que a
idéia de substituição do cumprimento da pena pelo da reparação do Dano já
estava presente, inclusive, na Lei Mosaica46.
Todavia, conforme Silva apud Alonso (2000, p. 3) o estudo
da Responsabilidade Civil não se resume nesses sistemas, porque embora
historicamente todas as noções se entrelacem: “(...) é o direito romano que
oferece elementos para qualquer elaboração jurídica”.
Sobre o início da responsabilidade no direito romano,
Oliveira (2001, p. 22) apresenta que “(...) subsistia a noção basilar de delito, na
qual a idéia predominante era a da vingança privada, no que não discreparam as
civilizações precedentes, encontrando-se seus vestígios na Lex XII Tabularum
(...)”.
46 O livro Levítico, 6: 4,5, assim preconizava: Será pois que, porquanto pecou e ficou culpado,
restituirá o roubo que roubou, ou o retido que retém violentamente, ou o depósito que lhe foi dado em guarda, ou o perdido que achou, ou tudo aquilo sobre jurou falsamente; e o restituirá no seu cabedal, e ainda sobre isso acrescentará o quinto; àquele de quem é o dará no dia de sua expiação.
28
Nessa esteira, Gonçalves (1995, p. 4) destaca que é mérito
dos romanos a diferenciação entre a pena e a reparação, quando ocorreu a
distinção entre delitos públicos (mais graves, contra a ordem instituída) e delitos
privados.47 Segundo o autor, nos delitos públicos “(...) a pena econômica imposta
ao réu deveria ser recolhida aos cofres públicos (...)” e nos delitos privados a
pena em dinheiro era destinada à vítima.
Verifica-se, outrossim, que neste momento histórico o
Estado assume a função de punir com a respectiva ação de indenização,
cingindo-se a Responsabilidade Civil e a responsabilidade penal48.
Além dos delitos (delictum), outras figuras passaram a ser
admitidas no direito romano, os chamados quase delitos (quasi delicta), dentre os
quais destaca Lisboa (2002, p. 180): a) a responsabilidade pela queda de objeto
do edifício (positum et suspensum); b) a responsabilidade pelo derramamento de
coisa em via pública (effusum et deiectum); e c) a responsabilidade do juiz por
sentença proferida com má-fé (si iudex litem suam facit).
Alonso (2000, p. 6) exorta que essa evolução se deu em
razão do trabalho interpretativo dos jurisprudentes ou prudentes, jurisconsultos
com a missão de preencher as lacunas legais, a fim de adaptar de modo contínuo
os textos de leis às mutações do direito vivo. Com o desenvolvimento da
civilização – já na fase republicana – possibilitou-se o nascimento da Lex
Aquilia49, que concretizou as bases jurídicas da Responsabilidade Extracontratual.
Venosa (2003, p. 18), ao referir-se a Lex Aquilia, reitera
que:
(...) a Lex Aquilia é o divisor de águas da responsabilidade civil.
Esse diploma, de uso restrito a princípio, atinge dimensão ampla
47 No direito romano antigo, os delitos básicos eram: furto (furtum), dano (noxia) e injúria (iniuria),
conforme leciona Lisboa (2002, p. 179). 48 Consoante destaca Alonso (2000, p. 3): a responsabilidade jurídica cinde-se em
responsabilidade penal e civil, guardando por conseqüência distinções específicas a cada uma, embora possuam um ponto comum, que é a prática pelo agente de violação a uma ordem jurídica preestabelecida.
49 “Seu nome é originário de Lúcio Aquílio, tribuno do ano de 572, do calendário romano (equivalente ao ano 182 a.C.), que levou a lei ao conhecimento do povo romano e obteve dele a aprovação para sanção (Carvalho Neto, 2000, p. 25).
29
na época de Justiniano, como remédio jurídico de caráter geral; como considera o ato ilícito uma figura autônoma, surge, desse modo, a moderna concepção da responsabilidade extracontratual. O sistema romano de responsabilidade extrai da interpretação da Lex Aquilia o princípio pela qual se pune a culpa
por danos injustamente provocados, independentemente de relação obrigacional preexistente (...).
Deste modo, com a Lex Aquilia fixou-se a necessidade de
existência de culpa do causador do Dano, para que em conseqüência pudesse
ser feita a reparação, promovendo o chamado status quo ante50.
Entretanto, Lisboa (2002, p. 181) inteira que “a noção de
responsabilidade não se assentou, como se percebe, no conceito de culpa, mas
no de Dano, pois o delito se caracteriza pela existência de prejuízo”. Em seguida
o autor aclara que “a culpa foi elemento subjetivo, portanto, que veio a integrar a
noção estritamente objetiva dada até então ao tema”.
Posteriormente, na Idade Média, como elucida Carvalho
Neto (2000, p. 27): “os canonistas confundiram a noção de culpa com a de
pecado e malefício, dando-lhe um sentido subjetivo, que era desconhecido no
direito romano. Os humanistas renascentistas reproduziram estas idéias”.
Acerca deste ideário medieval, Diniz (2005, p. 11)
acrescenta que com a visão de culpa e dolo stricto sensu, aliada a uma
elaboração dogmática da culpa, diferenciou-se a Responsabilidade Civil da pena.
Adiante, nos séculos XVI e XVII, com a Escola Laica do
Direito Natural a Responsabilidade Civil obteve nova linha de pensamento, a partir
de uma investigação histórico-dogmática da Lex Aquília. Conforme Carvalho
Neto (2000, p. 27), afirmou-se que “(...) o ato ilícito geraria a obrigação de
ressarcimento do Dano, independentemente da culpa”.
Ato contínuo, no direito francês, o pensamento romano foi
aperfeiçoado, dando voga a um princípio geral à Responsabilidade Civil e
50 Expressão derivada do latim, usada no sentido de reparar, trazer ao estado em que se
encontrava anteriormente (Benasse e Benassse, 2004, p. 167).
30
deixando-se o critério de enumerar os casos de ocorrência. Nesse contexto,
Gonçalves (1995, p. 5) descreve que:
(...) aos poucos foram sendo estabelecidos certos princípios, que exerceram sensível influência nos outros povos: direito à reparação sempre que houvesse culpa, ainda que leve, separando-se a responsabilidade civil (perante a vítima) da responsabilidade penal (perante o Estado); a existência de uma culpa contratual (a das pessoas que descumprem as obrigações) e que não se liga nem a crime nem a delito, mas se origina da negligência ou imprudência. Era a generalização do princípio aquiliano: In lege Aquilia et levíssima culpa venit, ou seja, o de
que a culpa, ainda que levíssima obriga a indenizar.
Ademais, Alonso (2000, p. 9) e Diniz (2005, p. 11-12)
atribuem à doutrina dos juristas franceses Domat e Pothier a autoria desta nova
concepção da Responsabilidade Civil.
Nesse ínterim, é de se mencionar que a culpa in abstracto51
e a distinção da culpa delitual e contratual foram inseridas no Código
Napoleônico, notadamente em seus artigos 1.382 e 1.383.
No direito português, a Responsabilidade Civil foi
compreendida pelas Ordenações Afonsinas, de 1446, Manuelinas, de 1521, e
ainda, as Filipinas, de 1603, no entanto, sem apresentar maiores avanços, onde
era aplicado subsidiariamente o direito romano, como informa Carvalho Neto
(2000, p. 28).
No direito pátrio, a Responsabilidade Civil obteve
significativa exposição no Código Criminal de 1830, em que se estabelecia, com
destaque: a reparação natural, quando possível; b) a integridade da reparação,
com a solução da dúvida em favor do ofendido; c) a contagem dos juros
compostos; d) a solidariedade e a hipoteca legal; e) a transmissibilidade do dever
de reparar e do crédito de indenização aos herdeiros; e f) a preferência do direito
de reparação sobre o pagamento de multas.
51 Como na língua portuguesa: culpa em abstrato.
31
Em contrapartida, como ensina Lisboa (2002, p. 181), com a
intensificação de diversos fatores, como a revolução industrial, e o conseqüente
desenvolvimento da comunicação e dos transportes, bem como pela dificuldade
de comprovar-se a culpa, as codificações modernas passaram a adotar a teoria
do risco da atividade, classificando-se diversas atividades como perigosas, em
razão de sua natureza ou por determinação legal.
Ao adentrar no tema, Diniz (2005, p. 12) corrobora que:
(...) a responsabilidade civil também evoluiu em relação ao fundamento (razão porque a alguém deve ser obrigado a reparar
o dano), baseando-se o dever de reparação não só na culpa, hipótese em que será subjetiva, como também no risco, caso em que passará a ser objetiva, ampliando-se a indenização de danos sem existência de culpa.
Destarte, constata-se que com o passar dos anos, com o
gradativo avanço social e complexibilização das relações jurídicas, a
Responsabilidade Civil vinculou-se ao elemento Dano, não mais exigindo a exata
apuração da culpa do seu agente causador.
2.2 DO CONCEITO DE RESPONSABILIDADE CIVIL
A atribuição de um conceito à Responsabilidade Civil
apresenta certa dificuldade, como também acontece a vários outros institutos
estudados pela Ciência do Direito. Muitos autores, até mesmo, negam-se a
conceituá-la. Aqueles que se arriscam, ora tomam como base o elemento culpa,
enquanto que outros, expressamente o excluem do seu conceito. Assim sendo,
são apuradas algumas divergências conceituais.
Segundo Diniz (2005, p. 39), a genealogia da palavra
responsabilidade assenta-se na expressão latina respondere, “designando o fato
de ter alguém se constituído garantidor de algo”. O aludido termo, possui a raiz
latina spondeo, da mesma forma como se atrelava o devedor nos contratos
verbais do direito romano.
32
Lisboa (2002, p. 182) reitera que a responsabilidade
constitui relação obrigacional cujo objeto é o ressarcimento. Todavia, assevera
que responsabilidade e obrigação não possuem propriamente o mesmo
significado, pois a expressão responsabilidade indica “(...) dever jurídico de
responder por certo evento futuro e seus efeitos”.
Nessa fileira, Sampaio (2003, p. 17) assevera ainda que a
responsabilidade é, sem dúvida, parte integrante do direito obrigacional, pois a
sua compreensão vincula-se de modo análogo a de uma obrigação genérica, isto
é, “(...) o direito de que é titular o credor em face de um devedor, tendo por objeto
determinada prestação”.
Por outro lado, Carvalho Neto (2000, p. 34-42) utiliza-se do
direito comparado para buscar a evolução da idéia de Responsabilidade Civil.
Primeiramente, no direito romano, constata que a imagem de Responsabilidade
Civil estava vinculada a da culpa contratual, depois acrescida pela culpa aquiliana
ou extracontratual. Ato contínuo, no direito francês, a Responsabilidade Civil
conecta-se ao dever de reparação pelo prejuízo sofrido, como bem explicitado por
Savatier. Dos estudiosos alemães, Enneccerus, Kipp e Wolf surge o seu conceito
como uma irrogação de Danos contrária ao direito, que obriga a indenizar, a qual
foi adotada pelas codificações prussiana, austríaca, francesa, suíça e italiana. Por
derradeiro, na Itália, sem se distanciar dos demais, coube ao doutrinador Giorgi
dar à Responsabilidade Civil o juízo de obrigação de reparar, mediante
indenização, quase sempre pecuniária, ocorrido o Dano por ato ilícito.
No direito pátrio, Diniz (2005, p. 40) conceitua a
Responsabilidade Civil como:
(...) a aplicação de medidas que obriguem uma pessoa a reparar dano moral ou patrimonial causado a terceiros, em razão de ato por ela mesmo praticado, por pessoa por quem ela responde, por alguma coisa a ela pertencente ou de simples imposição legal.
Enquanto isso, Rodrigues (2002, p. 6) cita a concepção de
Savatier para ilustrar a Responsabilidade Civil como: “(...) a obrigação que pode
33
incumbir uma pessoa a reparar o prejuízo causado a outra, por fato próprio, ou
por fato de pessoas ou coisas que dela dependam”.
Stoco (2004, p. 118-120) esclarece que a responsabilidade
é a tradução para o sistema jurídico do dever moral de não prejudicar outro, isto
é, o princípio romano neminem laedere. Assim é que, resumidamente, o autor traz
seu conceito de Responsabilidade Civil como: “(...) a obrigação da pessoa física
ou jurídica ofensora de reparar o Dano causado por conduta que viola um dever
jurídico preexistente de não lesionar (neminem laedere) implícito ou expresso em
lei”.
Com base no exposto, percebe-se que a noção de
Responsabilidade Civil pressupõe a infringência de uma norma jurídica (ato
ilícito), capaz de produzir prejuízo (Dano), devendo ser remediado por aquele que
a praticou ou por quem assumiu esta incumbência (sujeito de direitos).
2.3 DAS CLASSIFICAÇÕES DA RESPONSABILIDADE CIVIL
As modalidades de classificação da Responsabilidade Civil
na doutrina geral apresentam-se em numerosa quantidade. Em sua maioria, os
critérios são baseados conforme os elementos que caracterizam o instituto
jurídico.
Em razão do presente estudo não comportar o exame de
todas as classificações encontradas, são abordadas, a seguir, as classificações
sugeridas por Alonso (2000, p. 15-21), examinando-se a Responsabilidade Civil
de acordo com o seu fato gerador e conforme o seu fundamento,
respectivamente52.
52 As classificações a seguir propostas são também esposadas por Venosa (2003, p. 21), Sampaio
(2003, p. 23-29), Lisboa (2002, p. 193-197), Rodrigues (2002, p. 8-12), Carvalho Neto (2000, p. 48-57), Diniz (2005, p. 127-130), Gonçalves (2005, p. 25) e Stoco (2004, p. 148 e 280).
34
2.3.1 Quanto à origem da Responsabilidade Civil
Conforme o entendimento de Alonso (2000, p. 15-21),
quando avaliada com base em sua origem, a Responsabilidade Civil pode ser
dividida em: Responsabilidade Contratual e Responsabilidade Extracontratual53.
Sobre o tema, Carvalho Neto (2000, p. 49) explica que a
Responsabilidade Civil é chamada de contratual quando emanar de um
descumprimento contratual, enquanto que esta será extracontratual quando o ato
ilícito não derivar de nenhum contrato.
Nessa linha, ao tratar da Responsabilidade Contratual,
Sampaio (2003, p. 24) assevera que o dever de indenizar os prejuízos surge do
descumprimento de uma obrigação contratualmente prevista. E, assim,
prossegue:
(...) o não-cumprimento, de forma culposa, da obrigação por um dos contratantes dá ensejo, se assim desejar o outro, à resolução do contrato por inexecução voluntária da obrigação, ou a exigir do faltoso a realização, ainda que tardia ou de forma correta, da prestação avençada. Surge, como um dos efeitos principais desses fatos, a obrigação do contratante inadimplente de reparar os prejuízos diretamente causados ao outro (...).
Lisboa (2002, p. 194), por sua vez, entende por
Responsabilidade Contratual “(...) aquela que decorre da violação de obrigação
disposta em um negócio jurídico“ e por Responsabilidade Extracontratual como
“(...) aquela que decorre diretamente da lei”.
Acrescenta ainda Diniz (2005, p. 128) que a
Responsabilidade Contratual é resultado de um ilícito contratual, produto do
inadimplemento ou da própria mora na execução das obrigações. Logo, esta nada
mais é do que uma infração a um dever especial estabelecido pela vontade dos
contraentes.
53 A dicotomia ora apresentada é defendida pela corrente dualista ou clássica, doutrina adotada
em grande parte das codificações dos países modernos. Existem ainda os defensores da corrente monista ou unitária, os quais sustentam uma unidade fundamental das responsabilidades, desde que presentes os seus pressupostos (Alonso, 2000, p. 15-17).
35
Em termos gerais, observa-se que a Responsabilidade
Contratual, como seu próprio nome diz, tem o seu nascimento vinculado à
existência de um contrato pretérito, figurando esta como um dever que se sucede
ao descumprimento de obrigação contratual.
No tocante à Responsabilidade Extracontratual, Sampaio
(2003, p. 24) evidencia que:
(...) o dever de indenizar os danos causados decorre da prática de um ato ilícito propriamente dito (ilícito extracontratual), que se consubstancia em uma conduta humana positiva ou negativa violadora de um dever de cuidado (culpa em sentido lato).
Rodrigues (2002, p. 9) aclara que na Responsabilidade
Extracontratual, também chamada de aquiliana54 pelo autor, “(...) nenhum liame
jurídico existe entre o agente causador do Dano e a vítima até que o ato daquele
ponha em ação os princípios geradores de sua obrigação de indenizar”.
Acompanhando este raciocínio, Alonso (2000, p. 19) explica
que na Responsabilidade Extracontratual não se exige qualquer vínculo anterior
ao fato que gera a responsabilidade do agente. Esta, portanto, assenta-se na
idéia de inadimplemento normativo, sendo suas características: a) a violação de
um dever legal; b) cabe à vítima o ônus da prova; c) o arbitramento do valor da
indenização pelo Magistrado; d) a amplitude da capacidade do agente causador
do Dano; e) a nulidade de ajustes para a atenuação ou inadimplemento
normativo; e f) mora que decorre de pleno direito.
Desse modo, infere-se que a Responsabilidade Contratual
encontra-se acoplada à idéia de celebração de um negócio jurídico anterior pelas
partes. Já a Responsabilidade Extracontratual é fruto de uma lesão, de um
54 Lisboa (2002, p. 194) oferece crítica a igualação destas terminologias, pois “equiparar a
responsabilidade aquiliana à extracontratual leva a dois equívocos: o primeiro, de se limitar a responsabilidade extracontratual à culpa, quando isso não corresponde à realidade, ainda mais se contrastada com o impulso que obteve a teoria da responsabilidade sem culpa durante o século XX. E, por outro lado, não coloca a responsabilidade extracontratual em seu verdadeiro patamar. A responsabilidade extracontratual é o gênero a responsabilidade aquiliana é a espécie.”
36
tolhimento a uma norma jurídica vigente, sendo que em ambas flagra-se o
resultado danoso.
2.3.2 Quanto ao Fato Gerador da Responsabilidade Ci vil
O fato gerador da Responsabilidade Civil é outro critério
utilizado pela doutrina em geral para classificá-la. Segundo esse procedimento,
baseado no fundamento da Responsabilidade Civil, esta pode ser subdividida em:
Responsabilidade Subjetiva e Responsabilidade Objetiva.
A primeira destas, a Responsabilidade Subjetiva tem sua
concepção intimamente ligada ao elemento culpa. Nesse diapasão, corrobora
Lisboa (2002, p. 195) ao mencionar que esta espécie “(...) é apurada mediante a
demonstração da culpa do agente causador do Dano”.
Alonso (2000, p. 20) estampa também, que na dogmática
da Responsabilidade Subjetiva, o ato ilícito é um elemento bastante relevante.
Segundo o autor é essencial a investigação do comportamento do agente para a
apuração de sua responsabilidade, uma vez que se busca caracterizar a conduta
culposa deste.
Nessa rota, se mostra pertinente o pensamento de Planiol,
Ripert e Boulanger apud Carvalho Neto (2000, p. 55-56):
Se o fato tem em consideração o valor moral e social do ato feito, a responsabilidade é dita subjetiva. O juiz deve, com efeito, para a determinar, analisar a conduta do autor do ato: aquele que está em falta será condenado à reparação (...).
Por outra linha, no julgamento de Diniz (2005, p. 129), a
Responsabilidade Subjetiva justifica-se pela presença de culpa ou dolo, por ação
ou omissão, sempre lesiva à pessoa. Necessária, assim, a prova da culpa do
agente.
No direito pátrio, insta afirmar-se que a Responsabilidade
Subjetiva era adotada pelo CC/16, ora revogado, e ainda é mantida pelo CC/02
como se diagnostica pelo disposto no artigo 186 deste último diploma legal.
37
Num momento posterior, a Responsabilidade Objetiva é que
ganhou grande vazão em detrimento da responsabilidade com a apuração da
culpa. Essa problematização é bem retratada por Stoco (2004, p. 149):
Especialmente a desigualdade econômica, a capacidade organizacional da empresa, as cautelas do juiz na aferição dos meios de prova trazidos ao processo nem sempre logram convencer da existência da culpa, e em conseqüência a vítima remanesce não indenizada, posto que se admite que foi efetivamente lesada.
Surge como remédio a esses problemas, então, a
Responsabilidade Objetiva onde são melhor avaliados o nexo de causalidade e o
Dano experimentado. Sobre o tema, Rodrigues (2002, p. 11) aclara que:
(...) aquele que, através de sua atividade, cria um risco de dano para terceiros deve ser obrigado a repará-lo, ainda que sua atividade e o seu comportamento sejam isentos de culpa. Examina-se a situação, e, se for verificada, objetivamente, a relação de causa e efeito entre o comportamento do agente e o dano experimentado pela vítima, esta tem direito a ser indenizada por aquele.
Sampaio (2003, p. 26) advoga que a Responsabilidade
Objetiva tem como característica o fato de que o elemento culpa não é essencial
para o surgimento do dever de indenizar. Surgida no direito romano e
impulsionada pelo direito francês, esta apenas tomou maiores contornos quando
estruturada na teoria do risco55.
Assim sendo, extrai-se que a Responsabilidade Subjetiva
demanda a constatação do elemento culpa como fator essencial para que surja o
dever de indenizar. A Responsabilidade Objetiva, por sua vez, condiciona a
presença do Dano com a Relação de Causalidade que o agente teve com este
primeiro.
55 “Prevalecendo a idéia de que todo dano, na medida do possível, deve ser indenizado, ganhou
espaço no mundo jurídico a tese de que a obrigação de reparar o dano nem sempre está vinculada a um comportamento culposo do agente. E, como fator justificador do surgimento da obrigação de indenizar, socorre-se, nesse caso, da denominação teoria do risco” (Sampaio, 2003, p. 27).
38
2.4 DOS PRESSUPOSTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL
Como visto anteriormente, a doutrina que trata da
Responsabilidade Civil possui alguns pontos divergentes, tanto na sua
conceituação, como nas suas formas de classificação. Não é diferente quando
trata de seus pressupostos.
No entanto, nesse ínterim, a sugestão didática de Carvalho
Neto (2000, p. 59) mostra-se como a mais adequada para a presente pesquisa. O
autor, em seu alvitre56, sugere como principais pressupostos da Responsabilidade
Civil, os abaixo citados: a) a ação ou omissão do agente; b) o dolo ou culpa do
agente; c) o Dano; e d) a Relação de Causalidade.
2.4.1 Da Ação ou Omissão do Agente
A Responsabilidade Civil, como documentado acima, é um
instituto da Ciência do Direito que nasce pela transgressão a uma norma, seja ela
contratual ou legal. Com efeito, essa infração deverá ser exteriorizada por meio
de um ou mais atos, que por conseqüência certa, gerarão Dano a outrem.
Sob essa ótica, Sampaio (2003, p. 31) aduz que: a
obrigação de reparar o Dano vincula-se etiologicamente a um comportamento
humano, positivo (ação), ou negativo (omissão)”.
Ainda nessa reta, Stoco (2004, p. 131) esclarece que o
ilícito só pode surgir de uma conduta humana, voluntária no mundo exterior. Esse
ato deve ferir um bem juridicamente tutelado, tal como no crime, sendo que a
ação e omissão constituem o primeiro momento da Responsabilidade Civil. Por
assim dizer, não há Responsabilidade Civil sem que haja comportamento humano
contrário à ordem jurídica. À pessoa, é a quem cabe produzir o ato ilícito.
Ao mesmo tempo, Stoco (2004, p. 131) adverte que:
56 Comungam desta disposição doutrinária: Sampaio (2003, p. 30), Diniz (2005, 41-43), Gonçalves
(1995, 25-28), Rodrigues (2002, 13-18) e Stoco (2004, 130-148). Em outra corrente, Lisboa (2002, p. 199) indica o autor e a vítima como elementos da responsabilidade civil, pois, respectivamente, estes são o responsável pela ocorrência do dano e a pessoa que sofreu o dano.
39
A voluntariedade da conduta não se confunde com a projeção da vontade sobre o resultado; isto é, o querer intencional de produzir o resultado; de assumir o risco de produzi-lo; de não querê-lo, mas, ainda assim, atuar com afoiteza, com indolência ou com incapacidade manifesta. O querer intencional é matéria atinente à culpabilidade lato sensu.
Diniz (2005, p. 43-44) anota que a ação, em sentido lato, é
elemento constitutivo da responsabilidade, podendo ser comissivo ou omissivo,
ilícito ou lícito, voluntário ou objetivamente imputável, do agente, de terceiro ou de
animal o ou coisa inanimada. Em caso, a ação ou comissão, como denomina
autora, “(...) vem a ser a prática de um ato que não se deveria efetivar (...)” e a
omissão “(...) a não-observância de um dever de agir ou da prática de certo ato
que deveria realizar-se”.
Converge com esta posição a de Lisboa (2002, p. 202),
onde argúi que a conduta comissiva ilícita é aquela que desobedece ao dever
geral de abstenção, enquanto que a conduta omissiva ilícita ignora dever jurídico
de agir57 (não impede o resultado danoso, quando assim podia fazer). Enfatiza, ao
final, que os casos de omissão são mais freqüentes nas inexecuções negociais.
Registre-se, por conseguinte, que a ação ou omissão do
agente é o ato que dá início ao Dano e, por vezes, exterioriza a intenção do seu
causador. Pode esta conduta resultar de ato próprio de seu agente (responsável),
ou, ainda, por ato de terceiro ou coisa que estiverem sob responsabilidade ou
guarda.
2.4.2 Do Dolo ou Culpa do Agente
A dimensão da Responsabilidade Civil leva em
consideração ainda a intenção do agente causador do Dano. Esta busca pela
comprovação da vontade do agente, é questão intimamente à Responsabilidade
57 Sampaio (2003, p. 31) corrobora no seguinte sentido: “(...) esse dever de agir pode decorrer de
lei (dever de prestar socorro às vítimas de acidente imposto a todo condutor de veículo – art. 175, XVI, do Reg. Do CTB,), de convenção (pessoa que assume a guarda, vigilância ou custódia de outra e omite-se no desempenho das obrigações delas decorrentes) ou da própria criação de alguma situação de perigo (criada a situação de perigo, surge a obrigação de quem a gerou de afastá-la).
40
Subjetiva. Nesse enfoque, examina-se o sentimento íntimo deste, ao querer o
resultado Dano, ou ainda, ficar alheio ao fato, omitindo-se.
Sobre o elemento dolo, Diniz (2005, p. 46) explica que este
se caracteriza pela “(...) vontade consciente de violar o direito, dirigida à
consecução do fim ilícito (...)”, ou seja, o dolo é a violação intencional do dever
jurídico.
Cabe cientificar ainda, que o Código Penal, em seu artigo
18, inciso I, preceitua duas modalidades de dolo aceitas pelo Ordenamento
Jurídico pátrio: o dolo direto e o dolo indireto.
Acerca do assunto, Stoco (2004, p. 144) faz as seguintes
anotações:
Diz-se que o dolo é direto quando o resultado do mundo exterior corresponde perfeitamente à intenção e vontade do agente. O dolo indireto, por sua vez, desdobra-se em dois aspectos, alternativo e eventual; alternativo quando o agente quer um ou outro dos resultados possíveis de sua ação; eventual, quando ele prevê o resultado como possível, e o admite como conseqüência de sua conduta, embora não queira propriamente atingi-lo.
Quanto ao dolo, Alonso (2000, p. 25) observa também que:
Deve-se perquirir se a ação ou omissão do agente é ou não intencional. Se há vontade consciente de produzir um efeito danoso a outrem, reputa-se que ocorreu a culpa lato sensu ou
intencional, chamada pelo direito penal de dolo; se, no entanto, a vontade do agente não era de praticar o ato danoso, mas por negligencia ou imprudência veio à causá-lo a alguém, diz-se que houve culpa stricto sensu ou não intencional (...).
Verifica-se aqui que a culpa não é diferida do dolo, em
muitos casos, pela doutrina civilista. Por vezes, é entendida uma noção geral de
culpa, a qual abrange as figuras do dolo e a própria culpa, só que em sentido
estrito. Entretanto, em sede de indenização, como leciona Venosa (2003, p. 23),
não há porque se discutir isto, pois as conseqüências são idênticas.
41
No que diz respeito à culpa, o Código Civil de 1916 e o novo
Código Civil, elegeram esta como norte da Responsabilidade Subjetiva no direito
pátrio, bem retratada, respectivamente, no revogado artigo 159 e nos artigos 186
e 927 do diploma vigente.
Nesse segmento, Carvalho Neto (2000, p. 64) reprisa que a
noção de culpa de Planiol58 deve sempre ser lembrada, o qual entende que esta é
uma infração a uma obrigação preexistente, pois “(...) não estaria em falta se não
houvesse alguma obrigação”.
Rodrigues (2002, p. 16) exorta ainda que “(...) em caso de
culpa, por outro lado, o gesto do agente não visava causar prejuízo à vítima, mas
de sua atitude negligente, de sua imprudência ou imperícia resultou um Dano
para ela”.
Ao examinar a culpa em sentido estrito59, Gonçalves (1995,
p. 9) reitera que a imprevidência do agente, dá origem as seguintes formas de
resultado: imprudência, negligência e imperícia. A primeira, consiste em agir sem
as cautelas necessárias, com açodamento e arrojo. A segunda, por seu turno, é a
falta de atenção, ausência de reflexão necessária. A última, imperícia, caracteriza-
se como a inaptidão técnica, uma culpa profissional.
Assim sendo, infere-se que é de pouca importância se o
agente realmente atuou com a intenção positiva ou negativa de atingir o resultado
Dano. Em contrapartida, é sim de maior validade a averiguação de que pela
conduta do agente obteve-se o fim danoso.
2.4.3 Do Dano
Dentre os pressupostos até então pesquisados,
visivelmente, o Dano mostra-se como o principal elemento para a existência da
58 PLANIOL, Marcel; RIPERT, Georges; BOULANGER, Jean. Traité élémentaire de droit civil. 2 ed.
Paris: Générale de Droit et de Jurisprudence, 1947. t. 2, p. 311. 59 Sampaio (2003, p. 79) classifica a culpa, em sentido estrito, conforme os graus de dificuldade
para evitar o dano. Segundo o autor a culpa pode ser: a) grave, quando a violação do dever jurídico é manifesta, imprópria ao comum dos homens; b) leve ou intermediária, quando o dano poderia ter sido evitado com atenção ordinária, comum ao homem médio; e c) levíssima, quando só poderia ter sido evitado com atenção extraordinária.
42
Responsabilidade Civil e do dever de indenizar. Contudo, como já foi apurado, o
Dano, isoladamente, não tem força imperativa para constituir a Responsabilidade
Civil.
Na visão de Lisboa (2002, p.207), o Dano (do latim
damnum) representa “(...) o prejuízo causado a outrem ou ao seu patrimônio”
sendo que “não há Responsabilidade Civil onde não existe prejuízo, razão pela
qual o Dano é o elemento essencial para a constituição da obrigação sucessiva,
substitutiva ou suplementar”.
Para Stoco (2004, p. 1179), não basta apenas ao Dano
atingir a seara econômica, pois “(...) é fundamental que traduza, ainda, um ‘dano
jurídico’, quer dizer, um bem jurídico cuja integridade o sistema normativo proteja,
garantindo-o como um direito do indivíduo”.
Nesse rumo, Alonso (2000, p. 128) argúi que o objetivo da
indenização é reparar integralmente o Dano sofrido pela vítima, restaurando-se o
status quo ante, ou seja, nos dizeres do autor “(...) devolvendo-se ao estado em
que se encontrava antes da ocorrência do fato danoso”.
A idéia de bem jurídico lesado é também levantada por
Venosa (2003, p. 29) quando suscita que na ação da indenização – ação judicial
específica para o caso – o seu autor busca a reparação de um prejuízo e não a
obtenção de vantagem.
Sob esse prisma, Lisboa (2002, p. 208) depara-se com
certas características próprios ao Dano60. São estas: a) ser certo ou efetivo,
fundado em um acontecimento preciso; b) ser atual, advindo do ato delituoso; c)
ser subsistente, isto é, ter a necessidade de ser reparado.
Há também uma divisão clássica adotada pela doutrina
especializada, para classificar o Dano. Segundo Diniz (2005, p. 64) o Dano pode
ser dividido em patrimonial ou moral.
60 Conforme Lisboa (2002, p. 208) defende-se também a idéia de dano presumido, o qual dispensa
a prova do prejuízo. São exemplos citados pelo autor: a) na mora na obrigação pecuniária; b) na exigibilidade de cláusula penal; c) na reprodução fraudulenta de obra intelectual.
43
Nessa inteligência, Stoco (2004, p. 1179) disserta que:
(...) falar-se em dano significa aludir a um acontecimento no mundo físico, uma alteração e um resultado no mundo naturalístico, quando falamos de dano material. Em se tratando de dano moral, estaremos falando de um dano a parte subjecti,
ofensivo de bens imateriais da pessoa, mas – ainda assim – em um fenômeno no mundo fático.
No pensamento de Venosa (2003, p. 30), é patrimonial o
Dano suscetível de avaliação pecuniária, sendo instrumento de sua reparação o
dinheiro, chamado denominador comum da indenização.
Diniz (2005, p. 64) leciona ainda que o Dano patrimonial
compreende o dano emergente e o lucro cessante. O primeiro traduz a efetiva
diminuição no patrimônio da vítima. O segundo, a sua forma, envolve o que a
vítima deixou de ganhar.
Por outra linha, ao cuidar do dano moral Cahali (2005, p.
22) exorta que:
(...) a expressão dano moral deve ser reservada exclusivamente para designar o agravo que não produz qualquer efeito patrimonial. Se há conseqüências de ordem patrimonial, ainda que mediante repercussão, o dano deixa de ser extrapatrimonial.
Venosa (2003, p. 33) corrobora este juízo ao asseverar que
o dano moral “(...) é prejuízo que afeta o ânimo psíquico, moral e intelectual da
vítima (...)”. Nessa esfera, até mesmo, surge uma das grandes celeumas do Dano
que é a sua quantificação, exercitada pelo Magistrado, de acordo como exigir a
sua discricionariedade ao examinar o caso em julgamento61.
Com efeito, pode-se perceber que o Dano faz parte dos
pressupostos fundamentais para a existência da Responsabilidade Civil. Sua
dicotomia em patrimonial e moral demonstra a amplitude de sua abrangência,
61 No que concerne à liquidação do dano, mostra-se pertinente a assertiva peculiar de Pontes de
Miranda apud Carvalho Neto (2000, p. 73): “(...) impatrimonialidade não quer dizer inavaliabilidade. Há bens não patrimoniais avaliáveis; e danos não patrimoniais que são avaliáveis”.
44
uma vez que este pode atingir bens jurídicos diretamente distintos (pessoas e
coisas).
2.4.4 Da Relação de Causalidade
A Relação de Causalidade é outro pressuposto de elevada
importância para a Responsabilidade Civil. Com é sabido na Ciência do Direito, as
relações jurídicas são construídas utilizando-se vínculos abstratos os quais ligam
as pessoas, umas as outras, bem como estas às coisas, visto a subjetividade de
cada situação fática. Em sede de Responsabilidade Civil, a noção de Relação de
Causalidade não se separa muito desta.
Como lembra Carvalho Neto (2000, p. 73), a Relação de
Causalidade assenta-se “(...) entre a ação ou omissão do agente e o resultado
(Dano)”. Assim sendo, a imputação do Dano ao agente deve partir de sua ação ou
omissão.
Na ótica de Sampaio (2003, p. 87), a Relação de
Causalidade é uma espécie de causa e efeito entre a conduta praticada pelo
agente e o Dano suportado pela vítima. Contudo, o autor exalta que:
Na prática, contudo, esbarra-se na dificuldade de se identificar o necessário liame de causalidade que permita atribuir determinado resultado ao comportamento de uma pessoa, principalmente diante da presença de vários comportamentos, que, de alguma forma, contribuíram para o resultado. São as chamadas concausas, que podem ser sucessivas ou simultâneas.
Lisboa (2002, p. 218), por sua vez, levanta que a Relação
de Causalidade é uma relação jurídica constituída entre o agente e a vítima, em
face de um Dano ocorrido. Pelo entendimento do autor, esse nexo constitui-se
como um elemento referencial entre a conduta do agente e o resultado. A
Relação de Causalidade pode, portanto, ser simples ou plúrima, conforme o
número de agentes.
Nesse feixe, Stoco (2004, p. 147) aclara a percepção de
Relação de Causalidade ao doutrinar que não que o agente haja de forma contra
45
jus. Do mesmo modo, não basta que a vítima sofra um Dano, que é o elemento
objetivo do dever de indenizar, porque “(...) se não houver um prejuízo a conduta
antijurídica não gera obrigação de indenizar”.
Pacífica ainda é a concepção de Relação de Causalidade
fornecida por Diniz (2005, p. 109-110), onde esta esclarece que ao vínculo entre o
prejuízo e a ação é que se da o nome de nexo causal, necessitando-se ainda, que
o fato lesivo seja oriundo da ação. A autora explana também que não há que se
confundir a Relação de Causalidade com a chamada imputabilidade, pois
enquanto que a primeira trata de circunstâncias objetivas, a segunda diz respeito
às subjetivas.
Destarte, entende-se que a relação da causalidade é o
elemento ou pressuposto da Responsabilidade Civil capaz de efetuar a junção da
ação ou omissão do agente com o Dano suportado pela vítima. Assim, pode-se
afirmar que a Relação de Causalidade é capaz de determinar o grau de
responsabilidade do agente.
2.5 DAS CAUSAS DE IRRESPONSABILIDADE
A Relação de Causalidade pode sofrer ainda a sua
descaracterização por meio de hipóteses de conduta humana, capazes de retirar
o caráter ilícito da ação e desobrigar o seu agente ou responsável do dever de
reparar o Dano.
Conforme Carvalho Neto (2000, p. 77) estas hipóteses são
as causas de irresponsabilidade62, ou também chamadas excludentes de
responsabilidade, que em ambos os casos, tornam o agente não responsável pelo
Dano causado. Todavia, o autor adverte que, dentre as duas terminologias, é
mais adequado tratá-las por causas de irresponsabilidade, eis que “(...) não há
sequer responsabilidade a ser excluída”.
Pelo ensinamento de Carvalho Neto (2000, p. 77) podem-se
relatar várias causas de irresponsabilidade civil, dentre as quais se destacam: a) o
62 Esta nomenclatura é também defendida por Stoco (2004, p. 172-217).
46
estado de necessidade; b) a legítima defesa; c) o estrito cumprimento do dever
legal; d) o exercício regular de um direito; e) a culpa exclusiva da vítima; f) o caso
fortuito e a força maior; g) o fato de terceiro; h) a cláusula de não indenizar; e i) a
renúncia.
Sobre a primeira destas, o estado de necessidade,
Sampaio (2003, p. 95) ensina que:
(...) age em estado de necessidade aquele que, para remover perigo iminente, deteriora ou destrói bem alheio, desde que as circunstâncias tornem o ato absolutamente necessário e os meios sejam os suficientes para remover o perigo.
Nesse meio, convém salientar que a própria norma jurídica
(artigo 188, parágrafo único, do Código Civil) exige do agente a impossibilidade
de agir de forma diversa naquela situação, onde este não poderá exceder-se não
remoção do perigo.
Quanto à legítima defesa, Venosa (2003, p. 45) postula que
esta nada mais é do que uma justificativa de conduta, sendo que o seu conceito é
o mesmo dado pela doutrina criminalística. Segundo este:
(...) a sociedade organizada não admite a justiça de mão própria, mas reconhece situações nas quais o indivíduo pode usar dos meios necessários para repelir agressão injusta, atual ou iminente, contra si ou contra as pessoas caras ou contra seus bens.
O conceito acima descrito é o também esposado pelo artigo
25 do CP, que enfatiza a moderação dos meios de repulsa à agressão.
O estrito cumprimento do dever legal, por sua vez, mostra-
se com um ato de resguardo e aplicação de uma obrigação instituída pela norma.
Como explica Lisboa (2002, p. 255), o estrito cumprimento do dever legal é “(...) a
observância de um dever jurídico anteriormente estabelecido pela lei”, onde o
agente poderá ser responsabilizado pelo excesso ou abuso de poder ou de
autoridade.
47
O exercício regular de direito não se desenvolve de maneira
muito diferente ao cumprimento do dever legal, pois consoante leciona Lisboa
(2002, p. 254) este “(...) é uma atividade humana em conformidade com o
ordenamento jurídico”, sendo que o seu excesso determina o abuso de direito
(uso imoderado ou irregular do direito), quando então é punível.
Cumpre informar que estas quatro primeiras causas de
irresponsabilidade civil são entabuladas pelo Código Penal, em seu artigo 23,
incisos I, II e III, como formas excludentes de ilicitude ou antijuridicidade.
Ato contínuo, Diniz (2000, p. 111-112) argúi acerca da culpa
exclusiva da vítima, caso em que “(...) a vítima deverá arcar com todos os
prejuízos, pois o agente que causou o Dano é apenas um instrumento do
acidente, não se podendo falar em nexo de causalidade entre a sua ação e a
lesão”. A autora elucida que há casos em que a culpa entre agente e vítima são
concorrentes, ocasião em que se possibilita o aproveitamento de critérios para:
compensar as culpas; dividir proporcionalmente os prejuízos; ou determinar ou
grau de participação e gravidade da culpa de cada um.
Ao tratar do caso fortuito e da força maior, Stoco (2004, p.
173) esclarece que embora estes dois não se diferenciem praticamente, quando
do caminhar do Código Civil, abstratamente apresentam as seguintes
peculiaridades63:
(...) em pura doutrina, distinguem-se estes eventos dizendo que o caso fortuito é o acontecimento natural, derivado da força da natureza, ou o fato das coisas, como o raio, a inundação, o terremoto ou o temporal. Na força maior há um elemento humano, a ação de autoridades (factum principis), como ainda a
revolução, o furto ou o roubo, o assalto ou, noutro gênero, a desapropriação.
Seguindo, o fato de terceiro possui características bastante
particulares. Carvalho Neto (2000, p. 87) ao citar Pereira64 sustenta que o fato de
63 Lisboa (2002, p. 255) apresenta como palavras-chave para a diferenciação destas, a
imprevisibilidade para o caso fortuito e a inevitabilidade para a força maior. 64 PEREIRA, Caio Mario da Silva. Op. cit. p. 300.
48
terceiro pode solidificar tanto a responsabilidade como causa excludente, uma vez
que tanto retira o dever de indenizar do seu agente, como imputa este encargo ao
terceiro que o causou, obrigando à reparação. Nesse particular, como também
disserta Venosa (2003, p. 48), para critério de responsabilização “(...) importa
verificar se o terceiro foi o causador exclusivo do prejuízo ou se o agente
indigitado também concorreu para o Dano”.
Pertencente ao campo da Responsabilidade Contratual, a
cláusula de não indenizar, como comenta Alonso (2003, p. 94):
(...) consiste na estipulação, inserida no contrato, por meio da qual umas das partes declara, com a anuência da outra, que não será responsável pelos prejuízos decorrentes do inadimplemento, absoluto ou relativo, da obrigação ali contraída. Transfere-se, por dispositivo contratual, os riscos da vítima.
A renúncia, a última dessas causas, nas palavras de
Carvalho Neto (2000, p. 90) expressa modalidade de extinção subjetiva de um
direito. É um ato unilateral e informal (podendo ser exercido oralmente) do qual só
pode ser objeto um direito existente, isto é, não em relação a um direito futuro.
Comprova-se assim que as causas de irresponsabilidade
são aquelas capazes de gerar a não responsabilização do agente pelo Dano
causado. Vê-se que estas agem contrariamente à Relação de Causalidade,
efetuando a cisão entre ação (ou omissão) e o Dano.
49
CAPÍTULO 3
DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR ATOS JURISDICIONAIS
3.1 DAS TEORIAS DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO
Como já estudado no 1º capítulo deste trabalho, o Estado
possui funções basicamente definidas, que são atribuídas a órgãos competentes
os quais compreendem a própria estrutura organizacional do Estado.
No exercitar dessas funções, o Estado pode causar Danos
a outros sujeitos de direito, onde, atualmente, obriga-se a indenizá-los conforme
as circunstâncias do caso concreto.
No entanto, esta visão de Estado civilmente responsável é
fruto de uma evolução teórica que se espelha, até mesmo, na evolução do próprio
conceito de Estado ao longo dos períodos históricos.
Numa sucessão cronológica, surgiram diferentes teorias
para impor ou afastar o dever de indenização ao Estado. Consoante ensina
Nunes (1999, p. 20), eclodiram na Ciência do Direito três correntes teóricas para
fundamentar a Responsabilidade Civil do Estado: a) a teoria da
irresponsabilidade; b) as teorias civilistas; e c) as teorias publicistas.
3.1.1 Da Teoria da Irresponsabilidade
Dentre as teorias acima mencionadas, a primeira a obter
espaço foi a teoria da irresponsabilidade do Estado, desenvolvida em meio aos
Estados absolutos.
Segundo Gasparini (2004, p. 871), a teoria de
irresponsabilidade teve vigor na gênese de todos os Estados, com maior
destaque nos absolutistas. Nestes Estados “(...) negava-se tivesse a
50
Administração Pública a obrigação de indenizar os prejuízos que seus agentes,
nessa qualidade, pudessem causar aos administrados”.
Cretella Júnior (2000, p. 606) aduz que esta teoria, também
conhecida como da irresponsabilidade estatal, feudal ou regalista (de rex, rei)
prevaleceu nos Estados despóticos ou absolutos, sob a égide de um princípio
norteador: o rei não erra (the king can do no wrong); o que agradou ao príncipe
tem força de lei (quod principi placult habet legis vigorem); o Estado sou eu (l’État
c’est moi).
Nessa estrada, Gasparini (2004, p. 871) complementa que:
A vigência dessas máximas, se de um lado indicava a irresponsabilidade do Estado, de outro não significava o desamparo total dos administrados. O rigor da irresponsabilidade civil do Estado era quebrado por leis que admitiam a obrigação de indenizar em casos específicos” sendo que “(...) a par disso, admitia-se a responsabilidade do agente público quando o ato lesivo pudesse ser atribuído diretamente a ele.
Todavia, essa responsabilidade do Agente Público em
decorrência de ato pessoal não apresentou eficácia. Mello (2006, p. 945) explica
que essa forma de resolução revelou-se insuficiente tanto pela pequena
expressão do patrimônio que deveria responder, como pela existência de garantia
administrativa aos agentes públicos, as quais os preservavam.
Nesse raciocínio, o Estado e o soberano – sua figura
máxima – continuavam inatingíveis, sendo resultado disso ainda, a paulatina
responsabilização dos ministros pelos atos régios, por obra do princípio the King
can’t act alone, como ensina Jucosky (1999, p. 27).
Naquele momento histórico, segundo Di Pietro (2006, p.
619), atribuir responsabilidade ao Estado era como diminuí-lo a condição de
súdito, confrontando-se a soberania real. Todavia, por representar flagrante
injustiça, essa teoria foi combatida, uma vez que “(...) se o Estado deve tutelar o
direito, não pode deixar de responder quando, por sua ação ou omissão, causar
51
Danos a terceiros, mesmo porque, sendo pessoa jurídica, é titular de direitos e
obrigações”.
Pondo termo a esta questão, Sterman (1992, p. 13) traça
um importante paralelo, ao ressaltar que os Estados de origem common law
apresentam evolução diferente daqueles de origem romano-germânica. Embora
que a base ideológica destes fosse a mesma, isto é, a de um Estado
irresponsável, tomaram rumos diversos a partir da Revolução Francesa. Enquanto
que a Inglaterra e os Estados Unidos da América, representantes do direito
consuetudinário, abandonaram o referido princípio, respectivamente, com o
Crown Proceeding Act e o Federal Tort Claims Act, os Estados modernos
continuaram a aplicá-lo, mesmo em meio as constituições e a Declaração dos
Direitos do Homem e do Cidadão.
Observa-se sobre a teoria da irresponsabilidade, que esta
negou amparo a qualquer hipótese de responsabilização ao ente Estado. Dentre
as suas justificativas, estava a de que o Estado absoluto concentrava nas mãos
do seu monarca todo o poder político e administrativo. Além disso, sua investidura
ocorreria pela vontade de Deus, logo, o monarca seria um ser divino, infalível e
inatingível pela norma jurídica.
3.1.2 Das Teorias Civilistas
Com a gradativa evolução social, a teoria da
irresponsabilidade foi superada, passando-se a reconhecer a possibilidade de
culpa e conseqüente responsabilização do Estado. Nesse meio, entraram em
voga as teorias civilistas.
Sterman (1992, p. 14-15) inteira que o fato marcante para
essa mudança originou-se na Revolução Francesa. Naquela ocasião, a multidão
enfurecida danificou inúmeras propriedades privadas. Os particulares quiseram
então ser ressarcidos pelo Estado, pelos Danos sofridos. Porém, para proteger o
erário, criou-se a distinção entre atos de império e atos de gestão, onde o Estado
só poderia ser responsabilizado por estes últimos (atos de gestão).
52
Para efeito disso, conforme propala Nunes (1999, p. 21)
ocorreu a seguinte dicotomia:
a) quando agia soberanamente, usando o seu poder de império, (atos iure imperii), não havia equiparação à pessoa jurídica de
direito privado e via de conseqüência não poderia ser responsabilizado;
b) quando a atividade se equiparasse aos particulares, praticava atos de gestão, (atos iuris gestionis), e sujeitar-se-ia a reparar os
atos lesivos causados por seus prepostos.
Segundo Di Pietro (2006, p. 620), essa teoria consistia em
distinguir-se “(...) a pessoa do Rei (insuscetível de errar – the king can do no
wrong), que praticaria os atos de império, da pessoa do Estado, que praticaria
atos de gestão, através de seus prepostos”.
Entretanto, como propugna Cretella Júnior (2000, p. 611)
com a dificuldade de precisão do conceito de ato de gestão, bem como por ser
injurídica a exigência do elemento culpa, essa teoria de divisão de atos de império
e de gestão perdeu espaço, dando lugar a novas teorias também de cunho
civilista.
No início do século XIX, admitiu-se que o Estado agia na
procura da execução de seu fim maior, o fim público. Nesse meio, Saad (1999, p.
51) argúi que o liberalismo introduziu a Responsabilidade Civil do Estado por atos
culposos de seus agentes, abrangendo, assim, todas as atividades estatais.
Nessa rota, Gasparini (2004, p. 872) aclara que no estágio
com culpa civil do Estado, este se equiparava ao particular, quando:
(...) por este artifício o Estado torna-se responsável e, como tal, obrigado a indenizar sempre que seus agentes houvessem agido com culpa ou dolo. O fulcro, então, da obrigação de indenizar era a culpa ou dolo do agente, que levava à culpa ou dolo do Estado. É a teoria da culpa civil.
Há que se ressaltar também que esta teoria procurou
distinguir as modalidades de culpa, como ensina Oliveira (2001, p. 50), dentre as
53
quais estavam: a culpa de serviço, a culpa pessoal, a culpa in eligendo e a culpa
in vigilando.
Saad (1999, p. 52) leciona ainda que, nessa fase, o Estado
era expresso por seus agentes. Portanto, se este último quisesse ou fizesse algo,
entendia-se que o Estado também o quis ou o fez. Consoante destaca o autor
“(...) a imputação dos funcionários estatais era direta, pois a relação entre o
Estado e o funcionário dava-se de forma orgânica. Este exprime a vontade do
Estado enquanto estiver em serviço”.
Com o desenvolvimento da máquina estatal, dificultou-se a
ligação entre o Dano e o Agente Público. Ademais, com o nascer da
impessoalidade nos atos administrativos, surge a chamada culpa do serviço (faute
du service), onde, conforme Mello (2006, p. 947), apurava-se o mau
funcionamento estatal.
Sobre a responsabilidade por falta no serviço, Mukai (1999,
p. 524) sustenta que:
(...) cabia ao lesado comprovar a culpa administrativa, ou seja, a falta do serviço, em qualquer das modalidades existentes, para
obter a indenização devida. A verificação da culpa subjetiva do agente administrativo não é necessária para fins de indenização.
Meirelles (2006, p. 649) acentua que a falta no serviço, pelo
escólio de Duez65, pode se mostrar por três formas: inexistência do serviço, mau
funcionamento do serviço ou retardamento do serviço. Surge aí a culpa
administrativa66.
Mister asseverar que a responsabilidade resultante da falta
no serviço não pode ser considerada como uma espécie objetiva de
responsabilidade, pois se baseia na culpa (em sentido lato), que é um elemento
65 DUEZ, Paul. La responsabilité de la Puissance Publique. 1927, p. 15 e ss. 66 Sterman (1992, p. 16) esclarece ainda que “(...) essa transferência de culpa do direito civil para
a culpa do direito administrativo, intitulada culpa administrativa, ou seja, o equacionamento da responsabilidade do Estado nos moldes do direito público, foi feita pela jurisprudência dos Tribunais franceses, posto que, em termos de responsabilidade do Estado as duas ordens de jurisdição disputavam a competência para resolver esse tipo de litígio, tanto o Conselho de Estado como a Corte de Cassação”.
54
da Responsabilidade Subjetiva (civilista, portanto). Embora grande parte da
doutrina administrativista a qualifique como uma teoria publicista, Mello (2006, p.
947) discorda destes.
Destarte, constata-se que as teorias civilistas utilizam-se do
elemento culpa (subjetivo) para justificar o seu emprego. Inicialmente, importou-se
em distinguir os atos de império e de gestão, onde se acolheu a falibilidade
humana dos prepostos do Estado. Em segundo momento, aliada ao liberalismo,
buscou-se a eleição de diversos critérios para mensurar a culpa dos agentes. Por
fim, com o alvorecer da impessoalidade estatal, admitiu-se a falha do serviço
público, onde era necessária a comprovação da operabilidade irregular do Estado.
3.1.3 Das Teorias Publicistas
Da mesma forma como a teoria da irresponsabilidade
perdeu lugar nos Ordenamentos Jurídicos ocidentais, as teorias civilistas também
foram combatidas. Viu-se a necessidade de resolverem-se os casos de
Responsabilidade Civil do Estado sob um novo enfoque, fora das regras
estabelecidas pelo direito civil.
A Responsabilidade Civil do Estado entrou assim em uma
nova fase, agora firmada em conceitos de direito público. Oliveira (2000, p. 51)
descreve que o marco para essa mudança foi o caso Blanco, acontecido na
França em 1873, ocasião em que houve um acidente ferroviário, resultando na
morte de Agnès Blanco. Nesse caso firmou-se a inteligência de que o direito
administrativo é regido por um regime jurídico próprio e alheio ao direito privado.
Nesse contexto, o risco passou a ser a moeda da vez, como
defende Saad (1994, p. 56):
O risco (decorrente da atividade estatal) é fundamento da responsabilidade civil do Estado por comportamento administrativo comissivo, exigindo-se, para sua configuração, o nexo causal entre a lesão e o ato lesivo, ainda que regular, do agente público (basta a comprovação do prejuízo e o nexo causal entre ele e a sua fonte).
55
Sob essa visão publicista, segundo Carvalho Neto (2000, p.
117) surgem a teoria do risco integral e a Teoria do Risco Administrativo.
No que concerne à teoria do risco integral, Mukai (1999, p.
525) afirma que:
Esta teoria admite a responsabilização da Administração diante de todo e qualquer dano suportado pelo particular, independentemente da constatação da culpa ou do dolo da vítima. Assim, ainda que o particular tenha dado ensejo ao dano por ele sofrido, caberá à Administração indenizá-lo.
Meirelles (2006, p. 650), por sua vez, refere-se à teoria do
risco integral como a modalidade mais extremada das teorias publicistas. Na
prática, esta conduziria ao abuso e à iniqüidade social, onde suas conseqüências
seriam brutais.
Ainda sobre a teoria do risco integral, Nunes (1999, p. 27)
anota que:
Para os defensores do risco integral, a responsabilização da Administração seria sempre possível e em qualquer caso, desde que haja o nexo causal entre o dano e o ato, ainda que resulte de culpa ou dolo da própria vítima”. Além disso, “(...) as excludentes não seriam levadas em conta (...).
Cumpre verificar aqui, que esta teria nunca foi acolhida pelo
direito pátrio, nem mesmo nas constituições pretéritas à presente.
A última das teorias publicistas é a do risco administrativo,
originária das decisões do Conselho de Estado francês. Conforme Gasparini
(2004, p. 874), por esta teoria, que amplia a proteção do administrado, “(...) a
obrigação do Estado indenizar o Dano surge, tão-só, do ato lesivo de que ele,
Estado, foi o causador”. Portanto, seria suficiente a prova da lesão e que esta foi
produzida pelo Estado.
56
Carvalho Neto (2000, p. 117) aclara que a Teoria do Risco
Administrativo foi concebida por Duguit67, sobre a idéia de:
(...) um seguro social suportado pela caixa coletiva, em proveito de quem sofre um prejuízo causado pelo funcionamento do serviço público, a relação de causalidade é afastada pela culpa exclusiva da vítima e de terceiro, pelo caso fortuito ou pela força maior.
Por outro lado, Mukai (1999, p. 525) cientifica que pela
Teoria do Risco Administrativo o Estado não esta incondicionalmente obrigado a
indenizar. Havendo a comprovação de que o particular deu ensejo ao Dano, não
lhe guarda sorte de ver-se indenizado. Ainda que houver a concorrência de
ambos para o Dano, a indenização será parcial e proporcional.
De fato, como informa Oliveira (2001, p. 53) o fundamento
da Teoria do Risco Administrativo assenta-se no princípio da igualdade entre
Estado e particulares. É da coletividade a incumbência de repartir os ônus e
encargos públicos. Existe, assim, uma solidariedade patrimonial desta, frente ao
prejuízo suportado por um dos particulares, por ação danosa de um Agente
Público.
Para Mello (2006, p. 951), o fundamento da
responsabilidade do risco administrativo se biparte. No caso de procedimento
ilícito (comissivo ou omissivo) o dever de reparar o Dano surge como contrapeso
instigado pelo princípio da legalidade, aliado ao princípio da igualdade. Já no
procedimento lícito, quando a situação é criada pelo Poder Público, o objetivo é
garantir a divisão equânime dos ônus resultantes dos atos lesivos. O fundamento
desta última seria também o da igualdade, como Estado de Direito.
Verifica-se que as teorias publicistas consolidam-se na base
do Estado de Direito. Embora a teoria do risco integral apresente-se agressiva em
alguns aspectos, vê-se que o seu objetivo maior é trazer a igualdade entre o
Estado e os particulares. A Teoria do Risco Administrativo, por sua vez, leva em
67 DUGUIT, Leon. Las transformaciones del derecho público. p. 306.
57
consideração a complexidade estrutural do Estado e de suas funções, para
responsabilizá-lo.
3.2 DA EVOLUÇÃO DAS TEORIAS DA RESPONSABILIDADE CIV IL DO ESTADO NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO
Como antes ficou visível, a Responsabilidade Civil do
Estado passou por uma profunda transformação, proporcionada pelas diferentes
teorias que buscaram fundamentá-la.
O desenvolvimento do seu conceito tomou um rumo próprio
em cada Estado, consolidando-se conforme os acontecimentos históricos e as
mudanças legislativas. No Brasil, a Responsabilidade Civil do Estado também
seguiu esse raciocínio lógico.
No período colonial, Gasparini (2004, p. 884) ilustra que as
leis portuguesas encontravam-se em pleno vigor, e estas aceitavam a teoria da
irresponsabilidade do Estado, por ser esta “(...) a única compatível com o governo
monárquico português da época”.
Na fase do imperial, Nunes (1999, p. 38-39) noticia que “(...)
não havia qualquer regra reconhecendo a responsabilidade patrimonial do
Estado, embora se utilizassem especificamente algumas leis e decretos”.
Segundo Gasparini (2004, p. 884), são exemplos de
diplomas legislativos daquele tempo: os Decretos de 8 de janeiro de 1835, de 1º
de dezembro de 1845, de 22 de janeiro de 1847, que responsabilizavam o
Tesouro Público pelo extravio, por culpa ou fraude do respectivo funcionário, de
objetos recolhidos às suas caixas e cofres, e o Decreto n. 1.930, de 26 de abril de
1857, que obrigava a Fazenda Pública a ressarcir os Danos causados por
servidor de estrada de ferro.
Do mesmo modo, com as Constituições de 1824 e 1891,
não ocorreu qualquer mudança capaz de impor a responsabilidade ao Estado. Di
Pietro (2006, p. 623), alega que os referidos textos constitucionais apenas
58
previam a responsabilidade do Agente Público em razão de abuso ou omissão
praticado no exercício de suas funções.
Com a entrada em vigor do Código Civil de 1916, adotou-se
o princípio da Responsabilidade Subjetiva. Sobre o tema, Jucovsky (1999, p. 64)
pontifica que as pessoas jurídicas de direito público passaram a ser civilmente
responsáveis pelos prejuízos que seus agentes provocassem a terceiros, ou
ainda, quando atuassem de modo contrário ao Direito. Era autorizado também, o
direito de regresso do Estado contra os autores do Dano.
Nas Constituições de 1934 e 1937, propôs-se a
responsabilidade solidária entre o Estado e seus agentes. Consoante Nunes
(1999, p. 39), havia um litisconsórcio passivo necessário entre ambos. Essa regra
foi esposada no artigo 171 da Constituição de 1934 e repetida pelo artigo 158 da
Constituição de 1937.
Com o advento da Constituição de 1946, a
Responsabilidade Civil objetiva foi então inserida no ordenamento pátrio. Nesse
foco, Mello (2006, p. 973) explana que:
(...) o art. 194 daquele diploma introduziu normativamente, entre nós, a teoria da responsabilidade objetiva, isto é, a possibilidade
do Estado compor danos oriundos de atos lesivos mesmo na ausência de qualquer procedimento irregular de funcionário ou agente seu, à margem, pois, de qualquer culpa ou falta de serviço.
Nesse diapasão, pertinente a ilação de Di Pietro (2004, p.
623) ao descrever que no dispositivo constitucional citado encontram-se duas
regras: a) da Responsabilidade Civil do Estado; e b) da Responsabilidade
Subjetiva do Agente Público.
Seguindo, Mello (2006, p. 973) acrescenta que com a Carta
de 1967 e a Emenda n. 1 de 1969, apenas houve uma equivalência de
disposições com a anterior no que trata da Responsabilidade Civil do Estado. Em
todas estas, denotou-se o direito de regresso pelo Estado.
59
Transcorrido certo tempo, com a chegada da Constituição
da República Federativa do Brasil de 1988, ocorreu, de uma vez por todas, a
sedimentação da Teoria do Risco Administrativo. Dispõe o seu artigo 37, § 6º:
As pessoas jurídicas de direito público e de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.
Nesse desiderato, Meirelles (2006, p. 652) aduz que:
(...) só louvores merece a diretriz constitucional, mantida na vigente Constituição (art. 37, §6º), que harmoniza os postulados da responsabilidade civil da Administração com as exigências sociais contemporâneas, em face do complexo mecanismo do Poder Público, que cria riscos para o administrado e o amesquinha nas demandas contra a Fazenda, pela hipertrofia dos privilégios estatais.
Di Pietro (2004, p. 624) faz um exame do texto
constitucional sob o prisma dos pressupostos da Responsabilidade Civil68,
destacando que: a) a responsabilidade poderá recair às pessoas jurídicas de
direito público como às de direito privado, exceto aquelas pertencentes à
administração indireta, que se regem pelas normas de direito privado; b) a
Relação de Causalidade encontra-se no Dano causado pelo serviço público; c)
que a palavra agente abrange todas as categorias de agentes públicos; d) ao
causar o Dano, o agente deve agir nessa qualidade.
Importante esclarecer que o Código Civil vigente, em seu
art. 43, curva-se à regra constitucional, abraçando também a Responsabilidade
Objetiva do Estado. O único defeito assentaria, segundo Mello (2006, p. 974) no
fato de que teria omitido a referência o texto magno faz às pessoas jurídicas de
direito privado, prestadoras de serviço público.
68 Mello (2006, p. 975) e Gasparini (2004, p. 886) defendem que a Responsabilidade Subjetiva do
Estado deva ser aplicada, quando da ocorrência de omissão por parte dos agentes públicos. Segundos os autores, a responsabilidade civil objetiva abrangeria somente os atos comissivos.
60
Conclui-se, portanto, que na fase colonial e imperial, vigorou
no Ordenamento Jurídico Brasileiro a teoria da irresponsabilidade civil, em função
da sua vinculação ao direito português. Após, sob influência do Código Civil de
1916, a responsabilidade passou a ser subjetiva, autorizando-se, desde então, o
direito de regresso. Outrossim, a partir da Constituição de 1946, a teoria objetiva
fixou-se definitivamente no direito brasileiro, tendo ocorrido o seu ideal
aperfeiçoamento com o texto constitucional de 1988, regra esta, atualmente
válida.
3.3 DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR ATOS JURISDICIONAIS
3.3.1 Considerações Preliminares
Anteriormente, observou-se que a organização do Estado
exige uma correta distribuição de funções aos seus órgãos, exercidas com
autonomia e exclusividade. É o já citado sistema de freios e contrapesos,
proposto por Dallari (2003, p. 209).
Assim, no direito pátrio as funções de administrar, legislar e
jurisdicionar são constitucionalmente atribuídas ao Poder Executivo, Legislativo e
Judiciário, respectivamente.
Ato contínuo, estes órgãos utilizam-se de pessoas físicas
regularmente constituídas para tanto, são os chamados agentes públicos. Estes,
por sua vez, exteriorizam as funções do Estado pela prática de atos.
Na seara em estudo, a do Poder Judiciário, a Função
Jurisdicional é realizada pelo Magistrado por meio de Atos Jurisdicionais. Nesse
ínterim, Serrano Júnior (1996, p. 115) elucida que os Atos Jurisdicionais
consubstanciam-se nas sentenças de mérito, aplicando a norma ao caso
concreto, sendo também as decisões que ocorrem no interior da ação judicial,
Atos Jurisdicionais.
Ao tempo em que esta atividade estatal resulta em Dano,
prejudicando terceiros, nasce aqui a celeuma quanto a possibilidade de
61
responsabilização do Estado por Atos Jurisdicionais, objeto nuclear do presente
trabalho.
Atualmente, existem divergências doutrinárias quanto ao
tema. Uma das correntes nega a viabilidade de responsabilizar o Estado por Atos
Jurisdicionais. Embora se encontre gradativamente sendo superada, vale citá-la.
Conforme Di Pietro (2004, p. 627), esta corrente, que se
baseia na irresponsabilidade do Estado, se vale dos seguintes argumentos: os
atos do Poder Judiciário (órgão soberano) não podem ensejar responsabilidade
ao Estado. Além disso, os seus Magistrados possuiriam independência funcional,
sendo que a indenização por Dano decorrente de decisão judicial infringiria a
regra da imutabilidade da coisa julgada. Este último fato, induziria o
reconhecimento de que a decisão foi proferida com violação a lei.
De outro lado, Nunes (1999, p. 74) apresenta a corrente de
maior aceitação e que combate a idéia acima exposta. Fazem parte desta o
próprio autor, Serrano Júnior (1996, p. 185), Jucosky (1999, p. 86), Figueira Júnior
(1995, p. 89), Meirelles (2006, p. 657), Oliveira (2000, p. 88), dentre outros. Sob a
ótica dessa linha doutrinária entende-se que: a) a Função Jurisdicional constitui-
se como serviço público reservado ao Estado; b) o Magistrado age em nome do
Estado, sendo assim, agente e órgão deste; c) a falibilidade humana pode resultar
em Dano no exercício da Função Jurisdicional.
Destarte, após apresentados os principais posicionamentos
sobre o assunto, parte-se ao exame do conjunto de dispositivos legais
pertinentes, bem como das principais espécies de atividade jurisdicional danosa,
adotando-se, para tanto, a sugestão didática seguida por Serrano Júnior (1996, p.
148-169).
3.3.2 Dos Dispositivos Legais Pertinentes
O estudo da Responsabilidade Civil do Estado por Atos
Jurisdicionais e a sua inserção no direito pátrio, traz ainda a necessidade de
exegese dos preceitos legais que se encontram atualmente em vigência.
62
Encabeça esta lista, o já mencionado artigo 37, § 6º, da
CRFB/88, pois este, segundo Serrano Júnior (1996, p. 77) “(...) expressa, de
forma, abrangente, a responsabilidade estatal, assegurando o direito de regresso
do Estado contra o Agente Público autor da conduta danosa, nos casos de dolo
ou culpa”.
Ainda no plano constitucional, fundamenta a
Responsabilidade Civil do Estado, no que tange ao Ato Jurisdicional, o preceito do
artigo 5º, inciso LXXV, que assim reza: “LXXV – O Estado indenizará o
condenado por Erro Judiciário, assim como o que ficar preso além do tempo
fixado na sentença”.
Na esfera cível, consagrou-se no também já citado artigo
43, do CC/02, a regra da Responsabilidade Objetiva do Estado69.
No campo processual penal, através do instituto da revisão
criminal, o artigo 630 do CPP abre margem à indenização pelo Estado quando,
revista a sentença condenatória, flagrar-se: a) contrariedade expressa à lei penal
ou evidência contida nos autos da ação; b) quando a sentença se fundar em
depoimentos, exames ou documentos comprovadamente falsos; ou c) quando
descobertas novas provas de inocência do acusado ou circunstâncias que
determine ou autorize diminuição especial da pena.
Ao cuidar do assunto, Serrano Júnior (1996, p. 79)
esclarece que a reparação civil dirigida pela revisão criminal:
(...) trata-se de indenização pelo erro judiciário pena, inserto como uma das hipóteses do art. 5º, LXXV da CF. Citado dispositivo constitucional abrange o erro judiciário penal, o erro judiciário civil e os casos de prisão prolongada por tempo superior ao fixado na sentença.
O Código de Processo Civil, por sua vez, enumera em seu
artigo 133, caput e incisos, as hipóteses de responsabilização do Magistrado no
69 Preconiza o artigo 43, do Código Civil: “Art. 43 – As pessoas jurídicas de direito público interno
são civilmente responsáveis por atos de seus agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros, ressalvado direito regressivo contra os causadores do dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo.
63
exercício de sua função. Consoante dispõe o texto legal, o Magistrado poderá ser
responsabilizado quando agir com dolo ou fraude (inciso I) ou quando recusar,
omitir ou retardar, sem justo motivo, providência que deva ordenar de ofício, ou a
requerimento da parte (inciso II).
Nessa rota, Saad (1994, p. 84) abaliza que:
(...) quando o artigo 133, do Código de Processo Civil, aponta a responsabilidade do juiz pelos danos decorrentes de seus atos, está reafirmando a responsabilidade do Estado, pois este e a magistratura são um todo, sendo o magistrado instrumento da execução na prestação jurisdicional.
Cabe salientar, outrossim, que o artigo 49 da Lei Orgânica
da Magistratura Nacional – LOMAN, esposa redação idêntica à contida no artigo
133 do CPC, corroborando a Responsabilidade Civil do Estado, no âmbito
jurisdicional.
Assim sendo, no que tange à Responsabilidade Civil do
Estado no contexto jurisdicional, constata-se que o Ordenamento Jurídico
Brasileiro é irradiado pela lume do artigo 37, §6º, da CRFB/88, notadamente, ao
considerar o Magistrado um Agente Público e aceitar a sua falibilidade.
3.3.3 Do Erro Judiciário
A princípio, pode-se afirmar que no contexto jurisdicional, os
Danos assumem um grande número de formas. Igualmente, seria incompatível
com o presente estudo, talvez, arrolar todas as suas possibilidades.
Dentre os principais resultados da atividade jurisdicional
danosa70 , encontra-se o chamado Erro Judiciário. A sua reparação, até mesmo, é
um direito fundamental, como anteriormente visto no corpo do art. 5º, inciso
LXXV, da CRFB/88.
70 Expressão utilizada por Serrano Júnior (1996, p. 148) para designar as principais hipóteses de
ocorrência de dano na atividade jurisdicional. Estas são trabalhadas no presente estudo, respectivamente, através do erro judiciário, da prisão provisória de pessoa inocente e da denegação da justiça.
64
Como nota histórica, Cretella Júnior (2000, p. 656-657) cita
como os dois mais famosos episódios de Erro Judiciário no direito brasileiro, os
casos Mota Coqueiro71, em 1852 e dos Irmãos Naves72, em 1938.
Ao tratar do Erro Judiciário, Nunes (1999, p. 106) assevera
que o erro é um ato sempre derivado da realização de um juízo, sendo que
quando este opera na área jurisdicional, no intuito de viciar deliberadamente uma
manifestação do Magistrado, tem a natureza do Erro Judiciário. Justifica disso,
segundo o autor, é o próprio sistema de recursos disponibilizado pelo
Ordenamento Jurídico pátrio.
Serrano Júnior (1996, p. 149), por seu turno, esclarece que
o Erro Judiciário, em sentido lato, é considerado um error in judicando73. Segundo
este, o Erro Judiciário se sucede em razão de: a) dolo ou culpa (nas modalidades
de negligência ou imprudência) do Magistrado; b) conteúdo decisório contrário à
prova dos autos; c) indução a erro através da juntada ou não de elementos
relevantes ao conhecimento da verdade; ou d) fato novo.
Para a compreensão do Erro Judiciário, como explica
Figueira Júnior (1995, p. 61):
É imprescindível que se distinga a responsabilidade civil única e exclusiva do Estado daquela que pode ser compartilhada ou assumida tão-só pelo agente público da função jurisdicional. Assim, se o juiz ou o tribunal erraram apenas tecnicamente, isto é, equivocaram-se de maneira involuntária no trato do mecanismo jurídico instrumental ou material, e, portanto, sem qualquer dolo ou culpa grave, e desde que comprovado o efeito
71 Segundo conta Cretella Júnior (2000, p. 656) Mota Coqueiro era um homem rico e possuidor de
grandes propriedades rurais. Certa feita, ocorrera uma verdadeiro chacina na fazenda em morava. Mota Coqueiro foi acusado, julgado e condenado à morte na forca. Após decorridos quase vinte anos, seu escravo Herculano, já liberto, confessou o crime, relatando que tinha o feito a mando da esposa de Mota Coqueiro.
72 No caso dos irmãos Naves, até hoje em pauta nos meios jurídicos, Benedito Pereira Caetano, primos e sócios dos acusados, foi dado como desaparecido e morto por estes últimos, na cidade de Araguari/MG. Sebastião e Joaquim Naves Rosa, foram submetidos a interrogatório e tortura na prisão, fazendo com que estes “confessassem o crime”. Muito tempo depois dos acusados já terem cumprido oito anos de prisão cada um, no ano de 1952, o seu primo reaparece, vivo, na cidade de Uberlândia/MG alegando que havia fugido por dívidas contraídas e não pagas. No entanto, o mal já estava feito (Cretella Júnior, 2000, p. 657).
73 Do latim: erro no julgar.
65
danoso, o Estado, e somente o Estado, deve responder civilmente perante o jurisdicionado, sem qualquer responsabilidade subsidiária do julgador.
Enquanto isso, Pantaleão e Marcochi (2004, p.10-11)
alegam que o Erro Judiciário pode ocorrer não só no âmbito do processo penal,
como também no processo civil, trabalhista, eleitoral ou militar. Exemplo disso,
consoante lecionam os autores, são:
(...) os casos de anulação de sentença em ação rescisória, carecendo, a nosso pensar, de inegável direito à indenização por erro judiciário, sobremaneira nos casos em que se verifique que a sentença foi dada por prevaricação, concussão, corrupção do juiz, ou proferida por juiz impedido ou absolutamente incompetente, conforme art. 485, I e II do CPC.
Nesse feixe, Serrano Júnior (1996, p. 152) argumenta que
embora se discuta no processo penal, bens de maior valor ao indivíduo, como a
vida, a honra e a liberdade, enquanto que no processo civil, as questões
patrimoniais, ambas merecem importância. Não são os valores em jogo o critério
de classificação. Basta verificar-se se o serviço judiciário resultou em Dano e se
este é passível de Responsabilidade Objetiva do Estado.
Destarte, apura-se que o Erro Judiciário é resultado de um
juízo estabelecido pelo agente do Estado, viciando a sua manifestação. E se
deste se fato denota Dano ao particular, cabe ao Estado o dever de indenizá-lo.
3.3.4 Da Prisão Provisória de Pessoa Inocente
Das noções básicas da teoria processual, extrai-se que o
direito deve ser resguardado pelo Estado, através da tutela que lhe é conferida de
forma exclusiva pela jurisdição.
Nesse contexto, existem as medidas processuais que
devem ser tomadas valendo-se pelo critério da urgência. Situam-se aqui, as
hipóteses de prisão provisória, que como aclara Serrano Júnior (1996, p. 152) são
também apelidadas de prisão processual ou cautelar. Essas se subdividem em:
prisão em flagrante (artigos 301 a 310, do CPP); b) prisão preventiva (artigos
66
3011 ao 316, do CPP); prisão resultante de pronúncia (artigos 281 e 408, §1º, do
CPP), prisão resultante de sentença condenatória recorrível; e prisão temporária
(Lei n. 6.850/89).
Cada uma destas modalidades de prisão, conforme o
próprio Ordenamento Jurídico estabelece, possui requisitos próprios a serem
preenchidos para a sua perfeita autorização, sendo o uso impróprio destas, fato
capaz de gerar Dano e indenização.
Acerca do assunto, Pantaleão e Marcochi (2004, p. 14)
exortam que a denominação prisão indevida concebe:
(...) toda privação injustificada da liberdade, seja antes ou depois do trânsito em julgado de uma sentença condenatória, como a prisão cautelar, o excesso de tempo de cumprimento de prisão e a não observância do devido regime de cumprimento da pena, por exemplo.
Pertinente anotar também, que o artigo 954 do CC/02 exalta
a reparação por ofensa à liberdade pessoal nos casos de cárcere privado, prisão
por queixa, ou denúncia falsa e de má-fé e prisão ilegal74.
Serrano Júnior (1996, p. 156) explana que mesmo que a
prisão provisória lícita pode se tornar injusta quando a pessoa posta em cárcere
acabada inocentado, por exemplo. Sem dúvida, este seria um bom argumento
para fundamentar a indenizabilidade pela prisão provisória. Nesse raciocínio,
propõe o autor:
Sendo o acusado, ao final da final da instrução criminal absolvido, por ausência de provas e, especialmente, quando restar provada, cabalmente, a sua inocência ou ainda, a inexistência do crime, vislumbra-se, claramente que, no interesse da coletividade (consistente na apuração de um crime e de sua autoria ou o de
74 Há que se lembrar da fundamentalidade constitucional do artigo 5º, da CRFB/88, e de seus
incisos II (legalidade), III (tortura), V (direito de resposta e indenização), X (intimidade, vida privada, honra e imagem), XXXIV (direito de petição), XXXV (lesão ou ameaça à direito), XLVI (individualização da pena), XLIX (integridade física e moral do preso), LIII ( juiz natural), LIV (devido processo legal), LVII (presunção de inocência), LXI (flagrância e prisão), (direito do preso à assistência familiar e advogado), LXIV (identificação da autoridade), LXV (relaxamento imediato de prisão ilegal), LXVI (direito à liberdade provisória), LXVIII (habeas corpus), LXIX (mandado de segurança) .
67
assegurar a eficaz aplicação da lei penal), aquele que foi preso cautelarmente, foi injustamente onerado pelas cargas públicas.
Sob esse enfoque, por pensamento lógico, Pantaleão e
Marcochi (2004, p. 16) afirmam que as hipóteses de prisão provisória previstas
em lei, devem ser preenchidas para se explicar tal medida, pois, pelo caminho
inverso, a Responsabilidade Civil poderia “(...) recair não só ao Estado, mas
também, por via regressiva, a autoridade policial, ao Magistrado, ao membro do
Ministério Público, ou quem quer que tenha participado do ato.
Conforme examinado, as prisões provisórias constituem-se
em medidas de acautelamento para a correta apuração dos fatos no campo
criminal. Estas, por assim ser, devem ser desempenhadas na estrita legalidade,
sob pena de se configurar a responsabilidade civil estatal75.
3.3.5 Da Denegação da Justiça
Como se obtém da leitura do artigo 5º, inciso XXXV, da
CRFB/88, o acesso à Justiça constitui direito fundamental, sendo assegurado
também, o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou
contra a ilegalidade ou abuso de poder. De fato, o particular possui o direito de
exigir do Poder Judiciário a tutela jurisdicional específica à sua pretensão.
Entretanto, a realidade social nem sempre reflete a do texto
do comando de lei. Como é de conhecimento notório nos meios jurídicos, o
serviço judiciário apresenta falhas, e é nesse contexto que surge a chamada
denegação da justiça, que consoante clareia Serrano Júnior (1996, p. 160):
(...) significa toda deficiência na organização ou exercício da função jurisdicional que implique numa falta do Estado, quanto ao seu dever de proteção judiciária. Verifica-se nela um inadimplemento da obrigação que tem o Estado de manter um certo grau de qualidade tanto na organização quanto no funcionamento do serviço judiciário.
75 Nesse ínterim, pertinente trazer o arremate de Nunes (1999, p. 121) sobre o abuso de
autoridade, onde assinala que: “A quase despercebida Lei n. 4.898, de 9.12.65, regula o direito de representação e o processo de responsabilidade administrativa, civil e penal, nos casos de abuso de autoridade, entendido como o ato praticado por agente do poder público (autoridade) que exorbita dos poderes concedidos pela lei, violando frontalmente suas prescrições”.
68
Nessa esteira, Nunes (1999, p. 130) descreve que a
denegação pode exsurgir de duas formas básicas: a) pela dificuldade de acesso
ao Judiciário (presença de obstáculos e falta de medidas que agilizem a resolução
dos conflitos); e b) manifesta desídia do juiz (não exercício do impulso oficial,
demorando-se injustificadamente a praticar os atos de ofício). Nessas
oportunidades, conforme o autor, produz-se prejuízo que comporta a
Responsabilidade Civil do Estado, pois, sob o pálio da falta do serviço ocorreu
“(...) a má organização, o funcionamento defeituoso ou intempestivo do serviço
judiciário”.
Figueira Júnior (1995, p. 72) comenta ainda que:
Não cumprindo o Estado suas obrigações, responde inerxoravelmente pelos danos causados ao jurisdicionado, sejam de ordem patrimonial ou moral. Aliás, em situações como estas, o dano sofrido por omissão culposa do Estado, que deixa de oferecer instrumentos e estruturas adequadas à execução das sentenças, afronta direitos fundamentais da pessoa humana, permitindo de maneira negligente e injustificada que os presos, mesmo algumas vezes com sentenças absolutórias de comando especial para internamento em estabelecimento hospitalar apropriado, sejam impedidos de assim proceder, por disfunção da sucatada máquina judiciária.
Argumenta Jucosky (1999, p. 70-71) ainda que, há décadas,
o Supremo Tribunal Federal decide pela Responsabilidade Civil do Estado
quando do não provimento adequado para o bom funcionamento do serviço da
Justiça. Nessas decisões restou caracterizada a qualidade negativa do serviço, ou
seja, pela ausência deste ou por sua prestação ruim (tardia ou defeituosa).
Com efeito, vê-se que a denegação da justiça é mais uma
das causas que responsabilizam o Estado no meio jurisdicional. Sob esse pálio,
quando o serviço judiciário é negativo ou defeituoso ou quando ocorre o desleixo
do Magistrado, nasce a denegação da justiça, trazendo grave lesão ao particular,
visto que não lhe foi garantido o ideal acesso à tutela jurisdicional.
69
3.3.6 Da Responsabilização do Magistrado: Direito R egressivo
Examinando-se o texto legal contido no artigo 37, § 6º, da
CRFB/88, extrai-se novamente a idéia já difundida neste trabalho, qual seja, de
que o Estado possui o direito de regresso contra os seus agentes que causarem
no Dano a terceiros no exercício de suas funções. A referida determinação legal
exige ainda a correta apuração do dolo ou da culpa desta pessoa.
Sobre o caso em menção, Carvalho Neto (2000, p. 152)
lembra que “(...) se houve dolo ou culpa por parte do agente, a pessoa jurídica
terá contra ele ação de regresso, sub-rogando-se no direito da vítima de cobrar a
indenização paga”.
Igualmente argúi Mukai (1999, p. 539) que:
A ação regressiva será obrigatória, entendemos, por força do princípio da indisponibilidade do interesse público, sempre que existam indícios de culpa ou dolo do agente. Ele promoverá o ressarcimento aos cofres públicos dos valores desembolsados a título de indenização, pelo autor do dano praticado com dolo ou culpa.
Meirelles (2006, p.659) inteira ainda que “(...) enquanto que
para a Administração a responsabilidade independe da culpa, para o servidor a
responsabilidade depende da culpa: aquela é objetiva, esta é subjetiva e se apura
pelos critérios gerais do Código Civil”.
Nesse raciocínio, considerando-se que o Magistrado é um
agente do Estado, este deve ser responsabilizado pelos atos danosos a que der
causa por dolo ou culpa, se observados o artigo 133 do CPC e artigo 49 da
LOMAN.
Para Nunes (1999, p. 136) há que se fazer aqui apenas
uma importante ressalva. Primeiramente, só poderá aplicar-se a norma
constitucional (art. 37, §6º, da CRFB/88) se os atos do Magistrado forem
considerados abusivos ou eivados de alguma ilegalidade, pois suas simples
omissões ou comissões praticadas conforme a lei, não poderiam ser
70
consideradas danosas. Em contrapartida, é dever do Magistrado cumprir e fazer
cumprir as determinações legais (artigo 35, inciso I, da LOMAN), dentre as quais
está a de fundamentar suas decisões.
Assim sendo, pela regra do artigo 37, § 6º, CRFB/88,
verifica-se que compete ao Estado responsabilizar o seu agente, quando este
causar Dano a terceiros, no exercício de suas funções, comprovada a sua atitude
doloso ou culposa. Portanto, se o Magistrado agir com dolo ou culpa em sua
função e causar Dano, o Estado deverá responsabilizá-lo por meio da ação de
regresso.
71
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com base na presente investigação foi possível comprovar
que o Estado é, certamente, o mais importante ente abstrato inserido na
sociedade. Sua idéia apresenta-se como um reflexo da concepção de poder,
onde, as teorias que buscam explicá-lo, refletem o pensamento político do
momento histórico em que foram formuladas. Destarte, o Estado seria o
representante dos interesses daqueles que o controlam.
Observou-se, outrossim, que com a evolução do conceito e
das características do Estado, surge o juízo de que este deveria responsabilizar-
se civilmente pelos danos derivados de suas atividades. Essa visão teve o seu
crescimento, consideravelmente ligado nas sociedades ocidentais ao liberalismo
difundido por John Locke.
Ademais, a declaração de direitos Bill of Rights (na
Inglaterra) e a Revolução Francesca foram preponderantes para que se
entendesse que o Estado deveria vincular-se a lei e preservar os interesses dos
particulares, fazendo falecer de vez o absolutismo e germinar o Estado Moderno.
Nesse contexto, onde o Estado já era considerado civilmente
responsável, as relações estatais passam por uma crescente complexibilização,
aliada aos intensos desejos de seus particulares em obter cada vez mais de seus
Estados. Aqui, ocorre o perecimento da burocracia estatal, fazendo nascer o
Estado Contemporâneo.
Com este último modelo de Estado, até hoje vigente, visa-se
o bem comum, com desejos cada vez mais ligados ao social.Nesse meio, de igual
modo, o Estado é efetivamente entendido como um prestador de serviços,
composto por agentes humanos, falíveis por sua própria natureza.
Com efeito, depois de compreendido o desenvolvimento
desta seara, é que a primeira hipótese erguida pôde ser então confirmada.
72
Verifica-se, portanto, que cabe ao Estado, por regra, responsabilizar-se pelos
Danos que seus Agentes Públicos provocarem no exercício de suas funções.
Num segundo momento, tornou-se imperativa uma
investigação mais aprofundada da Responsabilidade Civil.
Historicamente, viu-se que o citado instituto encontrava-se
ligado a idéia de punir, onde a vítima do Dano exercia o direito de causar prejuízo
igual ou pior ao seu responsável. Após, a Responsabilidade Civil exigiu a
apuração da culpa do agente responsável pelo Dano. Adiante, entendeu-se que a
reparação do Dano era a contraprestação ideal para minimizar o prejuízo
causado.
Outrossim, com o já citado desenvolvimento estrutural do
Estado e da sociedade, bem representado pela Revolução Industrial, a
Responsabilidade Civil se afastou relativamente do elemento culpa,
reconhecendo-se que certas atividades desenvolvem risco na sua consecução
ordinária. Alcança-se nesse momento, a inteligência de que a Responsabilidade
Civil deveria vincular-se não mais à culpa e sim aos elementos Dano e Relação
de Causalidade.
Nesse mesmo caminhar, o Estado após passar um período
de irresponsabilidade e seguinte aplicação de regras civilistas, abraça um
arcabouço publicista, adotando também o risco para fundamentar suas atividades.
Essa estrada evolutiva de responsabilização foi também vista no direito brasileiro.
Sob esta ótica, ratifica-se a segunda hipótese suscitada,
entende-se que o Ordenamento Jurídico Brasileiro inseriu a teoria do risco
administrativo como forma de responsabilizar o Estado, exigindo como requisitos
a sua comprovação, o Dano e a Relação de Causalidade.
Seguidamente, perquiriu-se quanto à possibilidade de o
Estado responsabilizar-se pelos Danos originários de Atos Jurisdicionais.
A celeuma residia no reconhecimento do Magistrado como
Agente Público do Estado, passível do cometimento de erros, em razão de sua
73
natureza humana, sem, no entanto, esquecer-se de sua liberdade decisória e
prerrogativas funcionais.
Desde o plano constitucional, onde se perfilha a reparação
do Erro Judiciário como direito fundamental (artigo 5º, inciso LXXV, da CRFB/88),
e o conhecido artigo 37, §6º, vislumbrou-se a dialética de que o Magistrado é
considerado Agente Público do Estado e passível de faltas, como bem descrevem
ainda, o artigo 133, do CPC, artigo 49, da LOMAN e artigo 630 do CPP. Inclusive,
é de se mencionar, que a ação regressiva do Estado para com seu agente é
obrigatória e de interesse público indisponível.
Por esse raciocínio legal, apoiado pela doutrina pesquisada,
confirmou-se a terceira hipótese alçada, esclarecendo-se que os Atos
Jurisdicionais danosos são também passíveis de indenização pelo Estado.
74
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