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EPEA 2001 - 1 de 31 Revista Educação: Teoria e Prática . Rio Claro: UNESP – Instituto de Biociências, Volume 9, número 16, 2001. (CD-Rom arquivo: tr23.pdf) REPRESENTANDO O MUNDO ATRAVÉS DO TEXTO LITERÁRIO: UMA ALTERNATIVA METODOLÓGICA EM EDUCAÇÃO AMBIENTAL Valdo Hermes de Lima Barcelos UFSM palavras-chave: Representações Sociais; Educação Ambiental; Texto Literário Resumo: Esta pesquisa teve como principal objetivo a construção de uma alternativa metodológica de investigação em educação ambiental, onde procurei demonstrar que a Teoria das Representações Sociais, de origem moscoviciana, pode se constituir em uma teoria articuladora entre autor(a), obra, sociedade e leitor(a), viabilizando, assim, a identificação e posterior análise de representações contidas e/ou veiculadas no texto literário. Parto do princípio, nesta investigação, de que o conhecimento de algumas representações sobre questões que envolvem o ambiente pode ser-nos de grande valia, tanto para o entendimento das questões ambientais contemporâneas, quanto para a construção de alternativas de intervenção sobre as mesmas através do processo educativo. REPRESENTING THE WORLD THROUGH LITERARY TEXT: A METHODOLOGICAL ALTERNATIVE IN ENVIRONMENTAL EDUCATION keywords: Social Representations; Environmental education; Literary Text Abstract: This paper proposes the creation of a methodological alternative to the investigation of environmental education. Here, the author tries to demonstrate that Moscovici’s Social Representation Theory can embody a link between authors, their work, readers and the social environment, in order to identify and analyse representations on literary texts. It seems that the knowledge of some of the representations on environmental issues can be very useful as a way of understanding current environmental issues, in addition to creating alternative intervention methods on these representations through the educational process. 1- Representações Sociais: um pouco da sua história Nesta pesquisa tomei como ponto de referência para o surgimento da teoria das representações sociais os estudos de Émile Durkeim. Quanto a sua conceituação, levo em consideração a afirmação feita por Sá (1996), quando este diz ser a conceituação formal da teoria das representações sociais bastante difícil, principalmente se for feita de forma sintética, pois, estamos frente a uma teoria que prima justamente pela complexidade de sua construção. Em um de seus trabalhos mais conhecidos, “O Suicídio”, Durkeim investiga o suicídio, um tema que, aparentemente, é individual, mas tem causas que provêm da sociedade. Segundo Durkeim os diferentes grupos na sociedade apresentariam uma certa tendência ao suicídio que não se explicaria apenas através de fenômenos orgânicos e

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REPRESENTANDO O MUNDO ATRAVÉS DO TEXTO LITERÁRIO: UMA ALTERNATIVA METODOLÓGICA EM EDUCAÇÃO AMBIENTAL

Valdo Hermes de Lima Barcelos UFSM palavras-chave: Representações Sociais; Educação Ambiental; Texto Literário Resumo: Esta pesquisa teve como principal objetivo a construção de uma alternativa

metodológica de investigação em educação ambiental, onde procurei demonstrar que a Teoria das Representações Sociais, de origem moscoviciana, pode se constituir em uma teoria articuladora entre autor(a), obra, sociedade e leitor(a), viabilizando, assim, a identificação e posterior análise de representações contidas e/ou veiculadas no texto literário. Parto do princípio, nesta investigação, de que o conhecimento de algumas representações sobre questões que envolvem o ambiente pode ser-nos de grande valia, tanto para o entendimento das questões ambientais contemporâneas, quanto para a construção de alternativas de intervenção sobre as mesmas através do processo educativo.

REPRESENTING THE WORLD THROUGH LITERARY TEXT: A

METHODOLOGICAL ALTERNATIVE IN ENVIRONMENTAL EDUCATION keywords: Social Representations; Environmental education; Literary Text Abstract: This paper proposes the creation of a methodological alternative to the investigation of environmental education. Here, the author tries to demonstrate that Moscovici’s Social Representation Theory can embody a link between authors, their work, readers and the social environment, in order to identify and analyse representations on literary texts. It seems that the knowledge of some of the representations on environmental issues can be very useful as a way of understanding current environmental issues, in addition to creating alternative intervention methods on these representations through the educational process.

1- Representações Sociais: um pouco da sua história

Nesta pesquisa tomei como ponto de referência para o surgimento da teoria das

representações sociais os estudos de Émile Durkeim. Quanto a sua conceituação, levo em

consideração a afirmação feita por Sá (1996), quando este diz ser a conceituação formal da

teoria das representações sociais bastante difícil, principalmente se for feita de forma

sintética, pois, estamos frente a uma teoria que prima justamente pela complexidade de sua

construção. Em um de seus trabalhos mais conhecidos, “O Suicídio”, Durkeim investiga o

suicídio, um tema que, aparentemente, é individual, mas tem causas que provêm da

sociedade. Segundo Durkeim os diferentes grupos na sociedade apresentariam uma certa

tendência ao suicídio que não se explicaria apenas através de fenômenos orgânicos e

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psíquicos nem via natureza do meio físico. Portanto, “por eliminação, depende

necessariamente das causas sociais e constitui, por si só, um fenômeno coletivo”

(1996:127).

Na década de sessenta o pesquisador romeno, radicado na França, Serge Moscovici

passa a denominar de Representações Sociais, aquilo que Durkeim denominava de

Representações Coletivas. Farr (1995:44), se refere à teoria das representações sociais, de

Moscovici, dizendo que este buscou adequá-la aos tempos atuais, na medida em que,

devido à complexificação do mundo moderno torna-se “..mais adequado, num contexto

moderno, estudar representações sociais do que estudar representações coletivas”. Estas

representações são construídas por indivíduos em suas ações e diálogos cotidianos. Para

este autor “Ao contrário das abordagens cognitivistas sociais, pressupõe-se que um objeto

é social não devido a alguma característica imanente, mas por meio da maneira que as

pessoas com ele se relacionam” (1999:01). Neste sentido podemos afirmar que é através

das conversações e diálogos que homens e mulheres atribuem significados a um

determinado objeto que desejam conhecer e com o qual querem se relacionar. Tal

elaboração faz com que certo objeto venha a tornar-se “realidade social”, através da

representação que a comunidade em questão faz dele. Esta seria uma das maneiras de

transformar um objeto em algo integrante do mundo social. Esta integração no mundo

social, daquilo que o indivíduo quer conhecer é, segundo Schulze (1995), uma das

possibilidades que a teoria das representações sociais pode nos oferecer. Já Minayo (1995),

ao estudar as influências recebidas pela teoria, via diferentes pensadores, cita Gramsci,

lembrando que este afirma que a concepção de mundo de um determinado período histórico

é constituída de fragmentos oriundos de vários segmentos sociais, sendo uma combinação

de vários elementos. Pode-se também afirmar que a teoria das representações sociais está

muito próxima daqueles estudos e/ou pesquisas voltadas para problemas de investigação

onde a centralidade da pesquisa é o conhecimento do senso comum.

Uma tal compreensão desta teoria leva que a entendamos como uma possibilidade

de aproximação com aquilo que os indivíduos são capazes de elaborar através de suas

relações cotidianas. Para Spink (1995), as representações sociais seriam formas de

conhecimento prático. É esta, dentre outras características que segundo Spink (1995:118),

favoreceria o surgimento de uma “Ruptura com as vertentes clássicas das teorias do

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conhecimento anunciando importantes mudanças no posicionamento quanto ao estatuto

da objetividade e da busca da verdade”. As representações sociais desempenham na

sociedade, seja ela qual for, importante contribuição para a formação de condutas,

orientando relações e comunicações. Segundo Moscovici (1978), deveríamos encarar as

representações sociais em seu duplo aspecto: na sua dimensão psicológica autônoma e na

proporção em que ela é própria da sociedade, e, portanto, parte também da cultura desta

mesma sociedade. Na opinião de Moscovici “As representações sociais são entidades

quase tangíveis. Elas circulam, cruzam-se e se cristalizam incessantemente através de uma

fala, um gesto, um encontro, em nosso universo cotidiano” (1978:41). Tomando esta

citação como referência percebe-se a importância que o autor dá para as relações no espaço

cotidiano como ponto de partida para nos aproximar das concepções e compreensões que

homens e mulheres constróem sobre o mundo em que vivem. Esta construção está muito

fortemente relacionada ao grupo social a que o indivíduo pertence. Para Moscovici (1990),

é consensual afirmar que ninguém confunde as emoções, os pensamentos ou os desejos de

um indivíduo com os grupos a que o mesmo pertence. No entanto, reafirma sua tese de que

quando estamos reunidos e formamos um grupo, alguma coisa muito importante acontece

com cada um de nós. Passamos a sentir e pensar de forma totalmente diversa de quando

estamos sozinhos.

Estamos neste exemplo, frente a um inegável caso onde a passagem de um estado

individual para outro coletivo, produz modificações radicalmente opostas. Neste processo

de passagem de individual para coletivo, a qualidade dos indivíduos sofre uma profunda

transformação. São nestas condições que para Moscovici (1990), as redes de relações

coletivas públicas e privadas se fundem e se demarcam. O público recupera aí o privado,

pois, para este autor, a sociedade existe onde os indivíduos são reais.

Aí estaria concretamente manifestada tanto a sociedade como o indivíduo. O lugar

onde o público e o privado se fundem. Ao falar da forma como transformamos uma

observação em conhecimento, Moscovici (1978), afirma que a única maneira de fazer isto é

“apropriando-nos do universo exterior”. Esta exterioridade deve ser vista em um duplo

sentido, a saber: aquele sentido que não nos pertence e o sentido que está fora de nós e,

portanto, fora dos limites do nosso campo de ação. Torna-se desta forma possível que as

recordações venham à tona fazendo com que as experiências compartilhadas apoderem-se

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delas. Em função destes diálogos, não apenas as informações seriam transmitidas e os

hábitos dos diferentes grupos elaborados e confirmados, mas também, e isto é muito

importante para as pessoas, cada um adquire uma capacidade “enciclopédica” a respeito

daquilo que está sendo objeto das discussões.

A teoria das representações sociais está também em consonância com o estudo dos

processos de alteridade. Ao se referir a esta contribuição da teoria Arruda (1999:43),

ressalta que “A teoria das representações sociais traz, assim, sua contribuição ao estudo

da alteridade pela via da cognição, mas também dos afetos, apontando-os como fonte do

direcionamento destes contornos, assim como a presença do inconsciente na configuração

dos seus desenhos”. Para Arruda a teoria das representações sociais, em seu processo de

construção, deixa espaços para lacunas através das quais novas discussões são possíveis.

Pois, para a autora, as representações não servem única e exclusivamente para fazer a

integração daquilo que é não familiar, mas também, e isto é fundamental, podem promover

a transformação deste familiar, já que, segundo a autora, a renovação dos “estoques

mentais e culturais não passa apenas pela incorporação do novo, ou talvez não se detenha

nela” (1999:43). A teoria das representações sociais, encontra-se em um momento de

difusão em diferentes regiões geográficas do mundo. Podem-se encontrar trabalhos de

investigação e estudo nas mais diferentes áreas do conhecimento, onde esta teoria está

sendo testada e/ou já se encontra em processo de consolidação avançado. Sobre esta

situação da teoria, Guareschi (1995), salienta que a esta já pode ser vista como uma

referência central para psicólogos de todo o planeta. É bastante enfático ao afirmar que para

a Psicologia Social esta teoria Representa um avanço, na medida em que consegue romper

e re-introduzir questões até então absolutamente centrais para esta disciplina.

O cotidiano dos seres humanos está marcado pelas suas múltiplas dimensões, como

a criatividade, seus pensamentos, os conceitos e pré-conceitos, valores, mitos, desejos...que

nem sempre são no entanto visíveis, ou claramente percebidos. Para Moscovici (1978:59)

“As representações individuais ou sociais fazem com que o mundo seja o que pensamos

que ele é ou deve ser. Mostram-nos que, a todo instante, alguma coisa ausente se lhe

adiciona e alguma coisa presente se modifica.” Este autor ao se referir à necessidade de

atentarmos para a complexidade dos fenômenos que envolvem as relações sociais, faz uma

advertência que considero crucial para o entendimento do momento que hoje vivemos no

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que diz respeito às mudanças na forma de pensar e para a necessidade de se aceitar o aporte

de novas idéias e teorias. Para ele valeria a pena lembrar uma banalidade: a de que a vida

das mais sólidas verdades é limitada.

A construção/elaboração de uma representação social, está vinculada a dois

processos fundamentais que segundo Moscovici (1978), seriam a objetivação e a

ancoragem. Enquanto na objetivação o que acontece é que um esquema, um conceito, é

transformado em algo real, da mesma forma que uma imagem é transformada em algo de

material, na ancoragem o mundo da sociedade transforma aquilo que é um objeto social em

algo que lhe sirva de instrumento. Em outras palavras: seria tornar familiar algo que se

apresenta até então como desconhecido, operação que se dá, por exemplo, via estruturas

retidas previamente na memória. Ao analisar a forma como se dá a penetração dos

conceitos científicos na sociedade, Moscovici afirma que estes adquirem um novo “estatus

epistemológico”, a que ele denomina de representações sociais. Moscovici (1995), ressalta

que as conversações, os saberes das populações, ao mesmo tempo que não devem ser

tomados como entidades à parte, não podem ser vistos como os únicos que são capazes de

expressarem as representações sociais. O conhecimento científico e as representações

sociais são tão diferentes entre si e, paradoxalmente, tão complementares que, segundo

Moscovici, faz-se necessário falar sempre em “ambos os registros”.

Sobre esta relação de complementaridade, Abric (1996), ressalta que a teoria das

representações sociais tem uma grande contribuição a dar para a busca de entendimento dos

fenômenos sociais extremamente complexos da sociedade contemporânea. Esta

contribuição residiria na diversidade de que se nutre esta teoria. Na sua opinião “uma das

vantagens da perspectiva das representações sociais é que ela se nutre de abordagens

diversas e complementares: estruturais, por certo, mas igualmente etnológicas e

antropológicas, socilógicas e históricas” (1996:09-10). Esta característica da teoria das

representações sociais, é reafirmada por Wagner (1999), em um trabalho onde apresenta

uma série de pesquisas onde foi utilizada esta teoria como um campo investigativo. Com

isto, o autor, quer demonstrar a diversidade de métodos de investigação possíveis a partir

do campo das representações sociais. Tal diversidade está intimamente relacionada a esta

característica de abordagens “diversas e complementares”, a que se refere Abric. A seguir

apresentarei a idéia de tomar-se a teoria das representações sociais como uma teoria

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articuladora entre autor(a), obra literária, sociedade e leitor(a), tarefa que é o objetivo desta

pesquisa.

2- Uma leitura através da teoria das representações sociais

Liev Semionovitch Vigotiski (1896-1936), afirma que a dimensão social humana

está presente mesmo onde exista a presença de apenas um homem ou uma mulher, desde

que estes estejam, de uma forma ou de outra, vivenciando suas emoções pessoais. Para este

autor, a refundição no ambiente externo a nós, de nossas emoções realiza-se “por força de

um sentimento social que foi objetivado, levado para fora de nós, materializado e fixado

nos objetos externos da arte, que se tornaram instrumento da sociedade” (1999:315).

Para Vigotski, o sentimento não se tornaria social, pelo contrário, torna-se isto sim

pessoal, no momento em que homens e mulheres vivenciam com a arte. O importante e

fundamental de perceber-se é que este sentimento ao passar a ser pessoal não perde seu

caráter também social. Parece-me que esta visão de Vigotski, em relação ao caráter da arte

na sociedade, tem muito a ver com a teoria das representações sociais que até aqui procurei

apresentar. Esta aproximação que faço não tem outro sentido, que não o de buscar o diálogo

entre a teoria das representações sociais clássica e o pensamento de autores que embora não

tendo participado diretamente da construção desta teoria, podem nos ajudar em pesquisas

onde a mesma é tomada como um conceito articulador. Moscovici (1984), ao se referir ao

elo existente entre a psicologia do desenvolvimento e a psicologia social, considera a

primeira como sendo a psicologia social da criança e, a segunda, a psicologia do

desenvolvimento dos homens e mulheres adultos. Segundo o autor, em ambas, as

representações sociais desempenham um papel fundamental, sendo isto o que elas “têm em

comum”. Se, na opinião de Moscovici, acrescentarmos a isto alguns aspectos da

“sociologia da vida cotidiana”, poderíamos reconstruir um conhecimento científico que

incluiria toda uma “galáxia de investigações relacionadas”. Moscovici (1984:59), vê nisto

“uma materialização concreta de uma observação de Vigotiski, onde o problema do

pensamento e da linguagem extrapola os limites da ciência natural e se torna o problema

central da sociologia humana”.

Ao analisar a obra literária de Guimarães Rosa “Grande Sertão: Veredas”, Lima

(1996), comenta que a forma como o sertão é representado na narrativa de Rosa (autor) e

Riobaldo (personagem), leva o leitor a uma travessia das paisagens sertanejas, em que

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“O sentido de espaço e de lugar durante a história, ambos transcendendo a dimensão do tempo local geográfico ou de suas singularidades regionais, numa expansão contínua por territórios dimensionados na universalidade dos significados próprios e únicos da condição humana” (1996:154).

Percebe-se aqui, neste rápido exemplo, uma possibilidade concreta desta articulação

entre os sentimentos, as emoções, às vezes sutis, vagos, tênues, com as relações sociais em

construção, dialogando com aquilo que Moscovici denominou pouco antes de uma

“sociologia da vida cotidiana”. Tal articulação é possível através da arte, no caso em

questão a literatura. Estaríamos frente ao que Vigotski (1999), defende ser uma

possibilidade de articulação entre sentimentos e vida, a arte se constituindo em uma

“técnica social do sentimento” . De uma forma um pouco diferente, porém, via a teoria das

representações sociais, como uma possibilidade de trabalho na literatura Laszlo (1997),

defende que nossas histórias não resumem-se a nossas histórias pessoais, mentais ou

verbais. Mas que estas experiências individuais têm articulações com outras histórias e

outros sujeitos. Para este autor, estas histórias pertencem também a articulações com a

cultura e com a sociedade. Laszlo chega a afirmar que “Mesmo as autobiografias são

construções sociais, locais e contingentes às possibilidades narrativas ambientes”

(1997:160). O autor defende que existem como que “histórias históricas congeladas”, que,

segundo ele, fazem com que as experiências individuais sejam articuladas formando

histórias comuns em uma determinada cultura ou sociedade. Para este autor, apesar de os

sujeitos poderem construir histórias diferentes para uma mesma atividade, a cultura

informaria, a seus membros, pela relação comunicacional, um conjunto possível de

esqueletos de histórias. Considero importante ressaltar a posição de Laszlo sobre a idéia de

Vigotski de que a arte contaria com uma “técnica social para emoções”. Para Laszlo, esta

capacidade da narrativa “não se restringiria apenas as narrativas literárias, mas que

pertence a vida real dos grupos sociais quando atuam juntos e experimentam suas próprias

ações” (1997:162).

A idéia de aproximação entre os processos narrativos literários/artísticos e a teoria

das representações sociais, embora não seja uma prática muito comum de pesquisa, também

não se pode dizer que constitui-se em algo totalmente estranho a esta teoria. Esta distância

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diminui ainda mais se levarmos em consideração a construção do referencial teórico-

intelectual das representações sociais, como uma teoria de investigação de fenômenos

sociais partilhados. Em um artigo de 1997, Laszlo faz uma retrospectiva a respeito desta

possibilidade e constata que ela já está presente, em alguns conceitos de Durkeim e de

alguns de seus alunos. Outra demonstração concreta desta possibilidade levantada e

discutida, pelo autor, é o fato de que estudos etnográficos, em muitos casos são orientados

em termos de entrevistas, onde as narrativas são o foco de análise. Justifica tal afirmação,

lembrando que “Entrevistas são em muitos sentidos auto-narrativas, guiadas pelo

entrevistador, que fornecem embasamento para o pesquisador, do qual ele/ela podem

descobrir o sistema de significados para interpretar o contexto do fenômeno em foco”

(Laszlo, 1997:164).

De maneira bastante lúcida, Serge Moscovici, em um texto de 1984, defende a

necessidade de um esforço comum de todos(as) os(as) pesquisadores(as) e intelectuais

empenhados no estudo das representações sociais, no sentido de buscar o entendimento

daquilo que ele denomina de “cosmologia da existência humana” (1984:59). Para ele, a

teoria das representações sociais está permanentemente aberta a novas possibilidades

investigativas que encontrem-se em sintonia com seu campo de abrangência. Para este

autor, a complexidade do ser humano não pode ser encarada por esta ou aquela área

específica do conhecimento, precisa, isto sim, estabelecer relações as mais amplas

possíveis, pois só assim poderá viabilizar-se tão difícil tarefa. Para Moscovici as

representações sociais são “Históricas na sua essência, e influenciam o desenvolvimento do

indivíduo desde a primeira infância, desde o dia em que a mãe, com todas as suas imagens

e conceitos, começa a ficar preocupada com o seu bebê” (1984:59). É a partir da

compreensão que pais e mães fazem de seus filhos e filhas que modelar-se-á sua

personalidade e construir-se-á o seu processo de socialização. Assim, fica muito difícil, ou

até mesmo impossível, segundo o próprio Moscovici, pensar-se uma teoria capaz de dar

conta de tão importante projeto, sem buscar diálogos e arriscar-se em caminhos ainda por

ser construídos. Acrescenta ao final

“Não ignoro as dificuldades de tal empreendimento, nem o fato de que ele pode ser impossível, como também não ignoro a lacuna entre tal projeto e as nossas modestas realizações até o dia de hoje. Mas não posso compreender que isto seja razão suficiente para

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não empreendê-lo, o mais claramente possível, na esperança que outros irão compartilhar da minha fé nesse projeto”(Moscovici,1984:60).

Levando em consideração a idéia da teoria das representações sociais como uma

teoria articuladora, entre autor(a), obra, sociedade e leitor(a) é que me proponho aceitar o

desafio de dar minha contribuição como cidadão e pesquisador das questões ecológicas,

através de uma metodologia que, como procurei demonstrar, ainda tem um longo caminho

a percorrer. Ao realizar uma pesquisa acadêmica, lançando mão de uma metodologia em

construção, sei das armadilhas que se escondem em um projeto deste tipo. São como

fantasmas permanentemente de tocaia nas entrelinhas de um texto que se lê. Acredito ser

este, talvez, o maior desafio, assim como, a maior contribuição que eu posso dar, neste

momento, para o entendimento de uma questão que está, a meu ver, extremamente carente

de iniciativas inovadoras, no campo da pesquisa acadêmica, principalmente do ponto de

vista metodológico de investigação. Estou me referindo à pesquisa sobre formas de

implementação da educação ambiental no cotidiano escolar. Com isto não me proponho

“salvador” de nada, nem portador de fórmulas ou cartilhas para a realização, na escola ou

na sociedade, da “boa educação ambiental” ou da “verdadeira educação ambiental”. Ao

contrário, estou buscando aprender com aqueles e aquelas que estão inquietos frente aos

imensos problemas ecológicos que estão a desafiar todos(as) os(as) cidadãos(ãs) e

educadores(as) do planeta. Aprender com aqueles e aquelas educadores(as) e ecologistas,

que não estão aderindo às saídas fáceis, ou métodos e alternativas tradicionais, como forma

de enfrentar as questões ecológicas de nossa época.

A seguir passarei a refletir, especificamente, sobre a possibilidade de identificação e

análise de representações sociais, tendo como fonte de investigação o texto literário.

3- A obra literária como fonte de investigação de representações sociais

Ao comentar a relação existente entre obra literária e sociedade Candido (2000), diz

que esta passa por avaliações que vão de um extremo a outro. Para o autor no século

passado, por exemplo, a literatura chegou a ser vista como chave para entender a sociedade.

Noutro momento, no entanto, foi totalmente desconsiderada a possibilidade de

condicionamento entre literatura/sociedade/literatura. Este paradoxo é assim ilustrado por

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Candido “Nada mais importante para chamar a atenção sobre uma verdade do que

exagerá-la. Mas também nada mais perigoso, porque um dia vem a reação indispensável e

a relega injustamente para a categoria de erro” (2000:03). Há que buscar-se um ponto de

equilíbrio entre estes dois extremos. Pois, pode-se ter como muito factível a relação de

condicionamento social entre obra e sociedade. Na opinião de Candido (2000), a literatura

constitui-se sim em um produto social. Uma construção que se dá na relação do escritor

com seu grupo social. O escritor não seria apenas mais um indivíduo se expressando, mas

sim, alguém desempenhando um papel social, ocupando uma posição relativa ao seu grupo

profissional e correspondendo a certas expectativas dos leitores(as) e também de seus(as)

auditores(as).

Na opinião de Leenhardt (1998), o texto literário teria sua significância social, entre

outras justificativas, pelo fato de constituir-se em um dos principais meios de que dispõe o

indivíduo, para estabelecer suas relações imaginárias com os demais componentes do grupo

ao qual pertence. A literatura ao ser entendida como um discurso que acontece na e pela

sociedade, não pode ser vista de forma apartada, isolada da cultura na qual está inserida e

onde a estamos analisando. Já na visão de Ravetti (1999:17), a literatura assim vista,

constitui-se como um “Discurso específico dentro do universo cultural”. Se pensarmos a

partir destas duas possibilidades levantadas, o texto literário é um disseminador de

símbolos e regras culturais estabelecidas na sociedade. Esta autora, dando seguimento a sua

idéia sobre o papel da literatura na sociedade, afirma que não só é importante trabalhar-se a

literatura em uma relação de diálogo com a cultura como alerta que seria

“...uma tarefa urgente e interminável refletir sobre as culturas nas quais estamos imersos, aguçar os ouvidos para escutar nossa(s) língua(s), teorizar nossos processos identificatórios, partindo da idéia de que esta reflexão serve para evidenciar o mapa cultural da região na qual interagimos, desconhecido em grande parte para nós mesmos, pelo menos em suas dimensões simbólico-culturais”(1999:18).

Assim sendo, podemos pensar a literatura como uma das tantas formas de

manifestação de valores, crenças, regras, mitos. Enfim, uma maneira a mais e muito

especial, das pessoas tornarem públicas, na sociedade, suas diferentes representações. De

outro modo, a literatura constitui-se em um importante veículo divulgador e/ou

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comunicador destes mesmos valores e crenças dos indivíduos, mas que são em verdade

construções resultantes de um processo de criação coletiva. São, em síntese, uma

decorrência de relações partilhadas no grupo a que os(as) mesmos(as) pertencem. Para

Ravetti (1999), o ambiente atual de pós-modernidade latino-americano, está profundamente

marcado por escritos literários, onde são veiculadas narrativas que são bons exemplos de

representações elaboradas a partir de “mediações complexas entre experiências e projetos

culturais e sociais que envolvem, certamente, programas literários” (p.18).

Pesavento (1998), ao refletir sobre a forma como os(as) brasileiros(as) em geral têm

vivido sua relação de pertencimento - ou não pertencimento - aos demais povos latino-

americanos, sugere que é esta uma relação onde os(as) brasileiros(as) não se sentem

realmente integrados ao continente e à cultura latino-americana. A autora vai buscar

argumentos para suas afirmações no discurso histórico e na narrativa literária que no

Brasil tem se desenvolvido historicamente. Para Pesavento, há que buscar uma “nova

leitura” dos textos literários, onde seja possível entender a “história como literatura e a

literatura como história”. Um entrecruzamento com tal característica, e tamanha magnitude,

só poderia ser viabilizado através da noção de “representação”, pois para ela, esta categoria

se tornou central para os estudos da história cultural que busca resgatar as diferentes formas

como homens e mulheres perceberam-se através dos tempos e em diferentes lugares,

construindo, assim, “um sistema de imagens de representação coletiva” (1998:19).

Ao apresentar a teoria Wagner (1999), assim se refere ao seu papel no estudo de

fenômenos sociais nas sociedades modernas “Ela (a representação social) mantém que os

fenômenos e processos psicológicos e sociais só podem ser corretamente compreendidos se

forem vistos como estando inseridos em condições históricas, culturais, e macro-sociais”

(1999:06). Esta afirmação reafirma a viabilidade do que me proponho, visto que, defendo

neste texto a idéia de que a literatura assume em muitas situações a dimensão de histórias

que estão ligadas à vida, aos sentimentos, lutas, vontades, desejos, diálogos e/ou embates

culturais, que em última instância são parte constituinte tanto do imaginário quanto do

mundo real dos grupos sociais. Para este mesmo autor, as representações sociais são

instrumentos que possibilitam a comunicação social entre os sujeitos no cotidiano da

sociedade, constituindo-se assim, em ferramentas mais concretas até mesmo que os

conceitos científicos (1999). Seguindo nesta direção, podemos entender o texto literário

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como uma possibilidade de construção e/ou reconstrução do real, através de representações,

que são/estão sendo veiculadas/apresentadas na obra literária. Por outro lado, pode-se ir

além e refletir sobre a possibilidade de ser a narrativa ficcional, em muitos casos, tão

esclarecedora e representativa do real, quanto a narrativa histórica clássica. Sobre tal

possibilidade retornamos a Pesavento (1998), quando esta afirma que a veracidade da

literatura está fortemente ligada a sua capacidade de contextualização da narrativa literária.

Para esta autora, assim como está presente no discurso histórico um aporte de ficcionismo,

na narrativa literária também estão presentes a vontade de fornecer veracidade à ficção. Isto

se comprovaria, pelo fato de que mesmo não sendo “intenção do texto literário provar que

os fatos narrados tenham acontecido concretamente, mas a narrativa comporta em si uma

explicação do real e traduz uma sensibilidade diante do mundo, recuperada pelo autor”

(Pesavento, 1988:22).

4- Representando o mundo como um texto: pensando alternativas em E. A.

O texto literário pode ser visto, assim, como um “pedaço de mundo”, um

“fragmento da história”, aberto às diferentes disciplinas (história, física, filosofia,

sociologia, antropologia, matemática, biologia...), bem como, às complexas manifestações

humanas (artísticas, religiosas, políticas, afetivas, demens, ludens...). Texto, leitura, e

mundo neles representados são, portanto, inseparáveis. Unem-se, sem, no entanto,

dissiparem suas identidades.

A partir desta representação de mundo, pergunto: sendo as questões ecológicas

contemporâneas, questões que estão a desafiar nossas melhores reflexões intelectuais, e,

sendo elas emergentes do nosso mundo, não poderíamos tratá-las também como texto

para, assim, entendê-las melhor?

Ao discutirmos as questões ecológicas alguns consensos começam a se formar.

Entre estes que as mesmas são de extrema complexidade e envolvem as mais diferentes

dimensões do pensar e do agir humano. Ao buscar-se soluções para os problemas

ecológicos defrontamo-nos com dificuldades que, em muitos casos, não decorrem de falta

de vontade sincera de resolução destes por parte daqueles(as) envolvidos(as) com a

questão. São dificuldades que nem sempre estão relacionadas a discordâncias quanto aos

fins a serem atingidos, aos métodos a serem utilizados, muito menos a disputas pessoais

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e/ou grupais de poder. Mas estão, sim, vinculadas ao fato de que o mesmo problema pode

ser visto, interpretado, representado, de forma diferente, por cada pessoa envolvida. Ou

seja, as representações elaboradas por cada pessoa podem ser bastante diferentes,

embora, aparentemente, o problema seja o mesmo. Uma prova é que, em muitos casos,

aquilo que é visto como problema ecológico por um(a) não o é por outro(a). Poderia citar

outros exemplos, tais como a gravidade atribuída a um problema ambiental nem sempre é

equivalente para diferentes cidadão(ãs), mesmo que estejam convivendo com a mesma

realidade. Nossas representações sobre as questões ecológicas não estão imunes às nossas

crenças, nossos valores morais, éticos, religiosos, econômicos, políticos, nossos conceitos

científicos, nosso senso comum, nossas ideologias... Enfim, são criações autônomas e ao

mesmo tempo dependentes de nossa cultura, nosso tempo, de nossos processos de vida e

morte...Enfim, como afirma Paz, são nossa história, pois, segundo ele, os seres humanos

não estão na história: são a história. No texto América Latina y la democracia , do livro

Tiempo Nublado (1983), ao comentar a forma como as idéias e ideologias acabam por

afetar nossa vida e nossos processos de construção de formas de pensar e viver, Paz, fala de

um processo de “emascaramento” que, em muitos casos, nos leva a ver, ou, a não ver

aquilo que queremos ou não queremos ver. Quando tratamos das questões ecológicas

muito facilmente podemos cair nesta armadilha criada por estes processos de

“emascaramento”.

Uma questão bastante importante para repensarmos nossas teorias e ações em

relação às questões ecológicas é, justamente, a capacidade de nos ocultarmos em relação a

nossas responsabilidades frente às mesmas. Tal atitude fica bastante evidente em nossos

discursos sobre os problemas ecológicos, na medida em que, via de regra, quando falamos

dos mesmos nos excluímos da sua origem. Assumimos uma certa exterioridade ao

problema. Agimos como se não fizéssemos parte desta faceta da realidade: a faceta

negativa de nossas ações. Esta postura ficou evidente em várias pesquisas que realizei,

através de questionários e entrevistas, junto a alunos e alunas de cursos que ministrei nos

últimos anos para professores(as) das redes de ensino de vários municípios do país, bem

como para alunos(as) de diversos cursos de graduação e pós-graduação de diferentes

universidades. Isto apenas para citar pesquisas de cunho acadêmico, pois, se nos determos a

avaliar com mais atenção, esta ocultação individual frente às questões ecológicas está

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presente em nossas falas e ações cotidianas. Faz parte instituinte e instituidora de nosso

senso comum. Está presente de forma marcante em nossas representações cotidianas.

Compõe o imaginário de grande parte de nossa sociedade.

A esta possibilidade de trabalho em educação ambiental através do texto literário

podemos nos arriscar um pouco mais e buscar identificar e analisar representações sobre

problemas ecológicos, em textos produzidos pelos(as) membros do grupo com o qual

estamos trabalhando. Por exemplo, uma turma de alunos(as). Ao tratarmos uma questão

ecológica - um problema ecológico qualquer - podemos transformá-lo em um texto. Pode-

se fazer isto através da descrição daquilo que estamos vendo e entendendo como um

problema ou questão ecológica a ser debatida, refletida. Estaremos, assim, dando

visibilidade e possibilidade de interpretação, através do texto produzido, de uma parte de

nossas representações sobre o que estamos descrevendo, no caso, um problema ecológico.

Esta prática oportunizaria uma relação educador(a) educando(a), onde seria

incentivado o processo criativo individual ao mesmo tempo que dar-se-ia oportunidade para

a troca de experiências entre os(as) envolvidos(as). A discussão sobre o processo, bem

como o resultado, constituir-se-ia em ótimo ponto de partida para a discussão sobre

algumas representações dos(as) alunos(as) presentes nos textos.

De outra forma estaríamos propiciando um exercício de cidadania, na medida em

que, a discussão dos problemas ecológicos estariam trazendo à tona questões que envolvem

não apenas conceitos científicos e conteúdos didáticos mas, também, e isto é fundamental,

aspectos da economia, da política, da cultura, da violência, das crenças e valores,

circulantes na sociedade. Enfim, estaríamos fazendo uma aproximação entre mundo da

escola e mundo da vida, lembrando o saudoso educador Paulo Freire: “...ninguém educa

ninguém...os homens educam-se entre si” (Freire: 1996).

4- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABRIC, J.C. Prefácio.In: Celso Pereira Sá. Rio de Janeiro. Vozes, 1996. ARRUDA, A. O ambiente natural e seus habitantes no imaginário brasileiro. In: ARRUDA.

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TÍTULO:

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REPRESENTANDO O MUNDO ATRAVÉS DO TEXTO LITERÁRIO: UMA

ALTERNATIVA METODOLÓGICA EM EDUCAÇÃO AMBIENTAL

AUTOR: Valdo Hermes de Lima Barcelos ( Prof. Ass. Dep. Metodologia Ensino-

Universidade Federal de Santa Maria-UFSM- Doutorando Educação-UFSC)

Palavras-chaves: Representações Sociais - Educação Ambiental - Texto Literário.

Resumo Esta pesquisa teve como seu principal objetivo a construção de uma alternativa

metodológica de investigação em educação ambiental, onde procurei demonstrar que a

Teoria das Representações Sociais, de origem moscoviciana, pode se constituir em uma

teoria articuladora entre autor(a), obra, sociedade e leitor(a), viabilizando, assim, a

identificação e posterior análise de representações contidas e/ou veiculadas no texto

literário. Parto do princípio, nesta investigação, de que o conhecimento de algumas

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representações sobre questões que envolvem o ambiente podem ser de grande valia, tanto

para o entendimento das questões ambientais contemporâneas, quanto para a construção de

alternativas de intervenção sobre estas através do processo educativo.

Abstract

This paper propouses a construction of a methodological alternative of investigation on

enviromental education. Here, i try to demonstrate that moscovician Social Representation

theory can be helpful as a theory that links writers, work, readers and the social

environment, in order to identify and analise the representation kep on literary texts. It

seems to ne that the knouledge of some of the representations abaut enviromental matters

can be useful as a way of understanding contemporary enviromental matters and for the

construction of alternatives of intervention through the educational process.

1- Representações Sociais: um pouco da sua história

Nesta pesquisa tomei como ponto de referência para o surgimento da teoria das

representações sociais os estudos de Émile Durkeim. Quanto a sua conceituação, levo em

consideração a afirmação feita por Sá (1996), quando este diz ser a conceituação formal da

teoria das representações sociais bastante difícil, principalmente se for feita de forma

sintética, pois, estamos frente a uma teoria que prima justamente pela complexidade de sua

construção. Em um de seus trabalhos mais conhecidos, “O Suicídio”, Durkeim investiga o

suicídio, um tema que, aparentemente, é individual, mas tem causas que provêm da

sociedade. Segundo Durkeim os diferentes grupos na sociedade apresentariam uma certa

tendência ao suicídio que não se explicaria apenas através de fenômenos orgânicos e

psíquicos nem via natureza do meio físico. Portanto, “por eliminação, depende

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necessariamente das causas sociais e constitui, por si só, um fenômeno coletivo”

(1996:127).

Na década de sessenta o pesquisador romeno, radicado na França, Serge Moscovici

passa a denominar de Representações Sociais, aquilo que Durkeim denominava de

Representações Coletivas. Farr (1995:44), se refere à teoria das representações sociais, de

Moscovici, dizendo que este buscou adequá-la aos tempos atuais, na medida em que,

devido à complexificação do mundo moderno torna-se “..mais adequado, num contexto

moderno, estudar representações sociais do que estudar representações coletivas”. Estas

representações são construídas por indivíduos em suas ações e diálogos cotidianos. Para

este autor “Ao contrário das abordagens cognitivistas sociais, pressupõe-se que um objeto

é social não devido a alguma característica imanente, mas por meio da maneira que as

pessoas com ele se relacionam” (1999:01). Neste sentido podemos afirmar que é através

das conversações e diálogos que homens e mulheres atribuem significados a um

determinado objeto que desejam conhecer e com o qual querem se relacionar. Tal

elaboração faz com que certo objeto venha a tornar-se “realidade social”, através da

representação que a comunidade em questão faz dele. Esta seria uma das maneiras de

transformar um objeto em algo integrante do mundo social. Esta integração no mundo

social, daquilo que o indivíduo quer conhecer é, segundo Schulze (1995), uma das

possibilidades que a teoria das representações sociais pode nos oferecer. Já Minayo (1995),

ao estudar as influências recebidas pela teoria, via diferentes pensadores, cita Gramsci,

lembrando que este afirma que a concepção de mundo de um determinado período histórico

é constituída de fragmentos oriundos de vários segmentos sociais, sendo uma combinação

de vários elementos. Pode-se também afirmar que a teoria das representações sociais está

muito próxima daqueles estudos e/ou pesquisas voltadas para problemas de investigação

onde a centralidade da pesquisa é o conhecimento do senso comum.

Uma tal compreensão desta teoria leva que a entendamos como uma possibilidade

de aproximação com aquilo que os indivíduos são capazes de elaborar através de suas

relações cotidianas. Para Spink (1995), as representações sociais seriam formas de

conhecimento prático. É esta, dentre outras características que segundo Spink (1995:118),

favoreceria o surgimento de uma “Ruptura com as vertentes clássicas das teorias do

conhecimento anunciando importantes mudanças no posicionamento quanto ao estatuto

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da objetividade e da busca da verdade”. As representações sociais desempenham na

sociedade, seja ela qual for, importante contribuição para a formação de condutas,

orientando relações e comunicações. Segundo Moscovici (1978), deveríamos encarar as

representações sociais em seu duplo aspecto: na sua dimensão psicológica autônoma e na

proporção em que ela é própria da sociedade, e, portanto, parte também da cultura desta

mesma sociedade. Na opinião de Moscovici “As representações sociais são entidades

quase tangíveis. Elas circulam, cruzam-se e se cristalizam incessantemente através de uma

fala, um gesto, um encontro, em nosso universo cotidiano” (1978:41). Tomando esta

citação como referência percebe-se a importância que o autor dá para as relações no espaço

cotidiano como ponto de partida para nos aproximar das concepções e compreensões que

homens e mulheres constróem sobre o mundo em que vivem. Esta construção está muito

fortemente relacionada ao grupo social a que o indivíduo pertence. Para Moscovici (1990),

é consensual afirmar que ninguém confunde as emoções, os pensamentos ou os desejos de

um indivíduo com os grupos a que o mesmo pertence. No entanto, reafirma sua tese de que

quando estamos reunidos e formamos um grupo, alguma coisa muito importante acontece

com cada um de nós. Passamos a sentir e pensar de forma totalmente diversa de quando

estamos sozinhos.

Estamos neste exemplo, frente a um inegável caso onde a passagem de um estado

individual para outro coletivo, produz modificações radicalmente opostas. Neste processo

de passagem de individual para coletivo, a qualidade dos indivíduos sofre uma profunda

transformação. São nestas condições que para Moscovici (1990), as redes de relações

coletivas públicas e privadas se fundem e se demarcam. O público recupera aí o privado,

pois, para este autor, a sociedade existe onde os indivíduos são reais.

Aí estaria concretamente manifestada tanto a sociedade como o indivíduo. O lugar

onde o público e o privado se fundem. Ao falar da forma como transformamos uma

observação em conhecimento, Moscovici (1978), afirma que a única maneira de fazer isto é

“apropriando-nos do universo exterior”. Esta exterioridade deve ser vista em um duplo

sentido, a saber: aquele sentido que não nos pertence e o sentido que está fora de nós e,

portanto, fora dos limites do nosso campo de ação. Torna-se desta forma possível que as

recordações venham à tona fazendo com que as experiências compartilhadas apoderem-se

delas. Em função destes diálogos, não apenas as informações seriam transmitidas e os

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hábitos dos diferentes grupos elaborados e confirmados, mas também, e isto é muito

importante para as pessoas, cada um adquire uma capacidade “enciclopédica” a respeito

daquilo que está sendo objeto das discussões.

A teoria das representações sociais está também em consonância com o estudo dos

processos de alteridade. Ao se referir a esta contribuição da teoria Arruda (1999:43),

ressalta que “A teoria das representações sociais traz, assim, sua contribuição ao estudo

da alteridade pela via da cognição, mas também dos afetos, apontando-os como fonte do

direcionamento destes contornos, assim como a presença do inconsciente na configuração

dos seus desenhos”. Para Arruda a teoria das representações sociais, em seu processo de

construção, deixa espaços para lacunas através das quais novas discussões são possíveis.

Pois, para a autora, as representações não servem única e exclusivamente para fazer a

integração daquilo que é não familiar, mas também, e isto é fundamental, podem promover

a transformação deste familiar, já que, segundo a autora, a renovação dos “estoques

mentais e culturais não passa apenas pela incorporação do novo, ou talvez não se detenha

nela” (1999:43). A teoria das representações sociais, encontra-se em um momento de

difusão em diferentes regiões geográficas do mundo. Podem-se encontrar trabalhos de

investigação e estudo nas mais diferentes áreas do conhecimento, onde esta teoria está

sendo testada e/ou já se encontra em processo de consolidação avançado. Sobre esta

situação da teoria, Guareschi (1995), salienta que a esta já pode ser vista como uma

referência central para psicólogos de todo o planeta. É bastante enfático ao afirmar que para

a Psicologia Social esta teoria Representa um avanço, na medida em que consegue romper

e re-introduzir questões até então absolutamente centrais para esta disciplina.

O cotidiano dos seres humanos está marcado pelas suas múltiplas dimensões, como

a criatividade, seus pensamentos, os conceitos e pré-conceitos, valores, mitos, desejos...que

nem sempre são no entanto visíveis, ou claramente percebidos. Para Moscovici (1978:59)

“As representações individuais ou sociais fazem com que o mundo seja o que pensamos

que ele é ou deve ser. Mostram-nos que, a todo instante, alguma coisa ausente se lhe

adiciona e alguma coisa presente se modifica.” Este autor ao se referir à necessidade de

atentarmos para a complexidade dos fenômenos que envolvem as relações sociais, faz uma

advertência que considero crucial para o entendimento do momento que hoje vivemos no

que diz respeito às mudanças na forma de pensar e para a necessidade de se aceitar o aporte

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de novas idéias e teorias. Para ele valeria a pena lembrar uma banalidade: a de que a vida

das mais sólidas verdades é limitada.

A construção/elaboração de uma representação social, está vinculada a dois

processos fundamentais que segundo Moscovici (1978), seriam a objetivação e a

ancoragem. Enquanto na objetivação o que acontece é que um esquema, um conceito, é

transformado em algo real, da mesma forma que uma imagem é transformada em algo de

material, na ancoragem o mundo da sociedade transforma aquilo que é um objeto social em

algo que lhe sirva de instrumento. Em outras palavras: seria tornar familiar algo que se

apresenta até então como desconhecido, operação que se dá, por exemplo, via estruturas

retidas previamente na memória. Ao analisar a forma como se dá a penetração dos

conceitos científicos na sociedade, Moscovici afirma que estes adquirem um novo “estatus

epistemológico”, a que ele denomina de representações sociais. Moscovici (1995), ressalta

que as conversações, os saberes das populações, ao mesmo tempo que não devem ser

tomados como entidades à parte, não podem ser vistos como os únicos que são capazes de

expressarem as representações sociais. O conhecimento científico e as representações

sociais são tão diferentes entre si e, paradoxalmente, tão complementares que, segundo

Moscovici, faz-se necessário falar sempre em “ambos os registros”.

Sobre esta relação de complementaridade, Abric (1996), ressalta que a teoria das

representações sociais tem uma grande contribuição a dar para a busca de entendimento dos

fenômenos sociais extremamente complexos da sociedade contemporânea. Esta

contribuição residiria na diversidade de que se nutre esta teoria. Na sua opinião “uma das

vantagens da perspectiva das representações sociais é que ela se nutre de abordagens

diversas e complementares: estruturais, por certo, mas igualmente etnológicas e

antropológicas, socilógicas e históricas” (1996:09-10). Esta característica da teoria das

representações sociais, é reafirmada por Wagner (1999), em um trabalho onde apresenta

uma série de pesquisas onde foi utilizada esta teoria como um campo investigativo. Com

isto, o autor, quer demonstrar a diversidade de métodos de investigação possíveis a partir

do campo das representações sociais. Tal diversidade está intimamente relacionada a esta

característica de abordagens “diversas e complementares”, a que se refere Abric. A seguir

apresentarei a idéia de tomar-se a teoria das representações sociais como uma teoria

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articuladora entre autor(a), obra literária, sociedade e leitor(a), tarefa que é o objetivo desta

pesquisa.

2- Uma leitura através da teoria das representações sociais

Liev Semionovitch Vigotiski (1896-1936), afirma que a dimensão social humana

está presente mesmo onde exista a presença de apenas um homem ou uma mulher, desde

que estes estejam, de uma forma ou de outra, vivenciando suas emoções pessoais. Para este

autor, a refundição no ambiente externo a nós, de nossas emoções realiza-se “por força de

um sentimento social que foi objetivado, levado para fora de nós, materializado e fixado

nos objetos externos da arte, que se tornaram instrumento da sociedade” (1999:315).

Para Vigotski, o sentimento não se tornaria social, pelo contrário, torna-se isto sim

pessoal, no momento em que homens e mulheres vivenciam com a arte. O importante e

fundamental de perceber-se é que este sentimento ao passar a ser pessoal não perde seu

caráter também social. Parece-me que esta visão de Vigotski, em relação ao caráter da arte

na sociedade, tem muito a ver com a teoria das representações sociais que até aqui procurei

apresentar. Esta aproximação que faço não tem outro sentido, que não o de buscar o diálogo

entre a teoria das representações sociais clássica e o pensamento de autores que embora não

tendo participado diretamente da construção desta teoria, podem nos ajudar em pesquisas

onde a mesma é tomada como um conceito articulador. Moscovici (1984), ao se referir ao

elo existente entre a psicologia do desenvolvimento e a psicologia social, considera a

primeira como sendo a psicologia social da criança e, a segunda, a psicologia do

desenvolvimento dos homens e mulheres adultos. Segundo o autor, em ambas, as

representações sociais desempenham um papel fundamental, sendo isto o que elas “têm em

comum”. Se, na opinião de Moscovici, acrescentarmos a isto alguns aspectos da

“sociologia da vida cotidiana”, poderíamos reconstruir um conhecimento científico que

incluiria toda uma “galáxia de investigações relacionadas”. Moscovici (1984:59), vê nisto

“uma materialização concreta de uma observação de Vigotiski, onde o problema do

pensamento e da linguagem extrapola os limites da ciência natural e se torna o problema

central da sociologia humana”.

Ao analisar a obra literária de Guimarães Rosa “Grande Sertão: Veredas”, Lima

(1996), comenta que a forma como o sertão é representado na narrativa de Rosa (autor) e

Riobaldo (personagem), leva o leitor a uma travessia das paisagens sertanejas, em que

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“O sentido de espaço e de lugar durante a história, ambos transcendendo a dimensão do tempo local geográfico ou de suas singularidades regionais, numa expansão contínua por territórios dimensionados na universalidade dos significados próprios e únicos da condição humana” (1996:154).

Percebe-se aqui, neste rápido exemplo, uma possibilidade concreta desta articulação

entre os sentimentos, as emoções, às vezes sutis, vagos, tênues, com as relações sociais em

construção, dialogando com aquilo que Moscovici denominou pouco antes de uma

“sociologia da vida cotidiana”. Tal articulação é possível através da arte, no caso em

questão a literatura. Estaríamos frente ao que Vigotski (1999), defende ser uma

possibilidade de articulação entre sentimentos e vida, a arte se constituindo em uma

“técnica social do sentimento” . De uma forma um pouco diferente, porém, via a teoria das

representações sociais, como uma possibilidade de trabalho na literatura Laszlo (1997),

defende que nossas histórias não resumem-se a nossas histórias pessoais, mentais ou

verbais. Mas que estas experiências individuais têm articulações com outras histórias e

outros sujeitos. Para este autor, estas histórias pertencem também a articulações com a

cultura e com a sociedade. Laszlo chega a afirmar que “Mesmo as autobiografias são

construções sociais, locais e contingentes às possibilidades narrativas ambientes”

(1997:160). O autor defende que existem como que “histórias históricas congeladas”, que,

segundo ele, fazem com que as experiências individuais sejam articuladas formando

histórias comuns em uma determinada cultura ou sociedade. Para este autor, apesar de os

sujeitos poderem construir histórias diferentes para uma mesma atividade, a cultura

informaria, a seus membros, pela relação comunicacional, um conjunto possível de

esqueletos de histórias. Considero importante ressaltar a posição de Laszlo sobre a idéia de

Vigotski de que a arte contaria com uma “técnica social para emoções”. Para Laszlo, esta

capacidade da narrativa “não se restringiria apenas as narrativas literárias, mas que

pertence a vida real dos grupos sociais quando atuam juntos e experimentam suas próprias

ações” (1997:162).

A idéia de aproximação entre os processos narrativos literários/artísticos e a teoria

das representações sociais, embora não seja uma prática muito comum de pesquisa, também

não se pode dizer que constitui-se em algo totalmente estranho a esta teoria. Esta distância

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diminui ainda mais se levarmos em consideração a construção do referencial teórico-

intelectual das representações sociais, como uma teoria de investigação de fenômenos

sociais partilhados. Em um artigo de 1997, Laszlo faz uma retrospectiva a respeito desta

possibilidade e constata que ela já está presente, em alguns conceitos de Durkeim e de

alguns de seus alunos. Outra demonstração concreta desta possibilidade levantada e

discutida, pelo autor, é o fato de que estudos etnográficos, em muitos casos são orientados

em termos de entrevistas, onde as narrativas são o foco de análise. Justifica tal afirmação,

lembrando que “Entrevistas são em muitos sentidos auto-narrativas, guiadas pelo

entrevistador, que fornecem embasamento para o pesquisador, do qual ele/ela podem

descobrir o sistema de significados para interpretar o contexto do fenômeno em foco”

(Laszlo, 1997:164).

De maneira bastante lúcida, Serge Moscovici, em um texto de 1984, defende a

necessidade de um esforço comum de todos(as) os(as) pesquisadores(as) e intelectuais

empenhados no estudo das representações sociais, no sentido de buscar o entendimento

daquilo que ele denomina de “cosmologia da existência humana” (1984:59). Para ele, a

teoria das representações sociais está permanentemente aberta a novas possibilidades

investigativas que encontrem-se em sintonia com seu campo de abrangência. Para este

autor, a complexidade do ser humano não pode ser encarada por esta ou aquela área

específica do conhecimento, precisa, isto sim, estabelecer relações as mais amplas

possíveis, pois só assim poderá viabilizar-se tão difícil tarefa. Para Moscovici as

representações sociais são “Históricas na sua essência, e influenciam o desenvolvimento do

indivíduo desde a primeira infância, desde o dia em que a mãe, com todas as suas imagens

e conceitos, começa a ficar preocupada com o seu bebê” (1984:59). É a partir da

compreensão que pais e mães fazem de seus filhos e filhas que modelar-se-á sua

personalidade e construir-se-á o seu processo de socialização. Assim, fica muito difícil, ou

até mesmo impossível, segundo o próprio Moscovici, pensar-se uma teoria capaz de dar

conta de tão importante projeto, sem buscar diálogos e arriscar-se em caminhos ainda por

ser construídos. Acrescenta ao final

“Não ignoro as dificuldades de tal empreendimento, nem o fato de que ele pode ser impossível, como também não ignoro a lacuna entre tal projeto e as nossas modestas realizações até o dia de hoje. Mas não posso compreender que isto seja razão suficiente para

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não empreendê-lo, o mais claramente possível, na esperança que outros irão compartilhar da minha fé nesse projeto”(Moscovici,1984:60).

Levando em consideração a idéia da teoria das representações sociais como uma

teoria articuladora, entre autor(a), obra, sociedade e leitor(a) é que me proponho aceitar o

desafio de dar minha contribuição como cidadão e pesquisador das questões ecológicas,

através de uma metodologia que, como procurei demonstrar, ainda tem um longo caminho

a percorrer. Ao realizar uma pesquisa acadêmica, lançando mão de uma metodologia em

construção, sei das armadilhas que se escondem em um projeto deste tipo. São como

fantasmas permanentemente de tocaia nas entrelinhas de um texto que se lê. Acredito ser

este, talvez, o maior desafio, assim como, a maior contribuição que eu posso dar, neste

momento, para o entendimento de uma questão que está, a meu ver, extremamente carente

de iniciativas inovadoras, no campo da pesquisa acadêmica, principalmente do ponto de

vista metodológico de investigação. Estou me referindo à pesquisa sobre formas de

implementação da educação ambiental no cotidiano escolar. Com isto não me proponho

“salvador” de nada, nem portador de fórmulas ou cartilhas para a realização, na escola ou

na sociedade, da “boa educação ambiental” ou da “verdadeira educação ambiental”. Ao

contrário, estou buscando aprender com aqueles e aquelas que estão inquietos frente aos

imensos problemas ecológicos que estão a desafiar todos(as) os(as) cidadãos(ãs) e

educadores(as) do planeta. Aprender com aqueles e aquelas educadores(as) e ecologistas,

que não estão aderindo às saídas fáceis, ou métodos e alternativas tradicionais, como forma

de enfrentar as questões ecológicas de nossa época.

A seguir passarei a refletir, especificamente, sobre a possibilidade de identificação e

análise de representações sociais, tendo como fonte de investigação o texto literário.

3- A obra literária como fonte de investigação de representações sociais

Ao comentar a relação existente entre obra literária e sociedade Candido (2000), diz

que esta passa por avaliações que vão de um extremo a outro. Para o autor no século

passado, por exemplo, a literatura chegou a ser vista como chave para entender a sociedade.

Noutro momento, no entanto, foi totalmente desconsiderada a possibilidade de

condicionamento entre literatura/sociedade/literatura. Este paradoxo é assim ilustrado por

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Candido “Nada mais importante para chamar a atenção sobre uma verdade do que

exagerá-la. Mas também nada mais perigoso, porque um dia vem a reação indispensável e

a relega injustamente para a categoria de erro” (2000:03). Há que buscar-se um ponto de

equilíbrio entre estes dois extremos. Pois, pode-se ter como muito factível a relação de

condicionamento social entre obra e sociedade. Na opinião de Candido (2000), a literatura

constitui-se sim em um produto social. Uma construção que se dá na relação do escritor

com seu grupo social. O escritor não seria apenas mais um indivíduo se expressando, mas

sim, alguém desempenhando um papel social, ocupando uma posição relativa ao seu grupo

profissional e correspondendo a certas expectativas dos leitores(as) e também de seus(as)

auditores(as).

Na opinião de Leenhardt (1998), o texto literário teria sua significância social, entre

outras justificativas, pelo fato de constituir-se em um dos principais meios de que dispõe o

indivíduo, para estabelecer suas relações imaginárias com os demais componentes do grupo

ao qual pertence. A literatura ao ser entendida como um discurso que acontece na e pela

sociedade, não pode ser vista de forma apartada, isolada da cultura na qual está inserida e

onde a estamos analisando. Já na visão de Ravetti (1999:17), a literatura assim vista,

constitui-se como um “Discurso específico dentro do universo cultural”. Se pensarmos a

partir destas duas possibilidades levantadas, o texto literário é um disseminador de

símbolos e regras culturais estabelecidas na sociedade. Esta autora, dando seguimento a sua

idéia sobre o papel da literatura na sociedade, afirma que não só é importante trabalhar-se a

literatura em uma relação de diálogo com a cultura como alerta que seria

“...uma tarefa urgente e interminável refletir sobre as culturas nas quais estamos imersos, aguçar os ouvidos para escutar nossa(s) língua(s), teorizar nossos processos identificatórios, partindo da idéia de que esta reflexão serve para evidenciar o mapa cultural da região na qual interagimos, desconhecido em grande parte para nós mesmos, pelo menos em suas dimensões simbólico-culturais”(1999:18).

Assim sendo, podemos pensar a literatura como uma das tantas formas de

manifestação de valores, crenças, regras, mitos. Enfim, uma maneira a mais e muito

especial, das pessoas tornarem públicas, na sociedade, suas diferentes representações. De

outro modo, a literatura constitui-se em um importante veículo divulgador e/ou

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comunicador destes mesmos valores e crenças dos indivíduos, mas que são em verdade

construções resultantes de um processo de criação coletiva. São, em síntese, uma

decorrência de relações partilhadas no grupo a que os(as) mesmos(as) pertencem. Para

Ravetti (1999), o ambiente atual de pós-modernidade latino-americano, está profundamente

marcado por escritos literários, onde são veiculadas narrativas que são bons exemplos de

representações elaboradas a partir de “mediações complexas entre experiências e projetos

culturais e sociais que envolvem, certamente, programas literários” (p.18).

Pesavento (1998), ao refletir sobre a forma como os(as) brasileiros(as) em geral têm

vivido sua relação de pertencimento - ou não pertencimento - aos demais povos latino-

americanos, sugere que é esta uma relação onde os(as) brasileiros(as) não se sentem

realmente integrados ao continente e à cultura latino-americana. A autora vai buscar

argumentos para suas afirmações no discurso histórico e na narrativa literária que no

Brasil tem se desenvolvido historicamente. Para Pesavento, há que buscar uma “nova

leitura” dos textos literários, onde seja possível entender a “história como literatura e a

literatura como história”. Um entrecruzamento com tal característica, e tamanha magnitude,

só poderia ser viabilizado através da noção de “representação”, pois para ela, esta categoria

se tornou central para os estudos da história cultural que busca resgatar as diferentes formas

como homens e mulheres perceberam-se através dos tempos e em diferentes lugares,

construindo, assim, “um sistema de imagens de representação coletiva” (1998:19).

Ao apresentar a teoria Wagner (1999), assim se refere ao seu papel no estudo de

fenômenos sociais nas sociedades modernas “Ela (a representação social) mantém que os

fenômenos e processos psicológicos e sociais só podem ser corretamente compreendidos se

forem vistos como estando inseridos em condições históricas, culturais, e macro-sociais”

(1999:06). Esta afirmação reafirma a viabilidade do que me proponho, visto que, defendo

neste texto a idéia de que a literatura assume em muitas situações a dimensão de histórias

que estão ligadas à vida, aos sentimentos, lutas, vontades, desejos, diálogos e/ou embates

culturais, que em última instância são parte constituinte tanto do imaginário quanto do

mundo real dos grupos sociais. Para este mesmo autor, as representações sociais são

instrumentos que possibilitam a comunicação social entre os sujeitos no cotidiano da

sociedade, constituindo-se assim, em ferrame ntas mais concretas até mesmo que os

conceitos científicos (1999). Seguindo nesta direção, podemos entender o texto literário

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como uma possibilidade de construção e/ou reconstrução do real, através de representações,

que são/estão sendo veiculadas/apresentadas na obra literária. Por outro lado, pode-se ir

além e refletir sobre a possibilidade de ser a narrativa ficcional, em muitos casos, tão

esclarecedora e representativa do real, quanto a narrativa histórica clássica. Sobre tal

possibilidade retornamos a Pesavento (1998), quando esta afirma que a veracidade da

literatura está fortemente ligada a sua capacidade de contextualização da narrativa literária.

Para esta autora, assim como está presente no discurso histórico um aporte de ficcionismo,

na narrativa literária também estão presentes a vontade de fornecer veracidade à ficção. Isto

se comprovaria, pelo fato de que mesmo não sendo “intenção do texto literário provar que

os fatos narrados tenham acontecido concretamente, mas a narrativa comporta em si uma

explicação do real e traduz uma sensibilidade diante do mundo, recuperada pelo autor”

(Pesavento, 1988:22).

4- Representando o mundo como um texto: pensando alternativas em E. A.

O texto literário pode ser visto, assim, como um “pedaço de mundo”, um

“fragmento da história”, aberto às diferentes disciplinas (história, física, filosofia,

sociologia, antropologia, matemática, biologia...), bem como, às complexas manifestações

humanas (artísticas, religiosas, políticas, afetivas, demens, ludens...). Texto, leitura, e

mundo neles representados são, portanto, inseparáveis. Unem-se, sem, no entanto,

dissiparem suas identidades.

A partir desta representação de mundo, pergunto: sendo as questões ecológicas

contemporâneas, questões que estão a desafiar nossas melhores reflexões intelectuais, e,

sendo elas emergentes do nosso mundo, não poderíamos tratá-las também como texto

para, assim, entendê-las melhor?

Ao discutirmos as questões ecológicas alguns consensos começam a se formar.

Entre estes que as mesmas são de extrema complexidade e envolvem as mais diferentes

dimensões do pensar e do agir humano. Ao buscar-se soluções para os problemas

ecológicos defrontamo-nos com dificuldades que, em muitos casos, não decorrem de falta

de vontade sincera de resolução destes por parte daqueles(as) envolvidos(as) com a

questão. São dificuldades que nem sempre estão relacionadas a discordâncias quanto aos

fins a serem atingidos, aos métodos a serem utilizados, muito menos a disputas pessoais

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e/ou grupais de poder. Mas estão, sim, vinculadas ao fato de que o mesmo problema pode

ser visto, interpretado, representado, de forma diferente, por cada pessoa envolvida. Ou

seja, as representações elaboradas por cada pessoa podem ser bastante diferentes,

embora, aparentemente, o problema seja o mesmo. Uma prova é que, em muitos casos,

aquilo que é visto como problema ecológico por um(a) não o é por outro(a). Poderia citar

outros exemplos, tais como a gravidade atribuída a um problema ambiental nem sempre é

equivalente para diferentes cidadão(ãs), mesmo que estejam convivendo com a mesma

realidade. Nossas representações sobre as questões ecológicas não estão imunes às nossas

crenças, nossos valores morais, éticos, religiosos, econômicos, políticos, nossos conceitos

científicos, nosso senso comum, nossas ideologias... Enfim, são criações autônomas e ao

mesmo tempo dependentes de nossa cultura, nosso tempo, de nossos processos de vida e

morte...Enfim, como afirma Paz, são nossa história, pois, segundo ele, os seres humanos

não estão na história: são a história. No texto América Latina y la democracia , do livro

Tiempo Nublado (1983), ao comentar a forma como as idéias e ideologias acabam por

afetar nossa vida e nossos processos de construção de formas de pensar e viver, Paz, fala de

um processo de “emascaramento” que, em muitos casos, nos leva a ver, ou, a não ver

aquilo que queremos ou não queremos ver. Quando tratamos das questões ecológicas

muito facilmente podemos cair nesta armadilha criada por estes processos de

“emascaramento”.

Uma questão bastante importante para repensarmos nossas teorias e ações em

relação às questões ecológicas é, justamente, a capacidade de nos ocultarmos em relação a

nossas responsabilidades frente às mesmas. Tal atitude fica bastante evidente em nossos

discursos sobre os problemas ecológicos, na medida em que, via de regra, quando falamos

dos mesmos nos excluímos da sua origem. Assumimos uma certa exterioridade ao

problema. Agimos como se não fizéssemos parte desta faceta da realidade: a faceta

negativa de nossas ações. Esta postura ficou evidente em várias pesquisas que realizei,

através de questionários e entrevistas, junto a alunos e alunas de cursos que ministrei nos

últimos anos para professores(as) das redes de ensino de vários municípios do país, bem

como para alunos(as) de diversos cursos de graduação e pós-graduação de diferentes

universidades. Isto apenas para citar pesquisas de cunho acadêmico, pois, se nos determos a

avaliar com mais atenção, esta ocultação individual frente às questões ecológicas está

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presente em nossas falas e ações cotidianas. Faz parte instituinte e instituidora de nosso

senso comum. Está presente de forma marcante em nossas representações cotidianas.

Compõe o imaginário de grande parte de nossa sociedade.

A esta possibilidade de trabalho em educação ambiental através do texto literário

podemos nos arriscar um pouco mais e buscar identificar e analisar representações sobre

problemas ecológicos, em textos produzidos pelos(as) membros do grupo com o qual

estamos trabalhando. Por exemplo, uma turma de alunos(as). Ao tratarmos uma questão

ecológica - um problema ecológico qualquer - podemos transformá-lo em um texto. Pode-

se fazer isto através da descrição daquilo que estamos vendo e entendendo como um

problema ou questão ecológica a ser debatida, refletida. Estaremos, assim, dando

visibilidade e possibilidade de interpretação, através do texto produzido, de uma parte de

nossas representações sobre o que estamos descrevendo, no caso, um problema ecológico.

Esta prática oportunizaria uma relação educador(a) educando(a), onde seria

incentivado o processo criativo individual ao mesmo tempo que dar-se-ia oportunidade para

a troca de experiências entre os(as) envolvidos(as). A discussão sobre o processo, bem

como o resultado, constituir-se-ia em ótimo ponto de partida para a discussão sobre

algumas representações dos(as) alunos(as) presentes nos textos.

De outra forma estaríamos propiciando um exercício de cidadania, na medida em

que, a discussão dos problemas ecológicos estariam trazendo à tona questões que envolvem

não apenas conceitos científicos e conteúdos didáticos mas, também, e isto é fundamental,

aspectos da economia, da política, da cultura, da violência, das crenças e valores,

circulantes na sociedade. Enfim, estaríamos fazendo uma aproximação ent re mundo da

escola e mundo da vida, lembrando o saudoso educador Paulo Freire: “...ninguém educa

ninguém...os homens educam-se entre si” (Freire: 1996).

4- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABRIC, J. C. Prefácio. In: Celso Pereira Sá. Rio de Janeiro: Vozes, 1996. ARRUDA, A. O ambiente natural e seus habitantes no imaginário brasileiro. In: ARRUDA. A. (Org.) Representando a Alteridade . Rio de Janeiro: Vozes, 1999. CANDIDO, A. Literatura e Sociedade . São Paulo: T.A. QUEIRÓS, 2000. DURKHEIM, E. O Suicídio. Lisboa: Editorial Presença, 1996. FARR, R. Theory and Method of Social representations. Asian Journal of Social Psichology. abr. 1999. FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997.

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