representações e interacionismo simbólico
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O GUARDADOR DE REBANHOS (IX) Sou um guardador de rebanhos
O rebanho é os meus pensamentosE os meus pensamentos são todos sensações.Penso com os olhos e com os ouvidosE com as mãos e os pésE com o nariz e a boca.
Pensar uma flor é vê-la e cheirá-laE comer um fruto é saber-lhe o sentido.
Por isso quando num dia de calorMe sinto triste de gozá-lo tanto.E me deito ao comprido na erva,E fecho os olhos quentes,Sinto todo o meu corpo deitado na realidade,Sei a verdade e sou feliz.
Alberto Caeiro
POEMAS INCONJUNTOS
Assim como falham as palavras quando querem exprimir qualquer pensamento,
Assim falham os pensamentos quando querem exprimir qualquer realidade.
Mas, como a realidade pensada não é a dita mas a pensada,Assim a mesma dita realidade existe, não o ser pensada.Assim tudo o que existe, simplesmente existe.O resto é uma espécie de sono que temos, Uma velhice que nos acompanha desde a infância da
doença.
Alberto Caeiro1-10-1917
(E com quantas casas ou ruas, uma cidade começa a ser cidade?)
Nossa linguagem pode ser considerada como uma velha cidade : uma rede de
ruelas e praças, casas novas e velhas, e casas construídas em diferentes épocas; e isto tudo cercado por uma quantidade de
novos subúrbios com ruas retas e regulares e com casas uniformes.
Ludwig Wittgenstein, Investigações Filosóficas
"Aquilo que se sabe quando ninguém nos interroga, mas que não
se sabe mais quando devemos explicar, é algo sobre o que se deve
refletir.(E evidentemente algo sobre o que, por alguma razão, dificilmente
se reflete)."
(Wittgenstein, Investigações filosóficas)
“O homem não se encontra mais diante da realidade; por assim dizer, ele não
pode mais vê-la face a face. (...) Circundou-se de formas lingüísticas, de
imagens artísticas, de símbolos míticos e de ritos religiosos a um ponto tal de não poder ver e conhecer mais nada a
não ser por meio dessa mediação artificial”
Ernst Cassirer. Ensaio sobre o homem
“Como observou Arthur Schopenhauer; a ‘realidade’ é criada pelo ato de querer; é a teimosa indiferença do mundo em
relação à minha intenção, a relutância do mundo em se submeter à minha
vontade, que resulta na percepção do mundo como ‘real’, constrangedor,
limitante e desobediente.”
(Zygmunt Bauman. A modernidade Líquida p. 24)
“O equilíbrio pode, portanto, ser alcançado e mantido de duas
maneiras diferentes: ou reduzindo os desejos e/ou a imaginação, ou ampliando nossa capacidade de
ação”
(Zygmunt Bauman. A modernidade Líquida p. 24)
George Steiner. O Animal com Linguagem In: Extraterritorial. São Paulo: Companhia das
Letras, 1990
“Outros códigos usados por animais superiores podem ter sofisticação digna de nota
(...)
Mas não são como a linguagem. A linguagem, com seu caráter e limitações, é própria do homem. Nenhum outro sistema de sinais é
comparável ou, como diz Noam Chomsky, ‘a linguagem parece ser um fenômeno único, sem
análogo significativo no mundo animal’”
(George Steiner. O Animal com Linguagem p.67)
“A ‘humanidade’ do homem, a identidade humana tal como ele a pode declarar para si e para os
outros, é uma função da fala. (...)
A capacidade do homem para articular um tempo verbal futuro – em si um escândalo
metafísico e lógico -, sua faculdade e necessidade de ‘sonhar à frente’, de esperar, o tornam único. Essa capacidade inseparável da gramática, do poder da linguagem de existir
antes daquilo que ela designa.
Nosso sentido de passado, não como reflexos imediatos, inatamente adquiridos, mas como seleção configurada
de recordação, é mais uma vez radicalmente linguístico.
A história, no sentido humano, é uma rede de linguagem arremessada para trás.
Nenhum animal lembra historicamente; sua temporalidade é o eterno tempo verbal presente da ausência de fala.”
George Steiner. O Animal com Linguagem pp. 68-69
“A passagem do homem de um estado natural para um estado cultural – o
principal ato isolado de sua história – está em todos os pontos entrelaçado
com suas faculdades da fala.
Os tabus do incesto e os conseqüentes sistemas de parentesco que tornam
possível a definição e a sobrevivência biossocial de uma comunidade não
precedem a linguagem.
Muito provavelmente desenvolvem-se com ela e através dela. Não podemos proibir o
que não podemos nomear.” P. 69
“Nossos mecanismos de identidade – os procedimentos extremamente intrincados de
reconhecimento e delimitação que me permitem dizer que Eu sou eu, experimentar a mim mesmo, e que, concomitantemente, me
impedem de ‘experimentar você’, exceto por projeção imaginativa, por uma ficção inferencial de similitude – estão inteiramente baseados
no fato da linguagem.”
Estabeleço e preservo minha experiência do eu por um fluxo de discurso
internalizado. (...)
De modo correspondente, estabelecemos a existência de l’autre, e nossa
existência para ele, por meio de uma troca linguística.
Todo diálogo é uma proposta de conhecimento mútuo e uma redefinição
estratégia do eu. (...) o homem é um zoon phonanta, um animal com linguagem.” pp.
(George Steiner. O animal com linguagem p. 70-71)
“ Se os conceitos de ‘homem’ e de ‘linguagem’ são interdependentes para sua existência, o ‘homem pré-linguagem’ é uma quimera
desprovida de sentido. O homem se torna homem na medida em que entra em um
estágio linguístico.
(George Steiner. O Animal com Linguagem 1990 p. 72)
“Virtualmente toda experiência humana é mediada – pela socialização e em particular pela
aquisição da linguagem.
A linguagem e a memória estão intrinsicamente ligadas, tanto ao nível da
lembrança individual quanto ao da institucionalização da experiência coletiva.
(Anthony Giddens. Modernidade e Identidade p. 29)
A linguagem, como diz Levi-Strauss,
é uma máquina do tempo, que permite a reencarnação das práticas sociais através das gerações, ao mesmo tempo em que
torna possível a diferenciação de passado, presente e futuro.”
(Anthony Giddens. Modernidade e Identidade p. 29)
REPRESENTAÇÕES
DA SOCIEDADE
(Howard S. Becker)
“Assim, estou interessado em romances, estatísticas, histórias, etnografias, fotografias, filmes e qualquer outra forma pela qual
pessoas tenham tentado contar a outras o que sabem sobre sua
sociedade ou alguma outra sociedade que as interesse. Chamarei os produtos de toda essa atividade em todos esses meios de ‘relatos sobre a sociedade’, ou, por vezes, ‘representações da sociedade’ ”
Falando da Sociedade.Howard S. Becker
“Que problemas e questões surgem quando se fazem esses
relatos, em qualquer meio?”
Que regras governam as organizações de que participamos?
Em que padrões rotineiros de comportamento outras pessoas se envolvem?
Sabendo essas coisas, podemos organizar nosso próprio comportamento, aprender o que
queremos, como obtê-lo, quanto custará, que oportunidades de ação várias situações nos
oferecem.
Comunidades interpretativas
“Falar sobre a sociedade em geral envolve uma comunidade interpretativa, uma
organização de pessoas que faz rotineiramente representações padronizadas
de um tipo particular (‘produtores’) para outros (‘usuários’) que as utilizam
rotineiramente para objetivos padronizados.”
“As comunidades interpretativas muitas vezes tomam emprestados procedimentos e formas, usando-os para fazer algo em que seus criadores naquela outra comunidade
nunca tinham pensado, ou que jamais tinham pretendido...”
“Qualquer representação da realidade social – um filme documentário, um estudo
demográfico, um romance realista – é necessariamente parcial, é menos do que
experimentaríamos e teríamos à nossa disposição para interpretar se estivéssemos
no contexto real que ela representa.”
Operações presentes na representação
Seleção“Como qualquer representação sempre e necessariamente exclui elementos da realidade, as questões interessantes e
passíveis de investigação são estas: quais dos elementos possíveis são incluídos? Quem
considera essa seleção razoável e aceitável [comunidade interpretativa]? Quem se queixa
dela? Que critérios as pessoas aplicam quando fazem esses julgamentos?
Tradução“Penso em tradução como uma função
que transpõe um conjunto de elementos para outro conjunto de elementos (...) Maneiras habituais de
representações dão aos produtores um conjunto usual de elementos para
utilizar na construção de seus dispositivos, inclusive materiais, e suas capacidades
[sensibilidade de uma película; elementos conceituais como a idéia de enredo etc]”
Arranjos“Uma vez escolhidos e traduzidos os
elementos da situação, os fatos que uma representação descreve, as interpretações
que faz deles, deve ser arranjada em alguma ordem para que os usuários
possam compreender o que está sendo dito”
InterpretaçãoRepresentações só existem plenamente
quando alguém as usa, lê, vê ou ouve, completando a comunicação ao interpretar
os resultados e construir para si mesmo uma realidade a partir do que o produtor
lhe apresentou.
Os usuários interpretam representações
encontrando nelas as respostas para dois tipos de perguntas:
1. Querem saber os “fatos”: o que aconteceu, qual é a correlação entre desemprego e
violência etc
2. Querem respostas para questões morais: de quem é a culpa pelo desemprego e o aumento da violência, o que deveriam
fazer, por que foi necessária uma determinada ação
O INTERACIONISMO SIMBÓLICO
E A
ESCOLA SOCIOLÓGICA DE CHICAGO
“Vamos tratar das objetivações dos
processos (e significações) subjetivas graças às quais é
construído o mundo intersubjetivo do senso comum.”
Peter Berger &Thomas Luckman. A Construção social da realidade.
Herbert Blumer-A natureza do Interacionismo Simbólico
O Interacionismo simbólico baseia-se, em última análise, em três premissas.
A primeira estabelece que os seres humanos agem em relação ao mundo
fundamentando-se nos significados que este lhes oferece.
A segunda premissa consiste no fato de os significados de tais elementos serem provenientes da ou provocados pela
interação social que se mantém com as demais pessoas.
A terceira premissa reza que tais significados
são manipulados por um processo interpretativo (e por este modificados)
utilizado pela pessoa ao se relacionar com os elementos com que entra em contato.
“A linguagem usada na vida cotidiana fornece-
me continuamente as necessárias objetivações
e determina a ordem em que estas adquirem sentido e na qual a vida cotidiana ganha
significado para mim. (...)
a linguagem marca as coordenadas de minha
vida na sociedade e enche esta vida de objetos dotados de significação”
Peter Berger &Thomas Luckman. A Construção social da realidade.
“A realidade da vida cotidiana mantém-se pelo fato de corporificar-se em rotinas, o que
é a essência da institucionalização (...)
O veículo mais importante da conservação da realidade é a conversa. Pode-se considerar a vida cotidiana do indivíduo em termos do funcionamento de
um aparelho de conversa, que continuamente mantém, modifica e reconstrói
sua realidade subjetiva”
“É importante acentuar contudo que a maior parte da conservação da
realidade na conversa é implícita, não explícita.(...)
Uma troca de palavras como, por exemplo, ‘bem, está na hora de ir para a estação’,
implica um mundo inteiro dentro do qual estas proposições aparentemente simples
adquirem sentido.”
Usar a linguagem é desempenhar uma ação. É importante analisar o contexto em que a ação é desenvolvida e os propósitos
aos quais pode servir.
Os jogos [de linguagem] não têm contornos precisos e as suas possíveis regras não
exaurem e nem determinam, de uma vez por todas, as possibilidades das jogadas.
Elas indicam direções, uma memória do jogo, um campo de possibilidades, um
jogo com as fronteiras.
“... Os campos semânticos determinam aquilo que será retido e o que será
‘esquecido’, como partes da experiência total do indivíduo e da sociedade”
Eles podem ser transmitidos e modificados
de geração em geração (no espaço e no tempo)
Socialização primária
“A socialização primária cria na consciência da criança uma abstração progressiva de
papéis e atitudes em geral (...) Esta abstração dos papéis e atitudes dos outros significativos concretos é chamada o outro
generalizado.
“A socialização primária realiza assim o que pode ser considerado o mais
importante conto-do-vigário que a sociedade prega ao indivíduos, ou seja,
fazer aparecer como necessidade o que de fato é um feixe de
contingências...”
“A socialização nunca é total nem está jamais acabada”
Os Objetos e o Universo Simbólico
O interacionismo simbólico defende a
hipótese de que os “universos” acessíveis aos seres humanos e seus grupos _compõem-se de
“objetos”, e que estes são o produto da interação simbólica.
Entende-se por objeto tudo que for passível de ser indicado, evidenciado ou referido — uma nuvem, um livro, uma legislatura, um banqueiro, uma doutrina
religiosa, um fantasma, etc.
Para nossa maior conveniência, podemos
classificar os objetos em três categorias: (a) objetos físicos; (b) objetos sociais e
(c) objetos abstratos.
O conhecimento cotidiano
A vida cotidiana é dominada por motivos pragmáticos voltados para desempenhos de
rotina.
Muitas vezes, não me interessa saber por que um telefone funciona de um certo modo, mas o que é possível fazer com ele. Essa é
uma questão importante.
O significado dos objetos para cada um é, basicamente, gerado a partir da maneira pela
qual lhe definido por outras pessoas com quem interage.
Os objetos surgem a partir de um processo
de indicações recíprocas, objetos estes que possuem o mesmo significado para um dado conjunto de pessoas e por elas são
considerados da mesma maneira
“... apreendo o outro por meio de esquemas tipificadores (...)
Assim, apreendo o outro como ‘homem’, ‘europeu’, ‘comprador’, ‘tipo jovial’ etc. (...)O outro também me
apreende de uma maneira tipificada (...)
... Os dois esquemas tipificadores entram em contínua ‘negociação’ na situação face a
face
Peter Berger &Thomas Luckman. A Construção social da realidade.
"As superfícies usadas, o gasto que as mãos infligiram às coisas, a atmosfera freqüentemente trágica e sempre patética destes objetos infunde
uma espécie de atração não desprezível à realidade do mundo.A confusa impureza dos seres humanos se percebe neles, o agrupamento, uso e desuso dos materiais, as marcas do pé e dos dedos, a constância de
uma atmosfera humana inundando as coisas a partir do interno e do externo.
Assim seja a poesia que procuramos, gasta como por um ácido pelos deveres da mão, penetrada pelo suor e pela fumaça, cheirando a urina e a açucena salpicada pelas diversas profissões que se exercem dentro e fora
da lei.Uma poesia impura como um traje, como um corpo, com manchas de
nutrição e atitudes vergonhosas, com pregas, observações, sonhos, vigília, profecias, declarações de amor e ódio, bestas, arrepios, idílios, credos
políticos, negações, dúvidas, afirmações, impostos."
Sobre uma poesia sem pureza. Pablo Neruda.
"Mais adiante havia o depósito de garrafas, o caixote de madeira, o livro apodrecido de contadoria, um pano sujo e de novo a laranja. O olhar não
era descritivo, eram descritivas as posições das coisas.Não, o que estava no quintal não era ornamento. Alguma coisa
desconhecida tomara por um instante a forma desta posição. tudo isso constituía o sistema de defesa da cidade.
As coisas pareciam só desejar: aparecer - e nada mais. 'Eu vejo' - era apenas o que se podia dizer. (...)
Estava olhando as coisas que não se podem dizer. (...)Mesmo o erro era uma descoberta. Errar fazia-a encontrar a outra face dos
objetos e tocar-lhes o lado empoeirado. (...)Faltava a parte mais difícil da casa: a sala de visitas, praça de armas.
Onde cada coisa esperta existia como para que outras não fossem vistas? tal o grande sistema de defesa. (...)
As coisas eram difíceis porque, se se explicassem, não teriam passado de incompreensíveis a compreensíveis, mas de uma natureza a outra.
Somente o olhar não as alterava."
A Cidade Sitiada. Clarice Lispector
Primeiramente, oferecem-nos um novo
quadro do ambiente ou meio em que os seres humanos convivem.
os seres humanos, por assim dizer, podem coexistir lado a lado contudo, habitarem
diferentes universos.
“a fim de se compreender os atos
humanos, é preciso identificar seu universo de objetos, o que constitui importante aspecto do processo, a ser analisado adiante.”
Em segundo lugar, os objetos (quanto a seu significado) devem ser considerados como
criações sociais — como elementos
formados originados do processo de definição e interpretação, à medida
que este ocorre na interação humana.
“O cabedal social de conhecimento
diferencia a realidade por graus de familiaridade.
Fornece informação complexa e detalhada referente àqueles setores da vida diária com que tenho frequentemente de tratar. Fornece uma informação muito mais geral e imprecisa
sobre setores mais remotos”
“Não partilho meu conhecimento igualmente com todos os meus
semelhantes e pode haver algum conhecimento que não partilho com
ninguém.
Compartilho minha capacidade profissional com os colegas, mas não com minha família,
e não posso partilhar com ninguém meu conhecimento do modo de trapacear no
jogo.”
Uma rede ou uma instituição não funciona automaticamente devido a alguma dinâmica interna ou a exigências do sistema, mas sim
porque os indivíduos, em diferentes
pontos da urdidura, realizam atos, e estes constituem resultado da maneira pela qual
definem a situação em que são chamados a agir
“... Não se deveria falar de sociedade, mas de sociação. Sociedade é, assim, somente o nome para um círculo de indivíduos que estão, de uma maneira determinada, ligado uns aos outros por efeito de relações
mútuas
Georg Simmel. Questões fundamentais da Sociologia
Deve-se compreender que os conjuntos de significados que levam os participantes a agir como agem em seus respectivos pontos na rede possuem seu próprio contexto
em um processo localizado de interação social
... tais significados são formados, sustentados, enfraquecidos
fortalecidos ou transformados, conforme o caso, através de um processo
socialmente definidor.
A vida social: as redes.