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Faculdade de Letras da Universidade do Porto
Departamento de Estudos Portugueses e Estudos Românicos
O Karaoke como Ferramenta no Ensino de PLE
Ana Faria de Barros
Licenciada em Estudos Portugueses e Lusófonos
Relatório apresentado para obtenção do Grau de Mestre em Português Língua Segunda/Estrangeira
Professora orientadora: Doutora Isabel Margarida Duarte
Setembro 2013
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Resumo
Aprender uma língua estrangeira é um processo complexo que exije, tanto por
parte do professor como do aprendente, sensibilidade e um longo trabalho.
Considerando que, para esse ensino/aprendizagem, são necessários conhecimentos
profundos de língua mas também o uso de inúmeras estratégias e métodos, este relatório
pretende exemplificar alguma dessa metodologia, nomeadamente a que diz respeito ao
uso da canção na vertente de karaoke nas aulas de português língua estrangeira (PLE).
Sabendo que é necessária a aquisição, em qualquer língua, de conhecimento de
gramática, da cultura e do contexto social, propomos essa aquisição, em parte, através
do uso da canção, fundamentando-nos teoricamente com o seu lado motivador e
transmissor de aspetos essenciais de uma língua.
Neste relátorio, pretendemos igualmente demonstrar a importância que a música
teve na prática docente do ano letivo 2011/2012 e como os aprendentes encararam este
método utilizado em diversas atividades, bem como dar a conhecer os argumentos que
pesaram na utilização da canção como estratégia de ensino. Falaremos também sobre o
projeto em que participei Languages and Integration through singing que visa dar a
conhecer melhor o karaoke como material didático e trabalhá-lo nas aulas de PLE.
Palavras chave: música, canção, karaoke, ensino da língua, português.
3
Abstract
Learning a foreign language is a very complex process, demanding sensitivity and hard
work by the teacher and the student. Teaching and learning a foreign language requires
numerous strategies and methods and this report aims to demonstrate some of the methodology,
particularly the use of karaoke in Portuguese classes for foreign students.
Knowing that learning a new language requires the acquisition of grammar, culture and
social context, we propose that acquisition, in part, trough the use of singing taking advantage
of the motivation aspects conveyed by the song itself.
In this report we also want to demonstrate the importance that music had on the
teaching practice in the academic year of 2011/2012, show how students saw the use of this
method in various activities and get to know the arguments that were important for choosing
this method of using singing as a teaching strategy.
We will also talk about a project I’ve participated in, called Languages and Integration
through singing, which aims to demonstrate how karaoke can be used as a teaching method, and
use it on Portuguese classes for foreign students.
Keywords: music, song, karaoke, language teaching, Portuguese.
4
Índice Geral
Resumo ........................................................................................................................... 3
Abstract .......................................................................................................................... 4
Agradecimentos ............................................................................................................. 7
Introdução ...................................................................................................................... 8
Primeira Parte
Capítulo I – Contexto de Investigação ............................................................... 11
1 Local ................................................................................................ 11
1.1 O Português como língua segunda/estrangeira ................................ 11
1.2 O núcleo de estágio .......................................................................... 13
Capítulo II – A canção e o karaoke na aula de PLE .......................................... 15
1. O uso de materiais autênticos na aula de LE: canção como material
didático (karaoke)..............................................................................15
2. Porquê a canção................................................................................ 17
3. A canção como lugar de estudo da variação e das variedades do
português .......................................................................................... 18
4. O karaoke nas aulas de PLE.............................................................. 24
Capítulo III - O projeto “Languages and Integration Through Singing” ……... 26
1. Objetivos do projeto ………………………………………………. 27
2. Atividades ………………………………………………………… 28
Segunda Parte
Capítulo IV – A prática letiva..............................................................................36
1. Primeira unidade didática ................................................................. 37
2. Segunda unidade didática ................................................................. 40
3. Terceira unidade didática ................................................................. 44
Capítulo V – Avaliação Crítica .......................................................................... 49
I. Expectativas iniciais ....................................................... 49
II. Balanço dos semestres ................................................... 59
III. Reflexão Global/Anual de todo o processo ................... 50
1. Autoavaliação ........................................................... 51
Capítulo VI – Auto e Heteroavaliação ............................................................... 57
5
1. Reflexões pessoais após as unidades ............................................... 57
2. Comentários das colegas de estágio ................................................. 58
3. Comentários da orientadora ............................................................ 59
4. Reflexão global sobre as reflexões e os comentários ........................59
Capítulo VII – Propostas .....................................................................................62
Conclusão e Reflexão Final ............................................................................... 64
Bibliografia......................................................................................................... 66
Anexos ............................................................................................................... 70
Anexo 1................................................................................................... 71
Anexo 2 ...................................................................................................77
Anexo 3 .................................................................................................. 83
Anexos Audiovisuais
Das Bi – Bonga: Malembe Malembe E Reflexao, 1988, Discossete.
Dreamer – Supertramp: Crime of century, 1974
Primavera – Antonio Vivaldi: As Quatro Estações – concerto para violinos,
1725.
Vídeo do karaoke dos alunos do segundo semestre.
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Agradecimentos
Quero aproveitar a oportunidade para agradecer a algumas pessoas que foram
fundamentais no decorrer deste percurso:
À minha orientadora, Doutora Isabel Margarida Duarte, pela paciência, apoio e
disponibilidade.
À Drª Ângela Carvalho por tudo o que me ensinou e pelas orientações e
incentivo.
À minha família e amigos pelo apoio incondicional e confiança.
Às professoras Ana Janeiro e Lygia Pereira por sempre me terem transmitido o
amor pela língua portuguesa.
Aos alunos que tornaram tudo possível.
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A música é maior aparição do que toda a sabedoria e filosofia.
Ludwing Beethoven1
Introdução
No mundo globalizado em que vivemos hoje, a comunicação entre povos é cada
vez mais facilitada pois é irrefutável que as distâncias são cada vez mais curtas graças
aos meios existentes para comunicar. Esta facilidade constitui um dos aspetos mais
importantes no que concerne a esta aproximação entre culturas. Aprender uma língua
estrangeira é uma questão de extrema importância mas ao mesmo tempo um processo
bastante complexo. A aquisição de uma nova língua, além da materna, permite a cada
ser um crescimento intelectual, pessoal, afetivo e emocional bem com cultural e, claro,
linguístico.
O presente relatório pretende abordar um dos maiores reflexos de cultura e
objetos de comunicação entre povos, a canção. No entanto, é pretendido levar o uso da
canção mais longe na aula de língua estrangeira e abordar uma das mais recentes
utilizações da música: o karaoke.
Desmistificar a crença na utilidade da música em todas as sua vertentes como
material didático é igualmente um dos objetivos deste trabalho pois, apesar de ser um
material bastante apelativo, muitos foram os estudos que marginalizaram um pouco a
canção, mesmo sendo esta uma irrefutável plataforma para o conhecimento de uma
língua e de uma cultura de um determinado país.
Serão igualmente abordados alguns conceitos e teorias que envolvem o
ensino/aprendizagem da língua e trabalho realizado em torno do objeto karaoke no
contexto educativo de grupos alvo de aprendentes.
São cada vez mais variadas e atrativas as estratégias de ensino, mas igualmente
mais as que se tornam monótonas. A leitura e repetição na sua forma mais primitiva, por
exemplo, apesar de serem fundamentais no processo de aquisição de uma língua, são
cada vez menos motivantes. Sendo os adolescentes e os adultos grandes consumidores
de música, adquirindo albúns das suas bandas/cantores favoritos, frequentando 1 http://www.citador.pt/frases/citacoes/t/musica/30
8
concertos, ouvindo rádio e vendo vídeos, é importante aproximá-los da canção e trazer
esse prazer para a sala de aula.
Através do karaoke, os alunos não só ouvem, como leem, cantam e visionam até
vídeos ou fotografias alusivas ao tema da canção ou ao cantor. Como obter uma variante
da canção mais completa do que o karaoke? É sobre as vantagens do seu uso didático na
aprendizagem de línguas estrangeiras que também iremos tratar.
Este relatório divide-se em duas partes que contêm vários capítulos. A primeira
tem um caráter mais expositivo e nela, inicialmente, falaremos sobre o contexto e o
local onde se realizou este trabalho, trataremos o uso do karaoke como material
autêntico na aula de LE, a canção e as variedades da língua, as vantagens da utilização
do karaoke e o projeto Languages and Integration through singing2, que se dedicou ao
seu tratamento. Na segunda parte, que possui um caráter de relatório, será exposto todo
o trabalho realizado por mim, como docente, com alunos do nível C, no ano letivo de
2011/2012 e respetiva avaliação crítica. Por fim, proponho alguns exemplos de canções
possíveis de serem abordadas no contexto de uma teoria que exponho neste trabalho.
A escolha deste tema não foi, de modo algum, descuidada. A ligação que possuo
com a música foi um ponto obrigatório para tratar a canção e tentar demonstrar que esta
pode ser um excelente material de aprendizagem e sobretudo um elo de ligação entre
cada aluno e a língua com que contacta deixando memórias e sentimentos que mais
nenhum material didático é capaz de deixar.
2 Cf http://www.languagesbysongs.eu/index.htm (Acedido em 09/09/2013)
9
Primeira Parte
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Capítulo I – Contexto de Investigação
1. O local:
As instalações
O presente estudo teve lugar no ano letivo de 2011/2012 na Faculdade de Letras da
Universidade do Porto, (FLUP), no âmbito do Mestrado de Português Língua
Segunda/Estrangeira. Os respetivos elementos práticos foram executados nas aulas do
Curso Anual de Português para Estrangeiros.
É importante referir o mestrado em Português Língua Segunda/Estrangeira, criado
no ano letivo de 2008/2009, e os cursos anuais de PLE frequentados, na sua maioria,
pelos alunos do programa Erasmus. Nestes cursos anuais, os alunos deste mesmo
mestrado têm participação ativa, podendo lecionar nas turmas de PLE, supervisionados,
no seu ano de estágio pedagógico.
1.1 O Português como Língua Segunda/Estrangeira (PLE):
Atualmente em grande expansão, a aprendizagem da língua portuguesa para
estrangeiros torna-se um ponto essencial para campos como a economia mundial e para
a cultura: é por esse motivo que a FLUP apoia o ensino da língua bem como
proporciona aos seus estudantes um aprofundamento específico na forma de ensinar
português, nomeadamente a estrangeiros.
Como saída profissional para os alunos dos cursos de Estudos Portugueses e
Lusófonos e Ciências da Linguagem, por exemplo, a Faculdade oferece o mestrado em
PLE que também pode ser frequentado por estudantes estrangeiros que dominem o
português e queiram lecionar a língua no seu país de origem. Há também uma vasta
oferta para os estudantes estrangeiros que queiram aprender ou melhorar o seu
desempenho em português: curso anual, curso intensivo e curso de verão. A primeira
modalidade, o curso anual de português, que foi onde se inseriu o objeto de estudo desta
dissertação, tem a duração de um ano letivo (dois semestres) e tem como alvo todos
aqueles que queiram aprender português independentemente da sua situação académica,
profissional ou de nacionalidade. No que diz respeito à formação e composição das
turmas, é permitido aos alunos frequentarem o segundo semestre sem terem passado
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pelo primeiro, com uma duração total de 60 horas e a frequência é mista, ou seja, com
alunos diferentes, seja na sua origem e na sua idade. Caso os alunos sejam aprovados,
terão acesso a quatro créditos referentes à European Credit Tranfer and Accumulations
System, mais conhecidos por ECTS.
O Quadro Europeu Comum de Referência para as Línguas (2001) é o documento
que cordena os níveis disponíveis para os estudantes, ou seja, subdivide os cursos numa
escala: a primeira, de iniciação, corresponde ao patamar A1.1 e A1.2; o nível elementar
situa-se entre o A2.1 e A2.2. Para um nível limiar temos B1.1 e B1.2 e para o de
autonomia o C1.1 e o C1.2. Por fim, para mestria os patamares C2.1 e C2.2. Para os
formandos terem acesso ao nível correspondente aos seus conhecimentos, deverão
fornecer informações precisas na sua candidatura e demostrar posteriormente os seus
conhecimentos sobre a língua num teste diagnóstico realizado já nas instalações da
Faculdade. Dependendo da demonstração da sua sabedoria nas atividades propostas na
aula, os alunos serão ou não encaminhados pelo docente para o nível a que
correspondem na realidade ou também por sua livre escolha.
A segunda modalidade, como referido anteriormente, é o curso intensivo de
português para estrangeiros que se compõe, igualmente, pela mesma carga letiva. No
entanto, este curso divide-se em três cursos distintos ao longo do ano letivo, cada um
com as referidas 60 horas. O primeiro realiza-se em setembro, o segundo em outubro e
último em março.
A terceira e última modalidade deste curso é o curso de verão que, como o nome
indica, é feito nesta época num total de 60 horas divididas por 17 dias.
O Mestrado em português língua estrangeira/segunda surgiu na sequência de dois
outros cursos de especialização para professores de PLE: o Diploma Universitário de
Formação de Professores de Português Língua Segunda/Língua Estrangeira; e,
posteriormente, o Curso de Especialização em ensino do Português Língua Estrangeira.
Atualmente, o mestrado, concluindo o curso, dá acesso ao diploma de grau de mestre e
também a profissionalização no ensino de PLE realizado nas turmas existentes na
Faculdade.
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1.1. O núcleo de estágio
No que diz respeito a este trabalho, é necessário salientar que foi desenvolvido, na
sua vertente prática, no nível C, ao longo de todo o ano letivo de 2011/2012, nas aulas
do curso anual de português para estrangeiros. Encarregues da docência deste curso
encontravam-se a Professora Rosa Bizarro no nível A, o Professor Luís Fardilha no
nível B e as Professoras Fátima Silva e Ângela Carvalho no nível C, ficando os
mestrandos divididos em quatro grupos de três elementos pelos professores dos
respetivos níveis. O núcleo no qual participei estava a cargo da Professora Ângela
Carvalho, sendo os relatórios orientados pela Professora Isabel Margarida Duarte.
1.1.1. As turmas lecionadas integrantes do curso anual de português para
estrangeiros
Devido à caraterística de separação de semestres, os estudantes que
frequentaram o curso não foram os mesmos nos dois semestres, por isso o trabalho
desenvolvido teve sempre em conta esse fator bem como as caraterísticas apresentadas
pelos discentes. Assim sendo, o trabalho prático foi exercido em duas turmas
completamente diferentes tanto ao nível dos conhecimentos, como da proveniência bem
como dos objetivos. A turma do primeiro semestre era constituída por um pequeno
grupo exclusivamente oriundo da Europa, com idades compreendidas entre os 23 e os
42 e era composto, na sua maioria, por alunos do sexo feminino. Alguns dos estudantes
trabalhavam e viviam em Portugal com a sua família, outros, por sua vez, eram
estudantes do programa Erasmus. A sua formação académica era maioritariamente
baseada em licenciaturas e todos já tinham estudado língua portuguesa pelo menos uma
vez. Era uma turma simpática mas algo apática onde o recolher do feedback do nosso
trabalho não foi fácil. Os alunos não eram muito participativos nem muito efusivos e as
atividades que íamos propondo ao longo do semestre, que inicialmente pareciam
interessantes, eram dificultadas pela passividade e falta de interesse da turma. No
entanto, no final do semestre, talvez pelo crescimento da empatia entre professores
estagiários e alunos, a situação alterou-se um pouco e o trabalho começou a resultar
melhor, conseguindo-se cativar os alunos para atividades diferentes e despertar o
interesse por alguns assuntos.
Face à turma do segundo semestre, reforça-se então, de novo, a ideia da grande
diferença para a do primeiro. Os estudantes já eram em maior número e as suas origens
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eram mais variadas, havendo estudantes da Europa, África, América Latina e Ásia. A
turma era igualmente mista, continuando a predominar o sexo feminino e as suas idades
variavam entre os 21 e os 66. Estávamos novamente na presença de estudantes a viver e
a trabalhar em Portugal bem como estudantes do programa Erasmus e também
estudantes maioritariamente licenciados. No entanto, desta vez, existiam estudantes que
pouco tinham estudado língua portuguesa, pois a sua experiência com a língua devia-se
ao facto de estarem há alguns anos no país, e na turma existiam estudantes que tinham
concluído o primeiro semestre na turma anterior. No que diz respeito à atuação e
comportamento da turma, podemos dizer que esta era bastante acessível, cheia de
energia, curiosa, participativa, interessada e os conhecimentos gerais da língua eram
elevados. O facto de as origens dos estudantes serem muito diferentes, permitiu sempre
criar uma grande interação e uma troca enorme de conhecimentos e experiências e,
consequentemente, transpô-los para a sala de aula, comparando-os sempre com a sua
experiência em Portugal e com o que iam observando dos próprios portugueses. Não era
uma turma fácil para trabalhar, tornando-se, para mim, um desafio ainda maior. Os
resultados das atividades foram sempre excedendo as nossas expectativas e foi uma
turma sempre cooperante do início ao fim do semestre.
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Capítulo II – A canção e o karaoke na aula de PLE
1. Uso de materiais autênticos na aula de Língua Estrangeira: canção como
material didático (Karaoke).
Desde dos primórdios da humanidade que o uso da música foi importante em todas
as culturas. Na antiguidade clássica e na idade média, era utilizada no entretenimento
dos imperadores e das cortes, para dar início a batalhas ou para comemorar a chegada de
guerreiros ou tomadas de posse. Atualmente, a música mantem-se como forma de
entretenimento, na grande maioria das vezes, no entanto, outras propriedades foram
encontradas e a música assumiu um papel preponderante na medicina, nomeadamente
em terapias ou relaxamento, bem como no ensino e na aquisição de novas competências
quer seja com crianças ou com adultos. Todos os dias, temos contacto com a canção
seja através da rádio, da televisão, na internet, em casa, no duche, com amigos etc., por
isso é impossível negar que a música está na vida da sociedade e que é uma forte
potenciadora da memória, já que, através dela, conseguimos rapidamente regressar a
momentos da nossa vida em que uma canção proporcionou uma qualquer recordação
(López, 2005).
Cada vez mais o uso de materiais autênticos nas aulas de LE passa pelo uso da
música, nomeadamente da canção na vertente karaoke que se tem revelado um bom
auxílio no ensino/aprendizagem devido às suas propriedades ao nível fonético, temático,
lexical e gramatical.
Os materiais autênticos permitem ao professor uma abordagem mais abrangente
da temática escolhida mas sobretudo trabalhar as reais necessidades dos aprendentes
libertando-se de ideias e atividades pré concebidas que por vezes limitam os objetivos
de uma aula pois são reais, não são adaptações, sendo exemplos genuínos da língua que
se quer ensinar. As canções, os romances e jornais, que fazem parte do ambiente onde
se dá o processo ensino-aprendizagem, podem tornar-se excelentes materiais didáticos,
contribuindo para uma maior variedade de atividades, diminuindo a desmotivação dos
aprendentes, e proporcionando uma melhor resposta às necessidades dos alunos e às
suas expectativas. A relação professor aluno torna-se mais personalizada e, para os
professores mais inexperientes, esta prática dá a oportunidade de se desenvolverem
15
profissionalmente dando asas à sua criatividade. Estes materiais autênticos são
complementares e auxiliam na “transferência de situações, experiências,
demonstrações, sons, imagens e factos para o campo da consciência, onde se
transformam em ideias claras e inteligíveis” (Cuicui, 2012, p. 13).
A canção, neste caso o karaoke, sendo autêntico, assegura a autenticidade do
input e torna-se um material muito atrativo e motivador pois é uma forma de cultura que
pode ser estudada por qualquer aprendente da língua em questão. Nela aparece muito
léxico que não existe nos manuais escolares e temas que não são abordados
regularmente. Garcia (2005) citando Santos Aseni (1996:368), refere que:
“Esta é uma das grandes vantagens da incorporação das canções na aula,
porque elas causam motivação e satisfação nos alunos e porque a música está
ligada às suas inquietudes e interesses, além de ser a manifestação artística e
cultural de mais amplo caráter social na atualidade.”.
A canção, como material didático autêntico, torna-se, portanto, um veículo para
aprender uma língua de modo insconsciente e que funciona como uma terapia psíquica
para o desenvolvimento cognitivo transmitindo informação e permitindo a comunicação
(Gold, citado por Santos (2008) ). Assim sendo, podemos trabalhar com os alunos com
o uso da canção e segundo López (2005):
- vocabulário
- memória
- criatividade
- compreensão da leitura
- expressão escrita
- compreensão verbal
- expressão oral
- pronúncia
- gramática
- conhecimento da cultura do país
- sentido musical
- coordenação motora.
- expressão artística etc.
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No entanto, é de salientar que não existem só vantagens na utilização de
materiais didáticos, pois a depedência que estes podem criar no professor pode ser
negativa: a falta de variedade no processo de ensino, a, por vezes, falta de adaptação às
reais necessidades dos aprendentes, a ausência de espontaneidade na relação professor-
aluno e a diminuição da criatividade podem ser alguns problemas que se apresentam ao
professor. (Richter)
2. Porquê a canção?
A canção é língua viva e cultura. Com ela podem ser trabalhadas sobretudo as
competências de receção, de audição e repetição. Trata-se igualmente o léxico, a
gramática, a história, a cultura e temas do dia a dia por vezes não contemplados nos
manuais. Os argumentos práticos em favor da sua utilização em aulas de Língua
Estrangeira são fortes: a canção é agradável de escutar, os alunos gostam de ouvir
música e preferem esta a qualquer outra atividade e os benefícios linguísticos são
visíveis: a canção permite a introdução e receção de outras línguas e de diferentes
níveis, bem como encontrar variações linguísticas. (Calvet, 1980) Outra das vantagens
pedagógicas da canção é que os alunos podem cantá-la e aí é possível introduzir o
karaoke que facilmente vai ajudar, através da letra ritmada, uma melhor compreensão e
treino da oralidade e dicção.
“Dis-moi qui tu chantes, je te dirai qui tu es” (Calvet, 1980, p. 20). Esta
adaptação de um ditado, citada por Calvet, remete-nos para a extensão das
possibilidades do uso da canção. Além de trabalhar a língua, as canções cantadas pelos
aprendentes também refletem as suas ideologias sociais e políticas, bem como as suas
emoções, pensamentos e formas de estar, tão importantes numa aula e que favorecem a
interculturalidade. De igual forma pensa Griffee (1992) ao dizer: “Songs speak to us
directly about our experiences, they reassure us in our moments of trouble”, ou seja, a
canção transporta-nos para além daquilo que ela representa inicialmente. É possível
vivenciarmos experiências passadas, sermos levados pela memória a momentos onde
fomos felizes ou não ou onde aprendemos algo.
Contemplar o canto nas aulas de PLE não precisa de ser necessariamente uma
atividade de educação musical. Cantando, os alunos exploram outro nível que a audição
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da canção, por si só, não lhes permite. Experienciam o ritmo dos versos, estão atentos à
sua prestação ao nível da dicção, e por norma acabam por transmitir ao corpo esse
mesmo ritmo. Ouvir uma canção acaba por ser um processo estático, sendo que cantar,
ou seja, fazer um karaoke, alia todas as áreas da língua (Ribeiro, 2002).
3. A canção como lugar de estudo da variação e das variedades do Português:
Segundo a última edição do livro “The Ethnologue: languages of the world”
(2005), o número de línguas faladas no mundo é de 6912. Neste preciso momento, a
língua portuguesa encontra-se-ia em 6º lugar, sendo falada por 218 milhões de pessoas
entre o Brasil, Portugal, São Tomé e Príncipe, Cabo Verde, Guiné Bissau, Moçambique,
Timor e Angola que têm o português como língua oficial.
Para compreendermos melhor as variedades do português no mundo, é
necessário abordar, resumidamente, alguns pontos essenciais:
Línguas crioulas
São muitos os textos que falam sobre esta temática, no entanto é curioso
verificar a extensa lista de línguas crioulas que tiveram origem na língua portuguesa. Na
Ásia, os crioulos portugueses poderiam classificar-se em três grupos, apesar de a
maioria dessas línguas estar extinta: o primeiro seria o sino-português, o segundo o
malaio-português e por fim o indo-português (Pagotto, 2005). Este autor, citanto Tarallo
e Alckmin (1987), aponta que, em África, podemos encontrar os crioulos portugueses
do golfo da Guiné, o crioulo português das ilhas de Cabo Verde, o crioulo português da
Guiné Bissau e ainda o crioulo português do Senegal, sendo que os do golfo da Guiné e
de Cabo Verde competem com o português, língua oficial. Estes crioulos ainda se vão
mantendo, sendo o de Cabo Verde, por exemplo, a língua materna da população e,
assim, um fortíssimo concorrente com o uso do Português, o que se torna interessante
do ponto de vista sociolingístico já que ganharam uma escrita, gramática e literatura
próprias, expandindo-se.
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O português europeu
Portugal é um país monolíngue, sendo a sua língua limitada ao seu espaço
geográfico, com vários dialetos que se mantêm há praticamente cinco séculos (Tessyer,
1980). Cunha e Cintra (1985) apresentam três regiões dialetais: os dialetos galegos, os
dialetos setentrionais e os centro meridionais sendo que o segundo corresponde ao norte
e o último ao sul. Uma característica curiosa de se observar, é que, ao contrário do
Brasil, “o aspeto regional da variação parece ser mais saliente do que o aspeto social”
(Pagotto, 2005) pois independentemente da condição social de cada um, em Portugal, o
modo de falar ou comunicar provém, em grande parte, do local onde se habita, é ele que
exerce uma forte influência sobre a oralidade e por vezes sobre a escrita.
Português do Brasil
Estudos recentes apontam para um mapa dialetal, no Brasil, dividido em duas
grandes regiões, a do norte e a do sul. São várias as características ao nível fonético que
demonstram uma variação do português do Brasil, no entanto, as mais importantes são
as que ocorrem ao nível da morfologia e sintaxe que diferenciam os dialetos deste país
dos de Portugal e que estão próximas de alguns dialetos africanos, como se demonstrará
mais à frente (Pagotto, 2005).
A morfologia verbal, principalmente no que concerne à flexão de número e
pessoa, e a morfologia pronominal, com destaque para os pronomes pessoais, sofrem
várias mudanças, salientando-se o uso dos pronomes “tu” e “você” como forma de
tratamento. Também os fenómenos de ordem e a representação pronominal do sujeito e
do objeto são exemplos de variação e mudança.
A forte imigração que o Brasil sofreu contribuiu substancialmente para esta
grande variação de dialetos. Os dialetos populares contrastam com o dialeto dos grandes
centros urbanos, que se separam cada vez mais do português de Portugal e, apesar de
grande parte da população brasileira viver nas cidades, é esta variação dialetal que
forma a identidade do país e se torna meio de expressão entre os habitantes.
Quando falamos na canção na aula de PLE não podemos deixar de refletir sobre
essas variedades existentes na língua portuguesa. Se analisarmos alguns crioulos, que se
distanciam gramaticalmente da língua portuguesa, podemos afastar-nos do objetivo que
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é o ensino do português padrão, mas não podemos deixar de admitir que as canções
destes países podem ser uma fonte rica em cultura, também necessária na aula de PLE.
Um dos objetivos didáticos contemplados no uso da canção é estudar as
variedades linguísticas que uma língua pode apresentar: as canções têm origem em
vários pontos do país e igualmente em todos os países cujo idioma é a língua
portuguesa, embora com variedades linguísticas ricas e diversas (Sousa, 2011). Sendo
assim, uma aula pode tornar-se rica culturalmente quando utilizadas canções de outros
países de língua portugesa, ou mesmo dentro da nossa língua, usando os vários dialetos.
Poderiamos recorrer, por exemplo, à canção “Pronúncia do norte” da banda portuguesa
GNR. Vejamos um exemplo prático de uma canção angolana cuja utilização seria
possível numa aula de PLE3:
Das Bi
Mentira mete no saco, saco vazio não fica em péÁgua quente não queima casaE mil coisa não volta a troco (2x)
Água rasca ni mete em péLuz e água trabalharP’ra você é que não convémNem eu quero te encontrar (2x)
Que amizade mais ingrataCom cinismo e hipocrisiaVibrar com as minha malambaConsentindo a proibição (2x)
As bilha já são douradaNinguém vai-me roubar com eleNem cassumbula nem a TeresaNem a Revista Geral
Bonga – Malembe (1988)
Pensemos numa aula diferente onde abordássemos as diferenças entre o
português de Angola e o português europeu de forma a trabalhar as variedades do
português. A escolha recaiu sobre Angola porque o português do Brasil, além de mais
conhecido é, para muitos alunos, o português com que contactaram anteriormente. No
3 Ver anexo audiovisual
20
meu estágio tive alunos que tinham participado em cursos de português com professores
brasileiros, o que os aproximou mais da cultura do país. Sendo assim, abordar o
português de Angola de forma contrastiva com o português europeu pode ser
interessante. Apresento uma canção bastante conhecida do cantor Bonga que
exemplifica alguns aspetos de língua a ter em conta. Além de serem visíveis expressões
do kimbundo4, interessantes no aspeto cultural, podemos abordar a gramática e as
variações que ocorrem na língua portuguesa. Seguem-se alguns exemplos plausíveis de
trabalhar com esta canção:
O género:
No português, o artigo tem, obrigatoriamente que concordar em género e número
com o nome. Em Angola, grande parte das vezes, esse facto não acontece.
Português de Angola – “Os revista” , “Estes menina”
Português Europeu – “As Revistas” , Estas meninas”
…………………………………
O número:
Tal como em género, o artigo tem igualmente que concordar em número
segundo as regras da gramática da língua portuguesa. No entanto, em Angola, esta regra
também não ocorre, e por norma tende a incidir apenas sobre os elementos mais à
esquerda do sintagma nominal tal como em algumas zonas do Brasil.
Português de Angola – “mil coisa”, “as minha malamba”, “as bilha”
Português Europeu – “mil coisas”, “as minhas malambas”, “as bilhas”
……………………………………..
O uso do Artigo:
Muitas vezes esquecidos pelos falantes do português de Angola, a ausência do
artigo é também um traço muito característico que não está contemplado na nossa
gramática.
Português de Angola - “...não queima casa”, “Filho de Luís não vem hoje…”
4 Kimbundo – língua angolana.
21
Português Europeu – “...não queima a casa”, “O filho do Luís não vem hoje…”
...................................................................
Pronomes pessoais:
Os pronomes pessoais o, a, os, as no português angolano são outra questão que
difere bastante da do português padrão. A sua utilização não segue uma regra, depende
da ordem que o falante lhe dá na frase ou do caso em que se encontra.
Português de Angola – “Encontramos-lhe na rua”
Português Europeu – “Encontramo-la na rua”
………………………………………………
Os Possessivos:
Da mesma forma que no português padrão a posse é exposta tanto por meio de
determinantes possessivos como pela preposição de, também o português angolano o
faz. No entanto, a ordem de colocação destes mesmos determinantes não é a mesma
usada no português padrão.
Português de Angola – “Recebi presente da amiga nossa”, “Amanhã é dia de aniversário meu”
Português Europeu – “Recebi um presente da nossa amiga”, “Amanhã é o dia do meu aniversário”
…………………………………………………
Muitas destas características, ou até mesmo regras, têm explicação na evolução
das línguas e no seu contexto cultural. Os descobrimentos expandiram a língua
portuguesa, mas algumas das diferenças decorrem das línguas maternas variadas faladas
pela grande maioria da população ao longo de várias décadas de colonização. Algumas
destas marcas mantiveram-se pelos mesmos motivos, outras por questões culturais.
Também seria possível analisarmos expressões idiomáticas ou ditados populares do
país, pegando, por exemplo, na expressão “água quente não queima casa”. Para os
alunos, esta pode ser uma forma de falar da cultura angolana, que ainda podemos
explorar na canção, como quem é o autor e a sua importância no país, mas também
contrastar com Portugal, já que algumas das obras do cantor abordam a colonização, a
22
guerra colonial e o 25 de abril, tão importantes para ambos os países. É sobretudo
preciso, com esta canção, compreender as diferenças ao nível gramatical e lexical de um
português falado em outro país. Sendo este um exemplo, o mesmo podemos fazer com
as canções do português do Brasil, Moçambique, Cabo Verde, etc., igualmente ricas em
variações e cultura.
23
4. O Karaoke nas aulas de PLE.
Até aos dias de hoje, o uso do karaoke tem-se mostrado eficaz no que diz
respeito à animação da sociedade, somente com um objetivo lúdico e de convivência
entre os praticantes. Atualmente, também os jogos interativos utilizam o karaoke como
meio de competição entre os participantes que necessitam de cantar bem e errar o
mínimo possível a letra. Mas como e porquê utilizar o karaoke em situação de ensino-
aprendizagem?
A presença da musicalidade e do ritmo da canção que acaba, muitas vezes, por
se transmitir ao próprio corpo são argumentos quase suficientes (Ribeiro, 2002).
Do ponto de vista didático, o karaoke pode fornecer imensas vantagens a quem o
utiliza na sala de aula. No que diz respeito ao ambiente, os alunos encontram-se
extremamente relaxados e motivados não só por ser uma atividade diferente, mas
porque a música tem um efeito calmante no cérebro, permitindo ao corpo e à mente
estarem num estado de paz. Por norma, as turmas apresentam um conjunto de
aprendentes maioritariamente jovens o que necessita de uma música mais apelativa.
Outra vantagem do karaoke é que os aprendentes melhoram a sua capacidade de
memorização, não só porque a música e os versos, que quase sempre rimam, o
permitem, mas porque a estes dois pontos se alia a parte visual, pois enquanto a canção
é ouvida há uma leitura também repetida dos versos. Este é um aspeto importante: a
aliança entre o visual e o auditivo pois permite aos alunos, através da letra, desenvolver
as suas competências de leitura e compreensão e, nos karaokes que apresentam imagens,
ou naqueles que pelo professor podem ser criados, ainda é possível observar vídeos ou
fotografias alusivas ao tema que pode ser, por exemplo, cultural. Através da utilização
de canções, os aprendentes podem igualmente adquirir estruturas linguísticas da língua
que estão a aprender e, automaticamente, enriquecem o seu vocabulário e, sobretudo o
contato com o texto é mais natural já que o contexto da linguagem que apresenta
também o é. Outra vantagem, muito evidente no karaoke, é o aperfeiçoamento da
pronúncia e das habilidades de escuta e compreensão, não só através da audição mas
também pelo facto de, aliado a ela, se ter o contacto com a letra. As palavras de um
texto didático são retidas na memória até ao dia da avaliação, no entanto, a letra de uma
canção pode fixar-se para o resto da vida (José, 1988, p. 39).
24
Para a execução desta tarefa e o para o bom uso do karaoke, é necessário que o
professor crie um clima agradável e confortável para que os alunos se possam sentir
motivados e cómodos (López, 2005, p. 807). Esta autora também refere, citanto
Saricoban e Metin (2000) e Varela (2003) que “En este contexto ideal de aprendizaje,
las canciones tienen un papel muy importante para profesores y alumnos, ya que
desarrollan todas las destrezas lingüísticas y ponen en funcionamiento los dos
hemisferios cerebrales.”(idem, p. 807)
Varela (2003), citada igualmente pela autora, aponta várias razões para a
utilização das canções que também se podem estender ao uso do karaoke onde se
salienta a criação do sentido rítmico e musical.
Atualmente o uso que os falantes fazem da língua é bastante diferente do
português padrão, usando-se por vezes o calão ou uma linguagem menos formal. É, por
isso, primordial prepararem-se as atividades pós audição que colmatem essa falha que a
canção pode ter, mesmo sendo rica em aspetos culturais, fonéticos ou temáticos.
25
Capítulo III – O projeto Languages and Integration through
singing
Durante o ano letivo em que lecionei na turma de nível C do curso anual de
português para estrangeiros, mantive contacto com um projeto que continua em
desenvolvimento, o Languages and Integration through singing5. O projeto foi criado
em 2008 e “é o resultado de três projetos Europeus Grundtvig de Parceria de
Aprendizagem: “Languages and Integration through Singing”, dedicado às línguas
italiana, romena e russa, "French and Spanish language competence through songs”
(FRESCO), relativo ao espanhol e ao francês e "Find A Delightful Opportunity to learn
Portuguese through Internet and songs” (FADO), dedicado ao português”.6 Este
projeto visa o auxílio a todos os professores e alunos que queiram aprender, numa fase
inicial, estas seis línguas, recorrendo às canções.
No sítio http://www.languagesbysongs.eu/index.htm encontram-se vários
planeamentos de aula, inclusivé um em que participei em conjunto com a professora
Ângela Carvalho7. A intenção, no caso português, é difundir a música portuguesa e usá-
la como método eficaz no ensino da língua. Numa primeira fase, encontram-se somente
planos de aula para os níveis A e B, no entanto, propus-me a criar um projeto
“fantasma” para o nível C, podendo vir este a ser agregado ao sítio do projeto ou não,
posteriormente. Neste projeto europeu, encontram-se várias formas de abordagem à
canção que vão desde o karaoke, à composição de letras e músicas, à desconstrução e
análise de canções bem como ao estudo de autores e à pesquisa dos seus trabalhos
musicais, exercícios orais e de interpretação. A riqueza deste projeto é imensa pois com
atividades como a música, o aluno, através da análise crítica das canções seja no aspeto
linguístico, seja na interpretação e reflexão, tem a noção de que pertence a uma
sociedade e que tem um papel fundamental nesta, permitindo também que estabeleça
relações de semelhança/diferença entre a sua línguia materna e a língua estrangeira
(Santos, 2008). As autoras afirmam também que a canção é uma forma de expressão
cultural ao nível ideológico, moral, religioso ou estético e que pode marcar
5 Cf http://www.languagesbysongs.eu/ (Acedido em 18/06/2013)6 Cf http://www.languagesbysongs.eu/page-01-por.htm (Acedido em 18/06/2013)7 Cf http://www.languagesbysongs.eu/page-01-por.htm (Acedido em 09/09/2013)
26
historicamente uma cultura (como através da música de intervenção), sendo também
representante da história, folcrore e idioma de um país/povo permitindo trabalhar todas
as valências inclusivé através do karaoke. Além de todos os aspetos culturais, estéticos
ou línguisticos que a canção permite abordar, é necessário ter em conta o estado
emocional do aluno, sendo que as atividades com a canção fazem o aluno desenvolver a
sua sensibilidade criativa. Krashen (1982) e Riddiford (1999), citados por Santos (2008)
complementam-se neste assunto, afirmando o primeiro que o aluno, para aprender, deve
estar relaxado e motivado e o segundo que a música permite esse estado de espírito e
que ainda “minimiza o impacto dos efeitos psicológicos que bloqueiam a
aprendizagem” (Santos, 2008, p. 7).
1. Objetivos do projeto
O objetivo deste projeto é fazer crescer o plurilinguismo na comunicação entre
culturas europeias e suas gentes, bem como a sua integração em escolas, formações e
cursos de aprendizagem contínua. Estão juntos os projetos FADO (português) e o
FENICE que contempla o italiano, o russo, o espanhol, o romeno e o francês. É
proposta a difusão de um novo método de ensino da língua estrangeira/segunda, através
das canções, para todos os que desejam ensinar ou aprender uma língua
independentemente da sua origem ou idade, tendo respostas variadas para os que o
procuram. Este método combina o uso de canções com o recurso ao karaoke e a material
audiovisual disponíveis na internet e permite ajustar a sua aprendizagem às
necessidades dos aprendentes que surgem no convívio com alguns lugares na internet
como o youtube. Este materiais didáticos, inicialmente concebidos para os níveis A e B
do QECR, destinam-se a aprendentes cujas competências linguísticas se ajustem, no
mínimo, ao nível A1.
Seguindo a linha do um anterior projeto, coordenados pelo FENICE –
Languages and Integration through Singing e French and Spanish language
competence through songs, que contemplavam o italiano, o francês, o espanhol, o
romeno e o russo, o quadro metodológico fornece-nos dados sobre a introdução ao
método, conselhos sobre a forma de abordar a canção no ensino da língua e como
produzir exercícios que correspondam às necessidades dos aprendentes. Com o intuinto
de verificar a sua pertinência e a eficácia o projeto será implementado nos países
27
parceiros e depois os resultados publicados no site nas línguas alvo podendo ser
utilizados em qualquer país da Europa mesmo para quem deseja uma aprendizagem
autónoma. Este projeto tem igualmente como intuito:
- Melhorar a parceria entre as instituições envolvidas na aprendizagem de adultos;
- Melhorar a formação dos professores;
- Divulgar os resultados através dos sítios web dos parceiros;
- Informar as instituições que tratam o ensino das línguas sobre a validade do
método;
- Incentivar os professores dos diferentes países a fazer troca de informações on-
line.
2. Atividades
No projeto FADO, dedicado ao português europeu e menos e à sua variante
brasileira, que tem a duração de dois anos (2011-2013) as principais atividades são:
- Encontro de grupos de trabalho para desenvolver, praticar as metodologias,
analisá-las e trocar ideias sobre o trabalho efetuado;
- Desenvolvimento de linhas orientadoras sobre a abordagem musical na
aprendizagem de uma língua estrangeira e respetiva tradução bem como
implementação na página web;
- Organização de exemplos de materiais didáticos e sua implementação;
- Elaboração em todas as suas formas da versão portuguesa do site com os
respetivos materiais didáticos;
- Experimentação dos materiais didáticos junto das universidades, escolas e
instituições e posterior análise dos resultados;
- Disseminação do projeto e seus resultados com o intuito que um grande
número de instituições adotem a abordagem musical na aprendizagem de línguas.
28
a. Resultados8
Para cada língua, a página web contém cinco secções:
a) Informações gerais sobre o projeto;
b) Espaço docente contendo os procedimentos metodológicos para a utilização
das canções e respetivas instruções bem como a divulgação dos resultados
pós experimentação;
c) Há também um local de trabalho dirigido a professores e alunos com
exercícios e atividades para as quais professores de português que não estão
integrados na parceria podem contribuir com ideias;
d) Descrição e identificação dos parceiros e autores responsáveis pelos
materiais didáticos;
e) Espaço com links para páginas web sobre o ensino de uma língua através da
música.
b. Diretrizes
O multilinguismo da Europa necessita de grandes esforços no sentido de unir
e integrar linguisticamente todos os cidadãos europeus. Para tal, a Comunidade
Europeia (CE) publicou documentos de extrema importância e prêve apoio
financeiro que auxilia a promoção das línguas e a diversidade cultural e promove
o estudo das línguas estrangeiras na Europa.
O projeto LIS (Língua e Integração através da Canção) surgiu devido ao
crescente multilinguismo no contexto da comunicação e integração dos cidadãos
europeus e tem como intuito o desenvolvimento de uma inovadora abordagem
no ensino das línguas estrangeiras para facilitar a integração de imigrantes e
consciencialização da interculturalidade através das canções.
Ao longo dos tempos tem-se vindo a provar o papel preponderante das
canções sobre a aprendizagem, nomeadamente das línguas estrangeiras, pois não
existe aquisição linguística sem o fator motivação que está correlacionado com o
8 Cf http://www.languagesbysongs.eu/page-01-por.htm (Acedido em 09/09/2013)
29
prazer e a curiosidade, resultando numa aprendizagem mais duradoura. Uma
característica conhecida da música é a capacidade que esta tem de alterar o ritmo
cardíaco, a ventilação, as emoções e as ações, facilitando a memorização, já que
todos temos uma canção favorita e sentimentos associados a ela. No que diz
respeito à aquisição de competências linguísticas, verificamos que os versos das
canções são excelentes textos para melhorar a aptidão de escuta e a compreensão
de uma língua estrangeira sendo, portanto, ótimos materiais didáticos autênticos
na aula de LE. A lista abaixo contém possíveis utilizações da canção no ensino
das línguas estrangeiras:
- Aprendizagem e memorização de fonemas, vocabulário e de estruturas
morfossintáticas através da escuta repetida do texto, sem perda de motivação;
- Exercícios eficazes para a prática de pronúncia, pelo uso dentro do
ritmo da música;
- O uso, por exemplo, do vídeo na vertente karaoke, estimula dois
sentidos em simultaneo, a visão e a audição;
- A aprendizagem através do emocional e pela dramatização do texto
correspondente à letra da canção, muitas vezes de autores conhecidos;
- A importância de versos que, apesar da insignificância do seu autor,
representam tipos de texto poético ou literário que, juntamente com a melodia,
são uma excelente forma de transmissão de emoções;
- Os aspetos culturais também são relevantes pois, em muitos casos, as
letras das canções são excelentes pontos de partida para o ensino de elementos
civilizacionais, geográficos, históricos e de tradições culturais de um
determinado país;
- A canção pode ser também usada como método independente de
aprendizagem pois, através desta e acompanhada por um vídeo, o aprendente
pode familiarizar-se com uma determinada língua. Por exemplo, durante muitos
anos, as pessoas estavam familiarizadas com Inglaterra e com o inglês devido à
música da banda britânica Beatles.
30
c. Etapas e atividades - Etapa Global:
A abordagem do texto, a compreensão do seu sentido, a explicação do texto
(palavras chave, sinónimos, antónimos, expressões idiomáticas, palavras com efeito
evocativo, perguntas abertas etc.) são processos que estão inseridos nas atividades pré
primeira audição da canção, neste caso karaoke. Juntamente com estes exercícios, e para
preparar a audição da música, podemos recorrer ao processo de antecipação, em que o
título da música é redigido no quadro e os alunos poderão tentar adivinhar o tema da
canção, registando, por exemplo, as suas ideias numa folha de papel. Também é
possível recorrer à utilização de imagens, onde pode constar a do autor, dando a
possibilidade aos alunos de criar uma história em torno dessa imagem ou tentar
encontrar outra que revele a temática da música. De seguida, podemos usar um breve
texto que contextualize a canção, como a sua proveniência ou o seu autor, criando uma
atmosfera propícia à discussão do tema. Por fim, para ser elaborado enquanto se
procede à audição da canção, os alunos podem encontrar sinónimos ou antónimos na
própria letra, referentes a palavras previamente escritas pelo professor no quadro. Estas
são algumas propostas que o projeto apresenta no que concerne à utilização do karaoke.
c.1. Como fazer usar os nossos próprios materiais
As canções, como já referido anteriormente, têm uma capacidade de criar uma
atmosfera de relaxamento e fazer com que o aluno esteja motivado e atento. Essa é a
razão pela qual os professores as utilizam cada vez mais as canções como material
didático das suas aulas.
Os recursos didáticos para este projeto incluem a componente áudio das canções
já que elas fornecem aspetos complementares que auxiliam os alunos a adquirirem
competências linguísticas e a desenvolverem-nas, quer seja por meio de vídeos, quer
seja por meio de karaokes.
Os autores do projeto sugerem 10 exemplos de etapas como estratégia para
ajudar os professores de LE a criarem os seus materiais didáticos:
Passo nº1 – Elaborar uma lista de músicas (Karaoke) para a língua ensinada
31
Passo nº2 – Escolher as canções (karaoke) que melhor sirvam as necessidades da
turma.
Passo nº3 – Analisar das canções escolhidas.
Passo nº4 – Estabelecer uma meta para a aula.
Passo nº5 – Realizar os seus próprios materiais. (Començando pelos objetivos, é
necessário criar material que vá ao encontro às aspirações dos alunos).
Passo nº6 – Introduzir a canção (karaoke) na aula, iniciando atividades de
preparação, apelando à interação e discussão, orientanto sempre a questão para o
objetivo.
Passo nº7 – Interpretar a canção.
Passo nº8 – Implementar o ensino-aprendizagem.
Passo nº9 – Melhorar os conhecimentos.
Passo nº10 – Garantir uma aquisição de conhecimentos com aspetos lúdicos.
d. – Parcerias
Este projeto é o resultado da união de três projetos europeus Grundtving Learning
Partnership projetados e coordenados pela Federazione Nationale Insegnanti Centro di
iniziativa per l’Europa: “Languages and Integration through Singing”, dedicado à língua
italiana, romena e russa, “French and Spanish language competence through songs”
(FRESCO), relativo às línguas francesa e espanhola e “Find A Delightful Opportunity
to learn Portuguese through Internet and songs” (FADO), dedicado ao português.
A Federazione Nationale Insegnanti Centro di iniziativa per l’Europa – FENICE,
Nápoles, Itália – é uma associação sem fins lucrativos que dá auxílio a atividades que
favoreçam a integração escolar. Tem como objetivo, igualmente, reforçar a dimensão
europeia da educação e dar apoio à formação escolar. Trata também de investigação e
de experiências inovadoras no âmbito da metodologia e da didática.
32
Para a elaboração dos três projetos, a FENICE tem o auxílio de qualidade da
parceria associada do “ITIS Galileo Ferraris” – Nápoles, Itália – instituto técnico
industrial público dotado no domínio das TIC’s, do áudio e do vídeo com um
laboratório especializado.
Este é um projeto ainda pouco conhecido entre os professores de LE mas que se
tornou uma execlente alternativa aos materiais didáticos comuns. Além de todas estas
carecterísticas e auxílio aos professores, este projeto apresenta ainda um lado prático:
fornece a qualquer professor ou aprendente de uma LE um vasto leque de opções
musicais para uma aprendizagem diferente. No site encontram-se algumas propostas de
aulas que podem ser utilizadas pelos professores, no nosso caso de português, em todo
mundo, com o recurso à canção e variados exercícios onde ela é trabalhada por meio de
karaokes, de forma estimulante e divertida. A proposta de aula sobre a “Carta” da banda
Toranja foi elaborada pela professora Ângela Carvalho e por mim e encontra-se
disponível no sítio do projeto.
No que diz respeito à minha participação nestas atividades, é de salientar, em
primeiro lugar, que foi uma honra fazer parte de algo que, acima de tudo, acredito ser
produtivo e um método inovador no que concerne ao ensino/aprendizagem de uma
língua estrangeira. A experiência foi muito agradável e só trouxe aspetos positivos pois
aprendi mais sobre como abordar o karaoke, como preparar uma aula com este material
didático e a relevância que o karaoke pode ter para os alunos, neste caso, de níveis
diferentes do que lecionei no estágio. Através da unidade didática que praparei para o
projeto, pude compreender que a motivação é um ponto essencial numa aula de LE e,
sobretudo, que existem vantagens em ser preparada pelo professor pois todas as
competências são trabalhadas e abordadas. Perceber e distinguir o que é importante ou
não para o aprendente nem sempre é fácil quando este tenta ser autónomo. Apesar de o
aluno ter a capacidade de saber o que o motiva e do que gosta, muitas são as
competências que, orientadas por um professor, mais facilmente são exercitadas. A
correção da pronúncia e o ensino/prática da gramática que podem ser erradamente
adquiridas, são exemplos de atividades em que o professor deve estar presente.
Apesar da componente lúdica que o karaoke possa incluir, as unidades que o projeto
apresenta são completas e divertidas, comprovando que é possível chegar ao aluno e às
suas expectativas de uma forma menos monótona, modernizando também as atividades
33
a lecionar, criando um ambiente motivador e dando confiança ao aprendente para
participar e ser ativo na sala de aula
Este projeto é extremamente válido tanto para professores que queiram ensinar uma
LE através deste método como para os aprendentes que queriram adquirir uma nova
língua podendo trabalhar diretamente no site, tendo acesso às correções igualmente
elaboradas pelos professores. Assim se dinamiza o ensino/aprendizagem e se facilita
cada vez mais o acesso a uma LE, fazendo crescer a comunicação entre aprendentes e
professores que podem também trocar ideias neste projeto.
34
Segunda Parte
35
Capítulo IV – A Prática Letiva
A auto-satisfação é inimiga do estudo. Se queremos realmente aprender alguma coisa, devemos
começar por libertar-nos disso. Em relação a nós próprios devemos ser 'insaciáveis na
aprendizagem' e em relação aos outros, 'insaciáveis no ensino'.
Mao Tsé-Tung9
Esta dissertação apresenta-se com um caráter de relatório, tendo em conta que se
justifica com o trabalho elaborado ao longo do estágio numa turma de português língua
segunda/estrangeira, do nível C, no ano letivo de 2011/2012, em que foi trabalhada a
canção em várias vertentes. Sendo assim, serão apresentadas as três regências efetuadas
por mim, onde a canção é trabalhada e testada, enquanto instrumento didático ao serviço
do ensino / aprendizagem do português. Inicialmente a canção é trabalhada com um
intuito de aquisição de competências e formação histórica e cultural. Seguidamente,
apresento uma nova forma de analisar a canção, exemplificando-o com alguns trabalhos
que futuramente poderiam servir durante o processo da aula, neste caso, de PLE e por
mim elaborados. Por fim, proponho o trabalho com a canção através do karaoke,
apoiando-me no projeto a que anteriormente me referi.
O uso da canção na sala de aula não é, de modo algum, um recurso novo mas
continua a ser de extrema importância no que diz respeito ao método
ensino/aprendizagem. Sendo assim, e tendo-me proposto trabalhar sobre o karaoke na
aula de português língua estrangeira (PLE), escolhi como tema da primeira unidade
didática, e como uma introdução ao tema com as canções, a cultura popular das Janeiras
e Cantares dos Reis, em primeiramente por ser uma manifestação popular tipicamente
portuguesa e, em segundo, devido à data da regência ser propícia à abordagem do tema:
era a época em que se cantam as Janeiras e os Reis.
O público alvo deste trabalho era uma turma de nível C, bastante heterogénea na
no que diz respeito à origem cultural, à idade, ocupação profissional e sobretudo ao
nível das competências linguísticas referentes à língua portuguesa o que, por vezes,
dificultava a transmissão e consequente assimilação de conhecimentos da forma
9 http://www.citador.pt/frases/citacoes/a/mao-tsetung (Acedido em 09/09/2013)
36
desejada e prevista pelo Quadro Europeu Comum de Referência para as Línguas
(QECR). Por concordar com Pfutzenreuteur (1999, p. 5) quando este diz que a música
contribui para o desenvolvimento cognitivo e emocional da pessoa humana,
rapidamente se clarificaram os meus objetivos no que toca à aplicação desta unidade
didática: fomentar o gosto pela cultura tradicional portuguesa através de experiências
auditivas e escritas, ao mesmo tempo que eram ampliadas e ganhas competências que
permitem ao aluno cumprir as exigências linguísticas e comunicativas do nível em que
se encontrava.
1. Primeira Unidade Didática:10
Esta unidade didática dividiu-se em duas unidades letivas cujo tema era comum.
No entanto, os conteúdos eram variados contemplando, então, um amplo número de
competências a serem desenvolvidas e adquiridas.
A primeira unidade letiva foi iniciada com um diálogo com os alunos sobre o
que tinham feito nas suas férias de Natal e sobre a época do ano em que se encontravam
com o objetivo de busca e transmissão de informação de ambas as partes (aluno e
professor) e da inserção da temática, juntamente com a apresentação de diapositivos
sobre a história e a prática das Janeiras e do cantar dos Reis. Em seguida, e servindo de
mote à atividade seguinte, foi distribuída uma ficha informativa com uma nota
biográfica sobre o cantor/compositor José Afonso, ícone histórico da música popular
portuguesa e que é imperativo o aluno de PLE conhecer ou saber identificar. Com essa
nota, seria mais fácil compreender a letra da canção que vem de seguida e o contexto
social em que foi escrita, sempre recorrendo a conteúdos adquiridos nas aulas
anteriores. Sendo assim, após a nota, foi apresentada a canção “Natal dos Simples” de
Zeca Afonso para, além de completar a proposta anterior, fazer alusão ao tema da
unidade, as Janeiras, pois esta é uma canção usual da época. O objetivo era mostrar aos
alunos um exemplo comum da tradição portuguesa e em seguida analisá-lo em todos os
aspetos para a completa compreensão e o despertar da curiosidade em conhecer mais
sobre o tema. A canção torna-se, então, importante porque é o expoente maior da
manifestação cultural abordada. Para isso, os alunos ouviram a canção sem acesso à
10 Ver anexo 1
37
letra e de seguida receberam versos trocados que tiveram que organizar para obterem a
quadra desejada. A reconstrução da letra da música desenvolve a capacidade de
apreensão global do texto e dos seus significados, bem como a compreensão da
pronúncia e da dicção. As atividades seguintes, exercícios de significado e de busca e
recolha de palavras para a elaboração de um campo lexical sobre as Janeiras/cantar dos
Reis, foram realizadas com o intuito de aquisição e alargamento do vocabulário relativo
a esta manifestação cultural: para esta proposta, também fiz uma breve exposição sobre
a definição de campo lexical, alargando competências dos alunos ao nível gramatical.
Por fim, o trabalho de casa foi a continuação do exercício anterior que deu
oportunidade aos alunos de usarem mais meios de pesquisa como a abordagem na rua, a
interação com pessoas nativas, busca nas bibliotecas etc., o que permitiu a aquisição de
mais competências ao nível fonético e ao nível dos atos de fala. O trabalho de casa foi
corrigido na aula seguinte e ajudou na continuação da abordagem do tema bem como
permitiu a execução de uma atividade em grupo.
Relativamente à segunda unidade letiva, além da continuação da abordagem do
tema das Janeiras e cantar dos Reis, e aproveitando a temática e a época em que se
insere, o Natal, foram tratados os contos e as lendas. A aula iniciou-se com a correção
do trabalho de casa, onde os alunos, além de apresentarem a recolha lexical que fizeram
sobre as Janeiras, expuseram individualmente aos colegas quais as manifestações
populares, associadas à temática tratada, que ocorrem no seu país de origem. Esta
atividade permitiu desenvolver as competências discursivas e de tomada de palavra
contempladas no QECR (p. 177). De seguida, foi pedido à turma, em trabalho de pares,
que elaborassem, baseando-se no conhecimento adquirido anteriormente com as
atividades propostas, uma quadra sobre as janeiras que, adaptada à música ouvida na
aula anterior, resultou numa canção que, com gosto, foram cantar a uma outra turma de
PLE, do nível A, oferecendo juntamente uma fatia de bolo rei. Esta atividade resultou
muito bem, os alunos foram capazes de construir uma letra baseada nos conhecimentos
adquiridos sobre as janeiras e as suas tradições e cantá-la, lendo essa mesma letra, as
outros alunos sem noção e conhecimentos desta tradição portuguesa. Foram ainda
capazes de explicar aos colegas alguns pontos importantes sobre esta manifestação
cultural, o que fez com que a plateia tenha mostrado interesse e a motivação dos
cantores aumentasse. Todos cantaram, sem exceção, mas sobretudo sem vergonha e
38
com muita alegria, mostrando a todos os presentes que a canção é um bom veículo de
transmissão de cultura.
A proposta seguinte baseou-se na leitura e análise de um conto: “A menina dos
fósforos” de Hans Christian Andersen. Depois de uma busca intensiva de contos de
Natal, optei por escolher este devido ao seu tamanho e à sua complexidade. Todos os
contos portugueses sobre a época natalícia que encontrei eram extensos, ou demasiado
infantis, inapropriados para o nível C. Tendo em conta a quase universalidade do
conhecimento deste conto e a sua pertinência, optei por tratá-lo, então, com os alunos,
aproveitando para relacionar com outros textos similares existentes nos seus países de
origem. Esta atividade serviu para uma pequena revisão do texto narrativo – conto - já
tratada em aulas anteriores e para a sua total assimilação, sendo igualmente um ponto de
partida para a comparação com a lenda que se iria abordar na proposta seguinte. Neste
ponto, achei pertinente introduzir exercícios de gramática não só porque o texto é
flexível mas porque, devido à observação ao longo das assistências, reparei que os
alunos traziam lacunas, entre muitas, no que diz respeito ao uso de verbos regidos de
preposições. Sendo assim, propus a recolha de verbos regidos de preposições do conto
que tinham lido e, na sequência desse exercício, outro similar elaborado por mim
também com verbos regidos de preposições. No final da correção da proposta de
trabalho, os alunos fizeram uma breve reflexão sobre as caraterísticas do conto,
baseando-se nas aulas anteriores e na leitura que fizeram de “A menina dos fósforos”,
verificando-se se teriam ou não capacidade de retenção de informação e se seriam
capazes de, intuitivamente, comparar as careterísticas do conto com as da lenda. Após
essa reflexão, fizerem outra atividade de escrita em grupo: construir a lenda sobre o
bolo-rei, aproveitando a temática e trabalhando de novo as competências ao nível da
escrita. No final, foi entregue uma ficha informativa com a lenda da origem do bolo-rei.
A aula terminou, então, com o cantar das janeiras à outra turma e com a partilha de um
bolo-rei tipicamente português como forma de encerrar a unidade.
Esta primeira unidade didática serviu inicialmente para compreender o impacto
que a música tem sobre o aprendente e quais as suas reações àquilo que se aprensenta,
bem como as suas motivações. Foi por mim observado que, numa fase inicial, o tipo de
canção na sua essência, ou seja, música e letra, foi recebida com estranheza, na sua
maioria, por nunca ter sido ouvida em momento algum e por, nos países de origem dos
aprendentes, esta manifestação cultural não existir. Num segundo momento, a reação foi
39
de total descontração e alegria, sendo as barreiras quebradas e a canção absorvida pelos
ouvintes. Rapidamente se viram sorrisos, nenhuma vergonha e após a segunda audição,
alguns alunos cantarolavam e mostravam curiosidade sobre esta manifestação. Com
efeito, “o aluno que consegue expressar-se sem medo de errar tem mais chances de
uma aprendizagem concreta do que aquele que não se manifesta por insegurança e,
consequentemente perde oportunidades de praticar a língua. (Santos, 2008 citando
Krashen (1982)).
As expectativas relativamente a esta unidade foram totalmente ultrapassadas e a
canção, neste caso sobre as Janeiras, teve um impacto inesperado sobre os alunos,
confirmando assim a importância que ela tem no ensino/aprendizagem da língua
estrangeira. Na aula seguinte, alguns alunos comentaram que se juntaram e cantaram as
Janeiras em alguns locais públicos do Porto, tendo sido bem recebidos e aplaudidos
pelas pessoas que os ouviram. Outros afirmaram ter ido propositadamente a alguns
locais ouvir o cantar das Janeiras, reconhecendo e cantando a canção que tinham ouvido
na aula. Para mim, pessoalmente, o meu trabalho como professora no âmbito daquela
matéria tinha sido cumprido. Os alunos reconheceram, absorveram e experienciaram a
cultura portuguesa através da canção, desenvolvendo múltiplos aspetos ao nível da
língua nomeadamente fonéticos, fonológicos e culturais.
2. Segunda Unidade Didática:11
A segunda unidade didática teve lugar no segundo semestre do ano letivo
2011/2012, ou seja, com uma outra turma que se mostrou muito distinta da primeira.
Objetivos cumpridos na primeira unidade didática, foi imperativo para mim retomar a
cultura portuguesa através da canção, escolhendo como tema a música de intervenção.
O público-alvo deste trabalho era uma turma um pouco maior que a anterior, de
nível C, igualmente heterogénea no que diz respeito às origens, idade e ocupação
profissional dos estudantes. Nesta turma, ao contrário da primeira, existem alunos
oriundos de países de fora da Europa, tornando a distância e diferença de culturas ainda
maior e mais interessante do ponto de vista cultural, social e mesmo linguístico. Apesar
de estas diferenças parecerem inicialmente um problema referente à transmissão de
11 Ver anexo 2
40
conhecimentos, prevista no QECR12, o desafio tornou-se mais atraente do ponto de vista
linguístico, e a tentativa de resolução dessas falhas previsíveis de comunicação lança
professor e aluno numa constante pesquisa e estudo: “A música motiva as pessoas a
aprender e proporciona um elo entre a linguagem da escola e a do mundo” (SANTOS
2008 p.8) e, por este facto ter sido claramente provado na regência anterior, os objetivos
para esta unidade didática mantiveram-se: fomentar o gosto pela cultura tradicional
portuguesa, recorrendo à música de intervenção e a manifestos sociais interligando-os,
com a finalidade de dar a conhecer um período da história portuguesa e da cultura,
trazendo-os para a atualidade. Com o trabalho que a seguir se vai expor, pretendeu-se
ampliar e desenvolver as competências orais, escritas e de trabalho em grupo.
Esta unidade didática dividiu-se em duas unidades letivas, ambas tratando a mesma
temática. A primeira unidade letiva foi iniciada com um pequeno diálogo com a turma
sobre a música portuguesa, com os objetivos de perceber o que os alunos conheciam de
grupos, cantores ou épocas em que a música foi importante (permitindo a produção oral
e a interação) e também de introdução à unidade e à segunda atividade. Esta resumiu-se
a uma apresentação em powerpoint sobre a biografia da banda portuguesa Deolinda que
facilitou a compreensão da atividade seguinte. Após a apresentação, os alunos foram
convidados a ouvir uma canção da banda Deolinda, já apresentada, intitulada
“Movimento perpétuo associativo”. A primeira audição foi feita sem nenhum suporte
escrito; na segunda audição, tiveram acesso à letra da canção com erros que teriam de
corrigir. Este exercício permitiu compreender se a pronúncia era claramente entendida e
se distinguiam a grafia e a fonética de algumas palavras, bem como introduzir os alunos
num contexto de “nova” música de intervenção. No final da atividade e respetiva
correção, foi entregue a letra da canção com algumas informações relativas à banda. De
seguida, depois de ouvida e assimilada a canção, e permitindo a produção oral, a turma
foi convidada a analisá-la apelando à sua sensibilidade auditiva e ao seu conhecimento
da cultura portuguesa. Esta proposta torna-se pertinente pois a canção possibilita retirar
informações relevantes sobre o que diz a letra só através do timbre de voz da cantora,
bem como da própria melodia, como poderemos verificar mais à frente. É uma análise
diferente mas que ajuda os alunos a compreenderem e a assimilarem aspetos linguísticos
que não sejam somente através da leitura, da escrita ou da compreensão da pronúncia.
Também foram discutidos e desmontados estereótipos que a canção refere, o que
12 Quadro Europeu Comum de Referência para as Línguas, ed. Asa 2001, pág. 49 e 53
41
permitiu aos alunos ganharem novos mecanismos de análise da cultura portuguesa e
também discutir sobre a sua própria cultura, o que é, sem dúvida, importante numa aula
de língua deste nível. Após este diálogo e análise, os alunos fizeram uma ficha de
gramática que retomou o assunto já iniciado aquando da audição da canção. O tema
gramatical escolhido foram as palavras homógrafas, homófonas, homónimas e
parónimas que visa alargar e solidificar as competências ao nível lexical. No final da
correção da ficha, foi apresentado novamente um powerpoint, desta vez sobre a música
de intervenção, suas características e contextualização histórica. Esta atividade serviu de
complemento e ligação entre as anteriores e as seguintes, possibilitando aos alunos
alargar conhecimentos sobre a cultura portuguesa, trabalhando a compreensão escrita e
oral, e apreender melhor as tarefas que lhes foram pedidas mais à frente.
Terminada a tarefa, foram distribuídos, lidos e analisados dois manifestos: um
antigo (Manifesto Anti-Dantas13) e um recente (Manifesto da Geração à Rasca14),
explicando assim que não é só na música que existe um movimento de intervenção,
ligando esta à escrita, enquanto se trabalham aspetos fonéticos e de vocabulário, bem
como se trata a análise de texto e a compreensão escrita. Depois, quase a terminar, foi
pedido à turma que formasse grupos para escolher um tema pertinente que teriam de
abordar em forma de manifesto, tarefa a realizar na aula seguinte (unidade letiva IV).
Foi fomentada a discussão em grupo e a interação, bem como a exteriorização, em
grupo, dos conhecimentos adquiridos durante a aula. Por fim, como trabalho de casa, os
alunos tiveram de escolher, para o seu grupo, uma música de intervenção de uma lista
que foi distribuída. A lista tinha três músicas por grupo, mas estava acessível a todos os
outros permitindo, assim, que pudessem pesquisar e recolher mais informações.
Relativamente à segunda unidade letiva desta unidade didática, o tema manteve-se e
a unidade foi ainda mais centrada no aluno. Comecei por uma breve síntese da aula
anterior e, após este resumo, os alunos trabalharam em grupo, elaborando um manifesto
baseado nos que tinham sido estudados na aula anterior. Escolheram igualmente a
música que queriam da lista que lhes foi entregue, como banda sonora da sua
apresentação, tendo também que analisar a sua letra e negociando sempre em grupo as
suas opções. Com esta tarefa, foi-lhes proporcionado trabalhar as competências escritas
e a interação oral. Por fim, apresentaram aos seus colegas o manifesto que executaram 13 Negreiros, José A. (1916) http://www.prof2000.pt/users/tomas/manifesto_anti.htm (consultado em 17/09/2013)14 Cf http://geracaoenrascada.files.wordpress.com/2011/02/manifesto.pdf (consultado em 17/09/2013)
42
em conjunto e explicaram o motivo da escolha da canção. Através desta atividade,
desenvolveram-se as competências discursivas e de tomada de palavra contempladas no
QECR15. A aula terminou com a marcação do trabalho de casa que passou pela
elaboração de um texto argumentativo sobre a música de intervenção, que entregaram
para correção.
Esta unidade didática permitiu-me testar uma ideia que me ocorreu algumas vezes.
Seria possível um aprendente de uma língua, mesmo num nível inicial, explicar do que
falaria uma canção sem perceber a sua letra? Seria possível a canção, apenas na sua
vertente musical, fazer compreender a um não falante da língua qual o tema que ela
aborda? Serão estas questões pertinentes para o estudo da canção como meio de
ensino/aprendizagem?
Apesar de esta unidade ter sido tratada no nível C, e de os alunos já praticarem o
português de uma forma autónoma, foi-lhes pedido que ouvissem com atenção a canção
“Movimento perpétuo associativo” da banda portuguesa Deolinda e explicassem o que
se depreendia somente da melodia e da voz da cantora. As respostas foram
interessantes: os alunos responderam que havia uma diferença no tom de voz da cantora
quando esta fazia alternância nos versos: primeiramente um tom forte, decisivo e
imperativo e logo em seguida um tom doce, mole e cansado. Relativamente à música, o
mesmo se verificou: primeiro surgiam os instrumentos mais altos, num compasso forte e
certo e depois mais baixo, melodioso e alegre. Os alunos foram capazes de entender que
havia uma espécie de chamamento inicial e de um afastamento posterior. A canção
reflete isso mesmo na letra. Primeiro, toda a gente é chamada a participar num vivo
“Agora sim!” e existe uma certa convicção nesse chamamento. De seguida, ouve-se um
“Agora não...” de quem já não está convicta, refletindo um pouco o comportamento
nacional do “deixa estar, fica para depois”. Apesar de ser uma análise muito básica,
permitiu-me compreender que a canção, no ensino das línguas, é muito mais que uma
letra. As emoções podem ser compreendidas na melodia e são igualmente importantes
no estudo de uma cultura, mas sobretudo que se consegue comunicar sem ser somente
através da letra. Mais à frente, proponho mais algumas músicas que podem servir de
exemplo para este tipo de análise16.
15 Idem, pag 17716 Esta canção é igualmente proposta no projeto FADO em http://www.languagesbysongs.eu/page-01-por.htm (consultado em 16/09/2013)
43
Após esta unidade didática, os alunos mostraram bastante interesse por aquilo que
adquiriram. Alguns participaram até em algumas manifestações que ocorreram naquela
época numa escola do Porto, “Fontinha”, já desativada, que albergava algumas pessoas
de uma comunidade que tinham como objetivo fazer atividade culturais e educativas
como ateliês de desenho e leitura, yoga, cinema e cicloficina com as crianças dessa
mesma comunidade e que, por ordem da câmara municipal, iriam ser despejadas por
ocupação ilegal. A população tentou, junto da câmara municipal, tornar esta ocupação
legal, com um contrato de comodato que, segundo alegraram, nunca chegou. Outros
alunos participaram nas comemorações do 25 de Abril e viram alguns programas
televisivos que tratavam as músicas da época, já ouvidas durante estas duas aulas. Mais
uma vez, senti que o trabalho desenvolvido com as canções tinha sido útil e que parte da
cultura da época foi experienciada pelos alunos fora da sala de aula.
3. Terceira unidade didática:17
No seguimento das regências anteriores, e porque foi essa a proposta de trabalho ao
longo do ano, a canção e a sua importância nas aulas de português língua estrangeira
(PLE) foram novamente abordadas.
Debruçando-nos sobre os resultados da escolha e trabalho com as canções nas
regências anteriores, conseguiremos perceber que os objetivos foram cumpridos. Na
primeira regência, os alunos levaram o tema da unidade didática para o seu dia a dia e,
na segunda regência, os alunos afirmaram que era pertinente e importante abordar o
tema das canções de intervenção, não só para conhecimento da cultura musical do país,
como para conhecimento da história de Portugal. Após uma análise das regências feita
por mim, e em conversa com as colegas de estágio, constatou-se que o uso da canção
torna a aula mais atrativa bem como permite o trabalho de competências da língua.
Sendo assim, esta terceira regência volta a focar a canção como meio de aprendizagem
não só da cultura musical portuguesa mas também de aspetos da língua, neste caso a
carta, indispensáveis e úteis para o aprendente da língua portuguesa. Nesta regência,
houve uma proposta de levar o trabalho com a canção ainda mais longe, introduzindo
um karaoke da canção que se iria abordar. As expectativas eram muitas, mas o intuito
17 Ver anexo 3
44
era criar um momento de descontração na sala de aula, bem como permitir mais um
momento de expressão oral. Também foi uma forma de perceber se a canção tinha sido
bem trabalhada e compreendida, tal como de permitir aos alunos que se
consciencializassem das variações rítmicas que uma mesma frase pode ter e o quão
importante é autoavaliarem a sua dicção e corrigi-la, de forma a fazerem-se entender em
boas condições, nas mais variadas situações. Em suma, pretendia-se desenvolver as
competências orais, escritas, de interação e de trabalho em grupo bem como as de
autoavaliação em toda esta unidade didática.
Apesar da existência de um grupo considerável de hispanofalantes, as
nacionalidades dos alunos eram variadas e iam desde países europeus, a países da
América Latina ou mesmo Ásia, o que proporciona uma interação de culturas bastante
interessante seja do ponto de vista linguístico, social, cultural ou pessoal.
Esta unidade didática divide-se em duas unidades letivas, ambas tratando a mesma
temática: a carta. A primeira unidade letiva foi iniciada com a apresentação oral, feita
pelos alunos, de alguns trava-línguas utilizados em aulas anteriores. Em seguida, foi
feito um pequeno diálogo com os alunos sobre a carta, com o intuito de saber que tipo
de cartas conheciam e quais as que mais utilizavam no seu quotidiano, permitindo a
interação e a produção oral, bem como introduzir o tema da unidade. No final do
diálogo, os alunos foram questionados sobre os seus conhecimentos sobre a banda
portuguesa Toranja e foi dada uma pequena nota biográfica, oralmente, por mim. Após
estas notas, os alunos ouviram, uma primeira vez, a canção “Carta” dos Toranja, sem
acesso à letra e, na segunda audição, receberam uma letra com lacunas que teriam de
preencher. No final, a canção foi ouvida uma terceira vez, para correção. Este exercício
permitiu compreender a pronúncia e se os alunos conseguiam acompanhar a letra e
perceber a dicção, já que esta letra era bastante extensa e cantada de forma acelerada.
De seguida, a turma foi convidada a analisar a canção, o que fez com que as
competências de produção oral e de interação fossem de novo desenvolvidas, e foram
também abordados aspetos relativos à carta, tema da unidade. Para que a canção não
suscitasse mais dúvidas e a sua compreensão ficasse solidificada, foi entregue aos
alunos uma ficha de análise e compreensão da mesma, com o objetivo de desenvolver
competências escritas bem como dar aos alunos oportunidade de exporem a sua opinião
pessoal relativamente à análise da canção. Depois da correção desta ficha formativa, a
turma iniciou outra ficha, desta vez sobre funcionamento da língua. O tema escolhido
45
foram as preposições que, apesar de já abordadas na primeira regência, se tornou
pertinente tratar com esta turma, e também devido ao facto de a própria canção ser rica
neste aspeto. Com esta atividade, os conhecimentos dos alunos, ao nível
morfossintático, ficaram fortalecidos. Após a correção deste exercício, e com intuito de
dar início à atividade seguinte, foram brevemente expostas as características da carta
informal para que, então, os alunos pudessem fazer, em grupo, um jogo que consistia
em responder à carta dos Toranja. A carta começou a ser redigida numa ponta da sala e
seguiu aluno a aluno. No entanto, nenhum estudante teve acesso ao que o anterior
escreveu, dobrando-se a folha sobre o que tinha sido redigido anteriormente. Este
pormenor fez com que o aluno estivesse atento ao facto de que o seu posicionamento na
sala era relevante para o momento da carta (início, corpo e despedida). Mais uma vez, as
competências escritas foram trabalhadas e, no final, foi pedido a um dos alunos que
lesse, em voz alta, o resultado da resposta que foi muito cómico. Cessada a atividade,
foi apresentado um powerpoint sobre a estrutura da carta formal e informal, primeiro
para os alunos verificarem se tinham procedido bem à execução da carta e em segundo
lugar para poderem fazer as atividades seguintes sem dúvidas, sendo assim, também,
um elo de ligação. Apresentado o powerpoint, foram distribuídos postais alusivos à
cidade do Porto com o objetivo da redação dos mesmos (carta informal) para um amigo
ou familiar, a contar factos sobre a estadia dos alunos no Porto. No final, o trabalho de
casa consistia na pesquisa sobre o que são campos lexicais e na recolha dos mesmos na
letra da canção abordada na aula. Além disso, os alunos iriam procurar na internet duas
versões da canção “Carta” dos Toranja feitas por humoristas portugueses: Vasco
Palmeirim e Gato Fedorento, ou seja, de novo foi utilizada a canção. Este trabalho de
casa permitiu aos alunos rever o funcionamento da língua a partir do tema da aula e
também outras versões que a canção pode ter, com objetivos diferentes.
Relativamente à segunda unidade letiva desta unidade didática, o tema manteve-se e
as propostas de trabalho foram ao seu encontro. Começámos pela conclusão da
apresentação dos restantes trava-línguas trabalhados pelos alunos, atividade que tinha
tido início na aula anterior. Após esta apresentação oral, os alunos fizeram também uma
síntese da unidade letiva precedente. Em seguida, foram distribuídos dois modelos de
cartas formais, uma de reclamação e outra de motivação, que os alunos teriam que,
primeiramente, ler em silêncio e, depois, em voz alta. O intuito desta atividade era
estabelecer contacto com tipos de carta menos comuns mas que seria importante
46
trabalhar, pois em muitos momentos da sua vida os alunos irão precisar de redigir
algumas dessas cartas. Após a análise destas, os postais da aula anterior foram
retomados para compreender se o local do remetente tinha sido bem preenchido e, se
necessário, corrigi-lo. Depois, cada aluno tirou um papel à sorte que indicava que tipo
de carta teria de redigir. Nas opções, estavam a carta de reclamação, motivação,
recomendação e apresentação e após terem terminado, alguns alunos leram em voz alta
a sua carta e os colegas tiveram de dar a sua opinião e corrigir a estrutura, caso estivesse
errada. Com esta atividade, desenvolveram-se as competências discursivas e de tomada
de palavra contempladas no QECR18. A aula terminou com um karaoke da canção
abordada na unidade letiva anterior mas com um pequeno ensaio antes.
Apesar de a canção escolhida para esta unidade não facilitar tanto e tão diretamente
a aproximação do aluno ao tema, como aconteceu nas anteriores, a escolha foi baseada
no número de assuntos que posteriormente permitiria trabalhar. “Música é uma arte que
interessa a todas as pessoas promovendo, consequentemente um maior entrosamento
entre professor e alunos criando um clima favorável a uma efetiva
aprendizagem.”(Santos, 2008, p. 9): atendendo a este facto, esperava-se somente que a
canção, nesta regência, fosse um ponto de partida eficaz para a aquisição de
conhecimentos em todos os níveis, realmente pertinentes para a vida de um aluno de
língua estrangeira.
Esta unidade didática foi bastante interessante no que diz respeito ao uso da canção.
Nenhum aluno da sala tinha feito anteriormente a atividade de karaoke, o que, para
mim, foi uma surpresa e uma alegria pois iria mostrar-lhes algo novo que se poderia
fazer com a canção numa aula de PLE, bem como na vida, como entretenimento e
distração. A recetividade foi enorme. Primeiro, houve alguma vergonha que
rapidamente desapareceu quando as colegas estagiárias e eu, bem como a professora
regente, participámos na atividade, cantando com eles. Foi utilizada a canção da aula,
“A carta” da banda Toranja e este karaoke foi filmado19 para posteriormente todos
verem a sua prestação. Inicialmente, houve muita dificuldade devido à própria métrica e
à rapidez com que era executada na canção, levando os alunos ao riso e a algum
desespero que nunca se traduziu em desistências. No final, após ter sido cantado duas ou
três vezes, o karaoke saiu quase perfeito merecendo umas palmas e entusisamo. Os 18 Quadro Europeu Comum de Referência para as Línguas, Conselho da Europa, ed. Asa 2001, pág. 49 e 5319 Ver anexo audiovisual
47
alunos compreenderam que a atenção e a audição repetidas melhoravam a sua prestação,
nomeadamente na dicção. Comentaram também que estavam motivados e relaxados e
que aquela seria para sempre a música da turma, criando laços emocionais com o
momento, com a aula e com aquela turma com um objetivo comum: aprender
português.
Nas aulas seguintes, mais uma vez senti-me realizada ao saber que alguns alunos se
tinham juntado para fazer karaoke em alguns bares da cidade, cantando inclusivé a
música da aula.
Todos os trabalhos elaborados com a canção deram fruto e permitiram aos alunos
uma relação mais estreita com a cultura e a língua portuguesa, principalmente fora da
sala de aula, no seu quotidiano.
48
A alegria que se tem em pensar e aprender faz-nos pensar e aprender ainda mais.
Aristóteles20
Capítulo V - Avaliação Crítica21
I. Expectativas Iniciais:
No início do ano letivo em que realizei o meu estágio pedagógico, as
expectativas eram em grande número e elevadas. Passavam essencialmente por um
desejo de aumentar conhecimentos e por querer uma preparação eficaz para o futuro
como professora. Existia igualmente uma ambição pelo autoconhecimento e pela
partilha de experiências, bem como o desejo de melhorar todos os pontos negativos que
pudessem vir a interferir no desempenho das funções como professora. Havia um
desconhecimento enorme do que era proposto, uma total inexperiência que contribuiu
claramente para uma contenção nas próprias expectativas. Para mim, trabalhar a canção
na sala de aula era essencial, não só por estar ligada à música mas por achar que este é
um recurso importante e que traz enormes beneficios à aprendizagem e ao estado tanto
emocional como de motivação de uma turma.
II. Balanço dos Semestres:
O primeiro foi um semestre de emoções e de procura de integração numa
atividade até então desconhecida. A execução da primeira planificação, em novembro,
foi bastante árdua porque não tinha pontos de referência nem a precisão e o
discernimento necessários para conseguir algo coeso. A falta de experiência manifestou-
se claramente na realização do plano, bem como na prática letiva, o que fez com que
houvesse uma longa reflexão e um trabalho minucioso com o intuito de corrigir
pormenores que falharam. No entanto, foi um semestre de lançamento, um semestre
calmo e de observação que permitiu sempre absorver experiências essenciais para a
melhoria do desempenho posterior. A turma onde lecionei por essa altura era uma
turma, como referido, pouco acessível, pouco comunicativa e com a qual se tornava, por
vezes, complicado criar empatia mas que melhorou rapidamente no final. Foi
igualmente o semestre durante o qual revelei quais os pontos fortes e fracos na execução 20 http://www.citador.pt/frases/citacoes/a/aristoteles/5021 Portfolio Europeo para futuros profesores de idiomas (2007)
49
das tarefas e que permitiu perceber se as expectativas teriam sido altas, e também se era
possível esperar mais ou menos do futuro.
O segundo semestre foi um semestre mais calmo mas ao mesmo tempo mais
exigente. Com referi anteriormente, a turma era muito diferente, os seus conhecimentos
e a busca destes eram muito maiores o que me deixou mais receosa e apreensiva. A par
das aulas, comecei a trabalhar fora da Faculdade o que me deixou mais cansada e com
menos tempo, prejudicando algumas vezes a preparação das unidades. No entanto, o
meu espírito estava menos inquieto, após a primeira vez que lecionei, fazendo com que
houvesse menos nervos, mais calma na forma de comunicar, mais atenção às dúvidas
dos alunos e com mais certezas sobre o uso da canção e do karaoke como método, já
que as unidades anteriores tinham correspondido às minhas expectativas e às dos
alunos.
III. Reflexão Global/Anual sobre todo o processo
Apesar da grande falta de experiência, no geral, o ano de estágio foi
extremamente positivo. As expectativas foram em muito superadas e alguma
experiência foi adquirida com esperança no futuro. O tempo de estágio foi curto, as três
unidades didáticas a executar foram insuficientes para adquirir mais experiência e
treinar todas as competências docentes, no entanto, apesar do baixo número, foram bem
aproveitadas. A troca e a partilha de ideias com as colegas de estágio, já com
experiência, ajudaram todo o processo e a assistência a algumas unidades de outros
níveis, tanto da orientadora como das colegas, também forneceram boas ferramentas
para o futuro. A interação com os alunos, por seu lado, e embora dificultada na primeira
turma, foi igualmente positiva, pois permitiu recolher dados importantes, perceber
alguns pontos necessários a abordar, mas sobretudo que todos os alunos têm ritmos
diferentes face à aquisição da língua. O ensino da língua como língua estrangeira é
diferente do ensino da língua materna e para tal é necessário aprender outros
mecanismos. No geral, alguns receios e pontos fracos foram superados e melhorados,
mas somente o tempo e a experiência porão fim aos poucos que foram ficando. Creio
que, globalmente, houve uma evolução quer como docente e estudante, quer como
pessoa e, só por esse facto, todo o processo valeu, obviamente, a pena e, havendo
50
oportunidade, deve ser sempre continuado com o objetivo de alcançar e fazer sempre
mais e melhor.
1. Autoavaliação:
1º Semeste:
Servi-me, para esta autoavaliação, do documento Portfolio Europeo para futuros
profesores de idiomas22 (2007, p. 6), disponibilizado pela docente do Estágio. Como
previsto, teríamos de selecionar alguns descritores como critérios para preencher o
nosso próprio documento pessoal. A escolha dos descritores para a autoavaliação do
primeiro semestre foi baseada somente nas expectativas e nos receios que sentia antes
de iniciar o processo, pois não tinha um ponto de referência nem experiência como
professora, não podendo saber se existiriam ou não pontos negativos a serem corrigidos.
Para esta autoavaliação, tinha vários descritores, agrupados, à minha disposição, dos
quais tinha que fazer uma escolha para elaborar esta minha avaliação. O primeiro grupo
aborda o contexto, tendo como descritores o currículo, objetivos e necessidades, o papel
do professor de línguas e os recursos e impedimentos institucionais. Relativamente ao
segundo grupo, a metodologia, encontram-se os descritores oralidade/interação oral,
escrever/interação escrita, ouvir, ler, gramática, vocabulário e cultura. O terceiro, sendo
mais pequeno, fala somente, no geral, dos recursos. No quarto agrupamento de
descritores, no que diz respeito à preparação das aulas, encontram-se os descritores
identificação dos objetivos de aprendizagem, conteúdos das aulas e organização destas.
O quinto grupo refere-se à lecionação da aula, tendo como descritores o uso do
programa, os conteúdos, a interação com os alunos, dinâmica e gestão da aula e o uso da
língua na aula. No sexto conjunto de descritores, a aprendizagem autónoma, abordam-se
a autonomia, as obrigações, os projetos, o portefólio, meios virtuais de aprendizagem e
atividades extra curriculares Relativamente ao sétimo e último agrupamento de
descritores, os da evolução da aprendizagem, encontramos a construção de ferramentas
de avaliação, avalição, competências no uso da língua, cultura e análise dos erros.
Começando pela primeira categoria, o contexto, o descritor do papel do
professor de línguas é um dos mais importantes e seguramente aquele de que eu tinha
22 Portfólio Europeo para futuros professores de idiomas (2007 p.6) http://epostl2.ecml.at/LinkClick.aspx?fileticket=Odz4pL2JvAk%3D&tabid=505&languge=de-DE (consultado em 22/09/2013)
51
menos consciência no início do processo. O facto de ser inexperiente e de nunca ter
contactado com alunos nem de língua materna, nem de língua estrangeira, fez-me pôr
em, causa muitas, vezes qual o meu papel na sala de aula. Após o primeiro contacto e a
prática letiva, além de me consciencializar sobre a minha função, creio que consegui,
ainda que com algumas lacunas, cumprir o papel de professor de línguas, transmitindo a
cultura do país alvo, fazendo a ponte entre os países de origem dos alunos e Portugal e
ser a figura onde, além de dúvidas relacionadas com a aprendizagem da língua, se
poderia encontrar alguma compreensão e ajuda.
O segundo descritor escolhido diz respeito aos recursos didáticos, um ponto
onde as expectativas eram altas por me considerar algo inovadora. No entanto, a tarefa
revelou-se complicada. Precisamente pela falta de noção dos conhecimentos da turma e
por não ter tanta sensibilidade para alguns pormenores, acabei por perder-me e
confundir-me com ideias, por vezes impraticáveis, e com uma busca incansável por
material didático autêntico. Estar atenta às necessidades da turma e pôr de lado os
gostos pessoais foi algo problemático no primeiro semestre. Apesar de tudo, a escolha
do material e o recurso ao projetor e ao leitor de música foram bem aceites pelos alunos
e, de certo modo, os motivaram para atividades fora da sala de aula.
O terceiro descritor, a organização, referente à categoria da planificação, teve, da
minha parte, uma atenção especial. Foi para mim, no primeiro semestre, muito difícil
conseguir fazer uma planificação. A falta de experiência e de pontos de referência
impediu que fosse clara e objetiva na execução do planeamento das unidades bem como
das grelhas que nos foram solicitadas, onde era necessário colocar todas as atividades a
realizar na sala de aula, a sua duração e o material a utilizar para a sua execução. A
primeira planificação, no papel, estava pouco clara e coerente o que dificultou a prática,
no entanto, foi um bom motor de reflexão sobre os pontos a melhorar e sobre o papel
que a própria planificação tem para o bom desempenho do professor.
A escolha do quarto descritor recai sobre a atuação em aula: a interação com os
alunos era uma das grandes preocupações. A ansiedade e o nervosismo, o excesso de
gesticulação, o medo de não compreender o aluno, eram sempre fatores que, desde
cedo, pensei que pudessem interferir na minha prática letiva. Terminado o primeiro
semestre, apercebi-me que a interação não era perfeita e que era necessária calma nos
52
gestos, no ritmo da fala e nas explicações dadas aos alunos. Apesar desses pontos a
corrigir, creio que houve bastante empatia e adesão da turma aos meus projetos.
O quinto e último descritor escolhido para o desempenho deste primeiro
semestre foi, na avaliação da aprendizagem, a oralidade. Algum do receio antes de
iniciar todo o processo de lecionação em estágio também dizia respeito, de uma forma
geral, à avaliação. A oralidade era o processo mais comum, os alunos comunicavam
mais oralmente do que de qualquer outra forma, ou seja, esta está em constante
avaliação por parte do professor. Era necessário corrigir automaticamente o erro do
aluno assim que este era detetado. Por vezes foi-me difícil perceber o erro por não
compreender o que o aluno dizia, ocorrendo a híper correção, outras chegava a
interromper o aluno inúmeras vezes durante o diálogo ou a leitura o que não facilitava a
sua concentração. No entanto, notei uma melhoria durante o segundo semestre devido à
reflexão que fiz sobre esta perceção bem como sobre os comentários das colegas e
orientadora.
Relativamente ao uso da canção, devido aos resultados obtidos, achei que foi
uma boa escolha de tema para a reflexão deste relatório, embora reconheça que o tipo de
música não era dos mais apelativos. No entanto, estava a lidar com aprendentes adultos
que eram capazes de compreender os objetivos mas sobretudo de entender que o
divertimento de uma aula não é tudo e que a cultura do país é importante para a sua
aprendizagem e isso deixou-me mais tranquila e expectante quanto aos resultados. O
facto de terem conseguido elaborar uma canção de Janeiras e de a irem cantar,
motivados, à outra turma, validou todo o trabalho e destacou que a música popular
portuguesa e o fado não são as únicas canções que se devem utilizar sempre quando se
quer transmitir um lado cultural do país.
2º Semestre:
O segundo semestre foi bastante diferente do primeiro, não só devido à turma,
como já referido, ser mais acessível, ser maior em número de estudantes e em
nacionalidades e ter uma maior diferença de idades, mas porque o primeiro impacto já
tinha decorrido e não havia propriamente novidade. Apesar disso, a turma, mesmo mais
acessível, era algo exigente o que se tornou um desafio e criou algumas expectativas e
53
alguns receios. Para o segundo semestre, os descritores foram escolhidos com base não
somente nos pontos em que havia necessidade de melhorar e que em que percebi que
havia claramente falhas, mas também no que acho ser essencial na atuação do professor.
O primeiro descritor, inserido no contexto, é o das necessidades e objetivos:
neste segundo semestre, já consegui distinguir melhor o que achava necessário do que
realmente era necessário. Os alunos eram autónomos e comunicativos e facilmente
especificaram as suas necessidades direta e indiretamente. Creio que cumpri este ponto,
não só por ver os resultados em sala de aula, mas também pela avaliação feita pelos
alunos no final de cada unidade, pois tinham que preencher, anonimamente, uma folha
onde davam a sua opinião sobre o desempenho do professor estagiário e as atividades
que este tinha desenvolvido em cada aula. .
O segundo descritor que selecionei, o método, quase tem motivos bélicos ao
longo de todo o processo: a gramática. Os alunos queriam claramente que esta lhes
fosse dada numa enorme dosagem. Em mim gerou-se uma luta interna, pois como
professora achava que, no nível em que eles se inseriam, os temas de gramática que
tanto pediam para abordar não estavam adequados e que deveriam fazer parte de sua
formação anterior. O que queria abordar naquele nível tinha uma maior exigência e
passava por assuntos culturais e literários aos quais eles não estavam recetivos. O tema
da gramática despoletou em mim uma constante reflexão sobre o que se deveria ou não
ensinar numa aula de língua estrangeira e se o método de ensino/aprendizagem adotado
seria o mais correto. Também me fez refletir sobre as necessidades dos alunos e
sobretudo sobre a avaliação.
O descritor seguinte diz respeito ao conteúdo das aulas. O que no primeiro
semestre foi muito dificultado pela falta de experiência e sensibilidade, no segundo já se
tornou mais simples, sem perder, no entanto, a sua extrema importância. Tenho noção
de que algum conteúdo pode não ter sido tão adequado, na segunda unidade didática, às
necessidades dos alunos, e isso é uma situação que é necessário rever e melhorar mas,
no geral, pela avaliação dos alunos no final das unidades, através da folha entregue pela
orientadora, e pelos resultados que observei, creio que foi bem adaptado e que consegui
responder às necessidades. Tenho igualmente consciência de que poderia ter trabalhado
mais a gramática, mas a opção tomada na altura pareceu-me a mais sensata.
54
Relativamente ao quarto descritor, a escolha recai sobre o uso do plano da aula,
inserido na atuação em aula: é irrefutável que planificar a aula é extremamente
necessário, em qualquer momento da carreira de um professor. O plano ajuda-nos a ter
noção de como vamos agir na prática, de como nos vamos organizar, do tempo que
vamos despender para executar cada tarefa. A maior dificuldade com o uso do plano
prende-se com o fator imprevistos. Para os possuidores de pouca experiência, o plano
pode ter duas faces: a ajuda e a perturbação. É uma boa ajuda porque com o plano temos
tudo clarificado e organizado, podendo executar as atividades na ordem certa, aceder
rapidamente à lista de material de que necessitamos etc. Por outro lado, o plano pode
tornar-se confuso quando, por algum motivo, a ordem das atividades necessita de ser
trocada ou o tempo de uma atividade foi reduzido ou excedido por algum imprevisto.
Este semestre experimentei a mais comum, a ajuda mas também a perturbação. Alguns
imprevistos como pedidos de explicação ou prolongamento de discussões, diminuiram,
algumas vezes, o tempo da aula, fazendo mesmo com que algumas atividades ficassem
por fazer e a minha atuação na sala de aula se alterasse radicalmente, passando da calma
para o stress. Improvisando um pouco, consegui fazer com que a turma se prejudicasse
o menos possível devido a essa falta de tempo, mas sem dúvida que é necessário
dominar bem o plano e, sobretudo, aquilo que se está a lecionar, para que os problemas
levantados pelos imprevistos sejam de fácil resolução.
O último descritor escolhido para a autoavaliação deste segundo semestre foi a
avaliação, um dos pontos mais importantes e para o qual o professor está habilitado.
Para a maioria dos professores que começam, por norma este procedimento é sempre
assustador porque nos faz pôr sempre em causa as nossas competências e sobretudo se
seremos capazes de avaliar corretamente os alunos. Apesar de a avaliação final ser
realizada pela orientadora, responsável pelas turmas onde se deu o estágio, fomos
sempre conscientes da avaliação nas nossas atividades e ajudámos na apreciação de
algumas executadas nas aulas da orientadora. Escolher e decidir de que forma avaliar foi
muito mais delicado do que qualquer outra opção. A própria correção das atividades
teve que ser sempre revista pela orientadora e foi realizada com muitos receios, o que
também prejudicou a entrega dos trabalhos dos alunos a tempo e a minha própria noção
do que estava correto ou não. Ter a responsabilidade e a solidão de assumir a avaliação
de alguém foi um dos pontos mais difíceis no estágio e que necessita urgentemente de
novos mecanismos para suprimir certos receios agregados a esta tarefa.
55
Por fim, os dois descritores selecionados do primeiro semestre foram a
organização e a interação com os alunos pois, indiscutivelmente, eram os fatores a que
mais tinha prestado atenção durante todo o processo de estágio, já que deles dependia
muito o sucesso da realização das unidades, e foram talvez onde houve mais evolução
como professora. A organização do primeiro para o segundo semestre, quer de
planificação quer de aulas sofreu uma grande alteração. Tudo foi planeado com mais
calma, ponderação e ficou sobretudo muito mais organizado e claro. Foi conseguido,
visivelmente, um distanciamento dos pormenores menos relevantes e uma focalização
no que realmente era necessário. O mesmo se passou relativamente à interação com os
alunos: o nervosismo foi diminuindo, a empatia crescendo, as constantes correções e
interrupções eram feitas em momentos oportunos e a atitude, em momentos de mais
stress, era menos rígida. No geral, notou-se uma evolução nestes dois aspetos mas
também uma grande vontade de melhorar quer estes, quer todos os anteriormente
referidos.
Neste semestre, a escolha das canções foi bastante mais cuidadosa, não só pelo
tipo de turma mas também pelo desejo de fazer algo diferente do que já tinha sido
apresentado. Na segunda regência, como já referido, optei pela música de intervenção.
Incialmente a escolha foi difícil. Decidir entre a música de intervenção atual e a mais
antiga e qual a mais relevante levantou várias questões. No entanto, com a música dos
Deolinda foi-me possível ver a questão da comunicação através da melodia e perceber
qual a sua importância através da discussão entre a turma. Apresentar noutro trabalho da
mesma aula uma lista de várias músicas de intervenção do tempo da ditadura, permitiu
aos alunos explicar aos colegas o que a sua canção, escolhida em grupo, tinha a dizer
sobre a história do país e sobre a cultura e ainda explicar a importância da canção de
intervenção. Para mim foi um trabalho bem sucedido, pois senti que os alunos
construiram, no seu conhecimento, mais um pouco da história de Portugal bem como
perceberam a importância da música de intervenção quando é proibido manifestar
opinião e quando todos os meios de comunicação são barrados aos cidadãos de um país.
56
Capítulo VI - Auto e Heteroavaliação
1. Reflexões pessoais após as unidades
Primeira Unidade Didática: No final da primeira unidade, a sensação que tive
foi de alívio e de que não tinha sido uma experiência aterrorizadora como tinha
imaginado. Durante a preparação da unidade achei que, por nunca ter lecionado na vida,
iria correr muito mal. Não foi essa a verdade, mas na realidade também tive a noção de
que tinha falhado em muitos pontos. Estava visivelmente nervosa, o que fez com que
gesticulasse imenso, falasse muito depressa e por cima dos alunos, completando muitas
vezes o seu raciocínio. Perdi-me algumas vezes com perguntas e dúvidas dos alunos que
não estavam contextualizadas ou não tinham sido por mim previstas. Os nervos eram
tantos que chegava muitas vezes, mentalmente, a pôr em causa as minhas respostas, a
hipercorrigir-me e a questionar-me sobre os aspetos mais banais de gramática. Percebi
que algumas atividades não tinham sido tão bem conseguidas como expectava e que
alguns exercícios tinham gralhas por falta de atenção. No entanto, consegui orientar
bem o tempo fazendo todas as atividades. O espaço da sala e do quadro foram bem
geridos e os recursos tecnológicos também. A planificação das atividades podia ter sido
melhor conseguida mas, e após o final do estágio, consigo perceber que a falta de
experiência e o impacto inicial foram os causadores de grande parte dos erros da
primeira prática letiva.
Segunda Unidade Didática: após a primeira experiência, o estado de espírito
era diferente, no entanto a turma era mais exigente, mais comunicativa, mais curiosa, o
que levantava alguns receios. O nervosismo mantinha-se, embora em mais controlado.
Cometi algumas falhas nomeadamente o incumprimento do plano no tempo previsto, fiz
algumas perguntas fechadas, que automaticamente não davam margem para o diálogo,
não prestei atenção a alguns alunos que pediram licença para falar, colocando o dedo no
ar. Para tentar cumprir o plano, dei por terminado um diálogo com os alunos quando
ainda havia muito a dizer e algumas perguntas a fazer e cometi um erro do ponto de
vista cultural, enganando-me numa data referente à história de Portugal, o que fez com
que a orientadora interferisse. Tive a noção de que quando o tempo estava a reduzir-se,
comecei a ficar nervosa e mais rígida nas expressões e na fala. Relativamente aos
aspetos positivos, a minha postura inflexível quase desapareceu, as interrupções e
correções foram feitas, na sua maioria, oportunamente, não existiram gralhas nas fichas
57
distribuídas e a unidade foi preparada e lecionada com mais calma e ponderação. No
geral, as atividades foram acessíveis e houve boa adesão por parte da turma, bem como
interação com os colegas e professora.
Terceira Unidade Didática: Esta última unidade foi dada a meio do segundo
semestre, quando a relação com a turma era melhor e mais profunda e já não existia
espaço para determinadas falhas. Estive atenta aos pormenores que insistentemente me
acompanhavam e me desviavam da boa execução da aula e, de uma forma geral, creio
que, sabendo que as quatro unidades letivas anteriores já lecionadas não chegariam para
atingir a perfeição, correu bem. Evitei as perguntas fechadas, a rigidez na postura e nas
respostas, os gestos e o excesso de energia e sobretudo tentei que os imprevistos não
afetassem tanto o decorrer da aula. Não fui clara na explicação de algumas atividades o
que gerou alguma confusão e dúvidas mas que rapidamente foram resolvidas.
2. Comentários de colegas do estágio
Devido ao número reduzido de alunos neste estágio e às incompatibilidades que
se criaram, foi somente possível recolher opinião da colega Ana Martins.
Relativamente ao primeiro semestre, tendo sido dada somente uma unidade, a
colega afirma que gostou, de uma forma geral, das aulas a que assistiu, que foram
divertidas, motivadoras e bem conduzidas, mas que a minha postura perante algumas
dúvidas dos alunos era muito rígida, dando-lhe a ideia, pela minha expressão facial, de
que teria ficado zangada com as questões dos alunos, embora pudesse ter sido somente
impressão. Comentou igualmente que me tinha achado nervosa e que isso era nítido nos
meus gestos. Quanto ao segundo semestre, e no que diz respeito à terceira unidade
didática, a colega Ana Martins referiu que a diferença da primeira unidade para a última
era notória, achando-me mais solta, menos rígida, nervosa e atrapalhada. Referiu
igualmente que as atividades da aula tinham sido bem conseguidas e que tinha visto que
os alunos tinham gostado bastante.
58
3. Comentários da Orientadora:
Sendo estes os comentários mais importantes e os mais construtivos, destaco
aqueles que mais suscitaram reflexão que, relativamente à unidade didática do primeiro
semestre, foram a rigidez na minha postura face às questões imprevistas dos alunos ou
às questões que eu adjetivava de demasiado simples, tendo a orientadora usado, em tom
de brincadeira, “tirana”. Chamou à atenção as confusões nas correções dos exercícios
porque os conhecimentos científicos não podiam falhar. No que diz respeito ao segundo
semestre, destaco igualmente a última unidade didática, pois pode fazer-se uma
verdadeira comparação. Sobre esta unidade, a orientadora referiu que deveria esforçar-
me por ter umas reações ainda mais ponderadas e que já se sentia capaz de me entregar
uma turma, embora por vezes tivesse que se informar se tudo estava a correr bem.
Os comentários de ambas foram escolhidos pela importância que tiveram na
minha reflexão pessoal sobre todo o processo.
4. Reflexão Global sobre as reflexões e os comentários
Foram algumas as vezes em que foi difícil compreender que o trabalho de um
professor é contínuo e sobretudo que não tem hora ou dia, depende muito das
necessidades daqueles para quem é dirigido, os alunos. Ter acesso aos vídeos das aulas
por mim lecionadas, ter assistência da orientadora e das colegas é em tudo positivo. Os
vídeos foram uma novidade para mim. Não tinha conhecimento que em outras turmas se
fizesse o mesmo e achei uma excelente ideia pois, após os visionar, tive uma noção
mais alargada sobre o trabalho que tinha desempenhado na aula, ficando, por vezes,
espantada com alguns pormenores como a minha postura. Os vídeos foram uma grande
ajuda para modificar aspetos que estavam menos bem e sobretudo para refletir sobre
todas as atividades lecionadas. Por vezes é difícil termos sensibilidade para nos
observarmos enquanto estamos atentos às necessidades dos outros e, indiscutivelmente,
a presença de terceiros que nos possam orientar é uma mais valia tanto para nós como,
consequentemente, para os alunos. Todas as críticas foram exclusivamente construtivas
e serviram para uma reflexão profunda sobre a postura em aula bem como sobre a
execução desta. A inexistência destes comentários faria com que os erros não detetados
por mim e que prejudicavam o decorrer das aulas se tornassem um hábito que,
59
provavelmente, nunca mais seria corrigido e tornar-me-ia uma professora menos
sensível, competente, astuta e trabalhadora. Pormenores como a minha expressão facial,
detetados por terceiros, que para mim seria algo banal ao qual nunca daria importância,
fizeram toda a diferença na criação de empatia com os alunos. O facto de, por vezes,
interromper os alunos, criar questões fechadas ou não prestar atenção às suas expressões
faciais poderia comprometer toda a vida profissional, prejudicando-me, só por não ter
conseguido perceber que não estava a agir em conformidade com o que seria adequado.
Todas as opiniões foram extremamente importantes, mesmo as que me fizeram
desesperar e achar que não ia conseguir. Sem dúvida que ainda me encontro em
processo de aprendizagem, como sempre me encontrarei, mas, no final de todo este
caminho, apreendi que há ainda muitos pontos que necessitam de alterações, revisões,
existem “arestas por limar” que só o tempo me permitirá conseguir. No geral, penso que
fui sendo capaz de me autoavaliar e autocriticar, o que é positivo, pois permite-me ter a
noção do que se encontra menos bem, mas sobretudo refletir sobre essas mesma críticas.
Penso que houve uma evolução durante todo o processo mas também trabalho e força de
vontade.
Sucumbir à ideia de que um estágio, mesmo não remunerado, é uma perda de
tempo ou que nos retira o pouco que temos é, em minha opinião, uma ingenuidade e
falta de coerência. Realizar este estágio trouxe, além de alguma experiência numa área
onde esta era nula, uma visão e perceção do trabalho de professor, amigo, aluno, ser
humano e ser social. Todos estes papéis se juntam quando estamos perante um processo
de ensino/aprendizagem em que, irrefutavelmente, não é só o professor que ensina ou o
aluno aprende, ambas as partes absorvem um pouco da outra. Relativamente ao plano
profissional, o estágio permitiu-me crescer como docente, corrigir erros, ganhar
ferramentas e experiência, criar métodos e melhorar os já adquiridos, ter uma noção
clara de sala de aula, de turma, de avaliação, de diferenças e igualdades, de ritmos de
aprendizagem. Humanamente, permitiu-me perceber que há muito mais do que a
aptidão intelectual do aluno, que há muito mais do que um país, uma língua ou uma
cultura. Permitiu-me aprender a ser tolerante com a diferença, a aceitá-la e a preservar a
igualdade. Do ano de estágio, o único aspeto negativo a salientar é mesmo a sua
duração, que sem dúvida deveria ser superior.
Para o futuro desejo que tudo o que foi adquirido durante todo este processo se
materialize em boas atividades e sobretudo que consiga sempre corresponder às
60
expectativas bem como trabalhar sempre no sentido de melhorar e principalmente dar
aos alunos o melhor que tenho como professora.
61
Capítulo VII – Propostas
No seguimento do que se expôs, anteriormente, sobre a capacidade de
comunicação somente através da música, da melodia e da voz, por parte de um não
falante da língua, propomos algumas canções que podem ser alvo de uma análise com
alunos de um nível A1. Apesar de não se trabalharem as competências mais importantes
numa aula de língua, abordar uma canção de forma a conseguir a comunicação só
através da melodia não deixa de ser interessante pois permite-nos apreender as emoções
dos alunos, o seu nível de relaxamento e motivação, bem como iniciar as atividades de
audição da língua. Esta é uma hipotética forma de ver a canção na aula de LE, a que
podemos vir a dar bastante atenção.
Dreamer – Supertramp23
Após uma audição cuidada da melodia, podemos deduzir, através das nossa
sensibilidade e experiência, que estamos no campo dos sonhos e quase afirmar que a
música vai tratando a evolução desse mesmo sonho e das suas fases. O começo, algo
sossegado da canção, somente com uns acordes de guitarra, xilofone e vibrafone, pode
demonstra-nos a nossa fase de pré sono. De seguida, a junção das vozes e a
concentração maior de instrumentos como mais guitarras, piano e baixo, vão-nos dando
a noção do sono. O aumento do ritmo, nomeadamente o uso da bateria e o cruzamento
das vozes e segundas vozes, dão-nos uma percepção de que quem dorme entra na fase
do sonho onde existe atividade, ação. A música termina com um climax instrumental
que podemos ler como um climax no sonho, a fase mais agitada da mente, terminando
com um xilofone a solo que nos leva a lembrar a fase de calma depois de uma fase
intensa de sono.
Esta seria uma análise hipotética que, juntando depois a letra, poderia ir ao encontro
das expectativas criadas e tornar-se uma realidade. Poderia ser uma éspecie de jogo para
levar a canção mais longe e observá-la de um modo mais sensível e profundo. Aliás, a
partir deste exercício de escuta, poder-se-ia pedir aos alunos que verbalizassem,
oralmente, as sensações experienciadas, cirando uma atividade de produção oral, e até
de confronto de produções orais.
23 Ver anexo audiovisual
62
Quatro Estações – Vivaldi (Primavera)24
Outra música, ou músicas, bastante conhecidas que poderiam servir de exemplo, não
para uma aula de LE mas para credibilizar esta hipotética teoria, são as Quatro Estações
de compositor Vivaldi. Olhando, por exemplo, para a Primavera, conseguimos, na nossa
sensibilidade, apercebermo-nos, através dos instrumentos, da existência de elementos
alusivos a esta estação. A melodia é inicialmente alegre com notas altas e um ritmo
calmo que nos faz sentir, irrefutavelmente alegres e em paz, espírito que a primavera
por si só transmite a humanos e animais, ouvindo, claramente, através do trinar dos
violinos, pássaros a cantar. Como todas as primaveras, o tempo é incerto e as
tempestades são ainda frequentes. Acelarando o ritmo da música e ouvindo notas e
acordes baixos, apercebemo-nos de uma mudança na melodia que nos inquieta o
espírito como uma tempestade nesta estação. Por fim, como sempre acontece, o sol
volta a brilhar e os pássaros a cantar numa melodia alegre, calma e reconfortante,
trazendo tudo de bom que a primavera transmite.
Estes são dois exemplos possíveis de analisar. Através da melodia de uma canção o
nosso estado de espírito altera-se frequentemente. Um estudo recente demonstra que as
baladas são as canções preferidas da maioria das pessoas, pois quanto mais baixas forem
as notas musicais, ou seja, quanto mais triste nos parecer a melodia, mais vasto é o
ponto de climax no nosso cérebro, libertando-se a dopamina, responsável pelo prazer e
emoções, criando uma sensação de satisfação e relaxamento. Durante as atividades por
mim lecionadas, percebi que também os meus alunos tiveram mais prazer na audição da
balada “Carta” da banda Toranja, explicando somente que era mais “linda”.
Podemos, portanto, além de tentar uma comunicação através da melodia, ter em
conta estes fatores na escolha da canção e testar a viabilidade de trabalhar a partir de
uma balada e a motivação que esta possa causar ou não nos alunos aprendentes de uma
língua estrangeira.
24 Ver anexo audiovisual
63
Conclusão e Reflexão Final
Sendo a música uma sublime forma de comunicar e de mostrar a cultura de um
país ao mundo, é irrefutável a sua importância na aprendizagem de uma língua
estrangeira. Não podemos sucumbir à ideia de que a canção vem tornar uma aula mais
simplificada e mascarar os interesses dos aprendentes. As competências de
compreensão oral, a influência que a música tem sobre os comportamentos e as
emoções, o estudo implícito da pronúncia, a aquisição de estruturas linguísticas através
do uso repetido deste material, são argumentos suficientes para desmistificar a velha
abordagem que alguns professores ainda fazem da canção e do seu uso.
As expectativas iniciais em torno da relevância do uso da canção sob a forma de
karaoke foram totalmente correspondidas, bem como o uso da canção como transmissor
cultural e introdutório a temáticas importantes do dia a dia social de um determinado
país, neste caso Portugal. As atividades criadas em torno deste material didático
permitiram a duas turmas tão desiguais encarar o ensino da língua de uma forma
diferente e sobretudo transportar o que adquiriraram para o seu quotidiano.
O facto de a primeira turma ter cantado as Janeiras fora do contexto da aula e de
a segunda turma ter participado em manifestações e ter feito karaoke igualmente fora da
sala, demonstrou que o uso da canção pode atingir objetivos que talvez poucos materiais
consigam e sobretudo tornar-se parte dos interesses dos aprendentes.
As propostas de atividades apresentadas permitem-nos concluir que o objetivo
principal do processo ensino/aprendizagem com as canções é ajudar o aluno a
compreender o que é relevante na língua e não usá-la apenas como material meramente
lúdico. O vocabulário utilizado nas canções vai muito além da linguagem quotidiana e
das variações da língua, podendo ser também um ponto de interesse a abordar,
permitindo ao aluno reconhecer que a essência da língua não se reduz apenas a Portugal,
e que todo um conjunto de países falantes dessa mesma língua fazem parte da cultura e
da história da lusofonia.
Concluimos, desta forma, que a canção, e as suas vertentes como o karaoke, são
relevantes no desenvolvimento de competências linguísticas e pessoais e permitem ao
aluno tornar-se ainda mais um ser do mundo. No entanto, cabe-nos a nós, professores,
participar dessa expansão tanto linguística como emocional, para cumprir os
verdadeiros objetivos do ensino e, sobretudo, dar aos discentes ferramentas que lhes
64
permitam adquirir e aproveitar tudo o que uma língua, a língua portuguesa, pode
oferecer.
65
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Anexos
70