reportagem programa aproxima jovens e idosos 2

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Campus DESTAQUE 04 [26 JAN 2009] D. Maria de Lurdes», conta Ana Margarida Teixeira, coordenadora-geral do Projecto ‘Lado a Lado’. PEQUENOS GESTOS, GRANDES ATITUDES Neste momento, e porque a Dona Maria de Lurdes (a idosa que está a cargo do Júlio) não reunia todas as condições para o alojar, o estudante está a morar numa habitação paga pelo Centro de Acolhimento. Mas o acompanhamento à idosa está garantido. O Júlio, sempre que pode, dá-lhe apoio indo às com- pras, à segurança social resolver algum assunto ou ao centro de saúde mais próximo levantar uma re- ceita médica. «É fazer aquilo que, de algum modo, ela tem dificuldade em fazer. Passa por desempe- nhar tarefas que implicariam a deslocação da se- nhora durante várias horas. Mas são tarefas pontu- ais, que posso desenvolver num dia e só depois de uma semana voltar a desempenhar outra tarefa, de acordo com os pedidos dela», explica o Júlio. DESTRUIR PRECONCEITOS Apesar das mais-valias do projecto, o Júlio con- sidera que ainda existem alguns preconceitos por parte de outros jovens estudantes face ao progra- ma. Júlio acha que a comunicação que tem sido fei- ta pode ter, nalguns casos, uma conotação negativa que pode afastar o interesse de outros colegas em participar nesta acção. «Alguns gostaram da ideia e ao início disseram que queriam participar, mas depois começaram a perder o interesse, dizem que não têm tempo. Acho que há uma ênfase muito forte sobre a carência e ninguém quer ser chamado de ca- rente. Ao utilizar-se a expressão ‘carenciado’, as pes- soas sentem-se incomodadas. Penso que o ideal era dizer que os estudantes universitários agora podem associar-se à terceira idade ajudando naquilo que puderem de acordo com a sua disponibilidade.» Júlio diz que a aproximação com a D. Maria de Lur- des não foi difícil e a experiência tem sido positiva. «Não é uma relação onde se discute sobre futebol, mas também não é de trabalho. É uma relação bem definida, de respeito, de cordialidade, de confiança. É ajudar uma pessoa numa coisa concreta.» O estudante considera que existe uma responsabili- dade da juventude em fazer essa aproximação com as gerações mais velhas, não só para destruir preconcei- tos, mas também como forma de aprender novos valo- res e novas coisas. No fundo, partilhar conhecimentos. «A juventude não tem sido bem vista na relação com os idosos, porque algumas pessoas não têm feito coisas muito correctas. Temos aqui uma questão de respon- sabilidade e também o compromisso de envolvimento com uma pessoa idosa. Os universitários já têm um certo nível de saber, então é mais fácil compreenderem este problema, este fenómeno social. Sou estrangeiro e também tenho essa responsabilidade, de me envolver com pessoas diferentes. Posso aprender a fazer coisas que não sabia, porque tenho essa vontade.» Para todos aqueles a quem esta reportagem aguçou a vontade de ser um membro ‘Lado a Lado’, note-se que ainda vão a tempo. Só precisam de se dirigir à Direcção-Geral da Associação Académica de Coimbra acompanhados do CV académico e de dados compro- vativos da sua actual situação financeira. Ali, alguém há-de saber encaminhá-los. » Programa Aconchego, o primeiro Foi o primeiro projecto do género a ser imple- mentado em Portugal. É uma iniciativa que pretende dar resposta à solidão que muitos idosos afirmam sentir e ajudar os estudantes universitários não residentes no Porto a encontrar alojamento, minimizando o encargo financeiro que implica a deslocação de um jovem universitário para outra cidade. O Programa Acon- chego é um projecto que vem sendo implementado desde 2004, resultado de uma parceria entre a Câ- mara Municipal do Porto (através da Fundação Por- to Social) e a Federação Académica do Porto. Em 2003/2004 avançou- -se com um projecto-pi- loto que abrangia apenas a freguesia de Santo Ildefonso, mas devido ao sucesso alcançado foi alargado à cidade. Objec- tivos: combater a solidão e apoiar os seniores na promoção do seu bem- -estar e, ao mesmo tempo, proporcionar aos jovens estudantes uni- versitários um lar seguro e cómodo, a baixo custo, onde podem conviver com o “saber” adquirido pela experiência de vida dos mais velhos. É um passo para a melhoria da quali- dade de vida de ambos. » CÉLULAS NERVOSAS TÊM VÁRIOS NÍVES DE RESISTÊNCIA Dois investigadores do Serviço de Farmacologia da Faculdade de Farmácia da Universidade do Porto publicaram recentemente no prestigiado ‘Journal of Bio- logical Chemistry’ um estudo que comprova que as células nervosas (neurónios e astrócitos) têm diferentes níveis de resistência a desordens neurológicas. Esta descoberta científica permitirá compreender melhor as doenças neurodege- nerativas (como a de Parkinson ou a de Huntington), identificar novos alvos terapêuticos e potenciar o desenvolvimento de fármacos neuroprotectores mais eficazes. » ISEP CRIA BIODIESEL À BASE DE RESÍDUOS INDUSTRIAIS Aprovado em Dezembro de 2008 e financiado pelo QREN, já está em desenvolvimento o ‘Fleshdiesel’ do Instituto Superior de Engenharia do Porto, um projecto com o duplo objectivo de pro- duzir biodiesel através dos resíduos da indústria dos curtumes e também reduzir o volume de resíduos produzidos pela indústria. O projecto é apoiado por empresas como a Bioportdiesel e o Centro Tecnológico das Indústrias do Couro. O Júlio tem 29 anos, é da Guiné-Bissau e está a estudar Direito na Universidade de Coimbra. É o primeiro estudante a ser colocado ao abrigo do projecto Lado a Lado

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DESTRUIR PRECONCEITOS Apesar das mais-valias do projecto, o Júlio con- sidera que ainda existem alguns preconceitos por parte de outros jovens estudantes face ao progra- ma. Júlio acha que a comunicação que tem sido fei- ta pode ter, nalguns casos, uma conotação negativa que pode afastar o interesse de outros colegas em participar nesta acção. «Alguns gostaram da ideia e ao início disseram que queriam participar, mas depois começaram a perder o interesse, dizem que [26 JAN 2009]

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Page 1: Reportagem programa aproxima jovens e idosos 2

Campus DESTAQUE

04 [26 JAN 2009]

D. Maria de Lurdes», conta Ana Margarida Teixeira, coordenadora-geral do Projecto ‘Lado a Lado’.

PEQUENOS GESTOS, GRANDES ATITUDESNeste momento, e porque a Dona Maria de Lurdes

(a idosa que está a cargo do Júlio) não reunia todas as condições para o alojar, o estudante está a morar numa habitação paga pelo Centro de Acolhimento. Mas o acompanhamento à idosa está garantido. O Júlio, sempre que pode, dá-lhe apoio indo às com-pras, à segurança social resolver algum assunto ou ao centro de saúde mais próximo levantar uma re-ceita médica. «É fazer aquilo que, de algum modo, ela tem difi culdade em fazer. Passa por desempe-nhar tarefas que implicariam a deslocação da se-nhora durante várias horas. Mas são tarefas pontu-ais, que posso desenvolver num dia e só depois de uma semana voltar a desempenhar outra tarefa, de acordo com os pedidos dela», explica o Júlio.

DESTRUIR PRECONCEITOSApesar das mais-valias do projecto, o Júlio con-

sidera que ainda existem alguns preconceitos por parte de outros jovens estudantes face ao progra-ma. Júlio acha que a comunicação que tem sido fei-ta pode ter, nalguns casos, uma conotação negativa que pode afastar o interesse de outros colegas em participar nesta acção. «Alguns gostaram da ideia e ao início disseram que queriam participar, mas depois começaram a perder o interesse, dizem que

não têm tempo. Acho que há uma ênfase muito forte sobre a carência e ninguém quer ser chamado de ca-rente. Ao utilizar-se a expressão ‘carenciado’, as pes-soas sentem-se incomodadas. Penso que o ideal era dizer que os estudantes universitários agora podem

associar-se à terceira idade ajudando naquilo que puderem de acordo com a sua disponibilidade.»

Júlio diz que a aproximação com a D. Maria de Lur-des não foi difícil e a experiência tem sido positiva. «Não é uma relação onde se discute sobre futebol, mas também não é de trabalho. É uma relação bem defi nida, de respeito, de cordialidade, de confi ança. É ajudar uma pessoa numa coisa concreta.»

O estudante considera que existe uma responsabili-dade da juventude em fazer essa aproximação com as gerações mais velhas, não só para destruir preconcei-tos, mas também como forma de aprender novos valo-res e novas coisas. No fundo, partilhar conhecimentos. «A juventude não tem sido bem vista na relação com os idosos, porque algumas pessoas não têm feito coisas muito correctas. Temos aqui uma questão de respon-sabilidade e também o compromisso de envolvimento com uma pessoa idosa. Os universitários já têm um certo nível de saber, então é mais fácil compreenderem este problema, este fenómeno social. Sou estrangeiro e também tenho essa responsabilidade, de me envolver com pessoas diferentes. Posso aprender a fazer coisas que não sabia, porque tenho essa vontade.»

Para todos aqueles a quem esta reportagem aguçou a vontade de ser um membro ‘Lado a Lado’, note-se que ainda vão a tempo. Só precisam de se dirigir à Direcção-Geral da Associação Académica de Coimbra acompanhados do CV académico e de dados compro-vativos da sua actual situação fi nanceira. Ali, alguém há-de saber encaminhá-los.

» Programa Aconchego, o primeiroFoi o primeiro projecto do género a ser imple-mentado em Portugal. É uma iniciativa que pretende dar resposta à solidão que muitos idosos afi rmam sentir e ajudar os estudantes universitários não residentes no Porto a encontrar alojamento, minimizando o encargo fi nanceiro que implica a deslocação de um jovem universitário para outra cidade. O Programa Acon-chego é um projecto que vem sendo implementado desde 2004, resultado de uma parceria entre a Câ-mara Municipal do Porto (através da Fundação Por-to Social) e a Federação Académica do Porto. Em 2003/2004 avançou--se com um projecto-pi-loto que abrangia apenas a freguesia de Santo Ildefonso, mas devido ao sucesso alcançado foi alargado à cidade. Objec-tivos: combater a solidão e apoiar os seniores na promoção do seu bem--estar e, ao mesmo tempo, proporcionar aos jovens estudantes uni-versitários um lar seguro e cómodo, a baixo custo, onde podem conviver com o “saber” adquirido pela experiência de vida dos mais velhos. É um passo para a melhoria da quali-dade de vida de ambos.

» CÉLULAS NERVOSAS TÊM VÁRIOS NÍVES DE RESISTÊNCIADois investigadores do Serviço de Farmacologia da Faculdade de Farmácia da Universidade do Porto publicaram recentemente no prestigiado ‘Journal of Bio-logical Chemistry’ um estudo que comprova que as células nervosas (neurónios e astrócitos) têm diferentes níveis de resistência a desordens neurológicas. Esta descoberta científi ca permitirá compreender melhor as doenças neurodege-nerativas (como a de Parkinson ou a de Huntington), identifi car novos alvos terapêuticos e potenciar o desenvolvimento de fármacos neuroprotectores mais efi cazes.

» ISEP CRIA BIODIESEL À BASE DE RESÍDUOS INDUSTRIAISAprovado em Dezembro de 2008 e fi nanciado pelo QREN, já está em desenvolvimento o ‘Fleshdiesel’ do Instituto Superior de Engenharia do Porto, um projecto com o duplo objectivo de pro-duzir biodiesel através dos resíduos da indústria dos curtumes e também reduzir o volume de resíduos produzidos pela indústria. O projecto é apoiado por empresas como a Bioportdiesel e o Centro Tecnológico das Indústrias do Couro.

O Júlio tem 29 anos, é da Guiné-Bissau e está a estudar Direito na Universidade de Coimbra. É o primeiro estudante a ser colocado ao abrigo do projecto Lado a Lado