rememoraÇÕes da cidade de curitiba - historia.ufpr.br · para essa discussão foram essenciais as...

50
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ FERNANDA CAROLINA CRUZETTA REMEMORAÇÕES DA CIDADE DE CURITIBA VISÕES DO PROGRESSO NAS DÉCADAS INICIAIS DO SÉCULO XX CURITIBA 2010

Upload: vandiep

Post on 13-Dec-2018

218 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: REMEMORAÇÕES DA CIDADE DE CURITIBA - historia.ufpr.br · Para essa discussão foram essenciais as obras de autores como ... Euclides Bandeira e Mário Marcondes de Albuquerque

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ

FERNANDA CAROLINA CRUZETTA

REMEMORAÇÕES DA CIDADE DE CURITIBA

VISÕES DO PROGRESSO NAS DÉCADAS INICIAIS DO SÉCULO XX

CURITIBA

2010

Page 2: REMEMORAÇÕES DA CIDADE DE CURITIBA - historia.ufpr.br · Para essa discussão foram essenciais as obras de autores como ... Euclides Bandeira e Mário Marcondes de Albuquerque

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ

FERNANDA CAROLINA CRUZETTA

REMEMORAÇÕES DA CIDADE DE CURITIBA

VISÕES DO PROGRESSO NAS DÉCADAS INICIAIS DO SÉCULO XX

Monografia apresentada como requisito parcial

para conclusão do Curso de História –

Licenciatura e Bacharelado, do Setor de

Ciências Humanas, Letras e Artes da

Universidade Federal do Paraná.

Orientador: Prof. Dr. Antonio Cesar de

Almeida Santos

CURITIBA

2010

Page 3: REMEMORAÇÕES DA CIDADE DE CURITIBA - historia.ufpr.br · Para essa discussão foram essenciais as obras de autores como ... Euclides Bandeira e Mário Marcondes de Albuquerque

RESUMO

Ao final do século XIX, Curitiba, assim como outras capitais do Brasil, entrava num

processo de modernização de seu espaço urbano, o qual teve seu auge, naquele período, nas

décadas iniciais do século XX. Movidos por uma visão de progresso inerente ao pensamento

republicano, engenheiros e prefeitos municipais pretenderam transformar Curitiba em uma

grande metrópole. Nesse momento, apregoava-se a idéia de que toda a população de Curitiba

percebia sua cidade como uma metrópole moderna. Contudo, se buscarmos fontes alternativas

a esse discurso laudatório sobre modernidade em Curitiba, poderemos encontrar contradições

dessa modernização e mesmo outras visões sobre a cidade. Através de relatos pessoais de

cidadãos de Curitiba, escritos em forma de memórias, apresenta-se nesse trabalho como eram

percebidas as transformações que a cidade passava no início do século XX. A pertinência da

utilização de relatos pessoais como fonte – nesse caso, relatos de memórias sobre a cidade de

Curitiba – está no fato de se poder extrair da rememoração individual aspectos que traduzem o

imaginário coletivo.

Palavras-chave: Curitiba século XX; modernização urbana; memórias.

Page 4: REMEMORAÇÕES DA CIDADE DE CURITIBA - historia.ufpr.br · Para essa discussão foram essenciais as obras de autores como ... Euclides Bandeira e Mário Marcondes de Albuquerque

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 1

1. O MUNDO SE MODERNIZA: AS TRANSFORMAÇÕES SÓCIO-ECONÔMICAS DA SEGUNDA

METADE DO SÉCULO XIX 3

1.1 REVOLUÇÃO CIENTÍFICO-TECNOLÓGICA E A IMPOSIÇÃO DA MODERNIDADE 3

1.2 A MODERNIZAÇÃO NO BRASIL: “A BELLE ÉPOQUE CAIPIRA” 5

1.3 CURITIBA, “A TERRA DO FUTURO”? 7 1.3.1 O PROGRESSO VEM DE TREM 10

1.3.2 NESTOR VÍTOR E SEU TESTEMUNHO SOBRE A MODERNIZAÇÃO DA CIDADE 11

1.3.3 A MODERNIZAÇÃO NO LAZER E NO COTIDIANO 13

1.3.4 DESORDEM E REGRESSO 14

2. REMEMORANDO CURITIBA 18

2.1 CURITIBA E AS REMEMORAÇÕES DE INFÂNCIA 19

2.2 CURITIBA E AS CRÔNICAS DE UMA CIDADE 29

2.3 CURITIBA NA MEMÓRIA COLETIVA 34

CONSIDERAÇÕES FINAIS 41

FONTES CONSULTADAS 43

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 44

Page 5: REMEMORAÇÕES DA CIDADE DE CURITIBA - historia.ufpr.br · Para essa discussão foram essenciais as obras de autores como ... Euclides Bandeira e Mário Marcondes de Albuquerque

INTRODUÇÃO

Em meados do século XIX, Curitiba, assim como outras capitais brasileiras, entrava num

processo de modernização de seu espaço urbano. Esse processo teve seu auge nas décadas

iniciais do século XX.

As reestruturações operadas na capital paranaense já foram objeto de estudo de

diversos historiadores, que se debruçam sobre a história de Curitiba do final do século XIX e

do início do século XX. No entanto, grande parte dessas produções baseia-se em uma

documentação que traduz um discurso hegemônico e laudatório sobre a cidade. Assim, com o

intuito de buscar outras visões, ou mesmo contradições sobre o reordenamento urbano de

Curitiba, nesse período, foram selecionadas fontes alternativas a esse discurso, dito oficial:

relatos que apresentam reminiscências sobre a cidade. Os autores desses relatos descrevem os

espaços, os acontecimentos marcantes e o cotidiano da cidade de Curitiba, em diferentes fases

de suas vidas. A partir dessas rememorações, propôs-se pensar se essas descrições

contemplavam as modificações no cenário urbano da cidade, sobretudo no início do século

XX, e em que medida corroboravam ou não o ideário de progresso inerente à recém-

instaurada República.

No entanto, antes de buscar essa visão alternativa sobre a cidade de Curitiba, fez-se

necessário, primeiramente, compreender o contexto mais amplo das transformações operadas

na sociedade da época. No primeiro capítulo desse trabalho, intitulado O mundo se

moderniza: as transformações sócio-econômicas da segunda metade do século XIX, é

apresentado um panorama sobre essas transformações e suas implicações no Brasil e na

cidade de Curitiba. Para produzir esse panorama são elencados alguns temas, como a Segunda

Revolução Industrial na Europa e na América do Norte, a expansão do capitalismo, a

imposição da modernidade no Brasil, a modernização da cidade de Curitiba, nas décadas

finais do século XIX e iniciais do século XX, e as contradições acarretadas pela modernidade

na capital paranaense. Para essa discussão foram essenciais as obras de autores como Eric

Hobsbawn, Nicolau Sevcenko, Christian Topalov e Sidney Chalhoub. Em relação a Curitiba –

foco central do trabalho –, são utilizados como base para as reflexões apresentadas os

trabalhos de Irã Dudeque, Marcelo Sutil, Rafael Sêga, entre outros.

No segundo capítulo – Rememorando Curitiba – é feita a apresentação das fontes,

que se constituem em sete textos memorialísticos nos quais os autores, ao falarem de suas

vidas, relembram a cidade de Curitiba, abrangendo um período que vai do final da década de

Page 6: REMEMORAÇÕES DA CIDADE DE CURITIBA - historia.ufpr.br · Para essa discussão foram essenciais as obras de autores como ... Euclides Bandeira e Mário Marcondes de Albuquerque

2

1880 até o final da década de 1910. Os textos trabalhados são de autoria de Jaime Balão

Júnior, América da Costa Sabóia, Vasco José Taborda, Heitor Borges de Macedo, Nestor

Vítor dos Santos, Euclides Bandeira e Mário Marcondes de Albuquerque. Os quatro primeiros

autores trazem lembranças de uma cidade que existia em suas infâncias e de que se recordam

com carinho e saudosismo, produzindo, portando, relatos bastante subjetivos. Já nos três

relatos seguintes, percebemos também as reminiscências dos autores, porém, nota-se também

que eles têm em vista a produção de obras que contemplem, juntamente às suas lembranças, a

história da capital paranaense, desde sua fundação.

A utilização de memórias, relatos pessoais, biografias como fonte só ganhou

notoriedade nos anos de 1980, quando se passou a revalorizar a análise qualitativa e se

recuperou a importância das experiências individuais para a pesquisa histórica. Entendemos

que a pertinência da utilização de relatos pessoais como fonte para esse trabalho está no fato

de se poder extrair da rememoração individual aspectos que traduzem o imaginário coletivo,

ampliando, dessa forma, a discussão sobre o processo de modernização de Curitiba sem se

ater somente na leitura do espaço construído. Obviamente, deve se levar em conta que essas

fontes se configuram em memórias e, como tais, são produzidas a partir da realidade presente

em que os autores as escreveram. Logo, as críticas e julgamentos também fazem parte deste

presente.

Page 7: REMEMORAÇÕES DA CIDADE DE CURITIBA - historia.ufpr.br · Para essa discussão foram essenciais as obras de autores como ... Euclides Bandeira e Mário Marcondes de Albuquerque

1. O MUNDO SE MODERNIZA: AS TRANSFORMAÇÕES SÓCIO-ECONÔMICAS DA SEGUNDA

METADE DO SÉCULO XIX

Antes de nos atermos propriamente à cidade de Curitiba e às reestruturações urbanas

que nela se operaram no início do século XX, entendemos necessário compreender o contexto

mundial de transformações sócio-econômicas que ocorreram, desde a segunda metade do

século XIX, quando se iniciou um período de grande expansão do capitalismo.

1.1 REVOLUÇÃO CIENTÍFICO-TECNOLÓGICA E A IMPOSIÇÃO DA MODERNIDADE

Em meados do século XIX, segundo o historiador Eric Hobsbawm, houve uma

“atualização” da primeira revolução industrial, com a substituição da máquina à vapor por

turbinas e do ferro pelo aço, seguida do desenvolvimento da indústria baseada em novas

tecnologias (como a eletricidade e o motor a combustão).1 Todo esse processo culminou na

Revolução Científico-Tecnológica.

O avanço técnico produzido durante essa revolução gerou uma superprodução, o que,

conseqüentemente, impulsionou a procura por novos mercados e por investimentos mais

lucrativos. Para isso, as grandes potências industriais da época – Grã-Bretanha, França,

Alemanha, Bélgica, EUA – passaram a empreender uma política expansionista. Segundo

Hobsbawm, “a maior parte do mundo, à exceção da Europa e das Américas, foi formalmente

dividida em territórios sob governo direto ou sob dominação política indireta de um ou outro

Estado de um pequeno grupo [as nações citadas acima]”.2

No entanto, é necessário ressaltar que essa política expansionista não se constituiu

apenas em um fenômeno econômico e político. Houve também “a conquista do globo pelas

imagens, idéias e aspirações de sua minoria „desenvolvida‟”.3 Ao tratar da expansão

capitalista no contexto da Segunda Revolução Industrial em sua dimensão sócio-cultural, o

historiador Nicolau Sevcenko mostrou que “era necessário transformar o modo de vida das

sociedades tradicionais, de modo a instilar-lhes os hábitos e práticas de produção e consumo

1 HOBSBAWM, Eric J. A Era dos Impérios, 1875-1914. 13ed. São Paulo: Editora Paz e Terra, 2009, p. 90.

2 Ibid., pp. 80 e 99.

3 Ibid., p. 127.

Page 8: REMEMORAÇÕES DA CIDADE DE CURITIBA - historia.ufpr.br · Para essa discussão foram essenciais as obras de autores como ... Euclides Bandeira e Mário Marcondes de Albuquerque

4

conformes ao novo padrão da economia de base científico-tecnológica.”4 O mesmo autor

acrescenta que, nesse período, estava sendo gerando um “fluxo intenso de mudanças”, pois,

até então, as pessoas nunca haviam passado por um processo de transformação de seus

cotidianos tão intenso. Novas formas de energia, meios de transporte e de comunicação

começam a ser desenvolvidos; a ciência e os laboratórios assumem o papel principal no

desenvolvimento da indústria, em especial das indústrias elétrica e química, propiciando, por

exemplo, a utilização do níquel, do alumínio e de derivados do petróleo na fabricação de bens

de consumo, bem como o desenvolvimento de novos medicamentos e alimentos.5

Na mesma proporção que o capital se expandia e que novas tecnologias eram criadas,

os centros urbanos europeus e norte-americanos começaram a se tornar super povoados.

Começaram a surgir também problemas estruturais e sociais nas grandes cidades, que eram,

muitas vezes, atribuídos à grande massa da população pobre que habitava os grandes centros.

Para resolver esse problema foi necessário empreender reformas urbanas que tinham como

intuito não só o reordenamento urbano, mas também social. Segundo o sociólogo Christian

Topalov, as reformas urbanas iniciadas na Europa e na América do Norte, por volta de 1880,

estavam associadas a um movimento de reforma social. Acreditava-se que era preciso “Mudar

a cidade para mudar a sociedade e, particularmente, o povo”.6 De acordo com Topalov, desde

a primeira revolução industrial os habitantes dos bairros operários na Europa eram

enquadrados como “classes perigosas”, pois era justamente no meio onde eles viviam que “se

concentravam os flagelos sociais” e era de onde poderiam surgir ameaças de crimes e

epidemias para o resto da sociedade.7

Portanto, reestruturar os centros urbanos de modo a realocar a população mais pobre e

criar novos espaços mais limpos, seguros e modernos era garantir que se construísse uma

imagem civilizada sobre a cidade. De forma semelhante às reformas urbanas européias e

norte-americanas, no Brasil também se pretendeu civilizar os ambientes urbanos,

empreendendo reformas em algumas capitais.

4 SEVCENKO, Nicolau. O prelúdio republicano, astúcias da ordem e ilusões do progresso. In: ______ (org.).

História da vida privada no Brasil. v. 3. República: da Belle époque à era do rádio. São Paulo: Companhia das

Letras, 1998, p. 12-13. 5 Ibid., p. 7-9.

6 TOPALOV, Christian. Da questão social aos problemas urbanos: os reformadores e a população das

metrópoles em princípios do século XX. In: PECHMAN, Robert; RIBEIRO, Luiz Cesar de Queiroz (orgs.).

Cidade, povo e nação. Gênese do urbanismo moderno. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1996, p. 23. 7 Ibid., p. 33.

Page 9: REMEMORAÇÕES DA CIDADE DE CURITIBA - historia.ufpr.br · Para essa discussão foram essenciais as obras de autores como ... Euclides Bandeira e Mário Marcondes de Albuquerque

5

1.2 A MODERNIZAÇÃO NO BRASIL: “A BELLE ÉPOQUE CAIPIRA”

Assim como em outros países considerados zonas periféricas à época, as condições

locais de desenvolvimento no Brasil não estavam de acordo com o padrão tecnológico e

produtivo do das grandes potências. Por mais que as inovações advindas da Revolução

Científico-Tecnológica tenham causado impacto no cotidiano dos habitantes de países como

Inglaterra, França, Alemanha e Estados Unidos, havia nesses lugares uma espécie de

„preparação‟, pois eram nações que vinham se modernizando gradativamente. Ou, como

elucida Hobsbawm, era uma pequena parte do mundo onde nascera o progresso e que

pretendia conquistar outras regiões, ajudada por uma minoria de colaboradores locais.8 O

Brasil não possuía um aparato tecnológico e econômico para produzir uma revolução

industrial aos moldes europeu e norte-americano. Foi, portanto, necessário criar condições e

impor modernizações para que o país fosse inserido no rol de nações que serviriam de

mercado consumidor e zona de influência econômica. Essas modernizações se traduziram em

ações como a adoção de práticas econômicas liberais, a abolição do trabalho escravo, a

imposição de padrões higienistas e educacionais inspirados em modelos europeus e a

reestruturação urbana de algumas capitais brasileiras, em especial a cidade do Rio de Janeiro.

Pode-se ainda incluir nesse conjunto de ações modernizantes a Proclamação da República, já

que esta foi resultado da pressão de um grupo social que sentia a necessidade de estabelecer

um ordenamento da sociedade baseado em preceitos republicanos e liberais „importados‟ da

França e Estados Unidos.9

Ao longo da Primeira República, empreendem-se diversas intervenções urbanas

localizadas, ou seja, intervenções que não se configuravam em planos urbanísticos para a

cidade como um todo. Tais intervenções visavam, sobretudo, “criar uma nova imagem da

cidade, em conformidade com os modelos estéticos europeus, permitindo às elites dar

materialidade aos símbolos de distinção relativos à sua nova condição”.10

É fundamental ressaltar que essa reestruturação não se deu somente nos espaços

urbanos, mas também na mentalidade dos citadinos: da mesma forma que ruas foram

alargadas, que rios foram canalizados e que novas construções foram erguidas para os mais

diversos fins, introduziram-se também novos hábitos e práticas sociais entre a população. Por

8 HOBSBAWM, A Era dos Impérios..., p. 57.

9 CARVALHO, José Murilo de. A formação das almas : o imaginário da República no Brasil. 18 ed. São Paulo:

Companhia das Letras, 2008. 10

CARDOSO, Adauto Lúcio; RIBEIRO, Luiz Cesar de Queiroz. Da cidade à nação: gênese e evolução do

urbanismo no Brasil. In: PECHMAN, Robert; RIBEIRO, Luiz Cesar de Queiroz (orgs.). Cidade, povo e nação.

Gênese do urbanismo moderno. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1996, pp. 58 e 59.

Page 10: REMEMORAÇÕES DA CIDADE DE CURITIBA - historia.ufpr.br · Para essa discussão foram essenciais as obras de autores como ... Euclides Bandeira e Mário Marcondes de Albuquerque

6

parte das autoridades e da elite brasileira havia o intuito de transformar a capital da recém-

instaurada República, o Rio Janeiro, bem como outras capitais – como Belo Horizonte, São

Paulo e Curitiba – em espelhos de grandes metrópoles européias e americanas. No artigo A

Belle Époque caipira, José Evaldo de Mello Doin e outros autores abordam a questão do

“gosto pelo moderno e por toda a materialidade e simbolismo que o envolviam e que eram

experienciados na Europa”.11

É justamente com o intuito de importar tendências da Europa e

dos Estados Unidos que se buscou embelezar as capitais brasileiras. E embelezar aqui pode

também ser compreendido como escamotear elementos que poderiam vir a evidenciar

determinados problemas sociais, como a violência e a insalubridade. Como exemplo dessa

escamoteação, podemos citar a demolição dos cortiços no Rio de Janeiro, na década de

1890.12

Mesmo que muitas dessas modernizações e melhoramentos não tenham atingido todos

os setores da sociedade, criou-se uma “consciência de modernidade”13

, fomentada por

diversos movimentos literários e políticos. Segundo Monica Velloso, acostumou-se associar a

questão do moderno no Brasil à década de 1920 – em decorrência da Semana da Arte

Moderna de 1922, ocorrida em São Paulo –, entretanto, já nos anos finais do Império havia

movimentos literários e políticos que davam “sinais de modernidade” em suas produções:

autores como Graça Aranha, Capistrano de Abreu e Machado de Assis (da “geração de

1870”), bem como uma série de intelectuais envolvidos no movimento republicano, deixavam

transparecer em suas produções “o choque vivenciado pelos atores sociais ante as bruscas

mudanças tecnológicas” e o “anseio de mudança no mundo da política”.14

Como já se pôde perceber, esse imaginário de modernização, presente na produção

intelectual, mas também apregoado nos jornais e revistas da época e manifestado nas atitudes

das pessoas, desenvolveu-se concomitantemente à reestruturação dos ambientes urbanos. Isso

se deveu ao fato das cidades serem entendidas como a expressão da sociedade que as

11

DOIN, José Evaldo de Mello et Alli. A Belle Époque caipira: problematizações e oportunidades interpretativas

da modernidade e urbanização no mundo do café (1825-1930). Revista Brasileira de História. São Paulo, v.27,

n.53, p.91-122, 2007, p. 94. 12

De acordo com Sidney Chalhoub, os cortiços eram considerados pelas autoridades da época ambientes feios e

insalubres, habitados por uma parcela pouco favorecida da população, a qual seria propensa aos vícios e à

violência (Ver CHALHOUB, Sidney. Cortiços. In: ______. Cidade Febril: cortiços e epidemias na Corte

imperial. São Paulo: Cia da Letras, 1996, p. 15-59). 13

VELLOSO, Monica Pimenta. O modernismo e a questão nacional. In: FERREIRA, Jorge; DELGADO,

Lucília de A. N. (orgs.). O Brasil republicano. O tempo do liberalismo excludente : da Proclamação da

República à Revolução de 1930. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003, p. 353. 14

Ibid., p. 354.

Page 11: REMEMORAÇÕES DA CIDADE DE CURITIBA - historia.ufpr.br · Para essa discussão foram essenciais as obras de autores como ... Euclides Bandeira e Mário Marcondes de Albuquerque

7

constrói.15

Nelas são criados espaços destinados às práticas que pertencem a esse mundo

urbano, como a industrialização, o comércio e o entretenimento. Portanto, ao se estudar esse

processo de modernização que atingiu as cidades brasileiras ao final do século XIX e início do

XX, não se podem relegar as impressões das pessoas que habitavam esses meios urbanos e

que eram „contagiadas‟ por esse imaginário.

Como indicado acima, a cidade de Curitiba e outras capitais estavam inseridas nesse

contexto de modificações do cenário urbano brasileiro nas primeiras décadas da República e,

por ora, pretendemos mostrar a maneira pela qual Curitiba foi tomada como objeto de atenção

por alguns historiadores ao tratarem das modernizações que nela se operaram ao final de

século XIX e, em especial, nas primeiras décadas do século XX.

1.3 CURITIBA, “A TERRA DO FUTURO”?

Antes de ser elevada a capital de província, Curitiba era considerada uma cidade de

poucas e irregulares ruas, ocupada apenas nos dias de festa. Contudo, não se deve inferir que

essa configuração mudou repentinamente após a emancipação política do Paraná (1853). Para

Romário Martins, a imagem da capital paranaense nesse contexto era, inclusive, bem

negativa: “Curityba era, nessa epoca, uma insignificancia, que de cidade só tinha o

predicamento official.”16

Ao relatar sua viagem pela província do Paraná, em 1858, o médico

alemão Robert Avé-Lallemant faz uma descrição da cidade de Curitiba que se assemelha à de

Romário Martins, mas que, ao mesmo tempo, dá indícios de que a capital pode regenerar-se e

ganhar significância:

Naturalmente nela nada se encontra de grande ou grandioso. Em tudo, nas ruas e

casas e mesmo nos homens, se reconhece uma dupla natureza. Uma da velha

Curitiba, quando ainda não era capital de uma Província [...] Aí se vêem ruas não

calçadas, casas de madeira e toda espécie de desmazelo, cantos sujos e pragas

desordenadas, ao lado das quais há muita coisa em ruína e não se pode deixar de

reconhecer evidente decadência e atraso. Na segunda natureza, ao contrário expressa

decisiva regeneração, embora não apareça nenhum grandioso estilo Renascença.17

Foram necessários muitos anos para que a capital paranaense começasse a crescer de

forma mais marcante. Essa questão é bem elucidada pelo jornalista e romancista paranaense

15

SANTOS, Antonio Cesar de Almeida. Memórias e Cidade : depoimentos e transformação urbana de Curitiba

(1930-1960). 2.ed. Curitiba: Aos Quatro Ventos, 1999, p. 7. 16

MARTINS, Romário. Curityba de outr’ora e de hoje. Curitiba: Prefeitura Municipal, 1922, p. 167. 17

AVÉ-LALLEMANT, Robert. 1858, Viagem pelo Paraná. Curitiba: Fundação Cultural, 1995, p. 62.

Page 12: REMEMORAÇÕES DA CIDADE DE CURITIBA - historia.ufpr.br · Para essa discussão foram essenciais as obras de autores como ... Euclides Bandeira e Mário Marcondes de Albuquerque

8

Nestor Vítor dos Santos, na obra A Terra do Futuro18

. Ao tratar da “Velha Curitiba”, o autor

parnanguara mostra que, em meados da década de 1850, a capital paranaense era uma cidade

pequena (se comparada a outras capitais) e contava com, aproximadamente, 3.000 habitantes.

Segundo Nestor Vítor, foi somente após a finalização da Estrada da Graciosa, em 1873, que a

cidade deixou de ter um crescimento moroso.19

Outros dados apresentados pelo arquiteto e historiador Irã Dudeque vêm a corroborar

essa idéia de que mudanças mais significativas começaram a ocorrer em Curitiba somente

após a década de 1870, com criação da linha telegráfica com o Rio de Janeiro e outras cidades

(1871), a iluminação pública à querosene (1874), a construção do mercado municipal (1874),

e a construção da estrada de ferro (1879).20

No entanto, dentre as inovações citadas, a construção da Estrada da Graciosa deve ser

destacada, pois, além da sua contribuição econômica – já que a estrada era utilizada,

essencialmente, para o escoamento da produção de mate em direção ao porto –, ela foi

facilitadora da entrada maciça de imigrantes na província, naquela mesma época.21

A vinda

dos imigrantes europeus para o Paraná e, em especial, para Curitiba contribuiu, segundo

Marcelo Sutil, para a modernização da cidade, pois esses imigrantes, principalmente alemães

e italianos, trouxeram consigo sugestões de inovação para a arquitetura da cidade, em especial

o estilo eclético22

. Para ilustrar essa idéia, Sutil mostra que as inovações, como as da

construção da Farmácia Stellfeld, “converteram os curitibanos em espectadores das obras”.23

Em uma passagem de A Terra do Futuro, Nestor Vítor mostra também ter sido um desses

espectadores: “Quando eu fui para Curitiba, em 1885, nossa capital já tinha proporções

avantajadas e entre os exemplares da sua construção, aí já quase que completamente à feição

germânica, encontravam-se vários prédios importantes”.24

18

SANTOS, Nestor Vítor dos. Terra do Futuro : Impressões do Paraná. 2 ed. Curitiba: Prefeitura Municipal de

Curitiba, 1996. Nestor Vítor escreveu esse livro em 1912, a mando do presidente do Estado na época, Afonso

Camargo; nessa obra são tratados aspectos geográficos, históricos, econômicos e sociais de todo Paraná. Em

alguns capítulos o autor faz comparações entre as cidades que conhecera em algum momento de sua vida e a

configuração dessas mesmas cidades, em 1912. 19

Ibid., p. 70. 20

DUDEQUE, Irã. Cidades sem véus : doenças, poder e desenhos urbanos. Curitiba: Champagnat, 1995, pp.

119 e 122. 21

SANTOS, Nestor Vítor. A Terra do Futuro..., p. 70. 22

O ecleticismo é a mistura de estilos arquitetônicos do passado para a criação de uma nova linguagem

arquitetônica, passando pela arquitetura clássica, medieval, renascentista, barroca e neoclássica. Apesar disso,

“freqüentemente o resultado arquitetônico revela-se harmonioso e surpreendentemente conciso.” (Ver

CAROLLO, Cassiana Lacerda. Palacete Leão Júnior e Ciclo da Erva Mate. Publicação da Secretaria de

Cultura do Paraná 199_, p. 66). 23

SUTIL, Marcelo Saldanha. O espelho e a miragem : Ecletismo, moradia e modernidade na Curitiba do início

do século. Curitiba, 1996. Dissertação (Mestrado em História). Universidade Federal do Paraná, pp. 17 e 18. 24

SANTOS, Nestor Vítor. A Terra do Futuro..., p. 73.

Page 13: REMEMORAÇÕES DA CIDADE DE CURITIBA - historia.ufpr.br · Para essa discussão foram essenciais as obras de autores como ... Euclides Bandeira e Mário Marcondes de Albuquerque

9

Tanto na obra de Nestor Vítor como na de Sutil fica evidente que grande parte dos

imigrantes alemães estabeleceu-se no meio urbano, atuando no comércio e, posteriormente, na

indústria. Analisando por esse ângulo, percebe-se que a presença de imigrantes foi bastante

positiva para o desenvolvimento de Curitiba. Entretanto, Maria Ignês de Boni nos mostra uma

outra dimensão da relação entre a imigração e a modernização da capital paranaense. Para de

Boni, a vinda de imigrantes europeus contribuiu para o espantoso crescimento populacional

que Curitiba teve ao final do século XIX.25

Esse crescimento, por sua vez, gerou problemas

como a falta de moradia, desemprego, disseminação de doenças e o aumento da violência.26

Contudo, mesmo tendo apontado todas essas mudanças, tanto as positivas quanto as

negativas, que podem ser associadas à modernização de uma cidade, Curitiba, por volta de

1880, ainda trazia muitas características da vila que fora no século anterior.27

De acordo com

Antonio Cesar de Almeida Santos, ao final do século XIX, tinha-se uma visão paradoxal de

Curitiba, que poderia ser expressa pela seguinte situação: ao mesmo tempo em que a cidade

oferecia “Casas de banho”, tinha problemas sanitários graves, “devido à falta de boas

águas”.28

Em relação a esse paradoxo, Nestor Vítor apontou aspectos interessantes que vêm a

dar força a essa imagem:

O coaxar penetrante e plangente daquela vasta população batráquia, desde o

escurecer, a péssima iluminação pública, ainda a gás-globo, os perigosos valados,

em tempos de chuva, de muitos trechos da cidade, quase toda ela ainda por calçar, o

mugido das vacas, às vezes em estábulos próximos, quando não andassem soltas de

mistura com numerosa cavalhada, tudo isso dava a Curitiba ainda feição flagrante de

aldeia.29

Essas questões só viriam a começar a se resolver a partir de 1885. De acordo com de

Boni, foi com o governo do presidente da Província Alfredo D‟Escragnole Taunay que se deu

o primeiro impulso modernizador visível, principalmente, em Curitiba. A partir do primeiro

ano de mandato de Taunay, em 1885, já se iniciaram melhoramentos na capital paranaense,

como a transformação do charco do Rio Belém em Passeio Público, a retirada de pastagens da

Praça D. Pedro II (atual Praça Tiradentes) e o alargamento de ruas. Para Irã Dudeque, a idéia

25

Como anteriormente citado, Nestor Vítor mostrou que, por volta de 1850, Curitiba contava com,

aproximadamente, 3.000 habitantes. Porém, de acordo com Romário Martins, esse número era um pouco mais

alto para o mesmo período – 5.819 habitantes (Ver MARTINS, Curityba..., p. 168). Em pouco mais de 10 anos,

em 1867, a população aumentou para 14.125, e no recenseamento de 1890 registrava-se 53.557 (Ver Boletim do

Instituto Histórico, Geográfico e Etnográfico Paranaense. Curitiba, v. 48, 1993, p. 27). 26

BONI, Maria Ignês M. de. O espetáculo visto de alto: vigilância e punição em Curitiba (1890-1920). São

Paulo, 1985. Tese (Doutorado em História). Universidade de São Paulo, p. 20. 27

DUDEQUE, Cidades..., p. 124. 28

SANTOS, Antonio Cesar de Almeida. Ideário do progresso e cidades : uma Curitiba das primeiras décadas do

séc. XX. Estudos Ibero-Americanos. PUCRS, v.XXIV, n.1, p.75-94, junho 1998, p. 80. 29

SANTOS, Nestor Vítor. A Terra do Futuro..., p. 74.

Page 14: REMEMORAÇÕES DA CIDADE DE CURITIBA - historia.ufpr.br · Para essa discussão foram essenciais as obras de autores como ... Euclides Bandeira e Mário Marcondes de Albuquerque

10

de criar passeios e arborizar a cidade mostra a importação dos “gostos paisagísticos europeus”

– em especial o francês – e também se relacionava com as teorias médicas de que a cidade

deveria ter um “bom ar”.30

Segundo Aparecida Bahls, a proposta de construir o Passeio

Público tinha um duplo objetivo: embelezar a cidade e, ao mesmo tempo, saneá-la, pois, ao

drenar e pavimentar um terreno onde havia um charco, estimulou-se também as melhorias

urbanas do entorno desse terreno, embelezando e enobrecendo a região.31

1.3.1 O PROGRESSO VEM DE TREM

Não se pode negar que foram modificações significativas. No entanto, deve-se

considerar que, tal como em outras cidades brasileiras do período, foi a ferrovia o fator que

desencadeou maiores modificações no cenário de Curitiba.

Para elucidar melhor essa idéia, torna-se interessante um paralelo com a cidade de São

Paulo. Ana Luiza Martins, ao discorrer sobre o desenvolvimento econômico de São Paulo,

apontou a chegada da locomotiva à cidade como um símbolo do progresso, argumentando

que, na segunda metade do século XIX, a província de São Paulo teve um grande crescimento

no número de habitantes e de produção, mas que, mesmo assim, as cidades paulistas

continuaram precárias, vivendo um “marasmo provincial”. Essa situação só se modificou

depois da construção da ferrovia que ligava Jundiaí a Santos, em 1867. A partir desse

momento, passou-se a investir em educação, transporte, saneamento, comunicação e lazer.32

Em Curitiba, o processo de modificação do cenário da cidade – de uma vila do século

XVIII para uma cidade moderna – ocorreu de maneira semelhante. Foi somente depois da

inauguração da ferrovia e da construção da estação ferroviária, em 1885, que a capital do

Paraná começou a se desenvolver segundo as idéias de ordem e de progresso.33

Concebendo a estrada de ferro como sendo uma proeza técnica da engenharia, Nestor

Vítor manifesta seu encantamento: “Está-se vendo a realidade diante de tudo aquilo e

continua-se a inquirir como é que se pôde levar a cabo aquela obra gigantesca [...]. É esse, em

verdade, um grande título de glória para a engenharia brasileira.”34

Nessa afirmação de Nestor

Vítor percebe-se, além da admiração pela construção da estrada, o valor dado à engenharia.

Na época, conforme Magnus Pereira, a idéia de progresso estava personificada na figura do

30

DUDEQUE, Cidades..., p. 133. 31

BAHLS, Aparecida Vaz da Silva. O verde na metrópole : A evolução das praças e jardins em Curitiba (1885-

1916). Curitiba, 1998. Dissertação (Mestrado em História). Universidade Federal do Paraná, pp. 112 e 115. 32

MARTINS, Ana Luiza. República : um outro olhar. São Paulo: Contexto, 1997, pp. 27-30. 33

DUDEQUE, Cidades..., p. 126. 34

SANTOS, Nestor Vítor. A Terra do Futuro..., p. 56.

Page 15: REMEMORAÇÕES DA CIDADE DE CURITIBA - historia.ufpr.br · Para essa discussão foram essenciais as obras de autores como ... Euclides Bandeira e Mário Marcondes de Albuquerque

11

engenheiro civil: ele representava a objetividade técnica e científica, a racionalidade e o

progresso; suas ações, portanto, não eram vistas como algo subjetivo.35

Ao focar a estação ferroviária de Curitiba, Marcelo Sutil mostra que sua construção

levou à capital paranaense engenheiros e arquitetos, que trouxeram consigo “propostas

arquitetônicas consoantes ao que se fazia em outros centros urbanos.” Muitos desses

profissionais, marcadamente os italianos, estabeleceram escritórios de arquitetura na cidade e

foram responsáveis por belas construções; como exemplo, Sutil menciona dois trabalhos do

engenheiro italiano Ernesto Guaita na cidade, a casa do ervateiro Manoel Macedo (já

demolida) e o Palácio do Congresso, onde hoje funciona a Câmara Municipal.36

Pensando em um contexto mais amplo, Cassiana Lacerda Carollo, em seu trabalho

intitulado Palacete Leão Júnior e o Ciclo da Erva Mate, aborda a estrada de ferro para além

de sua contribuição para a engenharia e influência de seus construtores e idealizadores em

outras edificações da cidade. Carollo entende a ferrovia que ligava Curitiba a Paranaguá como

um elemento desencadeador da expansão da cultura ervateira no Paraná, da mesma forma que

a ferrovia paulista em relação ao café. Segundo a autora, essa expansão, associada à vinda dos

imigrantes e aos melhoramentos tecnológicos em vários setores, refletiu em modificações na

cidade de Curitiba.37

1.3.2 NESTOR VÍTOR E SEU TESTEMUNHO SOBRE A MODERNIZAÇÃO DA CIDADE

Em seu relato sobre a Nova Curitiba – a cidade que reencontrara em 1912, depois de

ter estado 27 anos fora –, Nestor Vítor apresenta um panorama das modificações que

observou na capital paranaense: Curitiba mostrava-se diferente, com outro “porte”. Porém não

se podia dizer ainda que a cidade tivesse se tornado uma metrópole, tal qual o Rio de Janeiro.

Para ilustrar essa idéia, o romancista compara Curitiba a uma camponesa, “que encontramos

no fim de certo tempo já com os donaires e a louçania de uma cidadã.”38

35

PEREIRA, Magnus Roberto de Mello. Fazendeiros, industriais e não-morigerados : ordenamento jurídico e

econômico da sociedade paranaense (1829-1889). Curitiba, 1990. Dissertação (Mestrado em História).

Universidade Federal do Paraná, p. 136, apud SANTOS, Ideário do progresso e cidades..., p. 83. 36

SUTIL, Marcelo Saldanha. Beirais e Platibandas : A arquitetura de Curitiba na primeira metade do século

20. Curitiba, 2003. Tese (Doutorado em História). Universidade Federal do Paraná, pp. 25 e 27. 37

CAROLLO, Cassiana Lacerda. Palacete Leão Júnior..., p. 34. 38

SANTOS, Nestor Vítor. A Terra do Futuro..., p. 82.

Page 16: REMEMORAÇÕES DA CIDADE DE CURITIBA - historia.ufpr.br · Para essa discussão foram essenciais as obras de autores como ... Euclides Bandeira e Mário Marcondes de Albuquerque

12

O primeiro aspecto elencado por Nestor Vítor em suas observações sobre a Curitiba de

1912 diz respeito à configuração das vias públicas: as ruas foram alargadas e asfaltadas e

novos prédios – mais “modernos”, “leves” e “elegantes” – foram construídos.39

As observações que se seguem são „construídas‟, através de diálogos, com o auxílio de

amigos de Nestor Vítor, os quais lhe dão notícias do que mudou em Curitiba. Um desses

amigos é o poeta curitibano Emiliano Perneta, que conta que as construções aumentam a cada

dia e que, naquele momento (1912), Curitiba possuía entre 5000 e 6000 prédios.40

Os dados

atribuídos a Emiliano Perneta tornam-se mais interessantes se comparados àqueles

apresentados por Romário Martins sobre a Curitiba de 1863: a capital paranaense possuía,

então, apenas 282 casas e mais 101 em construção.41

De acordo com Emiliano Perneta, o crescimento vertiginoso do número de construções

era prova do crescimento populacional: chegavam a Curitiba cerca de 60 famílias por mês.42

Contudo, mesmo que houvesse um número alto de construções e prédios destinados à

moradia, o preço do aluguel – em comparação ao período que Nestor Vítor estivera pela

última vez na capital (década de 1880) – triplicara de valor.43

Outro aumento de preço

significativo foi o de gêneros de primeira necessidade: segundo Nestor Vítor, o preço de

certos alimentos, como o ovo, era tão caro quanto no Rio de Janeiro.44

Para a historiadora

Maria Ignês de Boni, viver em Curitiba nas primeiras décadas do século XX tornara-se caro:

terrenos e imóveis (em especial aqueles próximos à estação ferroviária) começavam a

valorizar-se e, conseqüentemente, gerava a alta dos aluguéis. Outro fator que encarecia a vida

na capital paranaense era o aumento de impostos sobre diversos produtos, bem como o

aumento das taxas sobre o fornecimento de eletricidade.45

Essa é uma contradição do processo modernizante em Curitiba (e em qualquer cidade):

a cidade estava crescendo e valorizando-se, mas também estava ficando caro viver nela, para

grande parcela da população, que era afastada do centro urbano. Sobre essa questão, Nestor

Vítor, que não via mais os colonos carroceiros e nem sentia mais o “cheiro campesino”

característico que a cidade antes possuía, apresenta uma blague interessante, feita pelo amigo

Emiliano Perneta: “Os pobres e os sapos vão indo cada vez para mais longe”.46

39

Idem. 40

SANTOS, Nestor Vítor. A Terra do Futuro..., p. 82-84. 41

MARTINS, Curityba..., p. 178. 42

SANTOS, Nestor Vítor. A Terra do Futuro..., p.83. 43

Idem. 44

Ibid., p.84. 45

BONI, O espetáculo visto de alto..., pp. 50 e 51. 46

SANTOS, Nestor Vítor. A Terra do Futuro..., p.91.

Page 17: REMEMORAÇÕES DA CIDADE DE CURITIBA - historia.ufpr.br · Para essa discussão foram essenciais as obras de autores como ... Euclides Bandeira e Mário Marcondes de Albuquerque

13

No entanto, não eram somente questões estruturais e econômicas que haviam mudado

em Curitiba. Um fato que chamou a atenção de Nestor Vítor foi o novo comportamento

adotado por homens e mulheres, que “estavam ganhando outro andar, outra atitude, muito

mais cidadã que a de outrora.” O autor observa que essas mudanças estavam na forma de

vestir, de fazer a barba (no caso dos homens), de cumprimentar e de agir mais livremente (no

caso das mulheres que, nesse momento, podiam ser vistas andando sozinhas nas ruas).47

A relação entre a transformação do espaço urbano e a mudança comportamental de

uma determinada camada da população curitibana fica mais nítida quando lançamos nosso

olhar para os periódicos da época. Jornais, revistas e almanaques disseminavam idéias

republicanas (positivistas) justamente para inteirar (ou mesmo „doutrinar‟) a população, além

de mostrarem que as modificações não se davam somente no espaço, mas também na atitude

das pessoas: adotaram-se hábitos como sair à noite e utilizar roupas que estivessem „na

moda‟.48

1.3.3 A MODERNIZAÇÃO NO LAZER E NO COTIDIANO

No que concerne às mudanças comportamentais dos curitibanos observadas nas

décadas iniciais do século XX, pode-se acrescentar ainda o hábito de freqüentar ambientes

variados destinados ao entretenimento. Em 1885, Nestor Vítor diz ter observado que se

desconhecia na cidade o “grande luxo”. O autor referia-se à vida cultural pouco agitada da

capital paranaense. As únicas diversões existentes eram os saraus, as festas de igreja e as

esporádicas apresentações teatrais.49

Esse quadro veio a mudar nos anos finais do século XIX, com a chegada do

cinematógrafo a Curitiba, no ano de 1899.50

Após a inauguração da primeira sala de cinema –

o Salão Pariz, que se localizava na Rua XV de Novembro – diversas outras começaram a

despontar na cidade. E não somente os cinematógrafos, outras opções de entretenimento e

diversão começaram a surgir. Ângela Brandão traz o exemplo de uma dessas opções, se não a

melhor: o parque de diversão Colyseu Curitibano, inaugurado em 1905. Nesse parque, além

de um cinematógrafo, encontravam-se outras maravilhas tecnológicas, como os cosmoramas

47

Ibid., p.87. 48

SANTOS, Ideário do progresso e cidades..., pp. 84 e 87. 49

SANTOS, Nestor Vítor. A Terra do Futuro..., p. 76. 50

BRANDÃO, Ângela. A fábrica de ilusão : o espetáculo das máquinas num parque de diversões e a

modernização de Curitiba (1905-1913). Curitiba: Prefeitura Municipal de Curitiba – Fundação Cultural de

Curitiba, 1994, p. 15.

Page 18: REMEMORAÇÕES DA CIDADE DE CURITIBA - historia.ufpr.br · Para essa discussão foram essenciais as obras de autores como ... Euclides Bandeira e Mário Marcondes de Albuquerque

14

(série de vistas de vários países observadas por aparelhos ópticos que as ampliavam), os

mareoramas (uma máquina que simulava um navio e submetia seus espectadores às ondas e à

brisa do mar, exibindo imagens de praias), a Fonte Luminosa (um jogo de luz), o zonofone

(um precursor do gramofone), o polifone (uma espécie de caixinha de música) etc.51

Em seu livro, Ângela Brandão trabalha a forma como os jornais (em especial, o Diário

da Tarde) divulgavam esse parque. Segundo Brandão, o Colyseu Curitibano era apresentado

pelos periódicos como uma “ponte” para o universo de idéias que se criaram em torno da

urbanização e da modernização.52

Anunciando o desenvolvimento da indústria e do comércio,

ou mesmo o surgimento de parques de diversão, os meios de comunicação escrita passavam

sempre a valorização das máquinas e da técnica e também o ideário de „ordem e progresso‟,

não o restringindo ao meio intelectual, mas tornando-o parte do senso comum.53

Aparentemente, Curitiba parecia marchar adequadamente no caminho do progresso e

da civilização. Já era uma cidade de avenidas largas e possuía parques, inúmeros prédios e

opções de entretenimento. No entanto, segundo apontava Emiliano Perneta, as mudanças

operadas ainda não era suficientes: faltava calçamento em diversas ruas, policiamento,

transportes mais eficientes (como o bonde elétrico) e, principalmente, soluções para o

problema da insalubridade.54

1.3.4 DESORDEM E REGRESSO

O aparecimento de uma série de problemas estruturais, por volta de 1910, deveu-se ao

crescimento populacional rápido que a cidade teve no período.55

De acordo com de Boni, o

principal motivo agora para o crescimento populacional não era mais a imigração ou a

reimigração, mas o “próprio desenvolvimento do ciclo vital das famílias de Curitiba”, bem

como o das famílias imigrantes.56

Além da já citada falta de moradia, a população menos

favorecida sofria com a carestia, o desemprego e, notadamente, com a insalubridade e com

doenças, tais como a coqueluche, o tifo, a varíola e a difteria.57

Ao contrário do que era

apregoado nos discursos de intelectuais, como Rocha Pombo, que deixavam patente o

enaltecimento do crescimento estrutural da cidade, de Boni aponta que os jornais

51

Ibid., p. 30-33. 52

Ibid., p. 13. 53

SANTOS, Ideário do progresso e cidades..., p. 82. 54

Ibid., p.91-92. 55

O número de habitantes no ano de 1910 chegara a 60.800 (Ver Boletim do Instituo Histórico..., p. 27). 56

BONI, O espetáculo visto do alto..., p. 21-23. 57

Ibid., p. 33.

Page 19: REMEMORAÇÕES DA CIDADE DE CURITIBA - historia.ufpr.br · Para essa discussão foram essenciais as obras de autores como ... Euclides Bandeira e Mário Marcondes de Albuquerque

15

denunciavam problemas, como a falta de água potável, de redes de esgoto, de calçamento

etc.58

As reformas que viriam a solucionar alguns desses problemas estruturais em Curitiba

começaram, segundo Rafael Sêga, no segundo mandato do prefeito municipal Cândido

Ferreira de Abreu (1913-1916).59

Cândido de Abreu atuou, de forma concomitante ao seu

trabalho como político, como engenheiro e projetista. Segundo Marcelo Sutil, ele foi, à sua

época, um dos projetistas mais requisitados em Curitiba, tendo sido responsável por

construções como o Palacete Leão Júnior, a Casa das Ferraduras, o Belvedere da Praça João

Cândido, o Paço Municipal da Praça Generoso Marques e as residências da família Miró.60

No cenário político, Cândido de Abreu atuou em Curitiba como secretário municipal

de obras (1887-1889) e, por duas vezes, como prefeito (1892-1893 e 1913-1916). Em seu

segundo mandato, ficou encarregado de ordenar os loteamentos, alargar praças, retificar os

rios, construir bueiros, arborizar ruas e praças e diversas outras ações que tinham um objetivo

bem definido para a cidade de Curitiba: saneá-la. Para empreender essas ações, o então

prefeito criou a “Comissão de Melhoramentos da Capital”. Em vista de todas essas

pretensões, o grande inimigo da Comissão de Melhoramentos seria, portanto, tudo que

representasse a sujeira e a feiúra, inclusive a “ralé”.61

Como apontou de Boni, era preciso

afastar a população “pobre, suja e feia” dos olhos das “senhoras e cavalheiros que compravam

echarps, luvas de pelica e gravatas da última moda parisiense”.62

Para realizar as propostas de melhoramentos urbanos, o Governo do Estado concedeu

um vultuoso empréstimo à Comissão e conferiu “poder total ao Prefeito para que pudesse,

sem os entraves de morosas discussões [...] concretizar os projetos da reurbanização da cidade

pretendidos pelo Presidente Carlos Cavalcanti.”63

Isso significava que a aprovação (ou não)

da Câmara Municipal para as obras propostas pela Comissão não era necessária, tendo em

vista a liberdade que desfrutava o prefeito. Sobre essa questão, é interessante ver que Rafael

Sêga nomeou esse período de atuação de Cândido de Abreu como sendo uma “ditadura”.64

A despeito de sua indisposição com a Câmara Municipal, Cândido de Abreu era

“saudado como o homem que estava conduzindo a cidade ao seu mais alto grau de

58

Ibid., p. 39. 59

SÊGA, Rafael Augustus. Melhoramentos da capital : a reestruturação do quadro urbano de Curitiba durante

a gestão do prefeito Cândido de Abreu (1913-1916). Curitiba, 1996. Dissertação (Mestrado em História).

Universidade Federal do Paraná, p. 67. 60

SUTIL, Beirais e Platibandas..., p. 57. 61

SÊGA, Melhoramentos da capital..., p. 72. 62

BONI, O espetáculo visto do alto..., p. 48. 63

Idem. 64

SÊGA, Melhoramentos da capital..., pp. 54 e 55.

Page 20: REMEMORAÇÕES DA CIDADE DE CURITIBA - historia.ufpr.br · Para essa discussão foram essenciais as obras de autores como ... Euclides Bandeira e Mário Marcondes de Albuquerque

16

desenvolvimento”.65

Dentre as realizações em seu segundo mandato, destacam-se as seguintes

obras: o alinhamento de ruas, a canalização do rio Ivo, a reforma do Passeio Público, o

embelezamento de praças, a inauguração da luz elétrica e do bonde elétrico, a elaboração da

1ª regulamentação de trânsito e a eliminação de casarões de residência coletiva, de bares, de

prostíbulos e de casas de jogos de azar do centro da cidade.66

No entanto, mais uma vez, as reestruturações operadas em Curitiba não obtiveram o

êxito pretendido por seus idealizadores. Através do trabalho de Alexandre Benvenutti, As

reclamações do povo na Belle Époque, pode-se perceber outra dimensão das transformações

urbanas que ocorreram em Curitiba durante a segunda gestão de Cândido de Abreu como

prefeito: elas não atingiram todos os setores, criando descontentamento na população.67

Assim como Rafael Sêga e Maria Ignês de Boni, Alexandre Benvenutti também trata

do crescimento populacional, do aumento do comércio e das atividades industriais que

marcaram Curitiba na década de 1910. Os três autores mostram que esse crescimento da

cidade gerou problemas estruturais, os quais começaram a ser solucionados no segundo

mandato de Cândido de Abreu. Contudo, Benvenutti mostra que quanto mais a cidade crescia,

modernizava-se e transformava-se, mais as contradições cresciam. Analisando a coluna

Reclamações do Povo, publicada no Diário da Tarde, entre 1909 e 1916, Benvenutti expõe

essas contradições, mostrando como eram freqüentes as queixas em relação às edificações

insalubres e feias, à iluminação precária, à falta de segurança, às falhas no transporte, ao

saneamento e, inclusive, aos incômodos e transtornos que as obras modernizadoras

causavam.68

Em seu trabalho, de Boni também trata da insatisfação frente à não abrangência

dos melhoramentos na cidade para todos os setores. Como já mencionado, os periódicos

divulgavam as maravilhas do mundo moderno e também como essas inovações estavam

presentes em Curitiba e no cotidiano de seus habitantes. Porém os jornais também traziam

denúncias de problemas estruturais que atingiam a cidade e Benvenutti explora justamente

essas denúncias, especificamente aquelas feitas por segmentos que estavam descontentes com

sua cidade.

Esse descontentamento, como mencionado, ocorria porque já se havia criado um

imaginário de modernização e de progresso na população. Quem fazia essas reclamações era

um segmento consciente de seu direito legítimo e dos deveres e obrigações do prefeito e do

65

SANTOS, Ideário do progresso e cidades..., p. 88. 66

BONI, O espetáculo visto do alto..., pp. 48 e 49. 67

BENVENUTTI, Alexandre Fabiano. As reclamações do povo na Belle Époque : a cidade em discussão na

imprensa curitibana (1909-1916). Curitiba, 2004. Dissertação (mestrado em História). Universidade Federal do

Paraná. 68

Ibid., pp. 20 e 129.

Page 21: REMEMORAÇÕES DA CIDADE DE CURITIBA - historia.ufpr.br · Para essa discussão foram essenciais as obras de autores como ... Euclides Bandeira e Mário Marcondes de Albuquerque

17

Estado, valores inerentes ao pensamento republicano.69

Percebemos, enfim, que os periódicos,

além de anunciarem o desenvolvimento da indústria e do comércio e as alterações urbanas

processadas em Curitiba, traziam também as contradições dessa modernização, especialmente

através das reclamações dos cidadãos.70

Até aqui, procuramos mostrar que Curitiba, guardada as devidas proporções, também

estava inserida em um contexto de expansão do capitalismo e de modificações estruturais e

comportamentais que atingiram as cidades brasileiras e seus habitantes, desde meados do

século XIX. Para os anos iniciais do século XX, notou-se que as modificações no espaço

urbano geraram, muitas vezes, contradições: o centro da cidade era embelezado, novas

tecnologias nos meios de transporte, comunicação e entretenimento chegavam, diversos

prédios públicos eram construídos e/ou reformados; no entanto, a população mais pobre não

tinha acesso às melhorias urbanas mais básicas, como rede de esgoto e água potável, além de

sofrerem com o desemprego, a falta de moradia e a alta dos preços de alimentos e serviços.

Essas contradições eram expressas através dos periódicos, nas denúncias feitas tanto por

jornalistas como por pessoas comuns, e nos discursos de médicos, sanitaristas e policiais.

Contudo, como será abordado adiante, outro tipo de olhar, mais subjetivo e sem a finalidade

específica de construir um discurso sobre a cidade de Curitiba, também explorara essa

dimensão de transformações e contradições por que a cidade passava.

69

Ibid., p. 32. 70

Para além dos jornais e revistas, Maria Ignês de Boni aponta ainda a existência de diferentes tipos de discursos

que se contrapõem ao “discurso da história oficial”: o discurso sanitário, médico e policial. BONI, O espetáculo

visto do alto..., p. 53. Em relação a esse “discurso da história oficial” a autora refere-se, em especial, às obras de

Rocha Pombo e de Romário Martins, as quais trazem a imagem de “cidade ideal” sobre Curitiba, “onde divisões

e diferenças se acham ocultas”.

Page 22: REMEMORAÇÕES DA CIDADE DE CURITIBA - historia.ufpr.br · Para essa discussão foram essenciais as obras de autores como ... Euclides Bandeira e Mário Marcondes de Albuquerque

2. REMEMORANDO CURITIBA

Tendo mostrado como Curitiba foi tomada como objeto de estudo por diversos

historiadores que pretenderam evidenciar a inserção da cidade em um contexto de

transformações mais amplo, faz-se agora necessário explorar outra dimensão das

modernizações que se operaram na cidade. Nos trabalhos de Irã Dudeque, Rafael Sêga,

Marcelo Sutil e Ângela Brandão, o tema da reestruturação urbana de Curitiba, no início do

século XX, apresenta-se, quase que exclusivamente, ligado a discursos que privilegiam a

atuação de engenheiros e prefeitos e mostram a cidade de Curitiba em sintonia com o ideário

de ordem e progresso da época.

As impressões de determinados intelectuais sobre Curitiba se constituem em fontes

essenciais para a compreensão de aspectos que concernem às modificações estruturais da

cidade: obras, como as de Romário Martins e de Nestor Vítor do Santos, trazem dados

fundamentais sobre a Curitiba que começava a se destacar (ou que se pretendia destacá-la)

como uma cidade moderna. Contudo, como observou Maria Ignês de Boni, A Terra do

Futuro, de Nestor Vítor, e Curityba de outr’ora e de hoje, de Romário Martins, estão muito

atreladas aos discursos oficiais sobre a cidade.71

Apesar de esta abordagem ser possível, ela

não explora de forma satisfatória as contradições acarretadas pela modernização.

Sem dúvida, percebemos que havia uma consciência de modernidade, o que fazia com

que os habitantes de Curitiba visualizassem sua cidade como uma metrópole moderna, ou

como uma cidade que seguia os mesmos passos de Paris, Londres ou Rio de Janeiro rumo ao

progresso. No entanto, a possibilidade de análise de outros tipos de fonte, que não difundiam

o discurso oficial sobre a cidade, suscita outra percepção sobre o espaço urbano, a de que o

progresso e modernização das cidades não acarretam necessaria e exclusivamente

transformações positivas.

No trabalho de Alexandre Benvenutti, citado anteriormente, percebemos nas

reclamações de “cidadãos comuns”, publicadas no Diário da Tarde, que as modificações

operadas no meio urbano de Curitiba, entre 1913 e 1916, não atingiram todos os setores e, se

e quando atingiram, geraram, por vezes, insatisfações. De forma semelhante, Maria Ignês de

Boni também apontou a insatisfação de diferentes setores da sociedade curitibana com

questões como a falta de salubridade e a violência na cidade.

71

Cf. nota supra.

Page 23: REMEMORAÇÕES DA CIDADE DE CURITIBA - historia.ufpr.br · Para essa discussão foram essenciais as obras de autores como ... Euclides Bandeira e Mário Marcondes de Albuquerque

19

Apesar de não se focar na Curitiba dos anos iniciais do século XX, Antonio Cesar de

Almeida Santos também propõe uma abordagem sobre a cidade a partir de fontes não-

oficiais. Em Memórias e Cidade, ele faz uma análise, a partir de fontes orais, de como os

habitantes de Curitiba construíram em seus imaginários diferentes cidades. Segundo Santos,

era comum perceber que os moradores de Curitiba faziam comparações entre sua cidade e

outras; porém, o enfoque de seu estudo está na comparação entre diferentes momentos da

capital paranaense.72

De forma análoga às fontes orais utilizadas por Santos, que reconstruíam uma Curitiba

muito particular, determinados relatos escritos também colocam a cidade como pano de

fundo de histórias de vida. Trabalhar a história de uma cidade, bem como as suas

transformações, partindo apenas da leitura do espaço construído é, por si só, algo muito vago.

Para se ampliar a discussão sobre o processo de modernização de Curitiba do início do século

XX, é necessário, portanto, compreender os sentidos dessa cidade e como seus habitantes a

apreenderam; para isso, as rememorações servem como uma importante fonte.

2.1 CURITIBA E AS REMEMORAÇÕES DE INFÂNCIA

A utilização de relatos pessoais na historiografia é algo muito recente. De acordo com

Marieta de Moraes Ferreira, até meados dos anos 1970, relatos pessoais, memórias, histórias

de vida e biografias eram considerados “visões distorcidas”, pois não poderiam ser

considerados “representativos de uma época ou de um grupo”.73

Contudo, nos anos 1980,

passou-se a revalorizar a análise qualitativa e se recuperou a importância das experiências

individuais para a pesquisa histórica.74

A utilização de memórias como fonte está, portanto,

amparada por essa revalorização do individual no campo da história, visto que ela é o

elemento essencial constitutivo da identidade, seja a identidade individual ou coletiva.75

Buscando, justamente, revalorizar o relato pessoal enquanto fonte histórica, foram

selecionados para esse trabalho sete textos memorialísticos, nos quais os autores relembram a

cidade de Curitiba entre o final da década de 1880 e o final da década de 1910. Alguns relatos

trazem lembranças de uma cidade que existia em suas infâncias e de que se recordam com

72

SANTOS, Antonio Cesar de Almeida. Memórias e Cidade : depoimentos e transformação urbana de Curitiba

(1930-1960). 2.ed. Curitiba: Aos Quatro Ventos, 1999, p. 113-114. 73

FERREIRA, Marieta de Moraes. História oral : um inventário das diferenças. In: ______. Entre-vistas :

abordagens e usos da história oral. Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas, 1994, pp. 3 e 6. 74

Idem. 75

LE GOFF, Jacques. Memória. In: ______. História e Memória. 5 ed. Campinas: Editora da UNICAMP,

2003, p. 469.

Page 24: REMEMORAÇÕES DA CIDADE DE CURITIBA - historia.ufpr.br · Para essa discussão foram essenciais as obras de autores como ... Euclides Bandeira e Mário Marcondes de Albuquerque

20

carinho e saudosismo; outros apresentam comparações mais objetivas entre a Curitiba do

momento em que os autores escrevem e aquela que visitaram em algum momento de suas

vidas, ou mesmo de períodos muito anteriores.

No primeiro grupo de relatos – de lembranças mais subjetivas sobre a infância de seus

autores – temos o livro Mensagem da Infância76

, do novelista e jornalista curitibano Jaime

Balão Júnior (1891-1968). Esse livro foi escrito em 1957, quando Balão Júnior contava com,

aproximadamente, 66 anos. Trata-se de um romance autobiográfico ambientado na cidade de

Curitiba, na década final do século XIX. Nele, Balão Júnior relembra diversos momentos e

eventos de sua infância, porém não faz uma ligação cronológica muito clara entre tais

eventos; também são poucas as referências a datas ou a anos específicos. Em Mensagem da

Infância percebem-se quatro eixos temáticos abordados por Balão Júnior: a percepção do

autor sobre si próprio e sobre eventos muito pessoais que vivenciou; a vida em família; a

Revolução Federalista; e, a cidade de Curitiba. Esses temas não são abordados nessa ordem; o

autor os entrecruza e os retoma em diversos momentos do relato.

Ao tratar de si próprio, Jaime Balão Júnior se descreve como uma criança muito

sensível, frágil, triste e precoce, no que concerne às suas leituras e produção bibliográfica.

Com apenas 9 anos de idade, Balão Júnior acreditava que se tornaria escritor, pois fazia “eco”

de seu pai, já que tinha o mesmo amor pelas letras.77

Mas também acrescenta como influência

na sua trajetória profissional e pessoal a sensibilidade herdada da mãe, uma pianista:

“Ouvindo Schumann, tôdas as noites, tornei-me escritor.”78

Sobre os eventos pessoais, Balão

Júnior descreve os amores – primeiro por Lova, a empregada doméstica que trabalhava em

sua casa, e depois pela menina Olga – e discorre rapidamente sobre o tempo em que saiu de

Curitiba para estudar – primeiro no Rio de Janeiro e, em seguida, nos Estados Unidos e na

França.79

De forma bastante breve, Balão Júnior faz alusão às brincadeiras e aos amigos de

infância, quando relembra o carnaval e as brincadeiras à margem do Rio Ivo.80

Ainda no que

concerne a essa abordagem mais pessoal, o autor de Mensagem da Infância aborda sua

carreira como escritor, seu estilo e suas obras. A obra literária de Jaime Balão Júnior é

composta por romances, contos, novelas e teatro, que o autor caracteriza, citando Romário

Martins, como sendo uma “viva representação e uma fixação da paisagem do Paraná”81

.

76

BALÃO JÚNIOR, Jaime. Mensagem da infância. Curitiba: Papelaria Requião Limitada, 1957. 77

Ibid., p. 69. 78

Ibid., p. 24. 79

Ibid., pp. 80, 81, 82, 98, 99 e 128. 80

Ibid., pp. 46 e 100. 81

Ibid., p. 80.

Page 25: REMEMORAÇÕES DA CIDADE DE CURITIBA - historia.ufpr.br · Para essa discussão foram essenciais as obras de autores como ... Euclides Bandeira e Mário Marcondes de Albuquerque

21

Além da obra literária, outro assunto bastante explorado por Balão Júnior em seu

romance é a sua família, em especial seus pais. O escritor curitibano revela ter vivido em um

ambiente bastante ilustrado e intelectualizado: “Nasci, pois, sem exagêro pode afirmar-se,

entre poetas e tertúlias literárias, entre livros e músicas, e, meu „documento humano‟ se assim

se pode dizer, foi minha própria gente.”82

. A despeito de toda erudição e tradicionalidade do

nome de sua família, Balão Júnior afirma que eram pobres. Provavelmente, Balão Júnior

exagera nessa afirmação, pois ao longo de seu relato percebemos que sua família tinha

recursos, já que o autor revela que vivia em uma casa com várias empregadas e teve

condições de estudar fora, primeiro no Rio de Janeiro e depois no exterior.83

Outra

característica de sua família, retomada diversas vezes, é a religiosidade de todos os seus

membros, principalmente a de sua mãe, chamada carinhosamente de Dona Biluca, descrita

como uma mulher muito bondosa e caridosa com aqueles que vinham lhe pedir ajuda e

também com os empregados da casa.84

Sobre seu pai, Balão Júnior mostra-o como um

intelectual que partilhava dos ideais abolicionistas e republicanos.85

Essa caracterização do

pai, como sendo um intelectual politicamente engajado, é importante para compreender o seu

envolvimento na Revolução Federalista, o terceiro eixo temático explorado por Jaime Balão

Júnior, em Mensagem da Infância.

As referências à Revolução Federalista (1893-1895) estão presentes ao longo de todo o

relato memorialístico de Jaime Balão Júnior, ainda que ele não tenha a pretensão de fazer uma

descrição histórica desse evento. Mas afirma lembrar-se dele com certo pesar, mesmo sendo

muito pequeno à época: “Ah! A revolução federalista! Quantas recordações e complexos

afetivos, compensados, certamente, mas que me fizeram sofrer! Nunca me há de esquecer que

meu pai foi mártir da revolução, mártir moral.” O fato de seu pai ter participado e,

posteriormente, ter sido preso, é relembrado por Balão Júnior com orgulho, pois seu pai lutou

por um ideal e, de certa forma, lutou ao lado do Barão do Cerro Azul, um herói para Jaime

Balão Júnior.86

A percepção da Revolução Federalista na cidade de Curitiba também se constitui em

um aspecto interessante de Mensagem da Infância: “À rua das Flôres havia sempre grupos

exaltados que se ufanavam de Juca Tigre [maragato], e outros patriotas louvavam a ação

82

Ibid., p. 21. 83

Ibid., pp. 11, 21 e 22. 84

Ibid., p. 67. 85

Ibid., p. 27-28. 86

Ibid., p. 15.

Page 26: REMEMORAÇÕES DA CIDADE DE CURITIBA - historia.ufpr.br · Para essa discussão foram essenciais as obras de autores como ... Euclides Bandeira e Mário Marcondes de Albuquerque

22

heróica do grande Floriano”87

. Da mesma forma que Curitiba é mostrada nesse excerto, como

„pano de fundo‟ para um acontecimento marcante nas memórias de Jaime Balão Júnior, ela

aparece diversas vezes ao longo do romance. Balão Júnior não se atém à cidade de forma tão

específica como quando fala de suas obras e de sua família. A princípio, ele discorre sobre o

lugar onde nasceu e passou os primeiros anos de sua infância, a colônia do Água Verde88

. Ao

tratar dessa localidade, indica aspectos sobre os limites urbanos da Curitiba do final do século

XIX: “Meu vale da Água Verde, era uma terra que não tinha subsistência própria. Era o país

úmido, frio, o bairro colonial onde o menino tossia, a lama, os grulhas grunhindo nos velhos

quintais. Mas não tinha urbanas fronteiras, a pequena cidade, a fronteira era o pinhal.”89

Mais

do que um bairro de uma cidade, o Água Verde que emerge das lembranças de Balão Júnior é

um ambiente de aspecto ainda rural, uma colônia nos arredores da cidade, como tantas outras

existentes, no período.

Para abordar Curitiba de forma mais geral, Balão Júnior traz breves panoramas sobre a

cidade ao final e/ou no início de alguns capítulos do livro. Através desses panoramas, toma-se

conhecimento que, ao final da Revolução Federalista, por volta de 1895, a capital paranaense

começava a se inserir no rol de cidades brasileiras respeitadas por seu meio literário.90

E, com

a inauguração da estrada de ferro que liga Curitiba a Paranaguá, em 1885, houve um

crescimento do meio cultural como um todo, devido à chegada de imigrantes, além do

fomento à economia:

Curitiba crescia. Inauguravam-se colônias [...]. Os próprios fundamentos da minha

raça foram alemães e portugueses que, entre outros alienígenas úteis, se radicaram

no Paraná, trazendo-nos a aristocracia das virtudes e do bom caráter [...]; criaram e

colaboraram no desenvolvimento da nossa terra, como valores humanos e sociais de

alta benemerência. Na vida comercial urbana exerceram uma influência seletiva.91

Apesar desse relativo progresso, da chegada de imigrantes e do estímulo ao meio

literário, Jaime Balão Júnior revela algumas contradições: ao mesmo tempo em que

despontavam grandes literatos, intelectuais e/ou políticos eminentes paranaenses, como

Vicente Machado, Generoso Marques, Marcelino Nogueira, João Antônio Xavier e Afonso

Camargo, a cidade, aos seus olhos, era ainda muito “simples”. Em aparente contradição

menciona a existência de uma “vida cultural precária”92

, com poucos recursos culturais:

87

Idem. 88

Em sua narrativa, Jaime Balão Júnior trata a Colônia do Água Verde com a designação de bairro. 89

Ibid., p. 13. 90

Ibid., p. 21. 91

Ibid., p. 48. 92

Ibid., pp. 88, 111 e 122.

Page 27: REMEMORAÇÕES DA CIDADE DE CURITIBA - historia.ufpr.br · Para essa discussão foram essenciais as obras de autores como ... Euclides Bandeira e Mário Marcondes de Albuquerque

23

segundo ele, em Curitiba, por volta de 1890, “não havia desenvolvimento econômico nem de

transportes, não se conhecia o progresso na técnica, na agricultura, na indústria mas era

avançada e luminosa a cultura e o jornalismo”93

Jaime Balão Júnior finaliza seu romance memorialístico demonstrando que sua

intenção era a de mostrar que, em sua infância, deu-se a passagem do século XIX para o XX

e, mais que isso, “o fim de um mundo e o começo de outro mundo”94

.

Nessa mesma linha de rememorações subjetivas, outros três autores também

apresentam relatos de suas infâncias na cidade de Curitiba: Curitiba da minha saudade95

, de

América da Costa Sabóia (1899-?), Croniquinhas do menino96

, de Vasco José Taborda

(1909-1997), e Rememorando Curitiba97

, de Heitor Borges de Macedo (1892-?). Esses três

livros foram escritos entre 1978 e 1983, e possuem uma estrutura textual semelhante:

abordam a Curitiba dos anos iniciais do século XX, mas, ao contrário de Jaime Balão Júnior,

seus autores procuram focar suas lembranças mais na cidade e não tanto em si próprios.

Na apresentação do relato de América da Costa Sabóia, David Carneiro afirma:

“Memórias são sempre saborosas, forçosamente evocativas, e representa documento fixativo

da vida real. Se elas não existissem fixando certas épocas estas desapareceriam do que

constitui a sensação evolutiva do próprio mundo.”98

Percebe-se nessa definição de Carneiro, e

mesmo ao longo de todos os relatos, a preocupação com o esquecimento de momentos

saudosos vivenciados na cidade de Curitiba.

América da Costa Sabóia foi uma “professora bem consciente do seu valor e da sua

capacidade”, e, aos 78 anos de idade, pretendeu, através de um livro de memórias, mostrar

Curitiba “tal como ela era” no início do século XX.99

O recorte cronológico feito pela autora é

de 1904 a 1914, período em que viveu na casa dos avós para realizar seus estudos, dos 4 aos

15 anos de idade.

No relato de Sabóia são descritos alguns logradouros do centro de Curitiba, como as

ruas Cândido Lopes, Carlos de Carvalho, XV de Novembro e as praças Osório e Zacarias, e as

atividades comerciais e culturais que neles ocorriam, como festas, desfiles e apresentações de

corais. Segundo a autora, a ligação entre a Praça Osório e a Rua XV era uma região bem

93

Ibid., p. 153. 94

Ibid., p. 318. 95

SABÓIA, América da Costa. Curitiba da minha saudade : 1904-1914. Curitiba: Lítero-Técnica, 1978. 96

TABORDA, Vasco José. Croniquinhas do menino – minha Curitiba. Curitiba: Editora Lítero-Técnica, 1982. 97

MACEDO, Heitor Borges de. Rememorando Curitiba : no tempo dos bondinhos de burros. Curitiba: Lítero-

Técnica, 1983. 98

SABÓIA, Curitiba da minha saudade..., p. 7. (grifo nosso). 99

Ibid., p. 5.

Page 28: REMEMORAÇÕES DA CIDADE DE CURITIBA - historia.ufpr.br · Para essa discussão foram essenciais as obras de autores como ... Euclides Bandeira e Mário Marcondes de Albuquerque

24

movimentada à época, pois contava com as mais diversas lojas. Outro elemento destacado por

América Sabóia em relação a essa região do centro de Curitiba, e que também é apontado por

Nestor Vítor, n‟A Terra do Futuro, é a presença de imigrantes no comércio, sobretudo

alemães e italianos.100

Além do comércio, é importante ressaltar que a autora dá uma grande

atenção às lembranças que se referem às escolas onde estudou e às mestras com quem teve

aulas.

Para América Sabóia, a vinda do progresso para a capital paranaense está relacionada

à inauguração dos bondes elétricos, à chegada dos primeiros automóveis, à substituição dos

paralelepípedos pelo asfalto e ao aprimoramento e ampliação da iluminação pública. Contudo,

ela salienta que essa modernização fez com que Curitiba ficasse “mais civilizada, porém

menos fraternal”.101

Ainda em relação a essa conotação negativa dada ao progresso, e que está

presente ao longo de todo o relato, é curiosa a comparação feita por Sabóia entre Curitiba e as

pessoas que enriqueceram e perderam seu encanto e felicidade, pois mesmo quando a cidade

tinha iluminação precária, inundações e banhados, ainda havia “a alegria pura dos bons e o

encanto das coisas naturais”.102

De forma semelhante à América da Costa Sabóia, o poeta e jornalista Vasco José

Taborda, no livro Croniquinhas do menino, relembra sua infância na capital paranaense, nos

primeiros anos do século XX. Com, aproximadamente, 73 anos, Taborda se propôs a

reproduzir algumas “imagens” que embelezaram sua vida entre os anos de 1912 e 1919.103

Mas, ao contrário de América Sabóia, Vasco Taborda não se baseia exclusivamente em suas

memórias para escrever o seu relato: ao final do livro, encontra-se uma bibliografia com obras

dos escritores Romário Martin e Sebastião Paraná, além dos jornais Diário da Tarde, A

República e Correio do Paraná e as revistas A Rolha e Olho da Rua. Contudo, ao longo do

livro, Taborda não faz qualquer citação específica a essa bibliografia.

Em Croniquinhas do menino, apesar de tratar de suas próprias memórias, Taborda

não se refere a si próprio na primeira pessoa; prefere colocar-se como um personagem de seu

livro, o “menino”. Os lugares da cidade lembrados por esse menino são os centrais: em grande

parte do relato, há referências à Praça Tiradentes, pois é nela que ocorriam as manifestações

populares e também onde havia maior circulação de pessoas e variedade no comércio.

Taborda também destaca a região do Largo São Francisco, onde morava e onde seu pai tinha

100

Ibid., p. 15. 101

Ibid., p. 14. 102

Ibid., p. 11. 103

TABORDA, Croniquinhas do menino..., p. 45.

Page 29: REMEMORAÇÕES DA CIDADE DE CURITIBA - historia.ufpr.br · Para essa discussão foram essenciais as obras de autores como ... Euclides Bandeira e Mário Marcondes de Albuquerque

25

uma loja, a Praça Zacarias, onde ia buscar água no chafariz, e a Rua XV de Novembro, repleta

de lojas, padarias, confeitarias e opções de entretenimento.104

A narração de Vasco José Taborda não segue uma ordem cronológica muito rígida. O

autor inicia seu relato dando uma visão sobre a configuração do centro de Curitiba, em

especial de como era o comércio: cita o nome de diversas lojas da Praça Tiradentes e da Rua

XV de Novembro e lembra-se do Mercado Municipal como sendo uma “feira de Bagdá”105

.

Por vezes, Taborda relembra alguns eventos isolados, como um acidente automobilístico

envolvendo um motorista de “chofres” (carros de aluguel), a morte de um propagandista que

caiu de um terraço onde pendurava um anúncio e o dia em que quase foi atropelado pelo

bondinho.106

Sobre o bonde elétrico, inaugurado em 1913, é interessante destacar que, assim

como América Sabóia, ele o compreende como um símbolo da chegada do progresso à

cidade.107

Outro aspecto levantado por Vasco Taborda sobre a área central de Curitiba diz

respeito às pessoas que circulavam na cidade: havia muitos imigrantes, em especial no

comércio; era marcante a presença de homens e mulheres bem vestidos, caminhando pela

cidade nos fins de tarde; também eram vistos poetas e pessoas ilustres, como Romário

Martins, Emiliano Perneta e Euclides Bandeira.108

Em relação aos eventos que marcaram sua infância, Vasco José Taborda afirmar

recordar-se dos carnavais, do enterro do Cel. João Gualberto, em 1912, e, sobretudo, da

Primeira Guerra.109

Segundo Taborda, “todos” na cidade liam jornais e, por isso, tinham

condições de discutir assuntos como a guerra e a política. Obviamente, ao fazer essa

afirmação, Taborda recorda-se do meio onde via os adultos discutirem tais assuntos: a

barbearia. Portanto, ao dizer “todos”, o autor refere-se a um universo mais restrito com o qual

tinha contato, composto por homens de classe média alta que, assim como seu pai, gostavam

de discutir política.110

Nesse período, o autor diz lembrar-se que seu pai reclamava da alta dos

preços e da diminuição do movimento em sua loja (aparentemente, uma loja de „armarinho‟).

No entanto, apesar da Guerra ter sido algo bastante discutido e ter, inclusive, causado medo

nas pessoas, Taborda destaca que, de forma geral, ela não alterou o cotidiano da cidade: as

104

Ibid., pp. 5 e 7. 105

Ibid., p. 8. 106

Ibid., pp. 6, 7 e 8. 107

Ibid., p. 8. 108

Ibid., pp. 8 e 12. 109

Ibid., p. 13-17. Em relação ao enterro de João Gualberto e mesmo ao início da Primeira Guerra, pode-se

inferir que o autor reproduz um discurso que permaneceu no imaginário coletivo nos anos subseqüentes, pois,

tendo nascido em 1909, Vasco Taborda era muito jovem para realmente lembrar-se desses eventos. 110

TABORDA, Croniquinhas..., p. 17.

Page 30: REMEMORAÇÕES DA CIDADE DE CURITIBA - historia.ufpr.br · Para essa discussão foram essenciais as obras de autores como ... Euclides Bandeira e Mário Marcondes de Albuquerque

26

pessoas continuaram a ir à Igreja, os imigrantes continuaram a trazer seus produtos nas

carroças para vender no centro e as crianças, como ele, continuaram a brincar.111

Logo em seguida à Primeira Guerra, outro acontecimento de proporções mundiais

marca as memórias de Vasco José Taborda: a gripe espanhola. Segundo Taborda, começaram

a chegar notícias do Rio de Janeiro sobre a doença no ano de 1918 e, logo em seguida, a

doença já chegara também a Curitiba, matando pessoas de todas as classes sociais.112

Além da

gripe espanhola, a questão das doenças como um todo e da insalubridade em Curitiba também

é explorada ao longo de todo o livro. O autor revela que as regiões centrais da cidade eram

bastante sujas: o entorno da catedral, por exemplo, era uma região habitada por pessoas

humildes e cheirava mal, segundo Vasco Taborda.113

Mesmo que houvesse mictórios na

região central, era comum ver homens e mulheres urinando nas ruas. A presença de animais

nas ruas também era muito comum.114

Além da insalubridade no centro de Curitiba, havia o

problema com as águas estagnadas nos arredores da cidade – em especial na colônia do Água

Verde – que, segundo Vasco Taborda, contribuíram para a epidemia de tifo.115

Um último aspecto levantado sobre Vasco Taborda em Croniquinhas do menino é o

entretenimento e a vida social em Curitiba, quando revela que gostava de freqüentar os

cinemas da cidade e que era fã dos filmes americanos.116

Além do cinema, os habitantes de

Curitiba costumavam freqüentar bailes, em especial os imigrantes. Vasco Taborda lembra-se

que ouvia falar dos bailes dos alemães nas sociedades Saengerbund e Handwerk. Taborda

revela que ele mesmo chegou a freqüentar algumas festas nessas sociedades.117

Outro relato que pretende rememorar a cidade de Curitiba nos anos iniciais do século

XX é o de Heitor Borges de Macedo, intitulado Rememorando Curitiba: no tempo dos

bondinhos de burros. Na apresentação do livro, Macedo mostra que leu e se utilizou de outras

memórias para escrever as suas – dentre elas, os livros de América da Costa Sabóia e de

Vasco José Taborda. Seu objetivo é o de contribuir, assim como os outros autores, na

construção da história de Curitiba. Para elucidar essa idéia, utiliza a metáfora de que a história

da cidade pode ser entendida como uma colcha de retalhos, e que as suas rememorações,

transcritas em seu livro, seriam mais um retalho.118

111

Ibid., pp. 18 e 19 112

Ibid., pp. 27 e 28. 113

Ibid., p. 19. 114

Idem. 115

Ibid., pp. 41 e 42. 116

Ibid., p. 38. 117

Ibid., p. 34. 118

MACEDO, Rememorando Curitiba..., p. 3.

Page 31: REMEMORAÇÕES DA CIDADE DE CURITIBA - historia.ufpr.br · Para essa discussão foram essenciais as obras de autores como ... Euclides Bandeira e Mário Marcondes de Albuquerque

27

O livro também traz uma apresentação escrita por Graciette Salmon, que revela existir

uma preocupação com o esquecimento daquela Curitiba que Macedo pretende rememorar.

Salmon também revela que Macedo, além de se utilizar de outros livros de memórias,

recorreu a fontes jornalísticas para redigir suas recordações de Curitiba.119

Quase todos os

capítulos do livro trazem uma recordação e, como se para corroborar o que o autor relata,

também trechos de matérias de jornais da época. Outro aspecto importante sobre a obra de

Heitor Borges de Macedo é que ela conta com fotografias e ilustrações feitas pelo próprio

autor.

Em relação ao relato de Macedo, não se tem certeza de que anos o autor está tratando.

Sabe-se que é a primeira década do século XX. Macedo só faz referências a datas quando,

claramente, está tratando de temas que não são suas memórias, mas fatos que considera

relevantes para a história da cidade, e que podem ser encontrados em documentos oficiais e

fontes jornalísticas, ou ainda quando trata dos tempos de escola e de magistério.

Da mesma forma que América Sabóia, Heitor Macedo também descreve a casa onde

morava, na Praça Carlos Gomes, junto à rua 1º de Março (atual Rua Monsenhor Celso), e

relembra o comércio do centro da cidade, em especial o da Rua XV de Novembro, onde seu

pai tinha uma alfaiataria.120

Ele também cita construções nas ruas próximas e dá destaque para

o Mercado Municipal e o comércio da redondeza. Segundo Macedo, além do Mercado

Municipal, o fornecimento de gêneros alimentícios ainda era feito por colonos, reiterando as

informações dos outros memorialistas aqui trabalhados. O autor relembra que as colonas, com

seus lenços coloridos, oferecendo produtos nas portas das casas, “ainda davam aspecto

característico às nossas ruas”.121

O escritor Nestor Vítor também destaca a presença dos

“colonos carroceiros” em Curitiba. Contudo revela que eles eram poucos no ano de 1912 se

compararmos à década de 1880.122

Em 1912, dá-se a demolição do velho Mercado Municipal e, em seu lugar, é

construído o Paço da Liberdade, prédio que serviu de prefeitura à época. Para Heitor Macedo

esse fato teve grande relevância para a cidade, pois foi a partir desse momento que Curitiba

começou a “se enfeitar”; esse embelezamento começou pela reestruturação do entorno do

antigo Mercado, a atual Praça Generoso Marques, que se tornou um ambiente mais agradável

e livre dos animais e dos maus odores.123

119

Ver MACEDO, Rememorando Curitiba..., pp. 11 e 12. 120

Ibid., p. 17. 121

Ibid., p. 73. 122

SANTOS, Nestor Vítor dos. Terra do Futuro..., p.85. 123

MACEDO, Rememorando Curitiba..., p. 74.

Page 32: REMEMORAÇÕES DA CIDADE DE CURITIBA - historia.ufpr.br · Para essa discussão foram essenciais as obras de autores como ... Euclides Bandeira e Mário Marcondes de Albuquerque

28

Questões que concernem à salubridade e ao saneamento da Curitiba do início do

século XX estão presentes nos três relatos, o de Macedo, o de Sabóia e o de Taborda. Heitor

Macedo relembra que o saneamento era algo precário em Curitiba, mas que sua casa estava

“de acordo com o progresso dos conhecimentos de higiene”. Nesse momento o autor revela,

pela primeira vez, que a precariedade sanitária era um dos aspectos que não deixaram

saudade.124

Percebe-se que a imagem que Heitor Macedo e América Sabóia têm de certos

aspectos do passado que deixam ou não saudades é distinta. Como mencionado anteriormente,

Sabóia, a despeito das inundações e da precariedade de serviços públicos, ainda se recorda

com saudosismo da cidade de sua infância e dos elementos negativos que a compunham. Em

relação ao abastecimento de água, os três autores – América Sabóia, Vasco Taborda e Heitor

Macedo – destacam o chafariz da Praça Zacarias (hoje, resta uma torneira, a título de

monumento, para registro dessa memória). Segundo Sabóia, os moradores iam suprir-se de

água nesse chafariz, mas também podiam contar com os “pipeiros”, que transportavam água

em carros tanques puxados por cavalos e a vendiam para a população.125

Sobre o

abastecimento de água e a importância do chafariz da Praça Zacarias, Heitor Macedo, além de

destacar a função dos “pipeiros”, relembra as brincadeiras com água no Carnaval.126

Outro

aspecto presente nos relatos de Heitor Macedo e América Sabóia e que concerne, de certa

forma, à salubridade é a presença do Rio Ivo e suas constantes inundações. Sobre essa

questão, América Sabóia levanta o fato de, já àquela época, haver poluição, pois as pessoas

jogavam lixo nesse rio, o que contribuía para as constantes inundações.127

No relato de Heitor Macedo, muito mais do que nos relatos de Sabóia e de Taborda, e

mesmo no de Nestor Vítor, a cidade de Curitiba é encarada como pano de fundo para a

atuação de personagens ilustres, como o Dr. Victor Ferreira do Amaral, o artista Paulo

d‟Assumpção e o músico Bento Mossurunga. Outro personagem ilustre abordado por Macedo

é seu bisavô, José Borges de Macedo, primeiro prefeito de Curitiba. No entanto, o trecho do

livro em que Macedo trata de seu ilustre antepassado pode ser completamente desconsiderado

como uma recordação, já que o autor não conviveu com ele, ao contrário do que se passou

com os outros personagens citados acima.

124

Ibid., p. 21. 125

SABÓIA, Curitiba da minha saudade..., p. 37. 126

MACEDO, Rememorando Curitiba..., p. 23-24. 127

SABÓIA, Curitiba da minha saudade..., p. 24.

Page 33: REMEMORAÇÕES DA CIDADE DE CURITIBA - historia.ufpr.br · Para essa discussão foram essenciais as obras de autores como ... Euclides Bandeira e Mário Marcondes de Albuquerque

29

Outro ponto em que Heitor Macedo e América Sabóia se assemelham é o tratamento

que dão às lembranças das escolas. Da mesma forma que Sabóia, Macedo relembra os nomes

dos mestres, disciplinas, dificuldades de aprendizado, os colegas.128

Ao final do relato de Macedo toma-se conhecimento que o recorte cronológico de sua

rememoração encerra-se no ano da chegada dos bondes elétricos a Curitiba, em 1913.129

Anteriormente em seu texto, Macedo trata da inauguração dos bondinhos movidos à tração

animal, em 1887, mostrando que esta foi uma inovação do final do século XIX. Sobre a

inauguração dos bondes elétricos, Macedo também a encara como uma inovação, porém

destaca a pouca popularidade desse meio de transporte devido ao alto custo do serviço.130

2.2 CURITIBA E AS CRÔNICAS DE UMA CIDADE

Ao lado de rememorações, como as de Balão Júnior e América Sabóia, outros textos

memorialísticos também tiveram Curitiba como personagem. Mais objetivos que os

anteriormente citados, os livros de Nestor Vítor dos Santos (1868-1932) – Terra do

Futuro131

–, de Euclides Bandeira (1876-1947) – Cronicas Locaes132

– e de Mário

Marcondes de Albuquerque (1915-1998) – Curitiba que meu tempo guardou133

comparam reminiscências pessoais a dados encontrados em crônicas e outras fontes históricas

sobre a Curitiba do final do século XIX e início do século XX.

Nestor Vítor dos Santos, a mando do presidente do estado do Paraná, Afonso

Camargo, escreve, em 1912, o livro Terra do Futuro: impressões do Paraná. Nesta obra, o

escritor parnanguara se propõe a contar a história do Paraná de uma forma inusitada. Ao invés

de fazer uma narrativa seguindo uma ordem cronológica – como era recorrente para os

autores de crônicas e obras históricas da mesma época –, Nestor Vítor opta por uma „ordem

geográfica‟: como se estivesse fazendo uma viagem de leste a oeste pela província, o autor

inicia o livro abordando Paranaguá e o litoral, para, em seguida, „subir a serra‟ e passar pelos

três planaltos paranaenses. Nessa „viagem‟, são tratados aspectos geográficos, históricos,

econômicos e sociais de todo o Paraná. Ao final, Nestor Vítor traz um capítulo em que aborda

questões atuais (de 1912) sobre o estado.

128

MACEDO, Rememorando Curitiba..., p. 91-108. 129

Ibid., p.134. 130

Ibid., p. 36. 131

SANTOS, Nestor Vítor dos. A Terra do Futuro... 132

BANDEIRA, Euclides. Cronicas Locaes. Curitiba: Tipografia da Escola de Artífices, 1941. 133

ALBUQUERQUE, Mário Marcondes de. Curitiba que o meu tempo guardou. Curitiba: Editora Lítero-

Técnica, 1986.

Page 34: REMEMORAÇÕES DA CIDADE DE CURITIBA - historia.ufpr.br · Para essa discussão foram essenciais as obras de autores como ... Euclides Bandeira e Mário Marcondes de Albuquerque

30

Em relação à cidade de Curitiba, Nestor Vítor apresenta, inicialmente, um capítulo

sobre a “velha” Curitiba, em que apresenta informações sobre a fundação da cidade, as

correntes migratórias, a aceleração do desenvolvimento econômico com o término da

construção da estrada da Graciosa (1873) e a vida intelectual – escritores e publicações – da

cidade nas duas décadas finais do século XIX.134

Seguem-se a esse capítulo outros cinco, nos

quais Nestor Vítor discorre sobre a “nova” Curitiba – a cidade que revisita, em 1912, depois

de ter permanecido 27 anos fora. Sobre essa Curitiba de 1912, Nestor Vítor discorre sobre os

seguintes aspectos: o crescimento populacional, a reestruturação urbana – observada

sobretudo no aumento do número de construções destinadas à moradia, ao entretenimento e à

prestação de serviços na área da saúde e do policiamento, na arborização e no embelezamento

de praças –, a mudança na atitude de homens e mulheres, o fomento da indústria, em especial

a do mate, e o melhoramento da instrução pública.135

Para elaborar Terra do Futuro, Nestor Vítor baseou-se em livros sobre a história do

Paraná, de autores como Romário Martins, Rocha Pombo e Sebastião Paraná, em relatos de

viajantes, como o de Avé-Lallemant, em relatórios da Secretaria de Obras Públicas da

província e em periódicos. Além dessa documentação „oficial‟, Nestor Vítor apresenta

também informações baseadas em correspondência que mantinha com amigos enquanto viveu

fora da cidade, e em suas lembranças. Nos seis capítulos em que aborda a história da capital

paranaense e suas transformações econômicas, sociais, culturais e urbanas, Nestor Vítor faz,

constantemente, comparações entre a Curitiba que conhecera em 1885 e aquela que revisitava

em 1912.

Na obra Cronicas Locaes, o jornalista e poeta Euclides Bandeira também se propõe a

produzir relatos sobre a cidade de Curitiba. Contudo, ao contrário de todas as obras analisadas

neste trabalho, o livro de Bandeira não apresenta uma narrativa linear. Na apresentação de

Cronicas Locaes, Euclides Bandeira revela que não tem a pretensão de escrever a história de

Curitiba, e que apenas reuniu pequenos artigos relativos à cidade para produzir seu livro.136

Grande parte das crônicas apresentadas por Bandeira diz respeito a eventos ocorridos

muitos anos (séculos, até) antes de ele ter nascido, como a fundação de Curitiba (1693) e o

primeiro aniversário da emancipação política do Paraná (1854).137

Essas crônicas foram,

provavelmente, produzidas com base em manuais de história. O autor também faz referência a

periódicos, como os jornais Diário da Tarde e 19 de Dezembro. Assim, dentre os 41 textos

134

SANTOS, Nestor Vítor dos. A Terra do Futuro..., p. 69-80. 135

Ibid., p. 81-176. 136

BANDEIRA, Cronicas..., p. 8. 137

Ibid., pp. 22-29.

Page 35: REMEMORAÇÕES DA CIDADE DE CURITIBA - historia.ufpr.br · Para essa discussão foram essenciais as obras de autores como ... Euclides Bandeira e Mário Marcondes de Albuquerque

31

apresentados, em apenas três Euclides Bandeira relata recordações pessoais: “Saparia”,

“Característica pitoresca” e “Ano Funesto”. Na crônica “Saparia”, o autor recorda, sem

especificar o ano, que havia um tempo em que, bastando apenas a ameaça de chuva, a cidade

era infestada por sapos. Ainda assim o autor revelar sentir saudades daquela época:

É verdade que naqueles tempos – apesar de tudo, que saudades! – não havia bondes

elétricos, onibus e automoveis furiosos, nem motocicletas ensandecidas.

Precisamente quando esses vehiculos chegaram, transportando os trofeus do

Progresso, eles se foram, os tristes batraquios para os charcos dos suburbios.138

Novamente encontramos a leitura de que o progresso também traz mudanças que,

muitas vezes, alteram um modo de vida arraigado e pitoresco. Sobre a presença constante dos

sapos, podemos inferir que Bandeira relacionava esses animais a um momento em que

Curitiba era mais simples e melhor de se viver. Já Nestor Vítor traz uma visão mais negativa

dos batráquios – relaciona-os a um momento em que Curitiba mais se assemelhava a uma

aldeia, repleta de problemas de saneamento que só prejudicavam sua população.139

Na crônica “Característica pitoresca”, Euclides Bandeira refere-se a um fato recorrente

em todas as rememorações: a presença dos colonos e suas carroças no centro da cidade, onde

vinham vender seus produtos. O autor revela que, na década de 1930, momento em que

produz esse seu relato, a presença dessas carroças ainda se fazia constante no cotidiano de

Curitiba. É interessante notar que, para Bandeira, a presença desses imigrantes é algo negativo

para a cidade, porque pertence a um passado antiquado e de pouco desenvolvimento: “Isto

constitue um dos aspectos peculiares de nossa terra e, por isso mesmo, deve desaparecer...

Precisamos progredir!”140

.

Na crônica “Ano funesto”, Euclides Bandeira discorre sobre diversas epidemias que

ocorrem em Curitiba, desde 1853: tifo, varíola, escarlatina etc., destacando, porém, a

epidemia de enterite que, em 1912, matou muito mais do que outras doenças: “Foi realmente

um ano funesto. Ao recordal-o recresce a saudade daquela Curitiba antiga”.141

Ao final de

Cronicas Locaes, Bandeira apresenta uma subseção do livro, intitulada “Silhuetas”142

, onde

apresenta artigos contendo o perfil e as realizações de algumas pessoas ilustres para a cidade

de Curitiba, como Francisco Xavier da Silva, Ermelino de Leão e Emiliano Perneta.

138

Ibid., p. 30. 139

SANTOS, Nestor Vítor dos. Terra do Futuro..., p. 74. 140

BANDEIRA, Cronicas..., p. 73. 141

Ibid., p. 81. 142

Ibid., p. 109-171.

Page 36: REMEMORAÇÕES DA CIDADE DE CURITIBA - historia.ufpr.br · Para essa discussão foram essenciais as obras de autores como ... Euclides Bandeira e Mário Marcondes de Albuquerque

32

Em Curitiba que meu tempo guardou, de Mário Marcondes de Albuquerque (1915-

1998), encontramos um relato muito próximo daqueles de caráter subjetivo. Contudo,

Marcondes, além de apresentar suas reminiscências de infância na cidade de Curitiba, trata de

eventos que remetem aos séculos XVII, XVIII e XIX – período muito anterior ao seu

nascimento – com o intuito de escrever a história de sua cidade. Já na introdução do livro, o

autor revela que suas reminiscências podem ajudar a expor acontecimentos que tiveram

relevância histórica para a capital paranaense.143

Mário Marcondes não especifica de que época de sua vida está falando; simplesmente

inicia seu relato demonstrando que se recorda de um momento em que a cidade de Curitiba

não possuía ainda grandes avenidas. Marcondes lembra-se também da rua onde morava (Rua

Lamenha Lins) e da divisão da cidade em “zonas” de ocupação de diferentes etnias, assunto

que retoma mais posteriormente, ao tratar de aspectos da imigração em Curitiba.144

É interessante observar que, ao longo de quase todo o relato, Mário Marcondes faz

alusão a questões esportivas, em especial ao futebol: recorda-se dos gramados onde jogava

futebol com os amigos, os diversos times da cidade e seus jogadores.145

Além dos jogos dos

times locais, Mário Marcondes gostava de acompanhar os jogos das equipes de São Paulo e

do Rio de Janeiro, informando que, na década de 1920, para acompanhar esses jogos era

preciso reunir-se na Rua XV de Novembro, onde um funcionário da Gazeta do Povo,

recebendo as informações pelo telégrafo, anunciava os lances e gols das partidas.146

Nesse

momento, o autor passa a destacar a importância da Rua XV de Novembro para o convívio

social dos curitibanos. Segundo Marcondes, essa era a rua “de todos os acontecimentos”, pois

nela ficavam os cinemas e os cafés; era onde se reuniam os estudantes da Universidade, onde

se concentrava o comércio, onde podiam ser vistas pessoas ilustres.147

Mário Marcondes dedica um capítulo de seu livro aos bondinhos e ao itinerário que

eles faziam na cidade de Curitiba. Ao relembrar as várias ruas por onde passavam as linhas do

bondinho, ele revela onde moravam algumas pessoas ilustres da cidade, como Caetano

Munhoz da Rocha e Francisco Negrão, e onde ficavam algumas construções, como o

Castelinho do Batel (Castelo Luiz Guimarães) e o Lyceu Rio Branco.148

Marcondes conta a

história do surgimento dos primeiros bondes à burro em Curitiba, em 1887, e sua substituição

pelos elétricos, em 1913. Apesar de estes serem considerados muito modernos à época, o

143

ALBUQUERQUE, Curitiba..., p. 6. 144

Ibid., pp. 7 e 8. 145

Ibid., pp. 13-15. 146

Ibid., p. 17. 147

Ibid., p. 20. 148

Ibid., p. 24-26.

Page 37: REMEMORAÇÕES DA CIDADE DE CURITIBA - historia.ufpr.br · Para essa discussão foram essenciais as obras de autores como ... Euclides Bandeira e Mário Marcondes de Albuquerque

33

autor revela que eram superlotados. Para confirmar sua crítica, Marcondes traz um excerto de

uma matéria da Gazeta do Povo sobre o assunto:

quem observa os bondes da South, aos domingos, durante a tarde, fica abismado

com a sorte do povo curitibano. Há passageiros sentados, em pé, pelos estribos,

pendurados pelas balaustradas e pelos próprios pára-choques. As cores dos bondes

desaparecem.149

Assim como todos os memorialistas apresentados, Mário Marcondes também se

debruça sobre o tema da imigração. Primeiramente, o autor retoma a questão da concentração

de nacionalidades de imigrantes em regiões distintas da cidade. Segundo Marcondes, os

alemães estabeleceram-se na Praça Tiradentes e do centro histórico; os italianos, em Santa

Felicidade; os poloneses, nos na região do Pilarzinho e Abranches; e os ucranianos, os quais o

autor chamava de “russos” concentravam-se na região do Rebouças, próximo à Igreja do

Imaculado Coração de Maria.150

Marcondes levanta alguns aspectos históricos sobre a vinda desses imigrantes (quando

vieram e motivações) e como procuravam manter e também difundir sua cultura através da

fundação de sociedades. Ao final desse capítulo, o autor discorre sobre o destino que muito

imigrantes e seus filhos tiveram na cidade: “Muitas fortunas se fizeram como dos Hauer,

Müeller, Weiss, Carnascialli, Parolim, Demeterco e outros. A maioria, entretanto, enfileirou-

se entre os integrantes da classe média e muitos apenas ficaram como assalariados.”151

Em seguida, Mário Marcondes dedica um capítulo ao entretenimento dos curitibanos.

Segundo o autor, muitas pessoas, em especial as crianças, gostavam de fazer passeios nas

proximidades de Curitiba, onde iam tomar banho em alguns riachos: no Barigui, na

Cascatinha de Santa Felicidade e no tanque do Bacacheri. As famílias com melhores

condições financeiras viajavam para o litoral nos finais de semana.152

No centro de Curitiba,

era a Rua XV de Novembro que concentrava mais opções de entretenimento. Marcondes

relembra que as pessoas gostavam de se reunir nos diversos bares, cafés e restaurantes da Rua

XV de Novembro, em especial no Bar e Restaurante Paraná, “um dos exemplares mais

freqüentados em épocas passadas.”153

Outra opção de lazer que a Rua XV oferecia era o

149

Ibid., p. 26. 150

Ibid., pp. 29, 34, 38 e 40 151

Ibid., p. 42. 152

Ibid., p. 47. 153

Ibid., p. 51.

Page 38: REMEMORAÇÕES DA CIDADE DE CURITIBA - historia.ufpr.br · Para essa discussão foram essenciais as obras de autores como ... Euclides Bandeira e Mário Marcondes de Albuquerque

34

cinema. Ao recordar-se dos cinemas, Marcondes faz um breve histórico da chegada do

cinematógrafo a Curitiba e do surgimento do Parque Coliseu e do Teatro Guaíra.154

Ao final de seu livro, Mário Marcondes traça um breve histórico sobre a fundação de

Curitiba e sua elevação à capital da província, destacando elementos sobre a evolução urbana

da cidade. Primeiramente, Marcondes salienta a atuação do engenheiro Pedro Taulois,

considerado pelo autor o primeiro urbanista e planejador da cidade. Citando a obra Curityba

de outr’ora e de hoje, de Romário Martins, Marcondes revela que Taulois, já em 1857, havia

proposto a correção e alinhamento de ruas centrais, sugestão que não foi acatada pelas

autoridades da época.155

Citando também outras figuras ilustres, como Victor Ferreira do

Amaral e Pamphilo d‟Assumpção, Marcondes levanta aspectos sobre a rusticidade de alguns

logradouros da cidade, o péssimo estado das estradas e outras questões que também foram

levantadas pelos outros memorialistas, como a presença dos sapos, a prosperidade com a erva-

mate, as novas construções, etc.156

Segundo Marcondes, as mudanças operadas no meio

urbano de Curitiba, nas décadas iniciais do século XX, serviram, na verdade, como “ensaios”

para a verdadeira modernização da cidade, que viria a acontecer na década de 40, com o plano

Agache, durante o governo de Manoel Ribas.157

2.3 CURITIBA NA MEMÓRIA COLETIVA

Mário Marcondes, ao finalizar seu relato sobre a cidade que seu “tempo guardou”,

reforça a idéia de que as reminiscências são importantes para a construção da história de

Curitiba:

O que se pode dizer mais sobre Curitiba? Que nós a amamos, que as reminiscências

fazem parte da história, que recordar é viver? De fato, tudo isso faz parte da história

da cidade, da sua sociedade, dos amigos.158

Assim, após a apresentação de nossas fontes, interessa-nos mostrar, enfim, a cidade

que emerge dessas rememorações e crônicas, as quais, de fato, são produções individuais.

Contudo, ficou demonstrado acima que, em vários momentos, estávamos frente a lembranças

que expunham seu caráter coletivo, necessário para compor os relatos produzidos.

154

Ibid., pp. 52 e 53. 155

Ibid., p. 63-64. 156

Ibid., p. 64-72. 157

Ibid., p. 77. 158

Ibid., p. 90.

Page 39: REMEMORAÇÕES DA CIDADE DE CURITIBA - historia.ufpr.br · Para essa discussão foram essenciais as obras de autores como ... Euclides Bandeira e Mário Marcondes de Albuquerque

35

Para diversos autores que estudam questões relacionadas à memória e ao caráter

coletivo de sua constituição, é inegável a contribuição do sociólogo francês Maurice

Halbwachs (1877-1945), que foi, segundo Ecléa Bosi, um dos principais estudiosos sobre

memória e história pública. Considerado um continuador das idéias do também sociólogo

francês Émile Durkheim, no que concerne os estudos sobre a precedência do fato social sobre

os fenômenos individuais, Maurice Halbwachs, nas obras Les cadres sociaux de la mémoire e

A memória coletiva, alterou o enfoque que se dava até então aos fenômenos como a

percepção, a consciência e a memória.159

No livro A memória coletiva, Halbwachs propõe que todas as lembranças do

indivíduo são construídas de forma coletiva, visto que não há possibilidade de estar/viver

sozinho em sociedade. Mesmo que essas lembranças tratem de eventos particulares ou de

objetos que só tenham sido vistos pelo indivíduo, elas ainda são influenciadas pelos diferentes

grupos de convívio – família, igreja etc. Para ilustrar essa idéia, Halbwachs demonstra que se

fizesse um passeio pelas ruas de uma cidade – no caso, Londres – ora com um amigo

arquiteto, ora com um amigo historiador, veria a cidade de formas diferentes: no primeiro

caso, atentaria para as construções e suas disposições no espaço urbano; no segundo caso,

aprenderia a que época pertence o traçado das ruas e quais “incidentes notáveis” nelas

decorreram.160

A partir desse exemplo, pode-se refletir sobre o fato da memória, além de ser

construída coletivamente, ser, justamente, uma reconstrução. Por mais que os indivíduos se

esforcem para lembrarem-se do passado e pretendam evocar as mesmas sensações e emoções

vividas outrora, isso não é possível.161

Ainda no que diz respeito à questão da reconstrução do passado nas memórias, Ecléa

Bosi, fazendo referência à obra Les cadres sociaux de la mémoire, traz o exemplo da releitura

de um livro: quando vamos reler um livro de infância, esperamos sentir as mesmas sensações

de quando lemos o livro pela primeira vez. Contudo, deparamo-nos com a sensação de estar

lendo um livro novo, pois percebemos detalhes e passagens que não havíamos notado

anteriormente. Isso se dá pelo fato do indivíduo do presente ter adquirido uma visão crítica

sobre si e sobre o mundo que o rodeava no passado.162

Isso significa que as lembranças, as

memórias, são produzidas a partir do indivíduo que se recorda.

159

BOSI, Ecléa. Memória e Sociedade : Lembranças de velhos. 3 ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1994,

p. 53. 160

HALBWACHS, Maurice. La mémoire collective. Paris: Presses Universitaires de France, 1950, p. 2 161

BOSI, Memória e Sociedade..., p. 57. 162

Idem.

Page 40: REMEMORAÇÕES DA CIDADE DE CURITIBA - historia.ufpr.br · Para essa discussão foram essenciais as obras de autores como ... Euclides Bandeira e Mário Marcondes de Albuquerque

36

No caso específico desse trabalho, a pertinência da utilização de relatos pessoais como

fonte está no fato de se poder extrair da rememoração individual de pessoas que viveram em

Curitiba no início do século XX, aspectos que traduzem o imaginário coletivo sobre uma

cidade que passava por reestruturações nesse período.

No entanto, antes de se ater ao imaginário coletivo sobre a cidade, é preciso levar em

conta a preocupação, por vezes evidente, de alguns desses memorialistas em preservar a

memória. Davi Carneiro, ao apresentar o livro de América Sabóia, justifica o relato da autora

como sendo um fixador de certas épocas163

, ou seja, o fato de Sabóia, bem como os outros

autores apresentados, prestar-se ao trabalho de escrever suas rememorações evitaria o

esquecimento e desaparecimento de tais épocas. Essa questão também é analisada por Walter

Benjamin, em O Narrador. Nesse texto, Benjamin se propõe a refletir sobre as características

de um narrador ideal e da utilidade da “arte de narrar” para seus ouvintes, a qual começou a

entrar em decadência em decorrência do advento e da valorização do romance e da

informação rápida difundida pela imprensa. Segundo Benjamin, a relação entre o narrador e

seu ouvinte “é dominada pelo interesse em conservar o que foi narrado.”164

Havendo essa

conservação da narração das memórias, o desaparecimento de certas épocas, experiências e

ensinamentos poderia ser evitado.

Segundo Ecléa Bosi, a preocupação com o esquecimento é uma constante entre as

pessoas idosas. Isso porque, em nossa sociedade industrial, quando o indivíduo deixa de deter

um papel ativo e percebe que, muitas vezes, sua “obra” não terá continuidade nas mãos de

seus filhos, resta-lhe recordar.165

Heitor Borges de Macedo, que publica Rememorando

Curitiba aos 92 anos, exprime essa idéia de forma bastante explícita na apresentação de seu

livro, quando diz temer o esquecimento, entre as futuras gerações, da Curitiba do início do

século XX, a cidade de sua infância.166

Além da preocupação com o esquecimento, outra característica recorrente entre

narradores de memórias é a percepção de que sua reminiscência se interliga a outras,

contribuindo para a construção de uma história geral, mais ampla. Sobre essa questão, Walter

Benjamin demonstra que os narradores, ao transmitirem conhecimento através das gerações

por meio de suas reminiscências, formam uma espécie de “rede” em que “todas as histórias

163

SABÓIA, Curitiba da minha saudade..., p. 7. 164

BENJAMIN, Walter. O Narrador : considerações sobre a obra de Nikolai Leskov. IN: ______. Obras

escolhidas : Magia e técnica, arte e política. 5.ed. São Paulo: Brasiliense, 1993, p. 210. 165

BOSI, Memória e Sociedade..., pp. 63 e 77. 166

MACEDO, Rememorando Curitiba..., p. 11.

Page 41: REMEMORAÇÕES DA CIDADE DE CURITIBA - historia.ufpr.br · Para essa discussão foram essenciais as obras de autores como ... Euclides Bandeira e Mário Marcondes de Albuquerque

37

constituem entre si. Uma se articula na outra”167

. Mário Marcondes e Heitor Borges de

Macedo justificam a importância de seus livros pela contribuição das reminiscências neles

contidas – suas histórias pessoais – para a construção da história da cidade de Curitiba, que

nesse caso pode ser encarada uma história mais ampla. Para Marcondes, suas recordações

contribuem para a história da cidade, pois expõem acontecimentos que tiveram relevância

histórica.168

Já Heitor Macedo aproxima-se da idéia de “rede” de reminiscências expressa por

Benjamin ao comparar a história da cidade de Curitiba a uma colcha de retalhos, composta

por inúmeras rememorações.169

No que concerne especificamente à questão das memórias sobre a cidade, nos relatos

antes apresentados, foram notados diversos aspectos que traduzem o imaginário coletivo

sobre o momento de reestruturação urbana por que Curitiba passou, ao final do século XIX e

início do século XX. Seja tratando questões bastante pessoais, seja abordando aspectos mais

objetivos, a cidade de Curitiba aparece como pano de fundo dessas rememorações. Observa-

se que seus autores percebiam as modificações operadas em Curitiba. No entanto, não

demonstram essas percepções como parte de um projeto para modernizar a capital paranaense

e igualá-la à capital da República. Para América da Costa Sabóia, Heitor Borges de Macedo,

Vasco José Taborda e outros, a chegada do progresso parece despontar gradativamente

através de alguns elementos, como a instalação do bonde elétrico e o embelezamento de

regiões centrais da cidade.

A palavra „progresso‟ aparece com freqüência nos relatos, como se observa em uma

passagem de Croniquinhas do menino, de Vasco Taborda, sobre o bonde: “o menino viu

ainda, em 1913, os novos bondes elétricos, amarelos, de janelas largas e campainhas

tilintantes. Que progresso!”.170

Contudo, faz-se necessário ressaltar que, de forma geral, os

autores percebem contradições e mesmo conseqüências negativas acarretadas por esse

progresso. Para América Sabóia, elementos da modernidade, como os bondes elétricos, os

automóveis, a iluminação elétrica civilizaram a cidade, mas, ao mesmo tempo, tornaram-na

menos fraternal.171

Nas rememorações que mais se assemelham a crônicas (relatos de Nestor

Vítor, de Euclides Bandeira e de Mário de Albuquerque), é recorrente a imagem contraditória

entre uma cidade que começava a exibir características modernas – com novas construções,

iluminação elétrica e meios de transporte modernos – e elementos que denunciavam seu

167

BENJAMIN, O Narrador..., p. 211. 168

ALBUQUERQUE, Curitiba..., p. 6. 169

MACEDO, Rememorando Curitiba..., p. 3. 170

TABORDA, Croniquinhas..., p. 8. 171

SABÓIA, Curitiba..., p. 14.

Page 42: REMEMORAÇÕES DA CIDADE DE CURITIBA - historia.ufpr.br · Para essa discussão foram essenciais as obras de autores como ... Euclides Bandeira e Mário Marcondes de Albuquerque

38

provincianismo, como a presença de imigrantes que vinham ao centro da cidade em carroças

para venderem seus produtos coloniais e o cheiro campesino que Curitiba ainda possuía.

Euclides Bandeira, por exemplo, condena a chegada do progresso, „transportado‟ pelos novos

meios de transporte, que destruiu um modo de vida simples.

Nestor Vítor levantou outro aspecto contraditório do progresso em Curitiba: viver na

capital paranaense tornara-se mais caro, ao final dos anos 1910. Segundo Vítor, a cidade

estava crescendo, terrenos e imóveis começavam a valorizarem-se e, conseqüentemente,

gerava-se a alta dos aluguéis.172

Outro fator que encarecia a vida em Curitiba era o aumento

de impostos sobre diversos produtos, bem como o aumento das taxas sobre o fornecimento de

eletricidade.173

Além dessas rememorações comuns, que giram em torno dos mesmos temas – a

chegada do bonde elétrico, o embelezamento de praças, as contradições acarretadas pelo

progresso etc. –, destaca-se ainda a forma semelhante como dois autores reconstruíram suas

memórias. A partir das reminiscências de Heitor Borges de Macedo e de Vasco José Taborda,

percebe-se que esses autores possuem histórias de vida parecidas: ambos eram filhos de

comerciantes de classe média alta, viveram no centro de Curitiba e freqüentaram os mesmos

ambientes da cidade. Além disso, ambos reconstruíram suas memórias de forma análoga,

recorrendo a outras fontes que pudessem corroborar suas lembranças. Heitor Borges de

Macedo, além de se utilizar de outros livros de rememorações sobre Curitiba e, obviamente,

de suas próprias recordações, traz, em quase todos os capítulos de seu livro, trechos de

matérias de jornais da época, fotografias e ilustrações. Já Vasco José Taborda não faz menção

direta a outras fontes; contudo, ao final de seu livro, apresenta suas referências bibliográficas.

A utilização de fontes que venham a confirmar o discurso memorialístico dos autores

citados acima evidencia a preocupação deles com a coerência da reconstrução do passado.

Essa valorização da informação – essencialmente a informação jornalística – é, segundo

Benjamin, um dos motivos para a extinção da narrativa. A narrativa, para esse autor, não deve

ser acompanhada de explicações. Porém, o que vem se observando – segundo Benjamin,

desde a consolidação da burguesia – é que a valorização da experiência individual só se dá

quando há o respaldo da informação produzida pela imprensa.174

Analisando por esse ângulo,

Heitor Borges de Macedo e Vasco José Taborda não poderiam ser considerados narradores

ideais e estariam, inclusive, contribuindo para a derrocada da arte de narrar.

172

SANTOS, Terra do Futuro..., p. 91. 173

BONI, Maria Ignês M. de. O espetáculo visto de alto : vigilância e punição em Curitiba (1890-1920). São

Paulo, 1985. Tese (Doutorado em História). Universidade de São Paulo, pp. 50 e 51. 174

BENJAMIN, O Narrador..., pp. 202 e 203.

Page 43: REMEMORAÇÕES DA CIDADE DE CURITIBA - historia.ufpr.br · Para essa discussão foram essenciais as obras de autores como ... Euclides Bandeira e Mário Marcondes de Albuquerque

39

Euclides Bandeira e Mário Marcondes também se utilizam de outras fontes para

elaborar seus textos. Contudo deve se destacar que, diferentemente de Macedo e Taborda, as

motivações Bandeira e de Marcondes não são de construir relatos tão pessoais sobre suas

infâncias em Curitiba. Euclides Bandeira revela apenas ter reunido artigos que tem em

comum temas relacionados à cidade de Curitiba, enquanto que Mário Marcondes acredita que

o que escreve – tanto as suas memórias de infância quanto os dados históricos sobre a

fundação e evolução de Curitiba – tem relevância para a construção da história da capital

paranaense. É curioso destacar que Marcondes, além de citar fontes jornalísticas, obras

consagradas e discursos de autoridades políticas da cidade, faz menção aos livros de dois

memorialistas: Nestor Vítor, quando trata dos moinhos construídos pelos imigrantes alemães,

e Vasco José Taborda, ao relembrar o sorveteiro italiano Mondrone – personagem muito

conhecido à época por aqueles que circulavam pelo centro de Curitiba.175

O livro de Jaime Balão Júnior, Mensagem da Infância, diferencia-se bastante dos

outros, não somente por sua estrutura textual, já que se trata de um romance, mas pelo fato

das lembranças narradas por seu autor não poderem ser consideradas memórias de fato. Ao

longo do texto, Balão Júnior, que nasceu no ano de 1891, afirma lembrar-se de eventos e

características da cidade de Curitiba do ano em que nasceu ou de quando era muito jovem

para se recordar: por exemplo, quando se refere à Revolução Federalista (1893-1894) e de

como “Curitiba, em 1891, era uma solidão.”176

No relato de Vasco José Taborda,

Croniquinhas do menino, também pôde se observar uma situação parecida: o autor diz

lembrar-se do enterro do Cel. João Gualberto quando tinha apenas três anos.177

Pode-se inferir

que tanto Vasco Taborda quanto Jaime Balão Júnior acreditavam lembrar-se desses fatos, pois

eram acontecimentos presentes no imaginário da época e repercutiram nos anos subseqüentes.

Contudo, no caso de Jaime Balão percebe-se uma maior ênfase quando o autor afirma

recordar-se dos eventos, pois ele constantemente reforça as datas. Neste caso, pode-se

também questionar se o autor não estaria querendo inserir, propositalmente, eventos

importantes para a história do estado do Paraná e de sua capital para enriquecer o romance

que criou em torno de sua vida.

Finalmente, mesmo que na obra de Jaime Balão Júnior não estejam relatados os

reordenamentos operados na cidade de Curitiba, no início do século XX, tem-se acesso ao

imaginário que se foi construindo sobre a cidade e sobre eventos históricos ou mesmo eventos

175

ALBUQUERQUE, Curitiba..., pp. 44 e 50. 176

BALÃO JÚNIOR, Mensagem..., pp. 14 e 111. 177

TABORDA, Croniquinhas..., p. 17.

Page 44: REMEMORAÇÕES DA CIDADE DE CURITIBA - historia.ufpr.br · Para essa discussão foram essenciais as obras de autores como ... Euclides Bandeira e Mário Marcondes de Albuquerque

40

cotidianos que marcaram o imaginário dos habitantes da cidade. Como afirmou Maurice

Halbwachs, é possível existir a memória individual, mas ela sempre será formada no interior

de uma sociedade, apoiando-se sobre a memória coletiva, colocando-se em seu lugar e, por

vezes, confundindo-se com ela.178

178

HALBWACHS, La mémoire..., p. 35-36.

Page 45: REMEMORAÇÕES DA CIDADE DE CURITIBA - historia.ufpr.br · Para essa discussão foram essenciais as obras de autores como ... Euclides Bandeira e Mário Marcondes de Albuquerque

41

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir da análise das fontes foi possível perceber que, por meio de rememorações

individuais de pessoas que viveram em Curitiba no início do século XX, podemos extrair

aspectos que traduzem o imaginário coletivo sobre uma cidade que passava por

reestruturações nesse período, tanto no ambiente urbano como na mentalidade e nas atitudes

das pessoas. Mesmo que, por vezes, esses memorialistas tragam questões bastante pessoais

em seus relatos, a cidade de Curitiba aparece sempre como pano de fundo das recordações.

No que concerne à forma como os autores se lembram da cidade, notou-se, de maneira

geral, duas preocupações principais que motivaram e, ao mesmo tempo, justificaram a

produção de suas reminiscências: a preocupação com o desaparecimento de certas épocas,

fazendo-se, portanto, necessário escrever e conservar as rememorações, e o compromisso de,

através da divulgação de histórias pessoais, contribuir para a história da cidade de Curitiba,

compreendida como uma história mais ampla, mas da qual fazem parte os eventos que

presenciaram ou souberam por outras fontes.

Em relação às recordações sobre as reestruturações urbanas de Curitiba, notou-se que

os autores das rememorações e crônicas com que trabalhamos não compreendiam isso sem

inseri-las em uma conjuntura maior. Não se pode afirmar que esses memorialistas viam

Curitiba como uma cidade a qual se pretendia modernizar e transformá-la em uma metrópole,

assim como o Rio de Janeiro. Observamos que a chegada do progresso era notada por esses

memorialistas de forma gradual e configurava-se em elementos pontuais na cidade, como o

embelezamento de determinadas praças, a criação de uma única linha de bonde elétrico, o

surgimento de novas lojas e formas de entretenimento que não eram acessíveis para a maior

parte da população. Sobre a chegada do progresso à cidade, pode-se também notar nessas

rememorações algumas críticas às contradições acarretadas pela modernidade: o aumento do

custo de vida, o crescimento da violência, enfim, a imagem contraditória entre uma cidade

com características modernas pontuais e elementos que denunciavam seu provincianismo.

Obviamente, deve-se levar em conta que essas fontes configuram-se em memórias

pessoais e, como tais, são produzidas a partir da realidade presente em que os autores as

escreveram. Logo, as críticas e julgamentos também fazem parte deste presente. Retomando o

exemplo citado por Ecléa Bosi, reconstruir o passado nas memórias seria como reler um livro

depois de muitos anos: esperamos compreender e sentir as mesmas emoções narradas no livro

de quando o lemos pela primeira vez. No entanto, ao fazer uma segunda leitura, percebemos

Page 46: REMEMORAÇÕES DA CIDADE DE CURITIBA - historia.ufpr.br · Para essa discussão foram essenciais as obras de autores como ... Euclides Bandeira e Mário Marcondes de Albuquerque

42

outros detalhes, fazemos outras interpretações e sentidos novas emoções, pois, com o passar

dos anos, adquirimos novas experiências e uma visão crítica sobre nós mesmos e sobre o

mundo que nos rodeava no passado.179

179

BOSI, Memória e Sociedade..., p. 57.

Page 47: REMEMORAÇÕES DA CIDADE DE CURITIBA - historia.ufpr.br · Para essa discussão foram essenciais as obras de autores como ... Euclides Bandeira e Mário Marcondes de Albuquerque

43

FONTES CONSULTADAS

ALBUQUERQUE, Mário Marcondes de. Curitiba que o meu tempo guardou. Curitiba:

Editora Lítero-Técnica, 1986.

AVÉ-LALLEMANT, Robert. 1858, Viagem pelo Paraná. Curitiba: Fundação Cultural,

1995.

BALÃO JÚNIOR, Jaime. Mensagem da infância. Curitiba: Papelaria Requião Limitada,

1957.

BANDEIRA, Euclides. Cronicas Locaes. Curitiba: Tipografia da Escola de Artífices, 1941.

BOLETIM DO INSTITUTO HISTÓRICO, GEOGRÁFICO E ETNOLÓGICO

PARANAENSE. Curitiba, v. 48, 1993.

MACEDO, Heitor Borges de. Rememorando Curitiba : no tempo dos bondinhos de burros.

Curitiba: Lítero-Técnica, 1983.

MARTINS, Romário. Curityba de outr’ora e de hoje. Curitiba: Prefeitura Municipal, 1922.

SABÓIA, América da Costa. Curitiba da minha saudade : 1904-1914. Curitiba: Lítero-

Técnica, 1978.

SANTOS, Nestor Vítor dos. Terra do Futuro : Impressões do Paraná. 2 ed. Curitiba:

Prefeitura Municipal de Curitiba, 1996.

TABORDA, Vasco José. Croniquinhas do menino – minha Curitiba. Curitiba: Editora

Lítero-Técnica, 1982.

Page 48: REMEMORAÇÕES DA CIDADE DE CURITIBA - historia.ufpr.br · Para essa discussão foram essenciais as obras de autores como ... Euclides Bandeira e Mário Marcondes de Albuquerque

44

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BAHLS, Aparecida Vaz da Silva. O verde na metrópole : A evolução das praças e jardins

em Curitiba (1885-1916). Curitiba, 1998. Dissertação (Mestrado em História). Universidade

Federal do Paraná.

BENJAMIN, Walter. O Narrador : considerações sobre a obra de Nikolai Leskov. In: ______.

Obras escolhidas : Magia e técnica, arte e política. 5.ed. São Paulo: Brasiliense, 1993, p.

197-221.

BENVENUTTI, Alexandre Fabiano. As reclamações do povo na Belle Époque : a cidade

em discussão na imprensa curitibana (1909-1916). Curitiba, 2004. Dissertação (mestrado em

História). Universidade Federal do Paraná.

BONI, Maria Ignês M. de. O espetáculo visto de alto: vigilância e punição em Curitiba

(1890-1920). São Paulo, 1985. Tese (Doutorado em História. Universidade de São Paulo.

BOSI, Ecléa. Memória e Sociedade : Lembranças de velhos. 3 ed. São Paulo: Companhia

das Letras, 1994.

BRANDÃO, Ângela. A fábrica de ilusão : o espetáculo das máquinas num parque de

diversões e a modernização de Curitiba (1905-1913). Curitiba: Prefeitura Municipal de

Curitiba – Fundação Cultural de Curitiba, 1994.

CARDOSO, Adauto Lúcio; RIBEIRO, Luiz Cesar de Queiroz. Da cidade à nação: gênese e

evolução do urbanismo no Brasil. In: PECHMAN, Robert; RIBEIRO, Luiz Cesar de Queiroz

(orgs.). Cidade, povo e nação. Gênese do urbanismo moderno. Rio de Janeiro: Civilização

Brasileira, 1996, p. 53-78.

CAROLLO, Cassiana Lacerda. Palacete Leão Júnior e Ciclo da Erva Mate. Publicação da

Secretaria de Cultura do Paraná, 199_.

Page 49: REMEMORAÇÕES DA CIDADE DE CURITIBA - historia.ufpr.br · Para essa discussão foram essenciais as obras de autores como ... Euclides Bandeira e Mário Marcondes de Albuquerque

45

CARVALHO, José Murilo de. A formação das almas : o imaginário da República no Brasil.

18 ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.

CHALHOUB, Sidney. Cortiços. In: ______. Cidade Febril: cortiços e epidemias na Corte

imperial. São Paulo: Cia da Letras, 1996, p. 15-59.

DOIN, José Evaldo de Mello et Alli. A Belle Époque caipira: problematizações e

oportunidades interpretativas da modernidade e urbanização no mundo do café (1825-1930).

Revista Brasileira de História. São Paulo, v.27, n.53, p.91-122, 2007.

DUDEQUE, Irã. Cidades sem véus : doenças, poder e desenhos urbanos. Curitiba:

Champagnat, 1995.

FERREIRA, Marieta de Moraes. História oral : um inventário das diferenças. In: ______.

Entre-vistas : abordagens e usos da história oral. Rio de Janeiro: Editora da Fundação

Getúlio Vargas, 1994.

HALBWACHS, Maurice. La mémoire collective. Paris: Presses Universitaires de France,

1950.

HOBSBAWM, Eric J. A Era dos Impérios, 1875-1914. 13ed. São Paulo: Editora Paz e

Terra, 2009.

LE GOFF, Jacques. Memória. In: ______. História e Memória. 5 ed. Campinas: Editora da

UNICAMP, 2003, p. 419-476.

MARTINS, Ana Luiza. República : um outro olhar. São Paulo: Contexto, 1997.

SANTOS, Antonio Cesar de Almeida. Memórias e Cidade : depoimentos e transformação

urbana de Curitiba (1930-1960). 2.ed. Curitiba: Aos Quatro Ventos, 1999.

______. Ideário do progresso e cidades : uma Curitiba das primeiras décadas do séc. XX.

Estudos Ibero-Americanos. PUCRS, v.XXIV, n.1, p.75-94, junho 1998.

Page 50: REMEMORAÇÕES DA CIDADE DE CURITIBA - historia.ufpr.br · Para essa discussão foram essenciais as obras de autores como ... Euclides Bandeira e Mário Marcondes de Albuquerque

46

SÊGA, Rafael Augustus. Melhoramentos da capital : a reestruturação do quadro urbano de

Curitiba durante a gestão do prefeito Cândido de Abreu (1913-1916). Curitiba, 1996.

Dissertação (Mestrado em História). Universidade Federal do Paraná.

SEVCENKO, Nicolau. O prelúdio republicano, astúcias da ordem e ilusões do progresso. In:

______ (org.). História da vida privada no Brasil. v. 3. República: da Belle époque à era do

rádio. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.

SUTIL, Marcelo Saldanha. Beirais e Platibandas : A arquitetura de Curitiba na primeira

metade do século 20. Curitiba, 2003. Tese (Doutorado em História). Universidade Federal do

Paraná.

______. O espelho e a miragem : Ecletismo, moradia e modernidade na Curitiba do início do

século. Curitiba, 1996. Dissertação (Mestrado em História). Universidade Federal do Paraná.

TOPALOV, Christian. Da questão social aos problemas urbanos: os reformadores e a

população das metrópoles em princípios do século XX. In: PECHMAN, Robert; RIBEIRO,

Luiz Cesar de Queiroz (orgs.). Cidade, povo e nação. Gênese do urbanismo moderno. Rio de

Janeiro: Civilização Brasileira, 1996, p. 23-51.

VELLOSO, Monica Pimenta. O modernismo e a questão nacional. In: FERREIRA, Jorge;

DELGADO, Lucília de A. N. (orgs.). O Brasil republicano. O tempo do liberalismo

excludente : da Proclamação da República à Revolução de 1930. Rio de Janeiro: Civilização

Brasileira, 2003.