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VISÕES DA RELIGIÃO: O OLHAR FOTOGRÁFICO NAS FESTAS RELIGIOSAS DA CIDADE DE SANTA FÉ – PR.
TEIXEIRA, Joubert Paulo (PPH-UEM –Capes) PELEGRINI, Sandra de Cássia Araújo (DHI/UEM -NEE/UNICAMP)*
É inegável que a sociedade atual, caminhando para um mundo cada vez
mais globalizado, atravessa um período de estandardização dos
comportamentos. Na contra-corrente dessa tendência assistimos a um
crescente apego às identidades locais por parte de diversos grupos sociais,
além de um interesse cada vez maior sobre a diversidade cultural.
A memória desses grupos passa a ser alvo de atenção, sendo sua
preservação fator preponderante para a continuidade dos laços identitários dos
mesmos. A memória é vista assim como um bem portador de saberes e
práticas do passado, necessitando por isso ser preservada.
Elencando de forma esquemática junto a Pollack1, podemos separar os
elementos constitutivos da memória primeiramente em acontecimentos vividos
pessoalmente, em segundo lugar os acontecimentos dos quais o indivíduo não
participou, mas que pertencem ao seu grupo e ele vive como que
indiretamente, e por último, a constituição da memória por pessoas ou
personagens, além dos lugares.
Portelli a propósito da memória, elenca o fato de ser construída por
indivíduos, mas que “é social e pode ser compartilhada (razão pela qual cada
indivíduo tem algo a contribuir para a história ‘social’”2. Se por um lado a
memória só é materializada nas reminiscências dos indivíduos, só se torna
memória coletiva quando abstraída e separada do indivíduo, sendo mediada
por ideologias, linguagens, senso comum etc. Como define o autor, deve-se
procurar oposições não só entre campos de memória, mas também entre as
próprias memórias dos grupos, que são múltiplas.
* Mestrando do PPH-UEM/Pr. Bolsista da Capes. Graduado em História pela UEM – Orientadora: Doutora em História Social pela USP e pós-doutoranda pelo NEE/UNICAMP, sob a tutela do Prof. Dr. Pedro Paulo Funari. Docente do DHI-UEM/Pr. 1 POLLACK, Michael. Memória e identidade social. Em: Estudos Históricos. vol. 05, nº 10. 2 PORTELLI, Alessandro. O massacre de Civitella Val di Chiana (Toscana, 29 de junho de 1944): mito e política, luto e senso comum. Em: FERREIRA, Marieta de Moraes , AMADO, Janaína (orgs.). Usos e abusos da história oral. p. 127
2
Diferenciando a história da memória podemos dizer que enquanto a
memória sempre emerge de um grupo unido por ela, sendo assim coletiva,
plural e individualizada, a história pertence a todos e a ninguém, tendo uma
vocação para o universal. Segundo Nora
a memória é vida, sempre carregada por grupos vivos e, nesse
sentido, ela está em permanente evolução, aberta a dialética da lembrança e
do esquecimento, inconsciente de suas deformações sucessivas, vulnerável a
todos os usos e manipulações, suscetível de longas latências e de repentinas
revitalizações. A história é a reconstrução sempre problemática e incompleta
do que não existe mais. A memória é um fenômeno sempre atual, um elo
vivido no eterno presente; a história uma representação do passado.3
Para ele o que ocorre em nossa sociedade atual é a passagem de uma
memória verdadeira, abrigada no gesto e no hábito, para a história, que é
quase seu contrário, pois é voluntária e deliberada, vivida como um dever, e
não mais como espontânea, individual e não mais coletiva. Segundo ele este
tipo de memória se apóia inteiramente no vestígio, no que há de mais concreto,
pois quanto menos a memória é vivida no interior, mais ela tem necessidade de
suportes exteriores e de referências tangíveis, vivendo somente através delas.
O que está em jogo na memória é o sentido da identidade individual e do
grupo, pois a construção desta se produz em referência aos outros, a critérios
de aceitabilidade, admissibilidade, credibilidade, como expõe Pollack, e ainda
a referência ao passado serve para manter a coesão dos grupos e das
instituições que compõem uma sociedade, para definir seu lugar respectivo,
sua complementaridade, mas também as oposições irredutíveis.4
Numa sociedade que desenraiza, que estantardiza os comportamentos,
a construção dos lugares de memória surgem como a vontade de busca do
grupo que se auto-reconhece e se diferencia, tentando resgatar sinais de
pertencimento. É a quebra das raízes que leva-nos a buscar nossas origens; a
incerteza sobre o passado transforma tudo em vestígio, pois nossa percepção
do passado leva-nos, como expõe Nora, à apropriação do que sabemos não
mais nos pertencer.
3 NORA, Pierre. Entre memória e história: a problemática dos lugares. Em: Projeto História. p. 09. 4 POLLACK, Michael. Memória, esquecimento, silêncio. Em: Estudos Históricos. v. 02, nº 03. p. 09
3
Nora ainda explicita o desejo de cada grupo em preservar sua memória,
garantindo a preservação do grupo e sua identidade; preservar todo e qualquer
vestígio que possa provar a existência do mesmo, ou fazê-lo se lembrar e ser
lembrado:
À medida que desaparece a memória tradicional, nós nos sentimos
obrigados a acumular religiosamente vestígios, testemunhos, documentos,
imagens, discursos, sinais visíveis do que foi, como se esse dossiê cada vez
mais prolífero devesse se tornar prova em não se sabe que tribunal da
história.5
Dessa forma, fotografia é vista por nós como um documento privilegiado
na materialização da memória, requerendo, porém, uma análise diferenciada.
Seus usos e funções exercem um fascínio sobre os agentes históricos, que
constroem formas de representação postas em circulação por meio desses
documentos.
Como apontam Mauad e Cardoso6, o fator principal para se chegar ao
que não foi imediatamente revelado pela fotografia é inseri-la no panorama
cultural no qual foi produzida, e entendê-la como uma escolha realizada de
acordo com uma dada visão de mundo.
Em momentos importantes, nos quais sentimos a necessidade de
eternizar, a fotografia surge como um documento para manter viva a memória,
para garantir a coesão do grupo, manter valores em comum, além de
comunicar a futuros o seu próprio modo de vida. Pois nossa sociedade busca
reviver a memória em lugares, objetos e ações. A memória impregna o objeto e
o restitui ao todo ausente, re-situa o sujeito no mundo vivido.
A relevância do documento fotográfico como fonte de pesquisa se reflete
pelo fato de que vivemos em uma sociedade onde o acesso à informação
passa cada vez mais do escrito ao visual – não excetuando suportes que
veiculam os dois gêneros de informação. A fotografia constitui-se como
mediadora nas relações entre os indivíduos; instrumento de sociabilidade. É
necessário atentar para o fato de que nos últimos vinte anos, a fotografia
deixou de ser um mero instrumento ilustrativo da pesquisa histórica para
assumir seu local como documento. 5 NORA, Pierre. memória e história: a problemática dos lugares. Em: Projeto História. p. 15 6 CARDOSO, Ciro F. e ANDRADE, Ana Maria Mauad. História e Imagem: os exemplos da fotografia e do cinema. Em: CARDOSO, Ciro F. e VAINFAS, Ronaldo. Domínios da História. p. 406
4
A associação da cidade de Santa Fé com a religião se deu desde os
momentos iniciais de sua fundação, quando os loteadores da cidade colocaram
a colonização como uma obra patriótica, abençoada por Deus, como está
presente em película de cunho propagandístico produzido pela imobiliária na
década de 19507. Essa concepção é construída de forma explícita pela
película, por ocasião da colocação do Cruzeiro – após procissão – “o Cruzeiro
plantado como uma semente do cristianismo em solo paranaense”. A
colonização foi assim colocada como um plano patriótico criando condição de
prosperidade ao povo.
A Igreja exercia grande força na vida das pessoas na década de 1950
em Santa Fé, pois como aponta o senhor Manoel Fernandes “naquela época,
as pessoas estavam bastante ligadas a igreja, católica principalmente, a
palavra do padre, era como se fosse uma suprema ordem a ser cumprida por
todos”8.
A Igreja, e sua praça, se tornava um
espaço de construção de sociabilidades,
ocupando o espaço central na cidade em sua
planta inicial, com as duas ruas mais largas se
cruzando à sua frente. Como apontado por
Schwartz e Lockhart9, esse estilo veio para o
Brasil logo no início da colonização, pois regra
geral, as igrejas ficavam nas praças principais ou
em locais altos dentro da cidade. As praças, não
só as da igreja, eram cenários para encontros,
cerimônias etc. Em outro parágrafo, os referidos autores explicitam essa
organização da cidade em torno da Igreja:
As cidades eram organizadas internamente em freguesias segundo os
limites tradicionais, a época de incorporação à municipalidade ou, às vezes,
alguma ação governamental. As freguesias mais comuns eram formadas pelas
divisões eclesiais, centradas nas igrejas paroquiais. Ali as pessoas faziam
contato de forma contínua, ouviam a missa, compareciam a casamentos,
batizados e funerais, celebravam as festas do santo padroeiro e organizavam
7 Cidade Santa Fé. [Filme]. Rossi Filmes. Londrina, 1950. 30 min. PxB. Son. 8 Entrevista do senhor Manoel Fernandes presente em MACEDO, Sérgio. Alguns pontos da história de nossa terra. 9 SCHWARTZ, S. & LOCKHART, J. A América Latina na época colonial. p. 272.
5
várias atividades civis e religiosas.[...] A paróquia era o núcleo do bairro,
unidade básica da cidade10.
Como aponta Eliade11, o homem religioso não concebe o espaço de
forma homogênea, há assim porções de espaço diferentes de outras. Certas
partes desse espaço adquirem um status orientador, ou seja, o sagrado
manifestando-se, organiza certas porções de espaço, fundando-o. Nesses
espaços torna-se possível a comunicação com deuses e santos, ou seja, com o
sagrado; um local que se torna uma via de comunicação entre homens e Deus.
A Igreja torna-se assim um local de comunicação com os céus. Assim
como o espaço sagrado é um lugar qualitativamente diferente de outros,
adquirindo o status de centro do mundo, a Igreja – ou qualquer templo sagrado
– adquire também o significado de centro, pois o centro é justamente o lugar
onde se efetua um rotura de nível, onde o espaço se torna sagrado.
Como aponta Eliade, o homem religioso deseja viver o mais próximo
possível desse centro, deseja não só isso, mas que também sua casa se torne
um centro. Talvez seja por isso que a artimanha dos corretores santafeenses
com a “Igreja sobre rodas” teve tanto sucesso na venda de terrenos.
A seguinte fotografia, constante no acervo da Secretaria da Cultura da
Prefeitura Municipal de Santa Fé, foi adquirida em um movimento em 1991
realizado pela Prefeitura para resgatar a memória da cidade, no qual vários
pioneiros doaram fotografias suas. A fotografia apresenta a cromia preto e
branco e medidas de 23x17 cm, boa conservação do suporte e conteúdo.
Conforme indicação da legenda, data
de 1950. Trata-se de uma reprodução
da fotografia original, que se perdeu.
Na fotografia pode-se ver uma
edificação de madeira ao centro do
positivo com uma cruz em cima
(Igreja) e duas pequenas torres em
suas laterais, fixadas na própria estrutura da Igreja. Há um espaço aberto à
frente e ao lado da edificação. Pode-se ver árvores ao fundo e troncos de
madeira no canto médio direito. No canto médio esquerdo, ao fundo, pode-se
10 Idem. p. 274 11 ELIADE, Mircea. O sagrado e o profano. p. 44.
6
ver a silhueta do que parece ser uma edificação. Dentro da Igreja consegue-se
ver a sombra de algo, porém não é possível identificar. Vê-se que há uma
distância entre a Igreja e o solo, sendo que aquela é sustentada por pilares.
Na verdade esta fotografia foi utilizada como um artefato
propagandístico para vender lotes na cidade de Santa Fé. Além do que, a
própria Igreja sobre rodas implica num “artifício” para valorizar o solo urbano e
para criar a sensação de progresso. Em 1950 Santa Fé ainda estava em seu
período de colonização, com a imobiliária Carezzato e França vendendo lotes
na região da cidade. De 1948, data do início do loteamento, até 1950, ocasião
de um grande evento na cidade, todos os eventos foram filmados e
fotografados pela imobiliária.
Em 1950, realizou-se uma procissão com a imagem de Nossa Senhora
das Graças, inaugurou-se uma escolinha construída pela imobiliária, uma
capelinha (a da fotografia) com capacidade para 30 pessoas, houve um
churrasco para todos da cidade, além dos visitantes, realizou-se uma reunião
com compradores de lotes da cidade. Todos esses eventos tiveram a presença
de autoridades do Estado do Paraná.
O filme, assim como as fotografias cumpriam a função de criar uma “boa
imagem” da cidade, apoiada em diversas representações, segurança,
religiosidade etc, para atrair compradores; o que deu certo como já frisamos.
Como dissemos, o temor a Deus e a religiosidade eram muito grandes, logo, as
pessoas que compravam lotes queriam que seus lotes fossem perto da Igreja.
Assim a malícia dos loteadores falou mais alto.
Construíram uma pequena Igreja sobre rodas, a qual rebocavam para
perto do lote que queriam vender, para que o possível comprador comprovasse
que seu lote era perto da Igreja. Assim que vendiam o terreno e o comprador
voltava para sua região para organizar a mudança para Santa Fé, eles
rebocavam a Igreja para perto de outro lote a ser vendido, e assim
sucessivamente. Isso começou em 1948, ocasionando uma grande quantidade
de vendas de lotes; em 1950 por ocasião do evento de inauguração já
mencionado, a Igreja já estava se “estabilizando” em um local da cidade, sendo
fotografada para que, junto com o filme e outras fotografias, desse lugar a uma
nova forma de propaganda: a exibição do filme e fotografias de Santa Fé em
várias cidades do Estado de São Paulo e Minas Gerais.
7
A série de fotografias a seguir retrata a festa realizada em 23/07/1950
por ocasião da inauguração do patrimônio de Santa Fé, antecedida por uma
procissão da imagem de Nossa Senhora das Graças, doada pela senhora
Helena Carezatto, esposa de Lupércio Carezatto, dono da imobiliária que
loteou a cidade. A procissão percorreu a avenida principal da cidade e terminou
na capelinha construída pela imobiliária,
ocorrendo ali a primeira missa
ministrada pelo padre José Schrek dos
pallotinos de Londrina.
A fotografia ao lado, presente no
acervo da Secretaria de Cultura da
Prefeitura Municipal de Santa Fé,
possui medidas de 23x17 centímetros, e
retrata a procissão de Nossa das Graças. Vemos um agrupamento de pessoas
circundando o plano médio da fotografia, indo do canto inferior direito ao centro
da fotografia, em perspectiva, e chegando ao canto inferior esquerdo. Atrás
dessa linha de pessoas vêem-se diversas árvores, presentes também ao
fundo. Ao centro há um espaço vazio.
Podemos perceber que esse grupo de pessoas está abrindo espaço
para a passagem do grupo que está caminhando. Algumas pessoas estão
carregando um andor com a imagem de Nossa Senhora das Graças. Logo
atrás da imagem podemos perceber a presença de um Cruzeiro e uma faixa
branca.
O que nos chama atenção nessa fotografia são dois homens presentes
no canto esquerdo da fotografia. Estão segurando o que parece ser uma
câmera fotográfica ou filmadora. Podemos inferir que seja a equipe da Rossi
Filmes de Londrina, que produziu o filme publicitário da cidade. Isso é
corroborado pelo fato de que o ângulo onde estão gera uma imagem muito
semelhante à presente no filme. Vê-se aqui a mescla de uma festa religiosa,
significativa para a população, com uma utilização publicitária por parte dos
loteadores da cidade dos registros da mesma.
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Se opondo a qualquer aspecto do que viemos fazendo até o momento,
que Barthes chamaria de studium12, ou um interesse em analisar o processo de
gênese da fotografia, está o que ele chama de punctum, algo que nos punge,
nos atravessa como uma flecha. São pontos presentes na fotografia que nos
chamam a atenção, nos marcando sobremaneira. E é precisamente a silhueta
de um homem no canto esquerdo da fotografia que exerce (pelo menos para
nós) essa função de punctum. Esse homem sem rosto, o qual só conhecemos
sua sombra, leva-nos a questionar sua identidade; quem seria este homem?
Estaria triste, alegre, compenetrado? Mesmo que não conheçamos as pessoas
retratadas na fotografia, o próprio fato de podermos ver-lhes os rostos aplaca
nossa curiosidade, mas este homem sem rosto se torna um item destoante na
festa retratada, enfim, um punctum.
A seguinte fotografia, também
constante da mesma série, e
possuindo as mesmas medidas,
retrata um ângulo mais restrito da
procissão. Em seu conteúdo imagético
vemos um aglomerado de pessoas
ocupando todo o centro da fotografia.
Logo atrás vemos a imagem de Nossa
Senhora das Graças e mais ao fundo
árvores. No canto direito pode-se ver um tronco de madeira, provavelmente o
Cruzeiro, fincado neste dia. O homem vestido de terno branco e usando óculos
é o senhor Lupércio Carezatto, dono da imobiliária Santa Fé (depois Carezatto
e França), loteadora da cidade.
Percebe-se que as pessoas portando chapéus estão com eles nas
mãos, sinal de respeito à procissão do santo e também ao sacerdote religioso.
O enquadramento utilizado pelo fotógrafo, mesmo sendo grande angular,
cortou os pés das pessoas do quadro, bem como a cabeça da santa. Para
compor o quadro corretamente o fotógrafo deveria ter se distanciado mais do
assunto, porém não deve ter havido tempo para tal, pois o que aparenta é que
o objetivo principal era registrar o exato momento da bênção do padre.
12 BARTHES, Roland. A câmara clara. p. 44-46.
9
Percebe-se que o sacerdote tem em uma de suas mãos um livro aberto – a
bíblia? – e gesticula com sua mão direita. Vemos aqui uma fotografia
jornalística, o registro de um momento significativo. As câmeras de 1950 já
possuíam uma capacidade de captura rápida, proporcionando a possibilidade
de registrar momentos sem necessidade de longas exposições.
Um detalhe também significativo é
que diversas pessoas estão trajadas com
ternos, camisas e as mulheres com
vestidos, corroborando a tradição,
principalmente em cidades do interior e
mais ainda daquela época, das pessoas
guardarem suas melhores roupas para as
missas de domingo ou procissões; eram as chamadas “roupas de domingo”.
Segundo o livro tombo da paróquia, as procissões da cidade eram
freqüentadíssimas, sendo inúmeras também as comunhões e as crismas; em
30 de maio de 1952, por exemplo, foram registradas 600 crismas e em 06 de
abril de 1957 foram 1530 comunhões13.
O mesmo livro registra um excelente comportamento dos fiéis, que
segundo a visão do padre que fazia seu registro no livro, seriam todos ordeiros
e tementes a Deus. Percebe-se em ambas fotografias um ordenamento
interessante, as mulheres estão de um lado da procissão e os homens de
outro, em duas filas distintas, sendo da
mesma forma a entrada na igreja, como
retratado na fotografia abaixo.
Esta é uma antiga tradição da
Igreja Católica, colocada em desuso nos
tempos atuais. Em visita às ruínas de San
Ignacio Mini na Argentina, fomos
informados que na Igreja dessa
localidade, na época colonial, havia duas portas laterais, sendo uma destinada
à entrada dos homens e a outra às mulheres. A porta central era reservada à
entrada do clero durante as missas.
13 LIVRO TOMBO da paróquia Nossa Senhora das Graças. p. 05 verso e 09 verso.
10
As duas fotografias a seguir
pertencem ao senhor Eloy Rodrigues dos
Santos. Possuindo medidas 11,4x8,4 cm e
11,8x8,5 cm respectivamente, retratam a
procissão de Nossa Senhora das Graças em
1957, realizada pela missão dos
capuchinhos, em visita à cidade.
Retratando um aglomerado de
pessoas que abrem caminho para a
passagem da santa, certos elementos nos
chamam atenção na fotografia ao lado, como
a profusão de mulheres com a cabeça coberta com véus, como o grupo com
véus brancos no canto direito superior, sem dúvida em uma demonstração de
respeito ao sagrado, com o branco como uma cor simbólica em rituais
litúrgicos. As três crianças com vestidos semelhantes no canto direito.
Novamente percebemos as pessoas com roupas de ocasiões especiais. Os
membros da igreja com as mãos postas na mesma posição das imagens de
santos.
Podemos perceber também em ambas as fotografias a bandeira da
congregação dos Marianos, fundada por um grupo liderado pelo senhor José
Brambilla, um pioneiro da cidade famoso por ser rezador de terços, em 21 de
junho de 1951. Mas novamente retornando ao que Barthes chama de punctum,
o que nos marca é a compenetração do indivíduo carregando o andor da santa
na fotografia superior. Seu rosto levemente abaixado, a mão que segura o
andor ao lado de sua face esquerda. O que teria sentido esse indivíduo?
Questões que estamos longe de responder, porém ficando esses momentos
registrados na memória fotográfica.
Junto com Martins14 podemos concluir que não só a fotografia, mas
também o fotógrafo se incorpora ao sagrado. É precisamente a tolerância por
parte dos agentes envolvidos nesses atos religiosos da intrusão do fotógrafo
que o recria como protagonista do culto, o intermediador entre esses eventos e
nós, por meio de uma ótica específica, mesmo que o fotógrafo não se dê conta
14 MARTINS, José de Souza. A imagem incomum: a fotografia dos atos de fé no Brasil. Em: Estudos avançados. p. 15.
11
disso, ou ainda que sua atuação seja totalmente diversa dos agentes
envolvidos.
BIBLIOGRAFIA
AUMONT, Jacques. A imagem. Campinas: Papirus, 1993. BARTHES, Roland. A câmara clara. Rio de Janeiro: Nova Fronteira: 1984.
CARDOSO, Ciro F. e ANDRADE, Ana Maria Mauad. História e Imagem: os exemplos da fotografia e do cinema. Em: CARDOSO, Ciro Flamarion e VAINFAS, Ronaldo (orgs.) Domínios da História: Ensaios de Teoria e Metodologia. Rio de Janeiro: Campus, 1997. p. 401-417.
DUBOIS, Philippe. O ato fotográfico e outros ensaios. Campinas: Papirus, 1994. ELIADE, Mircea. O sagrado e o profano: a essência das religiões. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
JOLY, Martine. Introdução à análise da imagem. Campinas: Papyrus, 1996. JORNAL PULSANDO. Apucarana, Julho de 1977. Número especial. KOSSOY, Boris. Fotografia e história. São Paulo; Ática, 1989. ________. Realidades e ficções na trama fotográfica. Cotia: Ateliê Editorial, 2002.
LIVRO TOMBO da paróquia Nossa Senhora das Graças. MACEDO, Sérgio. Alguns pontos da história de nossa terra. (dissertação). Snt. NEIVA JÚNIOR, Eduardo. A imagem. São Paulo: Ática, 1994. NORA, Pierre. Entre memória e história: a problemática dos lugares. Em: Projeto História. nº 10, 1993. POLACK, Michael. Memória e identidade social. Em: Estudos Históricos. Rio de Janeiro, 1992, v. 05, nº 10. POLLACK, Michael. Memória, esquecimento, silêncio. Em: Estudos Históricos. Rio de Janeiro, 1989, v. 02, nº 03. PORTELLI, Alessandro. O massacre de Civitella Val di Chiana (Toscana, 29 de junho de 1944): mito e política, luto e senso comum. Em: FERREIRA, Marieta
12
de Moraes , AMADO, Janaína (orgs.). Usos e abusos da história oral. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 2001.
SCHWARTZ, Stuart B. e LOCHART, James. A América Latina na época colonial. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002.
TEIXEIRA, Joubert Paulo e outros. Descrevendo fotografias. Em: MORELLI, Ailton José (Org.). Introdução ao estudo de História. Maringá (PR): EDUEM, 2005.