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Relatório de Práticas do Desenho Introdução Na minha proposta inicial escrevi: “Este semestre em Praticas do Desenho interessava‐me continuar a explorar o que considero ser a maior problemática na minha prática artística, a necessidade contínua e compulsiva de registar através do desenho tudo o que observo ou penso. Esta necessidade tem‐se manifestado principalmente na elaboração de inúmeros cadernos, os conhecidos diários gráficos. Para mim, esses cadernos são uma espécie de matéria em bruto, são como que a ideia que precisa de ser desenvolvida e era isso que queria tentar descobrir ou explorar. Se todos estes desenhos que estão ali arquivados pertencem a este formato caderno, para serem guardados como álbuns e posteriormente retirados do baú e mostrados aos netos ou se tenho de facto ali algum ponto de partida para algo mais sólido. Tenho vindo a usar os desenhos destes diários em animações e como inspiração para ilustrações e banda desenhada por isso não vou estar a partir do zero absoluto no que diz respeito a esta questão. Ilustração, banda desenhada, a produção de livros de artista são tudo áreas que me interessam e fazer uso das técnicas de impressão para explorar e aprofundar o desenho como método de registo e documentação parecem‐me bons pontos de partida para iniciar um projeto. Aumentar a escala do desenho, mesmo trazendo‐o para a rua seria também algo que desejaria experimentar já que sinto que os meus desenhos se têm cingido à escala de um caderno, o que o pode ser uma limitação.” O relatório que se segue pretendo explicitar o processo do trabalho desenvolvido com base nesta proposta ao longo do semestre. A primeira abordagem que tive ao projecto foi pegar em desenhos realizados em diários gráficos passados, que por algum motivo me tinham deixado mais satisfeita, e tentar recria‐los numa escala maior. A primeira tentativa falhou e fez‐me repensar na relevância do projecto e ultimamente no objecto em si. Se a minha intenção era aumentar a escala deveria pura e simplesmente abandonar o caderno? Ou aumentar o caderno em si? Desenho num caderno no Festival SuperBock SuperRock Caneta e Aguarelas, Caderno A5 Sofia Palma O próximo passo foi precisamente esse. Peguei num caderno maior (não muito maior, um A4, aberto A3 mas que ainda assim fugia bastante ao confortável A5, aberto A4) e durante algumas semanas vi a escala dos meus desenhos aumentada, enquanto lutava por conseguir encaixa‐los num espaço a principio demasiado grande. Penso que esta experiência foi bastante positiva, os desenhos funcionavam bem nesta nova escala, foi como se ganhassem novo folgo.

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Relatório de Práticas do Desenho 

Introdução 

Na minha proposta inicial escrevi: 

“Este  semestre  em  Praticas  do  Desenho  interessava‐me  continuar  a  explorar  o  que  considero  ser  a  maior problemática na minha prática artística, a necessidade contínua e compulsiva de registar através do desenho tudo o que observo ou penso. Esta necessidade tem‐se manifestado principalmente na elaboração de inúmeros cadernos, os  conhecidos diários gráficos. Para mim, esses  cadernos  são uma espécie de matéria em bruto,  são  como que a ideia que precisa de ser desenvolvida e era  isso que queria tentar descobrir ou explorar. Se todos estes desenhos que estão ali arquivados pertencem a este formato caderno, para serem guardados como álbuns e posteriormente retirados do baú e mostrados aos netos ou se tenho de facto ali algum ponto de partida para algo mais sólido.  

Tenho vindo a usar os desenhos destes diários em animações e como inspiração para ilustrações e banda desenhada por isso não vou estar a partir do zero absoluto no que diz respeito a esta questão.  

Ilustração,  banda  desenhada,  a  produção  de  livros  de  artista  são  tudo  áreas  que me  interessam  e  fazer  uso  das técnicas de impressão para explorar e aprofundar o desenho como método de registo e documentação parecem‐me bons pontos de partida para iniciar um projeto.  

Aumentar a escala do desenho, mesmo trazendo‐o para a rua seria também algo que desejaria experimentar já que sinto que os meus desenhos se têm cingido à escala de um caderno, o que o pode ser uma limitação.” 

O relatório que se segue pretendo explicitar o processo do trabalho desenvolvido com base nesta proposta ao longo do semestre. 

A primeira abordagem que tive ao projecto foi pegar em desenhos realizados em diários gráficos passados, que por algum motivo me tinham deixado mais satisfeita, e tentar recria‐los numa escala maior. A primeira tentativa falhou e fez‐me  repensar na  relevância do projecto e ultimamente no objecto em si.  Se a minha  intenção era aumentar a escala deveria pura e simplesmente abandonar o caderno? Ou aumentar o caderno em si? 

 

 

 

Desenho  num caderno no Festival SuperBock SuperRock 

Caneta e Aguarelas, Caderno A5 

Sofia Palma 

 

O próximo passo foi precisamente esse. Peguei num caderno maior (não muito maior, um A4, aberto A3 mas que ainda assim fugia bastante ao confortável A5, aberto A4) e durante algumas semanas vi a escala dos meus desenhos aumentada, enquanto  lutava por conseguir encaixa‐los num espaço a principio demasiado grande. Penso que esta experiência  foi bastante positiva, os desenhos  funcionavam bem nesta nova escala,  foi  como  se ganhassem novo folgo.  

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Desenho num caderno em Ourense  

Caneta e Aguarelas, caderno A4 

Sofia Palma 

 

Ainda  assim,  no  atelier  debatia‐me  com o  passar  das  horas.  Como  desenvolver  o meu  projecto  naquele  espaço? Tentei inclui‐lo nos meus desenhos mas desenhar a sala não era propriamente tarefa que me entusiasmasse ou que tivesse algo que ver com toda a ideia de registo de quotidiano e da minha vida.  

Apercebi‐me que naqueles cadernos me encontrava limitada pelo desenho de observação directa.  

Então tornei‐me consciente de uma outra família de desenhos que surgiam precisamente nas alturas em que nada tinha que desenhar ou já tudo tinha desenhado. Esta família de desenhos, que correspondia ao meu imaginário tinha tendência  a  surgir  precisamente  nessas  alturas,  durante  aulas  ou  longas  esperas  num  único  espaço  onde  nada demais acontecia. E  fui‐me apercebendo que era raro eu deixar esse outro  lado entrar nos cadernos que venho a produzir à tanto tempo, que os considerava quase como pouco dignos.  

 

 

 

 

 

Desenhos Invisiveis 

Lápis de cor, caneta num caderno A5 

Sofia Palma 

 

No atelier, no entanto comecei a acolhe‐los satisfeita. Peguei num rolo de papel e comecei a desenhar, a desenhar o invisível, o imaginado. E logo surgiram corpos dançantes, personagens contorcidos, que corriam que saltavam e que contavam histórias. Comecei a escrever e a entrar cada vez mais nesse mundo.  

E assim apareceu um caderno que, talvez pela primeira vez, não conseguia mostrar tão facilmente.  

 

 

Caderno A5, Caneta  

Sofia Palma 

Nele  surgiram  as  histórias  em  que  comecei  a  trabalhar  e  desenvolver  durante  o  semestre.  E  que  possivelmente continuarei a desenvolver ao longo do ano. 

Os primeiros trabalhos que surgiram foram uma série de aguarelas e desenhos a tinta da china sobre  algo que tem vindo  a  ocupar  grande  parte  do meu  tempo:  correr,  nadar  e  andar  de  bicicleta.  Este  ano  comecei  a  treinar  para participar em mini maratonas e eventos do gênero. Obviamente esse tempo veio reflectir‐se nos meus desenhos e tentei fazer algumas sequências que o demonstrassem. Infelizmente penso que não ficaram muito bem resolvidas, embora  sinta  que  os  desenhos  a  tinta  da  china  estejam  mais  bem  conseguidos  não  consegui  concretiza‐los  de maneira  a  ficar  satisfeita.  Talvez  novamente  por  terem  sido  feitos  numa  escala  com  que  não  me  sinto  tão confortável.  

 

Natação 

Tinta da China em papel de gravura 

Sofia Palma 

Ao  mesmo  tempo  comecei  a  trabalhar  numa  história/narrativa  sobre  três  irmãs.  Embora  não  se  relacionem directamente comigo são apontamentos de pensamentos ou conversas escutadas.  

Na primeira história as  irmãs encontram‐se nuas a apanhar sol, mas esta acção deixa duas delas envergonhadas e preocupadas  com  a  possibilidade  de  terem  sido  vistas  por  alguém.  Na  piscina  elas  desejam  soltar‐se  os  cabelos, presos nas toucas, e flutuar nas águas com cloro. Finalmente, juntas à noite, reflectem sobre os eventos do dia. 

 

 

 

 

 

 

 

 

Estudos para as Irmãs Claras 

Lápis e Caneta, Caderno A4 

Sofia Palma 

A irmã da minha colega de quarto costumava ir fazer topless no verão para o quintal da casa delas, que ficava à beira de uma via  rápida. Obviamente,  recebia muitas apitadelas durante o dia. Quando comecei a  ir à piscina e  tive de para  isso comprar  todo o equipamento necessário  lembrei‐me da  frustração que em pequena sentia ao colocar a touca de natação, do pó de  talco e da dor dos  cabelos arrepelados. Estas memórias  foram o que  levou à  criação desta história. 

Falando de um ponto de vista formal e estético, embora os primeiros esboços para a história tenham sido feitos a caneta senti que os desenhos seriam mais fortes se realizados a lápis e com cor. A principio tinha‐os apenas feito a uma  cor  mas  senti  necessidade  de  acrescentar  uma  segunda,  complementar  neste  caso,  para  realçar  pequenos detalhes.  

A principio não tinha pensado em transformar esta história numa banda desenhada editada e para publicação pelo que  desenhei  os  painéis  como  páginas  duplas,  quando  imprimi  verifiquei  que  os  desenhos  ficavam  cortados  e  o aspecto geral era um pouco confuso.  

Tentei melhorar tudo isto na segunda história das irmãs. 

Depois  de  concluída esta    primeira  edição decidi  dar  continuação à história, mantendo o mesmo  registo de duas cores, desenhos realizados a lápis mas desta vez tentando dar à apresentação geral um ar mais neutro, mais limpo. 

 

 

 

 

Estudos para o segundo volume das Irmãs Claras 

Caneta em Caderno A5 

Sofia Palma 

A história conta como as irmãs cortam os cabelos numa tentativa de se sentirem menos como elas próprias, juntam as casas porque é inverno e procuram prendas de natal.  

Mais uma vez tendo em conta os desenhos realizados anteriormente apercebi‐me que seria importante inserir um cenário. Fiz diversas tentativas baseando‐me nas minhas memórias dos tempos de erasmus na Estónia e penso ter conseguido chegar a um resultado satisfactório das casas que elas habitam. Era importante para mim dar a entender que  as  irmãs  embora    iguais  são  personagens  distintas  com  personalidades  próprias,  daí  as  casas  serem  todas diferentes (no entanto estão  juntas, as  irmãs continuam sem se conseguirem distanciar). A tentativa de mudarem através de uma manifestação exterior, um corte de cabelo, é uma acção a meu ver bastante feminina... E algo com que sem dúvida me identifico.  

Embora tenha ficado mais  satisfeita com os desenhos desta segunda história, com a disposição e relação no espaço, sinto que em termos narrativos ela não é tão forte.  

 

 

 

 

 

 

 

 

Irmãs Claras 

Publicações impressas em papel reciclado 

Sofia Palma 

Desde  cedo me  apercebi  que  a  animação  é  uma maneira  bastante  eficiente  de  resolver  este meu  interesse  pela narrativa,  por  contar  histórias.  Agrada‐me  principalmente  a  simplicidade.  Com  este  caderno  apontava  pequenos pensamentos que iam surgindo nas enumeras viagens que faço de comboio ao fim de semana para regressar a casa. “A história de uma garrafa  vazia”  é um apontamento que  realizei  num caderno,  uma  insignificância um pequeno pensamento que por muito pequeno de alguma forma foi ganhando força em mim, até resolver finalmente a realiza‐la. Quando ando de comboio é muito raro sentar‐me no lugar que me é atribuído, prefiro ir para a zona da cafetaria onde me posso sentar nos sofás e observar de forma menos constrangida o que me rodeia. Desta vez não estava propriamente  a  desenhar mas  sim  a  reparar  em  todos  os  pormenores.  Aquela  garrafa  ali  abandonada,  vazia  e  a abanar  durante  a   uma  hora  e  dez minutos  que  demorou  a  regressar  ao  porto  deixou‐me  essa  impressão  forte, suficiente para fazer um pequeno esboço, um pequeno apontamento. Esse apontamento foi o suficiente para criar a animação. 

“Alguém  deixou  esta  garrafa  para  trás.  Vazia,ela  abana  perigosamente  ao  ritmo  do  comboio.  As  janelas transformam‐se em espelhos. O comboio pára. E ambas sobrevivemos à viagem.” 

 Agradava‐me  fazer  uma  animação  que  tivesse  um  aspecto bastante  nervoso,  um  traço  que  treme,  que muda.  Penso  que esta agitação ilustra todo o espírito de uma viagem, talvez mais exagerada  porque  os  comboios  não  proporcionam  viagens assim tão acidentadas.  

Talvez seja um pouco estranho afirma‐lo mas durante a produão da animação senti que já sabia como ela acabaria, e os estudos que fiz para definir o ambiente, os personagens e a ordem das cenas  acabaram  por  ser  meras  formalidades  pois  conseguia visualizar bastante bem na minha cabeça a  forma como queria concretizar este pequeno projecto.  

Curta,  com  uns  meros  20  segundos,  sinto  que  pode  ser  um principio  de  uma  sequência  de  curtas  destes  pequenos apontamentos relâmpagos que me vão surgindo ao observar o ambiente que me rodeia. 

História de Uma Garrafa Vazia 

Stills da animação 

Sofia Palma 

 

 

 

 

Estudos para a animaçãoo 

 

 

 

 

 

Em paralelo desenvolvi um percurso semelhante trabalhando em técnicas de impressão: 

Partindo de imagens já criadas em cadernos tentem converte‐las em imagens mais apuradas através da utilização de técnicas de impressão. Estas tentativas não foram propriamente bem sucedidas pelo que transformei o caderno em matriz. Em vez de folhas de papel, o caderno passou a ter folhas de acetatos e tetrapacks. 

 

 

Impressão com um matriz de acetato, chinecolé, redesenhada com caneta preta, A4 

Sofia Palma 

 

Impressão em matriz de acetato, A4 

Sofia Palma 

Os primeiros não tão bem sucedidos foram no entanto importantes pois permitiram‐me começar a explorar a cor, através do chinecolé (técnica em que se cola papel colorido entre a chapa e o papel de impressão).  

Estas  experiencias  foram mais desenvolvidas  com a utilização de matrizes de  tetrapacks. Como costumo  ir  correr para  a  Ribeira  do  Porto,  levei  as  folhas  de  tetrapack  comigo  e  comecei  a  desenhar  nas  pausas  que  vazia  para recuperar o  folgo. Assim  surgiu uma  série que  inclui  desenhos das margens do  rio,  e  das  casas do outro  lado da estrada. Esta série será eventualmente transformada numa publicação. 

 

Teste de cor, matriz tetrapack, papel de jornal, chinecolé  

Sofia Palma 

 

 

Tetraoack, chinecolé , A4 

Sofia Palma 

 

Explorando  o  imaginário  também  com as  técnicas  levou‐me  a  esta  sequência  de  imagens,  baseada  em desenhos rápidos  a  tinta  da  china.  Embora  acabasse  por  abandonar  estas  experiências  sinto  que  é  um  caminho  que  ainda posso percorrer. 

 

Matriz de Zinco, Sugar Lift A5 

Sofia Palma 

Tinta da China em A3 

 

 

 

 

Matriz de Zinco, Sugarlift A5 e Tinta da China em A3 

Sofia Palma 

 

Conclusão 

Sinto que, embora  tenha  talvez  tido um percurso menos coerente consegui de alguma  forma descobrir algo mais sobre o desenho e  sobre a direcção que o meu  trabalho está a  tomar.  Foi‐me dada a possibilidade de  fazer uma instalação num espaço, numa exposição que  inaugura esta terça e onde poderei  finalmente aumentar o desenho, desenhado directamente nas paredes. O registo desse momento será enviado posteriormente.