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0 Relatório Parcial de Atividades Título do Projeto de Pós-Doutorado: TRANSmuseus Entre, Através e Além dos Espaços Expositivos: a arquitetura museológica contemporânea e sua relação com a cidade, a arte e as novas mídias. Período do Relatório: 03/2011 a 02/2012 Dados do Pós-Doutor: Nome (completo): Marcos Solon Kretli da Silva Dados do Docente Responsável: Nome (completo): Mônica Baptista Sampaio Tavares Unidade: ECA USP Departamento: Departamento de Artes Visuais

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Relatório Parcial de Atividades Título do Projeto de Pós-Doutorado: TRANSmuseus – Entre, Através e Além dos Espaços Expositivos: a arquitetura museológica contemporânea e sua relação com a cidade, a arte e as novas mídias. Período do Relatório: 03/2011 a 02/2012 Dados do Pós-Doutor: Nome (completo): Marcos Solon Kretli da Silva Dados do Docente Responsável: Nome (completo): Mônica Baptista Sampaio Tavares Unidade: ECA USP Departamento: Departamento de Artes Visuais

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Sumário:

1. Resumo do projeto de pesquisa >2

2. Andamento da pesquisa >3

3. Atividades desenvolvidas no período >4 3.1. Escritura dos textos >4

3.1.1. Transmuseus: entre, através e além dos espaços expositivos – Introdução >4

3.1.2. Transmutações nos modos de pensar e planejar a arquitetura museológica

contemporânea >10

3.1.3. Museus como espaços eventuais. O evento como experiência >20

3.1.4. Transitoriedade na arquitetura dos espaços expositivos: espaços do fluxo >24

3.1.5. A mobilidade como uma referência e uma prática estéticas >34

3.1.6. Pavilhões de exposição como espaços de transição e interação: do físico ao virtual e vice-versa > 41

3.1.7. Imersão e interatividade nos espaços da arte e das novas arte-mídias >54

3.1.8. Museus na era digital >59

3.1.9. Museus virtuais como espaços de fruição artística: origens e desenvolvimento de uma idéia >64

3.1.10. Resultados parciais obtidos >72

3.2. Outras atividades >72

3.2.1. Preparação e apresentação do conteúdo da disciplina Entre, através e além dos espaços expositivos >72

3.2.2. Apresentação de trabalho no II Seminário de Pesquisa da ECA USP >73

3.2.3. Desenvolvimento de artigo para apresentação no Congreso Internacional de la

Red INAV – Sevilha – Málaga, Espanha >73

3.2.4. Entrevistas >73

4. Plano de trabalho e cronograma das atividades que serão desenvolvidas nos próximos meses >74

5. Bibliografia Geral da Pesquisa >75

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1. Resumo do projeto de pesquisa

O objetivo principal deste projeto de pesquisa de pós-doutorado era implementar um ambiente laboratorial de investigação e reflexão sobre os modos de pensar e planejar as arquiteturas dos museus, centros de arte e outros espaços expositivos na contemporaneidade, abordando-as não apenas como um objeto concreto e material, mas também como espaços de onde surgem alguns processos eventuais de caráter transitorial, interativo e mutante que desencadeiam diversas experiências e relações espaciais, muitas vezes inusitadas, cujos movimentos questionam os modos tradicionais de perceber ou apreender os espaços museológicos e a própria arte instalada em seus recintos. Desse modo, ocorre um trânsito que vai de uma percepção espacial estática e contemplativa, em direção a novas possibilidades espaciais fundamentadas em uma apreensão dinâmica e uma ação interativa que pressupõem a mobilidade corporal dos usuários.

Para compreendermos esse dinamismo, procurou-se refletir sobre algumas propostas arquitetônicas específicas que têm sido tecnicamente criadas para atender às necessidades de algumas vertentes da arte contemporânea que abordam a questão da mobilidade enquanto uma referência e uma prática estéticas. As mais representativas por vezes são itinerantes, planejadas para serem montadas, desmontadas e transportadas posteriormente até outras localidades, levando consigo uma série de eventos. As arquiteturas do fluxo surgem assim como espaços de mobilidades e interações constantes, que podem se re-configurar e se re-organizar a cada novo evento como um campo de forças e de fluxos, ou seja, como um local de encontros e convivências, mas também transitório ou de transitoriedades fluídas, uma zona de passagem que tende a questionar padrões rígidos e obsoletos, em sintonia com o espírito do nosso tempo, chamado por alguns pensadores de “era líquida” ou “modernidade líquida” 1.

Destacam-se entre essas arquiteturas, alguns pavilhões de exposições desenvolvidos a partir dos princípios de liquidez, imersão e interatividade, com recursos e linguagens que tendem a se fundir com o desenvolvimento de interfaces entre as tecnologias arquitetônicas e midiáticas, revelando seu caráter híbrido, ao mesmo tempo físico e virtual.

Dando continuidade, investigamos de modo particular as relações dinâmicas que se descortinam entre os espaços expositivos e as novas arte-mídias, classificadas no contexto da cibercultura ou cultura digital. Para finalizar, refletimos sobre os museus virtuais, abordados como importantes desdobramentos midiáticos de algumas linhas museísticas já consolidadas e como circuitos “alternativos” de fruição da arte. A análise desses espaços e suas estratégias curatoriais são importantes, pois eles funcionam como traduções ou re-qualificações das ações museológicas no ciberespaço.

Além disso, a pesquisa procurou refletir também sobre determinados diálogos culturais de caráter inter e transdisciplinares, que são estabelecidas nos processos de criação das equipes dos profissionais selecionados. O que tem proporcionado a migração de métodos, procedimentos e ideias de outras áreas do conhecimento para o campo arquitetural e vice-versa. Os intercâmbios da arquitetura enquanto um campo do saber consolidado com outros segmentos, tendem a conduzir o planejamento dos edifícios dos museus, centros de arte e outros espaços expositivos rumo a idéias mais condizentes com esse período de mudanças

1 BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 2001 e

SANTAELLA, Lúcia. Linguagens Líquidas na Era da Mobilidade. São Paulo: Editora Paulus, 2007.

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na maneira de entender a teoria e a prática arquitetural, com suas linguagens e processos particulares, possibilitando o surgimento, desenvolvimento e aprimoramento de algumas referências conceituais ainda incipientes.

Os textos resultantes das investigações, reflexões e discussões em andamento serão disponibilizados ao final da pesquisa em um site experimental que ainda será desenvolvido.

2. Andamento da pesquisa

Depois de concluir o levantamento bibliográfico e a investigação metodológica com base em um movimento de passagem da inter à transdisciplinaridade, demos continuidade ao desenvolvimento da pesquisa que possibilitou a eliminação de limites rígidos entre domínios estanques e a abertura a outras dimensões do conhecimento, tendo em vista a exploração de uma diversidade de idéias, conceitos e práticas. Para criar uma base conceitual para apesquisa, investigamos e refletimos sobre alguns conceitos como os de transmuseus e transarquitetura, arquitetura eventual, arquitetura do fluxo, entre outros relacionados. Além desses conceitos preliminares, foram levantadas outras informações teórico-conceituais proveniente do contexto da cibercultura ou cultura digital, baseados nas noções de liquidez, imersão e interatividade. O que possibilitou a problematização e o levantamento de questões que atravessam e transcendem campos, dimensões e definições prévias.

Na sequência procuramos ler e processar textos de pensadores, artistas e arquitetos, cujas abordagens se orientam em questões provenientes das relações entre a arquitetura, a arte e as novas mídias, que podem ser observadas nas espacialidades dos museus, centros de arte e outros espaços expositivos. Além desse conteúdo textual, levantamos e analisamos alguns projetos arquitetônicos representativos criados nas últimas décadas por arquitetos de renome internacional. Desse modo, procuramos abordar as idéias que fundamentam os processos de criação e as propostas mais significativas dos profissionais pré-selecionados. Esta investigação foi feita através de livros, revistas e catálogos, além de sites, blogs etc. O objetivo era organizar e inter-relacionar conteúdos textuais e imagéticos como desenhos, fotos, vídeos, filmes, animações etc, para o melhor entendimento dos projetos. A partir daí começamos a montar um banco de dados com informações que serviram de orientação para a pesquisa. Ao final desta etapa, iniciamos o desenvolvimento da escritura dos textos que serão disponibilizados ao público no site experimental do projeto ao final do percurso.

Com a intenção de checar e aprofundar as informações levantadas anteriormente, em diversas fontes, entramos em contato com alguns pensadores, arquitetos, designers e artistas representativos para fazer uma série de entrevistas. O que proporcionará uma compreensão mais apurada dos modos de pensar e planejar a arquitetura dos museus, centros de arte e outros espaços expositivos na contemporaneidade.

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3. Atividades desenvolvidas no período 3.1. Escritura dos textos

Nesta etapa, dei início à produção de textos com base na bibliografia e

no banco de dados levantados anteriormente. O conteúdo investigado até então foi dividido em alguns tópicos que se relacionam entre si. Uns já foram concluídos e outros estão em processo de desenvolvimento. Os que estão em aberto serão concluídos nos próximos meses.

3.1.1. TRANSmuseus: entre, através e além dos espaços expositivos - introdução Os ensaios textuais apresentados aqui são frutos de um projeto de pesquisa de pós-doutorado denominado TRANSmuseus – Entre, Através e Além dos espaços expositivos: a arquitetura museológica contemporânea e sua relação com a cidade, a arte e as novas mídias. Desenvolvida em consequência da implementação de um ambiente laboratorial de investigação, reflexão e discussão no Departamento de Artes Visuais da ECA USP, a pesquisa visa abordar as transmutações nos modos de pensar e planejar a arquitetura dos museus, centros de arte e outros espaços expositivos na contemporaneidade, a partir do processamento de conceitos, idéias e informações incipientes, assim como da análise de projetos representativos criados nas últimas décadas por alguns arquitetos contemporâneos reconhecidos pelo segmento da crítica especializada por suas relevantes explorações teórico-conceituais, pela introdução de avançados procedimentos projetuais e, acima de tudo, pela atualidade e originalidade de suas propostas que, em suas diferentes características e qualidades, oferecem elementos referenciais muito coerentes e instigantes para discutirmos sobre as relações e questões culturais que permeiam esse tema.

O conceito de TRANSmuseus, explorado como fio condutor dessa investigação, está diretamente relacionado a uma nova noção de arquitetura, que veio à tona na passagem do século XX para o XXI, chamada pelo arquiteto e pensador Marcos Novac de transarquitetura 2. Para entendermos essa referência conceitual e seus possíveis desdobramentos é preciso apresentar, em primeira mão, o significado da partícula TRANS que remete a algo que se encontra entre, através e além.

O entre pressupõe uma posição de interioridade, de imersão, no meio de, no

intervalo ou interstício.

O através representa movimento e transitoriedade, sugerindo uma percepção dinâmica e uma ação interativa.

O além indica uma situação que vai adiante, ultrapassando um limite ou

fronteira.

2 NOVAC, Marcos. Transarquiteturas e o Transmoderno. In www.sescsp.org.br/sesc/hotsites/brasmitte/portugues/novak_texto01.htm

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Ao ser usada como prefixo, a partícula TRANS pode ser agregada a diversos elementos morfológicos de raiz para formar por derivação outras palavras e sentidos. Tornou-se comum no meio acadêmico o desenvolvimento de algumas abordagens relacionadas aos conceitos de transdesign, transmídia ou transcinema, entre outros apresentados por diversos pensadores e teóricos contemporâneos. Um conceito empregado com freqüência em diversos campos disciplinares é o de transgênero, Um termo muito empregado na cultura GLBTT 3, que aos poucos migrou para outros segmentos culturais, instigando sua problematização. Na contexto cinematográfico, por exemplo, um filme transgênero é aquele que transita entre alguns gêneros já consolidados como a comédia, a tragédia ou o suspense e vai além deles para gerar um outro, híbrido, a partir dessas relações dialógicas. A pergunta que fica é: o que esses conceitos têm em comum? Uma das afinidades mais imediatas é que a noção de transdisciplinaridade parece orientar quase todos os estudos baseados nessas referências conceituais contemporâneas, inclusive no âmbito arquitetural.

Empregada antes do substantivo arquitetura, a partícula TRANS nos leva a pensar num “campo expandido” 4 ou em expansão que ultrapassa os domínios da disciplina arquitetônica, desenvolvendo-se através da inter-relação entre ela e outras áreas afins como a arte e a comunicação, em seus estudos sobre as novas mídias. Os processos relacionais da arquitetura com outras disciplinas e linguagens possibilitam a expansão e a sobreposição de limites disciplinares, que favorecem a troca de informações e levam a uma transformação de ordem teórica e prática, potencializando a introdução de novos modos de pensar e planejar os espaços arquitetônicos. De acordo com Marcos Novac, o conceito de transarquitetura, que é próprio da era da comunicação e informação e uma consequência do avanço da cibercultura ou cultura digital, tem orientado o desenvolvimento de alguns experimentos arquitetônicos que questionam e tendem a transformar tudo aquilo que a arquitetura tradicional apresentou como definitivo (Piazzalunga, 2005: 41). Isto tem provocado algumas inovações técnicas, estéticas e culturais significativas, com quebras de paradigmas, num período de profundas mudanças de mentalidade. Associado à idéia de mutação ou metamorfose, a utilização do prefixo TRANS no âmbito arquitetônico reflete, segundo esse autor, uma condição de mudança que, “embora desenvolvida a partir de uma base conhecida e bem familiar, a arquitetura, se converte rapidamente numa entidade independente da mesma, ou seja, em uma outra forma arquitetural, que surge do entrelaçamento ou da fusão entre o material e o informacional, o físico e o virtual, o concreto e o possível”. 5 O que tende a revelar organizações, percursos e dinâmicas ainda pouco exploradas.

A pesquisa que orientou esse ensaio indica a necessidade de se pensar os edifícios dos museus, centros de arte e outros espaços expositivos como uma transarquitetura, ou seja, como um campo que se encontra entre, através e além do objeto arquitetônico. O que requer uma ação investigativa de caráter transdisciplinar. Ao iniciar essa investigação, procuramos refletir sobre um processo que vem sendo instaurado em alguns grupos nos meios acadêmicos brasileiros e internacionais, com base em um movimento de passagem que vai da inter à transdisciplinaridade. O objetivo era avaliar a eficácia desse trânsito na

3 Movimento de gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transsexuais. 4 KRAUSS, Rosalind. A Escultura no Campo Expandido. In Revista Gávea n o.1, s/d. 5 NOVAC, Marcos. Transarquiteturas e o Transmoderno. In www.sescsp.org.br/sesc/hotsites/brasmitte/portugues/novak_texto01.htm

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fundamentação e estruturação de pesquisas desta natureza, cujo desenvolvimento envolve o estudo de vários segmentos disciplinares inter-relacionados.

Uma disciplina é definida por Ivani Fazenda como um conjunto ou um campo específico de conhecimentos, procedimentos e métodos com características próprias, que servem de base para uma investigação científica especializada de um determinado domínio de estudos (Fazenda, 1979: 27-29). Apesar de terem suas regras e especificidades metodológicas, as disciplinas não são fechadas, estáticas ou imutáveis. Cada campo particular do saber tende a expandir seus limites, se entrelaçar com outros e se transformar decorrer do tempo, adquirindo novos aportes que se relacionam à outros mais antigos e estabilizados, num movimento de reformulação que faz surgir novos conhecimentos. Esse processo de expansão e auto-transformação de uma determinada disciplina – como a disciplina arquitetônica, por exemplo – é intensificado ainda mais pela inter-relação e interação com outras disciplinas afins e nem tão afins, em princípio. Em gradações que passam pelos níveis da multi, inter e transdisciplinaridade.

Partindo das distinções epistemológicas feitas por Guy Michaud, Fazenda define esses três níveis da seguinte maneira. Para ela, a multidisciplinaridade é a justaposição de disciplinas diversas, desprovidas de relação aparente entre elas. Já a interdisciplinaridade é a interação existente entre duas ou mais disciplinas. Essa interação pode ir da simples comunicação de idéias à integração mútua de conceitos diretores referentes ao ensino e à pesquisa de cada disciplina. Por fim, a transdisciplinaridade é o resultado de uma axiomática comum, ou seja, de um ponto de vista ou objetivo comum, a um conjunto de disciplinas. O que para essa autora seria um sonho ou uma utopia. Na multidisciplinaridade ocorre, como vimos, uma justaposição ou, no máximo, uma integração de conteúdos, teorias e métodos de disciplinas heterogêneas numa mesma disciplina. Já na interdisciplinaridade ocorre a necessidade de colaboração e coordenação entre as diversas disciplinas que conduz a uma verdadeira interação ou relação de reciprocidade e de mutualidade, possibilitando e potencializando o diálogo intersubjetivo e as trocas entre os pesquisadores e profissionais interessados no processo interdisciplinar. Um grupo interdisciplinar compõe-se, assim, de pessoas com objetivos comuns que receberam sua formação em diferentes campos do saber (disciplinas), com seus métodos, conceitos, dados e termos próprios. Segundo ela, a interação entre esses indivíduos tem como resultado a eliminação de barreiras entre domínios estanques e a abertura a novas dimensões do conhecimento (Fazenda, 1979: 27-39). Fazenda lembra ainda que

a real interdisciplinaridade é antes uma questão de atitude; supõe uma postura única frente aos fatos a serem investigados e analisados numa pesquisa. Dessa maneira, o conhecimento interdisciplinar deve ser uma lógica da descoberta, uma abertura recíproca, uma comunicação entre os domínios do saber, uma fecundação mútua e não um formalismo que neutraliza todas as relações e significações, fechando todas as possibilidades. Assim, uma atitude interdisciplinar levaria todo perito a reconhecer os limites de seu saber para acolher contribuições das outras disciplinas – toda ciência seria complemento de uma outra, e a dissociação ou separação entre as ciências, seria substituída por uma convergência para objetivos mútuos (Fazenda, 1979: 31-33).

A interdisciplinaridade tem sido investigada e praticada nos últimos

anos em diversos campos do saber. No campo arquitetural, em particular, os profissionais têm abdicado do desejo de alcançar uma arquitetura pura, voltada para

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si mesma e alheia a tudo que possa contaminá-la, para dar lugar a um processo interdisciplinar que desde o primeiro momento reconhece uma obrigação com abordagens alheias à disciplina arquitetônica, num crescente inter-relacionamento com múltiplas disciplinas, que faz surgir novos conceitos, idéias e questões. Segundo Renata Piazzalunga, a multiplicidade e diversidade de enfoques possíveis no tratamento da arquitetura na era da comunicação e informação talvez sejam proporcionais à complexidade dos temas e à potencialidade das relações com outras disciplinas que começam a interagir com a arquitetura para modificar sua estrutura de conhecimento. Entretanto, os processos interdisciplinares que envolvem a disciplina arquitetônica e outros campos do saber têm que ir além das relações com disciplinas já consolidadas como o urbanismo, a engenharia ou a arte. Atualmente, ela tem que se ocupar também da informática, da robótica, da topologia etc (Piazzalunga, 2005: 10-11). Para ela,

o contato com essas áreas não é simplesmente provedor de um conhecimento mais amplo, ele nutre e consolida a arquitetura da era da comunicação e informação (Piazzalunga, 2005: 10-11).

O processo interdisciplinar estabelecido por alguns arquitetos

contemporâneos revela que o isolamento da arquitetura de outras áreas do conhecimento é estéril, isto porque os modelos gerados por ela são insuficientes para descrever e analisar a complexidade do mundo contemporâneo. Desta maneira, o pensamento arquitetônico deve ser estruturado a partir de especulações vindas de outras áreas até então inexploradas, numa espécie de contaminação disciplinar. Para Ivan Domingues, muitas abordagens interdisciplinares apresentadas no decorrer do tempo significaram uma fertilização e uma inovação importante no processo de gerar, organizar e difundir o conhecimento, mas cabe agora à transdisciplinaridade propor o desafio de ir além, potencializando e complexificando cada vez mais o saber (Domingues, 2004:16-18). Os debates sobre a metodologia transdisciplinar avançaram muito nos últimos anos. O que antes era visto como um sonho ou utopia tornou-se uma realidade possível e efetiva com a implementação de alguns centros especializados no Brasil, como o CETRANS na USP 6 e o IEAT na UFMG. A difusão das experiências e pesquisas desses e de outros centros especializados permitiram aos pesquisadores de diversas áreas um melhor esclarecimento sobre a abrangência e eficácia da metodologia transdisciplinar.

O prefixo TRANS faz pensar na idéia de movimento e transição entre as disciplinas. O que conduz a um processo de transcendência e transformação. Para Ivan Domingues,

além de sugerir a idéia de movimento e de quebra de barreiras, a transdisciplinaridade permite pensar o cruzamento das especialidades, o trabalho nas interfaces, a superação das fronteiras, a migração de conceitos de um campo do saber para outro. Trata-se de uma interação dinâmica contemplando processos de auto-regulação e de retro-alimentação e não de uma integração ou anexação pura e simples (Domingues, 2004: 18).

Com o paradigma transdisciplinar, os campos do conhecimento tendem a se expandir e se multiplicar em desenvolvimentos complexos, híbridos, não-lineares e heterogêneos, levando à circulação e transformação das idéias que surgem em cada campo específico. De acordo com Daniel da Silva, ele pode ser pensado a partir de três idéias-chaves: a multi-dimensionalidade do objeto, a multi-

6 Veja www.cetrans.com.br

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referencialidade do sujeito e a verticalidade do acessamento cognitivo. Assim, a transdisciplinaridade vai além de uma forma de pensamento e reflexão para ser uma atitude aberta e tolerante que lida com a pluralidade de percepções e referências dos diversos sujeitos envolvidos no processo de entendimento da multidimensionalidade e da complexidade do objeto de estudo (Silva, 2004: 37). Para isso, segundo ele, é preciso efetivar a discussão teórica e o intercâmbio de experiências,

com a finalidade de fazer avançar uma discussão metodológica que nos permita aumentar nossa capacidade de intervenção pessoal e coletiva, através de ações que transcendam não só as fronteiras das disciplinas, mas principalmente, os limites institucionais e culturais das nações e de seus povos (Silva, 2004: 37).

Uma tarefa que não é muito fácil. Ao procurar uma orientação metodológica para esse projeto de pesquisa, começamos a refletir sobre um processo de transição que vai da inter à transdisciplinaridade, com o objetivo de reconhecer as fronteiras entre os diversos campos envolvidos na investigação para abordá-los como espaços de trocas ou de migrações de pensamentos, idéias e conceitos, além de procedimentos e práticas que tendem a se contaminar, mutuamente, de modo a revelar uma hibridização disciplinar que amplia a abrangência de cada disciplina. Para que isso possa ocorrer de forma satisfatória é preciso, segundo Evando Silva, uma abertura que leve à aceitação do desconhecido e ao respeito ou tolerância pela diversidade, como no reconhecimento das verdades que não são as nossas. Assim, esse tipo de pesquisa deve ser coletivo,

exigindo de cada sujeito participante uma capacidade de transitar por diversas percepções e suas epistemes, cada qual com seu conjunto de referências históricas, construídas a partir da experiência vivida (Silva, 2004:36-37).

Nesse sentido, o ambiente encontrado no DAP ECA USP foi propício ao contato com estudantes, pesquisadores e profissionais de diversas áreas correlatas. A partir de interações e trocas de informações ou experiências entre os indivíduos envolvidos no processo, pudemos desenvolver uma pesquisa coletiva, cujas abordagens vão além dos limites tradicionais da disciplina arquitetônica. O que possibilitou a todos eliminar barreiras entre domínios estanques para abrir-se a outras dimensões do conhecimento, tendo em vista a discussão sobre de uma diversidade de projetos, idéias e pensamentos - textos e intertextualidades.

A investigação sobre as fronteiras da arquitetura e sua relação com outras disciplinas deve ser realizada, segundo Bernard Tschumi, sobre uma plataforma intertextual que envolve as referências teóricas e a prática projetual como duas atividades culturais interdependentes e não hierárquicas (Sperling, 2008: 35). Conforme David Sperling, é através da inter e transdisciplinaridade que a disciplina arquitetônica “pode importar noções de outras disciplinas e exportar suas descobertas para a produção de cultura”. Deste modo, ela “torna-se sensível às interferências inevitáveis da própria cultura em seu campo de ação”, podendo interferir criticamente na sociedade (Sperling, 2008:35). Esse autor ressalta que alguns arquitetos contemporâneos têm buscado explorar a disciplina arquitetônica em suas vivências profissionais

como forma de conhecimento ou ainda como forma de conhecimento em que os limites são constantemente questionados e suplantados, visando a estruturação de uma base conceitual e operativa que

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dialogue criticamente com o contexto cultural contemporâneo e que tenha a atividade projetual como um de seus canais de experimentação, verificação e proposição (Sperling, 2008: 35).

Buscando ultrapassar os limites da disciplina arquitetônica, algumas propostas

analisadas na pesquisa apresentam-se às vezes como uma experiência indisciplinar.

A palavra indisciplina é entendida quase sempre de forma negativa, pois representa a

quebra e a superação de regras ou padrões de pensamento e ação pré-estabelecidos.

Para se pensar e planejar a arquitetura museológica contemporânea, em sua relação

com outras áreas afins, é preciso uma dose de transgressão, ocorrendo uma negação

e um desvio de procedimentos excessivamente estabilizados ou rígidos e uma

abertura a processos projetuais experimentais, até então inexplorados, cujas

linguagens desencadeiam inúmeras transmutações de ordem estética e cultural.

Referências Bibliográficas

DOMINGUES, Ivan (2004): “Um novo olhar sobre o conhecimento”. En Domingues, Ivan (org.). Conhecimento e Transdisciplinaridade. Belo Horizonte, Editora UFMG - IEAT. FAZENDA, Ivani (1979): Integração e Interdisciplinaridade no Ensino Brasileiro. Efetividade ou ideologia? São Paulo, Edições Loyola. FAZENDA, Ivani (1994): Interdisciplinaridade. História, teoria e pesquisa. Campinas SP, Papirus.

KRAUSS, Rosalind: “A escultura no campo expandido”. En Revista Gávea n o.1, s/d.

NOVAC, Marcos: “Transarquiteturas e o transmoderno”. En www.sescsp.org.br/sesc/hotsites/brasmitte/portugues/novak_texto01.htm PIAZZALUNGA, Renata (2005): A Virtualização da Arquitetura. Campinas SP: Papirus. SILVA, Daniel J.: “O Paradigma Transdisciplinar. Uma perspectiva metodológica para a pesquisa Ambiental”. En www.cetrans.com.br. SPERLING, David Moreno (2008): Espaço e Evento. Considerações críticas sobre a arquitetura contemporânea. Tese de Doutorado FAU USP.

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3.1.2. Transmutações nos modos de pensar e planejar a arquitetura museológica contemporânea:

O museu enquanto uma instituição artística e cultural tem apresentado

ao longo dos anos um caráter mutante que reflete uma série de transformações econômicas, sociais e políticas vindas à tona no decorrer de sua história, correspondendo às solicitações do espírito do tempo. Para abordar essa dinâmica transmutacional é necessário introduzir de início algumas considerações, com indicações e pontuações de especialistas, que nos possibilitam entender o contexto histórico de algumas mudanças observadas nos objetivos e orientações programáticas dessas instituições, que vieram solicitar inovações na arquitetura dos seus edifícios. Vários pensadores têm se dedicado a essa tarefa. No livro Museus para o Novo Século, Josep Montaner investigou um processo evolutivo que vai da tradição clássica, passando pela vertente moderna, até chegar às tendências contemporâneas. Para esse autor, apesar de ter havido muitas mudanças na configuração, organização e gestão dos espaços dessas instituições, ainda persiste em nosso tempo, entre uma multiplicidade de propostas com origens e funções bem distintas, uma determinada noção arquetípica de museu que predominou por anos, desde o século XVIII, “apesar de sua evolução tentar colocá-la em crise”. Segundo ele, esse modelo recorrente entende o museu como um lugar sagrado, repleto de simbologias e significados interculturais (Montaner, 1995: 6).

Etimologicamente, a palavra museu é originária do grego museion, que pode ser traduzido como o templo das musas, as deusas das artes e das ciências na mitologia grega, filhas de Zeus e Mnemosine, a deusa da memória. Nesse sentido, o museu tem sido definido de maneira corriqueira como o lugar destinado a abrigar, promover e difundir a arte e outras manifestações afins, estimulando a preservação da memória e a valorização dos produtos e bens culturais. Conforme Montaner eles funcionam como receptáculo e proteção de coleções de objetos belos, curiosos e raros que rememoram a vivência passada de um grupo ou de uma determinada sociedade, representando um saber e uma cultura adquirida, “como se fossem caixas de jóias ou um armário cheio de gavetas com tesouros e relíquias”(Montaner, 1995: 6).

Como nos informa Falcón Meraz, apesar do colecionismo ser uma prática muito antiga, a instituição museológica ainda é relativamente nova (com pouco mais de dois séculos), mas já apresentou mudanças arquitetônicas consideráveis e, por vezes, radicais (Falcón Meraz, 2008: 66). Os primeiros edifícios que surgiram com o objetivo ou a função de preservar e apresentar a arte publicamente se assemelhavam, de acordo com Montaner, a alguns armazéns ou depósitos da época, onde predominavam a acumulação e o excesso, inclusive de elementos arquitetônicos e detalhes decorativos que desviavam a atenção dos visitantes durante o processo de percepção e apreensão dos diversos objetos expostos. O que resultava em uma intensa confusão visual. Segundo esse autor, nasce em função desses fatores uma ciência que vai dedicar-se, entre outras atividades, à seleção, à catalogação e à organização das coleções artísticas e de outros bens culturais: a museologia. Ela passa a determinar também as necessidades programáticas dos espaços de abrigo e de exposição. Para Montaner, esse desenvolvimento e aprimoramento começam a acontecer com a institucionalização dos estabelecimentos que passam a receber a tutela dos governantes de cada nação. Muitas instituições culturais públicas vão sendo implantadas nas principais cidades do mundo. Com isso, o museu vai adquirindo cada vez mais a dimensão de monumento cultural urbano (Montaner, 1995:6).

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Museu do Prado, Museu Britânico e Museu do Louvre

Os primeiros museus públicos que surgiram no contexto mundial como

o Museu do Louvre em Paris, o Museu Britânico em Londres e o Museu do Prado em Madri foram adaptados à arquitetura de edifícios já existentes como o de antigos palácios, entre outros relacionados. Aos poucos, a experiência adquirida nesses espaços foi despertando uma insatisfação que levou à necessidade de se construírem edifícios com arquiteturas planejadas de maneira específica para corresponder aos objetivos almejados pelas instituições. Nota-se então o surgimento de edificações com características arquitetônicas que refletiam os princípios das tendências estilísticas de cada época e local. As regras de organização espacial e de composição formal introduzidas pela tradição clássica, por exemplo, baseadas nos princípios de ordem, equilíbrio e simetria, influenciaram a criação de algumas obras neoclássicas que se transformaram em ícones da arquitetura museológica, difundindo e propagando uma tipologia que prevaleceu por longo tempo, na qual a arquitetura é quase sempre opaca, fechada e compartimentada, constituída de várias galerias e salas enfileiradas de forma ordenada. Essa referência tipológica foi muito revisitada, prevalecendo por longo tempo. Com o passar dos anos, observa-se a introdução gradual de outras tipologias arquitetônicas ou variações de tipos, demonstrando poucas mudanças significativas nos modos de pensar e planejar os edifícios dessas instituições.

De acordo com Aldo Rossi, a noção de “tipo” fundamenta a arquitetura e retorna sempre. Por isso, ela pode ser entendida como algo permanente, invariável e complexo que está ligado aos modos de vida do homem, desde as primeiras construções erguidas como abrigo e proteção. Para esse autor, é uma referência que permeia o sentimento e a razão durante o processo de criação, ou seja, um antecedente necessário em todas as invenções humanas, pois nada vem do nada. Podemos dizer que o tipo é algo vago que está presente em todas as propostas arquitetônicas, inclusive nas dos espaços expositivos dos museus. Ele serve de orientação para o desenvolvimento de outras propostas, mas é apenas um referencial e não um modelo a ser seguido. Rossi exemplifica isso dizendo: “o tipo do templo redondo não corresponde a nenhum dos templos redondos conhecidos, mas é algo comum a todos eles” (Rossi, 1995: 25-26). Como informa Montaner, o método de trabalho baseado em tipos é uma postura que se opõe totalmente aos procedimentos vanguardistas baseados na experimentação constante e na busca do limite, da ruptura e da novidade. Para esse crítico, os arquitetos que desenvolvem seus projetos a partir de orientações tipológicas costumam usar uma linguagem tradicional, considerada imutável, repetindo quase sempre aquilo que já foi apresentado anteriormente. Segundo ele,

a obra resultante manifesta a impossibilidade de ser nova, o convencimento de que as coisas não podem ser mudadas e que o recurso a um denso sistema de vínculos e referências passadas,

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constitui o único meio capaz de gerar a forma arquitetônica

(Montaner, 1993: 117-119). Para Rafael Moneo essa postura pode ser perigosa, pois implica uma

visão excessivamente fechada, estática e conservadora. Assim, a noção de tipologia deve implicar a idéia de mudança. Segundo ele, os momentos mais intensos de desenvolvimento e evolução arquitetônica são aqueles em que aparecem novos tipos, quando o gênio do arquiteto é capaz de inventar, questionando e avaliando várias referências, para produzir outras novas. Isto aconteceu, de maneira clara e efetiva, com o advento da modernidade na primeira metade do século XX (Montaner, 1993:117-119). Defendendo mudanças de mentalidade e de ação em relação à arquitetura e o ambiente urbano, o movimento modernista questionou uma série de normas e padrões arquitetônicos estabelecidos, instaurando uma busca pelo novo como base para projeções futuras. No segmento da arquitetura museológica alguns arquitetos de vanguarda lançaram em sua época vários projetos experimentais que, segundo Montaner, introduziam outras referências e diretrizes projetuais, algumas vezes surgidas a partir da idéia de mutação (Montaner, 1993: 9). O que pode ser observado no projeto revolucionário do Museu de Crescimento Ilimitado, desenvolvido por Le Corbusier em 1931, cuja configuração formal em espiral já considerava a possibilidade de expansão constante em sua forma que pode crescer indefinidamente, de acordo com as necessidades e exigências do tempo, num processo de transformação programada. Essa proposta que não chegou a ser construída, tornou-se uma referência global da modernidade.

Museu do Crescimento Ilimitado – Le Corbusier

A maior parte da arquitetura museológica desenvolvida pelos

modernistas fundamentava-se em algumas premissas difundidas pela arquitetura moderna, como a planta livre, a precisão tecnológica, a funcionalidade, a flexibilidade, a transparência, a neutralidade e a ausência de mediação entre o espaço de exposição e as obras expostas. Entre esses projetos, Montaner destaca o do MoMA em Nova York, criado por Goodwin e Stone conforme os preceitos da modernidade, com o objetivo de difundir e popularizar a arte das vanguardas que tinha até então um caráter elitista. Segundo Falcón Meraz, este museu inovou em vários aspectos, seja na configuração formal ou na organização espacial, sendo o primeiro a explorar a verticalidade e o uso de elevadores nas transições entre um nível e outro. A escala não podia ser comparada a de um arranha-céu novaiorquino, mas transgredia a altura dos museus convencionais (Falcón Meraz, 2008: 66).

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MoMA - Goodwin e Stone

Para Montaner, alguns princípios e tópicos da museologia moderna

repercutem até hoje, apontando caminhos e inspirando novas propostas arquitetônicas que questionam algumas vertentes tradicionais. Entretanto, muitos desses princípios não são mais adequados (Montaner, 1995: 9). A ideia de um museu neutro, por exemplo, ainda persiste, mas vem sendo questionada e muitas vezes suplantada por algumas propostas expressionistas, como a do Museu Guggenheim de Bilbao de Frank Gehry que é representativa, em que a arquitetura é planejada como um objeto escultórico, cujas formas volumétricas deflagram na mente do observador algumas imagens férteis, carregadas de significados.

Museu Guggenheim de Bilbao – Frank O. Gehry

Já a proposta de um museu transparente e visualmente aberto para o

entorno não foi muito adiante, a não ser em raríssimos casos como o do edifício do MASP – Museu de Arte de São Paulo planejado pela arquiteta Lina Bo Bardi. A preocupação com a segurança praticamente praticamente invalidou a possibilidade de atualização dessa vertente.

MASP – Lina Bo Bardi

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As ideias dos arquitetos modernistas se propagaram por um longo tempo, até que nos anos 70 surgiram outras mudanças nos modos de pensar e planejar a arquitetura museológica. Ao contrário de algumas propostas que levavam as referências estéticas modernas e sua apologia do novo ao extremo, como é o caso do projeto do Centro Pompidou em Paris que foi desenvolvido no início dessa década por Renzo Piano e Richard Rogers, nota-se nesse período a repercussão de uma vertente historicista da arquitetura pós-moderna que propunha o resgate e a re-valorização de algumas referências formais e espaciais, de caráter arquetípico e simbólico, difundidas pela tradição. Essa atitude retrospectiva tinha o objetivo de rememorar as primeiras experiências de apreensão dos espaços e das obras expostas como aquelas determinadas pelas configurações tradicionais das galerias e salas sequencialmente ordenadas.

Centro Pompidou – Renzo Piano e Richard Rogers

Outro fator importante que veio à tona nessa época, contribuindo para a disseminação dessa linha de pensamento e ação, foi, de acordo com Montaner, o aumento da necessidade de se pensar e planejar novas ampliações e reformas para os espaços dos museus já existentes, à medida que eles iam adquirindo novas aquisições ou oferecendo novos serviços à comunidade. Ele lembra que na maioria das vezes as arquiteturas históricas eram expandidas e transformadas de maneira modular através de braços e alas anexas, sem perder as características de sua configuração e linguagem original. Em outros casos, surgem algumas propostas de construção de espaços contíguos, cujas características se diferenciam completamente das da sede histórica. Assim, os espaços e ambientes dos museus tendem a se diversificar. Surgem múltiplos programas e novos modos de organização das espacialidades dos museus. (Montaner, 1995: 11).

Os anos 80 revelaram outro fato curioso. De acordo com Montaner, algumas instituições artísticas e culturais resolveram apropriar-se de alguns espaços e equipamentos urbanos obsoletos, abandonados ou pouco utilizados, como os de antigas indústrias, armazéns e escolas, reformando-os e convertendo-os em espaços de criação, produção e exposição. Em vez de planejarem e construírem novos edifícios, seus diretores e produtores culturais esvaziavam alguns estabelecimentos antigos que estavam em desuso, para que diferentes profissionais vinculados às instituições pudessem intervir com suas instalações e obras nesses espaços. Um exemplo representativo para esse autor é o do pioneiro P.S.1 em Nova York, um centro de arte instalado numa escola desativada, destinado a apoiar jovens artistas inovadores, deslocados das redes oficiais de museus e galerias de arte. Essa vertente foi explorada por alguns anos e repercute ainda hoje, adquirindo adeptos em alguns países (Montaner, 1995: 11). Um caso exemplar é o da Tate Modern, uma instituição artística e cultural inglesa contemporânea que foi instalada no início do século XXI no edifício de uma antiga central elétrica localizada em Bankside, Londres. Esse projeto de intervenção, reestruturação e re-qualificação espacial foi bem sucedido e

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muito elogiado. Desenvolvido pelo escritório dos arquitetos suíços Herzog & De Meuron, ele propunha algumas operações intervencionistas sobre o edifício existente, sem interferir muito em sua estrutura original, reformulando e transformando-o de maneira criativa, para adaptá-lo a novas funções e atividades. A opção da diretoria por esse edifício histórico específico se deu, entre outros motivos, porque ele oferecia uma excelente estrutura, com amplos espaços, em um ponto privilegiado da cidade, a preços relativamente baixos. O que contribuiu para a viabilidade do projeto.

Tate Modern - Londres

Salvo algumas propostas excepcionais, como a anterior, essa vertente

não repercutiu como deveria, pois os espaços e as estruturas desses prédios antigos eram na maioria das vezes muito precárias, limitantes e não supriam as necessidades das instituições, principalmente aquelas destinadas à investigação, reflexão e difusão de algumas vertentes artísticas, algumas ainda incipientes naquela época, que solicitam novos modos de recepção, apreensão ou experienciação. A arquitetura dos espaços de exposição de arte, mesmo que alternativa, deveria dar suporte a todas as categorias artísticas e suas misturas de linguagens, mas para isso precisava adquirir mais amplitude e flexibilidade espacial, além de um bom nível de desenvolvimento ou aprimoramento tecnológico para poder se adaptar a essas solicitações e exigências.

As transmutações nos modos de pensar e planejar a arquitetura museológica nesse período se deram em consequência de alguns fatores que começaram a emergir com as reviravoltas culturais acontecidas no início da pós-modernidade, repercutindo pelo mundo por alguns anos, a partir de ideias e posturas difundidas por alguns arquitetos e teóricos que vieram depois dos modernos, questionando alguns valores da modernidade, como Aldo Rossi que é representativo. O que gerou inúmeras discussões sobre o tema e suas questões mais prementes 7, como as relacionadas à dimensão histórica e simbólica do objeto arquitetônico e sua relação dialógica com o local de inserção. A arquitetura passa a ser abordada não apenas como uma entidade autônoma, mas como parte de uma rede de referências culturais do lugar.

Outras mudanças que repercutem até hoje vieram em razão de movimentos e forças que não são apenas de ordem técnica, estética ou cultural, mas também de natureza econômica e política, que agem segundo a lógica do capitalismo tardio sobre os sistemas e circuitos da arte, impulsionando seus mecanismos de

7 Uma das discussões mais representativas desse período pode ser encontrada em: CRIMP, Douglas (2005): Sobre as ruínas do museu. São Paulo, Martins Fontes.

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produção e difusão 8. Um fenômeno que nas últimas décadas tem influenciado a criação e implementação de propostas arquitetônicas constituídas por complexos arranjos espaciais e organizacionais interativos. De acordo com Kenneth Frampton, alguns megaespaços construídos recentemente, como os do Getty Center de Los Angeles (planejado pelo arquiteto Richard Méier), funcionam como cidades em miniatura, verdadeiras acrópoles culturais, onde os visitantes podem interagir com outros indivíduos e grupos em diversos níveis 9. Financiados e geridos por corporações privadas, ao contrário de algumas instituições tradicionais que eram subsidiadas pelo Estado, eles apresentam infraestrutura própria, interligando vários edifícios utilizados para abrigar além do museu tradicional, espaços de conservação de obras, espaços voltados para o ensino de história da arte e humanidades, auditórios para vários eventos, bibliotecas, livrarias, lojas, restaurantes, lanchonetes, cafés e outros serviços. Sem falar nos espaços externos onde podem ser encontrados anfiteatros e praças anexas, que também são propícios ao desenvolvimento de diversas atividades artísticas, culturais ou de lazer.

Getty Center Los Angeles – Richard Meier

Na contramão desses mega-espaços, nota-se ainda o surgimento de

algumas propostas em média e pequena escalas, como é o caso de alguns pavilhões de exposição, que apontam alternativas mais viáveis e baratas para aquelas instituições culturais que necessitam expandir suas atividades para além dos limites da arquitetura de sua sede, através da construção de edifícios anexos ou, ainda, para as que precisam implementar novos espaços e equipamentos arquitetônicos em outras localidades. O aprimoramento dessas propostas tem revelado obras muito interessantes e representativas, algumas vezes efêmeras, planejadas para serem montadas, desmontadas e transportadas até outro destino. Uma arquitetura em trânsito.

8 Veja JAMESON, Fredric (1997): Pós-modernismo. A lógica cultural do capitalismo tardio. São Paulo, Editora Ática. 9 Veja FRAMPTON, Kenneth (1992): “Una acrópolis cultural. El nuevo Getty Center de Los Angeles”. En Arquitectura Viva no.24.

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Chanel Mobile Art – Pavilhão itinerante – Zaha Hadid

Tana di Alice – Pavilhão de exposição - NOX

Outras propostas específicas, como a do MAXXI – Museu de Arte do

Século XXI em Roma de Zaha Hadid, foram criadas recentemente a partir de estudos sobre a transitoriedade nos espaços expositivos, de modo a atender as solicitações de algumas manifestações artísticas contemporâneas que abordam a questão da mobilidade enquanto uma referência e uma prática estéticas, com seus processos dinâmicos particulares, visando proporcionar novas experiências perceptivas e sensíveis através do movimento. Desta maneira, muitos desses projetos representativos ultrapassaram as fronteiras da noção tradicional de exposição, que é baseada em uma percepção ou apreensão espacial de caráter estático e contemplativo, indo em direção a outras referências e possibilidades criativas. Alguns deles seguiram algumas linhas de investigação e planejamento mais coerentes e instigantes, relacionadas aos conceitos de liquidez, imersão e interação, que pressupõem em seus processos a ação e o movimento corporal dos visitantes. Com esses experimentos, os usuários, que antes eram apenas expectadores passivos, são agora imersos em espaços que os envolvem, instigando-os a interagir com seus elementos, através dos novos recursos comunicacionais ou informacionais e seus dispositivos interativos. Os profissionais que participaram do planejamento da arquitetura de alguns espaços expositivos construídos nos últimos anos procuraram misturar e inter-relacionar em seus procedimentos criativos uma série de meios e linguagens que tendem a se fundir e se hibridizar, através do desenvolvimento de interfaces entre as tecnologias arquitetônicas e midiáticas, aproximando e gerando passagens entre as dimensões física e virtual.

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MAXXI Museu de Arte do Século XXI – Roma- Zaha Hadid

Com as possibilidades abertas pelo avanço tecnológico da sociedade pós-industrial e, principalmente, com o desenvolvimento dos sistemas midiáticos e a propagação da cibercultura 10 ou cultura digital nas últimas décadas – com suas ideias, conceitos, diretrizes e potencialidades representacionais ou informacionais – alguns arquitetos contemporâneos foram impulsionados em direção à experimentação e à busca de novas referências teóricas e outros procedimentos projetuais que levaram ao desenvolvimento de algumas propostas arquitetônicas diferenciais, onde os espaços museológicos apresentam características e qualidades, muitas vezes inexploradas.

Um caso exemplar é o projeto de Rem Koolhaas para o ZKM – Centro de Arte e Mídia de Karlsruhe na Alemanha. Ao final do século XX, a diretoria dessa instituição alemã abriu um amplo debate na sociedade que visava refletir sobre o futuro dos espaços expositivos dos museus no século XXI. Uma discussão, com referências e questões particulares, focada no avanço das novas mídias e no surgimento de outras categorias ou linguagens artísticas como a ciberarte e a arte interativa, entre outras introduzidas pelos artistas dessas vertentes no contexto cibercultural, com seus revolucionários modos de apresentação e recepção. Como um desdobramento desse debate embrionário foi convocado um concurso público para escolher o partido da configuração formal e espacial da arquitetura do edifício de sua sede. Entre as diversas propostas que participaram da seleção, a que mais repercutiu entre a crítica especializada foi essa de Koolhaas, apesar de não ter sido aprovada no concurso. A arquitetura proposta por ele foi pensada e planejada como uma máquina ou um computador, a partir da relação entre hardware e software, ou seja, entre o material e o imaterial, o tangível e o intangível. Esse projeto representativo revelou espacialidades que surgiram da interface entre as tecnologias arquitetônicas e midiáticas, podendo se auto-organizar e se re-configurar com flexibilidade, eventualmente, de acordo com as características dos eventos programados ou mesmo daqueles imprevistos, de modo a corresponder às solicitações e possíveis mudanças ou variações programáticas.

10 Pierre Lévy define a cibercultura como o conjunto de técnicas materiais e intelectuais, de práticas, de atitudes, de modos de pensamento e de valores que se desenvolvem juntamente com o crescimento do ciberespaço, também chamado de “espaço do saber” ou “rede de conhecimento global”, que surge da interconexão mundial dos computadores. Para esse autor, “o termo especifica não apenas a infra-estrutura da comunicação digital, mas, também, o universo oceânico de informações que ele abriga, sem falar nos seres humanos que navegam e alimentam esse universo” (Lévy, 1999: 17-41).

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ZKM Centro de Arte e Mídia de Karlshure – Rem Koolhaas

O projeto de Rem Koolhaas para o concurso do ZKM representa bem a relação da disciplina arquitetônica com a cultura midiática, informacional. Ainda há poucos arquitetos ou grupos que refletem sobre a influência das novas mídias em termos conceituais ou que as incorporam no processo de design, mas esse número está aumentando, consideravelmente. Escritórios como o NOX, Oosterhuis Associates, Diller + Scofidio e Asymptote, entre outros, têm analisado em suas investigações e processos criativos os impactos que o avanço midiático provoca na sociedade de hoje e sobre as transformações culturais que ele tem forjado, não só em termos arquiteturais, mas também em relação às novas percepções, códigos e convenções sociais que surgem desse processo. As propostas desses profissionais procuram entender a lógica das mídias para alterar a maneira convencional de representar, perceber ou apreender os espaços expositivos, desenvolvendo espacialidades que promovem a interação dos corpos em movimento com os artefatos e tecnologias midiáticas, em movimentos e fluxos que revelam relações possíveis. Desse modo, esses projetos tendem a promover um deslocamento relacional entre a arquitetura, enquanto disciplina cultural, e diferentes campos artísticos, em uma espécie de abordagem “transgênera”. Essa maneira de entender a prática e a experiência arquitetônicas tem afetado consideravelmente a criação dos novos espaços expositivos, resultando em linguagens espaciais, formais e visuais férteis, cujas qualidades estéticas estão em sintonia com as sensibilidades contemporâneas.

Referências Bibliográficas

CRIMP, Douglas (2005): Sobre as Ruínas do Museu. São Paulo, Martins Fontes.

FALCÓN MERAZ, José M. (2008): La expresión de una línea museística singular. Barcelona, Tese UPC. En http://www.tdx.cat/TDX-0428108-121819 FRAMPTON, Kenneth (1992): “Una acrópolis cultural. El nuevo Getty Center de Los Angeles”. En Arquitectura Viva no.24.

JAMESON, Fredric (1997): Pós-modernismo. A lógica cultural do capitalismo tardio. São Paulo, Editora Ática. LÉVY, Pierre (1999): Cibercultura. Rio de Janeiro, Editora 34.

MONTANER, Josep M. (1993): Después del movimiento moderno. Barcelona, Ed. Gustavo Gili.

MONTANER, Josep M. (1995). Museos para el nuevo siglo. Barcelona, Ed. Gustavo .Gili. ROSSI, Aldo (1995). A arquitetura da cidade. São Paulo, Martins Fontes.

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3.1.3. Museus como espaços eventuais. O evento como experiência. Para entendermos os modos de pensar e planejar a arquitetura

museológica contemporânea é necessário abordá-la enquanto promotora de espaços eventuais. Originária do latim eventu, a palavra evento é utilizada em alguns campos disciplinares com algumas variações de significado, algumas vezes contraditórias, predominando em geral o sentido de acontecimento ou, ainda, o de acontecimento organizado e programado que visa alcançar resultados pré-determinados. Ao contrário dessa definição corrente, o arquiteto e pensador Bernard Tschumi explora o eventual em seus estudos arquiteturais como algo imprevisível e não programável que simplesmente acontece, uma ocorrência incidental que vem à tona em um contexto espaço-temporal, o qual transforma. “É o que ocorre repentinamente quando certas condições são reunidas e vem o imprevisto” (Sperling, 2008: 41).

No campo filosófico, Jacques Derrida lembra que o evento não é apenas indeterminado, mas também irrepetível em sua singularidade, pois vai além de um fato cotidiano ou corriqueiro. Sendo assim, o eventual surge “como aquilo que acontece em um agora distinto de qualquer outro agora experienciado pelo mesmo sujeito”. (Sperling, 2008: 32). Mais do que uma simples acontecimento, o evento é, segundo David Sperling, uma ação crítica no espaço. Um momento de questionamento ou problematização das condições anteriores, que já carrega em si a invenção, o devir outro (Sperling, 2008: 31). Para esse autor, o estabelecimento de vínculo entre a ação e a reflexão é inerente ao eventual, pois

o evento implica uma posição ativa de um sujeito no processo de diferenciação. Característica que o distancia de uma ocorrência que não mobiliza ou afeta alguém, como também de qualquer ação mecânica ou irrefletida (Sperling, 2008: 48).

Levando esse esclarecimento em consideração, devemos distinguir e

relacionar na leitura dos projetos arquitetônicos dos museus desenvolvidos nas últimas décadas duas noções introduzidas por Sperling: as de espaço de eventos e espaço para eventos. Para esse autor, na primeira sobressai o imprevisto e na segunda resulta o programado. Diante dessa distinção, vale perguntar o que é uma eventualidade programada e como se dá a programação dos eventos? Segundo esse autor, ela é comumente desenvolvida a partir dos estágios de planejamento, promoção, instalação, atendimento e revisão, ou seja, o aperfeiçoamento do ciclo.

É o reflexo de uma sociedade da programação e do controle, em que eficiência e segurança são modos de adequação ótima dos meios aos fins (Sperling, 2008: 96).

A noção de evento programado está relacionada então a uma ação

controlada que ocorre no mundo contemporâneo, a partir de uma inversão fundamental destacada por Sperling, ou seja, “o evento estrito senso, ocorrência imprevisível, é associado à violência. E o controle das ações, violência por excelência, é associado à segurança. O risco inerente a qualquer criação efetiva cede lugar ao risco regulado” (Sperling, 2008: 97).

Programar o eventual, manter a eficiência dos sistemas e controlar os possíveis riscos em sua ocorrência são, para Sperling, algumas funções de um campo de investigação e ação, posicionado no contexto de uma área de gerenciamento de sistemas informáticos, chamada event-driven architecture, que em português pode ser traduzido como arquitetura dirigida a eventos.

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Em linhas gerais, são sistemas que permitem a previsão e a classificação de eventos, como também a tomada de decisões a partir de suas características intrínsecas e de correlações suas com o contexto, oferecendo como ferramentas bases de dados, detecção e visualização de padrões dos eventos e identificação de processos inerentes a eles, (...) reagindo de maneira inteligente a quaisquer mudanças nas condições de uma situação (Sperling, 2008: 97).

Com as arquiteturas dirigidas a eventos, a esfera cultural – com suas

espacialidades e temporalidades processuais – operam, conforme Sperling, a partir dos programas e das programações para a criação de uma (im)previsibilidade controlada (Sperling, 2008: 97). Dessa maneira, de acordo com Virgínia Lisboa, um evento programado precisa ser entendido em toda sua complexidade espaço-temporal, muito além dos interesses de quem o promove e de seu público específico,

para atender a múltiplas agendas, incorporar objetivos e regulamentações dos governos, exigências das mídias, necessidades dos patrocinadores e expectativas da comunidade (Lisboa, 2010: 24).

Até porque os eventos são únicos.

Mesmo quando idênticos no formato, programa e local, a apresentação e a participação do público nunca serão iguais, fazendo com que cada evento seja, no máximo, similar. Por mais que se programe uma ocorrência ela sempre apresentará variáveis (Lisboa,

2010: 16).

Para abordar o eventual no âmbito arquitetural é necessário, de início, entender que a arquitetura é uma conseqüência da relação entre os espaços e os eventos. O que acontece nos dois sentidos, ou seja, os espaços influenciam os eventos, assim como estes influenciam os espaços, se qualificando mutuamente.

Espaço e evento são as noções principais da teoria arquitetônica de Bernard Tschumi, desenvolvida a partir da década de 60. Os textos desse teórico da arquitetura propõem uma outra natureza para a disciplina arquitetônica “que deve estar situada nas relações espaciais e nas dinâmicas de uso que se engendram nos espaços”. O que ele nomeia de eventos (Sperling, 2008: 11), em seus diálogos com o contexto cultural contemporâneo. No pensamento de Tschumi a arquitetura é a relação disjuntiva entre os espaços e os eventos ou, dizendo de outro modo, entre a concepção do espaço e a experiência do espaço, entre o concebido e o vivenciado, aquilo que foge ao controle do arquiteto (Sperling, 2008: 20). A vivência das espacialidades arquitetônicas e a experienciação de suas ocorrências eventuais são na maioria das vezes incontroláveis, mesmo quando programadas de antemão. Segundo esse pensador,

o evento como experiência arquitetural, é o momento em que o corpo pela “ação como reflexão” transgride a lógica [corrente] do espaço e se diferencia como corpo experienciador (Sperling, 2008: 48).

Tomada por Bernard Tschumi como potência antes que debilidade, a

disjunção entre o espaço e o evento é vista, nestes termos, como uma qualidade arquitetural, pois é a partir dela que podemos explorar zonas intersticiais de relação e contaminação entre essas duas instâncias conceituais (Sperling, 2008: 23). A arquitetura é entendida por esse arquiteo como espaço-evento, sendo o espaço “um elemento catalisador de eventos” (Sperling, 2008: 27). Sendo assim, cabe à estratégia

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projetual do profissional da arquitetura fomentar algumas condições especiais para os eventos acontecerem efetivamente.

Tschumi acredita que não há arquitetura sem programa, sem ação e sem evento. De acordo com Sperling, “

ela só se efetiva enquanto campo da experiência espacial, com aquilo que se instaura no uso pelos corpos, (..) realizando o deslocamento do continente para o conteúdo, dos espaços para aquilo que neles acontece (Sperling, 2008: 26).

Para esse autor, esse processo pressupõe um modo de estar “entre”.

Não apenas no sentido de delimitação, ou seja, de estar entre limites, mas enquanto abertura inter-relacional, passagem. Desta maneira, a prática arquitetural não deve se voltar apenas às formas, mas às forças e relações dialógicas entre espaço, movimento e evento. Segundo ele, Tschumi introduz o movimento como terceiro termo entre o espaço e o evento não como um mero cinetismo ou ação mecânica, mas como o contato dinâmico entre os corpos e entre eles e o espaço, a partir do qual resultam trocas de informações e experiências, tanto as individuais, como as coletivas. Uma situação dinâmica sugere, assim, maior probabilidade de ocorrência de eventos representativos que outra estática (Sperling, 2008: 50). Não pertencendo ao rol das atividades corriqueiras, muitos eventos geram sistemas complexos de circulação, fluxos e redes físicas ou virtuais que coexistem com a vivência cotidiana dos espaços (Lisboa, 2010: 30).

Podemos dizer que os espaços museológicos são campos eventuais de mobilidade e também de mobilização, seja ela estética, cultural ou política. Sendo assim, é importante, para Lisboa, a participação ativa do público com suas vivências e experiências interativas (Lisboa, 2010: 27). Os eventos oferecidos pelos museus são programados para mobilizar o público em geral, sem dinstinção, atraindo não só a população que reside no local de inserção do museu, mas também visitantes de outras localidades. Sendo assim, o planejamento dessas espacialidades deve prever a necessidade de receber ou apoiar, com eficiência ou funcionalidade, eventos muito distintos, oriundos de todas as partes do mundo, mantendo sempre um mesmo padrão de excelência, sem deixar de preservar suas características próprias, de modo a evidenciar técnicas e costumes do lugar (Lisboa, 2010: 17-18).

A disseminação dos museus e a intensificação de suas funções ou relações em escala global interconectam localidades distantes de tal maneira que “acontecimentos locais são, algumas vezes, modelados por eventos que ocorrem a milhas de distância e vice-versa” (Lisboa, 2010: 24-25). Assim, em nossa sociedade globalmente conectada pela informação, podemos considerar casos em que a própria informação de um evento, veiculada nos meios de comunicação, converte-se em sua atuação, como lembra Sperling. Dessa maneira, ele se desdobra no espaço e no tempo.

De certo modo, um algo que “simplesmente acontece” pela velocidade e abrangência de atuação da informação, tende a se transformar em um “acontece para mim” global (Sperling,2008: 95),

graças à ubiquidade proporcionada pelas novas mídias.

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Com o advento da cultura informacional, o evento enquanto atitude reflexiva ou “ação crítica no espaço” passou a exigir do sujeito experienciador um processo de percepção ou apreensão espaço-temporal menos passivo e mais participativo, com mais interatividade e menos reatividade. O que foi potencializado, pelo avanço das tecnologias midiáticas. Ao mesmo tempo, o eventual “como erupção da criatividade ‘para todos’ por meio da conexão de interfaces de interação” tem se convertido em mero entretenimento. Nas palavras de Sperling, “entretenevento”. (Sperling,2008: 101).

Referências bibliográficas LISBOA, Virgínia Santos (2010): Eventos programados e suas dinâmicas espaciais. São Paulo em foco. Dissertação de Mestrado FAU USP. SPERLING, David Moreno (2008): Espaço e evento. Considerações críticas sobre a arquitetura contemporânea. Tese de Doutorado FAU USP.

TSCHUMI, Bernard (2005): Event Cities 2. MIT Press.

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3.1.4. Transitoriedade na arquitetura dos espaços expositivos: espaços do fluxo.

Ao final do século XX, muitos arquitetos se destacaram no cenário

internacional ao desenvolverem algumas arquiteturas museológicas de grande arrojo e expressividade formal, a partir de novas experimentações morfogenéticas que só foram possíveis graças ao avanço das tecnologias e ferramentas midiáticas digitais usadas nos projetos. O que fez com que elas adquirissem uma maior visibilidade pública, tornando-se bem mais atrativas. Dois exemplos controversos são o projeto do Museu Guggenheim de Bilbao do arquiteto Frank O. Gehry e o projeto de ampliação do Museu Victoria & Albert em Londres, do arquiteto Daniel Libeskind. Nesses casos, as espetaculares formas arquitetônicas foram concebidas como imagens de forte impacto e amplo apelo midiático, apresentando em sua monumentalidade um caráter de marco referencial inserido na paisagem que o envolve, como se a arquitetura fosse, em seu aspecto comunicacional e simbólico, o principal objeto a ser oferecido à população.

Museu Guggenheim de Bilbao – Frank Gehry

Museu Victoria O. & Albert – Daniel Libeskind

Entretanto, o objeto arquitetural não é só forma expressiva, porque

assim ele seria uma escultura. Entre os experimentos projetuais apresentados recentemente por alguns arquitetos representativos como Zaha Hadid, Rem Koolhaas, Ben van Berkel ou Lars Spuylbroek, entre outros, os mais interessantes procuram ir além do formal e do espacial para voltar-se à dimensão temporal da arquitetura, explorando todas suas dinâmicas em potencial. Esses projetos muitas vezes são desenvolvidos a partir do estudo das atividades e dos eventos que dão vida aos espaços desses edifícios. Desta maneira, eles não foram pensados apenas como construções concretas e materiais, com suas características estruturais estáticas, mas, também, enquanto objetos dotados de programas, cujas instruções programáticas solicitam a produção de processos eventuais, com dinâmicas operacionais próprias, envolvendo diversos percursos, movimentos e fluxos que acontecem e se propagam, do interior ao exterior e vice-versa, de acordo com a vivência e a interação dos usuários no e com os espaços. Sendo assim, cabe à estratégia de planejamento de cada arquiteto criar condições para que esses eventos aconteçam, havendo mais probabilidade deles acontecerem em situações e ocorrências dinâmicas, de transitoriedade. Desse modo, é preciso compreender e avaliar os processos transitoriais e mutantes da arquitetura museológica como uma das maneiras mais eficazes de abordá-la durante o planejamento.

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Diante dessas diretrizes projetuais, cabe indagar de que maneira a arquitetura pode responder às solicitações das instituições museológicas na era da mobilidade ou do fluxo, também chamada de modernidade líquida? 11 Como criar espacialidades e formas materiais fluídas que permitam absorver a fluidez dos percursos em um contexto de mudanças contínuas?

Para Marta Bogéa, é preciso buscar na arquitetura não apenas uma matéria fixa que ampare movimentos,

mas a compreensão de como a materialidade estável, intrínseca à disciplina arquitetônica, pode permitir a inquietante e crescente mobilidade procurada desde o início da modernidade. (Bogéa, 2009: 22)

No contexto dessa discussão, Ignaci de Solá-Morales também indaga:

É possível pensar uma arquitetura do tempo, mais do que do espaço? Uma arquitetura cujo objetivo não seja apenas ordenar o espaço, mas organizar o movimento e a duração? (Solá-Morales, 2002: 126)

O projeto do Museu Guggenheim de Nova York, desenvolvido por Frank Lloyd Wright nos anos 50, é um caso exemplar de como criar uma arquitetura que não só absorve a mobilidade, mas também a organiza. Nesse edifício, que se tornou um ícone moderno, os visitantes são impulsionados a subir de elevador até o último andar para depois descer, através de rampas espiraladas, seguindo um percurso sugerido pela configuração arquitetônica, cujas formas orientam cada usuário dessa instituição no processo de apreensão dos seus espaços cinemáticos e, também, na apreciação das obras artísticas dispostas no campo circundante, que se amplia a partir da inter-relação entre objeto e espaço, através do movimento dos corpos. O transitar por esse circuito leva o transeunte a deixar sua passividade receptiva para explorar algumas experiências espaciais reveladoras , de temporalidades eventuais, que despertam percepções estéticas de natureza dinâmica ou cinestésica. De acordo com Montaner, essa é uma concepção que favorece algumas propostas de caráter didático e narrativo em que se determina um itinerário, através das várias espacialidades, visando desvelar o sentido dos trabalhos expostos segundo um roteiro curatorial. O desenvolvimento dessa noção de itinerário no âmbito da arquitetura museológica, entendida com um percurso que deve ser trilhado para a aquisição de conhecimento e cultura, influenciou toda uma geração de arquitetos, inclusive os mais jovens. (Montaner, 1995: 9)

Museu Guggenheim de Nova York – Frank Lloyd Wright

11 Veja: BAUMAN, Zygmunt (2001): Modernidade líquida. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor.

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Um processo criativo mais recente, que representa bem essa maneira de pensar e planejar a arquitetura dos espaços expositivos é o projeto do MAXXI – Museu de Arte do Século XXI em Roma, da arquiteta Zaha Hadid. Inaugurado em 2010, seu planejamento se orientou em uma investigação a respeito da fluidez no objeto arquitetônico e seu entorno, que surgiu de informações e conceitos promissores, provenientes de teorias sobre a dinâmica dos fluídos e suas aplicações. Essas referências serviram para quebrar alguns paradigmas e introduzir outros no decorrer da experimentação projetual. O que resultou em uma obra original, baseada em conceitos promissores, que apresenta novas características ou qualidades espaciais, formais e estéticas, mais sintonizadas ao espírito do tempo atual, em que a mobilidade é mais do que uma necessidade operacional, devendo ser valorizada enquanto motivo de abordagens artística, estética e cultural. Envolvida por essa discussão, Hadid seguiu sua orientação conceitual para planejar a configuração dos espaços desse edifício. O primeiro passo foi explorar o terreno, a partir da demarcação dos seus possíveis acessos e caminhos, numa espécie de vetorização que aponta diversos sentidos. Uma maneira de melhorar sua acessibilidade, interligando e inter-relacionando a arquitetura aos espaços ao redor. Esta operação inicial levou à introdução de outras vias e possibilidades de trânsito, em outras direções, reorganizando os fluxos do lugar. De acordo com essa arquiteta, o objeto arquitetônico surgiu, assim, em função da convergência de percursos. Um feixe de caminhos que resultou em espaços entrelaçados (Hadid, 2001: 102).

MAXXI Museu de Arte do Século XXI – Roma- Zaha Hadid

O edifício do MAXXI faz parte de uma série de projetos do escritório de

Hadid que pretendem obter novas espacialidades fluídas. Uma maneira de proporcionar fluidez e continuidade nas transições espaciais. Assim como os espaços, as geometrias dos volumes desses edifícios também são fluídas e contínuas, acompanhando o sentido e a direção dos fluxos. Como sintetizou Luís Castro, o objetivo desses experimentos projetuais é tentar materializar na arquitetura a passagem do tempo, inserir o movimento numa arte que é por natureza estática, provocando uma mistura das qualidades dinâmicas dos espaços com a visão que se tem deles. O resultado são edifícios que passam uma forte impressão de fluidez, inclusive em seu aspecto formal (Castro, 1995: 25). Na proposta do MAXXI parece que o estudo dos fluxos previstos sugeriu ou, até mesmo, determinou a criação dos espaços e suas formas, mas de que maneira isso se deu? Zaha Hadid estabeleceu um rico diálogo com a urbe, em seu campo circundante. A configuração espacial surgiu a partir da demarcação de fluxos que partem do exterior, atravessam o terreno e interligam duas ruas paralelas, agilizando o trânsito de um sentido para outro. Segundo essa arquiteta, “pode-se entrar por qualquer uma dessas vias e seguir por vários caminhos distintos”, pois o caráter desse conjunto arquitetônico é “poroso e imersivo”. Em vez de abordar o edifício como um objeto, sua proposta trata-o “como

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um campo de forças e de fluxos, quase urbano, onde se pode submergir” (Hadid, 2001: 102). Com isso, o lugar converte-se em parte da cidade. Para essa arquiteta a organização e os percursos deste campo estão baseados em derivas direcionais e na distribuição de densidades.

Tanto a circulação externa como a interna seguem a deriva geral da geometria espacial. Os elementos de circulação vertical e oblíqua são situados nas áreas de confluência de fluxos (Hadid, 2001: 102).

MAXXI Museu de Arte do Século XXI – Roma- Zaha Hadid

O resultado é, para Hadid, “uma massa subvertida por vetores de

circulação e espaços de liquidez gerados em função de diversos trajetos” (Hadid, 2001: 102). Espaços fechados, espaços abertos e espaços intersticiais que oferecem ao visitante múltiplas opções de trânsito. O percurso à deriva pelo MAXXI é, de acordo com essa arquiteta, uma trajetória fluída por espaços expositivos variados e inter-relacionados. Segundo ela, o projeto oferece uma nova liberdade de organização espacial que reconsidera e recompõe a experiência do espectador da arte como um diálogo livre com o artefato e com o entorno, numa relação de transitoriedade (Hadid, 2001: 180-181). A análise de suas linguagens líquidas 12, nos desperta para questões férteis e urgentes. Conforme essa arquiteta, o planejamento arquitetônico de museus, centros de arte e galerias na idade contemporânea tende a repudiar a compartimentação dos espaços expositivos, um padrão orientado em função dos objetos de arte e das coleções. Esta organização espacial gera ambientes separados por paredes e sem contato e inter-relação imediata entre eles. O que inibe, limita e, às vezes, bloqueia a movimentação dos transeuntes pelos espaços. Em seu lugar,

a noção de ‘ir à deriva’ por espaços fluídos, contínuos e entrelaçados vai adotando uma forma concreta, que surge ao mesmo tempo como motivo arquitetônico e como forma de navegação espacial através dos espaços expositivos (Hadid, 2001: 180-181).

MAXXI Museu de Arte do Século XXI – Roma- Zaha Hadid

12 SANTAELLA, Lúcia (2007). Linguagens líquidas na era da mobilidade. São Paulo, Editora Paulus.

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Hadid lembra também que o processo de exploração das espacialidades com base na idéia de movimento e fluidez já é bem compreendido na prática da arte, mas que sem dúvida ainda permanece como algo estranho no campo da arquitetura, necessitando ser assimilado pelos profissionais da área, que continuam a pensar e a desenvolver seus projetos a partir de parâmetros associados à estaticidade (Hadid, 2001: 180-181).

De acordo com a tradição, o pensamento e a prática arquitetural poderia ser classificada dentro do campo de estudo do inerte. A arquitetura, entendida como a arte de planejar o habitat artificial do homem, sempre foi pensada ou planejada pelos arquitetos a partir de princípios fundamentais baseados na estaticidade, mas como pensar o fixo sem considerar seus fluxos? O nosso tempo trouxe de novo à tona esta questão que se desdobra em ações projetuais inovadoras. O espaço tradicional era concebido e representado, a partir de coordenadas fixas e pré-determinadas. Atualmente é preciso levar em consideração outros parâmetros, agora móveis, fluídos e mutantes, que são constantemente reconfigurados, a partir de inter-relações, confrontos e tensões entre múltiplos vetores e forças, provenientes de fenômenos cada vez mais complexos, que surgem do turbilhão vivo dos espaços urbanos e metropolitanos. As vertiginosas transformações na configuração e organização das cidades contemporâneas têm solicitado aos profissionais da área a busca de novas referências e diretrizes para o planejamento espacial, exigindo que sejam aplicados procedimentos mais flexíveis e dinâmicos, capazes de corresponder às solicitações do ambiente. A criação e representação gráfica da arquitetura urbana, tradicionalmente feitas através de plantas, cortes, vistas e perspectivas, tendem a desconsiderar os diversos movimentos e fluxos que animam, dão vida e transformam os diferentes espaços. O objeto arquitetônico é representado, quase sempre vazio, como se nada acontecesse dentro e ao redor dele. As linguagens mais apropriadas para representar as forças dinâmicas que atuam no espaço e sobre ele, influenciando sua configuração (como o vídeo e animação, por exemplo), raramente são utilizadas, a não ser por alguns profissionais antenados com o desenvolvimento das novas mídias voltadas ao planejamento espacial. Este é o caso de Zaha Hadid.

De acordo com Mohsen Mostafavi , a equipe de Hadid utiliza vários softwares específicos e trabalha diante de quinze ou vinte monitores de computador, onde se pode ver e analisar as plantas, a partir de várias visualizações bidimensionais e tridimensionais em movimento, ao mesmo tempo. Assim, “pode-se ver o projeto em qualquer perspectiva e ainda fazer um voo virtual animado pelos espaços”. Sem falar em alguns recursos tradicionais que não são descartados por ela , como a utilização de maquetes que nesse caso são de metacrilato, um material sintético transparente. Com elas, pode se adquirir maior visualidade para se ter uma percepção mais aguçada das conexões e transições entre um espaço e outro ou entre um nível e outro, valorizando a dinâmica dos fluxos (Mostafavi, 2001: 17-18). Todos esses procedimentos são utilizados em seus projetos, otimizando o desenvolvimento dos seus conceitos e idéias sobre a mobilidade e a percepção espacial.

Os espaços criados por Zaha Hadid no projeto arquitetônico do MAXXI sugerem outros processos perceptivos, que visam questionar alguns princípios da arquitetura museológica tradicional. Os modos de pensar e planejar os espaços dos museus eram fundamentados numa noção de exposição, ainda vigente em nossos dias, cuja recepção nos remete a um observador estático, limitado por uma percepção centralizante, contemplativa e puramente visual. Essa referência recorrente surgiu em consequência de uma concepção cartesiana que estabelece uma separação entre a visão e o movimento corporal, ou melhor, entre o ato de perceber e de agir. A arquitetura e a arte do nosso tempo tem procurado problematizar esse referencial

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teórico, introduzindo algumas discussões sobre os modos de apreensão espacial baseados na dinâmica. O que tem gerado excelentes desdobramentos criativos, desencadeando algumas questões prementes no campo da estética da mobilidade ou da fluidez que tem ganhado vulto com os experimentos de alguns arquitetos, designers e artistas das novas arte-mídias no segmento da cibercultura ou cultura digital. Como a arquitetura tem reagido a essa problemática contempotânea?

Uma das propostas que mais se destacam na abordagem dessa discussão sobre a transitoriedade e o dinamismo perceptual , elevando as discussões e práticas a outros patamares, é o projeto de Rem Koolhaas para a sede do Centro de Arte e Mídia – ZKM, localizado na cidade de Karlsruhe na Alemanha. Uma arquitetura voltada às novas manifestações artísticas, midiáticas e culturais do nosso tempo. A primeira característica do planejamento que chama a atenção está relacionada à maneira como a arquitetura do edifício foi implantada no sítio urbano. O local que foi destinado à construção da sede dessa instituição situava-se numa zona de transição da urbe. De acordo com Koolhaas, a implantação foi feita exatamente no ponto limite entre a cidade antiga e a nova, entre o centro histórico e a periferia, bem próximo a uma estação de trens. A via férrea que passa por essa região separava e criava uma barreira, bloqueando o trânsito entre o terreno do edifício e o desse equipamento de transporte público que se localiza na área central de Karlsruhe. Esta configuração infra-estrutural impedia o acesso ao local para quem vinha do centro. Objetivando liberar esse trajeto e criar outra possibilidade de se chegar à nova edificação, esse arquiteto tentou religar o que a infra-estrutura ferroviária antes separava. Para isso, ele criou uma passarela suspensa que possibilitava a interconexão e integração dos dois espaços arquitetônicos, inter-relacionando universos independentes e atividades distintas situadas em pólos opostos. Essa operação visava seduzir e atrair um público extra que cotidianamente transita pela estação, vindo do centro ou de outras partes da cidade, mas que ainda não adquiriram o hábito de freqüentar espaços ou equipamentos culturais desta natureza (Koolhaas, 1989: 126-130).

Diferente de outras propostas apresentadas recentemente, o projeto realizado por Rem Koolhaas e sua equipe não prioriza a experimentação formal. Ele procura criar sistemas operantes e procedimentos de caráter funcionalista para intervir no local. Segundo ele, essa intervenção infraestrutural inicial, que se tornou um das principais ações do projeto, acabava com a desconexão existente e poderia, assim, gerar uma melhor fluidez nesse eixo de conexão com o núcleo urbano histórico. Uma estratégia projetual importante e necessária que pretendia distribuir e organizar os percursos físicos, de maneira flexível, para serem potencialmente otimizados. Esta operação tornaria-se imprescindível para a inter-relação do edifício com seu campo circundante. Com esta interferência ele interconectou o edifício à infraestrutura viária e articulou seus espaços a outros espaços urbanos de referência, abrindo-os e tornando-os acessíveis às diferentes comunidades da cidade, para que pudessem ser apreendidos por todos e cumprir a contento sua função social e educativa (Koolhaas, 1989: 126-130).

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ZKM – Centro de Arte e Mídia de Karlshure – Rem Koolhaas

As atividades e interatividades do ZKM, previstas de antemão no

programa, foram distribuídas com liberdade de organização no interior de um grande cubo transparente e neutro com vários andares, constituídos por espaços arquitetônicos abertos, contínuos e fluídos que foram pensados para aumentar a fluidez dos percursos e do trânsito, do interior ao exterior do edifício e vice-versa. A continuidade espacial foi alcançada através de vários experimentos projetuais desenvolvidos com algumas ferramentas analógicas e digitais. Ela permitiu a sobreposição e inter-relação de atividades ou funções diferenciadas, aumentando a versatilidade da edificação proposta. Isso só se tornou exequível porque os espaços internos não foram compartimentados. A utilização de alguns recursos estruturais possibilitou a ausência de paredes divisórias e o excesso de elementos estruturais verticais como pilares, liberando os vãos e estabelecendo uma ligação entre um espaço e outro ou entre um andar e outro, que é reforçada ainda mais pelo posicionamento de rampas, escadas e elevadores, organizados de modo a distribuir os fluxos pelos espaços, desdobrando-os, eventualmente, de acordo com as solicitações da instituição (Koolhaas, 1989: 126-130).

A preocupação com a fluidez dos percursos físicos, durante o processo de criação das espacialidades desse centro cultural, veio acompanhada da necessidade de se pensar, de maneira criteriosa, sobre o funcionamento e a dinâmica dos sistemas ou circuitos informacionais e seus recursos tecnológicos como a comunicação à distância e a telepresença, entre outros. Segundo Rem Koolhaas, a arquitetura contemporânea não pode mais se relacionar somente com o lugar onde ela está inserida, mas precisa se conectar também a uma rede mais ampla, globalizada, que envolve ambientes concretos e virtuais ou ciberespaciais, com seus campos de forças e fluxos em constante interação e transformação. Para responder a essa demanda era preciso equipar o edifício e seus diversos espaços com tecnologias midiáticas de última geração que pudessem servir de apoio às interatividades previstas. Procurando desenvolver uma arquitetura propícia a isso, esse criador optou pela organização espacial em planta livre, uma herança da arquitetura moderna, o que facilitava a instalação de vários meios e aparatos tecnológicos comunicacionais necessários à eficiência funcional da edificação, atendendo às exigências de alguns experimentos e manifestações artísticas do nosso tempo que solicitam em seus processos de criação e apresentação o desenvolvimento de interfaces entre mídias distintas, com misturas de linguagens. Em resposta a essas solicitações, Koolhaas acredita que a arquitetura deve incorporar a capacidade de se adaptar e se transformar quando necessário, a partir da interface ou da inter-relação entre os espaços físicos e os ambientes virtuais, convertendo-se, desta maneira, em

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uma máquina ou um computador que pode se auto-organizar e auto-regulamentar, de modo constante (Koolhaas, 1989: 126-130).

A busca de conexões e de inter-relações entre os espaços internos, externos ou intersticiais e os ambientes virtuais foi intensificada com o desenvolvimento de um recurso tecnológico empregado por esse criador. Sobre a fachada externa do edifício, ele criou um painel eletrônico de cristal líquido que vai da base ao topo do volume. Uma parede mediática feita de pixels que funciona como um grande monitor de vídeo de sua arquitetura-computador, uma espécie de janela virtual que se abre para o entorno. Através dela, seria possível apresentar ao público que mora ou circula pelas redondezas as imagens de tudo o que acontece, cotidianamente, no interior do edifício, seus eventos, atividades e fluxos, aumentando sua visibilidade e seu poder de atração e comunicação com a comunidade, a partir da sobreposição e entrelaçamento entre a realidade física e a virtualidade, entre a forma e a informação (Koolhaas, 1989: 126-130).

PAINEL ELETRÔNICO na fachada do ZKM – Centro de Arte e Mídia de Karlshure – Rem Koolhaas

O projeto de Rem Koolhaas parece dialogar com o imaginário

tecnológico dos anos 60-70, a partir da relação entre a arquitetura e a cibernética. De forma indireta, suas diretrizes apresentam algumas afinidades com as referências conceituais de outro projeto representativo denominado Computer City, criado em 1964 pelos arquitetos do grupo Archigram. Uma arquitetura computadorizada, de extensão urbana, desenvolvida a partir de algumas ideias que surgiram no alvorecer da era informacional e da cibercultura. De acordo com Cláudia Cabral, esse experimento projetual inovador foi fundamentado nos conceitos de hardware e software, palavras ainda novas na época, retiradas de um incipiente jargão da informática. Como nos lembra essa autora, o que o Archigram pretendia com estes conceitos era destacar o tipo de implicação que o “giro” da tecnologia do pós-guerra em direção aos sistemas cibernéticos e informáticos podia ter para a arquitetura (Cabral, 2001: 249). Ao pensar e planejar a arquitetura do ZKM como um computador, Koolhaas procurou configurar os espaços físicos, a partir da relação com seus possíveis programas ou procedimentos operacionais, quer dizer, como um diálogo entre hardware e software, entre o material e o imaterial, o visível e o invisível. Do ponto de vista arquitetônico, cuja tradição disciplinar sempre esteve relacionada à produção de objetos tangíveis, esse processo dialógico pode representar, para Cabral, um deslocamento da ênfase nos suportes materiais e tangíveis aos sistemas e processos imateriais e invisíveis que absorvem os fluxos de informação. Um fenômeno que se deu, segundo essa autora, com a transformação do caráter da tecnologia e sua representação ao longo do século XX (Cabral, 2001: 249).

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Com o apoio e suporte de todo um aparato tecnológico, os espaços arquitetônicos indeterminados, recombinantes e reprogramáveis do ZKM abrem à possibilidade de constantes variações programáticas que solicitam ou sugerem metamorfoses em sua configuração e organização, de maneira líquida. Assim, a cada ocasião e a cada evento, os espaços amplos, abertos e contínuos seriam remanejados ou re-configurados com total flexibilidade e praticidade, de acordo com a natureza e as particularidades das exposições e de outros eventos programados para o local ou, mesmo, aqueles imprevistos, mas possíveis de serem atualizados (koolhaas, 1989: 126-130). Desse modo, a materialidade do edifício organiza e reorganiza relações espaciais, podendo se adaptar e responder à necessidade de possíveis alterações em sua configuração.

Outra proposta de caráter processual e eventual que aborda a questão da transitoriedade no âmbito da arquitetura museológica, indo além dos limites arquitetônicos dessas instituições culturais, é o projeto do Nomadic Museum: um museu itinerante que desde 2005 está a viajar por várias cidades do mundo como Nova York, Tóquio e Cidade do México, proporcionando um ambiente transitório que abriga a exposição Ashes and Snow do artista Gregory Colbert 13. Planejada pelo arquiteto Shigeru Ban a partir de uma estrutura sustentável constituída de containers de carga empilhados, normalmente usados nos transportes e transações portuárias, esse objeto arquitetural e seus elementos estruturais podem ser facilmente montados e remontados de outra maneira em outra parada, graças à disponibilidade desse elemento construtivo em qualquer porto. Desse modo, ele se transforma à cada viagem e local em que é aportado, se adaptando ao novo sítio. Como os componentes materiais do edifício são encontrados em grande quantidade nos pontos de itinerância, é possível que haja, segundo Marta Bogéa, menos deslocamento de materialidades, o que facilita o transporte de uma localidade a outra e diminui seus custos materiais e operacionais, aumentando a viabilidade do projeto. Baseado em conceitos, ideias e processos instigantes sobre a mobilidade, esse museu nômade se desloca no espaço, se reconfigurando e transformando no tempo (Bogéa, 2009: 216).

Não apenas um (des)locar que é movimento entre lugares, que move uma arquitetura entre sítios, mas uma mobilidade em termos amplos, compreendida como capacidade de encontrar variáveis (Bogéa, 2009: 22).

A idéia de uma arquitetura que possibilita a itinerância requer, em sua aplicação na prática projetual, estruturas flexíveis e configurações espaciais mutantes que possam se adaptar às características de cada novo ambiente urbano visitado no decorrer da viagem.

13 Veja o site do projeto em www.ashesandsnow.org

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Nomadic Museum – Shigeru Ban

Referências Bibliográficas BAUMAN, Zygmunt (2001): Modernidade líquida. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor. BOGÉA. Marta (2009): Cidade errante. Arquitetura em movimento. São Paulo, Editora Senac. CABRAL, Cláudia (2001): Grupo Archigram 1960-1974. Uma fábula da técnica. Tese de Doutorado. UPC – ETSAB.

CASTRO, Luís R. (1989): “Conversación con Zaha Hadid”. En revista El Croquis no. 73, pp.25. HADID, Zaha (2001): “Centro de Arte Contemporânea de Roma”. En revista El Croquis no. 103, pp.102. KOOLHAAS, Rem (1989). “ZKM”. En El Croquis no. 73, pp. 126-130. MONTANER, Josep M. (1995): Museos para el Nuevo Siglo. Barcelona, Gustavo .Gili.

MOSTAFAVI, Mohsen (2001): “El Paisaje como Planta: una conversación com Zaha Hadid”. En revista El Croquis no. 103, pp.17-18. SANTAELLA, Lúcia (2007). Linguagens líquidas na era da mobilidade. São Paulo, Editora Paulus. SOLÁ-MORALES, Ignasi (2002): Territorios. Barcelona, Gustavo Gili.

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3.1.5. A mobilidade como uma referência e uma prática estéticas. Ao falarmos de mobilidade ou transitoriedade, logo vem à mente a

experiência errante dos povos nômades, a explorar o território geográfico, a partir de um movimento constante de deambulação espacial. Para esses grupos sociais,

o ponto de partida e de chegada têm um interesse relativo, enquanto que o espaço intermediário é o espaço do andar, a essência mesma do nomadismo, o lugar onde se celebra cotidianamente o rito do eterno errar (Careri, 2002: 42).

A ação de atravessar os espaços (des)conhecidos, para desvelá-los,

surgiu, de acordo com Francesco Careri, da necessidade humana natural de mover-se para encontrar alimentos, materiais ou informações indispensáveis à própria sobrevivência. Desse modo, em função de uma força maior, o simples ato de andar foi se convertendo em uma atitude simbólica que permitiu ao homem habitar o planeta, desenvolvendo as mais importantes relações com as espacialidades, através de um processo perceptivo cinestésico. (Careri, 2002: 20).

Para refletirmos sobre a mobilidade enquanto uma referência e uma prática estéticas é preciso estabelecer de início um diálogo relacional entre os termos espaço, movimento e fixidez, procurando fazer uma distinção entre as noções de espaço nômade e espaço sedentário, como duas instâncias opostas e complementares. Segundo Deleuze e Guattari, o espaço sedentário é estriado por muros, paredes, recintos e percursos entre eles. A arquitetura tradicional representa bem essa característica espacial. Em sua solidez e densidade, ela é cheia. Já a espaço nômade ou de transitoriedade é liso, ou seja, menos denso, mais líquido e, por vezes, vazio, “marcado somente por alguns traços que se borram e reaparecem com as idas e vindas” dos transeuntes (Careri, 2002: 38). O que torna difícil a orientação espacial.

Se para nós o espaço nômade é vazio, para quem nele transita não resulta tão vazio assim, pois está cheio de rastros invisíveis a os orientar na exploração territorial. Careri ressalta que desse modo

sua geografia sofre uma mutação contínua, se deforma no tempo, em função do deslocamento do observador (Careri, 2002: 42).

A ausência de pontos de referência estáticos e permanentes fez com que

o nômade desenvolvesse uma capacidade para construir a cada instante seu próprio mapa referencial. Na cartografia da errância, o movimento e o itinerário são mais importantes do que a fixação, diz Marta Bogéa. Entretanto, para se explorar as espacialidades através de uma percepção dinâmica é necessário, segundo essa autora, relacionar os fluxos aos possíveis elementos fixos do espaço e vice-versa (Bogéa, 2009: 94), de modo a encontrar outras orientações espaciais, através de novas experiências perceptivas.

As questões e discussões que envolvem a relação entre espaço e mobilidade não são exclusividades do nosso tempo. Elas podem ser observadas em vários momentos da história da humanidade, de modo muito especial, na modernidade. A partir do diálogo entre fluidez e fixidez, como dois lados de uma mesma moeda, a arquitetura moderna buscou criar uma espacialidade cuja matéria pudesse absorver os fluxos e que fosse, ao mesmo tempo, configurada por eles (Bogéa, 2009: 22), provocando com isso toda uma transformação cultural.

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O tema do movimento e da dinâmica era também uma das principais explorações das vanguardas artísticas. Este é o caso do futurismo, no início do século XX. Conforme Francesco Careri, a cidade futurista era atravessada e transformada por fluxos e turbilhões de massas humanas, com seus automóveis ruidosos a toda velocidade. Uma urbanidade que havia perdido qualquer possibilidade de ser percebida de modo estático ou através de um único ponto de vista, fixo. Esse autor lembra que a abordagem futurista se baseava numa leitura coerente dos novos espaços urbanos e dos eventos que aconteciam neles, com todos os seus fluxos. Entretanto, sua prática se limitava apenas à representação desses movimentos eventuais, “sem ir mais além, sem adentrar-se no terreno da ação”, em si. (Careri, 2002: 70).

Escultura futurista – Boccioni e Pintura futurista – Balla.

Ao contrário dos futuristas, os dadaístas procuraram não só representar a mobilidade, mas também fazer do andar exploratório uma manifestação artística diferencial. Segundo Careri, em princípio esses artistas realizaram algumas tentativas de decomposição do movimento, desenvolvidas através dos meios convencionais de representação, a partir de sequências de instantes congelados. A obra de Duchamp Nu descendo a escada é um caso exemplar.

Nu descendo a escada. Marcel Duchamp

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Depois dessa experiência basal os dadaístas foram adiante, em suas manifestações, passando de um simples processo representacional a uma atitude ou ação prática no espaço concreto, a partir uma série de “visitas-excursões” aos lugares mais banais de Paris, a cidade do flaneur (Careri, 2002: 70). Pode-se dizer que, com essas experiências, Dada descartou os lugares consagrados dos museus, com o fim de conquistar tudo o que estava fora deles, no espaço urbano, ou seja, com o objetivo de explorar a realidade da vida cotidiana, através de um ato estético e simbólico, o andar. Tratava-se, para Careri, de uma operação consciente, entendida como um evento público, que era difundida com antecedência, através de grande quantidade de notas na imprensa e outras mídias da época. A partir das visitas de Dada à cidade banal e das posteriores deambulações dos surrealistas por bosques, campos e caminhos nas pequenas aglomerações rurais – o ato de percorrer o espaço seria utilizado como uma prática capaz não só de substituir a representação, mas também de questionar todo o sistema da arte (Careri, 2002: 68-70).

A ideia de deambulação introduzida pelos surrealistas está relacionada à essência da desorientação e do abandono ao inconsciente e ao sonho. Segundo Careri, essa vontade de superar o real mediante o onírico estava acompanhada do desejo de retornar a alguns espaços vastos e desabitados, nos limites do espaço concreto. Para esse autor, o percurso desses experimentos se situa fora do tempo (Careri, 2002: 82).

Deambular consiste em alcançar, mediante o andar, um estado de hipnose, uma desorientadora perda de controle. Espacial e temporal (Careri, 2002: 82).

A partir dessas primeiras deambulações surrealistas surgiu a ideia de

dar forma à percepção dinâmica do espaço citadino sob a forma de uns mapas influenciais. O que, conforme Careri, voltará a aparecer na cartografia situacionista, associada para esse autor, à imagem de uma cidade “líquida”, transitória, configurada por fluxos constantes que se desenvolvem em todos os sentidos e direções, gerando um campo de forças. (Careri, 2002: 87).

Os situacionistas reconheceram no transitar pela cidade uma possibilidade expressiva concreta de anti-arte, assumindo-a, de acordo com Careri, como um meio estético-político, através do qual seria possível subverter a estrutura e a ordem da trama urbana. A palavra de ordem desses artistas era: “deriva”. Mais do que um conceito, ela representava uma atividade coletiva deflagrada a partir do movimento corporal, do andar ininterrupto. Em outros termos, uma ação lúdica através de ambientes variados, um modo de comportamento experimental que visava “o abandono absoluto de qualquer atividade produtiva e de consumo para deixar-se levar pelos fluxos da cidade”, para se perder neles. (Cortés, 2007: 111).

A deriva era uma ação fugaz , um instante imediato para ser vivido no presente, sem se preocupar com sua representação e com sua conservação no tempo (...). Uma experimentação de novos comportamentos na vida real, a materialização de um modo alternativo de habitar a cidade, um estilo de vida que se situa fora e contra as regras da sociedade burguesa e que se propõem como uma superação da deambulação surrealista (Careri, 2002: 92-95).

Para Careri, os situacionistas criticaram os surrealistas, principalmente

por não terem levado às últimas conseqüências em suas deambulações as potencialidades do projeto dadaísta de situar-se “fora da arte” ou, seja, fora do mundo da arte, dos museus e galerias. Segundo eles, era preciso extrapolar esse contexto cultural elitista para alcançar a dimensão espaço-temporal da cidade

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contemporânea, através de uma experiência artística coletiva e revolucionária (Careri, 2002: 90), cujo processo dinâmico deveria não apenas revelar as zonas inconscientes ou obscuras da urbe, como buscavam os artistas surreais, mas também os efeitos psíquicos que o contexto urbano produz nos indivíduos (Careri, 2002: 92). Entretanto, para os atores situacionais, o espaço urbano era um terreno objetivo e não só subjetivo e inconsciente, como queria o surrealismo. Segundo Careri, a prática da deriva e a construção de situações se baseavam, pelo contrário, “em um controle concreto dos meios e dos comportamentos que podiam se experimentar diretamente na cidade” ( Careri, 2002: 92-94).

Eles rechaçavam a idéia de uma separação entre a vida real e uma vida imaginária maravilhosa [representada pela arte surrealista]. Era a própria realidade que devia converter-se em algo maravilhoso. Já não era o momento de celebrar o inconsciente da cidade. Era necessário umas formas de vida superiores mediante a construção de algumas situações na realidade cotidiana. Era necessário atuar, em vez de sonhar (Careri, 2002: 92-94).

Com a evolução da teoria da deriva, os situacionistas começaram a

desenvolver uma cartografia influencial que ainda não havia existido. A intenção era, segundo Careri, produzir alguns mapas psicogeográficos baseados nas variações das percepções dos transeuntes, obtidas ao percorrer os ambientes urbanos mutantes, cada vez mais desorientadores (Careri, 2002: 87).

The Naked City - Situacionistas

Para esses artistas a leitura da cidade deveria passar pelo exame da experiência com a qual cada cidadão deve confrontar, com os demais, os afetos que surgem quando se frequenta certos lugares, prestando atenção às próprias pulsões (Careri, 2002: 104).

Os situacionistas haviam encontrado na deriva um meio com o qual desnudar a cidade, mas também um modo lúdico de re-apropriação do território: a cidade era um jogo que poderia se utilizar com prazer, um espaço no qual viver coletivamente e no qual experimentar comportamentos alternativos. (Careri, 2002: 114).

Para os atores situacionais, fazia falta em sua época poder

experimentar a cidade como um território lúdico, de modo a deflagrar uma vida autêntica e ativa. Através de uma ação instaurada por indivíduos e grupos nos espaços complexos e surpreendentes da urbe, era possível criar aventuras (Careri, 2002: 114).

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Algum tempo depois, entre os anos 60 e 70, alguns artistas da arte conceitual e da Land Art conduziram os apreciadores da arte-movimento a outros ambientes, procurando expandir o campo de ação de suas propostas, com intervenções do tipo site especific em locais inusitados, principalmente nas periferias das metrópoles. Lugares estes, muitas vezes esquecidos pelos gestores e pelos poderes institucionalizados. Para esses artistas interventores, a arte devia se mover ao encontro dessas espacialidades desprezadas para descobrir a realidade delas tal como se apresenta. Em seus projetos intervencionistas não é o espaço que está em função da arte, mas é a arte que está em função dos diferentes espaços, para revelá-los, em toda sua contradição e complexidade. Em muitos experimentos, esses artistas estabeleciam um intenso diálogo com a dimensão espaço-temporal de alguns monumentos urbanos, fazendo com que o público pudesse interagir com eles, através do movimento corporal. O que tinha como consequência uma série de ações que, em muitos casos, reconstituia a organização espacial original dessas edificações, re-direcionando e alterando os movimentos e fluxos dos usuários que passavam a vivenciar outros percursos possíveis. Os experimentos desses artistas visavam, entre outras coisas, questionar ou desestabilizar os modos tradicionais de percepção ou apreensão dos espaços, baseados em uma observação estática e contemplativa. Ao desenvolverem seus experimentos, eles dedicavam um bom tempo a investigar os espaços onde iriam intervir, conscientizando-se do modo como as pessoas os atravessam, de como a luz penetra nos ambientes, sem deixar de considerar outros componentes ambientais relevantes, manifestando uma inclinação para fundir em uma obra de síntese, arte e espaço, objeto e entorno. Eles deixaram de abordar a arte como um objeto único e isolado no espaço, para entendê-la como uma experiência estabelecida num campo de relações e associações múltiplas entre elementos distintos, definido por Rosalind Krauss como um “campo expandido” 14.

As propostas desses artistas neo-vanguardistas são entendidas por alguns como manifestações artísticas experimentais de intenso teor crítico, que buscavam subverter ou questionar as diretrizes institucionais do sistema da arte e a lógica cultural do capitalismo do pós-guerra. Entretanto, mesmo negando as práticas correntes da instituição museológica, seus trabalhos acabaram sendo absorvidos por ela, mesmo que de forma precária, muito aquém das possibilidades. Isto porque o museu só estava preparado a lidar com a arte enquanto objeto tangível, que se pode preservar no tempo, não como processo. O que era muitas vezes problemático, pois essas experiências eram, na maioria das vezes, espontâneas ou, mesmo, efêmeras. Ao apresentar algumas das idéias, questões e discussões estéticas mais intrigantes e urgentes do seu tempo, esses artistas iriam influenciar outros profissionais que têm atuado atualmente em projetos de arte urbana em várias cidades do mundo. O desenvolvimento dessa vertente artística em âmbito global possibilitou o surgimento de artistas com propostas muito abrangentes e diferenciadas, nas últimas décadas. Fazendo uso de múltipas linguagens, esses pensadores e criadores contemporâneos são desafiados a intervirem em algumas áreas urbanas selecionadas a partir de investigações e diagnósticos criteriosos sobre essas espacialidades, desenvolvidos com o objetivo de levantar uma problematização coerente sobre algumas configurações, representações e percepções urbanas, deflagradas pelas dinâmicas espaciais da modernidade líquida, com seus fluxos materiais e imateriais.

14 KRAUSS, Rosalind. A Escultura no Campo Expandido. En Revista Gávea, Rio de Janeiro, no.1, s/d.

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Originalmente vindo do underground, esse tipo de ação intervencionista ultrapassou os limites dos guetos urbanos para atingir todos os espaços da cidade, ganhando vulto e projeção em festivais especializados ou em mostras coletivas, como a do Projeto Arte/Cidade em São Paulo, programadas como evento, em calendários extra-oficiais, para acontecerem em pontos representativos da urbe, de acordo com uma linha cutatorial. O que tem atraído um público cada vez mais curioso com as questões, ações e relações advindas dessas propostas. Isso demonstra que as intervenções vêm crescendo em número e qualidade, alcançando uma dimensão não apenas estética, mas também social e política.

Um caso exemplar é o de Krzystof Wodiczko, um artista cujas propostas estão vinculadas às vivências das pessoas nas cidades. Entre projeções em edifícios ou monumentos públicos e outras intervenções urbanas, ele desenvolveu um projeto que, segundo José Miguel Cortés “está a meio caminho entre o que se entende como uma obra de arte e um objeto cotidiano de uso prático” (Cortés, 2007: 149). Tratava-se de uma série de veículos destinados aos moradores de rua ou “sem-teto”.

O veículo que ele propõe para os homeless ou nômades urbanos é algo útil, mas também é uma imagem de fortes associações. É um objeto e uma idéia, um acontecimento, uma experiência urbana e um experimento social. Todo esse conjunto de possibilidades é o que aporta sua maior riqueza (Cortés, 2007: 154).

Funcional e econômico, esse objeto móvel foi planejado para cobrir algumas necessidades cotidianas destas pessoas como deslocar-se, lavar-se, repousar-se etc, permitindo a eles um livre trânsito pela cidade com uma estrutura mínima que pode ser instalada em parques, jardins ou outros lugares disponíveis.

Tudo isso, para dotar os cidadãos que não tem nenhum direito, o direito a uma pequena propriedade e a uma certa privacidade (Cortés, 2007: 154-155).

O veículo de Krzystof Wodiczko para os sem-teto pode ser utilizado como moradia, como transporte ou como meio de comunicação e relação social. Entretanto, esse artista se nega a produzi-lo em série, pois não acredita que ele possa vir a mudar a as condições de vida dessas pessoas. O que se pretende, segundo Cortés, é

dotar de presença e visibilidade as pessoa sem teto, ao mesmo tempo que os outorga certa autonomia ao tornar possível alguns deslocamentos mais cômodos e confortáveis (Cortés, 2007: 154-155).

Homeless vehicle Project - Krzystof Wodiczko,

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Como vimos anteriormente, a noção de mobilidade como uma referência e uma prática estéticas tem propiciado, nas últimas décadas, o desenvolvimento de algumas propostas inusitadas que ultrapassam os limites dos espaços expositivos dos museus, indo em busca de outras espacialidades no contexto urbano para revelar suas dinâmicas. Com o advento da cibercultura ou cultura digital, na passagem do século XX para o XXI, esse movimento tem se orientado também em direção aos espaços virtuais, com seus fluxos de informação.

Referências Bibliográficas

BAUMAN, Zygmunt (2001): Modernidade líquida. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor. BOGÉA. Marta (2009): Cidade errante. Arquitetura em movimento. São Paulo, Editora Senac.

CARERI, Francesco (2002): Walkscapes.El andar como practica estética. Barcelona, Editorial Gustavo Gili. CORTÉS, José Miguel (2007): Espacios diferenciales. Experiencias urbanas entre a arte e a arquitectura. Valencia, Laimprenta CG.

KRAUSS, Rosalind. “A Escultura no Campo Expandido”. En Revista Gávea, R.Janeiro, n o.1, s/d.

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3.1.6. Pavilhões de exposição como espaços de transição e interação: do físico ao virtual e vice-versa

Etimologicamente, a palavra pavilhão vem do antigo termo pavellun,

em francês, este derivado do latim papillo que significa literalmente “borboleta”. Como este inseto, sua estrutura está sempre a se mover, aterrissando por um curto período, para decolar em seguida. Transitória, provisória e temporária, essa arquitetura tem sua origem nas tendas dos nômades, cujos componentes eram levados com eles, oferecendo momentos de repouso no meio da jornada. A mobilidade parece caracterizar suas construções. Segundo Kerstin Bubmann como são

planejadas para deslocamentos e mudanças constantes, elas representam um mundo oposto das habitações fixas (Bubmann,2009: 39).

Faz alguns séculos que os arquitetos têm se dedicado a criar pavilhões.

Nascidos das festas e festivais, eles ainda continuam a despertar discussões que se atualizam no tempo, a partir de questões intrigantes e coerentes. De acordo com Peter Cachola Schmal, nenhum outro tipo de edificação pôde fazer gerar manifestos tão fundamentais, ao longo da história (Schmal, 2009: 8). Inicialmente erguidos nos espaços de jardins e parques, esses edifícios se relacionavam ao contexto da cidade como um elemento re-organizador e transformador da paisagem, atraindo um público curioso diante de sua imagem formal. Com o passar dos anos eles viraram objetos de culto. Segundo Barry Bergdoll, eles entraram no século XX na Exposição Universal de 1900 em Paris, tornando-se campos de experimentação arquitetônica e de outras vivências espaciais. (Bergdoll, 2009: 19). Para esse autor, o movimento moderno abordaria os pavilhões como lugar de criação do nunca visto antes, da novidade. O efêmero Pavilhão da Philips de Le Corbusier para a Feira Mundial de Bruxelas em 1958 é um exemplo de grande originalidade, que se tornou um marco referencial da arquitetura modernista. Planejado para alojar um espetáculo multimídia de som, luz e filme, sua configuração arquitetônica apresentava formas espetaculares que, enquanto permaneceu de pé, funcionavam como um ponto ou um foco de irradiação e relação urbana. O que serviu para desencadear uma onda de influência depois do seu desaparecimento ou desmontagem (Bergdoll, 2009: 20).

Pavilhão Philips – Le Corbusier

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De uma modo geral, os pavilhões são pensados para durarem por pouco tempo, para terem uma sobrevida curta. Entretanto, segundo Nikolaus Hirsch, uma investigação mais detalhada sugere uma estrutura de tempo mais complexa e contraditória. Conforme esse autor,

Muitos pavilhões estão sendo construídos para um verão, mas eles permanecem pelo próximo inverno, então pelo ano seguinte, e outro ano, até que eles acabam na lista de preservação ou tornam-se um objeto colecionável. Então, torna-se impensável que eles desapareçam (Hirsch, 2009: 57).

De acordo com Nikolaus Hirsch, a dicotomia entre os pavilhões e os

edifícios comuns é menos clara do que inicialmente parece. Segundo ele, os edifícios comuns, por princípio, estáveis e duráveis, duram menos do que deveriam, enquanto as estruturas temporárias dos pavilhões são mais permanentes do que se supõe (Hirsch, 2009: 57). Um exemplo representativo, para esse autor, é o do pavilhão de Mies van der Rohe para Feira Mundial de 1930, em Barcelona. Desconstruído após o evento, ele foi reconstruído em 1986, como um ícone da modernidade. Outros pavilhões permaneceram, como o Multihalle Seminal de Frei Otto para o Bundesgartenschau de 1975 em Mannheim , que usou materiais não duráveis, tais como elementos de madeira barata e folhas padrões de plástico, tornando-se no final um monumento histórico a ser preservado para a eternidade (Hirsch, 2009: 57).

Pavilhões de Frei Otto e Mies van der Rohe

Nas últimas décadas, os pavilhões têm desempenhado, segundo

Bergdoll, um surpreendente papel como instalações temporárias para museus de arte e galerias, planejadas, muitas vezes, não só para conter exposições, mas também para atuar, por si só, como uma exposição. O que ajudou a renovar o interesse sobre eles e suas dinâmicas espaciais (Bergdoll, 2009: 33). Atualmente, a Serpentine Gallery em Londres tem explorado o gênero em seu mais completo potencial. Comissionados por Julia Peyton-Jones e Hans-Ulrich Obrist, os Pavilhões Serpentine são realizados, segundo Nikolaus Hirsch, em períodos de tempo extremamente breves, quase ad hoc, para um fim determinado (Bergdoll, 2009: 57).

A Serpentine Gallery é uma instituição museológica inglesa destinada a abrigar e apresentar exposições de arte moderna e contemporânea. Ela foi fundada em 1970 pelo Conselho de Artes da Grã-Bretanha, sendo instalada e adaptada a um prédio antigo de valor histórico, localizado próximo a um dos parques mais conhecidos de Londres, o Hyde Park em Kensigton Gardens. No final do século passado, seus diretores lançaram uma ideia muito interessante que surgiu da necessidade de abrir seus espaços para exposições de projetos e obras arquitetônicas inovadoras. Em vez de apresentarem desenhos, fotos e maquetes, eles resolveram

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convidar, a cada ano, um arquiteto de renome internacional, que ainda não havia projetado e construído nenhuma edificação na cidade, para criar uma arquitetura real e concreta no terreno ao lado do edifício de sua sede. Uma construção que tivesse um caráter experimental e, ao mesmo tempo, representasse sua obra arquitetônica como um todo, funcionando, ainda, como um pavilhão temporário, montável e desmontável, onde seriam realizados eventos que não eram apropriados às instalações existentes.

O objetivo dessa proposta era oferecer novas referências e rumos para os arquitetos, artistas e outros profissionais de áreas correlatas, gerando assim reflexões e debates envolvendo o público visitante. 15 Entre os convidados para intervir no local estão os arquitetos Zaha Hadid, Daniel Libeskind, Frank O. Gehry, Toyo Ito e SANAA, além de outros profissionais emblemáticos como o brasileiro Oscar Niemeyer. Os projetos apresentados foram os mais diversos, solicitando desses ilustres criadores uma reavaliação de suas referências teórico-conceituais, de seus procedimentos projetuais ou construtivos e da própria noção de arquitetura. O desafio dado a esses arquitetos de criar um edifício que, em princípio, só existe em um espaço e tempo determinado, vai contra a tradição arquitetural, que sempre pensou e planejou os espaços para durarem, muito além de sua época. As propostas arquitetônicas que tiveram resultados mais coerentes, respondendo com inteligência e criatividade aos objetivos ou diretrizes programáticas dessa instituição cultural, foram baseadas na ideia de uma arquitetura efêmera e portátil.

O projeto inaugural, da arquiteta iraquiana Zaha Hadid, foi apresentado ao público em 2000. Ele dialogava com as origens de seus ancestrais, fazendo uma referência à simplicidade e à praticidade das tendas dos nômades. Em 2007, ela voltou a fazer outra instalação mais arrojada e contemporânea, usando o mesmo princípio das tendas. O resultado é uma espécie de marquise configurada por superfícies curvas que foram erguidas com lona tencionada sobre uma estrutura extremamente leve.

Pavilhão itinerante – Serpentine Gallery – Zaha Hadid e Oscar Niemeyer

A leveza foi buscada em todos os projetos, solicitando dos seus

criadores outras técnicas e novos materiais. Oscar Niemeyer, por exemplo, que sempre trabalhou com o concreto armado, criou em 2003 um edifício em aço e vidro, estruturado por pilares centrais que servem de apoio para uma viga em balanço, que deixa o volume suspenso, dando a impressão de estar flutuando. Visualmente aberto, o espaço desse pavilhão estabelecia um diálogo com o entorno, de natureza prodigiosa. Durante o dia, ele funcionava como uma cafeteria e à noite era destinado a palestras e a exibições de filmes com temática arquitetônica.

15 Veja o site da Serpentine Gallery no endereço eletrônico www.serpentinegallery.org

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Outro projeto relevante é o que foi apresentado por Frank O. Gehry em 2008. Fruto de um planejamento de caráter experimental, ele apresenta uma estrutura com robustos pilares de madeira, um pouco desequilibrados, que suporta uma cobertura suspensa presa por cabos, também feita em madeira e placas de vidro que foram posicionadas e organizadas de maneira caótica. Esta arquitetura singular funciona como um portal que sugere uma passagem, orientando um fluxo de trânsito que vai dar no prédio histórico. A inter-relação que foi estabelecida entre eles, gera um forte contraste entre o novo e o antigo. Em volta dessa via ele posicionou algumas arquibancadas que formam um anfiteatro voltado para diversas manifestações e eventos culturais. Apesar de desenvolverem projetos interessantes, onde se podem perceber ricas linguagens espaciais e formais, muitos arquitetos não assimilaram bem a proposta, apresentando objetos arquitetônicos que não se diferenciam muito de outras arquiteturas criadas anteriormente por eles.

Pavilhão itinerante – Serpentine Gallery – Frank O. Gehry

O projeto mais original e coerente foi apresentado por Rem Koolhaas e

Cecil Balmond. A ideia de leveza foi explorada neste projeto de modo inusitado. No gramado do terreno eles instalaram uma plataforma em aço, leve e elevada do solo, que serve de piso para um espaço em forma oval, circundado por painéis de policarbonato translúcidos de fácil montagem e desmontagem. Sobre este espaço eles criaram uma cobertura que é inflada com gás hélio e desinflada quando necessário, de acordo com as variações climáticas do tempo. Quando aberta ela chega à altura de 24m, numa escala semelhante a do edifício antigo, que ao seu lado configura um cenário de grande impacto, principalmente à noite, quando ela pode ser iluminada por dentro. O diálogo entre esse edifício, a arquitetura da sede e o parque onde ele está inserido gerou um atrativo a mais para todas as pessoas que circulavam pela região. Era como se um grande balão branco tivesse pousado no terreno da Serpentine Gallery.

Pavilhão itinerante – Serpentine Gallery – Rem Koolhaas

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A proposta de criar um pavilhão provisório destinado a promover discussões e gerar reflexões sobre questões e ideias arquitetônicas é muito interessante porque o conceito de arquitetura efêmera e portátil, que fundamentou a maioria dos projetos apresentados, pressupõe a idéia de continuidade. A arquitetura não é vista como um objeto, mas como um processo eventual. Ela é efêmera, mas não se encerra com o fim do evento, ou seja, ela tem que ser pensada para ser montada, desmontada e remontada em outro lugar. A importância destes espaços itinerantes, de grande qualidade estética, deve-se ao fato de que eles podem sair de seu lugar de origem e serem transportados com facilidade para outras localidades. Estas propostas dialogam com outras desenvolvidas antes por alguns profissionais representativos.

Os arquitetos ingleses do grupo Archigram lançaram uma proposta semelhante em 1969, denominada Instant City. Financiado pelo Graham Foundation for Advanced Studies in Art de Chicago, o projeto Instant City propunha a criação de vários espaços interligados, erguidos com estruturas leves, flexíveis, de fácil montagem ou desmontagem e cobertas com lona presas a balões infláveis. O resultado é uma espécie de circo high tech, equipado com máquinas de entretenimento, meios e tecnologias de comunicação e informação e jogos de iluminação que seriam transportados por caminhões. Esta cidade instantânea oferecia, em seus pavilhões, uma série de eventos que seriam levados a localidades distantes das metrópoles, como algumas cidades do interior, que normalmente não tem acesso a informações, produtos e bens culturais. Pensada como uma arquitetura eventual ou do acontecimento, ela surgiria instantaneamente do nada, interagiria com algumas comunidades e depois se esvaneceria, ressurgindo em outro lugar 16 Este processo visava alterar e incrementar a dinâmica cultural das cidades por onde essa “estrutura-evento” passasse, potencializando o aumento da interação entre diversas pessoas e grupos, através de atividades educativas e sensibilizantes que pudessem contribuir para o desenvolvimento cultural de todos os cidadãos. Com o fim do evento, ficaria uma semente em cada participante.

Instant City - Archigram

Influenciados por estas ideias desse grupo inglês, a proposta dos Pavilhões Temporários da Serpentine Gallery apresenta novos modos de pensar e planejar os espaços expositivos, servindo, em seu caráter itinerante, de modelo ou referência para aquelas instituições que necessitam expandir os espaços dos seus edifícios ou desejam difundir os objetivos de suas linhas, ampliando o alcance e a influência delas até outras cidades, regiões ou países.

16 DUARTE, Fábio (1999). Arquitetura e tecnologias de informação. Da revolução industrial à revolução digital. São Paulo, Editora UNICAMP..

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Ben van Berkel acredita que os pavilhões podem ser vistos hoje não só como referências de experimentação e organização espacial com meios, técnicas ou materiais de construção, mas também como modelos para se pensar, enquanto construtos intelectuais (Berkel, 2009: 90). De acordo com esse arquiteto, uma das vantagens da tipologia do pavilhão é que ela cria oportunidades para testar idéias muito rapidamente (Berkel, 2009: 81).

Os pavilhões oferecem uma espécie de ponto de partida prototípico ou um aparato para idéias e soluções que podem depois ser expandidas em edifícios. (...) Eles propiciam a oportunidade não só para testar novos materiais ou combinação de materiais, mas também para provar idéias teóricas e conceituais em combinação com aqueles elementos mais pragmáticos (Berkel, 2009: 82).

Mais do que apresentar conceitos, ideias e questões pertinentes que

refletem o espírito do tempo, esses edifícios oferecem uma experiência espacial inusitada e esta é, na verdade, sua força. (Berkel, 2009: 81). Para refletirmos sobre isso vamos apresentar os processos de criação de alguns pavilhões assinados pelo NOX, Oosterhuis Associates e Diller+Scofidio.

Pavilhão da Água - H2O Expo

No final dos anos 90, os profissionais dos escritórios de arquitetura

NOX e Oosterhuis Associates, dirigidos pelos arquitetos Lars Spuylbroek e Kas Oosterhuis, foram convidados a planejar o Pavilhão da Água ou H2O Expo. Um espaço localizado na ilha artificial de Neeltje Jans na Holanda, destinado a alojar uma exposição sobre a importância da água no planeta Terra. De acordo com Ineke Schwartz, a proposta deveria apresentar, de forma não didática, várias possibilidades de percepção e experienciação dos efeitos sensoriais e estéticos da água. Depois de muita pesquisa e trabalho os profissionais envolvidos no projeto concluíram que o espaço expositivo e a exposição, em si, deveria ser um único objeto, constituído por ambientes polissensoriais completamente informatizados e interativos que fossem ao mesmo tempo concretos e virtuais. Uma enorme e espetacular obra de arte tridimensional onde a forma e o conteúdo estivessem intimamente inter-relacionados. O planejamento arquitetônico resultou em dois espaços distintos, porém interligados: O Pavilhão da Água Doce e o Pavilhão da Água Salgada (Schwartz, 1997: 10).

Pavilhão da Água – NOX e Oosterhuis Ass.

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O projeto desses edifícios interconexos foi desenvolvido a partir do conceito de “arquitetura líquida”. Uma referência conceitual introduzida pelo arquiteto e pensador Marcos Novac em um de seus textos mais conhecidos, denominado As arquiteturas líquidas do ciberespaço 17. A palavra ciberespaço foi cunhada pela primeira vez em 1984 no romance ciberpunk de William Gibson, intitulado Neuromancer. Uma obra literária muito citada em estudos sobre o imaginário da cibercultura. Desde então, ela vem sendo usada de modo freqüente como referência ao espaço virtual e informacional que surgiu das interfaces entre as redes globais de computadores. No livro Uma história do espaço. De Dante à internet (2001), Margareth Wertheim levanta uma discussão sobre o processo de transformação da noção de espaço, desde tempos remotos até o tempo atual, com a evolução ciberespacial. Pode-se dizer que esta noção de espaço eclodida nas últimas décadas apresenta uma arquitetura constitutiva, cuja principal característica é a liquidez, cuja imagem remete à fluidez, expansividade e mutabilidade. Muitos arquitetos, artistas e pensadores contemporâneos estão refletindo sobre essas características e qualidades em seus textos e processos criativos.

De acordo com Wertheim, o ciberespaço é um espaço imaterial situado além dos limites do espaço físico, pois não é constituído por partículas e forças físicas, mas por elementos binários essenciais chamados bits. Embora seja destituído de fisicalidade, ele é um lugar real que nos envolve e nos transporta em seus fluxos. Segundo essa autora, as infovias do ciberespaço absorvem um número incontável de informações e de dados diversos, proporcionando uma constante transformação em sua configuração, que cresce numa taxa extraordinária, aumentando seu “volume” de maneira exponencial (Wertheim, 2001: 169).

Os espaços eletrônicos estão se expandindo a uma velocidade incrível e se entrecruzam com os espaços onde vivemos nossas experiências cotidianas em uma multiplicidade de níveis. Mesmo vivendo em um mundo concreto e material, nossas vidas se desenvolvem em grande medida em uma esfera virtual. Ao observar a aproximação e o trânsito entre os espaços físicos e os virtuais, podemos perceber que estas espacialidades, com características diferentes e com suas próprias dinâmicas espaciais e temporais, influenciam um ao outro num grau crescente. As conexões e passagens entre eles estão sendo desenvolvidas. Esse foi o desafio alimentado pelos membros do escritório NOX e Oosterhuis Associates no projeto arquitetônico do H2O Expo. Ao refletirem sobre o ciberespaço, os profissionais envolvidos no planejamento procuraram entender e avaliar as características e peculiaridades desse espaço imaterial, relacionando-as às do espaço concreto, arquitetural. O desenvolvimento do conceito de “arquitetura líquida”, que em princípio só existia no domínio da virtualidade e livre das leis da gravidade ou da perspectiva, fez com que ele fosse desdobrado, numa espécie de transposição para o domínio físico onde vivemos.

Enquanto metáfora, a noção de liquidez tem sido empregada nos últimos anos em diversos campos disciplinares. Segundo Zygmunt Bauman, ela nos faz pensar em algo fluído, que não se prende a uma forma fixa e que está em constante mutação.

Os líquidos se movem facilmente. Eles fluem, escorrem, esvaem-se, respingam, transbordam, vazam. (...) Diferente dos sólidos, não são facilmente contidos - contornam certos obstáculos, dissolvem outros

e invadem ou inundam seu caminho (Bauman, 2001: 8).

17 NOVAC, Marcos (1993): “Arquitecturas liquidas en el ciberspacio”. En BENDIKT, M. Ciberespacio.Los primeros pasos. México: Conacyt/sirius mexicana.

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No campo arquitetural, Lars Spuylbroek e Kas Oosterhuis têm criado espacialidades que representam muito bem essa imagem difundida por Bauman. Este é o caso dos espaços do Pavilhão da Água, por exemplo. No processo de criação desse edifício eles procuraram refletir sobre a essência e as qualidades do líquido, a geometria do fluído, das turbulências e das metamorfoses. Essas reflexões serviram para estudarem os fluxos materiais e imateriais desses espaços e entenderem a dinâmica dessa arquitetura líquida e seu processo de mutação, onde nada é fixo no tempo. Lars Spuylbroek definiu assim esse processo:

A arquitetura líquida encontra-se perpetuamente em um processo de transformação. Ela deixa de ser pensada como um espaço estático e imutável, para ser tratada como um campo de forças e de fluxos de graduais ou súbitas transformações. O líquido como metáfora é, em si mesmo, a substância da metamorfose, do transitório e do vetorial, da forma constantemente submissa às influências exteriores e a uma

coerência interior. 18

O desenvolvimento de linguagens líquidas no âmbito arquitetônico só é

possível graças aos novos programas e recursos infográficos digitais usados no planejamento, durante a etapa de organização espacial e experimentação formal. O Pavilhão da Água Doce foi planejado com o auxílio de softwares específicos que permitiram a Lars Spuylbroek encontrar uma forma arquitetural que não se enquadra em um padrão cartesiano do espaço, nem é configurada por geometrias ortogonais estáticas. Os pisos, as paredes e os tetos do espaço não são configurados a partir de planos cartesianos horizontais e verticais, nem são elementos distintos e separados. Já não dá nem para usar os termos pisos, paredes e tetos, ao se referir a estes espaços, porque eles são constituídos por superfícies envoltórias curvas, maleáveis e envolventes. Nesse espaço fluído o teto é um prolongamento da parede que é um prolongamento do piso e assim por diante, numa ondulação contínua que envolve os espaços, configurando a arquitetura. Nota-se uma busca de uma continuidade espacial. A arquitetura deixa de ser constituída por volumes geométricos combinados para ser constituída por uma única superfície fluída que transpassa interior e exterior sem se fragmentar, sem se interromper. O aspecto fluído, maleável e envolvente das superfícies envoltórias do espaço arquitetônico é reforçado por alguns elementos arquitetônicos móveis, como as superfícies curvas e ondulantes do piso, que foram feitas com uma tela vazada especial, que se movimenta eletronicamente assim que é tocada pelos visitantes. A fluidez e a maleabilidade da arquitetura são acentuadas ainda mais por luzes em movimento contínuo que são projetadas diretamente sobre as superfícies envoltórias, fazendo com que o visitante seja imerso em fluxos de projeções geradas com recursos computacionais, que revelam, a ele, diversas velocidades, colorações, luminosidades e intensidades.

Pavilhão da água doce – NOX

18 Veja o site do NOX. In www.noxarch.com

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O projeto do Pavilhão da Água Doce foi fundamentado na noção de “imersão”. Sua arquitetura imersiva, destinada a experienciação da água e seus efeitos sensoriais e estéticos, foi transformada em um campo de “interatividade” 19 que funciona como um sistema especializado, reativo e dinâmico, que se adapta segundo as necessidades e as funções, reagindo eletronicamente aos estímulos dos usuários no espaço, espacialidade esta que se transforma a partir de uma confluência de forças dinâmicas, ativadas através da interação do ser humano com as tecnologias midiáticas. Segundo Tracy Metz, todos os elementos arquitetônicos móveis, todos os meios ou recursos tecnológicos digitais e todos os efeitos especiais são ativados pelos visitantes, através de sensores posicionados em diversos pontos e elementos do espaço envolvente, podendo ser acionados pelo toque dos pés, das mãos, dos dedos ou simplesmente pela aproximação física do corpo dos transeuntes (Metz, 1999: 208). Ao transitarem de um lado para outro os movimentos e as ações dos visitantes alteram o comportamento do espaço, que reage aos movimentos e as ações e se anima. Ao se animar, a arquitetura também vai alterar o comportamento de cada visitante, exigindo deles uma mudança de postura corporal e de percepção. Como o espaço não é constituído pelos planos verticais e horizontais dos pisos, paredes e tetos convencionais, mas por superfícies envoltórias e 6pisos curvos ondulantes e móveis, os visitantes não conseguem manter a postura corporal no eixo vertical e se desequilibram, tendo que reencontrar um novo ponto de equilíbrio. Para isso, segundo esse autor, eles são forçados a se agacharem ou usarem o apoio das mãos para percorrer toda a profundidade do espaço, numa experiência de natureza tátil. Ao tentar se levantar, muitas vezes eles se precipitam e caem novamente (Metz, 1999: 208). Para Tracy Metz , tudo isso é acentuado ainda mais pela névoa, pelos efeitos especiais luminosos ou sonoros e pelo movimento das projeções que alteram a percepção habitual dos visitantes exigindo que eles permaneçam com seus órgãos sensoriais e perceptivos sempre ativados e envolvidos sinestesicamente nas informações do espaço. (Metz, 1999: 208).

Ao final do percurso do Pavilhão da Água Doce os visitantes seguem adiante e desembocam diretamente no Pavilhão da Água Salgada, numa alusão aos fluxos naturais das águas, que saem das nascentes dos rios e fluem até desaguarem no mar. Este edifício, planejado pela equipe do arquiteto Kas Oosterhuis, foi dividido em dois pavimentos distintos. Na entrada, os visitantes descem uma escada e são conduzidos ao pavimento inferior, que foi implantado abaixo do nível do mar. Ao descer, eles chegam a um espaço cavernoso, molhado e escuro, climatizado por uma iluminação especial. De acordo com Tracy Metz, em intervalos irregulares uma onda real avança e inunda o local, fazendo com que os visitantes tenham que aguardar até que a “maré” abaixe e libere a passagem. Quando a onda se vai, eles atravessam o espaço molhado e seguem até uma rampa que dá em uma plataforma no pavimento superior, onde encontram um espaço chamado sensorium (Metz, 1999: 208). Segundo esse autor, o pavimento superior é dividido do inferior por um piso ondulado suspenso, que se inclina e se movimenta como a asa de um avião. Ao se movimentar, as superfícies que envolvem o espaço também se movimentam ao mesmo tempo. Assim, o movimento do conjunto ativa a dinâmica do espaço. Isso é acentuado ainda mais pelas representações virtuais, feitas a partir de ondas de luz, de cor e de som, que são projetadas sobre as superfícies envoltórias de policarbonato

19 Segundo PIAZZALUNGA (2005, p.27-29), a interação pode ser definida como a comunicação entre os espaços físicos e virtuais, como a reciprocidade entre ações do físico para o virtual e do virtual para o físico. Os dispositivos interativos tendem a solicitar a participação do corpo inteiro através de processos sensório-motores.

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translúcido. O resultado é uma exposição interativa espetacular que ganha intensidade à medida que os visitantes alcançam alguns pontos privilegiados (Metz, 1999: 208).

Pavilhão da Água Salgada – Oosterhuis Ass.

Os dispositivos e procedimentos de “interatividade” 20 desses dois

pavilhões são bem distintos. Tracy Metz que no Pavilhão da Água Doce todos os recursos estão localizados no interior do edifício e eles são acionados pelos visitantes. Já no Pavilhão da Água Salgada o espaço reage de acordo com estímulos externos (Metz, 1999: 208). Segundo esse autor, a equipe de Kas Oosterhuis utilizou um sistema em que computadores recebem várias informações do exterior do edifício, emitidas por uma estação localizada no mar. Informações ambientais como a velocidade do vento e o movimento das marés, por exemplo. Uma bateria de painéis de mixagem na base do edifício traduz estes sinais para um banco de dados que se renova continuamente (Metz, 1999: 208). De acordo com Metz, todos os recursos midiáticos relacionados aos movimentos, às luzes, às cores e aos sons são eletronicamente controlados pelo software. O programa sugere um roteiro básico, mas as variáveis são determinadas pela natureza. O comportamento do espaço é determinado então pela sua inter-relação com a dinâmica do meio ambiente externo (Metz, 1999: 208). O que Kas Oosterhuis denominou de “biorritmo do espaço”. Nesse experimento o biológico e o tecnológico se aproximam e se inter-relacionam num diálogo criativo.

20 Para COUCHOT (2003, p.34), os dispositivos interativos são dotados de interfaces específicas que são munidas de captadores capazes de registrar certas ações do interagente que vão além da manipulação do teclado e do mouse, como o seu deslocamento pelo espaço, acelerações/desacelerações, gestos específicos, comandos vocais ou a simples presença. Ele lembra ainda que “com o desenvolvimento da interatividade os objetos e os espaços tornaram-se capazes de se comportar não mais como coisas, com formas e propriedades imutáveis, mas como espécies de seres artificiais mais ou menos sensíveis, mais ou menos vivos, mais ou menos autônomos, até mesmo, mais ou menos inteligentes”.

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No H2O Expo há uma completa integração entre as tecnologias arquitetônicas e

midiáticas, entre os espaços físicos e os virtuais. A aproximação entre esses espaços

faz gerar uma “realidade expandida” 21, onde eles passam a coexistir, se

interpenetrando e se desdobrando um no outro, para configurar um sistema

unificado, onde as estruturas e formas fluídas, ondulantes e envolventes da

arquitetura se inter-relacionam com o turbilhonamento luminoso e o ritmo dos sons

de seus ambientes polissensoriais. Com essa interface entre a arquitetura e as novas

mídias, seus espaços interativos e reativos se animam e se transformam.

Pavilhão de Exposições Blur Building de Diller+ Scofidio. O Blur Building é um pavilhão de exposições que foi construído em

Yverdon-les-bains na Suíça como parte da Expo 02. As diretrizes programáticas dessa Exposição Mundial previam, entre outras operações, a criação e implementação de várias intervenções arquitetônicas de caráter artístico, na região dos lagos , denominadas praias artísticas. O que resultou em espaços e ambientes inusitados e surpreendentes. Criado pelo escritório de arquitetura e design Diller + Scofidio, o projeto desse edifício se destacou entre todos os outros ao explorar uma linguagem arquitetônica que vai além da construção física. Seus criadores procuraram abordá-lo não apenas como um objeto estático e permanente, mas como um acontecimento ou evento mutante que deveria ser vivenciado pelo público.

A arquitetura do Blur Building era constituída de uma plataforma metálica suspensa, extremamente leve, que foi implantada sobre o lago Neuchâtel a 25m de altura acima da água, sendo interligado à margem através de passarelas de acesso, em aço e vidro. O desenvolvimento do sistema estrutural, baseou-se em um conceito e uma técnica introduzida pelo arquiteto Buckminster Fuller, que propiciou a criação de uma malha tubular em forma ovoide, onde foram posicionados milhares de pequenos jatos de água de alta pressão, comandados por computadores. Na atmosfera, essas gotículas transformavam-se em vapores condensados, produzindo uma grande nuvem, em torno e através do edifício.

Blur Building – Diller + Scofidio

21 Segundo Oliver Grau, as discussões sobre a chamada ‘realidade expandida’ concentram-se na conexão de espaços físicos com processos de imagens de ambientes virtuais repletos de informações que podem ser acionadas, ativadas, reorganizadas e transformadas à medida que o usuário navega no espaço real. 21 Uma vantagem, para ele, é que para vivenciá-la o observador não é obrigado a vestir um HMD pesado e sufocante, nem forçado a entrar no corpo de um avatar gerado por computador. (...). Assim as estratégias de imagem hermética, como eram representadas pelo HMD ou pela CAVE, foram unidas agora por um conceito de espaços híbridos, sendo parte real e parte virtual (Grau, 2007: 288).

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Para os arquitetos Elizabeth Diller e Ricardo Scofidio, responsáveis pelo projeto, a arquitetura desse edifício não pode ser entendida como um espaço, em sua definição e abordagem habitual, mas como “um meio habitável, sem forma, sem volume, sem profundidade, sem superfície e sem dimensões” 22, onde se pode imergir. Só substância aérea, luminosa e cheia de nuances. Como não podem se prender a uma forma fixa e estão sempre em movimento, dissipação e transformação, seus limites ficam borrados e imprecisos. Em função disso, a apreensão dessa instalação arquitetônica de forte teor artístico despertou, em alguns críticos, algumas reflexões sobre a poética daquilo que é informe, indefinido, instável e mutante.

A experiência de “imersão” nesse edifício-nevoeiro, que dialoga com o entorno natural, visava reconfigurar e expandir os parâmetros espaciais, perceptivos e sensoriais dos visitantes. Esta obra efêmera oferecia aos seus usuários uma experiência que envolvia todos os órgãos sensórios, inter-relacionados. Segundo Vânia Silva, algumas características ambientais como a densidade do ar, as mudanças de umidade, temperatura e luminosidade, as variações na direção e intensidade dos ventos e o som dos vapores saindo dos bocais ajudavam a envolver os corpos dos transeuntes, provocando em muitos momentos uma sensação de desorientação. Nesse ambiente nebuloso de baixa definição, onde não se pode contar muito com a visão que fica turva, os visitantes se perdiam. Assim, seus sentidos precisavam ser reativados sinestesicamente, de maneira que um pudesse compensar a insuficiência do outro. Ao vagar pela névoa eles eram surpreendidos por sonoridades que vinham de diferentes pontos, deflagrando uma percepção acústica dinâmica que mudava conforme o rumo que tomavam. A mobilidade torna- se uma necessidade imediata na exploração do espaço. (Silva, 2000: 26)

Imersão no Blur Building

Em suas derivas por essa instalação arquitetônica os visitantes

encontravam, conforme Silva, um ambiente midiático interativo bem no centro da nuvem, configurado por uma caixa de vidro seca por dentro, envolta em neblina. O teto e o piso desse ambiente estavam interligados por colunas de pequenos leds vermelhos que formavam painéis luminosos de onde palavras e frases surgiam do nada, penetravam esse espaço, desaparecendo na névoa. De acordo com essa autora, as tecnologias midiáticas desenvolvidas para atender à proposta permitiam que as pessoas interagissem com os campos de textos (Silva, 2000: 27). Como informa ela, um fluxo de mensagens luminosas corria como uma cascata de palavras, para cima e para baixo, num diálogo com sons e murmúrios, em várias línguas. Entre estas mensagens, de hora em hora eram disponibilizadas, nas colunas de luzes, notícias de

22 Veja o site do Nomads: www.nomads.usp.br/site/arquiteturas/BlurBuilding/blur.htm

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toda parte do mundo, que somadas às novidades nacionais e locais, configuravam um dinâmico “documento global” (Silva, 2000: 27). Segundo essa autora, a instalação mostrava ainda a situação climática de cada região do planeta, por meio de um painel de vídeo, onde imagens de satélite eram sintetizadas em um mapa em constante transformação. As linguagens empregadas proporcionaram aos usuários uma experiência que visava estimular, através de relações sensíveis, a busca de uma consciência ecológica, provocando discussões sobre algumas questões ambientais urgentes que solicitam uma transformação cultural (Silva, 2000: 27).

Nesse inquietante pavilhão imersivo e polisensorial, cujo efeito estético foi conseguido a partir do diálogo relacional entre as tecnologias arquitetônicas e midiáticas, a arquitetura e o experimento artístico a que ela se propõe a abrigar se (con)fundem, resultando em um corpo híbrido, natural e artificial, material e imaterial, físico e virtual. Referências bibliográficas.

BAUMAN, Zygmunt (2001): Modernidade líquida. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editora.

BERGDOLL, Barry (2009): “The pavilion and the expanded possibilities of architeture. En HATJE CANTZ. The Pavilion. HATJE CANTZ..

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COUCHOT, Edmond (2003): “A segunda interatividade. Em direção a novas práticas artísticas”. En DOMINGUES, Diana (org.). Arte e vida no século XXI. Tecnologia, ciência e criatividade. São Paulo, Editora UNESP,

DUARTE, Fábio (1999). Arquitetura e tecnologias de informação. Da revolução industrial à revolução digital. São Paulo, Editora UNICAMP.

GRAU, Oliver (2007): Arte virtual. Da ilusão à imersão. São Paulo, Editora UNESP/ SENAC.

HIRSCH, Nikolaus (2009): “The pavilionization of architecture”. En HATJE CANTZ. The Pavilion. HATJE CANTZ.

NOVAC, Marcos (1993):”Arquitecturas liquidas en el ciberspacio. En BENDIKT, M. Ciberespacio. Los primeros pasos. México, Conacyt/sirius mexicana.

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SILVA, Vânia (2000): “Parede de Nuvens”. En AU nº 90.

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3.1.7. Imersão e interatividade nos espaços da arte e das novas arte-mídias.

Imersão

Para analisar as características qualitativas de alguns espaços expositivos criados nas últimas décadas a partir do diálogo relacional entre as tecnologias arquitetônicas e midiáticas, faz-se necessário entender o processo evolutivo da noção de imersão, em seu contexto cultural. A evolução dessa ideia tornou-se importante também para compreendermos o desenvolvimento da arte, de tempos remotos aos dias de hoje. No livro Arte virtual. Da ilusão à imersão, Oliver Grau investiga na história da arte as tentativas de criar uma “realidade” com os meios imagéticos, uma realidade virtual, onde se possa “imergir” (Grau, 2007: 37). Para isso, esse autor parte da premissa de que os espaços virtuais atuais, constituídos por imagens criadas por computador, não são a inovação revolucionária que pretendem que seja, pois para ele essa idéia tem uma história, que se remonta a uma tradição artística que buscou por espaços imagéticos ilusionistas. Para abordar esses antecedentes, Grau recorda as pinturas de parede datadas do final da República Romana, que já incluem elementos miméticos e também ilusórios, apesar de todas as restrições técnicas dos meios específicos da época (Grau, 2007: 393). Segundo ele,

Os melhores exemplos desses afrescos trabalham motivos que se dirigem ao observador de todos os lados [do recinto], encerrando-o hermeticamente, em uma unidade de tempo e espaço. O recurso cria a ilusão de estar dentro da pintura, dentro de um espaço imagético e de seus eventos ilusórios (Grau, 2007: 42).

De acordo com Grau, as estratégias de imersão ou de envolvimento do

receptor através do ilusionismo pictórico ganharam enorme impulso com o avanço da técnica visual da perspectiva, aplicada com habilidade pelos artistas ao criar representações espaciais na pintura. Esse recurso permitia a eles retratarem, de forma mais convincente, muito do que até então só fora aludido, diluindo muito as diferenças entre o espaço físico e o espaço imagético. Essa busca por um desdobramento espacial entre essas duas instâncias atingiu uma proporção maior com a interação entre as linguagens pictórica, escultórica e arquitetônica nas igrejas barrocas (Grau, 2007: 59-76). Um pouco mais tarde veio à tona outro fato relevante nesse processo: o surgimento do panorama, como a forma mais sofisticada da época de apresentar um espaço ilusório de 360 graus criado com os meios tradicionais (Grau, 2007: 160). Segundo Grau, esse invento veio instalar aquele que observa no interior da tela da pintura envolvente, deixando-o completamente isolado do mundo exterior. Nessa interioridade conceitual a imagem torna-se absoluta (Grau, 2007: 86-89).

Por seu efeito de realidade, o panorama dificilmente era percebido como um quadro pintado.(...) Mesmo quando o espectador mantinha a consciência de estar em frente de uma pintura, a perfeição era tanta e tão acima de uma ilusão banal que ele se sentia transportado para outro lugar (Grau, 2007: 120-121).

Um recurso determinante para envolver o observador era, segundo esse

autor, a utilização de uma plataforma de observação que girava de modo lento e quase imperceptível, contribuindo no transporte dele por todas as seções da pintura. O que gerava uma impressão de movimento que muitas vezes era acentuada por efeitos de som, de vapores e de odores (Grau, 2007: 135-136).

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Explorando a relação entre a pintura, a arquitetura e diferentes aparatos técnicos, o panorama se aprimorou ao ponto de desenvolver, para Grau, a idéia de Wagner de uma síntese das artes. Por um longo período de tempo esse evento artístico transitório atraiu uma grande afluência de público por onde passava, deixando todos encantados com sua experienciação. Entretanto, o caráter de novidade diminuiu aos poucos, impossibilitando, por diversos motivos a sua produção e distribuição (Grau, 2007: 161).

Suas gigantescas dimensões eram proibitivas para a colocação em um mercado de arte particular e isso selou sua sorte. A escala em que era produzida também impossibilitava sua integração a outra mídia ou a um museu. Os museus nunca contaram com uma infra-estrutura apropriada à exposição de panoramas; os poucos que sobreviveram foram mantidos em suas rotundas (Grau, 2007: 161).

Oliver Grau lembra que o desejo de estar “dentro” pintura, em sentido metafórico ou não, não desapareceu com o declínio do panorama, mas viveu no século XX a partir de. um processo de transição que fez com que ele se relacionasse e se integrasse à tecnologia cinematográfica, que dava seus primeiros passos na época (Grau, 2007: 165). Em 1894, foi apresentado um aparelho que utilizava dezesseis projetores de slide, projetando em sucessão rápida em uma tela circular: o estereóptico). Outro invento relevante, surgido em 1900, foi Cineorama que, segundo esse autor, era constituído por dez filmes de 70 milímetros, projetados simultaneamente para formar uma imagem panorâmica (Grau, 2007: 174).

Como no panorama, que o antecedeu, o filme inicia sua trajetória pela reprodução do que podia ser realmente vivenciado, estabelecendo seu potencial como mídia (Grau, 2007: 179).

Para Tarkovsky, os componentes altamente sensibilizadores e sugestivos dos filmes, por certo tempo, fazem o público acreditar em uma realidade artificial criada pela tecnologia. Para ele, a tendência natural desse meio é de ultrapassar a projeção bidimensional da tela, estendendo o sistema de ilusão para além da percepção visual, de modo a incluir os outros sentidos. O que tende a intensificar seu efeito sobre o público (Grau, 2007: 182).

O desenvolvimento do cinema levou a uma busca pela tridimensionalidade. O filme 3D – criado em 1921 com o nome de Teleview – apresentava, de acordo com Grau, projeções luminosas coloridas, que ao serem vistas com óculos de duas cores, criavam impressões de espaço e profundidade (Grau, 2007: 182). Com o Stereokino ou cinema estereoscópico, a relação entre imagem e som estéreo envolveria o público como nunca, estimulando-o a vivenciá-la como uma espacialidade verdadeiramente tridimensional (Grau, 2007: 184). Dos muitos projetos que expandiram a indústria cinematográfica nos EUA entre os anos 50 e 60, o Cinerama de Fred Waller, com sua tela de 180 graus, ocupa, segundo esse autor, uma posição de destaque. Ele lembra ainda que no mesmo período Morton Heilig desenvolvia uma visão muito mais radical da idéia de imersão com o Cinema do Futuro, que oferecia experiências ilusórias a todos os sentidos, muito além da visão. Para Grau ficava claro o objetivo de experiência imagética multisensorial (Grau, 2007: 186-189).

Em paralelo aos desenvolvimentos na arte cinematográfica, floresciam versões artísticas populares e espetaculares de espaços virtuais nos parques de diversão e nas feiras dos anos 70 e 80, especialmente na forma de pequenos cinemas circulares de imersão. De acordo com Grau, novos conceitos foram introduzidos – e

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alguns até levados à prática – de como melhorar a experiência de imersão no cinema, por exemplo, com as projeções esféricas Omnimax, que foram precursoras do IMAX (Grau, 2007: 190).

Do ponto de vista ilusionista, o IMAX, introduzido nos anos 90, representa o que há de mais novo. (...) Com telas curvas de até 1.000 metros quadrados, os espectadores ficam literalmente dentro das imagens. Para filmes IMAX 3D, o público usa óculos especiais, com lentes que abrem e fecham em rápidas sucessões de luz infravermelha de alta freqüência. Cada olho vê as imagens dos dois projetores separadamente, e o cérebro as combinava em uma só, experimentando um efeito impressionante de profundidade espacial (Grau, 2007: 191).

A evolução da realidade virtual tem produzido a sensação de imersão

máxima, através de aparatos tecnológicos como o head mounted display (HMD), um capacete com visores binoculares de onde se pode interagir com imagens que se movem em uma perspectiva tridimensional, a medida que o usuário se move (Grau, 2007: 194-195). Ao longo dos anos foram surgindo outros recursos como roupas e luvas sensorizadas, aprimorando o processo. Segundo Grau, seu objetivo é fornecer ao espectador a impressão mais intensa possível de estar no local onde as imagens estão.

O projeto mais ambicioso pretende apelar não somente para os olhos, mas também para todos sentidos, de modo que a impressão de estar de fato em um mundo artificial seja completa. Considera-se que esse tipo de realidade virtual possa ser obtido pela interação de elementos de software e hardware que sensibilizem todos os sentidos humanos, com o maior grau possível de informação ilusória, através de uma interface. (...) De acordo com esse programa de técnicas de ilusão, um conjunto de recursos, como som estereofônico simulado, impressões táticas, sensações termorreceptivas e até mesmo cinestésicas, transportará o observador na ilusão de estar em um espaço complexo (Grau, 2007: 32).

As novas arte-mídias têm utilizado os aparatos tecnológicos para criar no âmbito virtual algumas espacialidades inimagináveis, até então. Devido a sua força e veracidade, enquanto imagens, elas causam surpresa nas pessoas, que normalmente evitam ao máximo presenciá-las, apesar de toda a curiosidade que despertam, num movimento constante de atração e repulsa. Para Grau, quanto mais intensamente o participante estiver envolvido de forma sensível, interativa e dinâmica, em um ambiente de virtualidade, menos o mundo gerado por computador parecerá uma construção. Pelo contrário, será interpretado como uma experiência pessoal, transcendente (Grau, 2007: 229). Interatividade

Para analisar os modos de experienciar os espaços expositivos da arte e da arte-mídia dentro do contexto cultural contemporâneo, é preciso abordar não apenas a noção de imersão como vimos anteriormente, mas também o conceito de interatividade. Esta referência conceitual tem sido usada em vários campos disciplinares para abarcar uma ampla extensão de manifestações que muitas vezes não estão vinculadas à exploração das mídias e seus dispositivos, que é uma de suas características basilares. Normalmente se confunde interação com participação, relação social e colaboração mútua. O que torna seu sentido um pouco impreciso, necessitando uma definição mais clara.

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No segmento da arte, o interativo requer, segundo Pierre Lévy, um expectador ativo que possa interagir com as propostas dos artistas, re-apropriando e recombinando o material ou o conteúdo de sua mensagem que só se efetiva com essas ações (Lévy, 1999: 79) Desse modo, o interator torna-se um dos co-autores da obra processual, em mutação. Diana Domingues lembra que com a arte interativa o objetivo artístico deixou de ser o de proporcionar a mera contemplação de objetos, imagens, sons ou textos, passivamente, para ser antes de tudo o de gerar um acontecimento ou uma ocorrência eventual no espaço. Assim,

os espaços da arte da contemplação (com seus avisos de não tocar, não pisar e não entrar) são substituídos pela necessidade de se partilhar fisicamente a obra do artista. (...) Pelas interações, deve-se desencadear o processo de relação com o que está sendo vivido e assim construir os sentidos. (Domingues, 2002: 61).

O desenvolvimento da interação no âmbito artístico desencadeou um movimento de transição e mudança que vai da arte da representação para uma arte mais comportamental e participativa, que sugere outras relações espaciais.

[Nela] não interessa o objeto em si como algo acabado, mas o campo de relações que se estabelecem durante o processo de vivência com a obra/dispositivo [no espaço expositivo] (Domingues, 2002: 63).

A arte participativa desenvolvida entre os anos 1950 e 1960 foi um território fértil para o surgimento da interação, apesar de não ter ainda um bom nível de inserção do público na obra. Os artistas da época defendiam em suas propostas o estabelecimento de um diálogo relacional entre o participante, a obra e o espaço, através de uma percepção ou apreensão dinâmica. De lá para cá foram desenvolvidos inúmeros experimentos artísticos com base na noção de participação, cuja complexidade crescente levou à interação e à interatividade com dispositivos tecnológicos como conhecemos hoje, transformando os modos de apreender os objetos ou processos artísticos apresentados e também os próprios espaços expositivos. Uma influência do desenvolvimento extraordinário das mídias que surgiram nas últimas décadas. Para Christian Heath e Dirk von Lehn, a organização das tecnologias midiáticas digitais no local de trabalho, em casa ou na arena pública tem incitado os administradores, curadores e educadores das instituições museológicas a buscar maneiras pelas quais esses recursos possam engajar e intensificar nossa experiência interativa em exposições (Heath e Lehn, 2010: 67).

Segundo Domingues, as interações artísticas à partir de dispositivos tecnológicos são rituais em que o corpo age, pensa e sente acoplado a computadores. Com os sistemas interativos podemos experimentar campos de ação, percepção e relação para além dos limites habituais. A contemplação passa a ser substituída por intercâmbios dinâmicos com sistemas artificiais que manipulam unidades de memória, proporcionando experiências antes não vivenciadas, onde tudo está em estado de contaminação, permutabilidade e possibilidade (Domingues, 2002: 49 e 61). Entretanto, para Heath e Lehn, os interativos raramente são planejados para auxiliar e aumentar a interação social; antes, na maioria dos casos, eles são voltados aos usuários individuais, de modo a provê-los com a habilidade para manipular um objeto ou operar um sistema. O que tende a negligenciar o encontro, a co-participação e a colaboração mútua. Conforme esses autores, o desenvolvimento das interatividades deve levar em conta a presença de outros, não limitando o papel do usuário, ao de um simples expectador (Heath e Lehn, 2010: 275-276).

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A presença e a conduta de outros [nos espaços expositivos] têm um profundo impacto sobre o que nós vemos ou fazemos e sobre as oportunidades que surgem para a exploração, investigação e aprendizagem. Os interativos são encontrados e usados em relação à conduta e à interação de outros [presentes no local]. (Heath e Lehn, 2010: 277).

A interação social em museus e galerias, mesmo que contingente, tem revelado formas de participação ou colaboração variáveis e complexas. Nossa descoberta e experiência das arquiteturas museológicas surgem através dessa interação. Apesar de todas as potencialidades da interatividade no contexto dos espaços expositivos dos museus e galerias, de acordo com Heath e Lehn, ainda há uma incongruência entre o planejamento do interativo e a ação ou interação que surgem, quando ele é efetivamente desenvolvido e experienciado. Para esses autores, a interação tem sido planejada para facilitar formas específicas de conduta ou experiência. Entretanto, infelizmente ela não necessariamente responde do modo que nós imaginamos ou esperamos, podendo surgir circunstâncias em que fica difícil empreender o modelo de ação requerida pela interatividade. Com isso, segundo eles, a maneira como um visitante interage com as obras de arte e seus ambientes é determinada pelas necessidades, associações e tendências pessoais antes que pelas recomendações institucionais (Heath e Lehn, 2010: 277).

Para Heath e Lehn, os roteiros interativos sugeridos por essas instituições culturais têm uma relevância sobre a crescente relação com o aprendizado e a educação dos visitantes em museus e galeria (Heath e Lehn, 2010: 276). Entretanto, segundo esses autores,

nós ainda sabemos pouco sobre o comportamento e a colaboração que diferentes interatividades permitem, ainda menos dos modos em que elas podem contribuir para o aprendizado (Heath e Lehn, 2010: 275).

Referências bibliográficas

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GRAU, Oliver (2007): Arte virtual. Da ilusão à imersão. São Paulo, Editora UNESP/SENAC.

HEATH, Christian y LEHN, Dirk von (2010). “Interactivity and collaboration. New forms of participation in museums, galleries and science centres”. En PARRY, Ross. Museums in a digital age. London and New York,Routledge.

LÉVY, Pierre (1999). Cibercultura. São Paulo, Editora 34.

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3.1.8. Museus na era digital A investigação sobre os novos modos de fruição da arte e das novas

arte-mídias, no contexto das arquiteturas museológicas contemporâneas, solicita o processamento de informações vindas da cibercultura ou cultura digital, assim como o levantamento de algumas questões emergentes ainda pouco exploradas pelos especialistas desses campos de estudo correlatos. O principal livro de referência para essa discussão, intitulado Museums in a digital age, foi organizado por Ross Parry em 2010 a partir de uma coletânea de artigos de autores influentes como Pierre Lévy, Lev Manovich e Manuel Castells entre outros, visando situar os museus no contexto das mudanças tecnológicas e também culturais da sociedade informacional. Outra publicação importante que reúne vários ensaios referenciais inter-relacionados é o volume denominado New media in the white cube and beyond. Curatorial models for digital art, editado por Christiane Paul em 2008. O objetivo desta antologia é discutir os desafios da apresentação das artes midiáticas, em sua relação com as dinâmicas das espacialidades museais. Incluindo contribuições de teóricos, curadores e conservadores institucionais ou independentes, esse livro fornece uma visão global da discussão e chama a atenção para algumas questões filosóficas, conceituais e práticas. De acordo com Paul, os desenvolvimentos contínuos das tecnologias de informação digital tendem a afetar o caráter estrutural desses órgãos instituicionais. O que leva a uma transformação da função e, por vezes, da configuração dos espaços expositivos, como também do processo organizacional das artes. Entretanto, para essa autora, ainda são poucas as instituições que conseguem acompanhar essas mutações, de modo a responder às potencialidades da informatização. A partir dessa reflexão, ela levanta uma questão relevante: Como poderá ser o museu do futuro, diante do constante avanço tecnológico que aponta para uma crescente convergência e disseminação das mídias no contexto da arte contemporânea? Para responder, Paul tenta inicialmente definir o que é arte midiática. Segundo essa autora as tecnologias digitais estão se desenvolvendo tão rápido, com mudanças quase mensais, que forçam esse segmento artístico se redefinir continuamente. Paul ressalta que, no passado, essa arte era designada predominantemente como arte computacional e arte multimídia, tornando-se nova arte-mídia ao final do século vinte, com várias formas hibridas produzidas, armazenadas e apresentadas em formato digital (Paul, 2008:4).

Aspectos e características à parte, a arte que usa tecnologias digitais como um meio pode se manifestar de várias formas e explorar uma ampla variedade de tópicos. (...) Ela pode se manifestar como instalação, com ou sem componentes de rede; como projeto de realidade virtual que usa dispositivos como fones e luvas de dados pra imergir os espectadores e participantes em um mundo virtual; como uma arte para ser distribuída na internet; como software art;como arte mediática móvel ou locativa que fazem uso de dispositivos “nomádicos” (telefones celulares, mídias vestíveis etc), do Sistema de Posicionamento Global (GPS) e redes sem fio (wireless) (Paul, 2008:4).

Segundo Sarah Cook, os projetos das artes midiáticas compartilham

qualidades especificas que, em si próprias e em combinação, apresentam dificuldades e desafios para as instituições que organizam exposições nos espaços museológicos, pois, para Cook, essa lista de características está sempre mudando, à medida que novos gêneros ou práticas de arte emergem e as tecnologias empregadas na produção da obra evoluem. Como resultado, alguns trabalhos de novas mídias são mais desafiadores que outros, questionando o tradicional mundo da arte institucionalizada e seus métodos habituais de abordagem (Cook, 2008: 26-28).

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Conforme Christiane Paul, os museus têm se voltado por muito tempo a objetos, se configurando para abrigar e acomodar a exposição de certas obras de arte estáticas como pinturas, esculturas etc. Nos últimos tempos os espaços expositivos têm que dar conta de outras manifestações artísticas que tendem a mudar o foco do objeto para o processo, se qualificando enquanto uma forma de arte temporal, de natureza dinâmica, interativa e colaborativa, variável e customizável (Paul, 2008: 1). Este é o caso das artes midiáticas. A natureza dos projetos das novas arte-mídias e dos processos colaborativos empregados em sua criação, produção e distribuição evidenciam, para Paul, alguns problemas operacionais que solicitam um processo de adaptação institucional às exigências dessas categorias artísticas contemporâneas que englobam diversas expressões. Como os museus ainda não estão muito preparados para abarcar efetivamente as propostas das artes midiáticas, elas têm sido vistas ou apreendidas em uma variedade de contextos artísticos “alternativos” que muitas vezes ultrapassam os domínios materiais museais, em direção aos espaços imateriais, intangíveis ou ciberespaciais (Paul, 2008: 6-8). Conforme essa autora observou, devido a suas especificidades técnicas, esse tipo de arte não poderia jamais ficar confinada aos espaços físicos da arquitetura museológica como sua única via distributiva.

A net art, em particular, sempre teve, potencialmente, seu próprio sistema de distribuição mundial (Paul, 2008: 6-8).

A Internet, enquanto um elemento de ligação ou conexão entre as

diversas mídias, tem sido usada pelos artistas midiáticos como um laboratório de experimentação de idéias e práticas, onde podem ser desfrutadas diversas reflexões ou ações efetivas a partir de um diálogo estimulante entre diversos atores ou agentes do sistema da arte.

Há um mundo de arte online, consistido de artistas, curadores, críticos e outros profissionais que desenvolvem a arte fora das instituições tradicionais, [muito além dos espaços expositivos dos museus e galerias] (Paul, 2008: 6-8).

De caráter processual e participatório, as novas arte-mídias requerem

novas configurações e organizações espaço-temporais para apresentar seus projetos. Segundo Gere, esses revolucionários processos de apresentação ou difusão artística têm mudado consideravelmente o papel dos expectadores da arte, dos artistas e também dos curadores, que tendem a re-situar seus limites de atuação, em sobreposições de funções. Originária do latim curare, a palavra curador tem sido empregada corriqueiramente na acepção de cuidar, conservar ou tomar conta das obras de arte (Obrist, 2010: 9). Nesse sentido, para Alexandre Ramos, o profissional da curadoria é aquele que organiza, supervisiona ou dirige exposições, seja em museus e galerias ou em outros espaços públicos como ruas e parques, levantando informações, criando conexões e identificando metamorfoses ou transmutações na maneira de ver e entender os processos artísticos. (Ramos,2010: 41-43). Entretanto, de acordo com Alexandre Ramos, por mais que se tenha um responsável à frente do planejamento da exposição, o curador, ele é sempre fruto de um trabalho coletivo que envolve dezenas de pessoas e negociações com as mais diversas instâncias institucionais. Desse modo, a exposição é resultado de uma pesquisa analítica coletiva que visa articular e construir novos sentidos, a partir da interação com a arte e da mediação entre o espaço expositivo, a obra e o público (Ramos,2010: 41-45). Com o desenvolvimento das tecnologias midiáticas no campo artístico e no contexto museológico, a função tradicional da curadoria tem sido redefinida por outros modelos colaborativos de criação, produção e apresentação (Gere, 2008: 13-14), em

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que a equipe do curador precisa estabelecer um diálogo relacional com os artistas para pensarem e planejarem juntos como melhor envolver o público no processo artístico e como potencializar a interação e o intercâmbio de idéias ou experiências entre os usuários da obra e ela em si, de modo a revelar a dinâmica da estética relacional das novas mídias (Paul, 2008: 6-8) De acordo com Paul,

cada vez mais os curadores precisam trabalhar com o artista no desenvolvimento e na apresentação da obra. Esse, muitas vezes, torna-se um mediador e facilitador para a colaboração com outros artistas e com os expectadores, que contribuem e interagem com a obra de arte (Paul, 2008:2).

A utilização das novas mídias nos espaços museológicos pode ajudar a

re-pensar o planejamento das exposições e o acesso às atividades, coleções e informações artísticas, de modo a fomentar em diferentes públicos e contextos uma experiência cultural verdadeiramente interativa e crítica. Manuel Castells têm refletido sobre os desafios dos museus, diante das transformações culturais provocadas pelo desenvolvimento das tecnologias midiáticas na sociedade informacional. Para esse autor, os museus são instituições que funcionam como sistemas de armazenagem, processamento e transmissão de mensagens culturais em e para um determinado contexto social, potencialmente interativo. Ele usa o termo cultura no sentido sociológico e antropológico do termo, como um sistema de valores e crenças que informam o comportamento de pessoas, sendo articulados e expressados institucionalmente (Castells, 2010: 428). Para Castells, as instituições museológicas constituem uma tradição histórica acumulada ou uma projeção no futuro. São então um arquivo do tempo humano, vivido ou a ser vivido, um arquivo do futuro. Desse modo, esse autor aborda os museus como “repositórios de temporalidades” que devem ser re-estabelecidas em uma ampla perspectiva, tornando-se de fundamental importância para uma sociedade em que, segundo ele, a comunicação, os sistemas tecnológicos e as estruturas sociais convergem para destruir o tempo pela supressão ou compressão dele, ou arbitrariamente, pela alteração das sequências temporais (Castells, 2010: 431-432).

O grande desafio é agora articular os arquivos do passado e as projeções do futuro dentro das experiências de vida do presente (Castells, 2010: 431-432).

Castells ressalta que se não há articulação entre temporalidades, os

museus perdem contato com a vida, tornado-se mausoléus da cultura e não meios de comunicação.

Por esta razão, os museus, como lembranças de temporalidades, devem ser capazes de articular cultura viva, a prática do presente, com a herança cultural, não somente como a arte está preocupada, mas também como considerar a experiência humana (Castells, 2010: 431-432).

Em outras palavras, Castells conclui que os museus podem permanecer

“peças de museu” ou podem se reinventar enquanto “protocolos de comunicação cultural” para humanos em transformação. Essa expressão baseada em um termo da computação está associada, segundo esse autor, à capacidade para mudar de um código a outro, de uma cultura a outra, através da vivência em comunidade. Desse modo, a arte em todas suas expressões desempenha um papel importante nestes protocolos (Castells, 2010: 434).

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A arte tem sido sempre uma ferramenta para construir pontes entre pessoas de diferentes países, culturas, de diferentes gêneros, de diferentes classes sociais, grupos étnicos ou posição de poder (Castells, 2010: 429-430).

As manifestações artísticas que usam a Internet como meio têm levado

esse desafio de inter-relacionar culturas distintas adiante, com muita particularidade. Segundo Castells, a www tem o propósito de nos capacitar para uma conexão seletiva com diferentes formas de expressão cultural e com vários meios de comunicação eletrônica para que possamos agregar, conforme nossos desejos, sentimentos e pensamentos, diversos elementos desse sistema comunicacional. Destes fragmentos nós construímos, de acordo com esse autor, uma plataforma em rede, específica e personalizada, onde todas as espécies de expressão cultural vêm co-habitar. Assim, para todo projeto nós temos, a rede mundial nos capacitando a criar um hipertexto incorporado e customizado, quer nós sejamos um indivíduo, um grupo ou uma cultura (Castells, 2010: 429).

Visto que todo sujeito, quer seja individual ou coletivo, constrói seu próprio hipertexto, aí resulta uma fragmentação de sentido. Visto que cada um de nós tem seu próprio texto, a questão torna-se esta: como este texto se comunica e se articula com outros textos produzidos por outros sujeitos ou culturas? Como é garantida a comunicabilidade? [Ou ainda] Como a comunicabilidade dos códigos culturais pode ser assegurada no contexto da fragmentação de sentido de expressão cultural? (Castells, 2010: 429)

Conforme Castells, é através da experiência compartilhada que nós aprendemos a comunicar e traduzir nossos diferentes sistemas em cada outro. Para esse autor, se nós vivemos juntos, em princípio deveríamos entender o que o outro quer dizer e deduzir os códigos de comunicação de sua experiência comunitária. Entretanto, ele ressalta que a vivência é cada vez menos conjunta, pois nós vivemos em uma sociedade estruturalmente destinada a uma individualização sempre crescente dos processos de comunicação (Castells, 2010: 429). Sendo assim, para esse autor, os espaços museológicos deveriam deixar de ser apenas depósitos da cultura histórica reservada ao prazer de uma elite global, para tentar responder criativamente aos desafios que lhes são apresentados, de modo a tornarem-se verdadeiros “conectores culturais” para uma sociedade que não sabe mais como se comunicar, justamente pelo excesso de informações fragmentadas entre identidades múltiplas. Desse modo, as principais atividades culturais dos museus precisam ser realizadas através da conexão sistêmica entre diferentes espacialidades, físicas e virtuais (Castells, 2010: 432-434).

Estes lugares, ao lado de outros, formam parte de um espaço, um único hiper-espaço organizado em fluxos de comunicação eletrônica e sistemas de transporte rápido que ligam diferentes lugares em uma rede real. Eles são muito mais conectados a este sistema do que ao seu ambiente imediato (Castells, 2010: 432).

A situação resulta, segundo Castells, em uma dissociação entre a cultura global e cosmopolitana – baseada nas redes dominantes do espaço de fluxos – e as culturas locais – fundamentadas em códigos particulares tirados de experiências identitárias localizadas. Como a tradição museológica se torna cada vez mais cosmopolita, as identidades particulares são forçadas, de acordo com esse autor, a se padronizar a fim de circular globalmente como um bem consumível.

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Entretanto, essas identidades específicas não se reconhecem no ambiente da cultura global. Nesse sentido, os museus podem se tornar protocolos de comunicação entre diferentes identidades culturais, pela comunicação da arte e da experiência humana, estabelecendo-se não apenas como conectores de espacialidades, mas também de temporalidades. De acordo com Castells, os principais museus do mundo estão potencialmente conectados através de redes físicas de transporte ou de sistemas de comunicação eletrônica, de onde fluem os fluxos materiais e imateriais ou informacionais. Desse modo eles se constituem enquanto elementos de um meta-campo global, onde a informação cultural é distribuída ou difundida (Castells, 2010: 432).

Nós recebemos muitos de nossos códigos de comunicação cultural pelos meios eletrônicos. Grande parte de nosso imaginário e de nossas práticas sociais ou políticas são condicionadas e organizadas por e através do sistema de comunicação eletrônica. Consequentemente, o elemento fundamental de nossa comunicação e transmissão cultural da sociedade é realizado através deste hipertexto eletrônico. (Castells, 2010: 428).

Para esse autor, a freqüência e o ritmo cada vez mais intenso da

transmissão midiática de informações culturais acontecem através de redes hipertextuais atemporais, onde o passado e o presente são misturados na mesma sequência.

Referências bibliográficas

CASTELLS, Manuel (2010): “Museums in the information era. Cultural conectors of time and space”. En PARRY, Ross. Museums in a Digital Age. New York, Routledge.

COOK, Sarah (2008): “Immateriality and its discontents. An overview of main models and issues for curating new media”. En PAUL, Christiane. New media in the white cube and beyond. Curatorial models for digital art. Los Angeles, University of California Press.

GERE, Charlie (2008): “New media art and the gallery in the digital age”. En PAUL, Christiane. New media in the white cube and beyond. Curatorial models for digital art. Los Angeles, University of California Press.

OBRIST, Hans Ulrich (2010): Uma breve história da curadoria. São Paulo, BEI Comunicação. PAUL, Christiane (2008). New media in the white cube and beyond. Curatorial models for digital art. Los Angeles, University of California Press.

RAMOS, Alexandre Dias (org.) (2010): Sobre o ofício do curador. Porto Alegre, Zouk.

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3.1.9. Museus virtuais como espaços de fruição artística: Origens e desenvolvimento de uma ideia

A noção de museu virtual não é mais uma novidade, no entanto ainda apresenta sentidos indeterminados ou vagos. Não por falta de definições ou abordagens, mas pelo excesso de informações em torno do tema. Uma busca no google disponiboliza incontáveis resultados, algumas vezes com dados confusos e até mesmo conflitantes quanto às origens do termo e seu desenvolvimento histórico. Em seu livro Le Musée Virtuel, Bernard Deloche procura abordar a temática do museu virtual pelo viés da filosofia. Não como algo que está por vir, mas que já existe de fato ou que se apresenta como “um halo de realidade em potência”, podendo se atualizar de diversas maneiras possíveis (Deloche, 2001:203). Para esse autor, não podemos confundir esse conceito filosófico com o que hoje em dia tem sido chamado de cibermuseu ou e-museu, pois o âmbito do museu virtual transborda os limites desse campo limitado, assim como os dos campos do museu e da expografia como um todo, ampliando-os (Deloche, 2001: 13 e 24). Deloche esclarece que o processo de virtualização dos museus não deve se restringir à aplicação das tecnologias midiáticas nos espaços museológicos, apesar das inúmeras potencialidades comunicacionais e informacionais que isso tem representado para essas instituições culturais, com todas as facilidades de acesso, (hiper)arquivamento, apresentação e distribuição global, potencializada pela interconexão e interação em rede.

Como pode parecer de imediato, a ideia revolucionária do museu virtual não nasceu com o advento da Internet. Para muitos ela apenas recebeu um impulso a mais com o avanço das novas mídias. Não se pode negar que a evolução da informática e do computador, em interfaces e inter-relações entre hardware e software, foi fundamental para a propagação dessa noção no segmento do universo cultural contemporáneo chamado cibercultural 23. Entretanto a essência dessa ideia está relacionada a uma instância mais ampla, que Deloche chama de “o museal”, 24 já presente nos primórdios dos museus. Segundo ele, os museus virtuais abordam ou atualizam a problemática do museal mediante outras formas de suporte, imateriais. (Deloche, 2001: 149).

As primeiras investigações e reflexões sobre o museu virtual são anteriores ao advento da cibercultura. Para entendermos esse processo, é preciso que nos reportemos, de início, a Marcel Duchamp. Entre os anos 30 e 40, muito antes da hiper-reprodutibilidade técnica da era digital, ele produziu centenas de exemplares do seu projeto experimental denominado Boite en Valise. Tratava-se, como descreveu Maria Luísa B. Gant, de um tipo de maleta onde eram encontradas cópias ou réplicas em miniatura de suas obras, as quais podiam ser levadas, por qualquer um, a qualquer lugar (Gant,2001: 239). Um museu de substitutos, transportável, cujo destino parecia ser o de se expandir e se transformar, de acordo com a viagem ou a trajetória do viajante. Muitos anos depois, André Malraux lançou a proposta do seu Museu Imaginário, sem paredes, que tinha o objetivo utópico de

23Pierre Lévy define a cibercultura como o conjunto de técnicas materiais e intelectuais, de práticas, de atitudes, de modos de pensamento e de valores que se desenvolvem juntamente com o crescimento do ciberespaço, também chamado de “espaço do saber” ou “rede de conhecimento global”, que surge da interconexão mundial dos computadores. Para esse autor, “o termo especifica não apenas a infra-estrutura da comunicação digital, mas, também, o universo oceânico de informações que ele abriga, sem falar nos seres humanos que navegam e alimentam esse universo” (Lévy, 1999: 17-41). 24 Para Deloche, o museal, caracterizado pela apresentação sensível, não é mais que um aspecto de um campo mais amplo, o das transações sensíveis ou da estética (Deloche,2001: 149).

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reunir todas as obras de arte do mundo, através de uma série de reproduções, sobretudo as fotográficas (Gant, 2001: 241). Uma utopia que foi aos poucos se tornando uma possibilidade palpável, mesmo que intangível, graças ao avanço dos sistemas midiáticos e seus recursos ou potencialidades. Erkki Huhtamo lembra que a própria realidade das mídias estava se transformando, a partir da segunda metade do século XX, num “museu que abarcava tudo”. Museu este um tanto quanto caótico, devido às sobreposições e embricações de espacialidades, temporalidades e fluxos diversos, mas a todo o tempo disponível, graças a sua ubiquidade.

O museu imaginário de Malraux é, para Deloche, um museu virtual, não porque propunha simulacros em lugar de obras originais, mas porque deslocava e teorizava o deslocamento, renovando a noção que tínhamos do museu institucional. De acordo com esse autor,

sua originalidade provavelmente não radique em ter materializado um museu paralelo, (...) mas também em ter planejado o conceito de museu como indissociável do de substituto: uma idéia subversiva e desconcertante de um museu que se converte, por sua vez, em substituto e, inclusive, em um processo de substituição.(Deloche, 2001: 158)

Um substituto, por definição, está substituindo algo. Sendo assim,

surge então uma pergunta que nos remete ao conhecido texto de Walter Benjamin denominado A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica:

Que substituto poderia ocupar o lugar sagrado da obra de arte, em sua unicidade e originalidade? Segundo Deloche, Malraux considerava que a reprodução, ao ser invocada como substituição, não acabava com a sacralidade da obra de arte original, sua aura, mas contribuía para reforçá-la, através do princípio de “uma difusão mais democratizada” (Deloche, 2001: 165). A partir dessa reflexão, esse autor ressalta que, para que o substituto possa ser legitimado, é necessária uma distinção entre o que ele chama de substituto analógico e substituto analítico.

Concebido simultaneamente para mostrar e salvaguardar o original, o substituto analógico é, desde o ponto de vista museológico, um pouco mais um pouco menos do que um simples duplo (cópia) do original, quer dizer, um original que se ignora. Já o substituto analítico, estrutural ou generativo (não importa o termo) é o esboço da análise do original, já que seu objetivo não é tanto restituir a aparência como revelar suas próprias articulações e sua própria lógica. (Deloche, 2001: 168)

Poderíamos dizer que o substituto analítico é o resultado de uma

investigação ou pesquisa que visa desvelar ou revelar, através de estratégias comunicacionais, as diversas manifestações ou processos artísticos e suas possíveis relações, sejam elas conceituais, formais, estéticas etc.

No decorrer de sua curta história, o museu virtual como um museu de substitutos se beneficiou da invenção de vários aparatos tecnológicos midiáticos na reprodução de originais e no levantamento e organização das informações analíticas referentes a eles. Para Huhtamo, a invenção do hipertexto nos anos 60 foi, sem dúvida, uma influência decisiva para o desenvolvimento do museu virtual, pois possibilita a criação de “imensas arquiteturas de dados não lineares” (Huhtamo, 2010: 122). Esse autor lembra que as possibilidades hipertextuais foram, posteriormente, aplicadas à criação de inúmeros museus virtuais baseados no CD-ROM. Um dos primeiros foi o Museu Virtual da Apple Computer, exibido no

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“Siggraph 92” em Chicago. Esses produtos foram se desenvolvendo de diferentes maneiras, de acordo com as necessidades das instituições museológicas. Muitas vezes eram vendidos em suas lojas como parte do seu maquinário promocional. Com a aquisição deles, os visitantes poderiam levar para sua vivência doméstica ou seu ambiente de trabalho e lazer o que apreendeu ou vivenciou no espaço físico do museu. Atualmente cada um de nós pode gerar seu museu particular customizado, a partir da seleção e do remanejamento constante de dados imagéticos, textuais ou sonoros, disponíveis em megarquivos ou hiperdocumentos interconectados. Com a facilidade de poder levá-lo consigo em seus computadores móveis, visitando-o onde estiver, através da tela. Um museu ubíquo, acessível a qualquer instante, sem os transtornos de acesso tão comuns aos museus físicos, com suas filas intermináveis.

O avanço das tecnologias midiáticas foi aos poucos definindo a configuração de alguns museus virtuais. Com o surgimento e a propagação da internet em escala global, as diretorias dos museus e outras instituições voltadas à arte ou à cultura, de um modo mais abrangente, logo se prontificaram a criar seus sites e a demarcar seus domínios no ciberespaço. Uma maneira eficaz de expandir os limites concretos dos seus espaços arquitetônicos, abrindo-os para o mundo, através de janelas virtuais. Ao acessar seus endereços eletrônicos, o internauta podia encontrar, entre outras coisas, informações e referências sobre a arquitetura de seus edifícios ou sua relação com a cidade e sua história. Em geral, esses sites costumavam disponibilizar também os calendários, constantemente atualizados, das diversas atividades programadas pelos museus, com pré-visualizações, referências e detalhes de cada uma, sejam elas expositivas, educativas ou outras afins. Alguns poucos ofereciam, ainda, cópias digitalizadas dos acervos em coleções online, e-cards e outros meios, que poderiam ser salvas e enviadas a um amigo via e-mail, redes sociais etc.

Apesar do mérito dessas tentativas pioneiras de virtualização museológica, não podemos negar que a função delas muitas vezes se restringia à mera difusão de informações institucionais 25. Para muitos, é inegável que as potencialidades da Internet afetam a projeção externa dos museus e ajudam a melhorar o acesso à informação institucional desses centros culturais. Entretanto isso é apenas uma faceta a ser explorada. Para atender a um desafio maior, o museu virtual precisa ser planejado de maneira estratégica e criativa. O que pouco pode ser observado entre os endereços eletrônicos visitados. Para Gant, as instituições têm usado os seus sites na rede apenas como um substituto das páginas tradicionais de seus folhetos, boletins e outras publicações periódicas, o que é estranho, diante de tantas possibilidades comunicacionais que estão disponíveis em nosso tempo. De acordo com essa autora, a grande contribuição das novas mídias e da Internet nesse processo, em particular, é que com ela os conteúdos informativos podem agora ser direcionados a qualquer usuário em tempo real, não necessitando mais de custos extras com impressão ou distribuição, por exemplo. Com a www é possível ainda que as informações sejam atualizadas constantemente no ritmo em que são produzidas (Gant, 2001:231). Os modos de atingir e afetar os visitantes são muitos.

A meta inicial dessas estratégias de comunicação introduzidas por algumas instituições no meio digital é criar novas possibilidades de contato com os consumidores habituais dos museus, com os novos usuários em potencial e também com aqueles visitantes ocasionais que se encontram fisicamente ausentes, distantes

25 Entende-se a difusão como o conjunto de ações destinadas a dar a conhecer o museu para que ele possa ser apreciado, valorizado e desfrutado pelo maior número de visitantes (Gant, 2001: 215).

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ou afastados geograficamente de seus edifícios. A intenção é tentar seduzi-los, impulsionando-os a deixar ou ultrapassar a dimensão virtual, para experienciarem tudo o que esses centros culturais podem dedicar a eles na realidade do mundo material. Cria-se, assim, uma possibilidade de conexão ou transição entre o museu físico e o museu virtual, não presencial, a partir de interfaces que geram um fluxo constante de um sentido a outro e vice-versa. Vale então perguntar: quais as relações possíveis entre essas duas instâncias?

Os museus virtuais não devem ser meras réplicas dos museus físicos, nem podem estar isolados destes. Eles precisam se interconectar e se complementar em suas diferenças dimensionais, de modo a gerar um “híbrido cultural”, nas palavras de Manuel Castells, no qual a difusão, renovação ou transformação da comunicação entre culturas no mundo possam ser estimuladas, à medida que surgem novas formas de informação tecnológica, a gerar um trânsito do virtual para o físico e vice-versa (Castells, 2010: 427).

Também nessa direção, Gant imagina o museu do futuro como uma hiper-rede de base de dados, interativa e transmidiática, distribuída em fluxos informacionais pelo ciberespaço, propiciando a melhora do acesso e o aumento qualitativo da participação e interação, com trocas de informações entre as instituições e os usuários (cada vez mais conectados entre si), resultando no crescimento e na valorização dos intercâmbios pessoais e culturais (Gant, 2001: 249). Para essa autora, o museu virtual deverá ser, sobretudo, um novo sistema operativo dedicado às artes. Segundo ela, os sistemas multimídia, hipermídia e transmídia permitem ao visitante libertar-se da passividade receptora e introduzir-se em uma dinâmica perceptiva e interativa, pois esses sistemas possibilitam não apenas a conexão interpessoal, mas também a institucional, através de comunicações eletrônicas em rede e outros recursos como mecanismos de busca ou gestão da informação, organização de bases de dados, além da interatividade, imersão, realidade virtual etc. Tudo ao serviço da investigação, (re)conhecimento, apreensão ou fruição de diversas manifestações artísticas (Gant, 2001: 250).

O desenvolvimento dos museus virtuais tem apontado caminhos ainda pouco explorados pelas instituições museológicas, mas com resultados promissores. Para que isso se concretize de fato, esse espaço imaterial não deve ser visto apenas como um veículo de transmissão de informações institucionais, muitas vezes gerido com fins meramente mercadológicos, mas como um meio que pode oferecer alternativas para a apresentação, reflexão e crítica das artes, principalmente das novas artemídias 26, cujas propostas requerem um diálogo constante entre os receptores e as obras processuais dos artistas, numa conexão dialógica que parece revelar um novo tipo de espectador da arte nesses novos espaços museológicos, muito mais participativo e interativo. Desse modo, é preciso buscar, através dos museus virtuais e das experiências sugeridas por seus processos midiáticos, outros modos de fruição ou percepção artística e outras sensibilidades estéticas.

O caráter processual, próprio das novas mídias e do meio digital, propõe, de acordo com Christiane Paul, alguns desafios ao tradicional mundo da arte: da apresentação à coleção e à preservação. Segundo essa autora, as normas ou modelos para apresentar, colecionar e preservar a arte sempre foram feitas para objetos e não para processos de linguagem, de caráter imaterial e intangível, o que

26 O termo novas artemídias tem sido usado no segmento da cibercultura com o objetivo de abarcar uma variedade de manifestações artísticas contemporâneas como a arte tecnológica, a arte interativa, a ciberarte, a net art, entre outras.

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representa uma mudança de paradigma (Paul, 2009: 345). Para Roger Malina, foram lançadas nos últimos anos inúmeras iniciativas institucionais para desenvolver linhas metodológicas com o intuito de documentar e preservar os trabalhos com as novas mídias, entretando ainda há muito o que fazer. Um caso exemplar apontado por esse autor é o da Organização Leonardo – pertencente ao Consórcio Docam no Canadá, coordenado pelo Centro de Documentação e Pesquisa Langlois, por meio de vários grupos de estudo de casos (Malina, 2009: 19). O caso do ZKM, um centro de arte e mídia em Kalsruhe na Alemanha, também é representativo. O que se constata é que essa função tem sido requisitada às instituições especializadas porque os artistas, isolados, muitas vezes não possuem recursos financeiros para isso. Surge assim a necessidade de se aliar a um grupo mais amplo. Entre esses grupos destaca-se o Dia Art Foundation 27, cujo objetivo é ser um veículo para apoiar projetos de artistas midiáticos que não podem ser abraçados pelas instituições convencionais.

De um modo geral, os artistas das novas artemídias parecem requerer, segundo Paul, “um espaço de informações ‘vivo’, distribuído, que esteja aberto à interferência artística – um espaço para troca, criação colaborativa e apresentação” (Paul, 2009: 345), transparente, flexível, e não necessariamente físico, pois algumas de suas manifestações, como a net art, por exemplo, não precisam do espaço expositivo concreto do museu tradicional para serem introduzidas ao público. Ocorre assim um deslocamento e o museu virtual torna-se, em consequência, um lugar para ações e situações que algumas vezes só poderiam ser vivenciadas na Internet (Paul, 2009: 357). Independentes dos espaços expositivos das galerias dos museus, algumas dessas propostas necessitam fundamentalmente de uma rede, nós e links entre os possíveis usuários do sistema gerado com outros artistas ou grupos e, ainda, com instituições do tipo, de modo a expandir e transformar informações e conteúdos consolidados, abrindo-se para a experimentação. Diante dessa perspectiva apresentada anteriormente, vale perguntar como o museu virtual pode absorver e refletir as manifestações das novas artemídias? De que modo isso vai ser alcançado?

Entre as propostas envolvidas nessa meta, a do Museu Guggenheim Virtual é a das mais discutidas nos segmentos especializados, desde o seu lançamento na passagem do século XX para o XXI. Desenvolvida pelo escritório de arquitetura e design Asymptote, ela surgiu como um desdobramento natural da política de expansão da linha Guggenheim, que envolveu operações e processos muito longos, complicados e polêmicos, mas que, apesar de tudo, proporcionaram interessantes discussões e debates, popularizando-a. Um dos resultados concretos dessa estratégia foi o desenvolvimento de alguns projetos arquitetônicos, coordenados por arquitetos consagrados, que culminaram na implementação de outras filiais em diversas cidades e países. Um dos mais emblemáticos é o do Museu Guggenheim de Bilbao na Espanha, de Frank O. Gehry, que transformou com suas formas ousadas a imagem, até então decadente, dessa cidade basca, como um símbolo de regeneração e força. Apesar da relevância dessas propostas, muitas delas não avançaram e acabaram sendo engavetadas, por motivos de interesses contrários ou de falta de recursos econômicos, como o da filial do Rio de Janeiro, do arquiteto Jean Nouvel, que é representativa desse impasse. Alguns autores acreditam que a versão virtual do Guggenheim tornou-se uma peça importante nesse plano de ampliação da marca, pois possibilitava ou potencializava o alcance e a influência de suas estratégias de marketing, globalmente.

O Museu Guggenheim Virtual foi concebido como um museu com base na Internet, o qual deveria oferecer um campo de ação e interação para as novas

27 Veja o site em www.diacenter.org.

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artemídias, principalmente a arte produzida em rede ou na rede. O projeto do Asymptote propunha, segundo Falcón Meraz, a criação de um ambiente “imersivo e interativo”, onde os visitantes pudessem se sentir num edifício real ou concreto. Não como uma reprodução fiel de espaços físicos já existentes, mas como uma tradução ou requalificação possível das ações museológicas no ciberespaço, com apresentação de obras e processos de criação, simulação das coleções e disponibilização de informações, atividades e produtos oferecidos por essa linha museística. O que poderia ser direcionado a um público bem maior que o habitual. Para esse autor, esse projeto experimental inovou ao tentar suplantar a bidimensionalidade da tela do computador, proporcionando aos usuários de qualquer parte do planeta uma navegação em três dimensões que lembra as explorações lúdicas nos espaços envolventes de alguns videogames. Segundo ele, o webdesign introduziu uma série de experimentos com modeladores e animações infográficas 3D, simulando os movimentos e fluxos dos internautas pelo ambiente virtual que poderia reagir e se transformar de acordo com as ações e os percursos escolhidos (Falcón Meraz, 2008: 273-278).

Museu Guggenheim Virtual – Asymptote

De acordo com Hani Rashid e Lise Anne Couture, coordenadores do projeto, essa experiência sugere uma reconfiguração dos modos tradicionais de apreender a arte e de interagir com a própria arquitetura museologica, que se desdobra no espaço e no tempo em inúmeras alternativas navegacionais. Ao incorporar as linguagens dos games, a versão virtual do Guggenheim procurou gerar um campo relacional que se expande e se reconstitui com a imersão e a interação de cada usuário. Para Falcón Meraz, ele nos leva a pensar o museu não apenas como uma edificação, que apresenta ou segue uma tipologia ou forma arquitetônica determinada, mas

como um lugar de condição imprevista, de

desdobramentos e, o mais importante, como um espaço de transição fluída e permanente, uma arquitetura do fluxo. (Falcon Meraz, 2008: 276-278)

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A proposta do Museu Guggenheim Virtual do Asymptote parece descartar uma vertente de pensamento e ação que entende a arquitetura dos espaços expositivos como algo estático, estável e definitivo, para abordá-la e desenvolvê-la como uma “arquitetura do e em movimento”, potencialmente fluída, flexível, interativa e mutante, capaz de reagir às solicitações ou necessidades, reconfigurando-se a todo instante, como um campo de forças e de fluxos em interação e transformação.

Em meio a inúmeras propostas de museus virtuais lançadas ao longo dos anos, algumas delas, como essa do Asymptote para a Fundação Guggenheim, parecem se diferenciar das demais, adquirindo um grande apelo nos veículos de comunicação e informação, pelo fato de estarem alicerçadas não apenas na técnica, mas, principalmente, em arrojadas explorações conceituais, formais e estéticas, através dos experimentos de design. Outras propostas menos espetaculares (muitas vezes sem nenhum apoio institucional), mesmo não apresentando um conceito ou uma estrutura formal inovadora, são baseadas em iniciativas e ideias simples, mas eficientes, que deflagram várias questões culturais inter-relacionadas, advindas, algumas vezes, dos processos de interação social proporcionados aos usuários pelos espaços virtuais gerados pelas novas artemídias, através da interconexão e relação em rede e entre redes, na Internet. Graças à dinâmica dos sistemas midiáticos que viabilizam tais propostas de virtualização dos museus, as informações oriundas desses espaços museológicos paralelos e alternativos podem fluir, transformando-se a cada ação do interator que se torna um coadjuvante do processo, de modo a se beneficiar em sua busca por um aprimoramento intelectual e cultural.

Uma das principais qualidades e potencialidades dos museus virtuais é que, em sua acessibilidade, eles oferecem inúmeras maneiras de acessar conteúdos informacionais resultantes do processamento e remanejamento de diferentes arquivos de objetos e processos artísticos ou culturais, podendo assim ser usados por todos como importantes fontes didáticas ou mesmo como eventos formativos, principalmente no âmbito educativo das escolas, onde, segundo Gant, os estudantes podem desfrutar de várias leituras possíveis de todas as obras, coleções e atividades museológicas disponíveis a partir de distintos pontos de vista, podendo contar ainda com o auxílio de “guias virtuais” que orientam cada usuário ou grupo visitante, ampliando o potencial de participação e interação do meio, para alcançar uma dimensão verdadeiramente comunitária, de intercâmbio social (Gant, 2001: 253), tanto em âmbito local quanto global, ás vezes na fronteira ou nos interstícios.

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Referências Bibliográficas

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3.1.10. Resultados parciais obtidos Com a revisão da bibliografia levantada e o processamento de

informações atualizadas foi possível desenvolver vários textos, ainda em processo, com reflexões sobre a arquitetura museológica contemporânea e sua relação com a cidade, a arte e as novas mídias, a partir da análise das idéias e práticas dos profissionais estudadas. O objetivo agora é amadurecer e aprofundar os tópicos iniciados, organizando-os de modo hipertextual, para que o material resultante seja disponibilizado ao final do processo no site experimental do projeto, junto a alguns ensaios de outros pesquisadores envolvidos. Um hipertexto é um conjunto de textos e imagens fixas ou em movimento, com links associativos entre si, que podem ser apreendidos pelos usuários, a partir de uma leitura não linear. A finalização desses ensaios requer que sejam estabelecidas relações dialógicas entre os conteúdos textuais de cada tópico e entre esses e os conteúdos imagéticos como desenhos, fotos, vídeos e animações. Além da pesquisa em si, foram desenvolvidas de forma complementar outras atividades paralelas e complementares.

3.2. Outras atividades

3.2.1. Preparação e apresentação do conteúdo da disciplina Entre,

através e além dos espaços expositivos: a arquitetura museológica contemporânea e sua relação com a arte e as novas mídias, que lecionei junto à Profa. Dra. Mônica Baptista Sampaio Tavares.

O Departamento de Artes Plásticas da Escola de Comunicação e Artes

da USP exige que o pós-doutorando lecione uma disciplina na pós-graduação, relacionada à pesquisa em andamento. Seu programa visava investigar os modos de pensar e planejar a arquitetura dos museus ou centros de arte e outros espaços expositivos na contemporaneidade a partir dos seguintes tópicos:

TRANSmuseus: entre através e além dos espaços expositivos

Transmutações nos modos de pensar e planejar a arquitetura museológica contemporânea

Espaços Eventuais: o evento como experiência Transitoriedade na arquitetura dos espaços expositivos: espaços do fluxo

A mobilidade como uma referência e uma prática estéticas

Pavilhões de exposição como espaços de transição e interação: do físico ao virtual e vice-versa

Imersão e interatividade nos espaços da arte e das novas arte-mídias

Museus na era digital

Museus virtuais como espaços de fruição artística: origens e desenvolvimento de uma idéia

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A disciplina contou com aulas expositivas e discussões de textos, além da análise de projetos ou obras. O processo didático gerou um grupo coeso e afinado, com interesse crescente pelas questões museológicas na contemporaneidade, em particular, as da arquitetura dos espaços expositivos e suas relações técnicas, estéticas e culturais. Promovemos ainda a preparação dos seminários apresentados pelos alunos. Ao final, eles desenvolveram monografias relativas às ploblematizações e informações levantadas,durante todo o semestre letivo, com abordagens muito interessantes que demonstram que houve uma assimilação do conteúdo introduzido por nós professores, indo além, de modo a complementá-lo com outros dados que não foram apresentados anteriormente.

Com esse curso pudemos implementar efetivamente um instigante ambiente laboratorial de investigação e reflexão sobre o tema. As discussões em sala de aula contribuíram para o desenvolvimento da pesquisa e para a escritura dos textos resultantes, não só os meus, mas também os dos alunos ou pesquisadores em formação. O diálogo e as trocas de informações com esses profissionais de diversos campos do saber – como o arquitetural e o artístico e o midiático, por exemplo – ajudou a enriquecer as investigações particulares de cada um, numa retro-alimentação.

O objetivo agora é dar continuidade às atividades nesse 1º semestre de 2012, com outra turma.

3.2.2. Apresentação de trabalho no II Seminário de Pesquisa da

ECA USP realizado na USP em 2011. O objetivo deste seminário, organizado pela Comissão de Pesquisa da

ECA USP, era apresentar à comunidade acadêmica as pesquisas dos pós-doutorandos dessa instituição de ensino e pesquisa. Minha participação foi importante para divulgar a pesquisa, estabelecer contato e trocar informações com os outros pesquisadores.

3.2.3. Desenvolvimento de artigo para apresentação no Congreso

Internacional de la Red INAV – Sevilha – Málaga, Espanha. O artigo resultante denominado Museus Virtuais como espaços de

fruição artística: origens e desenvolvimento de uma idéia, que será apresentado entre 24 e 29 de maio de 2012, foi apresentado anteriormente neste relatório como o último tópico da escritura dos textos.

3.2.4. Entrevistas

Nesse período foram preparadas algumas entrevistas e enviadas por e-

mail à pensadores, artistas e arquitetos representativos, solicitando respostas. Por enquanto, só obtivemos o retorno do arquiteto Paulo Mendes da Rocha, cuja entrevista foi apresentada no relatório anterior. Outras ainda serão feitas nos próximos meses, mas teremos que mudar de estratégia com uma aboedagem presencial.

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4. Plano de trabalho e cronograma das atividades que serão desenvolvidas nos próximos meses

De março de 2012 a agosto 2012.

Nesta etapa da pesquisa daremos continuidade às atividades do grupo formado a partir da disciplina que será ministrada novamente nesse semestre. O objetivo é aprofundar as abordagens e questões discutidas em aula, para embasar assim a escritura definitiva dos meus textos e de todos os pesquisadores envolvidos.

Com a investigação em andamento, surgiu a necessidade de programar algumas visitas a obras analisadas na pesquisa, objetivando a apreensão e avaliação dessas arquiteturas museológicas em seu local de inserção. Nessa pesquisa de campo faremos registros a partir de textos, fotos e vídeos. A minha experiência em analisar projetos e obras arquitetônicas demonstrou que essas análises ficam mais coerentes, quando são desenvolvidas a partir da experiência presencial nos/dos espaços, entre, através e além da arquitetura.

Ao final desse estágio, os conteúdos textuais produzidos serão inter-relacionados de modo hipertextual, articulando os textos com as imagens fixas e em movimento, levantadas no banco de dados.

De setembro de 2012 a fevereiro 2013

Nesse período criaremos e implementaremos o site experimental do projeto, onde as informações serão disponibilizadas a estudantes, pesquisadores e profissionais dos campos disciplinares envolvidos, entre outros interessados na temática da investigação. Para iniciar esta fase vamos levantar as possibilidades estruturais do site experimental, com o objetivo de definir as diretrizes do web design, as linguagens mais apropriadas para desenvolvê-lo e os recursos interativos que poderão ser usados no experimento. Ao final o site será lançado na Internet e divulgado em alguns veículos de comunicação, para a apreciação pública.

Em seguida vamos nos dedicar à avaliação do experimento midiático desenvolvido e seu processo de criação e implementação, de modo a levantar e averiguar os resultados obtidos. Todo o processo será documentado. Como um desdobramento das ações e experiências na dimensão virtual, vamos promover e organizar seminários e encontros, no espaço físico da ECA USP, entre os pesquisadores envolvidos no projeto e outros especialistas dos campos estudados, objetivando ampliar os debates anteriores. Alguns contatos já foram feitos com profissionais que se mostraram interessados na proposta. Para efetivar isso, faremos uma discussão prévia com o grupo sobre os temas e questões que serão apresentadas nos seminários, para, então, lançarmos uma convocação pública aos pesquisadores interessados nas abordagens, selecionando-os, de acordo com as pesquisas individuais de cada um. Para divulgar esses eventos vamos criar peças gráficas e lançá-las em várias mídias. Ao final todo o processo será avaliado.

Além do desenvolvimento da investigação, em si, será crucial para ampliar as discussões, questões e informações introduzidas no site experimental do projeto, organizarmos e promovermos alguns seminários com os alunos ou pesquisadores envolvidos e outros especialistas de diversas instituições de ensino e pesquisa do Brasil e do exterior, fazendo da ECA USP um ponto de referência nesse debate. Incrementar esse tipo de encontro entre indivíduos com interesses comuns é de suma importância no meio acadêmico.

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