relatório de estágio ana tavares reformulado - run.unl.pt³rio de estágio... · as fases de...
TRANSCRIPT
A montagem no processo audiovisual: o caso da Real Ficção
Ana Marta da Palma Tavares
Maio, 2017
Relatório de Estágio de Mestrado
em Ciências da Comunicação
Setembro,2017
RelatóriodeEstágioapresentadoparacumprimentodosrequisitosnecessáriosà
obtençãodograudeMestreemCiênciasdaComunicação–especializaçãoemCinemae
Televisão,realizadosobaorientaçãocientíficadoProfessorDoutorJacintoGodinho
Versãocorrigidaemelhoradaapósasuadefesapública.
àminhaavóAmélia,professoraprimária
Amontagemnoprocessoaudiovisual:ocasodaRealFicção
AnaMartadaPalmaTavares
RESUMO
Amontagemfoivistademodosdistintosaolongodahistóriadocinema.Asuaimportânciaadquire formas diferentes em função das correntes cinematográficas, dos pontos de vista dosautores e suas visões divergentes sobre o cinema. Contudo, a sua importância é inegável naconstrução de uma estrutura fílmica. Na produtora de cinema Real Ficção, a componente damontagem émuito valorizada por Rui Simões, responsável da empresa, especialmente devido àpredominância de cinema documental, setor onde a montagem ocupa um espaço relevante decriatividadeeinovação.
Este relatório de estágio debruça-se não só sobre questões relativas à montagem comotambémàsdodocumentário.Partindodeumaanálisehistóricaeteóricasobreosdoistemas,sãoabordadasasespecificidadesdamontagemnodocumentárioeasuaimportânciaaolongodetodooprocessodeproduçãodeumfilme.Asfasesdeproduçãodeumfilmesãodemoradasenemsempresãototalmentelineares.Àmedidaquevaiinterligandoosplanos,omontadorassumeumimportantepapel na construçãode sentidosdentrodo filme, e, emespecial, nodocumentário.Geralmente,montarumdocumentáriorequerummaiorgraudecriatividadedoquenocasodaficção,casoemqueexisteumguiãopré-definido.
Napartefinaldotrabalhoétambémabordadootemadorealismonodocumentário,dandocontado seupapel singularnomundodocinema.Peranteo surgimentodegéneroshíbridos,asfronteirasentreodocumentalea ficçãotornaram-se,ao longodotempo,cadavezmaisdifusas.Percebemosquetodoocinemaé,emmaioroumenorgrau,umaformadedocumentarismo,umavez que tem sempre uma base documental. Sendo, como todo o cinema, uma forma derepresentaçãocriativa,odocumentárionuncaestáisentodeumaformadeolhar.
PALAVRAS-CHAVE:montagem,documentário,cinema,RealFicção
Editingintheaudiovisualprocess:RealFicção’scasestudy
AnaMartadaPalmaTavares
ABSTRACT
Editingwasseenindifferentwaysthroughoutthehistoryofcinema.Itsimportancetakesondifferentformsdependingonthecinematographiccurrents,theauthors’pointsofviewandtheirdifferent views regarding cinema. However, its importance is undeniable in building a filmicstructure.InthefilmproductioncompanyRealFicção,theeditingcomponentishighlyvaluedbyRuiSimões,headofthecompany,especiallyduetothepredominanceofdocumentarycinema,whereeditingoccupiesarelevantspaceinthecreativityandinnovationprocess.
Thisinternshipreportfocusesnotonlyonissuesregardingtheeditingprocessaswellasthedocumentarygenre.Fromahistoricalandtheoreticalanalysisonthetwosubjects,itisaddressedthe specificsof editing in thedocumentaryand its importance throughout theentireproductionprocess.Theproductionphasesofafilmaretime-consumingandnotalwaysentirelylinear.Ashemixestheplans,theeditorassumesanimportantroleinbuildingmeaningwithinthefilm,especiallyinthedocumentary.Generally,editingadocumentaryrequiresmuchmorecreativitythaninfiction,inwhichcasethereisapredefinedscript.
In the endof the essay, the themeof documentary realism is also approached, giving anaccountofitsuniqueroleintheworldofcinema.Inthefaceoftheemergenceofhybridgenres,theboundariesbetweendocumentaryandfictionhavebecomeincreasinglyblurred.Werealizethatallcinemais,toagreaterorlesserextent,aformofdocumentarism,sinceitalwayshasadocumentarybasis.And, likeall film, adocumentary is a creative representation, so canneverbe free fromaperspective.
KEYWORDS:editing,documentary,cinema,RealFicção
ÍNDICE
Introdução................................................................................................................................1
Objetivos..................................................................................................................................2
Metodologia.............................................................................................................................3
I.ESTÁGIOCURRICULARREALFICÇÃO
1. Caracterizaçãodaempresaeenquadramentonomercadoaudiovisual.................................5
2. Cronogramadeatividadeseprojetos......................................................................................6
3. OEstágio:experiência,aprendizagensedificuldades..............................................................8
II.MONTAGEMEDOCUMENTÁRIO
1. Asorigensdamontagemnocinema......................................................................................11
2. Paraumadefiniçãodemontagem.........................................................................................16
3. Umavisãohistóricadodocumentário:nomundoeemPortugal.........................................19
4. Paraumadefiniçãodedocumentário....................................................................................24
5. Montarumdocumentário......................................................................................................27
III.DOCUMENTÁRIO:REALOUFICÇÃO?
1. EspecificidadesdosdocumentáriosRealFicção....................................................................30
2. Documentarismo:entreorealeaficção...............................................................................32
Conclusões.............................................................................................................................35
Bibliografia.............................................................................................................................37
Filmografia.............................................................................................................................40
AnexoI...................................................................................................................................44
AnexoII..................................................................................................................................52
AnexoIII.................................................................................................................................62
1
Introdução1
OpresentetrabalhoéorelatóriodeumestágiocurriculardesenvolvidonaprodutoraReal
Ficção2,entresetembrode2016ejaneirode2017.Oestágiofoiparteintegranteefinaldoplanode
estudos doMestrado em Ciências da Comunicação, e teve como objetivo apoiar a investigação
realizadanaáreadamontagemdocinemadocumental.
Estaralgunsmesesatrabalharnumaprodutoradecinemafoiumaformaprivilegiadadeter
acessoàsformasdetrabalhoeprocedimentosdentrodeumaempresaaudiovisual.Aprincípioo
objetivoeraapenasobservardepertoumarealidadequemeeratotalmentedesconhecida.
Comopassardosdiaseoprogredirdosprojetosemqueestiveenvolvida,deparei-mecom
novasperguntas,surgiramdúvidaseinterrogações.Umasforamsendorespondidasàmedidaque
me ia relacionandocomos trabalhadoresdaempresa,outras,decargamais teórica, ficarampor
responder. Combasenestas questões fui delineandoum caminhopara a escrita deste relatório.
Todaselas seprendiamcomosmodosde funcionamentodaempresa, emespecíficonoquediz
respeito aos processos de produção de um documentário, o género cinematográfico mais
recorrentementeproduzidopelaRF.
Este trabalho traz consigo um elogio ao poder da montagem, face à sua força de
transformação do cinema, e do cinemapara dentro de nós, espectadores.Geralmente umaboa
montagemévista,numfilme,comoaquelaquetemacapacidadedesetornarinvisívelaosolhosdo
espectador.Faceàsuainvisibilidade,maisincríveléconstatarasuaforçanaperceçãodofilme,no
despertardeconsciênciasou,simplesmente,nodesencadeardeemoções.
Assimcomoocinemade ficção,odocumentário,comohojeoconhecemos,vive também
através da montagem. À partida poderíamos pensar que esta tem um papel secundário na
construçãododocumentário, ao considerarmosa relevânciado conteúdo temático comoaspeto
primordialparaoseusucesso.Pelocontrário,asformasdeabordagemdofilme–comooargumento,
a realização e amontagem– tornam-se tão importantes comoo tema em si. Fazendo parte do
processofinaldeconstruçãodofilme,amontagemétãoimportantecomoqualqueroutraetapa.
Maisdoqueisso,elaépartefundamentalemalgunsdosprocessosanterioresàfasedefinalização
dofilme,após-produção.
1EstetextofoiescritoaoabrigodonovoAcordoOrtográfico.2Apartirdesteponto,aempresaRealFicçãoseráreferidacomo“RF”.
2
Objetivos
Duranteoestágio,amontagemeodocumentário foramasáreasemquemais trabalhei.
Destaforma,sentinecessidadederelacionarasquestõesdamontagemcomasdodocumentário.
Interessou-me,desde logo,percebercomosemontavaumdocumentárioe,emespecífico,oque
caracterizavaosdocumentáriosmontadosnaRF.Percebiqueamontagemnãoéúnicoelemento
caracterizadordos filmesdaempresa,masquese impõecomoelementomuitorelevantenasua
construção.Deiconta,também,doseuimportantepapeldurantetodooprocessodeprodução.
Àmedidaquemerelacionavacomosprojetos,fuilevantandoquestõesqueserelacionavam
comanterioresaprendizagenssobreahistóriaeasformasdodocumentário.Interessou-me,porfim,
explorar algumas questões teóricas sobre o processo de montagem e, em particular, sobre o
processodemontagemdeumdocumentário.
Oobjetivoqueperseguinãofoiousadoaopontodeambicionarresponderaquestõessobre
atotalidadedomeioempresarial,umavezqueapenasdispunhadedadossobreaprodutoraonde
estagiei.Pretendianalisaraquiloquepresenciei, semterapretensãode tecercomparaçõescom
outrasempresasdoramo.
No que respeita à abordagem, não me interessou debruçar sobre técnicas e normas de
continuidadenamontagem,peloquenãoaprofundeinoções comoade raccord, campo/contra-
campo ou a regra dos 30°. Não desvirtuando a sua importância, considero que amontagem se
estendemuito para além do cumprimento destas regras. Importa, neste trabalho, olhar para a
prática da montagem de forma mais abrangente, refletindo sobre o seu papel no processo
audiovisual.
NumaprimeirafasedestetrabalhoprocurodescreveraexperiênciadeestágioquetivenaRF,
caracterizaraempresaeoseulugarnomercadoaudiovisual.Numsegundocapítuloaabordagemé
eminentementemais teórica, debruçando-me sobreos temasdamontagemedodocumentário,
assimcomosobreas suasevoluçõeshistóricas.No finaldocapítuloé feitaumareflexãosobreo
processodemontagemnaproduçãodedocumentários.Finalmente,partindodeumaanálisedos
filmesproduzidospelaRF,éapresentadaumareflexãosobreoamploespaçoqueodocumentarismo
ocupanocinema,resultadodoscruzamentosentreodocumentárioeaficção.
3
Metodologia
Face à complexidade do tema que me proponho analisar, uma abordagem estritamente
quantitativanãoseriaviávelpararesponderàsquestõeslevantadas.Oângulodeanálisesobreos
temasdodocumentárioedamontagempedeumaabordagemqualitativa,considerandoaqualidade
dosacontecimentos,dasexperiênciasedoscontextos.Paraolhardeumaformaaprofundadapara
estasquestões,interessa-meestudaralgunsconceitosedefiniçõesrelacionadoscomostemas.
Ométodomaisrelevanteequeocupoutodaaprimeirafasedotrabalhofoiaobservação
participante. A permanência no meio de trabalho da empresa e participação nalguns projetos
permitiu-meumacessoprivilegiadoaumcontextorelevanteparaapesquisa.
Aocontráriodoqueémaisusualnumtrabalhodeinvestigação,aseleçãodoproblemade
pesquisafoifeitasódepoisdaobservaçãoparticipante.Foiaprópriaexperiênciaempresarialque
levantounovasquestõesemefezencontrarpontosdeanáliseeinvestigação.Ditoisto,opercurso
foi feitodapráticaà teoria, transpondoasproblemáticasdoexercícioparaaanálisedealgumas
conceçõesteóricassobreapráticadocinema.
O visionamento e análise de obras produzidas pela RF foi uma das primeiras etapas do
processo. Progressivamente comecei uma pesquisa por literatura sobre a montagem e
documentário,tendoregistadoalgumaslacunasdeinformaçãoespecíficasobrearelaçãoentreos
doistemas.Posteriormenteapercebi-medequeao interessepessoalse juntavaalgumainovação
temáticaerelevânciaacadémica.
A realização de entrevistas aos vários intervenientes no processo foi também uma fase
fundamental. As entrevistas foram semiestruturadas e orientadas por um guião com algumas
perguntasoutópicosespecíficos,demodoaquesepudessedesenvolverumaconversainformal.
ForamdirigidasapenasatrêsdostrabalhadoresdaRF,aquelesqueconsidereimaisrelevantespara
o estudo – Rui Simões (realizador), Jacinta Barros (produtora) e Francisco Costa (montador). O
objetivodasentrevistasfoiobtereconfirmarinformaçõesmaisconcretaserelevantesparaoestudo
(foiocasodaentrevistadirigidaaJacintaBarros),assimcomoconhecerasperspetivasdeRuiSimões
e Francisco Costa sobre os temas da montagem e do documentário. Algumas das perguntas
efetuadasforamcomuns,deformaaperceberdivergênciasdeopiniãosobreostemas(foiocasodas
entrevistasdirigidasaRuiSimõeseFranciscoCosta).Asentrevistasforamrealizadasnoespaçoda
empresanodia29deMarçode2017entreas14:30heas16:00h,edecorreramnocontextode
4
trabalhodecadaumdosentrevistados.Asconversasforamgravadaseposteriormentetranscritas
(Anexo I).Deummodogeral,asentrevistasmostraram-semuitoúteiseesclarecedoras,dandoa
conhecernovostópicosdeanáliseoureforçandoideiaspreviamenteconsolidadas.
Assim,comoobjetivodereforçaraanálisedestecenárioempresarialespecífico,ométodo
de triangulação metodológica mostrou-se capaz de fornecer um quadro mais substantivo da
realidade,umavezqueenglobaváriastécnicasderecolhadeinformação:aobservaçãoparticipante,
aanálisedocumentaleaentrevista.
5
I.ESTÁGIOCURRICULARREALFICÇÃO
I.1.Caracterizaçãodaempresaeenquadramentonomercadoaudiovisual
A Real Ficção é umaprodutora de cinema fundada em1986pelo realizador Rui Simões. A
empresa caracteriza-se por produzir, maioritariamente, cinema documental, mas desenvolve
tambémtrabalhonoutrasáreasdocinema,comoaficção,ocinemadeanimação,ovideoclip,ovídeo
institucionaleinstalaçõesartísticas.
Astemáticasmaisexploradasnosfilmesproduzidospertencemàáreacultural–dança,teatro,
música,pintura–eàáreasocial,sendoapobreza,aemigraçãoeaguerracolonialalgunsdostemas
mais abordados. A RF tem desenvolvido parcerias de coprodução com diversos PALOP3
(principalmenteCaboVerde,AngolaeMoçambique),ondetemexercidoumpapel importantena
divulgaçãodacinematografiaportuguesa.
RuiSimões,produtorerealizadordaRF,temumpercursopelocinemaquecomeçouporestar
ligadoapreocupaçõespolíticasemilitantes,dequeBompovoportuguês(1980)éomelhorexemplo,
masqueseestendeuàspreocupaçõessociaiseculturais,comRuasdaAmargura(2008)ouCenasde
Caça (1994),porexemplo.Apesardisso,osseusfilmesnuncasedesligamdeumavisãopolíticae
histórica. Tem desenvolvido um trabalhomais direcionado para o documentário, o que se deve
essencialmenteaoscustoselevadosdaproduçãodeficçãoeàfaltadefinanciamento.
Recentemente, a RF tem expandido a sua atividade a outros sectores do audiovisual,
nomeadamenteà criaçãode spots publicitários, ediçãoedistribuiçãodeDVDs,distribuição,pós-
produçãoeformação.ARFétambémumadasprodutorasquemaistemapoiadoecontribuídopara
aproduçãodeobrasdejovensrealizadores,especialmentenaáreadodocumentário.
Nestemomento,aempresacontacomquatrotrabalhadoresfixospertencentesaoquadroda
empresa (uma produtora, um realizador, um designer gráfico e um assistente de
realização/produção),ummontadoremregimefreelanceeumestagiáriocurricularatrabalharna
áreadamontagemdevídeo.ARFintegrafrequentementeestagiárioscurriculares,tendoacordos
comváriasinstituiçõesdeensino.Aempresacontaaindacomoutroscolaboradorespontuais:cerca
de 15 realizadores, 2 argumentistas, 4 operadores de câmara, 4 operadores de áudio e 3
montadores.
3PALOP:PaísesAfricanosdeLínguaOficialPortuguesa.
6
A RF faz parte de um conjunto de 121 produtoras de cinema e audiovisual registadas no
Instituto do Cinema e doAudiovisual (ICA). De todas as produtoras registadas, cerca demetade
produzem cinemadocumental, constituindoummercadode concorrênciamais direta comaRF.
Nestemomento,oICAestáaapoiar9projetosdaRF,numconjuntodecercade300deváriasoutras
produtoras.Em2016,aRFfoiaempresaquerecebeuomaiormontantedeApoioàEscritaeao
Desenvolvimento de Obras Cinematográficas por parte do ICA, não tendo, no entanto, recebido
nenhum Apoio à Produção de Documentários Cinematográficos (embora tenha candidatado 7
projetos).Noentanto,nessemesmoano,aRFrecebeuumApoioàCoproduçãoInternacionalcomos
PaísesdeLínguaPortuguesaparaofilmeDesterrados,eumApoioàFinalizaçãodeObrasparaofilme
ACasa(2017).
Atualmente, a RF encontra-se a trabalhar em 25 projetos, em fases distintas de
desenvolvimento–escrita,rodagem,pós-produção,distribuição,inscriçãoemfestivais,etc.
I.2.Cronogramadeatividadeseprojetos
Asatividadesrealizadasduranteoestágiodesenvolveram-seentresetembrode2016e
janeirode2017,asaber:
1ªsemana(setembro,12-16)–contatocomosoftwaredeediçãoFinalCut;visionamentode
filmesproduzidospelaRFe,emespecial,aquelescomrealizaçãodeRuiSimões:Bompovoportuguês
(1980),DeusPátriaAutoridade (1976),OleAntónioOle (2013),Guerraoupaz (2012),EntreCenas
(2015).
2ªsemana(setembro,19-23)–organizaçãoecatalogaçãodematerialvideográficosobreZéda
Guiné,comvistaaumaposteriormontagem.
3ªsemana(setembro,26-30)–montagemdeumvídeosobreesculturasdeSílviaWestphalen,
EntrePedras,paratransmissãonumaexposiçãoemLima,noPerú.DigitaçãodecassetesDVCAM.
4ªsemana(outubro,3-7)–montagemdeumaintervençãodeRuiSimõesnaFNACdoColombo;
visionamentodefilmesproduzidosnaprodutora;leituras.
7
5ªsemana(outubro,10-14)–transcriçãodeumaentrevistaaorealizadorPauloCabralpara
umprojetodefilmagemsobreadançaquizomba;montagemdeprojetospessoais.
6ªsemana(outubro,17-21)–leituras;visionamentodefilmes.
7ªsemana(outubro,24-28)– iníciodeumamontagemvídeosobreoprojetoOConstrutor,
documentáriosobreomúsicoVictorGama.Trabalhodepesquisasobreomúsico;visionamentodo
materialfilmado.
8ªsemana(outubro,31–novembro,4)–continuaçãodovisionamentodomaterialfilmado.
Ediçãomulti-câmaradeumconcerto.
9ªsemana(novembro,1-11)–ediçãomulti-câmaradeumensaioeconcerto.
10ª semana (novembro, 14-18) – finalizaçãoda ediçãomulti-câmarado ensaio e concerto.
Visionamentoetranscriçãodostemasabordadosnasentrevistasjáregistadas.Preparaçãodeuma
listadeperguntasparanovaentrevista.
11ª semana (novembro, 21-25) – sincronização vídeo-áudio de material filmado (um
casamentomuçulmano)paraodocumentárioSãoprecisosdoisparacasar,deRuiSimões.Ajudana
preparaçãodoseteiluminaçãoparacaptaçãodeumaentrevista.
12ªsemana(novembro,28–dezembro,2)–organizaçãodenovomaterialfilmado(nodia25
deNovembro)noestúdiodomúsicoVictorGama,emSintra–catalogaçãodetemasecriaçãodeum
pequeno guião estrutural para um vídeo promocional. Sincronização vídeo-áudio dematerial de
pesquisa(entrevistas)paraodocumentárioSãoprecisosdoisparacasar,deRuiSimões.
13ª semana (dezembro, 5-9) – montagem de um pequeno vídeo (8') para promoção e
divulgaçãodofuturodocumentário,comofimdeobtençãodefinanciamento.
14ªsemana(dezembro,12-16)–finalizaçãodovídeo.Montagemdeumvídeoresumidodo
anterior(4').Exportaçãodostrabalhosrealizados.
(dezembro, 19-21) – ajuda namontagem de um vídeo promocional sobre o documentário
Desterrados,deYaraCosta,comofimdeobtençãodefinanciamento.
8
(janeiro,3)–montagemdeumShowreelcomresumodealgunsdostrabalhosdesenvolvidos
duranteoestágio.
NatabelaemAnexoIIestãodescriminadososprojetosemqueparticipei,asuanatureza,a
duração da tarefa desenvolvida em cada um deles e algumas imagens ilustrativas do
desenvolvimentodecadaprojeto.
I.3.OEstágio:experiência,aprendizagensedificuldades
DuranteostrêsmesesdeestágioquerealizeinaRF,desenvolviumtrabalhodirecionadopara
após-produçãodevídeo.Estiveenvolvidaempequenosprojetos,umavezque,nesseperíodo(entre
setembroedezembrode2016),amaioriadosprojetosparalonga-metragemseencontravamem
fasedeobtençãodefinanciamento.Noentanto,ofactodenãoteracompanhadoademontagem
de uma longa-metragem não impediu o desenvolvimento de outro tipo de trabalho na área da
montagemdevídeo.
Tendosidoumestágiodirecionadoparaamontagem,asaladeediçãofoiolocalondepassei
amaiorpartedotempo.Aolongodoestágioprocureiestarpresentenomaiornúmerodesituações
diferentesaquemefoipermitidooacessoe,emboranãotenhafeitoumregistodiário,fuianotando
semanalmente as atividadesemqueestiveenvolvida. Posteriormentedei-me contadequeuma
anotaçãodiáriaepormenorizadadasatividadesdiárias,assimcomodasconversasinformaisemque
participei,poderiatersidoumamaisvaliaparaesteestudo.Noentanto,omaisimportantearetirar
nãoserá tantooconteúdodessasconversas,massimas formasde interaçãoentreopessoalda
empresa.
Sendo uma empresa pequena e com poucos trabalhadores, o ambiente de trabalho
caracteriza-seporserrelativamentefamiliar.Emboramantendo-sesempreumclimaprofissional,há
espaçodeaberturaparatrocarideias,fazerperguntasoupedirajuda.Asrelaçõesinterpessoaiseo
mododefuncionamentodaprodutoraforamtalvezosaspetosquemaismesurpreenderam:naRF,
as formasde trabalhobaseiam-seem relaçõesde confiançae entreajuda, havendoumclimade
tranquilidadequepropiciaumótimoambientedetrabalho.
O estágio curricular incluiu várias fases: uma primeira, mais técnica, que passou por uma
familiarizaçãocomoprogramadeedição;umasegundafasedevisualizaçãodefilmes,comoobjetivo
9
deanalisarasformasdeabordagemdosdocumentáriosepercebersehaveriaalgumtipodepadrão
namontagem;umaterceira fasedeorganizaçãodematerialeposteriormontagemdepequenos
vídeos.Pontualmente, foram-mesendopedidospequenostrabalhoscomoasincronizaçãovídeo-
áudioouatranscriçãodeentrevistas.Nosmomentosemquenãotinhaqualquertrabalhodestinado,
dediquei-mea leiturasouaovisionamentode filmesquepudessemajudaràconcretizaçãodeste
trabalho.
Duranteoprocesso,tiveanecessidadedeconversarcomorealizadorRuiSimõeseomontador
FranciscoCosta sobrealgunsaspetosdamontagem.Paraalémdasquestões relacionadas como
funcionamentodoprogramadeediçãoFinalCut,questõescomoosprocessosdetrabalhoetécnicas
de montagem foram também abordadas. Apercebi-me da necessidade de fazer, para todos os
projetosemquemeenvolvimaisafundo,umtrabalhodepesquisa.Sódepoisdessetrabalhofoi
possívelavançarparaovisionamentodetodoomaterialeparaadefiniçãodeumaestruturade
montagem. Em grandes produções, essa pesquisa teria sido, em parte, assegurada pela pré-
produção.Noentanto,énaturalqueomontadorsintanecessidadedefazerasuaprópriapesquisa
parapodercompreendermelhorotemaquetememmãos.
ParamontarovídeopromocionaldofilmeOConstrutor,preciseidesabermaissobreotrabalho
domúsico VictorGama. Para alémdas informações que recebi do realizador, fiz também várias
pesquisas na internet, transcrevi os temas das entrevistas e listei a natureza das imagens;
posteriormente,estrutureiumguiãoquemepermitiuorganizaromaterial,tomando-ocomobase
paraumaprimeiramontagem(AnexoII).
Umadasmaioresdificuldadesquesentiduranteoprocessodemontagemfoiaescolhadas
imagenseotrabalhodesíntese,umadastarefasmaisimportantesdeummontador.Jánofimdo
estágio, foi-mesugeridoqueencurtasseovídeopromocionaldoprojetoOConstrutor, reduzindo
parametadeasuaduração inicial, comoobjetivodeopublicarnaplataformaVimeo.Durantea
tarefaforamsurgindoquestõescomoapertinênciadeusarumplanoemdetrimentodeoutroeonde
fazer o corte – aspetos que envolvem questões de ordem estética, formal, mas também
deontológica.
Emboraamaiorpartedotrabalhosejasolitário,ainteraçãocomorealizadorédeterminante
noprocessoeocupagrandepartedotempo.Procurei,emtodososprojetoseemconversacomo
realizador,perceberqualoobjetivodovídeo,qualamensagemquesepretendiatransmitir,aquem
10
eradirigido,quando,ondeecomoiriaserexibido.Foramasrespostasatodasestasquestõesque
guiaramoscaminhosdamontagem,porformaatransmitiramensagemdomodomaiseficaz.
Emboranãotenhatidoumaexperiênciaintensadediscussãodasopçõesdemontagemcomo
realizadorRuiSimões,apercebi-medeque,emprojetosdemaiorescala,essarelaçãotemqueser
muitopróximaemtermosdediálogo,ligaçãoecompreensãomútua.Aocontráriodoqueacontece
com outros realizadores, Rui Simões estabelece uma relação com os montadores baseada na
confiançadassuascapacidadescriativas.Noiníciodoprocessonãotransmitemuitasinformaçõesao
montador–oseumétodopassapordarespaçoetempoaomontador,proporcionandoumespaço
deliberdadefavorávelaoprocessocriativo.Sódepoisdeumaprimeiraversãodemontagem,essa
relaçãocomorealizadorsetornamaisvivanoquetocaàdiscussãodeideiaseopçõesdemontagem.
No documentário The Cutting Edge: The Magic of Movie Editing (2004), Steven Spielberg
defende que “Omontador temmais objetividade que o diretor, porque não esteve no set, não
escolheuoelenco,nãofezostoryboard,nãosedeixouenvolverporanoemeiodepré-produçãoe
produção.Oeditortemoolharmaisobjetivodentrodaqueleambientecriativo”.Essemuroentreas
circunstâncias da filmagem e o processo de montagem, proporciona ao editor um olhar mais
distanciado e realista sobre o filme, uma vez que não se envolveu afetivamente comnada nem
ninguém, e não predefiniu uma visão sobre o espaço de filmagem. A sua visão torna-se
absolutamenteneutra,abrindoespaçoparaumamaiorliberdadecriativaepermitindoaomontador
colocar-se apenas do lado do espectador. Considero este aspeto uma das mais importantes
aprendizagenssobreotrabalhodomontador.
De ummodo geral, não senti dificuldade em adaptar-me às regras nem aos processos de
trabalho.Aprecieioespaçoquemefoidadoparatrabalhar,umavezqueeraespaçosoeacolhedor.
Osprojetosquemeforamsugeridosforamdeencontroàquiloquetinhasidopropostoinicialmente.
Ainteraçãocomoscolegasdetrabalhofoi,noentanto,umdosaspetosmaispositivosaretirardesta
experiênciaeamaiorfontedeaprendizagem.
Numa fase final do estágio, apercebi-me de que outro dos ingredientes para o sucesso é
trabalhar com pessoas empenhadas na profissão, e não apenas movidas pela necessidade de
obtençãodelucroparaaempresa.ComomedisseumavezRuiSimões“Eunãopossodesistirdeum
filmesóporquenãotenhofinanciamentoparaele!”,oquedemonstramuitaresiliênciae,acimade
tudo,muitoamoràartedefazercinema.
11
II.MONTAGEMEDOCUMENTÁRIO
II.1.Asorigensdamontagemnocinema
OsprimeirosfilmesdosirmãosLumièretinhamcercadeumminutoeforamfilmadoscomuma
câmarafixa,emqueumúnicoenquadramentodavacontadatotalidadedacena.Amontagemera,
portanto, um terreno ainda pouco explorado que surgiu apenas quando começaram a aparecer
filmesdemaiorduração.
Écomamontagemquenasce,verdadeiramente,ocinema.Oprimeirotraçodamontagem
podesernotadoemDémolitiond’unmur(1896),deLouisLumière.Nofilmevemosummuroser
demolidoelogoaseguirapelícularodaaocontrário,voltandoaoiníciodofilme.Apesardesetratar
deummesmoplanorepetido,acolagemdeumaimagememmovimentoinvertidosurgecomoforma
deconstruirumnovosentido.
MaséGeorgesMéliès,ilusionistaecineastafrancês,quemmelhorsepodeidentificarcomo
pioneironaartedamontagem.Éumaavarianasuacâmaradefilmarqueofazdescobriropotencial
de ilusionismodo filme.Foiquandoa fitaencravouao filmarnaPraçadaÓperaemFrança,que
Mélièsdescobriuoefeitodetrucagem.Osaltocausadonaimagemfeztransformarumautocarro
numcarrofúnebre.Usandoocorte–quehojedesignamosporjumpcup–paracriarefeitosmágicos,
Mélièsintroduz-nosamontagemcomoelementoessencialnaconstruçãodesentidos.Foitambém
Mélièsquemintroduziutécnicasdemontagemcomoodissolve,fadeinefadeout.
Hoje,aideiadecontinuidadepareceintuitivaparanós,espectadoresassíduosdecinema.Mas
nosprimórdios,aquestãonãofoifácilumavezqueocinemaeraumaformaradicalmentediferente
deolharparaarealidade.Comofazercomqueoespectadornãofiqueperdidoquandosecortade
um plano para outro? As transições de tempo e espaço serão compreendidas? Estas foram as
preocupaçõesdosprimeiros cineastasdahistória,queviramamontagemcomoum instrumento
essencialparaaconstruçãodanarrativacinematográfica.
SãoEdwinPortereDavidGriffithquemestabeleceasbasescinematográficasemfilmescomo
TheGreatTrainRobbery(1903)eTheBirthofaNation(1915),respetivamente.Ocinemacomeça,
assim,aafastar-secadavezmaisdaartedoteatro,inovandonospontosdevista,enquadramentos,
escalaseângulos.Oestabelecimentodetécnicasdecontinuidadefoipermitindoumamaiorfluidez
ecoerêncianasnarrativascinematográficas.
12
ComofilmeLifeofanAmericanFireman(1903),Portersugereummecanismofundamentalna
narrativacinematográfica–amontagemalternada–,masfoiGriffithquemaprofundouestatécnica
emTheLonelyVilla(1909),tendosidoverdadeiramenteinovadoraoalternarplanosdetrêsações
paralelas,nãoligadasporumarelaçãodecontiguidadeespacial.Em1916,comIntolerance,Griffith
combinaquatronarrativasdiferentes,umaexperiênciamuitoinovadoraàépoca.
FoiEdwinPorterquemcompreendeuacapacidadedocinemaparacomprimirotempoatravés
docorte.EnquantoPorterfoioresponsávelpelaconceçãoinicialdacontinuidade,Griffithpercebeu
a importânciapsicológicadamontagememodernizouasferramentasnarrativasquePortertinha
desenvolvido.Griffithtrouxeparaocinemaasmaisdiversastécnicas,variandoasescalasdeplano
para criar impacto emocional, utilizando amontagem alternada entre os planos gerais,médios,
grandeplanoe inserts; introduziuoutrosmecanismosetécnicascomoopontodevistasubjetivo,
movimentos de câmara como o travelling, os flashbacks ou a regra dos 180 graus, que permite
manterumanoçãodecontinuidadeespacial.EmTheBirthofaNation(1915),Griffithapresentou
umacombinaçãodetodasastécnicascinematográficasquetinhainventadoequevieramaconstituir
importantescontribuiçõesparaoestabelecimentodeumalinguagemcinematográficauniversal.
Atéaosanos20ocinemaeramudo,oqueimpossibilitavaatransmissãodemensagenspela
palavradita.Aomesmotempo,essaimpossibilidadetécnicapermitiu,emgrandeparte,aceleraras
exploraçõeseestudossobreaimagemeamontagem.
Aestescineastasseguiram-seoutroscomoSergeiEisenstein,LevKuleshov,VsevolodPudovkin,
Aleksandr Dovhzenko e Dziga Vertov, importantes figuras da escola soviética, que viram na
montagemograndepoderdofilme.Envoltospelascircunstânciassociopolíticasdarevoluçãorussa
de1917, estes cineastas, e especialmenteEisenstein, olhavamparao cinema comoummeiode
comunicação de massas e um importante veículo de propaganda política. Em 1925, Eisenstein
escreve:“Nãonosénecessárioum«cine-olho»[comodefendiaVertov],masum«cine-punho».O
cinemasoviéticodeveracharcabeças!”(Eisenstein,1970,p.11).
Em1919,ocinemadaURSS4énacionalizadoeécriadaaprimeiraescoladecinemadomundo,
a Escola de Cinema deMoscovo (VGIK). Lev Kuleshov, cofundador da escola, desenvolveu uma
importante teoria sobre os efeitos psicológicos da imagem.O efeito Kuleshov caracteriza-se por
demonstrarquediferentesformasdeorganizarosplanosnofilmetêmdiferentesformasdeimpacto
4URSS:UniãodasRepúblicasSocialistasSoviéticas.
13
emocionalsobreaaudiência.Kuleshovestudoutambémacapacidadedetransformaçãodarealidade
espacial do filme. Ao colar imagens filmadas em locais e tempos distintos, apercebeu-se da
capacidadedeficcionargeografiascredíveisinexistentesnomundoreal(experiênciada«geografia
criativa»).Comestasduasexperiências,Kuleshovdemonstrouqueocinematemopoderdedirigir
emocionalmenteoespectadoretranscenderoespaçoeotempoatravésdamontagem.
SergeiEisensteinreutilizatécnicascinematográficasdeGriffithcomoaalteraçãodeescalasde
plano,comafinalidadedeincutiremoçãoaofilme.AcenadaescadariadeOdessaemOCouraçado
Potemkin (1925) é o exemplomais emblemático no que toca à alternância de escalas de plano,
inserts, pontos de vista, etc. Enquanto Griffith trabalha sobre a montagem invisível, Eisenstein
enalteceocorteereconheceopoderdamontagemnatransfiguraçãodarealidade.
Embora Eisenstein não se tenha concentrado tanto na teoria da montagem como no seu
exercício prático, conseguiu distinguir cinco diferentes métodos de montagem, numa escala
crescentedecomplexidadeepoderevocativo:amontagemmétrica,queestá relacionadacomo
comprimentoabsolutodosplanos;àmontagemmétricaacrescenta-seoritmointernodecadaplano,
dandolugaràmontagemrítmica;amontagemtonal,queestárelacionadacomaemoçãotransmitida
atravésdaorganizaçãodosplanos;amontagemharmónica,quetememcontaavarianteestéticado
filme;enquantoosprimeirosmétodossefocamnainduçãodeumarespostaemocional,amontagem
intelectual/ideológica tem como objetivo suscitar a criação de ideias abstratas. A montagem
intelectualérealizadacomrecursoaomaiscomplexodoscortes,naqualacolisãoentreasimagens
suscitaacriaçãodenovossentidos.
AocontráriodeKuleshov,Eisensteininteressa-sepeloconceitodecolisão,apoiadonoconflito
dialético.Eleconsideravaqueosignificadonãoestánasimagens,massimnacolisãoentreelas.Esta
eraa convicçãoclaradeEisenstein,quedefendiaque“...para compreenderomundo,épreciso
compreender os seus antagonismos (...) A montagem serve ao mesmo tempo para expor esse
conflito,paraoafirmar,eparaoassimilar,ouseja,paraoultrapassar”(Amiel,2010,p.54,55).
Paraalémdasreferênciasàscontradiçõesentreoproletariadoeaburguesia,Eisensteinentra
pelocampodacomunicaçãodeideiasabstratas.Épossívelencontrarexemplosdissoemtodaasua
obra,masaquidestacareiapenastrês:
1 –No iníciodeAGreve (1925)háuma sobreposiçãode vários animais selvagens (raposa,
macaco,coruja)comgrandesplanosdosespiõesdoregime(oudafábrica);aideiaé,aliás,reiterada
14
nofinaldofilme,quandoEisensteindescreveapolíciaquereprimeopovo–“Elescomportavam-se
comoanimaisselvagens”;
2 – Ainda em A Greve (1925), um dos donos da fábrica espreme o sumo de um limão,
esmagando-o;alternadamenteé-nosmostradooataquedeguardasacavaloaostrabalhadoresda
fábrica,sugerindooperigodeesmagamento;
3–EmOCouraçadoPotemkin(1925)oplanodeumcrucifixoéalternadocomodeumaespada
deumoficialdoestado,sugerindoumparalelismoqueexpressaarelaçãocorruptaentreaigrejaeo
estado.
Maistarde,emModernTimes(1936),CharlieChaplinfazumareferênciaàtécnicanarrativade
Eisenstein,colandoladoaladooperáriosdeumafábricaegadoovino,numefeitodemontagemque
denuncia uma clara crítica às formas de trabalho introduzidas pela industrializaçãonos «tempos
modernos».
EstaformademontagemévistaporEisensteincomoaformamaisrelevantedemontarum
filme,sendoconsideradaumaarmaparadespertaraconsciênciadapopulaçãorussa(nestaépoca
muito iletrada e vivendo na miséria), educar para o pensamento marxista e suscitar a ação
revolucionária.Paraalémdisso,Eisensteinrevolucionaalinguagemcinematográficaaodemonstrar
queocinemapodetransporarealidadeespácio-temporalecomunicarideiasabstratas.
DzigaVertovtambémdesempenhouumpapelfundamentalnocampodamontagem.Oautor
do famoso filmeManwithamovie camera (1929), olhouamontagemcomoprincipal elemento
definidordaartecinematográfica.Nestefilme,Vertovenalteceamontagemeexplicacomosefaz
um filme, comparando-o com outras atividades do dia-a-dia – liga a arte de coser à arte da
montagem,eoolhohumanoaodiafragmadalente.
Vertov(1970)identificava-secomorealizadordocinemaKinok,queoprópriodefiniacomoa
“...artedeorganizarosmovimentosnecessáriosdascoisasnoespaço,graçasàutilizaçãodeum
conjuntoartísticorítmicoconformeàspropriedadesdomaterialeaoritmointeriordecadacoisa”
(p.4).Vertovdavaprimaziaaomovimento,apreciandoabelezadomecânicoeatécnicadamáquina
–“Serumextratogeométricodomovimentoatravésdaalternânciacativantedasimagens,éoque
pedimosàmontagem”(Vertov,1970,p.4).Propunha-sefazerum“estudoprecisodomovimento”,
deixandoparasegundoplanoacomponentedanarrativafílmica.ParaVertov,sãoasinterseções–
“intervalos”–entreosplanosquerealmenteimportam,muitomaisdoqueoprópriomovimento
15
dentro dos planos. São essas “passagens de um movimento para o outro” que constituem o
verdadeiromaterialda“artedomovimento”–ocinema.Emmatériademontagem,Vertovesteve
muitoàfrentedoseutempo,introduzindonocinemamuitasdastécnicasdemontagemconhecidas
atéhoje.
Se até ao final dos anos 20 o cinema foi marcado por uma vasta experimentação das
possibilidades da montagem, os anos 30, 40 e 50 caracterizam-se por uma estabilidade e
conservadorismoartístico,umperíodoquesepodeconsiderarcomosendooperíodoclássicoda
montagem(sobretudonosE.U.A),“...emqueocinemasepreocupa,antesdemais,emescondera
montagem...”(Nogueira,2010,p.106).
Omomentodeviragemparaocinemamodernocarateriza-seporumaruturacomoscânones
damontageminvisível.Osestudoseavançosdossoviéticosviriamaserrefinadosnosanos60pela
nouvellevaguefrancesa,assimcomoemHollywood,pornovoscineastascomoAlfredHitchcock,que
incorporaramamontagemcomoumaimportantetécnicanarrativaparaosseusfilmes.
Osanos80sãomarcadosporumainfluênciadodiscursotelevisivonaestéticacinematográfica.
Ofilmepublicitárioeovideoclipveemproporumaestéticabaseadana“...economianarrativaao
níveldamontagem,sacrificandomuitasvezesoconteúdoemnomedaforma,criandoumalógica
estilísticaassentenosplanosrápidoseplasticamentesedutores”(Nogueira,2010,p.109).
Paraalémdastransformaçõesconceptuaissobreamontagem,aolongodahistóriadocinema
a montagem sofreu importantes transformações técnicas tanto no que toca ao suporte de
armazenamento–doanalógicoparaodigital–comonaformadeacessoaomaterialfilmado.
Emboraamoviolatenhasidoumdosprimeirossistemasdemontagemutilizadosnosanos20,
jáfuncionavasobumsistemadeacessonão-linear,permitindoumacessomaisrápidoaomaterial
pretendido.Nosanos30surgemnomercadoossistemasKEMeSteenbeck,quetinhamumsistema
demontagemeacessolinear,sistemanoqualéprecisopercorrertodaafitaemimagemacelerada
paraencontraromaterialpretendido.Aformadeacessonão-linearvoltaasernovamenteutilizada,
nosanos80,comosurgimentodosprimeirosprogramasdeediçãocomputorizados–oEditDroide
oMontage.Todavia,todosestessistemastinhamumsuportedearmazenamentoanalógico,uma
vezqueeratecnicamenteinviáveldigitalizarosfilmesparaosdiscosrígidosdaquelaépoca.Atéaos
anos80,ofilmeeraarmazenadoemdiscolaseroufitadevídeo,usando-seocomputadorapenas
paramanipularainformaçãosobreasimagensemontarofilme.Emfunçãodosavançostecnológicos
16
namemóriadocomputador,tornou-sepossíveldigitalizarasimagensdosfilmesdiretamenteparao
seu disco rígido. Surgiram, assim, o Avid e o Lightworks, já funcionando com sistemas de
armazenamentodigital.
Atransiçãoparaodigitalcomeçounofinaldosanos80,massóem1995seregistaumaefetiva
inversãodosnúmeros.Nesseano,onúmerodefilmeseditadosdigitalmenteigualouonúmerode
filmeseditadosemsuporteanalógico,registando-seapartirdaíumaumentoexponencialdonúmero
defilmeseditadosdeformadigital.Adigitalizaçãotrouxenovaspossibilidadesaoníveldamontagem,
abrindoespaçoparanovosdesenvolvimentoscriativos.
Estasmudançasnotipodesuporteenaformadeacessoaomaterialprovocaramimportantes
transformaçõesnoworkflowdamontagemdosfilmesenasformasdetrabalhodosmontadores.
II.2.Paraumadefiniçãodemontagem
“Amontageméaorganizaçãodiscursivadeacontecimentosou ideiasatravésdaescolhae
combinaçãodosplanos,tendoemvistadeterminadospropósitoseefeitosdiscursivos,sejam
elesretóricos,dramáticos,éticosouestéticos.Trata-se,pois,dedaràsimagens,aojuntá-las,
umsignificadoqueisoladamentenãopossuem.Ouseja:atravésdamontagem,oresultadoda
uniãodaspartesexcedeasuasimplessoma–elaajudaaperceberouconstituirotextofílmico,
portanto,comoumsistema.”(Nogueira,2010,p.94).
AideiaapresentadaporLuísNogueiraéumanoçãoestritaacercadamontagem,umavezque
oconceitoémuitoabrangenteecompreendemúltiplasformasdeinterpretação.Defacto,encontrar
umadefiniçãoúnicaeindiscutívelparamontageméumatarefadifícil,oumesmoimpossível.Existem
muitas definições sobre o tema e dependem da visão que cada um tem sobre a sua função e
importância.Vertov(1970),porexemplo,diziaque“...montarsignificaorganizaraspontasfilmadas
(asimagens)numfilme,(...)«escrever»ofilmeatravésdasimagensfilmadas”(p.23),ignorandoo
seupapelnarrativo.Mas,paraalgunsrealizadores,contarahistóriaéafunçãomaisimportanteda
montagem.Paraunseladevepassardespercebidanofilme,masparaoutrosasuapresençaétão
importantequeépropositadamentevisível.Jean-LucGodard,porexemplo,quebroucomtodasas
regrasdemontageminvisívelduranteoperíododanouvellevague.
17
Aolongodahistóriadocinema,muitasforamasreflexõessobreamontagem:LevKuleshov,
Sergei Eisenstein, Vsevolod Pudovkin, Dziga Vertov, Béla Balázs, Christian Metz, Gilles Deleuze,
MarcelMartin,AndréBazin,AndreiTarkovski,Pier-PaoloPasolinieJean-LucGodardsãoalgumasdas
figurasquesedestacamnestecampodeestudo,propondodiversasmodalidadesdemontageme
interpretaçõesacercadasuafunçãonocinema.
Geralmente,oespectadorcomumolhaparaamontagemcomoumelementodo filmeque
deve passar despercebido, de modo a que a ilusão de continuidade se mantenha (cinema da
transparência).Deumaformageral,diz-sequeumaboamontageméaquelaqueéinvisível.Em1948,
AlfredHitchcockrealizaRope,queseapresentacomosímbolomáximodessavontadedeocultara
montagem,poisécriadaailusãodequeofilmeéfeitocomumúnicoplano-sequência,quandona
verdadesãodezosplanos,mascortadosemmomentos-chave.Manwithamoviecamera(1929),de
DzigaVertov,éumexemplodiametralmenteopostoaestanoção,poisamontageméumelemento
postoanu,relembrandoaoespectadorqueestáaverumfilmeenãoaprópriarealidade.
Naverdade,nemsempreainvisibilidadedamontagemestádiretamenterelacionadacomo
cumprimento das regras de continuidade. SegundoWalter Murch, existem cinco critérios mais
importantesquesesobrepõemàpreocupaçãocomacontinuidadeespacial.ParaMurch,umbom
cortedeve,segundoumaescaladeprioridades:(1)fazerrefletiraemoçãodomomento,(2)fazer
avançaroenredo,(3)daroritmocertoàcena,(4)respeitaroalvodeinteressedoespectador,(5)
respeitarabidimensionalidadedoecrã,comaregrados180°,porexemplo,e(6)respeitarregrasde
continuidadeespacial. “Oprincípio geral éque, satisfazendo-seosprimeiros critériosda lista, os
problemasdosdemaistendemaserofuscados,sendoqueoinversonãoéverdadeiro”(Murch,2004,
p.30).Segundoestaconceção,oespectadortendeaignorarproblemasdeediçãorelacionadoscom
osúltimosaspetosdalista,dandoprioridadeaosprimeiros.Assim,nãoéprimordialqueamontagem
sejainvisível;interessa,sobretudo,queelatransmitaaemoçãocertaaoespectadoreque,mesmo
quandosesobressaicomoevidência,“façaverofilme”(MissirolicomoreferidoemSchiavone,2003).
NoseulivroNumpiscardeolhos,WalterMurch,apresenta-nosumavisãomuitopeculiarsobre
oatodemontarumfilme.Nestaobra,MurchreiteraumavisãojáantesdefendidaporJohnHuston,
sobrearelaçãoentreoatodecortareoatodepiscarosolhos.JohnHustondefendiaqueo“...filme
écomoopensamento.Detodasasartes,éamaispróximadoprocessodepensar”(comoreferido
emMurch,2004,p.64).Ocortefuncionanofilmetalcomoumpiscardeolhos:economizaoolhar
aoeliminarelementosquenãoprecisamosdeveremcontinuidade,poisjásabemosqueexistem;
18
pontuaopensamento,dandoinícioanovasideias–“Piscarosolhoséalgoqueauxiliaumaseparação
internadospensamentos...”(Murch,2004,p.66),efuncionadamesmaformaquandocortamosum
plano.Naverdade,quandocontamosumahistóriaaalguémfragmentamosumarealidadecontínua,
fazendopausas,descrevendosituaçõesoupessoas,talqualcomoofazamontagemdeumfilme.
Noquetocaàsfunçõesdamontagem,asinterpretaçõespodemserdiversas,masVicentAmiel,
noseulivroEstéticadaMontagem(2010),sintetizatrêsdiferentestiposdemontagem:anarrativa
quecontribuiparacontarahistóriacomrecursoaoestabelecimentoderelaçõesdecontinuidade
espácio-temporalentreasimagens;adiscursiva,queprocuraestabelecerrelaçõesdesentidoatravés
da união de imagens aparentemente desprovidas de correspondência; por fim, amontagem de
correspondências,quesurgecomoobjetivodesuscitaremoçõesnoespectador.Cadafilmepodeser
constituído por todos estes tipos de montagem e, por isso, consoante o propósito, elas
complementam-seeexercemdiversasfunçõesdentrodofilme.
Deformageral,amontagemobedeceaduaslógicas:adaplanificação,seguindoumalógicade
continuidade narrativa, e a colagem, seguindo uma lógica de rutura (Amiel, 2010). Como afirma
VicentAmiel(2010),“...aestéticadofragmentonãoéincompatívelcomumprincípionarrativo:é
muitasvezescomplementar”(p.51).Sãomuitasvezesutilizadososinserts–planosquerompema
continuidadeparacompornovasideiasesignificações,restituindoàmontagemopoderdeespoletar
areflexão.
Outroaspetoaconsideraréaimportânciadamontagemnoresultadofinaldofilme.Quandoo
montadorserelacionacomtodoomaterial filmado,aspossibilidadesdecorteecombinaçãosão
infinitas; diferentesmontadores combinariam de forma distinta osmesmos planos de um filme.
Assimseconcluiqueumamontagemdiferenteoriginaumfilmediferente.
Noentanto,enãoquerendoestabelecerumaposiçãoabsolutamenteradicalemrelaçãoao
valordamontagemnocinema,valeapenasublinharaimportânciadetodososoutrosfatoresque
estãoenvolvidosnaconcretizaçãodeumfilme–oargumento,arealização,aestéticadaimagemou
otratamentodotempodentrodoenquadramento,umaideiadefendidaporAndréBazinereiterada
porAndreiTarkovskinasuaobraEsculpiroTempo(1989),aoafirmar:“Nãoaceitoaideiadequea
montagem é o principal elemento formativo do cinema, como os protagonistas do cinema de
montagemdefendiam” (como referidoemNogueira,2010,p.122).De facto,os russos foramos
primeirosaentendere trabalhar comaspossibilidadesartísticasdamontagem,eosprimeirosa
19
definirsistematicamenteosseusprincípios.Noentanto,levaramlongedemaisoseuentusiasmopor
ela,considerandoamontagemcomoaúnicacaracterísticaimportantedocinema(Arnheim,1989).
II.3.Umavisãohistóricadodocumentário:nomundoeemPortugal
Sobpenadedeixarmuitosrealizadoresdefora,tentareidarumabrevenoçãogeralsobrea
evoluçãohistóricadodocumentário,nomundoeemPortugal.
Muitos consideram que o cinema dos irmãos Lumière é um marco para o princípio do
documentário.EmboraosLumièrenãosetenhamdadoconta,elesabriramcaminhoparamuitasdas
tipologiasegéneroscinematográficosquehojeconhecemos.Filmamomundodeformaingénua,
semnoçãodovaloreimportânciadoolharnocinema.Naquelaalturaprocuravamapenasregistar
imagensdoquotidianoemostraraversatilidadedainvenção.Essespequenosfilmesdeumminuto
sãooembriãodetodoocinemaenãoapenasdodocumentário.OquemotivouosLumièrefoiapenas
avontadedeexperimentaranovamáquina,eprovarasuacapacidadederepresentarorealatravés
domovimento.Naaltura,ospioneirosdocinemaestavamapenasfascinadoscomainvenção,ainda
semteremquaisquerpreocupaçõesdocumentais.
Noentanto,ogénerodocumentaldominouosprimórdiosdocinema,sendoNanookof the
North (1922),deRobertFlaherty,umdosmelhoresexemplos.Flahertyéconsideradooprimeiro
documentarista da história; com ele surgia uma vontade de perceber o outro, já sem nenhuma
inocêncianoolhar.
EmNanookof theNorth (1922), Flaherty deixa de lado a lógica danarrativa dos filmes de
viagemecomeçaadar relevoàpróprianarrativadodocumentário, centrando-anosseusatores
sociaiseacontecimentos,emvezdeacentrarnoviajante,sendoaordemdasimagensdiferenteda
ordemdaviagem.Organizou,pelamontagem,oseventosdavidadeNanookcombasenasestações
do ano, num olhar centrado no povo esquimó e nas suas vivências. O tempo é, portanto, uma
construçãodofilme.Todavia,eletinhaumavisãorealistadocinemaeutilizavaocorteapenaspara
sintetizarotempoenãoparacriarnovossentidos.
Flahertyfoiinovadorprincipalmentenoquedizrespeitoaométodo;viveumuitotempocom
osesquimós,percebendoquesóconseguiriafazerofilmeseestivessenolocal,eminteraçãocoma
comunidade.Percebeutambémqueodocumentárionãopodesercontruídoàpriori,esóseconstrói
20
depois de estarmuito tempo no local, a obter o feedback da comunidade. Esta sua abordagem
antropológicaestendeu-seàpreocupaçãodepreservarastradiçõesatravésdaimagem.
Decertomodo,emNanookoftheNorth(1922),Nanookeasuafamíliarepresentamtodaa
comunidade esquimó. Assim, Flaherty inicia uma forma de abordagem que denuncia um gesto
caracteristicamenteartístico–aabstração.ArriscariadizerqueFlahertyolhoudeumaformamais
humanaparaopovoesquimó,nãoosvendocomopeçasdomundoexóticolongínquaseestranhas,
masfilmando-asdeperto,numolharfascinadopelasformasdesubsistênciadessepovo.
Na União Soviética, nos anos 20, Dziga Vertov dava os primeiros passos para o
documentarismo.Consideradoumdosmaisimportantesdocumentaristasdahistória,Vertovcriou
uma sériededocumentários, que tinhamcomoobjetivo captaros aspetoseproblemasdanova
realidadesocialsoviética.AKino-Pravdaforamjornaiscinematográficosfilmados,aludindoaojornal
dopartidocomunistasoviéticoPravda(palavrarussaquesignifica«verdade»).
ParaVertov(1970),odocumentárioeraoúnicomeioválidodocinema,considerandoaficção
um“fenómenodeordemsecundáriateatral”.Eleafirma:“Nós,osKinoks,achámosconvenienteque
sequalifiqueocinemaautêntico,acemporcento,umcinemaconstruídosobreumaorganização
dosmateriaisdocumentaisfixadospelacâmara”(p.29).Emboradefendesseacausasocialista,Vertov
olhavaparaocinemadeformadiferente;aocontráriodeEisenstein,Vertov(1970)diziaque“...a
Kino-pravdanãoordenaqueavidasedesenroleconsoanteoargumentodoescritor,antesobserva
eregistaavidatalcomoé,sempretendertirarconclusõesdassuasobservações”(p.13),rejeitando
qualquerabordagemdemanipulaçãonarrativaouficcionaldasimagens.
Asuavisãodocinemaéconhecidapeloconceitodecine-olho(Kinoglaz),caracterizadopor
Vertov(1970)comoaquiloque“oolharnãovê”(p.7)esubentende“...tudooquepodeservirpara
descobriremostraraverdade”(p.8).ParaVertov,acâmaravêmaisdoqueoolhohumano(uma
visãoimpressionistapartilhadaporFlaherty)edáaohomemacessoaorealeàverdade.Vertovvia
amontagemunicamentecomoformadepôranuessaverdade,semaalterar–“Ocine-olhoéuma
cine-decifragemdocumentáriodomundovisível”(Vertov,1970,p.17).
Nos anos 20-30, um período tumultuoso marcado pelo interregno entre as duas grandes
guerras,abre-seumnovoespaçoparaaproduçãododocumentário.Écomaescoladocumentarista
inglesa,nosanos30,queodocumentárioseafirmacomoartecinematográfica.
21
FoiJohnGriersonquemprimeirocunhouotermo«documentário»,aocaracterizaro“valor
documental” do filmeMoana (1926), de Robert Flaherty. Grierson caracterizou o documentário
como um “tratamento criativo da realidade”, tendo presidido ao movimento britânico do
documentarismoduranteosanos30.Asuaconceçãododocumentárioestavaassociadaaoseupapel
socialepolítico.ParaGrierson,odocumentáriodeviaabordarosproblemassociaiseeconómicose
tinha a missão de apresentar soluções para esses mesmos problemas, constituindo-se como
instrumentodeutilidadepública.Griersonencabeçouomovimentoparaopatrocíniogovernamental
naproduçãodedocumentáriosnaGrã-bretanha,assimcomofezDzigaVertovnaUniãoSoviéticae,
maistarde,nosanos30,PareLorentznosEstadosUnidosdaAmérica.
Nahistóriadodocumentáriotem,também,umpapelimportanteodocumentaristaholandês
Joris Ivens.O iníciodasuacarreiraémarcadoporumaexperimentaçãosobreorealismo.Filmes
comoRain (1929) ou TheBridge (1928) sãomarca dessa experimentaçãodocumental e poética,
muito apoiada nas formas demontagem russa, no interesse pelomecanicismo emovimento da
imagem(Vertov).Denotarque Ivens fazoseupróprio“EstudodosMovimentos”,queé,aliás,o
nomedeumdosseusfilmesde1928.
JorisIvensapresenta-secomodocumentaristaquandosecomeçaainteressarpelosproblemas
sociais – comMisère au Borinage (1933) e The Spanish Earth (1937), por exemplo. A influência
marxistaeointeressepelosmovimentospolítico-sociaisidentificamoseucinemacomoumcinema
militante.Évistocomoumdocumentaristanómada,quenãoviajaporrazõesdeexotismo,massim
porrazõessociaisepolíticas.
Tantoofilmeexperimentalcomoodocumentáriotiveramumimportantepapelnahistóriada
evoluçãodamontagemcomoarte,poisnessesdoiscamposcinematográficoshaviamaisliberdade
criativa,umavezqueeram,deumaformageral,menoscontroladospeloscircuitoscomerciaisde
cinema.
Durante a Segunda Guerra Mundial o documentário adquire um valor propagandístico
importante,utilizadoespecialmentepelaAlemanhanazi,osE.U.A.eaInglaterra.
Ummarcomuitoimportanteparaaevoluçãododocumentáriofoiosurgimentodecâmaras
maislevesepequenas(anos60),comimagemesomsíncronos,facilitandoamobilidadeerapidez
noregistodosacontecimentos.Estaevoluçãotécnicainfluenciou,emuito,opercursodahistóriado
documentarismo.Atéessaalturaeradifícilgravarosomsemseremestúdio,poiseraprecisorecorrer
22
amaquinariamuitopesada.Surgem,então,osmovimentosdocinema-verdade(cinémavérité)em
Françaedocinemadireto(directcinema)nosE.U.A,defendendoaespontaneidadeeautenticidade
dofilme,utilizandocenárioseatoresdomundoreal.Entremuitosoutrosrealizadores,JeanRouche
FrederickWisemansãodoisnomesquemarcamesteperíodohistórico.
À facilidade técnica foi-se juntando a diversidade de temas passíveis de abordar,
especialmente devido aos climas liberais das sociedades ocidentais nos anos 70. Assim, o
documentáriofoiganhandonovasformaseexpandindo-seemtodasasdireções.
EmPortugal,ocinemae,comele,ointeressepelodocumentário,nasceupelasmãosdeAurélio
PazdosReis,umfotógrafoamadorportuense.Motivadopelavontadededocumentaroscostumes
dopovo,movia-oo espíritode repórter fotográfico,mas tambémo seuolharpolítico.Aurélio é
consideradooprimeirodocumentaristaportuguêsaorealizarofilmeSaídadoPessoaldaCamisaria
Confiança(1896),apontadocomooprimeirofilmeportuguês.
Desdecedo,ocinemaestevemuitoassociadoàvontadederetrataroreale,emparticular,os
contextossociaisetradiçõesportuguesas.Dá-secontadeumavontadederetrataraessênciadese
serportuguês.Osprimeiroscineastasportuguesesfilmavamvistasderuas,praçasdeLisboaePorto,
dançasregionais,feirasdegado,chegadasdecomboio,saídasdefábricas,etc.TiagoBaptista(2008)
defende que “Durante décadas, pareceu consensual que o cinema tinha que refletir sobre a
identidadeportuguesa,sobreahistóriaeaculturadopaís(…)Ocinematinhaquesero«espelhoda
nação»,ounãoteriarazãodeexistir”(p.9).Noprincípio,oconceitodedocumentáriocircunscrevia-
se, exclusivamente, ao registo do acontecimento, aproximando-se dos filmes de atualidades e
reportagensde informação.A faltadeestruturas técnicaseartísticas foi, também,um fatorque
potenciouoregistodorealemdetrimentodaproduçãodocinemadeficção.
Adécadade30constituiummarcoparaocinemanacionale,emparticular,paraahistóriado
documentário.Maisdoqueumsimplesolharparaoreal,osfilmescomeçaramaestabeleceruma
relação mais próxima com a realidade, comentando-a e interpretando-a de forma concreta,
revelandoumaintençãoartísticaeumolharmaishumanoesocialsobreostemas.Denotarque
ManoeldeOliveira,umdosmaisconceituadosrealizadoresportugueses,começouoseupercurso
cinematográfico ladoa ladocomodocumentário, sendoDouroFainaFluvial (1931)umdosseus
primeirosfilmes.
23
Nosanos60,osfilmesOsVerdesAnos(1963)eBelarmino(1964)inauguraramomovimento
do«cinemanovo».Ao contráriodos filmes antecedentes, emqueos indivíduos seencontravam
relativamenteintegradosnacomunidade,osprotagonistasdosfilmesdePauloRochaeFernando
Lopessãoindivíduosqueacidademarginalizou.Jaime(1974),deAntónioReis,étambémummarco
paraahistóriadodocumentárioemPortugal,sendoumpercursordestalinhadocinema.
Noperíodopós-25deAbril,apráticaartísticaeautoraldo«cinemanovo»foi,pormomentos,
interrompidapelascircunstânciaspolíticasquesetransformavamrapidamente.Acompanhandoessa
transformação,amaioriadosfilmesproduzidosforamideológicaemilitantementemarcados.Torre
Bela (1975),AsArmaseoPovo (1975)eDeus,Pátria,Autoridade (1976), sãoapenasalgunsdos
exemplos. Era preciso acompanhar de perto as circunstâncias históricas, com o “... objetivo de
catalisaras transformaçõessociaise ideológicasnecessáriasàRevolução” (Baptista,2008,p.86).
Vieram à superfície temas como a pobreza, o analfabetismo e o quotidiano de trabalho dos
portugueses, assim como filmesdocumentais sobre a revoluçãodeAbril, a reformaagráriaou a
guerracolonial.Énesteperíodoqueocinemadocumentalvoltaaadquirirumaimportânciamuito
significativa.
Face à desilusão generalizada com os insucessos da revolução, surgemmuitos filmes que
refletem uma crise identitária em relação ao país, sendo frequentes as histórias de indivíduos
desenquadradosdasuafamíliaetrabalho,personagenssemnorte,exilados,emigrantes,“...num
retratodopaísfeitoentrearepulsa,opessimismoeomaisprofundodesgosto”(Baptista,2008,p.
140).
O cinema português sentia, também, uma vontade de fugir à hegemonia do cinema de
entretenimentoestrangeiro.Domesmomodoquesetinhainiciadocomo«cinema-novo»durante
osanos60,surgeapartirdosanos80umanovavontadededevolveraopaísumaideiamaispróxima
darealidade,poisasformaspredominantesexcluíamasminorias.Nosanos90,algunsrealizadores
concentram-se no retrato do presente e da realidade portuguesa, ancorando-se no seu próprio
tempo–temascomoapobreza,odesemprego,aviolênciadoméstica,atoxicodependênciaoua
imigraçãosãoamplamenterepresentadosnesteperíododocinema.Impunha-seperceberquaisos
problemasreaisdopaís,quemeramafinalosportugueses,qualasuaessência.
Atecnologiadigitalfoi-seaprimorando,permitindoautilizaçãodecâmarasmaispequenase
leves, e suportes de gravação mais baratos. Este contexto tecnológico potenciou ainda mais a
produçãodedocumentários,tendo-seregistadoumboomdasuaprodução,tambémelemotivado
24
porumavontadecrescentedeolhardepertoarealidade.Éapartirdestaépocaquepassaaestudar-
seodocumentáriocomogéneroautónomonasescolasdecinema.
Apesardealgunsdosfilmesnãoseremcategorizadoscomodocumentários,sãoficçõescom
fortesbasesdocumentais.ÉocasodatrilogiadePedroCosta–Ossos(1997),NoQuartodaVanda
(2000)e JuventudeemMarcha (2006)–que retrataobairrodasFontainhas,vistocomoumdos
bairros problemáticos de Lisboa e habitadomaioritariamente por imigrantes cabo-verdianos. Os
filmes estão ancorados na realidade, uma vez que os intérpretes são habitantes do bairro e
interpretamassuasprópriashistóriasdevida,emboraficcionadasedramatizadasparadarlugarao
filme(talvezumaherançadoneorrealismoitalianoouatédorealismosocialdocinemadosirmãos
Dardenne).
Lisboetas(2004)éodocumentárioportuguêsmaisvistodesempre,sendoexemplardaquele
períododocinema.Umcinemapreocupadoemmostraraopúblicoumaideiaverdadeirasobrea
realidade,interessando-sepelasminoriasepelasnovasestruturassociaisdopaís.RuasdaAmargura
(2008),deRuiSimões,éumdocumentárioquesurgetambémnestalinha.
II.4.Paraumadefiniçãodedocumentário
“Designa-sepordocumentárioumamontagemcinematográficadeimagensvisuaisesonoras
apresentadascomoreaisenão-fictícias.”(Aumont&Marie,2009,p.79).
Odocumentárioégeralmentecaracterizadoporserumgénerocinematográfico,ladoalado
comodrama,acomédia,omusicalouothriller.Identifica-secomoumgénerodefilmequetempor
baseelementosdomundo real – imagens,pessoas, acontecimentos–eque temcomoprincipal
objetivorefletirsobreumdadoaspetodarealidade.
Deacordocomaconceçãodomovimentodocumentaristabritânico,aideiadedocumentário
é inseparável da ideia de género.Omovimento empenha-se emmarcar as fronteiras temáticas,
narrativaseestéticasqueseparamodocumentáriodorestodocinema,masestaéumalinhade
análisequeaquinãoireiaprofundar.
Num dos seus artigos, Manuela Penafria (2005) defende que “A constituição de qualquer
géneroé(comoemGrierson)maisautoritáriaquelibertadora,poisimplicaqueosfilmespartilhem
características” (p. 189). Na verdade, esta definição baseada no género tem-se mostrado algo
25
redutora.Aolongodahistóriadodocumentário,foramsurgindonovasformashíbridasresultantes
decruzamentosentreeleea ficção.Assistiu-se,porexemplo,aosurgimentodegéneroscomoa
docuficção ou o mockumentary/falso documentário. Perante a diversidade das formas do
documentário,percebemosqueécadavezmaisdifícilencontrar-lheumadefiniçãoúnica.
Manuela Penafria, no seu livro O filme documentário: história, identidade, tecnologia,
estabelece claramente três princípios definidores da identidade do documentário: “... a
obrigatoriedadederegistar/captarefazerusodeimagensobtidasinloco;aexploraçãodastemáticas
apartirdeumdeterminadopontodevista/abordagem;finalmente,exige-sequetodoequalquer
documentarista trate/apresente as imagens e /ou sons do filme com criatividade” (p. 16).Desta
análise se concluirá não poder coincidir o surgimento do cinema com o surgimento do filme
documental.Defacto,ospioneirosdocinemanãotrabalharamodocumentárionoseutodo,fizeram
apenas um registo de imagens reais, não trabalhando os outros aspetos definidores do cinema
documental.
Comoobjetivodedefinir as fronteirasdodocumentáriodeuma formamais sistemáticae
abrangente,BillNichols identificou seismodosde representação,quepodem também funcionar
comosubgénerosdodocumentário–poético,expositivo,observacional,participativo,reflexivoe
performático.Estasdiferentesformasdodocumentáriocaracterizam-sepelosseusdiferentesníveis
deintervençãoeformasdemanipulaçãodarealidade.Interessa-meabordarmaisemprofundidade
odocumentárioobservacionaleparticipativo,umavezquesãoosquemaisserelacionamcomo
contextodesteestudo.
Titicut Follies (1967), de Frederick Wiseman, é um exemplo excecional do documentário
observacional. Os acontecimentos do real são captados de forma espontânea, sem encenações
peranteacâmara(característicodocinemadireto).Wisemannãointervémnaação;levaacâmara
parasituaçõestensaseesperaqueoconflitoaconteça,pararegistaraemotividadeeodramada
cena.Nestetipodedocumentárionãohámúsicaforadadiegese5,nemsãoaplicadosoutrosefeitos
sonorosquenãoosdaprópriacena;nãoexisteorecursodesubtítulosexplicativosoureconstruções,
nem se recorre ao comentário voz-off. As entrevistas são também inexistentes, sendo dada
importância à ação real; a relação é diretamente estabelecida entre o espectador e a realidade,
5Diegese:Do grego diégesis,«narração», «conto»;realidadeprópriadanarrativa;diz-sequealgoédiegéticoquandoocorredentrodaaçãonarrativadoprópriofilme;nocinema,umamúsicaédiegéticaquandofazpartedahistória.
26
enquanto o realizador aspira à sua invisibilidade. Embora o seu gesto seja o de tentar eliminar
qualquertipodefiltrosderepresentação,issonuncaétotalmentepossível,poisorealizadorguia-
nossempreatravésdeumaformadeolhar,nemquesejaapenaspelaescolhaentreosplanosque
mostraeoculta.
Odocumentárioparticipativoobedeceaumconceitoopostoaodocumentárioobservacional;
MichaelMooreeWernerHerzogsãorealizadoresexemplaresdestegénero.Nestecaso,éessencial
ainteraçãododocumentaristacomouniversoabordado.Aqui,orealizadortorna-seumatorsocial
quasecomoqualqueroutro,etemalgumpoderparacontrolaroseventos;asuapresençacondiciona
aaçãoelevantaquestõesquenãoseriamlevantadassemasuainterveniência,especialmenteem
situaçãodeentrevista.A“verdade”éencontradaatravésdoencontroentreorealizadoreofacto
social.Estegénerodedocumentárioenquadra-senoqueEdgarMorineJeanRouchdefiniramcomo
«cinema-verdade», ao proporem um novo tipo de documentário em que os cineastas intervêm
diretamente no desenrolar do filme, passando do estatuto de autores ao de narradores e
personagens. A câmara é concebida como instrumento de pesquisa e revelação da verdade dos
indivíduosedomundo(Aumont&Marie,2009).
EmLoandBehold(2016),porexemplo,Herzogmanifestaasuaopiniãoatravésdasentrevistas
evoz-offeestápresenteatrásdacâmaradandooseucunhopessoaledefinindoorumodofilme;
elefazpartedahistóriaenãoéumapersonagemneutraneminvisível.Paraalémdisso,realizadoré
umcatalisadordasituaçãodecrise,medianteasuaintervençãoepresençanacena.HarlanCounty
(1976),vencedordoÓscardeMelhorDocumentárioem1976,édissoumexemploemblemático,pois
paraalémdeterhavidoconflitosentreoshomensdocapatazeascâmarasduranteasfilmagens,
acredita-se que se o documentário não tivesse sido realizado, osmineiros de carvãonão teriam
conseguidonegociarumcontrato.
Todavia,mais importantequeprocurarumadefiniçãoparaodocumentárioéperceberque
lugareleocupanocinema(Penafria,2005).
II.5.Montarumdocumentário
Da ideia à exibição, longo é o processode construçãodeumdocumentário. A duraçãodo
processovariamuitoemfunçãodanaturezadoprojetoedascondiçõesparaoseudesenvolvimento.
27
NaRF,porexemplo,umfilmedemorageralmenteentretrêsequatroanosaserconcluído,umavez
queosprocessosdedesenvolvimentodaideia,candidaturasepré-produçãosãofasesdemoradas.
Cathrine Kellison distingue cinco fases de produção de um produto audiovisual: o
desenvolvimentodaideia,apré-produção,aprodução,após-produçãoeadistribuição.Amontagem
fazpartedafasedepós-produção,juntamentecomoutrosprocessoscomoacorreçãodecoroua
ediçãodosom.Apesardeseseguiremcronologicamente,estasfasesnãosãototalmenteestanques,
poiséprecisotersempreemcontaasfasesanterioresdoprocesso.Napós-produção,porexemplo,
énecessáriovoltaraoiníciodoprocessoparareveraideiadoprojeto.Poroutrolado,amontagem
ocupa um papel fundamental não só na fase de pós-produção como também noutras fases do
processodeproduçãodeumfilme.
Defacto,asfasesdeproduçãodeumdocumentárionãosãotãolinearescomonumfilmede
ficção, caso em que os custos de produção são comparativamente mais elevados. Na RF, e
especialmentenocasodosdocumentários,asfasesentrecruzam-se,nãosendoorganizadasdeuma
forma cronológica e linear. A filmagem e amontagem são,muitas vezes, parte do processo de
pesquisa,ouseja,muitasvezeséprecisocaptarimagensjánafasededesenvolvimento,nãosópara
delinear uma ideia mais clara do projeto, como também para poder candidatar os filmes a
financiamento.Assim,muitasvezesosprocessosdapré-produçãotêmqueatuartambémdurantea
fasededesenvolvimentodaideia(obterautorizaçãoparafilmarnumcertolocal,porexemplo).Como
explicaRuiSimõesnumaentrevista:“Hojeemdiajáexigem,parafinanciamento,umaestruturacada
vezmaisorganizada...”,oqueobrigaaumarestruturaçãoosprocessosdetrabalho,pois“...quase
chegamosafazerofilmeprimeiroeareceberodinheirodepois.Queremqueapresentemosofilme
jáfeitonopapel,parapoderserfinanciado.Masumfilmenãosefaznopapel,umfilmefaz-secom
imagens”(RealFicção,2017).
Poroutrolado,amontagemdeumdocumentárioérealizadamuitasvezesaomesmotempo
darodagem,comoformadeeconomizartempo,masprincipalmentecomoformadeirpercebendo
queimagenspoderãofaltarouabrirumespaçoparaosurgimentodenovasideias,aindaduranteo
períododerodagem.Geralmente,emprojetosdeficção,estecruzamentoentreasfasesdeprodução
émenosnotório,umavezque,fechadooperíododerodagem,setornamuitodispendiosovoltara
filmar. Todavia, este cruzamentonãoé absolutamenteespecíficodosprojetosdedocumentário,
podendoacontecertambémnosprojetosdeficção–quandosemontaumacurta-metragempara
concorrerao financiamentodeuma longa,porexemplo.Denotarqueesteaspetonãoéomais
28
preponderante na diferenciação entre o documentário e a ficção. Na verdade, o que mais os
distingueéotipoderelaçãoquecadaumdelesestabelececomamontagem.
Existemalgumasdiferençassubstanciaisentreoprocessodemontarumdocumentárioeum
projeto de ficção. Ao contrário de uma produção de ficção, um documentário comportamuitas
variáveisincontroláveiscomoailuminação,osomouatéocomportamentodaspessoasfilmadas.
Muitasvezesosacontecimentosocorremapenasumavez,eaequipadefilmagemtemqueestar
bempreparada,poisémenoroespaçoparaerrar.A imprevisibilidadedurantearodagemdeum
documentárioémaiordoquenumaproduçãodeficçãoe,muitasvezes,amontagemtemquelidar
comeventuaisproblemasquetenhamsurgidodurantearodagem.
Amontagemdedocumentáriosexigemuita criatividadeporpartedomontador, pois, com
frequência, no documentário não existe um guião predefinido que guie o montador. No
documentário,arelaçãoentreorealizadoreomontadortorna-seaindamaisrelevantedoqueno
casodaficção,umavezqueomontadortemqueperceberqualofilmequeorealizadorquerfazer
(muitas vezes sem ter por base um guião escrito), sugerir ideias e ajudar a estruturar o filme.
Dependendodorealizadoredassuasformasdetrabalho,elepodeterumaideiamaisoumenos
definida sobre a estrutura do filme. Porém, pormuito planificada que ela seja, a estrutura só é
descobertarealmenteduranteoprocessodemontagem.Ementrevista,omontadordaRF,Francisco
Costa, defende a ideia de quemontar um filme é comomontar umpuzzle – “... não hámelhor
metáforadoqueadopuzzle,porque,namontagemestá-seaconstruiralgofeitodepeças.Mas,
enquantonopuzzlejátensaimagemfinaletensqueconstruiraquelaimagem,oqueéfascinante
namontagemdeumdocumentárioéquetunãofazesamínimaideianoqueéqueaquilovaidare
aimagemsósedescobrenofinal.(...)Aimagemjálaestava,numaespéciedevirtualidade,etuvais
atrás dela porque o material vai puxando numa determinada direção”. No documentário essa
imagemqueorealizadortemdofilmetemtendênciaasermaisabstratadoquenocasodaficção,
ondeaestruturajáestá,àpartida,maisaomenosbemdefinida.Nodocumentário,pelocontrário,é
omaterialfilmadoqueimpulsionaaorganizaçãoemontagemdofilme.Montarumdocumentárioé
umtrabalhoemconstantedesconstrução,emuitoraramenteaprimeiramontageméaquelaque
perdura,poisexistemuitaexperimentaçãoaolongodoprocesso.
Nãoépossíveldefinirtipologiasdemontagemespecíficasparaodocumentário.Osprocessos
delaboraçãovariammuito,dependendodaformadetrabalhodomontadoredorealizador,bem
como das condições e formas de desenvolvimento de cada projeto. No entanto, podemos aqui
29
sintetizaralgumasfasesespecíficasdoprocessodemontagemdeumdocumentário,aindaqueelas
não se sigamobrigatoriamente por esta ordem: primeiro, o trabalho de pesquisa sobre o tema,
visionamento do material (entrevistas, ação, material de arquivo), anotações e organização do
material; depois, a transcrição de entrevistas e organização por temas, delineamento de uma
primeiraestrutura, comrecursoaumguiãodeduascolunas (vídeoeáudio), construçãodeuma
primeiramontagem,experimentações,acertos,conversascomorealizadoreoprodutor,inclusãode
animações gráficas, fotografias, documentos históricos, etc., gravação de voz-off se existir,
incorporaçãodemúsicaeefeitossonoros,correçãodecor,projeções-teste,montagemdeumtrailer
eexportações.Geralmente,amisturadosomeacorreçãodecorsãorealizadasporprofissionais
especializadosnessasáreas,emtrabalhoconjuntocomomontador.
Comoreferi,estasfasesnãosãoestanquesnemdefinitivas.OmontadordaRF,FranciscoCosta,
por exemplo, trabalha segundo uma técnica própria. Em entrevista, Francisco explica que,
geralmente,nãoestruturaumguiãodemontagemnemtiraumaúnica“notanopapel”;aoouvir
todasasentrevistaseanotandoostemasfalados,elevaiorganizandoaestruturadiretamentena
timeline,econstruindoalinhanarrativacombasenosdepoimentosenaquiloqueasimagenslhe
vãosugerindoparaofilme.
Emboranãotenhadesenvolvidoumtrabalhomuitoaprofundadonocampodamontagemde
documentário, amontagem da promo do filmeO Construtor foi o processomais completo que
realizeiduranteaminhaestadanaRF.É,portanto,oprojetonoqualépossívelidentificarummaior
númerodasfasesdemontagemacimareferidas.OtrabalhodepesquisasobreomúsicoVictorGama
foi primordial, assim como as conversas realizadas com o realizador Rui Simões sobre o tema e
objetivos do vídeo; seguiu-se o visionamento de todo omaterial fílmico e a sua organização, a
audiçãodasentrevistas,aorganizaçãoportemaseaconstruçãodeumguiãodemontagem;para
conferirumritmoàmontagem,foramutilizadasmúsicaspertencentesànarrativa(dosconcertosde
VictorGama);porfim,houvealgumtrabalhodenivelaçãodeáudioecorreçãodecorbásica.
Geralmente,omontadordedocumentárioprocuraestreitararelaçãoentreoespectadorea
realidade, recorrendoàutilizaçãodeplanos-sequência, às entrevistasouà ediçãopor evidência,
ilustrandocomimagensaquiloqueédito(Nichols,2001).Todavia,osvestígiosdemecanismosde
montagemcaracterísticosdaficçãocoexistem,impedindoqualquertipodecategorizaçãorigorosa
relativa às formas de montagem de um documentário. Este tópico será abordado mais em
profundidadenopróximocapítulo.
30
III.DOCUMENTÁRIO:REALOUFICÇÃO?
III.1.EspecificidadesdosdocumentáriosRealFicção
EmboraosdocumentáriosdaRFsejamproduzidospordiferentesrealizadoresemontadores,
épossívelencontrarumacertahomogeneidadenasformasdeabordagemdosfilmes;existem,pois,
algunstraçoscomunsnosfilmesproduzidospelaempresa.Defacto,parecehaverumasemelhança
nos modos de olhar os temas, nas abordagens de realização e nas formas de montagem dos
documentários.
UmdosaspetosquemelhordefineocinemaquesefaznaRFéapreocupaçãocomostemas
político-sociaiseostemasculturaiseartísticos.Osfilmesnuncasedissociamdeumavisãopolítica,
emboraessavisãonãoestejadiretamenteespelhadanosfilmes(sendoraraautilizaçãodevoz-off,
por exemplo), mas sim nas suas formas de abordagem – escolha dos entrevistados, dos
acontecimentosfilmados,dosenquadramentos,damúsicaescolhida,etc.Emboraopoderdecontar
ahistóriaestejamaioritariamentenamãodosentrevistados,estáinevitavelmentepresenteaforma
deolhardorealizador.NosfilmesdaRF,mesmoqueotemaestejamaisrelacionadocomomundo
dasartes–comoemOleAntónioOle(2013)–emenospoliticamentecarregado–comoemQuem
Vai à Guerra (2011) –, emerge sempre uma preocupação político-social. Histórias que retratam
pessoasouacontecimentosnotáveisdomundodasartes(música,teatro,cinema,escultura,dança,
pinturae fotografia)deixam transparecerumolharpolítico,quevalorizaa importânciadasartes
(EnsaiosobreoTeatro,OleAntónioOle,LuzTeimosaouEntreCenas),daculturaedastradições(Kolá
SanJonéFestadiKauBerdiouAltoBairro).
UmdostraçoscomunsmaisimportantesdocinemaproduzidopelaRFéapresençadeumforte
sentidoderealismo.Aqui,amontagemtemumpapelimportante,nãosónaestruturaçãodeumfio
condutorparaahistória,comonacapacidadedeconferirrealismoaodocumentário.Esserealismo
éencontradoaoposicionarodocumentárionumespaçointermédioentreométodoobservacional
eoparticipativo,namedidaemqueseobservaarealidadedeformaespontâneaesemencenações,
levandoacaboentrevistas,masnãointervindonodecursodahistóriadeformademasiadointrusiva
emanipuladora.
Érecorrenteautilizaçãodeentrevistasquedãoumaestruturaaosfilmes,queseconstroem
maioritariamente com base nos depoimentos que vão sendo recolhidos – à semelhança do que
poderáteracontecidonamontagemdofilmeHuman(2015),deYannArthus-Bertrand.Paraalém
31
disso,denota-seumladohumanistanaformadeolhar,ouseja,umavisãofocadanoserhumano,
nosseusrostoseexpressões.Nesteâmbito,amontagemassumeumpapelfundamental;asemoções
sãovalorizadaseaspausasesilênciosdodiscursotambémcomunicam.Escolhernãocortaresses
momentosétambémumaimportantefunçãodamontagem(Murch,2004).
Odesejo de verdade começana forma comoé dirigida a entrevista, colocando a pessoa à
vontadenoseupróprioespaço,perfeitamenteintegradanoseumundo,esemaretirardele–Victor
Gama fala sobreo seu trabalhoenquanto fazo café.Ométodopassa tambémpordar tempoe
liberdadedefalaraosentrevistados,umaabordagemquereduzoconstrangimentodoentrevistado
eaartificialidadedoseudepoimento.
Existemmuitasoutrasmarcasdorealismo.Sãocomunsasimagensdanatureza,daspaisagens
edomeioenvolvente;autilizaçãodemúsicaésempremuitocomedida,sendoutilizadaapenaspara
pontuarmomentosdahistória;ainclusãodefotografiasantigasparailustraropassadoeamemória
sãotambémformasdechegaromaispróximopossíveldarealidade–nofilmeACasa(2017),alguns
elementosdasfotografiasatéganhammovimento!
Interessante notar que o realismo transposto para os documentários da RF poderá estar
relacionadocomapaixãodeRuiSimõespeladançae,emespecial,peladançacontemporânea.Em
contrastecomadançaclássica,osurgimentodadançacontemporâneaéassociadoàreivindicação
de uma representação da vida real, devolvendo ao corpo o realismo do seu comportamento e
movimento. Para além disso, a prática da dança, tal como a prática da montagem, implica um
trabalhorelacionadocomomovimento,oritmoeaemoçãotranspostospelasimagensdocorpoe
doreal.
Essedesejoderealismoétalqueseestendeàassunçãodomecanismodocinema.Nofinaldo
filmeOleAntónioOle(2013),RuiSimõesmostra-nosamáquinadocinemaatrabalhar,enofinalde
Entrecenas(2015),oolharapaixonadodorealizadorJoãoBotelho,quandoobservaarodagemdo
seufilme;damesmaforma,emBafatáFilmeClube(2012),oprotagonistapeganumnegativode
filme(fazendolembrarManwithamoviecamera).Ogestoéummistoentreofascíniopelocinema,
avontadedemostraroreale,aomesmotempo,delembraraoespectadorqueestáaverumfilme
que,porissomesmo,nãocorrespondeinteiramenteaoreal.
32
III.2.Documentarismo:entreorealeaficção
“...documentaryisnotareproductionofreality,itisarepresentationoftheworldwealready
occupy.”(Nichols,2001,p.20).
Quandosurgiu,ocinemafoi,comoafotografia,umarevelaçãodevidoàsuaincrívelfidelidade
paracomarealidade;omovimentofoiumdosfatoresquepotenciouessaimpressãovivadereal.
Aoolhardiretamenteparaarealidade,odocumentárioévistocomoasuamelhorinterfacecomo
cinema.Defacto,aimagemdeacontecimentos,pessoasetestemunhosreaisdãoaoespectadoruma
ilusãodeestarperanteaverdadesobreosfactos.Mecanismoscomooplano-sequência,airrupção
in media res na vida das pessoas ou o caos da realidade dado pela montagem aparentemente
desordenadadosacontecimentos,sãoformascinematográficasdeconstruirumamarcadoreal.
Existem duas formas de olhar para o modo como o cinema nos dá acesso à realidade: o
paradigmarealista(AndréBazineSiegfriedKracauer)eoformativo(RudolfArnheimeBélaBalázs).
Osautoresrealistasolhamocinemacomoespelhodarealidade,comacapacidadedeareproduzir
objetivamente;oparadigmaformativo,pelocontrário,defendequefilmararealidadetalcomoela
é,nãoéarte,eocinemaéarteexatamenteporquenãoécópiadoreal.
Aocontráriodoquesepossapensar,amontagemnãotrabalhanodocumentárioapenasno
sentidodemanterumaligaçãofielàrealidade–característicadominantedareportagemtelevisiva.
Asuafunçãovaimuitoparaalémdisso.Numaentrevista,RuiSimõesafirmaque“Nosdocumentários
também transformamos a imagem para transmitir uma sensação específica ao espectador. Há
sempreumirrealismonaimagem”(RealFicção,2017).Esseirrealismoédado,nãosópelasescolhas
de realização (estabelecimentodeenquadramentosepontosdevista,porexemplo), comopelas
escolhasdamontagem(organizaçãodiferentedotempoeespaçoouautilizaçãodemúsicanão-
diegética,porexemplo)quediferemdoreal.
Sendoqueodocumentáriotambémécinema,comotodaaarteéumarepresentaçãocriativa.
Montaréumatodedesconstruçãodarealidadequetemcomointuitotransmitiralgoaoespectador
–umamensagemouapenasumaemoção.Emúltimocaso,amontagemtematéopoderdeconstruir
umarealidadetotalmentenova,dependendodoníveldemanipulaçãodarealidadedofilme.
33
Estareflexãoleva-nosaconstatarqueasfronteirasentreorealeaficçãoestão,nocinema,
muito esbatidas. Existem cruzamentos entre o documental e a ficção nos dois sentidos –
documentárioscomindíciosdaficçãoefilmesficcionaiscomvalordocumental.
Asfamosas«falsidadesdeFlaherty»sãoexemplificativasdestaintersecçãoentrearealidadee
aficção.EmNanookoftheNorth(1922),Flahertyencenareconstruçõesdeacontecimentosquetinha
anteriormentepresenciadoeregistaatividadesjánãopraticadasporaquelageraçãoesquimó,mas
aindavivasnasuamemória.Apesardisso,tudoeraverdadeporquetudoresultavadaexperiência.A
“pureza”dodocumentárionuncaexistiu.EmMisèreauBorinage(1933),porexemplo,Joris Ivens
pediu que se encenasse uma manifestação que tinha acontecido, mas que ele não tinha tido
disponibilidadeparapresenciar.SemelhantecasoocorreucomofilmeTorreBela(1975)–revisitado
porJoséFilipeCostanofilmeLinhaVermelha(2011)–noqualapresençadacâmarainfluenciou,de
algumaforma,odesenrolardosacontecimentosreais,elespróprios intensificadospeloconflitoe
dramatismoqueThomasHarlanlhesacrescentou.
Paraalémdoseupoderdemanipularemmaioroumenosgrauarealidade,odocumentáriofoi
inundadopormétodoscaracterísticosda ficção,ou seja, foibeberàs técnicasdestory-tellingdo
cinema clássico (inicialmente concebidas para a ficção), como são a edição paralela, a estrutura
narrativa problema-conflito-solução ou as técnicas de continuidade da ação. Para além disso, o
documentário,comotodaaarte,temoseuladosubjetivoesimbólico,eprocurairparaalémdo
sentidoapenasdenotativodas imagens–“Aexploraçãodoseu ladoconotativoéoquedemais
importanteodocumentário imprimenas imagensqueutiliza” (Penafria, 1999, p.23). Sendouma
“representaçãodomundo”(Nichols,2001),odocumentárioaproxima-sedosvaloresdaficção.
Poroutrolado,ovalordocumentalnãoéespecíficododocumentário,masestápresenteem
todo o cinema. Bill Nichols, no início do seu livro Introduction to Documentary (2001), deixa
claramenteessaideiaexpressa:“Everyfilmisadocumentary.Eventhemostwhimsicaloffictions
give evidence of the culture that produced it and reproduces the likenesses of the peoplewho
performwithinit”(p.1).
Existemmuitosfilmesficcionaiscomumaqualidadedocumental–osfilmesdoneorrealismo
italianodosanos50talvezsejamoexemplomáximo.Históriascombasesreaiscomdiferentesníveis
deficcionalização–deTitanic(1997)eCapitãesdeAbril(2000),históriasbaseadasemfactosreais,
aDoisdias,umanoite(2014)eSãoJorge(2016),históriasfortementeinspiradasemcontextossociais
verídicos.JFK(1991),deOliverStone,éumdosexemplosmaisemblemáticosdocasamentoperfeito
34
entreodocumentaleoficcional,umavezque,duranteofilme,émuitasvezesimpossíveldistinguir
asimagenspertentesacadaumdosmundos.
Todoocinemaseconstrói combasesmaisoumenos firmesemelementosda realidadee,
comodefendeRuiSimõesnumaentrevista,“...nãohácinemadocumentalecinemadeficção,há
cinema.(...)NãoéporacasoquetenhoumaprodutorachamadaRealFicção,porquemeencontro
semprenomeiodestagrandelutaentreorealeoficcional”(RealFicção,2017).Sobreesteassunto,
RuiSimõesmanifestaaindaumaideiainteressante:“Apreocupaçãododocumentaristaéchegarà
ficção–elequer,apartirdarealidade,construirumaficção,ouumaproximidadedeficção.Háuma
espéciedecontradição,masémesmoassim.Oficcionista(...)querconquistaroespectadorpara
pensarqueéverdade,queéreal”.Doisexemplosmuitoclaroseantagónicossãoosrecentesfilmes
ACasa(2017),deRuiSimõeseFátima(2017),deJoãoCanijo.EmACasa,emboraotemaretratado
sejareal,existeumapartedofilmequeérepresentadaporatores,numgénerodereconstituição
dosfactosesituaçõesreaisdaCasadosEstudantesdoImpério.Pelocontrário,Fátima,emboraseja
representado por atrizes, foi um filme que implicou muito trabalho de pesquisa documental,
observação participante nos contextos reais e, para além disso, é filmado como se fosse um
documentário, utilizando métodos de filmagem característicos do filme documental; essa
aproximaçãoaofalsodocumentárioéumdadointeressantenamedidaemquerevelaumavontade
dechegarcadavezmaispertodoreal,aocontráriodeACasa,quepareceaspiraràficção.
A reflexão põe em causa todas as categorizações que dividem o cinema entre ficção e
documentarismo,levando-nosaolharocinemacomoumtodo.
35
Conclusões
“Acimadetudoamoamontagem.Éacoisamaispróximadaideiadeumlugarondesefaz
trabalhocriativo.”(KubrickcomoreferidoemSchiavone,2003,p.3).
Comesterelatóriodeestágiopropus-meestudaraevoluçãohistóriaeteóricadostemasda
montagemedodocumentário,refletirsobreopapeldamontagemnocinemae,emespecial,no
documentário.
Atualmente,somosherdeirosdeumaformafragmentadadeolharomundo;tudoànossavolta
é construído por peças e pela relação que estabelecem entre si. No cinema, a montagem dos
fragmentosfílmicosadquireumpapelfundamentalnoprocessoaudiovisual–omodocomoestão
ligadososfragmentoseanaturezadasuainter-relaçãoéoquedáformaaofilme.
Noquerespeitaaodocumentário,umadasconclusõesmais importantesaretiraréqueele
nuncaestáisentodeumaformadeolhar–comoafirmaBillNichols(2001),“Documentaryflourishes
whenitgainsavoiceofitsown”(p.85).Todavia,oquefazumfilmedocumentalnãoéapenasa
montagem;atuamdeigualformatodososoutrosfatoresqueaantecedem,comooargumentoea
realização.Emboraofilmenãosejaconstruídoapenasnamesademontagem,elaassumeumpapel
preponderantenasuaconstruçãofinal,noestabelecimentodeumpontodevistasobrearealidade,
naconstruçãodesentidosenodesencadeardeemoções.Opoderdamontagemamplia-sequando
écapazdemodificaraideiaqueoespectadortemacercadarealidade.Partindodaexperiênciade
trabalho na Real Ficção, é possível perceber que o montador tem um papel decisivo, tanto no
estabelecimentodeumaestruturaparaodocumentário,comonadefiniçãodasua“vozprópria”.
Defacto,nofilmedocumentalamontagemtemumpapelaindamaispreponderantedoque
nofilmeficcional.Amontagemdocumentalimplicaumtrabalhoredobradoumavezqueraramente
existeumargumentopré-definidoqueorienteotrabalhodomontador.Nodocumentáriohámais
espaçoparaaexperimentação,umavezqueamontageméguiadaemgrandepartepelanatureza
dasimagens;nodocumentário,a“imagemvirtual”inicialquetemosdofilmeémuitomaisindefinida
doquenaficção,havendoumaprocuraconstantedaimagemfinaldo“puzzle”fílmico.
Poroutro lado,continuarafalardedocumentárioeficçãodeumaformamuitoestanquee
dualistadeixoudefazersentido.Emmaioroumenorgrau,todoocinematemumabasedocumental.
36
Peranteaevoluçãodasformasdefazercinema,percebemosqueestasfronteirasestãoindistintas,
cruzando-senoamploespaçoqueéocinema.
Umestudoestritamenteteóricoeformalsobreotemadamontagemnãobasta,umavezque
esteéumcampoemqueaaçãoeaexperimentaçãotêmumpapelfundamental.Talvezporessa
razão,umestágiocurriculartenhasidoaopçãomaisviávelparaaprofundaroconhecimentosobrea
montagemeodocumentário.Astécnicasdemontagemestudadasnãofornecemfórmulasuniversais
paramontaros filmespois, comonadança, sóseaprendeamontar,montando...!Montaréum
trabalhodepaciênciaqueimplicaestarconstantementeatomardecisões,voltaratráspararever,
andarframe-a-frameparafazeromelhorcorte.Essetrabalhodeminúciapodetornar-seentediante,
masémuitasvezescompensadopelosmomentosde«eureka»,quandoumasequência,umcorteou
umacomposiçãodeimagensparecemfazertodoosentidoparaofilme.Montarumfilmeimplicaum
conhecimentodasregrasdecontinuidadeeumfortesentidodeorganização,mastambémalguma
sensibilidadeeintuição,algoquenãovemnoslivrosesópodeseraprendidocomaprática.
37
BibliografiaArtigos:
Canelas, C. (2010). Os fundamentos históricos e teóricos da montagem cinematográfica: oscontributos da escola norte-americana e da escola soviética. Biblioteca online de Ciências daComunicação,Lisboa:InstitutoPolitécnicodaGuarda.
Eisenstein,S.(1970).S.M.Eisenstein:sobreaquestãodeumaaproximaçãomaterialistadaforma.Cahiersducinémanumérospécial–Russieannéesvingt,Maio-Junho(220–221).
Penafria,M.(2005).Ofilmedocumentárioemdebate:JohnGriersoneomovimentodocumentaristabritânico.CiênciasdaComunicaçãoemCongressonaCovilhã,EstéticaeTecnologiadaImagem,1,185-195. Disponível em: http://www.bocc.ubi.pt/pag/penafria-manuela-filme-documentario-debate.pdf
Ramos, F. P. (2011). A ‘Mise-en-scène’ do documentário. Cine Documental, 4. Disponível em:http://www.iar.unicamp.br/docentes/fernaoramos/20Mise-en-SceneSiteCineDocumental.pdf
Rapazote,J.A.D.O.G.(2007).TerritóriosContemporâneosdoDocumentário(OCinemaDocumentalemPortugalde1996àActualidade).DOCOn-line:RevistaDigitaldeCinemaDocumentário,(2),149-150.
Revista Universitária do Audiovisual (2010). O Contraste entre o Formalismo de Eisenstein e oRealismo de Bazin. Disponível em: http://www.rua.ufscar.br/o-contraste-entre-o-formalismo-de-eisenstein-e-o-realismo-de-bazin/
Vertov,D. (1970).DzigaVertov: textos emanifestos.Cahiers du cinémanuméro spécial– Russieannéesvingt,Maio-Junho(220–221).
Livros:
Almeida,M.F.(1990).Cinemaetelevisão:princípiosbásicos.Lisboa:EdiçõesTVGuia
Amiel,V.(2010).EstéticadaMontagem.Lisboa:EdiçõesTexto&Grafia
António,L.(1998).AmemóriadasSombras:escritossobrecinemaeaudiovisual.Porto:CampodasLetras.
Arijon,D.(1991).Grammarofthefilmlanguage.LosAngeles:Silman-JamesPress.
Arnheim,R.(1989).Aartedocinema.Lisboa:Edições70.
Aumont,J.&Marie,M.(2009).DicionárioteóricoecríticodoCinema.Lisboa:Texto&Grafia.
Baptista,T.(2008).Ainvençãodocinemaportuguês.Lisboa:EdiçõesTintadaChina.
38
Barnouw, E. (1993). Documentary: a history of the non-fiction film (2ª ed.). New York: OxfordUniversityPress.
Chabrol,C.(2010).Comofazerumfilme(2aed.).Lisboa:D.Quixote.
Dancyger,K.(2007).Técnicasdeediçãoparacinemaevídeo:história,teoriaeprática.RiodeJaneiro:Elsevier
Eisenstein,S.(1961).Reflexõesdeumcineasta.Lisboa:Arcádia.
Francés, M. (2012). La producción de documentales en la era digital: modalidades, historia ymultidifusión.Madrid:Cátedra.
Hayward,S.(2000).Cinemastudies:thekeyconcepts(2ªed.).London;NewYork:Routledge.
Kellison,C.(2009).ProducingforTVandnewmedia:areal-worldapproachforproducers(2ªed.).Amsterdam;Boston:Elsevier/FocalPress.
Murch,W.(2004).Numpiscardeolhos:aediçãodefilmessobaóticadeummestre.Disponívelem:https://oooeditor.files.wordpress.com/2010/07/murch_walter_-_num_piscar_de_o.pdf
Nichols,B.(2001).Introductiontodocumentary.Bloomington:IndianaUniversityPress.
Nogueira, L. (2010). Manuais de cinema III: Planificação e Montagem. Disponível em:http://www.labcom-ifp.ubi.pt/ficheiros/nogueira-manuais_III_planificacao_e_montagem.pdf
Penafria,M.(1999).Ofilmedocumentário:história,identidade,tecnologia.Lisboa:EdiçõesCosmos.
Rabiger,M.(1998).Directingthedocumentary(3ªed.).Boston:FocalPress.
Ribeiro,M. F. (1974). Subsídios para a História do Documentarismo em Portugal: no presente aimagem do passado. Lisboa: Ministério da Educação Nacional – Direcção-Geral da EducaçãoPermanente.
Schiavone,R.(2003).Montarumfilme.Avanca:EdiçõesCine-ClubedeAvanca.
Teses:
Castilho,N.T.D.(2011).Falsodocumentário:montarentreficçãoefacto(TesedeDoutoramento).EscoladasArtes–UniversidadeCatólicaPortuguesa,Porto.
Penafria,M.(2005).Odocumentarismodocinema–Umareflexãosobreofilmedocumentário(TesedeDoutoramento).UniversidadedaBeiraInterior–FaculdadedeArteseLetras,Covilhã.
Soares,S.J.P.(2007).DocumentárioeRoteirodeCinema:dapré-produçãoàpós-produção(TesedeDoutoramento).UniversidadeEstadualdeCampinas–InstitutodeArtes,Campinas.
39
Vídeos:
BAFTAGuru. (2013, Setembro20).WalterMurch:OnEditing [ficheiro emvídeo].Disponível em:https://youtu.be/WcBpXLNmS3Q
DepartamentodeCinemaeArtesdosMedia–UniversidadeLusófona(2013)JoãoBraz[ficheiroemvídeo].Disponívelem:http://cinemaeartes.ulusofona.pt/pt/lessons/344-joao-braz.html
Egito, S. (2015, Janeiro 13).Griffith e aMontagem na Linguagem Cinematográfica [ficheiro emvídeo].Disponívelem:https://youtu.be/c_TzhNcxrZ0
EveryFrameaPainting.(2016,Maio12).HowDoesanEditorThinkandFeel?[ficheiroemvídeo].Disponívelem:https://youtu.be/3Q3eITC01Fg
FilmmakerIQ.(2014,Fevereiro12).TheHistoryofCutting–TheSovietTheoryofMontage.[ficheiroemvídeo].Disponívelem:https://youtu.be/JYedfenQ_Mw
FilmmakerIQ.(2014,Janeiro20).TheHistoryofCutting–TheBirthofCinemaandContinuityEditing[ficheiroemvídeo].Disponívelem:https://youtu.be/6uahjH2cspk
Real Ficção (2017). Entrevista a Rui Simões sobre o Cinema [ficheiro em vídeo]. Disponível em:https://vimeo.com/202016443
Sites:
Instituto do Cinema e doAudiovisual (2017).Projetos emCurso.Disponível em: http://www.ica-ip.pt/pt/apoios/projetos-em-curso/
40
Filmografia
ACasa.Realização:RuiSimões.Argumento:RuiSimões,ArturdaCosta.Produção:RealFicção,2017.1DVD(52min),PAL,cor.
A Corda. Realização: Alfred Hitchcock. Argumento: Hume Cronyn, Arthur Laurents.Produção:WarnerBros.,TransatlanticPictures,1948.1DVD(80min),PAL,cor.TítuloOriginal:Rope.
AGreve.Realização:SergeiM.Eisenstein.Argumento:GrigoriAleksandrov,SergeiM.Eisenstein,IlyaKravchunovsky,ValerianPletnev.Produção:Goskino,Proletkult,1925.94min,P&B.Disponívelem:<https://youtu.be/uLiNKaUp0AA>.Acessoem:23/09/2016.Títulooriginal:Stachka
AltoBairro.RealizaçãoeArgumento:RuiSimões.Produção:RealFicção,FilmesdoMundo,2014.1DVD(116min),PAL,coreP&B.
AsArmaseoPovo.RealizaçãoeProdução:ColetivodeTrabalhadoresdaAtividadeCinematográfica,1975.77min,coreP&B.Disponívelem:<https://youtu.be/sL4NACJTlbk>.Acessoem:30/10/2016.
BafatáFilmeClube.Realização:SilasTiny.Produção:RealFicção,2012.1DVD(78min),PAL,cor.
Belarmino.RealizaçãoeArgumento:FernandoLopes.Produção:ProduçõesCunhaTelles,1964.72min,P&B.Disponívelem:<https://youtu.be/XaZHL35RlXs>.Acessoem:06/12/2016.
Bompovoportuguês. Realização:Rui Simões.Argumento:Rui Simões, Teresa Sá. 1980. 135min,P&B.Disponívelem:<https://youtu.be/T6VDIRkjORA>.Acessoem:18/09/2016.
Capitães de Abril. Realização:Maria deMedeiros. Argumento:Maria deMedeiros, Ève Deboise.Produção:AliaFilmetal.,2000.1DVD(123min),PAL,cor.
CenasdeCaça.Realização:RuiSimões.Produção:RealFicção,1994.1DVD(64min),PAL,cor.
Démolitiond’unmur.Realização:LouisLumière.Produção:Lumière,1896.1min,P&B.Disponívelem:<https://youtu.be/PI_Rxa0YFWg>.Acessoem:08/12/2016.
DeusPátriaAutoridade.Realização:RuiSimões.Argumento:RuiSimões,RuiPaulodaCruz.Produção:Instituto Português de Cinema, Radiotelevisão Portuguesa, 1976. 110 min, P&B. Disponível em:<https://youtu.be/2DprY6X3too>.Acessoem:28/09/2016.
Doisdias,umanoite.RealizaçãoeArgumento:Jean-PierreDardenne,LucDardenne.Produção:LesFilmsduFleuveetal.,2014.1DVD(95min),PAL,cor.Títulooriginal:Deuxjours,unenuit.
Douro,FainaFluvial.Realização,ArgumentoeProdução:ManoeldeOliveira,1931.18min,P&B.Disponívelem:<https://youtu.be/lePWIoHaxbA>.Acessoem:04/10/2016.
LoandBehold.RealizaçãoeArgumento:WernerHerzog.Produção:SavilleProductions,2016.1DVD(98min),PAL,cor.
EnsaiosobreoTeatro.RealizaçãoeArgumento:RuiSimões.Produção:RealFicção,2006.1DVD(90min),PAL,cor.
EntreCenas.Realização:RuiSimões.Produção:RealFicção,2014.1DVD(57min),PAL,cor.
41
Fátima.RealizaçãoeArgumento: JoãoCanijo.Produção: LesFilmsde l'Après-Midi,MidasFilmes,2017.1DVD(150min),PAL,cor.
Guerraoupaz.Realização:RuiSimões.Produção:RealFicção,2012.1DVD(97min),PAL,cor.
Harlan County. Realização: Barbara Kopple. Produção: Cabin Creek, 1976. 103 min, cor e P&B.Disponívelem:<https://youtu.be/CsNtc7Uxspw>.Acessoem:11/12/2016.
Humanos. Realização: Yann Arthus-Bertrand. Produção: GoodPlanet Foundation, HumankindProduction, 2015. 190 min, cor. Disponível em: <https://youtu.be/TnGEclg2hjg>. Acesso em:03/05/2017.TítuloOriginal:Human.
Intolerance.Realização:D.W.Griffith.Argumento:D.W.Griffith,AnitaLoos.Produção:TriangleFilmCorporation,WarkProducing,1916.210min,P&B.Disponívelem:<https://youtu.be/vgylj-1tzBQ>.Acessoem:08/01/2017.
Jaime. Realização: António Reis. Produção: Centro Português de Cinema, 1974. 35 min, cor.Disponívelem:<https://youtu.be/0ZTOSx85DHM>.Acessoem:04/02/2017.
JFK.Realização:OliverStone.Argumento:OliverStone,ZacharySklar.Produção:WarnerBros.etal.,1991.1DVD(189min),PAL,coreP&B.
JuventudeemMarcha.RealizaçãoeArgumento:PedroCosta.Produção:VenturaFilmetal.,2006.1DVD(156min),PAL,cor.
KoláSanJonéFestadiKauBerdi.RealizaçãoeArgumento:RuiSimões.Produção:RealFicção,2011.1DVD(60min),PAL,cor.
Life of an American Fireman. Realização e Argumento: Edwin S. Porter. Produção: EdisonManufacturing Company, 1903. 6min, P&B. Disponível em: <https://youtu.be/6ym7-QW_GWo>.Acessoem:15/11/2016.
LinhaVermelha.RealizaçãoeArgumento:LuísFilipeCosta.Produção:Terratreme,2011.1DVD(80min),PAL,cor.
Lisboetas.RealizaçãoeArgumento:SérgioTréfaut.Produção:Faux-EdiçõeseAudiovisuais,2004.1DVD(105min),PAL,cor.
Luz Teimosa. Realização: Luís Alves deMatos. Argumento: Pedro Aguilar. Produção: Real Ficção,2010.1DVD(75min),PAL,coreP&B.
Manwithamoviecamera.RealizaçãoeArgumento:DzigaVertov.Produção:VUFKU,1929.68min,P&B. Disponível em: <https://youtu.be/cGYZ5847FiI>. Acesso em: 15/10/2016. Título Original:Chelovekskinoapparatom.
MisèreauBorinage.RealizaçãoeArgumento:JorisIvens,HenriStorck.1933.36min,P&B.Disponívelem:<https://youtu.be/v1feCFWK_wI>.Acessoem:10/05/2017.
Moana.RealizaçãoeArgumento:RobertJ.Flaherty.Produção:FamousPlayers-LaskyCorporation,1926.1DVD(77min),PAL,P&B.
42
Modern Times. Realização e Argumento: Charlie Chaplin. Produção: Charles Chaplin Productions,1936.87min,P&B.Disponívelem:<https://youtu.be/HAPilyrEzC4>.Acessoem:06/11/2016.
Nanookof theNorth.Realização eArgumento: Robert J. Flaherty. Produção: Les Frères Revillon,PathéExchange,1922.78min,P&B.Disponívelem:<https://youtu.be/m4kOIzMqso0>.Acessoem:13/12/2016.
NoQuartodaVanda.RealizaçãoeArgumento:PedroCosta.Produção:ContracostaProduçõesetal.,2000.1DVD(160min),PAL,cor.
O Couraçado Potemkin. Realização: Sergei M. Eisenstein. Argumento: Nina Agadzhanova.Produção:Goskino,Mosfilm,1925.75min,P&B.Disponívelem:<https://youtu.be/3U_SsH9Rl2E>.Acessoem:13/10/2016.TítuloOriginal:BronenosetsPotyomkin
OleAntónioOle.RealizaçãoeArgumento:RuiSimões.Produção:RealFicção,2013.1DVD(77min),PAL,cor.
OsVerdesAnos.RealizaçãoeArgumento:PauloRocha.Produção:ProduçõesCunhaTelles,1963.1DVD(91min),PAL,P&B.
Ossos.RealizaçãoeArgumento:PedroCosta.Produção:MadragoaFilmesetal.,1997.1DVD(94min),PAL,cor.
QuemVaiàGuerra.RealizaçãoeArgumento:MartaPessoa.Produção:RealFicção,2011.1DVD(130min),PAL,coreP&B.
Rain.RealizaçãoeArgumento:JorisIvens.Produção:Capi-Holland,1929.14min,P&B.Disponívelem:<https://vimeo.com/avantgardecinema/regen>.Acessoem:23/11/2016.TítuloOriginal:Regen.
RuasdaAmargura.RealizaçãoeArgumento:RuiSimões.Produção:RealFicção,2008.1DVD(108min),PAL,cor.
SaídadoPessoaldaCamisariaConfiança.Realização:AuréliodaPazdosReis.1896.1min,P&B.Disponívelem:<https://youtu.be/3G34fwIqqD4>.Acessoem:05/05/2017.
SãoJorge.Realização:MarcoMartins.Argumento:RicardoAdolfo,MarcoMartins.Produção:FilmesdoTejo,LesFilmsdel'Après-Midi,2016.1DVD(112min),PAL,cor.
TheBirthofaNation.RealizaçãoeArgumento:D.W.Griffith.Produção:DavidW.GriffithCorp.,EpochProducing Corporation, 1915. 194 min, P&B. Disponível em: <https://youtu.be/I3kmVgQHIEY>.Acessoem:05/09/2016.
The Bridge. Realização e Argumento: Joris Ivens. Produção: Capi-Holland, 1928. 15 min, P&B.Disponível em: <https://vimeo.com/avantgardecinema/debrug>. Acesso em: 05/10/2016. TítuloOriginal:DeBrug
TheCuttingEdge:TheMagicofMovieEditing.Realização:WendyApple.Argumento:MarkJonathanHarris.Produção:A.C.E.,BritishBroadcastingCorporation(BBC),NHKEnterprises,TCEPInc.,2004.98min,cor.Disponívelem:<https://youtu.be/U76MBDKQe8s>.Acessoem:03/05/2017.
43
TheGreatTrainRobbery.Realização:EdwinS.Porter.Argumento:ScottMarble.Produção:EdisonManufacturing Company, 1903. 11min, P&B. Disponível em: <https://youtu.be/ZCWKh14Mvzg>.Acessoem:05/10/2016.
TheLonelyVilla.Realização:D.W.Griffith.Argumento:CharlesFoley,AndrédeLorde,MackSennett.Produção:BiographCompany,1909.8min,P&B.Disponívelem:<https://youtu.be/75rBS0tu9kc>.Acessoem:18/11/2016.
TheSpanishEarth.RealizaçãoeArgumento: Joris Ivens.Produção: ContemporaryHistorians Inc.,1937.52min,P&B.Disponívelem:<https://youtu.be/MT8q6VAyTi8>.Acessoem:23/11/2016.
Titanic. Realização e Argumento: James Cameron. Produção: Twentieth Century Fox FilmCorporation,ParamountPictures,LightstormEntertainment,1997.1DVD(194min),PAL,cor.
TiticutFollies.Realização,ArgumentoeProdução:FrederickWiseman,1967.1DVD(84min),PAL,P&B.
Torre Bela. Realização e Argumento: Thomas Harlan. Produção: Films Albatros, SocietàCinematografica Italiana di Torre Bela, 1975. 80 min, cor e P&B. Disponível em:<https://youtu.be/L6OiWT38gvk>.Acessoem:10/05/2017.
44
ANEXOI
Guiõesparaentrevistaserespostastranscritas
PerguntasaJacintaBarrossobreofuncionamentodaRealFicçãoeprojetos
HáquantotempotrabalhanaRF?Eoqueachaquemudounomeioaudiovisual,desdequetrabalhaaqui?Quedificuldadesenovosdesafiossurgiram?
TrabalhonaRealFicçãodeste1994,masdesempenheioutrasfunçõesparaalémdaprodução.Nessaalturanãohaviatantasprodutorasfocadasnaáreadodocumentáriocomoháagora.Desdeessa altura, o interesse pelo documentário foi crescente, e aumentaram as candidaturas aosprogramasdeapoiodoICA,aquantidadeevariedadedeapoios,assimcomoaconcorrênciaentreprodutoras e realizadores. Por outro lado, havia também uma distinção muito rígida entre osrealizadores/produtoresdeficçãoedocumentário.Hoje,jánãohátantoessadistinção.
ComoéqueaRFobtémfinanciamentoparaasuaatividade?Aqueentidadesrecorrem?
Osapoiosfinanceirosdependemdanaturezadoprojeto,ecadacasoéumcaso.OInstitutodo Cinema e doAudiovisual, a FundaçãoGulbenkian e o ProgramaMEDIA (União Europeia) sãoalgumasdasfontesdefinanciamentoparaosnossosfilmes.Muitasvezes,temosparceiroslocais–por exemplo, nos filmes A Casa, Alto Bairro e Lisboa Domiciliária tivemos o apoio da CâmaraMunicipaldeLisboa.
Quaisospaíseseprodutorascomosquaisdesenvolvemmaisparcerias/coproduções?
Dependedoprojeto,dotemaedoslocaisescolhidos,masgeralmentefazemosmaisparceriascomosPALOP,comoCaboVerde,AngolaeMoçambique.
Emquantosprojetosestãoatrabalharagora?
Nestemomentotemoscercade25projetosemmãos,todosemfasesdistintasdeprodução–escritaedesenvolvimento,rodagem,distribuição,inscriçãoemfestivais,etc.
Quantotempodemora,emmédia,aproduçãodeumfilme,desdeodesenvolvimentodaideiaàsuaexibição?
O filme A Casa, por exemplo, levou 3 anos, entre desenvolvimento da ideia, escrita,documentação, inscrição em concursos, rodagem, montagem e exibição. Mas esse é o tempomínimo,umavezqueécostumequeoprocessodemoremaistempo.
45
PerguntasaRuiSimõessobreaRealFicção,odocumentárioeamontagem
Fale-meumpoucosobreaformacomovêamontagemnoprocessoaudiovisual?Qualé,parasi,asuaimportânciaduranteoprocessodeproduçãodofilme?
Amontagemé fundamental emqualquer trabalho, sejaum filmeoua construçãodeumedifício. A montagem é a finalização, é a construção daquilo que vai ser percetível em termosorganizados.Amontagem,nocinemaconcretamente,éaúltima fasedaconstruçãonoprocessocinematográfico.Éaquelaemqueorealizadorfechaofilme,estandodeacordocomele.Portanto,enquantoofilmenãoestiverdoagradodorealizador,ofilmenãoéfechado.Essefinaldoprocesso,pormuitoqueoprocessoanterior,comoarodagemeapreparação,tenhasidofeito,elesóganhasentidonofinal,namontagem.Muitasdasvezesnosfilmes,nocasododocumentáriomuitomaisdo que no caso da ficção, os filmes não estão construídos à partida na escrita do guião. É namontagemquesedescobreaforçadashistóriasquealiestão,dasnarrativas,dasimagensedossons.
Porissoéqueeugostomuitododocumentário,porquejustamentesónofinaldetudoéquesepercebequehistóriaéquetemos.Muitasdasvezesnósnãosabemosmuitobemoqueéquetemos quando andamos a filmar, porque não é visível, não émuito claro e, namontagem finalcomeçaatornar-semuitoevidente,mas,aomesmotempo,muitodiferentedaquiloquetínhamospensadonoinício.Porisso,montageméabsolutamentedecisiva.Eusouparticularmente“doente”comamontagem,semprefui.Montageméparamimumacoisadetalmaneiraessencialque,nosmeus primeiros filmes, eu dirigia o montador quase plano por plano, algo que eu abandoneicompletamente – acho ridículo e nãome interessa. Eu procuro trabalhar com pessoas quemeconhecemesabemoqueeuquero.Porisso,hojeemdiaeuconfiomuitonosmontadores.
Aqui há duas fases: a montagem no sentido tradicional que é plano após plano, e há amontagemnosentidodarealização,ouseja,quehistóriaestamosacontarecomoéqueaestamosacontar–umtrabalhomaisdeconceção,depensareorganizar.Nãoépropriamentenamontagemquesedefineessaestrutura,maselaajuda-nosaperceberseaestruturaquetínhamosdefinidoestavacertaousetemosqueaalterar.
Comoé/deveserarelaçãoentreorealizadoreomontador?
Eudoumuitaliberdadeaosmontadores.Aliás,eudouliberdadeatodaaequipaporqueachoquebeneficiodacriatividadedosoutrosparajuntaràminha,emuitasvezessousurpreendido.Estapráticaagrada-meetenhotidobonsresultadoscomisso.Namontagemtambém–éevidentequeomeu contato é frequente com o que está a ser feito. Mas como eu trabalho com um mesmomontadorhá20anos,queéocasodoXico(FranciscoCosta),éevidentequeelesabeexatamenteoqueéqueeuquero,quasenãoprecisodelhedizernada.Selhederomaterialelemontaofilmecomoeuquero.
Achaquealiberdadequedáaomontadortemaverumpoucocomasuaexperiência?
Sim,claro.Eusouprodutortambémevejoosjovensrealizadoresquepassamporaquiesãomuitoimpacientescomamontagem,nãodeixamosmontadoresfazeroseutrabalhoefazemmalporquemuitasdas vezesprejudicamos seuspróprios filmes.Os jovens realizadoresnão têm, secalhar, essa confiança em si próprios, e impõemdemasiado por vezes. A princípio eu eramuito
46
exigenteaoníveldamontagem,mastambéméprecisoverquecomapelículaoprocessoeramuitodiferente,tínhamosquecorrermenosriscosenãofalharocorte.Oolhardamontagemempelículaéumolharmuitocerteiro.Hoje,comodigital,esseprocessoémuitomaissimples.
Eunãopressionoosmontadores,massenãogostodealgumacoisa,digo.Éumpoucoassimqueeufunciono,efuncionocomváriosmontadores,nuncativeproblemascomnenhum.Mesmocomestagiários–dou-lhesliberdadetambémaelesporquegostodassurpresas,doquemeaparecedenovoquenãoéaquiloqueeutinhapensadoàpartida.Nãomeimportanadaessedesafio,porquenofundooqueeugostonocinemaéverumacoisadenovoquenãosabiaqueexistia.
Asfasesdeproduçãodeumdocumentárionãosãotãolinearescomonaproduçãodeumfilmedeficçãoeasfasesentrecruzam-se.Fale-meumpoucosobreesteaspeto.
Aficçãoéumobjetoconstruídoàpartida,completamentedesenhado.Temguiãoequandochegasaoplatôparafilmar,filmasaquilo,nãofilmasmaisnada.Quandovaiparaomontador,elealinhaosplanoscombasenoalinhamento.Nodocumentárionãoháalinhamentonenhumporquenão há essa ordem, ela é arbitrária – faz-se uma construção da narrativa a partir do materialexistente. Por exemplo, no filmeA Casa, eu sabia que tinha que contar a história da Casa dosEstudantesdoImpérioedecidiqueumaparteerafeitacomficção.Eusabiaquetinhaqueconstruiraquelaficção,quefoibaseadanolivrodoPepetela,AGeraçãodaUtopia,mas,poroutrolado,eutinhaquechegaràquelacasacomosdocumentosdetestemunhasautênticas.Aíémaiscomplicadoporque sãoduas linguagens que têmque se cruzar.Nós fizemos a parte documental primeiro edepoiscomplementámoscomaparteficcional.Masdepois,aindasentimosnecessidadedevoltaraodocumentaleentrevistarmaisalguém.
O documentário é uma coisa que se vai fazendo, que se vai construindo e não tempropriamentefasesmuitodefinidas,aopassoqueaficçãotem.Depoisdeteresdesmontadoumaequipade ficção,nãopodesvoltaramontarporque temcustosassustadores.Umdocumentáriocustanem10%deumaficção.
Porquêatendênciaparaaproduçãodefilmesdocumentais?
Eunãofaçoficçãoporquenãomedãoessapossibilidade,nãoéqueeunãoqueira.Háquase40anosquevouaconcursosdeficção.DepoisdoBomPovoPortuguêscomeceiaproporprojetosdeficção–oprimeiroquepropusfoiumprojetodeadaptaçãoparacinemadeLaReineMortedeHenrydeMontherlant.Desteaí,nuncapareideiraconcursos,masaindahojeestounosconcursosdasprimeirasobras,aofimdestesanostodos!
Estadistinçãoentrea ficçãoedodocumentáriodemonstramuita ignorânciaporpartedequemanalisaosprojetos.Porqueadiferençaentrea ficçãoeodocumentário,na realidade,nãoexiste.Cinemaécinema.Apreocupaçãododocumentaristaéchegaràficção–elequer,apartirdarealidade,construirumaficção,ouumaproximidadedeficção.Háumaespéciedecontradição,masémesmoassim.Oficcionista,oquefazaficção,querconquistaroespectadorparapensarqueéverdade,queéreal.Háaquiummistodeinteressesdeparteaparte.
47
Sentevontadedefazermaisficção?
Claro.Tenhoimensosprojetosdeficção.Sintoimensapenadenãofazerficçãoenãoéapenaspelosorçamentosmaiores,éporquetenhopenadeestardesligadodosatores,tenhopenadenãometerempermitidoconheceromundodarepresentação.Tenhopenaquemetenhamamputadoessaparte;éumapartequepodiatersidovividaenãofoi.
Oquemudounaproduçãocinematográficadesdeosanos70?
Mudoumuito.O factodeapareceraeletrónicaeovídeo, logoaliháuma transformaçãoradical na forma de trabalhar, conceber os projetos, na formação das equipas e da própriamontagem. Com o digital os processos de montagem facilitaram-se muito. Portanto, as coisasmudarammuito.
Háalgumrealizadorcomquemseidentifiquemais,ouqueinfluencioudealgumamaneiraoseutrabalhoenquantorealizador?
JorisIvensfoimeuprofessornaBélgicae,portanto,tenhoumcarinhoespecialporele,porquemefezvercoisas,acompanheiosseusfilmeseasuavida,mastambémtenhocarinhopormuitorealizadoresquenemtêmmuitoavercomodocumentário.Pareceestranho,maseuadorooSalomé(1972)doCarmeloBene.Eleéumcineastaexperimental,completamenteloucoealucinado,quenãotemnadaavercomaquiloqueeufaço,maséalguémquesempremeinfluenciounosentidodequeeugostodaquiloqueelefaz,sempregostei.Maseuachoqueograndecineastaqueestásemprepresente,emborapossanãofazernadaquetenhaavercomele,éoDzigaVertov,porqueéapessoaquemaismexeunocinemaemtodosossentidos,enocinemadocumentalemparticular.Achoqueninguémfoimaislonge.
Depois,euestouumbocadinhocondicionadotambém,muitasdasvezes,pelastemáticasdequesousensível.Astemáticaspolíticasesociaislimitamumpoucocertotipodeexperimentalismo,porquemeobrigamasermuitoclaro.Mastambémnãodeixodeexperimentarcoisas,quandotenhooportunidade.Masostemastêmmarcadomuitoomeucinema.Sintoissoatéhoje–estouafazerumfilmequepareceumfilmemilitante,éincrível!Pormuitoqueeuqueiranãoconsigofugiraessetipodeproblemáticas.Sefizesseficçãoachoqueiriaaconteceramesmacoisa.
PerguntasaFranciscoCostasobreaRealFicção,odocumentárioeamontagem
OquehádecaracterísticonasformasdetrabalhodaRFe,emespecífico,noquetocaaoseutrabalhodemontagem?
UmavezqueeutrabalhocomoRui(Simões)desde1998,quandocomeçámosatrabalharjuntosnaExpo,nósrapidamentedesenvolvemosumarelaçãorealizador-montadordeconfiança,nosentidoemqueelesabeque,deixando-meàvontadecomomaterialoriginal,eutambémseioqueéqueeleprocuraevouaoencontrodassuasnecessidades.Euseimaisaomenosoqueéqueelequer,falamosumbocadinhoantes,eleexpõe-measideiasediz-meoqueéquepretendecomofilme. Eu depois tento ir ao encontro da vontade dele,mas, aomesmo tempo, ao encontro da
48
vontadedoprópriomaterial,porqueoqueéfascinantenamontagemdeumdocumentário,quenãoacontecenaficção,équenodocumentárionãotensoresultadofinalaoteudispor,tuvaisterqueodescobrir.EemboraoRuijátenhaumaideiadoqueéquepretende,essaideiaquenãoestáaindaconstruída–elaexistenacabeçadoRuimasaindanãoexistecomofilme.Omaterialpode-nosdarrespostas diferentes que aquelas que se procuravam inicialmente. Como há essa relação deconfiançaetrabalhomútuodemuitosanos,sónofimdoprocessoéqueconversamos.
Normalmentelimpoomaterialtodo,vejoasentrevistastodas,façoasminhasanotaçõesedepoisumprimeiroalinhamento.Sãoasentrevistasqueconduzemanarrativa,porquesãoelasquenosdãooconteúdo.Éapartirdoconteúdodasentrevistasque,depoisdevistaseanalisadas,euvouà procura de umamaneira de as relacionar entre si.O que é interessante namontagemde umdocumentário onde há depoimentos é que é como se estivemos numamesa redonda, onde aspessoasestãoadebaterumtema,comavantagemdenãoestãofrenteafrente.Quandoumapessoaestácomoutraadebaterumtema,essapessoaestásemprenadefensiva,ficademasiadoagarradaàsuaprópriaideiaeàsvezesnãoestátãodispostacomoestánumaentrevista,emqueestálivredessacensura,desseconfronto,emaisdispostaadizeraquiloquerealmenteachasobreotema.Esseconfrontoexisteeécriadonamontagem.Àmedidaquesevãointerligandoasentrevistas,vai-secriandoumavozdegrupo,quedizalgomuitosuperioràsomadaspartes.
Quaisasfasesespecíficasdafasedepós-produçãodeumdocumentário?
Aquilo que conduz a estrutura e o conteúdo do documentário são os depoimentos,normalmente.Aqui,naRealFicção,oRuitrabalhanosentidodeevitarautilizaçãodeumavoz-off,precisamente porque a voz-off já conduz numa determinada direção, já faz uma síntese dainformação.Oentrevistadonãofazsíntesenenhuma,elaéfeitapelarelaçãoentreasentrevistas.
Aprimeirafaseéverasentrevistastodasdoprincípioaofim,efazeranotaçõessobreoqueé dito em cada momento. Vejo as entrevistas na integra e inicialmente tento entender qual aentrevistaquefazumresumomelhordahistória.FoiocasodaACasa,emquetinhaumentrevistadoquecontavaahistoriacommuitaprecisão,edecidiqueaqueledepoimentoseriaomeufiocondutor.Depoisdasanotações,ponhoaentrevistanatimelineecomeçoacortarhesitações–éumprimeiroalinhamento.Comestaprimeiraentrevistacomeçoaquiadelinearaestruturadofilme.Vejoumasegundaentrevista,tironotasevoucomeçandoaencaixaressaentrevistanaoutra,organizandoportemas.
Normalmentenãochegosequeratirarumanotanopapel,sóquandoháprazosapertados.Normalmenteétudofeitonamontagem,tudodescobertoali,porquetenhoumaferramentamuitoútilquemepermiteiranotandonosítiocertoaquiloqueédito(ferramentaFavoritesnoFinalCut).Aquiloquepareceserumtrabalhochatoedemorado,vaiserextremamenteútilmaisàfrente,paraconseguirencontraromaterialdequepreciso.Essaferramentaémuitoútilporquequandoescrevesisso ajuda-te amemorizar. Por outro lado, hámedida que vou construindo isto, vou rejeitandomaterial.Porque,nofundo,aquiloquemeserviudealicerceforamasentrevistas,maselas,acertaalturavãodeixardeservir–àsvezesencontramosumaimagemquenos“diz”aquiloqueéditonaentrevistae,nessecaso,opta-seporretiraraentrevista.Comoprodutoaudiovisual,melhoréquandopodemosmostraremvezdedizer.Por isso,essapartedaentrevistaapenasserviupara localizaraquelemomento,aqueletemanofilme.
Os entrevistados vão-se completando uns aos outros porque o tema é o mesmo e asperguntasjásãodirigidasnessesentido.Ondesefazsentirmuitoistoé,porexemplo,nascampanhas
49
eleitorais,queporacasotambémjáfizaquinaRealFicção,ondesetemumasensaçãodegrupomuitoforte.
Depoisdesteprocesso,vouàprocuradetudooqueématerialqueilustreostemasqueestãoa ser abordados (arquivo, material original, animações, grafismo, etc.), colocando por cima dasentrevistasas imagensqueremetemparaàquiloqueéfaladonaquelemomento.Sódepoisdistoestarfeitoéqueeucomeçoaintroduziramúsicaeaabrirofilmenosentidodelhedarumritmo.Nestaalturacomeçasaperceberquehámomentosemquetensquedarumadeterminadapausaporquesechegouaumapequenaconclusãoeéprecisoummomentoderespiraçãoereflexão–colocas uma sequencia musical com uma série de imagens... Ou queres introduzir uma novasequênciaemostras a localizaçãodapróximapessoaa serentrevistada.Nestaaltura começasaconstruirofilme,nãoapenascomomeioinformativo,maspassaaterumritmoeaganharasuapersonalidade.
Normalmente,éoFranciscoquemescolheamúsicaparaofilme?
Asmúsicasescolhidasporvezesjáexistem.Outrasvezes,utilizomúsicascomoreferência,oqueérecorrentenocinema–2001OdisseianoEspaçoéumexemploparadigmáticopoisKubrickusouamúsicaclássicacomoreferência,mas,depois,jánãoseconseguiuafastardelaeamúsicaquetinhasidopropositadamentecompostaparaofilmeficoudeparte.
Amúsicadá-teumritmoqueasimagensporsiàsvezesnãonosconseguemdar.Porvezesprecisasdecriardeterminadaemoçãoeissotorna-sepossívelatravésdamúsica.Então,quandonãotenhoaindaasmúsicasescolhidas,voubuscarmúsicasqueeugostoeachoadequadas,euso-ascomoreferênciaparadeterminadassequências,atéaomomentoemquechegaomúsicoecomeçaacompor.Acontecemuitasvezesqueamúsicafuncionatãobemqueacabaporficarnofilme(foiocasodeRuasdaAmargura).Háalgunscasostambémemqueamúsicaétocadanoprópriosítio,comoaconteceunoEntreCenas,porexemplo.
Fale-meumpoucosobreoprocessodesonorizaçãodofilme.
Oáudioéessencialnaconstruçãodeumfilme.Umdosaspetosmaisimportantesnumfilmeéovolumedamúsicaquesesobrepõeaumaentrevista.Seamúsicaestivermuitobaixinha,nãotemefeitonenhum,seestivermuitoaltacomeçaaperturbar,eháumpontocertodevolumeondetemqueestaramúsica.Eàsvezesumamúsicaqueparecianãofuncionar,ásvezesoquesepassaéquenão estava como volume certo. E essas decisões são tomadas pelomontador e defendidas nasmisturas.Amisturade áudioé, depois, feitaporum técnicoespecializado.NosÓscares, hádoisprémiosparaosom:amontagemdesomemisturadesom.Amontagemcompreendeasonoplastia,mastambémdefine,porexemplo,quandoéqueamúsicadeveentraresobrepor-seàentrevistaparaanteciparoutromomento.Essaprimeiramisturaéumareferênciaparaotécnicodamistura,quetrabalhasobreestasbases,podendosugeriralterações.
Comoseprocessamasprojeções-testeequemassiste?
NormalmentesoueueoRui.Mas,porexemplo,nocasodofilmeOsMeusespelhos,veioumapsicólogaverofilme.Muitasvezesapessoaquevemfazerasmisturasdeáudiotambémvemver,porquetambémébomirtendofeedbackdealgumaspessoasdefora,quetenhamoolharfresco.Essafaseéfundamental.
50
Asfasesdeproduçãodeumdocumentáriosãotãolinearescomonaproduçãodeumfilmedeficção.Amontagem,porexemplo,temumpapelrelevanteemváriasfasesdotrabalho.Fale-meumpoucosobreesteaspeto.
Essecruzamentodasváriasfasesexistetantonodocumentáriocomonaficção.ParaofilmeWhiplash,porexemplo,foifeitaumacurtametragemparaseconseguirfinanciamentoparaalonga.Nãoéalgoquedistingaumgénerodooutro.Oquedistinguemaisosdoisgéneroséprecisamentearelaçãoquetêmcomamontagem.Enquantonaficçãoseguesumguião(emboraexistamcoisasquepodem sair ou mudar de sítio), isso acontece com muito menos frequência do que numdocumentário–naficção,oquesetrabalhanamontagemésobretudooritmoeaescolhadomelhortakeparacadamomento.Masemtermosdeestrutura,nofilmedeficçãoelajáestápreviamentedefinida,enquantoquenodocumentárioissonãoacontece–aestruturaédescobertanamontagem.
Sente-seumpoucocomoumsegundorealizador?
Não,porqueissoésermontador.Orealizadorestáatrabalharcomigo,maseutenhoumaresponsabilidademuitograndenadescobertadaestruturaeessaéafunçãodeummontadordedocumentário.
Os realizadores têm formas de trabalho muito distintas. Já cheguei a trabalhar comrealizadoresqueestãoaomeuladoeeutenhoquejustificarcadacorte,oqueémuitocansativoenadaprodutivo.Háumoutroaspetomuitoengraçadoqueéarelaçãodedistanciamentoquetenscomomaterial.Orealizadorestevenasrodagens,sabeoqueéqueaquilocustou,estevedebaixodesol, de chuva, comproblemas de produção, e eu não passei por nada disso. Se algumplano ousequênciaparamimnãoresultamparaofilme,nãotenhoproblemanenhumemretirá-los.Portanto,esseprimeirodistanciamentoémuitoimportante.Masdepoissoueuquecomeçoaficarviciado,porquejáviofilmetantasvezes,conheçoaquiloaopormenor,masporvezeshádeterminadascoisasquenãoestãobemexplicadas.Eaquientraopapeldorealizadoreporvezesalguémdeforaparasepercebercomoéquepúblicovaiperceberofilme.
Háváriascamadasdeperceçãonumfilme.Tensaprimeiraqueéaquiloquetodaagentetemqueentenderedepoistensumasériedesubcamadasquetambémsãoimportantes,masnãotêmdesertãoexplícitasquantoissoumavezqueoespectadortemquesentirqueháalialgummistério.Écomoconheceresalguémeessapessoacontar-telogoahistóriatodadasuavida.Hácoisasquesesubentendem,ficamnoarecriamumavontadedeficarapensarnofilmeoumesmorevê-lo.UmdosexemplosquepossodarédofilmeACasa,ondeapareceoPepetelaaescrever,masissonãoéobvioenemtodaagentecomquemfalopercebeu.MasseumaouduaspessoasmedizemqueperceberamqueaquelapersonagemeraoPepetela,euficodescansadoporquejánãoprecisodetornaraquilomaisexplícito.Ofascinantenestetrabalhoéisso–muitasvezestemavercomaformacomoascoisassãomostradas,mastambémcomomomentoemqueémostrado.
Qualadiferençaentremontadoreeditor?
Apalavramontagemvemdofrancêsmontageeediçãovemdoinglêsediting.Começou-seadizerquemontagemécinemaeediçãoételevisãoporqueocinemafrancêssempreteveaqueleestatutodearteenquantooamericanoémaismainstream.Jáouvidizerqueaediçãotemmaisavercomoalinhamentoeamontagemcomaoutraparte,masnofundonãohámuitadiferença.
51
Quantotempodemoraamontagemdeumdocumentário?
ACasaporexemplo,foram3meses,umamédianormalparaumfilmedeumahora.Euaqui,comaRealFicção,acordeitrabalhar6horaspordiaemvezdas8queéohabitual.6horasparamiméo idealporquesaiodaquicomvontadedemais,eseeusairdaquicomvontadedeamanhãvirtrabalharéamelhorcoisaquepodehaver.Nãoéqueeupassasseagostarmenosdaquiloquefaço,masháumlimitedeconcentraçãoe3horasdemanhãe3horasàtardeparamiméoideal.Emborajátenhafeitotrabalhosdurante20hpordia,porquetinhaumlimitedeentrega.Masquandoestássobrepressãoentraoutracoisa,queéaadrenalina.
ComoétrabalharcomoRuiSimões?
Gostomuito,precisamenteporcausadestadinâmicaquetemos.AvantagemcomoRuiéqueelegostadedescobrirosfilmesnamontagem,eparamimnãohámelhor.Dá-megostoamimporquevoudescobrindoopuzzle.Éengraçadaestacomparaçãodamontagemcomopuzzle.Curiosamente,omeupaigostavamuitodemontarpuzzlesehabituou-medesdemiúdo.E,defacto,nãohámelhormetáforadoqueadopuzzle,porque,namontagemestá-seaconstruiralgofeitodepeças.Mas,enquantonopuzzlejátensaimagemfinaletensqueconstruiraquelaimagem,oqueéfascinantenamontagemdeumdocumentárioéquetunãofazesamínimaideianoqueéqueaquilovaidareaimagemsósedescobrenofinal.Apesardesaberesqueofilmepodeterinfinitasabordagens,masquando olhas no final, não consegues imaginar aquilomontado de outra forma. A imagem já laestava, numa espécie de virtualidade, e tu vais atrás dela porque omaterial vai puxando numadeterminadadireção.Nofundoécomoseaquilojáestivesseláetusóvaisdescobrir.
Qualfoiofilmeque,atéhoje,maisgostoudemontarnaRealFicção?
Istofuncionaassimcomigo–quandoentronumprojetoficocompletamenteobcecado,andoalerteseselivros.Porumlado,fazeressapesquisaévantajosoparaofilme,mastambémtemavercomaminhapersonalidadeporqueachoquetodosostemassãointeressantes.Ásvezessurgemostemasmaisbanaisqueparecemdesinteressantes,masdescobresquetêmmuitoqueselhediga.NaalturadoAltoBairro,fiqueiasabertudosobeoBairroAlto.Agora,porexemplo,estouafazerumdocumentáriosobredançalivreeestouateraulascomarealizadora.Porisso,édifícilresponderaessapergunta,porquenaalturaemqueestouafazeressedocumentário,paramiméamelhorcoisadomundo,estoucompletamenteabsorvido.
Curiosamente,umdosfilmesquemedeumaisprazerfazeréumfilmequenãoexiste,sobreos10anosdaExpo98,umdocumentáriomusicalquetinhaporbaseumaideiasuperinteressante–oRuilembrou-sedeirbuscarasmúsicasdosconcertosdapraçaSonyeilustrá-lascomimagensdaExpo(nofundoéumvideoclipgrandequeéumdocumentário).Essefilmechama-seSaudade,mascomonãoseconseguiuosdireitosdasmúsicasacaboupornãosair.TambémgosteimuitodemontaroAltoBairropor serum filmeemqueéavozdobairroqueestáa falar, representadaporumaenormequantidadedepessoasentrevistadas.Foiumpuzzlegigantesco,de30000peças!
52
ANEXOII
Listadeprojetosealgunsexemplos
Nº Projeto Tarefa Duraçãodatarefa(dias)
1 ZédaGuiné–Eleeela(títuloprovisório)
Sincronizaçãovídeo-áudioOrganizaçãodomaterial 5
2 SílviaWestphalen–EntrePedras Montagemvídeo 5
3 Umdianavidade...RuiSimões–FNACColombo Sincronizaçãovídeo-áudio 1
4 Sãoprecisosdoisparacasar Sincronizaçãovídeo-áudio 3
5 Quizomba Transcriçãodeentrevista 1
6
VictorGama–OConstrutor 20
–ConcertoVela6911 Ediçãomulti-câmara 5
–ConcertoVictorGamaTrio Ediçãomulti-câmara 5
–Promo8' Montagemvídeo 8
–Promo4'(vimeo) Montagemvídeo 2
7 PromoDesterrados,deYaraCosta Montagemvídeo 3
53
Projetonº1:ZédaGuiné–Eleeela(títuloprovisório)
Printscreen’s:
Fig.1:Organizaçãodematerialetimelinemulticâmara
Fig.2:ZédaGuiné
54
Projetonº2:SílviaWestphalen–EntrePedras
Printscreen’s:
Fig.3:Timelinedoprojeto
Fig.4:SílviaWestphalenemÉvora
55
Projetonº6:VictorGama–OConstrutor
Printscreen’s:
Fig.5:TimelinedoprojetoPromo8'
Fig.6:VictorGamanoTeatroMunicipalSãoLuiz
56
Projetonº6:VictorGama–OConstrutor
Pesquisa,listagemdostemasdeentrevistaeestruturaçãodeumguião:
VICTORGAMA
NotasBiográficas
-NasceuemAngolaem1960
-FormaçãoemEngenhariaEletrónicaeTelecomunicações
-ViveentreAlmoçageme/Sintra,BogotáeLuanda
-Desenvolvedesde1997oprimeiroarquivodigitaldemúsicaemúsicosdointeriordeAngola,oprojetoTsikaya–MúsicosdoInterior.
AlgunsConcertos/Eventos
Filmado
• 2010-CarnegieHall,NewYork-“SOL(t)O”
• 21Nov2010–CCB-KronosQuarteteVictorGama-“RioCunene”
• 20Jan2013-Gulbenkian-VictorGamaeOrquestraGulbenkian–“Vela6911”(vídeo-concertoencomendadopelaChicagoSymphonyOrchestra)
• 11Set2013-15Set2013-SãoLuizTeatroMunicipal-ExposiçãoInstrumentos
• 13Set2013-SãoLuizTeatroMunicipal-VictorGamaeOrquestradeCâmaraPortuguesa–“Vela6911”
• 14Set2013–SãoLuizTeatroMunicipal-VictorGamaTrio;Oficina3D;OficinaMúsica
• 6Mar2015–StanfordUniversity-VictorGamaeStanfordnewEnsemble-“Vela6911”
• 6Mai2016-Gulbenkian-VictorGamaeOrquestraGulbenkian-“3milrios:VozesnaFloresta”(Óperamultimédia)
• Outrosprojetos:RioCubango–concerto;Gigantikarpz–performance
DiscografiaVictorGamahttps://soundcloud.com/victor-gama/albums
-QuatroMomentos(2016)
-Nagola(2012)
-VictorGama:PangeiaInstrumentos(2003)
-OceanitesErraticus(2001)
57
ProjetoTsikaya(CD's)
-Huambomusicsessions(2013)
-Tsikaya-músicosdointerior(2009)
TemasfaladosnaentrevistaAntónioTavares(S.Luiz-2013)-Músicoebailarino.
-RelaçãocomVictorGama,comoseconheceram,oqueosliga:memória,fisicalidade,Angola,natureza.
-ProjetoscomVictorGama
-SobreaoficinademúsicaparaascriançasnoSãoLuiz.
-ProjetoPangeia
TemasfaladosnaentrevistaVictorGama(S.Luiz-2013)-ProjetonoS.Luizésequênciadeumaexposiçãoquecomeçouem1998.ExposiçãonoRoyalOperaHouse,em2012,comopontodepartidaparaexposiçãoemLisboa.
-EncomendadomuseunacionaldaEscócia–tipau.Contaahistóriadotipau,assimcomonainauguraçãodaexposição.
-ExposiçãoemMadrid,promovidapelaEmbaixadadeAngola.
-Exposiçãocomoespaçoperformativo,concertos,oficinas,workshopstemáticos.
-Procuradeumnovoléxicoatravésdacriaçãodenovosinstrumentos,talcomoumpintorquedesenvolveosseusprópriospincéis,paradesenvolverasuaprópriapintura.Osconcertosvalidamosinstrumentoscriados.
-Desenvolvimentotecnológicoesurgimentododigitalémuitorecente–aumentodaspossibilidadesdeproduçãodeinstrumentosdigitais.Conceitodeinstrumentomusicaltemqueserredefinido.Tecnologiapermitedesenvolverinstrumentosnovos.Ageometrianãoéfinita,hápossibilidadedetransformaroinstrumentonomodelo3D,aocontráriodeumviolino,porexemplo.
-Cadacompositordeveterapossibilidadedeconstruiroseupróprioinstrumento.
-Viajopormotivosmuitoespecíficos–Projeto“Vela6911”comoexemplo.Contaahistóriadeconstruçãodapeça.
-HistóriadapeçaparaKronosQuartet“RioCunene”-instrumentosconstruídosporcrianças,guerra,tecnologiamilitar,violênciaepaz.
-ComoseencontracomKronosQuartet.
-Históriadapeça“RioCunene”-reflexãosobreaguerra,ascriançasconvertemaviolênciaemnãoviolência.
-Nacionalidadeangolana,referênciacultural.
58
-ProjetoDantalan,elosnaculturaangolana,sistemadeescritaestruturantedaculturadascivilização.Angolanossãoestigmatizados.Processosderesistênciaculturalfaceàcolonizaçãoeuropeia.
EntrevistaVictorGama–temas/sugestõesparaperguntas-Sintra-Dualidadeentreosvalorestradicionaiseaaltatecnologia.Viverentreomundonaturalemundomoderno/citadino,entreocampoeacidade.Ondetesentesmelhor?
-Ondetesentescommaisinspiraçãoparaproduzirinstrumentosemúsica?
-Dásaulas?Qualatuaocupaçãoprincipal?
-Aligaçãoàterraexpressa-seaténofactodetocaresdescalço...Criaçãodeinstrumentoscombaseemelementosdanatureza.
-Cargacultural,espiritual,históricaesocialdosinstrumentos(Taho,porexemplo,éuminstrumentoinspiradonosninhosdepássaro-tecelãovaziosdoperíododaguerra,em70s)
-Componentemultimédiadosespetáculos.Quandocompõestambémfilmas,imaginasimagens?Oquevemprimeiro,aimagemouamúsica?Porqueéqueaimageméumacomponenteimportantenosespetáculos?
-Temas:conflitohomem-natureza,guerra-paz
-Háumavontadedeentrecruzarexperiênciasculturais,aproximarculturasatravésdamúsica.
-Durantequantosanosestudastemúsica?QuantaspessoastocamatualmenteaToha?
-Porquesurgiuestanecessidadedecriaresnovosinstrumentos?
-Criarinstrumentoscomcriançasangolanas-projetosocialecultural,impulsionadoporumavontadedenãodeixarmorrerastradições.Preocupaçõescomastradiçõeseorigensangolanas.
-ProjetoTsikaya(www.tsikaya.org)-primeiroarquivodigitaldemúsicosdointeriordeAngola.
-PangeiArt(associaçãocultural?)–existemjámuitosmúsicoscomvontadedecriarosseusprópriosinstrumentos?
-PangeiaInstrumentos(exposição)–Unir,aproximar?Objetivosdoprojeto?
-Portugaleasoportunidadesparaosprojetos.
-Quenovoinstrumentoestásafabricaragora?Projetosfuturos?
59
TemasfaladosnaentrevistaVictorGama(EstúdioSintra-2016)
Localização
/Keyword
Ref.
ÁudioTemas
3-Casa_cozinha 44 Construçãodoinstrumentofazpartedoprocessodecomposiçãomusical.
4-Estúdio1/2 46 Trabalhoatual,encomenda;novasversõesdoacruxetoha;novosressoadores,cabaça,sensores,microfones.
4-Estúdio1/2 47 Materiais,laminadosdemadeiraesonoridades.
4-Estúdio1/2 48 Modelaçãoeimpressão3D;Processodepassagemparaaconstrução;relaçãocomengenhariaetecnologia;evoluçãotecnológicanoprocessodeconstruçãodeinstrumentos;instrumentosdedesenhofixo;oprocessodeconstruçãocompreendeoprocessodeconstruçãodoinstrumento.
4-Estúdio1/2 49 Instrumentovirtualeinstrumentofísico;bibliotecadesons;construçãodoinstrumentoéumapartedeigualrelevância,dentrodetodasasfasesdoprocessodecomposição,atéaprópriaescrita;instrumentofazpartedaescrita.
4-Estúdio1/2 50 Éprecisotrabalharoinstrumento,oprocessoécomplexoedemorado,nãoseconseguemresultadosimediatos;écomodomarumcavaloselvagem;surpresas,deceções,satisfações;
Projetoatual.
Esteéumprocessoquejátemalgumasconsequências,háumapossibilidadecertificadadefazerfuncionarosinstrumentos;orquestra,riscos;gestãodotempoeviagens,organizarasfasesdotrabalho,entreBruxelasePortugal.
4-Estúdio1/2 51 Mostracomponentedemadeiradoressoadordatoha.
5-Exterior 55 ExplicaporqueescolheuSintra,localbasedeconstrução
Trabalhointernacional.
6-Estúdio2/2 56 ExplicaporqueescolheuSintra.
Projetoparaconstruçãodeestúdionafloresta.
Meditaçãocomanatureza.
Hábitosmatinais.
60
6-Estúdio2/2 57 Luandacomocidadenatal;cidadeemconstantemutação.
LigaçãoumbilicalcomAngola.
ProjetoTsikaya.
Procuradocontactoentreamúsicaatualemúsicaantiga.
Construçãodeinstrumentosetransformação.
ViagensentreÁfricaeAméricadoSul.
Temarecorrente:comoamúsicaestáemrelaçãocomascerimónias,rituais,crenças,formasdeestar,cosmogoniadeumadeterminadacultura.
Culturaurbanaetecnológicafazdesaparecerosinstrumentosantigos.
Objetivoéconstruirumapontecomopassadoeherançacultural.
Procuradeconstruçãodeumcorpomusicalsólido.
Criarpeçamusicalcomorquestradeinstrumentosdedesignfixo,clássicos.
Preocupações,reflexões:ambiente,nuclear,futuro.
Conceitodoprojetoatual.
Projetossãopossibilidadepararefletir.
Imagemnosconcertos:imagensajudammuitonaconstruçãomusical;conjuntodeandaimesquepermiteconstruiroedifíciomusical.
Narrativa/conceitodoprojetoatual.
Contadordehistórias.
Históriassãousadasparaaconstruçãomusical.
3MilRios-destruiçãodaAmazónia,criaçãodaimagemnãoéoobjetivodaviagem:oobjetivodaviageméconhecerbemarealidade,parapoderdepoisconstruiramúsica.
6-Estúdio2/2 58 Públicoqueseidentificacomasmotivaçõesepreocupações.
Temasambientalistas:3MilRios,Vela6911.
RelaçãocomAngolaeAfricadoSul–projetoTectonik:Tombwa
Opúblicoéatraídoporcompositoresquedefinemumadireçãomuitoespecíficaeparticular.
61
VictorGama–Promo8'–Estrutura/Guião
Vídeo Áudio(Victorfalasobre)
1 Caminhadamarefalésia(semfotografar)Fazercafé
Hábitosmatinais
2 Trabalhonoestúdio:3D+manual Construçãodeinstrumentos
3 Victorfalasobreonovoprojeto;mostranovoressoador
Projetoatual–novasversõesdosinstrumentos
4 Montagem+InauguraçãoExposição;OficinaMúsicacrianças;Oficina3D.TrioVictorGama
Exposição,concertos,oficinas,workshopstemáticos
5 Concerto3MilRios Conceito3MilRios
6 ConcertoVela6911 ConceitoVela6911
7 ... RelaçãocomAngola
8 ApresentaçãodoProjetoTsikaya(inauguraçãoS.Luiz)
ProjetoTsikaya
9 Concertos,orquestra.Exposições-pessoas.
ConstruirumapeçamusicalTemasPúblicos
10 FotografaanaturezaVídeonosconcertos
Vídeonosconcertos
11 FalasobreagestãodotempoVictorcaminhasobreasfolhasdoOutono
GestãodotempoetrabalhoPorquêSintra?
LINKSúteis:
http://www.pangeiainstrumentos.org/assets/instrumentos_victor-gama_pt.pdf
http://www.africacont.org/_documentos/kronosquartet/press-release.pdf
http://www.victorgama.org/assets/victor-gama_bio_en_2014.pdf
https://vimeo.com/victorgamamusic
62
ANEXOIII
(DVD)
ExemplosdetrabalhosrealizadosduranteoestágionaRealFicção,gravadosemDVD*:
1–Showreelcomexcertosde:
SílviaWestphalen–EntrePedras;
VictorGama–OConstrutor(ConcertoVela6911);
VictorGama–OConstrutor(ConcertoVictorGamaTrio);
VictorGama–OConstrutor(Promo8');
2–SílviaWestphalen–EntrePedras
(tambémdisponívelonlineem:https://vimeo.com/200206307);
3–VictorGama–OConstrutor(Promo4')
(tambémdisponívelonlineem:https://vimeo.com/200839919).
*NãofoipossívelgravarintegralmenteemDVDalgunsdostrabalhosdesenvolvidos,
uma vez que os vídeos não foram divulgados ao público – é o caso da montagem dos
concertosVela6911eVictorGamaTrio.NãofoiobtidaautorizaçãoparagravaremDVDa
PromoDesterrados,masencontra-sedisponívelonlineem:https://vimeo.com/199389673