relatório de caso clínico - eqüinos - ufrgs.br · caso clínico 2009/2/09 página 5 figura 3....

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL Faculdade de Veterinária Departamento de Patologia Clínica Veterinária Disciplina de Bioquímica e Hematologia Clínica (VET03121) http://www.ufrgs.br/favet/bioquimica Relatório de Caso Clínico IDENTIFICAÇÃO Caso: 2009/2/09 Procedência: Sociedade Hípica Porto-Alegrense N o da ficha original: Espécie: eqüina Raça: SRD Idade: 15 anos Sexo: macho Peso: 550 kg Alunos(as): Daniel Luz, Gabriela Werlang, Karina Brum, Vinícius Auler Ano/semestre: 2009/2 Residentes/Plantonistas: Médico(a) Veterinário(a) responsável: Petra Garbade ANAMNESE Segundo relato do proprietário o animal vinha apresentando sintomatologia respiratória há, aproximadamente, dois anos; os sintomas incluíam: tosse crônica dissonante e não produtiva, dispnéia expiratória e queda de performance; durante todo o período, o animal foi mantido estabulado, a cama era composta de maravalha e/ou serragem e alimentava-se de ração comercial comum e feno de alfafa; o proprietário relatou que o animal apresentava períodos em que os sintomas diminuíam de intensidade e outros em que havia agravamento do quadro; em dezembro de 2008 foi realizado um tratamento com duração de 30 dias, com corticosteróide, e uma melhora clínica foi apresentada; os sintomas voltaram a aparecer no início de fevereiro de 2009; a partir de maio, o equino passou a demonstrar sintomatologia mais grave: dilatação das narinas, vias respiratórias estenosadas, corrimento nasal, expiração abdominal exagerada; foi administrado então Azium (dexametasona/anti-inflamatório) e Agrovet (penicilina+estreptomicina/antibacterianos) devido a suspeita de pneumonia; houve melhora do quadro clínico, porém os sintomas reapareceram após o final do tratamento; o animal foi encaminhado à hípica para investigação e tratamento no mês de setembro. EXAME CLÍNICO frequência cardíaca: 32 bpm (30 a 40 bpm) frequência respiratória: 37 rpm (18 a 20 rpm) mucosa oral: cianótica (Figura 1) tempo de enchimento capilar: 2s temperatura: 38ºC (38,0 ± 1,0ºC ) grau de desidratação: leve escore corporal: 3 (magro) em uma escala de 1 – extremamente magro - a 9 - obeso - (Figura 2) obstrução das vias respiratórias, esforço expiratório, hipertrofia da musculatura caudoventral do tórax (Figura 3 e Vídeo 1), tosse frequente, corrimento nasal. EXAMES COMPLEMENTARES Fibrinogênio: 4 g/L (0 a 3) Proteína plasmática total: 76 g/L (56 a 88) Lavado traqueal: (citologia) macrófagos: 6% (65±13,7)* neutrófilos: 87% (6,4±5,5)* células escamosas superficiais: 4% (0)* células colunares e ciliadas (epiteliais): 3% (19,1±6,1)* linfócitos: 0% (7,4±3,8)* eosinófilos: 0% (1,2±1,4)* mastócitos: 0% (0,2±0,4)* OBS: -presença de células degeneradas e de agrupamentos celulares; -grande quantidade de muco; -ausência de microorganismos. *Valores de referência: contagem celular total de secreções respiratórias coletadas por diferentes técnicas da traquéia de equinos hígidos (MAIR, 1987).

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  • UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL Faculdade de Veterinria Departamento de Patologia Clnica Veterinria Disciplina de Bioqumica e Hematologia Clnica (VET03121) http://www.ufrgs.br/favet/bioquimica

    Relatrio de Caso Clnico

    IDENTIFICAO Caso: 2009/2/09 Procedncia: Sociedade Hpica Porto-Alegrense No da ficha original: Espcie: eqina Raa: SRD Idade: 15 anos Sexo: macho Peso: 550 kg Alunos(as): Daniel Luz, Gabriela Werlang, Karina Brum, Vincius Auler Ano/semestre: 2009/2 Residentes/Plantonistas: Mdico(a) Veterinrio(a) responsvel: Petra Garbade ANAMNESE Segundo relato do proprietrio o animal vinha apresentando sintomatologia respiratria h, aproximadamente, dois anos; os sintomas incluam: tosse crnica dissonante e no produtiva, dispnia expiratria e queda de performance; durante todo o perodo, o animal foi mantido estabulado, a cama era composta de maravalha e/ou serragem e alimentava-se de rao comercial comum e feno de alfafa; o proprietrio relatou que o animal apresentava perodos em que os sintomas diminuam de intensidade e outros em que havia agravamento do quadro; em dezembro de 2008 foi realizado um tratamento com durao de 30 dias, com corticosteride, e uma melhora clnica foi apresentada; os sintomas voltaram a aparecer no incio de fevereiro de 2009; a partir de maio, o equino passou a demonstrar sintomatologia mais grave: dilatao das narinas, vias respiratrias estenosadas, corrimento nasal, expirao abdominal exagerada; foi administrado ento Azium (dexametasona/anti-inflamatrio) e Agrovet (penicilina+estreptomicina/antibacterianos) devido a suspeita de pneumonia; houve melhora do quadro clnico, porm os sintomas reapareceram aps o final do tratamento; o animal foi encaminhado hpica para investigao e tratamento no ms de setembro. EXAME CLNICO frequncia cardaca: 32 bpm (30 a 40 bpm) frequncia respiratria: 37 rpm (18 a 20 rpm) mucosa oral: ciantica (Figura 1) tempo de enchimento capilar: 2s temperatura: 38C (38,0 1,0C ) grau de desidratao: leve escore corporal: 3 (magro) em uma escala de 1 extremamente magro - a 9 - obeso - (Figura 2) obstruo das vias respiratrias, esforo expiratrio, hipertrofia da musculatura caudoventral do trax (Figura 3 e Vdeo 1), tosse frequente, corrimento nasal.

    EXAMES COMPLEMENTARES Fibrinognio: 4 g/L (0 a 3) Protena plasmtica total: 76 g/L (56 a 88) Lavado traqueal: (citologia) macrfagos: 6% (6513,7)* neutrfilos: 87% (6,45,5)* clulas escamosas superficiais: 4% (0)* clulas colunares e ciliadas (epiteliais): 3% (19,16,1)* linfcitos: 0% (7,43,8)* eosinfilos: 0% (1,21,4)* mastcitos: 0% (0,20,4)* OBS: -presena de clulas degeneradas e de agrupamentos celulares; -grande quantidade de muco; -ausncia de microorganismos.

    *Valores de referncia: contagem celular total de secrees respiratrias coletadas por diferentes tcnicas da traquia de equinos hgidos (MAIR, 1987).

  • Caso clnico 2009/2/09 pgina 2 URINLISE Mtodo de coleta: mico natural Obs.: Exame fsico cor consistncia odor aspecto densidade especfica (1,020-1,050) amarelo escuro fluida normal lmpido 1,080 Exame qumico pH (7-8) corpos cetnicos glicose pigmentos biliares protena hemoglobina sangue nitritos8,0 + - ++ ++ - - - Sedimento urinrio (no mdio de elementos por campo de 400 x) Clulas epiteliais: Tipo: Hemcias: ausente Cilindros: Tipo: Leuccitos: ausente Outros: t Tipo: carbonato de clcio Bacteriria: leve

    n.d.: no determinado

    BIOQUMICA SANGNEA Tipo de amostra: soro Anticoagulante: Hemlise da amostra: ausente Protenas totais: 73,0 g/L (52-79) Glicose: mg/dL (75-115) ALP: U/L (0-395) Albumina: 21,3 g/L (26-37) Colesterol total: mg/dL (75-150) AST: 162 U/L (0-366) Globulinas: 51,7 g/L (26-40) Uria: 34 mg/dL (21-51) CPK: U/L (0-140) BT: mg/dL (1,0-2,0) Creatinina: 1,3 mg/dL (1,2-1,9) : ( ) BL: mg/dL (0,2-2) Clcio: mg/dL (11,2-13,6) : ( ) BC: mg/dL (0-0,4) Fsforo: mg/dL (3,1-5,6) : ( )

    BT: bilirrubina total BL: bilirrubina livre (indireta) BC: bilirrubina conjugada (direta)

    HEMOGRAMA Leuccitos Eritrcitos Quantidade: 11.700/L (5.400-14.300) Quantidade: 7,23 milhes/L (6,8-12,9) Tipo Quantidade/L % Hematcrito: 36,0 % (32-53) Mielcitos 0 (0) 0 (0) Hemoglobina: 11,7 g/dL (11-19) Metamielcitos 0 (0) 0 (0) VCM (Vol. Corpuscular Mdio): 49 fL (37-58,5) Bastonados 0 (0-100) 0 (0-2) CHCM (Conc. Hb Corp. Mdia): 32,5 % (31-37) Segmentados 8.541 (2.260-8.580) 73 (22-72) Basfilos 0 (0-290) 0 (0-4) Eosinfilos 351 (0-1.000) 3 (0-10) Moncitos 351 (0-1.000) 3 (0-7)

    Morfologia:

    Linfcitos 2.457 (1.500-7.700) 21 (17-68) Plaquetas Plasmcitos (0) (0) Quantidade: n.d./L (100.000-350.000) Morfologia: Observaes: amostra com fibrina/ agregao

    plaquetria TRATAMENTO E EVOLUO O equino foi tratado a partir de 03/09/2009 com Pulmo Plus Gel (Cloridrato de Clenbuterol/broncodilatador + Acetilcistena/mucoltico) e Predef (Acetato de Isoflupredona/anti-inflamatrio) at 03/10/2009. Houve melhora clnica durante o tratamento, porm os sintomas retornaram logo aps o fim da administrao dos frmacos; o proprietrio decidiu no mais tratar o animal que teve encerrada sua vida atltica e passou a ser usado como doador de sangue em transfuses; no dia 15/10/2009 foram coletados 3 litros de sangue do animal; a coleta de sangue para o hemograma e exames bioqumicos foi feita em 21/11/2009, a colheita de urina para a anlise em 26/11/2009 e o lavado traqueal (Figura 4) realizado em 01/12/2009. Embora diagnosticada a doena, o animal continua apresentando os sintomas porque o proprietrio decidiu no mais trat-lo. NECRPSIA (e histopatologia) Patologista responsvel:

  • Caso clnico 2009/2/09 pgina 3 DISCUSSO Anamnese e exame clnicos: O histrico e os sinais clnicos sugerem uma enfermidade crnica das vias respiratrias, provavelmente decorrente do desenvolvimento de um quadro alrgico, com agravamento por infeces secundrias em perodos crticos da doena. Eritrograma: O valor encontrado na eritrocitometria (7,23 milhes/L) indica uma tendncia anemia quando comparado aos valores mdios de referncia de 6,87 milhes/ L (FAGLIARI & SILVA, 2002) e 9,9 milhes/L (PLOTKA et al., 1988). Independente do valor de referncia, uma eritrocitometria com valor prximo ao mnimo normal para a espcie era esperada pelo fato de terem sido coletados 3 litros de sangue do animal 37 dias antes da coleta para o hemograma. Leucograma: O valor absoluto dos neutrfilos segmentados (8541/L) indicou discreta neutrofilia quando comparado aos limites de referncia (2900 a 7000/L ) do Laboratrio de Anlises Clnicas Veterinrias e, tambm, comparado a outros valores de referncia da literatura como 2700 a 7000/L (VIANA, 2007); a leve neutrofilia encontrada pode ser resultado do estresse crnico sofrido pelo animal, que provoca liberao de corticosterides endgenos. A neutrofilia tambm um achado importante nos processos inflamatrios crnicos que sofrem uma descompensao e tornam-se agudos (GARCIA-NAVARRO, 2005). Analisando o histrico e os sinais clnicos, foi levantada a hiptese de tratar-se de um quadro alrgico, porm os nveis de eosinfilos estavam dentro dos padres normais para a espcie, o que no determinante para excluir esta possibilidade, j que diversos fatores, como o estresse, podem interferir nesta contagem. A ausncia de linfocitose, esperada em processos inflamatrios, pode ser explicado pelo estresse que causa linfopenia. Bioqumica sangunea: A hiperfibrinogemia leve (4 g/L) indica um processo inflamatrio, supurativo e/ou neoplsico. Este achado pode ser usado, clinicamente, como ndice de inflamao, podendo ser melhor indicador que a neutrofilia, em certas situaes, nos equinos (DUNCAN et al., 1994). A hipoalbuminemia, provavelmente, tem origem inflamatria; a albumina uma protena de fase aguda e, em processos inflamatrios, a liberao de citocinas pr-inflamatrias diminui sua sntese; na inflamao ocorre um aumento da sada de albumina do espao intravascular, o que caracteriza uma protena de fase aguda negativa (DIBARTOLA, 2006).

    Urinlise: A urina apresentou alta densidade (1,080) e colorao amarela escura devido leve desidratao e demora para a mico espontnea na colheita; a bilirrubinria explicada pelo fato de que os equinos apresentam menor atividade de conjugao da bilirrubina livre; a proteinria, sem cilindrria, tem origem fisiolgica, de carter transitrio que ocorre devido ao aumento temporrio da permeabilidade glomerular, como resultado de uma congesto dos capilares locais, fato que ocorre em situaes de estresse (GARCIA-NAVARRO, 2006); na urina concentrada deve-se ter cuidado ao interpretar o teste devido tendncia de resultados falso-positivos para protena; a discreta cetonria pode ser explicada pelo fato de o animal estar em jejum prolongado (DUNCAN, 1994). Lavado traqueal: A presena significativa de neutrfilos no lavado traqueal (LT) indica inflamao do trato respiratrio inferior de origem infecciosa ou no; condies infecciosas podem incluir bactrias, fungos, vrus e protozorios, e condies no infecciosas incluem irritao tecidual, necrose secundria a inalao de substncia txica, pneumonia obstrutiva ou neoplasia. A ausncia de eosinfilos no LT no descarta a possibilidade de causa alrgica (ROBINSON, 2003). A obstruo das vias areas inferiores por muco e exsudato indicam um aumento da resposta inespecfica da mucosa a alguma agresso. Clulas cubides e colunares so comuns em LT, mas tambm aparecem em processos patolgicos associados presena de secreo exsudativa. O aparecimento de clulas escamosas superficiais pode indicar contaminao orofarngea. A degenerao celular pode indicar morte celular e, assim como os aglomerados celulares, pode ser observada em casos inflamatrios crnicos.

  • Caso clnico 2009/2/09 pgina 4 CONCLUSES Com bases nos dados obtidos no hemograma, exame bioqumico e, principalmente, na anlise citolgica do lavado traqueal e histrico clnico foi concludo tratar-se de doena pulmonar obstrutiva crnica (DPOC). REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS DIBARTOLA, S. P. Fluid, Electrolyte, and Acid-base disorders in small animal practice. 3. ed. Philadelphia: Saunders Elsevier, 2006. p. 440 - 442. DUNCAN, J.R. et al.Veterinary laboratory medicine: clinical pathology. 3. ed. Ames: Iowa State University press, 1994. 300 p. FAGLIARI, J. J.; SILVA, S. L. Hemograma e proteinograma plasmtico de equinos hgidos e de equinos acometidos por abdomen agudo, antes e aps laparotomia. Arquivo brasileiro de medicina veterinria e zootecnia, v. 54, n. 6, p. 559-567, 2002. GARCIA-NAVARRO, C. E. K. Manual de hematologia veterinria. 2. ed. So Paulo: Varela, 2005. 206 p. GARCIA-NAVARRO, C. E. K. Manual de urinlise veterinria. So Paulo: Varela, 1996. 95 p. MAIR, T. S. et al. Cellular content of secretions obtained by lavage from different levels of the equine respiratory tract. Equine Veterinary Journal, [S.l.], v. 19, p. 458-462, 1987. PLOTKA, E. D. et al. Hematologic and biochemical characteristicas of feral horses from three management areas. J. Wildl. Dis., v. 24, n. 2, p. 231-239, 1988. ROBINSON, N.E. Current therapy equine medicine. 5. ed. USA: Saunders Elsevier, 2003. p. 368-388. SAVAGE, C. J. Segredos em medicina de equinos. Porto Alegre: Artmed, 2001. 416 p. VIANA, F. A. B. Guia teraputico veterinrio. 2. ed. Lagoa Santa: Cem, 2007. p. 339 - 340. FIGURAS

    Figura 1. Exame clnico. Mucosa oral ciantica indicando hipxia crnica.

    Figura 2. Exame clnico. Aspecto nutricional: escore corporal 3 (magro).

  • Caso clnico 2009/2/09 pgina 5

    Figura 3. Exame clnco. Aspecto da musculatura caudoventral do trax.

    Figura 4. Realizao do lavado traqueal. Coleta da secreo traqueobronquial atravs de cateterizao e sondagem da regio mdia da traquia cervical.

    Vdeo 1. Exame clnico. Aspectos do esforo respiratrio apresentados pelo paciente. Para executar o vdeo, clicar com o boto esquerdo do mouse sobre o mesmo. Para controlar a execuo do vdeo, clicar com o boto direito do mouse sobre o mesmo e selecionar a opo desejada do menu que ser apresentado.

    IDENTIFICAOQuantidade/(L