relatório aid watch 2012 - uma leitura da cooperação portuguesa desde 2003
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O relatório, apresentado na Assembleia da República em Novembro passado, monitoriza a Ajuda Pública ao Desenvolvimento (APD) e a Cooperação para o Desenvolvimento em Portugal ao longo dos últimos 10 anos, período em que a Cooperação Portuguesa conheceu transformações profundas, procurando adaptar-se às alterações que foram ocorrendo, quer na conjuntura interna, quer no panorama internacional.TRANSCRIPT
RelatóRio aid Watch 2012 – Uma leitURa
da coopeRação poRtUgUesa desde 2003
Grupo de Trabalho Aid Watch da Plataforma Portuguesa das ONGD
monitoriza a Ajuda Pública ao Desenvolvimentoe o estado actual da Cooperação Portuguesa
ÍnDICE
009 intRodUção
010 enfRentaR os novos desafios do desenvolvimento – Uma análise à coopeRação poRtUgUesa
011 ajUda pública ao desenvolvimento poRtUgUesa: Uma análise qUantitativa - pRincipais tendências (2003/2011)
015 APD BilATerAl vs MulTilATerAl
016 DisTriBuiçãO GeOGráfiCA
021 notas sobRe a qUalidade da apd: a fRagilidade da eficácia da coopeRação poRtUgUesa paRa o desenvolvimento
022 A AjuDA liGADA Ou A COOPerAçãO POrTuGuesA AO serviçO De OuTrOs fiNs
027 A quesTãO DA TrANsPArêNCiA DA APD POrTuGuesA
028 Os reTrOCessOs NA PrOGrAMAçãO: DO “PO5 e PO21” à siTuAçãO ACTuAl
029 eviDêNCiAs DA exeCuçãO OrçAMeNTAl DA COOPerAçãO POrTuGuesA
034 a Relação goveRno/osc em poRtUgal
035 fóruM DA COOPerAçãO PArA O DeseNvOlviMeNTO: A iNsTiTuCiONAlizAçãO DO DiálOGO eNTre O GOverNO e Os ACTOres NãO esTATAis DA COOPerAçãO POrTuGuesA
037 O relACiONAMeNTO eNTre ONGD e GOverNO NA ACTuAl leGislATurA
039 fiNANCiAMeNTO De PrOjeCTOs às ONGD POrTuGuesAs
045 a pRomoção da coopeRação paRa o desenvolvimento a política de estado: Uma hipótese de Resposta política
047 ACoerênCiAdAsPolítiCAsPArAodesenvolvimento–PortugAlnoContextointernACionAl
050 Os CONsTrANGiMeNTOs DA ArquiTeCTurA iNsTiTuCiONAl
050 A iNsTABiliDADe iNsTiTuCiONAl DA AGêNCiA De DeseNvOlviMeNTO
052 A ABerTurA DA COOPerAçãO POrTuGuesA à sOCieDADe
057 conclUsões
RELATÓRIO AID WATCH 2012 UMA LEITURA DA COOPERAÇÃO PORTUGUESA DESDE 2003
índice de gRáficos índice de depoimentos
e de qUadRos
012 gRáfico 1 apd poRtUgUesa líqUida em % do Rnb e em milhões de eURos
(2003/2011)
013 gRáfico 2 APdlíquidAem%dornBdosACtuAisestAdos-memBrosdA
ue/estAdos-memBrosPré-AlArgAmentode2004
015 gRáfico 3 APdBilAterAlemultilAterAlPortuguesA(2003/2011)
017 gRáfico 4 distriBuiçãodAAPdmultilAterAlPororgAnizAções(2003-
2011)/APdmultilAterAl2011
018 gRáfico 5 ConCentrAçãogeográfiCAdAAPdBilAterAl(PorContinen-
tes,de2003A2011)
025 gRáfico 6 grAudeligAçãodAAPdPortuguesA(2005-2010)
030 gRáfico 7 TAxA De exeCuçãO OrçAMeNTAl DA COOPerAçãO POrTuGuesA
(2004-2011)
031 gRáfico 8 TAxA De DOTAçãO COrriGiDA líquiDA AO MfAP, MNe e OuTrOs
eNTre 2004 e 2011
032 gRáfico 9 TAxA De exeCuçãO OrçAMeNTAl DO MfAP e MNe eNTre 2004 e
2011
041 gRáfico 10 finAnCiAmentoàsongdAtrAvésdeCAndidAturAPúBliCAe
finAnCiAmentototAlàsongd,de2003A2012(emmilhAres
deeuros)
048 gRáfico 11 númerodereuniõesAnuAisdACiC
014 depoimento 1 ANTóNiO lOureNçO DOs sANTOs
020 depoimento 2 fáTiMA PrOeNçA
023 depoimento 3 ANA GOMes
026 depoimento 4 rAquel freiTAs
036 depoimento 5 mAriAhermíniACABrAl
038 depoimento 6 CArlOs sANGreMAN
040 depoimento 7 PeDrO KruPeNsKi
044 depoimento 8 AveliNO BONifáCiO lOPes
046 depoimento 9 MóNiCA ferrO
049 depoimento 10 PAulO NAsCiMeNTO
051 depoimento 11 MANuel COrreiA
056 depoimento 12 sOfiA BrANCO
019 qUadRo 1 APdBilAterAlPorPAís2003-2011(PAísesPorordemdeCresCente)
021 qUadRo 2 PriNCíPiOs DA efiCáCiA DA COOPerAçãO PArA O DeseNvOlviMeNTO
054 qUadRo 3 iNsTiTuiçãO NACiONAl De COOPerAçãO PArA O DeseNvOlviMeNTO
055 qUadRo 4 AGêNCiAs De fiNANCiAMeNTO e APOiO à COOPerAçãO eCONóMiCA
004-005
ACD Agenda da Cooperação para o Desenvolvimento
AhAjudahumanitária
APD Ajuda Pública ao Desenvolvimento
Ar Assembleia da república
CAD Comité de Ajuda ao Desenvolvimento
CD Cooperação para o Desenvolvimento
Ce Comissão europeia
CiC Comissão interministerial de Cooperação
CiCl Camões – instituto da Cooperação e da língua
CONCOrD Confederação europeia das ONGD
CPD Coerência das Políticas para o Desenvolvimento
eD educação para o Desenvolvimento
eNeD estratégia Nacional de educação para o Desenvolvimento
iCP instituto da Cooperação Portuguesa
iPAD instituto Português de Apoio ao Desenvolvimento
MfAP Ministério das finanças e da Administração Pública
MNe Ministério dos Negócios estrangeiros
MTss Ministério do Trabalho e da segurança social
OCDe Organização para a Cooperação e Desenvolvimento económico
ODD Os Dias do Desenvolvimento
ODM Objectivos de Desenvolvimento do Milénio
Oe Orçamento de estado
ONG Organizações Não-Governamentais
ONGD Organizações Não-Governamentais para o Desenvolvimento
ONu Organização das Nações unidas
OsC Organizações da sociedade Civil
PAlOPPaísesAfricanosdelínguaoficialPortuguesa
PeD Países em Desenvolvimento
PiC Programa indicativo de Cooperação
PMA Países Menos Avançados
PO5 Programa Orçamental da Cooperação Portuguesa para o Desenvolvimento (Oe 2004/09)
PO21 Programa Orçamental da Cooperação Portuguesa para o Desenvolvimento (Oe 2011)
rNB rendimento Nacional Bruto
seNeCsecretáriodeestadodosnegóciosestrangeirosedaCooperação
sOfiD sociedade para o financiamento do Desenvolvimento
ue união europeia
acRónimos
RELATÓRIO AID WATCH 2012 UMA LEITURA DA COOPERAÇÃO PORTUGUESA DESDE 2003
sUmáRio eXecUtivo
Na última década, a Coope-ração Portuguesa conheceu trans-formações profundas, procurando adaptar-se quer à conjuntura interna, quer ao panorama inter-nacional. este relatório analisa assim as principais tendências, nos últimos 10 anos, em dois pla-nos distintos, porém interdepen-dentes.
A dois anos de 2015, Por-
tugalestámuitolongedametaacordada no quadro da união europeia, em que cada estado-membro deveria destinar 0,7% do rendimento Nacional Bruto à Ajuda Pública ao Desenvolvimento. em termos gerais, Portugal surge actualmente abaixo da média euro-peia, seja comparado com todos os actuais estados-membros da ue, cujamédiafixa-senos0,34%APd/rNB, seja em comparação com os estados-membros da ue no período anterior ao alargamento aos paí-ses do leste europeu, em que a média é de 0,52%, ou seja, quase o dobro da quota realizada por Portugal. em termos de execução
orçamental, 2011 registou o valor mais baixo, com 62% de execução do total de fundos alocados à Cooperação, ao mesmo tempo que se verificouamaiorconcentraçãodeverbas no Ministério das finanças e da Administração Pública, com 65% dos fundos e a sua mais baixa taxa de execução, de apenas 46%.
Mas não é apenas no plano
quantitativo que Portugal apre-sentaumdesempenhoquestionável.Apesar de acompanhar o actual debate sobre a qualidade da Coo-peração para o Desenvolvimento, pautado pela promoção do desli-gamento progressivo da APD face a outras prioridades, pela pro-moçãodatransparênciadosfluxosde APD, da apropriação local ou da previsibilidade, também nestas questões a Cooperação Portuguesa continua a apresentar incoerên-cias – por exemplo, após progres-sos até 2008, a Ajuda ligada veio aumentadosignificativamentenosúltimos três anos, atingindo os 72,5% em 2011.
Além disso, a transparência dosfluxosdeAPdportuguesatemsido alvo de críticas, tanto a nível interno, como internacio-nal, na medida em que Portugal tem feito avanços e recuos na disponibilização de informação pública neste sector, na criação de condições de programação e de monitorizaçãoplenadosfluxosdeAPd.osavançosconsideráveisnadefiniçãodecondiçõesdetrans-parêncianofinanciamentoàsongd,através de normas e candidaturas públicas-únicasnofinanciamentopúblico ao sector - têm vindo a ser comprometidos, com os fun-dos disponibilizados extra-nor-mas a superarem, em 2011, em três vezes, os da candidatura pública.
No que diz respeito ao
relacionamento do Governo com a sociedade civil, nomeadamente com as Organizações Não-Governamen-tais para o Desenvolvimento, este tem estado sujeito a avanços e recuos ao longo da última década. Apesar disso, a iniciativa da constituição do fórum da Coope-
006-007
ração para o Desenvolvimento, em 2008, é entendido como um marco muito importante no relaciona-mento entre ONGD, outros actores não-estatais e o Governo portu-guês, na medida em que cria um quadroinstitucionaldediálogoconjunto. A última década foi, a váriosníveis,umperíodopro-fícuo para a Cooperação Portu-guesa não só na estruturação e na profissionalizaçãodosdiversosintervenientes do sector, como tambémnaconstruçãodeumdiá-logo participado entre os diver-sosintervenientes,nadefiniçãode políticas sectoriais e de rumos estratégicos para a Coope-ração.
Algumas das debilidades
analisadas ao longo do relatório revelam, no entanto, uma subva-lorização da Cooperação para o Desenvolvimento no quadro das políticas públicas portuguesas, tornando claro que o seu reconhe-cimento como política de estado, transversal a ciclos eleitorais permitiria condições de maior consenso, coerência e relevân-cia políticas e também uma maior estabilidade ao nível institucio-nal.
estaanálisecontaaindacom depoimentos de pessoas-chave que têm – ou tiveram no passado recente – responsabilidade ou se relacionaram com o sector a váriosníveis:napolítica,nainvestigação, na sociedade civil, no jornalismo. As diferentes perspectivas vêm enriquecer este documento, reiterando ou propondo leituras alternativas do que foi a última década.
RELATÓRIO AID WATCH 2012 UMA LEITURA DA COOPERAÇÃO PORTUGUESA DESDE 2003
Para planear o presente e futuro próximo é importante olhar e conhecer o passado, sobretudo reconhecendoasboaspráticaseaprendendo lições com os fracassos. este relatório, elaborado no con-texto do grupo Aid Watch1 da Plata-forma Portuguesa das ONGD, procura contribuir para a construção de uma memória crítica, de uma década dze Cooperação Portuguesa para o Desen-volvimento, quer a nível interno, quer no plano internacional. Assu-mimos como marco temporal 2003, ano da última Audição Pública na Assembleia da república dedicada à Cooperação para o Desenvolvimento eprocuramostraçaroperfildeumadécada, destacando aquelas que nos parecem questões-chave: a Coopera-ção Portuguesa no âmbito das polí-ticas públicas, o relacionamento Governo/sociedade Civil, a evolução da APD portuguesa face aos compro-missos assumidos internacionalmente e o quadro institucional.
estaanálisenãotemapre-tensão de encerrar em si a leitura única da Cooperação Portuguesa,
pelocontrário,propõeumalei-tura, entre muitas, de momentos e questões-chave que, no nosso entender, foram (des)estruturan-tes no sector ao longo dos últimos anos. embora tendo como objecto uma década, focamos em especial o últimoanoemeio,ondeidentifica-mosalgunsrecuosaváriosníveis,que nos parece importante destacar pelo seu impacto, nomeadamente o déficitedequalidadenorelacio-namento com a sociedade Civil; a (con)fusão do instituto Camões e do iPAD numa única estrutura de promo-ção da língua e cultura portuguesas e de implementação e coordenação da política de Cooperação para o Desenvolvimento; a tentativa de enquadrar a política de Cooperação para o Desenvolvimento no terreno da diplomacia económica e de inter-nacionalização da economia; e a paralisaçãodosector,comreflexostambém no capital de motivação de recursos humanos importantes que se foram formando ao longo dos anos.
O relatório procura compreen-der os impactos que a nova (ou a
ausência de) agenda de Cooperação para o Desenvolvimento podem ter nos compromissos assumidos interna-cionalmente por Portugal em matéria de quantidade e qualidade da Ajuda ao Desenvolvimento, e apresenta diversas conclusões que deverão ser tidasemcontanadefiniçãopar-ticipada de uma nova estratégia – maiseficaz,coerenteequeespelheosnovosdesafios,seteanosapósa aprovação do documento ante-rior e que também tenha em conta o ambiente de crise internacional e nacional, assumindo a contextuali-zaçãodacooperaçãocomoumdesafioe não como um pretexto para a ina-ção e demissão.
1 Integrada na CONCORD – Con-federação Europeia das ONGD de Desenvolvimento e Acção Humanitária, a rede Aid Watch é composta por especialistas e ONG que analisam e monitorizam a qualidade e quantidade da Ajuda ao Desenvolvimento e a Cooperação para o Desenvolvi-mento no contexto europeu. Em Portugal, foi criado em 2007, o grupo temático Aid Watch, vinculado ao homónimo europeu, e composto por 10 ONGD portu-guesas (ACEP, ADRA Portugal, AID Global, Epar, Engenho e Obra, FEC, FGS, OIKOS, SOLSEF, UNICEF), para monitorizar os compromissos nacionais e internacionais assumidos pelo Estado português em matéria de Ajuda ao Desenvolvimento e Cooperação para o Desenvol-vimento. Mais informação em http://aidwatch.concordeurope.org/.
intRodUção
008-009
A Cooperação Portuguesa conheceu, ao longo da última década, uma transformação profunda, procurando adaptar-se e acompanhar asalteraçõesverificadasanívelmundial. Mais recentemente, o novo contexto europeu e global, sobre-tudonoplanoeconómico-financeiro,obrigou os diferentes actores de Desenvolvimento (Governo, municí-pios, academia, ONG e outras OsC) a adaptarem-se para dar resposta a novas realidades, contextos e exi-gências. Actualmente, a Cooperação Portuguesa é afectada pela crise nacional e europeia e pelas novas dinâmicas globais, com a entrada em cenadenovospaísesfinanciadoresepelaredefiniçãodopapeldosectorprivado.
Os dados divulgados em 2012 pelo Comité de Ajuda ao Desen-volvimento da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento eco-nómico(CAd/oCde)vêmconfirmarque o volume de Ajuda Pública ao Desenvolvimento dos países membros doCAd/oCdesofreucortessignifi-cativos e que, pela primeira desde
oiníciodacrisefinanceira,12países da união europeia reduzi-ram os seus orçamentos de Ajuda ao Desenvolvimento, com a Grécia a representar o corte mais expres-sivo (-39,3%), seguido de espanha (-32,7%). em Portugal, os dados preliminares apontavam para uma diminuição na ordem dos 3%, porém os valores disponibilizados pelo Camões – instituto da Coopera-ção e da língua (CiCl) para este estudo indicam um aumento de 3,9% em 2011, face ao ano anterior. Peranteocenárioglobaldaue,aCONCOrD – Confederação europeia das ONGD alertou que a Ajuda Pública ao desenvolvimentoestáaregredirdeformamaisrápidaqueaseconomiasdos países europeus e que a quali-dade da Cooperação para o Desenvol-vimentoestáigualmenteemcausa.
estes e outros sinais apon-tam para uma mudança de paradigma e de um claro desinvestimento na Ajuda Pública ao Desenvolvimento, que coloca a política de Coopera-ção para o Desenvolvimento perante desafiosdegovernação,dereforço
da coerência e de condições para melhorar a qualidade das suas acções.naspróximaspáginas,pro-curaremos analisar qual tem sido o comportamento da Cooperação Por-tuguesafaceaestesdesafios,aolongo de quase uma década.
enfRentaR os novos desafios de desenvolvi-
mento – Uma análise à coopeRação poRtUgUesa
paRa o desenvolvimento
RELATÓRIO AID WATCH 2012 UMA LEITURA DA COOPERAÇÃO PORTUGUESA DESDE 2003
No que diz respeito a dados quantitativos da APD, Portugal nunca cumpriu os compromissos assumidos a nívelinternacionaleestáactual-mente muito longe da meta estipulada para 2015, em que deveria destinar 0,7% do rNB para a APD. Atendendo ao contexto nacional e às actuais medidas de austeridade impostas pela Comissão europeia, Banco Central europeuefundomonetáriointerna-cional como condição para o resgate financeiro,seráimpossívelPortugalatingir esta meta até 2015, pois issosignificariamaisdoquedupli-car o actual orçamento destinado à APD em apenas três anos. A política actualdecontrolododéficepúblicoe de consolidação orçamental colo-caramobstáculosaocumprimentodasmetas europeias, mas o incumprimento vemjádetrás.mesmoassim,écru-cial que Portugal se comprometa com metasfinanceirasecomumacalen-darização concreta e pública (por exemplo, no Orçamento de estado) de forma a assegurar uma maior trans-parência dos recursos alocados, da sua execução e da previsibilidade da APD.
Olhando retrospectivamente para 2006, a meta europeia estabele-cida entre os estados-membros da ue era de 0,33% do rendimento Nacional Bruto (rNB) dedicados à APD, porém Portugal apenas atingiu os 0,21%, fixando-se0,12%abaixodessevalor.Peranteestecenário,Portugalcom-prometeu-secomumnovocalendário–publicado no relatório de Orçamento de estado para 2009 – com vista a atingir o nível intermédio de 0,34% da APD/rNB para 2010 – meta que tam-bém não foi cumprida.
Ao longo da última década, Portugal tem sofrido diversas osci-lações nos montantes comprometidos no Orçamento do estado para a APD, comodemonstraográfico1.emmédia,a percentagem do rNB destinado à APD de2003a2011fixa-senos0,28%.Porém, se 2004, ano do perdão de dívidaaAngola,queinflacionouosvalores de APD portuguesa (0,63%), forretiradodoscálculos,amédiadesce para os 0,24% APD/rNB, com cerca de 380 milhões de euros anuais canalizados para a APD. Portugal tem vindo gradualmente a aumentar a APD, porém, após um ligeiro acréscimo do
volume de APD de 0,22%, em 2007, para os 0,27% do rNB em 2008, o valor de APD baixou novamente para os 0,23% em 2009, o que se traduz numa dimi-nuição de 61 milhões de euros. Nos anos de 2010/2011, a percentagem de rNB dedicada à APD manteve-se nos 0,29%, tendo-se registado um ligeiro aumento de 490 milhões de euros para 509 milhões de euros, em 2011 (mais 20 milhões que no ano anterior).
Comparando o caso português com os restantes países da ue, constata-se que o não cumprimento das metas europeias coloca Portugal nos luga-res inferiores do ranking europeu em termos de APD.
Comodemonstraográfico2,Por-tugal surge abaixo da média europeia norácioAPd/rnB,sejacomparadocomtodos os actuais estados-membros daue,cujamédiafixa-senos0,34%APD/rNB, seja em comparação com os estados-membros da ue no período anterior ao alargamento aos países do leste europeu, em 2004, em que a média é de 0,52%, quase o dobro do valor de APD/rNB de Portugal.
ajUda pública ao desenvolvimento poRtUgUesa:
Uma análise qUantitativa - pRincipais ten-
dências (2003/2011)
010-011
GráfiCO 1. APD portuguesa
líquida em % do rNB e em
milhões de euros (2003 a 2011)
2002
200
0
600
400
800
1000
2004 20082006 20102003
282
829
304315
343 430 369489 509
2005 20092007 2011 2012
0,1
0
0,3
0,2
0,4
0,5
0,6
0,7
2004 20082006 20102003
0,22
0,63
0,210,22 0,27 0,23
0,29 0,29
0,21
2005 20092007 2011
Fonte: elaborado a partir de dados do CAD/OCDE, IPAD e CICL
RELATÓRIO AID WATCH 2012 UMA LEITURA DA COOPERAÇÃO PORTUGUESA DESDE 2003
Fonte: elaborado a partir de dados do CAD/OCDE
GráfiCO 2. APD líquida em % do
rNB dos actuais estados-membros
da ue / estados-membros pré-
-alargamento de 2004
Suécia Suécia1,02 1,02
França França0,46 0,46
Hungria 0,11
Luxemburgo Luxemburgo0,99 0,99
Alemanha Alemanha0,40 0,40
Grécia
Grécia
0,11
0,11
Dinamarca Dinamarca0,86 0,86
Espanha Espanha0,29 0,29
Roménia 0,09
Holanda Holanda0,75 0,75
Portugal Portugal0,29 0,29
Bulgária 0,09
Reino Unido Reino Unido0,56 0,56
Lituânia 0,13
Áustria Áustria0,27 0,27
Eslováquia 0,09
Bélgica Bélgica0,53 0,53
Eslovénia 0,13
Malta 0,26
Polónia 0,08
Irlanda Irlanda0,52 0,52
ItáliaItália
0,190,19
Letónia 0,07
Finlândia Finlândia0,52 0,52
Estónia 0,12
Chipre 0,16
República Checa 0,13
012-013
_________________________________________________________________________________________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________________________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________________________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________________________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________________________________________________________________________________________
DePOiMeNTO 1. enqUanto antigo Responsável no sectoR da
coopeRação paRa o desenvolvimento, gostaRíamos de con-
taR com a sUa visão, solicitando-lhe Um balanço bReve
da última década de coopeRação poRtUgUesa.
Década marcante para a Cooperação Portuguesa, com dificuldadesetransformações,noessencialumafaseemqueemergiram novos paradigmas. No início, no biénio 2002-2003 que testemunhamos, cuidamos de conservar o que de acertado jáexistia,ecomeçamosporracionalizaroquadroinsti-tucional. Tratamos, com a criação do iPAD, da integração dos dois corpos institucionais (iCP-APAD) que coexistiam sob tutela do MNe e que não se diferenciavam realmente no âmbitodassuasintervençõeseacções,numdoscasosaliáspautadas por discricionariedade acentuada. e, mais impor-tante, deixamos consagrada a imprescindível Coordenação Orçamental e financeira da cooperação programada pelos diferentes Ministérios, que deveria envolver maior racio-nalidade e reforço da coerência da acção do estado.
em simultâneo, lançamos as bases para permitir o reforço da intervenção das ONG nas acções da Cooperação, e modernizamos o estatuto do Cooperante: são estas duas medidas que entendemos imprescindíveis para garantir a melhoriasustentadadapresença,eoreforçodaeficáciadaCooperação Portuguesa. e não queremos esquecer, pelo forte simbolismo inerente, a reorganização e a consolidação da Cooperação com Timor-leste, a inauguração da cooperação orçamental com Moçambique, e o lançamento das primeiras operaçõesdeAjudahumanitáriaemAngola.
dezanosdecorridos,ficouconsagradooacertodaque-las opções. No patamar institucional, não foram registadas mudanças de vulto, mesmo tendo em conta a recente fusão
do instituto Camões com o iPAD. Na vertente orçamental e financeira,sãopatentesacoerênciaearacionalidadedaopção realizada. e no que toca ao acerto da opção pelo reforço da intervenção da sociedade Civil nas acções da Cooperação, basta ter em conta o arcaboiço e as capacida-desdosnovosprotagonistasqueintervêmdesdeháanosnospaíses lusófonos parceiros tradicionais da nossa Coopera-ção, e a diferenciação que a nossa menor dimensão acon-selha e impõe: os nossos instrumentos e ferramentas de Cooperação têm necessariamente que estar dotados de uma natureza mais humana e exibir um cariz de maior proximi-dade.
antónio loURenço dos santos,
eX-secRetáRio de estado dos negócios
estRangeiRos e coopeRação, de 2002 a 2003
RELATÓRIO AID WATCH 2012 UMA LEITURA DA COOPERAÇÃO PORTUGUESA DESDE 2003
apd bilateRal vs mUltilateRal
uma das características predominantes da APD portuguesa é a sua distribuição maioritaria-mente bilateral, sendo cerca de 2/3 bilateral (2,5 mil milhões de euros entre 2003 e 2011) e 1/3 multilateral (1,4 mil milhões de euros no mesmo período). em 2011, a APD bilateral portuguesa repre-sentou 67% do volume total de APD, que se traduz em 343 milhões de euros. enquanto isso, a APD multi-lateralfixou-senos166milhõesdeeuros, o equivalente a 33% da APD portuguesa, embora a Estratégia Portuguesa de Cooperação Multilate-ral (aprovada em 2010 e que vai ao encontro de uma das recomendações do CAD/OCDe no exame de 2006) indi-quequePortugalprocurarádedicar40% da APD a canais multilaterais.
A Ajuda Pública ao Desen-volvimento realizada através das contribuições para as instituições multilaterais é parte importante da APD portuguesa e a Estratégia Por-tuguesa de Cooperação Multilateral2 estabelece critérios, instrumentos e mecanismos que visam promover a coerênciaeeficáciadosesforçosdeCooperação Multilateral da Adminis-tração Pública para o reforço da presença,visibilidadeeinfluência
nacional nas organizações multila-terais. O documento de estratégia da Cooperação Portuguesa defende ainda a melhoria da coerência e coordenação entre as diferentes entidades públicas envolvidas na cooperação multilateral, nomeada-mente o então iPAD e o Ministério das finanças que desempenham aqui um papel fundamental ao nível do engajamento multilateral. No último exame interpares, o CAD/OCDe reco-mendava a Portugal que analisasse o potencial de aumentar a despesa multilateral, centrada num número
reduzido de parceiros, como forma deaumentaraeficáciadaAPdmulti-lateral. Além disso, alertou ainda que o sucesso da implementação da estratégia multilateral passa por uma maior coordenação entre o iPAD, actual Camões- instituto da Coo-peração e da língua (CiCl), e o Ministério das finanças e da Admi-nistração Pública (MfAP).
Comodemonstraográfico4,que analisa a APD multilateral de 2003 a 2011, grande parte da Ajuda multilateral é canalizada
Fonte: a partir de dados dis-ponibilizados pelo CICL
2 vide http://goo.gl/qqxeL
GráfiCO 3. APD bilateral e
multilateral portuguesa
(2003/2011)
014-015
200
0
600
400
800
2004 20082006 20102003 2005 20092007 2011
161
121 127 128 147
197
171
259
702
170
199
190
299
166
343
176 168
bilateral
multilateral
para a ue (média de 72%, com quase mil milhões de euros), colocando a união europeia como o parceiro multilateral mais importante da Cooperação Portuguesa, seguido dos Bancos regionais de Desenvolvi-mento, com uma média de 10% (134 milhões de euros) e as organizações internacionaiscomoofundomonetá-rio internacional, Banco Mundial e a Organização Mundial do Comércio em terceiro lugar com 9% (120, 5 milhões de euros).
Olhando apenas para dados mais recentes, de 2011, a união europeia continua a ser o parceiro multilateral da Cooperação Portu-guesa por excelência, detendo 82% da APD multilateral portuguesa (cerca de 129 milhões), seguida das instituiçõesfinanceirasinternacio-nais (fMi, Banco Mundial e OMC), que representam 10% do valor total (quase 16 milhões de euros), e das Nações unidas que, com sete milhões de euros, representa 5% da APD mul-tilateral, em 2011.
distRibUição geogRáfica
relativamente à APD bilate-ral, esta caracteriza-se pela sua grandeconcentraçãogeográficanoscinco PAlOP e em Timor-leste, o que significaqueestáfortementecen-trada em Países Menos Avançados e alguns estados em situação de fra-gilidade.
sendoumpequenopaísfinan-ciador de APD, Portugal tem tido vantagens na concentração da sua Ajuda ao Desenvolvimento nos PAlOP, que coincidem em estar concentrados na áfrica subsariana e serem maio-ritariamenteclassificadoscomoPaí-ses Menos Avançados. Para evitar a fragmentação e dispersão, as acti-vidades da Cooperação Portuguesa em países fora do espaço da CPlP são sempre em menor escala. De 2003 a 2011, os PAlOP e Timor-leste ocupam os cinco primeiros lugares da lista dos países receptores da APD portu-guesa.Porém,identificamosnanossaanálisesituaçõescontraditórias,mais evidentes em 2008. De facto esse ano, constitui uma excepção nestadistribuiçãogeográfica,comMarrocos a deter cerca de 25,5% da APD bilateral portuguesa, devido à utilização de uma linha de crédito concessional; mas também outros
países como o Afeganistão, a Bósnia ou a sérvia surgem nesta lista. se nalguns casos se trata de compro-missos internacionais de Portugal noquerespeitaàAjudahumanitáriaeàmanutençãodapaz,jánocasoda Bósnia existe pelo menos um ano em que se trata também de um caso de ajuda concessional (ver mais adiante o capítulo relativo à Ajuda ligada).
Outra característica predo-minante da APD portuguesa é a sua distribuição sectorial, centrada na cooperação técnica, principalmente no sector da educação e capacitação institucionalemdiversasáreas.emrelação à sua estrutura, esta segue um modelo descentralizado a nível institucional, que envolve diferen-tes entidades da administração cen-tral, local e da sociedade civil, sob coordenação do CiCl.
A Cooperação Portuguesa é também caracterizada pela grande quantidade de actores, o que reforça ainda mais a necessidade da criação de condições de articulação entre eles para evitar a dispersão eparatornarmaiseficazeseefi-cientes as actividades desenvolvi-das no terreno.
RELATÓRIO AID WATCH 2012 UMA LEITURA DA COOPERAÇÃO PORTUGUESA DESDE 2003
Fonte: a partir de IPAD (2010) e dados disponibilizados pelo CICL
GráfiCO 4. Distribuição da APD
multilateral por organizações
(2003-2011) / APD multilateral
2011
016-017
1% Outras Instituições Multilaterais
3% Outras Instituições Multilaterais
5% Nações Unidas
6% Nações Unidas
82% Comissão Europeia
72% Comissão Europeia
10% FMI, Banco Mundial e OMC
9% FMI, Banco Mundial e OMC
2% Bancos Regionais de Desenvolvimento
10% Bancos Regionais de Desenvolvimento
Fonte: a partir de dados do IPAD (2010) e disponibilizados pelo CICL
GráfiCO 5. Concentraçãogeográ-
ficadaAPdbilateral(porcon-
tinentes, de 2003 a 2011)
16% Ásia
5% Europa
4% Oceânia74% África
1% América
RELATÓRIO AID WATCH 2012 UMA LEITURA DA COOPERAÇÃO PORTUGUESA DESDE 2003
quADrO 1. apd bilateRal poR país
2003-2011 (poR país em oRdem decRescente)
2003Timor-leste, Cabo verde,
Angola, Moçambique, são Tomé e Príncipe, Guiné-Bissau, Bósnia, Afeganistão e Marrocos
2004Angola, Cabo verde, Timor-
-leste, Moçambique, Guiné-Bissau, Bósnia, Afeganistão e Marrocos
2005Cabo verde, Timor-leste,
Moçambique, Angola, Guiné-Bissau, são Tomé e Príncipe, Bósnia, Afega-nistão e Marrocos
2006Cabo verde, Timor-leste,
Moçambique, Angola, Guiné-Bissau, são Tomé e Príncipe, Afeganistão, Bósnia e Marrocos
2007Timor-leste, Cabo verde,
Moçambique, Angola, Guiné-Bissau, são Tomé e Príncipe, Bósnia, Afega-nistão e Marrocos
2008Marrocos, Cabo verde, Timor-
-leste, Moçambique, Bósnia, Angola, Guiné-Bissau, Afeganistão, são Tomé e Príncipe
2009Moçambique, Cabo verde,
Timor-leste, Marrocos, são Tomé e Príncipe, Guiné-Bissau, Afeganistão e Bósnia
2010Cabo verde, Moçambique,
Timor-leste, são Tomé e Príncipe, Guiné-Bissau, Afeganistão, sérvia (inclui Kosovo), Bósnia e Marrocos
2011Moçambique, Cabo verde, são
Tomé e Príncipe, Timor-leste, Guiné-Bissau, Afeganistão, sérvia (inclui Kosovo), Marrocos e Bósnia
018-019
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DePOiMeNTO 2. enqUanto pResidente da platafoRma poRtUgUesa
das ongd em gRande paRte do peRíodo em análise, qUal o
balanço qUe faz da última década de coopeRação poRtU-
gUesa?
uma década de Cooperação para o Desenvolvimento é simultaneamente um período bastante longo, mas também bastantecurto:longoporquepermiteidentificartendên-cias, curto porque quando falamos de mudanças nos domínios do Desenvolvimento teremos necessariamente que pensar em longo prazo, em mudanças muito mais complexas do que sim-ples construções físicas.
esta última década de Cooperação para o Desenvol-vimentoportuguesafoiassimumperíodoricoaváriostítulos:naestruturaçãodosector,naprofissionalizaçãodosintervenientes,nadefiniçãodepolíticasglobaisenospassos dados na construção participada de políticas sec-toriais,nodiálogointer-actoresedestescomasociedadeportuguesa, na participação nos debates internacionais e no seu impacto na criação de capacidade crítica a nível nacional.nãocabenumdepoimentodestadimensãoidentifi-car exemplos que sinalizem estas mudanças positivas, mas seguramente muitas evidências estarão patentes ao longo deste relatório.
O debate sobre o copo meio vazio situa-se por vezes, demasiadasvezes,emquestõesrelativasaosmeiosfinan-ceirosquesempretêmficadoaquémdoscompromissos.noentanto, uma exigência de rigor impõe-nos um olhar o campo da Cooperação com maior profundidade, mesmo nos seus aspectos quantitativos, e assumir a responsabilidade de quemelhorpoderíamosfazer.odiálogoentreactoresnemsempre tem sido o espelho de um real reconhecimento mútuo,
as relações de poder entre os diferentes actores e geo-grafiascontinuamdesequilibradaseacomprometeraneces-sáriaapropriaçãoportodos,asdiferentesnaturezasemissõesnãosãosempreassumidascomcoerência,odiálogodo sector com a sociedade tem-se demitido de ganhar e/ouresponsabilizarasociedadepolítica-partidáriaeassuas representações parlamentares para uma missão que é de todos.e,naausênciadessaresponsabilização,nãoestánunca garantida a sustentabilidade dos progressos obtidos.
eduardo lourenço lembra-nos que a história chega tarde para dar sentido à vida de um povo, só pode reca-pitulá-la.Cabe-nosatodos,hoje,darsentidoànossaparticipação num mundo que não suporta mais desequilíbrios e desigualdades.
fátima pRoença,
pResidente da associação paRa a coopeRação entRe os povos e eX-pResidente
(2003/05 e 2007/8) e eX-vice pResidente (2006) da platafoRma poRtUgUesa das ongd
RELATÓRIO AID WATCH 2012 UMA LEITURA DA COOPERAÇÃO PORTUGUESA DESDE 2003
Num contexto de austeridade e de consequentes cortes orça-mentais, por vezes sem critérios claros,naáreadaCooperaçãoparao Desenvolvimento, torna-se ainda mais premente apostar na melhoria da qualidade da APD, sem prejuízo de desenvolver esforços para cum-prir os compromissos da quantidade. No plano internacional, Portugal tem participado em diversos fora de discussão sobre a qualidade da Cooperação para o Desenvolvimento e assinou a Declaração de Paris (2005), a Agenda para a Acção de Acra (2008) e, mais recentemente, a Nova Parceria Global de Busan (2011) – considerados os três documentos principais sintetizado-res das orientações e compromissos comaeficáciadaCooperaçãoparaoDesenvolvimento.
Portugalestá,assim,vin-culado a procurar colocar a sua política (e reforçar também a coerênciaprática)deCooperaçãopara o Desenvolvimento em sinto-nia com os compromissos assinados a nível internacional, incluindo o
esforço global de contribuir para a erradicação da pobreza, a dimi-nuição das desigualdades mundiais, através da promoção de uma aborda-gem baseada nos direitos humanos enodesenvolvimentosustentável.questões como o desligamento e a transparência da Ajuda ao Desenvol-vimento, a Coerência das Políticas para o Desenvolvimento, a apropria-ção local, a harmonização, ou a coordenação entre diversos actores de Desenvolvimento (instituições públicas, ministérios, municípios, ONG, academia) surgem como pré-re-quisitos essenciais para melhorar a qualidade da Cooperação Portuguesa. Porém,umaanálisetransversalàúltimadécadapermiteidentificardiversas falhas que persistem ou se agravam nesta matéria.
quADrO 2. pRincípios da eficácia da
coopeRação paRa o desenvolvimento
harmonização:tem a ver com a uniformização
esimplificaçãodosprocedimentosnaconcessão da APD que conduzam a uma harmonização das políticas, pro-cedimentosepráticasinstitucio-nais dos doadores com as dos países parceiros.
Alinhamento:entende que os países doado-
res devem articular os seus pro-gramas de Cooperação para o Desen-volvimento com as estratégias e prioridades de desenvolvimento do país parceiro, utilizando as suas instituições e procedimentos para disponibilizarem a APD.
Apropriação:deve ser o país parceiro a
definirasuaprópriaagendadedesenvolvimento,queiráorientaraactividade dos doadores.
notas sobRe a qUalidade da apd: a fRagili-
dade da eficácia da coopeRação poRtUgUesa
paRa o desenvolvimento
020-021
Prestação de contas mútua:tanto os países doadores como
os países parceiros têm de assumir responsabilidades quanto aos resul-tados da concretização dos progra-mas de cooperação e também quanto à transparência das operações.
Gestão para os resultados:tem a ver com a gestão e
aplicação da Ajuda ao Desenvol-vimento baseada nos resultados desejados, utilizando todos os dados relevantes disponíveis para melhorar o processo de decisão, de acordo com as estratégias de desen-volvimento nacionais.
Desligamento da Ajuda:osfluxosdeAPdnãodevem
estar condicionados à aquisição de bens e serviços do país doador, pois acabam por provocar inversões nascompetênciasdadefiniçãodeprioridades, entre países doadores e países parceiros e os custos das operações podem acabar por ser mais altos, por não estarem sujeitos às normas da concorrência.
Transparência:tem a ver com a disponibili-
zação de informação de forma proac-tiva,completa,comparáveledispo-nibilizada em tempo útil. O direito do acesso dos cidadãos à informação
neste sector deve ser promovida e incentivada.
Previsibilidade:estárelacionadacomadis-
ponibilização de informação aos paísesparceirossobreosfluxosdeAPD para que possam fazer a sua própria programação de actividades e recursos.
a ajUda ligada oU a coopeRação
poRtUgUesa ao seRviço de oUtRos
fins
Ao longo dos últimos anos, parte importante da APD portuguesa tem assumido a forma de “Ajuda ligada”,oquesignificaqueovolumede APD canalizado para países par-ceirosestáveiculadoaempréstimoscondicionados à aquisição de bens e serviços a empresas portuguesas. esta tendência tem-se agravado ao longo dos últimos anos, como demons-traográfico6,emcontracorrentecom as recomendações internacionais para o desligamento gradual da APD.
No início do século, o apelo ao desligamento da Ajuda ao Desenvol-vimento foi incluído na Declaração do Milénio e, no âmbito do CAD/OCDe, foram também feitos esforços nego-ciais para o combate ao ligamento da Ajuda, que culminaram na adop-ção da recomendação do CAD para o desligamento da Ajuda ao Desenvolvi-mento aos PMA, subscrita também por Portugal, em 2005. Nesse documento, a OCDe traça uma série de critérios que regulam o que pode ser consi-derado APD, recomendando igualmente que a Ajuda ligada não deve ultra-passar uma determinada percentagem relativamente ao volume global de APddopaísfinanciador.
O debate feito no quadro do CAD e a orientação aprovada têm em conta que esta forma de ajuda, que poderia ser defendida como bené-ficaparaambasaspartes,setemrevelado claramente como desres-peitadora das prioridades de desen-volvimento dos países parceiros, traduz-se muitas vezes em custos mais elevados pelos mesmos bens e serviços do que se eles fossem adquiridos em mercado aberto e não explora as virtualidades de apoio à economia da região em que o país parceiro se insere se as aquisições de bens e serviços aí fossem reali-zadas.
RELATÓRIO AID WATCH 2012 UMA LEITURA DA COOPERAÇÃO PORTUGUESA DESDE 2003
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* a partir do depoimento ela-borado para a primeira edição da Revista da Plataforma Por-tuguesa das ONGD
DePOiMeNTO 3. fUtURo da política de coopeRação de poRtUgal
decide-se na eURopa*
à luz da situação económica e orçamental em Portu-gal e na europa, é importante assegurar que as políticas de cooperação para o desenvolvimento são geridas de modo eficazeproduzemosmelhoresresultadospossíveis.Paraisso, é preciso que a união europeia e os seus estados-Membros falem a uma só voz e ajam em uníssono. Portugal nãoestáclaramenteadaroseucontributoparaisso–basta ver como tem falhado o cumprimento do compromisso de afectar 0,7 por cento da sua riqueza à realização dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio (ODM) – tal como constatou a OCDe.
uma vez que, nos termos do Tratado de lisboa, o apoio aos esforços empreendidos pelos países em desen-volvimento para erradicar a pobreza é uma prioridade da acção externa da ue e constitui o objectivo primeiro da sua política de cooperação, os membros da união-27 devem combinar/partilhar políticas, instrumentos e recursos para alcançar esse objectivo.
No actual quadro político e institucional e indepen-dentemente da margem de manobra de cada governo que sempre subsiste, o futuro de uma política de cooperação nacio-nal – portuguesa neste caso – decide-se em sintonia com a europa. embora o actual Governo português queira acabar comofinanciamentodaCooperaçãoparaodesenvolvimentodevido à sua obsessão com uma austeridade “custe o que custar”. O encerrar do iPAD com a fusão de serviços com o instituto Camões é bem exemplo disso!
No entanto, o pano de fundo europeu em que a Coope-raçãoPortuguesacontinuaráaevoluir,nospróximosanos,
não se esgota nas orientações emanadas das instituições comuns em Bruxelas. O papel da sociedade civil plural e activanadefiniçãoenaexecuçãodaspolíticasdecoope-raçãopermaneceráincontornável–espera-se–porqueéachave para o fortalecimento das democracias. Pelo menos, é esse o entendimento da Comissão de Desenvolvimento do Parlamento europeu (Pe). espera-se das ONG um contributo preciosopararesponderaosnovosdesafiosemperspectiva,tais como o da realização dos ODM até 2015 e a negocia-çãodopróximoquadrofinanceiroplurianualdaue(paraoperíodo 2014-2020).
ana gomes,
depUtada e membRo da comissão dos assUntos
eXteRnos do paRlamento eURopeU
022-023
Comodemonstraográfico6,de2005 a 2008, a percentagem de Ajuda desligada aumentou gradualmente, representando 61% do volume total de APD em 2005 e 2006 e atingindo os 91,3% em 2008, indo ao encon-tro dos acordos internacionais. Durante esse período, os valores deAjudaligadafixaram-seentreos8,7 e os 29%. Porém, a partir de 2009 o aumento do volume de APD tem sido feito, em parte, com recurso àAjudaligada,verificando-seumaumentosignificativo.osdadosprovisórios de 2011 demonstram que 72,5% da APD assume forma de Ajuda ligada, tendo sofrido um acréscimo de 15,1 pontos percentuais entre 2010e2011.esteaumentosignifi-cativoem2010e2011éjustificadopelo CiCl não só pelo peso relativo das linhas de crédito concessio-nal na APD, mas também pela recente reclassificação(comefeitoapartirde 2010, inclusive) do estatuto de ligamento para determinadas tipolo-gias de Ajuda ao Desenvolvimento de acordo com orientações do CAD/OCDe, nomeadamente na Ajuda aos refugia-dos no país doador e na sensibili-zação para o Desenvolvimento. Nos últimos anos, tem vindo a assistir-se a uma orientação para a abertura de linhas de crédito propostas aos países parceiros de forma condicio-nada (Moçambique, Cabo verde e são
Tomé e Príncipe) ou mesmo a países com que Portugal não tem tido ao longo dos tempos quaisquer relações de Cooperação, não sendo explicada asuaintegraçãopráticanospaí-sesprioritáriosounemsendoPmA(exemplos de Marrocos e Bósnia), desvirtuando assim os objectivos da APD e pondo em causa o compromisso comaeficáciadaCooperaçãoparaoDesenvolvimento.
estesdadosvêmconfirmarquea Ajuda ao Desenvolvimento se tem vindo a “ligar” – ou seja, a con-dicionar - à internacionalização da economia. Atendendo à priori-dade dada à diplomacia económica no contexto actual, prevê-se que num futuro próximo esta tendência possa vir a registar um agravamento. Tor-na-se portanto crucial que Portu-galcumpraosprincípiosdefinidosanível internacional sobre o des-ligamento da Ajuda ao Desenvolvi-mento, na medida em que a Coopera-ção para o Desenvolvimento tem como base também um imperativo ético, contraditório com uma preocupação prioritáriaeunilateralderetor-nos económicos, mesmo num contexto deconstrangimentofinanceiro.Poroutras palavras, quando se trata de Cooperação para o Desenvolvimento (e não de cooperação económica) as boaspráticasdecooperaçãopas-
sam pela primazia à aquisição de bens e serviços locais, nos países parceiros, para a concretização de projectos, de forma a estimular o mercado e as economias locais ou regionais.
boas pRáticas
aUstRália, canadá, coReia do sUl
e sUécia na vangUaRda da ajUda
desligada
Desde Acra, em 2008, que diversospaísesfinanciadorestêmfeitoprogressossignificativosnodesligamento da Ajuda ao Desenvol-vimento. A título de exemplo, a totalidadedeAPddaAustráliaéactualmentedesligadaeoCanadá,aCoreia do sul e a suécia têm regis-tado avanços nesse sentido. em con-traciclo, surgem 13 países membros do DAC/OCDe (dos quais destacamos Portugal) que têm vindo a aumen-tar a quantidade de Ajuda ligada de formamuitosignificativa.AnovaParceriadeBusan(finalde2011)sublinha a necessidade de “acelerar esforços para desligar a Ajuda” ao desenvolvimentojáem2012.
RELATÓRIO AID WATCH 2012 UMA LEITURA DA COOPERAÇÃO PORTUGUESA DESDE 2003
Fonte: IPAD, 2010 e dados dis-ponibilizados pelo CICL, 2012 * Montantes dos compromis-sos (valores brutos) de APD, excluindo custos administra-tivos. ** Montantes dos compromis-sos (valores brutos) de APD, excluindo custos administrati-vos e ajuda aos refugiados.
GráfiCO 6. Grau de ligação da
APD portuguesa (2005-2010)
2005 20092007 2011**2006 2010*2008
0
30
60
10
40
70
90
20
50
80
100
desligada
ligada
parcialmente desligada
024-025
61 61
2520
29
0 0
8,7
38,842,6
61,2 57,4
72,5
27,5
91,3
0 00
1814
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DePOiMeNTO 4. enqUanto investigadoRa de qUestões Relacio-
nadas com a eficácia e a qUalidade da coopeRação paRa
o desenvolvimento, como é qUe olha, nestes últimos 10
anos, paRa a aplicação dos pRincípios de paRis e a
agenda paRa a acção de acRa? em qUe medida esses pRo-
cessos - paRis, acRa e, mais Recentemente, bUsan -
têm inflUenciado a coopeRação poRtUgUesa?
em Portugal os processos de Paris e Acra tiveram umefeitopositivodeorientaçãoeprofissionalizaçãodaforma como é alocada e executada a nossa APD. embora estes processosapresentemváriaslacunas,elescontêmemsioestímulo para que cada país doador melhore os seus proce-dimentos e obrigam à prestação de contas sobre progressos naeficáciadaajuda.
A Declaração de Paris surgiu numa época em que Portugalcomeçouadesenvolveresforçossignificativosdeorientaracooperaçãodeumaformamaissistemática.elacoincidiu com a aprovação da “visão estratégica para a Cooperação Portuguesa”, que se ancorava claramente nos princípios internacionais. Portugal produziu entretanto não só um enquadramento estratégico como também relató-rios sobre a sua prestação relativamente aos diferentes indicadores, demonstrando um empenho, inclusive no envol-vimento nas avaliações e preparação da reunião de Acra, e naformulaçãodaeficáciadaajudaorientadaparaestadosfrágeis.ofactodePortugalserdosdoadorescommenorcapacidadededisponibilizaçãodefinanciamentofuncionouatéaofimdadécadacomomotivaçãopararacionalizarasuautilizaçãodeacordocomosparâmetrosdeeficáciapropos-tos a nível internacional, muito embora a real implemen-
taçãodosmesmosfiquebastanteaquémdodesejado.Contra-riamente ao que seria de esperar, essa mesma lógica parece estarsignificativamentediluídanoactualquadrodecrise,notando-seumasubjugaçãocontraproducentedaeficáciadaajuda a outras prioridades, entre elas a promoção econó-micaeadalíngua.estaopçãocomprometetambémaeficá-cia do Desenvolvimento, que constitui a grande viragem de paradigma aprovada em Busan.
sendo ainda cedo para falar sobre o impacto da Par-ceria Global de Busan na Cooperação Portuguesa, salien-taria o reconhecimento da necessidade de envolvimento da sociedade civil em todo o processo como elemento incontor-náveldanovaagendadaeficáciadodesenvolvimento.
RaqUel fReitas,
investigadoRa do centRo de investigação e
estUdos de sociologia (cies/iscte-iUl)
RELATÓRIO AID WATCH 2012 UMA LEITURA DA COOPERAÇÃO PORTUGUESA DESDE 2003
a qUestão da tRanspaRência da apd
poRtUgUesa
A transparência da Ajuda e da Cooperação para o Desenvolvimento estánotopodaactualagendadaCooperação para o Desenvolvimento, a nível internacional, sobretudo desde a sua inclusão na Agenda para a Acção de Acra (2008) enquanto imperativo para uma maior qualidade eeficáciadaCooperaçãointernacio-nal para o Desenvolvimento. Porém, também neste aspecto, o desempenho dePortugalficaaquémdodesejá-vel. A informação disponibilizada sobreosfluxosdeAPdportuguesaafigura-seaindahojeinsuficiente,a sua disponibilização é realizada emdiferentesformatosdificilmentecomparáveise,porvezes,oexcessode informação de forma pouco crite-riosa tolda o entendimento, em vez depermitirasuaanáliseecompa-rabilidade.
No índice de Transparência 20123, elaborado pela Publish What You Fund (PWYf), Portugal surge na 59.ª posição, num conjunto de 72 financiadores,sendoclassificadode“fraco” em termos de transparên-cia. relativamente ao índice de 2011, elaborado pela PWYf, Portu-galsubiuumdegrau,definanciador
“muito fraco” para “fraco”, porém as críticas mantêm-se, nomeadamente na informação disponibilizada pela páginaoficialdoiPAd,eactual-mente do Camões, e pela resistên-cia em endossar a iATi – iniciativa internacional para a Transparência da Ajuda, criada por iniciativa de alguns países e organizações, no contexto do fórum de Alto Nível de Acra, em 2008 mas entretanto alar-gada a muitos outros4.
Nos últimos anos, em diver-sas discussões públicas, membros do então iPAD secundarizaram a iATi, argumentando que apenas duplicava o Crs++5, o formato de disponi-bilização de informação do CAD/OCDe. Contudo, a importância polí-tica desta iniciativa tem ganhado cada vez mais consistência a nível internacional, que culminou no seu pleno reconhecimento na Declaração de Busan (Dezembro de 2011), o mais recentefórummundialdaeficáciadoDesenvolvimento. O próprio CAD/OCDe reconhece a complementaridade do formato da iATi ao Crs++, enquanto instrumento que permite aumentar a previsibilidade da Ajuda ao Desen-volvimento através de a disponibi-lização de informação pelos padrões definidospeloIATI Standard6.
defacto,existemváriospontos de diferenciação do iATi relativamente ao sistema do CAD/OCDe e que representam um valor acrescentado. enquanto o Crs++ é entendido como uma base de dados que reúne a posteriori informação detalhadasobreosfluxosanuaisdeAPddospaísesfinanciadores,oiAtinão pretende ser reconhecida como uma mera base de dados, mas sim uma iniciativainternacionalvoluntá-ria de promoção da transparência da Ajuda ao Desenvolvimento, onde os financiadores–paísesouorganiza-ções – publicam informação sobre a APD em tempo útil e de forma aces-sível a todos. Trata-se, portanto, de um padrão aberto de informação que pode ser utilizado por todos os financiadoresdeAPd,sejampaí-ses membros do CAD/OCDe, países da Cooperação sul-sul, ONG, fundações privadas e até mesmo organizações do sector empresarial. A informa-ção é publicada de acordo com o IATI Standard a qualquer momento, mas pelo menos com periodicidade trimestral (enquanto o Crs++ exige aos estados membros do CAD/OCDe uma periodicidade anual). Além disso, osdadosfacultadospelosfinan-ciadores podem ser complementados com dados fornecidos por outros stakeholders (por exemplo, uma intervençãofinanciadaporumpaís,
3 Pilot Aid Transparency index 2012, elaborado pela Publish What You Fund, disponível em http://www.publishwhatyoufund.org/files/2012-Aid-Transparen-cy-Index_web-singles.pdf 4 Actualmente, a IATI detém 55 signatários: 19 organi-zações internacionais (por exemplo, a Comissão Europeia e oito agências das Nações Unidas), 14 países doadores e 22 países parceiros. Há ainda oito organizações que publicam já informação de acordo com o iATi standard, apesar de não serem signatárias da Inicia-tiva. 5 para saber mais sobre este sistema, ler Guidelines for reporting in Crs++ format (CAD/OCDE, 2011), disponível em http://www.oecd.org/invest-ment/aidstatistics/39186046.pdf 6 ver mais em http://iatistan-dard.org/
026-027
pode ser complementada com infor-mação disponibilizada pela ONG que estánoterreno).
Para além de não reconhecer uma iniciativa aceite internacio-nalmente (mais de 50 subscritores, entrepaísesfinanciadoresepar-ceiros, agências das Nações unidas e outras organizações internacio-nais), o Governo português eliminou em 2009 o principal instrumento de transparência orçamental da Coope-ração Portuguesa (o PO5 – Programa Orçamental 5), tanto ao nível da orçamentação como ao nível da pos-sibilidade de monitorar a execução.
os RetRocessos na pRogRamação: do
po5 e do po21 à sitUação actUal
De facto, de 2004 a 2009, registaram-se progressos em ter-mos de transparência orçamental na áreadaCooperaçãoparaodesenvol-vimento, com a adopção do PO5, o Programa Orçamental da Cooperação. Tratava-se de um quadro de referên-cia da programação e da execução orçamental, que permitia o acesso à informação sobre os fundos aprova-dos no Orçamento de estado e poste-riormente a sua comunicação e moni-torização. este formato permitiu
assim, ao longo de seis anos, ter uma visão relativamente clara sobre as verbas alocadas para a Coopera-ção Portuguesa, por ministérios, organismos e sectores, permitindo ainda a coordenação das diversas instituições implicadas na Coopera-ção Portuguesa. Apesar do PO5 ser entendido como um instrumento que permitiu progressos em termos de transparência,sofreuváriasalte-rações ao longo da sua vigência quevieramadificultaroumesmoaimpossibilitar, nalguns casos, a comparabilidade de dados ao longo de uma série de anos. De facto:
- o PO5 de 2004 estava divi-dido em duas medidas (Cooperação para o Desenvolvimento e Outra Coo-peração);
- em 2005, o PO5 foi distin-guido em três domínios distintos (Cooperação para o Desenvolvimento, Cooperaçãotécnico-CientíficaeCoo-peração Técnico-Militar)
- e em 2007, sofreu uma pro-funda alteração face a 2006, pas-sando a contar com sete medidas (Afirmaçãodadimensãoculturaldodesenvolvimento, Apoio ao desenvol-vimentosustentávelelutacon-tra a pobreza, Apoio à democracia, governação e consolidação do estado de direito, Participação no quadro internacional e nos dispositivos multilaterais de apoio ao desenvol-
vimento, Apoio ao reforço da segu-rança humana, Cooperação técnico-militar e Gestão da cooperação).
em 2010, o PO5 foi pura e simplesmente eliminado, sem que seja clara a razão de tal decisão efoicriadaumafiguradeexcep-ção – a Agenda da Cooperação para o Desenvolvimento (o argumento teve a ver com uma alteração na estrutura do orçamento introduzida pelo MfAP, com a adopção de uma estrutura de programas orçamentais verticais/sectoriais).
em 2011, o Programa Orçamen-tal regressa, desta vez designado de PO21, apesar de assumir uma estrutura diferente e ter infor-mação menos detalhada. em 2012, o Oe não prevê rubricas transversais sendo impossível detectar os fun-dos previstos para a Cooperação para o Desenvolvimento. Também a proposta de Oe para 2013 não tem informação que permita esclarecer o montante destinado à Cooperação paraodesenvolvimento.Aliás,nasprioridadesdefinidaspelomneem2013, a referência à Cooperação é diminuta, relativamente ao destaque que é dado à diplomacia económica ou à promoção da língua portuguesa no exterior.
RELATÓRIO AID WATCH 2012 UMA LEITURA DA COOPERAÇÃO PORTUGUESA DESDE 2003
estessistemáticosavançose recuos na disponibilização de informaçãoorçamentalnaáreadaCooperação para o Desenvolvimento penalizamatransparência,dificul-tando, por exemplo, a comparabili-dade dos recursos alocados anual-mente a cada ministério ou sector naáreadaCooperaçãoparaodesen-volvimento. De facto, foi impossí-vel a elaboração para este docu-mentodeumquadrocomoperfileevolução da distribuição sectorial dos fundos alocados e aplicados nos últimos 10 anos. foi apenas possí-velidentificartendênciasgerais,nomeadamente no que diz respeito à dotação conferida a cada ministério e a sua execução orçamental – de 2003 a 2011, não tendo mesmo sido possível utilizar o mesmo quadro de comparabilidade para o ano de 2012.
evidências da eXecUção oRçamental
da coopeRação poRtUgUesa
umaanálisetransversalaosrelatórios do PO5 e PO21 desde 2004 provoca alguma perplexidade quando constatamos que, mesmo numa situa-ção orçamental com fundos muito limitadosnaáreadaCooperaçãopara o Desenvolvimento, a execu-çãofinanceirararamenteultrapassouos 80% e em 2011 registou o valor mais baixo de sempre com apenas 62% de execução do valor inicialmente alocadoàCooperação.istosignificaque dos 328 milhões alocados aos ministérios, apenas foram execu-tados 203 milhões, ou seja, quase metade da APD destinada aos minis-térios não foi utilizada.
Numa leitura mais aprofun-dadadosrelatórios,verifica-sequeestefactoestárelacionadocomumoutro, que consiste numa tendência crescente do peso conferido ao MfAP na afectação dos fundos, relativa-mente a outros ministérios, nomea-damenteaomne,queéresponsávelpela implementação da política de Cooperação Portuguesa. De facto, se em 2004, o MNe detinha cerca de 50% do orçamento da Cooperação para o Desenvolvimento, executando 66% desse valor, em 2011, é res-
ponsávelpelagestãodeapenas28%da dotação orçamental, com um grau deexecuçãopróximodos100%.JáoMfAP, que em 2004 e 2005 detinha, respectivamente, 36% e 34% da dotação do orçamento destinado à Cooperação, com taxas de execução acima dos 70%, ultrapassa o MNe a partir de 2006 em termos de dotação orçamental e com níveis de execução sempre inferiores aos do MNe, até à situação extrema reportada em 2011 (execução de 46%, contra 72% no ano de2010).osgráficosdaspáginasseguintes permitem avaliar a afec-tação e a execução do MNe e MfAP7 ao longo dos últimos oito anos.
No âmbito do orçamento de 2011, coube ao MfAP uma quota de 65% das verbas globais destina-das aos ministérios, registando a maior dotação de sempre a um único ministério. Neste mesmo ano, o MfAP bateu um outro recorde: a pior exe-cução de sempre, abaixo dos 50%. A sua baixa execução (46%), teve um impacto muito negativo na execução global do orçamento da Cooperação, visto tratar-se do ministério com mais verba para gerir (213 milhões de euros) e com pior desempenho na sua execução (apenas 97 milhões de euros).
7 Destacamos nesta análise a dotação e execução do MNE e MFAP, por se tratarem dos ministérios com maior peso orçamental ao longo da última década, detendo, de forma geral, entre 80 a 90% das ver-bas totais destinadas à APD
028-029
GráfiCO 7. Taxa de execução
Orçamental da Cooperação Portu-
guesa (2004-2011)
Fonte: elaborado a partir do PO5 e PO21, disponíveis no site do CICL
2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011
0%
100%
80%
60%
40%
20%
72%77%
73,50%
75,10%
62%
86%81%80%
RELATÓRIO AID WATCH 2012 UMA LEITURA DA COOPERAÇÃO PORTUGUESA DESDE 2003
0% 20% 40% 60% 80% 100%
2011
2009
2007
2005
2010
2008
2006
2004
65%
49%
53%
34%
28%
39%
35%
46%
7%
12%
12%
20%
34%
43%
55%
36%
25%
33%
35%
50%
41%
24%
10%
14%
MFAP MNE OUTROS
GráfiCO 8. Taxa de dotação cor-
rigida líquida ao MfAP, MNe e
Outros entre 2004 e 2011
Fonte: elaborado a partir do PO5 e PO21, disponíveis no site do CICL
030-031
0% 20% 40% 60% 80% 100%
2011
2009
2007
2005
2010
2008
2006
2004
46%
72%
93%
93%
96%
97%
98%
99%
60%
58%
67%
66%
74%
66%75%
73%
MNE MFAP
GráfiCO 9. Taxa de execução
orçamental do MfAP e MNe entre
2004 e 2011
Fonte: elaborado a partir do PO5 e PO21, disponíveis no site do CICL
RELATÓRIO AID WATCH 2012 UMA LEITURA DA COOPERAÇÃO PORTUGUESA DESDE 2003
As razões deste baixo desem-penho são explicadas no relató-rio de execução do PO21 e devem-se sobretudo ao facto das verbas inscritas pelo MfAP corresponderem, empartesignificativa,adotaçõesdeactivosfinanceiros,cujaexecu-ção avança ao ritmo e interesse na utilização destas formas de apoio por parte dos países parceiros. esta tendência tem sido registada ao longo dos últimos anos e em 2011 resultou essencialmente de:
- o projecto “Garantias – seguros COseC”, com uma execução de apenas 10% de um montante de 40 milhões de euros;
- a linha de crédito de 10 milhões de euros para importações de origem portuguesa, no âmbito de projectos de PMe da Tunísia, não implementada por razões de instabi-lidade política daquele país;
- a facilidade de crédito (25 milhões de euros), integrada no acordo de cooperação económica com são Tomé e Príncipe, não registou qualquer execução, pois a situa-çãoeconómico-financeiradopaísnãolevou à necessidade de accionamento desta facilidade;
- não foi registada qualquer execução do BirD, previsto num mon-tante de 2,4 milhões de euros;
- e não se registou também qualquer execução da dotação de
empréstimos(novosapoiosadefinir)edenovosfinanciamentosconces-sionais aos PAlOP nos valores de 10 milhões e 1,2 milhões de euros, respectivamente.
estes dados permitem perceber que houve um claro decréscimo do orçamento gerido pelos ministérios, particularmente incoerente no que se refere ao MNe, em contracor-rente com a importância crescente do MfAP que, como tivemos oportu-nidade de ver anteriormente, detém mais de 50% da verba orçamental. No entanto, esta quota representa a agudização de dois problemas inter-ligados: o desrespeito pelas boas práticasdeAjudadesligadaeodesempenho medíocre na execução do valor orçamentado. estamos assim claramente perante uma situação de Ajuda ligada, o que nos leva a concluir que o MfAP é o principal responsávelpeloagravamentodaligação da APD portuguesa nos últi-mos anos.
032-033
A última década caracteriza- -se por sucessivos avanços e retro-cessos no relacionamento Governo/OsC, nomeadamente no que diz res-peitoaodiálogoeaoestatutoconferido às ONGD enquanto parcei-ras. Apesar de assistirmos a mani-festos sinais de recuo na relação entre ONGD e Governo no último ano e meio, é importante assina-lar que ao longo da última década as ONGD viram o seu papel reconhe-cido enquanto actores efectivos da Cooperação Portuguesa, em sintonia com o reconhecimento do papel das Organizações da sociedade Civil no plano internacional – seja ao nível da união europeia e do sistema das Nações unidas, seja ao nível dasgrandesCimeirastemáticas(ambiente, população, género, ..) seja nos Foramundiaisdeeficáciada Cooperação para o Desenvolvi-mento, primeiro em Acra e, mais recentemente, em Busan.
oreconhecimentooficialdopapel das ONGD em Portugal na con-cretização da Política de Coopera-ção surge em 1999, no documento A
Cooperação Portuguesa no limiar do século XXI e, mais tarde, é reite-rado no documento Uma Visão Estra-tégica para a Cooperação Portuguesa (2005), onde se reconhece “a mais-valia da sociedade civil, enquanto conjunto de associações, empresas e impulsos de natureza não-gover-namental, independente e autónoma, que constituem um espaço privile-giado para o exercício de uma cida-daniaactivaeresponsável”.
Até à data, e antes mesmo do estabelecimento da lei 66/98 de 14 de Outubro – que reconhece a Plataforma Portuguesa das ONGD como interlocutor do sector para o estado – a Plataforma recebia um apoio institucional para o seu funcionamento e crescimento, enten-dido como essencial para a saúde democráticanosectordaCooperaçãoe para apoiar condições de efecti-vação do contributo da diversidade das ONGD para o sector.
em 2001, a assinatura de um Protocolo de Cooperação entre o MNE e a Plataforma Portuguesa das ONGD reconhece expressamente as
ONGD como parte da sociedade Civil que desempenha um papel importante nasáreasdaCooperaçãoparaoDesenvolvimento, da educação para odesenvolvimentoedaAjudahuma-nitária,sendoigualmentereconhe-cidas como elementos catalisadores da promoção dos direitos humanos e da democracia. esse mesmo documento determina a inscrição anual de uma dotaçãoespecíficaparaosprogra-mas e projectos a desenvolver pelas ONGD portuguesas, de acordo com as políticas e estratégias previamente definidas.Assim,desde2002,queanualmente o MNe, através da agên-cia nacional de Desenvolvimento, abreumalinhadeco-financiamentopara apoio de projectos de Coopera-ção para o Desenvolvimento da res-ponsabilidade de ONGD (e posterior-mente para projectos de educação para o Desenvolvimento, incluindo sensibilização e advocacy).
esse reconhecimento formal traduz-senaprática,apartirde2004,numperíododediálogopolí-tico, inclusivo e participativo com as ONGD, ponteado por momentos de
a Relação goveRno/osc em poRtUgal
RELATÓRIO AID WATCH 2012 UMA LEITURA DA COOPERAÇÃO PORTUGUESA DESDE 2003
alguma crispação, (particularmente graveentrefinalde2003emeadosde 2004), que se saldou na substi-tuiçãodomembrodogovernodaáreae da direcção do iPAD) em particu-lar quanto a diferentes interpreta-ções da natureza das ONGD, da sua missão e do conceito de participa-ção. Destacam-se, por exemplo, como elementos do processo de constru-çãodessarelaçãomaisestávelarealização de encontros ou reu-niões regulares com a secretaria de estado dos Negócios estrangeiros e da Cooperação e com a direcção do iPAD, com agendas acordadas, como sejam temas da actualidade no sector, discussão de diplomas legislativos (ex.: estatuto dos voluntáriosedoAgentedaCoopera-ção Portuguesa; a lei de Mecenato), apoio à participação da Plataforma em eventos internacionais, revi-sãodasnormasdeco-financiamentodestinado a apoiar projectos de Cooperação para o Desenvolvimento da responsabilidade das ONGD e ela-boraçãodenormasparaco-financia-mento de projectos de educação para o Desenvolvimento. foram igualmente criadas condições de participa-ção em elaboração de documentos de estratégiasnaáreadaCooperaçãopara o Desenvolvimento.
em 2009, foi dado um passo importantenaafirmaçãodaPlata-forma Portuguesa das ONGD e do seu papel na sensibilização da socie-dadeportuguesasobretemáticasdaCooperação para o Desenvolvimento e na capacitação das suas associadas, com a celebração de um contrato--programa entre o iPAD e a Plata-forma, para um período de 48 meses (2009-2013).
fóRUm da coopeRação paRa o desen-
volvimento: a institUcionalização
do diálogo entRe o goveRno e os
actoRes não estatais da coopeRa-
ção poRtUgUesa
A iniciativa de constitui-ção do fórum da Cooperação para o Desenvolvimento, em 2008, é um marco muito importante no relacio-namento entre ONGD, outros actores não-estatais e o Governo português, porque representa a instituciona-lizaçãododiálogoconjuntoentrerepresentantes de ONGD, municípios, universidades, fundações e asso-
ciações empresariais vocacionadas para o sector. Até ao momento, o fórum reuniu seis vezes, a última das quais na actual legislatura e com muitas diferenças relativamente à anterior. Durante a legislatura anterior, o fórum foi utilizado sobretudo como plataforma de circu-lação de informação, com um número limitado de participantes e com critérios de selecção pouco claros. Mas foi também um espaço aberto à participação alargada em grupos de trabalhoparadefiniçãodepropostasde estratégias sectoriais.
nasuaúltimaedição,jáem2012,oplenáriodofórumfoialar-gado a um maior número de partici-pantes (foram convidadas uma cen-tena de organizações, tendo estado presentes cerca de 80), com mais ONGD, centros de investigação e mais actores do sector empresarial, mas também não são conhecidos os critériosdeselecção.Aocontráriodo formato anterior, e a avaliar pela única reunião realizada até à data na actual legislatura, o fórum assumiu um modelo mais hierarqui-zado e sem documentação prepara-tória,semdefiniçãodeformasdevalorizaçãodoscontributosláapresentados pelos participantes. Actualmente,aagendadofórumestácentrada na revisão da Visão Estra-tégica da Cooperação Portuguesa,
034-035
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DePOiMeNTO 5. o qUe podem as fUndações tRazeR de novo e de
valoR acRescentado à coopeRação poRtUgUesa?
As fundações enquanto entidades que promovem um conjunto de valores de natureza pública (equidade, respon-sabilidade social…), económica e politicamente independen-tes,comelevadaflexibilidadeecapacidadeparaactuaradiferentes níveis (local, nacional, global), e preenchendo lacunas, algumas das quais da competência dos estados, apresentamumamaisvaliaparaaáreadaCooperaçãoparaoDesenvolvimento.
estevaloracrescentadopodedar-seaváriosníveis,comparticularimpactonummomentodecrisefinanceiracomoa que atravessamos, como sejam:
- tentar trazer para a “agenda” temas complexos e negligenciados, convocando diferentes actores e provocando reacções;
- apostar na inovação, no conhecimento e na sua difusão;
- conseguir integrar abordagens mais holísticas nos processos de desenvolvimento;
- assumir riscos de processos e abordagens inovado-ras, valorizando o papel de facilitador que pode desem-penhar entre os poderes públicos e os restantes actores do desenvolvimento (em particular as comunidades e suas associações)
- adoptar metodologias e estabelecer parcerias de geometriavariávelconformeadimensãoeaespecificidadedos problemas a enfrentar;
-mobilizarcompetênciastécnicasefinanceirasdife-renciadas.
em suma, o papel das fundações provavelmente refor-çar-se-ánospróximosanos:querpelopapelagregadoremobilizadorquepoderádesempenharjuntodosparceirosdasociedade civil, quer pela capacidade que revelam em assu-mir alguns riscos.
maRia heRmínia cabRal,
diRectoRa do pRogRama gUlbenkian
de ajUda ao desenvolvimento
RELATÓRIO AID WATCH 2012 UMA LEITURA DA COOPERAÇÃO PORTUGUESA DESDE 2003
de 2005, embora a concretização da participação se tenha traduzido em pedidos de contributos por correio electrónico e se desconheça como e quandoarevisãoiráseroperacio-nalizada. e no entanto, a revisão da estratégia é um processo que o CAD/OCDe considera uma oportunidade válidaparaPortugalaprofundara sua discussão das políticas da Cooperação para o Desenvolvimento e do envolvimento dos actores-chave, nomeadamente da sociedade Civil e do Parlamento. Desconhece-se tam-bém se e como irão ser aproveitados os resultados dos grupos de tra-balho das estratégias sectoriais, quehaviamficadonasuamaiorparteterminados na anterior legislatura. A natureza do fórum – informativo ouconsultivo–estátambémpordefinir.
o Relacionamento entRe ongd e
goveRno na actUal legislatURa
As medidas recentemente adoptadas no sector da Cooperação para o Desenvolvimento provocaram também ondas de choque nas ONGD portuguesas, nomeadamente no seu relacionamento com o Governo por-tuguês. No último ano e meio, mais precisamente desde junho de 2011, quando tomou posse o novo Governo, iniciou-se um período de verdadeiro retrocesso nesse relacionamento, nomeadamenteaoníveldodiálogosobre o rumo da Cooperação para o desenvolvimento(verinfografia).oprimeiro sinal surgiu logo após a tomada de posse do novo executivo, em julho de 2011, quando a Pla-taforma Portuguesa das ONGD pede uma audiência ao seNeC e não obtém resposta. Por sua iniciativa, a Plataforma reúne então com o Grupo de Trabalho de internacionaliza-ção e Desenvolvimento, nomeado pelo Governo, e apresenta-lhe um con-junto de propostas para a Coopera-ção Portuguesa muito concretas, que serão ignoradas. A reunião reali-zada com o seNeC um mês depois não parece ter tido resultados promis-sores,jáqueestenãoapresentaideias concretas sobre o futuro do sector, alegando estar num período
de auscultação dos actores - que parece prolongar-se até à data, mais de um ano depois. Outro dos sinais evidentes de subvalorização do papel das ONGD foi a não asso-ciação de nenhum modo da sociedade civil à participação do estado por-tuguês no 4.º fórum de Alto Nível sobreaeficáciadaCooperaçãoparao Desenvolvimento. Apesar da soli-citação, não foi realizado nenhum tipo de auscultação à sociedade civil nem aceitou incluir um seu representante na comitiva ao fórum, como estava a acontecer com outros países da ue.
Jáem2012esemavisoprévionem fundamentação, o seNeC cancela, em Março, o subsídio anual à Pla-taforma, existente desde 1994, e declara a sua indisponibilidade em renovar o contrato-programa após o termo do período em curso, e sem que razões para tal tenham sido avançadas. Contraditoriamente, em diversos eventos públicos ou junto da Comissão Parlamentar especiali-zada da Assembleia da república, reitera a importância dada às ONGD como parceiros estratégicos de Desenvolvimento.
No documento Um ano de (des)governação da Cooperação Portu-guesa, que assinala o primeiro
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DePOiMeNTO 6. qUais foRam, no seU ponto de vista, os pRin-
cipais contRibUtos do fóRUm paRa a coopeRação poRtU-
gUesa? qUais seRiam as pRincipais alteRações a intRodU-
ziR no pRocesso do fóRUm, de foRma a fUncionaR em pleno
enqUanto platafoRma de cooRdenação e infoRmação entRe
os diveRsos actoRes da coopeRação poRtUgUesa?
O fórum contribuiu para aumentar a participação conjunta dos diversos actores da Cooperação Portuguesa, em debates sobre as estratégias sectoriais da intervenção emdiferentespaíses.AliderançadoseneCnosplenáriospermitiu esse avanço sem cair na ilusão de pensar que as intervençõesemplenárioseramsuficientesparaelaborartextos com coerência e qualidade. Os grupos de trabalho com especialistas aprofundaram esse trabalho de participa-ção. foi um meio de criar maior debate entre técnicos do iPAD e outros actores da cooperação. Neste caso houve cla-ras reticências originadas pela cultura típica da adminis-tração que numa primeira fase viu este processo como uma ameaça às suas competências, mas foi pouco a pouco inte-grando-se. esse processo de alteração, de vencer o medo daaberturaaopúblico,nãoestácompletoeaindahojeoCamões executa um processo fechado de elaboração de textos comaúnicaparticipaçãoalargadacentradanosplenários,aumentando a coesão e consistência dos actores envolvidos.
As alterações a introduzir, a meu ver, têm a ver com três medidas: alargar a participação aos Ministérios e às empresas, voltar a introduzir os grupos de trabalho e ter uma liderança real por parte do seNeC. Os ministérios aliásdesenvolveramesforçosdeparticipaçãonosgruposde trabalho e, sempre que foram convidados, expressaram a
sua discordância pelo processo só se destinar à sociedade civil. O objectivo último coerente dum processo deste tipo é de ter um Conselho Consultivo da Cooperação Portuguesa que se pronuncie sobre estratégias, orçamento e questões importantes (ex: o estado da Guiné Bissau e a Coopera-ção Portuguesa), inclusivo de todos os actores públicos e privados. Para mim, este é um bom instrumento de governa-ção moderna da Cooperação. Mas é preciso quem o saiba pôr emprática.Asiniciativasoriginadasnestecontactodediversos actores irão surgindo como se pode ver pela maior inovação dos últimos anos na Cooperação Portuguesa como o Mecanismo de Apoio a Candidaturas de ONGD a linhas inter-nacionais de financiamento, apoiado por quatro fundações – fCG, feDP, flAD e fPA - tendo o Camões um apoio minori-tário.
caRlos sangReman,
dinamizadoR do fóRUm entRe 2008 e 2011,
pRofessoR na Ua e investigadoR no cesa/iseg-Utl
RELATÓRIO AID WATCH 2012 UMA LEITURA DA COOPERAÇÃO PORTUGUESA DESDE 2003
ano de mandato do actual Governo, a Plataforma Portuguesa das ONGD identificacronologicamentealgunsdestes momentos-chave de tentativa de relacionamento das ONGD com o estado, defendendo que estão a ser tomadas decisões “desestruturantes e sem fundamento” na política de Cooperação Portuguesa. Para além dafaltadediálogo,ocortesig-nificativodeverbasdestinadasaoco-financiamentodeprojectosdaresponsabilidade das ONGD repre-senta um grave retrocesso no reco-nhecimento das ONGD como parceiros estratégicosnadefiniçãodepolíti-cas de Desenvolvimento e, ao nível do terreno, na implementação de projectos e intervenções de Desen-volvimento.
financiamento de pRojectos às
ongd poRtUgUesas
Após um período de relacio-namentoediálogocomasongd,mediado pela Plataforma Portuguesa das ONGD, e de uma aposta relati-vamenteestávelnaeducaçãoparaoDesenvolvimento entre 2006 e 2008, aslinhasdefinanciamentoparaprojectos desenvolvidos pelas ONGD sofrem um corte de 53%, passando dos 3,4 milhões de euros, de 2007 a 2011, para os 1,6 milhões de euros, em 2012. A linha de Cooperação para o Desenvolvimento sofre uma redução de 57%, de 2,8 milhões de euros para 1,2 milhões; e a linha de educação para o Desenvolvimento é reduzida 33%, dos 600 mil para os 400mileuros(vergráfico10).
seofinanciamentoanterior-mente disponibilizado era consi-derado manifestamente reduzido, e numa das percentagens mais bai-xas dos países do CAD/OCDe e da união europeia relativamente ao total da APD bilateral (cerca de 2,6%, em 2011), o corte abrupto em 2012 coloca a sociedade Civil numa situação de bloqueio quanto a novas actividades e comprometendo seria-mente algumas condições de esta-bilidade ou mesmo de viabilidade
financeiradeváriasorganizações.Por outro lado, os cortes realiza-dos foram acompanhados de altera-ções nos critérios, que passaram a excluirnapráticatodosospro-jectos que não tenham previamente garantidoco-financiamentoeuropeuou de outras instituições interna-cionais (ou projectos anteriormente aprovados com duração plurianual). sabendo-se que o número de ONGD e projectos portugueses aprovados a nível europeu é limitado, estes novos critérios passam a excluir a maior parte das ONGD do sistema públicodeco-financiamento,ondeaté agora tinham acesso cerca de duas dezenas de organizações.
Numa sessão pública reali-zada em junho de 2012 no insti-tuto de Defesa Nacional, o actual seNeC, luís Brites Pereira, informa que o papel do estado deve pas-sarprogressivamentedefinanciadorde projectos da sociedade Civil a facilitador de novas formas de financiamento,nomeadamenteemsinergias com o sector privado, mas sem avançar ideias de como talpoderáseroperacionalizado,ainda mais num quadro de conten-çãofinanceiradasempresas.Consi-dera aquele governante também que devehaverumainflexãonosapoios,concentrando-os em organizações
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DePOiMeNTO 7. qUais as pRincipais qUestões qUe se colocam
à Revisão da estRatégia de coopeRação e qUais são os
temas incontoRnáveis qUe deveRão estaR eXplanados no
docUmento?
Actualmente, persistem a ausência de rumo estraté-gico e a falta de transparência da política de Cooperação. AsfinalidadesdaCooperaçãoPortuguesaestãoporclari-ficar,maspode-seaferirquaissãoapartirdealgumasmedidas tomadas. A extinção do iPAD e a sua fusão com o instituto Camões evidencia a opção de colocar a Cooperação ao serviço da diplomacia linguística e cultural, contra-riando as recomendações do CAD/OCDe.
Mais de metade da APD portuguesa corresponde a Ajuda sob a forma de empréstimos condicionados à aquisição de bens e serviços do país doador (ajuda ligada). isto per-mite concluir que a Cooperação é instrumento ao serviço da economia portuguesa.
estasopçõesviolamvárioscompromissosassumi-dosinternacionalmente,algunsdosquaisjápeloactualgovernoemBusan,pondoemcausaosprincípiosdaeficáciada Ajuda ao Desenvolvimento: os princípios da previsibili-dade e do desligamento.
A sociedade civil, cujo papel sai reforçado em Busan, tem sido remetida para um plano cada vez mais reduzido. O corte na ordem dos 57% dos apoios e a total desconsideração pelo conjunto de propostas para a Coopera-ção construídas tendo em conta as limitações impostas pela criseeconsensualizadasentreváriosactoresdosectorque a Plataforma apresentou, são disso prova.
é,pois,fundamentalquePortugalsemantenhavin-culado ao esforço global de contribuir para a luta contra
a pobreza e diminuição das desigualdades. Para isso, e perante as restrições orçamentais é importante apostar na melhoria da qualidade da Ajuda ao Desenvolvimento.
Deve para tanto, criar uma nova estratégia que assente nas formas de cumprir a agenda de Busan, na pro-curadenovasfonteseformasdefinanciaraCooperaçãopara o Desenvolvimento, na promoção da previsibilidade e transparência através da adesão à iATi, no envolvimento das ONGD e outras partes interessadas nos processos de definição,implementação,monitorizaçãoeavaliaçãodacoo-peração para o desenvolvimento.
pedRo kRUpenski,
pResidente da platafoRma poRtUgUesa das ongd e
diRectoR de desenvolvimento da oikos – coopeRação e desenvolvimento
RELATÓRIO AID WATCH 2012 UMA LEITURA DA COOPERAÇÃO PORTUGUESA DESDE 2003
GráfiCO 10. financiamento às ONGD
através de candidatura pública
efinanciamentototalàsongd,
de 2003 a 2012 (em milhares de
euros)
Fonte: elaborado a partir de dados disponibilizados pela Plataforma Portuguesa das ONGD e CICL
040-041
2003 2007 20102005 2009 20122004 2008 20112006(a)
2.000
6.000
4.000
8.000
10.000
0
1.962
4.363
9.383
4.039
6.7846.788
8.351
7.147 7.029
2.700
3.400 3.4003.4003.400
1.600
3.3004.300
3.200
financiamento geral
financiamento através da linha de candidatura
3.400
quedefiniucomoasqueterãomaiorcapacidadedesefinanciaremaiorcapacidade de ter resultados no terreno (sem que seja explicitado que tipos de resultados e como serão avaliados). Assim, até ao momento, não são conhecidos os cri-tériosdeselecçãodasongdafinan-ciar com base nestes pressupostos que, de certa forma, podem compro-meter ainda mais a transparência na canalização de fundos para a socie-dade Civil.
De facto, o confronto dos dados disponibilizados pela Plata-forma Portuguesa das ONGD (refe-rentesaovolumedefinanciamentonoâmbitodalinhadefinanciamento)com a informação facultada pelo CiCl(sobreovolumetotaldefinan-ciamento canalizado para as ONGD portuguesas) permite-nos constatar uma nova tendência nesta década e particularmente marcante a partir de 2008: o aumento progressivo de fundos disponibilizados fora do âmbito das candidaturas públicas e regulamentadas, traduzindo-se num crescimento muito substancial de volumes, por adjudicação directa a ONGD, que rondaram os 9,3 milhões de euros, em 2011 (cerca de 3 vezes superior ao disponibilizado segundo as normas públicas dos concursos). Os critérios de selecção dos pro-
jectosfinanciadosforadosconcur-sos não são públicos, nem é feita a sua divulgação no site do CiCl, o que é mais um claro sinal de ausên-cia de transparência. A divulga-çãoéfeitaunicamentenodiárioda república (Dr), de acordo com a obrigação legal de divulgação semestral de subsídios aprovados, mas a publicitação das datas de publicação no Dr nunca é feita no site do iPAD ou do CiCl.
RELATÓRIO AID WATCH 2012 UMA LEITURA DA COOPERAÇÃO PORTUGUESA DESDE 2003
1 Fonte: elaborado a partir do documento um ano de (des)governação da Cooperação Portuguesa da Plataforma Por-tuguesa das ONGD
Agosto 2011
Julho 2011
Novembro 2011
Dezembro 2011
Janeiro 2012
Março 2012
Abril2012
Maio2012
Junho2012
Julho2012
Setembro2012
Plataforma pede audiência ao seNeC e não obtém resposta
extinção do iPAD e início de fusão com o instituto Camões seNeC participa no fórum de Alto Nível de Busan sem auscultar ou con-vidar a sociedade civil a integrar a comitiva
Aprovada lei orgâ-nica do Camões - ins-tituto da Cooperação e da língua, que refere um peso desproporcio-nal da língua em de-trimento da Cooperação
Plataforma reúne com Grupo de Trabalho de internacionalização e De-senvolvimento e apresenta propostas para a Cooperação que serão ignoradas seNeC recebe Plataforma, mas não apresenta ideias sobre o rumo estratégico da Cooperação Portuguesa
seNeC comunica que as linhasdeco-financiamentoa projectos de Cooperação para o Desenvolvimento passam a abrir em anos alternados.oco-financia-mento a programas de eD é suspenso sine die Aprovado PiC para Mo-çambique sem participação dos actores do sector
A Direcção do CiClficafinalmentecompleta
seneCabrelinhadeco-financiamentopara projectos de eD, reduzindo 75% o orçamento disponível quatro meses após a criação do CiCl, é nomeada a sua Presidente seNeC cancela a 100% o subsídio à Plataforma Portuguesa das ONGD, em vigor desde 1994
seNeC recua e lança a linha de co-financiamentodeprojectosdeCooperação para o Desenvolvimento seNeC anuncia que contrato-pro-grama celebrado entre o iPAD e a Plataformaserámantidoaté2013eseránegociadaasuacontinuidade,após o termo
sete meses após a criação do CiCl, são nomeados os dois vogais do Conselho Directivo, mas com a restante direcção por completar
seneCorganizaplenáriodo fórum da Cooperação, alargando a participação a mais ONGD e outros actores da Cooperação Portuguesa
seNeC recebe pesso-almente a Plataforma e reitera a importância quedáàsongdenquantoparceiros um mês depois, o seNeC recuaereafirmaqueocontrato-programa com a Plataformanãoserárene-gociado após o termo do actual contrato, em 2013
042-043
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DePOiMeNTO 8. enqUanto pessoa com Responsabilidades em
oRganizações da sociedade civil, nomeadamente, na pRe-
sidência da platafoRma de ong’s de cabo veRde, qUal é a
apReciação qUe faz da coopeRação entRe ong poRtUgUesas
e cabo-veRdianas, e com a pRópRia platafoRma de ong’s
de cabo veRde na última década?
Portugal é um dos mais importantes (se não o mais importante) parceiros de desenvolvimento de Cabo verde. A importância da cooperação entre Portugal e Cabo verde advém,nãotantodovolumefinanceiroaelaassociado,quanto da sua transversalidade, multiplicidade dos acto-res que envolve e dos resultados, normalmente, alcançados, fruto da proximidade de realidades e do nível de compreen-são mútua e de engajamento e sinergias conseguidos.
esse nível especial de cooperação não se resume às relações entre instituições dos dois estados. ele alarga-se às relações entre essas últimas e as ONG e Associações dedesenvolvimentoComunitário(AdC)e,principalmente,entre as ONG portuguesas e as ONG e ADC cabo-verdianas.
Com efeito, de entre as ONG dos chamados países do norte,asongportuguesastêmsido,aolongodeváriosanos, os principais parceiros das ONG e ADC cabo-verdia-nas. Destaco a relevância, tanto a nível técnico quanto financeiro,paraasongeAdCcabo-verdianas,dessacoope-ração.
A nível técnico, realço o papel importantíssimo das ONG portuguesas (i) na ajuda à formatação dos projectos e propostas das ONG e ADC cabo-verdianas para candidaturas alinhasdefinanciamentodaComissãoeuropeiaedoestadoPortuguês, (ii) na partilha de conhecimentos, técnicas e
experiências de gestão de projectos sociais, incluindo em países terceiros, e (iii) na publicação e divulgação da dinâmica e performance associativa cabo-verdiana e de pro-jectos executados por ONG e ADC cabo-verdianas.
Anívelfinanceiro,destacoopapeldasongportugue-sas(i)nadivulgaçãodeoportunidadesdefinanciamentoeajudanaidentificaçãoderecursosalternativose(ii)namobilizaçãodecontrapartidasdefinanciamento,especial-mente junto das autoridades portuguesas para projectos cofinanciadospelaComissãoeuropeia.
As marcas de intervenções com participação das ONG portuguesas em Cabo verde nos últimos 10 anos existem um pouco por todo o nosso país e são transversais à sociedade cabo-verdiana, mas elas são particularmente visíveis nos concelhos mais periféricos onde, geralmente, os problemas sociais e os índices de pobreza são maiores.
avelino bonifácio lopes,
pResidente do conselho de diRecção da
platafoRma de ong’s de cabo veRde
RELATÓRIO AID WATCH 2012 UMA LEITURA DA COOPERAÇÃO PORTUGUESA DESDE 2003
Os elementos que vêm sendo referidos denotam problemas de instabilidade, avanços e recuos, levando mesmo a que, após um período de maior estabilidade governativa e com avanços impor-tantes no sector, se percepcione quepoucoestáadquiridoouéirreversível. este é um problema político que as ONGD vêm levan-tandoháváriosanos,queconside-ramquesóseráultrapassadocomuma maior valorização da política de Cooperação no quadro das polí-ticas públicas, por um lado, e, por outro, conferindo-lhe o esta-tutodePolíticadeestado,jáquesobreelaexisteumconsiderávelconsenso.talpermitiráreconheci-mento e estabilidade a nível insti-tucional, ao nível dos recursos e dos objectivos, independentemente dos ciclos eleitorais e vicissitu-des políticas, e também uma maior coerência das políticas para o Desenvolvimento. O trabalho reali-zado pelas instituições públicas, privadas e do terceiro sector nesta áreaimplicaumprocessomorosoeumgrandeempenhoeprofissionalismo
e o estabelecimento de relações de confiança,quesãociclicamentefra-gilizadaspormudançasderesponsá-veis ou dos quadros institucionais.
De forma geral, a Cooperação para o Desenvolvimento tem sido entendida como o “parente pobre” da política externa portuguesa e, no quadro actual, corre o risco de se tornar um mero instrumento ao serviço da internacionalização das empresas portuguesas e da diploma-cia económica. A relação subalterna da Cooperação Portuguesa face aos objectivos económicos e políticos da política externa manifesta-se, à partida, no parco volume de APD portuguesa, no actual grau de liga-ção da Ajuda ao Desenvolvimento, na própria execução orçamental do sector ao nível de alguns ministé-rios, ou no nível desadequado de representação em muitas iniciati-vas internacionais relevantes. Mas revela-se também no pouco empenha-mentoqueseverificaporpartedeoutras instituições do estado, em particular o Parlamento.
De facto, apesar de Portu-gal vir participando nos grandes fora internacionais de discussão sobre o futuro da Cooperação para o Desenvolvimento e da urgência da melhoriadasuaqualidade,emáreascomoaharmonizaçãoentrefinancia-dores,aapropriaçãodemocrática,o alinhamento com os sistemas dos países, o reconhecimento da socie-dade Civil, a previsibilidade, a transparência e o desligamento da Ajuda ao Desenvolvimento, os impac-tos internos dessa participação são muito limitados. Muitos exem-plosdissopodemseridentifica-dos ao longo deste relatório e não pode deixar de se referir aqui mais expressamente a responsabilidade do Parlamento e em particular da sua Comissão Parlamentar especializada.
O processo parlamentar de monitoria da APD e da Cooperação para o Desenvolvimento e do (in)cumprimento dos compromissos assu-midos internacionalmente por Por-tugal neste sector é pouco con-sequente e sem impacto. um dos indicadores do grau de investimento dos deputados na política de Coo-
a pRomoção da coopeRação paRa o desenvolvi-
mento a política de estado: Uma hipótese de
Resposta política
044-045
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DePOiMeNTO 9. o último eXame inteRpaRes do cad/ocde consi-
deRa qUe a Revisão da estRatégia de coopeRação paRa o
desenvolvimento é Uma opoRtUnidade paRa poRtUgal apRo-
fUndaR a discUssão ao nível das políticas de coopeRa-
ção poRtUgUesa, envolvendo também a sociedade civil e
o pRópRio paRlamento. neste conteXto, qUal pode seR o
papel do paRlamento poRtUgUês neste debate?
A Cooperação para o Desenvolvimento é um tema ful-cral para os parlamentares que vêem na mesma uma ferra-menta para a construção de um mundo mais digno e uma forma dejustiçasocialàescalaplanetária.estápresentenoprograma de Governo e nos programas de todos os partidos políticos como uma prioridade, embora esteja vezes a mais longe do topo da agenda.
naAssembleiaháumfórumprivilegiadoparaestadiscussão e para o debate sobre a visão estratégica da Cooperação Portuguesa; trata-se da Comissão de Negócios estrangeiros e Comunidades Portuguesas. O facto de estar em curso a criação de um Grupo de Trabalho para pensar a cooperação pós-2015, pós ODM, estruturantes da Cooperação Portuguesa, tem como objectivo dinamizar iniciativas, pro-moverareflexãoecontribuirparaodebateemcurso,quernacional, quer global.
O Grupo Parlamentar Português sobre População e Desenvolvimento, trabalhando numa rede internacional, estácentradonapromoçãodosodm3,4,5e6eavançoda Agenda do Cairo sobre População e Desenvolvimento e é outro espaço de debate e acção; bem como as delegações parlamentares a Organizações internacionais, os grupos de
amizade, entre outros.O papel do Parlamento é servir de plataforma agre-
gadoradosváriosactores,sociedadecivil,governo,paradebater ideias, propor linhas de acção e fazer o escru-tínio da actividade governativa em sede de cooperação. isto pressupõe um esforço prévio de pedagogia dos próprios parlamentaressobreaagendadaeficáciaedacoerênciadaspolíticas e um trabalho permanente com os outros actores e com o governo no sentido destas serem incluídas nas leis que o Parlamento aprova e nas medidas que o Governo imple-menta.ehámuitoparafazer.
mónica feRRo,
depUtada, cooRdenadoRa do gRUpo paRlamentaR sobRe popUlação
e desenvolvimento e pRofessoRa no iscsp
RELATÓRIO AID WATCH 2012 UMA LEITURA DA COOPERAÇÃO PORTUGUESA DESDE 2003
peração para o Desenvolvimento é o número de audições públicas dedi-cadas à Cooperação Portuguesa: em 2013 passam 10 anos da última audi-ção pública em são Bento.
boas pRáticas
finlândia: mecanismo de cooRdena-
ção paRa a coeRência das políti-
cas paRa o desenvolvimento*
Na finlândia, existe uma uni-dade de Política sectorial den-tro do Departamento de Políticas de Desenvolvimento no MNe, cujo objectivo é promover e monitorizar a CPD. A unidade tem um consultor cuja função é assegurar a coerência daspolíticasfinlandesasedaue,atravésdeprocessosdeanálise,sensibilização e advocacy.
No Governo, existem ainda grupostemáticosquepromovema
coordenação entre ministérios, em temas como o comércio e o Desenvol-vimento (MNe, Ministério da Defesa, Ministério do interior), migração e Desenvolvimento (MNe, Ministério do interior e Ministério da Migra-ção),ealteraçõesclimáticas(mne,Ministério do Ambiente, Ministério do Comércio e da indústria, Minis-tério da Agricultura e das flo-restas, Ministério das finanças, Ministério dos Transportes e Comu-nicações).
a coeRência das políticas paRa
o desenvolvimento – poRtUgal no
conteXto inteRnacional
uma agenda de erradicação da pobrezaeficazpressupõeumalinha-mentodepolíticasdeapoioaváriosníveis – económico, social e ambien-tal. Baseado neste pressuposto, os ministros dos países membros da ue adoptaram em 2008 a Declaração sobre a Coerência das Políticas para o Desenvolvimento (CPD), de forma a promover a coerência política a nível interno dos estados, num con-texto de mundo globalizado.
em Portugal foi adoptada a
resolução do Conselho de Ministros n.º82/20108, de forma a implementar internamente os compromissos assu-midos internacionalmente, de alinhar as políticas nacionais que afectem os PeD com a política de Coopera-ção para o Desenvolvimento e assim “aumentar a visibilidade da polí-ticaexternanacionaleaeficáciadaajuda pública Portuguesa na prosse-cução dos ODM”9.
existem diversos constrangi-mentos inerentes à própria política de Cooperação para o Desenvolvi-mentoquedificultamaaplicaçãodaCPD, nomeadamente a grande dispersão institucional e de recursos, que torna ainda mais premente e urgente a aplicação de mecanismos de coor-denaçãoparagarantiraeficáciadaCooperação Portuguesa; a ausência deumorçamentounificadodedicadoàCooperação para o Desenvolvimento, quepermitaidentificaregerirosrecursos distribuídos pelos diver-sos ministérios e sectores; e ainda a escassa divulgação e circulação de informação entre os diferentes actores da Cooperação Portuguesa (melhorada com a criação do fórum da Cooperação, mas ainda claramente insuficiente).
Ao nível político, para a prossecução da CPD, o Conselho de
* Fonte: OCDE, 2009
8 Publicada em diáriodarepública a 4 de Novembro de 2010 e disponível em http://www.ipad.mne.gov.pt//Cen-troRecursos/Biblioteca/Docu-ments/0496504966.pdf 9 Site do CICL em http://www.instituto-camoes.pt/coope-racao#/CooperacaoDesenvol-vimento/Coer%C3%AAncia das Pol%C3%ADticas para o Desen-volvimento/Paginas/default.aspx
046-047
ministrosconcordounadefiniçãodemecanismos formais de coordenação e acompanhamento e do reforço do diálogointerministerialdeformaefectivaesistemática,noquedizrespeito aos processos de tomada de decisão governativa sobre maté-rias com impacto nos PeD. O quadro para a coordenação deveria ser o da Comissão interministerial de Coope-ração (CiC) que, ao longo dos anos, foi sofrendo reestruturações, uma das quais em 1997, quando refor-çou o papel de coordenação de toda a política de cooperação pelo MNe, em articulação com os restantes ministérios e organizações públicas envolvidas. Porém, após um período de actividade regular, entre 1999 e 2002(vergráfico11),asreuniõespassaram a ter uma periodicidade semestral, acabando por não ter uma existência efectiva, nomeadamente pela sub-representação, ao nível da responsabilidade política, dos diversos ministérios, a começar pelo próprio MNe. A título de exemplo, a única reunião realizada em 2009 foi presidida pelo então presidente do iPAD, e contou com a presença de um representante do gabinete do seNeC. A reforma da Administração Pública (PrACe) eliminou as unidades e res-ponsáveisdealtoníveldedicadosexclusivamente às questões da coope-ração, dentro dos ministérios secto-
Fonte: IPAD, 2010
GráfiCO 11. Número de reuniões
anuais da CiC
1997 1999 20052001 20072003 20091998 2000 20062002 20082004 2010
2
6
10
12
0
4
8
riais. Assim sendo, a representação de cada ministério na CiC passou a ser feita pela presença de técnicos dos ministérios, o que tornou a CiC um instrumento ainda com menos esta-tuto para um papel de coordenação e de tomada de decisões.
O exame interpares realizado em 2010 pelo CAD/OCDe destaca o papel da CiC enquanto mecanismo útil de trabalho conjunto entre ministé-rios em políticas-chave que afectam directamente os países parceiros, acrescentandoareferênciaaáreas
como a migração e a segurança. Porém, o seu papel enquanto instru-mento de coordenação ministerial e de coerências das políticas é discu-tível, seja pela hierarquia insti-tucional representada na Comissão pelos diferentes ministérios, que coloca entraves na possibilidade de tomada de decisões, seja pelo número reduzido de encontros realizados nos últimos anos, o que leva a crer que não existe realmente vontade polí-tica para que a CiC exista e tenha o papel que lhe foi destinado.
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DePOiMeNTO 10. qUais as vantagens compaRativas do camões
- institUto da coopeRação e da língUa, nUma época de
limitações de RecURsos, de foRma a RefoRçaR a qUalidade
e a Relevância da coopeRação poRtUgUesa?
O Camões – instituto da Cooperação e da língua surge num contexto interno de adaptação a uma nova realidade que impôs a necessidade, neste, como noutros domínios, de reorganizar a estrutura do estado, mas também num con-textoglobaldemudançacujadinâmicaacarretadesafiose oportunidades que podem ser aproveitadas. As conheci-das limitações de recursos a nível interno apontam para uma aposta na qualidade da ajuda prestada. O empenho de PortugalemreforçaraeficáciadasuaAjudaPúblicaaoDesenvolvimento é inequívoco e constitui um vector funda-mentaldaacçãodoCamõesqueasseguraráocumprimentodoscompromissos nacionais no âmbito da Parceria Global para umaCooperaçãoeficazparaodesenvolvimento,resultantedo4ºfórumdaeficáciadaAjuda(Busan,dezembrode2011).A nível externo, no actual quadro (i) de coexistência de criseeconómico-financeiranaeuropaapardocrescimentoeconómicoecrescenteinfluênciapolíticadaseconomiasemergentes, (ii) da proliferação de actores na Cooperação para o Desenvolvimento, e (iii) de interdependência entre asváriaspolíticaspúblicas,asrelaçõesdeCooperaçãoencontramjustificaçãoparaoseureforçoemvariadosdomí-nios, desde o da própria política externa ao dos interes-seseconómicosoucomerciais.énocruzamentodestasduasrealidades que assenta uma das grandes vantagens compara-tivasdoCamões-oseupotencialparareforçaraeficáciadas relações de cooperação com os parceiros tradicionais e para estabelecer novas parcerias de Cooperação para o
Desenvolvimento, decorrente da sua capacidade para criar sinergias entre os dois valiosos recursos procedentes das instituições que lhe deram origem – a larga experiência em Cooperação para o Desenvolvimento e a reconhecida expe-riência na promoção de um recurso cada vez mais valori-zado - que é a língua portuguesa. esta é, pois, um ins-trumentofundamentalparaaeficáciadaCooperaçãoparaoDesenvolvimento nos países lusófonos. A partilha da língua portuguesa reforça e consubstancia um espaço próprio de relações políticas, económicas, culturais e de Cooperação que o Camões - instituto da Cooperação e da língua pode potenciarrespeitandoaespecificidadedapolíticadeCoo-peração.
paUlo nascimento,
vice-pResidente do camões – institUto
da coopeRação e da língUa
048-049
os constRangimentos da aRqUitec-
tURa institUcional
à semelhança de países como a áustria, Bélgica, frança, Ale-manha ou espanha, Portugal segue um modelo em que um único minis-térioéresponsávelpeladefiniçãoda política de CD e uma agência, sobsuatutela,éresponsávelpelaimplementação. No entanto, no caso português,háníveisdeimplementa-ção que estão distribuídos pelos 11 ministérios,emboraestandodefi-nido o papel de coordenação para a agência nacional de Desenvolvi-mento, agora Camões – instituto da Cooperação e da língua (que resulta da fusão do instituto Camões, res-ponsávelpelapromoçãodalínguaecultura portuguesas, e do instituto Português de Ajuda ao Desenvolvi-mento, em funcionamento até junho de 201210).
Assim, existem manifestas contradiçõesentreaquiloqueestáreferidonosdocumentosoficiais(e que é reportado ao CAD/OCDe e a outras organizações internacio-nais)eapráticainterna,noquediz respeito à efectiva responsabi-lidade de cada um dos ministérios neste sector. Apesar de o MNe ter oficialmenteresponsabilidadetotal
pela APD portuguesa, com o CiCl a desempenhar um papel de coordena-ção e de implementação política, o pesopolíticoefinanceiroconferidoem particular ao MfAP, explanado anteriormente, confere pouca margem de efectiva coordenação política e operacional ao MNe. O próprio MNe retiraautonomiafinanceiraaoCiCl,esvaziando a cooperação de autono-miatécnica(ondeestáoconheci-mentonestaárea)epolitizando-a.
a instabilidade institUcional da
agência de desenvolvimento
Para além dos constrangimen-tospráticosedopesopolíticoconferido a cada uma das entidades públicasnestesector,verifica-setambém recorrentemente uma insta-bilidade institucional ao nível da agência nacional de Desenvol-vimento, limitações no seu poder de decisão efectiva e ausência de autonomiafinanceira.nosúltimos21 anos, Portugal assistiu a cinco mudanças de estrutura institucional da agência nacional de Desenvolvi-mento (quadro 1). Com a criação do iPAD, em 2003, Portugal conheceu
algumaestabilidadenestaárea.Porém a nível interno do próprio iPAD as mudanças foram recorrentes, com seis presidentes entre 2003 e 2012, dos quais cinco não chega-ram a cumprir dois anos de mandato. Apenas em janeiro de 2007, com a tomada de posse de Manuel Correia, o iPAD conheceu uma relativa esta-bilidade, até à fusão com o Camões.
quando o novo Governo tomou posse, em junho de 2011, iniciou- -seolongoperíododeindefinição– ainda em curso – sobre o rumo da Cooperação para o Desenvolvimento, nomeadamentedaagênciaresponsávelpela coordenação e implementação política. O Grupo de Trabalho sobre internacionalização e Desenvol-vimento elaborou um documento, a pedido do Governo, no qual relati-vamente à Cooperação para o Desen-volvimento, fez uma única reco-mendação (e que colheu consenso entre os cinco membros do Grupo): o reforço do papel do iPAD, no con-texto da Cooperação Portuguesa. Porém, desde a tomada de posse do novo executivo que foram tomadas medidas operacionais desestrutu-rantes, até à extinção do iPAD, no início de 2012.
Com perplexidade, assistiu- -se à fusão do instituto Camões e
10 A lei orgânica do novo instituto foi divulgada em diáriodarepública a 20 de Junho de 2012 e está disponí-vel em http://dre.pt/pdf1s-dip/2012/06/11800/0305703061.pdf
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DePOiMeNTO 11. poRtUgal teve a pRimeiRa sitUação Real de
estabilidade institUcional no sectoR, qUe peRmitiU ine-
gáveis avanços, dURante o seU mandato enqUanto pResi-
dente do ipad. na sUa opinião, qUal a sUstentabilidade
dos ResUltados alcançados, no conteXto actUal do país?
enqUanto pessoa qUe peRmaneceU mais tempo na pResidên-
cia do ipad, qUais foRam as gRandes alteRações dURante
esse peRíodo e qUais são os desafios actUais?
Também partilho a opinião que durante o período considerado se conseguiu uma relação de estabilidade real entre o iPAD, as ONGD em geral e a Plataforma das ONGD em particular.talsituação,naminhaopiniãoficou-seadeveraomaiordiálogoeàconsciênciamútuaquesefoicriandodeque,quantomaisfrancofosseessediálogo,maioresseriam os proveitos de todos os actores. A verdade é que, comalgunsaltosebaixos,aconfiançaeoconhecimentofoiprogredindo para uma situação de estabilidade e respeito mútuo bem fundamentados. A Plataforma da ONGD e as ONGD passaramaveroiPAdcomoagenteimportanteerespeitávelpara as questões fundamentais da sua actuação e o iPAD, por sua vez, foi enraizando, cada vez mais, o papel das ONGD como actores decisivos da sua acção como o provam a importância que algumas ONGD foram assumindo no contexto da cooperação bilateral muito para além dos famosos con-cursosdasongd.éverdadequeacriaçãodeumadirecçãodeserviçosparaestaquestãoporpartedoiPAdteráaju-dado a consolidar esse conhecimento e estabilidade.
quanto à sustentabilidade futura, não tenho ainda uma resposta adequada, pois isso vai depender das linhas
mestras que o actual governo traçar para a Cooperação e, tanto quanto sei, essas linhas estarão longe de ser definidasnãotantoespecificamenteparaasongd,mas,deuma forma mais genérica, quanto ao próprio futuro da AjudaPúblicaaodesenvolvimento.dessadefiniçãoconsubs-tanciadaounãoemorçamentosadequadosdependeráessaestabilidade.Adivinhonoentantodoisgrandesdesafios:o de continuar na luta constante para que o país tenha a Cooperação para o Desenvolvimento na sua agenda política, o que naturalmente faz dos projectos eD uma ferramenta fundamental. e que as alterações agora em marcha no sector não a desvinculem dos padrões que internacionalmente lhe eramjáreconhecidosportodos,nomeadamenteatravésdasquatro avaliações que o CAD/OCDe desenvolveu à Cooperação Portuguesa na década considerada.
manUel coRReia,
vogal do conselho diRectivo do ipad de 2005 a 2007 e
pResidente da mesma institUição entRe 2007 e 2012
050-051
do iPAD numa única estrutura res-ponsávelpelapromoçãodalínguaecultura portuguesas no mundo e a implementação da política de Coope-ração Portuguesa. esta fusão acon-tece, apesar de as recentes orien-tações do CAD/OCDe a Portugal que defendem que a Cooperação para o Desenvolvimento não deve ser uti-lizada para objectivos de política externa relacionados com a promo-ção da língua portuguesa, devendo centrar-se no Desenvolvimento dos países parceiros.
inicia-se um período de oito mesesdeindefinição,comonovoCamões em gestão corrente, sem poder decisório, nem orientações sobre as novas funções do insti-tuto. Apenas quatro meses após a criação do novo Camões, é nomeada a Presidente e, dois meses depois, são nomeados os dois vogais e o vice-presidenteresponsávelpelaáreadacooperaçãosócomeçouaexercer funções em setembro de 2012.
A existência recente no novo instituto, das funções cumulativas de promoção da Cooperação Portu-guesa e de divulgação da língua portuguesa, e a saída de um número consideráveldequadrosintermédiose superiores com uma memória muito
importantenosector,dificultaaavaliação do desempenho e os efei-tos destas alterações a nível institucionalepoderádificultaramelhoriadaeficáciadosorganismosque deviam procurar ter uma orgâ-nica consentânea com a maximização dosrecursosfinanceiros,reduzidospelo programa de restrições orça-mentais do actual Governo.
a abeRtURa da coopeRação poRtU-
gUesa à sociedade
A Cooperação para o Desenvol-vimento é muitas vezes vista como umaáreacomplexa,encerradaemsimesmoecomgrandedificuldadedepenetração nos media mainstream e na sociedade em geral. Nos últi-mos anos, a Cooperação Portuguesa promoveu diversos tipos de ini-ciativas que permitiram, de certa forma, começar a procurar formas de inverter esta tendência, nomeada-mente com novas formas de abertura à sociedade.
um primeiro tipo de ini-ciativa é a criação de Os Dias
dos Desenvolvimento (ODD), com a organização de quatro edições (2008/11), que permitiu dar a conhecer as iniciativas de diversos actores da Cooperação Portuguesa (desde as ONGD, centros de investi-gação e municípios, aos programas implementados pela própria Coopera-çãooficial)àsociedadeemgeral.De acordo com as avaliações feitas pelo iPAD, instituição promotora de todas as edições, ODD permiti-ram sensibilizar a opinião pública portuguesa para as prioridades da Cooperação Portuguesa e promover oencontroentreosváriosacto-res nacionais do sector, bem como a “conquista de novos actores” e “novospúblicos”paraestaárea.Para os participantes em geral o balanço é francamente positivo, na medida em que permitiu dar uma maior visibilidade ao sector e criar condições para um abrir de portas a públicos diversos (mesmo queacontençãofinanceiraemquedecorreuaúltimaediçãojátenhalevado à opção por um formato de alcance mais limitado).
Também o inov Mundus deve ser aquireferidocomoumaboapráticade abertura do sector à sociedade, permitindoaintegraçãoprofissionalou a passagem por este sector de um conjunto de jovens recém-licen-
RELATÓRIO AID WATCH 2012 UMA LEITURA DA COOPERAÇÃO PORTUGUESA DESDE 2003
ciados, integrando-os em equipas de ONGD, de organizações interna-cionais e na estrutura do próprio iPAD. Na primeira edição, em 2009, o processo de selecção contou com 1250 candidaturas para 50 vagas, que foram preenchidas na totali-dade.Jánasegundaedição,estavaminicialmente previstas 75 vagas, porém apenas 42 foram preenchidas. O programa foi entretanto suspenso. Não sendo conhecida uma avalia-ção desta iniciativa, os contactos informais com os dois lados deste programa – os jovens recém-licen-ciados e as instituições de aco-lhimento–dácontadeavaliaçõesinformais muito positivas, que contribuíram para o alargamento do leque dos envolvidos com o sector por um período de tempo adequado a umaconsiderávelsensibilizaçãoeexperiênciapráticaprofissionali-zante para muitos jovens, ao mesmo tempo que contribuiu para o reforço das instituições de acolhimento.
umaterceiraáreadeaberturafoi a da procura pelo iPAD e pelo seNeC de uma relação com os media, patrocinando diversas iniciativas, seja de contacto de jornalistas com iniciativas de Cooperação nos países parceiros, seja na produ-çãodedocumentáriostelevisivos.estas últimas iniciativas não têm
a mesma avaliação positiva consen-sualquesepodeidentificarparaosdois tipos de iniciativas anterio-res, sendo um campo de controvérsia que não cabe a este documento a sua apreciação de forma detalhada.
finalmente, deve ser aqui referida a abertura da oportuni-dade – com a aprovação da estra-tégia Nacional de educação para o Desenvolvimento (eNeD) – de apoio a novas formas de sensibilização da sociedade tendo os media e os jornalistas simultaneamente como alvos e como parceiros, no âmbito de projectos de advocacia que ante-riormente não tinham uma priori-dade clara. estes novos grupos-alvo passaram a incluir também os depu-tados, numa perspectiva de ganhar a sociedade política para a Coopera-ção para o Desenvolvimento. Apesar depoucos,hájáalgunsprojectosdesenvolvidos e que terão sido avaliados no âmbito do processo de acompanhamento da eNeD, mas os resultados dessa avaliação não foram ainda tornados públicos.
052-053
Data
1994-2003 2003-2012
2012-
institUto
Instituto da Cooperação Portuguesa
5 presidentes:josé luíz GomesCarlos Neves ferreiraeugénio Anacoreta Correiajoão Gomes CravinhoMaria Paula fernandes dos santos (em regime de substituição)
Instituto Português de apoio ao Desen-volvimento
6 presidentes:luís de Almeida sampaiojosé iglésias soaresruth AlbuquerqueMaria inês rosa (em regime de substitui-ção)Augusto Manuel Correia
Camões – Instituto da Cooperação e da Língua
1 presidente:Ana Paula laborinho
fUnção
Criado para reforçar a coordenação da Cooperação Portuguesa, essencial para a coerência entre as múltiplasactividadesdesenvolvidasnestaárea.Considerado o único interlocutor institucional do estado português no âmbito do planeamento, coor-denação, acompanhamento e avaliação da política de cooperação.
A coordenação da Cooperação Portuguesa passa a ser feito por um único organismo, tutelado pelo MNe, que assegura a supervisão e a direcção da política de CD e da APD. A Ajuda ao Desenvolvimento e o apoio ao investimento empresarial nos países par-ceiros passam a ser domínios de intervenção dife-renciados, com enquadramento legal também distinto ao nível das tutelas.
resultado da fusão do instituto Camões, respon-sávelpeloensinoepromoçãodalínguaeculturaportuguesas,edoiPAd.éactualmenteaagênciaoficialportuguesadedesenvolvimentoedepromoçãoexterna da língua e cultura portuguesas.
quADrO 3. instituição Nacional
de Cooperação para o Desenvol-
vimento
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Data
1991-1999
1999-2003
2007
agência
Fundo para a Cooperação Económica
1 presidente:isabel Pinto Correia
agência Portuguesa de apoio ao Desenvol-vimento
1 presidente:isabel Pinto Correia
sociedade para o financiamento do desen-volvimento
2 presidentes:álvaro Pinto CorreiaAntónio rebelo de sousa
fUnção
instrumentofinanceiro(parabancário)cujamissãofundamental era complementar a acção dos agentes económicos, em estreita colaboração com o sistema bancário,criandocondiçõesefectivasdeconcor-rência em matéria de investimento e de venda de serviços e equipamentos, para promover a presença portuguesa nos países com os quais mantinha e que-ria desenvolver adicionais laços de cooperação.
surge com a extinção do fCe e passa a ser a enti-dadequecentralizaofinanciamentoeaexecuçãopolítica. Alargou o âmbito de intervenção iniciado com o fCe, apesar de continuar centrada no incen-tivo ao investimento de empresas portuguesas nos países parceiros da Cooperação Portuguesa. Agência complementar ao trabalho do iCP.
instrumento para a dinamização das economias dos Ped,nomeadamentedosbeneficiáriosdaAPdpor-tuguesa, através de o apoio às actividades de empresas portuguesas, isoladas ou em parceria com investidores locais.
quADrO 4. Agênciasdefinancia-
mento e apoio à Cooperação
económica
054-055
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DePOiMeNTO 12. enqUanto joRnalista qUe tem tRabalhado qUes-
tões Relacionadas com a coopeRação paRa o desenvolvi-
mento, qUal a sUa opinião sobRe a foRma como o sectoR
da coopeRação poRtUgUesa tem comUnicado sobRe o desen-
volvimento?
em geral, as organizações – públicas e privadas, em Portugal – não têm sabido comunicar a Cooperação e o desenvolvimentoeficazmente.sãopoucotransparentessobreas suas próprias actividades e demonstram pouco domínio das ferramentas de comunicação. Bem sei que o tema não é defácilexplicação,oqueobstaculizaademonstraçãodasua relevância para o interesse público, mas exige-se mais persistência e sobretudo mais criatividade e capacidade de atracção.Claroqueháexcepções,ecomumóptimoregisto,que têm desenvolvido um trabalho de cooperação com os jor-nalistasemváriosdomínios.estetipodecontactocomosjornalistas que se interessam por estas questões deve ser imitado.outraspropostaspassamporformaçõesespecíficasdirigidas aos órgãos de comunicação social ou a realização de visitas aos projectos no terreno, por exemplo. Tudo o que conseguir aproximar as pessoas da concretização das ideiasdeCooperaçãoedesenvolvimentopoderádemonstrararelevância dos projectos em curso.
sofia bRanco,
joRnalista da agência lUsa
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- Portugal nunca cumpriu as metas assumidas internacional-mente, no que diz respeito à per-centagem de rNB dedicada à Ajuda ao Desenvolvimento. em 2011, o ráciornB/APdfixou-senos0,29%,muito abaixo da média europeia e longe da meta dos 0,7% até 2015;
- A Ajuda ligada tem aumen-tadosignificativamentenosúlti-mos três anos, atingindo o valor maisaltodestaanáliseem2011,com72,5%daAPdclassificadacomoAjuda ligada;
- em 2011, a execução orça-mental da APD portuguesa foi a mais baixa desde 2003, registando apenas uma execução de 62% do total de fundos alocados à Coope-ração, cabendo a responsabilidade desta baixa execução ao MfAP que detinha 65% dos fundos, dos quais executou apenas 46%;
-Atransparênciadosflu-xos de APD portuguesa tem sido alvo de críticas, tanto a nível interno, como internacional. Portugal não tem ainda mecanismos eficazesdedisponibilizaçãodeinformação pública neste sector,
capazes de permitir a calendari-zação,verificaçãoemonitorizaçãoplenadosfluxosdeAPd;
-osavançosconsideráveisnatransparênciadofinanciamentoàs ONGD, através de normas e candidaturas públicas, únicas no financiamentopúblicoaosector,têm vindo a ser comprometidos, com os fundos disponibilizados extra-concurso a superarem, em 2011, em três vezes, os da candi-datura pública;
- O real envolvimento das osCnadefinição,implementação,monitorização e avaliação das políticas de Cooperação para o Desenvolvimento não é promovido e reconhecido em pleno em Portugal; odiálogoeoenvolvimentodasONGD têm estado sujeito a avanços e recuos imprevisíveis ao longo da última década;
- Portugal não tem actual-mente um instrumento orçamental de programação e de referência paraamonitoria,naáreadaCoo-peração para o Desenvolvimento, semelhante ao PO5, criado em 2004 e extinto em 2009 (substituído
pelo PO21 em 2011 e depois com-pletamente eliminado);
- A Cooperação para o Desenvolvimento não é reconhe-cida em Portugal como política de estado, transversal a ciclos eleitorais, que lhe permita maior consenso, coerência e relevância políticas e estabilidade ao nível institucional;
- Nos últimos anos, foram experimentadas formas inovado-ras de abertura à sociedade, dos quais existe uma certa unanimi-dade na avaliação – iniciativas como Os Dias do Desenvolvimento, o programa inovMundus e a eNeD.
conclUsões
056-057
ficha técnica
TíTulO
relatório Aid Watch 2012 – uma leitura da
Cooperação Portuguesa desde 2003
AuTOriA
Ana filipa Oliveira / ACeP
COMeNTáriOs
Grupo de Trabalho Aid Watch da Plataforma
Portuguesa das ONGD
eDiçãO
Plataforma Portuguesa das ONGD
DATA
Outubro 2012
APOiO
CONCOrD - Confederação europeia das ONGD
DesiGN GráfiCO
Ana Grave
Pré-imPressão,imPressão e ACABAMeNTO
staff 4 You lda.
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