relatório 2/2012
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Caracterização Biológica do Bisso do mexilhão-douradoTRANSCRIPT
Relatórios técnicosSoft Tissues: Pé e Bisso
2013
GT343Controle do mexilhão-dourado:Bioengenharia e novos materiais para aplicações em ecossistemas e usinas hidrelétricas.
II. Caracterização biológica
(página deixada em branco intencionalmente)
SOFT TISSUES: PÉ E BISSO
belo HoriZonte, 11 de noVembro de 2013
Este documento constitui um conjunto com três relatórios técnicos sobre o conjunto de tecidos moles do mexilhão-dourado, referentes ao Projeto “GT343 – Controle do Mexilhão-dourado: Bioengenharia e novos materiais para aplicações em ecossistemas e usinas hidrelétricas”, realizada durante os anos de 2012 e 2013.
relatÓrioS tÉcnicoS
3
Relatório técnicoSoft Tissues
2013
Através de uma rede que conecta empresas
e o governo, sob a liderança da Cemig,
o Centro de Bioengenharia de Espécies
Invasoras de Hidrelétricas busca soluções para
amenizar os impactos ecológicos, industriais e
econômicos causados por espécies invasoras. A
proliferação descontrolada destes organismos
acaba eliminando outras espécies nativas
e comprometendo atividades humanas que
dependem de recursos naturais, como agricultura,
pecuária e geração de energia hidrelétrica.
Por que o CBEIH foi criado?
A proliferação descontrolada destes organismos
acaba eliminando outras espécies nativas e com-
prometendo atividades humanas que dependem
de recursos naturais, como agricultura, pecuária e
geração de energia hidrelétrica.
Como o CBEIH funciona?
Atuando nas frentes de Bioengenharia, Modela-
gem e Monitoramento Ambiental, o CBEIH tem
por objetivo amenizar e combater os impactos
ecológicos, industriais e econômicos causados por
espécies invasoras.
Quem são os parceiros do CBEIH?
O CBEIH é o resultado de uma união entre o CETEC
e a Cemig, com a gestão financeira da Fundep.
Av. José Cândido da Silveira, 2000 Horto - Belo Horizonte (MG)
www.cbeih.org / [email protected]
centro de bioengenHaria de eSpÉcieS
inVaSoraS de HidrelÉtricaS (cbeiH)
4
Fig. A
Diagrama das áreas de atuação do CBEIH. Para saber mais, acesse www.cbeih.org.
Fig. B
Mexilhão-dourado (Limnoperna fortunei) aderido ao substrato natural.
Esta espécie de molusco bivalve é invasora nos ecossistemas brasileiros e é causador de di-
versos problemas de ordem ecológica, econômica e social e tornou-se especialmente danoso
para o funcionamento das hidrelétricas.
B
A
UFMG | CENTRO DEMICROSCOPIA
LABORATÓRIO
MICROSCOPIA
PREVENÇÃO ECONTENÇÃO
CONTROLE EERRADICAÇÃO
CULTIVO DEMEXILHÕESCOLETA EM
CAMPO
EXPERIMENTOS
CONHECERESPÉCIE
bioengenharia
modelagem monitoramento
ÁREASDE RISCO
UHECEMIG
DIVULGAÇÃOCIENTÍFICA
CONVERGIRPESQUISADORES
MODELOS DEDISTRIBUIÇÃO
ÁREASINFESTADAS
comunicaçãocientífica
base colaborativade dados
WEBSITE
O mexilhão-dourado (Limnoperna fortunei), molusco bivalve da família Mytilidae, é originário dos dois maiores
rios da China, o Yantsé e o Pearl. Introduzido no Japão e em Hong Kong, foi disseminado por grande parte
do sudeste asiático. Possui características de colonizador invasivo bem sucedido: curto período de vida,
crescimento acelerado, altas taxas de fecundidade e ampla tolerância fisiológica aos fatores abióticos.
Sua introdução no continente sul americano se deu provavelmente na água de lastro de navios cargueiros.
Observado inicialmente na Argentina em 1991 (Pastorino et al 1993), entra no Brasil pelo rio Paraguai, na
região do Pantanal, em 1998 (Oliveira et al 2003). Segundo Barbosa (2009), a competição com as comunidades
nativas, a diminuição da turbidez da água, alterações na ciclagem de nutrientes, redução do fitoplâncton e o
aumento das macrófitas aquáticas foram alguns dos problemas que surgiram com a introdução do mexilhão-
dourado no ecossistema. Além desses fatores relacionados à ecologia, esse bivalve tem uma importância
econômica muito grande para o país. Ele obstrui tubulações e motores de usinas hidrelétricas, adere às
grades que permitem a passagem de água e reduz o fluxo da mesma. Os custos anuais para a remoção de
tais animais são muito elevados e cerca de R$ 10 milhões de reais já foram investidos em pesquisas pela
Cemig (PASINI, M., 2011).
introdUÇÃo
1
Fig. 1 - Mexilhão-dourado jovem (3mm) com o pé exposto (imagem obtida com Lupa óptica). O pé se revelou uma importante estrutura na constituição do bisso
6
Inicialmente, o projeto propôs estudos compartimentalizados de cada estrutura componente do organismo
Limnoperna fortunei. Porém, na medida em que avançamos na compreensão destas estruturas, a relação
intrínseca entre estas se mostrou patente. Impossível compreender a construção do bisso como estrutura isolada;
sem relacioná-la à organização cito-histológica do pé e as propriedades morfo-fisiológicas deste, perde-se todo o
vasto universo de informações definidas pelo contexto. Da mesma forma, o pé conecta-se ao sistema muscular e
nervoso do mexilhão dourado, atuando não só como membro locomotor (como o nome “pé” sugere) mas também
como órgão táctil, cuja sensibilidade aos estímulos físicos e químicos funciona como interface sensória entre o
organismo e o meio ambiente. Estes estudos também revelaram o papel fundamental desta estrutura na formação
do bisso: através de um canal na porção ventral do pé encontra-se um canal por onde migram secreções mucosas
ali produzidas para que seja formado o bisso.
Assim, frente aos resultados parciais do projeto, e às mais recentes pesquisas em âmbito internacional, o CBEIH
optou por dividir o mexilhão dourado em duas grandes categorias de materiais:
• SOFT TISSUES: termo utilizado na Engenharia de Materiais e de Tecidos para designar aqueles
tecidos orgânicos tidos como “macios”, devido à sua constituição, organização e à acentuada
presença de água. No caso do mexilhão-dourado, soft tissues compreende pé (e naturalmente
o bisso), tecido muscular, nervoso, brânquias, gônadas, glândulas, tecidos de armazenamento e
metabolismo, etc.
• HARD TISSUES: como esperado, abrange aqueles tecidos cuja composição se dá,
majoritariamente, por componentes biomineralizados, como fosfato de cálcio, carbonato de
cálcio, derivados do silício, do ferro, etc. No mexilhão-dourado, essa categoria é representada
pela concha, composta quase exclusivamente por polimorfos de carbonato de cálcio (calcita e
aragonita), organizados em camadas com diferentes organizações arquitetônicas. Entretanto,
é importante ressaltar, que mesmo dentro da categoria hard tissues, encontramos, em
porcentagens pequenas (1 a 5%) matriz orgânica, composta principalmente por água (na forma
de géis) e proteínas. A matriz orgânica atua como scaffold, onde a matriz mineral é depositada
por meio de processos celulares e físico-químicos.
A importância deste estudo reside no fato de que compreendendo a relação e a atuação das estruturas, estudos
posteriores podem buscar estratégias efetivas para controlar processos como o de adesão, e interromper o
biofouling por L. fortunei.
7
FormaÇÃo e conStitUiÇÃo do biSSo
2
Fig. 2 - Filamentos de bisso observados através de microscopia óptica.
Os membros da família Mytilidae são capazes de secretar uma estrutura chamada bisso, estrutura de
fixação formada por um apêndice muscular conhecido como pé (BRAZEE e CARRINGTON, 2006).
Dentre várias possibilidades, o processo de formação do bisso mais bem aceito, foi proposto, inicialmente,
por Brown, em 1952, para o mexilhão Mytilus edulis. Porém, avanços na Ciência dos Materiais, somados
auma compreensão aguçada dos mercanismos biológicos, proporcionam um ponto de vista inovador, onde
os processo são observados e inferidos no contexto ambiental e orgânico. As estruturas fazem parte de um
todo, e funcionam em consonância neste; uma ótica reducionista limitaria a apreensão desse todo.
Percebemos, hoje, que a produção do bisso é um processo complexo, onde processos menores acontecem
simultaneamente em locais distintos do pé. E que esses processos menores também são desencadeados
em etapas, reguladas por mecanismos físicos (tensão superficial, diferença entre densidades, polaridade) e
químicos (ação enzimática, polimerização, oxi-redução, etc.).
8
O bisso é um conjunto de polímeros secretados pelas glândulas do pé, e pode ser divido em três partes:
uma raiz fibrosa ligada aos músculos retratores do bisso; uma haste que se extende da raiz, composta por
bainhas sobrepostas; emaranhados fibrosos que se projetam individualmente de cada bainha. Os fios de
bisso, por sua vez, são produzidos na canaleta ventral do órgão podal do mexilhão. Eles são compostos
por um eixo interior flexível de colágeno revestido por uma proteína polifenólica curada e endurecida,
que compõe a cutícula bissal. Acredita-se que a proteína em questão envolva um processo de quinona-
tanagem com uma enzima catecol oxidase específica. O tipo proteico depende do gênero e da espécie
do animal, por exemplo, a Mefp-1 (Mytilus edulis foot protein-1) para o mexilhão-azul, Mytilus edulis,
e a Lffp-1 (Limnoperna fortunei foot protein-1) para o mexilhão dourado Limnoperna fortunei (BROWN,
1952; SILVERMAN, ROBERTO, 2007). Todo o conjunto é coberto por uma cutícula polimérica que evita a
degradação por fungos e bactérias. A adesão entre o bisso e o substrato se dá em escala nanométrica, por
interações do tipo capilaridade e forças de van der Waals (MEYERS, 2009), permitindo que o mexilhão se
fixe em praticamente qualquer substrato sólido, de pedras, troncos e conchas de outros moluscos a cascos
de barco, redes de pesca e placas de vidro.
Amygdalum (pearly-mussels) (a)
Arcuatula (bag-mussels) (b)
Austromytilus (beaked-mussels) (c)
Brachidontes (mussels) (d)
Gibbomodiola (horse-mussels) (e)
Gregariella (mussels) (f)
Limnoperna (mussels) (g-i)
Modiolus (horse-mussels) (j)
Musculus (mussels) (k-l)
Mytilus (mussels) (m)
algUnS gÊneroS de molUScoS pertencenteS
À FamÍlia mYtilidae
4
3
Fig. 4 - Alguns gêneros de moluscos da família Mytilidae.
FONTE: www.molluscsoftasmania.net / Copyright Simon Grove
Fig. 3 - Mexilhão-azul Mytilus edulis
FONTE: www.wikipedia.com.br
9
500 µm
16Fig. 16
Bisso e placa adesivo produzidos pelo mexilhão-dourado em MEV
Unidade ii
Caracterização Biológica
• Caracterizar biologicamente as amostras de bisso de L. fortunei,
obtidas anteriormente pelo grupo.
obJetiVo
26
Seleção de biSSoS para regiStro daS imagenS
Após a limpeza dos bissos coletados para retiradas de resíduos aderidos principalmente nas placas adesivas,
foram selecionadas três unidades para a aquisição das imagens, escolhidas devido o nível de limpeza e
integridade das estruturas do bisso. Para isso foi realizada uma criteriosa verificação nas amostras para que a
qualidade das imagens fosse a melhor possível.
obtenção daS micrografiaS ópticaS e eletromicrografiaS de varredura
A aquisição das imagens foi realizada por meio de lupa e do programa de captura de imagens MOTIC Imagens®
que permite a análise completa da amostra através de ferramentas de medidas que podem ser alteradas
e adaptadas para o tipo de trabalho desejado. Os bissos foram registrados primeiramente inteiros em um
aumento de 10x, para visualização da estrutura íntegra. Em seguida, foram cortados todos os fios de cada bisso
e colocados em ordem crescente, para melhor visualização das estruturas.
Esses fios foram distribuídos no máximo em 11 grupos e identificados. Para cada parte do bisso, foram adquiridas
duas imagens: uma próxima a haste e a outra próxima a placa adesiva. Essas imagens foram registradas em
um aumento que variou entre 30x a 50x de maneira a facilitar o momento da mensuração dos fios. Durante o
processo de captura das imagens, foi necessário adicionar gotas de água na amostra para diminuir a repulsão
eletrostática entre os fios e a pinça utilizada para manusear a estrutura. Após a aquisição das imagens, iniciou-
se o processo para realizar a medida do diâmetro de cada fio. Em cada imagem, procurou-se contar o maior
número de fios possíveis, quando foi registrado um total de 708 fios entre próximos a haste e próximos da
placa adesiva. É importante salientar que o número atribuído a cada fio de bisso na parte próxima da haste não
corresponde ao número do fio de bisso da parte próxima da placa adesiva. Isso ocorreu porque cada grupo foi
dividido em duas partes diferentes.
Para as eletromicrografias de varredura, as amostras foram devidamente preparadas seguindo protocolos
padrões do CM-UFMG: fixação em solução Karnovisk, desidratadas, impregnação com tetróxido de ósmio e
secagem em ponto crítico (CPD). Em seguida foram montadas nos porta-amostras e pulverizadas com ouro.
As imagens foram obtidas por microscopia eletrônica de varredura, no Centro de Microscopia da UFMG e no
CBEIH.
menSuração doS regiStroS
Para iniciar a mensuração foi necessário determinar uma distância de 0,85mm a partir da placa adesiva, pois
o fio de bisso de Limnoperna fortunei possui regiões morfologicamente distintas. A região próxima da placa
adesiva tende a apresentar maior diâmetro de secção transversal que a região próxima da haste. Para medir
o diâmetro foram utilizadas as imagens capturadas pelo programa de aquisição MOTIC Imagens®, procurando
medir o maior número possível de fios.
Fios e placas adesivas também foram mensuradas através de eletromicrografias de varredura com auxílio do
software que acompanha o MEV Tescan Vega III.
mÉtodoS
27
raiZ e HaSte
17
Fig. 17 - Fotomicrografia de um corte transvesal do pé do mexilhão dourado. É possível visualizar a
inserção do pé nos músculos, os fios do bisso, a haste e a raiz. Fonte: CBEIH.
A raiz (Fig. 20, 22, 23) é uma estrutura originária da glândula do bisso, a qual se abre na junção do pé com
a massa visceral. Ela é composta de um material fino disposto em lâminas que, ao ser secretado por essa
glândula, passa por um processo de compressão e dobramento (BROWN, 1952). Esse processo resulta em
um cilindro, a haste (Fig. 17, 18, 19, 21, 22).
Um eixo recém-moldado de lâminas empacotadas é, então, revestido por um material produzido no topo da
glândula em questão (mouth of the gland). A partir desse ponto, a raiz muda de nome, passando agora a ser
conhecida por haste (BROWN, 1952).
Conforme mais material é secretado e forçado a sair da glândula bissal, o diâmetro e o comprimento da
haste aumentam. Desse modo, conclui-se que a parte mais antiga dessa estrutura é a que está mais longe
do corpo do animal (BROWN, 1952).
28
Fig. 18 - Complexo bissal (raiz, haste, fios e placas adesivas) inserido no pé de Limnoperna fortunei. FONTE: CBEIH.
500 µm
19 20
18
Fig. 20 - Micrografia destacando a raiz da haste. FONTE: CBEIH.Fig. 19 - Detalhes do corte transversal do pé do Limnoperna fortunei evidenciando a raiz e a
haste e como estão inseridas na estrutura podal. FONTE: CBEIH.
29
500 µm
Fig. 21
Complexo bissal de Limnoperna fortunei (MEV, 275X). FONTE: CBEIH
Fig. 22
Detalhe da junção raiz-haste do mexilhão dourado (MEV, 1,49kx). FONTE: CBEIH
Fig. 23
Detalhe da raiz do bisso do Limnoperna fortunei (MEV, 912X). FONTE:CBEIH
21
30
100 µm
100 µm
22
23
31
1.0 mm
Fig. 24
Bissos (MEV, 141X). FONTE: CBEIH
Fig. 25
Detalhe de placas adesivas fusionadas (microscopia
óptica). FONTE: CBEIH.
Fig. 26
Discos adesivos em detalhe na porção distal dos fios
(MEV, 160X). FONTE: CBEIH
Fig. 27
Medida de discos adesivo na porção distal dos fios
(MEV, 790X). FONTE: CBEIH
24
25
32
200 µm500 µm
FioS FibroSoS e placaS adeSiVaS
Os fios de bisso são produzidos em um sulco ventral presente no órgão do pé do mexilhão (Fig. 21, 24, 25
e 26). Já as placas adesivas são formadas na região mais distal do pé, a qual se assemelha a uma ventosa
(Fig. 25, 26, 27). Eles são compostos por um eixo interior flexível de colágeno revestido por uma proteína
polifenólica curada e endurecida. Acredita-se que a proteína em questão envolve um processo de quinona-
tanagem com uma enzima catecol oxidase específica e seu tipo depende do gênero e da espécie do animal,
sendo a Mefp-1 (Mytilus edulis foot protein-1) para o mexilhão azul Mytilus edulis e Lffp-1 (Limnoperna
fortunei foot protein-1) para o mexilhão dourado (BROWN, 1952; SILVERMAN e ROBERTO, 2007).
Ao serem formados, os fios devem ser unidos a haste e conforme a raiz e a haste aumentam de tamanho, os
fios vão sendo levados para mais longe da base dessas estruturas. Com isso, conclui-se que a porção mais
distal do bisso é também o local mais antigo desse complexo (BROWN, 1952) (Fig. 26 e 27).
A placas adesivas são formadas por um acúmulo de proteínas no órgão do pé. Uma série desses proteínas
foi identificada para Mytilus edulis, como Mefp-1, Mefp-2 (exclusiva dos discos adesivos), Mefp-3, Mefp-4,
Mefp-5, Mefp-6. Todas elas apresentaram L-DOPA (L-diidroxifenilalanina), seja em maiores ou menores
quantidades (SILVERMAN e ROBERTO, 2007).
26 27
33
1.0 mm 28
Fig. 28
Bisso e disco adesivo com cutícula (MEV, 1040X). FONTE: CBEIH
Fig. 29
Superfície aderente do discos adesivo (MEV, 486X). FONTE: CBEIH
Fig. 30
Detalhe da cutícula (MEV 3880X). FONTE: CBEIH.
34
100 µm 20 µm
29 30
cUtÍcUla
Segundo Andersen-Holten (2005), a cutícula apresenta diferenças estruturais ao longo dos fios de bisso, o
que a confere propriedades específicas. Na extremidade distal dos fios, fora da concha do molusco, ela se
configura em um arranjo granular. Isso possibilita ao mexilhão uma proteção contra o fenômeno de “sand
blasting”, ou seja, a abrasão provocada pela areia dispersa na água do mar, o que sugere dureza e rigidez.
Apesar dessa última característica, ela é capaz de acomodar tensões de até 70% por parte das fibrilas
subjacentes no núcleo distal sem delaminação, o que torna essa capa protetora um revestimento altamente
extensível. Sabe-se principal proteína dessa capa protetora é a proteína do pé -1 (foot protein -1), tal como
foi descrito anteriormente na seção anterior (ANDERSEN-HOLTEN, 2005).
35
Quantificação doS fioS de biSSo
A divisão das amostras em grupos facilitou a visualização e a análise de um maior número de fios. Permitiu
também observar detalhes como a variação de comprimento e largura dos fios da parte próxima à haste (Fig.
21) e também das placas adesivas (Fig. 26, 27, 29).
No período de dissecação foram escolhidas 14 amostras de bisso, limpos e contados, utilizando os critérios de
classificação descritos anteriormente: fios muito danificados, fios sem placa adesiva e fios inteiros. A partir
da montagem de uma tabela foi possível definir as três amostras que seriam direcionadas para a aquisição e
mensuração. Foi contado um total de 4.402 fios de bisso nas 14 amostras e, o número de fios por bisso variou
entre 169 e 675. Em seguida, foram selecionadas 03 amostras que continham o maior número de fios limpos e
íntegros. Os dados são apresentados na Tabela 01.
Observa-se que a variação entre a quantidade de fios por bisso foi grande, por exemplo, o bisso de número 10
com 120 fios e o bisso de número 09 com um total de 675 fios. Isso demonstra que a quantidade de fios não é
limitada e que cada animal pode desenvolver inúmeros fios.
Os bissos selecionados foram divididos em partes para facilitar a mensuração, pois eles continham muitos fios
e não seria possível registrar as imagens em um aumento maior. O número de fios medidos não corresponde
ao valor total de fios, pois, alguns fios ficaram muito próximos uns dos outros ou a iluminação da lupa não os
favoreceu. Logo, no bisso 03 foram medidos 159 fios sendo que a estrutura foi dividida em 7 partes e continha
um total de 169 fios; o bisso 04 foi dividido em 6 partes e foram medidos 194 fios de um total de 522 fios; por
fim, o bisso 09 que possuía um total de 675 fios foi agrupado em 10 partes e foram medidos 297 fios.
Ao contrário do que foi descrito por Carrington (2002), que descreveu a região proximal do bisso relativamente
espessa e ondulada e a região distal afilada e lisa para as espécies de Mytilus edulis, durante a análise das
amostras de L. fortunei, foi possível observar em sua morfologia que a porção proximal é mais afilada e a porção
distal, à medida que se aproxima da placa adesiva, torna-se mais grossa (Fig. 25, 26). Essa característica foi
fundamental para a execução da medida do diâmetro dos fios, pois devido a essa observação foi necessário
estabelecer uma distância mínima de pelo menos 0,80mm para iniciar a mensuração. Os resultados da análise
morfométrica dos fios do bisso são apresentados na tabela 02.
Cada bisso secretado pelo mexilhão pode ser morfologicamente separado em três partes distintas: a placa
adesiva, o filamento e a haste (BAIRATI, 1991). Foi possível verificar a variação de comprimento entre essas
estruturas, sendo a haste bem menor que os fios, que possuem tamanhos diversos. Esta amostra foi medida
utilizando o mesmo programa anterior e foram verificados três comprimentos diferentes para três regiões
distintas. Na porção superior esquerda foi encontrado um valor de 1,79mm de comprimento; na porção superior
direita 1,74mm; e por fim, na porção inferior central foi verificado um valor de 1,02mm. A haste também foi
medida e com o valor de 0,27mm podemos verificar a diferença de comprimento entre essas estruturas, todas
essas informações contidas na figura (Fig. 17).
reSUltadoS e diScUSSÃo
36
medidaS doS tamanhoS daS placaS adeSivaS
As placas adesivas de L. fortunei foram medidas por meio da ferramenta Measurement do microscópio
eletrônico de varredura (MEV-TESCAN III) do Cbeih. Utilizou-se um n amostral de 12 discos adesivos e,
para cada um deles, mediu-se o diâmetro. Como essas estruturas não são círculos exatos, diferenças entre o
diâmetro mensurado na vertical e na horizontal foram observadas. A soma de ambos os diâmetros, para cada
placa, é dada pela figura (Fig. 27).
conStituição reSumida
cutícula: revestimento protetor presente em todo o bisso, composto basicamente de Dopa (L-b-3,4-
diidroxifenil-a-alanina) e foot protein-1;
raiz: estrutura ligada aos músculos retratores de bisso, inserida dentro da cavidade glandular na base do pé;
haste: estrutura presente no pé do mexilhão, da qual emergem os fios do bisso, revestida pela cutícula e
formada por um eixo interno fibroso de colágeno.
fios: compostos de colágeno tipo P, presente na porção proximal, e D, na porção distal. A extremidade proximal
é caracterizada por ser menos rígida que a distal.
placa adesiva (disco adesivo): composta de proteínas polifenólicas do pé (foot proteins) e DOPA.
37
1 µm
31Fig. 31 - Cílios encontrados na superfície do pé do mexilhão-dourado (MEV, 5000X)
38
A análise dos resultados, contagem e mensuração do diâmetro dos fios analisados permitiram a caracterização
morfométrica do bisso de Limnoperna fortunei. Foi possível observar as diferenças entre comprimento e
tamanho de cada fio estudado, bem como sua morfologia.
A partir dos resultados obtidos, somados a conceitos de Engenharia de Materiais que permeiam todas as
discussões de Materiais Biológicos desenvolvidas no projeto, uma nova visão sobre a formação do bisso
foi proposta: a de que sua formação não se daria somente em gradiente cronológico, mas principalmente
geográfico, dentro da canaleta principal formada no interior do pé. A visão que prevalece na literatura
divide a formação da haste, do fio do bisso e da placa adesiva em momentos temporais distintos. Porém as
experiências acumuladas pelo projeto, dentro da visão multidisciplinar que orienta os trabalhos, sugerem que
as estruturas que compõe todo o conjunto bissal devem ser construídas simultâneamente, em locais distintos
do pé, por atuação de complexos glandulares distintos. E na medida em que essas estruturas crescessem por
deposição de compósitos monoméricos, elas se fundiriam e sofreriam polimerização e cura. Essa visão pode
ser justificada pela ausência de emendas no complexo bissal, pela velocidade de produção desse complexo e
pela natureza estrutural desse, onde são observadas camadas não tão distintas e nenhuma estrutura ancorada
(como ferragens no concreto armado - organização que seria encontrada se os fios do bisso fossem, de fato,
produzidos antes da placa adesiva).
Tais observações revelam o bisso como estrutura complexa, com hierarquia molecular e estrutural. A composição
dos seus componentes, somada à sua arquitetura, conferem ao bisso consideráveis propriedades mecânicas
e biológicas. Essencial à fixação do mexilhão-dourado, a compreensão da mecânica do bisso, assim como os
processos envolvidos na formação e montagem dos seus componentes (self-assembly), pode fornecer a chave
para o controle deste organismo, minimizando o impacto econômico gerado pela sua adesão em estruturas de
captação e transporte de água. Os mecanismos de formação do bisso podem, ainda, inspirar a criação de novos
materiais, como adesivos que funcionem em ambientes aquáticos, colas cirúrgicas, curativos bactericidas e
fungicidas.
Cabe salientar que estudos complementares continuam sendo realizados, a fim de elucidar dúvidas levantadas
nos testes acima citados. Umas das linhas busca, por exemplo, compreender o processo de cura dos polímeros
constituintes do bisso, a cronologia de liberação das diferentes enzimas e o desenvolvimento estrutural das
diferentes partes do conjunto bissal.
conclUSÕeS
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Centro de Bioengenharia de Espécies
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