regulação bancárias, liquidez e crise financeira
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
INSTITUTO DE ECONOMIA
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM ECONOMIA
DANIEL DE SANTANA VASCONCELOS
REGULAO BANCRIA, LIQUIDEZ E CRISE FINANCEIRA:
UMA ANLISE DA PROPOSTA DE REGULAO DE LIQUIDEZ EM
BASILEIA III
Rio de Janeiro
2014
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DANIEL DE SANTANA VASCONCELOS
REGULAO BANCRIA, LIQUIDEZ E CRISE FINANCEIRA:
UMA ANLISE DA PROPOSTA DE REGULAO DE LIQUIDEZ EM
BASILEIA III
Tese apresentada ao Corpo Docente do
Instituto de Economia da Universidade
Federal do Rio de Janeiro como parte dos
requisitos necessrios obteno do
ttulo de Doutor em Cincias, em
Economia.
BANCA EXAMINADORA:
________________________________________
Prof. Fernando Jos Cardim de Carvalho, Doutor, IE/UFRJ
(Orientador)
________________________________________
Prof. Jennifer Hermann, Doutora, IE/UFRJ
________________________________________
Prof. Daniela Magalhes Prates, Doutora, Unicamp
________________________________________
Prof. Lavnia Barros de Castro, Doutora, BNDES
________________________________________
Prof. Fernando Carlos G. de C. Lima , Doutor, IE/UFRJ
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FICHA CATALOGRFICA
V331 Vasconcelos, Daniel de Santana.
Regulao bancria, liquidez e crise financeira: uma anlise da proposta de regulao
de liquidez em Basileia III / Daniel de Santana Vasconcelos. -- 2014.
280 f. ; 31 cm.
Orientador: Fernando Jos Cardim de Carvalho.
Tese (doutorado) Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de Economia,
Programa de Ps-Graduao em Economia, 2014.
Bibliografia: f. 268-280.
1. Regulao bancria. 2. Crise financeira. 3. Liquidez. 4. Basileia III. I. Carvalho, Fernando
Jos Cardim de. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Instituto de Economia. III. Ttulo.
CDD 346.086
F
4. Vacinas contra dengue e HPV. I. Chamas, Claudia Ins. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Insituto de Economia.
Federal do Rio de Janeiro. Instituto de Economia.
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FOLHA DE APROVAO
DANIEL DE SANTANA VASCONCELOS
REGULAO BANCRIA, LIQUIDEZ E CRISE FINANCEIRA:
UMA ANLISE DA PROPOSTA DE REGULAO DE LIQUIDEZ
EM BASILEIA III
Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Ps-Graduao em
Economia (PPGE) do Instituto de Economia da Universidade Federal
do Rio de Janeiro, como requisito parcial obteno do ttulo de Doutor
em Cincias, em Economia.
Aprovada em _________________
________________________________________
Prof. Fernando Jos Cardim de Carvalho, Doutor, IE/UFRJ
(Orientador)
________________________________________
Prof. Jennifer Hermann, Doutora, IE/UFRJ
________________________________________
Prof. Daniela Magalhes Prates, Doutora, Unicamp
________________________________________
Prof. Lavnia Barros de Castro, Doutora, BNDES
________________________________________
Prof. Fernando Carlos G. de C. Lima , Doutor, IE/UFRJ
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RESUMO
VASCONCELOS, Daniel de Santana. Regulao bancria, liquidez e crise financeira: uma
anlise da proposta de regulao de liquidez em Basileia III. Tese (Doutorado em
Economia): Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2014.
O presente trabalho analisa a nova proposta de regulao bancria proposta pelo Comit da
Basileia de Superviso Bancria, denominado Basileia III, em particular na questo da
regulao de liquidez bancria, aps a Crise Financeira de 2008. O trabalho analisa criticamente
as teorias bancrias ortodoxas, contrapondo a abordagem ps-keynesiana, buscando justificar
teoricamente e em termos de politica de estabilizao do sistema financeiro a necessidade da
regulao bancria. Como o foco na anlise da proposta de regulao de liquidez, so
investigadas as caractersticas da liquidez de ativos financeiros, complementadas por um estudo
do comportamento dos bancos comerciais norte-americanos nos anos pr e ps-crise. A partir
da, o trabalho avalia a proposta de regulao de liquidez de Basileia III, seus acertos e suas
limitaes, no que diz respeito regulao de liquidez de ativos bancrios.
Palavras-chave: Regulao Bancria. Crise Financeira. Liquidez. Basileia III.
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ABSTRACT
VASCONCELOS, Daniel de Santana. Regulao bancria, liquidez e crise financeira: uma
anlise da proposta de regulao de liquidez em Basileia III. Tese (Doutorado em
Economia): Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2014.
This work analyzes the proposed Basel Committee on Banking Supervisions new banking
regulation framework, known as Basel III, in particular the issue of regulating bank liquidity,
after the 2008s Financial Crisis. The paper critically examines the orthodox banking theories,
contrasting it with the post- Keynesian approach. The point is to justify theoretically
stabilization policies in the financial system, in particular the argument for banking regulation.
Beside this, following the debate on the proposed regulation of banking liquidity, the work
investigate the liquidity characteristics of financial assets, and conducts a study of the U.S.
commercial banks behavior in the pre and post-crisis years. The work evaluates the Basels III
proposed regulation of banking liquidity, their successes and their weaknesses, with regard to
the liquidity regulation of bank assets.
Keywords: Banking Regulation. Financial Crisis. Liquidity. Basel III.
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DEDICATRIA
minha famlia, que lutou comigo em todo tempo pela
concluso dessa jornada: Carla, Laura, lvaro e Pedro; ao
Marcelo, e aos meus sogros, Carmelita e Manoel;
Aos amigos e aos colegas, na vida, no PPGE, no trabalho (e foram
muitos: IBGE, Projeto UCA, RJ Investimentos, EQ/UFRJ, Inmetro,
IBMR), que me deram suporte, e me suportaram;
Aos irmos de f, e quele a quem nossa f dedicada;
Aos professores Jos Eustquio Diniz Alves (ENCE), Suzana
Cavenaghi (ENCE), e Lena Lavinas (IE/UFRJ), cujo apoio em todos os
sentidos foi fundamental l incio desse doutorado;
Ao meu orientador, Prof. Fernando Cardim de Carvalho, que me orientou por
amor ptria, com toda seriedade acadmica e todo o bom humor que lhe so
peculiares, e exerceu, pela ensima vez, seu natural dom e sacerdcio de ser
um grande mestre e uma inspirao para seus alunos;
Ao Instituto de Economia da UFRJ, onde eu me redescobri e me reinventei:
Obrigado uma palavra limitada, mas,
imensamente grato,
o mnimo que posso lhes dizer.
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Sapere Aude. (Immanuel Kant)
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Sumrio
Introduo ............................................................................................................................................. 12
Captulo 1 .............................................................................................................................................. 17
Bancos, Regulao Bancria e os Acordos de Basileia ...................................................................... 17
1. Acordos de Basileia e Teoria Bancria Ortodoxa ...................................................................... 17
1.1 - Teorias Bancrias Ortodoxas ................................................................................................. 21
1.1.1 - Teoria Bancria num modelo Arrow-Debreu: irrelevncia dos bancos para o equilbrio geral
....................................................................................................................................................... 23
1.1.2 - A abordagem de Fama: bancos passivos como meros figurantes ..................................... 26
1.1.3 - A sntese da teoria bancria em Baltensperger: os bancos tm muito pouco a dizer....... 30
1.1.4 - O modelo Diamond-Dybvig: bancos como coadjuvantes .................................................. 35
2. Regulao Bancria: por que regular bancos? Diferentes perspectivas em comparao com a
Abordagem Ortodoxa ........................................................................................................................ 39
3. Concluso .................................................................................................................................. 49
Captulo 2 .............................................................................................................................................. 51
A duas fontes principais de uma Teoria Bancria Alternativa: Bancos em Wicksell e Keynes ........... 51
1. Introduo ................................................................................................................................. 51
2. Os Bancos em Wicksell .............................................................................................................. 53
2.1 - Wicksell e a abordagem da economia monetria: poupana monetria e o papel dos bancos
....................................................................................................................................................... 54
2.2 O papel do crdito numa economia monetria ................................................................... 60
2.3 Avaliao dos bancos na abordagem de Wicksell ................................................................ 63
3. A abordagem de Keynes ............................................................................................................ 65
3.1 - Bancos no Treatise ................................................................................................................ 67
3.2 Bancos, reservas bancrias e administrao da liquidez ...................................................... 72
3.3 - A anlise da moeda bancria e a circulao industrial e financeira da moeda .................... 77
3.4 - O papel dos bancos em Keynes ............................................................................................. 81
4. Concluso .................................................................................................................................. 84
Captulo 3 .............................................................................................................................................. 86
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A alternativa terica ps-keynesiana: a Crise de 2007/2008 e o retorno apotetico (e catico) da
preferncia pela liquidez ....................................................................................................................... 86
1. Introduo: a Crise Financeira de 2007/2008 e a liquidez de ativos financeiros de emisso
privada ........................................................................................................................................... 86
2. Prolegmenos da Teoria da Preferncia pela Liquidez: incerteza fundamental versus risco
quantificvel .................................................................................................................................. 94
2.1 - Incerteza como no-ergodicidade: Keynes, Knight e Davidson ............................................ 96
3. Liquidez e a Teoria da Preferncia pela Liquidez em Keynes .................................................. 101
3.1 - Liquidez versus riscos .......................................................................................................... 114
4. Preferncia pela liquidez e inovaes financeiras .................................................................. 118
5. Um parntesis final: preferncia por liquidez e teorias financeiras mainstream ................... 122
Captulo 4 ............................................................................................................................................ 131
Problemas modernos relacionados liquidez em mercados financeiros e regulao bancria ........... 131
1. Liquidez e Inovaes Financeiras da troca de maturidades transformao de liquidez na
atuao dos bancos comerciais ................................................................................................... 131
1.1 - Liquidez e caractersticas dos mercados financeiros .......................................................... 131
1.2 - Inovaes Financeiras e liquidez de ttulos privados .......................................................... 134
1.3 Substitutos de liquidez, liquidez de ativos privados e a Crise Financeira .......................... 138
2. Preferncia pela Liquidez e Fragilidade Financeira ................................................................. 145
2.1 - As entidades financeiras minskyanas: agentes hedgers, especuladores e Ponzi ............... 156
3. Concluso ................................................................................................................................ 166
3.1 - A resposta institucional s crises: regulao como proteo sistmica ............................. 166
Captulo 5 ............................................................................................................................................ 172
Regulao Bancria nos Acordos da Basilia e nova regulao de liquidez bancria ........................ 172
1. Introduo Basileia II e a Crise Financeira ............................................................................ 172
2. A reformulao ps-Crise: Basilia III ...................................................................................... 174
3. Liquidez Global conceitos, mensurao e implicaes de poltica ....................................... 179
3.1 - Razo de Cobertura de Liquidez RCL (Liquidity Coverage Ratio LCR) ........................... 184
3.2 - Razo Lquida Estvel de Funding RLEF (Net Stable Funding Ratio NSFR) ..................... 186
3.3 - Exposies a componentes fora do balano (Off Balance Sheet exposures) ..................... 191
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3.4 - Instrumentos de Monitoramento de Liquidez .................................................................... 192
5. Concluso ............................................................................................................................... 195
Captulo 6 ............................................................................................................................................ 197
Anlise Emprica da Composio dos Ativos e Liquidez dos Bancos Comerciais Norte-Americanos no
pr e ps-Crise Financeira ................................................................................................................... 197
1. Introduo ............................................................................................................................... 197
2. Anlise da composio dos Ativos .......................................................................................... 201
2.1 - Variaes no volume dos ativos .......................................................................................... 201
2.2 - Composio dos Ativos (participao relativa) ................................................................... 206
2.3 - Composio dos securities e a expanso de derivativos ..................................................... 211
2.4 - Capital dos bancos: adequao s regras de Basilia, margens de segurana de liquidez e
ajustamento ps-crise ................................................................................................................. 219
3. Concluso ................................................................................................................................ 228
Captulo 7 ............................................................................................................................................ 232
Tratamento Regulatrio da Liquidez uma crtica de Basileia III e alternativas ............................... 232
1. Introduo: regulao financeira e a determinao do que lquido .................................... 232
2. Basilia III e a regulao de liquidez ........................................................................................ 236
3. Outras Propostas de Alternativas Regulatrias, o foco em Regulao de Liquidez e o papel do
Emprestador de ltima Instncia ................................................................................................ 242
Concluso ............................................................................................................................................ 254
APNDICE I Incerteza e probabilidades em Keynes e Knight ....................................................... 258
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ................................................................................................ 268
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Introduo
Economics is a science of thinking in terms of models joined to the art of choosing models which are relevant to the contemporary world. It is compelled to be this, because, unlike the typical natural science, the material to which it is applied is, in too many respects, not homogeneous through time. (...) Good economists are scarce because the gift for using "vigilant observation" to choose good models, although it does not require a highly specialized intellectual technique, appears to be a very rare one. In the second place, as against Robbins, economics is essentially a moral science and not a natural science. That is to say, it employs introspection and judgments of value.
John Maynard Keynes, carta a R. F. Harrod, 4.7.1938
Entre setembro e outubro de 2008, o mundo assistiu com apreenso uma srie de eventos
envolvendo quebras de bancos e de grandes instituies financeiras no principal centro
financeiro do planeta, Wall Street, cujos efeitos reverberaram para muito alm das ruas estreitas
do Financial District nova-iorquino. Esse perodo foi como o pice de uma onda de ms notcias
que vinham do setor financeiro norte-americano, propagando-se e ganhando fora desde 2007,
at que, no prazo de algumas poucas semanas de setembro e outubro a crise financeira
finalmente explodiu. O mundo passou a se perguntar sobre o tamanho dessa crise, sob o temor
da dvida sobre se ela seria capaz de afundar o mundo novamente numa Grande Depresso
como nos anos 1930. Foi o incio de um perodo de turbulncia que, ainda agora, cinco anos
aps esses eventos, tem causado transtornos economia mundial. O mundo inteiro foi atingido
por um terremoto cujo epicentro estava localizado no sistema financeiro norte-americano,
particularmente no seu sistema bancrio. As ondas de choque reverberaram em todas as
direes, mas a sua fora foi especialmente sentida em economias desenvolvidas, com grandes
conglomerados financeiros interligados pelos fluxos financeiros internacionais, que vinham,
desde a dcada de 1980, promovendo uma gradual desregulamentao de seus sistemas
financeiros.
Muito se escreveu a respeito da crise nesses ltimos cinco anos, e certamente ela ainda
dever produzir por anos frente uma quantidade imensa de livros, artigos tcnicos, anlises
jornalsticas e, claro, trabalhos acadmicos como teses e dissertaes. No objetivo do
presente trabalho recontar a histria da Crise de 2007/2008 outros j tm empreendido com
mais talento e melhores resultados essa tarefa. No se pretende, tampouco, analisar aqui todas
as causas da crise em si. Essa uma tarefa cuja complexidade vai alm das reais possibilidades
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de uma tese acadmica. J existem livros e documentos muito bem escritos sobre isso, e eles
certamente sero encontrados aqui e ali ao longo do presente trabalho, mas nenhum deles ser
analisado de forma exaustiva. Aqui, interessa mais aos propsitos do trabalho entender alguns
pontos especficos levantados por esses autores a respeito da crise, do que o conjunto de sua
obra em si. No obstante, guardada essa observao, necessrio dizer que existe, todavia, um
conjunto mais especfico de causas da crise que esto diretamente ligados ao que se pretende
estudar no presente trabalho. Mais ainda, existe um conjunto de consequncias dessa mesma
crise, para os quais nossa ateno se volta com mais interesse. Essas causas especficas so
aquelas ligadas regulao bancria nos anos pr-crise; da mesma forma, as consequncias
so aquelas ligadas regulao bancria que est emergindo no ps-crise.
Os Estados Unidos viveram uma euforia financeira sem precedentes nos anos 2000, e
essa euforia foi possibilitada, entre outros fatores, por um ambiente regulatrio especfico que
permitiu aos bancos (e a outras instituies ligadas aos bancos, mas funcionando margem de
um sistema formal de superviso bancria) inflarem uma bolha de preos de determinados tipos
de ativos financeiros. No a bolha em si que interessa ao presente trabalho, mas as questes
que explicam porque tais ativos emergiram nesse contexto, como se tornaram to valorizados,
e por que, quando a crise aconteceu, esses ativos perderam valor to rpida e significativamente.
O ambiente regulatrio que propiciou esse ambiente, em que determinados tipos de ativos
financeiros, de emisso privada e lastreados em dvidas de terceiros, se tornaram o combustvel
da euforia financeira, foi seriamente afetado pela crise. O novo ambiente regulatrio que se est
desenhando aps a crise se prope a tratar de tais problemas. O como est sendo encaminhado
esse tratamento de central interesse no presente trabalho.
A despeito do excesso de otimismo que parecia dar o compasso da orquestra dos
mercados financeiros nos anos pr-crise, a confiana em um ambiente de sistemas financeiros
autorregulados foi profundamente abalada. Como consequncia, aps a crise houve uma
renovao do debate a respeito da regulao financeira, em particular da regulao bancria.
Um novo arcabouo regulatrio, com amplitude mundial, comeou a ser esboado no imediato
ps-crise, enquanto ainda se realizava a contabilizao de perdas e danos do desastre financeiro
de 2008. Esse novo arcabouo, denominado Basileia III, procurou, alm de uma proposta geral
de regulao bancria, tratar tambm com mais especificidade a questo do valor dos ativos
com os quais os bancos operam, analizando-os em termos de liquidez. Efeito imediato da crise,
quando o acesso a crdito estagnou no mundo inteiro, e quando bancos aumentaram seus
haveres monetrios em face da extrema insegurana que o momento impunha, o prprio termo
liquidez reapareceu no cenrio dos debates a respeito desse novo arcabouo regulatrio, porque
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percebeu-se ele no era algo to bvio quanto parecia ser nos anos de otimismo e boom
econmico.
O presente trabalho, portanto, pretende estudar a liquidez de ativos financeiros
transacionados por bancos, em particular, avaliando essa questo frente ao tratamento
regulatrio que Basileia III pretende dar liquidez de ativos bancrios. A questo de fundo que
se pretende investigar no presente trabalho a resposta questo: o que lquido?. Mas essa
uma questo por demais ampla, de forma que tal pergunta ser abordada, sobretudo, a partir
de um recorte mais especfico, qual seja: o que lquido do ponto de vista regulatrio, ou para
os propsitos de regulao bancria prudencial. O problema da liquidez de ativos
transacionados por bancos est na raiz de uma das mudanas-chave que a proposta de Basileia
III est se propondo trazer ao ambiente regulatrio bancrio ps-crise. A crise parece ter
revelado ao mundo que ativos financeiros privados no possuem liquidez como uma
propriedade intrnseca sua, mas, sim, derivada de um determinado contexto de funcionamento
do sistema financeiro.
Essa percepo, por si s, tem um grande impacto sobre a prpria forma como a teoria
econmica vinha tratando questes relativas a bancos, regulao bancria, liquidez de ativos e
funcionamento dos mercados financeiros. Ao tratar dessa questo, portanto, indiretamente o
que se est realizando , a partir de uma anlise extremamente focada de um aspecto especfico
do funcionamento do sistema financeiro, chamar a ateno para uma discusso muito maior,
mais ampla, a respeito de como a economia analisa o mundo. por isso, ento, que o caminho
para se chegar a um esboo de resposta pergunta chave que norteia o presente trabalho no
pode ser trilhado a esmo: imperativo passar por alguns marcos que apontam as direes
analticas a seguir ao longo dessa jornada. Tais marcos constituem, portanto, as partes que
compem o presente trabalho, na procura por uma resposta questo que ele se prope analisar.
Nessas partes, ento, busca-se investigar o que um banco e o porqu da necessidade (ou no)
de regul-lo; o que a liquidez de ativos financeiros, e de onde ela emerge numa economia;
como e porque acontecem as crises financeiras; como as questes de liquidez reapareceram, no
contexto da crise de 2007/2008, e como Basileia III tem se proposto a tratar essa questo.
partir desse caminho que se poder, ao final, partir para uma apreciao da questo da liquidez
de ativos financeiros, e das formas como a regulao financeira poderia melhor enderear os
problemas de liquidez como parte de um arcabouo de regulao bancria visando um sistema
financeiro mais estvel, mais robusto e menos suscetvel a novas crises financeiras. Esse ,
portanto, o caminho inteiro a se percorrer no presente trabalho. A ordem descrita no presente
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pargrafo traz ento, em linhas gerais, a sequncia de captulos que se seguem, e a justificativa
terica de sua insero no trabalho, bem como a lgica da ordem em que se apresentam.
O primeiro marco, que pretende analisar o banco como objeto de investigao terica
trar o recorte analtico que estabelece a clivagem fundamental entre duas vises de mundo
bastante distintas a respeito do que uma economia. Por isso mesmo, apresentaremos primeiro
a viso terica predominante, que prevaleceu como modelo analtico do sistema financeiro nos
anos pr-crise, e que ajuda a entender porque emergiu um ambiente regulatrio que foi to
favorvel aos bancos, e to pouco preocupado com questes de estabilidade sistmica. A essa
viso predominante iremos contrapor, num outro captulo ainda dedicado anlise do que vem
a ser um banco, vises que, aparentemente ignoradas pelo mainstream acadmico e poltico nas
ltimas dcadas, trazem uma perspectiva mais realista e melhor fundamentada do que um
banco numa economia capitalista cuja marca fundamental ser uma economia monetria.
Apresentamos, assim, a perspectiva de Wicksell e de Keynes sobre bancos. A partir dessa
perspectiva, abre-se uma nova possibilidade de entendimento do funcionamento de uma
economia monetria moderna, e, nessa economia, a razo de porque bancos so importantes,
porque eles so cruciais no entendimento das razes de existncia de crises financeiras, da
prpria dinmica de gestao dessas crises aspecto em que a contribuio de Minsky ser
fundamental e porque, finalmente, necessrio regular bancos.
Ao mesmo tempo em que essas questes de fundo so tratadas, vai se encaminhando a
discusso da liquidez de ativos financeiros. Um captulo emprico, em particular, trar uma
anlise dos balanos dos bancos comerciais norte-americanos (participantes do sistema de
seguro de depsitos bancrios daquele pas) buscando antever como a questo da liquidez
desses ativos se revelou nos anos pr e ps Crise de 2007/2008. A escolha da anlise dos bancos
comerciais norte-americanos ser melhor explicada no captulo especfico. Mas alm da
abundncia de dados para a anlise acadmica e o fato de estarem no epicentro da crise, a
mudana de comportamento desses bancos em relao aos ativos transacionados e mantidos em
reservas reveladora de como a questo da liquidez de ativos foi afetada pela crise. Da, a
resposta regulatria dada s questes de liquidez no mbito de Basileia III podero ser
analisadas luz dos fatos reais: como o tratamento de liquidez bancria, sugerido pela nova
regulao bancria, se adequa realidade factual de operao dos bancos. A, j se estar
chegando concluso do presente trabalho, com o esboo de uma resposta pergunta formulada
inicialmente. Esperamos, assim, contribuir para a anlise econmica e, particularmente, para os
aspectos normativos dessa anlise, com vistas a enriquecer a discusso, bastante atual, sobre o
como regular bancos de forma a dotar as economias dos pases com um sistema financeiro mais
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estvel, mais robusto e menos arriscado do que aquele que gestou e produziu a Crise Financeira
de 2007/2008.
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Captulo 1
Bancos, Regulao Bancria e os Acordos de Basileia
I am skeptical about the argument that the subprime mortgage problem will contaminate the whole mortgage market, that housing construction will come to a halt, and that the economy will slip into a recession. Every step in this chain is questionable and none has been quantified. If we have learned anything from the past 20 years it is that there is a lot of stability built into the real economy.
Robert Lucas, In: Mortgages and Monetary Policy, The Wall Street Journal, 19.09.20071
Banking is an unusual business; a proper understanding of it is central to an understanding of our economic troubles.
Richard Posner, In: A Failure of Capitalism, 2009
It is not what we know, but what we do not know which we must always address, to avoid major failures, catastrophes and panics.
Richard Feynman, In: What Do You Care What Other People Think? Further Adventures of a Curious Character WW Norton, 1988
1. Acordos de Basileia e Teoria Bancria Ortodoxa
Neste captulo, pretende-se apresentar uma discusso mais ampla a respeito da
regulao bancria, tendo como objetivo fundamental permitir efetuar uma avaliao dos
acordos do Comit da Basilia de Superviso Bancria (CBSB), desde a sua primeira edio
(Basilia I, de 1988), passando pela segunda verso, de 2004, Basileia II, e sua mais recente
verso, Basilia III. Para tanto, o captulo realizar tambm uma discusso sobre as teorias
econmicas que explicam o banco enquanto firma/agente econmico, e como essas teorias se
refletem na perspectiva de regulao financeira que redundou em Basileia II, acordo que estava
em vigncia durante a Crise de 2007/2008.
O acordo de Basilia II foi apresentado como uma evoluo do acordo Basilia I, de
1988, que teve como ponto focal a harmonizao e o nivelamento do ambiente concorrencial
1 Acesso disponvel em http://online.wsj.com/article/SB119017085710932141.html.
http://online.wsj.com/article/SB119017085710932141.html
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internacional entre instituies bancrias por meio da institucionalizao de um denominador
comum mnimo, em termos de marco regulatrio. Como coloca Cardim de Carvalho (2005), a
relao entre os dois acordos bastante mais complexa do que simples ideia de que o segundo
acordo evoluiu do primeiro. Se o primeiro estabeleceu as bases da chamada regulao
prudencial dos bancos, dando ao ambiente concorrencial entre bancos que atuavam
internacionalmente um conjunto mnimo de regras comuns, o segundo procurou dar questo
da estabilidade financeira a perspectiva que faltou ao primeiro, no obstante optando por um
mtodo mais amistoso tese da autorregularo dos bancos como alternativa mais afinada com
interesses pr-mercado, a partir de uma orientao pautada pela preocupao com a eficincia
das firmas bancrias. O terceiro acordo, no entanto, tem procurado tratar questes que
emergiram da Crise de 2007/2008 no sistema financeiro norte-americano, espalhando-se pelo
sistema financeiro mundial. De particular interesse para o presente trabalho, o novo acordo
procura tratar especificamente das questes de regulao de liquidez bancria, que eram
insuficientemente abordadas em Basileia II.
Basilia I surpreendeu em termos de alcance por ser adotado de forma inesperada
pelos seus prprios formuladores, deve-se ressaltar por um nmero cada vez maior de pases,
no participantes do CBSB. Transformou-se, por esse expediente, num tipo de benchmark da
regulao prudencial, tendo como ponto forte a sua simplicidade. O primeiro acordo do CBSB2
foi endereado como recomendao para adoo por parte dos membros do Comit, na tentativa
de nivelar o campo de atuao dos bancos, em sua crescente concorrncia internacional. O
acordo equalizou a competio bancria internacional entre os bancos atuando em diferentes
pases sujeitos, portanto, a diferentes estruturas regulatrias pelo estabelecimento dos
requerimentos de capital como um tipo de custo regulatrio similar entre eles. No foi sua
preocupao proteger os sistemas bancrios em termos de uma viso mais ampla de estabilidade
sistmica.3 O acordo estabeleceu um piso comum de coeficientes de capital de acordo com uma
dada medida de exposio total ao risco de crdito por parte dos bancos. Basilia I estabeleceu
coeficientes de risco especficos por classe de emprstimos, e um piso de 8% do valor de capital
requerido a partir da ponderao pelo risco da carteira. O capital foi dividido em duas classes
(tiers, nos termos originais, e assim utilizados no que se segue): o tier1, que compunha no
2 International Convergence of Capital Measurement and Capital Standards, July 1988. 3 Como afirma Cardim de Carvalho (2005, p. 5): Basel I is not about risk, it is about costs, in fact, a particular
class of cost, the one associated to compliance to regulations (itlicos do autor). E acrescenta que What matters
is that regulatory costs should be roughly similar among banks operating in the same (international) markets.
Competitive success should be a matter of private virtues, not of regulatory advantages. (Idem). Para uma anlise
da evoluo histrica dos acordos de Basileia I e II, e seus aspectos ligados ao desenvolvimento, ver tambm
Castro (2007; 2009).
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mnimo 50% do capital regulatrio total, e o tier 2, formado por outras reservas, dbitos
subordinados e instrumentos hbridos, entre outros. A fora de Basilia I foi, portanto, sua
simplicidade, o que permitiu sua adoo crescente por pases que no participavam do grupo
em torno do CBSB, bem como sua elevao condio de uma dentre as muitas exigibilidades
como parte das polticas condicionantes liberao de socorro financeiro pelo Fundo Monetrio
Internacional.
No obstante essa vantagem em termos de clareza e simplicidade, o acordo apresentou
o que Cardim de Carvalho (2005, p. 7) chamou de sua fraqueza fundamental: o fato de ter sido
criado para um modelo de banco que se tornava rapidamente obsoleto o modelo bancrio
oriundo do Glass/Steagal Act, que, fundamentalmente, tendo emergido como resposta s falhas
do sistema bancrio que engendraram a Crise de 1929/33, colocava o sistema bancrio norte-
americano sob a clivagem bancos comerciais separados de bancos de investimentos. Esse
modelo de arquitetura do sistema financeiro, bastante adotado ao redor do mundo (Cardim de
Carvalho et ali, 2007), no ps-guerra, vinha perdendo gradativamente seu espao e importncia
prtica a partir dos anos 1970.
Como mostra Hermann (2002), nos pases desenvolvidos j se iniciara um processo
lento e gradual, no caso norte-americano, ou mais acelerado, em outros pases de desmonte
dos controles regulatrios sobre os bancos, o fim da sua diviso hermtica entre bancos
comerciais e bancos de investimentos e o abandono da imposio de tetos de taxas de juros,
bem como substanciais mudanas nos recolhimentos de compulsrios. Esse processo levou, no
caso dos Estados Unidos, a um aprofundamento do processo de fuses/aquisies entre bancos,
e ao gradual processo de mudana na segmentao bancria, com o crescimento dos bancos
universais na figura de protagonistas do sistema financeiro (Lovett, 1997; Malloy, 1999; Gup e
Kolari, 2005).4 Esse processo levou transformao fundamental dos anos de 1980-1999, de
crescente universalizao e internacionalizao bancria, concentrao do mercado em grandes
bancos to grandes que se tornaram, na percepo dos anos da crise, grandes demais para
quebrar (to big to fail, em ingls) inovaes financeiras e encolhimento relativo do crdito
bancrio frente ao mercado de capitais gerido por esses grandes bancos universais (Cardim de
Carvalho et alli, 2007). Os dois acordos de Basilia vieram existncia, portanto, desenhados
4 Como se ver no Captulo 6, o processo de fuses e aquisies continua e marcou os anos que antecederam a
crise.
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para um mundo que j no correspondia ao que de fato ocorria nas praas financeiras dos pases
desenvolvidos e em boa parte dos pases em desenvolvimento.5
Os acordos de Basilia esto passando por um processo de rediscusso e implementao
de novas regras prudenciais, como resultado dos desdobramentos da Crise Financeira de
2007/2008, cujos efeitos ainda no chegaram ao fim. A regulamentao bancria est de volta
ordem do dia, e temas que so de valor crucial para o seu entendimento, como as questes
ligadas liquidez de ativos bancrios, ao risco sistmico inerente ao setor bancrio e
fragilidade financeira, voltaram a ser discutidos.6 Na crise, ficaram evidenciadas todas as
fragilidades oriundas do processo de desregulamentao financeira que varreu o mundo nas
dcadas de 1980 e 1990, e que, em termos de regulao prudencial, foi parte do norte de
orientao do CBSB em uma postura mais amigvel ao mercado e autorregulao baseada
principalmente em avaliao interna de risco de carteira, por parte das instituies bancrias.7
Em particular, a regulao bancria das ltimas dcadas foi e continua sendo afetada pela fora
com que uma certa viso predominante do que so os bancos, e, consequentemente, como seria
mais eficiente regul-los, ganhou fora desde a dcada de 1970 e orientou, explcita ou
implicitamente, a viso e a postura dos reguladores. Essa viso, aqui chamada de ortodoxa por
agrupar todas as perspectivas analticas cujo recorte metodolgico neoclssico, pautada numa
perspectiva que privilegia a eficincia da firma bancria, ser objeto do prximo tpico.
Reguladores em geral so mais pragmticos do que tericos, o que significa que no
adotam teorias de forma explcita, concentrando-se mais em focar nas questes de ordem prtica
5 Em particular, a desregulamentao financeira das ltimas duas dcadas do sculo XX encontrou nos trabalhos
de Edward Shaw e Ronald McKinnon uma base argumentativa capaz de justific-la em termos de teoria econmica
(de recorte marcadamente ortodoxo, com a poupana precedendo o investimento). Estes autores escreveram,
ambos em 1973 (embora cada um autonomamente) trabalhos que resultaram no que se convencionou chamar de
modelo Shaw-McKinnon de crtica ao que eles definiram como uma poltica de represso financeira que
predominou no ambiente macroeconmico dos pases menos desenvolvidos (com traos tambm presentes nos
pases mais desenvolvidos), notadamente no perodo do ps-guerra at o incio dos anos 1970 (Hermann, 2002).
Em sntese, propuseram a ideia chave de que o sistema financeiro desses pases nos quais imperavam como
caractersticas gerais a existncia de tetos para as taxas de juros nominais nas operaes de emprstimos e captao
de depsitos, a interveno governamental direta nas atividades dos bancos, elevados requerimentos de reservas
bancrias, programas subsidiados de crdito para setores/atividades pr-definidas (campees nacionais) e ainda
a existncia de controles cambiais reprimiam o setor financeiro, produzindo ineficincias (distores) na
alocao da poupana em termos de financiamento do investimento, com reflexos, finalmente, no prprio processo
de desenvolvimento. 6 O voltar aqui mero uso de linguagem. Autores ps-keynesianos mantiveram o debate em aberto, mesmo
quando ele foi colocado em menor evidncia pelo mainstream, dada a postura ortodoxa de que a soluo
regulatria tima seria nenhuma regulao (o que ser tratado mais adiante). Ainda mais fundamentalmente,
Hyman Minsky, em dois de seus trabalhos mais importantes (Minsky, 1982; 1986 [2008]), formulou e aprofundou
a hiptese de fragilidade financeira, que a Crise de 2007/08 veio corroborar de forma to dramtica e contundente.
Nessa direo terica, ver ainda Kregel (2008) e Cardim de Carvalho (2009:1 e 2009:2). A abordagem ps-
keynesiana e a anlise de Minsky, em particular, sero analisadas em momento oportuno, nos captulos 3 e 4 do
presente trabalho. 7 Ou em avaliao externa de risco por parte de agncias de rating, como veremos no captulo 5.
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da atividade de regulao financeira e bancria. Isso, no entanto, no os isenta de serem
influenciados (mesmo que no explicitamente) por uma perspectiva terica que lhes sirva como
base, em particular quando essa perspectiva terica se torna predominante na academia, na
mdia e nas esferas poltico-decisrias. As questes que extravasam a teoria e resultam em
modelos ou prticas regulatrias sero analisadas mais adiante nesse trabalho, mas importante
avaliar, primeiro, quais os modelos-base que orientaram e deram o tom do que se pode chamar
de mainstream regulatrio do perodo pr-crise de 2007/2008.
O fundamento terico desses modelos o do Equilbrio Geral Walrasiano do tipo
Arrow-Debreu, uma perspectiva de sistema econmico a-histrico e sem instituies que, por
suas hipteses bsicas, no admite a existncia de bancos. Um corolrio de tal perspectiva a
aceitao da hiptese de mercados eficientes, a qual promulga uma viso de funcionamento do
sistema financeiro que, como se ver, afeta fundamentalmente a perspectiva de liquidez de
ativos bancrios. Por esse arcabouo terico de recorte bastante restritivo em termos de
dinmica de funcionamento de sistemas financeiros, restou aos analistas alinhados com essa
abordagem a tarefa terica de inscrever os bancos nesse modelo econmico de fundo. Os
principais modelos que tentaram perpassar o problema da existncia de bancos num mundo de
equilbrio geral, tratados a seguir, so aqui chamados de modelos-base das teorias bancrias
microeconmicas na abordagem neoclssica, por terem sido pioneiros na aplicao de uma ou
outra abordagem diferenciada para explicar a existncia ou o comportamento das firmas
bancrias. No obstante existir na literatura uma infinidade de modelos variantes, essa nova
leva de contribuies tericas traz esses modelos-base como seu fundamento, apresentando-se
como derivaes destes. Uma apresentao bastante ampla desses modelos analticos feita por
Freixas e Rochet (2008), e uma reviso mais recente da literatura ortodoxa realizada por
VanHoose (2007), alm de um compndio inteiro sobre o tema, organizado por Berger,
Molineux e Wilson (2010). Uma referncia mais antiga sobre modelos bancrios de recorte
ortodoxo Mishkin (2007).
1.1 - Teorias Bancrias Ortodoxas
A abordagem neoclssica da regulao financeira no difere da leitura geral que essa
escola realiza da cincia econmica: toda a abordagem regulatria deve emergir de uma teoria
bancria que, fundamentalmente, trata a firma bancria como um intermedirio passivo, num
mercado cujo equilbrio est dado fora de qualquer capacidade de interferncia dos bancos, no
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contexto mais amplo de uma economia no-monetria de mercados competitivos. No mago,
toda a teoria bancria da abordagem ortodoxa se traduz numa tentativa de manter o cinturo
protetor em torno do equilbrio geral de Arrow-Debreu. A literatura ortodoxa sobre bancos e
regulao financeira, nesse sentido, parece ser um grande exerccio teleolgico no qual o
princpio de investigao est subordinado ao fim que se deseja desde o incio do exerccio
investigativo: demonstrar a irrelevncia dos bancos para o equilbrio geral, demonstrar a
passividade dos bancos no funcionamento normal da economia, e manter a neutralidade da
moeda como um fundamento basilar desse edifcio analtico. Essa perspectiva termina por
justificar teses controversas que esto na origem dos problemas que produziram a crise de
2007/2008, no mbito da teoria econmica, particularmente por justificarem abordagens
regulatrias que partam do princpio de que a capacidade de autorregulao bancria seria
qualitativamente superior e prefervel a quaisquer outras tentativas de regulao, em particular
a regulao prudencial dos bancos.
A prpria existncia dos bancos, num sistema com essas caractersticas, algo
extemporneo e estranho ao princpio do equilbrio geral, da neutralidade da moeda e dos
mercados eficientes. No entanto, os bancos esto no mundo: deve haver, portanto, uma razo
econmica para que isso ocorra. E, como empresas, deve haver uma lgica de funcionamento
das firmas bancrias de determinao de suas estratgias de atuao deve ser possvel,
portanto, investigar sobre seu padro de escolhas como agentes econmicos. Resta, portanto,
encaixar uma teoria bancria para tratar desses problemas sem afetar a estrutura maior, pr-
determinada pelo equilbrio geral. Assim, os problemas oriundos das complexidades de
funcionamento das instituies financeiras, de forma geral, so tratados como uma aplicao
em particular da hiptese de mercados eficientes, ou ento, numa alternativa, como falhas de
mercado. Na primeira alternativa, temos as classes de modelos mais antigos, cuja base terica
mais forte o chamado teorema de Modigliani-Miller (1958). No segundo caso, que passou a
ser dominante nessa escola, aps Stiglitz e Weiss (1981), toda a rationale para a existncia e
atuao dos bancos, em particular, e dos mercados financeiros, em geral, vista como derivada
de questes de assimetria informacional, problemas de relao agente-principal no setor de
intermediao financeira e desenho de contratos em mercados incompletos.
Dadas as limitaes que a metodologia neoclssica impe a uma anlise dos bancos
como eles so, pode-se dizer que no existe, a rigor, um modelo bancrio geral na abordagem
ortodoxa. Os autores que se debruam sobre o tema acabam por criar modelos heursticos
capazes de fundamentar uma teoria bancria em termos microeconmicos estritos, que se
propem ser generalizados, no obstante concederem muito espao a hipteses ad hoc. Em
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ltima anlise, a nfase no rigor matemtico e a necessidade imperiosa de construir hipteses
simplificadoras que permitam a abstrao matemtica de forma mais coerente deixa pouco
espao para se conceder uma abertura mais realista ao mundo dos bancos de verdade, com
agncias, balanos e estratgias de gesto de seus ativos e passivos visando a lucratividade. Os
bancos que os modelos apresentam em muito pouco se assemelham a bancos assim. Na tentativa
de partir de princpios fundamentais para descrever o mundo dos bancos, essas teorias
transformam os bancos em algo como uma funo de transformao, que utiliza como insumo
bsico as reservas bancrias, constitudas a partir da poupana obtida passivamente de seus
clientes, para manufaturar, como colocaram Wray e Papadimitriou (2010), emprstimos e
depsitos.
H quatro linhas principais dessa rationale na literatura ortodoxa, e muito do que se
escreveu e se escreve sobre bancos e sistemas financeiros encontra nessas quatro linhas sua
referncia mais comum. No que se segue, divide-se a anlise ortodoxa em suas quatro vertentes
principais, isto , em seus modelos-base comentados acima, de forma a captar as especificidades
tericas que cada uma delas traz luz. De maneira geral, pode-se lanar mo, nessa anlise, de
uma espcie de metfora do cinema, e verificar que, numa economia do tipo ortodoxa, com o
equilbrio geral exercendo o papel de protagonista, a neutralidade da moeda como a herona e
o governo como o grande vilo, a avaliao terica dos bancos num tal sistema a de buscar
significado no para a histria principal cujo enredo est dado e cujo final conhecido (all
markets clear) mas tentar explicar quem so aqueles outros atores que, embora estejam na
cena, na realidade ou fazem somente figurao (no tem importncia nenhuma no enredo), ou
no possuem falas (so passivos e s esto ali para compor cenrio), ou, se as possuem, no
tm nada de fundamental a dizer.
1.1.1 - Teoria Bancria num modelo Arrow-Debreu: irrelevncia dos bancos para o
equilbrio geral
No paradigma de pesquisa neoclssico, todos os modelos positivos de anlise
econmica devem derivar de um modelo microeconmico no conflitante com o equilbrio
geral walrasiano em sua formulao mais rigorosa, dada por Arrow-Debreu na dcada de 1960.
Com esse princpio, Freixas e Rochet (2008) argumentam que uma teoria microeconmica dos
bancos no poderia existir de forma completa e rigorosa antes que fossem lanadas as bases de
uma abordagem terica tendo como arcabouo a economia da informao (com base na Teoria
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dos Jogos, modelos de principal-agente, risco moral e desenho de mecanismos e contratos), o
que aconteceu na dcada de 1970. Um problema de princpio na abordagem estritamente
ortodoxa que, num mundo de equilbrio geral, no faz sentido econmico a existncia dos
bancos: numa economia no monetria com mercados completos, os bancos no tem funo
nenhuma a desempenhar. Freixas e Rochet desenvolvem um modelo simplificado de equilbrio
geral l Arrow-Debreu, como um anlogo ao teorema de Modigliani-Miller (1958) aplicado
poltica financeira das firmas, especialmente redesenhado para incluir um setor bancrio, a
fim de mostrar esse resultado. Vamos reproduzir esse modelo aqui, de forma sucinta.
O modelo consiste de duas datas no tempo (t = 1, 2), trs agentes representativos
(firmas, famlias/consumidores e bancos) que atuam competitivamente, e um nico bem fsico,
que faz parte da dotao das famlias e tomado como numerrio, uma parte do qual
consumida no perodo 1 e a outra parte investida pelas firmas para produzir e possibilitar
consumo no perodo 2. As famlias escolhem um padro de consumo (C1, C2), e dividem sua
poupana, S, entre depsitos bancrios, Dh, e ttulos, Bh, de forma a maximizar sua funo
utilidade u. Sejam 1 a dotao inicial do bem possuda pelas famlias, p o preo, f e b so
os lucros da firma e dos bancos (distribudos s famlias em t = 2; as famlias detm aes dos
bancos e firmas), e r e rD as taxas de juros pagas pelos ttulos e pelos depsitos bancrios,
respectivamente. O problema do consumidor dado por:
max u(C1, C2), sujeito a
C1 + Bh + Dh = 1,
pC2 = f + b + (1+r) Bh + (1+rD) Dh
A soluo do problema do consumidor dada por r = rD.
O problema da firma consiste em escolher o seu nvel de investimento (I) e como
financi-lo (seja por meio de emprstimos bancrios, Lf, ou emitindo ttulos, Bf), de forma a
maximizar seu lucro, levando em conta sua funo de produo f(I) e a taxa rL dos emprstimos
bancrios:
Max f = p f (I) (1+r) Bh (1+rL) Lf, sujeito a
I = Bf + Lf
O problema da firma resolvido quando r = rL.
Finalmente, o banco, tambm de forma a maximizar seu lucro, escolhe sua oferta de
emprstimos (Lb), sua demanda por depsitos (Db) e a emisso de ttulos (Bb):
max b = rL Lb r Bb rD Db, sujeito a
Lb = Bb + Db
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Um equilbrio nesse modelo consiste em um vetor de taxas de juros (r, rL, rD), e trs
vetores de oferta e demanda: (C1, C2, Bh, Dh) para o consumidor, (I, Bf, Lf) para a firma e (Lb, Bb,
Db) para o banco, para os quais valem as seguintes condies: cada agente age de forma tima,
e todos os mercados se equilibram tal que I = S (no mercado de bens), Db = Dh (no mercado de
depsitos), Lf = Lb (no mercado de crdito) e Bh = Bf + Bb (no mercado de ttulos). A condio
de equilbrio tal que r = rL = rD.
A proposio central que esse modelo implica que, se as firmas e os consumidores
tiverem acesso irrestrito a mercados financeiros perfeitos, ento, em equilbrio, os bancos obtm
lucro zero e o tamanho e a composio dos balanos dos bancos no tem nenhum efeito sobre
os outros agentes: os consumidores so indiferentes entre depsitos e ttulos, e as firmas
igualmente indiferentes entre crdito bancrio ou emisso de dbitos. Os autores propem que
esse resultado vale mesmo para situaes de incerteza (no sentido neoclssico, isto , incerteza
probabilstica8), desde que os mercados sejam completos. Essa tentativa explica porque um
modelo de equilbrio geral com mercados financeiros completos no adequado para estudar o
setor bancrio: introduzir o setor bancrio numa economia em equilbrio geral apenas um
exerccio de lgebra sem maior significncia econmica para essa abordagem. A explicao
para a existncia e atuao dos bancos, no enfoque neoclssico, se existir, deve estar em outro
lugar.
Bancos existem, segundo essa abordagem, porque essas instituies emergem como
resposta ao problema de assimetria informacional entre agentes superavitrios (em posse de
ativos monetrios) e agentes deficitrios. A viso dominante que os bancos coletam depsitos
dos superavitrios e alocam os recursos aos deficitrios por meio de contratos especficos:
depsitos vista e emprstimos a prazo. Uma caracterstica fundamental desses contratos, e em
particular dos contratos de emprstimos dos bancos aos agentes deficitrios, que eles so do
tipo OTC (over the counter), portanto, so especficos demais para que existam mercados
secundrios para eles. Bancos surgiram gerenciando esse tipo de contratos. Mais recentemente,
todavia, na histria bancria, os bancos desenvolveram como inovao a transformao de
contratos financeiros OTC em contratos semipadronizados (com caractersticas comuns de
acordo com o tipo de operao, credor, prazos de maturidade, etc.) de forma a poder securitiz-
los e criar para esses contratos mercados secundrios. Esse processo implica que contratos
financeiros engendram grandes e poderosos custos de transao, que so reduzidos no mbito
8 As diferenas entre a incerteza probabilstica, adotada pelos modelos neoclssicos, e a incerteza fundamental, ou
keynesiana, ser tratada no captulo 3, nesse trabalho.
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das instituies financeiras por ganhos de escala ou de escopo, especializando-se nessas
operaes alocativas de poupanas e na gesto de riscos. Assim, as instituies financeiras so
algo como uma coalizo entre devedores e emprestadores que exploram economias de escala
e reduzem custos de transao (Freixas e Rochet, 2008).
As assimetrias informacionais que justificam a existncia e caracterizam as operaes
dos bancos podem ser de trs tipos: ex ante, gerando seleo adversa de credores; ex post, no
sentido em que as verificaes de estado so custosas;9 ou interim que levam a problemas
de risco moral (moral hazard), como o caso dos tomadores de emprstimos no realizarem os
investimentos compromissados, desviando os recursos para fins diversos. As instituies
financeiras, na perspectiva neoclssica, podem ser vistas como provedores de soluo para esse
tipo de problemas. A partir da considerao de existncia dessas assimetrias informacionais, na
abordagem neoclssica procura-se explicar a existncia da firma bancria a partir de uma
considerao do banco como um agente que reduz custos de transao oriundos basicamente
de economias de escopo ou economias de escala.10
Assim, os problemas tericos a respeito da existncia de instituies financeiras, de
forma geral, so tratados como resultantes de falhas de mercado, e a maior parte dos problemas
derivam-se quase sempre de questes de assimetria informacional, problemas de agente-
principal e contratos incompletos. No entanto, essa escola no ignora completamente a
existncia da regulao financeira como fato, embora busque criar modelos heursticos capazes
de fundament-la em termos microeconmicos bsicos.
1.1.2 - A abordagem de Fama: bancos passivos como meros figurantes
Uma abordagem alternativa, no matematizada, tentativa de inscrever uma teoria dos
bancos no paradigma de equilbrio geral encontrada em Fama (1980). No modelo de Fama,
os bancos so intermedirios financeiros que emitem depsitos e usam os recursos assim
9 Em termos de teoria dos jogos. O estado emerge como a revelao de uma caracterstica do jogador (ser amante
do risco ou averso ao risco, por exemplo) dada exogenamente (nos modelos tericos, geralmente, pela natureza).
No desenho de contratos, o principal atribui uma probabilidade ex ante de o agente apresentar um dado estado,
cuja condio real se revelar ex post (Fudenberg e Tirole, 1991; Gibbons, 1992; Mas-Colleu, Whinston e Green,
1995). 10A corrente que adota a explicao por economias de escopo entende que as teorias de portflio e a expertise em
gerenciamento de riscos permitem aos bancos perceber oportunidades nas diferenas dos agentes em termos de
averso ao risco, e adotar estratgias long-short na alocao de ativos (captao a curto prazo, short, para alocao
em investimentos a longo prazo, long). Alm disso, a expertise em gerenciar riscos permite aos bancos oferecer
linhas de crdito e servios de depsito. Essa abordagem vista com menor rigor por no ser formalizada num
modelo matemtico explcito.
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obtidos para compra de ttulos. Fama argumenta que quando os bancos atuam num mercado
competitivo, suas atividades de gesto de carteiras resultaro, em princpio, em que, para as
firmas bancrias, vale o teorema de Modigliani-Miller (1958), sobre a irrelevncia das decises
puras de financiamento. Fama deseja demonstrar que, apesar de possuir uma funo de
intermedirio das transaes financeiras numa economia, os bancos so agentes passivos,
incapazes de influenciar preos numa economia em equilbrio.
Os bancos, na abordagem de Fama, fazem parte de uma indstria de transaes, e
possuem a funo de manter um sistema de contas em que as transferncias de riqueza so
registradas (a crdito e/ou dbito entre agentes), e trocar depsitos bancrios por moeda corrente
embora, para ele, essa segunda funo seja menos importante que a primeira num sistema
bancrio moderno. Da funo de manter os registros contbeis implica que os bancos no tem
necessidade de manter em seu cofre a riqueza contabilmente registrada. Da resulta que os
bancos passam a fazer gerenciamento de suas carteiras: eles emitem depsitos e utilizam os
recursos para adquirir ttulos/ativos.11 Se o sistema bancrio for competitivo, o gerenciamento
de portfolio dos bancos, por essas caractersticas, insere-se no resultado da irrelevncia das
decises puras de investimento, formulada no teorema de Modigliani-Miller. Fama infere que
esse resultado implica, com vistas a obter uma situao de equilbrio geral (com relao a preos
e atividade econmica real), que no existe necessidade de regular a criao de depsitos ou
os tipos de ativos que os bancos podem adquirir. O princpio norteador de sua anlise, nesse
ponto, que no caso de em que a moeda no tenha nenhum papel ativo no sistema econmico,
o sistema bancrio no tem nenhum papel especial na determinao de preos.
O modelo de Fama assume a existncia de um bem numerrio, e que os bancos pagam
retornos competitivos sobre os depsitos, ajustados pelo risco, descontados de uma taxa
administrativa. Alm disso, os bancos cobram preos competitivos pelos servios de transao
que eles prestam. A origem da necessidade de se depositar as diversas formas de riqueza nos
bancos, por parte dos agentes, advm do fato de que, num mundo complexo, existem muitos
tipos de ativos de portflio e uma grande gama de bens de consumo e servios, de tal maneira
que a forma de riqueza que um agente ou unidade econmica escolhe para utilizar numa
transao geralmente no a mesma que a sua contraparte desejaria obter. Ento, uma transao
gera transferncias de portflio entre diferentes agentes, as quais, num sistema do tipo que Fama
chama de currency type system (op. cit., p. 42), envolvem a interveno de um meio de trocas
11 In the world we are examining, banks have two functions. They provide transactions services, allowing
depositors to carry out exchanges of wealth through their accounts, and they provide portfolio management
services. (Fama, 1980, p. 44).
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fsico que serve temporariamente como veculo de transmisso do poder de compra. Num
sistema puro de registros contbeis, a noo de existncia desse meio fsico desaparece: a
essncia de um sistema desse tipo que ele opera por meio do registro de dbitos e crditos
entre as unidades envolvidas, sem requerer nenhum meio fsico de concluso dessas operaes,
e todo crdito voltar esfera da circulao por meio de novas transaes referenciadas em
bens, que sero outra vez registradas como dbitos de alguns agentes e crdito de outros.
Fama constri, portanto, um modelo de bancos em que a moeda no existe e no tem
papel ativo algum no funcionamento do sistema. Mesmo quando ele aventa a possibilidade de
que a eficincia de um sistema de trocas possa ser melhorada se todos os preos forem
denominados num numerrio comum, para um sistema de registros contbeis puros, esse
numerrio no tem necessidade nenhuma de poder ser portvel ou armazenvel. Qualquer coisa
poderia exercer esse papel, porque:
[] in the type of unregulated banking system we have described, there is no meaningful way in which deposits can be the numeraire since deposits can be tailored to have the characteristics of any form of marketable wealth. Unregulated banks provide an accounting system in which organized markets and bookkeeping entries are used to allow economic units to exchange one form of wealth for another. But the deposits of the system are not a homogeneous good in which prices of all goods and securities might be stated. (Fama, 1980, p. 43, itlicos nossos).
No sistema bancrio de Fama, depsitos como meios de pagamento no podem ser
confundidos com moeda. Em particular, ele defende a tese de que depsitos constituem meios
de pagamento somente no sentido geral de que qualquer forma de riqueza meio de pagamento.
O conceito de moeda, introduzido na anlise dos bancos, conduz ao tipo de interpretao
contra a qual ele se posiciona teoricamente de que os bancos possuem o poder de produzir
espirais inflacionrias pela criao de moeda via emisso de depsitos. Na determinao dos
preos e do equilbrio, os bancos so atores figurantes. Somente na definio das atividades
reais da economia e no seu funcionamento que os bancos possuem um papel, ainda que apenas
coadjuvante:
The concern with banks in macroeconomics centers on their role as portfolio managers, whereby they purchase securities from individuals and firms (and a loan is, after all, just a purchase of securities) which they then offer as portfolio holdings (deposits) to other individuals or firms. Thus, banks are in the center of the process by which the economy chooses its real activities and the way those activities are financed. (Fama, 1980, p. 44, itlicos nossos).
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Como gestores de ativos, os bancos no exercem controle sobre nenhuma das grandezas
que interferem no equilbrio.12 Mesmo que se argumente em favor das vantagens comparativas
dos bancos na gesto de ativos em relao a outros investidores, num mercado competitivo isso
se traduz em que os bancos apenas aprovisionam seus clientes com servios transacionais e
disputam seus clientes por meio da sua poltica de taxas:
Banks are concerned with the fees they earn rather than with the types of portfolio they provide, so in a competitive equilibrium they provide, in aggregate, portfolios to the point where each different type produces management fees at the same rate. (Fama, 1980, p. 46).
Os bancos respondem aos gostos e preferncias de seus demandantes e ofertantes de
ativos de portflio, constituindo-se to somente em intermedirios sem papel ativo na
economia. A concluso principal do trabalho um libelo contra a regulao bancria de
qualquer natureza e uma afetada defesa da eficincia de um suposto equilbrio geral no qual os
bancos no possuem nenhum papel determinante:
The standard scientific hope is that the major conclusions drawn from simplified scenarios are robust in the face of real world complications. For our purposes, the complications introduced by transactions costs in trading securities are not likely to overturn the general conclusions that a competitive banking sector is largely a passive participant in the determination of a general equilibrium, with no special control over prices or real activity, which in turn means that there is nothing in the economics of this sector that makes it a special candidate for government control. (Fama, 1980, p. 47, itlicos nossos).
Fama ainda realiza um breve exerccio de investigar um modelo alternativo com a
existncia de um sistema regulado, basicamente, com exigncia de manuteno de reservas e a
limitao do pagamento de retornos sobre os depsitos. A nica inovao resultante que um
sistema regulado com esses instrumentos diferencia os bancos de outras instituies financeiras,
mas no altera o resultado fundamental, de que os bancos ainda se comportam como no teorema
de Modigliani-Miller, e so, ainda, agentes passivos do funcionamento da economia. Numa
economia em que, finalmente, exista algo como a moeda e a exigncia de reservas bancrias,
Fama vai defender que a existncia da moeda como unidade de valor s ocorre porque o
governo vai forar essa situao artificialmente, interferindo, ao fim, na eficincia do sistema.
Ele lana mo de uma espcie de parbola de uma sociedade ultra-avanada que h muito
abdicou do uso de moeda, e onde todas as transaes so registros contbeis. Numa tal
economia, somente por iniciativa do governo um sistema monetrio baseado numa unidade
12 (...) as portfolio managers, banks are financial intermediaries with no special control over the details of a general
equilibrium. (Fama, 1980, p. 45)
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monetria oficial viria a existir, por fora da imposio do governo em termos de requerimento
de reservas denominadas nessa unidade por parte dos provedores de viagens espaciais. A
imposio do governo, ao fim, somente traz tona a percepo de que a moeda s tem valor
numa tal economia porque uma imposio governamental, que distorce o funcionamento
dessa economia ultra-avanada que, de outro modo, funcionaria muito mais normal e
eficientemente. Assim, s por meio da compulsoriedade de reservas, advinda da regulao
impositiva, que um registro contbil como um recibo de depsito passa a ser um bem
econmico real como moeda numa economia.
A tese central, teleolgica, da qual Fama parte, continua portanto inalterada: numa
economia no monetria, em concorrncia, o sistema bancrio mais eficiente se funcionar
sem regulao. A questo da consistncia interna dessa proposio no o ponto principal:
dadas as premissas, segue-se esse resultado. O problema com sua aderncia realidade: a
proposio de que os bancos, numa economia moderna, no tenham mais que um papel passivo
so figurantes, apenas, no tem voz nem papel nenhum na trama no corresponde aos fatos.
1.1.3 - A sntese da teoria bancria em Baltensperger: os bancos tm muito pouco a
dizer
Baltensperger (1980) efetuou uma espcie de sntese da teoria da firma bancria
produzida nos arraiais neoclssicos notadamente ao longo da dcada de 1970, ainda sem a
roupagem das abordagens baseadas na teoria da informao. Como ele observa, There exist a
number of rival models and approaches which have not yet been forged together to form a
coherent, unified and generally accepted theory of bank behavior (op cit, p. 1). Seu trabalho,
ento, desenvolve um modelo sntese da firma bancria em que, de um lado, procura-se
investigar o comportamento da firma face quilo que se considera, em consonncia com a
literatura discutida, ser a funo dos bancos: a transformao de nveis diferentes de risco e a
produo e manuteno de contratos financeiros (ou, em sntese, os aspectos financeiros da
firma bancria), ao lado de consideraes sobre os recursos ou fatores reais (insumos) que
possibilitam aos bancos produzirem efetivamente. Baltensperger postula que esse derradeiro
aspecto, o gerencial, negligenciado nos tratamentos tericos.
O modelo principal apresentado, que serve de padro para todas as variantes e casos
particulares que o artigo trata, , na linha de anlise ortodoxa, um modelo de anlise parcial de
gerenciamento de portflio dos bancos. Essa anlise parcial no sentido de que o tamanho total
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do portflio da firma bancria dado exogenamente. A principal preocupao do banco alocar
seus recursos de forma tima entre os tipos de ativos que constituem seu portfolio, mas a sua
atitude em relao determinao do seu tamanho passiva o banco aceita todos os depsitos
que o pblico estiver disposto a fazer. Uma variante do modelo avalia a possibilidade de o
banco ser mais ativo na determinao de como captar depsitos e, portanto, como gerir tambm
o tamanho de seu portflio.13
De forma simplificada, o modelo pressupe que o banco possui depsitos () que so
divididos entre reservas () e em emprstimos () que rendem uma taxa lquida de retorno .
O banco est sujeito ao risco de retiradas, mas possui um conhecimento a priori das mudanas
no perfil de seu portfolio num dado horizonte de tempo. Sendo o fluxo de retiradas com
funo de densidade de probabilidade (), a situao em que as retiradas suplantam o nvel
de reservas do incio do perodo (isto , quando > ) torna imperioso um ajuste custoso
para o banco. Esse ajuste dado no modelo como uma proporo fixa do tamanho da
deficincia das reservas. O problema com que o banco se defronta a escolha tima, no incio
do perodo, da alocao dos depsitos entre reservas e emprstimos. Como o banco tomador
de preo ( independente do nvel de emprstimos), tem de arcar com um custo de
oportunidade de manter reservas, e o custo de ajuste das suas deficincias de caixa (custos
de liquidez), dado por:
= ( )()
Manter uma unidade monetria a mais em reservas implica um custo marginal de
oportunidade []
= e um custo marginal de reduo de liquidez14
= () < 0.
Na escolha tima, o banco equaliza os seus custos marginais, o que implica que
= ()
13 Uma variante do modelo avalia a possibilidade de o banco ser mais ativo na determinao de como captar
depsitos e, portanto, como gerir tambm o tamanho de seu portflio. Essa alternativa, no entanto, no altera os
resultados principais. 14 Observe que o modelo pressupe que aumentar reservas implica reduzir liquidez, o que, por si s, uma hiptese
bastante irrealista. A liquidez, num modelo como este, exgena ao sistema. Como veremos nos captulos 3 e 4,
e discutiremos de forma mais aprofundada no captulo 7, essa uma caracterstica da perspectiva neoclssica a
respeito da liquidez de ativos financeiros que no possui correspondncia alguma com a liquidez no mundo real.
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Portanto, a escolha tima do banco aquela em que a probabilidade de deficincias de
reservas iguala a razo entre a taxa de retorno e a proporo do tamanho da deficincia de
reservas, isto ,
()
=
Baltensperger observa que, no contexto do seu modelo, no pode ser identificado com
a taxa de emprstimos total, mas sim lquida de todos os custos (incluindo custos
administrativos e de informao). Por igual modo, no simplesmente a taxa de desconto
(por exemplo, de lanar mo do redesconto do banco central a fim de corrigir as deficincias
de reservas), mas deve levar em conta todos os custos e inconvenientes de corrigir seus nveis
de reservas, incluindo os custos de transao.
Um caso particular considerado aquele em que se incorporam requerimentos de
reservas ao modelo. Nesse caso, ocorre uma reduo no valor crtico de X a partir do qual os
ajustes na deficincia de reservas devem operar. Na ausncia de requerimentos de reserva, o
valor crtico de igual ao do nvel de reservas do incio do perodo. Se um requerimento legal
imposto tal que as reservas ( ) no fim do perodo sejam no mnimo uma proporo
dos depsitos no fim do perodo ( ), a deficincia de reservas passa a ocorrer quando
< ( ), tal que >
1 . Na ocorrncia de uma deficincia de reserva, seu
tamanho (1 ) ( ) = ( )(1 ). O valor esperado do custo de liquidez
= [(1 ) + ]()
O custo marginal, semelhana do caso geral, dado por
= () < 0
Efetivamente, a nica modificao que ocorre nesse caso que a probabilidade de
ocorrncia de uma deficincia dada pela possibilidade de exceder (limite inferior da
integral definida), ao invs de exceder .
Finalmente, uma variante importante de citar na anlise de Baltensperger consiste no
que ele chama de modelos de gerenciamento de passivos (liability management models), nos
quais se busca preencher a lacuna deixada pela literatura ortodoxa ao outro lado do balano dos
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bancos: a gesto dos passivos.15 A estrutura de passivos foi sempre tratada de forma exgena
na literatura ortodoxa e no sujeita ao tipo de comportamento maximizador do qual gozaria o
lado dos ativos, sob a justificativa de que dada a passividade dos bancos, eles simplesmente
aceitariam todo o volume de depsitos que o pblico estiver disposto a fazer taxa de retorno
dada exogenamente. Baltensperger observa que
[] its not clear whether a typical bank is really as powerless and passive with respect to the size and structure of its liabilities as this argument has it. A bank has a variety of possibilities to influence the (relative and absolute) attractiveness of various types of liabilities, and thus the publics demand for them, of which explicitly paid interest is but one. This is manifested, e.g., in the fact that banks are often seen to advertise vigorously for their deposit business. (Baltensperger, 1980, p. 10).
Alm disso, mesmo se o argumento da passividade frente aceitao dos depsitos for
considerado verdadeiro, Baltensperger argumenta que it would be sensible to ask for the
volume and structure of liabilities which are optimal and thus desired by the bank at these
conditions (idem, nfase do autor). Assim, um modelo desenvolvido concentrado em dois
itens do lado do passivo dos bancos, depsitos homogneos () e capital prprio (equity
capital, ). O modelo base, nesse caso, um modelo de deciso capital-depsitos.
Nesse modelo, o capital do banco funciona como uma proteo contra certos tipos de
incerteza e os custos emergenciais de ajuste ligados a esses eventos. No comeo do perodo o
banco possui uma estrutura de ativos , que geram uma renda , conhecida aprioristicamente
de forma probabilstica para o perodo de deciso considerado, com uma funo densidade
estimada (). O capital do banco dado por = . A funo () dependente do
volume e estrutura do portfolio de ativos do banco. O banco emite depsitos ,
comprometendo-se a pagar uma taxa de retorno no final do perodo, tal que sua dvida no final
do perodo (1 + ). Se no fim do perodo + < (1 + ), o banco est insolvente. A
condio de insolvncia ocorre, formalmente, quando os rendimentos dos ativos so menores
que o rendimento lquido da dvida do banco:
15 A variante estaria, a priori, em linha com o desenvolvimento da Asset Liability Management (ALM), o conjunto
de tcnicas de administrao de passivos bancrios que se desenvolveu a partir da segunda metade dos anos de
1960 e ganhou destaque na tecnologia de gesto bancria nos anos de 1970. Ver Gup e Kolari (2005, especialmente
o quinto captulo). Em particular, estes autores observam que ALM is generally viewed as short run in nature,
focusing in the day-to-day and week-to-week balance sheet management necessary to achieve near-term financial
goals. The traditional purpose of ALM has been to control the size of the banks net interest income. This goal is
associated with the dollar gap. ALM also considers the effects of the change on the value of balance sheet items.
This goal is associated with duration gap. (Idem, p. 117, nfases dos autores).
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+ (1 + ) = ( ) + ( ) < 0
< (1 + )
A probabilidade de insolvncia positivamente relacionada ao nvel de depsitos () e
negativamente relacionada ao capital = . A insolvncia um evento desfavorvel que
a firma bancria procura evitar. Supondo que o custo por unidade monetria de deficincia seja
dado por uma constante de proporcionalidade dada por , ento o custo esperado de insolvncia
dado por
= ( )()
As firmas incorrem tambm em custos pra evitar a insolvncia, os quais comeam a ser
incorridos muito antes da insolvncia acontecer, se sua posio de capital cair abaixo de um
nvel crtico como consequncia de, por exemplo, um mau ano de atividades. Tambm a
existncia de requerimentos de capital mnimo por imposio regulatria impe custos que os
bancos enfrentam antes mesmo da ocorrncia de uma posio insolvente. No obstante, S
definido de forma a cobrir implicitamente todos esses custos.
A deciso tima do banco em relao sua estrutura de passivos consiste em escolher
uma alocao frente ao custo de utilizar capital em vez de depsitos, dado um custo de
oportunidade do capital dado por , sendo > . O custo marginal de oportunidade de aumentar
o capital , e o retorno marginal dado pela reduo em (o custo de insolvncia)
dado um aumento no capital,
= ()()
= (1 + )()
Em situao tima, portanto, = .
Pequenas variaes em certas premissas do modelo no alteram o resultado
fundamental, qual seja, de que o banco ainda busca uma posio de alocao tima de sua
carteira, pelo lado do ativo, de forma a igualar seu custo marginal de utilizar ativos como
proteo ao custo de oportunidade de aumentar sua estrutura de capital. Alm disso, a liquidez
exgena do modelo permite que a nica preocupao com insolvncia esteja ligada a uma
alocao tima entre capital e depsitos, mas nenhuma preocupao necessria quanto
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capacidade do banco de transformar seus ativos (ou o rendimento deles) em moeda, caso dela
precise. Os ativos desse banco so lquidos per se.
1.1.4 - O modelo Diamond-Dybvig: bancos como coadjuvantes
Modelos de bancos com uso de instrumentos analticos de assimetrias de informao,
moral hazard e contratos incompletos comearam a ganhar volume na dcada de 1980, na
tentativa de atribuir aos bancos uma funo no arcabouo terico ortodoxo: as firmas bancrias
responderiam a falhas de mercado, onde entrariam para fazer intermediao financeira entre
agentes superavitrios e agentes deficitrios, num ambiente marcado por fortes assimetrias
informacionais. No entanto, nessa intermediao pura, os bancos enfrentam um problema de
descasamento de prazos entre seus ativos e passivos: os bancos possuem ativos menos lquidos
que os passivos, j que os ativos possuem maturao longa, enquanto seus passivos esto
sujeitos a exigibilidades de curto prazo. Diamond e Dybvig (1983) formalizaram um modelo
cujo objetivo era explicar primeiramente porque os bancos escolhem emitir depsitos que so
mais lquidos que seus ativos, e a partir da explicar porque eles esto sujeitos ao fenmeno das
corridas bancrias.
Na formulao do modelo de Diamond-Dybvig (modelo D-D, daqui por diante),
argumenta-se que os bancos possuem a funo de criar liquidez para a economia via emisso
de depsitos que so mais lquidos que os ativos que o banco detm. Os investidores com
alguma demanda por liquidez escolhero investir via banco, ao invs de manter ativos
diretamente. Essa demanda por liquidez dos investidores ocorre porque eles possuem algum
grau de incerteza a respeito de quando desejaro efetivamente consumir seus recursos, e, assim,
no tm clareza sobre a extenso de tempo pela qual devero manter seus ativos.16 Ao criar
depsitos lquidos, os bancos oferecem algo como um arranjo de seguro para os seus clientes.
Mantendo recursos depositados at a data limite estabelecida em contrato para saque implica
em recebimento de uma recompensa (um prmio pela espera, ou juros), ao passo que saques
antecipados implicam uma recuperao de haveres em valor menor que o contratado (um
desconto). Assim, o que os bancos obtm algo semelhante a um arranjo de seguro pelo qual
os depositantes dividem o risco de ter que liquidar os ativos de forma antecipada, incorrendo
16 Note-se que, no modelo, o investidor nada mais que um consumidor, e que o investimento , embora no
explicitamente definido, qualquer tipo de aquisio de ativos como forma de poupana para consumo em uma data
posterior.
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em perdas. Portanto, para o modelo D-D, os bancos possuem como funo primordial produzir
liquidez via emisso de depsitos.
Revisitando o modelo, Diamond (2007), define um ativo como ilquido quando sua
liquidao fsica ou venda em uma determinada data resultam em valor de face menor que o
valor presente do pagamento contratado por esse ativo numa data futura. Em particular, The
lower the fraction of the present value of the future cash flow that can be obtained today, the
less liquid is the asset (Diamond, 2007, p. 190). A segunda funo dos bancos executar o
monitoramento dos devedores.
O modelo consiste de trs perodos de tempo ( = 0, 1, 2), e um bem homogneo (r)
que gera um rendimento > unidades do produto no perodo 2 para cada unidade de insumo
investida no perodo 0. Se a produo interrompida no perodo = 1, o valor resgatado
exatamente o investimento inicial. Os consumidores/investidores fazem frente, no perodo =
1, a uma escolha entre dois vetores de resultados: obter (0, ) no perodo = 2 (ou seja, 0 de
resgate no perodo 1, e > no perodo = 2), ou (, 0) se interromper o processo em =
1. As hipteses de fundo so que os retornos escala so constantes e a tecnologia de produo
tal que os investimentos de capital de longo prazo so irreversveis.
No perodo = 0 todos os consumidores so idnticos, mas a natureza revelar, em
= 1, consumidores do tipo 1 (que consumiro no perodo = 1), e consumidores tipo 2 (que
mantero investidos seus recursos para consumo somente em = 2). Os agentes so
inicialmente dotados de uma unidade do bem homogneo em = 0 (eles recebem uma
unidade em = 1 e mais nenhuma outra nos outros dois perodos). Cada consumidor, do ponto
de vista do banco, apresenta o risco de ser tipo 1 ou tipo 2, e no pode constituir seguro contra
esse risco. Para o banco, cada consumidor no informa se de um tipo ou de outro, portanto,
ao bloquear seguro contra ser de um tipo ou de outro, o banco se protege da possibilidade de
que os consumidores informem ser de um tipo e revelem ser de outro.17 Por desconhecer sua
prpria natureza em = 1, cada agente possui probabilidade de ser do tipo 1, e (1 ) de
ser do tipo 2. No h incerteza modelo, e na economia como um todo haver uma frao fixa
(0,1) de investidores tipo 1 (e seu complementar como investidores tipo 2). Investidores
tipo 1 possuem uma funo utilidade (1) em = 1 e (2) em = 2, com funes utilidades
17Esse o problema de conduta do agente que o principal quer solucionar: como essa informao privada,
e, portanto, no observvel, existiria um incentivo para o agente informar ser de um tipo e agir como se fosse do
outro. No entanto, pode-se desenhar contratos que provisionem indiretamente seguro contra essa revelao: os
consumidores tipo 2 so premiados com um retorno sobre o investimento, e os do tipo 1 so punidos por sacarem
antes.
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iguais para ambos,18 diferenciando-se somente a data em que cada um desejar consumir. Um
investidor com ativos (, ), com a possibilidade de escolher utilizar em = 1 ou > em
= 2, consome 1 = se for do tipo 1, com probabilidade , ou 2 = se for do tipo 2, com
probabilidade (1 ). A utilidade esperada do investidor dada por:
[()] = (1) + (1 )(2)
Em condies normais, os investidores escolhero liquidar seus ativos quando o
consumo presente for mais altamente valorizado por eles do que o consumo futuro (a utilidade
marginal derivada do consumo mais elevada). Alm disso, a demanda por liquidez ser tanto
maior quanto maior for a averso ao risco do investidor. Uma alternativa motivao para que
os investidores demandem maior liquidez vem do fato de que alguns podem ser
empreendedores que podem necessitar de funding para um projeto de alto retorno no perodo
= 1, e que no pode ser financiado por outro modo. O papel dos bancos num modelo co