redes operativas e grupos operativos aproximações

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1 Redes operativas e grupos operativos: aproximações 1 Introdução “A técnica de grupo operativo pode ser adequada a qualquer contexto, desde que se respeite o que lhe é essencial: procurar desvelar o fazer das pessoas nos aspectos implícitos e explícitos.“ (GAYOTTO & DOMINGUES: 2003: 30) Instigada pelos desafios da produtividade colaborativa e por conflitos, impasses e dificuldades de integração e na produção conjunta em redes de educadores ambientais, nas quais participei ativamente durante dez anos, procurei na teoria de grupos operativos de Enrique Pichon-Rivière instrumentos e conceitos para melhor entender as dinâmicas e os desafios da interação grupal, da produção conjunta e instrumentos de avaliação da produtividade de grupos. Apesar do método de coordenação de grupos operativos ter seu desenvolvimento e aplicação em situações presenciais de comunicação e para interações com características bem específicas, identifiquei analogias entre a abordagem que faço das redes operativas e a abordagem de grupo operativo, coincidências que inspiraram a explorar a possibilidade de utilizar os indicadores de escala de avaliação do processo grupal, ou pelo menos de alguns deles, para avaliar a produção de redes telemáticas. Apresento a seguir algumas reflexões sobre os pontos que poderiam apoiar esta aplicação. Como ponto inicial, considero que as comunidades virtuais (clusters) que emergem nas redes operativas mediadas pela internet podem ser enquadradas no conceito de grupo utilizado por Pichon-Rivière (apud Gayotto & Domingues: 2003:22): Conjunto restrito de pessoas que, ligado por constantes de tempo e espaço e articulados por sua mútua representação interna, se propõe de forma explícita ou implícita uma tarefa, que constitui sua finalidade, interatuando através de complexos mecanismos de assunção e atribuição de papéis.” 1 Vivianne Amaral, jornalista, netweaver, facilitadora de comunidades presencias e telemáticas. http://sites.google.com/site/redesoperativas/home

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Page 1: Redes operativas e grupos operativos  aproximações

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Redes operativas e grupos operativos: aproximações1

Introdução

“A técnica de grupo operativo pode ser adequada a qualquer contexto, desde

que se respeite o que lhe é essencial: procurar desvelar o fazer das pessoas

nos aspectos implícitos e explícitos.“ (GAYOTTO & DOMINGUES: 2003: 30)

Instigada pelos desafios da produtividade colaborativa e por conflitos,

impasses e dificuldades de integração e na produção conjunta em redes de

educadores ambientais, nas quais participei ativamente durante dez anos,

procurei na teoria de grupos operativos de Enrique Pichon-Rivière instrumentos

e conceitos para melhor entender as dinâmicas e os desafios da interação

grupal, da produção conjunta e instrumentos de avaliação da produtividade de

grupos.

Apesar do método de coordenação de grupos operativos ter seu

desenvolvimento e aplicação em situações presenciais de comunicação e para

interações com características bem específicas, identifiquei analogias entre a

abordagem que faço das redes operativas e a abordagem de grupo operativo,

coincidências que inspiraram a explorar a possibilidade de utilizar os

indicadores de escala de avaliação do processo grupal, ou pelo menos de

alguns deles, para avaliar a produção de redes telemáticas.

Apresento a seguir algumas reflexões sobre os pontos que poderiam

apoiar esta aplicação. Como ponto inicial, considero que as comunidades

virtuais (clusters) que emergem nas redes operativas mediadas pela internet

podem ser enquadradas no conceito de grupo utilizado por Pichon-Rivière

(apud Gayotto & Domingues: 2003:22):

“Conjunto restrito de pessoas que, ligado por constantes de

tempo e espaço e articulados por sua mútua representação

interna, se propõe de forma explícita ou implícita uma tarefa,

que constitui sua finalidade, interatuando através de complexos

mecanismos de assunção e atribuição de papéis.”

1 Vivianne Amaral, jornalista, netweaver, facilitadora de comunidades presencias e telemáticas.

http://sites.google.com/site/redesoperativas/home

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O objetivo da aplicação é um entendimento mais profundo das

dinâmicas de produção conjunta nos ambientes telemáticos das redes sociais.

Trata-se de entender como se dá a produção conjunta em ambientes

telemáticos que têm a rede distribuída como padrão organizativo.

É desafiante compreender as dinâmicas relacionais das redes

distribuídas, situação em que a relações assumem naturalmente (pois certas

características decorrem do padrão organizativo) configurações novas para

nós, acostumados com as dinâmicas participativas das redes descentralizadas,

hegemônicas há tanto tempo.

Habituados a sistemas administrados, aparentemente mais “seguros” do

ponto de vista da manutenção do design das relações de poder no sistema

social e em comunidades humanas, estranhamos quando deparamos com as

relações ditas “virtuais”, que acontecem no ciberespaço, um lugar novo.

A vinculação tem sido a tessitura do humano. Seria o ser humano “filho

do cuidado”, sem o vínculo? Desde que a vinculação foi uma estratégia

humana para a sustentabilidade da espécie, nossas experiências de interações

sociais são qualificadas pelo grau de vinculação que alcançamos. No entanto,

quando alteramos nosso layout relacional criamos possibilidades de novas

ordens emergentes, onde a vinculação pode apresentar outras especificidades.

O que tem sido observado é que nas relações telemáticas, mediadas pela

internet, a produção conjunta pode acontecer com graus superficiais de

vinculação entre as pessoas.

São novas fronteiras da experiência humana e não excluem outras de

nosso repertório cultural. Não são melhores nem piores, derivam de

circunstâncias contemporâneas e nos desafiam.

1. Afinidades entre redes operativas e grupos operativos

Pensando nos pontos de contato, naquelas semelhanças que me

permitem considerar afinidades entre os dois fenômenos / situações de

interação social (redes operativas e grupos operativos) destaco:

A abordagem ecossistêmica entendida como a visão do grupo como

sistema aberto, instável sob a ação dos fluxos e refluxos da conversa

que se estabelece internamente e das relações externas, situacionais,

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do contexto histórico e temporal em que acontece (o aqui, agora e

comigo de cada integrante);

A tarefa conjunta e a agenda compartilhada como instâncias

mobilizadoras que atualizam no aqui e agora as interações dos

integrantes do grupo e da rede;

A interação da aprendizagem e da comunicação, que nos grupos são

coexistentes e cooperantes, numa inter-relação que se estabelece

desde o início das interações. O mesmo fenômeno pode ser observado

nas redes operativas, onde o ato comunicativo interpessoal e a

conversação comum quando fluídos, quando os impasses são

resolvidos, quando há esclarecimentos e há ensaios de vinculação, são

lugares onde ocorre a aprendizagem individual e coletiva.

O desenvolvimento de sentimento de pertença para a sustentação da

atividade da rede e do grupo. Apesar de haver menor exigência de

intensidade da vinculação nas interações nas redes telemáticas do que

na interação presencial dos grupos operativos, também no ambiente

telemático há maior produtividade quando as pessoas envolvidas se

sentem participantes de um “nós”. A interação envolve reciprocidade,

resposta, recursividade.

A interação e a comunicação como eventos geradores do processo

grupal e da rede. A emergência sistêmica se dá no campo criado pela

conversação.

A atribuição e assunção de papéis são comuns no interjogo relacional

nas redes e nos grupos. E a circulação de papéis é também nas redes

sociais um indicador de saúde nas configurações das relações de poder.

Coordenação sem caráter administrativo, mas facilitadora, que não seja

voltada ao controle do processo, mas ao fortalecimento da capacidade

de auto-organização.

A questão do enquadramento, podendo-se considerar as características

das ferramentas de comunicação (assíncrona, síncrona), os rituais de

acesso: login, senha, criação de avatares; as regras: net etiqueta,

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acordos de convivência; os recortes temáticos: territórios de atuação,

como fatores que criam uma estrutura estável e demarcada para a

sustentação do dinâmico processo de interação social da rede.

Grupos operativos Redes Operativas

O grupo como um sistema aberto. A rede como um sistema aberto.

A abordagem interdisciplinar do fenômeno grupal. A abordagem interdisciplinar do fenômeno das redes operativas.

O padrão de relações intragrupo e do grupo com o contexto externo como fenômeno dinâmico, com emergentes, em permanente mudança, com avanços e recuos, com aspectos explícitos e aspectos implícitos.

O padrão de relações entre os participantes da rede e da rede com o contexto externo como um fenômeno dinâmico, com emergentes, em permanente mudança, com avanços e recuos, com aspectos explícitos e aspectos implícitos.

A tarefa como um dos organizadores do grupo. Objetivos da rede, agendas e tarefas decorrentes para sua realização como organizadores da rede.

Existência em cada um de nós de um esquema referencial (conjunto de experiências, conhecimentos e afetos com os quais o indivíduo pensa e age) que adquire unidade através do trabalho em grupo (Pichon-Rivière: 2000: 123).

Adesão por afinidade, interesses individuais e benefícios pessoais articulados com objetivos compartilhados e acordados, expressos em acordos de convivência, imaginário coletivo, agenda comum (tarefas). Auto-expressão e construção identitária na conversação.

Atribuição e assunção de papéis. Atribuição e assunção de papéis.

A concepção de aprendizagem: capacidade de compreensão e de ação transformadora da realidade.

A concepção de aprendizagem: capacidade de compreensão e de ação transformadora da realidade.

A unidade do aprender e ensinar. A unidade do aprender e ensinar.

A comunicação como atividade constitutiva. A comunicação recursiva: atividade constitutiva.

Enquadramento: hora, local, periodicidade dos encontros, função de coordenador e observador.

Enquadramento: características das ferramentas de comunicação (assíncrona, síncrona), login, senha, net etiqueta, contrato social da rede, planos de trabalho, recorte temático. Função de netweaver.

Tabela 01 - Analogia entre os grupos operativos e as redes operativas.

Pensando em perguntas para uma investigação da aplicabilidade dos

indicadores pichonianos de produção grupal em redes telemáticas, surgem as

seguintes:

As situações de interação e vinculação que acontecem nas redes sociais

telemáticas apresentam condições para aplicação de aplicação dos

indicadores de avaliação da produção grupal desenvolvidos por Pichon-

Rivière? Caso positivo, quais indicadores podem ser utilizados e em

que situações? A informação estocada no registro da conversação

realizada pelo sistema da plataforma de comunicação informatizada

pode ser utilizada como material para análise da atividade de interação

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social da rede (em analogia com os registros do observador na técnica

de grupo operativos)?

Que papéis característicos da dinâmica grupal podem ser identificados?

Há papéis específicos da situação de comunicação mediada por

computador? Há papéis específicos das dinâmicas de redes sociais

distribuídas?

Que padrões são identificados na comunicação? Há padrões específicos

da situação de comunicação mediada por computador?

A comunicação telemática possibilita uma interação social com a mesma

riqueza comunicativa da situação presencial? Quais as características

do ato comunicativo telemático na produção conjunta?

A assincronicidade e a mediação tecnológica afetam o processo

vincular? Como?

2. Referencial teórico para a investigação

2.1 Grupo operativo

Como referenciais teóricos estão os conceitos relativos à técnica de

coordenação de grupos operativos: grupo, Esquema Conceitual Referencial e

Operativo – ECRO, tarefa, vínculo, cone invertido, dinâmica visível, dinâmica

invisível, papéis, funções coordenador e observador, emergente, adaptação

ativa e adaptação passiva, indicadores da produção grupal.

O grupo operativo é uma abordagem do processo grupal fundamentada

na Psicologia Social de Enrique Pichon-Rivière. A técnica apóia numa

concepção de sujeito social e historicamente produzido pelo ambiente em que

vive e em constante relação dialética com ele. O sujeito é entendido como um

emergente de uma complexa rede de vínculos e relações sociais. (Gayotto &

Domingues: 1995).

Como explica Gladys Adamson:

“O sujeito da psicologia social de Enrique Pichon-Rivière é esse sujeito

descentrado, intersubjetivo, que se produz no encontro ou desencontro com o

outro. Quando Enrique Pichon Rivière pensa o sujeito, fá-lo em termos de

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"sistema aberto" (a rigor, não há nada que seja pensado por ele fora dos

termos de um sistema aberto: o indivíduo, os grupos, as instituições, as

sociedades, o ECRO). E em relação ao sujeito, trata-se de um sistema que não

é autônomo em si mesmo, trata-se de um sistema incompleto que „faz sistema

com o mundo” (Adsom: 2000)

O grupo operativo tem como fundamento uma concepção de

aprendizagem como leitura crítica da realidade, mudança pessoal e ação

transformadora do mundo. A técnica enfatiza a importância da inter-relação

entre os sujeitos, valorizando o interjogo entre os integrantes do grupo e este

como a unidade básica de interação. “O grupo operativo não está centrado nas

pessoas individualmente, nem no grupo, mas no processo de inserção do

sujeito no grupo” (Gayotto/Domingues, 1995: 29) articulando, desta forma, as

dimensões verticais e horizontais do estar no mundo.

Tem foco numa tarefa explícita, que articula o fazer juntos (ex.:

aprendizado, cura, diagnóstico de dificuldade). No interjogo desenvolvido para

a execução da tarefa, o grupo se depara com outra tarefa, implícita, subjacente

à primeira: a elaboração de ansiedades a serviço da resistência à necessidade

de mudança, inerente à constituição do grupo e ao processo de aprendizagem.

O campo grupal surge então como estrutura em movimento, deixando

claro o caráter dinâmico do grupo. A abordagem desenvolvida mostra que

execução da tarefa implica em enfrentar alguns obstáculos que se referem a

uma desconstrução de conceitos estabelecidos, uma desconstrução de

certezas adquiridas. Para os integrantes do grupo implica em enfrentar uma

dupla tarefa: trabalhar sobre o objeto-objetivo (tarefa explícita) e sobre si (tarefa

implícita), buscando romper com estereótipos e integrar o pensar, o sentir e o

agir, lidando com as contradições e as resistências à mudança, em

procedimentos de adaptação ativa, ou seja, de aprendizagem.

2.1.1 Os indicadores de produção grupal

A escala de avaliação do processo grupal desenvolvida por Pichon-

Rivière possibilita a análise das formas de interação que são geradas no grupo

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e revelam vivências sociais internalizadas. A análise do processo grupal é um

instrumento de avaliação da operatividade do grupo. Os indicadores descritos

são: afiliação e pertença; cooperação; pertinência; comunicação; aprendizagem

e tele.

1. Afiliação e pertença

A afiliação reflete a situação em que a pessoa guarda certa distância,

sem incluir-se totalmente no grupo. É um momento inicial e se transforma mais

tarde em pertença.

A pertença se caracteriza pelo sentimento de integração ao grupo, de

identificar-se com ele. Implica em incluir-se e incluir os demais no seu grupo

interno. Com o desenvolvimento da pertença é possível estabelecer-se tanto a

própria identidade como a do grupo. O sentir-se pertencente permite a

aquisição de uma referência básica e a elaboração de estratégias para

mudanças.

O indicador nos permite verificar como, por meio do processo de

interação, vai se dando a mútua representação interna, ou seja, como no

desenvolvimento da tarefa os integrantes vão se tornando habitantes do mundo

interno uns dos outros e se identificando com a tarefa. O indicador reflete a

construção mútua de vínculos e o compromisso com o grupo. O

desenvolvimento do sentimento de pertença está relacionado à passagem do

eu para o nós, pois “as necessidades do sujeito vão sofrendo um

reconhecimento por parte dos outros e uma transformação em necessidades

comuns”.

A contradição presente é “sujeito-grupo”. Os verificadores são:

frequência assídua/frequência irregular; pontualidade/atrasos constantes;

assume responsabilidade com os outros / assume responsabilidades sozinho.

(Gayotto: 2004: 215)

2. Pertinência

A pertinência reflete o grau de centramento do grupo na tarefa e

esclarecimentos da mesma, a capacidade do grupo centrar-se nos papéis

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prescritos (coordenador, observador, chefe) e nos que emergem

situacionalmente como líder de tarefa, porta voz, bode expiatório, etc.

Com este indicador analisa-se o desenvolvimento da tarefa: investimento

na exploração da pré-tarefa, elaboração e esboço do projeto, e a capacidade

criativa do grupo para sua execução. Está relacionada ao sentimento de

produtividade do grupo.

A contradição presente é “projeto-resistência às mudanças” e mostra a

atuação dos medos básicos (perda e ataque). Os verificadores são: expressa

ideias pertinentes ao tema / deixa que as dúvidas persistam; enfrenta situações

desconhecidas / frente ao novo fica sem saber o que fazer; encontra soluções

para os desafios / dá um tempo ao desafio. (Gayotto: 2004: 215)

3. Comunicação

A comunicação, juntamente com a aprendizagem, é indicador muito

importante na leitura da produção grupal. Influenciam-se mutuamente: se

ocorre problemas na comunicação, isto se reflete na aprendizagem, e as

dificuldades na aprendizagem manifestam-se na comunicação entre os

integrantes do grupo.

Nos processos comunicacionais há influência recíproca, acontecendo

intercâmbio de significados. Os elementos clássicos do modelo comunicacional

são emissor, receptor, processos de codificação e decodificação de

mensagens.

Pichon-Rivière considera toda a comunicação como bipessoal e

tripessoal, registrando que sempre entre duas pessoas existe um conteúdo

intra-subjetivo que se interpõe o terceiro na relação. Este elemento

corresponde a cenas internalizadas em nosso mundo interno, pré-existentes à

situação presente, mas que projetamos nela. Funciona como ruído na

comunicação e pode manifestar-se de diferentes formas: mal-entendidos,

segredo grupal. Provoca distorções na interação e dificultam a aquisição de um

código comum.

Este indicador possibilita analisar:

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a – os papéis e as características comunicacionais. É considerado na

análise o conteúdo da mensagem, como ela se realiza e quem a enuncia. A

contradição entre o nível verbal e pré-verbal configura os ruídos;

b – a elaboração das contradições e os pares de contradições presentes

na dinâmica grupal. Permite identificar como as pessoas se vinculam com

todos os mal-entendidos decorrentes de contradição não resolvida.

Os verificadores são: comunica-se em função dos objetivos do grupo /

comunica-se em função de interesses próprios; esclarece os mal-entendidos /

deixa acontecerem os mal-entendidos; facilita os diálogos / prefere conversas

paralelas.

4. Aprendizagem

Conforme Gayotto e Domingues (2003) através da aprendizagem

avaliam-se o grau de plasticidade grupal frente aos obstáculos, a criatividade

para elaborá-los, a superação das contradições e a possibilidade de integração

das mesmas.

A aprendizagem ocorre quando há diminuição das ansiedades básicas o

que possibilita que o grupo vislumbre seu processo, os estereótipos circulantes

e seu rompimento imprimindo um ritmo positivo à espiral da dinâmica grupal.

Está diretamente relacionada com os indicadores pertinência e comunicação.

Um desenvolvimento positivo dos três configura uma situação de adaptação

ativa.

Os verificadores são os mesmos de pertinência: expressa ideias

pertinentes ao tema / deixa que as dúvidas persistam; enfrenta situações

desconhecidas / frente ao novo fica sem saber o que fazer; encontra soluções

para os desafios / dá um tempo ao desafio. (Gayotto: 2004: 215)

5. Cooperação

Para Pichon-Rivière a cooperação se estabelece sobre a base de papéis

diferenciados. A articulação com o outro se dá a partir da discriminação deste,

de si mesmo e do outro, surgindo a possibilidade de complementaridade e,

consequentemente, de cooperação.

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Gayotto e Domingues (2003) esclarecem que cooperar não significa não

confrontar, mas não ser cúmplice daquilo que se discorda. A cooperação

abarca o confronto, pois implica na elucidação de diferenças.

A técnica operativa destaca a diferenciação como elemento importante

na cooperação: “Segundo Jasiner (1983), pertencer a um lugar não significa

estar sempre de acordo, mas poder comparar seu sentimento com o outro;

possibilita a identidade, mas funciona também como um lugar que inclui a

diferenciação.” (Gayotto & Domingues: 2003: 88)

Na dinâmica grupal faz-se necessária a articulação das necessidades

individuais e do grupo. Nesta situação muitas vezes emerge a competição, que

tem como objetivo impedir a atuação do outro, tentar ocupar o seu lugar. O

indicador comunicação permite avaliar a cooperação e competição grupal.

A articulação cooperativa decorre do rodízio dos papéis, das pessoas

explicitarem aspectos de sua personalidade e história pessoal, criando

oportunidades de complementação. A cristalização de papéis afeta a

flexibilidade necessária para a cooperatividade. Há um fortalecimento da

verticalidade em detrimento do cumprimento da tarefa.

O par contraditório presente é “horizontalidade-verticalidade”. Os

verificadores são: complementa a ação grupal / tenta impor seu próprio ritmo;

dá e solicita apoio / contenta-se com o que faz; assume papéis com

flexibilidade / repete papéis conhecidos. (Gayotto: 2004: 215)

6. Tele

A origem do conceito tele é o psicodrama de Jacob L. Moreno. Segundo

Moreno, tele seria a capacidade de se perceber objetivamente o que ocorre

nas situações e o que se passa entre as pessoas, como também, a percepção

interna entre dois indivíduos.

Para Pichon-Rivière, tele é a primeira percepção subjetiva do outro.

Caracteriza a disposição negativa ou positiva com um membro do grupo,

coordenador ou tarefa. Tem como base a percepção de qualidades reais e

pode desencadear processo transferências. A tele positiva pode superar o

afastamento entre pessoas que se relacionam.

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No cone invertido, a tele está localizada no seu vértice, sua zona mais

profunda, pois “localiza-se no implícito e tem relação com os aspectos mais

latentes da história dos sujeitos e do grupo”. Está presente em todo o processo

de aprendizagem e comunicação.

Os verificadores são: expressa sentimentos adequados à situação

grupal / evita expor sentimentos no grupo; explora ansiedades e medos

surgidos no trabalho conjunto / paralisa-se quando surgem medos e

ansiedades no grupo; contribui para fortalecer a confiança / protege-se quando

há desconfiança no grupo.

2.2 Redes sociais

Outros conceitos intrínsecos à investigação são os relativos ao campo

de estudos sobre redes sociais.

Redes de relações são inerentes às atividades humanas. Se pensarmos

no nosso cotidiano, com o foco nas relações que sustentam nossas rotinas,

veremos emergir conjuntos de redes. Todas as atividades de interação social

dão origem a redes de relações. São redes espontâneas, que derivam da

sociabilidade humana. Elas estão aí o tempo inteiro, apenas não costumamos

focar nosso olhar sobre elas, vendo-as como um sistema vivo e dinâmico,

mas são elas que dão sustentação as nossas vidas e a produzem diariamente.

A popularização atual da expressão exige sua contextualização.

Conforme Sônia Acioli (2007):

“Falar em redes significa trabalhar com concepções variadas nas

quais parecem misturar-se idéias baseadas no senso comum, na

experiência cotidiana do mundo globalizado ou ainda em determinado

referencial teórico-conceitual. Existe, portanto uma diversidade de

definições, que, no entanto parecem conter um núcleo semelhante

relacionado à imagem de fios, malhas, teias que formam um tecido

comum”.

E o que é uma rede? Do ponto de vista morfológico, estrutural, podemos

imaginar uma rede de pescar, com linhas se entrecruzando, formando um nó,

um ponto de encontro, e formando outro nó, outro ponto de conexão e assim

por diante. Quando falamos de organizações e pessoas que se articulam em

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rede estamos dizendo que as relações internas do seu sistema de relações,

dos elementos que as formam, se dão como numa rede, a partir de conexões,

ponto a ponto, entre as pessoas e entre as instituições.

Fritjof Capra (2002) mostra a amplitude do conceito e a abrangência

significados que a metáfora rede abarca:

“Uma rede é um padrão de relacionamentos que conecta vários nós

ou centros a muitos outros centros. São conexões de vários pontos

para vários outros, não de um ponto para outros. Pode ser um padrão

de reações químicas, de variáveis econômicas, uma teia alimentar de

relacionamentos entre predador e presa, a rede neural do cérebro ou

os complexos relacionamentos sociais de uma comunidade.”

A percepção da rede como padrão organizativo é um ponto essencial

para sua desmistificação. Esta abordagem também é verificada em Castells

(2003: 28) que afirma: “A Internet não é simplesmente uma tecnologia: é um

meio de comunicação e é a infraestrutura material de determinada forma

organizacional: a rede”. (grifo meu)

O conceito vem sendo utilizado em diversos campos do conhecimento e

da ciência: estatística, matemática, antropologia, psicologia, ecologia, estudos

de organizações, epidemologia, linguística, ciências políticas, mas torna-se

popular a partir dos anos 80, no século XX, como tendência hegemônica para

organização de sistemas abertos e processos de comunicação na sociedade

globalizada e informacional.

Os primeiros estudos de identificação de redes sociais foram

desenvolvidos na década de 30, pelo antropólogo W. Lloyd Warner e pelo

psicólogo Elton Mayo, ambos australianos, numa investigação realizada na

fábrica Hawthorne, em Chicago, quando observaram o comportamento de um

grupo de trabalhadores no ambiente da fábrica. Foram utilizados sociogramas

para registrar as estruturas informais de relacionamento dos grupos

pesquisados. (SILVA, 2003, p. 26).

Simultaneamente, Warner iniciou um trabalho de pesquisa numa

pequena cidade norte americana (Newburyport), com o objetivo de realizar um

estudo antropológico de uma comunidade urbana. No relatório do estudo,

conforme Scoott (apud SILVA, 2003, p. 30) acontece um dos primeiros usos da

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terminologia redes para descrever a estruturação em subgrupos de sociedades

inteiras.

Destaco também a contribuição de Janet Jacobs, na década de 60, com

o uso da expressão capital social articulado com o conceito de redes, em seu

livro "Morte e Vida das Grandes Cidades Americanas":

"Para a autogestão de um lugar funcionar, acima de qualquer

flutuação da população deve haver a permanência das pessoas que

forjaram a rede de relações do bairro. Essas redes são o capital

social urbano insubstituível. Quando se perde esse capital, pelo

motivo que for, a renda gerada por ele desaparece e não volta senão

quando se acumular, lenta e ocasionalmente, um novo capital"

(Jacobs, 1961: 151 apud Franco, 2009)

Igualmente importante é a contribuição do sociólogo Niklas Luhmann

que aplica o conceito de autopoiese, característico das redes vivas, aos

sistemas sociais. Sua preocupação é identificar a comunicação como o

elemento central das redes sociais:

“Os sistemas sociais usam a comunicação como seu modo particular

de reprodução autopoiética. Seus elementos são comunicações

produzidas e reproduzidas de modo recorrente (recursively) por uma

rede de comunicações, e que não podem existir fora de tal rede.”

(apud Capra: 2002: 94)

Silva (2003) aponta que a partir de 1969 houve uma aceleração no

desenvolvimento e uso do conceito de redes sociais na Antropologia e na

Sociologia.

Sua emergência como conceito instrumental para a percepção e análise

das relações sociais, não é uma invenção, decorre do layout em rede

distribuída do padrão tecnológico da comunicação atual. O conceito expressa

um fenômeno constitutivo da vida social: a formação de redes de interações

entre as pessoas.

Assim, a rede como padrão organizativo é mais uma descoberta que

uma invenção. Sua descoberta decorre de uma afluência de diversos

fenômenos como a evolução tecnológica da comunicação, o avanço científico

em diversos campos do conhecimento. Entre eles a física quântica, os estudos

Page 14: Redes operativas e grupos operativos  aproximações

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sobre fractais, a cibernética, a epistemologia da complexidade, a biologia do

conhecimento, a antropologia e a estruturação de um campo de estudo

científico voltado para o estudo das redes sociais. Como contexto, a

globalização, evento econômico, cultural e social se desenvolvendo em rede na

escala planetária.

Como o design das tecnologias de comunicação telemática, a rede

possibilita a coordenação de ações descentralizadas e autônomas, dando

suporte à mundialização do capitalismo, aos fluxos de capital, de ideias, de

conhecimento, de patrimônio imaterial, a intensificação das relações humanas

e sua desterritorialização biogeográfica. A novidade que se apresenta é a

combinação dos dois, a inter-relação humana e a tecnologia, gerando redes

híbridas, dispositivos culturais sociotécnicos.

2.2.1 O padrão organizativo rede

Com tantas aplicações, para entender o padrão organizativo rede é

melhor desterritorializá-lo, para identificar seus princípios.

Virtualmente o padrão é um conjunto de princípios, um determinado

desenho de ordenamento dos fluxos entre os elementos conectados de um

sistema. Ele se atualiza em estrutura, em situação presente. As relações entre

o padrão e sua atualização, a estrutura de determinado fenômeno e o próprio

fenômeno, são recursivas. A atualização é o aqui-agora, situação em que o

padrão se corporifica, toma uma forma, na interação com o contexto objetivo e

subjetivo em que está sendo acionado. Não há um modelo de rede, o que

temos é um conjunto de princípios que vai dando origem a estruturas muito

plásticas, caminhos de fluição entre pontos conectados

Os princípios mais gerais do padrão rede, quando aplicados às

interações humanas, são interdependência, ordem emergente, comunicação

distribuída e recursiva, auto-organização e a existência de pelo menos um

“objeto”. Pierre Lévy (2005: 123) denomina “objeto” o elemento de ligação

dinâmica do sujeito coletivo, que dá ensejo à colaboração. “Para desempenhar

seu papel antropológico, o objeto deve passar de mão em mão, de sujeito a

sujeito e subtrair-se à expropriação territorial, a identificação a um nome, à

exclusividade ou à exclusão”.

Page 15: Redes operativas e grupos operativos  aproximações

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O autor considera que para o ser humano a relação com o “objeto”

resulta de uma virtualização das relações de predação, de dominância e de

ocupação exclusiva. O “objeto” pode ser identificado através de seu poder de

catálise das relações sociais e de indução da inteligência coletiva. Ele traça as

relações mantidas pelos seres humanos uns frente aos outros. Seu

funcionamento como mediador da inteligência coletiva implica sempre num

contrato, uma regra, uma convenção. (LEVY: 2005)

Os objetivos que mobilizam a articulação das redes operativas podem

ser considerados “objetos” na medida em que funcionam como vetores da

integração, pois são partilhados por todos e mobilizam as pessoas para a

interação. Da mesma forma, as agendas compartilhadas, as tarefas.

Os princípios são virtuais, estão em potência, muitas vezes não se

realizam, por razões culturais e políticas, apesar do fascínio que exercem sobre

as pessoas. Há fantasias de que o padrão gera igualdade, no entanto, o

ambiente das redes sociais é marcado por assimetrias de conhecimento e de

inteligência social2, diferenças na habilidade de comunicação, no domínio das

tecnologias e ferramentas que mediam o ato comunicativo, de capacidade

individual de tecer conexões.

As configurações das redes assumem diferentes formas, dependendo do

contexto onde são acionadas, da cultura política de seus participantes, do uso

que fazem da comunicação, da conectividade alcançada e dos objetivos que

motivam sua criação.

As dinâmicas típicas do padrão organizativo são movimentos que

acontecem (emergem no campo biopsicocultural da rede) e não estão

relacionadas aos conteúdos das conversações, e sim como acontecem com as

interações. Há pré-requisitos para que surjam e se desenvolvam entre si como

a quantidade de pessoas em interação e os graus de distribuição na

comunicação. Entre as dinâmicas em investigação pelos especialistas da nova

ciência de redes estão:

2 Inteligência social: capacidade de relacionarmos com as pessoas em nosso redor, em nível

individual, seja em pequenos grupos, seja em grandes grupos, competência para interação saudável e produtiva. (BUZAN: 2005).

Page 16: Redes operativas e grupos operativos  aproximações

16

“o clustering (aglomeramento), o swarming (enxameamento), a

auto-regulação sistêmica, a produção de ordem emergente

e/ou a desconstituição de ordem preexistente (ou

remanescente) e a redução do tamanho (social) do mundo

(crunch)”. (FRANCO, 2008).

2.2.2 As redes operativas

O conceito de rede operativa é um recorte que faço no campo das

redes sociais. Normalmente apresentam a topologia de rede descentralizada,

com instâncias de coordenação e têm como um dos objetivos a distribuição e

compartilhamento de informação como estratégia para o cumprimento de um

objetivo maior. O conceito aparece em Martinho (2004: 94) quando procura

traçar uma distinção de tipos de redes: “Quanto ao escopo da ação, as redes

também podem ser classificadas em dois tipos gerais: redes de troca de

informação e redes operativas.”

Martinho caracteriza as redes de troca de informação como aquelas cuja

ação é constituir um ambiente de troca de informações, veiculação de notícias,

intercâmbio de conhecimento. Já as redes operativas seriam as que

desenvolvem estudos e pesquisas, estabelecem e conduzem processo de

interlocução e negociação política, acompanham políticas públicas, promovem

capacitações e formação, atuam na defesa de direitos sociais e causas

coletivas e, no caso das redes de economia solidária, produzem e distribuem

bens. (Martinho, 2004, 94-95). É uma visão relacionada às redes existentes no

universo da sociedade civil brasileira, e o conceito de rede operativa que

elabora tem na ação política e na mobilização social um forte constituinte.

Re-editei o conceito, incluindo a distribuição e compartilhamento de

informação como uma atividade das redes operativas e incorporando a

comunicação telemática, intensamente presente no fenômeno das redes atuais

e que lhes confere características distintas daquelas redes sociais que não a

utilizam. São redes sociotécnicas, um hibridismo entre teias de interação social

e tecnologia de comunicação assistida por internet, que possibilita crescente

grau de conectividade e amplia a possibilidade de distribuição da comunicação.

Page 17: Redes operativas e grupos operativos  aproximações

17

Na formulação que faço do conceito de redes operativas, assume

importância a existência de uma agenda compartilhada, gerando tarefas: redes

operativas são comunidades de indivíduos, que se relacionam de forma

coordenada e autônoma, em situações telemáticas e presenciais de

comunicação, para a realização de objetivos compartilhados.

Algumas características das redes operativas:

Objetivos compartilhados, construídos coletivamente,

Múltiplos níveis de organização e ação,

Dinamismo e intencionalidade dos envolvidos,

Coexistência de diferentes,

Produção, reedição e circulação de informação,

Desconcentração do poder,

Iniciativas múltiplas e simultâneas,

Tensão entre estruturas verticais & processos horizontais,

Tensão entre comportamentos de competição & cooperação,

Composição de singularidades,

Espaço de aprendizagem permanente,

Ambiente fértil para parcerias, oportunidade para relações multilaterais,

Evolução coletiva & individual para a complexidade,

Configuração dinâmica e mutante,

Produção conjunta,

Diversos focos de iniciativa atuando ao mesmo tempo, de forma autônoma,

e com interdependência decorrente dos objetivos comuns,

A função de netweaver, de facilitador.

O conceito que oponho a redes operativas, no sentido em que utilizo a

expressão, é o de redes de sociabilidade, aquelas com base em plataformas de

Page 18: Redes operativas e grupos operativos  aproximações

18

comunicação propícias para a interação social, para fazer amigos, vida social.

Orkut, Facebook, Windows Live.

3. Os limites da comunicação telemática

No desenvolvimento das atividades de netweaver constatei uma

frequente insatisfação das pessoas com a comunicação telemática, como se a

mesma fosse insuficiente para atender os requisitos de interação social para

que as relações “virtuais” fossem consideradas “reais”. Observei também a

qualidade vincular que os encontros presenciais traziam às redes sociais cuja

comunicação era mediada pela internet. Os laços entre as pessoas se

fortaleciam a cada encontro presencial e iam perdendo energia à medida que

os contatos presenciais se tornavam raros ou acontecia grande espaço de

tempo entre os encontros.

Encontrei uma explicação para o fenômeno da insatisfação ao ler os

estudos sobre comunicação realizados pelos pesquisadores do Instituto de

Pesquisa Mental de Palo Alto, Califórnia. Paul Watzlawick, Janet Helmick

Beavin e Don D. Jackson, no livro Pragmática da Comunicação Humana: um

estudo de padrões, patologias e paradoxos da interação.

Os autores discutem os efeitos comportamentais da comunicação

humana, com ênfase nas desordens de comportamento. A temática do livro,

aparentemente está distante do escopo deste trabalho, mas seus capítulos

iniciais apresentam conceitos básicos da teoria da informação numa

abordagem sistêmica que muito contribuíram para que eu entendesse o

fenômeno que percebia em relação à comunicação telemática e a satisfação

das pessoas com ela.

Os autores apresentam o caráter complexo do ato comunicativo, em

duas dimensões: a analógica ou não verbal e a digital, arbitrária, verbal.

A dimensão analógica está relacionada a tudo que está presente no ato

comunicativo e não é código linguístico. A dimensão digital ou verbal está

relacionada ao código linguístico. Enquanto a dimensão verbal se refere ao

Page 19: Redes operativas e grupos operativos  aproximações

19

Page 20: Redes operativas e grupos operativos  aproximações

20

conteúdo da conversa, a dimensão analógica traz informação sobre a relação

entre os comunicantes.

A comunicação analógica é toda comunicação não verbal que acontece

num ato comunicativo. Os pesquisadores consideram que o termo não verbal é

equívoco para explicar o amplo sentido da comunicação analógica, a qual

abrange.

“posturas, gestos, expressão facial, inflexão de voz, seqüência, ritmo

e cadência das próprias palavras, e qualquer outra manifestação não-

verbal de que o organismo seja capaz, assim como as pistas

comunicacionais infalivelmente presentes em qualquer contexto em

que uma interação ocorra”. (Watzlawick et alli: 2007: 57)

Como os dispositivos de comunicação na internet não têm como traduzir

ou integrar dimensão analógica do ato comunicativo, os comunicantes sentem-

se insatisfeitos, pois a tecnologia, pelo menos em seu estagio atual, não

possibilita o ato comunicativo completo. Esta insuficiência certamente influencia

diversos aspectos da interação grupal nas redes sociais, entre eles: a

passagem para a grupalidade, no surgimento e fortalecimento do sentimento

de pertença, a vinculação entre os integrantes.

4. Experimento com os indicadores

Realizei uma tentativa de aplicação dos indicadores de avaliação da

produção grupal na lista de discussão da Rede Brasileira de Educação

Ambiental – REBEA.

Foram analisadas 320 mensagens postadas no mês de março de 2007.

Destas, 49 geraram alguma postagem encadeada, mas não necessariamente

dando início a uma conversa. A análise demonstrou que a distribuição de

informação predomina, havendo poucos atos comunicativos completos. Muitas

vezes, apesar de haver enunciação, a interação não se completa enquanto

processo circular, recursivo e interativo, pois ninguém responde ou comenta a

maioria das mensagens postadas. Nas conversas encadeadas quando há

discordância de ideias, há deboches e ofensas pessoais, o que também

desestimula iniciativas de interação.

Page 21: Redes operativas e grupos operativos  aproximações

21

O campo operativo da REBEA é a Educação Ambiental (EA) – as

conversações realizadas na lista de discussão poderiam ser um instrumento

para esclarecimento de questões pertinentes ao campo bem como da

ansiedade dos educadores em relação aos desafios da prática da EA. Algumas

destas ansiedades são geradas pela crise ambiental propriamente dita, outras

se situam na dificuldade pessoal de coerência (integração do sentir, pensar,

agir) entre os princípios ecológicos adotados intelectualmente e a forma de vida

possível na sociedade urbana contemporânea, além das inseguranças e

desafios próprios do campo profissional em constituição.

OS TIPOS DE COMUNICAÇÃO

OPORTUNIDADES DE TRABALHO, EMPREGOS

DENÚNCIAS

REPASSE DE NOTÍCIAS

DIVULGAÇÃO DE CURSOS

DIVULGAÇÃO DE AÇÕES GOVERNAMENTAIS

DIVULGAÇÃO DE EVENTOS

DIVULGAÇÃO DE EDITAIS

DIVULGAÇÃO DE TEXTOS E LIVROS

DIVULGAÇÃO DE SITES

DIVULGAÇÃO DE REVISTAS ELETRÔNICAS

CONVERSAS SOBRE TEMAS AMBIENTAIS DA ATUALIDADE

AVISOS DE PAUTA

RELEASE

CLIPAGEM

CAMPANHAS ONLINE

CONVOCAÇÃO PARA ATIVIDADE DA REBEA - VI FÓRUM

Tabela 01 – Tipos de comunicação na lista da REBEA – março de 2007.

A distribuição da informação, basicamente divulgação de eventos, sites,

editais textos, livros, revistas, encaminhamento de notícias, cursos, é realizado

por um pequeno e constante número de pessoas que monopoliza o espaço da

rede. Mesmo aqueles que não postam mensagens estão, hipoteticamente,

acompanhando o movimento que acontece.

Apesar da lista de discussão ser um dispositivo que permite a

comunicação entre muitas pessoas ao mesmo tempo, a maioria dos membros

Page 22: Redes operativas e grupos operativos  aproximações

22

da REBEA se comporta como audiência passiva e não atua como um grupo

com alguma coesão. O status é de agrupamento.

É importante destacar que na interação assíncrona que caracteriza as

listas de discussão, cada pessoa age sobre o mesmo objeto em momentos

diferentes, podendo verificar as modificações sofridas anteriormente. Além,

disso, é uma interação à distância, ou seja, pressupõe a utilização de alguma

tecnologia que permita a comunicação entre os indivíduos. Estas duas

características criam um campo comunicacional diferente do campo presencial.

Nas relações telemáticas, determinados benefícios e objetivos pessoais podem

ser alcançados com baixa interação e mínima vinculação. Por exemplo: o

objetivo de estar informado e atualizado pode ser conseguindo apenas com a

escuta atenta em listas de discussões temáticas e plataformas de rede sociais.

Basta se cadastrar e acompanhar silenciosamente a conversação, sem

nenhum esforço de interação.

No experimento da REBEA considerei questões como a moderação ou

não do fluxo das mensagens, as regras para cadastramento na lista, as regras

de convivência da rede, a net etiqueta, o objetivo da rede e a forma como

função similar ao enquadramento no grupo operativo.

No processo da rede, alguns dos membros assumem papéis de

administração da lista, animação e moderação da comunicação e outros típicos

da dinâmica grupal. No caso da REBEA, a percepção da diferença entre

moderador/administrador da lista, líder de tarefa e facilitador é confusa.

A tentativa de aplicar os indicadores revelou a não existência de

interação e a conversação quando acontece está centralizada em alguns

integrantes. A distribuição de informação sem nenhum comentário, apenas

encaminhamentos de mensagem, pode ser considerada uma comunicação no

padrão um para todos, autoritária. E também pode ser vista como uma ação de

compartilhamento.

Em relação à afiliação e pertença, predomina entre os integrantes o

status de agrupamento, com ausência nas conversas. Baixa pertinência

verificada pela inexistência de tarefas conjuntas e pouca expressão de idéias.

Page 23: Redes operativas e grupos operativos  aproximações

23

A comunicação e a aprendizagem são bastante afetadas pela baixa

interação. Verifica-se a comunicação egocêntrica, muitos são ausentes, estão

na lista porque um dia se cadastraram. Outros se colocam no papel de

observadores silenciosos. A grande maioria apenas faz a colheita das

informações e poucos compartilham.

Eventualmente acontecem discussões, brigas, provocadas por

divergência de idéias e visões, revelando baixa capacidade de aprendizagem e

dificuldade de conviver com as contradições. As interações são mediadas por

estereótipos.

Esta configuração comunicacional afeta a cooperação impedindo a

descoberta de complementaridades e a articulação conjunta das necessidades.

A tele é o indicador mais difícil de interpretar na lista, pois é um

fenômeno de caráter não verbal.

A análise revelou que podemos estar conectados e não haver interação

e nem comunicação. O ato comunicativo constitui uma sequência, um

encadeamento, para que se estabeleça a circularidade de papéis emissor-

receptor, essencial para o diálogo. No caso da REBEA, no período analisado, a

tentativa de aplicação dos indicadores mostrou que:

- como são poucos os atos comunicativos completos, não há interação

social, nem a geração de agrupamentos (clusters), comunidades de

prática e de aprendizagem, tarefas e produção conjunta,

- prevalece uma cultura de adesão, subordinação e omissão,

- há valorização dos benefícios pessoais de acesso à informação

estratégica para atividades profissionais e políticas em detrimento da co-

responsabilidade em relação aos objetivos da Rede,

- a rede se configura como um difusor de informação e não como uma

rede social distribuída, com objetivos e agendas compartilhadas,

gerando comunidades de aprendizagem, conhecimento e mudança,

- há uma afinidade superficial (somos todos educadores ambientais) que

não se sustenta quando há aprofundamento da interação,

Page 24: Redes operativas e grupos operativos  aproximações

24

- a repetição de temas e práticas gera isolamento social, narcisismo e um

fantasioso sentimento de importância da educação ambiental,

- temas essenciais para comunidade de educadores ambientais, como a

profissionalização do campo, financiamento e representação política não

conseguem se sustentar na conversação da rede,

- as divergências de visão de mundo e de proposições são recebidas

como ameaças, resultando em bate-boca e conflitos que não são

esclarecidos de forma a gerarem aprendizagem.

O experimento foi uma importante oportunidade de aprendizado sobre

as dinâmicas de interação e vinculação em redes telemáticas.

Evidenciou que tanto quanto os grupos e redes sociais presenciais, a

redes baseadas na internet para se tornarem efetivamente redes de

conversações, ambientes de encontros humanos ricos de aprendizagem,

necessitam de interações sociais que estão baseadas em acolhimento,

confiança, pertença e cooperação. A sustentabilidade de qualquer rede social

(sua re-produção e re-novação) depende do acontecimento de interações

sociais (comunicação, afiliação e cooperação), e da qualidade e teor dessas

interações (pertença, pertinência, aprendizagem).

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