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Cadernos EBAPE.BR E-ISSN: 1679-3951 [email protected] Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas Brasil Penna Pieranti, Octavio; Rodrigues da Silva, Luiz Henrique A questão amazônica e a política de defesa nacional Cadernos EBAPE.BR, vol. 5, núm. 1, marzo, 2007, pp. 1-11 Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas Rio de Janeiro, Brasil Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=323228066013 Como citar este artigo Número completo Mais artigos Home da revista no Redalyc Sistema de Informação Científica Rede de Revistas Científicas da América Latina, Caribe , Espanha e Portugal Projeto acadêmico sem fins lucrativos desenvolvido no âmbito da iniciativa Acesso Aberto

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Cadernos EBAPE.BR

E-ISSN: 1679-3951

[email protected]

Escola Brasileira de Administração Pública e

de Empresas

Brasil

Penna Pieranti, Octavio; Rodrigues da Silva, Luiz Henrique

A questão amazônica e a política de defesa nacional

Cadernos EBAPE.BR, vol. 5, núm. 1, marzo, 2007, pp. 1-11

Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas

Rio de Janeiro, Brasil

Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=323228066013

Como citar este artigo

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Rede de Revistas Científicas da América Latina, Caribe , Espanha e Portugal

Projeto acadêmico sem fins lucrativos desenvolvido no âmbito da iniciativa Acesso Aberto

Cadernos EBAPE.BR

A questáo amazónica e a política de defesa nacional

Amazonia and National Defense Policy

Octavio Penna Picronti'LuizHenrique Rodrigues da Silva'

' ..... FGVEfIAIJE

Resumo

A prcscrvacáo da Amazánia é urna cuestiio crucial para a integridade territoria! do país que se torna ainda mais relevantenum cenário marcado pela oorcssáo 00 meio ambiente e pela escassez global de recursos naturais no miar do século XXI.

A política de meio ambiente, a estrutura para sua efetiva implcmcntocóo e o modelo de prcscrvacáo que o governo brasi­feiro vem adotanda para a regido tém recebido críticas em todos os países desenvolvidos, vindas de autoridades gover­namentais e da sodedade civil. O que se questiona é a inexisténcia de estrutura apropriada para a proter;60 da Amazániacomo um bem natural, e essas criticas séio preocupantes néio apenas por sua origem e alvo, mas também pelo seuconteúdo, pois sugerem moditicacocs que ferem a soberania e a integridade territorial do pais.

Com base numa pesquisa biblíográfica, este artigo procura discutir a forma de inserr;éio da questéio amazónica - e conse­qüentemente a política ambiental - no debate sobre a política de defesa nacíonal. Uma vez que os problemas dessa re­giéio envolvem aspectos pertinentes tanto apolítica de meio ambiente quanto ade defesa, o que se pretende aqui é discu­tir a necessidade de ador;éio de um modelo de prcscrvacáo do ecossistema da Amazónia que conte com moior apoio dasForcas Armadas.

Reformulada a partir da década de 1990, a política de defesa nacional tem procurado se adequar a uma drástica reducáode custos, sem que isso prejudique o desempenho de suas tuncács essenciais. Essa política se baseia, ainda, numa siste­mática de defesa mantida mesmo em tempos de paz - principalmente, em re/ar;éio agarantia da soberania nacional - edessa forma, está vinculada aproter;éio do territotio e dos recursos naturais brasileiros. Ao se discutir as implícar;6esquea política ambiental traz para a política de defesa nacional, o objetivo é abordar a defesa do meio ambiente no Brasil co­mo uma forma de resguardar a prápria soberania do pois.

Palavras-chave: Amazánia; defesa nacional; meio ambiente; políticas públicas.

Abstrae!

Preserving Amazonian region is essential to Brazílían territorial entirety. lt's more re/evant if we consider the present con­text ofaggression against the environment and globallack of natural resources.

The way Brazílían government deals with the environmental question - its environmental polícy, the structure establíshedtowards its effective implementation and the pattern of environmental preservation - has been críticízed in the deve/opedcountries by their governmental authorities and the civil socíety. Thelr concern is the lack of an appropriate structure toprotect the Amazonian region as a kind of natural resource by ítse/f. Ibis criticism is worrying because its content in­volves the sovereignty and territorial entirety of Brazil.

Ibis article is based on biblíographical research and it aims to discuss the Amazonian region (consequently the enviren­mental polícy) and its connection to the national defense polícy. Since the problems of this area involves aspects whichare concerned to the environmental polícyand to the defense polícy, this article aims to analyze the need to adopt a pat­tern for the preservation ofthe Amazonian ecosystem supported by the Armed Forces.

In the 1990s, the national defense polícy was reformed and since then the Brazílían government have tried to fit it to acost-cutting program without compromising its performance. Such polícy is also based on a defense strategy which hasbeen maintained even in the peace time (particularly concerning to the guarantee of national sovereignty) and it's re/ated

1 Douto rando em Admtníst racáo pela Escota Brasileira de Admtnístracáo Pública e de Empresas da Fundacáo Getulio Vargas (EBAPE/FGV). Mestre emAdmtnístracáo Pública - EBAPE/FGV. Enderece : Pra¡a de Botafoqo, 190 - 5' andar - Botafogo - Rio de Janeiro/RJ - Brasil - CEP 22250-900. E-Mail:[email protected]

2 Mestrando em Admtnístracáo Pública pela Escota Brasileira de Admtnístracáo Pública e de Empresas da Fundacáo Getulio Vargas (EBAPE/FGV). Endereco: Praiade Botafoqo, 190 - 5' andar. Botafogo - Rio de Janeiro/RJ - Brasil - CEP 22250-900. E-Mail: [email protected]

Artigo recebido em setembro de 2005 e aceito para pubtlcacáo em ma¡o de 2006

www.ebape.fgv.br/cadernosebape CADERNOS EBAPE. BR, v. 5, n° 1, rv1ar. 2007

A questáo amazónica e a polftlca de defesa nacional

Octavio Penna PierantiLuiz Henrique Rodrigues da Silva

to the securityofthe Brazilian territoryand its natura! resources. This article ana!yzes the re!ation between environmenta!policy and nationa! defense policy. From this point ofview this article aims to focus environmenta! protection in Brazi!asa way to guard the nationa! sovereignty.

Keywords: Amazánia; national defense; environment; publicpolicies.

lntroducño

Os números relativos a quesillo amazónica demonstram a sua complexidade. A Amazonia ocupa um territóriode 5 milhóes km-, o que eqnivale a 56% do território brasileiro. A floresta estende-se, ainda, por seis países, to­talizando urna área de 7 milhóes km-. No Brasil, seis estados, com cerca de 13 milhóes de habitantes e 10 milkm de fronteiras com outras nacóes, compóem a Amazónia. O tempo para o deslocamento nessas áreas é pro­porcional ao tamanho da floresta. De Manaus a Cruzeiro do Sul, extremo sudoeste do território brasileiro, porexemplo, é necessária urna viagem de aproximadamente 1.600km de aviño (mais de quatro horas de vóo) ou4.350 km de navio, totalizando 45 dias.

Riquezas minerais sao urna constante em todo o território amazónico. Do ouro ao petróleo, do manganés aodiamante, reservas de pelo menos 12 minerais diferentes estáo espalhadas pela área, mnitas das quais em terrasindígenas e pouco exploradas. No Brasil residem entre 320 e 350 mil índios, habitantes de cerca de 11,01 % doterritório nacional. Das terras indígenas, 83,72% estáo na regiao Norte, principalmente na floresta amazónica.Em Roraima, 57,27% de todo o território do estado é ocupado por índios, situacao geradora de conflitos.

A Amazonia vollou as páginas da imprensa internacional em maio de 2005. Dessa vez, a maior floresta domundo alcancou um recorde negativo. Em 2004, foram registrados 26.130km2 de desmatamento, 6% a maisque os 24.597km2 do ano anterior, evidenciando falhas na política ambiental. A taxa de desmatamento de 2004só perdeu para a de 1995, que fora de 29.059km2•

Nesse sentido, há o problema da prescrvacáo do ecossistema, ora tratado primordialmente como responsabili­dade do Ministério do Meio Ambiente. Existe a quesillo da dimensáo territorial, que dificulta a fiscalizacao efacilita a acáo de grupos organizados a margem da lei. O combate, nesse caso, é tido como funcáo das ForcasArmadas e das organizacoes policiais. Ha, ainda, a discussáo acerca das reservas minerais, concentradoras deriquezas mal exploradas. Por fim, entra em debate a questáo indígena, já que grande parte da floresta é legal­mente ocupada por tribos, havendo urna diminuicáo da possibilidade de acáo do Estado nesses locais.

Ainda que, numa primeira análise, seja possível identificar esses quatro problemas, eles nao podem ser comple­tamente dissociados, pois sao questócs interligadas, com implicacóes diversas e que merecem, portanto, a buscapor solucóes igualmente múltiplas, baseadas na capilaridade de organizacóes diferentes e em acóes conjuntas.

O que se pretende aqni é trabalhar alguns desses aspectos. Este artigo tem por objetivo discutir a forma de in­sercáo da questáo amazónica e, conseqüentemente, da política de meio ambiente no debate sobre a política dedefesa nacional. Visto que os problemas na regiao tém implicacóes para essas políticas, procura-se discutir anecessidade da adocáo de um modelo de prescrvacáo do ecossistema da Amazónia que conte com maior apoiodas Forcas Armadas nao só no aspecto logístico, mas também no ámbito operacional.

Para que fosse possível atingir esse objetivo, foi adotado o método histórico voltado para a pesqnisa em admi­nistracáo. O estilo narrativo faculta o uso de remissóes e digressoes, ainda que prevaleca seu caráter cronológi­co. Tal como encarado atualmente (CURADO, 2001), esse método congrega os cenários político, económico esocial como os campos a serem analisados. Quanto as fontes de informacáo, o método em questáo admite, alémdo conteúdo bibliográfico e documental, a utilizacáo de entrevistas e palestras, por vezes transcritas e encaradascomo essenciais em relacáo a determinado tópico.

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A questáo amazónica e a polftlca de defesa nacional

A floresta e as políticas para o seu desenvolvimento

Octavio Penna PierantiLuiz Henrique Rodrigues da Silva

No que se refere as suas características geográficas, a Amazonia é composta pela bacia do rio Amazouas, queabrauge parte do território de seis países," Brasil, Veuezuela, Colómbia, Peru, Equador e Bolívia. No Brasil, pe­la Lei u2 1.806, de 1953, com vistas a delimitacáo da regiao a ser cousiderada em projetos de deseuvolvimeuto,foi criada a Amazónia Legal, que compreeude toda a regiao Norte do país, o estado do Mato Grosso e a partedo estado do Maranháo a oeste do meridiauo 44°. Essa regiao tem, por um lado, 1,85 milhño de km" de áreadesmatada (37% da regiáo), mas, por outro, 1,75milhiio de km" (35%) reuuiudo, pelo meuos, 15 espécies de ár­vores difereutes. Em cerca de 500 mil km2 (10%) predomiua a espécie que origiua o moguo, euquanto a explo­racáo económica do restante da floresta é inviável, conforme dados do Miuistério do Meio Ambiente (2000).

Segundo Higuchi (1996), as florestas densas tém um papel importante na economia da regiáo, pois alimentam aindústria madeireira com espécies de grande valor comercial. O volume total de madeira na Amazónia é esti­mado em 50 bilhóes de rrr', dos quais apenas 10% podem ser utilizados comercialmente. O complicador quantoao seu uso pela indústria madeireira é a alta diversidade das espécies existentes, que faz com que apenas 1/6 de­las teuba o tamaubo míuimo exigido por aquela atividade económica. Entretanto, na floresta há urna grandequantidade de espécies náo-madeireiras de relevancia, como é o caso da castauba-do-pará e a seringueira, urnaimportante vertente económica do aproveitamento da biodiversidade da regiáo. O uso de muitas das espécies aíencontradas tem sido objeto de estudos com resultados siguificativos nas indústrias farmacéutica e de cosméti­cos. Além disso, a floresta apresenta grande potencial de producao energética, por meio de biomassa, óleo die­sel extraído de óleos vegetais combustíveis e hidroeletricidade ~ nao em seu sentido clássico, devido aos pro­blemas ambientais envolvidos, e sim com o uso de "usinas afio d'agua", que aproveitam o fluxo natural do rioem direcáo a sua foz.

Outra importante riqueza destacada por Vidigal (2002) é a água potável da regiáo, cuja conservacáo, segundo oautor, é considerada potencialmente um dos maiores problemas do século XXI. A degradacao ambiental temcontaminado as águas subterráneas e as superficiais, e é possível prever que em alguns anos, especialmente nasregióes mais desenvolvidas, surjam sérios problemas de escassez desse recurso. A regiao amazónica é o maiorreservatório de água doce do mundo por representar a quinta parte de toda a água superficial do planeta, excluí­das as reservas das calotas polares, cuja utilizacáo é urna possibilidade remota devido ao seu alto custo e pelaincerteza quanto as conseqüéncias negativas para o ecossistema.

Grande parte do desmatamento da floresta nativa é resultado de formas de uso do solo e do subsolo associadasa agropecuária extensiva, a mineracao (conseqüéncia das abundantes reservas minerais encontradas em toda aregiao, como as de ferro, ouro, manganés, zinco e bauxita) e as hidrelétricas de grande porte, que foram as prin­cipais atividades incentivadas como parte dos grandes projetos de desenvolvimento empreendidos na regiao(CASTRO, 2004; HIGUCHI, 1996; MOUTINHO; AZEVEDO-RAMOS, 2001).

O processo de fomento de políticas públicas para o desenvolvimento da regiao amazónica come90u, ainda nogoverno de Getulio Vargas, com a criacao da Superintendencia para a Valorizacao Económica da Amazonia(SPVEA), que mais tarde passaria a se chamar Superintendencia do Desenvolvimento da Amazonia (Sudam)(BECKER, 2001; CARVALHO, 2001). Seu principal projeto foi a construcáo da rodovia Belém-Brasília,concluída em 1960, já no governo Juscelino Kubitschek. Essa estrada e as rodovias Cuiabá-Porto Velho­Manaus e Brasília-Cuiabá-Santarém tornaram-se as grandes vias de ligacao entre a regiao Centro-Oeste e aAmazonia, criando um sistema multimodal (rodovia-hidrovia) de siguificado estratégico. Contudo, por nao te­rem sido associadas a projetos mais efetivos de colonizacáo, deram iuício a um processo migratório que condu­ziu a regiao cerca de 175.000 migrantes e permitiu a fixacao dessa populacao de forma desordenada e espontá­nea, conforme frisa Carvalho (2001).

A implernentacáo dos maiores projetos dedicados a essa regiao ocorreu durante os governos militares, como re­sultado da pcrcepcáo de que a Amazónia era um espa90 vazio, subutilizado e, portanto, urna brecha perigosa aviolacao da soberauia nacional. Isso despertava urna constante preocupacáo geopolítica, sem que fossem toma-

3 Essa listanao inclui a Guiana, o Suriname e a Guiana Francesa, porque, como lembra Vidigal (2002), esses trés países naofazem parteda bada do RioAmazonas.

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A questáo amazónica e a polftlca de defesa nacional

Octavio Penna PierantiLuiz Henrique Rodrigues da Silva

dos, ainda, cuidados freqüentes com possíveis prejuízos climáticos, com a conservacáo ambiental e a biodiver­sidade.

De acordo com Carvalbo (2001), em 1967, a Sudam concluiu o seu primeiro plano diretor de desenvolvimentopara a regiao, tomando por base a pecuária, a agricultura, a indústria e os servicos básicos (educacáo, transportee comunicacóes) como principais setores a serem incentivados. Destes, a pecuária foi o que mais se expandiu,beneficiada pelas linbas de crédito e pelos incentivos do mercado externo. Ainda durante o regime militar, fo­ram efetuados esforcos para criar a Zona Franca de Manaus, construir as já citadas estradas Cuiabá-Santarém ea Cuiabá-Porto Velbo, além de realizar o Projeto Jari (BECKER, 2001; CARVALHO, 2001).

Devido aos poucos resultados positivos obtidos até aquele momento, foram promovidas novas tentativas de de­senvolvimento, que iuicialmente visavam a urna distribuicño de assentamentos ao langa das rodovias. A medi­da, no entanto, nao surtiu o efeito esperado, o que levou o governo a descartar o modelo rural-urbano descentra­lizado, conforme assinala Carvalho (2001). Posteriormente, redirecionou-se a estratégia de desenvolvimento,baseando-a em projetos megalómanos e no apoio a grandes produtores. As realizacóes mais visíveis desse pe­ríodo foram a rodovia Transamazónica, a implementacao do Pólo Amazonia, as hidrelétricas de Tucuruí, Bal­bina e Samuel e o programa Grande Carajás.

Nao é errado caracterizar como política de Estado, durante o regime militar, a montagem de infra-estrutura que,ao menos em tese, possibilitasse o desenvolvimento da regiao. No contexto amazónico, este estava associadoprincipalmente a ocupacáo dos espa90s públicos e privados e ao forta1ecimento de setores produtivos diversos.

Conforme argumenta Carvalbo (2001), esse modelo de implementacao de políticas de desenvolvimento resul­tou em clientelismo que beneficiou alguns grupos locais em detrimento de muitos setores da sociedade civil daregiao. Durante o processo de transicao política para a democracia, num primeiro momento, foram poucas asalteracóes nos planos de desenvolvimento da Amazónia, que continuaram a ser implementados. °governo JoséSarney iuiciou seu projeto para a regiao com o anúncio do programa Calha Norte, que refletia as mesmas preo­cupacóes de iuiciativas anteriores.

Políticas de meio ambiente para a Amazonia

De acordo com Carvalbo (2001), ainda no governo Sarney, com acrescente insercáo de novos atores no cená­rio político - incluindo um emergente movimento ambiental, no Brasil e no exterior - houve, aos poucos, urnaaparente mudanca na postura governamental e no seu discurso sobre as questócs ambientais e o desenvolvi­mento da regiao amazónica. Essa pressáo motivou a criacao do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dosRecursos Naturais Renováveis (Ibama), do Conselbo Nacional do Meio Ambiente (Conama) e do programagovernamental Nossa Natureza, tentativas iuiciais de incorporacáo das preocupacócs ambientais no modelo dedesenvolvimento.

Durante os governos de Fernando Collor e de llamar Franco, continuou crescente a importáncia atribuída pelosdiscursos oficiais as questócs ambientais, mas prevaleceu a énfase nos temas relacionados a seguran9a e a pre­servacáo do território.

Em 1993, como reflexo da acáo dos novos atores e da consolidacño do debate em torno dessa temática (tam­bém no ámbito nacional e no internacional), foi criado o Miuistério do Meio Ambiente, Recursos Hídricos eAmazonia Legal e lancado o Programa Nacional do Meio Ambiente. Oficialmente, a questáo ambiental era, en­tao, vista da perspectiva de urna política de Estado, fato comprovado pela criacao de urna estrutura (um miuis­tério), ao menos em tese, voltada para esse fimo Espírito semelbante sobreviveu nos programas "Brasil emAcáo" e "Avanca Brasil" durante o governo Fernando Heurique Cardoso, que retomou, ainda, de acordo comCarvalbo (2001), os grandes investimentos em infra-estrutura na regiao amazónica, visando a insercáo do Bra­sil na economia global, por meio de saídas para o Atlántico, o Caribe e o Pacífico, com a utilizacao de corredo­res de exportacáo.

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Todos esses projetos colaboraram para a fixacáo de atividades direcionadas para os setores de mineracáo, ex­tracáo de madeira, pecnária e producáo de energia, mas nao snrtiram o efeito esperado, qne era a colonizacáoda regiao (CARVALHO, 2001; CASTRO, 2004). °Estado passon a ter a grande responsabilidade de se manterafrente do processo de desenvolvimento regional, para achar o ponto de eqnilíbrio entre benefícios económicose sociaís e cnstos ambientaís. Se, por nm lado, há o interesse em integrar a regiao aeconomia global, por ontro,é necessário ordenar o processo de uso dos recursos naturais e investi-lo da consciencia ambiental quanto a suautilizacao snstentáve1.

Um dos resnltados da política de desenvolvimento adotada foi a complexa teia de relacao de forcas qne se for­mon na regiao, com o anmento da pressáo e da competicao por recnrsos natnrais (CASTRO, 2004). Fica claro,pois, qne em torno das principaís atividades económicas qne se estabeleceram na Amazonia - pecnária, agri­cnltnra, extrativismo vegetal e mineracao - snrgiram grnpos mnito fortes de prodntores, qne esperam manterdiscreta a presen9a do Estado para qne nao se altere o status qua. De ontro lado, militam os grnpos de ambien­talístas e prodntores interessados em desenvolver meios de explorar a natnreza de forma snstentáve1. Exístem,ainda, os grnpos defensores dos interesses dos índios (e dos qne associam sens interesses pessoais aos dos ín­dios), qne lntam pela criacao de reservas indígenas, mnitas vezes, em áreas problemáticas asegnran9a nacional,como é o caso das regi5es de fronteira, ou daquelas muito ricas em reservas minerais.

Nao bastassem esses interesses tornando o cenário mais complexo, deve-se levar em conta ainda os interessesinternacionaís qnanto ao direito de explorar as já referidas riqnezas da regiao, bem como as pressócs de narco­traficantes, contrabandistas e gnerrilheiros de ontros países, desejosos por manter o Estado ansente da regiao.

Conforme declaron a ministra Marina Silva em entrevista (PIMENTA, 2003), foi primordialmente com a dis­posicao de condnzir o desenvolvimento da Amazonia Legal e de integrá-la ao restante do Brasil qne o Ministé­rio do Meio Ambiente (MMA) do governo Lnla inicion sens trabalhos em 2003. A Agenda 21 brasileira - se­gnndo informacóes do site do MMA (BRASIL, 200Sb), base da linha de atuacáo do atnal ministério - é nmplano de acáo resnltante dos compromissos assnmidos pelo Brasil com a Agenda 21 global e com maís qnatroacordos (Declaracao do Río, Declaracao de Principios sobre o Uso das Florestas, Convencáo sobre a Diversi­dade Biológica e Convencáo sobre Mudancas Climáticas). Todos esses acordos foram firmados, de formaconsensnal, com a contribuicáo de governos e instituicóes de 179 países, nnm processo qne cnlminon com aConferencia das Nacóes Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Cnnmad), no Río de Janeiro, em1992, também conhecida por Río 92.

A Agenda 21 brasileira tradnz em acóes os conceitos de desenvolvimento snstentável, propondo nma mudancasensível na matriz de desenvolvimento ntilizada até o momento no país. Foi elaborada com base nnma análiseda situacáo atnal do Brasil e no resnltado de nm planejamento participativo para o desenvolvimento, tendo co­mo eixo central a snstentabilídade, na bnsca da compatibilizacao entre a conservacáo ambiental, a justica sociale o crescimento económico. Sna importáncia como instrnmento orientador das acóes do MMA fez com qnefosse elevada acondicao de programa plnriannal no Plano Plnriannal (PPA 2004-07), o qne demonstra a inten­cáo do governo federal de direcionar-lhe recnrsos dnrante todo o período em qne vigorar o plano.

De acordo com Nogneira (2005), nma das grandes críticas enfrentadas pelo MMA é a de qne essa forma deplanejamento tenha transformado a acáo estatal em errática e nnm entrave ao desenvolvimento. Isso se deveriaafalta de recnrsos qne marcon a exccucáo da política de meio ambiente, e qne nao teria permitido a condueñodas acóes qne visavam ao desenvolvimento snstentável da regiao amazónica, restando apenas a énfase na opo­sicao a acóes qne representassem risco potencial ao meio ambiente. Conforme argnmenta o geógrafo Ab' Sáberem entrevista (NUNOMURA, 2005), a política para a Amazonia sofreria com a ausencia de nm combate efeti­vo ao desmatamento e nao levaria a nma presen9a efetiva do Estado na regiáo, a fim de eqnilibrar as relacóesde torca já comentadas anteriormente. Em contrapartida, estaria permitindo acrescente presen9a de organiza­cóes nao-govemamentais na regiao em substituicáo ao Estado - atitnde providencial nnm primeiro momento-,mas qne anmenta o distanciamento entre a Amazonia Legal e o restante do país.

Conforme noticia encontrada no site do MMA (BRASIL, 200Sa), os defensores da atnal política, entretanto, ar­gnmentam qne o Ministério do Meio Ambiente sempre expós a necessidade de envolver ontros ministérios e as

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A questáo amazónica e a polftlca de defesa nacional

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diferentes esferas do Poder Executivo, além de outros poderes, no desenvolvimento de acóes como as supraci­tadas. As acóes transversais (adaptacao da estrutura matricial de organizacao as políticas públicas), que desde acriacao do MMA marcaram os seus discursos, permitiriam combinar suas acóes com as de outros órgaos dota­dos de mais recursos e pessoal, levando em conta a disponibilidade e as características de cada um e respeitan­do suas limitacóes sob diversos aspectos. Como exemplo, podem ser citados o patrulhamento contra o desma­tamento na regiao de floresta com o uso de helicópteros do Exército (fruto de convenio entre os ministérios daDefesa e do Meio Ambiente), a participacao de homens do Ibama e da Polícia Federal e as infonnacóes prove­nientes do sistema de monitoramento da regiao por satélite.

A Amazonia e a Política de Defesa Nacional

Como ressaltado anteriormente, a regiao amazónica apresenta incontáveis riquezas. A biodiversidade local, osolo e o subsolo, o potencial energético, o cquilíbrio climático e a fonte imprescindível de água potável quepossni formam um complexo potencial económico de difícil administracáo e protecáo. Suas distáncias conti­nentais delimitam urna regiao de vegetacáo extremamente variada em que predominam as florestas altas e den­sas, entrecortadas por rios de diferentes características e de cursos com grande variabilidade, principalmente, noperíodo das vazantes.

Suas fronteiras extensas representam urna amea9a aos habitantes dessa regiao e urna grande porta a todo o tipode entrantes ilegais, como guerrilheiros, contrabandistas, narcotraficantes e exploradores ilegais de riquezas.Incontáveis rios permitem o acesso e o transito por seus cursos. As florestas densas e de copas altas dificultamas comunicacóes, o monitoramento aéreo e por satélite, o deslocamento e o apoio logístico na regiao. Sua bio­diversidade traz também a possibilidade de se contrair doencas até entáo desconhecidas, por diferentes vetores,aumentando as necessidades logísticas na área de saúde. Todos esses fatores sao complicadores para a defesada regiao, além da diversidade de ambientes que exige um grande preparo das Forcas Armadas, pois os méto­dos de combate devem ser adaptados a cada tipo de cenário. Nesse sentido, deve ser observado que a coopera­cáo da populacao local torna-se urna vantagem em ambiente tao inóspito.

A mesma natureza que se mostra rica pela sua diversidade traz as maiores amea9as a soberania nacional na re­giao. Suspeita recorrente entre membros das Forcas Armadas (PAIVA, 2005) é a cobica de outras nacóes pelaAmazonia, que almejariam a sua internacionalizacáo. Os possíveis pretextos para essa internacionalizacao se­riam o problema ambiental, o dos direitos humanos (que englobam as questócs referentes as reservas indígenas)e a acáo do narcotráfico e do crime organizado. Nessa linha de raciocinio, levando em conta as mnitas justifica­tivas possíveis, cabe ao Estado brasileiro provar sua competencia para gerenciar a regiao, nao permitindo queesses problemas ocorram ou mantendo-os numa escala bem reduzida. Em outras palavras, isso deve fazer partedas políticas governamentais, como por exemplo a Política de Defesa Nacional de 1996, que tem a protecáo daAmazonia brasileira, com o apoio de toda a sociedade e a valorizacao da presen9a militar, como urna de suasprincipais diretrizes.

O Tratado de Cooperacao Amazónica (ou Pacto Amazónico) foi urna tentativa de se considerar as questóes re­ferentes aquela regiao de acordo com urna perspectiva internacional. Por meio desse tratado, firmado em 1978,entre Brasil, Bolívia, Colómbia, Equador, Gniana, Peru, Suriname e Venezuela, os países membros procurarampromover urna acáo coordenada pelo desenvolvimento local. O que se pretendia com tal iniciativa era impedirqualquer tentativa de controle internacional sobre aquela área, partindo do pressuposto de que regionalizando asolucao dos problemas, os países signatários estariam resguardando sua capacidade de decisáo sobre a Amazó­nia continental.

Atualmente, a acáo das Forcas Armadas brasileiras na garantia da soberania na regiao está muito vinculada aoproblema do narcotráfico e do crime organizado, e poderá ter um grande aliado no Sipam-Sivam, primeirocomplexo operacional de seguran9a da Amazonia, que enfatiza a atividade de inteligencia e a coordenacáo detodas as agencias que ali operam. Trata-se de urna tentativa de mobilizar a sociedade na defesa da regiao, com avalorizacao da presen9a militar, aprimorando a defesa das fronteiras, das águas jurisdicionais, da plataformacontinental e do espa90 aéreo brasileiro, bem como dos tráfegos marítimo e aéreo (LESSA, 2003; VIDIGAL,2002; VIZENTINI, 2003).

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A questáo amazónica e a polftlca de defesa nacional

Octavio Penna PierantiLuiz Henrique Rodrigues da Silva

Segundo Paiva (2005), promovida urna rcestruturacáo do Comando Militar da Amazonia, o Exército mantémna regiao cinco brigadas de infantaria de selva (com 3.000 a 5.000 homens) e 23 pelotóes de fronteira (cada umcom 70 homens), com distancia média de 500km, totalizando um efetivo de 22.000 homens em 2004. Ainda deacordo com Paiva (2005), o número ainda é inferior ao necessário, pois, como já foi dito, as dimensóes daAmazonia Legal eqnivalem a cerca de 60% da área total do país. O Exército brasileiro tem agido para reforcar adefesa na área, passando de um efetivo, em 1950, de 1.000 homens na regiáo, para 22.000 em 2004 e esperandochegar a 25.000 nos anos segnintes.

Relacñes entre as políticas de Defesa Nacional e do Meio Ambiente

O interesse das Forcas Armadas pela Amazonia, tal como exposto, decorre da aparente vulnerabilidade da re­giáo ante a amea9a externa, caracterizada, em primeiro plano, pela acáo de grupos de exploracao e contraven­cáo nao necessariamente apoiados pelos governos das nacóes de onde se originam. Nesse sentido, dirigir o 01­har para a floresta é voltar-se para a quesillo da soberania nacional, já que se trata de território brasileiro e, por­tanto, regido pelo mananciallegal em vigencia no país. A entrada de estrangeiros que visem a prática de cri­mes, tais como o tráfico de armas, o narcotráfico internacional e a exploracao ilegal de riquezas minerais, deveser repelida pelos militares, responsáveis, segundo a Lei Complementar nº 69 de 1991 e suas alteracoes, pelagarantia da lei e da ordem, acionados pelo presidente da República, num esforco que ultrapassa os limites daacáo policial.

Já os interessados na causa ambiental preocupam-se, por outro lado, com a prescrvacáo do ecossistema local­preocupacáo que aumenta pela dimensño e importancia da floresta amazónica, tanto no ámbito nacional quantono internacional. Nesse caso, a prescrvacáo da Amazonia remete a prescrvacáo da fauna, da flora e de seusecossistemas, a exploracao legal e ao desenvolvimento local sustentável, de forma que a floresta propicie aosseus habitantes subsistencia e recursos sem prejuízos consideráveis ao meio ambiente.

Nesse sentido, a Amazonia, nao é somente urna área de interesse de militares e de militantes da causa ambien­tal, mas também é urna prioridade para, pelo menos, dois ministérios: o da Defesa e o do Meio Ambiente. Ain­da que as justificativas para esse interesse nao sejam as mesmas, o objeto de interesse o é, possibilitando urnadiscussáo acerca da busca de solucóes conjuntas capazes de concatenar e integrar os campos de acáo dos doisatores ora em questáo.

É nesse ponto que os objetivos de desenvolvimento sustentável do MMA se tornam compatíveis com a defesanacional e passam a colaborar com a missáo das Forcas Armadas de defender a soberania nacional, urna vezque, se atingidos, fortaleceriam a protecáo do meio ambiente e a garantia dos direitos humanos, além de permi­tir o surgimento de urna sociedade civil forte na regiao. Essa mudanca no cenário seria um incentivo as ForcasArmadas na sua acáo nas fronteiras, que passariam a contar com o apoio da sociedade civil, possibilitando que,desse modo, fossem enfrentadas as questócs relacionadas ao narcotráfico e ao crime organizado de forma maiseficaz, afastando, assim, pretextos para urna possível proposta de internacionalizacao da Amazonia.

Contudo, deve ser observado que os interesses diversos de ministérios e atores ligados ao governo federal naregiao nao significam, de fato, snficiente presen9a física de setores da administracáo pública na Amazonia. Aocupacáo da floresta, como já foi dito, é dificultada por sua própria dimensáo, nao havendo um controle total daregiao, seja pelas tropas ali sediadas, seja pelas outras instituicóes ligadas ao poder público, como é o caso doIbama e da Polícia Federal.

Ainda que na Amazonia a presen9a física de atores da administracáo pública seja insnficiente, existem, desdeanos antes da implantacáo do Projeto Calha Norte e do Sivam, mecanismos para a ampliacao da capilaridade dogoverno federal na regiao. A lei nº 6.301 de 1975 criou a Empresa Brasileira de Radiodifusáo (Radiobrás), quedeveria, entre outras funcóes, reunir emissoras de rádio e de televisáo do governo federal e produzir programa­cáo educativa e de entretenimento. Em um primeiro momento, a nova empresa passou a concentrar emissorasanteriormente vinculadas aos ministérios das Comunicacóes, da Educacao e Cultura, da Agricultura e do Tra­balho. Como frisou durante urna conferencia o entáo ministro das Comunicacóes Euclides Quandt de Oliveira(1978), a atribuicao prioritaria da Radiobrás era atender a Amazonia Legal. Assim, a empresa inseria-se na ló-

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gica dos quatro objetivos permaueutes buscados pelo miuistério desde sua criacao em 1967 (MATTOS, 1984):integracao uacioual, deseuvolvimeuto uacioual, segurau9a uacioual e difusáo da informacño, educacáo e cultu­ra.

Em 1984, o entáo miuistro Haroldo Correa de Maltos (1984, p.93), ressaltou, também uuma conferencia, a im­portáncia da empresa para a Amazonia Legal:

{...} o papel mais importante desempenhado pela empresa é a programacdo para a Amazonia. Em tomcoloquial, mantendo permanente diálogo com os ouvintes - a rádio cumpre o relevante papel educa­cional e social. Temas agrícolas, de medicina, de higiene, de preservacdo ecológica sao diariamentelevados ao ar com grande aceitacdo.

Naquele auo, de Mato Grosso a Roraima e do Maranhño ao Acre, a Radiobrás reuuia 27 emissoras, retrausmis­soras e repetidoras de televisáo e de rádio em freqüéncia modulada (FM), oudas médias (OM) e tropicais (OT).Passados mais de 20 auos, em 2005, a empresa mautiuba a Rádio Nacioual da Amazónia em oudas curtas (OC)e médias, além do maior complexo de auteuas e de trausmissores de rádio em OM e OC da América Latiua, se­diado em Brasilia. Isso permitia urna difusáo mais eficieute dos siuais das emissoras perteuceutes a empresa.Também uo ámbito das comunicacóes, a possibilidade de acáo estraugeira ua Amazonia é graude, já que a pro­gramacáo de emissoras de outros países é igualmeute captada pelos habitautes da regiáo. Essas emissoras apos­tam em sua proximidade da frouteira para compeusar sua baixa potencia.

Cousiderada a existencia de estrutura que amplia a capilaridade do govemo federal ua regiao, é uecessário dis­cutir a acáo do Estado e a melhor utilizacáo dos mecauismos dispouíveis. Ao discutir a gestáo de programas so­ciais, Cuuba e Cavalcauti (1991, p.8) apoutam a importáncia da integracáo eutre setores, com base ua premissade existencia de coutato eutre as políticas públicas e diversas áreas do coubecimeuto:

Os grandes problemas sociais com que se defrontam as nariies latino-americanas (agravados porJa­tores como: dimensáo territorial, diversidade e contrastes regionais) transcendem o campo da espe­cializacáo ou da compartimentaliracdo específica num só ministério ou organizacdo, inserindo-se nosdominios da interdisciplinaridade e da arao interinstitucional.

Os autores propóem, para urna melhor resolucáo dos problemas imbricados, urna estrutura desceutralizada, ba­seada em adaptacóes quauto ao papel das organizacóes governamentais e uum aumeuto do uúmero de atoresiustituciouais euvolvidos. Coufigura-se, portauto, a proposicao de adocáo de modelos de rede como estruturapara a gestáo de programas sociais, marcada por elos depeudeutes e com múltiplos atores ua cadeia operacio­ual.

Dada a complexidade do problema e seu caráter iutersetorial, a questáo amazónica pode ser discutida seguudopremissa semelhaute. Desse forma, priucipalmeute os miuistérios da Defesa e do Meio Ambieute e as estruturasa eles ligadas se relaciouariam de forma desceutralizada, amparados por urna coalizáo de torcas e por urna am­pliacao do uúmero de atores euvolvidos uo processo. A estrutura em rede permitiria urna maior preseu9a do Es­tado ua regiao, justameute o objetivo priucipal da acáo, o que tornaría uecessária urna colaboracáo mais amplaeutre os miuistérios abordados.

Em relacao ao convenio firmado eutre os miuistérios da Defesa e do Meio Ambieute, a miuistra Mariua Silvachegou a elogiar, em eutrevista, os resultados alcancados e a ecouomia que a parceria represeutava para a suapasta (CONCEI<;:Ao, 2004). O trabalho coujuuto eutre órgaos distiutos, uotadameute eutre os miuistérios cita­dos, aumeuta, em tese, a possibilidade de acáo por parte do Estado ua regiao e amplia a chauce de que sejam al­caneados os objetivos em questáo.

A acáo estatal, eutretauto, eufreuta obstáculos devido as peculiaridades da regiao amazónica. Nao bastassem adimensáo territorial e a precária iufra-estrutura logística, partes da floresta térn seu acesso dificultado, fato queocorre também em reservas indígenas. O artigo 231 da Constituicao Federal garante aos índios a manutencáode sua organizacao social, hábitos culturais e terras. Nesse último caso, sao transformadas em reservas as terrastradicionalmente habitadas pelos índios, com o usufruto do solo exclusivamente deles. Em caso de interesse pe-

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la exploracao de recursos hídricos, minerais e energéticos das regióes por parte do poder público, as comnnida­des indígenas térn qne ser onvidas e sao beneficiárias dos lncros advindos daqnela atividade. As terras indíge­nas sao ainda inalienáveis e indisponíveis, e as comunidades nelas residentes só podem ser removidas comaprovacáo do Congresso Nacional, por períodos determinados e em casos específicos, nos qnais haja claro riscopara a populacao on para a soberania nacional. Em estados como Roraima, onde mais da metade das terras dis­poníveis é ocnpada por índios, cria-se nma tensáo extra, na medida em qne diminni a possibilidade de aquisicáoe de utilizacáo de propriedades agrícolas.

De acordo com Paiva (2005), a questáo indígena apresenta nm agravante. Trata-se de nm tema fnndamental­mente associado a questáo da soberania nacional, haja vista qne é difícil a fiscalizacao das reservas, devido aosdireitos constitncionais qne os indígenas térn sobre elas. Nao é rara a presen9a de organismos internacionaisnessas terras sem qne haja nm controle eficiente do Estado brasileiro sobre as atividades lá desenvolvidas. Vi­digal (2002, p.95), por exemplo, qnalifica a política de distribuicáo de terras indígenas como inviável e "um dosmaiores eqnívocos de nossa história", realcando sna vnlnerabilidade estratégica, reflexo do estabelecimento dereservas onde a presen9a do Estado é restringida por determinacao legal.

Consideracñes finais

A regiao amazónica brasileira nltrapassa a capacidade administrativa de qnalqner instáncia de governo - mnni­cipal, estadnal on mesmo federal - qne se proponha a geri -la de forma isolada, sem a participacao da sociedadee das ontras instituicóes estatais. A Amazonia representa nm grande desafio por snas riqnezas potenciais, snaextensáo, fronteiras, interesses internacionais envolvidos e pelas relacóes de forca aí constitnídas.

Para a concretizacao de sens objetivos, as políticas de defesa nacional e de meio ambiente esbarram na difi­cnldade qne os atores ligados ao Estado térn de acesso a área a ser fiscalizada. As grandes distáncias, a precáriainfra-estrntura e as restricócs territoriais - particnlarmente, qnanto as reservas indígenas - tornam-se, ao mes­mo tempo, obstácnlos a serem nltrapassados pelo Estado e brechas facilitadoras para a acáo de agentes externose grnpos criminosos, principalmente, em acóes qne envolvem o narcotráfico, o tráfico de armas e a exploracaoilícita de recursos minerais e vegetais.

o combate a essas práticas reqner, por parte dos atores ligados ao Estado, nm dinamismo qne compense as de­ficiencias impostas pela geografia da própria floresta. Dado o gran elevado de incerteza, estes nao devem se es­trnturar de forma estanqne e excessivamente departamentalizada. É necessária, ainda, nma análise da utilizacaopelo poder público dos mecanismos e recursos ora disponíveis, como o sistema de emissoras de rádio e de tele­visáo mantido pela Radiobrás.

Nesse sentido, a gestáo integrada entre os ministérios da Defesa, do Meio Ambiente e de ontros atores ligados aadministracáo pública, com foco nnma abrangente política voltada para a regiáo, coloca-se como nma solucáopossível e potencialmente mais eficiente. Um modelo menos hierarqnizado e mais dinámico, apostando em es­trnturas flexíveis, interdependentes e com poder de decisño é alternativa a ser considerada, implicando previsí­vel reducáo das deficiencias operacionais e desvantagens daí decorrentes no combate pelo Estado de ilícitospraticados na área.

o sistema de comunicacóes implantado pelo governo federal desde a década de 1970 configura-se como ins­trnmento potencial para o anmento da presen9a do Estado na Amazonia e, conseqüentemente, para nma maioreficiencia das políticas ora em prática. Se bem ntilizado, esse sistema, gra9as ao alcance dos meios de comnni­cacao (notadamente do rádio) na sociedade, anmentaria a capilaridade da acáo governamental naqnela área, se­ja pela difusño das medidas já postas em prática, seja pelo canal aberto para a transrnissao direta de mensagenspara a populacao de forma qnase instantánea e com grande alcance. Por esse meio também se pode estimnlar odesenvolvimento, aliado a política governamental específica para essa regiáo, contribnindo assim para nmamaior ocupacáo e conseqüente reducao de espa90s para a acáo de grnpos criminosos.

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Cabe ressaltar que o deseuvolvimeuto dessa regiao é urna quesillo estratégica. Trata-se de teutativa de miuoraras carencias da populacao, carencias que refletem desigualdades sociais de décadas. Assim, o deseuvolvimeutoregioual coustituiria um obstáculo a prática de ilícitos.

A preseu9a física de atores ligados ao Estado ua regiao, uo eutauto, é fuudameutal, mesmo com a utilizacao dosistema de comunicacóes. Nesse seutido, é preciso ampliar ua Amazonia o coutiugeute de profissiouais perteu­ceutes as diversas instituicóes estatais, bem como é impresciudível o iuvestimeuto em iufra-estrutura e logísti­ca, úuica forma de dar a esses atores a mobilidade e os recursos uecessários ao combate de atos ilícitos. Portau­to, devem se aliar os meios tradiciouais de fiscalizacao e coercáo (como as acóes do Ibama e das Forcas Arma­das) com iustrumeutos de vigiláncia a distáncia, capazes de permitir a aproximacao eutre sociedade e Estado, aexemplo do sistema de comunicacóes mautido pela Radiobrás e do projeto Sivam.

Em um momeuto seguiute, quaudo a gestáo iutegrada se firmar como urna realidade, deve-se refletir a respeitoda viabilidade da criacáo, manutencáo e operacáo de urna forca coujuuta respousável pela protecáo ao meioambieute e pelo combate a atos de violacáo a soberauia uacioual ua Amazónia, atividade similar, de acordocom Xavier (1994), a desempeubada pela Mariuba brasileira ua protecáo a zoua costeira do país. Caso fosseimplemeutado com sucesso, esse modelo poderia ampliar cousideravelmeute a preseu9a do Estado ua regiao,bem como sua capacidade de fiscalizacáo e promocáo do deseuvolvimeuto local.

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