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MARIANA BERNARDO NUNES
SHINTŌ RITUAIS E PURIFICACcedilAtildeO
O INDIVIacuteDUO NO CICLO DE DESORDEM E ORDEM
Orientador Profordm Doutor Joseacute Manuel Brissos Lino
Co-Orientador Profordm Antoacutenio ER Faria
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias
Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo
Departamento de Ciecircncia Poliacutetica Seguranccedila e Relaccedilotildees Internacionais
Lisboa
2018
Dissertaccedilatildeo defendida em provas puacuteblicas para obtenccedilatildeo do
Grau de Mestre em Ciecircncia das Religiotildees no Curso de
Mestrado em Ciecircncia das Religiotildees conferido pela
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias no dia
4 de Junho de 2018 com o despacho reitoral nordm 1082018 de
27 de Marccedilo de 2018 mediante a seguinte composiccedilatildeo de
juacuteri
Presidente
Profordm Doutor Joatildeo Almeida dos Santos
Arguente
Profordm Doutor Antoacutenio Eduardo Hawthorne Barrento
(Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa)
Orientador
Profordm Doutor Manuel Brissos-Lino
MARIANA BERNARDO NUNES
SHINTŌ RITUAIS E PURIFICACcedilAtildeO
O INDIVIacuteDUO NO CICLO DE DESORDEM E ORDEM
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias
Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo
Departamento de Ciecircncia Poliacutetica Seguranccedila e Relaccedilotildees Internacionais
Lisboa
2018
DEDICATOacuteRIA
A toda a minha famiacutelia para que conheccedilam um pouco da cultura japonesa
Aos professores da minha Licenciatura em Estudos Asiaacuteticos os responsaacuteveis pelo primeiro
contacto com a realidade asiaacutetica
Aos professores de Mestrado em Ciecircncia das Religiotildees a quem lhes devo o aprofundamento
do estudo de lsquocosmovisotildeesrsquo
AGRADECIMENTOS
Aos meus pais pelo seu apoio no decorrer deste projeto
Ao Professor Antoacutenio Faria pelo tempo simpatia e disponibilidade prestados
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 1
RESUMO
O presente trabalho procura analisar os rituais que no contexto de shintō
inviabilizam e favorecem a restauraccedilatildeo da Ordem Os rituais por norma portadores de uma
conotaccedilatildeo ldquopositivardquo podem alternativamente ser entendidos como uma sucessatildeo de
pensamentos palavras e accedilotildees justificando a classificaccedilatildeo em positivonegativo consoante os
resultados obtidos
No Japatildeo a gradual institucionalizaccedilatildeo da Via dos kami (shintō) por parte da corte
imperial favoreceu a evoluccedilatildeo de praacuteticas ldquorituaisrdquo executadas por indiviacuteduos que celebravam
a sua relaccedilatildeo com os kami formas de existecircncia e consciecircncia associadas agrave Ordem (na sua
grande maioria) e veneradas ateacute aos dias de hoje
Criado para o bem de quem o segue o shintō reconhece a purificaccedilatildeo como a
preocupaccedilatildeo transversal de todas as suas vertentes Com efeito a purificaccedilatildeo eacute um complexo
processo cujos efeitos natildeo satildeo apenas positivos para o indiviacuteduo mas tambeacutem para o coletivo
isto eacute a sociedade com a qual interage diariamente conduzindo-o agrave Ordem
Contudo natildeo haacute Ordem sem o seu oposto a Ordem e a Desordem satildeo as duas partes
de um ciclo no qual o indiviacuteduo se encontra assumindo um papel fundamental dado que tem
a capacidade de executar rituais se a Ordem eacute a meta dos rituais positivos a Desordem eacute a
consequecircncia dos rituais negativos
Palavras-chave Japatildeo shintō (神道) rituais purificaccedilatildeo (jōka浄化) indiviacuteduo
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 2
ABSTRACT
The following work aims for an analysis of the rituals that in the context of shintō
may invalidate and encourage the restauration of the Order The rituals typically defined by
bearing a ldquopositiverdquo connotation may alternatively be understood as a succession of thought
words and actions which justifies the lsquopositivenegativersquo classification according to the
obtained results
In Japan the gradual institutionalization of the Way of the kami by the imperial court
promoted the evolution of several ldquoritualrdquo practices executed by individuals that celebrated
their relationship with the kami forms of existence and conscience associated to the Order
(the most part of them) and worshiped to the present time
A Way created for the wellbeing of the one who follows it the shintō acknowledges
the purification as the transversal concern of all of its aspects Therefore the purification is a
complex process whose results are not just positive for the individual but also for the
collective meaning the society with whom he interacts on a daily basis which leads him to
the Order Nevertheless there is no Order without its opposite the Order and the Disorder
are the two parts of a cycle in which the individual is found assuming a vital role due to the
fact he has the capacity of executing rituals if the Order is the goal of positive rituals the
Disorder is the consequence of negative rituals
Keywords Japan shintō (神道) rituals purification (jōka浄化) individual
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IacuteNDICE GERAL
GLOSSAacuteRIO 5
INTRODUCcedilAtildeO 9
1 DO PASSADO AO PRESENTE SHINTŌ UMA ldquoRELIGIAtildeOrdquo JAPONESA 16
11 Shintō e kami perceccedilotildees japonesas do lsquosagradorsquo e do lsquodivinorsquo 19
111 O papel de kami na cosmologia japonesa do processo de divisatildeo da
realidade agrave criaccedilatildeo da mesma 24
112 Depois da criaccedilatildeo kami como agentes da Ordem e da Desordemhellip 26
12 Shintō como processo interaccedilotildees com outras ideias vindas de fora 32
121 Via de Confuacutecio dinamizando a eacutetica japonesa 32
122 Via do Dao cultivando a relaccedilatildeo entre o governo japonecircs e o culto aos
kami 35
123 Via do Buda concoacuterdia e discoacuterdia entre praacuteticas shinbutsu 39
13 Shintō no periacuteodo moderno antes e depois de 1945 43
131 A visatildeo nacionalista Meiji uma lsquonatildeo-religiatildeorsquo ao serviccedilo do Estado
japonecircs 44
132 Divulgaccedilatildeo de um legado cultural e histoacuterico shintō a mais popular
religiatildeo japonesa 46
2 SOCIEDADE ESPIRITUALIDADE E EacuteTICA A VIA DOS KAMI E O REGRESSO
Agrave Ordem 48
21 A relaccedilatildeo entre kami e humanos uma resposta a preocupaccedilotildees coletivas e
individuais 48
22 Aleacutem do plano fiacutesico musubi rei e tamashii 50
23 Mal como causa e efeito da Desordem tsumi kegare e imi 53
24 O bem como agente da Ordem rituais de purificaccedilatildeo interna e
externa 79
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CONCLUSAtildeO 97
BIBLIOGRAFIA 101
ANEXOS I
Anexo I I
Anexo II II
Anexo III III
Anexo IV IV
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GLOSSAacuteRIO
Amatsu-no-kami literalmente lsquokami celestesrsquo satildeo um grupo de kami liderados por
Amaterasu Ōmikami e que habitam em Takamagahara (高天原) Nesta divisatildeo encontram-se
ainda os hermafroditas koto-amatsukami (別天つ神)
Fujō termo geneacuterico para designar o que eacute lsquoimpurorsquo aos olhos da sociedade japonesa Por
vezes sinoacutenimo de fuketsu se bem que esta palavra seja usada no contexto de algo
higienicamente reprovaacutevel Num sentido mais amplo fujō representa um estado de Desordem
associando-se com o termo kegare
HaraiHarae atos de lsquopurificaccedilatildeorsquo no sentido de eliminaccedilatildeo da desordem provocada pela
accedilatildeo humana ou natural Haraiharae eacute uma das praacuteticas mais recorrentes das vaacuterias vertentes
de shintō e pode ser praticada de forma individual ou coletiva
Imi palavra de conotaccedilatildeo prejudicial que convida agrave Desordem Comportamento ou algo cuja
natureza eacute negativa e reprovaacutevel de dizerfazer servindo de base etimoloacutegica ao ceacutelebre termo
imikotoba palavras natildeo pronunciaacuteveis em certas ocasiotildees (festivas)
Imuimi lido alternativamente como sai eacute uma conduta positiva e favoraacutevel ao cumprimento
de rituais shintō Frequentemente interpretado como atos de lsquoabstenccedilatildeorsquo fiacutesica e mental
imuimi seriam descritos e categorizados nas obras Yōrō-ryō e Engishiki
Jingikan um instrumento do poder poliacutetico imperial e o oacutergatildeo de manutenccedilatildeo e vigilacircncia
dos vaacuterios jinja desde os primeiros seacuteculos do periacuteodo dinaacutestico japonecircs A niacutevel legal o culto
jingi sujeitava-se agraves regulaccedilotildees do coacutedigo Jingiryō Nos dias de hoje as funccedilotildees do Jingikan
foram essencialmente substituiacutedas pela Jinja Honchō
Jinja espaccedilos fiacutesicos de veneraccedilatildeo aos kami Literalmente os ldquosantuaacuterios de kamirdquo
Kami com frequecircncia traduzido em obras por lsquodeusesrsquo lsquoentidadesrsquo lsquodivindadesrsquo e lsquoespiacuteritosrsquo
podem ser entendidos como formas de existecircncia anteriores e superiores os humanos Apesar
de a maioria atuar como representantes da Ordem os magatsubi-no-kami defendem o seu
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oposto reforccedilando a ideia de princiacutepios contraacuterios mas complementares muito visiacutevel em
shintō
Kata-shiro um pedaccedilo de papel cuja forma lembra uma figura humana o qual se escreveria o
nome e o geacutenero do seu portador esfregando-se este objeto no corpo transmitindo
simbolicamente os tsumi do corpo para o papel Praacutetica costumaacuteria em Ōharae
Kegare traduzido por lsquoimpurezarsquo e por vezes sinoacutenimo da palavra fujō kegare eacute parte da
terminologia de shintō e um dos termos conotados com a Desordem Eventualmente avanccedilos
na consciencializaccedilatildeo do lsquopuroimpurorsquo permitiram um processo de categorizaccedilatildeo cada uma
associada a uma lsquoimpurezarsquo particular
Kokoro lsquocoraccedilatildeorsquo no sentido natildeo anatoacutemico eacute o elemento interior de qualquer pessoa e
associado ao estado emocional da mesma Em contexto acadeacutemico eacute costume o termo ser
traduzido como lsquomentersquo ou lsquocoraccedilatildeomentersquo
Kunitsu-no-kami os lsquokami terrenosrsquo e hierarquicamente inferiores aos amatsu-no-kami No
fundo satildeo kami que jaacute habitariam o Japatildeo antes da conquista de Ninigi o miacutetico neto de
Amaterasu Na sequecircncia da derrota dos kunitsu-no-kami inaugura-se uma nova Ordem
coacutesmica e poliacutetica
Makoto traduzido por lsquosinceridadersquo e lsquoverdadersquo eacute uma atitude positiva inerente aos humanos
e fundamental aquando das praacuteticas de veneraccedilatildeo aos kami Um dos termos profundamente
ligados agrave natureza mais eacutetica de shintō
Matsuri a variaccedilatildeo do verbo matsuru (祭る祀る) na qual o praticante consagra oferendas a
formas de existecircncia respeitaacuteveis (antepassados kami e budas) Por norma expressotildees
puacuteblicas associadas ao culto jingi que durante o tempo de vigor do Jingikan eram
organizadas consoante as regulaccedilotildees do Jingiryō incorporado na obra Engishiki
Misogi harai o ato de banhar o corpo numa fonte de aacutegua ativando as propriedades
terapecircuticas e purificadoras deste elemento No Kojiki e Nihon shoki Izanagi-no-kami eacute
descrito como o primeiro kami a fazer uso deste ritual apoacutes regressar do Yomi o domiacutenio
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subterracircneo da mitologia japonesa Misogi eacute tambeacutem o expoente de purificaccedilatildeo a niacutevel
externo e interno
Meijō uma das palavras para lsquopurezarsquo Etimologicamente constituiacuteda por mei (明) a leitura
foneacutetica alternativa do japonecircs aki akari akarui termos que expressam as ideias de
lsquoclaroclarezarsquo e jō (浄) lsquopuropurarsquo
Musubi contendo em si a noccedilatildeo de lsquoligaccedilatildeorsquo e lsquouniatildeorsquo e de certo modo o Todo Diz-se que
musubi estaacute presente em qualquer elemento que nos rodeia
Norito frases escritas numa linguagem arcaica e hoje usadas em todo o tipo de locais de
veneraccedilatildeo Sobretudo de caraacutecter puacuteblico norito satildeo etimologicamente constituiacutedas pela
partiacutecula nori (祝) cujo kanji eacute usado no verbo lsquocelebrarrsquo (iwau) e kotoba (詞) lsquopalavrarsquo
Fundamentais para a reposiccedilatildeo temporaacuteria da Ordem
Onmyōdō a Via da escola de funcionaacuterios provenientes do Escritoacuterio Yin-Yang cujas
atividades foram reguladas pelos Abe e Kamo hereditaacuterios liacutederes dos cargos mais relevantes
desta instituiccedilatildeo
Saigū tiacutetulo conferido agrave mais importante sacerdotisa escolhida de entre os membros da
famiacutelia imperial para servir nos jinja de Ise e Kamo Jovem cujo periacuteodo de preparaccedilatildeo
envolvia uma lsquoabstinecircnciarsquo rigorosa de trecircs anos
Shinsen conjunto de alimentos (arroz sal aacutegua sake bolos de arroz peixe algas vegetais
cereais e fruta) oferecidos em altares aos kami
Shintai mitamashiro objetos palpaacuteveis (espelhos por exemplo) identificados com o proacuteprio
kami e como tal devem ser venerados de forma adequada Permanentemente escondidos
dentro do jinja e vigiados pelos responsaacuteveis ateacute ao momento dos matsuri ou outras
celebraccedilotildees
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Shintō a Via dos kami (kami no michi) e uma das religiotildees (shūkyō) reconhecidas no plano
estatiacutestico japonecircs que por sua vez a agrupa em jinja shintō ou shintō de santuaacuterios kyōha
shintō o ceacutelebre shintō setorial e as ldquonovas religiotildeesrdquo (shin shūkyō) baseadas em shintō
Tamashii o elemento inerente ao ser humano e aos kami que supostamente eacute constituiacutedo por
quatro aspetos (shikon) cada um representando uma faceta da personalidade individual Se
pertence aos kami tamashii designa-se mitama Em alguns jinja apenas parte da mitama eacute
venerada pelos praticantes
Temizu a forma abreviada de misogi na qual o indiviacuteduo lava a boca e das matildeos Temizu eacute
obrigatoacuterio antes da veneraccedilatildeo nos jinja
Tsumi palavra que significa lsquocrimersquo Eacute algo contraacuterio agrave ordem social independentemente de
esta ser entre os kami ou entre os humanos Eliminados de forma simboacutelica pelas praacuteticas
haraeharai tsumi satildeo por vezes divididos em amatsu-no-tsumi (lsquocrimes celestesrsquo) e kunitsu-
no-tsumi (lsquocrimes terrenosrsquo)
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INTRODUCcedilAtildeO
O trabalho tem como objectivo uma anaacutelise dos rituais que inviabilizam e permitem a
purificaccedilatildeo em shintō O objeto de estudo comporta natildeo apenas uma abordagem histoacuterica-
antropoloacutegica do shintō adotada por muitos autores contemporacircneos mas tambeacutem um olhar
sobre a sua praacutetica ritual que eacute considerada por muitos como o alicerce da lsquoViarsquo (em japonecircs
dō) per si entendendo-se lsquoritualrsquo como a sucessatildeo de pensamentos palavras e accedilotildees Assim eacute
possiacutevel interpretar o homem como aquele que estaacute no ciclo de Desordem e Ordem capaz de
provocar ou deixar-se influenciar pela Desordem e nesse caso o ritual eacute prejudicial negativo
Em contrapartida se se recorrer agrave purificaccedilatildeo os seus efeitos satildeo positivos e a Ordem eacute
temporariamente restaurada Tal como se constata em tradiccedilotildees ditas orientais shintō defende
a noccedilatildeo de equiliacutebrio uma vez que nada surge sem o seu contraacuterio
A escolha da temaacutetica partiu de um interesse pessoal da autora na cultura japonesa
adquirido ao longo da sua vida acadeacutemica sobretudo durante o periacuteodo de licenciatura em
Estudos Asiaacuteticos que possibilitou uma pequena amostra do que tinha sido produzido ateacute
entatildeo por autores japoneses e natildeo japoneses acerca de shintō o que se pretendia natildeo era um
estudo pormenorizado de filosofias da Aacutesia mas sim transmitir em linhas gerais o que satildeo os
lsquoismosrsquo do continente vizinho uns cuja aacuterea de impacto se reduz a uma aacuterea geograacutefica
especiacutefica e outros que beneficiaram de uma expansatildeo significativa No mestrado em Ciecircncia
das Religiotildees apesar de a vertente filosoacutefica das vaacuterias tradiccedilotildees desenvolvidas na Aacutesia ter
sido incorporada shintō natildeo teve o mesmo protagonismo que a Via do Buda a Via de
Confuacutecio ou ainda o pensamento veacutedico Em Portugal a quase indisponibilidade e ausecircncia
de materiais (atualizados) sobre shintō eacute comparaacutevel ao escasso nuacutemero de trabalhos
acadeacutemicos realizados urgindo-se a necessidade de se executar investigaccedilotildees que
contemplem shintō natildeo como uma lsquoreligiatildeorsquo no sentido de ser teiacutesta panteiacutesta monoteiacutesta
politeiacutesta mas como algo aleacutem disso Neste sentido o investigador do shintō deve ignorar os
lsquopreacute-conceitosrsquo estabelecidos por outras perspetivas ocidentais que acabaram por moldar o
mundo acadeacutemico tal como o conhecemos natildeo considerando esta religiatildeo somente de um
ponto de vista estatiacutestico
Nesta perspetiva o trabalho pode ser considerado primeiramente como um texto que
procura divulgar shintō em Portugal Um dos motivos que levou a autora a realizar este
trabalho foi como jaacute referido tentar despertar o interesse das pessoas em shintō permitindo a
abertura de portas a futuras investigaccedilotildees e simultaneamente contrariando a tendecircncia de foco
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do Mestrado de Ciecircncia das Religiotildees nas religiotildees ocidentais Tal tendecircncia pode ser
verificada se o leitor pesquisar a paacutegina virtual do repositoacuterio da Universidade Lusoacutefona de
Humanidades e Tecnologias ndash o ReCiL - Repositoacuterio Cientiacutefico Lusoacutefona de entre as doze
dissertaccedilotildees disponiacuteveis e realizadas por alunos do ldquoMestrado em Ciecircncia das Religiotildeesrdquo
onze satildeo sobre cristianismo ndash em Portugal e no Brasil ndash e uma eacute dedicada a um dos estilos da
arte marcial karatedō (Shotokan Karatedō 松涛館 空手道) 1
tambeacutem este uma Via ndash Via da
ldquomatildeo vaziardquo ou karate - agrave semelhanccedila de shintō Jaacute a Revista Lusoacutefona de Ciecircncia das
Religiotildees publicou cinco artigos dedicados ao Japatildeo do passado especificamente o periacuteodo de
presenccedila cristatilde em territoacuterio japonecircs (e Macau) 2
Apesar de carecer de um fundador ndash apenas vaacutelido no caso de kyōha shintō ldquonovas
religiotildeesrdquo shintō e de certo modo escolas de gakuha shintō criadas como consequecircncia dos
movimentos acadeacutemicos e de exposiccedilatildeo de conceitos e rituais (que conduzem agrave Ordem) ndash um
sistema proacuteprio de ldquofeacuterdquo e ldquoensinamentosrdquo caracteriacutesticas tiacutepicas de uma lsquoreligiatildeorsquo (no sentido
lsquoocidentalrsquo) o shintō eacute praticado pelo indiviacuteduo e como tal este uacuteltimo faz parte do todo isto
eacute do mundo que o rodeia vivendo consoante as decisotildees que toma quer sejam de natureza
positiva ou negativa
Neste sentido a finalidade desta dissertaccedilatildeo natildeo eacute somente divulgar shintō o trabalho
realizado eacute um texto argumentativo que pretende responder a trecircs questotildees o que eacute o ciclo de
Desordem e Ordem o que eacute que o praticante de shintō fazia e ainda faz para causar Desordem
ou Ordem quais satildeo os motivos por detraacutes das accedilotildees que conduzem agrave Ordem
Para tentar responder agraves perguntas acima nomeadas dividiu-se o trabalho em duas
partes cada um com um nuacutemero variado de subtoacutepicos a primeira parte eacute acima de tudo
contextualizaccedilatildeo do tema explicando-se o que se entende por shintō ldquoreligiatildeordquo kami e qual a
relaccedilatildeo destes uacuteltimos com o domiacutenio sagradodivino japonecircs
Assim a realizaccedilatildeo do primeiro subtoacutepico envolveu a procura de algumas opiniotildees
formadas por autores e investigadores constatando-se a necessidade de uma anaacutelise
etimoloacutegica de termos como shintō religiatildeo (em japonecircs shūkyō) kami e ldquosagradodivinordquo
(dicotomia seishin) Em segundo lugar efetuou-se uma siacutentese do que outros autores
(japoneses ou natildeo) entendem por kami por vezes sujeitos a processos de classificaccedilatildeo ou
1 The DSpace Foundation ldquoPercorrer lsquoMestrado em Ciecircncia das Religiotildeesrsquo por data de publicaccedilatildeordquo ReCiL -
Repositoacuterio Cientiacutefico Lusoacutefona (on line)
lthttprecilgrupolusofonaptjspuihandle104375704browsetype=dateissuedgt (consultado em 24-06-2018) 2 The DSpace Foundation ldquoResultados da pesquisa- Revista Lusoacutefona de Ciecircncia das Religiotildeesrdquo ReCiL -
Repositoacuterio Cientiacutefico Lusoacutefona (on line) lthttprecilgrupolusofonaptjspuihandle104373095simple-
searchquery=japC3A3ogt (consultado em 24-06-2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 11
categorizaccedilatildeo Seguidamente kami satildeo analisados enquanto personagens fundamentais da
cosmologia japonesa conforme os relatos do Kojiki e Nihon shoki participando no processo
de divisatildeo da realidade - sendo que esta divisatildeo pode ser tripartida (sobretudo mundo
superior mundo do meio e mundo inferior) ou bipartida (o lsquonosso mundo fiacutesicorsquoo lsquooutro
mundorsquo) ndash e ainda na criaccedilatildeo desta uacuteltima - considerando-se lsquocriaccedilatildeorsquo como o ato consciente
dos kami (neste caso o casal Izanagi e Izanami) de gerar as coisas que compotildeem o nosso
mundo e tambeacutem kami associados a essas mesmas coisas Apoacutes esta criaccedilatildeo certos kami
tornam-se agentes da Ordem (Amaterasu) e da Desordem (Susano-o e Ōkuninushi)
expressando a noccedilatildeo de equiliacutebrio muito presente nos rituais de shintō que explicam a Ordem
como a consequecircncia da condiccedilatildeo de Desordem (o episoacutedio da Ama no Iwato por exemplo)
No uacuteltimo subtoacutepico explicou-se a evoluccedilatildeo de shintō ao longo dos seacuteculos de
interaccedilatildeo com as Vias de Confuacutecio do Dao e do Buda observando a sua integraccedilatildeo na esfera
poliacutetica japonesa desde os primeiros tempos de institucionalizaccedilatildeo das praacuteticas de veneraccedilatildeo
aos kami ateacute agrave atualidade Natildeo obstante deve-se alertar para o facto de que este subtoacutepico natildeo
apresenta shintō numa perspetiva cronoloacutegica a Via do Confuacutecio - a primeira a ser estudada
neste trabalho - influenciou a sociedade claacutessica japonesa mas a adaptaccedilatildeo dos seus
ensinamentos por parte de shintō soacute se veio a realizar num periacuteodo posterior Por outras
palavras se se pretendesse uma evoluccedilatildeo cronoloacutegica de shintō o esquema a seguir seria ldquoVia
de Dao-Via do Buda-Via de Confuacuteciordquo
No que concerne agrave segunda parte esta corresponde ao desenvolvimento do tema e
como tal investiga-se algumas teorias e praacuteticas - uma vez que a teoria daacute coesatildeo agrave praacutetica e a
praacutetica eacute uma forma de dinamizaccedilatildeo da teoria ndash do shintō retratado como uma Via
profundamente social ndash liga os humanos aos kami e vice-versa surgindo kami que atendem agraves
necessidades concretas individuaiscoletivas de quem os procura (Inari Ebisu Shichi Fukujin
e Tenjin) ndashrsquoespiritualrsquo ndash na aceccedilatildeo de se estar perante algo natildeo do domiacutenio palpaacutevel ou fiacutesico
que tambeacutem serve de elo de ligaccedilatildeo humanokami evidenciado pelo desenvolvimento de toda
uma tradiccedilatildeo de lsquoespiritualidade japonesarsquo melhor expressa por musubi rei e tamashii ndash e
lsquoeacuteticarsquo ndash no sentido de existir um bemmal ou seja algo ordenado e algo desordenado que
pode ser sempre reposto evidenciando a natureza ciacuteclica da relaccedilatildeo DesordemOrdem
Aleacutem de se analisar etimologicamente toda uma seacuterie de palavras associadas agrave
lsquoespiritualidadersquo agrave Desordem (tsumi kegare e imi) e agrave Ordem como eacute entendida pelo shintō
(os vaacuterios vocaacutebulos indicativos de lsquopurificaccedilatildeorsquo e algumas norito relevantes) e por algumas
escolas de pensamento desta Via abordam-se duas qualidades internas do ser humano
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denominadas kokoro e makoto integrais ao campo da eacutetica japonesa bem como a shintō Os
rituais conducentes agrave Ordem revolvem em torno da purificaccedilatildeo processo de natureza externa
e interna embora a segunda seja de natureza mais subtil e portanto mais difiacutecil de atingir No
entanto o objetivo eacute sempre o mesmo contrariar o desequiliacutebrio trazido por tsumi kegare e
imi devolvendo o indiviacuteduo (e o que o rodeia) ao seu estado ordenado confirmando a ideia
de que o shintō eacute importante natildeo apenas para o indiviacuteduo
Enquanto temaacutetica de estudo os rituais de purificaccedilatildeo e de natildeo purificaccedilatildeo em shintō
satildeo uma novidade em contexto nacional mas natildeo propriamente no mundo acadeacutemico
internacional milhares de autores redigiram livros sobre shintō ou pequenos artigos sobre
ldquopurificaccedilatildeordquo ldquorituaisrdquo e ldquoimpurezardquo se bem que tsumi kegare e imi (negativo) nunca satildeo
apelidados de ldquorituaisrdquo per si No entanto este trabalho utiliza a palavra ldquorituaisrdquo num sentido
abrangente ao inveacutes de investigadores que se cingem agrave definiccedilatildeo sugerida pelo dicionaacuterio
quando o indiviacuteduo realiza algo constantemente e da mesma maneira faz um ldquoritualrdquo Em
contexto religioso ldquorituaisrdquo tendem a ser vistos como exclusivamente positivos nunca
negativos
Poreacutem ao redefinir-se ldquoritualrdquo como um padratildeo de pensamentos palavras e accedilotildees natildeo
se inviabiliza a hipoacutetese de existirem ldquorituaisrdquo que provocam o oposto do que se pretende
Interessantemente alguns autores contemporacircneos de shintō cingem-se ao ldquoritualrdquo como o
que permite o regresso agrave Ordem na introduccedilatildeo de Sourcebook in Shinto Selected Documents
Resources in Asian Philosophy and Religion (2004) Stuart Picken diz que a ldquotransmissatildeo de
Shinto (hellip) eacute mais sobre agenda do que credenda coisas a serem feitas do que coisas a serem
acreditadasrdquo colocando ldquoritualrdquo em primeiro plano 3 Aqui estaacute claramente expresso a ideia
de ldquorituais-Ordemrdquo uma vez que ldquocoisas a serem feitasrdquo satildeo logicamente coisas cujos
resultados beneficiam o indiviacuteduo Por outro lado John Breen e Mark Teeuween nomeiam
trecircs categorias de ldquorituaisrdquo cuja praacutetica eacute da responsabilidade de jinja 4 Ora uma vez que
jinja satildeo os mais relevantes espaccedilos de veneraccedilatildeo aos kami subentende-se a Ordem como a
consequecircncia destes ldquorituaisrdquo
Todavia o shintō tem por princiacutepio a noccedilatildeo de equiliacutebrio conhecer shintō significa
conhecer a Ordem e a Desordem se rituais de satildeo o meio por excelecircncia para atingir a Ordem
a natildeo purificaccedilatildeo conduziraacute agrave Desordem Em suma tsumi kegare e imi satildeo rituais porque satildeo
3 PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto Selected Documents Resources in Asian Philosophy and Religion
Westport Greenwood Publishing Group 2004 pxxi 4 BREEN John TEEUWEN Mark A New History of Shinto Chicester Wiley-Blackwell 2010 p3
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 13
realizados (de forma directa e indireta) pelo indiviacuteduo embora possuam diferentes origens e
caracteriacutesticas
No que concerne agrave metodologia e fontes utilizadas um dos criteacuterios a ter em conta foi
a contemporaneidade o shintō continua a ser um tema muito popular entre autores e como tal
um estudo mais proacuteximo desta Via requer o recurso a livros publicados recentemente e natildeo haacute
meio seacuteculo atraacutes tais como Essentials of Shinto An Analytical Guide to Principal Teachings
(1994) cujo autor Stuart Picken apresenta as vaacuterias categorias de shintō de uma forma sucinta
apresentando uma cronologia de eventos relevantes explicando de que maneira a conjuntura
histoacuterico-poliacutetica japonesa influenciou shintō A sua obra pode servir como um ponto de
partida para interessados ou estudiosos uma vez que aborda shintō do passado e shintō
moderno (incluindo os rituais de purificaccedilatildeo usados em ambos) Um outro ponto muito
positivo eacute a ausecircncia de ldquotermos ocidentaisrdquo como ldquoShintoiacutestardquo e ldquodeusrdquo 5 uma metodologia
igualmente favorecida pela autora
Eacute tambeacutem interessante notar que ao longo deste livro satildeo constantemente citadas e
explicadas fontes japonesas (antigas sobretudo) justificando a sua utilizaccedilatildeo (em simultacircneo
com a leitura na linguagem original) na fundamentaccedilatildeo dos subtoacutepicos da dissertaccedilatildeo Por
exemplo Kojiki Nihon shoki Engishiki e Norito 6 As primeiras duas satildeo fundamentais no
que diz respeito agrave mitologia e cosmologia japonesas ndash o termo lsquocosmologiarsquo eacute mais
apropriado do que lsquoteologiarsquo uma vez que shintō natildeo reconhece deuses ndash observando-se a
inclusatildeo da temaacutetica Desordem e Ordem primeiro como resultados das accedilotildees de alguns kami
e depois como consequecircncias dos rituais (tsumi kegare) dos proacuteprios indiviacuteduos como se
pode constatar nas croacutenicas imperiais do Nihon shoki
Jaacute o Engishiki eacute um texto de caraacutecter lsquolituacutergicorsquo tal como o Saigūki e o Kōtai Jingū
Gishiki-chō Ao longo da investigaccedilatildeo utilizou-se Engi-shiki Procedures of the Engi era
Books I-V Translated with introduction and notes by Felicia Gressitt Bock 1970 e a obra
Norito (1990) de Donald Philippi que reuacutene dezenas de norito entoadas nos diversos matsuri
celebrados ao longo do ano uns de caraacutecter mais lsquoimperialrsquo do que outros ambas obras
refletem o impacto do estudo da praacutetica ldquoritualrdquo (que conduz agrave Ordem) no shintō Contudo as
traduccedilotildees foram sempre lidas em paralelo com o texto original facultado pela paacutegina virtual
da Waseda University Library e ainda Mikoorg (apenas os oito volumes do Jingiryō satildeo
integrais ao objeto de estudo)
5 PICKEN Stuart Essentials of Shinto An Analytical Guide to Principal Teachings Westport Greenwood
Publishing Group 1994 pp xvii-xviii 6 PICKEN Stuart op cit p381
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Por outro lado o Saigūki e o Kōtai Jingū Gishiki-chō satildeo obras arcaicas que registam e
explicam determinados rituais prejudiciais ao indiviacuteduo isto eacute kegare e imi (imikotoba no
caso do Kōtai Jingū Gishiki-chō) Ora a informaccedilatildeo disponibilizada deve ser complementada
pelo estudo de outras fontes japonesas explica-se assim o porquecirc do recurso a textos
ldquooficiaisrdquo ndash Nihon shoki Nihon sandai Jitsuroku Nihon Kōki e ShokuZoku Nihongi) e de
caraacutecter mais legislativo Yōrō-ritsuryō e Jingiryō ambos frequentemente referenciados em
artigos contemporacircneos de autores japoneses numa tentativa de explicar alguma da
terminologia de shintō (vocaacutebulos conotados com Desordem e Ordem)
A segunda fonte primaacuteria eacute Sourcebook in Shinto Selected Documents Resources in
Asian Philosophy and Religion (2004) novamente Picken cita passagens traduzidas do Kojiki
e o Nihon shoki que explicam a criaccedilatildeo e divisatildeo da realidade Este meacutetodo de citaccedilatildeo de
passagens de textos relevantes aplica-se a toda a obra auxiliando o interessado no estudo de
shintō segundo a perspetiva das escolas de pensamento (Yoshida e Ise em particular) e a
escola kokugaku ambas vaacutelidas no que concerne ao aprofundamento do que se entende por
caraacutecter ldquoeacuteticordquo em shintō ldquopurezardquo kokoro e makoto satildeo frequentemente objeto de estudo
graccedilas agrave anaacutelise de outros textos antigos e de cariz oficialimperial
No que diz respeito ao livro produzido por John Breen e Mark Teuween A New
History of Shinto possui alguns pontos positivos o uso de termos japoneses a inclusatildeo de
uma cronologia e mitologia de shintō com base em fontes japonesas (traduzidas) analisando-
se ao pormenor o ceacutelebre episoacutedio Ama no Iwato uma curiosa passagem que tambeacutem foi
estudada no acircmbito desta dissertaccedilatildeo uma vez que a temaacutetica Desordem e Ordem estaacute
bastante presente embora notando-se a ausecircncia do indiviacuteduo quem participa nos rituais satildeo
os kami e natildeo os humanos
Por uacuteltimo The Kami Way de Ono Sokyō eacute um livro introdutoacuterio a shintō mas muito
mais simples do que as obras de Picken apesar de tambeacutem sintetizar a mitologia e cronologia
desta Via Espeacutecie de minienciclopeacutedia de shintō sobretudo focada na tradiccedilatildeo de jinja shintō
(rituais cerimoacutenias siacutembolos e elementos pertencentes ao domiacutenio do ldquosagradordquo) The Kami
Way eacute um livro que enfatiza a ideia de que shintō eacute uma religiatildeo e como tal a linguagem
usada eacute muito diferente da que Picken ou Breen e Teuween algo que pode ser justamente
considerado como um ponto negativo termos duacutebios incluem ldquokami-feacuterdquo ldquosagradordquo ldquomenterdquo
ldquoalmardquo certamente reconheciacuteveis para o puacuteblico-alvo natildeo-japonecircs mas que dificilmente
seriam aceites pelos autores anteriormente mencionados cujas obras procuram ser o mais fieacuteis
ao seu objeto de estudo shintō pertence agrave realidade japonesa e como tal traduccedilotildees de termos
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japoneses natildeo satildeo recomendaacuteveis Jaacute um dos seus pontos positivos eacute oferecer ao leitor a
perspetiva japonesa da natureza humana subentendo o reconhecimento de uma eacutetica
(certoerrado) reforccedilando o porquecirc de shintō ser uma Via criada para o bem e a felicidade do
indiviacuteduo
Aleacutem destas quatro obras acrescenta-se o dicionaacuterio etimoloacutegico da autoria de
Nishigaki Yukio (2005) ndash etimologia eacute uma ferramenta indispensaacutevel para a compreensatildeo de
shintō dada as suas origens natildeo ocidentais - alguns episoacutedios do Kojiki (Takeda Tsunegaki) e
Nihon shoki (a traduccedilatildeo desatualizada de Aston utilizada por Picken e a versatildeo presente no
site Nihonsinwa) No caso concreto das obras japonesas claacutessicas e modernas referenciadas
sobretudo por Picken o texto original foi disponibilizado nas bibliotecas virtuais japonesas
National Diet Library (6ordm volume do Koshiden Hirata Atsutane) J-Texts e Kodaishi Dassai
com a exceccedilatildeo do Yōrō-ritsuryō que foi individualmente traduzido para japonecircs moderno no
website Kansei Daikan
Com efeito o recurso a fontes virtuais revelou-se fundamental no decorrer da
investigaccedilatildeo devendo-se destacar paacuteginas de instituiccedilotildees japonesas tais como a Encyclopedia
of Shinto - organizada pela Universidade Kokugakuin o dicionaacuterio virtual japonecircs Kotobank
que compila as sugestotildees de definiccedilatildeo de um termo por vezes pronunciando-se sobre a sua
etimologia Acrescenta-se ainda paacuteginas virtuais dedicadas agraves obras de Motoori Norinaga
(Kumo no Ikada Yamato Gokoro) e paacuteginas oficiais de setores shintō cujos objetivos
revolvem em torno da purificaccedilatildeo adotando-se certas condutas e rituais
Por uacuteltimo todos os termos estrangeiros foram escritos em letras do alfabeto e em
itaacutelico seguidas sempre dos caracteres que a compotildeem (no caso de termos chineses e
japoneses) o mesmo aplicando-se ao nome completo dos kami jinja e matsuri Em caso da
traduccedilatildeo dos vocaacutebulos japoneses utilizou-se a expressatildeo cujo significado eacute o mais proacuteximo
do original Contudo numa tentativa de se ser fiel agrave fonte e ao objeto de estudo optou-se mais
pela natildeo-traduccedilatildeo kami eacute kami tsumi eacute tsumi kegare eacute kegare e assim sucessivamente A
principal razatildeo por detraacutes desta metodologia eacute evitar o processo de incompreensatildeo da temaacutetica
abordada como resultado da transposiccedilatildeo da proacutepria mentalidade do investigador Com efeito
a fraca familiarizaccedilatildeo com a aacuterea de estudo origina a traduccedilatildeo (incorreta) de termos uacutenicos
por palavras que o seu puacuteblico-alvo natildeo japonecircs facilmente consegue perceber mas que satildeo
estranhas a shintō ou a outras lsquoreligiotildeesrsquo asiaacuteticas
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1 DO PASSADO AO PRESENTE SHINTŌ UMA ldquoRELIGIAtildeOrdquo JAPONESA
Escrever sobre religiotildees eacute sempre um desafio ainda mais quando a aacuterea de estudo
tem as suas reservas no que concerne agrave expressatildeo lsquoreligiatildeorsquo de difiacutecil caracterizaccedilatildeo mesmo
no mundo ocidental lsquoReligiatildeorsquo tende a ser identificada com os sistemas de lsquofeacutersquo teiacutestas
particularmente os monoteiacutestas ndash cristianismo judaiacutesmo e islatildeo ndash e politeiacutesmos na Aacutesia o
termo natildeo se pode usar com tanta facilidade religiatildeo eacute antes de mais uma palavra introduzido
relativamente recente e certamente de forma natildeo espontacircnea
No caso do Japatildeo lsquoreligiatildeorsquo natildeo existia ateacute aos meados do seacutec XIX o acolhimento
de ideias exteriores ao territoacuterio japonecircs teraacute gerado uma definiccedilatildeo muito especiacutefica de
lsquoreligiatildeorsquo e da sua favorita traduccedilatildeo japonesa shūkyō especificamente traduzindo-se o termo
inglecircs religion algo que eacute problemaacutetico por dois principais motivos os caracteres que
compotildeem a palavra (shū 宗 e kyō 教 respetivamente lsquosetoresrsquo e lsquoensinamentosrsquo) - e que jaacute
existiam de facto em forma isolada nunca em conjunto - satildeo de origem budista pondo em
causa a ldquovalidaderdquo de shintō cuja ecircnfase natildeo eacute em doutrinas ou shū 7 embora natildeo se deva
excluir a sua existecircncia
Segundo Nakamura Hajime shūkyō teria as suas origens na expressatildeo shū no oshie
(宗の教え ) ou lsquoensinamento dos setoresrsquo ndash shū significa o ldquoderradeiro significado do
princiacutepio e da verdade (hellip)rdquo presente nos ensinamentos (oshie) antes do Periacuteodo Meiji (1868-
1912) shūkyō encontrar-se-ia numa posiccedilatildeo subordinada a bukkyō (仏教) que por sua vez eacute
entendido como a fusatildeo de vaacuterios shūkyō num soacute Jaacute no Periacuteodo Meiji shūkyō torna-se um
suposto ldquoconceito supra ordenadordquo de bukkyō 8 ambas explicaccedilotildees revelam a importacircncia
desta Via como ponto de partida para o que se entende por lsquoreligiatildeorsquo termo hoje vaacutelido e
aceite pela sociedade moderna japonesa em vaacuterias aacutereas
A segunda principal razatildeo tem que ver com imagens quando um cidadatildeo europeu ou
americano pensa sobre lsquoreligiatildeorsquo serve-se do que sabe isto eacute o que a sua educaccedilatildeo e meio
envolvente lhe providenciaram um espaccedilo proacuteprio de crenccedila textos uma noccedilatildeo de lsquosagradorsquo
um fundador e eacute claro os que acreditam firmemente nesses textos e se esforccedilam por propagar
as suas ideias Se lhe perguntarem sobre outras lsquoreligiotildees natildeo-ocidentaisrsquo recorreraacute ao que eacute
7 ISOMAE Junrsquoichi ldquoDeconstructing lsquoJapanese Religionrsquo A Historical Surveyrdquo Japanese Journal of Religious
Studies nordm 32 (2) 2005 pp 235 ndash 248 8 Ateacute ao seacutec- XVII o ldquobudismordquo natildeo era formalmente designado bukkyō (仏教) mas antes butsudō (仏道) ou
ainda buppō (仏法) IWAI Hiroshi ldquo日本宗教の理解に関する覚書rdquo (ldquoNotes on the Understanding of
Japanese Religionrdquo) Kenkyū kiyō (研究紀要) nordm 5 2004 pp 79-89
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do conhecimento geral publicado em livros e outros meios de informaccedilatildeo Por outras palavras
budismo hinduiacutesmo taoiacutesmo e xintoiacutesmo satildeo convenientemente considerados lsquoreligiotildeesrsquo e
como consequecircncia natildeo eacute de estranhar a quantidade de traduccedilotildees erroacuteneas de conceitos e
ideias dessa mesma religiatildeo em livros escritos por peritos quer japoneses como natildeo-nativos 9
qualquer guia sobre ldquoreligiotildees do mundordquo teraacute uma entrada sobre xintoiacutesmo comeccedilada mais
ou menos nas linhas de ldquoxintoiacutesmo eacute a religiatildeo nativa japonesardquo 10
ecoando o que foi escrito
cerca de um seacuteculo antes por Anesaki Masaharu creditado como ldquoinventorrdquo da expressatildeo
moderna lsquoreligiatildeo japonesarsquo (nihon shūkyō 日本宗教) que eacute acolhida inicialmente por um
puacuteblico ocidental e soacute posteriormente pelos proacuteprios japoneses 11
Forte apoiante da visatildeo lsquoxintoiacutesmo = religiatildeorsquo Anesaki Masaharu acentua o caraacutecter
japonecircs de shintō descrevendo-o como ldquoum complexo de antigas crenccedilas e observacircnciasrdquo que
ao contraacuterio do budismo (e do cristianismo) nunca se deparou com perseguiccedilotildees a niacutevel
poliacutetico sendo preservado ao longo de seacuteculos pelos japoneses Apoiado na veneraccedilatildeo dos
kami sobretudo Amaterasu a antepassada miacutetica da casa imperial associada ao sol shintō eacute
um tipo de culto lsquonacionalrsquo diretamente ligado agrave paz prosperidade e estabilidade do Japatildeo 12
Historicamente shintō natildeo foi lsquopreservadorsquo no sentido de permanecer
inalteraacutevel independentemente de alguns sacerdotes e estudiosos partilharem da visatildeo de
Anesaki perspetivando shintō como algo autoacutenomo e independente de influecircncias externas
desde tempos imemoriais ateacute agrave atualidade 13
este uacuteltimo foi um processo iniciado no Japatildeo e
cujo crescimento jamais resulta do isolamento mas antes do contacto com todo o tipo de
ideias de fora (e de dentro) a adaptaccedilatildeo de ldquoantigo pensamento Chinecircs Budismo Onmyōdō
Confucionismo Shugendō e Cristianismordquo agrave realidade japonesa permite numa eacutepoca
posterior propostas de categorizaccedilatildeo e classificaccedilatildeo de shintō jinja shintō kyōha shintō
shintō filosoacutefico ou escolaacutestico (gakuha shintō 学派神道) shintō imperial (kōshitsu shintō皇
室神道) e shintō folcloacuterico (minzoku shintō 民俗神道) 14
Em suma natildeo existe um uacutenico
9 Como jaacute mencionado na Introduccedilatildeo a traduccedilatildeo eacute um risco a correr que natildeo eacute avaliado pelos autorestradutores
de entre os erros mais tiacutepicos nos livros sobre shintō destacam-se ldquopecadordquo como traduccedilatildeo de tsumi e ldquodeus
divindadedivinordquo para expressar o conceito de kami 10
ONO Sokyō Shinto the Kami Way Singapore Tuttle Publishing 2004p 1 11
ISOMAE Junrsquoichi ldquoDeconstructing lsquoJapanese Religionrsquo A Historical Surveyrdquo Japanese Journal of Religious
Studies nordm 32 (2) 2005 pp 235 ndash 248 12
ANESAKI Masaharu History of Japanese Religions with special reference to the social and moral life of the
nation 3rd ed London The Kegan Paul Japan Library 1995 p 22 13
KURODA Toshio ldquoShinto in the History of Japanese Religionrdquo Journal of Japanese Studies nordm 7 (1) 1981
pp 1-21 14
INOUE Nobutaka ldquoIntroduction The History of Shintordquo Encyclopedia of Shinto 1 General Introduction
Introduction of Shinto (on line) lthttpk-
amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=22906gt (consultado em 24-06-2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
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shintō mas antes muacuteltiplos shintō que contribuiacuteram significativamente em termos sociais e
culturais
Descrito por Stuart Picken como a ldquoexpressatildeo natural dos sentimentos espirituais do
povo japonecircs que cresceu e evoluiu com o desenvolvimento da histoacuteria japonesa e sociedaderdquo
shintō eacute um exemplo atiacutepico de uma lsquoreligiatildeorsquo no sentido geral do termo ao contraacuterio do
budismo (bukkyō 仏教) Islatildeo (isuramukyō イスラム教) hinduiacutesmo (indokyō インド教)
cristianismo (kirisutokyō キリスト教) judaiacutesmo (yudayakyō ユダヤ教) confucionismo
(jukyō 儒教) e taoiacutesmo (dōkyō 道教) shintō (神道) foi nomeado como um dō (em chinecircs dao
道) e natildeo como um kyō agrave semelhanccedila de outras Vias como kadō (華道) sadō (茶道) kyūdō
(弓道 ) respetivamente a Via das flores a Via do chaacute e a Via do arco A prioridade de shintō
eacute como o termo sugere tornar-se uma Via um modo de orientaccedilatildeo para o indiviacuteduo algo
expresso no curioso termo kannagara 15
Deste modo shintō assemelha-se a um modo de
conduta uma disciplina ou praacutetica que coloca os lsquoensinamentosrsquo em segundo plano em favor
do desenvolvimento de uma eacutetica proacutepria que recebeu influecircncias sobretudo confucianas
Consequentemente a perspetiva de shintō como lsquoreligiatildeorsquo num sentido diferente ao
que eacute transmitido em contexto ocidental tem sido apoiada por alguns autores japoneses e
igualmente praticantes de shintō Sonoda Minoru um professor emeacuterito da Universidade de
Quioto e principal sacerdote do Chichibu Jinja (秩父神社 ) observa a necessidade de
distinccedilatildeo entre religiotildees e shintō se o Cristianismo e outras ldquoreligiotildees mundiaisrdquo possuem
uma base assente numa ldquodoutrina universal e um acredita ou natildeo acredita - eacute tudo acerca de feacute
colocada num sistemardquo cuja evoluccedilatildeo adquire contornos de proselitismo - shintō eacute na sua
essecircncia uma ldquoreligiatildeo de culturardquo que natildeo pretende a consistente ldquoiniciaccedilatildeordquo de pessoas
numa ldquofeacuterdquo esta religiatildeo nada tem que ver com feacute mas antes ldquopraacutetica ritualrdquo enraizada numa
ldquosociedade agriacutecola primaacuteriardquo Por uacuteltimo conclui que estes sistemas optaram por uma
estrateacutegia de conquista modelando a conduta dos seus crentes perseguindo e eliminando
adversaacuterios quando lhes convinha ao contraacuterio de shintō que teria desaprovado de tais accedilotildees
Aliaacutes o acto de preservar a vida e celebraacute-la eacute nada mais do que a derradeira preocupaccedilatildeo
desta Via 16
Com efeito Sonoda foca-se na ldquoquestatildeo doutrinaacuteriardquo como a caracteriacutestica mais
15
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp xxii-xxiii 16
As citaccedilotildees em questatildeo foram retiradas das entrevistas feitas pelo investigador Leif Sandvik e pela Sasakawa
Peace Foundation sendo posteriormente integradas no estudo deste uacuteltimo sobre a ldquoreinvenccedilatildeordquo de shintō como
uma ldquoreligiatildeo ecoloacutegicardquo SANDVIK Leiff Showcasing Shinto The Reinvention of Shinto as an Ecological
Religion Masterrsquos Degree Thesis in History of Religion submitted to the Department of Culture Studies and
Oriental Languages of the University of Oslo supervised by Prof Nora Stene Preston and Prof Dr Mark
Teuween 2011
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definidora das ldquoreligiotildeesrdquo monoteiacutestas se Cristianismo (e outras ldquoreligiotildeesrdquo) regem-se pelo
princiacutepio da ldquodualidaderdquo (ser crente ou natildeo) o mesmo natildeo se pode dizer de shintō
Na sua forma mais ldquocruardquo shintō talvez pode ter sido uma coletacircnea de aspetos
ldquoanimistas xamanismo veneraccedilatildeo de antepassados e veneraccedilatildeo da naturezardquo bem como
noccedilotildees proacuteprias de normas sociais incluindo o reconhecimento de ldquotabusrdquo ldquoofensasrdquo e a
necessidade de ldquopurificaccedilatildeordquo natildeo apenas a niacutevel fiacutesico 17
Apresentando ainda um fraco grau
de organizaccedilatildeo a Via dos kami era um coletivo de ideias seguidas pela comunidade que se
focava em obter meios de subsistecircncia a relaccedilatildeo entre a comunidade e as ldquoforccedilas
incompreensiacuteveisrdquo (kami) por detraacutes do sucesso ou do prejuiacutezo das colheitas baseava-se na
relaccedilatildeo dar-receber apelar aos kami trazia benefiacutecios para a comunidade e em troca a
comunidade faria o que naturalmente eacute suposto fazer agradecer de forma sincera atraveacutes de
oferendas (comida tecidos armas) Ora tal costume ainda hoje permanece vivo na memoacuteria
dos japoneses quer se trate de uma veneraccedilatildeo aos kami em casa quer dentro da aacuterea dos jinja
oferecer algo aos kami fortalece a ligaccedilatildeo do kami ao indiviacuteduo
11 Shintō e kami perceccedilotildees japonesas do lsquosagradorsquo e do lsquodivinorsquo
Contudo ateacute hoje natildeo se conhece um fundador ou extensiva doutrina que explicite
um credo ou sistema de crenccedila de shintō ndash apesar de shintō setorial possuir fundadores
individuais cujos textos transmitidos aos seguidores funcionam como lsquoensinamentosrsquo 18
ndash
demarcado pelo seu caraacutecter ritual e veneraccedilatildeo de seres de natureza indefinida denominados
kami em espaccedilos designados jinja nos quais se pode vislumbrar o domiacutenio do ldquosagradordquo
segundo Mircea Eliade ldquoo homem das sociedades arcaicas tende a viver tanto quanto possiacutevel
no sagrado ou em proximidade a objetos consagradosrdquo 19
no caso japonecircs este ldquosagradordquo
tambeacutem pode ser equiparado com a proacutepria natureza antes de existirem jinja propriamente
ditos espaccedilos abertos eram usados para realizaccedilatildeo de cerimoacutenias sazonais nas quais o kami se
manifestaria temporariamente 20
Estamos pois perante um plano de realidade associado a
sentimentos de admiraccedilatildeo pelo fantaacutestico e misterioso florestas rios pedras montanhas tudo
17
KURODA Toshio ldquoShinto in the History of Japanese Religionrdquo Journal of Japanese Studies nordm 7 (1) 1981
pp 1-21
18 PICKEN Stuart Essentials of Shinto opcit p 212
19 ELIADE Mircea The Sacred and the Profane the nature of religion Traduzido do Francecircs por William
Trask NY Harvest Harcourt Brace amp World Inc 1961 pp 10-12 20
BREEN John TEEUWEN Mark A New History of Shinto Chicester Wiley-Blackwell 2010 pp 25-26
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
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podia ser kami ndash entendido no sentido de lsquosagradorsquo se as pessoas o identificassem como tal
conferindo um significado especial
Em japonecircs lsquosagradorsquo eacute escrito de duas maneiras sei (聖 ) - sheng na leitura foneacutetica
chinesa (em chinecircs simplificado圣) - integra os vocaacutebulos seisho (聖書) - a Biacuteblia - seichi
(聖地) terrenoTerra Santa seibō (聖母) eacute a Matildee Santa (Virgem Maria) seija (聖者) eacute o
homem santo (Cristianismo) seisen聖戦 (Guerra Santa) e assim sucessivamente Como se
pode constatar as palavras mencionadas natildeo tecircm nada a ver com shintō e denotam o sagrado
tal como eacute visualizado pela cultura ocidental
Jaacute o segundo termo shinjin (神) lido agrave maneira japonesa como kami mi kan ka ou
hi 21
fortalece a ideia lsquosagrado = kamishintōrsquo qualquer palavra que comece ou que acabe
neste caractere geralmente pertence ao mundo shintō jinja (神社) moradas permanentes dos
kami que desde 1945 dependem financeiramente do puacuteblico natildeo do Estado 22
kagura (神楽)
a danccedila tradicional japonesa (shintō de santuaacuterios) 23
amatsu-no-kami (天つ神) e kunitsu-no-
kami (国つ神) cuja entronizaccedilatildeo nos jinja originou o sistema de classificaccedilatildeo jingi (神祇) ldquoo
conceito central em torno do qual a corte organizava o seu poder sacerdotalrdquo 24
Numa perspetiva etimoloacutegica os caracteres natildeo podiam ser mais diferentes sei (聖)
decompotildee-se em trecircs partes ou seja lsquoorelharsquo (耳) lsquobocarsquo (口) e por um ideograma que
supostamente representaria uma pessoa endireitada indicando um indiviacuteduo que possui a
habilidade de ldquoouvirrdquo uma ldquovontade divinardquo isto eacute algueacutem com grande niacutevel de
conhecimento e cultura e dotado de uma ldquovirtuderdquo ideia muito visiacutevel no pensamento
confuciano Aliaacutes se lido como sei o kanji corresponde a um atributo humano conotado com
boas intenccedilotildees e nunca malignas Jaacute na sua leitura como hijiri [聖] eacute um vocaacutebulo respeitoso
aplicado exclusivamente ao proacuteprio Imperador 25
Por outro lado o kanji usado para escrever kami eacute a forma lsquosimplificadarsquo do
caractere arcaico [神 ] presente em jingi (神祇 ) agrave semelhanccedila do caractere usado para
21
A leitura de [神] como hi verifica-se em himorogi (神籬) o espaccedilo aberto delimitado por uma corda e no qual
se pode preceder agrave veneraccedilatildeo do kami Posteriormente o papel dos himorogi eacute substituiacutedo pelos jinja Cf
PICKEN Stuart op cit p 127 22
BREEN John TEEUWEN Mark op cit p 2 23
NISHIGAKI Yukio Nihongo no Gogen jiten (日本語の語源辞典) Tokyo Bungeisha 2005 p189 24
BREEN John TEEUWEN Mark op cit pp 25-26 25
Uma vez que as possiacuteveis interpretaccedilotildees do caratere [聖] prendem-se com a questatildeo da natureza humana e do
comportamento ldquocorretordquo eacute possiacutevel concluir que se surgir isoladamente sei tem algumas implicaccedilotildees eacuteticas
Dejitaru Daijisen ldquo聖 (せい )rdquo コトバンク (on line) lthttpskotobankjpwordE88196-85468gt
(consultado em 24-06-2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 21
escrever a palavra lsquoritorsquo (li 禮 escrito atualmente em japonecircs como rei 礼) o kanji partilha da
mesma raiz o kanji [示] do qual deriva o verbo shimesu ou lsquoindicarrsquo servindo de raiz a
palavras relevantes dentro do contexto cerimonial ndash oraccedilatildeo (inori祈り) celebraccedilatildeo (iwai 祝
い) antepassado (sosen祖先) ndash e termos da linguagem comum como lsquofalta de educaccedilatildeosem-
maneirasrsquo (shitsureiburei失礼 無礼) jaacute o segundo kanji eacute o mesmo usado para lsquoproferirrsquo ou
mousu (申す)
Aliaacutes de acordo com Fujita Tomio um dos contribuidores para o Nippon
Daihyakkazensho (日本大百科全書) publicado em 1984 shin [神] expressaria o ldquoaltarrdquo [示]
ao qual se juntava a forma pictograacutefica de um relacircmpago (申) possivelmente devido ao facto
de o primeiro kanji usado para a palavra lsquorelacircmpagorsquo (denkō 電光) ter na sua ldquoextremidaderdquo o
caractere [申] No entanto devido agrave escolha do kanji [神] para indicar kami comeccedilou-se a
considerar a hipoacutetese de este ter um significado natildeo muito diferente de shangdi (em japonecircs
jōtei 上帝) indicando a suprema entidade natildeo material reconhecida pelo pensamento chinecircs
arcaico 26
Nos dias de hoje kami continua a ser analisado por parte de estudiosos japoneses e
natildeo-japoneses Aike Rots aponta a fluidez do conceito de kami descrevendo-o como ldquouma
forccedila omnipotente singular bem como muacuteltiplos seres espirituais pode referir-se a criaturas
antropomoacuterficas ou zoomoacuterficas fenoacutemenos naturais poderes abstratos ou antepassados
deificadosrdquo 27
Contudo a interpretaccedilatildeo mais aceite foca-se na ideia lsquokami=qualidadersquo algo
natildeo algo tangiacutevel que se assemelha a um atributo digno de admiraccedilatildeo que se pode manifestar
e encontrar na ldquonatureza claro mas tambeacutem humanos animais criaturas miacuteticas deuses e
ainda objetos feitos pelo homem tais como automoacuteveis ou comboiosrdquo 28
Por sua vez esta definiccedilatildeo parece ecoar a de Motoori Norinaga (本居宣長 1730-
1801) ceacutelebre pensador da escola do Ensino Nacional (kokugaku 國學) e comentador de
textos centrais a shintō bem como autor de exposiccedilotildees acerca das praacuteticas desta Via kami satildeo
26
FUJITA Tomio ldquo 神の語義 rdquo コトバンク (on line) lthttpskotobankjpwordE7A59E-
46603E5A4A7E8BE9EE69E9720E7ACACE4B889E78988gt (consultado em 24-06-2018) 27
ROTS Aike Forests of the Gods Shinto nature and sacred space in contemporary Japan Dissertation
submitted to the Department of Culture Studies and Oriental Languages of University of Oslo in partial
fulfilment of the requirements for the degree of Doctor of Philosophy supervised by Prof Dr Mark Teeuwen
and Prof Dr Terje Stordalen 2013 28
SHIELDS James ldquoBeyond Belief Japanese Approaches to the Meaning of Religionrdquo Studies in Religion
Sciences religieuses nordm 39 (2) 2010 pp 133-149
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Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 22
ldquoos seres divinos do ceacuteu e da terra que aparecem nos textos antigos e tambeacutem os espiacuteritos
consagrados que satildeo reverenciados nos jinja da naccedilatildeordquo seres animados e inanimados Em
suma ldquoqualquer forma de ser que possua alguma qualidade uacutenica e eminente e eacute inspiradora
de admiraccedilatildeo pode ser considerada kamirdquo independentemente de a sua natureza ser ldquoboamaacuterdquo
29 o facto de serem kami coloca-os acima das convenccedilotildees definidas pelos homens
No que concerne agrave classificaccedilatildeo dos kami esta nunca eacute consensual na sua
dissertaccedilatildeo sobre a religiatildeo no territoacuterio japonecircs Shannon Symonds divide os kami de acordo
com a sua aacuterea geograacutefica de veneraccedilatildeo distinguindo os kami locais cultuados nos matsuri -
festivais baseados em tradiccedilotildees ancestrais que ldquofrequentemente tecircm as suas raiacutezes em antigos
rituais agriacutecolas de agradecimentordquo pela proteccedilatildeo - dos kami nacionais celebrados em ritos e
cerimoacutenias definidas por todos os que acreditam em shintō 30
Em contrapartida Hara Kazuya considera as origens do kami admitindo a existecircncia
de kami da natureza e kami humanos o primeiro grupo diz respeito a kami ligados a uma
atividade ou ocupaccedilatildeo profissional (agricultura pesca comeacutercio) os kami que influenciam os
elementos da natureza (montanhas aacutegua florestas) 31
e os kami do Kojiki (古事記) e Nihon
shoki (日本書紀) as obras de base para a compreensatildeo da mitologia e cosmologia japonesas
32 o segundo grupo reuacutene certos indiviacuteduos extraordinaacuterios em vida que postumamente
adquiriram o estatuto de kami geralmente liacutederes importantes para a histoacuteria do Japatildeo ndash
Imperador Meiji (明治天皇) Tokugawa Ieyasu primeiro xogum da casa Tokugawa que
governou o Japatildeo durante o Periacuteodo Edo (1603-1868) ndash os soldados mortos em combate
(Yasukuni jinja 靖国神社 ) ou ainda personalidades do periacuteodo Heian (794-1185)
nomeadamente Sugawara-no-Michizane (菅原道真 ca845-903) postumamente apelidado de
Tenjin (天神) o kami do ensino 31
29
PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto Selected Documents Resources in Asian Philosophy and Religion
Westport Greenwood Publishing Group 2004 pp 200-201 30
SYMONDS Reeds Shannon A History of Japanese Religion From Ancient Times to Present Thesis
submitted to the Department of History of the State University of New York College for partial fulfillment of the
requirements for the degree of Master of Arts supervised by Prof Dr Jennifer Lloyd and Prof Dr John
Killigrew 2005
31 HARA Kazuya Aspects of Shinto in Japanese Communication Comunicaccedilatildeo apresentada na conferecircncia
ldquoIntercultural Communication Studies XII Asian Approaches to Human Communicationrdquo (Chiba Abril de
2003) 32
Picken observa que a compilaccedilatildeo destes textos reflete um maior niacutevel de organizaccedilatildeo dentro da tradiccedilatildeo shintō
tal como ela era vista por uma minoria da populaccedilatildeo eacute inevitaacutevel a mistura de ldquoreligiatildeordquo e poliacutetica Cf PICKEN
Stuart Sourcebook in Shinto op cit p 4
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Por uacuteltimo Matsumura Kazuo sugere uma divisatildeo natildeo muito diferente da de Kazuya
agrupando kami consoante a relaccedilatildeo deste com o mundo natural (kami da natureza) ou com o
homem (kami culturais) no primeiro caso salientam-se aos kami que ldquorepresentam o
reconhecimento de caracteriacutesticas supranormais ou poderes em objetos naturais ou
fenoacutemenosrdquo o segundo grupo reconhece por sua vez a existecircncia de kami da comunidade
kami do nascimento de pragas de uniatildeo (matrimonial) da morte kami do lar do indiviacuteduo
(fogatildeo poccedilo estaacutebulo armazeacutem) e por uacuteltimo os kami humanos Por outras palavras
indiviacuteduos em vida reverenciados como kami ndash ldquopraticantes religiosos e miko que se
envolvem em curas de feacute e pronuacutencia de oraacuteculos (hellip) rdquo ndash e antepassados ou ldquoespiacuteritos
vingativosrdquo de indiviacuteduos 33
Todas as propostas satildeo vaacutelidas quando se estuda um termo de etimologia indefinida
como kami para alguns kami (神) localizavam-se num patamar superior de existecircncia por
partilharem da mesma foneacutetica de kami (上) isto eacute ldquoalto superiorrdquo 28
o que se pode aplicar
aos amatsu-no-kami e os trecircs koto amatsu-no-kami Ame-no-minaka-nushi-no-kami (天御中
主神) Taka-musubi-no-kami (高皇産霊神) e Kami-musubi-no-kami (神皇産霊神) ndash que se
ldquotornamrdquo no Takamagahara espontaneamente e escondem-se logo a seguir 34
No entanto os
seus congeacuteneres terrenos como Sarutahiko Ōkami (猿田毘古大神) natildeo se encontram num
patamar ldquosuperiorrdquo per si partilhando com os humanos a Terra como local de residecircncia 35
Como se pode constatar o caractere kami (神) tende a surgir no final do nome reforccedilando a
ideia de kami como tiacutetulo honoriacutefico tal como mikoto (命尊) 36
33
MATSUMURA Kazuo ldquoDefinitions and Typologyrdquo Encyclopedia of Shinto 2 Kami (Deities) Concepts of
Kami (on line) lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=22498gt
(consultado em 24-06-2018) 34
Em japonecircs lsquotornar-sersquo corresponde ao verbo naru (成る ) denotando algo que efetivamente natildeo foi
absolutamente criado mas que jaacute existia embora natildeo de forma fiacutesica Jaacute na passagem que refere o lsquoocultamentorsquo
o verbo usado eacute kakusu (隠す) traduzido por lsquoocultar-sersquo o kanji [産] usado para o verbo lsquonascerrsquo estaacute sempre
ausente no Kojiki ateacute agraves passagens de kuni-umi e kami-umi Em suma estes kami natildeo satildeo lsquocriadosrsquo per si mas
tornam-se visiacuteveis para o mundo TAKEDA Tsunegaki Gendaigo no Kojiki (現代語古事記) Tokyo Gakken
Publishing 2011 pp 16-17
35 Picken Stuart Essentials of Shinto op cit pp95-96
36 Kokugakuin University Institute for Japanese Culture and Classics Index of Kami (on line) lthttpk-
amckokugakuinacjpDMpdfPreviewEOS+Index+of+Kamipdfgt (consultado em 24-06-2018)
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111 O papel de kami na cosmologia japonesa do processo de ldquodivisatildeordquo da
realidade agrave criaccedilatildeo da mesma
De entre as fontes que servem de base para o estudo de shintō nomeiam-se o Kojiki
(ca 712) Nihon shoki (ca 720) ShokuZoku Nihongi (続日本紀 ca 797) o Jingiryō (神祇令
ca701) o Kōtai Jingū Gishiki-chō ( 皇太神宮儀式帳) e Toyoke-gu Gishiki-chō (止由気宮儀
式帳) Kogo Shūi (古語拾遺) e o Engishiki (延喜式 ca 927) 37
Satildeo com efeito textos de
caraacutecter oficial respeitados por uma corte que colocava shintō em segundo plano
principalmente apoacutes o budismo ter adquirido um estatuto de ldquofavoritordquo por parte de Shōtoku
Taishi (聖徳太子 ca 604) notoacuterio apoiante da introduccedilatildeo de ideias de fora incluindo eacutetica
confuciana 38
Neste sentido pode-se afirmar o facto de shintō subsistir no territoacuterio japonecircs
como um conjunto de praacuteticas consagradas aos kami propriamente venerados nos jinja
Tanto no Kojiki como no Nihon shoki kami cometem erros satildeo violentos
caprichosos generosos ambiciosos tornando-se quer heroacuteis ou vilotildees nos mitos
efetivamente aproximando-os da natureza do ser humano ambos relatos parecem humanizar e
personificar os kami Participando passivamente ou ativamente no processo da criaccedilatildeo do
mundo estas formas de existecircncia e consciecircncia satildeo anteriores ao homem
Aleacutem de manifestarem uma personalidade proacutepria kami possuem uma identidade ou
seja um nome um geacutenero observando-se uma diferenccedila entre as primeiras duas geraccedilotildees de
kami e as restantes por exemplo no Kojiki a necessidade de especificar o sexo dos kami ndash
um termo de natureza neutra cujo plural eacute designado de kamigami (神々) ndash soacute se justifica a
partir do surgimento de uma ldquosegunda geraccedilatildeordquo de kami per si nunca se usando a dicotomia
moderna ogamimegami (男神 女神 ) viaacutevel no contexto de religiotildees politeiacutestas que
reconhecem a existecircncia de ldquodeusesrdquo e ldquodeusasrdquo respetivamente Com efeito nas fontes
japonesas kami eacute identificado como ldquomasculinordquo ou ldquofemininordquo atraveacutes da anaacutelise do seu
nome caso o kami possui uma terminaccedilatildeo foneacutetica lida como hiko (por ex 毘子毘古 日子)
eacute masculino em contrapartida hime (por ex 毘売比売姫) denota um kami do sexo oposto
Deste modo apenas os lsquonatildeo-hitorigamirsquo possuem um geacutenero masculino ou feminino
a segunda geraccedilatildeo de kami agrave qual pertence o casal Izanagi-no-kami (伊邪那岐神) e Izanami-
37
PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit p 17 pp 21-26 p 30 38
SYMONDS Reeds Shannon A History of Japanese Religion From Ancient Times to Present Thesis
submitted to the Department of History of the State University of New York College for partial fulfillment of the
requirements for the degree of Master of Arts supervised by Prof Dr Jennifer Lloyd and Prof Dr John
Killigrew 2005
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no-kami (伊邪那美神) ndash futuros progenitores da terceira geraccedilatildeo de kami criada em meio
terrestre ndash eacute composta por casais de irmatildeos e irmatildes 39
que com a exceccedilatildeo de Izanagi e
Izanami natildeo se envolvem no processo de criaccedilatildeo tornando-se conselheiros do casal Ao
receberem ordens de descer de Takamagahara Izanagi e Izanami datildeo iniacutecio ao processo da
criaccedilatildeo das ilhas do arquipeacutelago (kuni-umi 国生み) posteriormente criando kami (kami-umi
神生み) 40
Apesar de datarem do mesmo periacuteodo as obras possuem algumas diferenccedilas entre si
nomeadamente o seu estilo e linguagem de escrita bem como o seu conteuacutedo as histoacuterias do
Kojiki encontram-se recheadas de motivos mitoloacutegicos e cerimoacutenias que procuram explicar as
origens do povo japonecircs do arquipeacutelago e o ldquoque eacute conhecido como a era dos kamirdquo 41
Jaacute o
Nihon shoki modelado agrave maneira das croacutenicas chinesas apresenta uma dataccedilatildeo diligente das
entradas dos seus relatos e por vezes vaacuterias versotildees dos mesmos 42
Se a realidade do Kojiki tem iniacutecio num tempo de ldquoseparaccedilatildeo entre o ceacuteu e a terrardquo no
qual se manifestam os koto amatsukami ndash Ame-no-minaka-nushi (a possiacutevel corporizaccedilatildeo do
proacuteprio cosmos) 40
Taka-musubi-no-kami e Kami-musubi-no-kami ndash interpretados como
ldquoprinciacutepiosrdquo da atividade criativa e da criaccedilatildeo todos carecendo de atributos humanos ndash numa
dos relatos do Nihon shoki eacute mencionado um periacuteodo incerto antes da ldquoseparaccedilatildeo entre o ceacuteu
e a terrardquo e da divisatildeo de in e yō isto eacute o princiacutepio yin e yang (em japonecircs on-myō 陰陽)
forma-se assim uma ldquomassa caoacutetica como que um ovo (hellip) de limites definidosrdquo
posteriormente dividido entre um elemento mais ldquopurordquo (o Ceacuteu) e um elemento mais
ldquoconsistenterdquo (a Terra) Do seu meio nasce uma coisa que lembra um rebento de junco e que
adota uma forma mais fixa surge ldquoespontaneamenterdquo Kuni-toko-tachi-no-mikoto (國常立尊)
Logo a seguir surgem kami masculinos ldquogerados por operaccedilatildeo do princiacutepio do Ceacuteurdquo bem
como os seus congeacuteneres femininos formados pela muacutetua accedilatildeo do princiacutepio da Terra 43
No que concerne agrave criaccedilatildeo do mundo terrestre o Kojiki delega este papel a Izanagi e
Izanami que se estabelecem na ilha Ōyashima (大八島) originando a terceira geraccedilatildeo de
kami que nascem aos pares ou de forma individual associando-se a um elemento do mundo
natural (montanhas aacutervores mares sol e pedras espuma correntes cereais vento) ou
39
TAKEDA Tsunegaki op cit pp 16-17 40
Nesta passagem a palavra ldquocriaccedilatildeordquo corresponde agrave accedilatildeo de gerar algo De acordo com a traduccedilatildeo de Takeda o
verbo que expressa tal eacute ldquoumi ni narimasurdquo (産みになります) TAKEDA Tsunegaki op cit pp 19-23 41
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit p 54 42
BREEN John TEEUWEN Mark op cit pp 29-30 43
PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit pp 6-8
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humano (embarcaccedilotildees) 44
Eacute no momento do nascimento do kami do fogo (Hi-no-kagutsuchi-
no-kami火迦具土神) que se introduz a natureza natildeo imortal de Izanami que ainda consegue
gerar alguns kami antes de morrer das feridas 45
Apoacutes a sua morte Izanami toma residecircncia permanente no submundo Yomu-no-
kuniYomi-no-kuni (黄泉の国) levando Izanagi a desesperadamente tentar trazecirc-la de volta
ao mundo da superfiacutecie ecoando o mito de Orfeu e Euriacutedice notando-se ainda algumas
semelhanccedilas com a mitologia de Perseacutefone que privada de regressar ao mundo humano por
ter consumido algo daquele lugar torna-se a esposa de Hades e partilha com ele a
responsabilidade de governaccedilatildeo dos Infernos Izanami (que tambeacutem admite ter comido algo
do Yomu-no-kuni formalizando a sua nova identidade como uma habitante do Yomi) torna-se
a uacutenica governante do submundo cortando laccedilos definitivos com o seu esposo se Izanagi
escolhe o caminho da criaccedilatildeo da humanidade Izanami confere a esta espeacutecie a mortalidade
explica-se o porquecirc da vida e da morte 46
112 Depois da criaccedilatildeo kami como agentes da Ordem e da Desordem
Ora a introduccedilatildeo do mundo inferior no Kojiki e no Nihon shoki completa uma das
visotildees shintō do mundo descritas por Hara como ldquoverticalrdquo e ldquotridimensionalrdquo
Takamagahara pertencia ao ldquoplano superiorrdquo onde habitavam os kami o Nakatsu-kuni (中つ
の国 ) seria a ldquodimensatildeo do meiordquo a morada dos seres humanos o Yomi-no-kuni 46
corresponderia ao ldquoplano inferiorrdquo conceito presente em outras religiotildees cujas mitologias de
criaccedilatildeo mencionam um elemento liacutequido (oceano) e um elemento soacutelido (terra) que esconde
um outro ldquomundordquo abaixo da superfiacutecie por exemplo em contexto grego o submundo Hades
(natildeo o deus mas o local em si) pode ser equiparado ao Yomi-no-kuni
Por outro lado Hara refere-se a uma segunda visatildeo ldquohorizontalrdquo do cosmos dividido
a meias entre o Toko-yo (常世) o ldquomundo onde os espiacuteritos purificados dos mortos residemrdquo
e o ldquomundo da humanidaderdquo 46
o que nos remete para a barreira entre o ldquoinvisiacutevelrdquo e o
ldquovisiacutevelrdquo Na terminologia do Kojiki se Izanami eacute a senhora do Yomi Izanagi eacute responsaacutevel
44
TAKEDA Tsunegaki op cit pp 25-29 45
TAKEDA Tsunegaki op cit pp30-36 46
HARA Kazuya Aspects of Shinto in Japanese Communication Comunicaccedilatildeo apresentada na conferecircncia
ldquoIntercultural Communication Studies XII Asian Approaches to Human Communicationrdquo (Chiba Abril de
2003)
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pelo ldquomundo da humanidaderdquo (utsushi-yo (現世) 47
palavra composta pelo kanji de lsquorealrsquo - no
sentido de lsquovisiacutevelrsquo - e lsquorealidademundorsquo Tudo que esteja para laacute do visiacutevel pertence a ldquooutra
realidaderdquo
Todavia a existecircncia de ldquobarreirasrdquo entre mundos (aacutervores no caso de se desejar
aceder ao ldquoplano superiorrdquo ldquocelesterdquo ou poccedilos e cavernas se pretender visitar os niacuteveis
inferiores da terra) natildeo exclui a hipoacutetese de interaccedilatildeo de humanos com os kami e ldquoespiacuteritosrdquo
que natildeo pertencem ao nosso mundo do mesmo modo que os ldquoseres humanos podem visitar os
outros mundosrdquo habitantes natildeo humanos podem surgir temporariamente na nossa realidade
permitindo a cultivaccedilatildeo da relaccedilatildeo dos humanos com o ldquopara laacute de humanordquo 48
No Nihon shoki aplica-se um modelo tripartido da realidade Ceacuteu Terra e ldquomundo
subterracircneordquo ou Oceano Amaterasu eacute uma ldquocrianccedila estrondosa que devia de nosso acordo ser
enviada de imediato para o Ceacuteu e confiar-lhe os assuntos do Ceacuteurdquo uma responsabilidade
partilhada com o kami da Lua Tsukiyomi-no-mikoto ldquoo Deus que devia ser o consorte da
Deusa do Solrdquo devendo-se ter em consideraccedilatildeo o uso dos termos duacutebios ldquodeusesrdquo e ldquodeusasrdquo
como uma tentativa de aproximar a realidade mitoloacutegica japonesa ao entendimento do puacuteblico
ldquoocidentalrdquo por parte de Aston Autor desta traduccedilatildeo do Nihon shoki publicado sob o nome
de Nihongi Chronicles of Japan from the Earliest Times to AD697 (1972) Aston diz que a
Terra eacute o domiacutenio do ldquomeiordquo e refere-se ao arquipeacutelago do Japatildeo formalmente conhecido
como ldquoToyo-ashi-hara-chi-woaki no midzu-hordquo que numa versatildeo da ldquohistoacuteriardquo acerca das
origens dos trecircs irmatildeos kami (Amaterasu Tsukiyomi e Susano-o) pertenceria a Susano-o-no-
mikoto Kami de temperamento feroz e personalidade cruel Susano-o provoca Desordem ao
negligenciar a terra e as suas populaccedilotildees Exilado no Ne-no-kuni por ordem de Izanagi e
Izanami Susano-o torna-se o governante daquele mundo 49
O segundo relato da divisatildeo dos trecircs ldquomundosrdquo pelo trio de irmatildeos - cujo nascimento
eacute possivelmente inspirado na narrativa do Kojiki que descreve a fuga de Izanagi do Yomi-no-
kuni Amaterasu nasce apoacutes este lavar o olho esquerdo sendo-lhe entregue Takamagahara a
ldquoPlaniacutecie Elevada do Ceacuteurdquo Tsukiyomi nasce do olho direito e recebe o vasto domiacutenio do
oceano Por fim Susano-o nasce do nariz de Izanagi e apesar de herdar o domiacutenio do meio
(Terra) acaba por ser banido para o ldquomundo inferiorrdquo como puniccedilatildeo pela sua negligecircncia 50
47
TAKEDA Tsunegaki op cit pp30-36 48
MATSUMURA Kazuo ldquoView of the other world (takaikan)rdquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and
Doctrines Basic Concepts (on line) lthttpk-
amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23640gt (consultado em 24-06-2018) 49
PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit pp 9-12 50
TAKEDA Tsunegaki op cit pp30-36
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 28
Com efeito o domiacutenio subterracircneo estaacute sempre presente nas narrativas do Kojiki e
Nihon shoki recebendo um papel de destaque ou secundaacuterio o que por sua vez natildeo implica a
sua ausecircncia em outras fontes numerosas referecircncias a ldquomundosrdquo incompreensiacuteveis e para laacute
da realidade fiacutesica diversificam a visatildeo japonesa de um ldquooutro mundordquo (takaikan 他界観)
geralmente considerado como um ldquooutro mundordquo longiacutenquo ldquooceacircnicordquo feacutertil e uma terra de
imortalidade observando-se um paralelo com o conceito taoiacutesta de uma Terra dos Imortais (a
ilha de Peng-lai ou Hōrai-jima em japonecircs 蓬莱島) a Terra das Raiacutezes (Ne-no-kuni 根国)
pode ser ldquovisitadardquo atraveacutes de uma caverna supostamente localizada em Iga proviacutencia de
Izumo atual prefeitura de Shimane e eacute governada por Susano-o-no-mikoto 51
O reconhecimento de uma divisatildeo tripartida do mundo repercute-se no Kojiki ateacute
um certo momento Izanagi e Izanami detinham domiacutenio conjunto sobre a Terra um ldquomundordquo
modelado pelas suas proacuteprias accedilotildees enquanto ldquocriadoresrdquo de kuni e kami Takamagahara
pertencia aos amatsu-no-kami o Yomi-no-kuni natildeo pertencia a ningueacutem em concreto embora
jaacute fosse um mundo habitaacutevel per si Com a dissoluccedilatildeo do matrimoacutenio de Izanagi e Izanami a
situaccedilatildeo muda por completo eacute necessaacuterio criar novos liacutederes capazes de garantir o equiliacutebrio
entre os mundos da superfiacutecie uma vez que Izanami (esteacuteril) eacute agora a uacutenica governante do
Yomi Em suma pretende-se uma nova geraccedilatildeo para uma nova ordem tornando Izanagi no
ldquoprogenitorrdquo de um conjunto de kami Natildeo existindo qualquer ato sexual propriamente dito os
kami ldquotornam-serdquo como consequecircncia direta dos seus atos de purificaccedilatildeo (misogi)
Neste sentido agrave medida que Izanagi se despe para lavar o seu corpo da ldquosujidaderdquo
(kegare穢) do Yomi-no-kuni surgem vaacuterios kami dos seus acessoacuterios (cana obi isto eacute a peccedila
de tecido usada em torno da cintura que prende a veste tradicional japonesa) a sua espada e
roupa bem como de alguns kami que se ldquotornamrdquo em simultacircneo com a lavagem do corpo
numa nascente Por fim manifesta-se o trio de irmatildeos que herdaria uma das trecircs partes do
mundo tal como ordenado por Izanagi a Amaterasu de aparecircncia resplandecente capaz de
iluminar os ceacuteus recebe Takamagahara uma posiccedilatildeo legitimada por Izanagi que lhe oferece
um acessoacuterio para pendurar ao pescoccedilo o seu irmatildeo Tsukuyomi-no-mikoto (月読の命) e kami
da Lua eacute adequadamente encarregue do yoru no osu kuni (夜之食国) - entendido por Takeda
como yoru no sekai literalmente o ldquomundo da noiterdquo Susano-o-no-mikoto (須佐之男命) e
kami das tempestades (arashi no kami 嵐の神) manifestando uma personalidade tempestuosa
51
MATSUMURA Kazuo ldquoView of the other world (takaikan)rdquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and
Doctrines Basic Concepts (on line) lthttpk-
amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23640gt (consultado em 24-06-2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 29
e conflituosa recebe a tarefa de governar a lsquoplaniacutecie dos maresrsquo (unabara 海原) expressatildeo
que designa um domiacutenio terreno (kuni) e natildeo algo pertencente ao mundo marinho (tal como eacute
sugerido pelo kanji de umi ou ldquomarrdquo) 52
De entre os trecircs mencionados kami Susano-o eacute notoriamente o mais invejoso
procurando humilhar a sua irmatilde ao ponto de esta se refugiar numa caverna a ldquoPedra-caverna
do Ceacuteurdquo (Ama no Iwato (天の岩戸) Consequentemente ldquotoda a Alta Planiacutecie do Ceacuteu tornou-
se escura e toda a Terra Central das Planiacutecies de Junco estava escura tambeacutem Por causa disto
noite eterna reinavardquo 53
Em outras palavras a ausecircncia de Amaterasu estaacute conotada com um
estado de Desordem do proacuteprio cosmos um caos que necessita de regressar ao seu estado de
Ordem o quanto antes sendo que Susano-o eacute o agente da Desordem e a sua irmatilde a agente da
Ordem traccedilada por Izanagi
Amaterasu soacute retoma as suas responsabilidades de guardiatilde de Takamagahara e por
associaccedilatildeo da ldquoTerra Central das Planiacutecies de Juncordquo devido ao esforccedilo conjunto das ldquooito
miriacuteades de kami reunidas na margem do Paciacutefico Rio do Ceacuteu numa reuniatildeo divinardquo o
episoacutedio em si eacute uma histoacuteria de elevado cariz sexual protagonizada por Amaterasu tem como
antagonista Susano-o e inclui alguns kami que apesar de serem personagens secundaacuterias satildeo
essenciais para a devoluccedilatildeo do mundo ao seu estado de Ordem cada kami tenta fazer com que
Amaterasu saia do esconderijo convocando-se outros kami para o efeito Cabe a Ame-no-
uzume-no-mikoto (天宇受売命) a uacuteltima tentativa executando uma danccedila muito provocante
durante um ldquoestado alterado de consciecircnciardquo e como resultado todos os kami riem-se A
curiosa Amaterasu interroga-se sobre o porquecirc desta comoccedilatildeo e eacute atraiacuteda para fora da caverna
ficando temporariamente cega ao ver o seu proacuteprio reflexo num espelho permitindo aos kami
selarem definitivamente a Ama no Iwato trazendo a luz de volta ao mundo e com ela a
Ordem 54
O episoacutedio tambeacutem constitui uma das referecircncias mais antigas e descritivas de rituais
executados em shintō o elemento da danccedila de entretenimento (kagura) eacute uma das partes
integrais da cerimoacutenia de dedicaccedilatildeo aos kami nos santuaacuterios e neste mito em particular possui
claramente uma intenccedilatildeo de reordenaccedilatildeo Ame-no-uzume-mo-mikoto pode ser interpretada
como um protoacutetipo de uma miko (巫女) embora ecoando uma imagem provocante (a danccedila e
52
TAKEDA Tsunegaki op cit pp38-41 53
BREEN John TEEUWEN Mark op cit pp 129-130 54
TAKEDA Tsunegaki op cit pp 50-52
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a o vestuaacuterio) diferente da imagem tiacutepica de uma miko Ono Sokyō descreve-as como
ldquofuncionaacuterias puacuteblicasrdquo e filhas de sacerdotes ou locais residentes cujos deveres para com o
jinja findam quando se casam sendo substituiacutedas por outras A sua funccedilatildeo prende-se com o
ldquoritualrdquo auxiliando os responsaacuteveis pelos jinja na preparaccedilatildeo das cerimoacutenias 55
Natildeo obstante a kami atua como representante da classe Sarume (猿女) uma das
primeiras quatro classes sacerdotais geralmente composta por danccedilarinos e cuja linhagem
remontaria a Ame-no-uzume-no-mikoto esposa de Sarutahiko-no-kami o kami associado agrave
fertilidade e ao ato sexual Por sua vez se os Nakatomi (中臣) retraccedilam as suas origens a
Ame-no-koyane-no-mikoto (天児屋命) 56
realizavam ritos e entoavam norito os Inbe (斎部)
encarregavam-se dos rituais de abstenccedilatildeo garantindo uma ldquopureza cerimonial a fim de afastar
poluiccedilatildeo e manter contacto constante com os kamirdquo 57
descendendo do kami responsaacutevel por
selar a Ama no Iwato (Futodama-no-mikoto 布刀玉命 ) 58
Quanto aos Urabe (卜部 )
responsabilizavam-se por ldquoadivinharrdquo da vontade dos kami 57
agrave semelhanccedila dos ldquoadivinhosrdquo
da dinastia chinesa Zhou que recorriam agrave leitura das fissuras das carapaccedilas de tartaruga e
omoplatas de gado depositadas no fogo
Aleacutem do elemento de danccedila o episoacutedio regista a presenccedila de oferendas (shinsen神
饌) praacutetica que corresponde atualmente agrave ldquosegunda faserdquo dos rituais (de Ordem) em shintō
no mito shinsen satildeo substituiacutedas por tamagushi (玉串) - ramos da aacutervore sakaki (榊) em
torno dos quais satildeo atadas as ldquojoacuteias curvasrdquo (magatama 勾玉) - e eacute claro o espelho por sua
vez interpretado por Takeda como o ceacutelebre Yata no kagami (八咫鏡) um dos trecircs siacutembolos
da casa imperial (sanshū no jingi 三種の神器) juntamente com a ldquojoacuteia curvardquo Yasakani no
magatama (八尺瓊曲玉)
O uacutenico siacutembolo ausente eacute a espada Kusanagi no KenTsurugi (草薙剣) que soacute surge
efetivamente no episoacutedio seguinte narrando-se o desterrar de Susano-o para a Terra apoacutes ter
sofrido derrota agraves matildeos da irmatilde que por sua vez se refugiaria temporariamente na Ama no
Iwato como jaacute mencionado anteriormente Susano-o negligenciava constantemente o seu
domiacutenio a sua maior ambiccedilatildeo era ocupar o trono de Amaterasu em Takamagahara
competindo sempre que podia com a irmatilde sendo que um dos seus desafios testava a
capacidade de reproduccedilatildeo enquanto kami-progenitores Uma vez que os filhos de Amaterasu
55
ONO Sokyō op cit pp 41-44 56
BREEN John TEEUWEN Mark op cit pp 133-136
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nascem primeiro 57
confirma-se a posiccedilatildeo desta kami como governante uacutenica dos assuntos do
ldquodomiacutenio superiorrdquo
De orgulho ferido Susano-o lsquodescarregarsquo a sua raiva e eacute punido pelos seus atos
(neste contexto o uso da palavra tsumi [罪] especifica a natureza ofensiva das accedilotildees de
Susano-o) passando a servir os outros kami como forma de arrependimento cometendo um
uacuteltimo ato atroz mas invulgarmente necessaacuterio o kami mata a kami da comida Ōgetsuhime-
no-kami 58
(大気都比売神 tambeacutem identificada como Toyo-uke-hime-no-kami) e do seu
cadaacutever nascem os cinco cereais fundamentais para a atividade agriacutecola 59
Por outras
palavras a atitude violenta de Susano-o revela-se beneacutefica e natildeo prejudicial como em outros
episoacutedios tornando esta personagem uma espeacutecie de ldquomal necessaacuteriordquo
Em Izumo Susano-o adquire um estatuto equivalente ao de heroacutei o kami viaja pela
terra ateacute se deparar com um casal de kami cujas filhas tinham sido constantemente devoradas
por um terriacutevel ser de oito cabeccedilas (Yamata no Orochi八岐大蛇) Prometendo ajudar o casal
em troca da matildeo da uacuteltima filha Susano-o embriaga a serpente e decepa-lhe a cauda da qual
misteriosamente emerge a Kusanagi no tsurugi Desposando Kushi-na-ta-hime (櫛名田比売)
Susano-o fixa-se definitivamente em Izumo 60
Ora a derradeira meta de Susano-o eacute nada mais do que adquirir influecircncia
comparaacutevel agrave da sua irmatilde criando vaacuterias linhagens de kami (unindo-se em matrimoacutenio agraves
filhas de outros kami) cujas crianccedilas pudessem assumir a responsabilidade de ldquocriarrdquo novos
domiacutenios no arquipeacutelago japonecircs De entre os descendentes de Susano-o destacar-se-ia
Ōkuninushi-nushi-no-kami (大国主神) - literalmente ldquoo kami que governa os kunirdquo (kuni wo
shihaisuru kami国を支配する神) - Seguindo nas pisadas do casal Izanagi e Izanami e do
seu antepassado Susano-o Ōkuninushi empenhar-se-ia na ldquoconstruccedilatildeo da terrardquo 60
Por sua
vez Amaterasu e o seu consorte Taka-musubi-no-kami ldquodecidem estabelecer domiacutenio celesterdquo
57
TAKEDA Tsunegaki op cit pp45-47 58
AKEDA Tsunegaki op cit pp54-55 59
Curiosamente no episoacutedio de Tsukuyomi e Ukemochi (Nihon shoki) constata-se um grande paralelo com o
mito anterior Tsukuyomi mata Ukemochi-no-mikoto num acesso de raiva pela mesma razatildeo que Susano-o
Ukemochi tinha produzido comida pela boca efetivamente ldquosujando-ardquo (kegare) Como resultado Amaterasu
afasta-se definitivamente de Tsukuyomi dando iniacutecio agrave sucessatildeo dos dias e das noites Entretanto do cadaacutever da
kami brotam alimentos que seriam cultivados para consumo humano (gado arroz trigo etc) Nihonsinwa ldquo第
五段一書(十一)ウツシキアオヒトクサrdquo (Quinta secccedilatildeo 11 Utsushiki-aohitokusa) 日本書紀神代上
(Nihon shoki Kami-yo Parte Superior) (on line) lthttpnihonsinwacompage699htmlgt (consultado em 24-06-
2018) 60
TAKEDA Tsunegaki op cit pp55-60
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sobre o Ashihara Nakatsu kuni (葦原中国) tornando o territoacuterio oficialmente pertenccedila dos
amatsu-no-kami 61
Duas geraccedilotildees mais tarde Ninigi (neto de Amaterasu e Taka-musubi) desceria ao
domiacutenio do meio e receberia de Amaterasu as sanshū jingi (espada espelho e magatama)
oficializando o novo regime de governaccedilatildeo honrado pelo seu bisneto o futuro primeiro
Imperador humano do Japatildeo que adotaria o nome de Jinmu (神武) no seguimento das suas
campanhas bem-sucedidas contra os descendentes dos kunitsu-no-kami na planiacutecie de Yamato
61 No fundo constata-se uma segunda interrupccedilatildeo da ordem do cosmos cuja reposiccedilatildeo por
Ninigi e Jinmu definiria a nova reparticcedilatildeo do mundo Takamagahara continuaria a ser
governado por Amaterasu representante por excelecircncia dos amatsu-no-kami sendo que o
ldquodomiacutenio do meiordquo permaneceria sob o controlo da famiacutelia imperial cuja linhagem
descenderia diretamente de Amaterasu natildeo do seu irmatildeo Susano-o
12 Shintō como processo interaccedilotildees com outras ideias vindas de fora
Natildeo obstante o episoacutedio da descida de Ninigi e o relato da vitoacuteria de Jinmu sobre os
seus inimigos fazem parte de uma cuidadosa estrateacutegia poliacutetica enraizada na proacutepria corte
reconhecendo-se o papel de Amaterasu (Kojiki) ou de Taka-musubi-no-kami (Nihon shoki) 62
no processo de legitimaccedilatildeo da soberania da famiacutelia imperial sobre o territoacuterio japonecircs Em
ambos casos o resultado eacute o mesmo contraria-se o sistema caracterizado por unidades
familiares que detinham domiacutenio sobre um ou mais territoacuterios emergindo uma nova ordem
poliacutetica sediada na planiacutecie do Yamato e cujo liacuteder adota o tiacutetulo de Imperador (tennō 天皇)
destacando-se de outros liacutederes familiares pelo seu interesse para com sistemas e ideias vindas
de fora tais como as Vias de Confuacutecio do Dao e do Buda
121 Via de Confuacutecio dinamizando a eacutetica japonesa
No primeiro caso a tradiccedilatildeo confuciana introduz-se na esfera da educaccedilatildeo de corte
tornando-se indispensaacutevel para a criaccedilatildeo de poesia (ao estilo chinecircs natildeo japonecircs) e uma
61
BREEN John TEEUWEN Mark op cit pp 29-30 62
BREEN John TEEUWEN Mark op cit pp 29-30
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 33
influecircncia nos comentaacuterios de capiacutetulos do Nihon shoki 63
De entre as vaacuterias escolas de
pensamento a de Zhu Xi tornar-se-ia extremamente popular dentro do sacerdoacutecio shintō
culminando na criaccedilatildeo de Suika shintō (垂加神道) por parte de Yamazaki Ansai (山崎 闇
斎 1612-1682) que enfatizava uma ldquoGrande Viardquo estabelecida por Amaterasu produzindo
um novo conceito de ldquoreverecircncia para o imperadorrdquo ligado com a noccedilatildeo de Japatildeo como a
ldquoterra dos kamirdquo 64
Durante o Periacuteodo Edo (1603-1868) a relaccedilatildeo entre confucionismo e shintō seria
levada a um outro patamar nascendo juka shintō (儒家神道) Fundamentando a teoria de que
estes dois sistemas eram um (shinju icchi神儒一致) 65
este tipo de shintō contribuiria para
criaccedilatildeo de outras vertentes natildeo tanto focadas na praacutetica de ritual mas antes na anaacutelise e
exposiccedilatildeo teoacuterica deste uacuteltimo e consequentemente a reinterpretaccedilatildeo de conceitos e ideias
shintō ao estilo confuciano por exemplo a linha de pensamento de Aizawa Seishizai (会沢
正志斎 1782-1863) atribui a Amaterasu qualidades como lealdade e piedade filial fazendo
de shintō uma ldquoVia Confucianardquo onde ldquoordem social construiacutea-se sobre lealdade e devoccedilatildeo
filial (hellip) para sempre envigorada pela atuaccedilatildeo exemplar do Imperador de atos rituais na
presenccedila da sua antepassada a deusa-solrdquo 66
Contudo a chegada de um periacuteodo moderno faz estender esta tradiccedilatildeo a outros
domiacutenios aleacutem de jinja shintō os setores confucianos de kyōha shintō (教派神道 )
denominados Shintō Shūseiha (神道修成派) e Shintō Taiseikyō (神道大成教) Tanto num
caso como no outro a linha de pensamento dos grupos eacute modelada pela vivecircncia do
ldquoorganizadorrdquo ou ldquofundadorrdquo por exemplo Nitta Kuniteru (新田 邦光 1829-1902) possuiacutea
uma visatildeo poliacutetica profundamente ldquolealistardquo focada na reverecircncia ao Imperador e na exclusatildeo
de ideias ldquoocidentaisrdquo que supostamente acelerassem o desenvolvimento do Japatildeo
Familiarizado com os claacutessicos confucianos e a Via do bushi (武士道) Nitta desenvolveria
com os seus companheiros uma mentalidade proacutepria que elevava shintō ao estatuto de uma
63
YAZAKI Hiroyuki ldquoShinto and Confucianismrdquo Encyclopedia of Shinto 1 General Introduction Religious
and Intellectual Influences on Shinto (on line) lthttpk-
amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23042gt (consultado em 24-06-2018) 64
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 311-312 65
YAZAKI Hiroyuki ldquoShinto and Confucianismrdquo Encyclopedia of Shinto 1 General Introduction Religious
and Intellectual Influences on Shinto (on line) lthttpk-
amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23042gt (consultado em 24-06-2018) 66
BREEN John TEEUWEN Mark op cit pp 29-30 p69
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 34
ldquoGrande Viardquo associada a obrigaccedilotildees morais patriotismo que deviam ser sempre praticados
pelos japoneses o que iria ao encontro das ideias do governo Meiji 67
Em 1876 o poder poliacutetico reconheceria Shūsei Kōsha (修成構社) ndash o grupo fundado
por Nitta ndash como um grupo independente nascendo oficialmente a Shintō Shūseiha uma
organizaccedilatildeo que possuiacutea dois grupos distintos de aderentes por um lado os estudantes de
Nitta do final do periacuteodo Edo por outro membros de outros grupos que se tinham juntado a
Shūseiha apoacutes a restauraccedilatildeo Meiji (1868) 68
No que concerne aos seus ensinamentos combinavam-se conceitos de shintō (kami)
com ldquoelementos da cosmologia de pensamento neo-confuciano e outras crenccedilas sincreacuteticasrdquo
notando-se a importacircncia do Nihon shoki e do Kojiki (de onde derivam os termos shū ndash shūri
修理 reparaccedilatildeo ndash e sei ndash de kōusei 構成 consolidaccedilatildeo) entre outros textos eacute no princiacutepio de
shūsei que ldquojaz a lei fundamental da evoluccedilatildeo do universo (hellip) o processo da humanidade e o
avanccedilar da sociedade se devem agrave operaccedilatildeo deste princiacutepio uacutenicordquo consolidado pela
observaccedilatildeo da ldquolei moral e os meios pelos quais os assuntos da famiacutelia e sociedade satildeo
administradosrdquo Enfatizando uma atitude de veneraccedilatildeo aos kami aos antepassados e eacute claro o
desenvolvimento de caraacutecter do individuo que devia atuar de forma correta mantendo
ldquotemperanccedila e frugalidaderdquo 69
shūseiha propotildee uma mistura de praacutetica e doutrina orientada
para o indiviacuteduo podendo ser interpretada como uma ldquodisciplinardquo que o guiasse ao longo da
sua vida natildeo muito diferente da proposta de shintō
Por outro lado Hirayama Seisai ( 平山省斎 1815-1890) acumulou cargos
governamentais e dedicou-se aos estudos de Chinecircs e Kokugaku em Edo No periacuteodo poacutes-
restauraccedilatildeo Meiji Hirayama teraacute inaugurado uma escola de estudos chineses no periacuteodo
gradualmente envolvendo-se em assuntos de cariz ldquoreligiosordquo ndash tornou-se sacerdote-liacuteder em
santuaacuterios relevantes como o de Hikawa e de Hie ndash ao ponto de formar em 1879 a Taisei
Kyōkai (大成教会) que em 1882 ganharia independecircncia e acomodaria dezenas de grupos
Shintō Taiseikyō 70
Enaltecendo o caraacutecter educativo de shintō o setor considera a veneraccedilatildeo dos jingi e
dos antepassados (o que em termos tradicionais natildeo representa nada de novo) como
responsabilidade do indiviacuteduo que por sua vez deve alcanccedilar a felicidade e viver ldquobemrdquo o que
67
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 221-224 68
INOUE Nobutaka ldquoThe Formation of Sect Shinto in Modernizing Japanrdquo Journal of Japanese Studies nordm 29
(3-4) 2002 pp 405-427 69
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 221-224 70
INOUE Nobutaka ldquoThe Formation of Sect Shinto in Modernizing Japanrdquo Journal of Japanese Studies nordm 29
(3-4) 2002 pp 405-427Studies
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 35
estaacute de acordo com a visatildeo positiva de shintō em relaccedilatildeo ao indiviacuteduo Uma vez que o ser
humano possui ldquobons espiacuteritosrdquo (possivelmente a tradiccedilatildeo original seria uma ldquoboardquo tamashii)
este tem a capacidade inerente de se autodisciplinar e autorreformar atraveacutes do devido esforccedilo
devendo confiar e executar o ritual ldquoagrave maneira de geraccedilotildees sucessivas de Cortes Imperiaisrdquo 70
Com efeito Taiseikyō procura honrar a tradiccedilatildeo de jinja shintō e reforccedila a ideia de que shintō
eacute para todos os efeitos uma Via criada para os humanos
29 (3-4) 2002 pp 405-427
122 Via do Dao cultivando a relaccedilatildeo entre o governo japonecircs e o culto aos kami
A segunda Via enfatiza a natureza ritual de shintō e eacute acolhida com o maior
entusiasmo pelo poder poliacutetico como se constata na narrativa cosmoloacutegica do Nihon shoki no
uso de espadas e espelhos em contexto ritual nos cultos ao Imperador agrave Estrela Polar e agrave
Ursa Maior 71
A Via do Dao definir-se-ia entatildeo como uma espeacutecie de auxiliar ao culto jingi
que se encontrava ao serviccedilo da corte imperial isto eacute da esfera privada agrave necessidade de
venerar os kami juntar-se-ia a atuaccedilatildeo poliacutetica uma noccedilatildeo expressa no conceito de
matsurigoto (政) Posteriormente recuperado e adaptado agrave mentalidade Meiji designando-se
saisei icchi (祭政一致) o princiacutepio de unidade da execuccedilatildeo dos ritosveneraccedilatildeo dos kami e de
governar o territoacuterio matsurigoto parece harmonizar os aspetos rituais e poliacuteticos dentro do
territoacuterio japonecircs algo reconhecido por Ono Sokyō no seu entender ldquofestivais e ritos para
vaacuterios kami tutelares e a administraccedilatildeo de clatildes e sociedade local eram essencialmente uma
uacutenica funccedilatildeordquo 72
Essecircncia do ritual em jinja shintō e kōshitsu shintō os matsuri satildeo tanto ocasiotildees
festivas e alegres como possuem um aspeto mais soacutebrio e solene sobretudo se realizados por
indiviacuteduos ligados ao poder poliacutetico no caso dos ldquoritos imperiaisrdquo deve-se incluir o lsquomatsuri
das origensrsquo (Genshi-sai元始祭 3 de Janeiro) a celebraccedilatildeo da passagem das estaccedilotildees do ano
- a Primavera (Shunki Shindensai 春季神殿祭 e Shunki Kōreisai 春季皇霊祭) e Outono
(Shūki Shindensai 秋季神殿祭 e Shūki Kōreisai 秋季皇霊祭 ) Acrescenta-se ainda o
Niinamesai (新嘗祭 23 de novembro) e o Kannamesai (神嘗祭 17 de outubro) 73
um dos
treze principais matsuri listados e calendarizados no Jingiryō
71
KURODA Toshio ldquoShinto in the History of Japanese Religionrdquo Journal of Japanese Studies nordm 7 (1) 1981
pp 1-21 72
ONO Sokyō op cit p76 73
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 79-80 p96
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 36
Supervisionados pelo Jingikan (神祇官) estes treze matsuri eram hierarquizados em
ldquomaiorrdquo ldquomedianordquo e ldquomenorrdquo ndash os ritos de maior importacircncia (taishi) eram celebrados
durante todo o mecircs os chūshi duravam trecircs dias e os shōshi apenas um dia 74
Kinensai
(ldquocerimoacutenia de preces para o Anordquo) era celebrado no segundo mecircs Chinkasai (ldquocerimoacutenia de
pacificaccedilatildeo das floresrdquo) no terceiro mecircs Kanmisosai (de caraacutecter bianual) no quarto e nono
meses Ōimisai (realizado no jinja de Hirose) no quarto e seacutetimo mecircs Saigusasai (realizado
no jinja de Ōmiwa) e Fūjinsai (matsuri em honra do kami do vento) no quarto e seacutetimo mecircs
No sexto e deacutecimo segundo mecircs celebrava-se o Tsukinamisai algo replicado no Chinkasai
(rdquocerimoacutenia da pacificaccedilatildeo do fogordquo) e Michiaesai (ldquocerimoacutenia dos quatro campos da
capitalrdquo) Quanto ao nono mecircs este estava reservado para o Kannamesai (ldquocerimoacutenia da
degustaccedilatildeo divina dos frutosrdquo) seguido do Ainamesai (ldquocerimoacutenia de partilha dos frutosrdquo) o
Chinkonsai (rdquocerimoacutenia para a pacificaccedilatildeo do espiacuteritos augustosrdquo) e o Daijōsai (rdquogrande
cerimoacutenia de degustaccedilatildeo dos frutosrdquo) agendados no deacutecimo primeiro mecircs 75
No fundo o Jingikan regulava o modo de veneraccedilatildeo dos jingi cujas metas revolviam
sempre em torno do bem puacuteblico obtenccedilatildeo de boas colheitas garantia da ldquosauacutede e seguranccedila
do imperador do palaacutecio e da capitalrdquo e eacute claro proteccedilatildeo contra invasotildees rebeliotildees e doenccedilas
que afetassem a populaccedilatildeo 76
o palaacutecio imperial era nada mais do que um centro de ritual e a
elite qualificada da capital a grande autoridade sobre todos os assuntos shintō e taoiacutestas
Como se pode constatar as atividades desta instituiccedilatildeo complementavam-se com a
atuaccedilatildeo do Escritoacuterio Yin-Yang (Onmyōryō 陰陽寮) Operado por dezenas de indiviacuteduos
empenhados na manutenccedilatildeo do equiliacutebrio coacutesmico atraveacutes dos mais diversos meios
(astronomia calendarizaccedilatildeo e adivinhaccedilatildeo yin-yang este oacutergatildeo seria o siacutembolo da adaptaccedilatildeo
da escola de pensamento on-myōdō ( 陰 陽 道 ) ao contexto japonecircs permitindo o
desenvolvimento de certas praacuteticas hoje aceites na cultura japonesa como formas de
lsquosupersticcedilatildeorsquo ou lsquomagiarsquo por exemplo a adivinhaccedilatildeo baseada nos signos do zodiacuteaco chinecircs
ou direccedilotildees da buacutessola 77
74
HAYASHI Makoto ldquoShinto and Onmyōdōrdquo Encyclopedia of Shinto 1 General Introduction Religious and
Intellectual Influences on Shinto (on line) lthttpk-
amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23043gt (consultado em 24-06-2018) 75
TAKASHIO Hiroshi ldquoJingiryōrdquo Encyclopedia of Shinto 3 Institutions and Administrative Practices
Ancient (on-line) lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23330gt
(consultado em 24-06-2018) 76
BREEN John TEEUWEN Mark op cit p32 pp36-37 77
HAYASHI Makoto ldquoShinto and Onmyōdōrdquo Encyclopedia of Shinto 1 General Introduction Religious and
Intellectual Influences on Shinto (on line) lthttpk-
amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23043gt (consultado em 24-06-2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 37
Durante o Periacuteodo Heian (794-1185) as proacuteprias cerimoacutenias onmyōdō adaptam-se
aos rituais estatais (positivos) sendo ldquointroduzidas como ritos de proteccedilatildeo pessoal para o
imperadorrdquo dirigidos a ldquocorpos celestiaisrdquo e aos kami Uns seacuteculos mais tarde a Via do Dao
tornar-se-ia objeto de interesse pelas ldquopessoas comunsrdquo que patrocinavam ldquoritosrdquo e
praticavam ldquomagia pessoal para convidar becircnccedilatildeos e evitar maacute-sorterdquo 77
Neste sentido on-
myōdō reconhecia a existecircncia de forccedilas ldquonegativasrdquo que deviam ser eliminadas e pacificadas
claramente enriquecendo a noccedilatildeo de ldquoespiritualidaderdquo em shintō
Uma Via fundada e divulgada por certas famiacutelias que lhe enalteciam um aspeto
ldquomaacutegicordquo onmyōdō conheceria especial popularidade em algumas escolas de pensamento
refletindo a existecircncia de movimentos internos da proacutepria Via dos kami que conjugavam o
aspeto mais praacutetico com a exposiccedilatildeo teoacuterica desta uacuteltima Assim onmyōdō tornar-se-ia uma
referecircncia para os autores responsaacuteveis pela criaccedilatildeo de Ise shintō (伊勢神道 ) e Yoshida
shintō (吉田神道) ambas possuindo uma relaccedilatildeo bastante familial os principais autores e
comentadores provinham de famiacutelias associados a um santuaacuterio especiacutefico sendo que os
Watarai de Ise shintō pertenciam ao Palaacutecio Externo (Gekū外宮) de Ise os Urabe de Yoshida
shintō uma das famiacutelias mais influentes no Jingikan ocupavam cargos de lsquosacerdotesrsquo em
Quioto concretamente nos jinja de Hirano Yoshida e Ume no Miya 78
Aleacutem de partilharem dos mesmos sentimentos de rejeiccedilatildeo face agrave doutrina honji-
suijaku (本地垂迹 ) que reduziria os kami a incarnaccedilotildees de bodhisattvas e budas e
consequentemente subordinando shintō agrave Via do Buda ndash revertendo a relaccedilatildeo shinbutsu ou
seja tornando as ldquodivindades budistasrdquo como manifestaccedilotildees de kami 79
as escolas estavam
familiarizadas com princiacutepios da cosmologia chinesa o Ruiju jingi hongen (類聚神祇本源
composto em 1320) de Watarai Ieyuki (度会 家行 1255-1351) expocircs a sua ldquoa teoria de Yin-
Yang e as Cinco Fases da Mateacuteria (inyō gogyō) no contexto de uma descriccedilatildeo da criaccedilatildeo do
ceacuteu e da terrardquo recorrendo agraves obras do filoacutesofo chinecircs Zhou Dunyi (周敦頤 1017-1073)
ceacutelebre pensador ldquoneo-confucianordquo e autor de um comentaacuterio ao Claacutessico das Mutaccedilotildees
(Yijing 易經 em japonecircs Eki-kyō 易経) e do ensaio de exposiccedilatildeo sobre o diagrama do
extremo supremo (taiji tushuo 太極圖說 taikyo kuzu) 80
Argumentando acerca do ldquoiniacutecio
como o iniacutecio e a origem como a origemrdquo Ieyuki considera o organismo humano como o
78
PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit pp 163-167 79
PICKEN Stuart op cit p173 80
YAO Xinzhong An Introduction to Confucianism New York Cambridge University Press 2000 pp98-99
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 38
coletivo dos cinco elementos que ldquocomungam com a origem da naturezardquo agrave qual se deve
regressar e entrar 81
No caso da escola Yoshida Yoshida Kanetomo (吉田兼俱 1435-1511) autor da
obra Shintō Taii (神道大尉) estabelece paralelos tais como ldquosete aberturas da cabeccedila com as
sete estrelas do ceacuteu e os cinco oacutergatildeos internos com as cinco fases da mateacuteria na terrardquo 82
por
conseguinte kami seriam descritos como uma forma de taiji (taikyo) a ldquoabsoluta existecircncia
anterior agrave formaccedilatildeo do ceacuteu e da terra transcendendo yin e yang embora sendo capaz de agir
com estas mesmas forccedilasrdquo uma vez que natildeo possuem forma concreta os kami possuiacuteam o
atributo da ldquocriatividaderdquo modelando todas as coisas existentes no mundo 83
Supervisionado pelo Ministeacuterio dos Assuntos Internos sob o coacutedigo ritsuryō o
Onmyōryō tornar-se-ia o palco de rivalidades familiares entre clatildes como os Abe (associados agrave
astrologia) e os Kamo (especialistas nas ciecircncias calendares) No periacuteodo Muromachi a
linhagem Abe (Tsuchimikado土御門) assumiria a posiccedilatildeo hereditaacuteria de superintendentes da
instituiccedilatildeo sendo que a casa dos Kamo (Kōtokui 幸徳井) contentar-se-ia com o segundo
lugar ocupando o cargo de vice-liacuteder No Periacuteodo Edo as disputas de autoridade em mateacuterias
de ritual condicionariam a crescente competiccedilatildeo entre os Tsuchimikado e uma terceira casa
os Yoshida se os Tsuchimikado seriam reconhecidos pelo bakufu como os responsaacuteveis pela
nomeaccedilatildeo dos lsquomestres do yin-yangrsquo (onmyōji 陰陽師) os Yoshida encarregar-se-iam dos
sacerdotes shintō 84
Em 1682 Tsuchimikado Yasutomi (土御門泰福 1655-1717) criaria
uma nova doutrina inspirada no pensamento de Yamazaki Ansai e de alguns pensadores de
Ise shintō bem como controlava e garantia ldquolicenccedilas a praticantes Yin-Yang pelas proviacutenciasrdquo
85
Na atualidade elementos de onmyōdō podem ser encontrados nas vaacuterias ramificaccedilotildees
de shintō tomando-se o exemplo de Tensha Tsuchimikado Shintō (天社土御門神道 )
Inspirada pela escola de Yasutomi e criada no poacutes-1945 como consequecircncia da concessatildeo de
liberdade religiosa esta organizaccedilatildeo centra-se na cerimoacutenia tensō chifusai (天曹地府祭) Um
81
PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit p176 82
HAYASHI Makoto ldquoShinto and Onmyōdōrdquo Encyclopedia of Shinto 1 General Introduction Religious and
Intellectual Influences on Shinto (on line) lthttpk-
amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23043gt (consultado em 24-06-2018) 83
PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit pp 163-167 84
NISHIOKA Kazuhiko ldquoTsuchimikado Shintōrdquo Encyclopedia of Shinto 8 Schools Groups and
Personalities Medieval and Early Modern Schools (on line) lthttpk-
amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=22576gt (consultado em 24-06-2018) 85
INOUE Nobutaka ldquoTsuchimikado Yasutomirdquo Encyclopedia of Shinto 8 Schools Groups and Personalities
(on line) lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=22771gt (consultado em
24-06-2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 39
matsuri de caraacutecter imperial tensō chifusai procurava a transmissatildeo dos ldquodesejosrdquo do novo
Imperador agraves ldquodivindadesrdquo on-myō embora gradualmente adquirisse popularidade junto dos
Tsuchimikado Praticada no seu jinja dedicado a Taizan Fukun 85
(泰山夫君) ndash em contexto
chinecircs atuava como magistrado do domiacutenio dos mortos e era um subordinado de Yama (em
japonecircs Enma閻魔) 86
ndash a cerimoacutenia garantiria longevidade e seguranccedila do novo imperador
bem como a manutenccedilatildeo do estado de paz no territoacuterio do Japatildeo e o bem-estar dos suacutebditos 85
as necessidades do coletivo pesavam mais do que as individuais
123 Via do Buda concoacuterdia e discoacuterdia entre praacuteticas shinbutsu
Apesar da influecircncia significativa do confucionismo e do taoiacutesmo em shintō ambos
sistemas de pensamento chinecircs natildeo partilham da categoria moderna de shūkyō no campo da
estatiacutestica japonesa apenas a Via do Buda eacute hoje reconhecido como tal juntando-se a shintō e
ao cristianismo trecircs ldquoreligiotildeesrdquo cujo impacto alterou a paisagem cultural japonesa embora a
quantidade de igrejas dificilmente se compara aos milhares de jinja e tera ou jirsquoin (templos
budistas) observando-se igualmente a presenccedila de determinados cultos e tendecircncias que
demonstram o caraacutecter sincreacutetico da relaccedilatildeo shinbutsu
No entanto os atos de veneraccedilatildeo aos kami eram na sua origem considerados como a
antiacutetese da Via do Buda dificultando tentativas de aproximaccedilatildeo entre os ldquocultosrdquo segundo os
decretos imperiais do Nihon shoki shintō ndash interpretado como kannagara (惟神 随神)
designando uma praacutetica delegada por Amaterasu aos seus descendentes e que seria traduzida
como ldquoseguir Shinto (hellip) ou carregar Shinto de forma naturalrdquo - e buppōbutsudō eram
encarados com respeito ou desdeacutem 87
No periacuteodo de governaccedilatildeo do Imperador Yōmei (用明
天皇) ambas eram consideras tradiccedilotildees vaacutelidas a seguir uma vez que este ldquoacredita na lei do
Buda e respeita shendaordquo (天皇信仏法尊神道) 88
um termo mais tarde identificado com
shintō
86
MASUO Shinrsquoichirō ldquoChinese Religion and the Formation of Onmyōdōrdquo Nanzan Institute for Religion and
Culture Japanese Journal of Religious Studies nordm 40 (1) 2013 pp 19ndash43 87
PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit pp 253-258 88
Durante o primeiro ano do reinado do imperador Kōtoku (孝徳天皇 supostamente ldquorespeita-se a lei do Buda
e ter shendao em pouca consideraccedilatildeordquo (尊仏法軽神道) SAKAMOTO T 日本書紀 国史大系版 (Nihon
shoki Ediccedilatildeo do Compecircndio da Histoacuteria Nacional) (on line) lthttpwwwj-textscomjodaishokiallhtmlgt
(consultado em 24-06-2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 40
Por volta da reforma Taika de 645 os ldquorituais budistasrdquo tinham encontrado o seu
lugar no palaacutecio imperial interagindo com os ritos para os kami 89
condicionando um cenaacuterio
de competiccedilatildeo que forccedilaria a adaptaccedilatildeo de shintō face a estas novas escolas e vice-versa
Destacando-se como uma nova forma de lei e doutrina inovadora cujo impacto se estenderia a
vaacuterias aacutereas nomeadamente arte arquitetura educaccedilatildeo e literatura a Via do Buda eacute elevada
ao estatuto de protetora do domiacutenio do Japatildeo o que natildeo implica uma relaccedilatildeo antagoacutenica com
o culto jingi antes pelo contraacuterio
Durante os periacuteodos Nara-Heian constroem-se os primeiros espaccedilos de veneraccedilatildeo
conjunta de kami e budas (jingū-ji (神宮寺) Todavia a contiacutenua associaccedilatildeo da nova Via agrave
vida aristocraacutetica reforccedilaria a ligaccedilatildeo dos cultos aos kami com as pessoas comuns 90
shintō
permanecia a religiatildeo da comunidade e o budismo a religiatildeo doutrinaacuteria de uma elite
empenhada na traduccedilatildeo e interpretaccedilatildeo dos sutras patrocinando a construccedilatildeo de templos e a
consequente instruccedilatildeo dos monges utilizando rituais budistas para seu benefiacutecio
Tal como os onmyōji se dedicavam a atividades de lsquoexorcismorsquo os monges
recorreriam a foacutermulas e outras teacutecnicas para controlar a ldquoviolecircncia de divindades espiacuteritos e
demoacutenios de todos os tipos incluindo os kamirdquo Por conseguinte a introduccedilatildeo e popularizaccedilatildeo
das linhas de pensamento favoraacuteveis agrave combinaccedilatildeo de elementos shinbutsu obrigaria a novas
interpretaccedilotildees do que se entende por kami outrora seres omnipotentes kami possuiriam um
estatuto equivalente ao de devas ou asuras e como tal sujeitavam-se a samṣara (rokudō rinne
六道輪廻) ao contraacuterio dos budas que tinham alcanccedilado a iluminaccedilatildeo (satori 悟り) 91
No final do periacuteodo Nara promover-se-ia a teoria de que os kami eram nada mais do
que ldquodivindadesrdquo tutelares dos ensinamentos budistas clarificando a relaccedilatildeo de superioridade
do budismo para com shintō e como tal poderiam ser salvas como qualquer outro ser dos seis
domiacutenios 92
neste sentido vida e morte fazem parte do mesmo ciclo do qual apenas alguns se
podem libertar colocando todos os habitantes dos seis caminhos em peacute de igualdade para
shintō a necessidade de ldquosalvaccedilatildeordquo da roda de reencarnaccedilatildeo atraveacutes de satori natildeo se justifica
todos os seres vivos partilham do mesmo caminho - nasciam viviam no seu mundo (em
sociedade com outros kami e humanos) e a sua lsquoformarsquo ou corpo possui os seus limites
89
SATŌ Masato ldquoShinto and Buddhismrdquo Encyclopedia of Shinto 1 General Introduction Religious and
Intellectual Influences on Shinto (on line) lthttpk-
amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23041gt (consultado em 24-06-2018) 90
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 20-23 91
BREEN John TEEUWEN Mark opcit p 38-39 92
SATŌ Masato ldquoShinto and Buddhismrdquo Encyclopedia of Shinto 1 General Introduction Religious and
Intellectual Influences on Shinto (on line) lthttpk-
amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23041gt (consultado em 24-06-2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 41
naturais apoacutes a morte fiacutesica os uacutenicos traccedilos de existecircncia de uma forma de vida encontrar-
se-iam na tamashii (魂) um atributo interior de kami e humanos
Paralelamente agrave expansatildeo do budismo no Japatildeo desenvolve-se a primeira fase da
vertente acadeacutemica de shintō caracterizada pela adoccedilatildeo de conceitos e fundamentaccedilatildeo de
teorias de bukkyō como o princiacutepio honji-suijaku aplicado pelos setores mais populares do
periacuteodo Heian Tendai (天台宗) e Shingon (真言宗) reavaliando-se a relaccedilatildeo entre kami e
outros ldquoseresrdquo reconhecidos pela Via do Buda Assim kami tornar-se-iam suijaku (lsquotraccedilosrsquo垂
迹) dos honji (lsquoessecircnciasrsquo本地) que se encontravam em budas (hotoke 仏) e bodhisattvas
(bosatsu菩薩) por exemplo Jizō (地藏) eacute identificado com Hiraoka-amakoyane-no-mikoto
um dos kami consagrados no Kasuga Jinja 93
no complexo de Ise encontrar-se-ia o honji
Mahāvairocana Tathagata (Dainichi Nyorai 大日如来 ) e em Hakusan o bosatsu da
compaixatildeo Kannon (観音) 94
O esforccedilo de cooperaccedilatildeo entre ambas tradiccedilotildees atingiria o seu auge com o
aparecimento das trecircs escolas xintoiacutestas de base budista Tendai shintō (天台神道) Ryōbu
shintō (両部神道) e Hōkke shintō (法華神道) respetivamente associadas agraves doutrinas dos
monges Saichō Kūkai e Nichiren Tendai Shintō tambeacutem conhecido pela designaccedilatildeo Sannō
Ichi-jitsu shintō apoia-se no estudo do Sutra do Loacutetus e coloca em praacutetica a teoria honji-
suijaku identificando Hiyoshi Sannō o lsquokami guardiatildeorsquo (shugojin 守護神 ) do templo
Enryaku-ji como o suijaku de Śākyamuni o ldquorei do Dharma do sutra do Loacutetusrdquo Possuindo
uma importacircncia mais local do que nacional e centrada em Hiei Quioto Tendai shintō
popularizaria o ato de meditaccedilatildeo ambulante em torno dos sub-santuaacuterios do ldquoSantuaacuterio de Hierdquo
e ldquoperegrinaccedilotildees mentaisrdquo nas quais os suplicantes ldquovisualmenterdquo visitavam os santuaacuterios 95
Agrave semelhanccedila da escola Tendai Ryōbu shintō favorece a combinaccedilatildeo de elementos
ldquobudistasrdquo (ldquoesoteacutericosrdquo) e shintō focando-se na relaccedilatildeo do Ise jingū (伊勢神宮) com as
mandalas kongokai e taizokai representaccedilotildees do ldquoDomiacutenio do Diamanterdquo e do ldquoDomiacutenio do
Ventrerdquo por sua vez associados ao Gekū e ao lsquopalaacutecio internorsquo (Naikū 内宮 ) de Ise
93
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 20-23 94
SATŌ Masato ldquoShinto and Buddhismrdquo Encyclopedia of Shinto 1 General Introduction Religious and
Intellectual Influences on Shinto (on line) lthttpk-
amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23041gt (consultado em 24-06-2018) 95
SATŌ Masato ldquoSannō Shintōrdquo Encyclopedia of Shinto 8 Schools Groups and Personalities Medieval and
Early Modern Schools (on line) lthttpk-
amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=22572gt (consultado em 24-06-2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 42
respetivamente96
Descrita como ldquoshintō combinatoacuterio baseada nas mandalas duais
fundamentais de Budismo esoteacuterico Shingonrdquo por Yoshida Kanetomo 97
- expoente da teoria
Yuiitsu shintō (唯一神道) na qual kami se torna o centro de tudo incluindo do ceacuteu e da terra
ldquodemoacuteniosrdquo animais e o proacuteprio kokoro dos humanos 98
- Ryōbu shintō influenciaria as
escolas de Ise e Yoshida 96
No que concerne agrave uacuteltima escola Hokke shintō recebe influecircncias do ldquobudismordquo
Nichiren (日蓮宗) uma das seitas mais populares do Periacuteodo Kamakura (1185-1333) por sua
vez derivada da lsquoseita da Terra Pura (Jōdo-shū 浄土宗rdquo) propagando a doutrina de mappō
(末法) o momento final do Dharma exaltada pelo monge Nichiren (日蓮 1222-1282)
Essencialmente portador de uma linha de pensamento reacionaacuteria ao budismo Heian
Nichiren considerava Tenshō Daijin (Amaterasu) e Hachiman como shugojin do Verdadeiro
Dharma reconhecendo igualmente a existecircncia de ldquodivindades tutelares do Sutra do Loacutetusrdquo
que tanto protegeriam a realidade na qual se verificasse a concretizaccedilatildeo do Verdadeiro
Dharma como poderiam escolher abandonaacute-la caso a Lei natildeo fosse aplicada 99
Por
conseguinte esta tradiccedilatildeo teria sido formada pelo superintendente do templo Shuryōgonin
associava-se deste modo os trinta dias do mecircs a trinta diferentes jinja e complexos tais
como Atsuta Jingū Suwa Shōshin-ji Hachiō-ji Inari Kibune Hachiman Kasuga Ise Gion
entre outros 100
Partilhando com Tendai o estudo do Sutra do Loacutetus a escola Hokke influenciaria as
ideias de Yoshida shintō e continuaria a desenvolver-se ao longo dos Periacuteodos Muromachi e
Edo surgindo uma seacuterie de obras e fasciacuteculos comentando acerca desta forma de shintō tais
como Hokke Shintō Hiketsu (法華神道秘訣) atribuiacutedo a Nitchō (日澄 1441-1510) 99
No seguimento da instauraccedilatildeo da terceira e uacuteltima casa militar no poder poliacutetico
budismo eacute relegado para um plano mais secundaacuterio aleacutem do aumento do nuacutemero de
96
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp298-299 97
ITŌ Satoshi ldquoRyōbu Shintōrdquo Encyclopedia of Shinto 8 Schools Groups and Personalities Medieval and
Early Modern Schools (on line) lthttpk-
amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=22800 (consultado em 24-06-2018) 98
PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit pp 163-167 99
Itō explica que esta doutrina (shintenjō hōmon) seria acolhida pelo ldquoculto Tendai de trinta divindades tal como
era praticado no Monte Hieirdquo ITŌ Satoshi ldquoHokke Shintōrdquo Encyclopedia of Shinto 8 Schools Groups and
Personalities Medieval and Early Modern Schools (on line) lthttpk-
amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=22565gt (consultado em 24-06-2018) 100
ITŌ Satoshi ldquoSanjūbanshinrdquo Encyclopedia of Shinto 2 Kami (Deities) Combinatory Kami (on line)
lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=22464gt (consultado em 24-06-
2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 43
ocorrecircncias de funerais shintō realizados por famiacutelias como os Yoshida bem como a reduccedilatildeo
da quantidade de tera e jinja que favorecessem uma abordagem ldquocombinatoacuteriardquo 101
surge a
niacutevel acadeacutemico o movimento fukko shintō (復古神道) que propunha um ldquoreavaliaccedilatildeordquo de
shintō rejeitando-se severamente ideias externas
Nestas circunstacircncias Hirata Atsutane (平田篤胤 1774-1842) representante da
vertente mais ldquoradicalrdquo da escola kokugaku assume uma posiccedilatildeo particularmente criacutetica da
Via do Buda suposta total antiacutetese de shintō que por sua vez era emulado como uma ldquovia
antigardquo (kodō 古道) no seu Kodō Taii (古道大尉) redigido em 1811 Hirata idealiza o Japatildeo
como a ldquoTerra dos kamirdquo cujos habitantes satildeo ldquoracialmente superioresrdquo entendendo budismo
como uma ldquoreligiatildeordquo inventada por um homem ndash Śākyamuni ndash cujas doutrinas eram ldquofalsasrdquo
ao ponto de apagarem por completo a ldquoverdade originalrdquo da existecircncia de uma entidade
omnipresente criadora denominada nos textos antigos de Brahmā que Hirata identifica com
Kami-musubi-no-kami 102
Por conseguinte o sentimento anti-budista expresso por Hirata teria as suas
repercussotildees em alguns territoacuterios no periacuteodo final do xogunato Tokugawa gerando-se o
movimento haibutsu kishaku (廃仏毀釈) cuja linha de pensamento tornar-se-ia devastadora
para a Via do Buda desde a destruiccedilatildeo de templos halls imagens rituais apropriaccedilatildeo de
propriedades dos templos na economia dos domiacutenios agrave laicizaccedilatildeo forccedilada dos monges o
budismo enquanto religiatildeo perderia credibilidade e significado cultural entre a populaccedilatildeo 103
ao contraacuterio de shintō por sua vez equiparado a uma ideologia poliacutetica a partir de 1868
inaugura-se assim um dos momentos mais negros da histoacuteria shinbutsu
13 Shintō no periacuteodo moderno antes e depois de 1945
O periacuteodo de vigecircncia da ideologia Meiji (1868-1945) eacute tambeacutem um periacuteodo de
perseguiccedilatildeo interna para a Via do Buda e nas palavras de Picken um exemplo de ldquoabuso e
manipulaccedilatildeordquo de shintō 104
a Ordenaccedilatildeo de Distinccedilatildeo de Shintō e Bukkyō (shinbutsu
hanzenrei 神仏判然令 ) de 1868 oficializa a poliacutetica de separaccedilatildeo de shintō e bukkyō
(shinbutsu bunri 神仏分離) expressa pela interdiccedilatildeo de ldquonomes de estilo Budista para kami
101
BREEN John TEEUWEN Mark opcit pp 38-39 102
PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit pp 213-215 103
SAKAMOTO Koremaru ldquoHaibutsukishakurdquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and Doctrines Doctrines
and Theories (on line) lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23552gt
(consultado em 24-06-2018) 104
PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit pp 87-88
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 44
a proibiccedilatildeo de se usar imagens Budistas para representar kami e a remoccedilatildeo de implementos
rituais Budistas de espaccedilos rituais Shintōrdquo 105
Seguindo nos passos do movimento haibutsu
kishaku
Tendo como meta uma visatildeo de shintō como lsquonatildeo-religiatildeorsquo estatal o novo regime
restabeleceria o Jingikan - substituiacutedo dois anos depois pelo Jingishō (神祇省) ndash e procederia
agrave instauraccedilatildeo de um sistema hieraacuterquico piramidal de jinja imperiais e nacionais (1870-1871)
delegando-se cargos a funcionaacuterios puacuteblicos Abolindo-se o sistema de hereditariedade
sacerdotal jinja tornam-se instituiccedilotildees nacionais e espaccedilos de visita obrigatoacuteria e natildeo
espontacircnea 106
131 A visatildeo ldquonacionalistardquo Meiji uma ldquonatildeo-religiatildeordquo ao serviccedilo do Estado
japonecircs
Se as restantes ldquoreligiotildeesrdquo eram entendidas como secundaacuterias - permanecendo sob a
tutela do Escritoacuterio de Religiatildeo do qual faziam parte os treze ldquosetoresrdquo de kyōha shintō - o
culto jingi era colocado sob a alccedilada do Jinjakyoku (神社局) perdendo gradualmente a sua
natureza religiosa todos os meios eram vaacutelidos para inculcar nas mentes dos japoneses a ideia
de que shintō natildeo era uma religiatildeo ldquopatrociacutenio apoio perpetuaccedilatildeo controlo e disseminaccedilatildeordquo
de shintō pelos vaacuterios niacuteveis de governo e por funcionaacuterios puacuteblicos ldquosubordinados e
empregadosrdquo o constante ensino de doutrina ldquoxintoiacutestardquo ldquonacionalistardquo ou ldquoultranacionalistardquo
em manuais escolares o ato de visitar santuaacuterios por obrigaccedilatildeo e execuccedilatildeo de ritos
patrocinadas por instituiccedilotildees educacionais a circulaccedilatildeo de textos explicativos da doutrina
kokutai (国体) 107
Em contexto legal tambeacutem os proacuteprios santuaacuterios xintoiacutestas sofreriam o impacto
desta abordagem poliacutetica de shintō que reavivava a ligaccedilatildeo co-dependente entre o poder
poliacutetico e shintō (na sua forma de culto jingi) tornando shintō uma instituiccedilatildeo patrioacutetica que
devia ser salvaguardada por todos o ano de 1900 marcaria o iniacutecio do controverso processo
de aglutinaccedilatildeo de jinja (Jinja-Gappei 神社合併) Apagando a existecircncia de milhares de jinja
ldquonatildeo-qualificadosrdquo o movimento expressava uma transferecircncia forccedilada de kami para outros
105
SATŌ Masato ldquoShinto and Buddhismrdquo Encyclopedia of Shinto 1 General Introduction Religious and
Intellectual Influences on Shinto (on line) lthttpk-
amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23041gt (consultado em 24-06-2018) 106
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 36-39 107
PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit pp 114-116
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 45
jinja minando a relaccedilatildeo destes espaccedilos com as comunidades locais se em 1880 existiam
cerca de 157 mil jinja do povopuacuteblicos (minsha民社) em 1929 o nuacutemero rondaria os 112
mil e em 1947 mais de 87 mil 108
De um modo geral shintō estatal (kokka shintō 国家神道) cimentou a ideia de que
um certo tipo de shintō estava aleacutem de ser ldquoreligiatildeo termo que no Periacuteodo Meiji tinha como
elementos um fundador individual e a uma organizaccedilatildeo privada realizando-se atividades de
caraacutecter voluntaacuterio 108
o que nada tinha a ver com o culto jingi praticar shintō era nada mais
do que um dever e uma demonstraccedilatildeo de sentimentos patrioacuteticos essenciais ao bom
funcionamento da naccedilatildeo japonesa recorrendo-se a conceitos como kannagara akitsu-mikami
(現御神) hakkō-ichiu (八紘一宇) que naturalmente tinham sido readaptados face ao status-
quo kannagara por exemplo descrevia uma lsquofeacutersquo que incide no indiviacuteduo e faz com que este
sirva o coletivo nunca a si mesmo expressando ainda ldquoum sentimento de assimilaccedilatildeo e
harmoniardquo 109
akitsu-mikami significava uma ldquodivindade incarnadardquo identificada com o
proacuteprio imperador que deve ser venerado tal como os seus antepassados por parte dos seus
suacutebditos 110
hakkō-ichiu (ldquoa terra inteira debaixo do mesmo tetordquo) era usado como slogan
simboacutelico do poderio militar japonecircs 111
ecoando a noccedilatildeo de tian xia isto eacute lsquodebaixo do ceacuteursquo
(tenka 天下) que em contexto do pensamento chinecircs arcaico e confuciano definia o escopo
do tianming ou lsquomandato do ceacuteursquo (tenmei天命) entregue a um futuro soberano
No fundo reforccedila-se a suposta superioridade do Japatildeo enquanto naccedilatildeo ldquodivinardquo e por
associaccedilatildeo do proacuteprio imperador cuja ldquoalma divinardquo eacute representada por Amaterasu o liacuteder do
Impeacuterio age senatildeo em nome desta uacuteltima sendo que todos os japoneses reconhecem e
reverenciam a sua linhagem transmitida ldquonuma linha inquebraacutevelrdquo o trono e o Imperador satildeo
uma extensatildeo de Amaterasu conferindo-lhe um estatuto ldquoinviolaacutevelrdquo Como tal a aacuterea de
governaccedilatildeo do Imperador natildeo pode ser reduzida ao Japatildeo mas antes a todo o nosso mundo
um papel partilhado com a kami do Sol e Taka-musubi-no-kami 109
108
SHIELDS James ldquoBeyond Belief Japanese Approaches to the Meaning of Religionrdquo Studies in Religion
Sciences religieuses nordm 39 (2) 2010 pp 133-149 109
PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit pp 127-128 110
PICKEN Stuart op cit pp 105 111
PICKEN Stuart op cit pp 111
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 46
132 Divulgaccedilatildeo de um legado cultural e histoacuterico shintō a mais popular religiatildeo
japonesa
O fim da 2ordf Guerra Mundial eacute justamente descrito como o ponto de viragem para as
religiotildees japonesas desde 1945 que shintō eacute estatisticamente uma religiatildeo viabilizando um
processo de reinvenccedilatildeo e adaptaccedilatildeo agraves necessidades de uma sociedade japonesa moderna
surgem assim novos movimentos religiosos parcialmente baseados em ideias shintō budistas
ou cristatildes algumas mais do que outras testemunho vivo da liberdade religiosa expressa a
niacutevel constitucional
No que concerne aos espaccedilos de veneraccedilatildeo estes satildeo devidamente legalizados como
corporaccedilotildees religiosas (shūkyō hōjin宗教法人) desde 1946 operando quer como extensotildees
de terceiros (grupos inclusivos) ou como unidades (tanrsquoi単位) independentes destes grupos
inclusivos (tanritsu shūkyō dantai単立宗教団体) a cada grupo inclusivo (hōkatsu dantai包
括団体) corresponde uma categoria proacutepria - kyōha (教派) shūha (宗派) comunidade
religiosa (kyōdan教団) ordem (shūdoukai 修道会) - que por sua vez incorpora tanrsquoi jinja
jirsquoin (寺院) igrejas (kyōkai教会) e mosteiros (shūdōin修道院) 112
Por conseguinte todos os dados reportados satildeo compilados pela Divisatildeo de Assuntos
Religiosos da Agecircncia para Assuntos Culturais do Ministeacuterio da Educaccedilatildeo (Bunka-chō
shūmuka kyōiku-shō 文化庁宗務課 教育省) que se apoia na definiccedilatildeo de ldquoorganizaccedilatildeo
religiosardquo (shūkyō dantai 宗教団体) promulgada pela Constituiccedilatildeo qualquer grupo local
focado na ldquodisseminaccedilatildeo de ensinamentos religiosos a conduccedilatildeo de cerimoacutenias e funccedilotildees e a
educaccedilatildeo e nutrimento dos crentesrdquo deve ser considerado uma shūkyō dantai que deteacutem
autoridade sobre o processo de qualificaccedilatildeo e quantificaccedilatildeo dos aderentes e do sacerdoacutecio 112
por exemplo a instruccedilatildeo dos candidatos a posiccedilotildees dentro dos santuaacuterios eacute disponibilizada
pelas Universidade Kokugakuin (國學院大學) de Toacutequio e a Universidade Kōgakkan (皇學
館大学) em Ise esta uacuteltima focada no treino de ldquosacerdotes para recitar as liturgias e perceber
o significado dos rituaisrdquo 113
Operando a niacutevel prefeitural ou nacional a categoria shūkyō hōjin faz parte da visatildeo
moderna japonesa de religiatildeo em 1998 o Anuaacuterio de Religiotildees (shūkyō nenkan 宗教年鑑)
do 10ordm Ano da Era Heisei registava mais de 85 mil grupos religiosos shintō 104553179
112
TAMARU Nobuyoshi REID David Religion in Japanese Culture Where Living Traditions Meet a
Changing World Tokyo Kodansha International 1996 pp 218-219 113
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 188-190
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 47
seguidores shintō (492) mais de 81 mil jinja 15 jirsquoin e 1276 locais de propagaccedilatildeo religiosa
(fukyōjo布教所) bem como cerca de 88 mil ldquoprofessoresrdquo (kyōshi 教師) Em contrapartida
bukkyō tinha apenas 78 mil grupos religiosos mais de 95 milhotildees de aderentes e um nuacutemero
superior de kyōshi mais de 77 mil templos apenas 10 jinja e cerca de 3000 fukyōjo 114
No
ano de 2015 constatava-se uma pequena evoluccedilatildeo negativa 485 dos aderentes seguiam
shintō e apenas 87 milhotildees eram supostamente budistas registando-se igualmente uma
descida do nuacutemero de kyōshi tanrsquoi e corporaccedilotildees shintō e budistas 115
Apesar de os dados publicados pela Agecircncia poderem natildeo corresponder agrave realidade
o campo estatiacutestico esforccedila-se por explicar ao puacuteblico o que se entende por shintō bukkyō e
kirisutokyō recorrendo a uma categorizaccedilatildeo que eacute acima de tudo coerente face agrave sua
evoluccedilatildeo histoacuterica no caso concreto de shintō os Anuaacuterios de Religiotildees reconhecem trecircs
ramificaccedilotildees ou kei (系) jinja shintō (神社神道) kyōha shintō e shin shūkyō shintō (新宗教
神道) 116
destas trecircs somente a primeira inclui uma organizaccedilatildeo que tambeacutem serve de porta-
voz aos interesses da maior parte dos jinja espalhados pelo paiacutes a Jinja Honchō (神社本庁)
Ceacutelebre instituiccedilatildeo criada em 1946 no seguimento da fusatildeo de outros trecircs grupos privados eacute
ateacute hoje o ldquouacutenico corpo coordenativo para Shinto no Japatildeo e o uacutenico oacutergatildeo (para aleacutem dos
santuaacuterios individuais) pelo qual Shinto pode ser formalmente representado a um largo niacutevel
administrativordquo 117
Regulando a atuaccedilatildeo das atividades dos jinja a Jinja Honchō permanece o ldquogrupo
religiosordquo mais numeroso no que concerne a espaccedilos de veneraccedilatildeo aderentes (perto de 80
milhotildees) e kyōshi (aprox217 milhotildees) 116
e apresenta-se como um oacutergatildeo mais moderado que
os seus predecessores do Periacuteodo Meiji ndash Jingikan Jingishō (神祇省) Kyōbushō (教部省) e
Jingirsquoin (神祇院) ndash capaz de conjugar as funccedilotildees de supervisor dos jinja e de autoridade em
assuntos shintō Sinteticamente esta associaccedilatildeo tem como metas perpetuar as tradiccedilotildees
desenvolvidas em contexto de jinja shintō como demonstraccedilatildeo de gratidatildeo aos kami e aos
antepassados - a realizaccedilatildeo de cerimoacutenias e ritos - ldquoservir a sociedade e outrosrdquo e na
qualidade de ldquomensageiros de kamirdquo aspirar a melhorar e consolidar este mundo Por uacuteltimo
deve-se identificar ldquoas proacuteprias mentes com a do Imperadorrdquo e ldquorezar pela prosperidade do
114
Bunka-chō Bunkabu shūmuka Shūkyō Nenkan Heisei 10 Han (宗教年鑑平成 10 版) Tokyo Bunka-chō
1998 115
Bunka-chō Bunkabu shūmuka Shūkyō Nenkan Heisei 27 Han (宗教年鑑平成 27 版) Tokyo Bunka-chō
2016 116
Bunka-chō Bunkabu shūmuka Shūkyō Nenkan Heisei 27 Han (宗教年鑑平成 27 版) Tokyo Bunka-chō
2016 117
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 41-42
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 48
paiacutes e por coexistecircncia paciacutefica e coprosperidade para as pessoas do mundordquo 118
claramente
realccedilando o caraacutecter natildeo individual patente em shintō
2 SOCIEDADE ldquoESPIRITUALIDADErdquo E ldquoEacuteTICArdquo A ldquoVIA DOS KAMIrdquo E O
REGRESSO Agrave Ordem
Aceitar shintō pressupotildee que o indiviacuteduo realize rituais positivos com uma ldquomente
clara pura e sincerardquo 118
devendo-se ter em atenccedilatildeo o termo ldquomenterdquo o facto de Ono ter
como puacuteblico-alvo natildeo japoneses poderaacute justificar esta escolha de traduccedilatildeo que se afasta do
texto original por exemplo ldquoakikiyoki makoto wo nite saishi ni isoshimukoto (明き清きまこ
とを以て祭祀 [さいし] にいそしむこと) corresponde a ldquodevotar-nos aos atos de veneraccedilatildeo
(aos kami) com uma mente clara pura e sincerardquo ldquoŌmikokoro wo itadakite mutsubirdquo (大御
心 [おおみこころ]をいただきてむつび) 119
eacute ldquoidentificaccedilatildeo das proacuteprias mentes com a
(mente) do Imperadorrdquo Assim o termo torna-se makoto Juntamente com o kokoro ambos
vocaacutebulos fundamentam a perspetiva eacutetica de shintō Por sua vez mutsubi (musubi) auxilia na
compreensatildeo da relaccedilatildeo de shintō com o indiviacuteduo e por associaccedilatildeo com os kami
21 A relaccedilatildeo entre kami e humanos uma resposta a preocupaccedilotildees coletivas e
individuais
Claramente uma Via focada no bem-estar humano shintō ilustra um forte caraacutecter
social e eacutetico que eacute complementado pelo desenvolvimento de uma lsquoespiritualidadersquo proacutepria
associada agrave perceccedilatildeo japonesa do ldquosagradordquo como jaacute anteriormente mencionado este
domiacutenio estaacute associado a kami e a sua presenccedila pode ser ldquosentidardquo em certas ocasiotildees
nomeadamente durante os matsuri e as cerimoacutenias executadas pelos ldquosacerdotesrdquo (shinkan 神
官) a descriccedilatildeo de Picken de shintō como ldquoefectivamente uma religiatildeo que eacute mais lsquoapanhadarsquo
do que lsquoensinadarsquo os seus discernimentos lsquopercecionadosrsquo antes de serem lsquoacreditadosrsquo os
118
ONO Sokyō Shinto the Kami Way Singapore Tuttle Publishing 2004 p82 119
A expressatildeo Ōmikokoro (ou Mikokoro 御心) eacute uma forma respeitosa de se referir ao Imperador (ou aos kami)
que surge nas norito ou em outros textos oficiais Jinja Honchō ldquo主な活動rdquo (Atividades gerais) 神社本庁のご案 内 (A orientaccedilatildeo da Jinja Honchō) (on-line) lthttpwwwjinjahonchoorjpintroductionactivitygt
(consultado em 24-06-2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 49
seus baacutesicos conceitos mais do que lsquosentidosrsquo do que lsquopensadosrsquordquo 120
faz da praacutetica e da
experiecircncia do indiviacuteduo o seu alicerce Deste modo confere-se ao homem um papel ativo e
de participante quer se trate de um visitante que reze aos kami esperando por uma resposta
quer seja algueacutem dedicado a servir os kami (ldquosacerdotesrdquo por exemplo) a decisatildeo de executar
os rituais (associados agrave Ordem) cabe ao homem
Soacute o homem possui a capacidade de entrar num domiacutenio diferente deparando-se com
vaacuterios siacutembolos que assinalam a ldquopresenccedilardquo do kami Mircea Eliade nota que o homem
apercebe-se do ldquosagradordquo porque este escolhe mostrar-se isto eacute manifesta-se das mais
variadas formas algo descrito pelo autor como ldquohierofaniardquo identificando a ldquohistoacuteria de
religiotildeesrdquo como portadora de um legado de ldquohierofaniasrdquo ndash elementares e complexas ndash e
argumentando que a manifestaccedilatildeo de ldquoalgo de uma ordem totalmente diferente uma realidade
que natildeo pertence ao nosso mundordquo eacute visualmente expressa por ldquoobjetos que satildeo uma parte
integral do nosso mundo natural lsquoprofanorsquordquo 121
em shintō esta perspetiva lembra o conceito
de kami enquanto atributo o ato de atar uma shimenawa (しめ縄) corda da qual pendem
pequenas tiras em formato ziguezague a um objeto (pilares rochas) ou uma aacutervore (shinboku
神木) e o uso da gohei (御幣) um enfeite colocado diante das portas do ldquosantuaacuterio interiorrdquo
(shinden 神殿) representam a transiccedilatildeo do vulgar para o extraordinaacuterio se fisicamente o
objeto permanece tal e qual como antes de uma perspetiva espiritual e natildeo racional o objeto
torna-se uma extensatildeo do kami
Por conseguinte a noccedilatildeo de ldquohierofaniardquo pensada por Eliade poderia aplicar-se aos
shintai (神体) e mitamashiro (御魂代) objetos diretamente ligados agrave sobrevivecircncia dos jinja
garantindo um estatuto lsquosagradorsquo dos jinja enquanto o kami permanecer nesse local 122
durante a Jinja Gappei milhares de santuaacuterios perderam a sua razatildeo de existir na sequecircncia
da transferecircncia permanente dos supostos representantes do kami 123
No fundo eacute a ausecircncia
destes objetos condiciona o fim do jinja
Essencialmente espaccedilos mantidos graccedilas aos esforccedilos da comunidade jinja
desempenham serviccedilos que incidem na esfera puacuteblica e privada todo o jinja revolve em torno
das pessoas familiarizadas com a aacuterea de atuaccedilatildeo e os atributos do kami ao qual apelam
preocupaccedilotildees econoacutemicas satildeo geralmente da responsabilidade de Inari (稲荷) e Ebisu (恵比
120
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit p xxxii 121
ELIADE Mircea op cit pp 10-12 122
ONO Sokyō op cit p21 pp-24-25 pp98-99 123
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 36-39
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 50
須) o primeiro eacute identificado como o kami protetor do cultivo de arroz e dos cinco cereais
enquanto que o segundo eacute associado ao setor comercial desde o seacutec XII 124
Protetor dos mercadores em meio urbano e de campos de arroz nas aacutereas rurais 124
Ebisu faz parte dos Shichi Fukujin (七福神) um grupo de sete kami associados agrave boamaacute
sorte Daikokuten (大黒天) representante da prosperidade comercial apesar de tambeacutem ser
identificado com um deva domeacutestico da cozinha Mahakala Jurōjin (寿老人) ldquokami de uma
estrela no Taoiacutesmordquo bem como um ldquoermitardquo Jaacute Fukurokuju (福禄寿) eacute o kami da riqueza
prosperidade e longa vida e Hotei (布袋) ldquoum monge chinecircs e uma incarnaccedilatildeo de Maitreyardquo
(Miroku 弥勒) 125
Por uacuteltimo Bishamonten (毘沙門天) e Benzaiten (弁財天) tecircm origens
indianas se Bishamonten um kami de temperamento forte e marcial eacute identificado com
Vaiśravaṇa Beizaiten eacute equiparada agrave devī Sarasvatī 126
No que concerne a preocupaccedilotildees mais pessoais como aprovaccedilatildeo nos exames de
admissatildeo da faculdade eacute costume visitar-se o Kitano Tenmangū (北野天満宮) de Quioto
onde se venera Tenjin127
Ao contraacuterio de outros kami Tenjin natildeo se tornou kami de um dia
para o outro a consagraccedilatildeo da ldquoalmardquo de Michizane ldquoresultou de um esforccedilo extraordinaacuterio
do governo de lidar com uma manifestaccedilatildeo perturbadora de crenccedila Alma-Zangada (onryo)
que (hellip) foi grandemente influenciada pelo corrente interesse em ideias Chinesas e crenccedilasrdquo
128 Por sua vez onryō partilha algumas semelhanccedilas com goryō (御霊) ldquoespiacuteritos de pessoas
que tinham perdido as suas posiccedilotildees de poder e vaacuterios kami de epidemiasrdquo posteriormente
ldquodomesticadosrdquo nos ritos chinkon ao inveacutes de entidades destruidoras e malevolentes que
invocavam desgraccedilas goryō transformavam-se em entidades protetoras 129
22 Aleacutem do plano fiacutesico musubi rei e tamashii
Tanto onryō como goryō enquadram-se na perspetiva espiritual de shintō agrave
semelhanccedila de sangaku shinkō (山岳信仰) cultos caracterizados pela adoraccedilatildeo de montanhas
124
PICKEN Stuart op cit p 119-120 p 362 p 365 125
HARA Kazuya Aspects of Shinto in Japanese Communication Comunicaccedilatildeo apresentada na conferecircncia
ldquoIntercultural Communication Studies XII Asian Approaches to Human Communicationrdquo (Chiba Abril de
2003)
126 PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 36-39
127 PICKEN Stuart op cit p 119-120 p 362 p 365
128 PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit p 285
129 YONEI Teruyoshi ldquoGoryōrdquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and Doctrines Basic Concepts (on line)
lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23422gt (consultado em 24-06-
2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 51
como Ontake (御嶽) Kumano (熊野) Fuji (富士) Sannō (山王) Katsuragi (葛城) supostos
locais de morada permanente para espiacuteritos ldquoprincipalmente espiacuteritos dos mortos que
vigiavam e assistiam os vivosrdquo 130
Eacute em virtude de um suposto caraacutecter sagrado e espiritual
que ainda hoje se realizam praacuteticas asceacuteticas nestes locais
Por conseguinte a compreensatildeo da ldquoespiritualidaderdquo japonesa implica o
conhecimento de musubi (産霊) rei (霊) e tamashii (魂) sendo que o primeiro eacute composto
por umi (産み ldquocriaccedilatildeordquo no sentido de gerar algo) e rei significando algo que natildeo pertence
ao plano fiacutesico Homoacutefono da palavra musubi (結び) traduzido por ldquoligaccedilatildeordquo e por sua vez
derivada do verbo musubu ou lsquoligarrsquo musubi eacute em si a lsquovitalidadersquo presente no ambiente e
nos seres que o constituem uma interpretaccedilatildeo apoiada por Motoori Norinaga
Com efeito no seu Tama Kushige o autor identifica musubi como uma espeacutecie de
ldquoprinciacutepio de atividade criativardquo inerente nos kami Taka-musubi e Kami-musubi concluindo
que este ldquoespiacuterito criativo (hellip) divino milagroso e aleacutem da compreensatildeo humanardquo permite os
atos de ldquocriaccedilatildeordquo (kuni-umi e kami-umi) de Izanagi e Izanami 131
tudo deve a sua existecircncia a
musubi incluindo os proacuteprios humanos
Simultaneamente uniatildeo (harmonizaccedilatildeo e balanceamento) e criaccedilatildeo isto eacute o lsquopoderrsquo
que concede vida e a origem de toda a existecircncia transportando consigo as conotaccedilotildees de
ldquocombinaccedilatildeordquo ldquojuntarrdquo e ldquointerligarrdquo132
musubi foi repetidamente usado no contexto
cerimonial imperial por exemplo os cinco kami que possuem a partiacutecula musubi no seu nome
satildeo tambeacutem os kami protetores do espelho Yata no Kagami localizados no santuaacuterio
kashidokoro do palaacutecio 133
No que concerne agrave rei e tamashii ambos vocaacutebulos tendem a ser erroneamente
traduzidos como ldquoespiacuteritordquo ou ldquoalmardquo e a sua grande diferenccedila consiste no facto de rei ser
exclusivamente uma parte do humano em vida e um atributo independente apoacutes a morte do
corpo se bem que no entender de Yoshida Kanetomo rei eacute aquilo que governa ldquocoisas
individuaisrdquo contrastando com as ldquopessoas individuaisrdquo que satildeo ldquogovernadas pelo kokoro
(hellip)rdquo 134
tamashii eacute uma caracteriacutestica partilhada por homens e kami sendo que no uacuteltimo
caso esta noccedilatildeo eacute expressa pela palavra mitama - escrita com os kanji de kami e rei (神霊) ndash
130
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 197-198 131
PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit p 208 132
BOYD JAMES WILLIAMS Ron ldquoJapanese Shintō An Interpretation of a Priestly Perspectiverdquo
Philosophy East and West nordm 55 (1) pp 33-63 133
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit p 79 134
PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit pp163-167
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 52
ldquoespiacuteritos de kamirdquo cuja existecircncia defendida por rituais e jinja torna viaacutevel a sua integraccedilatildeo
na ideia shintō de lsquoespiacuteritorsquo ou lsquoespiritualidadersquo 135
Natildeo obstante tambeacutem os humanos satildeo portadores de um outro tipo de mitama (御
霊) este identificado como uma rei apoacutes a morte do corpo 135
tornando-se efetivamente uma
extensatildeo deste uacuteltimo o que lhe permite uma atuaccedilatildeo positiva (como protetor) ou negativa
(como destruidor da ordem) no domiacutenio dos humanos Com efeito o culto aos mortos na
sociedade japonesa faz parte de uma tradiccedilatildeo antiga na qual se atribui a certos mortos um
tratamento especial a veneraccedilatildeo de falecidos imperadores antepassados e guerreiros mortos
em combate em conjunto com o culto aos kami expressam uma forte consciencializaccedilatildeo
espiritual ainda muito presente na cultura japonesa
Sob um ponto de vista mais doutrinaacuterio a espiritualidade japonesa centra-se na teoria
ichirei shikon (一霊四魂) literalmente ldquouma rei e quatro tamashiirdquo na qual os humanos e os
kami servem de recipiente agrave reikon que por sua vez eacute constituiacuteda por um lsquoespiacuteritorsquo 136
(rei) -
designado de naobi curioso conceito inserido no campo da eacutetica japonesa significando
ldquocorrigir algo anormal mau ou distorcido e restaura-lo agrave sua condiccedilatildeo normal ou originalrdquo e o
ldquoespiacuterito maravilhoso que retifica o erradordquo 137
- e pela quadripartida tamashii (魂)
Neste contexto cada parte corresponde a um ldquoatributordquo ou ldquocaracteriacutesticardquo que rege o
seu modo de atuaccedilatildeo no domiacutenio terreno o par nigimitama (和御魂) e aramitama (荒御魂)
possuindo uma natureza dual complementar lembrando os princiacutepios do yin e do yang
respetivamente associados ao ldquoatributordquo calmo e passivo nigimitama e o seu oposto a
incontrolaacutevel aramitama o duo sakimitama (幸御魂) e kushimitama (奇御魂) brevemente
mencionado no Nihon shoki se sakimitama eacute a mitama que ldquoprovidenciardquo a potecircncia por
detraacutes da colheita a kushimitama tem o poder de evocar ldquomisteriosas manifestaccedilotildees em seres
humanos atraveacutes de um poder sobrenaturalrdquo 138
135
ASOYA Masahiko ldquoConcepts of the Spirit (reikonkan)rdquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and
Doctrines Basic Concept (on line) lthttpk-
amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23643gt (consultado em 24-06-2018) 138
YONEI Teruyoshi ldquoIchirei shikonrdquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and Doctrines Basic Concepts (on
line) lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23386gt (consultado em 24-
06-2018) 137
FUKUI Yoshihiko ldquoNaobirdquo Encyclopedia of Japan 7 Concepts and Doctrines Basic Terms (on line)
lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23662gt (consultado em 24-06-
2018) 138
YONEI Teruyoshi ldquoKushimitamardquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and Doctrines Basic Terms (on
line) lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23412gt (consultado em 24-
06-2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 53
De entre este quarteto o primeiro par merece uma atenccedilatildeo especial constatando-se
dezenas de referecircncias em textos antigos que explicitam o papel de tanto uma como da outra
que rituais a executar para pacificar uma aramitama transformando-a numa nigimitama
praacutetica efetuada pela famiacutelia imperial por exemplo apoacutes a morte no exiacutelio em Dazaifu (903)
do letrado Sugawara-no-Michizane que tinha sido viacutetima de uma conspiraccedilatildeo dois anos antes
a capital Quioto seria afetada por uma seacuterie de ldquodesastresrdquo tais como ldquopraga fogos
inundaccedilotildees e mortes inesperadasrdquo de membros do clatilde Fujiwara lanccedilando-se um debate
interno sobre a sua causa concluindo-se que se tratava da aramitama do falecido Sugawara
Procurando-se ldquoapaziguarrdquo esta aramitama a famiacutelia imperial procederia agrave restituiccedilatildeo do
estatuto de letrado de Michizane apoiando a construccedilatildeo de um jinja no qual seria consagrado
um novo kami Tenjin 139
O descrito episoacutedio de ldquodomesticaccedilatildeordquo continuaria a ser praticado ao longo dos
seacuteculos sendo que o Imperador Shōwa (昭和天皇) organizaria uma procissatildeo pelo paiacutes para
pacificar as aramitama atraveacutes de preces substituindo-as por nigimitama algo modelado nas
tours do Imperador Meiji (明治天皇) motivos poliacuteticos satildeo habilmente misturados com as
necessidades ldquoespirituaisrdquo do Japatildeo 140
Natildeo obstante existe uma terceira forma de
ldquodomesticaccedilatildeordquo que natildeo implica o seu afastamento da praacutetica de veneraccedilatildeo antes pelo
contraacuterio no Ise Jingū pensa-se que um dos ldquosantuaacuteriosrdquo do Naikū preserva a nigimitama de
Amaterasu e no outro consagra-se a aramitama um processo replicado no Sumiyoshi Taisha
(住吉大社) de Ōsaka espaccedilo de veneraccedilatildeo de trecircs nigimitama dos trecircs respetivos kami ao
contraacuterio do seu congeacutenere em Yamaguchi que alberga as suas aramitama 141
23 Mal como causa e efeito da Desordem tsumi kegare e imi
Aleacutem das diferenccedilas estabelecidas pela mencionada doutrina rei e tamashii satildeo
essencialmente termos que natildeo reconhecem a existecircncia de bommau o que explica o habitual
caraacutecter neutro dos kami Todavia eacute possiacutevel constatar a presenccedila de categorias de rei e kami
que funcionam como arautos de desgraccedila humana e natural representando o oposto do que eacute
ldquobomrdquo goryō onryō e akuryō (悪霊) este uacuteltimo traduzido literalmente por ldquorei malignosrdquo
139
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit p 100 140
PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit p 208 141
ASOYA Masahiko ldquoConcepts of the Spirit (reikonkan)rdquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and
Doctrines Basic Concept (on line) lthttpk-
amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23643gt (consultado em 24-06-2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 54
satildeo exemplos de entidades espirituais cuja razatildeo de existecircncia eacute a de causar danos agraves pessoas
objetos casas urgindo a realizaccedilatildeo de rituais proacuteprios de ldquopacificaccedilatildeordquo e ldquoexorcismordquo que
supostamente expulsamremovem permanentemente quaisquer influecircncias negativas Por sua
vez os yūrei (幽霊) ldquorei obscurosrdquo enquadram-se mais no mundo folcloacuterico japonecircs e satildeo
geralmente identificados como ldquoespiacuteritos vingativosrdquo ou ldquoapariccedilotildeesrdquo cuja presenccedila eacute teacutenue
mas forte o suficiente para serem ldquosentidosrdquo em locais como florestas e montanhas
No que concerne a kami malignos estes satildeo nada mais do que a antiacutetese de musubi e
pureza se a maioria dos kami desdenham ldquode comportamento disruptivo de ordem social ou
natural juntamente com poluiccedilotildees (kegare) tais como sujidade sangue e morterdquo 142
e a sua
origem eacute responsabilidade do princiacutepio de ldquocriaccedilatildeordquo e Ordem coacutesmica um outro grupo de
kami partilha de uma natureza totalmente oposta favorecendo a destruiccedilatildeo da Ordem os
magatsubi no kami ou magatsui no kami (禍津日神 ) Responsaacuteveis por ldquodesgraccedilas
inevitaacuteveisrdquo e reinando ldquosobre erro e impurezardquo eacutetica os magatsui no kami residem nas
profundezas do Yomi ao contraacuterio dos restantes kami que vivem em Takamagahara e no
mundo terreno possuindo uma ldquoessecircncia liacutempidardquo 143
magatsui no kami satildeo os agentes da
desordem distinguindo-se dos restantes kami que favorecem a Ordem
Neste sentido os magatsui no kami relacionam-se com magagoto (凶悪事) palavra
que subentende ldquodesgraccedilas maacutes accedilotildees e calamidadesrdquo 144
ao contraacuterio dos naobi-no-kami
capazes de ldquorestaurar o estado normal e trazer de volta o mundo puro claro proacuteprio e reto
dos Deusesrdquo 145
constroacutei-se deste modo a ideia do mal percecionado como Desordem e
anormalidade que deve ser combatido pelo indiviacuteduo praticante Via dos kami enfatizando os
aspetos sociais e eacuteticos de shintō
A visatildeo eacutetica proposta por shintō eacute resultado da receccedilatildeo e interpretaccedilatildeo de ideias
confucianas e japonesas Aliaacutes na sociedade arcaica japonesa jaacute existia uma distinccedilatildeo entre
ldquobons atosrdquo e ldquomaus atosrdquo que determinavam a culpabilidade ou inocecircncia de um ofensor
perante a unidade familiar ou o clatilde ldquoeacuteticardquo correspondia numa primeira instacircncia a um
conjunto de praacuteticas e dizeres transmitidos de forma oral e de geraccedilatildeo em geraccedilatildeo que eram
142
MATSUMURA Kazuo ldquoDefinitions and Typologyrdquo Encyclopedia of Shinto 2 Kami (Deities) Concepts of
Kami (on line) lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=22498gt
(consultado em 24-06-2018) 143
PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit p 208 144
NISHIOKA Kazuhiko ldquoMagakoto (also Magagoto)rdquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and Doctrines
Basic Terms (on line) lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23670gt
(consultado em 24-06-2018) 145
PICKEN Stuart op cit p 273
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 55
de certo modo complementares agrave execuccedilatildeo do ritual os termos yoshi e ashi respetivamente
significando ter ou carecer de ldquovalorrdquo expressavam as ideias de bemmal 146
Por outras
palavras viver em sociedade natildeo seria possiacutevel se natildeo se adotassem certos comportamentos
que fossem eticamente bons isto eacute natildeo reprovaacuteveis aos olhos da comunidade e eacute claro dos
kami que apesar de natildeo possuiacuterem uma natureza nem boa ou maacute tambeacutem eles satildeo capazes
das piores ofensascrimes isto eacute tsumi (罪) como se pode constatar no caso de Susano-o
No domiacutenio ritual a ldquopurezardquo eacute um atributo interno e externo tanto ao homem como
ao kami kami satildeo considerados essencialmente ldquopurosrdquo ldquoliacutempidosrdquo e uma forma de vida
superior aos homens adotando comportamentos corretos que servem de modelo para os
humanos (com a exceccedilatildeo dos magatsui no kami) e partilhando do ldquoelo espiritualrdquo que os une
nesta realidade isto eacute a mitama Contudo apenas os humanos possuem a capacidade de se
tornar kami apoacutes a morte do corpo seguindo um ldquoprocesso de purificaccedilatildeo que os torna em
espiacuteritos ancestraisrdquo e cuja exceccedilatildeo agrave regra encontra-se por exemplo nos imperadores
considerados akitsu-mikami durante a sua vida 147
O entendimento deste processo de purificaccedilatildeo (jōka) natildeo se pode dissociar de kokoro
e makoto ambos fundamentando a noccedilatildeo de ldquoretidatildeordquo (natildeo necessariamente no sentido
confuciano da palavra) expressa pelo jaacute mencionado termo naobi ou simplesmente nao a
antiacutetese de todos os vocaacutebulos conotados com a ideia de ldquomalrdquo Por outras palavras o
reconhecimento da importacircncia de ldquopurezapurordquo soacute eacute justificado pela existecircncia de ldquoimpurezardquo
que conduz agrave Desordem um natildeo existe sem o outro sendo que na linguagem shintō tudo que
eacute negativo e impuro envolve tsumi (罪) e kegare (穢) duas formas de impureza eacutetica e fiacutesica
respetivamente agraves quais se lhe junta imi (忌) frequentemente interpretado no sentido de
ldquotaburdquo tsumi kegare e imi satildeo com efeito os agentes da Desordem que o ser humano deve
evitar
Incorporados em shintō este trio fortalece a relaccedilatildeo desta Via com a sociedade se a
primeira palavra tsumi tem implicaccedilotildees legais e continua a fazer parte da linguagem do dia-a-
dia sendo usada no campo religioso ou no domiacutenio legislativo kegare tende a associar-se ao
domiacutenio mais ldquolituacutergicordquo de shintō tal como imi que consoante o kanji usado denota o que eacute
considerado puro (positivo) e impuro (negativo)
146
ONO Sokyō op cit pp 105-107 147
UEDA Kenji ldquoConcepts of Humanity (Ningenkan)rdquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and Doctrines
Basic Concepts (on line) lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23642gt
(consultado em 24-06-2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 56
No que concerne a tsumi este eacute foneticamente lido agrave maneira chinesa como sai (ou
zai) e apesar de ter sido escolhido para traduzir o conceito de ldquopecadordquo segundo a visatildeo
religiosa cristatilde 148
tsumi possui um forte significado natildeo religioso encontrando-se expressotildees
na linguagem corrente tais como dōzai (同罪 partilha do crimeculpa) e shazai (謝罪)
desculpas como forma de aliviar o sentimento de culpa hanzai (犯罪) ldquocrimerdquo entre outras
Com efeito tsumi eacute antes de mais ofensa crime e maacute accedilatildeo Eacute talvez neste sentido
que Nishigaki Yukio identifica tsumi como togame - uma palavra traduzida por ldquoacusaccedilatildeordquo ou
ldquocensurardquo ndash e a uma abreviatura da forma nominal do verbo tsutsumu (障) designado tsutsumi
sendo que o kanji eacute lido como sawaru - homoacutefono do verbo ldquotocarrdquo (sawaru 触る ) -
indicando ldquotornar-se um obstaacuteculordquo 149
denotando um entrave agrave Ordem Por conseguinte esta
interpretaccedilatildeo ecoa a sugestatildeo de Picken que aponta para a variedade de significados de tsumi
ndash ldquopoluiccedilatildeo doenccedilas e desastre bem como errordquo ndash tendo o cuidado de incluir a sua vertente
praacutetica ldquoaccedilotildees situaccedilotildees ou circunstacircncias indesejadas podem causar impureza e devem ser
lidadas por evitaccedilatildeo ou purificaccedilatildeo ritualrdquo 150
designada de ldquoabstinecircnciardquo (imi 斎) e harai
(祓)
Contudo o conceito de ldquoerradordquo parece surgir em textos confucianos integrando
uma das partes da dicotomia boas accedilotildeesmaacutes accedilotildees apesar da ausecircncia de [罪 ] o seu
significado eacute substituiacutedo por outros que partilham das mesmas conotaccedilotildees negativas o
caractere [犯] usado para formar o verbo japonecircs okasu traduzido por ldquocometerrdquo (maus atos)
e que eacute frequentemente interpretado como um possiacutevel sinoacutenimo de tsumi 151
Aliaacutes na
linguagem japonesa moderna natildeo eacute estranho encontrar-se tsumi junto de okasu como se
constata na frase ldquocometer ofensasrdquo (tsumi wo okasu 罪を犯す) reforccedila-se deste modo a
ideia de que tsumi eacute especificamente algo negativo e condutor agrave Desordem
148
MATSUMOTO Shigeru ldquo 罪 つ み rdquo コ ト バ ン ク (on line) Disponiacutevel em
lthttpskotobankjpwordE7BDAA-99474gt (consultado em 24-06-2018) 149
NISHIGAKI Yukio op cit p 420 p325 150
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit p 171 151
Por exemplo nos ldquoAnalectosrdquo de Confuacutecio (Lun Yu em japonecircs Rongo 論語) regista-se no primeiro
ldquoensinamentordquo do disciacutepulo Yu Zi (有子) o caratere [犯] que eacute traduzido por Lau como ldquotransgressatildeordquo uma
consequecircncia do natildeo seguimento do caminho proposto por ren No entanto na citaccedilatildeo do uacuteltimo livro de
ldquoAnalectosrdquo [惡] indica ldquodetestar fazer algordquo CONFUacuteCIO The Analects Lun Yu Translated by DC Lau HK
Chinese University Press 1983 pp 2-3 pp 194-195
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Por conseguinte a noccedilatildeo de Desordem provocada por ldquomaus comportamentosrdquo eacute
ilustrada nos Analectos pelo caractere [惡] 152
traduzido por ldquomalrdquo (no sentido eacutetico e natildeo
religioso) em japonecircs o caractere usado eacute a forma arcaica de [悪] cujo radical eacute nada mais
do que kokoro lido como aku o kanji pode ser usado para caraterizar uma coisa uma
condiccedilatildeo e ainda a proacutepria personalidade do indiviacuteduo ldquomaldaderdquo ldquomaurdquo ldquomalignordquo ou
ldquomaldosordquo derivam da leitura de aku como warui 153
No fundo [犯] e [惡] satildeo nada mais do
que comportamentos puniacuteveis por lei e cuja eliminaccedilatildeo resultaria do constante cultivo interior
do caraacutecter da pessoa
Na realidade japonesa tsumi opotildee-se ao corretolegal Karl Florenz comenta que ldquoa
sociedade japonesa arcaica possuiacutea nem coacutedigos legais nem direitos descritivos por isso os
castigos das ofensas eram delegados inteiramente agrave discriccedilatildeo do indiviacuteduo magoado ou da
comunidaderdquo no seu entender tsumi eram ldquomaus atosrdquo (crimes) cuja gravidade determinaria
o grau do castigo variando entre pena capital escravatura expulsatildeo e confiscaccedilatildeo total ou
parcial das propriedades do acusado 154
Ora esta linha de pensamento eacute seguida por Felicia Bock que afirma o facto de tsumi
existirem de forma pouco consistente no quadro de costumes das pessoas da planiacutecie do
Yamato (periacuteodo preacute-Japatildeo imperial) juntamente com as ldquopalavras do soberanordquo e
julgamentos apoiados em provaccedilotildees (fogo sobretudo) e ainda ldquoxamatildesrdquo ou ldquointeacuterpretes da
vontade dos kami ou divindadesrdquo tsumi corresponderia agraves ldquoofensas pelas quais uma pessoa
pode ser considerada culpadardquo listadas e descritas em episoacutedios do Kojiki e Nihon shoki Caso
se fosse considerado a um niacutevel mais ldquolituacutergicordquo tsumi podia contaminar uma pessoa (tsumi-
bito 罪人) urgindo a sua eliminaccedilatildeo atraveacutes de ldquocertos ritos prescritosrdquo executados pelos
membros do Jingikan que deste modo asseguravam a ordem no territoacuterio japonecircs aleacutem de se
recorrerem a meacutetodos de cariz social tais como a atribuiccedilatildeo de multas ldquoque eram impostas
152
Duas das frases mais emblemaacutetica do uso de [惡] como antiacutetese de ldquobemrdquo e eacute claro ldquobenevolecircnciardquo (ren仁)
pertencem ao terceiro e quarto ldquoensinamentosrdquo de Confuacutecio do ldquoquarto livrordquo no primeiro caso o caractere natildeo
surge de forma isolada identificando a natureza da pessoa como ldquomaacuterdquo (惡人) por oposiccedilatildeo agrave de uma ldquopessoa boardquo
(好人) ldquo唯仁者能好人能惡人rdquo na frase ldquo苟志于仁矣無惡也rdquo [惡] eacute uma ldquoinfluecircncia negativardquo que se
pode ldquoeliminarrdquo CONFUacuteCIO op cit pp 28-29 153
NISHIGAKI Yukio op cit p 420 p 599 154
FLORENZ Karl ldquoAncient Japanese Rituals Part IVrdquo Transactions of the Asiatic Society of Japan nordm 27
1899 pp 1ndash112
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para absolver uma pessoa de algum crime social tal como roubar a esposa de outro homemrdquo
155
Para todos os efeitos tsumi satildeo o coletivo de atos condenaacuteveis dentro de uma
sociedade os mais graves (amatsu-no-tsumi) correspondem os oito tsumi cometidos por
Susano-o durante o seu episoacutedio de rebeldia contra a ordem de Takamagahara 156
o kami
assume o papel do indiviacuteduo que age contrariamente ao que eacute suposto pois as suas accedilotildees
potildeem em causa o estado harmoacutenico da sua comunidade (de kami) que soacute seria reposta apoacutes
Amaterasu sair da Ama no Iwato
No que concerne aos kunitsu no kami estes satildeo essencialmente um ldquooposto
complementar (hellip) enfatizando maacutes accedilotildees mundanasrdquo nomeadamente ldquoincesto bestialidade e
auguacuterios natildeo auspiciosos e magia que antecipam principais eventos catacliacutesmicosrdquo 156
Jaacute
Felicia Bock divide-os em ldquoquebras de tabus tribais e contaminaccedilotildees causadas por eventos
naturaisrdquo constatando-se uma forte consciencializaccedilatildeo destas ldquocomunidades primaacuteriasrdquo no
que concerne a doenccedilas e comportamentos irregulares ou perigosos o corte de carne viva e
morta que demonstra o respeito pelos seres vivos lepra branca imperfeiccedilotildees deacutermicas
violaccedilatildeo da proacutepria matildee violaccedilatildeo de crianccedilas coabitaccedilatildeo com animais afliccedilatildeo de coisas
rastejantes divindades aves ldquomorte de animais e contaminaccedilotildees originadas por feiticcedilariardquo 157
Contudo a classificaccedilatildeo dos tsumi natildeo eacute a prioridade das fontes literaacuterias arcaicas
no episoacutedio protagonizado pela viuacuteva do Imperador Chūai (Jingū-kōgō神功皇后) do Kojiki
a nomeaccedilatildeo de nove ofensas denota a perspetiva dos japoneses em relaccedilatildeo a comportamentos
socialmente desviantes sobretudo de cariz sexual - a copulaccedilatildeo com quatro espeacutecies animais
(cavalos vacas paacutessaros e catildees) e o incesto satildeo considerados tsumi ndash aos quais se lhe juntam
as praacuteticas de esfolamento animal a destruiccedilatildeo dos campos de arroz e ainda a ldquodefecaccedilatildeo em
espaccedilos sagradosrdquo (no original kusohe 屎戸) 158
Aliaacutes eacute tambeacutem nesta passagem que se constata a atribuiccedilatildeo de um caraacutecter mais
ldquoritualrdquo a tsumi evidenciado pela presenccedila das palavras harai (祓い) um processo que tem
como meta a restauraccedilatildeo da pureza reunindo-se para o efeito oferendas oriundas de todos os
155
BOCK Felicia Engi-shiki Procedures of the Engi Era Books I-V Translated with introduction and notes by
Felicia Gressitt Bock Tokyo Sophia University 1970 pp 3-6 156
TSUSHIRO Hirofumi ldquoAmatsu tsumi Kunitsu tsumirdquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and Doctrines
Basic Terms (on line) lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23381gt
(consultado em 24-06-2018) 157
BOCK Felicia Engi-shiki Procedures of the Engi Era Books I-V Translated with introduction and notes by
Felicia Gressitt Bock Tokyo Sophia University 1970 pp 3-6 158
Com a excepccedilatildeo das formas de bestialidade e incesto os tsumi mencionados satildeo posteriormente categorizados
como amatsu no tsumi TAKEDA Tsunegaki op cit pp217-219
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cantos do territoacuterio e os proacuteprios tsumi kegare (穢) denotando a sujidade inerente deste tipo
de conduta (tsumi) que eacute eliminada por harai sendo defecaccedilatildeo um ato associado agrave ldquosujidade
fiacutesicardquo Com efeito realizar haraiharae devolve a ldquopurezardquo ao espaccedilo que tinha sido
ldquocontaminadordquo Ora neste episoacutedio particular a ldquobuscardquo de tsumi decorre em simultacircneo com
os preparativos para o ldquoritualrdquo fuacutenebre (mogari) do Imperador Chūai (仲哀天皇) 159
Tal como no Kojiki tambeacutem o Nihon shoki define tsumi como condutas ofensivas
no Inverno do 11ordm dia do 10ordm mecircs (quinto do ano de reinado) do Imperador Richū (履中天皇)
conclui-se que a suacutebita morte da Imperatriz tinha sido causada por uma ldquomaldiccedilatildeordquo (tatari 祟
り) enviada pelos ofendidos kami de Tsukushi no seguimento de dois tsumi cometidos por
Kurumamochi-be ndash taxar as terras administradas pelo Imperador sem autorizaccedilatildeo e ter
colocado ao seu serviccedilo (do ofensor) os suacutebditos dessa mesma terra acabando por usurpar a
posiccedilatildeo dos kami aiacute venerados Como puniccedilatildeo o soberano japonecircs obriga o ofensor a
executar misogi e posteriormente demite-o do seu cargo 160
se tsumi eacute a raiz de desarmonia
provocada pela accedilatildeo humana individual e repercutida no coletivo misogi eacute nada mais do que
o seu oposto focando-se na reposiccedilatildeo da Ordem pelo responsaacutevel assumindo contornos de
purificaccedilatildeo interna
Num dos eacuteditos do Imperador Yūryaku (雄略天皇) tsumi adquire uma natureza
ldquoperdoaacutevelrdquo ao escutar a canccedilatildeo entoada por Hata-no-sake-no-kimi o imperador absolve o
carpinteiro Kodakumitsuke-no-mita de ter forccedilado sexualmente 161
uma uneme 162
de Ise (na
verdade a jovem em questatildeo meramente tinha-se distraiacutedo a olhar para Kodakumitsuke-no-
mita estragando uma das oferendas que tinha acabado de preparar) 161
uma vez que o tsumi
de que tinha sido acusado o carpinteiro eacute considerado de tal ordem grave que o Imperador
pensou condenaacute-lo agrave morte eacute possiacutevel concluir que relaccedilotildees sexuais (forccediladas) justificavam a
pena capital
159
Nihonsinwa ldquo大祓いと罪悪rdquo (A Grande Purificaccedilatildeo e Crimes) 仲哀天皇(古事記)(Imperador Chūai
Kojiki) (on line) lthttpnihonsinwacompage577htmlgt (consultado em 24-06-2018) 160
Nihonsinwa ldquo履中天皇(十一)車持部の罪rdquo (Imperador Richū 11 O crime de Kurumamochi-be) 履中天皇 反正天皇(日本書紀)(Imperador Richū Imperador HanzeiHanshō Nihon shoki) (on line) lthttp
httpnihonsinwacompage1396htmlgt (consultado em 24-06-2018) 161
Nihonsinwa ldquo木工鬪鶏御田の冤罪と秦酒公の琴の声rdquo (As falsas acusaccedilotildees de Kodakumitsuke-no-mita e
a voz da biwa de Hata-no-sake-no-kimi) 雄略天皇(日本書紀)四十二 (Imperador Yūryaku Nihon shoki
42) (on-line) lthttpnihonsinwacompage1469htmlgt (consultado em 24-06-2018) 162
Uneme (采女) designa uma rdquofuncionaacuteriardquo da corte geralmente nomeada pelo Imperador ou pela Imperatriz
Segundo Nishigaki a funccedilatildeo destas jovens eacute de cuidar ldquodos afazeres do quotidianordquo dos seus empregadores
incluindo preparar a comida NISHIGAKI Yukio op cit p116
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
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No registo de Veratildeo do ano seguinte tsumi eacute novamente uma ofensa de natureza
sexual o crime cometido por Hatane-no-mikoto ndash um parente afastado do atual imperador
legitimando eventuais ambiccedilotildees ao trono ndash eacute o de sorrateiramente ter tido relaccedilotildees com
Yama-no-be-no-Koshimako Apoacutes purificar-se de tais atos recorrendo ao pagamento em
cavalos e tachi (nome para uma katana longa) Hatane eacute posteriormente obrigado pelo
imperador a lsquodepositar no chatildeorsquo os seus pertences numa outra localizaccedilatildeo perdendo o seu
estatuto social Se neste caso a puniccedilatildeo de Yūryaku serve para preservar a sua posiccedilatildeo
poliacutetica impedindo um hipoteacutetico golpe de estado 163
no primeiro episoacutedio o castigo eacute
aplicado como forma de justiccedila pelos terriacuteveis atos do carpinteiro
Como se pode constatar nos exemplos referidos tsumi expressa um uacutenico crime algo
repercutido no registo do Imperador Ankan (安閑天王) no 12ordm mecircs do primeiro ano de
reinado o termo eacute usado para indicar o roubo do colar por parte de uma jovem e que o
imperador resolve ldquoarrependerrdquo (aganai 贖い164) um procedimento no qual se reunia uma
seacuterie de pessoas conhecidas do acusado que entregavam riquezas ao imperador esperando-se
desta forma evitar o ldquocontaacutegiordquo de tsumi cometido pelo criminoso Curiosamente a viacutetima do
roubo tambeacutem eacute incluiacuteda neste conjunto de pessoas justificado pelos receios de contaminaccedilatildeo
165 neste sentido tsumi eacute duplamente uma ofensa individual e algo de natureza
ldquocontaminadorardquo conotada com kegare e Desordem
Em outras croacutenicas como a dos Imperadores Bidatsu (敏達天皇) Kōtoku (孝徳天皇
e Tenmu (天武天皇) tsumi corresponde a crimes cometidos pela mesma pessoa ou por um
conjunto de indiviacuteduos no primeiro caso tsumi descreve dois atos de Naniwa - ter ldquoenganadordquo
a corte (de certo modo um caso de insubordinaccedilatildeo) e de ter feito com que um diplomata do
reino de Kōryo fosse morto 166
no segundo ano do terceiro mecircs de Kōtoku identificam-se os
163
Eacute interessante ver que o verbo okasu eacute usado nesta passagem para identificar o crime Dependendo do
contexto o verbo pode significar ldquoviolarrdquo ecoando as suspeitas do Imperador no episoacutedio anterior Outro termo
a ter em conta eacute o de ldquopurificaccedilatildeordquo harai natildeo envolve misogi mas natildeo deixa de ser harai distinguindo-se como
um tipo de harai associado a ldquopagamentosrdquo Nihonsinwa ldquo歯田根命は山辺小嶋子と姦通し罪を問われるrdquo
(Hatane-no-mikoto eacute interrogado pelo crime de adulteacuterio com Yamanobe-no-Koshimako) 雄略天皇 日本書紀( 四 十 三 ) (Imperador Yūryaku Nihon shoki 43) (on line) lthttpnihonsinwacompage1471htmlgt
(consultado em 24-06-2018) 164
Aganai deriva do verbo aganau (贖) ou ldquoarrependerrdquo no sentido de ldquocompensarrdquo por maus atos Outra
definiccedilatildeo possiacutevel eacute enterrar riquezas no chatildeo NISHIGAKI Yukio op cit p 27 165
Nihonsinwa ldquo廬城部連枳莒喩の娘の幡媛の罪物部尾輿も土地を献上rdquo (O crime da rapariga Hatahime
de Iwogibe-no-muraji-kyū Mononobe-no-Ōmuraji-okoshi tambeacutem presenteia no chatildeo) 安閑天皇 宣化天皇(日本書紀)(Imperadores Ankan Senka Nihon shoki) (on line) lthttpnihonsinwacompage1603htmlgt
(consultado em 24-06-2018) 166
Nihonsinwa ldquo難波の罪を数えるrdquo (Contar os crimes de Naniwa) 敏達天皇 日本書紀 Imperador Bidatsu
Nihon shoki) (on line) lthttpnihonsinwacompage1731htmlgt (consultado em 24-06-2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 61
criminosos e o crime de que satildeo acusados nomeadamente roubo de bens (cavalos armas
tecidos) a outros membros da corte e funcionaacuterios 167
Por uacuteltimo o Imperador Tenmu
menciona sete ldquocoisas maacutesrdquo (ashiki koto 悪しきこと ) cometidas por um clatilde o que
normalmente justificaria a presenccedila deste no palaacutecio a fim de se proceder a um
questionamento oficial Contudo a interceccedilatildeo de um outro indiviacuteduo em favor deste clatilde
resulta na concessatildeo de um perdatildeo imperial caso tornassem a cometer crimes natildeo teriam a
mesma sorte 168
Eacute impossiacutevel natildeo se constatar uma espeacutecie de consciencializaccedilatildeo japonesa no que
concerne agrave Desordem e os possiacuteveis meios para a combater todos os ldquoritosrdquo que precedem os
matsuri e outros atos de veneraccedilatildeo aos kami envolvem algum tipo de ldquopurificaccedilatildeordquo (coisas
pessoas e espaccedilos) expressando-se uma clara atitude de abominaccedilatildeo por tsumi kegare e imi
Ora numa abordagem mais teoacuterica o antagonismo eacute colocado de parte e qualquer um destes
conceitos pode ser analisado enquanto objeto de estudo facultando o desenvolvimento de
novas perspetivas da dicotomia ldquobemmalrdquo em contexto shintō
Segundo Ōwaki Yukiko a linha de pensamento de Norinaga atenta na natureza
ldquoinclusivardquo e natildeo ldquoexclusivardquo de tsumi tornando-o um coletivo de um certo nuacutemero de crimes
socialmente reprovaacuteveis de kegare magakoto e maga ou seja todo o tipo de ldquocoisasrdquo
negativas associadas ao ldquomalrdquo uma palavra que natildeo se deve identificar com o ldquomalrdquo segundo
a visatildeo religiosa ocidental 169
Ao reconhecer a dicotomia DesordemOrdem o indiviacuteduo
deixa-se guiar pelos kami da Ordem - Kamunaobi-no-kami (神直毘神) Ōnaobi-no-kami (大
直毘神) - pedindo-lhes emprestado o ldquopoder da sua mitamardquo isto eacute a sua ldquoessecircnciardquo Seguir
kami no michi torna-se deste modo seguir a Via favoraacutevel agrave purificaccedilatildeo das intenccedilotildees
permitindo afastar a influecircncia negativa e prejudicial de maga que por sua vez se foca em
espalhar Desordem pelo mundo 170
167
O kanji [過] ndash toga sinoacutenimo de tsumi ndash associa-se a okasu reforccedilando a sua leitura enquanto algo de
natureza criminosa Nihonsinwardquo孝徳天皇(二十六)穂積臣咋と巨勢徳禰臣の罪rdquo (Imperador Kōtoku 26
O Crime de Hozumi-no-Omi-kui e Kose-no-tokone-no-Omi (on line) 日本書紀 孝徳天皇 (Nihon shoki
Imperador Kōtoku) lthttpnihonsinwacompage2079htmlgt (consultado em 24-06-2018) 168
Nesta passagem ashiki koto substitui tsumi Nihonsinwa ldquo東漢直の7つの罪恩により許されるrdquo (Os
crimes dos Yamato-no-aya-no-atai Devido agrave graccedila [imperial] satildeo perdoados) 天武天皇(六十)日本書紀
(Imperador Tenmu 60 Nihon shoki) (on-line) lthttpnihonsinwacompage2317htmlgt (consultado em 24-06-
2018) 169
ŌWAKI Yukiko ldquoつみ 罪 Tsumirdquo 万葉神事語辞典 (Dicionaacuterio de 10 mil fragmentos dos assuntos de
kami) (on line) lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_dsgampdata_id=68730gt
(consultado em 24-06-2018) 170
MOTOORI N ldquo1-9 直毘霊rdquo(なおびのみたま) (1-9 Naobi no mitama) 古事記傳 (Kojikiden) (on
line) lthttpkumoi1webfc2comCCP059htmlgt (consultado em 24-06-2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 62
Com efeito a visatildeo particular de Norinaga em relaccedilatildeo a nao (直) e maga (禍) revela-
se fundamental para a compreensatildeo de kami no michi como um Caminho de retorno a uma
Ordem criada por algo natildeo humano e expressa pela naobi-no-mitama (直毘霊) Em outras
palavras nao eacute a antiacutetese de maga algo jaacute aludido na proacutepria etimologia dos dois vocaacutebulos
conotados com coisas ldquopositivasrdquo e ldquonegativasrdquo nao eacute entendido como ldquocorretordquo ldquodireitordquo e
ldquoretordquo uma disposiccedilatildeoatitude preferiacutevel e consequentemente uma caracteriacutestica ligada agrave
Ordem 171
ndash significa ldquocurarrdquo ou ldquopacificarrdquo consoante o contexto ndash maga eacute uma ldquocoisa maacute
desastrerdquo associando-se ainda ao kanji [曲] presente no verbo magaru traduzido por ldquovirarrdquo
ou ldquotorcerrdquo172
Todavia este ldquotorcerrdquo eacute permanente evidenciando a capacidade do indiviacuteduo
prevalecer sobre a influecircncia de maga magamal natildeo eacute inato ao homem justificando o
porquecirc de shintō tradicionalmente definir o homem pela sua ldquoboardquo natureza argumentando
que natildeo existem ldquopessoas maacutesrdquo (por natureza) mas ldquomaacutes intenccedilotildeesrdquo ldquodoenccedilasrdquo e ldquocoisas maacutesrdquo
neste mundo que satildeo impulsionadas pela existecircncia inevitaacutevel de maga 172
Com efeito este
manga eacute um entrave temporaacuterio agrave Ordem interpretaccedilatildeo ecoada por Ono Sokyō Referindo-se
agrave perspetiva ldquoxintoiacutestardquo antiga de uma ldquoorigem exteriorrdquo do mal este uacuteltimo identifica tal
origem com o ldquomundo da escuridatildeordquo personificado pelos magatsui no kami ldquoespiacuteritos
malignosrdquo admitindo que o homem vive num ldquomundo bomrdquo (um mundo de kami criado pelo
musubi) e a sua ldquoalmardquo eacute inerentemente boa ldquoo homem comete males porque perdeu foi-lhe
retirada a capacidade para accedilatildeo normalrdquo 173
Neste sentido tanto o Kojiki como o Nihon shoki apresentam uma explicaccedilatildeo para a
existecircncia desta Desordem Desordem eacute uma consequecircncia da libertaccedilatildeo no mundo de kegare
do Yomi-no-kuni contraiacutedo por Izanagi aquando da sua passagem por este domiacutenio inferior
Caracterizado pela sua sujidade 174
Yomi eacute o mundo dos mortos portanto eacute loacutegico que tudo
que faccedila parte desse lugar seja o oposto da Ordem oferecendo um viacutevido contraste com o
171
NISHIGAKI Yukio op cit p457 172
NISHIGAKI Yukio op cit p529 173
ONO Sokyō op cit pp105-107 174
A utilizaccedilatildeo da palavra ldquosujidaderdquo eacute justificada pela leitura do kanji [穢] como kitanaki presente na fala de
Izanagi O kami tem consciecircncia de ter regressado de uma ldquoterra sujardquo (kitanaki kuni 穢國) e procura de imediato
uma fonte de aacutegua para poder lavar o seu corpo (misogi) No texto original a frase lecirc-se ldquoA wa ina
shikomeshikomeki kitanaki kuni ni itarite arikeri Kare A wa mimi no misogi senrdquo (吾者到於伊那志許米志許
米岐 穢國而在祁理故吾者爲御身之禊而) sendo que [吾] eacute uma forma arcaica do pronome pessoal ldquoeurdquo
KURANO K ldquo 上 卷 并 序 rdquo (Prefaacutecio para o Capiacutetulo Superior) 古 事 記 (Kojiki) (on line)
lthttpwww004uppso-netnejpdassai1kojiki_kamiframekojiki_kami_framehtmgt (consultado em 24-06-
2018)
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mundo dos vivos gerado pela vontade dos kami e no qual aflui vida se os kami satildeo
consequecircncia de musubi os magatsui no kami possuem uma natureza diferente no Kojiki
correspondem a Yasomagatsubi-no-kami (八十禍津日神) e Ōmagatsubi-no-kami (大禍津日
神) e no Nihon shoki este uacuteltimo eacute substituiacutedo pelo Ōayatsubi-no-kami (大綾津日の神)
notando-se a inclusatildeo do som aya cujo significado eacute proacuteximo de maga 175
Aparecendo depois dos kami que se manifestaram agrave medida que Izanagi-no-kami se
despia os magatsui no kami satildeo corporizaccedilotildees de kegare Mencionados durante o ritual
misogi harai este par daacute iniacutecio ao ciclo de Desordem e Ordem reconhecido pelo indiviacuteduo
Desordem precede a Ordem que eacute interpretada como a ldquoessecircnciardquo dos naobi-no-kami ou seja
Kamunaobi-no-kami (神直毘神) Ōnaobi-no-kami (大直毘神) e ainda Izunome-no-kami (伊
豆能賣神) 176
A niacutevel etimoloacutegico a escolha do nome dos primeiros dois kami natildeo eacute uma escolha
aleatoacuteria na ediccedilatildeo do Kojiki-den (1940) compilado por Kurano Kenji Norinaga comenta que
os magatsui no kami possuem uma parte inicial que reforccedila a noccedilatildeo de ldquomuitordquo isto eacute yaso e
ō respetivamente uma parte do meio especificamente conotada com ldquonegativordquo (maga e aya)
a partiacutecula bi (日 ) que serve de auxiliar de fala tal como se constata no bi (毘 ) em
Kamunaobi-no-kami e Ōnaobi-no-kami Por conseguinte maga koto e jaaku (凶事邪悪)
derivam da tamashii de magatsubi no kami acrescentando-se que o verbo naosu (直す) pode
corresponder ldquoao ato de purificar atraveacutes de enxaguar o corpordquo (naosu to wa tsumari
susugikiyomerukoto wo iu 直すとはつまり滌ぎ清めることを言う) se maga significa
kegare kiyomeru eacute naosu Por outro lado naobi refere-se agrave mitama (御魂) capaz de efetuar
este naosu em maga acalmando a sua influecircncia 177
Se Norinaga eacute assertivo na origem exterior do mal que afeta tudo em nosso redor
imaginando um magatsubi no kami como derradeira personificaccedilatildeo das coisas malignas
outros autores natildeo compartilham dos mesmos sentimentos com um especial destaque para o
seu grande rival e anterior disciacutepulo Hirata Atsutane Apesar de aceitar a dicotomia maganao
175
Aya eacute o mesmo som presente em palavras simbolizando ldquoperigordquo e ldquocriserdquo (adjetivos ou pressentimentos) tais
como ayaui e ayabumu (Nishigaki pp 55-56) Portanto se Ōmagatsubi eacute literalmente ldquograndeenorme desastrerdquo
o Ōayatsubi eacute ldquograndeenorme perigordquo a conotaccedilatildeo ldquonegativardquo permanece MOTOORI N ldquo6-2 神代四之
巻rdquo (御身滌の段) (6-2 Kami-yo Livro Quatro- A secccedilatildeo de misosogi) 古事記傳 (Kojikiden) (on line)
lthttpkumoi1webfc2comCCP071htmlgt (consultado em 24-06-2018) 176
KURANO K ldquo 上 卷 并 序 rdquo (Prefaacutecio para o Capiacutetulo Superior) 古 事 記 (Kojiki) (on line)
lthttpwww004uppso-netnejpdassai1kojiki_kamiframekojiki_kami_framehtmgt (consultado em 24-06-
2018) 177
MOTOORI N ldquo6-2 神代四之巻rdquo (御身滌の段) (6-2 Kami-yo Livro Quatro- A secccedilatildeo de misosogi)
古事記傳 (Kojikiden) (on line) lthttpkumoi1webfc2comCCP071htmlgt (consultado em 24-06-2018)
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Hirata defende uma perspetiva inclusiva de ldquomalrdquo apoiada na ideia de que o ser humano
possui no seu interior o ldquoespiacuterito de Magatsuhi-no-kami que se torna violento quando algo
errado foi cometidordquo e o ldquoespiacuterito de Naobi-no-kamirdquo responsaacutevel por moderar a atuaccedilatildeo do
indiviacuteduo de uma forma relaxada e tranquila 178
Neste sentido definiram-se duas caracterizaccedilotildees distintas no que concerne agrave
interpretaccedilatildeo de mal Norinaga eacute um notoacuterio apoiante da teoria lsquomal= antiacutetese do bemrsquo em
todos os seus sentidos comentando o facto de magatsubi no kami ser uma forccedila que o homem
eacute incapaz de resistir e no seu maior extremo adquire uma natureza incontrolaacutevel indomaacutevel
fora do alcance do poder da kami do Sol e de Takagi no Ōkami (um outro termo para Taka-
musubi-no-kami) Contudo independentemente da sua existecircncia neste mundo ldquoos maus
kamirdquo agem simplesmente de acordo com a sua natureza e podem ser aplacados atraveacutes de
ldquoveneraccedilatildeo e execuccedilatildeo de purificaccedilatildeo quando algueacutem estabeleceu contacto com poluiccedilatildeordquo
No fundo a sua influecircncia negativa pode ser apaziguada e retificada graccedilas ao cultivo de uma
atitude de ldquoobservaccedilatildeo correta de veneraccedilatildeordquo 179
Por outro lado Hirata propotildee uma teoria diferente no sexto volume do Koshiden (古
史伝 ca 1812-1825) o autor rejeita a teoria de que magatsubi-no-kami e naobi-no-kami
associam-se somente agrave aramitama e nigimitama de Amaterasu respetivamente Ou seja a
dualidade aramitamanigimitama eacute comum a qualquer kami encontrando-se exemplos de
veneraccedilatildeo muacutetua da aramitama e nigimitama em locais especiacuteficos (cultos de Ise e Izumo)
Aliaacutes a anaacutelise de Hirata permitiu o estabelecimento de uma relaccedilatildeo entre dois kami e uma
ldquopresenccedila interiorrdquo (mitama) capaz de exercer influecircncia de forma positiva e negativa se
naobi-no-kami pertence agrave nigimitama de Ōmikami (Amaterasu) magatsubi no kami
corresponde agrave aramitama de Susano-o-no-mikoto 180
explica-se deste modo o seu
comportamento tempestuoso e irasciacutevel que levaria ao seu afastamento de Takamahara como
compensaccedilatildeo pelos seus tsumi
Com efeito quer se trate de um kami quer de um homem todos tecircm no seu interior a
capacidade de distinguir o ldquocorretordquo do ldquoerradordquo sendo que uma orientaccedilatildeo correta eacute parte
das responsabilidades do ldquoespiacuteritordquo de Naobi-no-kami moderando-se a atuaccedilatildeo do indiviacuteduo
178
PICKEN Stuart Sourcebook of Shinto op cit p 273 179
UEDA Kenji ldquoMagatsubi no Kami and Motoori Norinagarsquos Theologyrdquo Institute for Japanese Culture and
Classics Kokugakuin University (on line) lthttpwww2kokugakuinacjpijccwpcpjrkamiuedahtmltnoteIgt
(consultado em 24-06-2018) 180
HIRATA A ldquo古史伝 6rdquo National Diet Library (on-line) lthttpdlndlgojpinfondljppid772144gt
(consultado em 24-06-2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
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de uma forma relaxada e tranquila Em contrapartida o ldquoerradordquo eacute representado pelo ldquoespiacuterito
de Magatsuhi-no-kami que se torna violento quando algo errado foi cometidordquo 181
Ora a existecircncia de um kami da Desordem (interior) natildeo implica a adoccedilatildeo de um
comportamento exclusivamente negativo e incorreto por parte deste magatsubi-no-kami eacute
uma consequecircncia e natildeo a raiz desta conduta tornando-se ldquoviolentordquo no caso da presenccedila de
kegare Estando esta ausente tal comportamento perde a sua razatildeo de ser possibilitando a
transiccedilatildeo do magatsubi no kami para um kami capaz de ldquoconceder felicidaderdquo um kami
beneacutefico e cuja essecircncia nunca pode ser maleacutefica antes pelo contraacuterio 182
No Japatildeo dos dias de hoje os conceitos ldquobemmalrdquo satildeo mais ambiacuteguos do que claros
a classificaccedilatildeo de accedilotildees em boasmaacutes depende das ldquocircunstacircncias motivos propoacutesitos
tempo lugarrdquo embora uma coisa seja certa a ldquosinceridaderdquo do nosso ldquocoraccedilatildeordquo que rege uma
conduta ldquoproacutepriardquo e cortecircs favoraacutevel ao natildeo conflito e agrave manutenccedilatildeo da paz e ordem socialrdquo
Tudo que potildee em causa a harmonia merece o roacutetulo de ldquomalignordquo quer se trate de ldquopecados
poluiccedilatildeo e desastresrdquo cabendo agrave ldquoalmardquo do ser humano distinguir entre o bem e o malrdquo 183
algo que soacute eacute possiacutevel se se cultivar uma relaccedilatildeo suficientemente forte com os kami atraveacutes
desta ligaccedilatildeo muacutetua o homem aprende a afastar-se do que lhe eacute prejudicial uma preocupaccedilatildeo
que se estende a qualquer vertente de shintō dos dias de hoje a reposiccedilatildeo da Ordem eacute sem
duacutevida a grande prioridade dos rituais que se esforccedilam por combater qualquer forma de
Desordem
A segunda grande causa da Desordem eacute kegare uma ldquocondiccedilatildeo poluiacuteda e malignardquo
A ldquoantiacutetese de purezardquo kegare eacute ldquoresultado de fenoacutemenos ocorrentes naturaisrdquo e possui uma
natureza facilmente ldquocontaminaacutevelrdquo uma vez que ldquoquando esta corrupccedilatildeo aderia ao indiviacuteduo
tambeacutem trazia calamidades agrave sociedaderdquo 184
Um termo descritivo de ldquoespeciacuteficos tipos de
impureza causados pelo parto menstruaccedilatildeo doenccedilas e morte (hellip) presenccedila de kegare eacute
ignorada tatari (desgraccedila) pode chegar como avisordquo 185
kegare distingue-se de tsumi por ser
sensorialmente impuro distanciando-se do sentido de eticamente impuro patente em tsumi a
conduta errada que danifica o proacuteprio indiviacuteduo e o coletivo
181
PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit p 273 182
KOYASU Nobukuni Hirata Atsutane no Sekai (平田篤胤の世界) Tokyo Berikansha 2001 p205 183 ONO Sokyō op cit pp105-107 184
NISHIOKA Kazuhiko ldquoKegarerdquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and Doctrines Basic Terms (on line)
lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23417gt (consultado em 24-06-
2018) 185
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit p 191
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 66
A niacutevel etimoloacutegico kegare pode ser escrito de duas formas se usado no discurso do
dia-a-dia utiliza-se [汚] um kanji presente em kitanai (汚い) ou ldquosujordquo kegarawashii (汚ら
わしい) ou ldquonojentordquo yogosu (汚す) e yogoreru (汚れる) respetivamente ldquosujarrdquo e ldquosujar-
serdquo oshoku (汚職) ou ldquocorrupccedilatildeordquo e ainda osen ( 汚染) isto eacute e ldquopoluiccedilatildeordquo (ecoloacutegica)
composto pelo kanji [汚] e pelo kanji usado para escrever o verbo someru (染める) traduzido
por ldquopintarrdquo (no sentido de ldquomancharrdquo) Em suma uma condiccedilatildeo na qual o indiviacuteduo ou o
objeto natildeo estaacute limpo assemelhando-se aos vocaacutebulos fujō (不浄 ldquoimpurordquo) e fuketsu (不潔
ldquonatildeo higieacutenicordquo)
Em contrapartida o kegare ritual escreve-se com o kanji [穢] e o seu som kega eacute um
homoacutefono do vocaacutebulo kega (怪我) significando ldquoferidardquo ou ldquomagoarrdquo involuntariamente
como resultado de erros cometidos claramente reforccedilando a sua conotaccedilatildeo negativa
evidenciada pelo verbo kegareru (汚れる穢れる) que supostamente se desenvolveu graccedilas agrave
junccedilatildeo da partiacutecula ke (geralmente lida como ki 気) e do verbo karu escrito com o mesmo
kanji [離] usado em hanareru (れる) isto eacute ldquoafastar-serdquo 186
Neste sentido kegareru pode ser melhor descrito como uma certa accedilatildeo que provoca
o afastamento do ki - espeacutecie de ldquofluxo de energiardquo imanente em tudo que eacute vivo ndash e
consequentemente eacute capaz de atrair todo o tipo de influecircncias negativas Aliaacutes alguns
estudos modernos realizados por japoneses atribuem a origem de kegare (穢) agrave expressatildeo
kegare (気枯) que constituiacuteda pela junccedilatildeo de ki e kare - forma nominal do verbo kareru
geralmente traduzido por ldquomurcharrdquo - kegare (気枯) significaria literalmente ldquoki que murchardquo
ecoando esta ideia de ldquoafastamento do kirdquo que eacute nada mais do que perda de vitalidade 187
Uma Desordem natural que eacute combatida pela purificaccedilatildeo quer recorrendo ao natildeo
contacto com certos alimentos ou objetos (mono imi 物忌) ou agrave realizaccedilatildeo de ldquoabluccedilotildeesrdquo que
afetem a ldquomente e corpordquo (心身) do indiviacuteduo enquanto este venera os kami kegare eacute ldquoum
estado de divergecircncia do que eacute comum uma condiccedilatildeo que se deve abster-se com receiordquo
Caracterizada pelo gradual murchar de ke ndash substitui-se o kanji [気] pelo de [褻] que significa
ldquomundanordquo ndash kegare pode ateacute afetar os alimentos utilizados nos matsuri ao mesmo tempo
que se reconhece a natureza sagrada destas oferendas pensava-se que os alimentos (odango
feijatildeo) eram ldquotambeacutem uma existecircncia sujardquo que justificava a sua eliminaccedilatildeo pela aacutegua fogo
186
NISHIGAKI Yukio op cit pp269-270
187 ITŌ Nobuhiro ldquo穢れと結界に関する一考察 lsquoケガレrsquoとrsquoケrsquordquo (An analysis concerning kegare and
barriers ldquokegarerdquo and ldquokerdquo) Studies in language and culture (言語文化論集) nordm 24 (1) 2002 pp 3-22
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 67
sal e lama elementos portadores de ldquoefeitos purificadoresrdquo (jōka sayō 浄化作用) sendo
destruiacutedos ou queimados apoacutes as festividades 187
Numa interpretaccedilatildeo alternativa eacute possiacutevel explicar kegare como uma das partes da
dicotomia kegarehare para a antropoacuteloga Namihira Emiko kegare expressa ldquoocasiotildees
poluentes tais como funerais ritos memoriais nascimento de crianccedilas menstruaccedilatildeo feridas
(hellip) poluiccedilatildeo pode vir tanto de morte como de sanguerdquo por oposiccedilatildeo a hare ldquoocasiotildees
auspiciosas ou felizes formais tais como Ano Novo festivais matsuri Shinto Miyamairi e
outras cerimoacutenias Shintordquo positivas 188
de celebraccedilatildeo da vida e reposiccedilatildeo da Ordem
conotando-se com o que na linguagem contemporacircnea eacute automaticamente reconhecido como
ldquopurezardquo
Automaticamente associado a coisas impuras kegare eacute essencial no entendimento da
tradiccedilatildeo de discriminaccedilatildeo do geacutenero feminino sobretudo no que diz respeito a kegare oriundo
de sangue (menstruaccedilatildeo) e do parto posteriormente identificados com ldquoimpureza vermelhardquo
(aka fujō 赤不浄) e ldquoimpureza brancardquo (shira fujō 白不浄) respetivamente um sistema de
classificaccedilatildeo que remonta somente ao Periacuteodo Meiji acrescentando-se uma terceira ldquoforma de
impurezardquo haacute jaacute muito reconhecida na sociedade japonesa e capaz de afetar ambos geacuteneros a
ldquoimpureza negrardquo (kuro fujō 黒不浄) 189
sinoacutenimo de shie ou ldquokegare da morterdquo (死穢)
caucionando o indiviacuteduo contra o prolongado contacto direto e indireto com mortos
Ora jaacute as primeiras fontes histoacutericas japonesas perspetivam kegare como uma forma
de Desordem se no Nihon Kōki (日本後紀) o termo quase nunca surge de forma isolada
fazendo parte das palavras [凶穢] [損穢] [汚穢] e [ 穢悪之事] respetivamente registadas
nos anos 797 806 815 e 811 190
no Zoku Nihongi (続日本紀) regista-se [有穢] ou ldquokegare
arirdquo (ldquoter kegarerdquo) aludindo agrave materializaccedilatildeo de kegare 191
Uma vez que tanto o nascimento e a morte de animais ou humanos satildeo kegare eacute
possiacutevel afirmar que enquanto conceito kegare sofreu uma elevada consciencializaccedilatildeo no
seio da sociedade japonesa ndash kegare eacute algo que pode ldquomancharrdquo e ldquocontaminarrdquo ndash ao ponto de
interferecircncia nos rituais aos kami como se pode constatar no Nihon Sandai Jitsuroku (日本三
188
PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit pp 309-310 189
AMA Toshimaro ldquo日本の rsquo疑似伝統 rsquordquo (Distortion of Japanese Tradition) Meiji Gakuin review
International amp regional studies nordm 8 1991 pp 1-22
190 SAEKI A 日本後紀 朝日新聞本 (Nihon Goki Versatildeo do Jornal Asahi) (on line) lthttpwwwj-
textscomchukokoukiallhtmlgt (consultado em 24-06-2018) 191
MIZUMOTO Masahisa ldquo大本敬久 触穢の成立 日本古代における「穢」概念の変遷rdquo (ldquoBook review
lsquoDevelopment of Shokue Changes of the Kegare Concept in the Ancient Japan by Ōmoto Takahisarsquordquo) Buraku
Kaihō Kenkyū (部落解放研究) nordm 199 2013 pp 118-123
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 68
代実録) Por outras palavras a presenccedila de kegare pode justificar o cancelamento de certos
matsuri encontrando-se vaacuterias referecircncias a esta ldquointerrupccedilatildeordquo (teishi停止) no registo do ano
683 (Kinensai e Hirano Umemiya matsuri) e no de 866 e 874 (Tsukinamisai) outro exemplo
a ter em consideraccedilatildeo data do seacutetimo ano da era Jōgan (nono mecircs deacutecimo primeiro dia) e
ilustra kegare como algo nocivo agrave execuccedilatildeo dos ldquoritosrdquo no Ise Jingū que eacute eliminado por
membros da corte 192
Podendo ser visto ouvido degustado cheirado e tocado algo expresso no conceito
de shokue (触穢) literalmente ldquokegare de toquerdquo ndash o primeiro kanji eacute o mesmo usado para o
verbo ldquotocarrdquo (sawaru) ndash kegare eacute classificado por fontes do Periacuteodo Heian como o jaacute
mencionado Nihon Sandai Jitsuroku que lista as seguintes categorias shokue (nas croacutenicas
dos anos 859 862 e 886) shie (episoacutedios dos anos 861-864 865 871 876 878-879 880
882-883 885-887) - especificando se se trata da morte de um animal (catildees cavalos raposa)
ou de um humano (人死穢 e 人死之穢) procedendo-se ao cumprimento de regras de
ldquoabstenccedilatildeordquo como medidas de contingecircncia contra o alastramento de impureza - e san no
kegare exclusivamente associado a catildees ndash no texto original lecirc-se presumivelmente inu sanrsquoe
(犬産穢) ndash descritos no nono mecircs do terceiro dia (ano 865) no deacutecimo mecircs do seacutetimo dia
(ano 867) em dois dias do ano 870 nos anos 877 879 880 884 885 e por uacuteltimo no ano
886 193
Quanto a ketsue (血穢) ou chi no kegare a ldquoimpureza de sanguerdquo eacute discriminada no
episoacutedio do Kojiki (reinado do Imperador Keikō) que descreve o casamento entre Yamato-
takeru-no-mikoto (倭建命) e a menstruada Miya-uke-hime (美夜受比売) um facto entoado
num ldquopoemardquo (uta 歌) pelo proacuteprio esposo e correspondido por esta na noite de nuacutepcias
Assim ketsue eacute o melhor representante da visatildeo lsquosangue = impurezarsquo independentemente de
este pertencer a uma mulher ou a um homem o sangue de um ser vivo era encarado num
misto de receio e fasciacutenio pensando-se que este liacutequido era portador de ldquoum poder forterdquo
192
SAEKI A 日本三代實録 全巻朝日新聞本 (Nihon Sandai Jitsuroku Volume Completo Versatildeo de do
Jornal Asahi) (on line) lthttpwwwj-textscomchukosandaihtmlgt (consultado em 24-06-2018) 193
SAEKI A 日本三代實録 全巻朝日新聞本 (Nihon Sandai Jitsuroku Volume Completo Versatildeo de do
Jornal Asahi) (on line) lthttpwwwj-textscomchukosandaihtmlgt (consultado em 24-06-2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 69
Como resultado o sangue tornar-se-ia um imi (忌) a nunca referir em discurso muito menos
durante a realizaccedilatildeo dos atos de veneraccedilatildeo aos kami 194
Em contrapartida tambeacutem o Saigūki (西宮記 ca seacutec X) regista casos de ketsue
durante o Kamo-matsuri no quarto mecircs do ano 839 e no Sono-matsuri segundo mecircs do ano
851 190
Seguidamente em contexto dos proacuteprios ritos do Naikū a proacutepria palavra ldquosanguerdquo
(血) seria adicionada agrave lista de imikotoba presente no Kōtai Jingū Gishiki-chō 195
Jaacute na 52ordf
aliacutenea do terceiro volume do Engishiki caucionar-se-ia as menstruadas jovens do palaacutecio (ari
tsuki-goto-mono 有月事者) a retirarem-se para suas casas na veacutespera do matsuri e praticar
ldquoabstinecircnciardquo (kessai 潔斎) no terceiro e nono mecircs (Anexo I) 196
Uma vez que o sangue eacute um liacutequido presente no parto de animais e seres humanos natildeo
eacute estranho o facto de o nascimento partilhar do mesmo sentido negativo que a morte ou o
sangue menstrual como jaacute mencionado o Nihon Sandai Jitsuroku cita ocorrecircncias de dano
fetal e nascimento de catildees como motivos para adiar certos ritos 197
e em dois episoacutedios
descritos no ano de 919 (Teishinkōki) e 1119 (Chōshūki) respetivamente se no primeiro caso
esta variedade de kegare eacute mais que suficiente para interromper o Kinensai - agrave semelhanccedila do
ano 683 (Nihon Sandai Jitsuroku) ndash no segundo o parto de uma crianccedila originou kegare que
se espalhou por todos os cantos 198
194
IDE Maya USHIYAMA Yoshiyuki ldquo古代日本における穢れ観念の形成rdquo (Formation of Attitudes
Toward Pollution [kegare] in Ancient Japan) Shinshu University Journal of Educational Research and Practice
(信州大学教育学部研究論集) nordm 9 2016 pp 81-93 195
O Kōtai Jingū Gishiki-chō foi produzida por volta do seacutec IX pelo Naikū e entregue ao Jingikan para revisatildeo
Interessantemente a maior parte deste conjunto de palavras satildeo de origem ldquobudistardquo refletindo a abominaccedilatildeo de
shintō em relaccedilatildeo a ldquoensinamentos de forardquo Segundo Wada a expressatildeo ldquo 血乎阿世止云 rdquo significa
simplesmente que ldquoaserdquo (阿世) ndash ase pode querer indicar a palavra japonesa para ldquosuorrdquo (汗) - deve ser usada
como ldquosubstituto de ldquochirdquo (sangue) O autor afirma tambeacutem que sangue e urina eram considerados liacutequidos
impuros portanto automaticamente interditos nestes espaccedilos WADA Atsumu ldquo特別寄稿 古代社会とケガレ
意識rdquo (Contribuiccedilatildeo Especial Sociedade dos Tempos Antigos e a consciencializaccedilatildeo de kegare) 奈良県立同和問題関係史料センター 研究紀要 (Centro Prefeitoral de Nara para Registos Histoacutericos de Discriminaccedilatildeo
Boletim de Investigaccedilatildeo) Nara-ken Ritsudō Wa Mondai Kankei Shiryō Sentā Kenkyū kiyō) nordm 11 Dezembro
2007 pp 114-136 196
FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第三 神祇三 臨時祭rdquo (Terceiro Livro Jingi Trecircs Matsuri de
Ocasiotildees Extraordinaacuterias) 延 喜 式 (Engishiki) (on-line)
lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi03htmgt (consultado em 24-06-2018) 197
SAEKI A 日本三代實録 全巻朝日新聞本 (Nihon Sandai Jitsuroku Volume Completo Versatildeo de do
Jornal Asahi) (on line) lthttpwwwj-textscomchukosandaihtmlgt (consultado em 24-06-2018)
198 IDE Maya USHIYAMA Yoshiyuki ldquo古代日本における穢れ観念の形成rdquo (Formation of Attitudes
Toward Pollution [kegare] in Ancient Japan) Shinshu University Journal of Educational Research and Practice
(信州大学教育学部研究論集) nordm 9 2016 pp 81-93
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 70
No que concerne a shie esta eacute talvez a forma de kegare mais abominada pela
sociedade japonesa pela sua ligaccedilatildeo direta com a morte morte (intencional ou natural) nunca
eacute motivo de celebraccedilatildeo e os rituais de shintō priorizam a vida ou seja ldquocrescer culturas e
receber vida Receber vida e dar graccedilas agrave vida representa a visatildeo de vida fundamental de
Shintordquo 199
tornando os matsuri natildeo soacute expressotildees de rituais positivos mas tambeacutem
celebraccedilotildees da vida da sociedade aproximando o indiviacuteduo do coletivo
Com efeito se a vida aproxima a morte afasta e traz consigo kegare a sua existecircncia
poderaacute provocar o cancelamento de certos matsuri Ao longo da histoacuteria do Japatildeo morte
nunca foi desassociada de kegare e imi sendo que ateacute mesmo a sociedade contemporacircnea
hesita em referir-se abertamente agrave morte individual de seres humanos respeitando uma seacuterie
de regulaccedilotildees que envolvem a natildeo pronunciaccedilatildeo de palavras que pudessem ser analogias agrave
morte (imikotoba) a praacutetica de ldquokichūrdquo (忌中) entre as pessoas da mesma famiacutelia do falecido
a distribuiccedilatildeo de um tipo de ldquosal purificadorrdquo (kiyome no shio 清めの塩 ) entre os
participantes do funeral Incidentalmente o costume ldquomodernordquo de visitar as campas dos
antepassados e dos membros da famiacutelia recentemente falecidos era totalmente posto de parte
pela corte do Periacuteodo Heian temendo-se o perigo de contaminaccedilatildeo devido agrave forte ldquoligaccedilatildeo de
sanguerdquo entre membros da mesma famiacutelia (sobretudo parentes proacuteximos) 200
Surgindo frequentemente no Kojiki e Nihon shoki kegare natildeo passa de uma palavra
(adjetivo verbo ou nome) sem categorizaccedilotildees integrando um grupo de vocaacutebulos constituiacutedo
por termos de conotaccedilatildeo negativamaligna kitanashi (垢濁悪) ashi (悪邪 凶) arashi
(荒) shiko (醜 凶) e maga (禍 悪 禍害枉 凶) 201
Ora independentemente da ausecircncia do
kanji (死穢) ambas fontes reconhecem a natureza ldquopoluenterdquo da morte no Kojiki o Yomi-no-
kuni eacute descrito como um local desolador repleto de kegare no qual residem mulheres ldquoodiosasrdquo
e um mundo afastado de tudo que eacute vivo Assim na passagem do retorno do Izanagi ao
mundo da superfiacutecie o kanji eacute lido pela primeira vez como adjetivo (kitanaki) 202
199
SANDVIK Leiff Showcasing Shinto The Reinvention of Shinto as an Ecological Religion Masterrsquos Degree
Thesis in History of Religion submitted to the Department of Culture Studies and Oriental Languages of the
University of Oslo supervised by Prof Nora Stene Preston and Prof Dr Mark Teuween 2011 200
AMA Toshimaro ldquo日本の rsquo疑似伝統 rsquordquo (ldquoDistortion of Japanese Traditionrdquo) Meiji Gakuin review
International amp regional studies nordm 8 1991 pp 1-22 201
ITŌ Nobuhiro ldquo穢れと結界に関する一考察 lsquoケガレrsquoとrsquoケrsquordquo (An analysis concerning kegare and
barriers ldquokegarerdquo and ldquokerdquo) Studies in language and culture (言語文化論集) nordm 24 (1) 2002 pp 3-22 202
KURANO K ldquo 上 卷 并 序 rdquo (Prefaacutecio para o Capiacutetulo Superior) 古 事 記 (Kojiki) (on line)
lthttpwww004uppso-netnejpdassai1kojiki_kamiframekojiki_kami_framehtmgt (consultado em 24-06-
2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 71
Com efeito a relaccedilatildeo shi ndash kegare ndash fujō repercute-se no Nihon shoki [穢] marca
presenccedila nas falas de Izanagi primeiro como adjetivo qualificativo de um ldquolugar horrendo e
sujordquo (inashikomeki kitanaki tokoro 不須也凶目汚穢之處) que eacute identificado com o Yomi-
no-kuni o mundo dos mortos Seguidamente o kanji precede o de [濁] ou nigoru (ldquoturvordquo)
base dos nigorasu nigoraseru e um sinoacutenimo de yogoreru (ldquosujar-serdquo) descreve-se deste
modo o corpo fisicamente ldquosujordquo de Izanagi-no-mikoto que precisa de ser lavado (mi no
kegawashikimono wo arai saran 身の濁穢 を滌い去らん) 203
A associaccedilatildeo entre a morte e a Desordem estende-se para laacute dos episoacutedios de cariz
mitoloacutegico o registo da regente imperial Kōgyoku nota que no seguimento da morte (em
territoacuterio japonecircs) de um filho do diplomata do reino coreano de Paekche nenhum dos
membros da famiacutelia se dignou a aparecer no seu funeral temendo-se uma possiacutevel
contaminaccedilatildeo Apesar de esta atitude de evitaccedilatildeo natildeo ser japonesa a popularidade de obras
chinesas que descreviam as cerimoacutenias e os ritos funeraacuterios (envergamento de branco cor do
luto) contribuiria para a fundamentaccedilatildeo de uma tradiccedilatildeo de evitaccedilatildeo de shie a vaacuterios niacuteveis
comeccedilando com definiccedilotildees do enterro a interdiccedilatildeo da cerimoacutenia mogari e outros costumes
que envolviam a morte (corte de cabelo para o bem dos mortos) 204
Por volta do Periacuteodo Heian jaacute era ldquooficialrdquo a abominaccedilatildeo dos membros da corte em
relaccedilatildeo a kegare o Kōnishiki (弘仁式) do Saigūki o Jingiryō e eacute claro o Engishiki definem
kegare como um conjunto de atos a evitar por parte dos indiviacuteduos no seacutetimo volume do
Saigūki nascimento e morte de pessoas e animais domeacutesticos o consumo de carne destes
uacuteltimos fazer luto e visitar doentes implicava um periacuteodo de ldquoevitaccedilatildeordquo ritual de trinta dias
(morte humana) sete dias (nascimento humano) cinco dias (morte animal) e trecircs dias
(consume de carne luto e visita de doentes) 205
No que concerne ao Jingiryō segundo as aliacuteneas dedicadas agrave ldquoabstinecircnciardquo (散斎条)
enterrar coisas em casa luto visita de doentes consumo de carne natildeo produccedilatildeo de muacutesica
entre outros atos de caraacutecter legal (ldquonatildeo julgar em tribunais natildeo punir culpadosrdquo) justificam
este ritual de reposiccedilatildeo da Ordem cuja duraccedilatildeo depende da dimensatildeo dos ritos em questatildeo
203
SAKAMOTO Trdquo一書第六 原文rdquo (Sexto livro Texto Original) 日本書紀 卷第一 第五段 (Nihon
shoki Primeiro Capiacutetulo Quinta Secccedilatildeo) (on line) lthttpwww004uppso-
netnejpdassai1shokiframe0105_06frhtmgt (consultado em 24-06-2018) 204
ITŌ Nobuhiro ldquo穢れと結界に関する一考察 lsquoケガレrsquoとrsquoケrsquordquo (An analysis concerning kegare and
barriers ldquokegarerdquo and ldquokerdquo) Studies in language and culture (言語文化論集) nordm 24 (1) 2002 pp 3-22 205
IDE Maya USHIYAMA Yoshiyuki ldquo古代日本における穢れ観念の形成rdquo (Formation of Attitudes
Toward Pollution [kegare] in Ancient Japan) Shinshu University Journal of Educational Research and Practice
(信州大学教育学部研究論集) nordm 9 2016 pp 81-93
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 72
(inspirado nos coacutedigos da dinastia Tang) ldquograndes ritosrdquo soacute se realizavam apoacutes um periacuteodo de
ldquoabstenccedilatildeordquo mensal (1ヶ月の斎を大祀) trecircs dias no caso dos ldquoritos meacutediosrdquo (3日の斎を
中祀) e um dia para os ldquoritos pequenosrdquo (1日の斎を小祀) 206
Agrave semelhanccedila de Jingiryō e do Saigūki o Engishiki repercute a tendecircncia de
ldquoevitaccedilatildeordquo como o uacutenico modo de se precaver contra os perigos de kegare formalmente
designando esta de shokue Mencionada sobretudo no terceiro volume concretamente nas
aliacuteneas 47 48 53 e 54 shokue deve ser eliminado consoante as especificaccedilotildees presentes no
Saigūki na segunda aliacutenea os atos de luto (弔喪) visitar doentes e ldquoalcanccedilar um lugar onde
um montemontanha estaacute a ser construiacutedo ou encontrar um serviccedilo memorial Budista de 37
diasrdquo inviabiliza a entrada do indiviacuteduo no ldquoPalaacutecio Imperial nesse diardquo independentemente
de o proacuteprio natildeo estar contaminado (Anexo I) Na terceira aliacutenea afirma-se que shokue pode
ser transmitido de um local para uma pessoa ou um grupo apesar de natildeo haver risco de
kegare para as pessoas em contacto com uma segunda pessoa ldquocontaminadardquo Jaacute na uacuteltima
aliacutenea a presenccedila de kegare num ldquooficial do Palaacuteciordquo natildeo pode comprometer os
procedimentos dos matsuri 207
O aprofundamento do estudo do conceito de kegare tambeacutem facultou o
desenvolvimento de toda uma perspetiva japonesa na qual objetos locais accedilotildees e ateacute mesmo
palavras satildeo rapidamente integradas no quadro cerimonial shintō embora como distintos
entraves a este uacuteltimo Ora apesar de imi natildeo lhe ser inato (a shintō) e jaacute ter existido de forma
latente na sociedade arcaica foi graccedilas ao processo de edificaccedilatildeo desta Via por parte da corte
que imi ndash geralmente entendido num sentido muito negativo ndash gradualmente conjugaria
ambos aspeto de causa e efeito da Desordem e da Ordem evidenciada pela dicotomia imi (忌)
e imi (斎) dois kanji homoacutefonos de significado antiteacutetico que constituem uma seacuterie de
vocaacutebulos e expressotildees geralmente conotadas com o negativo e o positivo respetivamente
No caso do primeiro imi este eacute alternadamente lido como imu e ki (foneacutetica chinesa)
marcando presenccedila nas palavras imawashii (忌まわしい) um adjetivo traduzido como ldquomau
pressaacutegiordquo 208
o nome kinki ( 禁忌) accedilatildeo interdita em meios sociais (ldquofrases proibidasrdquo
206
IGARI Hiromi ldquo第六 神祇令 全 20 条rdquo (Sexto [Volume] Jingiryō todas as 20 aliacuteneas) 現代語訳「養老 令 」 全 三 十 編 (Traduccedilatildeo moderna Yōrō-ryō todos os 30 volumes) (on-line)
lthttpwwwsoldtinejphiromikanseiyoro06htmlgt (consultado em 24-06-2018) 207
FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第三 神祇三 臨時祭rdquo (Terceiro Livro Jingi Trecircs Matsuri de
Ocasiotildees Extraordinaacuterias) 延 喜 式 (Engishiki) (on-line)
lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi03htmgt (consultado em 24-06-2018) 208
NISHIGAKI Yukio op cit p90
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 73
denominam-se kinku 禁句) expressa numa atitude de afastamento e natildeo contacto com certas
coisas - uma vez que ldquoquebrar o tabu convidaria desgraccedilas tais como feridas e doenccedilasrdquo 209
e
as imikotoba (忌詞) cuja pronunciaccedilatildeo atrai ldquomaacute-sorterdquo ldquodesastresrdquo e ldquodesgraccedilasrdquo 210
Englobando dezenas de verbos adjetivos e outros vocaacutebulos do dia-a-dia imikotoba
natildeo devem ser proferidas em casamentos e noivados (acabar ndash owaru cortarcortar-se ndash
kirukireru) admissotildees escolares e empresariais e sucesso no trabalho (desistirparar ndash yameru
interrupccedilatildeo ndash chūshi) abertura de lojas e negoacutecios (fechar ndash tojiru perder ndash makeru) gravidez
e parto (cair ndash ochiru jazer ndash horobiru fraco ndash yowai murchar ndash kareru) construccedilatildeo de casas
(fogo - hika fumo ndash kemuri) e ainda expressotildees de longevidade 211
Por conseguinte imi (忌) eacute integrado na terminologia fuacutenebre japonesa kichū (忌中)
e kiake (忌明け) expressam o periacuteodo preacute-definido e o fim de [忌] cujo objetivo eacute fazer com
que o indiviacuteduo receie a morte e tudo que esteja relacionado com esta justificando uma
conduta mais cuidada moderada e austera Neste sentido o familiar do falecido refreia-se de
praticar os atos de veneraccedilatildeo em jinja sendo-lhe interdita a entrada na aacuterea destes uacuteltimos e a
sua participaccedilatildeo em matsuri ocasiotildees festivas (casamentos e outras cerimoacutenias viagens
luacutedicas) eventos de celebraccedilatildeo (adiados ateacute kiake) renovaccedilatildeo da casa solo e compras de
grande porte Para o efeito o indiviacuteduo pode escolher sujeitar a casa a uma purificaccedilatildeo
domeacutestica denominada kiake harai (忌明け祓い) cinquenta dias apoacutes a morte do falecido
De caraacutecter muito simples esta praacutetica envolve a entoaccedilatildeo de uma inori por parte de um
ldquoprofissionalrdquo 212
209
Iwai Hiroshi acrescenta que este kinki se relaciona com abstinecircncia do indiviacuteduo (monoimi) sendo que no
caso dos que executam os ritos kami procurava-se manter ldquoum estado de pureza fiacutesica e mentalrdquo evitando
contactar coisas poluiacutedas por um periacuteodo especiacutefico No caso da morte de um parente as pessoas de luto nunca
podem sair agrave rua IWAI Hiroshi ldquoKinkirdquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and Doctrines Basic Terms (on
line) httpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23410gt (consultado em 24-06-
2018) 210
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 171-172
211 Muitas destas palavras foram escolhidas pelo seu significado negativo e ldquopessimistardquo por exemplo ldquopartirrdquo
(saruwareru) e ldquocortar (kiru) podem indicar um eufemismo para morte acrescentando-se o nuacutemero quatro (shi)
que eacute homoacutefono da palavra ldquomorterdquo (shi) Fumitei お祝いには避けたい 忌み言葉 (Querer evitar em
celebraccedilotildees as imikotoba) (on line) lthttpwwwfumiteijpstep3imi_kotobahtml04syussangt (consultado em
24-06-2018) 212
Imi varia consoante o membro da famiacutelia em questatildeo e geralmente eacute feito em simultacircneo com fuku (服) se
bem que este uacuteltimo associa-se ao esforccedilo mental do indiviacuteduo que procura ultrapassar a sensaccedilatildeo de perda e
regressar agrave sua vida normal algo que pode estender-se ateacute seis meses Hyōgo-ken Jinja-chō 先祖のおまつり
(Celebraccedilatildeo dos antepassados) (on line) lthttpwwwhyogo-jinjachocomfaqfaq08htmlgt (consultado em 24-
06-2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 74
Como se pode constatar a maioria das palavras derivadas de [忌] natildeo possuem um
significado positivo (exceccedilatildeo de kiake e kiake harai) o que eacute concordante com a tradiccedilatildeo de
lsquoimi= malrsquo ilustrada na literatura de corte dos Periacuteodos Nara-Heian (manuais e outros textos
rituais) assemelhando-se aos termos kegare e tsumi
No entanto deve-se ter sempre em consideraccedilatildeo a natureza ambiacutegua deste termo
Nishigaki Yukio (2005) define imu (忌斎) como lsquocoisas sagradasrsquo (shinsei na mono 神聖な
もの) morte e coisas sujas que as pessoas do Japatildeo antigo pensavam que natildeo se podiam tocar
devido ao facto de possuir um poder forterdquo 213
capaz de influenciar positiva e negativamente o
indiviacuteduo ecoando a interpretaccedilatildeo sugerida por Okada Shigekyo (1982) na sua pesquisa
acerca do significado dual de imi o autor menciona o facto da palavra imu (斎) ser usada para
qualificar ldquocoisas purasrdquo (seijōshōjō na mono 清浄な物) e indicar assuntos de kami que
envolviam uma ldquoabstinecircncia optimistardquo contrastando com imu (忌) que denotava ldquocoisas
impurasrdquo (fujō na mono 不浄な物) relacionando-se com os afazeres de kami e puacuteblicos
(negativos por natureza) que obrigavam a uma atitude automaacutetica de afastamento 214
como
meio de repor a Ordem
A ideia de um imi positivo e um imi negativo tambeacutem eacute partilhada por Ama
Toshimaro (1991) embora nos dias de hoje ldquoimirdquo (イミ) tenha adquirido o significado de
[忌] [禁忌] e [禁制 concordante com uma atitude de evitaccedilatildeo na liacutengua japonesa imi possui
um outro significado se for escrito com o kanji [斎] passando a ler-se imi (斎み) termo que
indica a palavra seishin kessai (精神潔斎)rdquo ndash literalmente kessai mental entendida no sentido
de ldquoabstinecircncia positiva do corpordquo (sekkyokuteki ni mi wo tsutsushimi積極的に身を慎み) ndash
e consequentemente ldquoaponta o ato de o proacuteprio decidir entrar no mundo sagrado dos kamirdquo
Por outras palavras se [忌み] indicar sobretudo um princiacutepio comportamental negativo pode-
se dizer que [斎み] eacute um princiacutepio comportamental positivo concentrado na ldquodiscriccedilatildeordquo 215
No Nihon shoki a divisatildeo natildeo eacute sempre clara imi (忌) eacute usado na palavra ōmimi (所
忌 ) alimentos proibidos de consumo por parte do imperador evidenciando a noccedilatildeo de
213
NISHIGAKI Yukio op cit p90 214
IDE Maya USHIYAMA Yoshiyuki ldquo古代日本における穢れ観念の形成rdquo (Formation of Attitudes
Toward Pollution [kegare] in Ancient Japan) Shinshu University Journal of Educational Research and Practice
(信州大学教育学部研究論集) nordm 9 2016 pp 81-93 215
AMA Toshimaro ldquo日本の rsquo疑似伝統 rsquordquo (ldquoDistortion of Japanese Traditionrdquo) Meiji Gakuin review
International amp regional studies nordm 8 1991 pp 1-22
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 75
ldquoabstinecircnciardquo e tambeacutem o estatuto especial do soberano japonecircs uma vez que todos os sais
satildeo-lhe proibidos excepto um sal especiacutefico 216
Contudo caso a situaccedilatildeo descrita seja negativa abandona-se a conotaccedilatildeo positiva de
imi evidenciado por expressotildees cujo significado pode ser de facto considerado como algo de
caraacutecter ldquopessimistardquo a palavra [国忌齋] designando o periacuteodo de ldquoabstinecircnciardquo (忌斎)
vigente em todo o paiacutes (adiamento de qualquer tipo de rituais shintō e enfoque nos rituais
budistas dirigidos aos mortos) ordenado primeiramente por Jitō e que duraria uma semana 217
e eacute claro o ldquodia de imirdquo (imibi忌日) indicando especificamente a data da morte do imperador
(dia 16 do segundo mecircs do segundo ano de Jitō) 218
Jaacute no Nihon Sandai Jitsuroku imibi eacute
formalmente explicado nos anos de 859 (o imibi de uma Imperatriz e natildeo do Imperador) 868
(Imperador Montoku decorrido anualmente no oitavo mecircs) e ano 886 (imibi do Imperador
Ninmyō vigeacutesimo primeiro dia do terceiro mecircs constatando-se a anual leitura de sutras no
tempo Unrin-in (雲林院) 219
Por outro lado a conotaccedilatildeo negativa de [忌] natildeo eacute muito visiacutevel no Kōtai Jingū
Gishiki-chō uma vez que eacute a presenccedila do kanji [忌] nas palavras [忌柱] [忌鍬] e [忌種] que
as reveste de uma natureza sagrada proacutepria de oferendas consagradas nos ritos aos kami uma
forma de culto que se estenderia ao proacuteprio Imperador realizando-se cerimoacutenias que
envolviam a preparaccedilatildeo de alimentos (arroz sobretudo) Submetidos a um processo de
abstinecircncia pelo fogo (imibi忌火) este arroz designar-se-ia oficialmente [忌火御飯] sendo
servido no primeiro dia do sexto mecircs 220
No que diz respeito ao Engishiki segue-se esta tendecircncia na qual o kanji pode
expressar coisas positivas (exceccedilatildeo de imikotoba) de entre as quais imibi presente no Niwabi-
216
Nihonsinwa ldquo大伴金村による真鳥の誅殺と塩の呪いrdquo (A execuccedilatildeo criminal de Matori e a maldiccedilatildeo do
sal devido a Ōtomo-no-kanemura) 武烈天皇(八)日本書紀 (Imperador Buretsu 8 Nihon shoki) (on line)
lthttpnihonsinwacompage1537htmlgt (consultado em 24-06-2018) 217
Sekai Daihyakka Jiten Dai 2 Han (Grande Enciclopeacutedia do Mundo Segunda Ediccedilatildeo) ldquo国忌rdquo (Kokki) コト
バンク (Kotobank ) (on line) lthttpskotobankjpwordE59BBDE5BF8C-498821gt (consultado
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SAKAMOTO T 日本書紀 国史大系版 (Nihon shoki Ediccedilatildeo do Compecircndio da Histoacuteria Nacional) (on
line) lthttpwwwj-textscomjodaishokiallhtmlgt (consultado em 24-06-2018) 219
SAEKI A 日本三代實録 全巻朝日新聞本 (Nihon Sandai Jitsuroku Volume Completo Versatildeo de do
Jornal Asahi) (on line) lthttpwwwj-textscomchukosandaihtmlgt (consultado em 24-06-2018) 220
ITŌ Nobuhiro ldquo穢れと結界に関する一考察 lsquoケガレrsquoとrsquoケrsquordquo (An analysis concerning kegare and
barriers ldquokegarerdquo and ldquokerdquo) Studies in language and culture (言語文化論集) nordm 24 (1) 2002 pp 3-22
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 76
matsuri (庭火祭) e Niinamesai (新嘗祭) celebrados no deacutecimo segundo mecircs e deacutecimo
primeiro respetivamente 221
Se na perspetiva anterior ao Periacuteodo Nara defendia-se o significado sagrado da
palavra imi no periacuteodo de expansatildeo das culturas Nara e Heian constata-se o oposto a
interaccedilatildeo entre shintō e outras Vias urge uma necessidade de divisatildeo entre coisas maacutes e coisas
boas rotulando-se deste modo a tradiccedilatildeo de ritos fuacutenebres imperiais como ldquoritos malignosrdquo
(kyōrei 凶礼) o ldquomalignordquo eacute o representante de algo contraacuterio agrave Ordem que se distingue de
outros ritos imperiais e dos matsuri nacionais interpretados como ldquocomportamento benignordquo
(yoshimichi吉義) e portanto de impacto positivo 222
Consequentemente a influecircncia de imi na sociedade japonesa estender-se-ia ao
domiacutenio do discurso tornando as imikotoba palavras ldquonegativasrdquo mas que natildeo deixam de ser
sagradas no sentido de a sua pronunciaccedilatildeo transportar consigo um poder inexplicaacutevel e natildeo
fiacutesico 223
Uma vez que a ideia japonesa de ldquosagradordquo natildeo faz a distinccedilatildeo entre coisas
boasmaacutes inexplicaacuteveis por meios convencionais eacute possiacutevel afirmar que esta
consciencializaccedilatildeo da existecircncia de palavras perigosas no discurso contemporacircneo reflete o
lado mais prejudicial da tradiccedilatildeo japonesa de kotodama (言霊)
Associada a um domiacutenio natildeo tatildeo material mas mais subtil e espiritual kotodama eacute
uma palavra composta pelo kanji de ldquopalavrardquo (言) e o de ldquoespiacuteritordquo (tama eacute a leitura
alternativa do termo rei) e ldquorefere-se ao poder espiritual contido dentro de palavras mas
tambeacutem refere agrave concepccedilatildeo de que poder espiritual pode ser manifestado atraveacutes da entoaccedilatildeo
de palavrasrdquo 224
Neste sentido kotodama pode condicionar uma divisatildeo bipartida favoraacutevel ao
modelo ldquopensamento -palavra-accedilatildeordquo no qual o falante escolhe cuidadosamente o que quer
dizer atraindo coisas boasmaacutes para si e para os seus se norito satildeo boas para quem as entoa (e
para quem as escuta) as imikotoba (忌詞) ndash palavra composta pelo termo imi e o kanji lido
221
FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第二 神祇二 四時祭下rdquo (Segundo Livro Jingi Dois Matsuri das
Quatro Estaccedilotildees Parte Inferior) 延 喜 式 (Engishiki) (on-line)
lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi02htmgt (consultado em 24-06-2018) 222
AMA Toshimaro ldquo日本の rsquo疑似伝統 rsquordquo (ldquoDistortion of Japanese Traditionrdquo) Meiji Gakuin review
International amp regional studies nordm 8 1991 pp 1-22 223
WADA Atsumu ldquo特別寄稿 古代社会とケガレ意識rdquo (Contribuiccedilatildeo Especial Sociedade dos Tempos
Antigos e a consciencializaccedilatildeo de ldquoimpurezardquo) 奈良県立同和問題関係史料センター 研究紀要 (Centro
Prefeitoral de Nara para Registos Histoacutericos de Discriminaccedilatildeo Boletim de Investigaccedilatildeo) Nara-ken Ritsudō Wa
Mondai Kankei Shiryō Sentā Kenkyū kiyō) nordm 11 Dezembro 2007 pp 114-136 224
YONEI Teruyoshi ldquoKotodamardquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and Doctrines Basic Terms (on line)
lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23386gt (consultado em 24-06-
2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 77
como kotoba (詞) - provocam efetivamente a Desordem ao serem portadoras impliacutecitas de
ldquoimpurezardquo (kegare) a niacutevel discursivo devendo por isso sujeitar-se a uma peculiar
purificaccedilatildeo abstinecircncia vocabularverbal
Devidamente listadas nos coacutedigos e regulaccedilotildees cerimoniais de entatildeo as imikotoba
eram evitadas atraveacutes da sua substituiccedilatildeo por outros termos parecidos no Kōtai Jingū Gishiki-
chō ldquobater numa pessoardquo [人打] eacute substituiacutedo por atsu (奈津) naku (鳴) ndash homoacutefono do
verbo chorar (naku 泣く ) do qual derivam laacutegrimas ndash eacute trocado por shiotare (塩垂 )
significando literalmente rdquoderramar salrdquo [宍] ndash refere-se a carne de animais ndash eacute substituiacuteda
por [多気] nakago (中子) eacute usado em vez de butsu (仏) indicando o local de veneraccedilatildeo de
estaacutetuas budistas a palavra sutra (kei 経) eacute trocada pela expressatildeo arcaica [志目加彌]
traduzida como ldquosomekamisomegamirdquo literalmente ldquopapel pintadordquo ndash os primeiros dois kanji
indicariam uma leitura foneacutetica do verbo ldquopintarrdquo (someru) e os outros a palavra japonesa
para ldquopapelrdquo (kami紙) ndash uma vez que desde o Periacuteodo Nara que os rolos de pergaminho eram
pintados com a cor amarela algo que supostamente servia de estrateacutegia contra os insetos 225
Seguindo o meacutetodo de substituiccedilatildeo os vocaacutebulos ldquopagoderdquo (tō 塔) ldquomongerdquo (hōshi
法師) o ldquolaicordquo upāsaka (ubasoku 優婆塞) ldquotemplordquo (tera 寺) ldquoabstinecircncia de comidardquo
(toki斎食) ldquomorterdquo (shi 死) ldquocampardquo (hakaba 墓) e ldquodoenccedilardquo (yamai病) satildeo abandonados
em favor de kanji foneticamente lidos como verbos ou simples termos japoneses utiliza-se
ldquocabelo compridordquo (kaminaka髪長) para ldquomongerdquo uma expressatildeo que natildeo reflete a realidade
uma vez que uma das caracteriacutesticas visiacuteveis dos monges e monjas eacute o corte regular do
cabelo em vez de ldquomorterdquo recorre-se agrave expressatildeo naoru (奈保利物) significando o verbo
ldquocurarrdquo (naoru) isto eacute trazer de volta a ldquoforccedila vitalrdquo (生命) o nome nagusamenagusa (慰)
no sentido de ldquoacalmarrdquo eacute usado em vez de ldquodoenccedilardquo 226
Natildeo obstante algumas palavras substitutas satildeo escolhidas pela sua aproximaccedilatildeo agrave
respetiva imikotoba ldquopagoderdquo torna-se araraki (阿良々支) designando a planta ichii cuja
folha dividida lembra a beira do telhado de uma torre ubasoku eacute substituiacutedo por tsunohasu
225
WADA Atsumu ldquo特別寄稿 古代社会とケガレ意識rdquo (Contribuiccedilatildeo Especial Sociedade dos Tempos
Antigos e a consciencializaccedilatildeo de kegare) 奈良県立同和問題関係史料センター 研究紀要 (Centro
Prefeitoral de Nara para Registos Histoacutericos de Discriminaccedilatildeo Boletim de Investigaccedilatildeo) Nara-ken Ritsudō Wa
Mondai Kankei Shiryō Sentā Kenkyū kiyō) nordm 11 Dezembro 2007 pp 114-136 226 WADA Atsumu ldquo特別寄稿 古代社会とケガレ意識rdquo (Contribuiccedilatildeo Especial Sociedade dos Tempos
Antigos e a consciencializaccedilatildeo de kegare) 奈良県立同和問題関係史料センター 研究紀要 (Centro
Prefeitoral de Nara para Registos Histoacutericos de Discriminaccedilatildeo Boletim de Investigaccedilatildeo) Nara-ken Ritsudō Wa
Mondai Kankei Shiryō Sentā Kenkyū kiyō) nordm 11 Dezembro 2007 pp 114-136
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 78
(角波須) possivelmente uma referecircncia ao ldquochapeacuteurdquo usado pelos ldquoque acreditam em bukkyōrdquo
(bukkyō shinsha 仏教信者) ldquotemplordquo eacute um conhecido siacutembolo budista daiacute ser evitado no
discurso utilizando-se kawarafuki (瓦葺) katashiki (片食) equivale a toki Por uacuteltimo
ldquocampardquo um local conotado com kegare eacute pronunciado tsuchikure (土村) 226
No Engishiki imikotoba surge por duas vezes no quinto e sexto capiacutetulo o primeiro
grupo diz respeito agrave Saigū (斎宮) de Ise das quais as primeiras sete pertencem agrave linguagem
budista (内七言佛稱中子經稱染紙塔稱阿良良岐寺稱瓦葺僧稱髪長尼稱女髪
長齋稱片膳) outras sete estatildeo fora desta (外七言 死稱奈保留 病稱夜須 哭稱鹽垂 血
稱阿世 打稱撫 宍稱菌 墓稱壤) e as uacuteltimas duas correspondem aos termos tō e upāsaka
( 又別忌詞 堂稱香焼 優婆塞稱角筈) 227
Jaacute o segundo grupo (死稱直 病稱息 泣稱鹽垂
血稱汗 宍稱菌 打稱撫 墓稱壤) marca presenccedila no Saiinshi (齋院司) o Escritoacuterio ao qual
pertencia a Saiō (齋王) que serve o Kamo Jinja (outrora Kamo Daijin 賀茂大神) 228
Como se pode constatar estas duas listas foram sobretudo inspiradas pelas imikotoba
do Kōtai Jingū Gishiki-chō com a exceccedilatildeo de ldquohallrdquo (tō 堂) substituiacuteda por koritaki (香焼 )
- interpretado como o local onde se queima incenso - e do termo ldquomonjardquo (substituiacutedo pelo
feminino de kaminaga isto eacute mekaminaga女髮長)226 a grande diferenccedila entre os grupos de
imikotoba eacute nada mais do que o modo de escrita se as imikotoba da Saigū satildeo registadas num
japonecircs arcaico utilizando-se mais do que um kanji para se chegar ao som pretendido
imitando a linguagem do Kōtai Jingū Gishiki-chō as do Saiinshi sofreram uma simplificaccedilatildeo
utilizando-se somente um kanji ou no maacuteximo dois embora nunca alterando o significado
Tambeacutem conhecida pelos tiacutetulos de ldquoIse no saiō sainaishinnō itsuki no miya termos
que denotam uma princesa abstinente ou consagrada (hellip) escolhida entre as filhas e irmatildes de
um tennōrdquo (natildeo necessariamente o atual Imperador) a Saigū dedicava a sua vida a servir os
kami consagrados ao Ise Jingū e como tal submetia-se a trecircs anos de preparaccedilatildeo ou seja um
periacuteodo de preservaccedilatildeo de uma vida frugal e moderada Chegando a Ise no ldquonono mecircs do
terceiro ano das suas preparaccedilotildeesrdquo esta jovem visitaria o Ise jingū onde consagraria um ramo
de tamagushi ao Naikū e ao Gekū Tal ritual soacute se justificava trecircs vezes por ano durante o
bianual Tsukinamisai e Kannamesai sendo que o nono mecircs era ldquodeclarado um tempo de
227
FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第五 神祇五 齋宮寮rdquo (Quinto Livro Jingi Cinco Saigū-ryō) 延喜式 (Engishiki) (on-line) lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi05htmgt (consultado em
24-06-2018) 228
FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第六 神祇六 齋院司rdquo (Sexto Livro Jingi Seis Saiinshi) 延喜式
(Engishiki) lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi06htmgt (consultado em 24-06-2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 79
abstinecircncia geral no domiacutenio restriccedilotildees eram impostas em funerais e outras atividades
inauspiciosasrdquo 229
Uma das figuras mais elevadas na hierarquia de Ise a Saigū assume os deveres de
ldquosumo-sacerdotisardquo dos cultos em Ise e representa a perspetiva japonesa de pureza uma vez
que toda a sua vida era regulada em funccedilatildeo da manutenccedilatildeo deste estado interiorexterior de
pureza sendo forccedilada a retirar-se destes deveres para com os kami aquando da entronizaccedilatildeo
de um novo soberano apesar de natildeo se excluir uma reforma antecipada ldquodevido a morte na
sua famiacutelia sauacutede pobre ou acidentesrdquo 229
evidenciando a preocupaccedilatildeo para com
acontecimentos negativos que suscitam Desordem e uma resposta imediata de reposiccedilatildeo da
Ordem
24 O bem como agente da Ordem rituais de purificaccedilatildeo interna e externa
Na cultura japonesa a palavra ldquopurordquo deteacutem um lugar especial que natildeo pode ser
incluiacutedo junto de uma perspetiva preacute-formatada de lsquoreligiatildeorsquo a noccedilatildeo de pureza estaacute
efetivamente consciencializado no cidadatildeo japonecircs comum integrando uma das partes deste
ciclo de Desordem e Ordem se tsumi kegare e imi satildeo causa e efeito (por vezes simultacircneo)
da Desordem a sua antiacutetese apoia-se principalmente na reordenaccedilatildeo e equiliacutebrio conseguido
atraveacutes da purificaccedilatildeo processo que se pode aplicar a um objeto um espaccedilo ou um corpo vivo
algo que shintō vecirc como prioridade a niacutevel teoacuterico e praacutetico afetando de forma positiva o
indiviacuteduo e o coletivo
Neste sentido purificaccedilatildeo interna e externa eacute a essecircncia dos rituais favoraacuteveis agrave
Ordem e relaciona-se com vaacuterias expressotildees itsuku - itsu significa ldquoclaro e purordquo (segundo
Motoori Norinaga) e define o ato de ldquoservir e executar ritos para os kami apoacutes a purificaccedilatildeo
do corpo e da mente da eliminaccedilatildeo de kegarerdquo aludindo a uma ldquocondiccedilatildeo de pureza onde tudo
que eacute negativo e poluente foi eliminadordquo 230
shizume (鎮静) traduzido como ldquopacificaccedilatildeordquo
no qual se apazigua (osameru 治める) o solo (jichin 地鎮) o fogo (chinka 鎮火) e as
tamashii (chinkontama shizume 鎮魂魂鎮) procurando-se conduzir coisas a um estado
229
NAMIKI Kazuo ldquoSaigūrdquo Encyclopedia of Shinto 3 Institutions and Administrative Practices Ancient (on
line) lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23475gt (consultado em 24-
06-2018) 230
NISHIOKA Kazuhiko ldquoItsukurdquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and Doctrines Basic Terms (on line)
lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23387gt (consultado em 24-06-
2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 80
ameno normalizado um processo constatado tanto em rituais executados por profissionais e
praticantes de kyōha shintō como nos matsuri de caraacutecter imperial
No contexto de jichinsai (地鎮祭) - matsuri realizado ldquodiariamente para novos
projetos novas casas novas construccedilotildees na estrada ou construccedilatildeo de qualquer tipordquo - a
ldquopacificaccedilatildeordquo eacute a meta a atingir Primeiro o shinkan presta serviccedilos agrave comunidade
deslocando-se do seu jinja para o local em questatildeo Apoacutes o estabelecimento de um himorogi
delimitado pela shimenawa o shinkan procede a oharai o ato simboacutelico de abanar ldquoa harai-
gushi sobre a aacutereaa pessoa a ser purificadardquo (Anexo II) - apaziguando os kami locais e
protegendo o espaccedilo de influecircncias negativas que recairiam sobre os envolvidos no projeto 231
Em contrapartida chinka era caraterizado como um rito imperial da responsabilidade
do ldquoclatilderdquo Urabe durante o bianual Chinkasai procurando a prevenccedilatildeo de fogos ldquodentro do
palaacutecio imperial e em outras instituiccedilotildees estatais mais do que fogos no geralrdquo 232
se bem que
em Ontake-kyō esta pacificaccedilatildeo tinha como objetivo a ldquopurificaccedilatildeo do crente apoacutes um
elemento quente ter sido suprimidordquo 233
tornando o fogo um agente purificador
Por uacuteltimo os ritos chinkon satildeo dedicados aos vivos e aos mortos se nos dias de hoje
o termo designa o momento de reflexatildeo em silecircncio dentro das imediaccedilotildees do jinja apoacutes
misogi e antes da fase de naorai (直会) isto eacute o momento de completa harmonizaccedilatildeo entre o
indiviacuteduo e o kami (consumo de sake em copos de madeira de cipreste) 234
chinkon era um
meio de defesa contra as tatari (desastres naturais epidemias e mortes suacutebitas) lanccediladas por
onryō de cortesatildeos e poliacuteticos eventualmente venerados como kami 235
Por outro lado o
chinkon do Chinkonsai (realizado na veacutespera do Niinamesai ou do Daijōsai) era uma praacutetica
dedicada aos vivos na qual o Imperador procurava a restauraccedilatildeo da sua sauacutede ldquopuxandordquo de
volta a mitama que estava em risco de sair do corpo 236
Natildeo obstante outros termos devem ser considerados haraiharae eacute na linguagem
shintō o meio mais eficaz de eliminaccedilatildeo de tsumi e kegare Agrave semelhanccedila das palavras
231
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit p 172
232 NAMIKI Kazuo ldquoChinkasai (hiho shizume no matsuri)rdquo Encyclopedia of Shinto 5 Rites and Festivals
State Rites (on line) lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23099gt
(consultado em 24-06-2018) 233
Segundo Picken apoacutes a chinka shiki (鎮火式) cerimoacutenia na qual o praticante caminha sobre brasas este
uacuteltimo executaria a kugatachi shiki um ritual no qual o corpo deste uacuteltimo eacute salpicado com aacutegua a ferver
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit p 133
234 PICKEN Stuart op cit p179
235 PICKEN Stuart op cit p18
236 NAMIKI Kazuo ldquoChinkon-sairdquo Encyclopedia of Shinto 5 Rites and Festivals State Rites (on line)
lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23100gt (consultado em 24-06-
2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 81
ldquopurezardquo ldquosinceridaderdquo ou ainda ldquoharmoniardquo (chōwa 調和) que se aproxima da ideia de
ldquocompletude e todo e eacute tambeacutem um ideal social natildeo apenas um estado de assunto dentro das
relaccedilotildees humanasrdquo 237
haraiharae atinge o exterior e o interior do indiviacuteduo
Ora apesar de hoje se escreverem com o mesmo kanji [祓] harai e harae eram atos
diferentes harai seria uma ldquopurificaccedilatildeo ativardquo - eacute o proacuteprio sujeito que escolhe
conscientemente executar a ldquopurificaccedilatildeordquo como se constata no episoacutedio de Izanagi ndash e harae
derivaria de harawase descrevendo uma ldquopurificaccedilatildeo passivardquo na qual o sujeito ldquoreceberdquo
harae de boa vontade por parte dos responsaacuteveis pelo jinja algo jaacute aludido em certos termos
como haraetsumono (祓具) 238
Alternadamente escritos como [祓物] haraetsumono designa
as ldquooferendas de purificaccedilatildeordquo lanccediladas agrave aacutegua como parte da ceacutelebre Ōharae cujos efeitos
atingem toda a populaccedilatildeo japonesa tornando - a ldquopurardquo a niacutevel natildeo apenas fiacutesico Aliaacutes
Ōharae (大祓) partilha desta aceccedilatildeo uma vez que o objetivo inicial era ldquopurificarrdquo todos os
funcionaacuterios da corte justificando a sua categorizaccedilatildeo como uma cerimoacutenia tutelada pelo
palaacutecio imperial 239
Preservada ao longo dos seacuteculos Ōharae eacute praticada com ecircnfase pela maioria dos
jinja e popularmente designada de Nagoshi no harae (夏越の祓) ndash final de Junho - e
Toshikoshi no harae (年越の祓) ndash final de Dezembro Mencionada no Nihon shoki como
recurso para afastar a ldquoinfluecircncia maligna de um cometardquo este matsuri seria elevado agrave
categoria de ldquocerimoacutenia nacionalrdquo obrigatoacuteria para os jinja do Periacuteodo Meiji e para o efeito
exigia-se um preliminar ritual de purificaccedilatildeo no Sumiyoshi jinja de Toacutequio os participantes
receberiam aiacute o kata-shiro (形代) No dia em questatildeo o ldquomestre dos ritosrdquo daria iniacutecio agrave
cerimoacutenia atraveacutes da invocaccedilatildeo dos kami ao himorogi proferindo uma inori no iniacutecio e no fim
Jaacute a ceacutelebre norito denominada Ōbarae kotoba (大祓詞) seria recitada pelo Norito-shi (祝詞
師 ) apoacutes este explicar o propoacutesito de Ōharae aos presentes Consequentemente seriam
eliminadas da populaccedilatildeo todas as coisas conducentes agrave desordem eacutetica garantindo-se ldquopaz
proteccedilatildeo e felicidaderdquo 240
237
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp xxv-xxvi
238 MOTOORI N ldquo6-2 神代四之巻rdquo (御身滌の段) (6-2 Kami-yo Livro Quatro- A secccedilatildeo de misosogi)
古事記傳 (Kojikiden) (on line) lthttpkumoi1webfc2comCCP071htmlgt (consultado em 24-06-2018) 239
FLORENZ Karl ldquoAncient Japanese Rituals Part IVrdquo Transactions of the Asiatic Society of Japan nordm 27
1899 pp 1ndash112 240
FLORENZ Karl ldquoAncient Japanese Rituals Part IVrdquo Transactions of the Asiatic Society of Japan nordm 27
1899 pp 1ndash112
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 82
Segundo o Jingiryō do Yōrō-ryō Ōharae contava com a presenccedila de certos clatildes os
Nakatomi responsabilizavam-se por entoar a norito e consagrar as ldquooferendasrdquo (oonusa 御祓
麻) os Fumitobe das proviacutencias de Este e Oeste (東西の文部) consagravam espadas proacuteprias
para a ocasiatildeo isto eacute as harae no tachi (祓の刀 ) e os Urabe removeriam quaisquer
influecircncias negativas Ora a realizaccedilatildeo de Ōharae eacute na praacutetica um esforccedilo coletivo se todas
as unidades administrativas (郡) contribuiacuteam com ferramentas peles espadas e outras coisas
todas as casas (戸) deviam preparar cacircnhamo (麻) 241
No Engishiki a cerimoacutenia eacute antecedida pela preparaccedilatildeo de ofertas - armas revestidas
de metais preciosos vaacuterios tipos de tecido colorido (seda algodatildeo) cacircnhamo flechas arroz
cavalos madeira de carvalho Seguidamente os Urabe entoariam norito 242
funccedilatildeo
posteriormente delegada ao liacuteder dos Nakatomi (Ōnakatomi) cuja versatildeo da norito Nakatomi
Harae (中臣祓) ainda hoje eacute o modelo de norito e uma referecircncia para os jinja de hoje 243
Por conseguinte no seacutetimo volume exclusivamente dedicado ao matsuri que
comemora a acessatildeo ao trono do novo Imperador (Senso Daijōsai踐祚大嘗祭) Ōharae faz
parte da miriacuteade de praacuteticas efetuadas antes e durante o trigeacutesimo dia do deacutecimo mecircs do
calendaacuterio lunar geralmente entre o seacutetimo mecircs ndash o mecircs da acessatildeo ao trono do Imperador
como consequecircncia da abdicaccedilatildeo do seu antecessor se bem que no caso do oitavo mecircs a
cerimoacutenia seria adiada para o ano ndash e o deacutecimo mecircs 244
Apoacutes o envio dos ldquoMensageiros
Imperiais para Ōharaerdquo escolhidos por ldquoadivinhaccedilatildeordquo (boku卜) no oitavo mecircs era obrigatoacuterio
executar uma purificaccedilatildeo no uacuteltimo dia do mecircs (tal como a descrita no primeiro volume do
Engishiki) seguida do envio de dois Urabe agraves proviacutencias que executariam Ōharae
preparando-se as devidas oferendas (um cavalo uma flecha uma grande katana algodatildeo
peixe sake) 245
Uma complexa cerimoacutenia de caraacutecter imperial na qual canto e danccedila consumo de
comida e sake eram recebidos com entusiasmo o Daijōsai era um esforccedilo coletivo de
241
IGARI Hiromi ldquo第六 神祇令 全 20 条rdquo (Sexto [Volume] Jingiryō todas as 20 aliacuteneas) 現代語訳「養老 令 」 全 三 十 編 (Traduccedilatildeo moderna Yōrō-ryō todos os 30 volumes) (on-line)
lthttpwwwsoldtinejphiromikanseiyoro06htmlgt (consultado em 24-06-2018) 242
FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第一 神祇一 四時祭上rdquo (Primeiro Livro Jingi Um Matsuri das
Quatro Estaccedilotildees Parte Superior) 延 喜 式 (Engishiki) (on-line)
lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi01htm (consultado em 24-06-2018) 243
PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit p80
244 PICKEN Stuart op cit pp 62-72
245 FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第七 神祇七 踐祚大嘗祭rdquo (Seacutetimo Livro Jingi Sete Daijōsai)
延喜式 (on-line) lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi07htmgt (consultado em 24-06-
2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 83
membros da corte funcionaacuterios do Jingikan e do Jingiryō os Nakatomi entoavam as norito e
guiavam os ldquoadivinhosrdquo ao Ministeacuterio da Casa Imperial bem como os ldquogovernadores da
proviacutencia yuki e os vaacuterios funcionaacuteriosrdquo partilhando este uacuteltimo dever com os Urabe os
membros do Departamento de Carpintaria ldquoconstroem o principal santuaacuteriordquo os Inbe
apresentavam o ldquoespelho sagrado e a espada sagradardquo Findadas as festividades qualquer
vestiacutegio do matsuri seria prontamente destruiacutedo e praticar-se-ia uma uacuteltima ldquocerimoacutenia de
purificaccedilatildeordquo no uacuteltimo dia do mecircs esta uacuteltima conforme a bianual Ōharae 245
Apesar de a sua dimensatildeo ser diferente do harai habitual a meta de Ōharae parece
ser a de qualquer ritual positivo em shintō o estado de ldquoharmoniardquo refletindo a relaccedilatildeo iacutentima
entre a sociedade japonesa e a envolvente natureza fortalece-se deste modo a ldquonecessidade
de retificar desequiliacutebrios entre natureza humanos e divindadesrdquo 246
atraveacutes de uma atitude de
esforccedilo individual natildeo desassociada da preparaccedilatildeo interna e externa
Conotado com ldquoabstinecircnciardquo esta atitude implica disciplina na forma de um conjunto
de regras de conduta a adotar preacute-veneraccedilatildeo aos kami algo retido por qualquer praticante de
shintō nos dias de hoje com efeito qualquer matsuri eacute precedido por um periacuteodo temporaacuterio
de ldquoevitaccedilotildeesrdquo denominadas saikai (斎戒) ndash o termo eacute etimologicamente constituiacutedo pelos
kanji [斎] e [戒] do qual deriva o verbo imashimeru traduzido por ldquobanirrdquo ldquorestringirrdquo ndash nas
quais os responsaacuteveis por conduzir os rituais se banhavam (kessai 潔斎) mudavam de roupas
e consumiam certos alimentos claramente evidenciando a sua preocupaccedilatildeo para com
impurezas a presenccedila de derrame de sangue incecircndios e mortes era mais do que motivo
suficiente de desqualificaccedilatildeo dos que se tinham submetido a este processo ou em casos mais
extremos cancelamento do proacuteprio matsuri 247
Num contexto mais oficial observa-se uma categorizaccedilatildeo da praacutetica em si o
Jingiryō do Periacuteodo Yōrō distingue entre sansai (散斎) e chisai (致斎) sansai indicava a
ldquoabstinecircncia parcialrdquo na qual o indiviacuteduo estava proibido de fazer os jaacute mencionados seis atos
considerados formalmente como shokue chisai correspondia a uma ldquoabstinecircncia severardquo na
qual todos os ritos que natildeo envolvessem os kami eram cancelados No que concerne agrave sua
246
ROTS Aike Forests of the Gods Shinto nature and sacred space in contemporary Japan Dissertation
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fulfilment of the requirements for the degree of Doctor of Philosophy supervised by Prof Dr Mark Teeuwen
and Prof Dr Terje Stordalen 2013 247
ONO Sokyō op cit pp64-65
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
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duraccedilatildeo esta variava consoante o mecircs em questatildeo sendo que no nono mecircs sansai era
observado durante todo o mecircs chisai duraria somente trecircs dias 248
Uns seacuteculos mais tarde o Engishiki inspirar-se-ia nesta categorizaccedilatildeo por vezes
conjugando-a com o ritual harae no Kinensai sansai era praticado durante trecircs dias e chisai
apenas um dia 249
durante Kanmisosai kessai eacute um ato realizado por alguns membros de clatildes
na veacutespera do matsuri e cujo objeto de ldquoabstenccedilatildeordquo satildeo as oferendas (fios de seda e cacircnhamo)
antes de serem tecidas e apresentadas durante a celebraccedilatildeo que por sua vez soacute poderia
decorrer mediante um preacutevio harai do espaccedilo (batsujo 祓除) realizado no uacuteltimo dia do
terceiro mecircs e do oitavo mecircs Kannamesai menciona novamente um kessai dos fios de seda
posteriormente transformados em tecidos 250
Apoacutes trecircs anos de [潔齋] como parte dos rituais
da Saigū na capital reservava-se o uacuteltimo dia do oitavo mecircs a uma Ōharae no palaacutecio e no
nono mecircs um Nakatomi encarregava-se da ldquopurificaccedilatildeordquo (祓清) das proviacutencias de Ōmi e Ise
permitindo agrave Saigū cumprir os seus deveres no decorrer do Kannamesai 251
Durante o nono mecircs procede-se a um periacuteodo de 18 dias (a comeccedilar no primeiro dia)
de ldquoabstenccedilatildeordquo e um mecircs de evitaccedilatildeo de luto e enterros bem como agrave execuccedilatildeo de ldquolustraccedilatildeo
augustardquo gokei [御禊] Escrito com o kanji honoriacutefico [御] e o de misogi [禊] gokei era uma
ldquocerimoacutenia para afastar contaminaccedilatildeo de pessoas da Famiacutelia imperialrdquo 252
que decorria agrave
beira-rio e na qual participava a Saigū Contudo esta atitude de ldquoabstenccedilatildeordquo natildeo era apenas
seguida por esta uacuteltima monges monjas pessoas em luto e grupos de bandidos sujeitavam-se
a sansai antes e apoacutes Kinensai Kamo-matsuri Tsukinamisai e Kannamesai sendo-lhes
interdita a entrada no palaacutecio tal e qual as jaacute mencionadas funcionaacuterias do palaacutecio graacutevidas
253
248
IGARI Hiromi ldquo第六 神祇令 全 20 条rdquo (Sexto [Volume] Jingiryō todas as 20 aliacuteneas) 現代語訳「養老 令 」 全 三 十 編 (Traduccedilatildeo moderna Yōrō-ryō todos os 30 volumes) (on-line)
lthttpwwwsoldtinejphiromikanseiyoro06htmlgt (consultado em 24-06-2018) 249
FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第一 神祇一 四時祭上rdquo (Primeiro Livro Jingi Um Matsuri das
Quatro Estaccedilotildees Parte Superior) 延 喜 式 (Engishiki) (on-line)
lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi01htm (consultado em 24-06-2018) 250
FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第四 神祇四 伊勢太神宮rdquo (Quarto Livro Jingi Quatro Ise Dai-
jingū) 延 喜 式 (Engishiki) (on-line) lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi04htm
(consultado em 24-06-2018)
251 FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第五 神祇五 齋宮寮rdquo (Quinto Livro Jingi Cinco Saigū-ryō) 延喜
式 (Engishiki) (on-line) lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi05htmgt (consultado em 24-
06-2018)
252 BOCK Felicia op cit p104
253 FUJIWARA T FUJIWARA T FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第三 神祇三 臨時祭rdquo (Terceiro
Livro Jingi Trecircs Matsuri de Ocasiotildees Extraordinaacuterias) 延 喜 式 (Engishiki) (on-line)
lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi03htmgt (consultado em 24-06-2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
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Por uacuteltimo o seacutetimo volume do Engishiki especifica uma ldquoabstenccedilatildeordquo obrigatoacuteria no
deacutecimo primeiro mecircs sansai era iniciado no primeiro dia e terminava no uacuteltimo chisai
durava trecircs dias comeccedilando no dia do touro e terminando no dia da lebre proibindo-se a
participaccedilatildeo dos indiviacuteduos em ldquofestins Budistas ou festins magrosrdquo 254
Findado imi o indiviacuteduo foca-se na purificaccedilatildeo propriamente dita servindo-se de
elementos do dia-a-dia como o sal sake e aacutegua no primeiro caso o sal eacute ldquoatirado por
lutadores de Sumo cada vez que entram no dohyōrdquo e nos funerais serve o propoacutesito de ldquoauto-
purificaccedilatildeo apoacutes o regresso a casardquo dos frequentadores Jaacute em restaurantes e outros
estabelecimentos eacute costume colocar-se ldquoduas pilhas de sal fora do umbral uma de cada lado
apoacutes lavarem a entrada e antes de quaisquer clientes chegaremrdquo garantindo-se prosperidade
no negoacutecio Ora em misogi harai o sal eacute salpicado na cabeccedila dos participantes - no
seguimento de oharai ndash e tambeacutem misturado com sake sendo posteriormente ldquocuspido como
parte da cerimoacutenia de purificar a boca uma uacuteltima vezrdquo Oferecido nos altares sal faz ainda
parte das shinsen 255
A aacutegua tambeacutem partilha da mesma natureza purificadora que o sal e o sake em
virtude de ser considerada o elemento primaacuterio que devolve o lustro agraves coisas e pessoas
eliminando qualquer tipo de ldquomaacuteculardquo independentemente de se tratar de uma ldquomaacuteculardquo fiacutesica
(kegare) ou natildeo (tsumi) externa (corpo) ou interna (kokoro) Natildeo obstante a tradiccedilatildeo de
ldquolimpezardquo na cultura japonesa estende-se a contextos mais civis toalhas quentes satildeo
ldquoprovidenciadas em restaurantes (hellip) para que os patronos possam lavar as matildeos antes de
comer e uma pessoa Japonesa lavar-se-aacute sempre antes de entrar numa banheirardquo 256
um
reflexo da consciencializaccedilatildeo da lavagem do corpo na sociedade japonesa contemporacircnea
Em shintō a aacutegua assume um papel central em trecircs principais praacuteticas de ldquoauto-
purificaccedilatildeordquo que tambeacutem satildeo abluccedilotildees kessai temizu (手水) e misogi (禊) Se kessai eacute
geralmente feito antes do matsuri 257
temizu precede a ldquooraccedilatildeordquo (inori) aos kami nos jinja e
no qual o indiviacuteduo dirige-se a uma estrutura denominada temizuya (手水屋) lavando com
aacutegua a boca e as suas matildeos locais mais suscetiacuteveis de se contrair kegare (Anexo III)
254
PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit pp 62-72 255
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 174-175
256 ROTS Aike Forests of the Gods Shinto nature and sacred space in contemporary Japan Dissertation
submitted to the Department of Culture Studies and Oriental Languages of University of Oslo in partial
fulfilment of the requirements for the degree of Doctor of Philosophy supervised by Prof Dr Mark Teeuwen
and Prof Dr Terje Stordalen 2013 257
PICKEN Stuart op cit p 177
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
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No que concerne a misogi esta eacute considerada a origem de todos os harai na
sociedade japonesa sendo descrita por Carl Florenz como a ldquopurificaccedilatildeo de um uacutenico
indiviacuteduo ou um lugar de poluiccedilotildees atraveacutes de se entrar em contacto com algo
cerimonialmente impuro tal como cadaacuteveresrdquo 258
Uma ldquoauto-purificaccedilatildeordquo em todos os
sentidos do termo a expressatildeo misogi harai (misogi harai 禊祓い ) poderaacute derivar de
ldquomisosogi no harairdquo (身滌の祓い) literalmente ldquoharai da lavagem do corpordquo ndash [身滌] eacute
constituiacutedo pelo kanji de ldquocorpordquo (身) e o de [滌] sinoacutenimo de [洗] raiz do verbo ldquolavarrdquo
(arau) 259
ndash e eacute pela primeira vez mencionado no episoacutedio de Izanagi descrito pelo Kojiki e
Nihon shoki
De um modo geral misogi conheceu grande popularidade na esfera privada imperial
e agrave semelhanccedila de [斎] era sempre acompanhado de todo o tipo de oferendas tais como
tecidos armas sake velas e algas Se praticado pela Saiō (齋王) misogi decorria num rio da
capital na primeira dezena de dias do oitavo mecircs e do nono mecircs ambas datas escolhidas por
ldquoadivinhaccedilatildeordquo ndash responsabilidade do Onmyōryō Por sua vez este ritual fazia parte de uma
grande cerimoacutenia na qual se preparavam tecidos caixas jarros carne seca cabaccedilas e peixes e
cujos participantes eram essencialmente membros da corte (Jingikan e Onmyōryō) cada um
desempenhando uma tarefa especiacutefica ecoando o sucedido nos matsuri do Jingikan um
Nakatomi executava oharai servindo-se da onusa (Nakatomi onusa tatematsuru [神祇官中臣
進麻]) e o miyanushi (宮主) entoava harae kotoba (祓詞) Igualmente realizado durante a
deslocaccedilatildeo da jovem para o No-no-miya e Itsuki-no-miya em Ise e no uacuteltimo dia do mecircs 260
misogi eacute descrito no sexto volume do Engishiki como parte da celebraccedilatildeo do Imibikamado-
matsuri (quarto mecircs e sexto mecircs) ndash um gokei no qual participavam todos os funcionaacuterios do
palaacutecio - e um matsuri anual (毎年禊祭) 261
Atualmente misogi pode ser praticado por qualquer pessoa e eacute aceite como um ritual
vaacutelido para qualquer tipo de shintō Shinshū-kyō (神習教) tem como metas alcanccedilar ldquoum
espiacuterito de um kami por praticar purificaccedilatildeo oharairdquo a aquisiccedilatildeo de um elevado niacutevel de
treino que possibilite ao indiviacuteduo ensinar os outros e eacute claro ldquoalcanccedilar harmonia com os
258
FLORENZ Karl ldquoAncient Japanese Rituals Part IVrdquo Transactions of the Asiatic Society of Japan nordm 27
1899 pp 1ndash112 259
NISHIGAKI Yukio op cit p 544
260 FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第五 神祇五 齋宮寮rdquo (Quinto Livro Jingi Cinco Saigū-ryō) 延喜
式 (Engishiki) (on-line) lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi05htmgt (consultado em 24-
06-2018) 261
FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第六 神祇六 齋院司rdquo (Sexto Livro Jingi Seis Saiinshi) 延喜式
(Engishiki) lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi06htmgt (consultado em 24-06-2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
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kami e rezar pelo descanso das almas dos outrosrdquo Neste contexto misogi faz parte da
estrateacutegia de cultivo de ldquopurificaccedilatildeo interiorrdquo que encoraja o processo de aproximaccedilatildeo do
humano ao kami 262
Em suma a purificaccedilatildeo estaacute intimamente associada agrave visatildeo positiva do ser humano
apoiada por shintō Shinshū-kyō natildeo soacute ensina o indiviacuteduo a ldquodemonstrar gentileza aos
outrosrdquo ldquotrabalhar diligentemente (no seu proacuteprio negoacutecio)rdquo e a ldquopreservar firmeza no teu
coraccedilatildeordquo como procura ldquopacificar o espiacuterito porque eacute parte do espiacuterito do kamirdquo 264
(bunshin
mitama wo shizumu beshi分神神魂を鎮むべし) e ldquolimpar as impurezas do corpordquo (mi no
shūshoku wo harau beshi身の鏽蝕を祓うべし) 263
proporcionando o desenvolvimento do
caraacutecter do indiviacuteduo
Na visatildeo de Misogi-kyō (禊教) o trio de tesouros imperiais satildeo ldquoos mais eficazes
agentes de purificaccedilatildeordquo pois ldquotodas as formas de impureza podiam ser removidasrdquo Apoiado
em misogi harae e ldquorespiraccedilatildeo proacutepriardquo o setor utiliza misogi como ldquoum meacutetodo para
melhoria da vidardquo aproximando as pessoas do kamirdquo 262
Interpretando-se esta praacutetica como o
uacutenico modo de ldquoreavivarrdquo a ldquoboa sorterdquo (literalmente ldquosorte proacutesperardquo ou sakae no unsei [栄
絵の運勢]) misogi possui visiacuteveis efeitos de purificaccedilatildeo externos 264
Contudo o busiacutelis da questatildeo eacute a ldquopurificaccedilatildeo internardquo (nai seijōshōjō 内清浄)
denominada iki ichisuji no misogi (息一筋の禊) iki (息) natildeo eacute somente a ldquoorigem do corpordquo
mas tambeacutem a proacutepria ldquoexistecircnciardquo (seimei [生命]) 264
e estaacute diretamente relacionada com a
entoaccedilatildeo da norito ldquo
tōkami emitamae harae tamae kiyome tamairdquo (literalmente ldquokami
distante purificai e limpai enquanto rezamosrdquo) em voz alta
262 um momento caracterizado
pela ldquofusatildeordquo do corpo com a mente graccedilas ao cultivo do autocontrolo do corpo a Desordem
(aqui maga) deixa de existir 264
No contexto de jinja shintō misogi faz ainda parte da cerimoacutenia shūbatsu (修祓) na
qual se abre o edifiacutecio interior do jinja e o shintai eacute visualizado pelos shinkan que se
262
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 234-236 263
O ldquoespiacuterito do kamirdquo eacute mitama (神魂) e ldquocoraccedilatildeordquo kokoro O termo ldquoimpurezasrdquo lecirc-se no texto original [鏽
蝕] o primeiro lecirc-se sabi e natildeo eacute muito usado na linguagem diaacuteria (鏽) significando ldquoferrugemrdquo ou ldquocorrosatildeordquo
o segundo eacute o kanji [蝕] do qual deriva o verbo mushibamu geralmente traduzido como ldquoser devorado por
dentrordquo ldquominarrdquo ldquoarruinarrdquo Shintō Shinshū-kyō Kōushiki Page 教 義 (on line)
lthttpshinshukyojpE69599E7BEA9gt (consultado em 24-06-2018) 264
Misogi-kyō Shintō 神道禊教の教理 (Doutrina de Shintō Misogi-kyō) (on line) lthttpwwwmisogi-
kyouorjpkyourihtmlgt (consultado em 24-06-2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
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ldquopurificam de modo a tomarem parte nos rituaisrdquo atirando baldes de aacutegua fria sobre si
mesmos ou escolhendo colocar-se ldquodebaixo de uma cascata num rio ou no marrdquo dependendo
da localizaccedilatildeo do jinja Posteriormente os participantes no matsuri satildeo purificados
cumprindo-se as condiccedilotildees de invocaccedilatildeo dos kami 265
que respondem ao apelo impliacutecito nas
norito entoadas pelos shinkan
Associadas agrave tradiccedilatildeo de kotodama norito satildeo acolhidas entusiasticamente pela
sociedade japonesa quer sejam ldquovelhasrdquo (do Engishiki e outras fontes do Periacuteodo Heian) e
norito ldquonovasrdquo ou seja norito poacutes- Engishiki criadas por estudiosos e praticantes das vaacuterias
formas de shintō (Ise e Yoshida shintō Shugendō kyōha shintō shin shūkyō) e associadas a
jinja especiacuteficos (ldquocultosrdquo em Ise Izumo Dewa Togusa ldquocultosrdquo a Inari e Hachiman) 266
Etimologicamente norito tem as suas origens na frase ldquoNakatomi-no-Kane Muraji
norito wo norurdquo (中臣金連祝詞を宣る) Como se pode constatar o verbo que lhe estaacute
associado eacute noru (宣) cujo kanji significa ldquodizerrdquo ldquoexpressarrdquo e ldquoinformarrdquo num sentido
formal agrave maneira dos ldquoeacuteditos imperiaisrdquo (senmyō [宣命]) 267
Vaacutelidas para uso individual ou coletivo norito contemporacircneas tendem a inspirar-se
em norito muito mais antigas por exemplo a frase ldquoharae tamae kiyome tamairdquo de Misogi-
kyō surge na Ōharae kotoba do Engishiki como uma dupla accedilatildeo decorrida na ldquoōharae do
anoitecer do uacuteltimo dia do sexto mecircsrdquo (kotoshi no minadzuki no tsugumori yūhi no kudachi
no ōharae ni harai tamai kiyome tamau-koto wo 今年の水無月の大晦日 夕日之降の大祓
に祓給ひ清給事を) 268
eliminam-se assim os tsumi (tsumi ha araji wo罪波不在止) de
todos os cantos ldquodebaixo do ceacuteurdquo (Anexo IV)
Seguindo uma ldquofoacutermula usada em cerimoacutenias religiosas em endereccedilando divindades
(hellip) usam uma forma respeitosa subserviente forma de dicccedilatildeordquo norito tecircm a sua forccedila no
som e natildeo na parte gramatical ou na etimologia lexical recorrendo-se frequentemente a
265
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit p 177
266 O arquivo virtual Ko-kon Shūkyō Kenkyūjo regista um total de 55 norito devidamente ldquocategorizadasrdquo
consoante a temaacutetica e o local de veneraccedilatildeo Ko-kon shūkyō kenkyūjo ldquo祝詞 諸文献rdquo (Norito Vaacuterias
referecircncias) 神道資料集 (Colecccedilatildeo de materiais de shintō) (on line) lthttpwwwko-konnetnoritogt
(consultado em 24-06-2018) 267
NISHIGAKI Yukio op cit p485 268
FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第八 神祇八 祝詞rdquo (Oitavo Livro Jingi Oito Norito) 延喜式
(Engishiki) (on-line) lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi08htmgt (consultado em 24-06-
2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
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ldquorepeticcedilatildeo paralelismo longas enumeraccedilotildees de nomes de divindades e oferendas metaacuteforas
o uso de registos mitoloacutegicos para explicar a origem de certas formas de veneraccedilatildeordquo 269
Natildeo obstante estas frases servem de prevenccedilatildeo contra forccedilas ldquonegativasrdquo incluindo
tatari gami ou ldquoespiacuteritos malignosrdquo devidamente acalmados e purificados respetivamente
Usadas em matsuri oficiais norito descreviam com pormenor quem as proferia o seu
objetivo a quem se dirigiam e o local onde decorria esta entoaccedilatildeo cujo raio de atuaccedilatildeo era
individual ou coletivo (capital habitaccedilotildees funcionaacuterios o palaacutecio todo o Japatildeo a corte) 270
No que concerne agrave sua entoaccedilatildeo estes conjuntos de frases eram responsabilidade dos
Nakatomi ou de outros consoante a ocasiatildeo na ldquomensagem de aberturardquo do oitavo capiacutetulo
do Engishiki regista-se que os Inbe deviam entoar norito dos ldquoritosrdquo Goden (御殿) e Mikado
(御門) e nos restantes matsuri a honra cabia aos Nakatomi (以外諸祭中臣氏祝詞) nos
matsuri das quatro estaccedilotildees (凡四時諸祭) essa funccedilatildeo fazia parte dos deveres dos kanbe (神
部) no Kanmisosai somente o daijingūji de Ise (ldquoSumo-Sacerdote do Grande Santuaacuterio de
Iserdquo) devia entoar a norito (大神宮司宣祝詞) e nas celebraccedilotildees em Ise (Kanmisosai os
matsuri do sexto e deacutecimo segundo meses e Kannamesai) 271
as norito de Ōimisai (大忌祭)
Tatsuta Fūjinsai ( 龍田風神祭 ) e Hiranosai ( 平野祭 ) eram responsabilidade dos
ldquomensageiros imperiaisrdquo Jaacute os Inbe encarregavam-se das ldquofoacutermulasrdquo de proteccedilatildeo do palaacutecio
imperial (Ōtono-no-hogai (大殿祭) e do ldquoFestival dos Portotildeesrdquo (Godensai 御殿祭) ndash cuja
meta era a ldquogarantia a proteccedilatildeo das divindades que guardam os portotildees do Palaacutecio Imperialrdquo ndash
no ldquodeacutecimo segundo dia do sexto e deacutecimo segundo mesesrdquo 270
Por uacuteltimo a norito de
Ōharae era ldquopartilhadardquo pelos Urabe e os Nakatomi enquanto que nos Chinkasai (鎮火祭) e
Michiaesai (道饗祭) soacute os Urabe eram elegiacuteveis para tal tarefa 271
O avanccedilo do estudo da tradiccedilatildeo ritual shintō impulsionou uma anaacutelise aprofundada
das norito estabelecendo-se uma ligaccedilatildeo direta com o processo de purificaccedilatildeo o meio por
excelecircncia para atingir a tatildeo desejada Ordem entre o praticante e o kami venerado norito satildeo
uma espeacutecie de purificaccedilatildeo verbal aludindo a um processo positivo mas interno Tal
abordagem introduz uma perspetiva mais subjetiva do que se entende por norito auxiliando
269
PHILIPPI Donald Norito A Translation of the Ancient Japanese Ritual Prayers With a new Preface by
Joseph M Kitagawa Princeton Princeton University Press 1990 pp1-2 270
PHILIPPI Donald op cit pp5-15 271
FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第八 神祇八 祝詞rdquo (Oitavo Livro Jingi Oito Norito) 延喜式
(Engishiki) (on-line) lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi08htmgt (consultado em 24-06-
2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 90
na compreensatildeo da purificaccedilatildeo interna que recaiacutea sobre o kokoro (心) Por sua vez kokoro
associar-se-ia a meijō (明浄)
Escrito em japonecircs com o kanji de ldquocoraccedilatildeordquo (shin de shinzō [心臓]) kokoro denota
algo de natureza natildeo palpaacutevel e interior a qualquer indiviacuteduo servindo de prefixo agraves palavras
kokoroeru (心得 ) ato de ldquocompreender o significado das circunstacircncias e das coisasrdquo
kokoroe ldquocompreensatildeordquo e ldquoter cautelardquo kokoronai (心無 ) designa uma condiccedilatildeo de
ldquoinsensibilidaderdquo pelo proacuteximo (em linguagem corrente ldquonatildeo ter coraccedilatildeordquo) 272
kokoro-
gawari (心変わり ) literalmente a ldquomudanccedila de kokorordquo indica a suacutebita alteraccedilatildeo dos
sentimentos intenccedilotildees e convicccedilotildees do indiviacuteduo em relaccedilatildeo a terceiros
No Nihon shoki o kanji em si eacute precedido por outros caracteres [黒心] e [無黒心]
significam aproximadamente ter um coraccedilatildeo negrordquo ou o seu oposto o sentido obtido eacute
negativo e positivo respetivamente marcando presenccedila no episoacutedio da competiccedilatildeo de
Susano-o-no-mikoto e de Amaterasu (有黒心) e no ano 646 da Era Taika (不正心者)
literalmente ldquopessoas de kokoro injustordquo Se estiver ao lado de [清] a expressatildeo lecirc-se seishin
ou kiyoki kokoro um kokoro puro (清心) 273
evidenciando a sua ligaccedilatildeo com meijō ambos
satildeo palavras positivas por princiacutepio
Por outro lado Engishiki descreve kokoro como uma caracteriacutestica interior de
humanos e kami na norito de Ōtono-no-hogai [心] surge na frase ashiki kokoro kitanaki
kokoro naku (邪意穢心無く) 274
ndash o segundo kanji tambeacutem se lecirc como kokoro mas o seu
significado eacute o de ldquointenccedilatildeordquo denotando a conduta correta seguida por todos os trabalhadores
do palaacutecio e membros da corte ndash traduzida por Philippi como ldquosem quaisquer maacutes intenccedilotildees
ou impuras intenccedilotildeesrdquo 275
na norito de Hi-shizume-no-matsuri (Chinkasai) kokoro eacute um
atributo de natureza maligna do kami do fogo (Homusubi-no-kami 火結神) ndash evidenciado
pela expressatildeo kokoro saganakiko (心惡子) ldquocrianccedila de mau kokorordquo ndash um kami gerado por
272
NISHIGAKI Yukio op cit pp 286-287 273
SAKAMOTO T 日本書紀 国史大系版 (Nihon shoki Ediccedilatildeo do Compecircndio da Histoacuteria Nacional) (on
line) lthttpwwwj-textscomjodaishokiallhtmlgt (consultado em 24-06-2018) 274
FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第八 神祇八 祝詞rdquo (Oitavo Livro Jingi Oito Norito) 延喜式
(Engishiki) (on-line) lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi08htmgt (consultado em 24-06-
2018) 275
PHILIPPI Donald op cit p 43
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 91
Izanami cujo temperamento provoca Desordem que naturalmente justifica a ldquopacificaccedilatildeordquo
(shizume matsure 鎮奉れ) por parte de outros kami seus irmatildeos 276
Em contrapartida tambeacutem a norito ldquopara afastar uma divindade vingativardquo (tataru
kami wo utsushi-yaru 遷卻祟神) segue a temaacutetica de reordenaccedilatildeo especificamente a uma
retificaccedilatildeo ativada por Kamunaobi e Ōnaobi kokoro refere-se aqui ao kokoro claro de kami
ldquopacificadosrdquo (sumera-gami ōmikokoro akiraka ni 皇神等の御心も明に) sendo que esta
transiccedilatildeo de kami ldquoviolentosrdquo para kami ldquopaciacuteficosrdquo (ara furu kami-tachi wo kashi harai
tamai kami nagoshi ni nagoshi tamai荒振神等を神攘攘給ひ神和和給) se deve a outros
dois kami 276
pacificaccedilatildeo tambeacutem eacute purificaccedilatildeo
Na perspetiva de Picken purificaccedilatildeo e pureza natildeo soacute partilham de uma conotaccedilatildeo
positiva como mantecircm entre si uma relaccedilatildeo de causa e consequecircncia pureza eacute a meta e a
consequecircncia do resultado da purificaccedilatildeo se o indiviacuteduo eacute o recetor de oharai que por sua vez
beneficia o kokoro meijō indica a ldquorestauraccedilatildeo do estado de pureza conhecido como seimei-
shin (ou akaki kiyoki kokoro)rdquo Por outras palavras o praticante torna-se portador de um
ldquoclaro kokorordquo (akaki kokoro明心) ldquopuro kokorordquo (kiyoki kokoro清き心) ldquocorreto ou justo
kokorordquo (tadashiki kokoro 正しき心) e o ldquokokoro retordquo (naoki kokoro 直き心) 277
um
quarteto de caracteriacutesticas eticamente boas
Assim os contornos eacuteticos da relaccedilatildeo kokoro - pureza revelam-se fundamentais para
a compreensatildeo de novas perspetivas modernas e japonesas de shintō segundo Muraoka
Tsutsunegu (村岡典嗣 1884-1946) meijō eacute uma ldquocaracteriacutestica eacutetica de shintōrdquo e um atributo
transversal em qualquer ldquodivisatildeordquo desta Via equiparado ao niacutevel de uma ldquodoutrinardquo (meijō
shugi明浄主義) no ldquosentido de que existe reverecircncia pelo claro e puro (hellip) em toda a mateacuteria
e pensamentordquo Por conseguinte meijō eacute o puro que carece de impurezas uma condiccedilatildeo
ldquoprimordialrdquo partilhada por todas as pessoas por oposiccedilatildeo a tsumi e kegare cuja presenccedila eacute
inviabilizada (temporariamente) em caso de purificaccedilatildeo regressando agrave sua origem (Yomi ou
Ne no kuni) durante harai 278
Aliaacutes a consciencializaccedilatildeo do kokoro como um dos componentes da eacutetica japonesa
reflete-se desde logo na linguagem dos eacuteditos imperiais do Zoku Nihongi qualificando-se o
276
FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第八 神祇八 祝詞rdquo (Oitavo Livro Jingi Oito Norito) 延喜式
(Engishiki) (on-line) lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi08htmgt (consultado em 24-06-
2018) 277
PICKEN Stuart Sourcebook of Shinto op cit p 176 278
PICKEN Stuart op cit pp 254 256-257
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 92
kokoro como algo ldquopurordquo (kiyoki kokoro 清き心) ldquoclarordquo (akaki kokoro 明き心) e ainda
ldquokokoro puro e clarordquo (kiyoki akaki kokoro清明心) Como se pode constatar nos eacuteditos dos
anos 707 (以明浄心而 浄明心以而) 743 (明浄心) 757 (諸以明清心皇朝 自今往前者以
明直心仕奉朝廷 悪心無而清明心) e 770 (衆浄明心正直言以而) 279
ter um kokoro cuja
essecircncia fosse de ldquohonestidaderdquo ldquoclarezardquo e ldquosinceridaderdquo elucida a importacircncia da pessoa
possuir uma boa natureza
Durante o Periacuteodo Edo protagonistas da escola Kokugaku como Kamo-no-Mabuchi
(賀茂 真淵 1697-1769) e Motoori Norinaga apoiam esta perspetiva mais eacutetica do kokoro
apelando ao lsquokokoro sincerorsquo ou lsquomakoto no-kokororsquo (真の心) isto eacute a derradeira virtude de
shintō 280
o que naturalmente reforccedila a importacircncia da caracteriacutestica ldquosinceridaderdquo (makoto)
Avaliada como algo dentro do kokoro ou que lhe eacute independente makoto (真) eacute
homoacutefono da palavra makoto (誠) cuja etimologia eacute makoto ( 真事) literalmente ldquoverdadeiras
palavrasrdquo e significa ldquonatildeo mentirnatildeo enganarrdquo 281
partilhando de um significado positivo
semelhante aos termos ldquohonestordquo (tadashii 正しい) ldquohonestidaderdquo (正直) makoto [真] por
sua vez tende a ser traduzido por ldquosinceridadeverdadeirordquo
No entender de Picken makoto (真) eacute um dos seus muitos vocaacutebulos ldquomoraisrdquo de
shintō juntando-se a kansha (感謝) ou ldquogratidatildeordquo forma de o indiviacuteduo expressar ldquogratidatildeo
humana pela sua dependecircncia sobre o divinordquo e tambeacutem uma atitude de respeito para com a
sociedade que o serve junsui (純粋) ou ldquopessoasrdquo de ldquocoraccedilatildeo puroinocentesrdquo relacionadas
com os traccedilos de caraacutecter ldquobomrdquo (seimei shin) definidos com base nos estudos de poesia e
outros textos antigos 282
Por conseguinte ldquosinceridaderdquo e ldquoagradecimentordquo relacionam-se
com o primeiro grande objetivo da Jinja Honchō conferindo a makoto as qualidades akaki
(ldquoclarordquo e kiyoki (ldquopurordquo) 283
Neste sentido makoto significa tambeacutem ser verdadeiro agraves suas intenccedilotildees e acreditar-
se no que estaacute a fazer uma atitude fundamental para qualquer praticante de shintō quem tiver
279
Ao todo [心] surge 211 vezes nesta obra tanto de forma isolada como acompanhado dos referidos termos
Por vezes as caracteriacutesticas positivas natildeo se aplicam somente ao kokoro mas tambeacutem ao discurso tomando-se o
exemplo de shōjiki kotoba (正直言) ldquopalavras honestasrdquo 続日本紀 朝日新聞本 (ZokuShoku Nihongi Versatildeo
do Jornal Asahi) (on line) lthttpwwwj-textscomjodaishokuallhtml (consultado em 24-06-2018) 280
PICKEN Stuart op cit pp 219-220 281
NISHIGAKI Yukio op cit pp 531-532 282
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 346-347 283
Jinja Honchō ldquo主な活動rdquo (Atividades gerais) 神社本庁のご案内 (A orientaccedilatildeo da Jinja Honchō) (on-line)
lthttpwwwjinjahonchoorjpintroductionactivitygt (consultado em 24-06-2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 93
uma ldquovontade sincerardquo em fazer parte dos rituais conseguiraacute cultivar uma relaccedilatildeo proacutexima
com o kami No que concerne ao kokoro este pode ser qualificado como algo ldquobomrdquo (kiyoki
kokoro akaki kokoro yoshiki kokoro) ou ldquomaurdquo (ashiki kokoro) dependendo do caso
distinguindo-se de makoto que dispensa tais significados prejudiciais
Os grandes estudiosos do Periacuteodo Edo nunca se pronunciam sobre um kokoro mau
kokoro eacute sempre um atributo humano (ou de kami) positivo frequentemente associado a shintō
surgindo termos como o magokoro (makoto no-kokoro)
Palavra derivada da combinaccedilatildeo de ldquoverdadeirordquo (真) e kokoro magokoro eacute parte da
piracircmide de ldquovalores positivosrdquo individual assemelhando-se agrave qualidade ldquointenccedilatildeo de
sinceridaderdquo (seii 誠意) Contudo segundo o Tama boko hyakushu (玉鉾百首) de Norinaga
o magokoro corresponde a uma consequecircncia da accedilatildeo do princiacutepio musubi presente na mitama
dos kami um kokoro despido de valores opostos (bemmal sapiecircnciaburrice
capacidadeincapacidade) e cuja qualificaccedilatildeo varia consoante o tipo de experiecircncia e accedilatildeo
(boamaacute) Identificado como uma condiccedilatildeo inata aos seres humanos magokoro tem no seu
nuacutecleo a funccedilatildeo de ldquomovimentordquo nas palavras de Motoori Ōhira (本居大平 1756-1833)
irmatildeo mais novo de Norinaga o kokoro eacute designado de magokoro quando se torna ugoku
kokoro ou ldquokokoro que se moverdquo (うごくこころ動く心) quando alguma coisa de natureza
positiva ou negativa consegue fazer comover (tocar) o kokoro das pessoas estaacute-se perante um
ugoku kokoro agindo-se ldquonaturalmenterdquo conforme o estadonatureza das coisas e
acontecimentos 284
Uma caracteriacutestica uacutenica e individual de cada ser humano que justifica a existecircncia
de kami e coisas boasmaacutes 284
o magokoro existiria na realidade atual (Hito no yo 人の代)
embora remonte aos tempos do Kami-yo uma era temporalmente incerta e marcada pelo
permanente ciclo de Desordem e a Ordem colocando-se sempre a hipoacutetese de esta Desordem
ser ldquocuradardquo tornando a realidade calma e paciacutefica 285
entre o ldquobemmalrdquo vidamorte a vida
e o bem seriam sempre vitoriosos ilustrando a atitude otimista e positiva de Norinaga
tambeacutem adotada pelos praticantes de shintō
284
UMIHIKO ldquo本論 第七回「「真心(まごころ)」とは」の巻rdquo (Texto do Seacutetimo Capiacutetulo magokoro
eacute) 本居宣長研究ノート「大和心とは」本論 (Bloco de notas de Pesquisa Motoori Norinaga ldquoYamato
Gokoro eacuterdquo Argumento-base) (on line) lthttpwwwnorinagajpessence-07phpgt (consultado em 24-06-2018) 285
UMIHIKO ldquo第八回「『真心(まごころ)の型」の巻 rdquo (Texto do Oitavo Capiacutetulo O modelo de
magokoro) 本居宣長研究ノート「大和心とは」 本論 (Bloco de Notas de Pesquisa Motoori Norinaga
ldquoYamato Gokoro eacuterdquo Argumento-base) (on line) lthttpwwwnorinagajpessence-08phpgt (consultado em 24-
06-2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 94
Um seacuteculo mais tarde Katō Shigeharu (加藤 重春 1818-) avaliaria o significado
eacutetico do kokoro e makoto a sua obra Shintō fumoto no tateishi (神道麓之立石) categorizaria
kokoro e makoto como duas das quatro Vias de shintō respetivamente a ldquoVia do kokorordquo
(shintō 心道) e a ldquoVia da verdaderdquo (shintō 真道) se na primeira Via shintō eacute qualificado
como uma ldquoVia que retifica a menterdquo a ldquoVia da verdaderdquo reforccedila a importacircncia da
ldquosinceridaderdquo uma vez que ldquoqualquer pessoa que desconsiderasse a importacircncia de
sinceridade eacute uma pessoa viciosardquo Shintō deveria simplesmente ldquofluirrdquo influenciando
automaticamente as accedilotildees do indiviacuteduo cujo coraccedilatildeo eacute ldquoretificado reto e unido com os kamirdquo
soacute assim as suas accedilotildees estariam de acordo com a Via 286
Nos periacuteodos posteriores ao Engishiki o conceito de kokoro adquire alguma
importacircncia a um niacutevel mais ldquofilosoacuteficordquo numerosos textos criados por escolas e autores
independentes expotildeem as suas ideias acerca de kokoro ldquopurezardquo e ldquopurificaccedilatildeordquo bem como os
seus efeitos desta uacuteltima no ser humano Na tradiccedilatildeo de Ise shintō kokoro (ldquomenterdquo) faz parte
do trio ldquopurezardquo- ldquomenterdquo ndash ldquohonestidaderdquo como se constata no Ruiji Jingi Hongen (類聚神
祇本源) de Watarai Ieyuki a ldquopurezardquo eacute uma caracteriacutestica que denota honestidade o ato de
empreender uma tarefa com uma ldquomente que eacute calma (hellip) comportar-se numa maneira que
transcende vida e morte (hellip) tal como obedecer agraves seis proibiccedilotildees relacionadas com o modo
proacuteprio de observar rituaisrdquo (as seis formas de shokue do Engishiki) Em Shintō Kanyō (神道
簡要) do mesmo autor ldquopurezardquo eacute a raiz da ldquohonestidaderdquo e por conseguinte o uacutenico modo
de o indiviacuteduo obter benefiacutecios dos kami uma condiccedilatildeo presente ldquoquando a mente eacute retificada
(uma virtude Confuciana) balanccedilada sem manchar ou sendo manchadardquo e age com
ldquopropriedade em concordacircncia com razatildeordquo isto eacute possui ldquopropriedaderdquo (tsutsushimi 慎み
ldquoter uma atitude proacutepriaadequadardquo) 287
Na escola de Yoshida shintō Kanetomo interpreta esta Via como uma via de
proteccedilatildeo do kokoro (ldquomenterdquo) e como tal a pessoa deveria proceder a uma ldquopureza interna e
externardquo de modo a ldquoseguir a via dos kamirdquo 288
e manter com estes mesmos kami uma relaccedilatildeo
de proximidade graccedilas ao elo de ligaccedilatildeo o kokoro Responsaacutevel pela ldquoreinvenccedilatildeordquo do
conceito de kokoro no seu tempo Kanetomo eacute pioneiro na argumentaccedilatildeo de que o ldquocoraccedilatildeo
286
Aleacutem das Vias do kokoro e de makoto fazem parte de shintō o proacuteprio shintō (Via dos kami) e shintō ou ldquoVia
dos paisrdquo (親道) que enfatiza a virtude confuciana de piedade filial (oya kōkō 親孝行) PICKEN Stuart
Sourcebook in Shinto op cit pp169-170 287
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 177-180 288
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit p 28
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 95
humanordquo (kokoro) e kami satildeo uno e a ldquomesma coisardquo 289
justificando a sua proposta de um
tipo de shintō cuja praacutetica ritual transporta consigo um potencial de purificaccedilatildeo fiacutesicamental
Natildeo obstante a linha de pensamento deste autor jaacute estava subentendida num dos
mais ceacutelebres textos de exposiccedilatildeo de Nakatomi Ōharae o Nakatomi Harae Kunge (中臣祓訓
解) Por norma datado do final do Periacuteodo Heian ou dos iniacutecios do periacuteodo seguinte a obra eacute
considerada parte de Ryōbu shintō e releva o papel de Nakatomi Harae aquando deste ldquoritualrdquo
argumentando acerca do papel fundamental da ldquomente humanardquo 290
- o kokoro - por sua vez
descrito por Kanetomo como aquilo que ldquoregerdquo e ldquoorientardquo o praticante e um ldquolugar onde os
kami governantes do universo vivem um lugar sagrado no qual a raiz e origem do cosmos eacute
para ser encontradardquo 289
Assim o kokoro (do homem) eacute o uacutenico elemento no indiviacuteduo capaz
de ldquocomungar com Ceacuteu e Terra com a grande natureza com o cosmosrdquo isto eacute o ldquotodordquo 290
estamos entatildeo perante um vislumbrar de realidades que estatildeo normalmente vedadas ou
veladas ao praticante devido agraves limitaccedilotildees fiacutesicas do corpo
Neste sentido entrar em contacto com os kami eacute um processo ldquomentalrdquo pois eacute a
ldquomente individualrdquo (kokoro) que consegue ldquoencontrarrdquo o kami do cosmos (hellip) origina agrave
ldquopurificaccedilatildeo da natildeo-menterdquo (mushin 無心 ) ndash Kanetomo considera mushin como termo
complementar de ldquoexistir-menterdquo (ushin 有心) dois vocaacutebulos originaacuterios da Via do Buda
que fazem parte do que se entende por ldquocaminhordquo (michi) em shintō 291
Deste modo satildeo
reunidos os requisitos necessaacuterios para a etapa final desta purificaccedilatildeo a ldquouniatildeordquo kamihomem
na qual ldquotodos os meus pensamentos e aspiraccedilotildees se tornam um com oos kamirdquo (shinjin
gōitsu) e consequentemente o retorno do indiviacuteduo sujeito a este harai agrave ldquoforma verdadeira e
originalrdquo que eacute nada mais do que o proacuteprio kami (shinjin kiitsu) 290
Alcanccedilar a Ordem atraveacutes da purificaccedilatildeo em shintō (misogi harai segundo Picken)
possibilita aquilo que geralmente eacute aceite como perspetiva da desta Via em relaccedilatildeo
agrave rdquonatureza humanardquo completar o processo de purificaccedilatildeo significa testemunhar dois
fenoacutemenos especiacuteficos a ldquouniatildeordquo do kami e do homem (shinjin gōitsu (神人合一) e a
289
PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit pp 166-167 290
PICKEN Stuart op cit pp 84-85 291
Em Yuiitsu shintō se michi eacute a ldquoraiz da miriacuteade de condutasrdquo(万物之起源也 michi towa mangyō no
minamoto nari 道とは万行の源なり) kami equivale ao kokoro da ldquomiriacuteade de coisasrdquo (神者万物心 kami towa
manbutsu no kokoro ni shite 神とは万物の心にして) Por outras palavras michi possui sempre em si duas
coisas complementares e opostas uma que ldquonatildeo-existerdquo e outra que ldquoexisterdquo HIROKAMI Kiyoshi ldquo日本にお
ける神道理論の形成rdquo (Concerning the Formation of Shinto theories in Japan) Tetsugaku shisō ronsō (哲学-思
想論叢) nordm 5 1997 pp 1-18
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 96
consequente ldquorestauraccedilatildeo do divino no homemrdquo (shinjin kiitsu 神人帰一 ) literalmente
ldquokamipessoaregresso ao umrdquo 292
sendo que este ldquodivinordquo eacute o kami e a ldquopessoardquo eacute o seu
ldquodescendenterdquo que eacute temporariamente afetado pela Desordem que existe no mundo
Com efeito viver a vida de forma harmoniosa eacute o mesmo que aceitar a necessidade
de restauraccedilatildeo da Ordem um processo perioacutedico e que decorre apoacutes a purificaccedilatildeo individual
ldquopurificarrdquo natildeo significa apenas harai (祓) ou kiyomeru (清める) mas tambeacutem ldquorestaurarrdquo
(naoru直る) 293
a relaccedilatildeo simbioacutetica kami-homem (e vice-versa) expressa pela palavra shinjin
ou kami (神人) isto eacute o ldquokami com uma natureza humanardquo ou ldquokami e seres humanosrdquo
referindo-se ao ldquoprinciacutepio de unidade entre kami e seres humanosrdquo 294
No fundo shinjin gōitsu e shinjin kiitsu satildeo concordantes com a ideia acerrimamente
defendida por Kanetomo de que kokoro e kami satildeo essencialmente o mesmo permitindo ao
praticante tornar-se algo mais do que fisicamente aparenta ser o kokoro eacute o derradeiro elo de
ligaccedilatildeo kami-homem aquilo que deve ser cultivado atraveacutes de rituais de purificaccedilatildeo interna
292
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 346-347 293
PICKEN Stuart Sourcebook of Shinto op cit p 359 294
NISHIOKA Kazuhiko ldquoKamirdquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and Doctrines Basic Terms (on line)
lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23401gt (consultado em 24-06-
2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
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CONCLUSAtildeO
Apesar de a popularidade que o shintō recebe hoje em contexto acadeacutemico ser
evidenciada pelo nuacutemero consideraacutevel de artigos e livros produzidos por autores natildeo
japoneses a Via dos kami em si permanece um campo por explorar natildeo existindo falta de
informaccedilatildeo e sim falta de estudo dessa informaccedilatildeo Foi com estas intenccedilotildees que se pocircde dar
forma a uma inicial miscelacircnea de pensamentos e ideias desconetadas umas das outras um
processo que como natildeo esteve isento de obstaacuteculos nomeadamente a ldquotriagemrdquo de
informaccedilatildeo (consequecircncia da jaacute mencionada ldquotriagemrdquo dos autores que forneceram essa
mesma informaccedilatildeo) atual e adequada ao campo do shintō e agrave temaacutetica ldquorituais de purificaccedilatildeo e
natildeo-purificaccedilatildeo em shintōrdquo
Neste sentido se uma das dificuldades foi encontrar informaccedilatildeo atualizada e numa
linguagem acessiacutevel (inglecircs) uma das vantagens foi a leitura e interpretaccedilatildeo de artigos
passagens de livros e textos escritos em japonecircs auxiliando na investigaccedilatildeo processo que
incluiu uma anaacutelise etimoloacutegica como complemento agrave anaacutelise teoacuterica dos rituais que
provocam a Desordem e a Ordem sem o recurso a tal metodologia dificilmente se
conseguiria responder agraves trecircs perguntas colocadas na Introduccedilatildeo
Outro ponto positivo a ter em conta foi o recurso a outras fontes aleacutem de livros nesta
era de informaccedilatildeo apesar de as obras permanecerem vaacutelidas enquanto fontes primaacuterias de
informaccedilatildeo a sua linguagem presente pode parecer estranha a quem estuda tradiccedilotildees natildeo
ocidentais Interessantemente autores como Picken natildeo caem neste erro ao contraacuterio de Ono
Sokyō De um modo geral fontes virtuais (websites oficiais e artigos de revistas cientiacuteficas)
tambeacutem natildeo seguem esta tendecircncia de ldquotraduccedilotildeesrdquo No caso de fontes japonesas (artigos
websites e livros) a traduccedilatildeo estaacute ausente permitindo reter o sentido das palavras
Sinteticamente o shintō possui uma tradiccedilatildeo de atos de veneraccedilatildeo em jinja e de
indiviacuteduos participantes nos diferentes matsuri Eacute neste sentido que os indiviacuteduos executam
ldquorituaisrdquo (conotaccedilatildeo exclusivamente positiva) favoraacuteveis agrave Ordem Regulados num contexto
de corte estas praacuteticas adaptaram-se consoante a evoluccedilatildeo histoacuterica de shintō tornando-se
vaacutelidos tanto hoje como haacute seacuteculos atraacutes Veja-se o caso de misogi misogi harai retratada
como um exemplo de purificaccedilatildeo interna e externa eacute o ritual-base da atuaccedilatildeo de Misogi-kyō e
tradicionalmente ndash devido agrave sua presenccedila no Kojiki e Nihon shoki par de obras que alude agrave
consciencializaccedilatildeo do que eacute puroimpuro - uma espeacutecie de alicerce de todos os rituais
conducentes agrave Ordem uns mais simples do que outros constatando-se diferenccedilas no que
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 98
concerne agrave preparaccedilatildeo e organizaccedilatildeo Temizu eacute um tipo de purificaccedilatildeo fiacutesica e como tal
reconhece a existecircncia de uma ldquoimpurezardquo fiacutesica e verbal ndash kegare - oriundo das matildeos e da
boca Jaacute as norito satildeo uma purificaccedilatildeo verbal cujos efeitos positivos se repercutem no que as
escuta e naquele que as profere Apesar de hoje poderem ser utilizadas em contextos natildeo
apenas puacuteblicos norito retraccedilam as suas origens a shintō imperial e jinja shintō ambas
categorias que durante seacuteculos beneficiaram de uma posiccedilatildeo privilegiada junto do poder
poliacutetico japonecircs
Natildeo obstante as metas do shintō para a sociedade japonesa do passado satildeo as mesmas
do presente conduzir o indiviacuteduo praticante agrave Ordem atraveacutes dos rituais de purificaccedilatildeo uma
vez que jōka eacute uma temaacutetica transversal a todas as vertentes do shintō independentemente do
seu nome ou forma pacificaccedilatildeo retificaccedilatildeo oharai temizu norito misogi kessai natildeo deixam
de ser purificaccedilotildees Contudo soacute se pode falar de uma ldquopurificaccedilatildeordquo se houver razatildeo para tal
se existem rituais que reconduzem o indiviacuteduo agrave Ordem seguramente existem rituais de
natureza antagoacutenica Natildeo haacute Desordem (muchitsujo 無秩序 conotado pela autora com maga
[禍]) sem Ordem (chitsujo 秩序 se bem que algumas fontes favorecem o uso de nao [直]
para expressar esta Ordem uma vez que um dos seus significados eacute o de ldquorestaurarrdquo)
purificaccedilatildeo sem natildeo-purificaccedilatildeo e muito menos pureza sem impureza Estes trecircs pares de
conceitos satildeo interdependentes opostos e complementares Tendo isto como ponto de partida
eacute possiacutevel deduzir o seguinte shintō tem por princiacutepio um equiliacutebrio e um ciclo no qual se
encontra o indiviacuteduo a Via propotildee ao indiviacuteduo o que deve fazer e o que eacute correto fazer bem
como aquilo que natildeo deve fazer
Neste sentido o shintō reuacutene aspetos teoacutericos e praacuteticos como qualquer outra religiatildeo
apresentando a sua proacutepria ldquocosmovisatildeordquo ndash ldquovisatildeo do cosmosrdquo o cosmos eacute conotado com o
coletivo e como tal um dos seus elementos fundamentais eacute o indiviacuteduo que vive neste cosmos
esperando um dia efetivamente ligar-se a ele o que alude a noccedilatildeo de musubi aproximando o
ser humano do kami
Por conseguinte a jōka eacute um processo abrangente e inclusivo e natildeo restritivo ou
exclusivo no qual o ser humano se deve focar auxiliando-o a viver bem consigo e com os
outros A natildeo purificaccedilatildeo precede os atos de purificaccedilatildeo tal como a Desordem precede a
Ordem existindo desde os tempos incertos do Kami-yo relatados pelas mitologias japonesas
Aliaacutes esta DesordemOrdem eacute provocada pelas accedilotildees dos kami Tome-se por exemplo
Susanoo e Amaterasu com a excepccedilatildeo dos episoacutedios nos quais Susanoo repotildee a Ordem
atraveacutes da eliminaccedilatildeo de uma ameaccedila (Yata no Orochi) este kami estaacute sempre associado agrave
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Desordem como consequecircncia da sua rivalidade para com Amaterasu sua irmatilde mais velha
Tal conflito prolonga-se ateacute ao momento da restauraccedilatildeo da Ordem trazida por Ninigi neto de
Amaterasu e inimigo dos descendentes de Susanoo sobre os quais emerge vitorioso
Interessantemente esta reordenaccedilatildeo tem a dupla funccedilatildeo de legitimaccedilatildeo do estatuto de
Amaterasu enquanto governante de Takamagahara e entronizaccedilatildeo de um novo poder
centralizado no territoacuterio japonecircs na figura de um suposto descendente de Amaterasu A nova
ordem coacutesmica simboliza uma nova ordem poliacutetica
Em contrapartida o ciclo de Desordem e Ordem no qual o ser humano natildeo eacute apenas
um espetador mas tambeacutem um participante tem as suas origens nos atos conscientes de
Izanagi durante misogi o primeiro ritual de purificaccedilatildeo a ser mencionado em fontes japonesas
Aliaacutes ldquorituaisrdquo satildeo processos de transiccedilatildeo de um ldquoestado potencialrdquo para a condiccedilatildeo de
ldquoatordquo negativo ou positivo em shintō se rituais de natureza positiva satildeo visualmente
manifestaccedilotildees de apreccedilo e respeito pelos kami e aproximam-nos dos proacuteprios kami rituais de
natureza oposta provocam a distacircncia Por outras palavras rituais satildeo nada mais do que
meacutetodos para atingir um fim a Ordem ou o seu inverso sendo que a purificaccedilatildeo assume um
papel basilar orientando o indiviacuteduo ao longo deste processo Executar rituais de purificaccedilatildeo
significa reconhecer os erros cometidos e efetivamente agir a favor de um coletivo
Afastando-se do que lhe eacute prejudicial e para este coletivo o indiviacuteduo segue a Via dos kami
que o auxilia a viver a vida de forma boa de estar bem consigo e com os outros
Contudo por muito atrativo que pareccedila esta ideia de Ordem eacute inevitaacutevel a seguinte
sucessatildeo de perguntas seraacute que o shintō se resume apenas a isto Um ser humano
ciclicamente sujeito a uma Desordem e Ordem que ele proacuteprio causa ou se deixa afetar por
forccedilas ldquoexterioresrdquo (kami) consequentemente atingindo natildeo apenas a sua pessoa mas tambeacutem
o que o rodeia Natildeo haveraacute uma soluccedilatildeo definitiva Uma ldquoharmoniardquo que seja permanente e
natildeo perioacutedica
Ora esta linha de raciociacutenio natildeo eacute de todo iloacutegica se o shintō existe para benefiacutecio de
quem cumpre com os rituais de purificaccedilatildeo a ldquoharmoniardquo eacute nada mais do que um meio para
atingir o derradeiro fim a felicidade Assim a verdadeira ldquoHarmoniardquo significa ir para laacute da
Desordem e Ordem da reordenaccedilatildeo constante Harmonia eacute equiliacutebrio e uma condiccedilatildeo de
plenitude perpetuada o que soacute acontece quando o ser humano estaacute ligado ao todo um todo
representado parcialmente pela sociedade e pelo indiviacuteduo que estaacute em sociedade
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No contexto do shintō o indiviacuteduo poderaacute ser definido enquanto parte do todo e de
certo modo o proacuteprio todo se a parte estaacute ligada em rede ao todo de uma forma
exclusivamente positiva eacute graccedilas agrave Harmonia De entre os autores contemporacircneos
consultados Stuart Picken destaca-se como o mais assertivo na partilha desta opiniatildeo o
entendimento que este uacuteltimo atribui agrave praacutetica misogi harai (shinjin gōitsu e shinjin kiitsu) jaacute
transparece a noccedilatildeo de Harmonia uma ldquoHarmoniardquo definitiva agrave semelhanccedila do que eacute
proposto pelo texto do Nakatomi Harae Kunge De todos os rituais de purificaccedilatildeo
mencionados este eacute o uacutenico que oferece ao indiviacuteduo algo mais do que uma Ordem
temporaacuteria conseguindo de facto inviabilizar a proacutepria Desordem
Em suma eacute possiacutevel percecionar shinjin gōitsu e shinjin kiitsu como consequecircncia de
um tipo de purificaccedilatildeo que natildeo vem do exterior Ao inveacutes de uma purificaccedilatildeo externa focada
no regresso temporaacuterio agrave Ordem urge-se uma purificaccedilatildeo que tem de vir do ldquointeriorrdquo do
kokoro Quando este atributo humano estiver em Harmonia a purificaccedilatildeo torna-se permanente
para o ser humano um ser humano em equiliacutebrio e liberto do ciclo de Desordem e Ordem que
rege a sua conduta diaacuteria
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Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo I
ANEXOS
Anexo I
Desordem e Ordem de acordo com o terceiro capiacutetulo do Engishiki shokue (orientaccedilatildeo
direita-esquerda da segunda agrave quinta linha) e imi [齋] incluindo sansai e chisai durante os
atos de luto (uacuteltimas quatro linhas da paacutegina) ou no periacuteodo de gravidez das jovens do palaacutecio
(primeiras duas linhas paacutegina seguinte)
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Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo II
Anexo II
Um shinkan executa oharai durante o ldquorito de shūbatsurdquo (shūbatsu no gi修祓の儀) segundo
passo do jichinsai Este matsuri decorreu em 2016 1ordm de novembro (terccedila-feira) prefeitura de
Aomori (Aomori-ken 森県 ) cidade de Hachinoe (Hachinoe-shi 八戸市 ) por parte do
Kabushima jinja (蕪嶋神社) O seu objetivo eacute ldquoapaziguarrdquo os kami do terreno onde se
construiraacute um novo shaden (社殿) isto eacute o edifiacutecio onde se guarda o shintai
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Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo III
Anexo III
Uma jovem executa temizu segurando o utensiacutelio de madeira na matildeo direita que utilizou para
lavar a matildeo esquerda e agora a sua boca O texto abaixo agrave esquerda lecirc-se ldquolimpar o kokoro e
o corpordquo (心身を清める) e temizu (手水) respetivamente agrave direita a frase ldquohidarite de mizo
wo uke kuchi wo susugimasurdquo (左手で水を受け口をすすぎます) significa literalmente
ldquorecebe-se a aacutegua e lava-se a boca com a matildeo esquerdardquo
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Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo IV
Anexo IV
Excerto da norito de Minadzuki no tsugumori Ōharae (六月晦日大祓) oitavo volume do
Engishiki Aqui os atos de ldquopurificaccedilatildeordquo (segunda linha a contar da esquerda) provocaram a
eliminaccedilatildeo dos tsumi cometidos pelo coletivo de funcionaacuterios (quarta linha)
Dissertaccedilatildeo defendida em provas puacuteblicas para obtenccedilatildeo do
Grau de Mestre em Ciecircncia das Religiotildees no Curso de
Mestrado em Ciecircncia das Religiotildees conferido pela
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias no dia
4 de Junho de 2018 com o despacho reitoral nordm 1082018 de
27 de Marccedilo de 2018 mediante a seguinte composiccedilatildeo de
juacuteri
Presidente
Profordm Doutor Joatildeo Almeida dos Santos
Arguente
Profordm Doutor Antoacutenio Eduardo Hawthorne Barrento
(Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa)
Orientador
Profordm Doutor Manuel Brissos-Lino
MARIANA BERNARDO NUNES
SHINTŌ RITUAIS E PURIFICACcedilAtildeO
O INDIVIacuteDUO NO CICLO DE DESORDEM E ORDEM
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias
Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo
Departamento de Ciecircncia Poliacutetica Seguranccedila e Relaccedilotildees Internacionais
Lisboa
2018
DEDICATOacuteRIA
A toda a minha famiacutelia para que conheccedilam um pouco da cultura japonesa
Aos professores da minha Licenciatura em Estudos Asiaacuteticos os responsaacuteveis pelo primeiro
contacto com a realidade asiaacutetica
Aos professores de Mestrado em Ciecircncia das Religiotildees a quem lhes devo o aprofundamento
do estudo de lsquocosmovisotildeesrsquo
AGRADECIMENTOS
Aos meus pais pelo seu apoio no decorrer deste projeto
Ao Professor Antoacutenio Faria pelo tempo simpatia e disponibilidade prestados
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 1
RESUMO
O presente trabalho procura analisar os rituais que no contexto de shintō
inviabilizam e favorecem a restauraccedilatildeo da Ordem Os rituais por norma portadores de uma
conotaccedilatildeo ldquopositivardquo podem alternativamente ser entendidos como uma sucessatildeo de
pensamentos palavras e accedilotildees justificando a classificaccedilatildeo em positivonegativo consoante os
resultados obtidos
No Japatildeo a gradual institucionalizaccedilatildeo da Via dos kami (shintō) por parte da corte
imperial favoreceu a evoluccedilatildeo de praacuteticas ldquorituaisrdquo executadas por indiviacuteduos que celebravam
a sua relaccedilatildeo com os kami formas de existecircncia e consciecircncia associadas agrave Ordem (na sua
grande maioria) e veneradas ateacute aos dias de hoje
Criado para o bem de quem o segue o shintō reconhece a purificaccedilatildeo como a
preocupaccedilatildeo transversal de todas as suas vertentes Com efeito a purificaccedilatildeo eacute um complexo
processo cujos efeitos natildeo satildeo apenas positivos para o indiviacuteduo mas tambeacutem para o coletivo
isto eacute a sociedade com a qual interage diariamente conduzindo-o agrave Ordem
Contudo natildeo haacute Ordem sem o seu oposto a Ordem e a Desordem satildeo as duas partes
de um ciclo no qual o indiviacuteduo se encontra assumindo um papel fundamental dado que tem
a capacidade de executar rituais se a Ordem eacute a meta dos rituais positivos a Desordem eacute a
consequecircncia dos rituais negativos
Palavras-chave Japatildeo shintō (神道) rituais purificaccedilatildeo (jōka浄化) indiviacuteduo
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
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ABSTRACT
The following work aims for an analysis of the rituals that in the context of shintō
may invalidate and encourage the restauration of the Order The rituals typically defined by
bearing a ldquopositiverdquo connotation may alternatively be understood as a succession of thought
words and actions which justifies the lsquopositivenegativersquo classification according to the
obtained results
In Japan the gradual institutionalization of the Way of the kami by the imperial court
promoted the evolution of several ldquoritualrdquo practices executed by individuals that celebrated
their relationship with the kami forms of existence and conscience associated to the Order
(the most part of them) and worshiped to the present time
A Way created for the wellbeing of the one who follows it the shintō acknowledges
the purification as the transversal concern of all of its aspects Therefore the purification is a
complex process whose results are not just positive for the individual but also for the
collective meaning the society with whom he interacts on a daily basis which leads him to
the Order Nevertheless there is no Order without its opposite the Order and the Disorder
are the two parts of a cycle in which the individual is found assuming a vital role due to the
fact he has the capacity of executing rituals if the Order is the goal of positive rituals the
Disorder is the consequence of negative rituals
Keywords Japan shintō (神道) rituals purification (jōka浄化) individual
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
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IacuteNDICE GERAL
GLOSSAacuteRIO 5
INTRODUCcedilAtildeO 9
1 DO PASSADO AO PRESENTE SHINTŌ UMA ldquoRELIGIAtildeOrdquo JAPONESA 16
11 Shintō e kami perceccedilotildees japonesas do lsquosagradorsquo e do lsquodivinorsquo 19
111 O papel de kami na cosmologia japonesa do processo de divisatildeo da
realidade agrave criaccedilatildeo da mesma 24
112 Depois da criaccedilatildeo kami como agentes da Ordem e da Desordemhellip 26
12 Shintō como processo interaccedilotildees com outras ideias vindas de fora 32
121 Via de Confuacutecio dinamizando a eacutetica japonesa 32
122 Via do Dao cultivando a relaccedilatildeo entre o governo japonecircs e o culto aos
kami 35
123 Via do Buda concoacuterdia e discoacuterdia entre praacuteticas shinbutsu 39
13 Shintō no periacuteodo moderno antes e depois de 1945 43
131 A visatildeo nacionalista Meiji uma lsquonatildeo-religiatildeorsquo ao serviccedilo do Estado
japonecircs 44
132 Divulgaccedilatildeo de um legado cultural e histoacuterico shintō a mais popular
religiatildeo japonesa 46
2 SOCIEDADE ESPIRITUALIDADE E EacuteTICA A VIA DOS KAMI E O REGRESSO
Agrave Ordem 48
21 A relaccedilatildeo entre kami e humanos uma resposta a preocupaccedilotildees coletivas e
individuais 48
22 Aleacutem do plano fiacutesico musubi rei e tamashii 50
23 Mal como causa e efeito da Desordem tsumi kegare e imi 53
24 O bem como agente da Ordem rituais de purificaccedilatildeo interna e
externa 79
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 4
CONCLUSAtildeO 97
BIBLIOGRAFIA 101
ANEXOS I
Anexo I I
Anexo II II
Anexo III III
Anexo IV IV
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Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 5
GLOSSAacuteRIO
Amatsu-no-kami literalmente lsquokami celestesrsquo satildeo um grupo de kami liderados por
Amaterasu Ōmikami e que habitam em Takamagahara (高天原) Nesta divisatildeo encontram-se
ainda os hermafroditas koto-amatsukami (別天つ神)
Fujō termo geneacuterico para designar o que eacute lsquoimpurorsquo aos olhos da sociedade japonesa Por
vezes sinoacutenimo de fuketsu se bem que esta palavra seja usada no contexto de algo
higienicamente reprovaacutevel Num sentido mais amplo fujō representa um estado de Desordem
associando-se com o termo kegare
HaraiHarae atos de lsquopurificaccedilatildeorsquo no sentido de eliminaccedilatildeo da desordem provocada pela
accedilatildeo humana ou natural Haraiharae eacute uma das praacuteticas mais recorrentes das vaacuterias vertentes
de shintō e pode ser praticada de forma individual ou coletiva
Imi palavra de conotaccedilatildeo prejudicial que convida agrave Desordem Comportamento ou algo cuja
natureza eacute negativa e reprovaacutevel de dizerfazer servindo de base etimoloacutegica ao ceacutelebre termo
imikotoba palavras natildeo pronunciaacuteveis em certas ocasiotildees (festivas)
Imuimi lido alternativamente como sai eacute uma conduta positiva e favoraacutevel ao cumprimento
de rituais shintō Frequentemente interpretado como atos de lsquoabstenccedilatildeorsquo fiacutesica e mental
imuimi seriam descritos e categorizados nas obras Yōrō-ryō e Engishiki
Jingikan um instrumento do poder poliacutetico imperial e o oacutergatildeo de manutenccedilatildeo e vigilacircncia
dos vaacuterios jinja desde os primeiros seacuteculos do periacuteodo dinaacutestico japonecircs A niacutevel legal o culto
jingi sujeitava-se agraves regulaccedilotildees do coacutedigo Jingiryō Nos dias de hoje as funccedilotildees do Jingikan
foram essencialmente substituiacutedas pela Jinja Honchō
Jinja espaccedilos fiacutesicos de veneraccedilatildeo aos kami Literalmente os ldquosantuaacuterios de kamirdquo
Kami com frequecircncia traduzido em obras por lsquodeusesrsquo lsquoentidadesrsquo lsquodivindadesrsquo e lsquoespiacuteritosrsquo
podem ser entendidos como formas de existecircncia anteriores e superiores os humanos Apesar
de a maioria atuar como representantes da Ordem os magatsubi-no-kami defendem o seu
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 6
oposto reforccedilando a ideia de princiacutepios contraacuterios mas complementares muito visiacutevel em
shintō
Kata-shiro um pedaccedilo de papel cuja forma lembra uma figura humana o qual se escreveria o
nome e o geacutenero do seu portador esfregando-se este objeto no corpo transmitindo
simbolicamente os tsumi do corpo para o papel Praacutetica costumaacuteria em Ōharae
Kegare traduzido por lsquoimpurezarsquo e por vezes sinoacutenimo da palavra fujō kegare eacute parte da
terminologia de shintō e um dos termos conotados com a Desordem Eventualmente avanccedilos
na consciencializaccedilatildeo do lsquopuroimpurorsquo permitiram um processo de categorizaccedilatildeo cada uma
associada a uma lsquoimpurezarsquo particular
Kokoro lsquocoraccedilatildeorsquo no sentido natildeo anatoacutemico eacute o elemento interior de qualquer pessoa e
associado ao estado emocional da mesma Em contexto acadeacutemico eacute costume o termo ser
traduzido como lsquomentersquo ou lsquocoraccedilatildeomentersquo
Kunitsu-no-kami os lsquokami terrenosrsquo e hierarquicamente inferiores aos amatsu-no-kami No
fundo satildeo kami que jaacute habitariam o Japatildeo antes da conquista de Ninigi o miacutetico neto de
Amaterasu Na sequecircncia da derrota dos kunitsu-no-kami inaugura-se uma nova Ordem
coacutesmica e poliacutetica
Makoto traduzido por lsquosinceridadersquo e lsquoverdadersquo eacute uma atitude positiva inerente aos humanos
e fundamental aquando das praacuteticas de veneraccedilatildeo aos kami Um dos termos profundamente
ligados agrave natureza mais eacutetica de shintō
Matsuri a variaccedilatildeo do verbo matsuru (祭る祀る) na qual o praticante consagra oferendas a
formas de existecircncia respeitaacuteveis (antepassados kami e budas) Por norma expressotildees
puacuteblicas associadas ao culto jingi que durante o tempo de vigor do Jingikan eram
organizadas consoante as regulaccedilotildees do Jingiryō incorporado na obra Engishiki
Misogi harai o ato de banhar o corpo numa fonte de aacutegua ativando as propriedades
terapecircuticas e purificadoras deste elemento No Kojiki e Nihon shoki Izanagi-no-kami eacute
descrito como o primeiro kami a fazer uso deste ritual apoacutes regressar do Yomi o domiacutenio
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
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subterracircneo da mitologia japonesa Misogi eacute tambeacutem o expoente de purificaccedilatildeo a niacutevel
externo e interno
Meijō uma das palavras para lsquopurezarsquo Etimologicamente constituiacuteda por mei (明) a leitura
foneacutetica alternativa do japonecircs aki akari akarui termos que expressam as ideias de
lsquoclaroclarezarsquo e jō (浄) lsquopuropurarsquo
Musubi contendo em si a noccedilatildeo de lsquoligaccedilatildeorsquo e lsquouniatildeorsquo e de certo modo o Todo Diz-se que
musubi estaacute presente em qualquer elemento que nos rodeia
Norito frases escritas numa linguagem arcaica e hoje usadas em todo o tipo de locais de
veneraccedilatildeo Sobretudo de caraacutecter puacuteblico norito satildeo etimologicamente constituiacutedas pela
partiacutecula nori (祝) cujo kanji eacute usado no verbo lsquocelebrarrsquo (iwau) e kotoba (詞) lsquopalavrarsquo
Fundamentais para a reposiccedilatildeo temporaacuteria da Ordem
Onmyōdō a Via da escola de funcionaacuterios provenientes do Escritoacuterio Yin-Yang cujas
atividades foram reguladas pelos Abe e Kamo hereditaacuterios liacutederes dos cargos mais relevantes
desta instituiccedilatildeo
Saigū tiacutetulo conferido agrave mais importante sacerdotisa escolhida de entre os membros da
famiacutelia imperial para servir nos jinja de Ise e Kamo Jovem cujo periacuteodo de preparaccedilatildeo
envolvia uma lsquoabstinecircnciarsquo rigorosa de trecircs anos
Shinsen conjunto de alimentos (arroz sal aacutegua sake bolos de arroz peixe algas vegetais
cereais e fruta) oferecidos em altares aos kami
Shintai mitamashiro objetos palpaacuteveis (espelhos por exemplo) identificados com o proacuteprio
kami e como tal devem ser venerados de forma adequada Permanentemente escondidos
dentro do jinja e vigiados pelos responsaacuteveis ateacute ao momento dos matsuri ou outras
celebraccedilotildees
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
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Shintō a Via dos kami (kami no michi) e uma das religiotildees (shūkyō) reconhecidas no plano
estatiacutestico japonecircs que por sua vez a agrupa em jinja shintō ou shintō de santuaacuterios kyōha
shintō o ceacutelebre shintō setorial e as ldquonovas religiotildeesrdquo (shin shūkyō) baseadas em shintō
Tamashii o elemento inerente ao ser humano e aos kami que supostamente eacute constituiacutedo por
quatro aspetos (shikon) cada um representando uma faceta da personalidade individual Se
pertence aos kami tamashii designa-se mitama Em alguns jinja apenas parte da mitama eacute
venerada pelos praticantes
Temizu a forma abreviada de misogi na qual o indiviacuteduo lava a boca e das matildeos Temizu eacute
obrigatoacuterio antes da veneraccedilatildeo nos jinja
Tsumi palavra que significa lsquocrimersquo Eacute algo contraacuterio agrave ordem social independentemente de
esta ser entre os kami ou entre os humanos Eliminados de forma simboacutelica pelas praacuteticas
haraeharai tsumi satildeo por vezes divididos em amatsu-no-tsumi (lsquocrimes celestesrsquo) e kunitsu-
no-tsumi (lsquocrimes terrenosrsquo)
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INTRODUCcedilAtildeO
O trabalho tem como objectivo uma anaacutelise dos rituais que inviabilizam e permitem a
purificaccedilatildeo em shintō O objeto de estudo comporta natildeo apenas uma abordagem histoacuterica-
antropoloacutegica do shintō adotada por muitos autores contemporacircneos mas tambeacutem um olhar
sobre a sua praacutetica ritual que eacute considerada por muitos como o alicerce da lsquoViarsquo (em japonecircs
dō) per si entendendo-se lsquoritualrsquo como a sucessatildeo de pensamentos palavras e accedilotildees Assim eacute
possiacutevel interpretar o homem como aquele que estaacute no ciclo de Desordem e Ordem capaz de
provocar ou deixar-se influenciar pela Desordem e nesse caso o ritual eacute prejudicial negativo
Em contrapartida se se recorrer agrave purificaccedilatildeo os seus efeitos satildeo positivos e a Ordem eacute
temporariamente restaurada Tal como se constata em tradiccedilotildees ditas orientais shintō defende
a noccedilatildeo de equiliacutebrio uma vez que nada surge sem o seu contraacuterio
A escolha da temaacutetica partiu de um interesse pessoal da autora na cultura japonesa
adquirido ao longo da sua vida acadeacutemica sobretudo durante o periacuteodo de licenciatura em
Estudos Asiaacuteticos que possibilitou uma pequena amostra do que tinha sido produzido ateacute
entatildeo por autores japoneses e natildeo japoneses acerca de shintō o que se pretendia natildeo era um
estudo pormenorizado de filosofias da Aacutesia mas sim transmitir em linhas gerais o que satildeo os
lsquoismosrsquo do continente vizinho uns cuja aacuterea de impacto se reduz a uma aacuterea geograacutefica
especiacutefica e outros que beneficiaram de uma expansatildeo significativa No mestrado em Ciecircncia
das Religiotildees apesar de a vertente filosoacutefica das vaacuterias tradiccedilotildees desenvolvidas na Aacutesia ter
sido incorporada shintō natildeo teve o mesmo protagonismo que a Via do Buda a Via de
Confuacutecio ou ainda o pensamento veacutedico Em Portugal a quase indisponibilidade e ausecircncia
de materiais (atualizados) sobre shintō eacute comparaacutevel ao escasso nuacutemero de trabalhos
acadeacutemicos realizados urgindo-se a necessidade de se executar investigaccedilotildees que
contemplem shintō natildeo como uma lsquoreligiatildeorsquo no sentido de ser teiacutesta panteiacutesta monoteiacutesta
politeiacutesta mas como algo aleacutem disso Neste sentido o investigador do shintō deve ignorar os
lsquopreacute-conceitosrsquo estabelecidos por outras perspetivas ocidentais que acabaram por moldar o
mundo acadeacutemico tal como o conhecemos natildeo considerando esta religiatildeo somente de um
ponto de vista estatiacutestico
Nesta perspetiva o trabalho pode ser considerado primeiramente como um texto que
procura divulgar shintō em Portugal Um dos motivos que levou a autora a realizar este
trabalho foi como jaacute referido tentar despertar o interesse das pessoas em shintō permitindo a
abertura de portas a futuras investigaccedilotildees e simultaneamente contrariando a tendecircncia de foco
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do Mestrado de Ciecircncia das Religiotildees nas religiotildees ocidentais Tal tendecircncia pode ser
verificada se o leitor pesquisar a paacutegina virtual do repositoacuterio da Universidade Lusoacutefona de
Humanidades e Tecnologias ndash o ReCiL - Repositoacuterio Cientiacutefico Lusoacutefona de entre as doze
dissertaccedilotildees disponiacuteveis e realizadas por alunos do ldquoMestrado em Ciecircncia das Religiotildeesrdquo
onze satildeo sobre cristianismo ndash em Portugal e no Brasil ndash e uma eacute dedicada a um dos estilos da
arte marcial karatedō (Shotokan Karatedō 松涛館 空手道) 1
tambeacutem este uma Via ndash Via da
ldquomatildeo vaziardquo ou karate - agrave semelhanccedila de shintō Jaacute a Revista Lusoacutefona de Ciecircncia das
Religiotildees publicou cinco artigos dedicados ao Japatildeo do passado especificamente o periacuteodo de
presenccedila cristatilde em territoacuterio japonecircs (e Macau) 2
Apesar de carecer de um fundador ndash apenas vaacutelido no caso de kyōha shintō ldquonovas
religiotildeesrdquo shintō e de certo modo escolas de gakuha shintō criadas como consequecircncia dos
movimentos acadeacutemicos e de exposiccedilatildeo de conceitos e rituais (que conduzem agrave Ordem) ndash um
sistema proacuteprio de ldquofeacuterdquo e ldquoensinamentosrdquo caracteriacutesticas tiacutepicas de uma lsquoreligiatildeorsquo (no sentido
lsquoocidentalrsquo) o shintō eacute praticado pelo indiviacuteduo e como tal este uacuteltimo faz parte do todo isto
eacute do mundo que o rodeia vivendo consoante as decisotildees que toma quer sejam de natureza
positiva ou negativa
Neste sentido a finalidade desta dissertaccedilatildeo natildeo eacute somente divulgar shintō o trabalho
realizado eacute um texto argumentativo que pretende responder a trecircs questotildees o que eacute o ciclo de
Desordem e Ordem o que eacute que o praticante de shintō fazia e ainda faz para causar Desordem
ou Ordem quais satildeo os motivos por detraacutes das accedilotildees que conduzem agrave Ordem
Para tentar responder agraves perguntas acima nomeadas dividiu-se o trabalho em duas
partes cada um com um nuacutemero variado de subtoacutepicos a primeira parte eacute acima de tudo
contextualizaccedilatildeo do tema explicando-se o que se entende por shintō ldquoreligiatildeordquo kami e qual a
relaccedilatildeo destes uacuteltimos com o domiacutenio sagradodivino japonecircs
Assim a realizaccedilatildeo do primeiro subtoacutepico envolveu a procura de algumas opiniotildees
formadas por autores e investigadores constatando-se a necessidade de uma anaacutelise
etimoloacutegica de termos como shintō religiatildeo (em japonecircs shūkyō) kami e ldquosagradodivinordquo
(dicotomia seishin) Em segundo lugar efetuou-se uma siacutentese do que outros autores
(japoneses ou natildeo) entendem por kami por vezes sujeitos a processos de classificaccedilatildeo ou
1 The DSpace Foundation ldquoPercorrer lsquoMestrado em Ciecircncia das Religiotildeesrsquo por data de publicaccedilatildeordquo ReCiL -
Repositoacuterio Cientiacutefico Lusoacutefona (on line)
lthttprecilgrupolusofonaptjspuihandle104375704browsetype=dateissuedgt (consultado em 24-06-2018) 2 The DSpace Foundation ldquoResultados da pesquisa- Revista Lusoacutefona de Ciecircncia das Religiotildeesrdquo ReCiL -
Repositoacuterio Cientiacutefico Lusoacutefona (on line) lthttprecilgrupolusofonaptjspuihandle104373095simple-
searchquery=japC3A3ogt (consultado em 24-06-2018)
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categorizaccedilatildeo Seguidamente kami satildeo analisados enquanto personagens fundamentais da
cosmologia japonesa conforme os relatos do Kojiki e Nihon shoki participando no processo
de divisatildeo da realidade - sendo que esta divisatildeo pode ser tripartida (sobretudo mundo
superior mundo do meio e mundo inferior) ou bipartida (o lsquonosso mundo fiacutesicorsquoo lsquooutro
mundorsquo) ndash e ainda na criaccedilatildeo desta uacuteltima - considerando-se lsquocriaccedilatildeorsquo como o ato consciente
dos kami (neste caso o casal Izanagi e Izanami) de gerar as coisas que compotildeem o nosso
mundo e tambeacutem kami associados a essas mesmas coisas Apoacutes esta criaccedilatildeo certos kami
tornam-se agentes da Ordem (Amaterasu) e da Desordem (Susano-o e Ōkuninushi)
expressando a noccedilatildeo de equiliacutebrio muito presente nos rituais de shintō que explicam a Ordem
como a consequecircncia da condiccedilatildeo de Desordem (o episoacutedio da Ama no Iwato por exemplo)
No uacuteltimo subtoacutepico explicou-se a evoluccedilatildeo de shintō ao longo dos seacuteculos de
interaccedilatildeo com as Vias de Confuacutecio do Dao e do Buda observando a sua integraccedilatildeo na esfera
poliacutetica japonesa desde os primeiros tempos de institucionalizaccedilatildeo das praacuteticas de veneraccedilatildeo
aos kami ateacute agrave atualidade Natildeo obstante deve-se alertar para o facto de que este subtoacutepico natildeo
apresenta shintō numa perspetiva cronoloacutegica a Via do Confuacutecio - a primeira a ser estudada
neste trabalho - influenciou a sociedade claacutessica japonesa mas a adaptaccedilatildeo dos seus
ensinamentos por parte de shintō soacute se veio a realizar num periacuteodo posterior Por outras
palavras se se pretendesse uma evoluccedilatildeo cronoloacutegica de shintō o esquema a seguir seria ldquoVia
de Dao-Via do Buda-Via de Confuacuteciordquo
No que concerne agrave segunda parte esta corresponde ao desenvolvimento do tema e
como tal investiga-se algumas teorias e praacuteticas - uma vez que a teoria daacute coesatildeo agrave praacutetica e a
praacutetica eacute uma forma de dinamizaccedilatildeo da teoria ndash do shintō retratado como uma Via
profundamente social ndash liga os humanos aos kami e vice-versa surgindo kami que atendem agraves
necessidades concretas individuaiscoletivas de quem os procura (Inari Ebisu Shichi Fukujin
e Tenjin) ndashrsquoespiritualrsquo ndash na aceccedilatildeo de se estar perante algo natildeo do domiacutenio palpaacutevel ou fiacutesico
que tambeacutem serve de elo de ligaccedilatildeo humanokami evidenciado pelo desenvolvimento de toda
uma tradiccedilatildeo de lsquoespiritualidade japonesarsquo melhor expressa por musubi rei e tamashii ndash e
lsquoeacuteticarsquo ndash no sentido de existir um bemmal ou seja algo ordenado e algo desordenado que
pode ser sempre reposto evidenciando a natureza ciacuteclica da relaccedilatildeo DesordemOrdem
Aleacutem de se analisar etimologicamente toda uma seacuterie de palavras associadas agrave
lsquoespiritualidadersquo agrave Desordem (tsumi kegare e imi) e agrave Ordem como eacute entendida pelo shintō
(os vaacuterios vocaacutebulos indicativos de lsquopurificaccedilatildeorsquo e algumas norito relevantes) e por algumas
escolas de pensamento desta Via abordam-se duas qualidades internas do ser humano
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denominadas kokoro e makoto integrais ao campo da eacutetica japonesa bem como a shintō Os
rituais conducentes agrave Ordem revolvem em torno da purificaccedilatildeo processo de natureza externa
e interna embora a segunda seja de natureza mais subtil e portanto mais difiacutecil de atingir No
entanto o objetivo eacute sempre o mesmo contrariar o desequiliacutebrio trazido por tsumi kegare e
imi devolvendo o indiviacuteduo (e o que o rodeia) ao seu estado ordenado confirmando a ideia
de que o shintō eacute importante natildeo apenas para o indiviacuteduo
Enquanto temaacutetica de estudo os rituais de purificaccedilatildeo e de natildeo purificaccedilatildeo em shintō
satildeo uma novidade em contexto nacional mas natildeo propriamente no mundo acadeacutemico
internacional milhares de autores redigiram livros sobre shintō ou pequenos artigos sobre
ldquopurificaccedilatildeordquo ldquorituaisrdquo e ldquoimpurezardquo se bem que tsumi kegare e imi (negativo) nunca satildeo
apelidados de ldquorituaisrdquo per si No entanto este trabalho utiliza a palavra ldquorituaisrdquo num sentido
abrangente ao inveacutes de investigadores que se cingem agrave definiccedilatildeo sugerida pelo dicionaacuterio
quando o indiviacuteduo realiza algo constantemente e da mesma maneira faz um ldquoritualrdquo Em
contexto religioso ldquorituaisrdquo tendem a ser vistos como exclusivamente positivos nunca
negativos
Poreacutem ao redefinir-se ldquoritualrdquo como um padratildeo de pensamentos palavras e accedilotildees natildeo
se inviabiliza a hipoacutetese de existirem ldquorituaisrdquo que provocam o oposto do que se pretende
Interessantemente alguns autores contemporacircneos de shintō cingem-se ao ldquoritualrdquo como o
que permite o regresso agrave Ordem na introduccedilatildeo de Sourcebook in Shinto Selected Documents
Resources in Asian Philosophy and Religion (2004) Stuart Picken diz que a ldquotransmissatildeo de
Shinto (hellip) eacute mais sobre agenda do que credenda coisas a serem feitas do que coisas a serem
acreditadasrdquo colocando ldquoritualrdquo em primeiro plano 3 Aqui estaacute claramente expresso a ideia
de ldquorituais-Ordemrdquo uma vez que ldquocoisas a serem feitasrdquo satildeo logicamente coisas cujos
resultados beneficiam o indiviacuteduo Por outro lado John Breen e Mark Teeuween nomeiam
trecircs categorias de ldquorituaisrdquo cuja praacutetica eacute da responsabilidade de jinja 4 Ora uma vez que
jinja satildeo os mais relevantes espaccedilos de veneraccedilatildeo aos kami subentende-se a Ordem como a
consequecircncia destes ldquorituaisrdquo
Todavia o shintō tem por princiacutepio a noccedilatildeo de equiliacutebrio conhecer shintō significa
conhecer a Ordem e a Desordem se rituais de satildeo o meio por excelecircncia para atingir a Ordem
a natildeo purificaccedilatildeo conduziraacute agrave Desordem Em suma tsumi kegare e imi satildeo rituais porque satildeo
3 PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto Selected Documents Resources in Asian Philosophy and Religion
Westport Greenwood Publishing Group 2004 pxxi 4 BREEN John TEEUWEN Mark A New History of Shinto Chicester Wiley-Blackwell 2010 p3
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realizados (de forma directa e indireta) pelo indiviacuteduo embora possuam diferentes origens e
caracteriacutesticas
No que concerne agrave metodologia e fontes utilizadas um dos criteacuterios a ter em conta foi
a contemporaneidade o shintō continua a ser um tema muito popular entre autores e como tal
um estudo mais proacuteximo desta Via requer o recurso a livros publicados recentemente e natildeo haacute
meio seacuteculo atraacutes tais como Essentials of Shinto An Analytical Guide to Principal Teachings
(1994) cujo autor Stuart Picken apresenta as vaacuterias categorias de shintō de uma forma sucinta
apresentando uma cronologia de eventos relevantes explicando de que maneira a conjuntura
histoacuterico-poliacutetica japonesa influenciou shintō A sua obra pode servir como um ponto de
partida para interessados ou estudiosos uma vez que aborda shintō do passado e shintō
moderno (incluindo os rituais de purificaccedilatildeo usados em ambos) Um outro ponto muito
positivo eacute a ausecircncia de ldquotermos ocidentaisrdquo como ldquoShintoiacutestardquo e ldquodeusrdquo 5 uma metodologia
igualmente favorecida pela autora
Eacute tambeacutem interessante notar que ao longo deste livro satildeo constantemente citadas e
explicadas fontes japonesas (antigas sobretudo) justificando a sua utilizaccedilatildeo (em simultacircneo
com a leitura na linguagem original) na fundamentaccedilatildeo dos subtoacutepicos da dissertaccedilatildeo Por
exemplo Kojiki Nihon shoki Engishiki e Norito 6 As primeiras duas satildeo fundamentais no
que diz respeito agrave mitologia e cosmologia japonesas ndash o termo lsquocosmologiarsquo eacute mais
apropriado do que lsquoteologiarsquo uma vez que shintō natildeo reconhece deuses ndash observando-se a
inclusatildeo da temaacutetica Desordem e Ordem primeiro como resultados das accedilotildees de alguns kami
e depois como consequecircncias dos rituais (tsumi kegare) dos proacuteprios indiviacuteduos como se
pode constatar nas croacutenicas imperiais do Nihon shoki
Jaacute o Engishiki eacute um texto de caraacutecter lsquolituacutergicorsquo tal como o Saigūki e o Kōtai Jingū
Gishiki-chō Ao longo da investigaccedilatildeo utilizou-se Engi-shiki Procedures of the Engi era
Books I-V Translated with introduction and notes by Felicia Gressitt Bock 1970 e a obra
Norito (1990) de Donald Philippi que reuacutene dezenas de norito entoadas nos diversos matsuri
celebrados ao longo do ano uns de caraacutecter mais lsquoimperialrsquo do que outros ambas obras
refletem o impacto do estudo da praacutetica ldquoritualrdquo (que conduz agrave Ordem) no shintō Contudo as
traduccedilotildees foram sempre lidas em paralelo com o texto original facultado pela paacutegina virtual
da Waseda University Library e ainda Mikoorg (apenas os oito volumes do Jingiryō satildeo
integrais ao objeto de estudo)
5 PICKEN Stuart Essentials of Shinto An Analytical Guide to Principal Teachings Westport Greenwood
Publishing Group 1994 pp xvii-xviii 6 PICKEN Stuart op cit p381
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Por outro lado o Saigūki e o Kōtai Jingū Gishiki-chō satildeo obras arcaicas que registam e
explicam determinados rituais prejudiciais ao indiviacuteduo isto eacute kegare e imi (imikotoba no
caso do Kōtai Jingū Gishiki-chō) Ora a informaccedilatildeo disponibilizada deve ser complementada
pelo estudo de outras fontes japonesas explica-se assim o porquecirc do recurso a textos
ldquooficiaisrdquo ndash Nihon shoki Nihon sandai Jitsuroku Nihon Kōki e ShokuZoku Nihongi) e de
caraacutecter mais legislativo Yōrō-ritsuryō e Jingiryō ambos frequentemente referenciados em
artigos contemporacircneos de autores japoneses numa tentativa de explicar alguma da
terminologia de shintō (vocaacutebulos conotados com Desordem e Ordem)
A segunda fonte primaacuteria eacute Sourcebook in Shinto Selected Documents Resources in
Asian Philosophy and Religion (2004) novamente Picken cita passagens traduzidas do Kojiki
e o Nihon shoki que explicam a criaccedilatildeo e divisatildeo da realidade Este meacutetodo de citaccedilatildeo de
passagens de textos relevantes aplica-se a toda a obra auxiliando o interessado no estudo de
shintō segundo a perspetiva das escolas de pensamento (Yoshida e Ise em particular) e a
escola kokugaku ambas vaacutelidas no que concerne ao aprofundamento do que se entende por
caraacutecter ldquoeacuteticordquo em shintō ldquopurezardquo kokoro e makoto satildeo frequentemente objeto de estudo
graccedilas agrave anaacutelise de outros textos antigos e de cariz oficialimperial
No que diz respeito ao livro produzido por John Breen e Mark Teuween A New
History of Shinto possui alguns pontos positivos o uso de termos japoneses a inclusatildeo de
uma cronologia e mitologia de shintō com base em fontes japonesas (traduzidas) analisando-
se ao pormenor o ceacutelebre episoacutedio Ama no Iwato uma curiosa passagem que tambeacutem foi
estudada no acircmbito desta dissertaccedilatildeo uma vez que a temaacutetica Desordem e Ordem estaacute
bastante presente embora notando-se a ausecircncia do indiviacuteduo quem participa nos rituais satildeo
os kami e natildeo os humanos
Por uacuteltimo The Kami Way de Ono Sokyō eacute um livro introdutoacuterio a shintō mas muito
mais simples do que as obras de Picken apesar de tambeacutem sintetizar a mitologia e cronologia
desta Via Espeacutecie de minienciclopeacutedia de shintō sobretudo focada na tradiccedilatildeo de jinja shintō
(rituais cerimoacutenias siacutembolos e elementos pertencentes ao domiacutenio do ldquosagradordquo) The Kami
Way eacute um livro que enfatiza a ideia de que shintō eacute uma religiatildeo e como tal a linguagem
usada eacute muito diferente da que Picken ou Breen e Teuween algo que pode ser justamente
considerado como um ponto negativo termos duacutebios incluem ldquokami-feacuterdquo ldquosagradordquo ldquomenterdquo
ldquoalmardquo certamente reconheciacuteveis para o puacuteblico-alvo natildeo-japonecircs mas que dificilmente
seriam aceites pelos autores anteriormente mencionados cujas obras procuram ser o mais fieacuteis
ao seu objeto de estudo shintō pertence agrave realidade japonesa e como tal traduccedilotildees de termos
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japoneses natildeo satildeo recomendaacuteveis Jaacute um dos seus pontos positivos eacute oferecer ao leitor a
perspetiva japonesa da natureza humana subentendo o reconhecimento de uma eacutetica
(certoerrado) reforccedilando o porquecirc de shintō ser uma Via criada para o bem e a felicidade do
indiviacuteduo
Aleacutem destas quatro obras acrescenta-se o dicionaacuterio etimoloacutegico da autoria de
Nishigaki Yukio (2005) ndash etimologia eacute uma ferramenta indispensaacutevel para a compreensatildeo de
shintō dada as suas origens natildeo ocidentais - alguns episoacutedios do Kojiki (Takeda Tsunegaki) e
Nihon shoki (a traduccedilatildeo desatualizada de Aston utilizada por Picken e a versatildeo presente no
site Nihonsinwa) No caso concreto das obras japonesas claacutessicas e modernas referenciadas
sobretudo por Picken o texto original foi disponibilizado nas bibliotecas virtuais japonesas
National Diet Library (6ordm volume do Koshiden Hirata Atsutane) J-Texts e Kodaishi Dassai
com a exceccedilatildeo do Yōrō-ritsuryō que foi individualmente traduzido para japonecircs moderno no
website Kansei Daikan
Com efeito o recurso a fontes virtuais revelou-se fundamental no decorrer da
investigaccedilatildeo devendo-se destacar paacuteginas de instituiccedilotildees japonesas tais como a Encyclopedia
of Shinto - organizada pela Universidade Kokugakuin o dicionaacuterio virtual japonecircs Kotobank
que compila as sugestotildees de definiccedilatildeo de um termo por vezes pronunciando-se sobre a sua
etimologia Acrescenta-se ainda paacuteginas virtuais dedicadas agraves obras de Motoori Norinaga
(Kumo no Ikada Yamato Gokoro) e paacuteginas oficiais de setores shintō cujos objetivos
revolvem em torno da purificaccedilatildeo adotando-se certas condutas e rituais
Por uacuteltimo todos os termos estrangeiros foram escritos em letras do alfabeto e em
itaacutelico seguidas sempre dos caracteres que a compotildeem (no caso de termos chineses e
japoneses) o mesmo aplicando-se ao nome completo dos kami jinja e matsuri Em caso da
traduccedilatildeo dos vocaacutebulos japoneses utilizou-se a expressatildeo cujo significado eacute o mais proacuteximo
do original Contudo numa tentativa de se ser fiel agrave fonte e ao objeto de estudo optou-se mais
pela natildeo-traduccedilatildeo kami eacute kami tsumi eacute tsumi kegare eacute kegare e assim sucessivamente A
principal razatildeo por detraacutes desta metodologia eacute evitar o processo de incompreensatildeo da temaacutetica
abordada como resultado da transposiccedilatildeo da proacutepria mentalidade do investigador Com efeito
a fraca familiarizaccedilatildeo com a aacuterea de estudo origina a traduccedilatildeo (incorreta) de termos uacutenicos
por palavras que o seu puacuteblico-alvo natildeo japonecircs facilmente consegue perceber mas que satildeo
estranhas a shintō ou a outras lsquoreligiotildeesrsquo asiaacuteticas
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1 DO PASSADO AO PRESENTE SHINTŌ UMA ldquoRELIGIAtildeOrdquo JAPONESA
Escrever sobre religiotildees eacute sempre um desafio ainda mais quando a aacuterea de estudo
tem as suas reservas no que concerne agrave expressatildeo lsquoreligiatildeorsquo de difiacutecil caracterizaccedilatildeo mesmo
no mundo ocidental lsquoReligiatildeorsquo tende a ser identificada com os sistemas de lsquofeacutersquo teiacutestas
particularmente os monoteiacutestas ndash cristianismo judaiacutesmo e islatildeo ndash e politeiacutesmos na Aacutesia o
termo natildeo se pode usar com tanta facilidade religiatildeo eacute antes de mais uma palavra introduzido
relativamente recente e certamente de forma natildeo espontacircnea
No caso do Japatildeo lsquoreligiatildeorsquo natildeo existia ateacute aos meados do seacutec XIX o acolhimento
de ideias exteriores ao territoacuterio japonecircs teraacute gerado uma definiccedilatildeo muito especiacutefica de
lsquoreligiatildeorsquo e da sua favorita traduccedilatildeo japonesa shūkyō especificamente traduzindo-se o termo
inglecircs religion algo que eacute problemaacutetico por dois principais motivos os caracteres que
compotildeem a palavra (shū 宗 e kyō 教 respetivamente lsquosetoresrsquo e lsquoensinamentosrsquo) - e que jaacute
existiam de facto em forma isolada nunca em conjunto - satildeo de origem budista pondo em
causa a ldquovalidaderdquo de shintō cuja ecircnfase natildeo eacute em doutrinas ou shū 7 embora natildeo se deva
excluir a sua existecircncia
Segundo Nakamura Hajime shūkyō teria as suas origens na expressatildeo shū no oshie
(宗の教え ) ou lsquoensinamento dos setoresrsquo ndash shū significa o ldquoderradeiro significado do
princiacutepio e da verdade (hellip)rdquo presente nos ensinamentos (oshie) antes do Periacuteodo Meiji (1868-
1912) shūkyō encontrar-se-ia numa posiccedilatildeo subordinada a bukkyō (仏教) que por sua vez eacute
entendido como a fusatildeo de vaacuterios shūkyō num soacute Jaacute no Periacuteodo Meiji shūkyō torna-se um
suposto ldquoconceito supra ordenadordquo de bukkyō 8 ambas explicaccedilotildees revelam a importacircncia
desta Via como ponto de partida para o que se entende por lsquoreligiatildeorsquo termo hoje vaacutelido e
aceite pela sociedade moderna japonesa em vaacuterias aacutereas
A segunda principal razatildeo tem que ver com imagens quando um cidadatildeo europeu ou
americano pensa sobre lsquoreligiatildeorsquo serve-se do que sabe isto eacute o que a sua educaccedilatildeo e meio
envolvente lhe providenciaram um espaccedilo proacuteprio de crenccedila textos uma noccedilatildeo de lsquosagradorsquo
um fundador e eacute claro os que acreditam firmemente nesses textos e se esforccedilam por propagar
as suas ideias Se lhe perguntarem sobre outras lsquoreligiotildees natildeo-ocidentaisrsquo recorreraacute ao que eacute
7 ISOMAE Junrsquoichi ldquoDeconstructing lsquoJapanese Religionrsquo A Historical Surveyrdquo Japanese Journal of Religious
Studies nordm 32 (2) 2005 pp 235 ndash 248 8 Ateacute ao seacutec- XVII o ldquobudismordquo natildeo era formalmente designado bukkyō (仏教) mas antes butsudō (仏道) ou
ainda buppō (仏法) IWAI Hiroshi ldquo日本宗教の理解に関する覚書rdquo (ldquoNotes on the Understanding of
Japanese Religionrdquo) Kenkyū kiyō (研究紀要) nordm 5 2004 pp 79-89
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Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 17
do conhecimento geral publicado em livros e outros meios de informaccedilatildeo Por outras palavras
budismo hinduiacutesmo taoiacutesmo e xintoiacutesmo satildeo convenientemente considerados lsquoreligiotildeesrsquo e
como consequecircncia natildeo eacute de estranhar a quantidade de traduccedilotildees erroacuteneas de conceitos e
ideias dessa mesma religiatildeo em livros escritos por peritos quer japoneses como natildeo-nativos 9
qualquer guia sobre ldquoreligiotildees do mundordquo teraacute uma entrada sobre xintoiacutesmo comeccedilada mais
ou menos nas linhas de ldquoxintoiacutesmo eacute a religiatildeo nativa japonesardquo 10
ecoando o que foi escrito
cerca de um seacuteculo antes por Anesaki Masaharu creditado como ldquoinventorrdquo da expressatildeo
moderna lsquoreligiatildeo japonesarsquo (nihon shūkyō 日本宗教) que eacute acolhida inicialmente por um
puacuteblico ocidental e soacute posteriormente pelos proacuteprios japoneses 11
Forte apoiante da visatildeo lsquoxintoiacutesmo = religiatildeorsquo Anesaki Masaharu acentua o caraacutecter
japonecircs de shintō descrevendo-o como ldquoum complexo de antigas crenccedilas e observacircnciasrdquo que
ao contraacuterio do budismo (e do cristianismo) nunca se deparou com perseguiccedilotildees a niacutevel
poliacutetico sendo preservado ao longo de seacuteculos pelos japoneses Apoiado na veneraccedilatildeo dos
kami sobretudo Amaterasu a antepassada miacutetica da casa imperial associada ao sol shintō eacute
um tipo de culto lsquonacionalrsquo diretamente ligado agrave paz prosperidade e estabilidade do Japatildeo 12
Historicamente shintō natildeo foi lsquopreservadorsquo no sentido de permanecer
inalteraacutevel independentemente de alguns sacerdotes e estudiosos partilharem da visatildeo de
Anesaki perspetivando shintō como algo autoacutenomo e independente de influecircncias externas
desde tempos imemoriais ateacute agrave atualidade 13
este uacuteltimo foi um processo iniciado no Japatildeo e
cujo crescimento jamais resulta do isolamento mas antes do contacto com todo o tipo de
ideias de fora (e de dentro) a adaptaccedilatildeo de ldquoantigo pensamento Chinecircs Budismo Onmyōdō
Confucionismo Shugendō e Cristianismordquo agrave realidade japonesa permite numa eacutepoca
posterior propostas de categorizaccedilatildeo e classificaccedilatildeo de shintō jinja shintō kyōha shintō
shintō filosoacutefico ou escolaacutestico (gakuha shintō 学派神道) shintō imperial (kōshitsu shintō皇
室神道) e shintō folcloacuterico (minzoku shintō 民俗神道) 14
Em suma natildeo existe um uacutenico
9 Como jaacute mencionado na Introduccedilatildeo a traduccedilatildeo eacute um risco a correr que natildeo eacute avaliado pelos autorestradutores
de entre os erros mais tiacutepicos nos livros sobre shintō destacam-se ldquopecadordquo como traduccedilatildeo de tsumi e ldquodeus
divindadedivinordquo para expressar o conceito de kami 10
ONO Sokyō Shinto the Kami Way Singapore Tuttle Publishing 2004p 1 11
ISOMAE Junrsquoichi ldquoDeconstructing lsquoJapanese Religionrsquo A Historical Surveyrdquo Japanese Journal of Religious
Studies nordm 32 (2) 2005 pp 235 ndash 248 12
ANESAKI Masaharu History of Japanese Religions with special reference to the social and moral life of the
nation 3rd ed London The Kegan Paul Japan Library 1995 p 22 13
KURODA Toshio ldquoShinto in the History of Japanese Religionrdquo Journal of Japanese Studies nordm 7 (1) 1981
pp 1-21 14
INOUE Nobutaka ldquoIntroduction The History of Shintordquo Encyclopedia of Shinto 1 General Introduction
Introduction of Shinto (on line) lthttpk-
amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=22906gt (consultado em 24-06-2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
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shintō mas antes muacuteltiplos shintō que contribuiacuteram significativamente em termos sociais e
culturais
Descrito por Stuart Picken como a ldquoexpressatildeo natural dos sentimentos espirituais do
povo japonecircs que cresceu e evoluiu com o desenvolvimento da histoacuteria japonesa e sociedaderdquo
shintō eacute um exemplo atiacutepico de uma lsquoreligiatildeorsquo no sentido geral do termo ao contraacuterio do
budismo (bukkyō 仏教) Islatildeo (isuramukyō イスラム教) hinduiacutesmo (indokyō インド教)
cristianismo (kirisutokyō キリスト教) judaiacutesmo (yudayakyō ユダヤ教) confucionismo
(jukyō 儒教) e taoiacutesmo (dōkyō 道教) shintō (神道) foi nomeado como um dō (em chinecircs dao
道) e natildeo como um kyō agrave semelhanccedila de outras Vias como kadō (華道) sadō (茶道) kyūdō
(弓道 ) respetivamente a Via das flores a Via do chaacute e a Via do arco A prioridade de shintō
eacute como o termo sugere tornar-se uma Via um modo de orientaccedilatildeo para o indiviacuteduo algo
expresso no curioso termo kannagara 15
Deste modo shintō assemelha-se a um modo de
conduta uma disciplina ou praacutetica que coloca os lsquoensinamentosrsquo em segundo plano em favor
do desenvolvimento de uma eacutetica proacutepria que recebeu influecircncias sobretudo confucianas
Consequentemente a perspetiva de shintō como lsquoreligiatildeorsquo num sentido diferente ao
que eacute transmitido em contexto ocidental tem sido apoiada por alguns autores japoneses e
igualmente praticantes de shintō Sonoda Minoru um professor emeacuterito da Universidade de
Quioto e principal sacerdote do Chichibu Jinja (秩父神社 ) observa a necessidade de
distinccedilatildeo entre religiotildees e shintō se o Cristianismo e outras ldquoreligiotildees mundiaisrdquo possuem
uma base assente numa ldquodoutrina universal e um acredita ou natildeo acredita - eacute tudo acerca de feacute
colocada num sistemardquo cuja evoluccedilatildeo adquire contornos de proselitismo - shintō eacute na sua
essecircncia uma ldquoreligiatildeo de culturardquo que natildeo pretende a consistente ldquoiniciaccedilatildeordquo de pessoas
numa ldquofeacuterdquo esta religiatildeo nada tem que ver com feacute mas antes ldquopraacutetica ritualrdquo enraizada numa
ldquosociedade agriacutecola primaacuteriardquo Por uacuteltimo conclui que estes sistemas optaram por uma
estrateacutegia de conquista modelando a conduta dos seus crentes perseguindo e eliminando
adversaacuterios quando lhes convinha ao contraacuterio de shintō que teria desaprovado de tais accedilotildees
Aliaacutes o acto de preservar a vida e celebraacute-la eacute nada mais do que a derradeira preocupaccedilatildeo
desta Via 16
Com efeito Sonoda foca-se na ldquoquestatildeo doutrinaacuteriardquo como a caracteriacutestica mais
15
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp xxii-xxiii 16
As citaccedilotildees em questatildeo foram retiradas das entrevistas feitas pelo investigador Leif Sandvik e pela Sasakawa
Peace Foundation sendo posteriormente integradas no estudo deste uacuteltimo sobre a ldquoreinvenccedilatildeordquo de shintō como
uma ldquoreligiatildeo ecoloacutegicardquo SANDVIK Leiff Showcasing Shinto The Reinvention of Shinto as an Ecological
Religion Masterrsquos Degree Thesis in History of Religion submitted to the Department of Culture Studies and
Oriental Languages of the University of Oslo supervised by Prof Nora Stene Preston and Prof Dr Mark
Teuween 2011
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definidora das ldquoreligiotildeesrdquo monoteiacutestas se Cristianismo (e outras ldquoreligiotildeesrdquo) regem-se pelo
princiacutepio da ldquodualidaderdquo (ser crente ou natildeo) o mesmo natildeo se pode dizer de shintō
Na sua forma mais ldquocruardquo shintō talvez pode ter sido uma coletacircnea de aspetos
ldquoanimistas xamanismo veneraccedilatildeo de antepassados e veneraccedilatildeo da naturezardquo bem como
noccedilotildees proacuteprias de normas sociais incluindo o reconhecimento de ldquotabusrdquo ldquoofensasrdquo e a
necessidade de ldquopurificaccedilatildeordquo natildeo apenas a niacutevel fiacutesico 17
Apresentando ainda um fraco grau
de organizaccedilatildeo a Via dos kami era um coletivo de ideias seguidas pela comunidade que se
focava em obter meios de subsistecircncia a relaccedilatildeo entre a comunidade e as ldquoforccedilas
incompreensiacuteveisrdquo (kami) por detraacutes do sucesso ou do prejuiacutezo das colheitas baseava-se na
relaccedilatildeo dar-receber apelar aos kami trazia benefiacutecios para a comunidade e em troca a
comunidade faria o que naturalmente eacute suposto fazer agradecer de forma sincera atraveacutes de
oferendas (comida tecidos armas) Ora tal costume ainda hoje permanece vivo na memoacuteria
dos japoneses quer se trate de uma veneraccedilatildeo aos kami em casa quer dentro da aacuterea dos jinja
oferecer algo aos kami fortalece a ligaccedilatildeo do kami ao indiviacuteduo
11 Shintō e kami perceccedilotildees japonesas do lsquosagradorsquo e do lsquodivinorsquo
Contudo ateacute hoje natildeo se conhece um fundador ou extensiva doutrina que explicite
um credo ou sistema de crenccedila de shintō ndash apesar de shintō setorial possuir fundadores
individuais cujos textos transmitidos aos seguidores funcionam como lsquoensinamentosrsquo 18
ndash
demarcado pelo seu caraacutecter ritual e veneraccedilatildeo de seres de natureza indefinida denominados
kami em espaccedilos designados jinja nos quais se pode vislumbrar o domiacutenio do ldquosagradordquo
segundo Mircea Eliade ldquoo homem das sociedades arcaicas tende a viver tanto quanto possiacutevel
no sagrado ou em proximidade a objetos consagradosrdquo 19
no caso japonecircs este ldquosagradordquo
tambeacutem pode ser equiparado com a proacutepria natureza antes de existirem jinja propriamente
ditos espaccedilos abertos eram usados para realizaccedilatildeo de cerimoacutenias sazonais nas quais o kami se
manifestaria temporariamente 20
Estamos pois perante um plano de realidade associado a
sentimentos de admiraccedilatildeo pelo fantaacutestico e misterioso florestas rios pedras montanhas tudo
17
KURODA Toshio ldquoShinto in the History of Japanese Religionrdquo Journal of Japanese Studies nordm 7 (1) 1981
pp 1-21
18 PICKEN Stuart Essentials of Shinto opcit p 212
19 ELIADE Mircea The Sacred and the Profane the nature of religion Traduzido do Francecircs por William
Trask NY Harvest Harcourt Brace amp World Inc 1961 pp 10-12 20
BREEN John TEEUWEN Mark A New History of Shinto Chicester Wiley-Blackwell 2010 pp 25-26
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podia ser kami ndash entendido no sentido de lsquosagradorsquo se as pessoas o identificassem como tal
conferindo um significado especial
Em japonecircs lsquosagradorsquo eacute escrito de duas maneiras sei (聖 ) - sheng na leitura foneacutetica
chinesa (em chinecircs simplificado圣) - integra os vocaacutebulos seisho (聖書) - a Biacuteblia - seichi
(聖地) terrenoTerra Santa seibō (聖母) eacute a Matildee Santa (Virgem Maria) seija (聖者) eacute o
homem santo (Cristianismo) seisen聖戦 (Guerra Santa) e assim sucessivamente Como se
pode constatar as palavras mencionadas natildeo tecircm nada a ver com shintō e denotam o sagrado
tal como eacute visualizado pela cultura ocidental
Jaacute o segundo termo shinjin (神) lido agrave maneira japonesa como kami mi kan ka ou
hi 21
fortalece a ideia lsquosagrado = kamishintōrsquo qualquer palavra que comece ou que acabe
neste caractere geralmente pertence ao mundo shintō jinja (神社) moradas permanentes dos
kami que desde 1945 dependem financeiramente do puacuteblico natildeo do Estado 22
kagura (神楽)
a danccedila tradicional japonesa (shintō de santuaacuterios) 23
amatsu-no-kami (天つ神) e kunitsu-no-
kami (国つ神) cuja entronizaccedilatildeo nos jinja originou o sistema de classificaccedilatildeo jingi (神祇) ldquoo
conceito central em torno do qual a corte organizava o seu poder sacerdotalrdquo 24
Numa perspetiva etimoloacutegica os caracteres natildeo podiam ser mais diferentes sei (聖)
decompotildee-se em trecircs partes ou seja lsquoorelharsquo (耳) lsquobocarsquo (口) e por um ideograma que
supostamente representaria uma pessoa endireitada indicando um indiviacuteduo que possui a
habilidade de ldquoouvirrdquo uma ldquovontade divinardquo isto eacute algueacutem com grande niacutevel de
conhecimento e cultura e dotado de uma ldquovirtuderdquo ideia muito visiacutevel no pensamento
confuciano Aliaacutes se lido como sei o kanji corresponde a um atributo humano conotado com
boas intenccedilotildees e nunca malignas Jaacute na sua leitura como hijiri [聖] eacute um vocaacutebulo respeitoso
aplicado exclusivamente ao proacuteprio Imperador 25
Por outro lado o kanji usado para escrever kami eacute a forma lsquosimplificadarsquo do
caractere arcaico [神 ] presente em jingi (神祇 ) agrave semelhanccedila do caractere usado para
21
A leitura de [神] como hi verifica-se em himorogi (神籬) o espaccedilo aberto delimitado por uma corda e no qual
se pode preceder agrave veneraccedilatildeo do kami Posteriormente o papel dos himorogi eacute substituiacutedo pelos jinja Cf
PICKEN Stuart op cit p 127 22
BREEN John TEEUWEN Mark op cit p 2 23
NISHIGAKI Yukio Nihongo no Gogen jiten (日本語の語源辞典) Tokyo Bungeisha 2005 p189 24
BREEN John TEEUWEN Mark op cit pp 25-26 25
Uma vez que as possiacuteveis interpretaccedilotildees do caratere [聖] prendem-se com a questatildeo da natureza humana e do
comportamento ldquocorretordquo eacute possiacutevel concluir que se surgir isoladamente sei tem algumas implicaccedilotildees eacuteticas
Dejitaru Daijisen ldquo聖 (せい )rdquo コトバンク (on line) lthttpskotobankjpwordE88196-85468gt
(consultado em 24-06-2018)
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escrever a palavra lsquoritorsquo (li 禮 escrito atualmente em japonecircs como rei 礼) o kanji partilha da
mesma raiz o kanji [示] do qual deriva o verbo shimesu ou lsquoindicarrsquo servindo de raiz a
palavras relevantes dentro do contexto cerimonial ndash oraccedilatildeo (inori祈り) celebraccedilatildeo (iwai 祝
い) antepassado (sosen祖先) ndash e termos da linguagem comum como lsquofalta de educaccedilatildeosem-
maneirasrsquo (shitsureiburei失礼 無礼) jaacute o segundo kanji eacute o mesmo usado para lsquoproferirrsquo ou
mousu (申す)
Aliaacutes de acordo com Fujita Tomio um dos contribuidores para o Nippon
Daihyakkazensho (日本大百科全書) publicado em 1984 shin [神] expressaria o ldquoaltarrdquo [示]
ao qual se juntava a forma pictograacutefica de um relacircmpago (申) possivelmente devido ao facto
de o primeiro kanji usado para a palavra lsquorelacircmpagorsquo (denkō 電光) ter na sua ldquoextremidaderdquo o
caractere [申] No entanto devido agrave escolha do kanji [神] para indicar kami comeccedilou-se a
considerar a hipoacutetese de este ter um significado natildeo muito diferente de shangdi (em japonecircs
jōtei 上帝) indicando a suprema entidade natildeo material reconhecida pelo pensamento chinecircs
arcaico 26
Nos dias de hoje kami continua a ser analisado por parte de estudiosos japoneses e
natildeo-japoneses Aike Rots aponta a fluidez do conceito de kami descrevendo-o como ldquouma
forccedila omnipotente singular bem como muacuteltiplos seres espirituais pode referir-se a criaturas
antropomoacuterficas ou zoomoacuterficas fenoacutemenos naturais poderes abstratos ou antepassados
deificadosrdquo 27
Contudo a interpretaccedilatildeo mais aceite foca-se na ideia lsquokami=qualidadersquo algo
natildeo algo tangiacutevel que se assemelha a um atributo digno de admiraccedilatildeo que se pode manifestar
e encontrar na ldquonatureza claro mas tambeacutem humanos animais criaturas miacuteticas deuses e
ainda objetos feitos pelo homem tais como automoacuteveis ou comboiosrdquo 28
Por sua vez esta definiccedilatildeo parece ecoar a de Motoori Norinaga (本居宣長 1730-
1801) ceacutelebre pensador da escola do Ensino Nacional (kokugaku 國學) e comentador de
textos centrais a shintō bem como autor de exposiccedilotildees acerca das praacuteticas desta Via kami satildeo
26
FUJITA Tomio ldquo 神の語義 rdquo コトバンク (on line) lthttpskotobankjpwordE7A59E-
46603E5A4A7E8BE9EE69E9720E7ACACE4B889E78988gt (consultado em 24-06-2018) 27
ROTS Aike Forests of the Gods Shinto nature and sacred space in contemporary Japan Dissertation
submitted to the Department of Culture Studies and Oriental Languages of University of Oslo in partial
fulfilment of the requirements for the degree of Doctor of Philosophy supervised by Prof Dr Mark Teeuwen
and Prof Dr Terje Stordalen 2013 28
SHIELDS James ldquoBeyond Belief Japanese Approaches to the Meaning of Religionrdquo Studies in Religion
Sciences religieuses nordm 39 (2) 2010 pp 133-149
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ldquoos seres divinos do ceacuteu e da terra que aparecem nos textos antigos e tambeacutem os espiacuteritos
consagrados que satildeo reverenciados nos jinja da naccedilatildeordquo seres animados e inanimados Em
suma ldquoqualquer forma de ser que possua alguma qualidade uacutenica e eminente e eacute inspiradora
de admiraccedilatildeo pode ser considerada kamirdquo independentemente de a sua natureza ser ldquoboamaacuterdquo
29 o facto de serem kami coloca-os acima das convenccedilotildees definidas pelos homens
No que concerne agrave classificaccedilatildeo dos kami esta nunca eacute consensual na sua
dissertaccedilatildeo sobre a religiatildeo no territoacuterio japonecircs Shannon Symonds divide os kami de acordo
com a sua aacuterea geograacutefica de veneraccedilatildeo distinguindo os kami locais cultuados nos matsuri -
festivais baseados em tradiccedilotildees ancestrais que ldquofrequentemente tecircm as suas raiacutezes em antigos
rituais agriacutecolas de agradecimentordquo pela proteccedilatildeo - dos kami nacionais celebrados em ritos e
cerimoacutenias definidas por todos os que acreditam em shintō 30
Em contrapartida Hara Kazuya considera as origens do kami admitindo a existecircncia
de kami da natureza e kami humanos o primeiro grupo diz respeito a kami ligados a uma
atividade ou ocupaccedilatildeo profissional (agricultura pesca comeacutercio) os kami que influenciam os
elementos da natureza (montanhas aacutegua florestas) 31
e os kami do Kojiki (古事記) e Nihon
shoki (日本書紀) as obras de base para a compreensatildeo da mitologia e cosmologia japonesas
32 o segundo grupo reuacutene certos indiviacuteduos extraordinaacuterios em vida que postumamente
adquiriram o estatuto de kami geralmente liacutederes importantes para a histoacuteria do Japatildeo ndash
Imperador Meiji (明治天皇) Tokugawa Ieyasu primeiro xogum da casa Tokugawa que
governou o Japatildeo durante o Periacuteodo Edo (1603-1868) ndash os soldados mortos em combate
(Yasukuni jinja 靖国神社 ) ou ainda personalidades do periacuteodo Heian (794-1185)
nomeadamente Sugawara-no-Michizane (菅原道真 ca845-903) postumamente apelidado de
Tenjin (天神) o kami do ensino 31
29
PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto Selected Documents Resources in Asian Philosophy and Religion
Westport Greenwood Publishing Group 2004 pp 200-201 30
SYMONDS Reeds Shannon A History of Japanese Religion From Ancient Times to Present Thesis
submitted to the Department of History of the State University of New York College for partial fulfillment of the
requirements for the degree of Master of Arts supervised by Prof Dr Jennifer Lloyd and Prof Dr John
Killigrew 2005
31 HARA Kazuya Aspects of Shinto in Japanese Communication Comunicaccedilatildeo apresentada na conferecircncia
ldquoIntercultural Communication Studies XII Asian Approaches to Human Communicationrdquo (Chiba Abril de
2003) 32
Picken observa que a compilaccedilatildeo destes textos reflete um maior niacutevel de organizaccedilatildeo dentro da tradiccedilatildeo shintō
tal como ela era vista por uma minoria da populaccedilatildeo eacute inevitaacutevel a mistura de ldquoreligiatildeordquo e poliacutetica Cf PICKEN
Stuart Sourcebook in Shinto op cit p 4
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Por uacuteltimo Matsumura Kazuo sugere uma divisatildeo natildeo muito diferente da de Kazuya
agrupando kami consoante a relaccedilatildeo deste com o mundo natural (kami da natureza) ou com o
homem (kami culturais) no primeiro caso salientam-se aos kami que ldquorepresentam o
reconhecimento de caracteriacutesticas supranormais ou poderes em objetos naturais ou
fenoacutemenosrdquo o segundo grupo reconhece por sua vez a existecircncia de kami da comunidade
kami do nascimento de pragas de uniatildeo (matrimonial) da morte kami do lar do indiviacuteduo
(fogatildeo poccedilo estaacutebulo armazeacutem) e por uacuteltimo os kami humanos Por outras palavras
indiviacuteduos em vida reverenciados como kami ndash ldquopraticantes religiosos e miko que se
envolvem em curas de feacute e pronuacutencia de oraacuteculos (hellip) rdquo ndash e antepassados ou ldquoespiacuteritos
vingativosrdquo de indiviacuteduos 33
Todas as propostas satildeo vaacutelidas quando se estuda um termo de etimologia indefinida
como kami para alguns kami (神) localizavam-se num patamar superior de existecircncia por
partilharem da mesma foneacutetica de kami (上) isto eacute ldquoalto superiorrdquo 28
o que se pode aplicar
aos amatsu-no-kami e os trecircs koto amatsu-no-kami Ame-no-minaka-nushi-no-kami (天御中
主神) Taka-musubi-no-kami (高皇産霊神) e Kami-musubi-no-kami (神皇産霊神) ndash que se
ldquotornamrdquo no Takamagahara espontaneamente e escondem-se logo a seguir 34
No entanto os
seus congeacuteneres terrenos como Sarutahiko Ōkami (猿田毘古大神) natildeo se encontram num
patamar ldquosuperiorrdquo per si partilhando com os humanos a Terra como local de residecircncia 35
Como se pode constatar o caractere kami (神) tende a surgir no final do nome reforccedilando a
ideia de kami como tiacutetulo honoriacutefico tal como mikoto (命尊) 36
33
MATSUMURA Kazuo ldquoDefinitions and Typologyrdquo Encyclopedia of Shinto 2 Kami (Deities) Concepts of
Kami (on line) lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=22498gt
(consultado em 24-06-2018) 34
Em japonecircs lsquotornar-sersquo corresponde ao verbo naru (成る ) denotando algo que efetivamente natildeo foi
absolutamente criado mas que jaacute existia embora natildeo de forma fiacutesica Jaacute na passagem que refere o lsquoocultamentorsquo
o verbo usado eacute kakusu (隠す) traduzido por lsquoocultar-sersquo o kanji [産] usado para o verbo lsquonascerrsquo estaacute sempre
ausente no Kojiki ateacute agraves passagens de kuni-umi e kami-umi Em suma estes kami natildeo satildeo lsquocriadosrsquo per si mas
tornam-se visiacuteveis para o mundo TAKEDA Tsunegaki Gendaigo no Kojiki (現代語古事記) Tokyo Gakken
Publishing 2011 pp 16-17
35 Picken Stuart Essentials of Shinto op cit pp95-96
36 Kokugakuin University Institute for Japanese Culture and Classics Index of Kami (on line) lthttpk-
amckokugakuinacjpDMpdfPreviewEOS+Index+of+Kamipdfgt (consultado em 24-06-2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
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111 O papel de kami na cosmologia japonesa do processo de ldquodivisatildeordquo da
realidade agrave criaccedilatildeo da mesma
De entre as fontes que servem de base para o estudo de shintō nomeiam-se o Kojiki
(ca 712) Nihon shoki (ca 720) ShokuZoku Nihongi (続日本紀 ca 797) o Jingiryō (神祇令
ca701) o Kōtai Jingū Gishiki-chō ( 皇太神宮儀式帳) e Toyoke-gu Gishiki-chō (止由気宮儀
式帳) Kogo Shūi (古語拾遺) e o Engishiki (延喜式 ca 927) 37
Satildeo com efeito textos de
caraacutecter oficial respeitados por uma corte que colocava shintō em segundo plano
principalmente apoacutes o budismo ter adquirido um estatuto de ldquofavoritordquo por parte de Shōtoku
Taishi (聖徳太子 ca 604) notoacuterio apoiante da introduccedilatildeo de ideias de fora incluindo eacutetica
confuciana 38
Neste sentido pode-se afirmar o facto de shintō subsistir no territoacuterio japonecircs
como um conjunto de praacuteticas consagradas aos kami propriamente venerados nos jinja
Tanto no Kojiki como no Nihon shoki kami cometem erros satildeo violentos
caprichosos generosos ambiciosos tornando-se quer heroacuteis ou vilotildees nos mitos
efetivamente aproximando-os da natureza do ser humano ambos relatos parecem humanizar e
personificar os kami Participando passivamente ou ativamente no processo da criaccedilatildeo do
mundo estas formas de existecircncia e consciecircncia satildeo anteriores ao homem
Aleacutem de manifestarem uma personalidade proacutepria kami possuem uma identidade ou
seja um nome um geacutenero observando-se uma diferenccedila entre as primeiras duas geraccedilotildees de
kami e as restantes por exemplo no Kojiki a necessidade de especificar o sexo dos kami ndash
um termo de natureza neutra cujo plural eacute designado de kamigami (神々) ndash soacute se justifica a
partir do surgimento de uma ldquosegunda geraccedilatildeordquo de kami per si nunca se usando a dicotomia
moderna ogamimegami (男神 女神 ) viaacutevel no contexto de religiotildees politeiacutestas que
reconhecem a existecircncia de ldquodeusesrdquo e ldquodeusasrdquo respetivamente Com efeito nas fontes
japonesas kami eacute identificado como ldquomasculinordquo ou ldquofemininordquo atraveacutes da anaacutelise do seu
nome caso o kami possui uma terminaccedilatildeo foneacutetica lida como hiko (por ex 毘子毘古 日子)
eacute masculino em contrapartida hime (por ex 毘売比売姫) denota um kami do sexo oposto
Deste modo apenas os lsquonatildeo-hitorigamirsquo possuem um geacutenero masculino ou feminino
a segunda geraccedilatildeo de kami agrave qual pertence o casal Izanagi-no-kami (伊邪那岐神) e Izanami-
37
PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit p 17 pp 21-26 p 30 38
SYMONDS Reeds Shannon A History of Japanese Religion From Ancient Times to Present Thesis
submitted to the Department of History of the State University of New York College for partial fulfillment of the
requirements for the degree of Master of Arts supervised by Prof Dr Jennifer Lloyd and Prof Dr John
Killigrew 2005
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
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no-kami (伊邪那美神) ndash futuros progenitores da terceira geraccedilatildeo de kami criada em meio
terrestre ndash eacute composta por casais de irmatildeos e irmatildes 39
que com a exceccedilatildeo de Izanagi e
Izanami natildeo se envolvem no processo de criaccedilatildeo tornando-se conselheiros do casal Ao
receberem ordens de descer de Takamagahara Izanagi e Izanami datildeo iniacutecio ao processo da
criaccedilatildeo das ilhas do arquipeacutelago (kuni-umi 国生み) posteriormente criando kami (kami-umi
神生み) 40
Apesar de datarem do mesmo periacuteodo as obras possuem algumas diferenccedilas entre si
nomeadamente o seu estilo e linguagem de escrita bem como o seu conteuacutedo as histoacuterias do
Kojiki encontram-se recheadas de motivos mitoloacutegicos e cerimoacutenias que procuram explicar as
origens do povo japonecircs do arquipeacutelago e o ldquoque eacute conhecido como a era dos kamirdquo 41
Jaacute o
Nihon shoki modelado agrave maneira das croacutenicas chinesas apresenta uma dataccedilatildeo diligente das
entradas dos seus relatos e por vezes vaacuterias versotildees dos mesmos 42
Se a realidade do Kojiki tem iniacutecio num tempo de ldquoseparaccedilatildeo entre o ceacuteu e a terrardquo no
qual se manifestam os koto amatsukami ndash Ame-no-minaka-nushi (a possiacutevel corporizaccedilatildeo do
proacuteprio cosmos) 40
Taka-musubi-no-kami e Kami-musubi-no-kami ndash interpretados como
ldquoprinciacutepiosrdquo da atividade criativa e da criaccedilatildeo todos carecendo de atributos humanos ndash numa
dos relatos do Nihon shoki eacute mencionado um periacuteodo incerto antes da ldquoseparaccedilatildeo entre o ceacuteu
e a terrardquo e da divisatildeo de in e yō isto eacute o princiacutepio yin e yang (em japonecircs on-myō 陰陽)
forma-se assim uma ldquomassa caoacutetica como que um ovo (hellip) de limites definidosrdquo
posteriormente dividido entre um elemento mais ldquopurordquo (o Ceacuteu) e um elemento mais
ldquoconsistenterdquo (a Terra) Do seu meio nasce uma coisa que lembra um rebento de junco e que
adota uma forma mais fixa surge ldquoespontaneamenterdquo Kuni-toko-tachi-no-mikoto (國常立尊)
Logo a seguir surgem kami masculinos ldquogerados por operaccedilatildeo do princiacutepio do Ceacuteurdquo bem
como os seus congeacuteneres femininos formados pela muacutetua accedilatildeo do princiacutepio da Terra 43
No que concerne agrave criaccedilatildeo do mundo terrestre o Kojiki delega este papel a Izanagi e
Izanami que se estabelecem na ilha Ōyashima (大八島) originando a terceira geraccedilatildeo de
kami que nascem aos pares ou de forma individual associando-se a um elemento do mundo
natural (montanhas aacutervores mares sol e pedras espuma correntes cereais vento) ou
39
TAKEDA Tsunegaki op cit pp 16-17 40
Nesta passagem a palavra ldquocriaccedilatildeordquo corresponde agrave accedilatildeo de gerar algo De acordo com a traduccedilatildeo de Takeda o
verbo que expressa tal eacute ldquoumi ni narimasurdquo (産みになります) TAKEDA Tsunegaki op cit pp 19-23 41
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit p 54 42
BREEN John TEEUWEN Mark op cit pp 29-30 43
PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit pp 6-8
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
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humano (embarcaccedilotildees) 44
Eacute no momento do nascimento do kami do fogo (Hi-no-kagutsuchi-
no-kami火迦具土神) que se introduz a natureza natildeo imortal de Izanami que ainda consegue
gerar alguns kami antes de morrer das feridas 45
Apoacutes a sua morte Izanami toma residecircncia permanente no submundo Yomu-no-
kuniYomi-no-kuni (黄泉の国) levando Izanagi a desesperadamente tentar trazecirc-la de volta
ao mundo da superfiacutecie ecoando o mito de Orfeu e Euriacutedice notando-se ainda algumas
semelhanccedilas com a mitologia de Perseacutefone que privada de regressar ao mundo humano por
ter consumido algo daquele lugar torna-se a esposa de Hades e partilha com ele a
responsabilidade de governaccedilatildeo dos Infernos Izanami (que tambeacutem admite ter comido algo
do Yomu-no-kuni formalizando a sua nova identidade como uma habitante do Yomi) torna-se
a uacutenica governante do submundo cortando laccedilos definitivos com o seu esposo se Izanagi
escolhe o caminho da criaccedilatildeo da humanidade Izanami confere a esta espeacutecie a mortalidade
explica-se o porquecirc da vida e da morte 46
112 Depois da criaccedilatildeo kami como agentes da Ordem e da Desordem
Ora a introduccedilatildeo do mundo inferior no Kojiki e no Nihon shoki completa uma das
visotildees shintō do mundo descritas por Hara como ldquoverticalrdquo e ldquotridimensionalrdquo
Takamagahara pertencia ao ldquoplano superiorrdquo onde habitavam os kami o Nakatsu-kuni (中つ
の国 ) seria a ldquodimensatildeo do meiordquo a morada dos seres humanos o Yomi-no-kuni 46
corresponderia ao ldquoplano inferiorrdquo conceito presente em outras religiotildees cujas mitologias de
criaccedilatildeo mencionam um elemento liacutequido (oceano) e um elemento soacutelido (terra) que esconde
um outro ldquomundordquo abaixo da superfiacutecie por exemplo em contexto grego o submundo Hades
(natildeo o deus mas o local em si) pode ser equiparado ao Yomi-no-kuni
Por outro lado Hara refere-se a uma segunda visatildeo ldquohorizontalrdquo do cosmos dividido
a meias entre o Toko-yo (常世) o ldquomundo onde os espiacuteritos purificados dos mortos residemrdquo
e o ldquomundo da humanidaderdquo 46
o que nos remete para a barreira entre o ldquoinvisiacutevelrdquo e o
ldquovisiacutevelrdquo Na terminologia do Kojiki se Izanami eacute a senhora do Yomi Izanagi eacute responsaacutevel
44
TAKEDA Tsunegaki op cit pp 25-29 45
TAKEDA Tsunegaki op cit pp30-36 46
HARA Kazuya Aspects of Shinto in Japanese Communication Comunicaccedilatildeo apresentada na conferecircncia
ldquoIntercultural Communication Studies XII Asian Approaches to Human Communicationrdquo (Chiba Abril de
2003)
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pelo ldquomundo da humanidaderdquo (utsushi-yo (現世) 47
palavra composta pelo kanji de lsquorealrsquo - no
sentido de lsquovisiacutevelrsquo - e lsquorealidademundorsquo Tudo que esteja para laacute do visiacutevel pertence a ldquooutra
realidaderdquo
Todavia a existecircncia de ldquobarreirasrdquo entre mundos (aacutervores no caso de se desejar
aceder ao ldquoplano superiorrdquo ldquocelesterdquo ou poccedilos e cavernas se pretender visitar os niacuteveis
inferiores da terra) natildeo exclui a hipoacutetese de interaccedilatildeo de humanos com os kami e ldquoespiacuteritosrdquo
que natildeo pertencem ao nosso mundo do mesmo modo que os ldquoseres humanos podem visitar os
outros mundosrdquo habitantes natildeo humanos podem surgir temporariamente na nossa realidade
permitindo a cultivaccedilatildeo da relaccedilatildeo dos humanos com o ldquopara laacute de humanordquo 48
No Nihon shoki aplica-se um modelo tripartido da realidade Ceacuteu Terra e ldquomundo
subterracircneordquo ou Oceano Amaterasu eacute uma ldquocrianccedila estrondosa que devia de nosso acordo ser
enviada de imediato para o Ceacuteu e confiar-lhe os assuntos do Ceacuteurdquo uma responsabilidade
partilhada com o kami da Lua Tsukiyomi-no-mikoto ldquoo Deus que devia ser o consorte da
Deusa do Solrdquo devendo-se ter em consideraccedilatildeo o uso dos termos duacutebios ldquodeusesrdquo e ldquodeusasrdquo
como uma tentativa de aproximar a realidade mitoloacutegica japonesa ao entendimento do puacuteblico
ldquoocidentalrdquo por parte de Aston Autor desta traduccedilatildeo do Nihon shoki publicado sob o nome
de Nihongi Chronicles of Japan from the Earliest Times to AD697 (1972) Aston diz que a
Terra eacute o domiacutenio do ldquomeiordquo e refere-se ao arquipeacutelago do Japatildeo formalmente conhecido
como ldquoToyo-ashi-hara-chi-woaki no midzu-hordquo que numa versatildeo da ldquohistoacuteriardquo acerca das
origens dos trecircs irmatildeos kami (Amaterasu Tsukiyomi e Susano-o) pertenceria a Susano-o-no-
mikoto Kami de temperamento feroz e personalidade cruel Susano-o provoca Desordem ao
negligenciar a terra e as suas populaccedilotildees Exilado no Ne-no-kuni por ordem de Izanagi e
Izanami Susano-o torna-se o governante daquele mundo 49
O segundo relato da divisatildeo dos trecircs ldquomundosrdquo pelo trio de irmatildeos - cujo nascimento
eacute possivelmente inspirado na narrativa do Kojiki que descreve a fuga de Izanagi do Yomi-no-
kuni Amaterasu nasce apoacutes este lavar o olho esquerdo sendo-lhe entregue Takamagahara a
ldquoPlaniacutecie Elevada do Ceacuteurdquo Tsukiyomi nasce do olho direito e recebe o vasto domiacutenio do
oceano Por fim Susano-o nasce do nariz de Izanagi e apesar de herdar o domiacutenio do meio
(Terra) acaba por ser banido para o ldquomundo inferiorrdquo como puniccedilatildeo pela sua negligecircncia 50
47
TAKEDA Tsunegaki op cit pp30-36 48
MATSUMURA Kazuo ldquoView of the other world (takaikan)rdquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and
Doctrines Basic Concepts (on line) lthttpk-
amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23640gt (consultado em 24-06-2018) 49
PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit pp 9-12 50
TAKEDA Tsunegaki op cit pp30-36
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
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Com efeito o domiacutenio subterracircneo estaacute sempre presente nas narrativas do Kojiki e
Nihon shoki recebendo um papel de destaque ou secundaacuterio o que por sua vez natildeo implica a
sua ausecircncia em outras fontes numerosas referecircncias a ldquomundosrdquo incompreensiacuteveis e para laacute
da realidade fiacutesica diversificam a visatildeo japonesa de um ldquooutro mundordquo (takaikan 他界観)
geralmente considerado como um ldquooutro mundordquo longiacutenquo ldquooceacircnicordquo feacutertil e uma terra de
imortalidade observando-se um paralelo com o conceito taoiacutesta de uma Terra dos Imortais (a
ilha de Peng-lai ou Hōrai-jima em japonecircs 蓬莱島) a Terra das Raiacutezes (Ne-no-kuni 根国)
pode ser ldquovisitadardquo atraveacutes de uma caverna supostamente localizada em Iga proviacutencia de
Izumo atual prefeitura de Shimane e eacute governada por Susano-o-no-mikoto 51
O reconhecimento de uma divisatildeo tripartida do mundo repercute-se no Kojiki ateacute
um certo momento Izanagi e Izanami detinham domiacutenio conjunto sobre a Terra um ldquomundordquo
modelado pelas suas proacuteprias accedilotildees enquanto ldquocriadoresrdquo de kuni e kami Takamagahara
pertencia aos amatsu-no-kami o Yomi-no-kuni natildeo pertencia a ningueacutem em concreto embora
jaacute fosse um mundo habitaacutevel per si Com a dissoluccedilatildeo do matrimoacutenio de Izanagi e Izanami a
situaccedilatildeo muda por completo eacute necessaacuterio criar novos liacutederes capazes de garantir o equiliacutebrio
entre os mundos da superfiacutecie uma vez que Izanami (esteacuteril) eacute agora a uacutenica governante do
Yomi Em suma pretende-se uma nova geraccedilatildeo para uma nova ordem tornando Izanagi no
ldquoprogenitorrdquo de um conjunto de kami Natildeo existindo qualquer ato sexual propriamente dito os
kami ldquotornam-serdquo como consequecircncia direta dos seus atos de purificaccedilatildeo (misogi)
Neste sentido agrave medida que Izanagi se despe para lavar o seu corpo da ldquosujidaderdquo
(kegare穢) do Yomi-no-kuni surgem vaacuterios kami dos seus acessoacuterios (cana obi isto eacute a peccedila
de tecido usada em torno da cintura que prende a veste tradicional japonesa) a sua espada e
roupa bem como de alguns kami que se ldquotornamrdquo em simultacircneo com a lavagem do corpo
numa nascente Por fim manifesta-se o trio de irmatildeos que herdaria uma das trecircs partes do
mundo tal como ordenado por Izanagi a Amaterasu de aparecircncia resplandecente capaz de
iluminar os ceacuteus recebe Takamagahara uma posiccedilatildeo legitimada por Izanagi que lhe oferece
um acessoacuterio para pendurar ao pescoccedilo o seu irmatildeo Tsukuyomi-no-mikoto (月読の命) e kami
da Lua eacute adequadamente encarregue do yoru no osu kuni (夜之食国) - entendido por Takeda
como yoru no sekai literalmente o ldquomundo da noiterdquo Susano-o-no-mikoto (須佐之男命) e
kami das tempestades (arashi no kami 嵐の神) manifestando uma personalidade tempestuosa
51
MATSUMURA Kazuo ldquoView of the other world (takaikan)rdquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and
Doctrines Basic Concepts (on line) lthttpk-
amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23640gt (consultado em 24-06-2018)
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e conflituosa recebe a tarefa de governar a lsquoplaniacutecie dos maresrsquo (unabara 海原) expressatildeo
que designa um domiacutenio terreno (kuni) e natildeo algo pertencente ao mundo marinho (tal como eacute
sugerido pelo kanji de umi ou ldquomarrdquo) 52
De entre os trecircs mencionados kami Susano-o eacute notoriamente o mais invejoso
procurando humilhar a sua irmatilde ao ponto de esta se refugiar numa caverna a ldquoPedra-caverna
do Ceacuteurdquo (Ama no Iwato (天の岩戸) Consequentemente ldquotoda a Alta Planiacutecie do Ceacuteu tornou-
se escura e toda a Terra Central das Planiacutecies de Junco estava escura tambeacutem Por causa disto
noite eterna reinavardquo 53
Em outras palavras a ausecircncia de Amaterasu estaacute conotada com um
estado de Desordem do proacuteprio cosmos um caos que necessita de regressar ao seu estado de
Ordem o quanto antes sendo que Susano-o eacute o agente da Desordem e a sua irmatilde a agente da
Ordem traccedilada por Izanagi
Amaterasu soacute retoma as suas responsabilidades de guardiatilde de Takamagahara e por
associaccedilatildeo da ldquoTerra Central das Planiacutecies de Juncordquo devido ao esforccedilo conjunto das ldquooito
miriacuteades de kami reunidas na margem do Paciacutefico Rio do Ceacuteu numa reuniatildeo divinardquo o
episoacutedio em si eacute uma histoacuteria de elevado cariz sexual protagonizada por Amaterasu tem como
antagonista Susano-o e inclui alguns kami que apesar de serem personagens secundaacuterias satildeo
essenciais para a devoluccedilatildeo do mundo ao seu estado de Ordem cada kami tenta fazer com que
Amaterasu saia do esconderijo convocando-se outros kami para o efeito Cabe a Ame-no-
uzume-no-mikoto (天宇受売命) a uacuteltima tentativa executando uma danccedila muito provocante
durante um ldquoestado alterado de consciecircnciardquo e como resultado todos os kami riem-se A
curiosa Amaterasu interroga-se sobre o porquecirc desta comoccedilatildeo e eacute atraiacuteda para fora da caverna
ficando temporariamente cega ao ver o seu proacuteprio reflexo num espelho permitindo aos kami
selarem definitivamente a Ama no Iwato trazendo a luz de volta ao mundo e com ela a
Ordem 54
O episoacutedio tambeacutem constitui uma das referecircncias mais antigas e descritivas de rituais
executados em shintō o elemento da danccedila de entretenimento (kagura) eacute uma das partes
integrais da cerimoacutenia de dedicaccedilatildeo aos kami nos santuaacuterios e neste mito em particular possui
claramente uma intenccedilatildeo de reordenaccedilatildeo Ame-no-uzume-mo-mikoto pode ser interpretada
como um protoacutetipo de uma miko (巫女) embora ecoando uma imagem provocante (a danccedila e
52
TAKEDA Tsunegaki op cit pp38-41 53
BREEN John TEEUWEN Mark op cit pp 129-130 54
TAKEDA Tsunegaki op cit pp 50-52
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a o vestuaacuterio) diferente da imagem tiacutepica de uma miko Ono Sokyō descreve-as como
ldquofuncionaacuterias puacuteblicasrdquo e filhas de sacerdotes ou locais residentes cujos deveres para com o
jinja findam quando se casam sendo substituiacutedas por outras A sua funccedilatildeo prende-se com o
ldquoritualrdquo auxiliando os responsaacuteveis pelos jinja na preparaccedilatildeo das cerimoacutenias 55
Natildeo obstante a kami atua como representante da classe Sarume (猿女) uma das
primeiras quatro classes sacerdotais geralmente composta por danccedilarinos e cuja linhagem
remontaria a Ame-no-uzume-no-mikoto esposa de Sarutahiko-no-kami o kami associado agrave
fertilidade e ao ato sexual Por sua vez se os Nakatomi (中臣) retraccedilam as suas origens a
Ame-no-koyane-no-mikoto (天児屋命) 56
realizavam ritos e entoavam norito os Inbe (斎部)
encarregavam-se dos rituais de abstenccedilatildeo garantindo uma ldquopureza cerimonial a fim de afastar
poluiccedilatildeo e manter contacto constante com os kamirdquo 57
descendendo do kami responsaacutevel por
selar a Ama no Iwato (Futodama-no-mikoto 布刀玉命 ) 58
Quanto aos Urabe (卜部 )
responsabilizavam-se por ldquoadivinharrdquo da vontade dos kami 57
agrave semelhanccedila dos ldquoadivinhosrdquo
da dinastia chinesa Zhou que recorriam agrave leitura das fissuras das carapaccedilas de tartaruga e
omoplatas de gado depositadas no fogo
Aleacutem do elemento de danccedila o episoacutedio regista a presenccedila de oferendas (shinsen神
饌) praacutetica que corresponde atualmente agrave ldquosegunda faserdquo dos rituais (de Ordem) em shintō
no mito shinsen satildeo substituiacutedas por tamagushi (玉串) - ramos da aacutervore sakaki (榊) em
torno dos quais satildeo atadas as ldquojoacuteias curvasrdquo (magatama 勾玉) - e eacute claro o espelho por sua
vez interpretado por Takeda como o ceacutelebre Yata no kagami (八咫鏡) um dos trecircs siacutembolos
da casa imperial (sanshū no jingi 三種の神器) juntamente com a ldquojoacuteia curvardquo Yasakani no
magatama (八尺瓊曲玉)
O uacutenico siacutembolo ausente eacute a espada Kusanagi no KenTsurugi (草薙剣) que soacute surge
efetivamente no episoacutedio seguinte narrando-se o desterrar de Susano-o para a Terra apoacutes ter
sofrido derrota agraves matildeos da irmatilde que por sua vez se refugiaria temporariamente na Ama no
Iwato como jaacute mencionado anteriormente Susano-o negligenciava constantemente o seu
domiacutenio a sua maior ambiccedilatildeo era ocupar o trono de Amaterasu em Takamagahara
competindo sempre que podia com a irmatilde sendo que um dos seus desafios testava a
capacidade de reproduccedilatildeo enquanto kami-progenitores Uma vez que os filhos de Amaterasu
55
ONO Sokyō op cit pp 41-44 56
BREEN John TEEUWEN Mark op cit pp 133-136
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nascem primeiro 57
confirma-se a posiccedilatildeo desta kami como governante uacutenica dos assuntos do
ldquodomiacutenio superiorrdquo
De orgulho ferido Susano-o lsquodescarregarsquo a sua raiva e eacute punido pelos seus atos
(neste contexto o uso da palavra tsumi [罪] especifica a natureza ofensiva das accedilotildees de
Susano-o) passando a servir os outros kami como forma de arrependimento cometendo um
uacuteltimo ato atroz mas invulgarmente necessaacuterio o kami mata a kami da comida Ōgetsuhime-
no-kami 58
(大気都比売神 tambeacutem identificada como Toyo-uke-hime-no-kami) e do seu
cadaacutever nascem os cinco cereais fundamentais para a atividade agriacutecola 59
Por outras
palavras a atitude violenta de Susano-o revela-se beneacutefica e natildeo prejudicial como em outros
episoacutedios tornando esta personagem uma espeacutecie de ldquomal necessaacuteriordquo
Em Izumo Susano-o adquire um estatuto equivalente ao de heroacutei o kami viaja pela
terra ateacute se deparar com um casal de kami cujas filhas tinham sido constantemente devoradas
por um terriacutevel ser de oito cabeccedilas (Yamata no Orochi八岐大蛇) Prometendo ajudar o casal
em troca da matildeo da uacuteltima filha Susano-o embriaga a serpente e decepa-lhe a cauda da qual
misteriosamente emerge a Kusanagi no tsurugi Desposando Kushi-na-ta-hime (櫛名田比売)
Susano-o fixa-se definitivamente em Izumo 60
Ora a derradeira meta de Susano-o eacute nada mais do que adquirir influecircncia
comparaacutevel agrave da sua irmatilde criando vaacuterias linhagens de kami (unindo-se em matrimoacutenio agraves
filhas de outros kami) cujas crianccedilas pudessem assumir a responsabilidade de ldquocriarrdquo novos
domiacutenios no arquipeacutelago japonecircs De entre os descendentes de Susano-o destacar-se-ia
Ōkuninushi-nushi-no-kami (大国主神) - literalmente ldquoo kami que governa os kunirdquo (kuni wo
shihaisuru kami国を支配する神) - Seguindo nas pisadas do casal Izanagi e Izanami e do
seu antepassado Susano-o Ōkuninushi empenhar-se-ia na ldquoconstruccedilatildeo da terrardquo 60
Por sua
vez Amaterasu e o seu consorte Taka-musubi-no-kami ldquodecidem estabelecer domiacutenio celesterdquo
57
TAKEDA Tsunegaki op cit pp45-47 58
AKEDA Tsunegaki op cit pp54-55 59
Curiosamente no episoacutedio de Tsukuyomi e Ukemochi (Nihon shoki) constata-se um grande paralelo com o
mito anterior Tsukuyomi mata Ukemochi-no-mikoto num acesso de raiva pela mesma razatildeo que Susano-o
Ukemochi tinha produzido comida pela boca efetivamente ldquosujando-ardquo (kegare) Como resultado Amaterasu
afasta-se definitivamente de Tsukuyomi dando iniacutecio agrave sucessatildeo dos dias e das noites Entretanto do cadaacutever da
kami brotam alimentos que seriam cultivados para consumo humano (gado arroz trigo etc) Nihonsinwa ldquo第
五段一書(十一)ウツシキアオヒトクサrdquo (Quinta secccedilatildeo 11 Utsushiki-aohitokusa) 日本書紀神代上
(Nihon shoki Kami-yo Parte Superior) (on line) lthttpnihonsinwacompage699htmlgt (consultado em 24-06-
2018) 60
TAKEDA Tsunegaki op cit pp55-60
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sobre o Ashihara Nakatsu kuni (葦原中国) tornando o territoacuterio oficialmente pertenccedila dos
amatsu-no-kami 61
Duas geraccedilotildees mais tarde Ninigi (neto de Amaterasu e Taka-musubi) desceria ao
domiacutenio do meio e receberia de Amaterasu as sanshū jingi (espada espelho e magatama)
oficializando o novo regime de governaccedilatildeo honrado pelo seu bisneto o futuro primeiro
Imperador humano do Japatildeo que adotaria o nome de Jinmu (神武) no seguimento das suas
campanhas bem-sucedidas contra os descendentes dos kunitsu-no-kami na planiacutecie de Yamato
61 No fundo constata-se uma segunda interrupccedilatildeo da ordem do cosmos cuja reposiccedilatildeo por
Ninigi e Jinmu definiria a nova reparticcedilatildeo do mundo Takamagahara continuaria a ser
governado por Amaterasu representante por excelecircncia dos amatsu-no-kami sendo que o
ldquodomiacutenio do meiordquo permaneceria sob o controlo da famiacutelia imperial cuja linhagem
descenderia diretamente de Amaterasu natildeo do seu irmatildeo Susano-o
12 Shintō como processo interaccedilotildees com outras ideias vindas de fora
Natildeo obstante o episoacutedio da descida de Ninigi e o relato da vitoacuteria de Jinmu sobre os
seus inimigos fazem parte de uma cuidadosa estrateacutegia poliacutetica enraizada na proacutepria corte
reconhecendo-se o papel de Amaterasu (Kojiki) ou de Taka-musubi-no-kami (Nihon shoki) 62
no processo de legitimaccedilatildeo da soberania da famiacutelia imperial sobre o territoacuterio japonecircs Em
ambos casos o resultado eacute o mesmo contraria-se o sistema caracterizado por unidades
familiares que detinham domiacutenio sobre um ou mais territoacuterios emergindo uma nova ordem
poliacutetica sediada na planiacutecie do Yamato e cujo liacuteder adota o tiacutetulo de Imperador (tennō 天皇)
destacando-se de outros liacutederes familiares pelo seu interesse para com sistemas e ideias vindas
de fora tais como as Vias de Confuacutecio do Dao e do Buda
121 Via de Confuacutecio dinamizando a eacutetica japonesa
No primeiro caso a tradiccedilatildeo confuciana introduz-se na esfera da educaccedilatildeo de corte
tornando-se indispensaacutevel para a criaccedilatildeo de poesia (ao estilo chinecircs natildeo japonecircs) e uma
61
BREEN John TEEUWEN Mark op cit pp 29-30 62
BREEN John TEEUWEN Mark op cit pp 29-30
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
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influecircncia nos comentaacuterios de capiacutetulos do Nihon shoki 63
De entre as vaacuterias escolas de
pensamento a de Zhu Xi tornar-se-ia extremamente popular dentro do sacerdoacutecio shintō
culminando na criaccedilatildeo de Suika shintō (垂加神道) por parte de Yamazaki Ansai (山崎 闇
斎 1612-1682) que enfatizava uma ldquoGrande Viardquo estabelecida por Amaterasu produzindo
um novo conceito de ldquoreverecircncia para o imperadorrdquo ligado com a noccedilatildeo de Japatildeo como a
ldquoterra dos kamirdquo 64
Durante o Periacuteodo Edo (1603-1868) a relaccedilatildeo entre confucionismo e shintō seria
levada a um outro patamar nascendo juka shintō (儒家神道) Fundamentando a teoria de que
estes dois sistemas eram um (shinju icchi神儒一致) 65
este tipo de shintō contribuiria para
criaccedilatildeo de outras vertentes natildeo tanto focadas na praacutetica de ritual mas antes na anaacutelise e
exposiccedilatildeo teoacuterica deste uacuteltimo e consequentemente a reinterpretaccedilatildeo de conceitos e ideias
shintō ao estilo confuciano por exemplo a linha de pensamento de Aizawa Seishizai (会沢
正志斎 1782-1863) atribui a Amaterasu qualidades como lealdade e piedade filial fazendo
de shintō uma ldquoVia Confucianardquo onde ldquoordem social construiacutea-se sobre lealdade e devoccedilatildeo
filial (hellip) para sempre envigorada pela atuaccedilatildeo exemplar do Imperador de atos rituais na
presenccedila da sua antepassada a deusa-solrdquo 66
Contudo a chegada de um periacuteodo moderno faz estender esta tradiccedilatildeo a outros
domiacutenios aleacutem de jinja shintō os setores confucianos de kyōha shintō (教派神道 )
denominados Shintō Shūseiha (神道修成派) e Shintō Taiseikyō (神道大成教) Tanto num
caso como no outro a linha de pensamento dos grupos eacute modelada pela vivecircncia do
ldquoorganizadorrdquo ou ldquofundadorrdquo por exemplo Nitta Kuniteru (新田 邦光 1829-1902) possuiacutea
uma visatildeo poliacutetica profundamente ldquolealistardquo focada na reverecircncia ao Imperador e na exclusatildeo
de ideias ldquoocidentaisrdquo que supostamente acelerassem o desenvolvimento do Japatildeo
Familiarizado com os claacutessicos confucianos e a Via do bushi (武士道) Nitta desenvolveria
com os seus companheiros uma mentalidade proacutepria que elevava shintō ao estatuto de uma
63
YAZAKI Hiroyuki ldquoShinto and Confucianismrdquo Encyclopedia of Shinto 1 General Introduction Religious
and Intellectual Influences on Shinto (on line) lthttpk-
amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23042gt (consultado em 24-06-2018) 64
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 311-312 65
YAZAKI Hiroyuki ldquoShinto and Confucianismrdquo Encyclopedia of Shinto 1 General Introduction Religious
and Intellectual Influences on Shinto (on line) lthttpk-
amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23042gt (consultado em 24-06-2018) 66
BREEN John TEEUWEN Mark op cit pp 29-30 p69
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 34
ldquoGrande Viardquo associada a obrigaccedilotildees morais patriotismo que deviam ser sempre praticados
pelos japoneses o que iria ao encontro das ideias do governo Meiji 67
Em 1876 o poder poliacutetico reconheceria Shūsei Kōsha (修成構社) ndash o grupo fundado
por Nitta ndash como um grupo independente nascendo oficialmente a Shintō Shūseiha uma
organizaccedilatildeo que possuiacutea dois grupos distintos de aderentes por um lado os estudantes de
Nitta do final do periacuteodo Edo por outro membros de outros grupos que se tinham juntado a
Shūseiha apoacutes a restauraccedilatildeo Meiji (1868) 68
No que concerne aos seus ensinamentos combinavam-se conceitos de shintō (kami)
com ldquoelementos da cosmologia de pensamento neo-confuciano e outras crenccedilas sincreacuteticasrdquo
notando-se a importacircncia do Nihon shoki e do Kojiki (de onde derivam os termos shū ndash shūri
修理 reparaccedilatildeo ndash e sei ndash de kōusei 構成 consolidaccedilatildeo) entre outros textos eacute no princiacutepio de
shūsei que ldquojaz a lei fundamental da evoluccedilatildeo do universo (hellip) o processo da humanidade e o
avanccedilar da sociedade se devem agrave operaccedilatildeo deste princiacutepio uacutenicordquo consolidado pela
observaccedilatildeo da ldquolei moral e os meios pelos quais os assuntos da famiacutelia e sociedade satildeo
administradosrdquo Enfatizando uma atitude de veneraccedilatildeo aos kami aos antepassados e eacute claro o
desenvolvimento de caraacutecter do individuo que devia atuar de forma correta mantendo
ldquotemperanccedila e frugalidaderdquo 69
shūseiha propotildee uma mistura de praacutetica e doutrina orientada
para o indiviacuteduo podendo ser interpretada como uma ldquodisciplinardquo que o guiasse ao longo da
sua vida natildeo muito diferente da proposta de shintō
Por outro lado Hirayama Seisai ( 平山省斎 1815-1890) acumulou cargos
governamentais e dedicou-se aos estudos de Chinecircs e Kokugaku em Edo No periacuteodo poacutes-
restauraccedilatildeo Meiji Hirayama teraacute inaugurado uma escola de estudos chineses no periacuteodo
gradualmente envolvendo-se em assuntos de cariz ldquoreligiosordquo ndash tornou-se sacerdote-liacuteder em
santuaacuterios relevantes como o de Hikawa e de Hie ndash ao ponto de formar em 1879 a Taisei
Kyōkai (大成教会) que em 1882 ganharia independecircncia e acomodaria dezenas de grupos
Shintō Taiseikyō 70
Enaltecendo o caraacutecter educativo de shintō o setor considera a veneraccedilatildeo dos jingi e
dos antepassados (o que em termos tradicionais natildeo representa nada de novo) como
responsabilidade do indiviacuteduo que por sua vez deve alcanccedilar a felicidade e viver ldquobemrdquo o que
67
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 221-224 68
INOUE Nobutaka ldquoThe Formation of Sect Shinto in Modernizing Japanrdquo Journal of Japanese Studies nordm 29
(3-4) 2002 pp 405-427 69
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 221-224 70
INOUE Nobutaka ldquoThe Formation of Sect Shinto in Modernizing Japanrdquo Journal of Japanese Studies nordm 29
(3-4) 2002 pp 405-427Studies
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 35
estaacute de acordo com a visatildeo positiva de shintō em relaccedilatildeo ao indiviacuteduo Uma vez que o ser
humano possui ldquobons espiacuteritosrdquo (possivelmente a tradiccedilatildeo original seria uma ldquoboardquo tamashii)
este tem a capacidade inerente de se autodisciplinar e autorreformar atraveacutes do devido esforccedilo
devendo confiar e executar o ritual ldquoagrave maneira de geraccedilotildees sucessivas de Cortes Imperiaisrdquo 70
Com efeito Taiseikyō procura honrar a tradiccedilatildeo de jinja shintō e reforccedila a ideia de que shintō
eacute para todos os efeitos uma Via criada para os humanos
29 (3-4) 2002 pp 405-427
122 Via do Dao cultivando a relaccedilatildeo entre o governo japonecircs e o culto aos kami
A segunda Via enfatiza a natureza ritual de shintō e eacute acolhida com o maior
entusiasmo pelo poder poliacutetico como se constata na narrativa cosmoloacutegica do Nihon shoki no
uso de espadas e espelhos em contexto ritual nos cultos ao Imperador agrave Estrela Polar e agrave
Ursa Maior 71
A Via do Dao definir-se-ia entatildeo como uma espeacutecie de auxiliar ao culto jingi
que se encontrava ao serviccedilo da corte imperial isto eacute da esfera privada agrave necessidade de
venerar os kami juntar-se-ia a atuaccedilatildeo poliacutetica uma noccedilatildeo expressa no conceito de
matsurigoto (政) Posteriormente recuperado e adaptado agrave mentalidade Meiji designando-se
saisei icchi (祭政一致) o princiacutepio de unidade da execuccedilatildeo dos ritosveneraccedilatildeo dos kami e de
governar o territoacuterio matsurigoto parece harmonizar os aspetos rituais e poliacuteticos dentro do
territoacuterio japonecircs algo reconhecido por Ono Sokyō no seu entender ldquofestivais e ritos para
vaacuterios kami tutelares e a administraccedilatildeo de clatildes e sociedade local eram essencialmente uma
uacutenica funccedilatildeordquo 72
Essecircncia do ritual em jinja shintō e kōshitsu shintō os matsuri satildeo tanto ocasiotildees
festivas e alegres como possuem um aspeto mais soacutebrio e solene sobretudo se realizados por
indiviacuteduos ligados ao poder poliacutetico no caso dos ldquoritos imperiaisrdquo deve-se incluir o lsquomatsuri
das origensrsquo (Genshi-sai元始祭 3 de Janeiro) a celebraccedilatildeo da passagem das estaccedilotildees do ano
- a Primavera (Shunki Shindensai 春季神殿祭 e Shunki Kōreisai 春季皇霊祭) e Outono
(Shūki Shindensai 秋季神殿祭 e Shūki Kōreisai 秋季皇霊祭 ) Acrescenta-se ainda o
Niinamesai (新嘗祭 23 de novembro) e o Kannamesai (神嘗祭 17 de outubro) 73
um dos
treze principais matsuri listados e calendarizados no Jingiryō
71
KURODA Toshio ldquoShinto in the History of Japanese Religionrdquo Journal of Japanese Studies nordm 7 (1) 1981
pp 1-21 72
ONO Sokyō op cit p76 73
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 79-80 p96
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 36
Supervisionados pelo Jingikan (神祇官) estes treze matsuri eram hierarquizados em
ldquomaiorrdquo ldquomedianordquo e ldquomenorrdquo ndash os ritos de maior importacircncia (taishi) eram celebrados
durante todo o mecircs os chūshi duravam trecircs dias e os shōshi apenas um dia 74
Kinensai
(ldquocerimoacutenia de preces para o Anordquo) era celebrado no segundo mecircs Chinkasai (ldquocerimoacutenia de
pacificaccedilatildeo das floresrdquo) no terceiro mecircs Kanmisosai (de caraacutecter bianual) no quarto e nono
meses Ōimisai (realizado no jinja de Hirose) no quarto e seacutetimo mecircs Saigusasai (realizado
no jinja de Ōmiwa) e Fūjinsai (matsuri em honra do kami do vento) no quarto e seacutetimo mecircs
No sexto e deacutecimo segundo mecircs celebrava-se o Tsukinamisai algo replicado no Chinkasai
(rdquocerimoacutenia da pacificaccedilatildeo do fogordquo) e Michiaesai (ldquocerimoacutenia dos quatro campos da
capitalrdquo) Quanto ao nono mecircs este estava reservado para o Kannamesai (ldquocerimoacutenia da
degustaccedilatildeo divina dos frutosrdquo) seguido do Ainamesai (ldquocerimoacutenia de partilha dos frutosrdquo) o
Chinkonsai (rdquocerimoacutenia para a pacificaccedilatildeo do espiacuteritos augustosrdquo) e o Daijōsai (rdquogrande
cerimoacutenia de degustaccedilatildeo dos frutosrdquo) agendados no deacutecimo primeiro mecircs 75
No fundo o Jingikan regulava o modo de veneraccedilatildeo dos jingi cujas metas revolviam
sempre em torno do bem puacuteblico obtenccedilatildeo de boas colheitas garantia da ldquosauacutede e seguranccedila
do imperador do palaacutecio e da capitalrdquo e eacute claro proteccedilatildeo contra invasotildees rebeliotildees e doenccedilas
que afetassem a populaccedilatildeo 76
o palaacutecio imperial era nada mais do que um centro de ritual e a
elite qualificada da capital a grande autoridade sobre todos os assuntos shintō e taoiacutestas
Como se pode constatar as atividades desta instituiccedilatildeo complementavam-se com a
atuaccedilatildeo do Escritoacuterio Yin-Yang (Onmyōryō 陰陽寮) Operado por dezenas de indiviacuteduos
empenhados na manutenccedilatildeo do equiliacutebrio coacutesmico atraveacutes dos mais diversos meios
(astronomia calendarizaccedilatildeo e adivinhaccedilatildeo yin-yang este oacutergatildeo seria o siacutembolo da adaptaccedilatildeo
da escola de pensamento on-myōdō ( 陰 陽 道 ) ao contexto japonecircs permitindo o
desenvolvimento de certas praacuteticas hoje aceites na cultura japonesa como formas de
lsquosupersticcedilatildeorsquo ou lsquomagiarsquo por exemplo a adivinhaccedilatildeo baseada nos signos do zodiacuteaco chinecircs
ou direccedilotildees da buacutessola 77
74
HAYASHI Makoto ldquoShinto and Onmyōdōrdquo Encyclopedia of Shinto 1 General Introduction Religious and
Intellectual Influences on Shinto (on line) lthttpk-
amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23043gt (consultado em 24-06-2018) 75
TAKASHIO Hiroshi ldquoJingiryōrdquo Encyclopedia of Shinto 3 Institutions and Administrative Practices
Ancient (on-line) lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23330gt
(consultado em 24-06-2018) 76
BREEN John TEEUWEN Mark op cit p32 pp36-37 77
HAYASHI Makoto ldquoShinto and Onmyōdōrdquo Encyclopedia of Shinto 1 General Introduction Religious and
Intellectual Influences on Shinto (on line) lthttpk-
amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23043gt (consultado em 24-06-2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 37
Durante o Periacuteodo Heian (794-1185) as proacuteprias cerimoacutenias onmyōdō adaptam-se
aos rituais estatais (positivos) sendo ldquointroduzidas como ritos de proteccedilatildeo pessoal para o
imperadorrdquo dirigidos a ldquocorpos celestiaisrdquo e aos kami Uns seacuteculos mais tarde a Via do Dao
tornar-se-ia objeto de interesse pelas ldquopessoas comunsrdquo que patrocinavam ldquoritosrdquo e
praticavam ldquomagia pessoal para convidar becircnccedilatildeos e evitar maacute-sorterdquo 77
Neste sentido on-
myōdō reconhecia a existecircncia de forccedilas ldquonegativasrdquo que deviam ser eliminadas e pacificadas
claramente enriquecendo a noccedilatildeo de ldquoespiritualidaderdquo em shintō
Uma Via fundada e divulgada por certas famiacutelias que lhe enalteciam um aspeto
ldquomaacutegicordquo onmyōdō conheceria especial popularidade em algumas escolas de pensamento
refletindo a existecircncia de movimentos internos da proacutepria Via dos kami que conjugavam o
aspeto mais praacutetico com a exposiccedilatildeo teoacuterica desta uacuteltima Assim onmyōdō tornar-se-ia uma
referecircncia para os autores responsaacuteveis pela criaccedilatildeo de Ise shintō (伊勢神道 ) e Yoshida
shintō (吉田神道) ambas possuindo uma relaccedilatildeo bastante familial os principais autores e
comentadores provinham de famiacutelias associados a um santuaacuterio especiacutefico sendo que os
Watarai de Ise shintō pertenciam ao Palaacutecio Externo (Gekū外宮) de Ise os Urabe de Yoshida
shintō uma das famiacutelias mais influentes no Jingikan ocupavam cargos de lsquosacerdotesrsquo em
Quioto concretamente nos jinja de Hirano Yoshida e Ume no Miya 78
Aleacutem de partilharem dos mesmos sentimentos de rejeiccedilatildeo face agrave doutrina honji-
suijaku (本地垂迹 ) que reduziria os kami a incarnaccedilotildees de bodhisattvas e budas e
consequentemente subordinando shintō agrave Via do Buda ndash revertendo a relaccedilatildeo shinbutsu ou
seja tornando as ldquodivindades budistasrdquo como manifestaccedilotildees de kami 79
as escolas estavam
familiarizadas com princiacutepios da cosmologia chinesa o Ruiju jingi hongen (類聚神祇本源
composto em 1320) de Watarai Ieyuki (度会 家行 1255-1351) expocircs a sua ldquoa teoria de Yin-
Yang e as Cinco Fases da Mateacuteria (inyō gogyō) no contexto de uma descriccedilatildeo da criaccedilatildeo do
ceacuteu e da terrardquo recorrendo agraves obras do filoacutesofo chinecircs Zhou Dunyi (周敦頤 1017-1073)
ceacutelebre pensador ldquoneo-confucianordquo e autor de um comentaacuterio ao Claacutessico das Mutaccedilotildees
(Yijing 易經 em japonecircs Eki-kyō 易経) e do ensaio de exposiccedilatildeo sobre o diagrama do
extremo supremo (taiji tushuo 太極圖說 taikyo kuzu) 80
Argumentando acerca do ldquoiniacutecio
como o iniacutecio e a origem como a origemrdquo Ieyuki considera o organismo humano como o
78
PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit pp 163-167 79
PICKEN Stuart op cit p173 80
YAO Xinzhong An Introduction to Confucianism New York Cambridge University Press 2000 pp98-99
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 38
coletivo dos cinco elementos que ldquocomungam com a origem da naturezardquo agrave qual se deve
regressar e entrar 81
No caso da escola Yoshida Yoshida Kanetomo (吉田兼俱 1435-1511) autor da
obra Shintō Taii (神道大尉) estabelece paralelos tais como ldquosete aberturas da cabeccedila com as
sete estrelas do ceacuteu e os cinco oacutergatildeos internos com as cinco fases da mateacuteria na terrardquo 82
por
conseguinte kami seriam descritos como uma forma de taiji (taikyo) a ldquoabsoluta existecircncia
anterior agrave formaccedilatildeo do ceacuteu e da terra transcendendo yin e yang embora sendo capaz de agir
com estas mesmas forccedilasrdquo uma vez que natildeo possuem forma concreta os kami possuiacuteam o
atributo da ldquocriatividaderdquo modelando todas as coisas existentes no mundo 83
Supervisionado pelo Ministeacuterio dos Assuntos Internos sob o coacutedigo ritsuryō o
Onmyōryō tornar-se-ia o palco de rivalidades familiares entre clatildes como os Abe (associados agrave
astrologia) e os Kamo (especialistas nas ciecircncias calendares) No periacuteodo Muromachi a
linhagem Abe (Tsuchimikado土御門) assumiria a posiccedilatildeo hereditaacuteria de superintendentes da
instituiccedilatildeo sendo que a casa dos Kamo (Kōtokui 幸徳井) contentar-se-ia com o segundo
lugar ocupando o cargo de vice-liacuteder No Periacuteodo Edo as disputas de autoridade em mateacuterias
de ritual condicionariam a crescente competiccedilatildeo entre os Tsuchimikado e uma terceira casa
os Yoshida se os Tsuchimikado seriam reconhecidos pelo bakufu como os responsaacuteveis pela
nomeaccedilatildeo dos lsquomestres do yin-yangrsquo (onmyōji 陰陽師) os Yoshida encarregar-se-iam dos
sacerdotes shintō 84
Em 1682 Tsuchimikado Yasutomi (土御門泰福 1655-1717) criaria
uma nova doutrina inspirada no pensamento de Yamazaki Ansai e de alguns pensadores de
Ise shintō bem como controlava e garantia ldquolicenccedilas a praticantes Yin-Yang pelas proviacutenciasrdquo
85
Na atualidade elementos de onmyōdō podem ser encontrados nas vaacuterias ramificaccedilotildees
de shintō tomando-se o exemplo de Tensha Tsuchimikado Shintō (天社土御門神道 )
Inspirada pela escola de Yasutomi e criada no poacutes-1945 como consequecircncia da concessatildeo de
liberdade religiosa esta organizaccedilatildeo centra-se na cerimoacutenia tensō chifusai (天曹地府祭) Um
81
PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit p176 82
HAYASHI Makoto ldquoShinto and Onmyōdōrdquo Encyclopedia of Shinto 1 General Introduction Religious and
Intellectual Influences on Shinto (on line) lthttpk-
amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23043gt (consultado em 24-06-2018) 83
PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit pp 163-167 84
NISHIOKA Kazuhiko ldquoTsuchimikado Shintōrdquo Encyclopedia of Shinto 8 Schools Groups and
Personalities Medieval and Early Modern Schools (on line) lthttpk-
amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=22576gt (consultado em 24-06-2018) 85
INOUE Nobutaka ldquoTsuchimikado Yasutomirdquo Encyclopedia of Shinto 8 Schools Groups and Personalities
(on line) lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=22771gt (consultado em
24-06-2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 39
matsuri de caraacutecter imperial tensō chifusai procurava a transmissatildeo dos ldquodesejosrdquo do novo
Imperador agraves ldquodivindadesrdquo on-myō embora gradualmente adquirisse popularidade junto dos
Tsuchimikado Praticada no seu jinja dedicado a Taizan Fukun 85
(泰山夫君) ndash em contexto
chinecircs atuava como magistrado do domiacutenio dos mortos e era um subordinado de Yama (em
japonecircs Enma閻魔) 86
ndash a cerimoacutenia garantiria longevidade e seguranccedila do novo imperador
bem como a manutenccedilatildeo do estado de paz no territoacuterio do Japatildeo e o bem-estar dos suacutebditos 85
as necessidades do coletivo pesavam mais do que as individuais
123 Via do Buda concoacuterdia e discoacuterdia entre praacuteticas shinbutsu
Apesar da influecircncia significativa do confucionismo e do taoiacutesmo em shintō ambos
sistemas de pensamento chinecircs natildeo partilham da categoria moderna de shūkyō no campo da
estatiacutestica japonesa apenas a Via do Buda eacute hoje reconhecido como tal juntando-se a shintō e
ao cristianismo trecircs ldquoreligiotildeesrdquo cujo impacto alterou a paisagem cultural japonesa embora a
quantidade de igrejas dificilmente se compara aos milhares de jinja e tera ou jirsquoin (templos
budistas) observando-se igualmente a presenccedila de determinados cultos e tendecircncias que
demonstram o caraacutecter sincreacutetico da relaccedilatildeo shinbutsu
No entanto os atos de veneraccedilatildeo aos kami eram na sua origem considerados como a
antiacutetese da Via do Buda dificultando tentativas de aproximaccedilatildeo entre os ldquocultosrdquo segundo os
decretos imperiais do Nihon shoki shintō ndash interpretado como kannagara (惟神 随神)
designando uma praacutetica delegada por Amaterasu aos seus descendentes e que seria traduzida
como ldquoseguir Shinto (hellip) ou carregar Shinto de forma naturalrdquo - e buppōbutsudō eram
encarados com respeito ou desdeacutem 87
No periacuteodo de governaccedilatildeo do Imperador Yōmei (用明
天皇) ambas eram consideras tradiccedilotildees vaacutelidas a seguir uma vez que este ldquoacredita na lei do
Buda e respeita shendaordquo (天皇信仏法尊神道) 88
um termo mais tarde identificado com
shintō
86
MASUO Shinrsquoichirō ldquoChinese Religion and the Formation of Onmyōdōrdquo Nanzan Institute for Religion and
Culture Japanese Journal of Religious Studies nordm 40 (1) 2013 pp 19ndash43 87
PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit pp 253-258 88
Durante o primeiro ano do reinado do imperador Kōtoku (孝徳天皇 supostamente ldquorespeita-se a lei do Buda
e ter shendao em pouca consideraccedilatildeordquo (尊仏法軽神道) SAKAMOTO T 日本書紀 国史大系版 (Nihon
shoki Ediccedilatildeo do Compecircndio da Histoacuteria Nacional) (on line) lthttpwwwj-textscomjodaishokiallhtmlgt
(consultado em 24-06-2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 40
Por volta da reforma Taika de 645 os ldquorituais budistasrdquo tinham encontrado o seu
lugar no palaacutecio imperial interagindo com os ritos para os kami 89
condicionando um cenaacuterio
de competiccedilatildeo que forccedilaria a adaptaccedilatildeo de shintō face a estas novas escolas e vice-versa
Destacando-se como uma nova forma de lei e doutrina inovadora cujo impacto se estenderia a
vaacuterias aacutereas nomeadamente arte arquitetura educaccedilatildeo e literatura a Via do Buda eacute elevada
ao estatuto de protetora do domiacutenio do Japatildeo o que natildeo implica uma relaccedilatildeo antagoacutenica com
o culto jingi antes pelo contraacuterio
Durante os periacuteodos Nara-Heian constroem-se os primeiros espaccedilos de veneraccedilatildeo
conjunta de kami e budas (jingū-ji (神宮寺) Todavia a contiacutenua associaccedilatildeo da nova Via agrave
vida aristocraacutetica reforccedilaria a ligaccedilatildeo dos cultos aos kami com as pessoas comuns 90
shintō
permanecia a religiatildeo da comunidade e o budismo a religiatildeo doutrinaacuteria de uma elite
empenhada na traduccedilatildeo e interpretaccedilatildeo dos sutras patrocinando a construccedilatildeo de templos e a
consequente instruccedilatildeo dos monges utilizando rituais budistas para seu benefiacutecio
Tal como os onmyōji se dedicavam a atividades de lsquoexorcismorsquo os monges
recorreriam a foacutermulas e outras teacutecnicas para controlar a ldquoviolecircncia de divindades espiacuteritos e
demoacutenios de todos os tipos incluindo os kamirdquo Por conseguinte a introduccedilatildeo e popularizaccedilatildeo
das linhas de pensamento favoraacuteveis agrave combinaccedilatildeo de elementos shinbutsu obrigaria a novas
interpretaccedilotildees do que se entende por kami outrora seres omnipotentes kami possuiriam um
estatuto equivalente ao de devas ou asuras e como tal sujeitavam-se a samṣara (rokudō rinne
六道輪廻) ao contraacuterio dos budas que tinham alcanccedilado a iluminaccedilatildeo (satori 悟り) 91
No final do periacuteodo Nara promover-se-ia a teoria de que os kami eram nada mais do
que ldquodivindadesrdquo tutelares dos ensinamentos budistas clarificando a relaccedilatildeo de superioridade
do budismo para com shintō e como tal poderiam ser salvas como qualquer outro ser dos seis
domiacutenios 92
neste sentido vida e morte fazem parte do mesmo ciclo do qual apenas alguns se
podem libertar colocando todos os habitantes dos seis caminhos em peacute de igualdade para
shintō a necessidade de ldquosalvaccedilatildeordquo da roda de reencarnaccedilatildeo atraveacutes de satori natildeo se justifica
todos os seres vivos partilham do mesmo caminho - nasciam viviam no seu mundo (em
sociedade com outros kami e humanos) e a sua lsquoformarsquo ou corpo possui os seus limites
89
SATŌ Masato ldquoShinto and Buddhismrdquo Encyclopedia of Shinto 1 General Introduction Religious and
Intellectual Influences on Shinto (on line) lthttpk-
amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23041gt (consultado em 24-06-2018) 90
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 20-23 91
BREEN John TEEUWEN Mark opcit p 38-39 92
SATŌ Masato ldquoShinto and Buddhismrdquo Encyclopedia of Shinto 1 General Introduction Religious and
Intellectual Influences on Shinto (on line) lthttpk-
amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23041gt (consultado em 24-06-2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 41
naturais apoacutes a morte fiacutesica os uacutenicos traccedilos de existecircncia de uma forma de vida encontrar-
se-iam na tamashii (魂) um atributo interior de kami e humanos
Paralelamente agrave expansatildeo do budismo no Japatildeo desenvolve-se a primeira fase da
vertente acadeacutemica de shintō caracterizada pela adoccedilatildeo de conceitos e fundamentaccedilatildeo de
teorias de bukkyō como o princiacutepio honji-suijaku aplicado pelos setores mais populares do
periacuteodo Heian Tendai (天台宗) e Shingon (真言宗) reavaliando-se a relaccedilatildeo entre kami e
outros ldquoseresrdquo reconhecidos pela Via do Buda Assim kami tornar-se-iam suijaku (lsquotraccedilosrsquo垂
迹) dos honji (lsquoessecircnciasrsquo本地) que se encontravam em budas (hotoke 仏) e bodhisattvas
(bosatsu菩薩) por exemplo Jizō (地藏) eacute identificado com Hiraoka-amakoyane-no-mikoto
um dos kami consagrados no Kasuga Jinja 93
no complexo de Ise encontrar-se-ia o honji
Mahāvairocana Tathagata (Dainichi Nyorai 大日如来 ) e em Hakusan o bosatsu da
compaixatildeo Kannon (観音) 94
O esforccedilo de cooperaccedilatildeo entre ambas tradiccedilotildees atingiria o seu auge com o
aparecimento das trecircs escolas xintoiacutestas de base budista Tendai shintō (天台神道) Ryōbu
shintō (両部神道) e Hōkke shintō (法華神道) respetivamente associadas agraves doutrinas dos
monges Saichō Kūkai e Nichiren Tendai Shintō tambeacutem conhecido pela designaccedilatildeo Sannō
Ichi-jitsu shintō apoia-se no estudo do Sutra do Loacutetus e coloca em praacutetica a teoria honji-
suijaku identificando Hiyoshi Sannō o lsquokami guardiatildeorsquo (shugojin 守護神 ) do templo
Enryaku-ji como o suijaku de Śākyamuni o ldquorei do Dharma do sutra do Loacutetusrdquo Possuindo
uma importacircncia mais local do que nacional e centrada em Hiei Quioto Tendai shintō
popularizaria o ato de meditaccedilatildeo ambulante em torno dos sub-santuaacuterios do ldquoSantuaacuterio de Hierdquo
e ldquoperegrinaccedilotildees mentaisrdquo nas quais os suplicantes ldquovisualmenterdquo visitavam os santuaacuterios 95
Agrave semelhanccedila da escola Tendai Ryōbu shintō favorece a combinaccedilatildeo de elementos
ldquobudistasrdquo (ldquoesoteacutericosrdquo) e shintō focando-se na relaccedilatildeo do Ise jingū (伊勢神宮) com as
mandalas kongokai e taizokai representaccedilotildees do ldquoDomiacutenio do Diamanterdquo e do ldquoDomiacutenio do
Ventrerdquo por sua vez associados ao Gekū e ao lsquopalaacutecio internorsquo (Naikū 内宮 ) de Ise
93
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 20-23 94
SATŌ Masato ldquoShinto and Buddhismrdquo Encyclopedia of Shinto 1 General Introduction Religious and
Intellectual Influences on Shinto (on line) lthttpk-
amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23041gt (consultado em 24-06-2018) 95
SATŌ Masato ldquoSannō Shintōrdquo Encyclopedia of Shinto 8 Schools Groups and Personalities Medieval and
Early Modern Schools (on line) lthttpk-
amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=22572gt (consultado em 24-06-2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 42
respetivamente96
Descrita como ldquoshintō combinatoacuterio baseada nas mandalas duais
fundamentais de Budismo esoteacuterico Shingonrdquo por Yoshida Kanetomo 97
- expoente da teoria
Yuiitsu shintō (唯一神道) na qual kami se torna o centro de tudo incluindo do ceacuteu e da terra
ldquodemoacuteniosrdquo animais e o proacuteprio kokoro dos humanos 98
- Ryōbu shintō influenciaria as
escolas de Ise e Yoshida 96
No que concerne agrave uacuteltima escola Hokke shintō recebe influecircncias do ldquobudismordquo
Nichiren (日蓮宗) uma das seitas mais populares do Periacuteodo Kamakura (1185-1333) por sua
vez derivada da lsquoseita da Terra Pura (Jōdo-shū 浄土宗rdquo) propagando a doutrina de mappō
(末法) o momento final do Dharma exaltada pelo monge Nichiren (日蓮 1222-1282)
Essencialmente portador de uma linha de pensamento reacionaacuteria ao budismo Heian
Nichiren considerava Tenshō Daijin (Amaterasu) e Hachiman como shugojin do Verdadeiro
Dharma reconhecendo igualmente a existecircncia de ldquodivindades tutelares do Sutra do Loacutetusrdquo
que tanto protegeriam a realidade na qual se verificasse a concretizaccedilatildeo do Verdadeiro
Dharma como poderiam escolher abandonaacute-la caso a Lei natildeo fosse aplicada 99
Por
conseguinte esta tradiccedilatildeo teria sido formada pelo superintendente do templo Shuryōgonin
associava-se deste modo os trinta dias do mecircs a trinta diferentes jinja e complexos tais
como Atsuta Jingū Suwa Shōshin-ji Hachiō-ji Inari Kibune Hachiman Kasuga Ise Gion
entre outros 100
Partilhando com Tendai o estudo do Sutra do Loacutetus a escola Hokke influenciaria as
ideias de Yoshida shintō e continuaria a desenvolver-se ao longo dos Periacuteodos Muromachi e
Edo surgindo uma seacuterie de obras e fasciacuteculos comentando acerca desta forma de shintō tais
como Hokke Shintō Hiketsu (法華神道秘訣) atribuiacutedo a Nitchō (日澄 1441-1510) 99
No seguimento da instauraccedilatildeo da terceira e uacuteltima casa militar no poder poliacutetico
budismo eacute relegado para um plano mais secundaacuterio aleacutem do aumento do nuacutemero de
96
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp298-299 97
ITŌ Satoshi ldquoRyōbu Shintōrdquo Encyclopedia of Shinto 8 Schools Groups and Personalities Medieval and
Early Modern Schools (on line) lthttpk-
amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=22800 (consultado em 24-06-2018) 98
PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit pp 163-167 99
Itō explica que esta doutrina (shintenjō hōmon) seria acolhida pelo ldquoculto Tendai de trinta divindades tal como
era praticado no Monte Hieirdquo ITŌ Satoshi ldquoHokke Shintōrdquo Encyclopedia of Shinto 8 Schools Groups and
Personalities Medieval and Early Modern Schools (on line) lthttpk-
amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=22565gt (consultado em 24-06-2018) 100
ITŌ Satoshi ldquoSanjūbanshinrdquo Encyclopedia of Shinto 2 Kami (Deities) Combinatory Kami (on line)
lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=22464gt (consultado em 24-06-
2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 43
ocorrecircncias de funerais shintō realizados por famiacutelias como os Yoshida bem como a reduccedilatildeo
da quantidade de tera e jinja que favorecessem uma abordagem ldquocombinatoacuteriardquo 101
surge a
niacutevel acadeacutemico o movimento fukko shintō (復古神道) que propunha um ldquoreavaliaccedilatildeordquo de
shintō rejeitando-se severamente ideias externas
Nestas circunstacircncias Hirata Atsutane (平田篤胤 1774-1842) representante da
vertente mais ldquoradicalrdquo da escola kokugaku assume uma posiccedilatildeo particularmente criacutetica da
Via do Buda suposta total antiacutetese de shintō que por sua vez era emulado como uma ldquovia
antigardquo (kodō 古道) no seu Kodō Taii (古道大尉) redigido em 1811 Hirata idealiza o Japatildeo
como a ldquoTerra dos kamirdquo cujos habitantes satildeo ldquoracialmente superioresrdquo entendendo budismo
como uma ldquoreligiatildeordquo inventada por um homem ndash Śākyamuni ndash cujas doutrinas eram ldquofalsasrdquo
ao ponto de apagarem por completo a ldquoverdade originalrdquo da existecircncia de uma entidade
omnipresente criadora denominada nos textos antigos de Brahmā que Hirata identifica com
Kami-musubi-no-kami 102
Por conseguinte o sentimento anti-budista expresso por Hirata teria as suas
repercussotildees em alguns territoacuterios no periacuteodo final do xogunato Tokugawa gerando-se o
movimento haibutsu kishaku (廃仏毀釈) cuja linha de pensamento tornar-se-ia devastadora
para a Via do Buda desde a destruiccedilatildeo de templos halls imagens rituais apropriaccedilatildeo de
propriedades dos templos na economia dos domiacutenios agrave laicizaccedilatildeo forccedilada dos monges o
budismo enquanto religiatildeo perderia credibilidade e significado cultural entre a populaccedilatildeo 103
ao contraacuterio de shintō por sua vez equiparado a uma ideologia poliacutetica a partir de 1868
inaugura-se assim um dos momentos mais negros da histoacuteria shinbutsu
13 Shintō no periacuteodo moderno antes e depois de 1945
O periacuteodo de vigecircncia da ideologia Meiji (1868-1945) eacute tambeacutem um periacuteodo de
perseguiccedilatildeo interna para a Via do Buda e nas palavras de Picken um exemplo de ldquoabuso e
manipulaccedilatildeordquo de shintō 104
a Ordenaccedilatildeo de Distinccedilatildeo de Shintō e Bukkyō (shinbutsu
hanzenrei 神仏判然令 ) de 1868 oficializa a poliacutetica de separaccedilatildeo de shintō e bukkyō
(shinbutsu bunri 神仏分離) expressa pela interdiccedilatildeo de ldquonomes de estilo Budista para kami
101
BREEN John TEEUWEN Mark opcit pp 38-39 102
PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit pp 213-215 103
SAKAMOTO Koremaru ldquoHaibutsukishakurdquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and Doctrines Doctrines
and Theories (on line) lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23552gt
(consultado em 24-06-2018) 104
PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit pp 87-88
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 44
a proibiccedilatildeo de se usar imagens Budistas para representar kami e a remoccedilatildeo de implementos
rituais Budistas de espaccedilos rituais Shintōrdquo 105
Seguindo nos passos do movimento haibutsu
kishaku
Tendo como meta uma visatildeo de shintō como lsquonatildeo-religiatildeorsquo estatal o novo regime
restabeleceria o Jingikan - substituiacutedo dois anos depois pelo Jingishō (神祇省) ndash e procederia
agrave instauraccedilatildeo de um sistema hieraacuterquico piramidal de jinja imperiais e nacionais (1870-1871)
delegando-se cargos a funcionaacuterios puacuteblicos Abolindo-se o sistema de hereditariedade
sacerdotal jinja tornam-se instituiccedilotildees nacionais e espaccedilos de visita obrigatoacuteria e natildeo
espontacircnea 106
131 A visatildeo ldquonacionalistardquo Meiji uma ldquonatildeo-religiatildeordquo ao serviccedilo do Estado
japonecircs
Se as restantes ldquoreligiotildeesrdquo eram entendidas como secundaacuterias - permanecendo sob a
tutela do Escritoacuterio de Religiatildeo do qual faziam parte os treze ldquosetoresrdquo de kyōha shintō - o
culto jingi era colocado sob a alccedilada do Jinjakyoku (神社局) perdendo gradualmente a sua
natureza religiosa todos os meios eram vaacutelidos para inculcar nas mentes dos japoneses a ideia
de que shintō natildeo era uma religiatildeo ldquopatrociacutenio apoio perpetuaccedilatildeo controlo e disseminaccedilatildeordquo
de shintō pelos vaacuterios niacuteveis de governo e por funcionaacuterios puacuteblicos ldquosubordinados e
empregadosrdquo o constante ensino de doutrina ldquoxintoiacutestardquo ldquonacionalistardquo ou ldquoultranacionalistardquo
em manuais escolares o ato de visitar santuaacuterios por obrigaccedilatildeo e execuccedilatildeo de ritos
patrocinadas por instituiccedilotildees educacionais a circulaccedilatildeo de textos explicativos da doutrina
kokutai (国体) 107
Em contexto legal tambeacutem os proacuteprios santuaacuterios xintoiacutestas sofreriam o impacto
desta abordagem poliacutetica de shintō que reavivava a ligaccedilatildeo co-dependente entre o poder
poliacutetico e shintō (na sua forma de culto jingi) tornando shintō uma instituiccedilatildeo patrioacutetica que
devia ser salvaguardada por todos o ano de 1900 marcaria o iniacutecio do controverso processo
de aglutinaccedilatildeo de jinja (Jinja-Gappei 神社合併) Apagando a existecircncia de milhares de jinja
ldquonatildeo-qualificadosrdquo o movimento expressava uma transferecircncia forccedilada de kami para outros
105
SATŌ Masato ldquoShinto and Buddhismrdquo Encyclopedia of Shinto 1 General Introduction Religious and
Intellectual Influences on Shinto (on line) lthttpk-
amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23041gt (consultado em 24-06-2018) 106
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 36-39 107
PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit pp 114-116
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 45
jinja minando a relaccedilatildeo destes espaccedilos com as comunidades locais se em 1880 existiam
cerca de 157 mil jinja do povopuacuteblicos (minsha民社) em 1929 o nuacutemero rondaria os 112
mil e em 1947 mais de 87 mil 108
De um modo geral shintō estatal (kokka shintō 国家神道) cimentou a ideia de que
um certo tipo de shintō estava aleacutem de ser ldquoreligiatildeo termo que no Periacuteodo Meiji tinha como
elementos um fundador individual e a uma organizaccedilatildeo privada realizando-se atividades de
caraacutecter voluntaacuterio 108
o que nada tinha a ver com o culto jingi praticar shintō era nada mais
do que um dever e uma demonstraccedilatildeo de sentimentos patrioacuteticos essenciais ao bom
funcionamento da naccedilatildeo japonesa recorrendo-se a conceitos como kannagara akitsu-mikami
(現御神) hakkō-ichiu (八紘一宇) que naturalmente tinham sido readaptados face ao status-
quo kannagara por exemplo descrevia uma lsquofeacutersquo que incide no indiviacuteduo e faz com que este
sirva o coletivo nunca a si mesmo expressando ainda ldquoum sentimento de assimilaccedilatildeo e
harmoniardquo 109
akitsu-mikami significava uma ldquodivindade incarnadardquo identificada com o
proacuteprio imperador que deve ser venerado tal como os seus antepassados por parte dos seus
suacutebditos 110
hakkō-ichiu (ldquoa terra inteira debaixo do mesmo tetordquo) era usado como slogan
simboacutelico do poderio militar japonecircs 111
ecoando a noccedilatildeo de tian xia isto eacute lsquodebaixo do ceacuteursquo
(tenka 天下) que em contexto do pensamento chinecircs arcaico e confuciano definia o escopo
do tianming ou lsquomandato do ceacuteursquo (tenmei天命) entregue a um futuro soberano
No fundo reforccedila-se a suposta superioridade do Japatildeo enquanto naccedilatildeo ldquodivinardquo e por
associaccedilatildeo do proacuteprio imperador cuja ldquoalma divinardquo eacute representada por Amaterasu o liacuteder do
Impeacuterio age senatildeo em nome desta uacuteltima sendo que todos os japoneses reconhecem e
reverenciam a sua linhagem transmitida ldquonuma linha inquebraacutevelrdquo o trono e o Imperador satildeo
uma extensatildeo de Amaterasu conferindo-lhe um estatuto ldquoinviolaacutevelrdquo Como tal a aacuterea de
governaccedilatildeo do Imperador natildeo pode ser reduzida ao Japatildeo mas antes a todo o nosso mundo
um papel partilhado com a kami do Sol e Taka-musubi-no-kami 109
108
SHIELDS James ldquoBeyond Belief Japanese Approaches to the Meaning of Religionrdquo Studies in Religion
Sciences religieuses nordm 39 (2) 2010 pp 133-149 109
PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit pp 127-128 110
PICKEN Stuart op cit pp 105 111
PICKEN Stuart op cit pp 111
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 46
132 Divulgaccedilatildeo de um legado cultural e histoacuterico shintō a mais popular religiatildeo
japonesa
O fim da 2ordf Guerra Mundial eacute justamente descrito como o ponto de viragem para as
religiotildees japonesas desde 1945 que shintō eacute estatisticamente uma religiatildeo viabilizando um
processo de reinvenccedilatildeo e adaptaccedilatildeo agraves necessidades de uma sociedade japonesa moderna
surgem assim novos movimentos religiosos parcialmente baseados em ideias shintō budistas
ou cristatildes algumas mais do que outras testemunho vivo da liberdade religiosa expressa a
niacutevel constitucional
No que concerne aos espaccedilos de veneraccedilatildeo estes satildeo devidamente legalizados como
corporaccedilotildees religiosas (shūkyō hōjin宗教法人) desde 1946 operando quer como extensotildees
de terceiros (grupos inclusivos) ou como unidades (tanrsquoi単位) independentes destes grupos
inclusivos (tanritsu shūkyō dantai単立宗教団体) a cada grupo inclusivo (hōkatsu dantai包
括団体) corresponde uma categoria proacutepria - kyōha (教派) shūha (宗派) comunidade
religiosa (kyōdan教団) ordem (shūdoukai 修道会) - que por sua vez incorpora tanrsquoi jinja
jirsquoin (寺院) igrejas (kyōkai教会) e mosteiros (shūdōin修道院) 112
Por conseguinte todos os dados reportados satildeo compilados pela Divisatildeo de Assuntos
Religiosos da Agecircncia para Assuntos Culturais do Ministeacuterio da Educaccedilatildeo (Bunka-chō
shūmuka kyōiku-shō 文化庁宗務課 教育省) que se apoia na definiccedilatildeo de ldquoorganizaccedilatildeo
religiosardquo (shūkyō dantai 宗教団体) promulgada pela Constituiccedilatildeo qualquer grupo local
focado na ldquodisseminaccedilatildeo de ensinamentos religiosos a conduccedilatildeo de cerimoacutenias e funccedilotildees e a
educaccedilatildeo e nutrimento dos crentesrdquo deve ser considerado uma shūkyō dantai que deteacutem
autoridade sobre o processo de qualificaccedilatildeo e quantificaccedilatildeo dos aderentes e do sacerdoacutecio 112
por exemplo a instruccedilatildeo dos candidatos a posiccedilotildees dentro dos santuaacuterios eacute disponibilizada
pelas Universidade Kokugakuin (國學院大學) de Toacutequio e a Universidade Kōgakkan (皇學
館大学) em Ise esta uacuteltima focada no treino de ldquosacerdotes para recitar as liturgias e perceber
o significado dos rituaisrdquo 113
Operando a niacutevel prefeitural ou nacional a categoria shūkyō hōjin faz parte da visatildeo
moderna japonesa de religiatildeo em 1998 o Anuaacuterio de Religiotildees (shūkyō nenkan 宗教年鑑)
do 10ordm Ano da Era Heisei registava mais de 85 mil grupos religiosos shintō 104553179
112
TAMARU Nobuyoshi REID David Religion in Japanese Culture Where Living Traditions Meet a
Changing World Tokyo Kodansha International 1996 pp 218-219 113
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 188-190
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 47
seguidores shintō (492) mais de 81 mil jinja 15 jirsquoin e 1276 locais de propagaccedilatildeo religiosa
(fukyōjo布教所) bem como cerca de 88 mil ldquoprofessoresrdquo (kyōshi 教師) Em contrapartida
bukkyō tinha apenas 78 mil grupos religiosos mais de 95 milhotildees de aderentes e um nuacutemero
superior de kyōshi mais de 77 mil templos apenas 10 jinja e cerca de 3000 fukyōjo 114
No
ano de 2015 constatava-se uma pequena evoluccedilatildeo negativa 485 dos aderentes seguiam
shintō e apenas 87 milhotildees eram supostamente budistas registando-se igualmente uma
descida do nuacutemero de kyōshi tanrsquoi e corporaccedilotildees shintō e budistas 115
Apesar de os dados publicados pela Agecircncia poderem natildeo corresponder agrave realidade
o campo estatiacutestico esforccedila-se por explicar ao puacuteblico o que se entende por shintō bukkyō e
kirisutokyō recorrendo a uma categorizaccedilatildeo que eacute acima de tudo coerente face agrave sua
evoluccedilatildeo histoacuterica no caso concreto de shintō os Anuaacuterios de Religiotildees reconhecem trecircs
ramificaccedilotildees ou kei (系) jinja shintō (神社神道) kyōha shintō e shin shūkyō shintō (新宗教
神道) 116
destas trecircs somente a primeira inclui uma organizaccedilatildeo que tambeacutem serve de porta-
voz aos interesses da maior parte dos jinja espalhados pelo paiacutes a Jinja Honchō (神社本庁)
Ceacutelebre instituiccedilatildeo criada em 1946 no seguimento da fusatildeo de outros trecircs grupos privados eacute
ateacute hoje o ldquouacutenico corpo coordenativo para Shinto no Japatildeo e o uacutenico oacutergatildeo (para aleacutem dos
santuaacuterios individuais) pelo qual Shinto pode ser formalmente representado a um largo niacutevel
administrativordquo 117
Regulando a atuaccedilatildeo das atividades dos jinja a Jinja Honchō permanece o ldquogrupo
religiosordquo mais numeroso no que concerne a espaccedilos de veneraccedilatildeo aderentes (perto de 80
milhotildees) e kyōshi (aprox217 milhotildees) 116
e apresenta-se como um oacutergatildeo mais moderado que
os seus predecessores do Periacuteodo Meiji ndash Jingikan Jingishō (神祇省) Kyōbushō (教部省) e
Jingirsquoin (神祇院) ndash capaz de conjugar as funccedilotildees de supervisor dos jinja e de autoridade em
assuntos shintō Sinteticamente esta associaccedilatildeo tem como metas perpetuar as tradiccedilotildees
desenvolvidas em contexto de jinja shintō como demonstraccedilatildeo de gratidatildeo aos kami e aos
antepassados - a realizaccedilatildeo de cerimoacutenias e ritos - ldquoservir a sociedade e outrosrdquo e na
qualidade de ldquomensageiros de kamirdquo aspirar a melhorar e consolidar este mundo Por uacuteltimo
deve-se identificar ldquoas proacuteprias mentes com a do Imperadorrdquo e ldquorezar pela prosperidade do
114
Bunka-chō Bunkabu shūmuka Shūkyō Nenkan Heisei 10 Han (宗教年鑑平成 10 版) Tokyo Bunka-chō
1998 115
Bunka-chō Bunkabu shūmuka Shūkyō Nenkan Heisei 27 Han (宗教年鑑平成 27 版) Tokyo Bunka-chō
2016 116
Bunka-chō Bunkabu shūmuka Shūkyō Nenkan Heisei 27 Han (宗教年鑑平成 27 版) Tokyo Bunka-chō
2016 117
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 41-42
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 48
paiacutes e por coexistecircncia paciacutefica e coprosperidade para as pessoas do mundordquo 118
claramente
realccedilando o caraacutecter natildeo individual patente em shintō
2 SOCIEDADE ldquoESPIRITUALIDADErdquo E ldquoEacuteTICArdquo A ldquoVIA DOS KAMIrdquo E O
REGRESSO Agrave Ordem
Aceitar shintō pressupotildee que o indiviacuteduo realize rituais positivos com uma ldquomente
clara pura e sincerardquo 118
devendo-se ter em atenccedilatildeo o termo ldquomenterdquo o facto de Ono ter
como puacuteblico-alvo natildeo japoneses poderaacute justificar esta escolha de traduccedilatildeo que se afasta do
texto original por exemplo ldquoakikiyoki makoto wo nite saishi ni isoshimukoto (明き清きまこ
とを以て祭祀 [さいし] にいそしむこと) corresponde a ldquodevotar-nos aos atos de veneraccedilatildeo
(aos kami) com uma mente clara pura e sincerardquo ldquoŌmikokoro wo itadakite mutsubirdquo (大御
心 [おおみこころ]をいただきてむつび) 119
eacute ldquoidentificaccedilatildeo das proacuteprias mentes com a
(mente) do Imperadorrdquo Assim o termo torna-se makoto Juntamente com o kokoro ambos
vocaacutebulos fundamentam a perspetiva eacutetica de shintō Por sua vez mutsubi (musubi) auxilia na
compreensatildeo da relaccedilatildeo de shintō com o indiviacuteduo e por associaccedilatildeo com os kami
21 A relaccedilatildeo entre kami e humanos uma resposta a preocupaccedilotildees coletivas e
individuais
Claramente uma Via focada no bem-estar humano shintō ilustra um forte caraacutecter
social e eacutetico que eacute complementado pelo desenvolvimento de uma lsquoespiritualidadersquo proacutepria
associada agrave perceccedilatildeo japonesa do ldquosagradordquo como jaacute anteriormente mencionado este
domiacutenio estaacute associado a kami e a sua presenccedila pode ser ldquosentidardquo em certas ocasiotildees
nomeadamente durante os matsuri e as cerimoacutenias executadas pelos ldquosacerdotesrdquo (shinkan 神
官) a descriccedilatildeo de Picken de shintō como ldquoefectivamente uma religiatildeo que eacute mais lsquoapanhadarsquo
do que lsquoensinadarsquo os seus discernimentos lsquopercecionadosrsquo antes de serem lsquoacreditadosrsquo os
118
ONO Sokyō Shinto the Kami Way Singapore Tuttle Publishing 2004 p82 119
A expressatildeo Ōmikokoro (ou Mikokoro 御心) eacute uma forma respeitosa de se referir ao Imperador (ou aos kami)
que surge nas norito ou em outros textos oficiais Jinja Honchō ldquo主な活動rdquo (Atividades gerais) 神社本庁のご案 内 (A orientaccedilatildeo da Jinja Honchō) (on-line) lthttpwwwjinjahonchoorjpintroductionactivitygt
(consultado em 24-06-2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 49
seus baacutesicos conceitos mais do que lsquosentidosrsquo do que lsquopensadosrsquordquo 120
faz da praacutetica e da
experiecircncia do indiviacuteduo o seu alicerce Deste modo confere-se ao homem um papel ativo e
de participante quer se trate de um visitante que reze aos kami esperando por uma resposta
quer seja algueacutem dedicado a servir os kami (ldquosacerdotesrdquo por exemplo) a decisatildeo de executar
os rituais (associados agrave Ordem) cabe ao homem
Soacute o homem possui a capacidade de entrar num domiacutenio diferente deparando-se com
vaacuterios siacutembolos que assinalam a ldquopresenccedilardquo do kami Mircea Eliade nota que o homem
apercebe-se do ldquosagradordquo porque este escolhe mostrar-se isto eacute manifesta-se das mais
variadas formas algo descrito pelo autor como ldquohierofaniardquo identificando a ldquohistoacuteria de
religiotildeesrdquo como portadora de um legado de ldquohierofaniasrdquo ndash elementares e complexas ndash e
argumentando que a manifestaccedilatildeo de ldquoalgo de uma ordem totalmente diferente uma realidade
que natildeo pertence ao nosso mundordquo eacute visualmente expressa por ldquoobjetos que satildeo uma parte
integral do nosso mundo natural lsquoprofanorsquordquo 121
em shintō esta perspetiva lembra o conceito
de kami enquanto atributo o ato de atar uma shimenawa (しめ縄) corda da qual pendem
pequenas tiras em formato ziguezague a um objeto (pilares rochas) ou uma aacutervore (shinboku
神木) e o uso da gohei (御幣) um enfeite colocado diante das portas do ldquosantuaacuterio interiorrdquo
(shinden 神殿) representam a transiccedilatildeo do vulgar para o extraordinaacuterio se fisicamente o
objeto permanece tal e qual como antes de uma perspetiva espiritual e natildeo racional o objeto
torna-se uma extensatildeo do kami
Por conseguinte a noccedilatildeo de ldquohierofaniardquo pensada por Eliade poderia aplicar-se aos
shintai (神体) e mitamashiro (御魂代) objetos diretamente ligados agrave sobrevivecircncia dos jinja
garantindo um estatuto lsquosagradorsquo dos jinja enquanto o kami permanecer nesse local 122
durante a Jinja Gappei milhares de santuaacuterios perderam a sua razatildeo de existir na sequecircncia
da transferecircncia permanente dos supostos representantes do kami 123
No fundo eacute a ausecircncia
destes objetos condiciona o fim do jinja
Essencialmente espaccedilos mantidos graccedilas aos esforccedilos da comunidade jinja
desempenham serviccedilos que incidem na esfera puacuteblica e privada todo o jinja revolve em torno
das pessoas familiarizadas com a aacuterea de atuaccedilatildeo e os atributos do kami ao qual apelam
preocupaccedilotildees econoacutemicas satildeo geralmente da responsabilidade de Inari (稲荷) e Ebisu (恵比
120
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit p xxxii 121
ELIADE Mircea op cit pp 10-12 122
ONO Sokyō op cit p21 pp-24-25 pp98-99 123
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 36-39
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 50
須) o primeiro eacute identificado como o kami protetor do cultivo de arroz e dos cinco cereais
enquanto que o segundo eacute associado ao setor comercial desde o seacutec XII 124
Protetor dos mercadores em meio urbano e de campos de arroz nas aacutereas rurais 124
Ebisu faz parte dos Shichi Fukujin (七福神) um grupo de sete kami associados agrave boamaacute
sorte Daikokuten (大黒天) representante da prosperidade comercial apesar de tambeacutem ser
identificado com um deva domeacutestico da cozinha Mahakala Jurōjin (寿老人) ldquokami de uma
estrela no Taoiacutesmordquo bem como um ldquoermitardquo Jaacute Fukurokuju (福禄寿) eacute o kami da riqueza
prosperidade e longa vida e Hotei (布袋) ldquoum monge chinecircs e uma incarnaccedilatildeo de Maitreyardquo
(Miroku 弥勒) 125
Por uacuteltimo Bishamonten (毘沙門天) e Benzaiten (弁財天) tecircm origens
indianas se Bishamonten um kami de temperamento forte e marcial eacute identificado com
Vaiśravaṇa Beizaiten eacute equiparada agrave devī Sarasvatī 126
No que concerne a preocupaccedilotildees mais pessoais como aprovaccedilatildeo nos exames de
admissatildeo da faculdade eacute costume visitar-se o Kitano Tenmangū (北野天満宮) de Quioto
onde se venera Tenjin127
Ao contraacuterio de outros kami Tenjin natildeo se tornou kami de um dia
para o outro a consagraccedilatildeo da ldquoalmardquo de Michizane ldquoresultou de um esforccedilo extraordinaacuterio
do governo de lidar com uma manifestaccedilatildeo perturbadora de crenccedila Alma-Zangada (onryo)
que (hellip) foi grandemente influenciada pelo corrente interesse em ideias Chinesas e crenccedilasrdquo
128 Por sua vez onryō partilha algumas semelhanccedilas com goryō (御霊) ldquoespiacuteritos de pessoas
que tinham perdido as suas posiccedilotildees de poder e vaacuterios kami de epidemiasrdquo posteriormente
ldquodomesticadosrdquo nos ritos chinkon ao inveacutes de entidades destruidoras e malevolentes que
invocavam desgraccedilas goryō transformavam-se em entidades protetoras 129
22 Aleacutem do plano fiacutesico musubi rei e tamashii
Tanto onryō como goryō enquadram-se na perspetiva espiritual de shintō agrave
semelhanccedila de sangaku shinkō (山岳信仰) cultos caracterizados pela adoraccedilatildeo de montanhas
124
PICKEN Stuart op cit p 119-120 p 362 p 365 125
HARA Kazuya Aspects of Shinto in Japanese Communication Comunicaccedilatildeo apresentada na conferecircncia
ldquoIntercultural Communication Studies XII Asian Approaches to Human Communicationrdquo (Chiba Abril de
2003)
126 PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 36-39
127 PICKEN Stuart op cit p 119-120 p 362 p 365
128 PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit p 285
129 YONEI Teruyoshi ldquoGoryōrdquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and Doctrines Basic Concepts (on line)
lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23422gt (consultado em 24-06-
2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 51
como Ontake (御嶽) Kumano (熊野) Fuji (富士) Sannō (山王) Katsuragi (葛城) supostos
locais de morada permanente para espiacuteritos ldquoprincipalmente espiacuteritos dos mortos que
vigiavam e assistiam os vivosrdquo 130
Eacute em virtude de um suposto caraacutecter sagrado e espiritual
que ainda hoje se realizam praacuteticas asceacuteticas nestes locais
Por conseguinte a compreensatildeo da ldquoespiritualidaderdquo japonesa implica o
conhecimento de musubi (産霊) rei (霊) e tamashii (魂) sendo que o primeiro eacute composto
por umi (産み ldquocriaccedilatildeordquo no sentido de gerar algo) e rei significando algo que natildeo pertence
ao plano fiacutesico Homoacutefono da palavra musubi (結び) traduzido por ldquoligaccedilatildeordquo e por sua vez
derivada do verbo musubu ou lsquoligarrsquo musubi eacute em si a lsquovitalidadersquo presente no ambiente e
nos seres que o constituem uma interpretaccedilatildeo apoiada por Motoori Norinaga
Com efeito no seu Tama Kushige o autor identifica musubi como uma espeacutecie de
ldquoprinciacutepio de atividade criativardquo inerente nos kami Taka-musubi e Kami-musubi concluindo
que este ldquoespiacuterito criativo (hellip) divino milagroso e aleacutem da compreensatildeo humanardquo permite os
atos de ldquocriaccedilatildeordquo (kuni-umi e kami-umi) de Izanagi e Izanami 131
tudo deve a sua existecircncia a
musubi incluindo os proacuteprios humanos
Simultaneamente uniatildeo (harmonizaccedilatildeo e balanceamento) e criaccedilatildeo isto eacute o lsquopoderrsquo
que concede vida e a origem de toda a existecircncia transportando consigo as conotaccedilotildees de
ldquocombinaccedilatildeordquo ldquojuntarrdquo e ldquointerligarrdquo132
musubi foi repetidamente usado no contexto
cerimonial imperial por exemplo os cinco kami que possuem a partiacutecula musubi no seu nome
satildeo tambeacutem os kami protetores do espelho Yata no Kagami localizados no santuaacuterio
kashidokoro do palaacutecio 133
No que concerne agrave rei e tamashii ambos vocaacutebulos tendem a ser erroneamente
traduzidos como ldquoespiacuteritordquo ou ldquoalmardquo e a sua grande diferenccedila consiste no facto de rei ser
exclusivamente uma parte do humano em vida e um atributo independente apoacutes a morte do
corpo se bem que no entender de Yoshida Kanetomo rei eacute aquilo que governa ldquocoisas
individuaisrdquo contrastando com as ldquopessoas individuaisrdquo que satildeo ldquogovernadas pelo kokoro
(hellip)rdquo 134
tamashii eacute uma caracteriacutestica partilhada por homens e kami sendo que no uacuteltimo
caso esta noccedilatildeo eacute expressa pela palavra mitama - escrita com os kanji de kami e rei (神霊) ndash
130
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 197-198 131
PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit p 208 132
BOYD JAMES WILLIAMS Ron ldquoJapanese Shintō An Interpretation of a Priestly Perspectiverdquo
Philosophy East and West nordm 55 (1) pp 33-63 133
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit p 79 134
PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit pp163-167
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
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ldquoespiacuteritos de kamirdquo cuja existecircncia defendida por rituais e jinja torna viaacutevel a sua integraccedilatildeo
na ideia shintō de lsquoespiacuteritorsquo ou lsquoespiritualidadersquo 135
Natildeo obstante tambeacutem os humanos satildeo portadores de um outro tipo de mitama (御
霊) este identificado como uma rei apoacutes a morte do corpo 135
tornando-se efetivamente uma
extensatildeo deste uacuteltimo o que lhe permite uma atuaccedilatildeo positiva (como protetor) ou negativa
(como destruidor da ordem) no domiacutenio dos humanos Com efeito o culto aos mortos na
sociedade japonesa faz parte de uma tradiccedilatildeo antiga na qual se atribui a certos mortos um
tratamento especial a veneraccedilatildeo de falecidos imperadores antepassados e guerreiros mortos
em combate em conjunto com o culto aos kami expressam uma forte consciencializaccedilatildeo
espiritual ainda muito presente na cultura japonesa
Sob um ponto de vista mais doutrinaacuterio a espiritualidade japonesa centra-se na teoria
ichirei shikon (一霊四魂) literalmente ldquouma rei e quatro tamashiirdquo na qual os humanos e os
kami servem de recipiente agrave reikon que por sua vez eacute constituiacuteda por um lsquoespiacuteritorsquo 136
(rei) -
designado de naobi curioso conceito inserido no campo da eacutetica japonesa significando
ldquocorrigir algo anormal mau ou distorcido e restaura-lo agrave sua condiccedilatildeo normal ou originalrdquo e o
ldquoespiacuterito maravilhoso que retifica o erradordquo 137
- e pela quadripartida tamashii (魂)
Neste contexto cada parte corresponde a um ldquoatributordquo ou ldquocaracteriacutesticardquo que rege o
seu modo de atuaccedilatildeo no domiacutenio terreno o par nigimitama (和御魂) e aramitama (荒御魂)
possuindo uma natureza dual complementar lembrando os princiacutepios do yin e do yang
respetivamente associados ao ldquoatributordquo calmo e passivo nigimitama e o seu oposto a
incontrolaacutevel aramitama o duo sakimitama (幸御魂) e kushimitama (奇御魂) brevemente
mencionado no Nihon shoki se sakimitama eacute a mitama que ldquoprovidenciardquo a potecircncia por
detraacutes da colheita a kushimitama tem o poder de evocar ldquomisteriosas manifestaccedilotildees em seres
humanos atraveacutes de um poder sobrenaturalrdquo 138
135
ASOYA Masahiko ldquoConcepts of the Spirit (reikonkan)rdquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and
Doctrines Basic Concept (on line) lthttpk-
amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23643gt (consultado em 24-06-2018) 138
YONEI Teruyoshi ldquoIchirei shikonrdquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and Doctrines Basic Concepts (on
line) lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23386gt (consultado em 24-
06-2018) 137
FUKUI Yoshihiko ldquoNaobirdquo Encyclopedia of Japan 7 Concepts and Doctrines Basic Terms (on line)
lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23662gt (consultado em 24-06-
2018) 138
YONEI Teruyoshi ldquoKushimitamardquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and Doctrines Basic Terms (on
line) lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23412gt (consultado em 24-
06-2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
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De entre este quarteto o primeiro par merece uma atenccedilatildeo especial constatando-se
dezenas de referecircncias em textos antigos que explicitam o papel de tanto uma como da outra
que rituais a executar para pacificar uma aramitama transformando-a numa nigimitama
praacutetica efetuada pela famiacutelia imperial por exemplo apoacutes a morte no exiacutelio em Dazaifu (903)
do letrado Sugawara-no-Michizane que tinha sido viacutetima de uma conspiraccedilatildeo dois anos antes
a capital Quioto seria afetada por uma seacuterie de ldquodesastresrdquo tais como ldquopraga fogos
inundaccedilotildees e mortes inesperadasrdquo de membros do clatilde Fujiwara lanccedilando-se um debate
interno sobre a sua causa concluindo-se que se tratava da aramitama do falecido Sugawara
Procurando-se ldquoapaziguarrdquo esta aramitama a famiacutelia imperial procederia agrave restituiccedilatildeo do
estatuto de letrado de Michizane apoiando a construccedilatildeo de um jinja no qual seria consagrado
um novo kami Tenjin 139
O descrito episoacutedio de ldquodomesticaccedilatildeordquo continuaria a ser praticado ao longo dos
seacuteculos sendo que o Imperador Shōwa (昭和天皇) organizaria uma procissatildeo pelo paiacutes para
pacificar as aramitama atraveacutes de preces substituindo-as por nigimitama algo modelado nas
tours do Imperador Meiji (明治天皇) motivos poliacuteticos satildeo habilmente misturados com as
necessidades ldquoespirituaisrdquo do Japatildeo 140
Natildeo obstante existe uma terceira forma de
ldquodomesticaccedilatildeordquo que natildeo implica o seu afastamento da praacutetica de veneraccedilatildeo antes pelo
contraacuterio no Ise Jingū pensa-se que um dos ldquosantuaacuteriosrdquo do Naikū preserva a nigimitama de
Amaterasu e no outro consagra-se a aramitama um processo replicado no Sumiyoshi Taisha
(住吉大社) de Ōsaka espaccedilo de veneraccedilatildeo de trecircs nigimitama dos trecircs respetivos kami ao
contraacuterio do seu congeacutenere em Yamaguchi que alberga as suas aramitama 141
23 Mal como causa e efeito da Desordem tsumi kegare e imi
Aleacutem das diferenccedilas estabelecidas pela mencionada doutrina rei e tamashii satildeo
essencialmente termos que natildeo reconhecem a existecircncia de bommau o que explica o habitual
caraacutecter neutro dos kami Todavia eacute possiacutevel constatar a presenccedila de categorias de rei e kami
que funcionam como arautos de desgraccedila humana e natural representando o oposto do que eacute
ldquobomrdquo goryō onryō e akuryō (悪霊) este uacuteltimo traduzido literalmente por ldquorei malignosrdquo
139
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit p 100 140
PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit p 208 141
ASOYA Masahiko ldquoConcepts of the Spirit (reikonkan)rdquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and
Doctrines Basic Concept (on line) lthttpk-
amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23643gt (consultado em 24-06-2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 54
satildeo exemplos de entidades espirituais cuja razatildeo de existecircncia eacute a de causar danos agraves pessoas
objetos casas urgindo a realizaccedilatildeo de rituais proacuteprios de ldquopacificaccedilatildeordquo e ldquoexorcismordquo que
supostamente expulsamremovem permanentemente quaisquer influecircncias negativas Por sua
vez os yūrei (幽霊) ldquorei obscurosrdquo enquadram-se mais no mundo folcloacuterico japonecircs e satildeo
geralmente identificados como ldquoespiacuteritos vingativosrdquo ou ldquoapariccedilotildeesrdquo cuja presenccedila eacute teacutenue
mas forte o suficiente para serem ldquosentidosrdquo em locais como florestas e montanhas
No que concerne a kami malignos estes satildeo nada mais do que a antiacutetese de musubi e
pureza se a maioria dos kami desdenham ldquode comportamento disruptivo de ordem social ou
natural juntamente com poluiccedilotildees (kegare) tais como sujidade sangue e morterdquo 142
e a sua
origem eacute responsabilidade do princiacutepio de ldquocriaccedilatildeordquo e Ordem coacutesmica um outro grupo de
kami partilha de uma natureza totalmente oposta favorecendo a destruiccedilatildeo da Ordem os
magatsubi no kami ou magatsui no kami (禍津日神 ) Responsaacuteveis por ldquodesgraccedilas
inevitaacuteveisrdquo e reinando ldquosobre erro e impurezardquo eacutetica os magatsui no kami residem nas
profundezas do Yomi ao contraacuterio dos restantes kami que vivem em Takamagahara e no
mundo terreno possuindo uma ldquoessecircncia liacutempidardquo 143
magatsui no kami satildeo os agentes da
desordem distinguindo-se dos restantes kami que favorecem a Ordem
Neste sentido os magatsui no kami relacionam-se com magagoto (凶悪事) palavra
que subentende ldquodesgraccedilas maacutes accedilotildees e calamidadesrdquo 144
ao contraacuterio dos naobi-no-kami
capazes de ldquorestaurar o estado normal e trazer de volta o mundo puro claro proacuteprio e reto
dos Deusesrdquo 145
constroacutei-se deste modo a ideia do mal percecionado como Desordem e
anormalidade que deve ser combatido pelo indiviacuteduo praticante Via dos kami enfatizando os
aspetos sociais e eacuteticos de shintō
A visatildeo eacutetica proposta por shintō eacute resultado da receccedilatildeo e interpretaccedilatildeo de ideias
confucianas e japonesas Aliaacutes na sociedade arcaica japonesa jaacute existia uma distinccedilatildeo entre
ldquobons atosrdquo e ldquomaus atosrdquo que determinavam a culpabilidade ou inocecircncia de um ofensor
perante a unidade familiar ou o clatilde ldquoeacuteticardquo correspondia numa primeira instacircncia a um
conjunto de praacuteticas e dizeres transmitidos de forma oral e de geraccedilatildeo em geraccedilatildeo que eram
142
MATSUMURA Kazuo ldquoDefinitions and Typologyrdquo Encyclopedia of Shinto 2 Kami (Deities) Concepts of
Kami (on line) lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=22498gt
(consultado em 24-06-2018) 143
PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit p 208 144
NISHIOKA Kazuhiko ldquoMagakoto (also Magagoto)rdquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and Doctrines
Basic Terms (on line) lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23670gt
(consultado em 24-06-2018) 145
PICKEN Stuart op cit p 273
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 55
de certo modo complementares agrave execuccedilatildeo do ritual os termos yoshi e ashi respetivamente
significando ter ou carecer de ldquovalorrdquo expressavam as ideias de bemmal 146
Por outras
palavras viver em sociedade natildeo seria possiacutevel se natildeo se adotassem certos comportamentos
que fossem eticamente bons isto eacute natildeo reprovaacuteveis aos olhos da comunidade e eacute claro dos
kami que apesar de natildeo possuiacuterem uma natureza nem boa ou maacute tambeacutem eles satildeo capazes
das piores ofensascrimes isto eacute tsumi (罪) como se pode constatar no caso de Susano-o
No domiacutenio ritual a ldquopurezardquo eacute um atributo interno e externo tanto ao homem como
ao kami kami satildeo considerados essencialmente ldquopurosrdquo ldquoliacutempidosrdquo e uma forma de vida
superior aos homens adotando comportamentos corretos que servem de modelo para os
humanos (com a exceccedilatildeo dos magatsui no kami) e partilhando do ldquoelo espiritualrdquo que os une
nesta realidade isto eacute a mitama Contudo apenas os humanos possuem a capacidade de se
tornar kami apoacutes a morte do corpo seguindo um ldquoprocesso de purificaccedilatildeo que os torna em
espiacuteritos ancestraisrdquo e cuja exceccedilatildeo agrave regra encontra-se por exemplo nos imperadores
considerados akitsu-mikami durante a sua vida 147
O entendimento deste processo de purificaccedilatildeo (jōka) natildeo se pode dissociar de kokoro
e makoto ambos fundamentando a noccedilatildeo de ldquoretidatildeordquo (natildeo necessariamente no sentido
confuciano da palavra) expressa pelo jaacute mencionado termo naobi ou simplesmente nao a
antiacutetese de todos os vocaacutebulos conotados com a ideia de ldquomalrdquo Por outras palavras o
reconhecimento da importacircncia de ldquopurezapurordquo soacute eacute justificado pela existecircncia de ldquoimpurezardquo
que conduz agrave Desordem um natildeo existe sem o outro sendo que na linguagem shintō tudo que
eacute negativo e impuro envolve tsumi (罪) e kegare (穢) duas formas de impureza eacutetica e fiacutesica
respetivamente agraves quais se lhe junta imi (忌) frequentemente interpretado no sentido de
ldquotaburdquo tsumi kegare e imi satildeo com efeito os agentes da Desordem que o ser humano deve
evitar
Incorporados em shintō este trio fortalece a relaccedilatildeo desta Via com a sociedade se a
primeira palavra tsumi tem implicaccedilotildees legais e continua a fazer parte da linguagem do dia-a-
dia sendo usada no campo religioso ou no domiacutenio legislativo kegare tende a associar-se ao
domiacutenio mais ldquolituacutergicordquo de shintō tal como imi que consoante o kanji usado denota o que eacute
considerado puro (positivo) e impuro (negativo)
146
ONO Sokyō op cit pp 105-107 147
UEDA Kenji ldquoConcepts of Humanity (Ningenkan)rdquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and Doctrines
Basic Concepts (on line) lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23642gt
(consultado em 24-06-2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 56
No que concerne a tsumi este eacute foneticamente lido agrave maneira chinesa como sai (ou
zai) e apesar de ter sido escolhido para traduzir o conceito de ldquopecadordquo segundo a visatildeo
religiosa cristatilde 148
tsumi possui um forte significado natildeo religioso encontrando-se expressotildees
na linguagem corrente tais como dōzai (同罪 partilha do crimeculpa) e shazai (謝罪)
desculpas como forma de aliviar o sentimento de culpa hanzai (犯罪) ldquocrimerdquo entre outras
Com efeito tsumi eacute antes de mais ofensa crime e maacute accedilatildeo Eacute talvez neste sentido
que Nishigaki Yukio identifica tsumi como togame - uma palavra traduzida por ldquoacusaccedilatildeordquo ou
ldquocensurardquo ndash e a uma abreviatura da forma nominal do verbo tsutsumu (障) designado tsutsumi
sendo que o kanji eacute lido como sawaru - homoacutefono do verbo ldquotocarrdquo (sawaru 触る ) -
indicando ldquotornar-se um obstaacuteculordquo 149
denotando um entrave agrave Ordem Por conseguinte esta
interpretaccedilatildeo ecoa a sugestatildeo de Picken que aponta para a variedade de significados de tsumi
ndash ldquopoluiccedilatildeo doenccedilas e desastre bem como errordquo ndash tendo o cuidado de incluir a sua vertente
praacutetica ldquoaccedilotildees situaccedilotildees ou circunstacircncias indesejadas podem causar impureza e devem ser
lidadas por evitaccedilatildeo ou purificaccedilatildeo ritualrdquo 150
designada de ldquoabstinecircnciardquo (imi 斎) e harai
(祓)
Contudo o conceito de ldquoerradordquo parece surgir em textos confucianos integrando
uma das partes da dicotomia boas accedilotildeesmaacutes accedilotildees apesar da ausecircncia de [罪 ] o seu
significado eacute substituiacutedo por outros que partilham das mesmas conotaccedilotildees negativas o
caractere [犯] usado para formar o verbo japonecircs okasu traduzido por ldquocometerrdquo (maus atos)
e que eacute frequentemente interpretado como um possiacutevel sinoacutenimo de tsumi 151
Aliaacutes na
linguagem japonesa moderna natildeo eacute estranho encontrar-se tsumi junto de okasu como se
constata na frase ldquocometer ofensasrdquo (tsumi wo okasu 罪を犯す) reforccedila-se deste modo a
ideia de que tsumi eacute especificamente algo negativo e condutor agrave Desordem
148
MATSUMOTO Shigeru ldquo 罪 つ み rdquo コ ト バ ン ク (on line) Disponiacutevel em
lthttpskotobankjpwordE7BDAA-99474gt (consultado em 24-06-2018) 149
NISHIGAKI Yukio op cit p 420 p325 150
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit p 171 151
Por exemplo nos ldquoAnalectosrdquo de Confuacutecio (Lun Yu em japonecircs Rongo 論語) regista-se no primeiro
ldquoensinamentordquo do disciacutepulo Yu Zi (有子) o caratere [犯] que eacute traduzido por Lau como ldquotransgressatildeordquo uma
consequecircncia do natildeo seguimento do caminho proposto por ren No entanto na citaccedilatildeo do uacuteltimo livro de
ldquoAnalectosrdquo [惡] indica ldquodetestar fazer algordquo CONFUacuteCIO The Analects Lun Yu Translated by DC Lau HK
Chinese University Press 1983 pp 2-3 pp 194-195
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 57
Por conseguinte a noccedilatildeo de Desordem provocada por ldquomaus comportamentosrdquo eacute
ilustrada nos Analectos pelo caractere [惡] 152
traduzido por ldquomalrdquo (no sentido eacutetico e natildeo
religioso) em japonecircs o caractere usado eacute a forma arcaica de [悪] cujo radical eacute nada mais
do que kokoro lido como aku o kanji pode ser usado para caraterizar uma coisa uma
condiccedilatildeo e ainda a proacutepria personalidade do indiviacuteduo ldquomaldaderdquo ldquomaurdquo ldquomalignordquo ou
ldquomaldosordquo derivam da leitura de aku como warui 153
No fundo [犯] e [惡] satildeo nada mais do
que comportamentos puniacuteveis por lei e cuja eliminaccedilatildeo resultaria do constante cultivo interior
do caraacutecter da pessoa
Na realidade japonesa tsumi opotildee-se ao corretolegal Karl Florenz comenta que ldquoa
sociedade japonesa arcaica possuiacutea nem coacutedigos legais nem direitos descritivos por isso os
castigos das ofensas eram delegados inteiramente agrave discriccedilatildeo do indiviacuteduo magoado ou da
comunidaderdquo no seu entender tsumi eram ldquomaus atosrdquo (crimes) cuja gravidade determinaria
o grau do castigo variando entre pena capital escravatura expulsatildeo e confiscaccedilatildeo total ou
parcial das propriedades do acusado 154
Ora esta linha de pensamento eacute seguida por Felicia Bock que afirma o facto de tsumi
existirem de forma pouco consistente no quadro de costumes das pessoas da planiacutecie do
Yamato (periacuteodo preacute-Japatildeo imperial) juntamente com as ldquopalavras do soberanordquo e
julgamentos apoiados em provaccedilotildees (fogo sobretudo) e ainda ldquoxamatildesrdquo ou ldquointeacuterpretes da
vontade dos kami ou divindadesrdquo tsumi corresponderia agraves ldquoofensas pelas quais uma pessoa
pode ser considerada culpadardquo listadas e descritas em episoacutedios do Kojiki e Nihon shoki Caso
se fosse considerado a um niacutevel mais ldquolituacutergicordquo tsumi podia contaminar uma pessoa (tsumi-
bito 罪人) urgindo a sua eliminaccedilatildeo atraveacutes de ldquocertos ritos prescritosrdquo executados pelos
membros do Jingikan que deste modo asseguravam a ordem no territoacuterio japonecircs aleacutem de se
recorrerem a meacutetodos de cariz social tais como a atribuiccedilatildeo de multas ldquoque eram impostas
152
Duas das frases mais emblemaacutetica do uso de [惡] como antiacutetese de ldquobemrdquo e eacute claro ldquobenevolecircnciardquo (ren仁)
pertencem ao terceiro e quarto ldquoensinamentosrdquo de Confuacutecio do ldquoquarto livrordquo no primeiro caso o caractere natildeo
surge de forma isolada identificando a natureza da pessoa como ldquomaacuterdquo (惡人) por oposiccedilatildeo agrave de uma ldquopessoa boardquo
(好人) ldquo唯仁者能好人能惡人rdquo na frase ldquo苟志于仁矣無惡也rdquo [惡] eacute uma ldquoinfluecircncia negativardquo que se
pode ldquoeliminarrdquo CONFUacuteCIO op cit pp 28-29 153
NISHIGAKI Yukio op cit p 420 p 599 154
FLORENZ Karl ldquoAncient Japanese Rituals Part IVrdquo Transactions of the Asiatic Society of Japan nordm 27
1899 pp 1ndash112
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 58
para absolver uma pessoa de algum crime social tal como roubar a esposa de outro homemrdquo
155
Para todos os efeitos tsumi satildeo o coletivo de atos condenaacuteveis dentro de uma
sociedade os mais graves (amatsu-no-tsumi) correspondem os oito tsumi cometidos por
Susano-o durante o seu episoacutedio de rebeldia contra a ordem de Takamagahara 156
o kami
assume o papel do indiviacuteduo que age contrariamente ao que eacute suposto pois as suas accedilotildees
potildeem em causa o estado harmoacutenico da sua comunidade (de kami) que soacute seria reposta apoacutes
Amaterasu sair da Ama no Iwato
No que concerne aos kunitsu no kami estes satildeo essencialmente um ldquooposto
complementar (hellip) enfatizando maacutes accedilotildees mundanasrdquo nomeadamente ldquoincesto bestialidade e
auguacuterios natildeo auspiciosos e magia que antecipam principais eventos catacliacutesmicosrdquo 156
Jaacute
Felicia Bock divide-os em ldquoquebras de tabus tribais e contaminaccedilotildees causadas por eventos
naturaisrdquo constatando-se uma forte consciencializaccedilatildeo destas ldquocomunidades primaacuteriasrdquo no
que concerne a doenccedilas e comportamentos irregulares ou perigosos o corte de carne viva e
morta que demonstra o respeito pelos seres vivos lepra branca imperfeiccedilotildees deacutermicas
violaccedilatildeo da proacutepria matildee violaccedilatildeo de crianccedilas coabitaccedilatildeo com animais afliccedilatildeo de coisas
rastejantes divindades aves ldquomorte de animais e contaminaccedilotildees originadas por feiticcedilariardquo 157
Contudo a classificaccedilatildeo dos tsumi natildeo eacute a prioridade das fontes literaacuterias arcaicas
no episoacutedio protagonizado pela viuacuteva do Imperador Chūai (Jingū-kōgō神功皇后) do Kojiki
a nomeaccedilatildeo de nove ofensas denota a perspetiva dos japoneses em relaccedilatildeo a comportamentos
socialmente desviantes sobretudo de cariz sexual - a copulaccedilatildeo com quatro espeacutecies animais
(cavalos vacas paacutessaros e catildees) e o incesto satildeo considerados tsumi ndash aos quais se lhe juntam
as praacuteticas de esfolamento animal a destruiccedilatildeo dos campos de arroz e ainda a ldquodefecaccedilatildeo em
espaccedilos sagradosrdquo (no original kusohe 屎戸) 158
Aliaacutes eacute tambeacutem nesta passagem que se constata a atribuiccedilatildeo de um caraacutecter mais
ldquoritualrdquo a tsumi evidenciado pela presenccedila das palavras harai (祓い) um processo que tem
como meta a restauraccedilatildeo da pureza reunindo-se para o efeito oferendas oriundas de todos os
155
BOCK Felicia Engi-shiki Procedures of the Engi Era Books I-V Translated with introduction and notes by
Felicia Gressitt Bock Tokyo Sophia University 1970 pp 3-6 156
TSUSHIRO Hirofumi ldquoAmatsu tsumi Kunitsu tsumirdquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and Doctrines
Basic Terms (on line) lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23381gt
(consultado em 24-06-2018) 157
BOCK Felicia Engi-shiki Procedures of the Engi Era Books I-V Translated with introduction and notes by
Felicia Gressitt Bock Tokyo Sophia University 1970 pp 3-6 158
Com a excepccedilatildeo das formas de bestialidade e incesto os tsumi mencionados satildeo posteriormente categorizados
como amatsu no tsumi TAKEDA Tsunegaki op cit pp217-219
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
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cantos do territoacuterio e os proacuteprios tsumi kegare (穢) denotando a sujidade inerente deste tipo
de conduta (tsumi) que eacute eliminada por harai sendo defecaccedilatildeo um ato associado agrave ldquosujidade
fiacutesicardquo Com efeito realizar haraiharae devolve a ldquopurezardquo ao espaccedilo que tinha sido
ldquocontaminadordquo Ora neste episoacutedio particular a ldquobuscardquo de tsumi decorre em simultacircneo com
os preparativos para o ldquoritualrdquo fuacutenebre (mogari) do Imperador Chūai (仲哀天皇) 159
Tal como no Kojiki tambeacutem o Nihon shoki define tsumi como condutas ofensivas
no Inverno do 11ordm dia do 10ordm mecircs (quinto do ano de reinado) do Imperador Richū (履中天皇)
conclui-se que a suacutebita morte da Imperatriz tinha sido causada por uma ldquomaldiccedilatildeordquo (tatari 祟
り) enviada pelos ofendidos kami de Tsukushi no seguimento de dois tsumi cometidos por
Kurumamochi-be ndash taxar as terras administradas pelo Imperador sem autorizaccedilatildeo e ter
colocado ao seu serviccedilo (do ofensor) os suacutebditos dessa mesma terra acabando por usurpar a
posiccedilatildeo dos kami aiacute venerados Como puniccedilatildeo o soberano japonecircs obriga o ofensor a
executar misogi e posteriormente demite-o do seu cargo 160
se tsumi eacute a raiz de desarmonia
provocada pela accedilatildeo humana individual e repercutida no coletivo misogi eacute nada mais do que
o seu oposto focando-se na reposiccedilatildeo da Ordem pelo responsaacutevel assumindo contornos de
purificaccedilatildeo interna
Num dos eacuteditos do Imperador Yūryaku (雄略天皇) tsumi adquire uma natureza
ldquoperdoaacutevelrdquo ao escutar a canccedilatildeo entoada por Hata-no-sake-no-kimi o imperador absolve o
carpinteiro Kodakumitsuke-no-mita de ter forccedilado sexualmente 161
uma uneme 162
de Ise (na
verdade a jovem em questatildeo meramente tinha-se distraiacutedo a olhar para Kodakumitsuke-no-
mita estragando uma das oferendas que tinha acabado de preparar) 161
uma vez que o tsumi
de que tinha sido acusado o carpinteiro eacute considerado de tal ordem grave que o Imperador
pensou condenaacute-lo agrave morte eacute possiacutevel concluir que relaccedilotildees sexuais (forccediladas) justificavam a
pena capital
159
Nihonsinwa ldquo大祓いと罪悪rdquo (A Grande Purificaccedilatildeo e Crimes) 仲哀天皇(古事記)(Imperador Chūai
Kojiki) (on line) lthttpnihonsinwacompage577htmlgt (consultado em 24-06-2018) 160
Nihonsinwa ldquo履中天皇(十一)車持部の罪rdquo (Imperador Richū 11 O crime de Kurumamochi-be) 履中天皇 反正天皇(日本書紀)(Imperador Richū Imperador HanzeiHanshō Nihon shoki) (on line) lthttp
httpnihonsinwacompage1396htmlgt (consultado em 24-06-2018) 161
Nihonsinwa ldquo木工鬪鶏御田の冤罪と秦酒公の琴の声rdquo (As falsas acusaccedilotildees de Kodakumitsuke-no-mita e
a voz da biwa de Hata-no-sake-no-kimi) 雄略天皇(日本書紀)四十二 (Imperador Yūryaku Nihon shoki
42) (on-line) lthttpnihonsinwacompage1469htmlgt (consultado em 24-06-2018) 162
Uneme (采女) designa uma rdquofuncionaacuteriardquo da corte geralmente nomeada pelo Imperador ou pela Imperatriz
Segundo Nishigaki a funccedilatildeo destas jovens eacute de cuidar ldquodos afazeres do quotidianordquo dos seus empregadores
incluindo preparar a comida NISHIGAKI Yukio op cit p116
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No registo de Veratildeo do ano seguinte tsumi eacute novamente uma ofensa de natureza
sexual o crime cometido por Hatane-no-mikoto ndash um parente afastado do atual imperador
legitimando eventuais ambiccedilotildees ao trono ndash eacute o de sorrateiramente ter tido relaccedilotildees com
Yama-no-be-no-Koshimako Apoacutes purificar-se de tais atos recorrendo ao pagamento em
cavalos e tachi (nome para uma katana longa) Hatane eacute posteriormente obrigado pelo
imperador a lsquodepositar no chatildeorsquo os seus pertences numa outra localizaccedilatildeo perdendo o seu
estatuto social Se neste caso a puniccedilatildeo de Yūryaku serve para preservar a sua posiccedilatildeo
poliacutetica impedindo um hipoteacutetico golpe de estado 163
no primeiro episoacutedio o castigo eacute
aplicado como forma de justiccedila pelos terriacuteveis atos do carpinteiro
Como se pode constatar nos exemplos referidos tsumi expressa um uacutenico crime algo
repercutido no registo do Imperador Ankan (安閑天王) no 12ordm mecircs do primeiro ano de
reinado o termo eacute usado para indicar o roubo do colar por parte de uma jovem e que o
imperador resolve ldquoarrependerrdquo (aganai 贖い164) um procedimento no qual se reunia uma
seacuterie de pessoas conhecidas do acusado que entregavam riquezas ao imperador esperando-se
desta forma evitar o ldquocontaacutegiordquo de tsumi cometido pelo criminoso Curiosamente a viacutetima do
roubo tambeacutem eacute incluiacuteda neste conjunto de pessoas justificado pelos receios de contaminaccedilatildeo
165 neste sentido tsumi eacute duplamente uma ofensa individual e algo de natureza
ldquocontaminadorardquo conotada com kegare e Desordem
Em outras croacutenicas como a dos Imperadores Bidatsu (敏達天皇) Kōtoku (孝徳天皇
e Tenmu (天武天皇) tsumi corresponde a crimes cometidos pela mesma pessoa ou por um
conjunto de indiviacuteduos no primeiro caso tsumi descreve dois atos de Naniwa - ter ldquoenganadordquo
a corte (de certo modo um caso de insubordinaccedilatildeo) e de ter feito com que um diplomata do
reino de Kōryo fosse morto 166
no segundo ano do terceiro mecircs de Kōtoku identificam-se os
163
Eacute interessante ver que o verbo okasu eacute usado nesta passagem para identificar o crime Dependendo do
contexto o verbo pode significar ldquoviolarrdquo ecoando as suspeitas do Imperador no episoacutedio anterior Outro termo
a ter em conta eacute o de ldquopurificaccedilatildeordquo harai natildeo envolve misogi mas natildeo deixa de ser harai distinguindo-se como
um tipo de harai associado a ldquopagamentosrdquo Nihonsinwa ldquo歯田根命は山辺小嶋子と姦通し罪を問われるrdquo
(Hatane-no-mikoto eacute interrogado pelo crime de adulteacuterio com Yamanobe-no-Koshimako) 雄略天皇 日本書紀( 四 十 三 ) (Imperador Yūryaku Nihon shoki 43) (on line) lthttpnihonsinwacompage1471htmlgt
(consultado em 24-06-2018) 164
Aganai deriva do verbo aganau (贖) ou ldquoarrependerrdquo no sentido de ldquocompensarrdquo por maus atos Outra
definiccedilatildeo possiacutevel eacute enterrar riquezas no chatildeo NISHIGAKI Yukio op cit p 27 165
Nihonsinwa ldquo廬城部連枳莒喩の娘の幡媛の罪物部尾輿も土地を献上rdquo (O crime da rapariga Hatahime
de Iwogibe-no-muraji-kyū Mononobe-no-Ōmuraji-okoshi tambeacutem presenteia no chatildeo) 安閑天皇 宣化天皇(日本書紀)(Imperadores Ankan Senka Nihon shoki) (on line) lthttpnihonsinwacompage1603htmlgt
(consultado em 24-06-2018) 166
Nihonsinwa ldquo難波の罪を数えるrdquo (Contar os crimes de Naniwa) 敏達天皇 日本書紀 Imperador Bidatsu
Nihon shoki) (on line) lthttpnihonsinwacompage1731htmlgt (consultado em 24-06-2018)
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criminosos e o crime de que satildeo acusados nomeadamente roubo de bens (cavalos armas
tecidos) a outros membros da corte e funcionaacuterios 167
Por uacuteltimo o Imperador Tenmu
menciona sete ldquocoisas maacutesrdquo (ashiki koto 悪しきこと ) cometidas por um clatilde o que
normalmente justificaria a presenccedila deste no palaacutecio a fim de se proceder a um
questionamento oficial Contudo a interceccedilatildeo de um outro indiviacuteduo em favor deste clatilde
resulta na concessatildeo de um perdatildeo imperial caso tornassem a cometer crimes natildeo teriam a
mesma sorte 168
Eacute impossiacutevel natildeo se constatar uma espeacutecie de consciencializaccedilatildeo japonesa no que
concerne agrave Desordem e os possiacuteveis meios para a combater todos os ldquoritosrdquo que precedem os
matsuri e outros atos de veneraccedilatildeo aos kami envolvem algum tipo de ldquopurificaccedilatildeordquo (coisas
pessoas e espaccedilos) expressando-se uma clara atitude de abominaccedilatildeo por tsumi kegare e imi
Ora numa abordagem mais teoacuterica o antagonismo eacute colocado de parte e qualquer um destes
conceitos pode ser analisado enquanto objeto de estudo facultando o desenvolvimento de
novas perspetivas da dicotomia ldquobemmalrdquo em contexto shintō
Segundo Ōwaki Yukiko a linha de pensamento de Norinaga atenta na natureza
ldquoinclusivardquo e natildeo ldquoexclusivardquo de tsumi tornando-o um coletivo de um certo nuacutemero de crimes
socialmente reprovaacuteveis de kegare magakoto e maga ou seja todo o tipo de ldquocoisasrdquo
negativas associadas ao ldquomalrdquo uma palavra que natildeo se deve identificar com o ldquomalrdquo segundo
a visatildeo religiosa ocidental 169
Ao reconhecer a dicotomia DesordemOrdem o indiviacuteduo
deixa-se guiar pelos kami da Ordem - Kamunaobi-no-kami (神直毘神) Ōnaobi-no-kami (大
直毘神) - pedindo-lhes emprestado o ldquopoder da sua mitamardquo isto eacute a sua ldquoessecircnciardquo Seguir
kami no michi torna-se deste modo seguir a Via favoraacutevel agrave purificaccedilatildeo das intenccedilotildees
permitindo afastar a influecircncia negativa e prejudicial de maga que por sua vez se foca em
espalhar Desordem pelo mundo 170
167
O kanji [過] ndash toga sinoacutenimo de tsumi ndash associa-se a okasu reforccedilando a sua leitura enquanto algo de
natureza criminosa Nihonsinwardquo孝徳天皇(二十六)穂積臣咋と巨勢徳禰臣の罪rdquo (Imperador Kōtoku 26
O Crime de Hozumi-no-Omi-kui e Kose-no-tokone-no-Omi (on line) 日本書紀 孝徳天皇 (Nihon shoki
Imperador Kōtoku) lthttpnihonsinwacompage2079htmlgt (consultado em 24-06-2018) 168
Nesta passagem ashiki koto substitui tsumi Nihonsinwa ldquo東漢直の7つの罪恩により許されるrdquo (Os
crimes dos Yamato-no-aya-no-atai Devido agrave graccedila [imperial] satildeo perdoados) 天武天皇(六十)日本書紀
(Imperador Tenmu 60 Nihon shoki) (on-line) lthttpnihonsinwacompage2317htmlgt (consultado em 24-06-
2018) 169
ŌWAKI Yukiko ldquoつみ 罪 Tsumirdquo 万葉神事語辞典 (Dicionaacuterio de 10 mil fragmentos dos assuntos de
kami) (on line) lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_dsgampdata_id=68730gt
(consultado em 24-06-2018) 170
MOTOORI N ldquo1-9 直毘霊rdquo(なおびのみたま) (1-9 Naobi no mitama) 古事記傳 (Kojikiden) (on
line) lthttpkumoi1webfc2comCCP059htmlgt (consultado em 24-06-2018)
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Com efeito a visatildeo particular de Norinaga em relaccedilatildeo a nao (直) e maga (禍) revela-
se fundamental para a compreensatildeo de kami no michi como um Caminho de retorno a uma
Ordem criada por algo natildeo humano e expressa pela naobi-no-mitama (直毘霊) Em outras
palavras nao eacute a antiacutetese de maga algo jaacute aludido na proacutepria etimologia dos dois vocaacutebulos
conotados com coisas ldquopositivasrdquo e ldquonegativasrdquo nao eacute entendido como ldquocorretordquo ldquodireitordquo e
ldquoretordquo uma disposiccedilatildeoatitude preferiacutevel e consequentemente uma caracteriacutestica ligada agrave
Ordem 171
ndash significa ldquocurarrdquo ou ldquopacificarrdquo consoante o contexto ndash maga eacute uma ldquocoisa maacute
desastrerdquo associando-se ainda ao kanji [曲] presente no verbo magaru traduzido por ldquovirarrdquo
ou ldquotorcerrdquo172
Todavia este ldquotorcerrdquo eacute permanente evidenciando a capacidade do indiviacuteduo
prevalecer sobre a influecircncia de maga magamal natildeo eacute inato ao homem justificando o
porquecirc de shintō tradicionalmente definir o homem pela sua ldquoboardquo natureza argumentando
que natildeo existem ldquopessoas maacutesrdquo (por natureza) mas ldquomaacutes intenccedilotildeesrdquo ldquodoenccedilasrdquo e ldquocoisas maacutesrdquo
neste mundo que satildeo impulsionadas pela existecircncia inevitaacutevel de maga 172
Com efeito este
manga eacute um entrave temporaacuterio agrave Ordem interpretaccedilatildeo ecoada por Ono Sokyō Referindo-se
agrave perspetiva ldquoxintoiacutestardquo antiga de uma ldquoorigem exteriorrdquo do mal este uacuteltimo identifica tal
origem com o ldquomundo da escuridatildeordquo personificado pelos magatsui no kami ldquoespiacuteritos
malignosrdquo admitindo que o homem vive num ldquomundo bomrdquo (um mundo de kami criado pelo
musubi) e a sua ldquoalmardquo eacute inerentemente boa ldquoo homem comete males porque perdeu foi-lhe
retirada a capacidade para accedilatildeo normalrdquo 173
Neste sentido tanto o Kojiki como o Nihon shoki apresentam uma explicaccedilatildeo para a
existecircncia desta Desordem Desordem eacute uma consequecircncia da libertaccedilatildeo no mundo de kegare
do Yomi-no-kuni contraiacutedo por Izanagi aquando da sua passagem por este domiacutenio inferior
Caracterizado pela sua sujidade 174
Yomi eacute o mundo dos mortos portanto eacute loacutegico que tudo
que faccedila parte desse lugar seja o oposto da Ordem oferecendo um viacutevido contraste com o
171
NISHIGAKI Yukio op cit p457 172
NISHIGAKI Yukio op cit p529 173
ONO Sokyō op cit pp105-107 174
A utilizaccedilatildeo da palavra ldquosujidaderdquo eacute justificada pela leitura do kanji [穢] como kitanaki presente na fala de
Izanagi O kami tem consciecircncia de ter regressado de uma ldquoterra sujardquo (kitanaki kuni 穢國) e procura de imediato
uma fonte de aacutegua para poder lavar o seu corpo (misogi) No texto original a frase lecirc-se ldquoA wa ina
shikomeshikomeki kitanaki kuni ni itarite arikeri Kare A wa mimi no misogi senrdquo (吾者到於伊那志許米志許
米岐 穢國而在祁理故吾者爲御身之禊而) sendo que [吾] eacute uma forma arcaica do pronome pessoal ldquoeurdquo
KURANO K ldquo 上 卷 并 序 rdquo (Prefaacutecio para o Capiacutetulo Superior) 古 事 記 (Kojiki) (on line)
lthttpwww004uppso-netnejpdassai1kojiki_kamiframekojiki_kami_framehtmgt (consultado em 24-06-
2018)
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mundo dos vivos gerado pela vontade dos kami e no qual aflui vida se os kami satildeo
consequecircncia de musubi os magatsui no kami possuem uma natureza diferente no Kojiki
correspondem a Yasomagatsubi-no-kami (八十禍津日神) e Ōmagatsubi-no-kami (大禍津日
神) e no Nihon shoki este uacuteltimo eacute substituiacutedo pelo Ōayatsubi-no-kami (大綾津日の神)
notando-se a inclusatildeo do som aya cujo significado eacute proacuteximo de maga 175
Aparecendo depois dos kami que se manifestaram agrave medida que Izanagi-no-kami se
despia os magatsui no kami satildeo corporizaccedilotildees de kegare Mencionados durante o ritual
misogi harai este par daacute iniacutecio ao ciclo de Desordem e Ordem reconhecido pelo indiviacuteduo
Desordem precede a Ordem que eacute interpretada como a ldquoessecircnciardquo dos naobi-no-kami ou seja
Kamunaobi-no-kami (神直毘神) Ōnaobi-no-kami (大直毘神) e ainda Izunome-no-kami (伊
豆能賣神) 176
A niacutevel etimoloacutegico a escolha do nome dos primeiros dois kami natildeo eacute uma escolha
aleatoacuteria na ediccedilatildeo do Kojiki-den (1940) compilado por Kurano Kenji Norinaga comenta que
os magatsui no kami possuem uma parte inicial que reforccedila a noccedilatildeo de ldquomuitordquo isto eacute yaso e
ō respetivamente uma parte do meio especificamente conotada com ldquonegativordquo (maga e aya)
a partiacutecula bi (日 ) que serve de auxiliar de fala tal como se constata no bi (毘 ) em
Kamunaobi-no-kami e Ōnaobi-no-kami Por conseguinte maga koto e jaaku (凶事邪悪)
derivam da tamashii de magatsubi no kami acrescentando-se que o verbo naosu (直す) pode
corresponder ldquoao ato de purificar atraveacutes de enxaguar o corpordquo (naosu to wa tsumari
susugikiyomerukoto wo iu 直すとはつまり滌ぎ清めることを言う) se maga significa
kegare kiyomeru eacute naosu Por outro lado naobi refere-se agrave mitama (御魂) capaz de efetuar
este naosu em maga acalmando a sua influecircncia 177
Se Norinaga eacute assertivo na origem exterior do mal que afeta tudo em nosso redor
imaginando um magatsubi no kami como derradeira personificaccedilatildeo das coisas malignas
outros autores natildeo compartilham dos mesmos sentimentos com um especial destaque para o
seu grande rival e anterior disciacutepulo Hirata Atsutane Apesar de aceitar a dicotomia maganao
175
Aya eacute o mesmo som presente em palavras simbolizando ldquoperigordquo e ldquocriserdquo (adjetivos ou pressentimentos) tais
como ayaui e ayabumu (Nishigaki pp 55-56) Portanto se Ōmagatsubi eacute literalmente ldquograndeenorme desastrerdquo
o Ōayatsubi eacute ldquograndeenorme perigordquo a conotaccedilatildeo ldquonegativardquo permanece MOTOORI N ldquo6-2 神代四之
巻rdquo (御身滌の段) (6-2 Kami-yo Livro Quatro- A secccedilatildeo de misosogi) 古事記傳 (Kojikiden) (on line)
lthttpkumoi1webfc2comCCP071htmlgt (consultado em 24-06-2018) 176
KURANO K ldquo 上 卷 并 序 rdquo (Prefaacutecio para o Capiacutetulo Superior) 古 事 記 (Kojiki) (on line)
lthttpwww004uppso-netnejpdassai1kojiki_kamiframekojiki_kami_framehtmgt (consultado em 24-06-
2018) 177
MOTOORI N ldquo6-2 神代四之巻rdquo (御身滌の段) (6-2 Kami-yo Livro Quatro- A secccedilatildeo de misosogi)
古事記傳 (Kojikiden) (on line) lthttpkumoi1webfc2comCCP071htmlgt (consultado em 24-06-2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
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Hirata defende uma perspetiva inclusiva de ldquomalrdquo apoiada na ideia de que o ser humano
possui no seu interior o ldquoespiacuterito de Magatsuhi-no-kami que se torna violento quando algo
errado foi cometidordquo e o ldquoespiacuterito de Naobi-no-kamirdquo responsaacutevel por moderar a atuaccedilatildeo do
indiviacuteduo de uma forma relaxada e tranquila 178
Neste sentido definiram-se duas caracterizaccedilotildees distintas no que concerne agrave
interpretaccedilatildeo de mal Norinaga eacute um notoacuterio apoiante da teoria lsquomal= antiacutetese do bemrsquo em
todos os seus sentidos comentando o facto de magatsubi no kami ser uma forccedila que o homem
eacute incapaz de resistir e no seu maior extremo adquire uma natureza incontrolaacutevel indomaacutevel
fora do alcance do poder da kami do Sol e de Takagi no Ōkami (um outro termo para Taka-
musubi-no-kami) Contudo independentemente da sua existecircncia neste mundo ldquoos maus
kamirdquo agem simplesmente de acordo com a sua natureza e podem ser aplacados atraveacutes de
ldquoveneraccedilatildeo e execuccedilatildeo de purificaccedilatildeo quando algueacutem estabeleceu contacto com poluiccedilatildeordquo
No fundo a sua influecircncia negativa pode ser apaziguada e retificada graccedilas ao cultivo de uma
atitude de ldquoobservaccedilatildeo correta de veneraccedilatildeordquo 179
Por outro lado Hirata propotildee uma teoria diferente no sexto volume do Koshiden (古
史伝 ca 1812-1825) o autor rejeita a teoria de que magatsubi-no-kami e naobi-no-kami
associam-se somente agrave aramitama e nigimitama de Amaterasu respetivamente Ou seja a
dualidade aramitamanigimitama eacute comum a qualquer kami encontrando-se exemplos de
veneraccedilatildeo muacutetua da aramitama e nigimitama em locais especiacuteficos (cultos de Ise e Izumo)
Aliaacutes a anaacutelise de Hirata permitiu o estabelecimento de uma relaccedilatildeo entre dois kami e uma
ldquopresenccedila interiorrdquo (mitama) capaz de exercer influecircncia de forma positiva e negativa se
naobi-no-kami pertence agrave nigimitama de Ōmikami (Amaterasu) magatsubi no kami
corresponde agrave aramitama de Susano-o-no-mikoto 180
explica-se deste modo o seu
comportamento tempestuoso e irasciacutevel que levaria ao seu afastamento de Takamahara como
compensaccedilatildeo pelos seus tsumi
Com efeito quer se trate de um kami quer de um homem todos tecircm no seu interior a
capacidade de distinguir o ldquocorretordquo do ldquoerradordquo sendo que uma orientaccedilatildeo correta eacute parte
das responsabilidades do ldquoespiacuteritordquo de Naobi-no-kami moderando-se a atuaccedilatildeo do indiviacuteduo
178
PICKEN Stuart Sourcebook of Shinto op cit p 273 179
UEDA Kenji ldquoMagatsubi no Kami and Motoori Norinagarsquos Theologyrdquo Institute for Japanese Culture and
Classics Kokugakuin University (on line) lthttpwww2kokugakuinacjpijccwpcpjrkamiuedahtmltnoteIgt
(consultado em 24-06-2018) 180
HIRATA A ldquo古史伝 6rdquo National Diet Library (on-line) lthttpdlndlgojpinfondljppid772144gt
(consultado em 24-06-2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 65
de uma forma relaxada e tranquila Em contrapartida o ldquoerradordquo eacute representado pelo ldquoespiacuterito
de Magatsuhi-no-kami que se torna violento quando algo errado foi cometidordquo 181
Ora a existecircncia de um kami da Desordem (interior) natildeo implica a adoccedilatildeo de um
comportamento exclusivamente negativo e incorreto por parte deste magatsubi-no-kami eacute
uma consequecircncia e natildeo a raiz desta conduta tornando-se ldquoviolentordquo no caso da presenccedila de
kegare Estando esta ausente tal comportamento perde a sua razatildeo de ser possibilitando a
transiccedilatildeo do magatsubi no kami para um kami capaz de ldquoconceder felicidaderdquo um kami
beneacutefico e cuja essecircncia nunca pode ser maleacutefica antes pelo contraacuterio 182
No Japatildeo dos dias de hoje os conceitos ldquobemmalrdquo satildeo mais ambiacuteguos do que claros
a classificaccedilatildeo de accedilotildees em boasmaacutes depende das ldquocircunstacircncias motivos propoacutesitos
tempo lugarrdquo embora uma coisa seja certa a ldquosinceridaderdquo do nosso ldquocoraccedilatildeordquo que rege uma
conduta ldquoproacutepriardquo e cortecircs favoraacutevel ao natildeo conflito e agrave manutenccedilatildeo da paz e ordem socialrdquo
Tudo que potildee em causa a harmonia merece o roacutetulo de ldquomalignordquo quer se trate de ldquopecados
poluiccedilatildeo e desastresrdquo cabendo agrave ldquoalmardquo do ser humano distinguir entre o bem e o malrdquo 183
algo que soacute eacute possiacutevel se se cultivar uma relaccedilatildeo suficientemente forte com os kami atraveacutes
desta ligaccedilatildeo muacutetua o homem aprende a afastar-se do que lhe eacute prejudicial uma preocupaccedilatildeo
que se estende a qualquer vertente de shintō dos dias de hoje a reposiccedilatildeo da Ordem eacute sem
duacutevida a grande prioridade dos rituais que se esforccedilam por combater qualquer forma de
Desordem
A segunda grande causa da Desordem eacute kegare uma ldquocondiccedilatildeo poluiacuteda e malignardquo
A ldquoantiacutetese de purezardquo kegare eacute ldquoresultado de fenoacutemenos ocorrentes naturaisrdquo e possui uma
natureza facilmente ldquocontaminaacutevelrdquo uma vez que ldquoquando esta corrupccedilatildeo aderia ao indiviacuteduo
tambeacutem trazia calamidades agrave sociedaderdquo 184
Um termo descritivo de ldquoespeciacuteficos tipos de
impureza causados pelo parto menstruaccedilatildeo doenccedilas e morte (hellip) presenccedila de kegare eacute
ignorada tatari (desgraccedila) pode chegar como avisordquo 185
kegare distingue-se de tsumi por ser
sensorialmente impuro distanciando-se do sentido de eticamente impuro patente em tsumi a
conduta errada que danifica o proacuteprio indiviacuteduo e o coletivo
181
PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit p 273 182
KOYASU Nobukuni Hirata Atsutane no Sekai (平田篤胤の世界) Tokyo Berikansha 2001 p205 183 ONO Sokyō op cit pp105-107 184
NISHIOKA Kazuhiko ldquoKegarerdquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and Doctrines Basic Terms (on line)
lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23417gt (consultado em 24-06-
2018) 185
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit p 191
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 66
A niacutevel etimoloacutegico kegare pode ser escrito de duas formas se usado no discurso do
dia-a-dia utiliza-se [汚] um kanji presente em kitanai (汚い) ou ldquosujordquo kegarawashii (汚ら
わしい) ou ldquonojentordquo yogosu (汚す) e yogoreru (汚れる) respetivamente ldquosujarrdquo e ldquosujar-
serdquo oshoku (汚職) ou ldquocorrupccedilatildeordquo e ainda osen ( 汚染) isto eacute e ldquopoluiccedilatildeordquo (ecoloacutegica)
composto pelo kanji [汚] e pelo kanji usado para escrever o verbo someru (染める) traduzido
por ldquopintarrdquo (no sentido de ldquomancharrdquo) Em suma uma condiccedilatildeo na qual o indiviacuteduo ou o
objeto natildeo estaacute limpo assemelhando-se aos vocaacutebulos fujō (不浄 ldquoimpurordquo) e fuketsu (不潔
ldquonatildeo higieacutenicordquo)
Em contrapartida o kegare ritual escreve-se com o kanji [穢] e o seu som kega eacute um
homoacutefono do vocaacutebulo kega (怪我) significando ldquoferidardquo ou ldquomagoarrdquo involuntariamente
como resultado de erros cometidos claramente reforccedilando a sua conotaccedilatildeo negativa
evidenciada pelo verbo kegareru (汚れる穢れる) que supostamente se desenvolveu graccedilas agrave
junccedilatildeo da partiacutecula ke (geralmente lida como ki 気) e do verbo karu escrito com o mesmo
kanji [離] usado em hanareru (れる) isto eacute ldquoafastar-serdquo 186
Neste sentido kegareru pode ser melhor descrito como uma certa accedilatildeo que provoca
o afastamento do ki - espeacutecie de ldquofluxo de energiardquo imanente em tudo que eacute vivo ndash e
consequentemente eacute capaz de atrair todo o tipo de influecircncias negativas Aliaacutes alguns
estudos modernos realizados por japoneses atribuem a origem de kegare (穢) agrave expressatildeo
kegare (気枯) que constituiacuteda pela junccedilatildeo de ki e kare - forma nominal do verbo kareru
geralmente traduzido por ldquomurcharrdquo - kegare (気枯) significaria literalmente ldquoki que murchardquo
ecoando esta ideia de ldquoafastamento do kirdquo que eacute nada mais do que perda de vitalidade 187
Uma Desordem natural que eacute combatida pela purificaccedilatildeo quer recorrendo ao natildeo
contacto com certos alimentos ou objetos (mono imi 物忌) ou agrave realizaccedilatildeo de ldquoabluccedilotildeesrdquo que
afetem a ldquomente e corpordquo (心身) do indiviacuteduo enquanto este venera os kami kegare eacute ldquoum
estado de divergecircncia do que eacute comum uma condiccedilatildeo que se deve abster-se com receiordquo
Caracterizada pelo gradual murchar de ke ndash substitui-se o kanji [気] pelo de [褻] que significa
ldquomundanordquo ndash kegare pode ateacute afetar os alimentos utilizados nos matsuri ao mesmo tempo
que se reconhece a natureza sagrada destas oferendas pensava-se que os alimentos (odango
feijatildeo) eram ldquotambeacutem uma existecircncia sujardquo que justificava a sua eliminaccedilatildeo pela aacutegua fogo
186
NISHIGAKI Yukio op cit pp269-270
187 ITŌ Nobuhiro ldquo穢れと結界に関する一考察 lsquoケガレrsquoとrsquoケrsquordquo (An analysis concerning kegare and
barriers ldquokegarerdquo and ldquokerdquo) Studies in language and culture (言語文化論集) nordm 24 (1) 2002 pp 3-22
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 67
sal e lama elementos portadores de ldquoefeitos purificadoresrdquo (jōka sayō 浄化作用) sendo
destruiacutedos ou queimados apoacutes as festividades 187
Numa interpretaccedilatildeo alternativa eacute possiacutevel explicar kegare como uma das partes da
dicotomia kegarehare para a antropoacuteloga Namihira Emiko kegare expressa ldquoocasiotildees
poluentes tais como funerais ritos memoriais nascimento de crianccedilas menstruaccedilatildeo feridas
(hellip) poluiccedilatildeo pode vir tanto de morte como de sanguerdquo por oposiccedilatildeo a hare ldquoocasiotildees
auspiciosas ou felizes formais tais como Ano Novo festivais matsuri Shinto Miyamairi e
outras cerimoacutenias Shintordquo positivas 188
de celebraccedilatildeo da vida e reposiccedilatildeo da Ordem
conotando-se com o que na linguagem contemporacircnea eacute automaticamente reconhecido como
ldquopurezardquo
Automaticamente associado a coisas impuras kegare eacute essencial no entendimento da
tradiccedilatildeo de discriminaccedilatildeo do geacutenero feminino sobretudo no que diz respeito a kegare oriundo
de sangue (menstruaccedilatildeo) e do parto posteriormente identificados com ldquoimpureza vermelhardquo
(aka fujō 赤不浄) e ldquoimpureza brancardquo (shira fujō 白不浄) respetivamente um sistema de
classificaccedilatildeo que remonta somente ao Periacuteodo Meiji acrescentando-se uma terceira ldquoforma de
impurezardquo haacute jaacute muito reconhecida na sociedade japonesa e capaz de afetar ambos geacuteneros a
ldquoimpureza negrardquo (kuro fujō 黒不浄) 189
sinoacutenimo de shie ou ldquokegare da morterdquo (死穢)
caucionando o indiviacuteduo contra o prolongado contacto direto e indireto com mortos
Ora jaacute as primeiras fontes histoacutericas japonesas perspetivam kegare como uma forma
de Desordem se no Nihon Kōki (日本後紀) o termo quase nunca surge de forma isolada
fazendo parte das palavras [凶穢] [損穢] [汚穢] e [ 穢悪之事] respetivamente registadas
nos anos 797 806 815 e 811 190
no Zoku Nihongi (続日本紀) regista-se [有穢] ou ldquokegare
arirdquo (ldquoter kegarerdquo) aludindo agrave materializaccedilatildeo de kegare 191
Uma vez que tanto o nascimento e a morte de animais ou humanos satildeo kegare eacute
possiacutevel afirmar que enquanto conceito kegare sofreu uma elevada consciencializaccedilatildeo no
seio da sociedade japonesa ndash kegare eacute algo que pode ldquomancharrdquo e ldquocontaminarrdquo ndash ao ponto de
interferecircncia nos rituais aos kami como se pode constatar no Nihon Sandai Jitsuroku (日本三
188
PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit pp 309-310 189
AMA Toshimaro ldquo日本の rsquo疑似伝統 rsquordquo (Distortion of Japanese Tradition) Meiji Gakuin review
International amp regional studies nordm 8 1991 pp 1-22
190 SAEKI A 日本後紀 朝日新聞本 (Nihon Goki Versatildeo do Jornal Asahi) (on line) lthttpwwwj-
textscomchukokoukiallhtmlgt (consultado em 24-06-2018) 191
MIZUMOTO Masahisa ldquo大本敬久 触穢の成立 日本古代における「穢」概念の変遷rdquo (ldquoBook review
lsquoDevelopment of Shokue Changes of the Kegare Concept in the Ancient Japan by Ōmoto Takahisarsquordquo) Buraku
Kaihō Kenkyū (部落解放研究) nordm 199 2013 pp 118-123
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 68
代実録) Por outras palavras a presenccedila de kegare pode justificar o cancelamento de certos
matsuri encontrando-se vaacuterias referecircncias a esta ldquointerrupccedilatildeordquo (teishi停止) no registo do ano
683 (Kinensai e Hirano Umemiya matsuri) e no de 866 e 874 (Tsukinamisai) outro exemplo
a ter em consideraccedilatildeo data do seacutetimo ano da era Jōgan (nono mecircs deacutecimo primeiro dia) e
ilustra kegare como algo nocivo agrave execuccedilatildeo dos ldquoritosrdquo no Ise Jingū que eacute eliminado por
membros da corte 192
Podendo ser visto ouvido degustado cheirado e tocado algo expresso no conceito
de shokue (触穢) literalmente ldquokegare de toquerdquo ndash o primeiro kanji eacute o mesmo usado para o
verbo ldquotocarrdquo (sawaru) ndash kegare eacute classificado por fontes do Periacuteodo Heian como o jaacute
mencionado Nihon Sandai Jitsuroku que lista as seguintes categorias shokue (nas croacutenicas
dos anos 859 862 e 886) shie (episoacutedios dos anos 861-864 865 871 876 878-879 880
882-883 885-887) - especificando se se trata da morte de um animal (catildees cavalos raposa)
ou de um humano (人死穢 e 人死之穢) procedendo-se ao cumprimento de regras de
ldquoabstenccedilatildeordquo como medidas de contingecircncia contra o alastramento de impureza - e san no
kegare exclusivamente associado a catildees ndash no texto original lecirc-se presumivelmente inu sanrsquoe
(犬産穢) ndash descritos no nono mecircs do terceiro dia (ano 865) no deacutecimo mecircs do seacutetimo dia
(ano 867) em dois dias do ano 870 nos anos 877 879 880 884 885 e por uacuteltimo no ano
886 193
Quanto a ketsue (血穢) ou chi no kegare a ldquoimpureza de sanguerdquo eacute discriminada no
episoacutedio do Kojiki (reinado do Imperador Keikō) que descreve o casamento entre Yamato-
takeru-no-mikoto (倭建命) e a menstruada Miya-uke-hime (美夜受比売) um facto entoado
num ldquopoemardquo (uta 歌) pelo proacuteprio esposo e correspondido por esta na noite de nuacutepcias
Assim ketsue eacute o melhor representante da visatildeo lsquosangue = impurezarsquo independentemente de
este pertencer a uma mulher ou a um homem o sangue de um ser vivo era encarado num
misto de receio e fasciacutenio pensando-se que este liacutequido era portador de ldquoum poder forterdquo
192
SAEKI A 日本三代實録 全巻朝日新聞本 (Nihon Sandai Jitsuroku Volume Completo Versatildeo de do
Jornal Asahi) (on line) lthttpwwwj-textscomchukosandaihtmlgt (consultado em 24-06-2018) 193
SAEKI A 日本三代實録 全巻朝日新聞本 (Nihon Sandai Jitsuroku Volume Completo Versatildeo de do
Jornal Asahi) (on line) lthttpwwwj-textscomchukosandaihtmlgt (consultado em 24-06-2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 69
Como resultado o sangue tornar-se-ia um imi (忌) a nunca referir em discurso muito menos
durante a realizaccedilatildeo dos atos de veneraccedilatildeo aos kami 194
Em contrapartida tambeacutem o Saigūki (西宮記 ca seacutec X) regista casos de ketsue
durante o Kamo-matsuri no quarto mecircs do ano 839 e no Sono-matsuri segundo mecircs do ano
851 190
Seguidamente em contexto dos proacuteprios ritos do Naikū a proacutepria palavra ldquosanguerdquo
(血) seria adicionada agrave lista de imikotoba presente no Kōtai Jingū Gishiki-chō 195
Jaacute na 52ordf
aliacutenea do terceiro volume do Engishiki caucionar-se-ia as menstruadas jovens do palaacutecio (ari
tsuki-goto-mono 有月事者) a retirarem-se para suas casas na veacutespera do matsuri e praticar
ldquoabstinecircnciardquo (kessai 潔斎) no terceiro e nono mecircs (Anexo I) 196
Uma vez que o sangue eacute um liacutequido presente no parto de animais e seres humanos natildeo
eacute estranho o facto de o nascimento partilhar do mesmo sentido negativo que a morte ou o
sangue menstrual como jaacute mencionado o Nihon Sandai Jitsuroku cita ocorrecircncias de dano
fetal e nascimento de catildees como motivos para adiar certos ritos 197
e em dois episoacutedios
descritos no ano de 919 (Teishinkōki) e 1119 (Chōshūki) respetivamente se no primeiro caso
esta variedade de kegare eacute mais que suficiente para interromper o Kinensai - agrave semelhanccedila do
ano 683 (Nihon Sandai Jitsuroku) ndash no segundo o parto de uma crianccedila originou kegare que
se espalhou por todos os cantos 198
194
IDE Maya USHIYAMA Yoshiyuki ldquo古代日本における穢れ観念の形成rdquo (Formation of Attitudes
Toward Pollution [kegare] in Ancient Japan) Shinshu University Journal of Educational Research and Practice
(信州大学教育学部研究論集) nordm 9 2016 pp 81-93 195
O Kōtai Jingū Gishiki-chō foi produzida por volta do seacutec IX pelo Naikū e entregue ao Jingikan para revisatildeo
Interessantemente a maior parte deste conjunto de palavras satildeo de origem ldquobudistardquo refletindo a abominaccedilatildeo de
shintō em relaccedilatildeo a ldquoensinamentos de forardquo Segundo Wada a expressatildeo ldquo 血乎阿世止云 rdquo significa
simplesmente que ldquoaserdquo (阿世) ndash ase pode querer indicar a palavra japonesa para ldquosuorrdquo (汗) - deve ser usada
como ldquosubstituto de ldquochirdquo (sangue) O autor afirma tambeacutem que sangue e urina eram considerados liacutequidos
impuros portanto automaticamente interditos nestes espaccedilos WADA Atsumu ldquo特別寄稿 古代社会とケガレ
意識rdquo (Contribuiccedilatildeo Especial Sociedade dos Tempos Antigos e a consciencializaccedilatildeo de kegare) 奈良県立同和問題関係史料センター 研究紀要 (Centro Prefeitoral de Nara para Registos Histoacutericos de Discriminaccedilatildeo
Boletim de Investigaccedilatildeo) Nara-ken Ritsudō Wa Mondai Kankei Shiryō Sentā Kenkyū kiyō) nordm 11 Dezembro
2007 pp 114-136 196
FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第三 神祇三 臨時祭rdquo (Terceiro Livro Jingi Trecircs Matsuri de
Ocasiotildees Extraordinaacuterias) 延 喜 式 (Engishiki) (on-line)
lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi03htmgt (consultado em 24-06-2018) 197
SAEKI A 日本三代實録 全巻朝日新聞本 (Nihon Sandai Jitsuroku Volume Completo Versatildeo de do
Jornal Asahi) (on line) lthttpwwwj-textscomchukosandaihtmlgt (consultado em 24-06-2018)
198 IDE Maya USHIYAMA Yoshiyuki ldquo古代日本における穢れ観念の形成rdquo (Formation of Attitudes
Toward Pollution [kegare] in Ancient Japan) Shinshu University Journal of Educational Research and Practice
(信州大学教育学部研究論集) nordm 9 2016 pp 81-93
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 70
No que concerne a shie esta eacute talvez a forma de kegare mais abominada pela
sociedade japonesa pela sua ligaccedilatildeo direta com a morte morte (intencional ou natural) nunca
eacute motivo de celebraccedilatildeo e os rituais de shintō priorizam a vida ou seja ldquocrescer culturas e
receber vida Receber vida e dar graccedilas agrave vida representa a visatildeo de vida fundamental de
Shintordquo 199
tornando os matsuri natildeo soacute expressotildees de rituais positivos mas tambeacutem
celebraccedilotildees da vida da sociedade aproximando o indiviacuteduo do coletivo
Com efeito se a vida aproxima a morte afasta e traz consigo kegare a sua existecircncia
poderaacute provocar o cancelamento de certos matsuri Ao longo da histoacuteria do Japatildeo morte
nunca foi desassociada de kegare e imi sendo que ateacute mesmo a sociedade contemporacircnea
hesita em referir-se abertamente agrave morte individual de seres humanos respeitando uma seacuterie
de regulaccedilotildees que envolvem a natildeo pronunciaccedilatildeo de palavras que pudessem ser analogias agrave
morte (imikotoba) a praacutetica de ldquokichūrdquo (忌中) entre as pessoas da mesma famiacutelia do falecido
a distribuiccedilatildeo de um tipo de ldquosal purificadorrdquo (kiyome no shio 清めの塩 ) entre os
participantes do funeral Incidentalmente o costume ldquomodernordquo de visitar as campas dos
antepassados e dos membros da famiacutelia recentemente falecidos era totalmente posto de parte
pela corte do Periacuteodo Heian temendo-se o perigo de contaminaccedilatildeo devido agrave forte ldquoligaccedilatildeo de
sanguerdquo entre membros da mesma famiacutelia (sobretudo parentes proacuteximos) 200
Surgindo frequentemente no Kojiki e Nihon shoki kegare natildeo passa de uma palavra
(adjetivo verbo ou nome) sem categorizaccedilotildees integrando um grupo de vocaacutebulos constituiacutedo
por termos de conotaccedilatildeo negativamaligna kitanashi (垢濁悪) ashi (悪邪 凶) arashi
(荒) shiko (醜 凶) e maga (禍 悪 禍害枉 凶) 201
Ora independentemente da ausecircncia do
kanji (死穢) ambas fontes reconhecem a natureza ldquopoluenterdquo da morte no Kojiki o Yomi-no-
kuni eacute descrito como um local desolador repleto de kegare no qual residem mulheres ldquoodiosasrdquo
e um mundo afastado de tudo que eacute vivo Assim na passagem do retorno do Izanagi ao
mundo da superfiacutecie o kanji eacute lido pela primeira vez como adjetivo (kitanaki) 202
199
SANDVIK Leiff Showcasing Shinto The Reinvention of Shinto as an Ecological Religion Masterrsquos Degree
Thesis in History of Religion submitted to the Department of Culture Studies and Oriental Languages of the
University of Oslo supervised by Prof Nora Stene Preston and Prof Dr Mark Teuween 2011 200
AMA Toshimaro ldquo日本の rsquo疑似伝統 rsquordquo (ldquoDistortion of Japanese Traditionrdquo) Meiji Gakuin review
International amp regional studies nordm 8 1991 pp 1-22 201
ITŌ Nobuhiro ldquo穢れと結界に関する一考察 lsquoケガレrsquoとrsquoケrsquordquo (An analysis concerning kegare and
barriers ldquokegarerdquo and ldquokerdquo) Studies in language and culture (言語文化論集) nordm 24 (1) 2002 pp 3-22 202
KURANO K ldquo 上 卷 并 序 rdquo (Prefaacutecio para o Capiacutetulo Superior) 古 事 記 (Kojiki) (on line)
lthttpwww004uppso-netnejpdassai1kojiki_kamiframekojiki_kami_framehtmgt (consultado em 24-06-
2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 71
Com efeito a relaccedilatildeo shi ndash kegare ndash fujō repercute-se no Nihon shoki [穢] marca
presenccedila nas falas de Izanagi primeiro como adjetivo qualificativo de um ldquolugar horrendo e
sujordquo (inashikomeki kitanaki tokoro 不須也凶目汚穢之處) que eacute identificado com o Yomi-
no-kuni o mundo dos mortos Seguidamente o kanji precede o de [濁] ou nigoru (ldquoturvordquo)
base dos nigorasu nigoraseru e um sinoacutenimo de yogoreru (ldquosujar-serdquo) descreve-se deste
modo o corpo fisicamente ldquosujordquo de Izanagi-no-mikoto que precisa de ser lavado (mi no
kegawashikimono wo arai saran 身の濁穢 を滌い去らん) 203
A associaccedilatildeo entre a morte e a Desordem estende-se para laacute dos episoacutedios de cariz
mitoloacutegico o registo da regente imperial Kōgyoku nota que no seguimento da morte (em
territoacuterio japonecircs) de um filho do diplomata do reino coreano de Paekche nenhum dos
membros da famiacutelia se dignou a aparecer no seu funeral temendo-se uma possiacutevel
contaminaccedilatildeo Apesar de esta atitude de evitaccedilatildeo natildeo ser japonesa a popularidade de obras
chinesas que descreviam as cerimoacutenias e os ritos funeraacuterios (envergamento de branco cor do
luto) contribuiria para a fundamentaccedilatildeo de uma tradiccedilatildeo de evitaccedilatildeo de shie a vaacuterios niacuteveis
comeccedilando com definiccedilotildees do enterro a interdiccedilatildeo da cerimoacutenia mogari e outros costumes
que envolviam a morte (corte de cabelo para o bem dos mortos) 204
Por volta do Periacuteodo Heian jaacute era ldquooficialrdquo a abominaccedilatildeo dos membros da corte em
relaccedilatildeo a kegare o Kōnishiki (弘仁式) do Saigūki o Jingiryō e eacute claro o Engishiki definem
kegare como um conjunto de atos a evitar por parte dos indiviacuteduos no seacutetimo volume do
Saigūki nascimento e morte de pessoas e animais domeacutesticos o consumo de carne destes
uacuteltimos fazer luto e visitar doentes implicava um periacuteodo de ldquoevitaccedilatildeordquo ritual de trinta dias
(morte humana) sete dias (nascimento humano) cinco dias (morte animal) e trecircs dias
(consume de carne luto e visita de doentes) 205
No que concerne ao Jingiryō segundo as aliacuteneas dedicadas agrave ldquoabstinecircnciardquo (散斎条)
enterrar coisas em casa luto visita de doentes consumo de carne natildeo produccedilatildeo de muacutesica
entre outros atos de caraacutecter legal (ldquonatildeo julgar em tribunais natildeo punir culpadosrdquo) justificam
este ritual de reposiccedilatildeo da Ordem cuja duraccedilatildeo depende da dimensatildeo dos ritos em questatildeo
203
SAKAMOTO Trdquo一書第六 原文rdquo (Sexto livro Texto Original) 日本書紀 卷第一 第五段 (Nihon
shoki Primeiro Capiacutetulo Quinta Secccedilatildeo) (on line) lthttpwww004uppso-
netnejpdassai1shokiframe0105_06frhtmgt (consultado em 24-06-2018) 204
ITŌ Nobuhiro ldquo穢れと結界に関する一考察 lsquoケガレrsquoとrsquoケrsquordquo (An analysis concerning kegare and
barriers ldquokegarerdquo and ldquokerdquo) Studies in language and culture (言語文化論集) nordm 24 (1) 2002 pp 3-22 205
IDE Maya USHIYAMA Yoshiyuki ldquo古代日本における穢れ観念の形成rdquo (Formation of Attitudes
Toward Pollution [kegare] in Ancient Japan) Shinshu University Journal of Educational Research and Practice
(信州大学教育学部研究論集) nordm 9 2016 pp 81-93
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 72
(inspirado nos coacutedigos da dinastia Tang) ldquograndes ritosrdquo soacute se realizavam apoacutes um periacuteodo de
ldquoabstenccedilatildeordquo mensal (1ヶ月の斎を大祀) trecircs dias no caso dos ldquoritos meacutediosrdquo (3日の斎を
中祀) e um dia para os ldquoritos pequenosrdquo (1日の斎を小祀) 206
Agrave semelhanccedila de Jingiryō e do Saigūki o Engishiki repercute a tendecircncia de
ldquoevitaccedilatildeordquo como o uacutenico modo de se precaver contra os perigos de kegare formalmente
designando esta de shokue Mencionada sobretudo no terceiro volume concretamente nas
aliacuteneas 47 48 53 e 54 shokue deve ser eliminado consoante as especificaccedilotildees presentes no
Saigūki na segunda aliacutenea os atos de luto (弔喪) visitar doentes e ldquoalcanccedilar um lugar onde
um montemontanha estaacute a ser construiacutedo ou encontrar um serviccedilo memorial Budista de 37
diasrdquo inviabiliza a entrada do indiviacuteduo no ldquoPalaacutecio Imperial nesse diardquo independentemente
de o proacuteprio natildeo estar contaminado (Anexo I) Na terceira aliacutenea afirma-se que shokue pode
ser transmitido de um local para uma pessoa ou um grupo apesar de natildeo haver risco de
kegare para as pessoas em contacto com uma segunda pessoa ldquocontaminadardquo Jaacute na uacuteltima
aliacutenea a presenccedila de kegare num ldquooficial do Palaacuteciordquo natildeo pode comprometer os
procedimentos dos matsuri 207
O aprofundamento do estudo do conceito de kegare tambeacutem facultou o
desenvolvimento de toda uma perspetiva japonesa na qual objetos locais accedilotildees e ateacute mesmo
palavras satildeo rapidamente integradas no quadro cerimonial shintō embora como distintos
entraves a este uacuteltimo Ora apesar de imi natildeo lhe ser inato (a shintō) e jaacute ter existido de forma
latente na sociedade arcaica foi graccedilas ao processo de edificaccedilatildeo desta Via por parte da corte
que imi ndash geralmente entendido num sentido muito negativo ndash gradualmente conjugaria
ambos aspeto de causa e efeito da Desordem e da Ordem evidenciada pela dicotomia imi (忌)
e imi (斎) dois kanji homoacutefonos de significado antiteacutetico que constituem uma seacuterie de
vocaacutebulos e expressotildees geralmente conotadas com o negativo e o positivo respetivamente
No caso do primeiro imi este eacute alternadamente lido como imu e ki (foneacutetica chinesa)
marcando presenccedila nas palavras imawashii (忌まわしい) um adjetivo traduzido como ldquomau
pressaacutegiordquo 208
o nome kinki ( 禁忌) accedilatildeo interdita em meios sociais (ldquofrases proibidasrdquo
206
IGARI Hiromi ldquo第六 神祇令 全 20 条rdquo (Sexto [Volume] Jingiryō todas as 20 aliacuteneas) 現代語訳「養老 令 」 全 三 十 編 (Traduccedilatildeo moderna Yōrō-ryō todos os 30 volumes) (on-line)
lthttpwwwsoldtinejphiromikanseiyoro06htmlgt (consultado em 24-06-2018) 207
FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第三 神祇三 臨時祭rdquo (Terceiro Livro Jingi Trecircs Matsuri de
Ocasiotildees Extraordinaacuterias) 延 喜 式 (Engishiki) (on-line)
lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi03htmgt (consultado em 24-06-2018) 208
NISHIGAKI Yukio op cit p90
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
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denominam-se kinku 禁句) expressa numa atitude de afastamento e natildeo contacto com certas
coisas - uma vez que ldquoquebrar o tabu convidaria desgraccedilas tais como feridas e doenccedilasrdquo 209
e
as imikotoba (忌詞) cuja pronunciaccedilatildeo atrai ldquomaacute-sorterdquo ldquodesastresrdquo e ldquodesgraccedilasrdquo 210
Englobando dezenas de verbos adjetivos e outros vocaacutebulos do dia-a-dia imikotoba
natildeo devem ser proferidas em casamentos e noivados (acabar ndash owaru cortarcortar-se ndash
kirukireru) admissotildees escolares e empresariais e sucesso no trabalho (desistirparar ndash yameru
interrupccedilatildeo ndash chūshi) abertura de lojas e negoacutecios (fechar ndash tojiru perder ndash makeru) gravidez
e parto (cair ndash ochiru jazer ndash horobiru fraco ndash yowai murchar ndash kareru) construccedilatildeo de casas
(fogo - hika fumo ndash kemuri) e ainda expressotildees de longevidade 211
Por conseguinte imi (忌) eacute integrado na terminologia fuacutenebre japonesa kichū (忌中)
e kiake (忌明け) expressam o periacuteodo preacute-definido e o fim de [忌] cujo objetivo eacute fazer com
que o indiviacuteduo receie a morte e tudo que esteja relacionado com esta justificando uma
conduta mais cuidada moderada e austera Neste sentido o familiar do falecido refreia-se de
praticar os atos de veneraccedilatildeo em jinja sendo-lhe interdita a entrada na aacuterea destes uacuteltimos e a
sua participaccedilatildeo em matsuri ocasiotildees festivas (casamentos e outras cerimoacutenias viagens
luacutedicas) eventos de celebraccedilatildeo (adiados ateacute kiake) renovaccedilatildeo da casa solo e compras de
grande porte Para o efeito o indiviacuteduo pode escolher sujeitar a casa a uma purificaccedilatildeo
domeacutestica denominada kiake harai (忌明け祓い) cinquenta dias apoacutes a morte do falecido
De caraacutecter muito simples esta praacutetica envolve a entoaccedilatildeo de uma inori por parte de um
ldquoprofissionalrdquo 212
209
Iwai Hiroshi acrescenta que este kinki se relaciona com abstinecircncia do indiviacuteduo (monoimi) sendo que no
caso dos que executam os ritos kami procurava-se manter ldquoum estado de pureza fiacutesica e mentalrdquo evitando
contactar coisas poluiacutedas por um periacuteodo especiacutefico No caso da morte de um parente as pessoas de luto nunca
podem sair agrave rua IWAI Hiroshi ldquoKinkirdquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and Doctrines Basic Terms (on
line) httpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23410gt (consultado em 24-06-
2018) 210
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 171-172
211 Muitas destas palavras foram escolhidas pelo seu significado negativo e ldquopessimistardquo por exemplo ldquopartirrdquo
(saruwareru) e ldquocortar (kiru) podem indicar um eufemismo para morte acrescentando-se o nuacutemero quatro (shi)
que eacute homoacutefono da palavra ldquomorterdquo (shi) Fumitei お祝いには避けたい 忌み言葉 (Querer evitar em
celebraccedilotildees as imikotoba) (on line) lthttpwwwfumiteijpstep3imi_kotobahtml04syussangt (consultado em
24-06-2018) 212
Imi varia consoante o membro da famiacutelia em questatildeo e geralmente eacute feito em simultacircneo com fuku (服) se
bem que este uacuteltimo associa-se ao esforccedilo mental do indiviacuteduo que procura ultrapassar a sensaccedilatildeo de perda e
regressar agrave sua vida normal algo que pode estender-se ateacute seis meses Hyōgo-ken Jinja-chō 先祖のおまつり
(Celebraccedilatildeo dos antepassados) (on line) lthttpwwwhyogo-jinjachocomfaqfaq08htmlgt (consultado em 24-
06-2018)
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Como se pode constatar a maioria das palavras derivadas de [忌] natildeo possuem um
significado positivo (exceccedilatildeo de kiake e kiake harai) o que eacute concordante com a tradiccedilatildeo de
lsquoimi= malrsquo ilustrada na literatura de corte dos Periacuteodos Nara-Heian (manuais e outros textos
rituais) assemelhando-se aos termos kegare e tsumi
No entanto deve-se ter sempre em consideraccedilatildeo a natureza ambiacutegua deste termo
Nishigaki Yukio (2005) define imu (忌斎) como lsquocoisas sagradasrsquo (shinsei na mono 神聖な
もの) morte e coisas sujas que as pessoas do Japatildeo antigo pensavam que natildeo se podiam tocar
devido ao facto de possuir um poder forterdquo 213
capaz de influenciar positiva e negativamente o
indiviacuteduo ecoando a interpretaccedilatildeo sugerida por Okada Shigekyo (1982) na sua pesquisa
acerca do significado dual de imi o autor menciona o facto da palavra imu (斎) ser usada para
qualificar ldquocoisas purasrdquo (seijōshōjō na mono 清浄な物) e indicar assuntos de kami que
envolviam uma ldquoabstinecircncia optimistardquo contrastando com imu (忌) que denotava ldquocoisas
impurasrdquo (fujō na mono 不浄な物) relacionando-se com os afazeres de kami e puacuteblicos
(negativos por natureza) que obrigavam a uma atitude automaacutetica de afastamento 214
como
meio de repor a Ordem
A ideia de um imi positivo e um imi negativo tambeacutem eacute partilhada por Ama
Toshimaro (1991) embora nos dias de hoje ldquoimirdquo (イミ) tenha adquirido o significado de
[忌] [禁忌] e [禁制 concordante com uma atitude de evitaccedilatildeo na liacutengua japonesa imi possui
um outro significado se for escrito com o kanji [斎] passando a ler-se imi (斎み) termo que
indica a palavra seishin kessai (精神潔斎)rdquo ndash literalmente kessai mental entendida no sentido
de ldquoabstinecircncia positiva do corpordquo (sekkyokuteki ni mi wo tsutsushimi積極的に身を慎み) ndash
e consequentemente ldquoaponta o ato de o proacuteprio decidir entrar no mundo sagrado dos kamirdquo
Por outras palavras se [忌み] indicar sobretudo um princiacutepio comportamental negativo pode-
se dizer que [斎み] eacute um princiacutepio comportamental positivo concentrado na ldquodiscriccedilatildeordquo 215
No Nihon shoki a divisatildeo natildeo eacute sempre clara imi (忌) eacute usado na palavra ōmimi (所
忌 ) alimentos proibidos de consumo por parte do imperador evidenciando a noccedilatildeo de
213
NISHIGAKI Yukio op cit p90 214
IDE Maya USHIYAMA Yoshiyuki ldquo古代日本における穢れ観念の形成rdquo (Formation of Attitudes
Toward Pollution [kegare] in Ancient Japan) Shinshu University Journal of Educational Research and Practice
(信州大学教育学部研究論集) nordm 9 2016 pp 81-93 215
AMA Toshimaro ldquo日本の rsquo疑似伝統 rsquordquo (ldquoDistortion of Japanese Traditionrdquo) Meiji Gakuin review
International amp regional studies nordm 8 1991 pp 1-22
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
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ldquoabstinecircnciardquo e tambeacutem o estatuto especial do soberano japonecircs uma vez que todos os sais
satildeo-lhe proibidos excepto um sal especiacutefico 216
Contudo caso a situaccedilatildeo descrita seja negativa abandona-se a conotaccedilatildeo positiva de
imi evidenciado por expressotildees cujo significado pode ser de facto considerado como algo de
caraacutecter ldquopessimistardquo a palavra [国忌齋] designando o periacuteodo de ldquoabstinecircnciardquo (忌斎)
vigente em todo o paiacutes (adiamento de qualquer tipo de rituais shintō e enfoque nos rituais
budistas dirigidos aos mortos) ordenado primeiramente por Jitō e que duraria uma semana 217
e eacute claro o ldquodia de imirdquo (imibi忌日) indicando especificamente a data da morte do imperador
(dia 16 do segundo mecircs do segundo ano de Jitō) 218
Jaacute no Nihon Sandai Jitsuroku imibi eacute
formalmente explicado nos anos de 859 (o imibi de uma Imperatriz e natildeo do Imperador) 868
(Imperador Montoku decorrido anualmente no oitavo mecircs) e ano 886 (imibi do Imperador
Ninmyō vigeacutesimo primeiro dia do terceiro mecircs constatando-se a anual leitura de sutras no
tempo Unrin-in (雲林院) 219
Por outro lado a conotaccedilatildeo negativa de [忌] natildeo eacute muito visiacutevel no Kōtai Jingū
Gishiki-chō uma vez que eacute a presenccedila do kanji [忌] nas palavras [忌柱] [忌鍬] e [忌種] que
as reveste de uma natureza sagrada proacutepria de oferendas consagradas nos ritos aos kami uma
forma de culto que se estenderia ao proacuteprio Imperador realizando-se cerimoacutenias que
envolviam a preparaccedilatildeo de alimentos (arroz sobretudo) Submetidos a um processo de
abstinecircncia pelo fogo (imibi忌火) este arroz designar-se-ia oficialmente [忌火御飯] sendo
servido no primeiro dia do sexto mecircs 220
No que diz respeito ao Engishiki segue-se esta tendecircncia na qual o kanji pode
expressar coisas positivas (exceccedilatildeo de imikotoba) de entre as quais imibi presente no Niwabi-
216
Nihonsinwa ldquo大伴金村による真鳥の誅殺と塩の呪いrdquo (A execuccedilatildeo criminal de Matori e a maldiccedilatildeo do
sal devido a Ōtomo-no-kanemura) 武烈天皇(八)日本書紀 (Imperador Buretsu 8 Nihon shoki) (on line)
lthttpnihonsinwacompage1537htmlgt (consultado em 24-06-2018) 217
Sekai Daihyakka Jiten Dai 2 Han (Grande Enciclopeacutedia do Mundo Segunda Ediccedilatildeo) ldquo国忌rdquo (Kokki) コト
バンク (Kotobank ) (on line) lthttpskotobankjpwordE59BBDE5BF8C-498821gt (consultado
em 24-06-2018) 218
SAKAMOTO T 日本書紀 国史大系版 (Nihon shoki Ediccedilatildeo do Compecircndio da Histoacuteria Nacional) (on
line) lthttpwwwj-textscomjodaishokiallhtmlgt (consultado em 24-06-2018) 219
SAEKI A 日本三代實録 全巻朝日新聞本 (Nihon Sandai Jitsuroku Volume Completo Versatildeo de do
Jornal Asahi) (on line) lthttpwwwj-textscomchukosandaihtmlgt (consultado em 24-06-2018) 220
ITŌ Nobuhiro ldquo穢れと結界に関する一考察 lsquoケガレrsquoとrsquoケrsquordquo (An analysis concerning kegare and
barriers ldquokegarerdquo and ldquokerdquo) Studies in language and culture (言語文化論集) nordm 24 (1) 2002 pp 3-22
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
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matsuri (庭火祭) e Niinamesai (新嘗祭) celebrados no deacutecimo segundo mecircs e deacutecimo
primeiro respetivamente 221
Se na perspetiva anterior ao Periacuteodo Nara defendia-se o significado sagrado da
palavra imi no periacuteodo de expansatildeo das culturas Nara e Heian constata-se o oposto a
interaccedilatildeo entre shintō e outras Vias urge uma necessidade de divisatildeo entre coisas maacutes e coisas
boas rotulando-se deste modo a tradiccedilatildeo de ritos fuacutenebres imperiais como ldquoritos malignosrdquo
(kyōrei 凶礼) o ldquomalignordquo eacute o representante de algo contraacuterio agrave Ordem que se distingue de
outros ritos imperiais e dos matsuri nacionais interpretados como ldquocomportamento benignordquo
(yoshimichi吉義) e portanto de impacto positivo 222
Consequentemente a influecircncia de imi na sociedade japonesa estender-se-ia ao
domiacutenio do discurso tornando as imikotoba palavras ldquonegativasrdquo mas que natildeo deixam de ser
sagradas no sentido de a sua pronunciaccedilatildeo transportar consigo um poder inexplicaacutevel e natildeo
fiacutesico 223
Uma vez que a ideia japonesa de ldquosagradordquo natildeo faz a distinccedilatildeo entre coisas
boasmaacutes inexplicaacuteveis por meios convencionais eacute possiacutevel afirmar que esta
consciencializaccedilatildeo da existecircncia de palavras perigosas no discurso contemporacircneo reflete o
lado mais prejudicial da tradiccedilatildeo japonesa de kotodama (言霊)
Associada a um domiacutenio natildeo tatildeo material mas mais subtil e espiritual kotodama eacute
uma palavra composta pelo kanji de ldquopalavrardquo (言) e o de ldquoespiacuteritordquo (tama eacute a leitura
alternativa do termo rei) e ldquorefere-se ao poder espiritual contido dentro de palavras mas
tambeacutem refere agrave concepccedilatildeo de que poder espiritual pode ser manifestado atraveacutes da entoaccedilatildeo
de palavrasrdquo 224
Neste sentido kotodama pode condicionar uma divisatildeo bipartida favoraacutevel ao
modelo ldquopensamento -palavra-accedilatildeordquo no qual o falante escolhe cuidadosamente o que quer
dizer atraindo coisas boasmaacutes para si e para os seus se norito satildeo boas para quem as entoa (e
para quem as escuta) as imikotoba (忌詞) ndash palavra composta pelo termo imi e o kanji lido
221
FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第二 神祇二 四時祭下rdquo (Segundo Livro Jingi Dois Matsuri das
Quatro Estaccedilotildees Parte Inferior) 延 喜 式 (Engishiki) (on-line)
lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi02htmgt (consultado em 24-06-2018) 222
AMA Toshimaro ldquo日本の rsquo疑似伝統 rsquordquo (ldquoDistortion of Japanese Traditionrdquo) Meiji Gakuin review
International amp regional studies nordm 8 1991 pp 1-22 223
WADA Atsumu ldquo特別寄稿 古代社会とケガレ意識rdquo (Contribuiccedilatildeo Especial Sociedade dos Tempos
Antigos e a consciencializaccedilatildeo de ldquoimpurezardquo) 奈良県立同和問題関係史料センター 研究紀要 (Centro
Prefeitoral de Nara para Registos Histoacutericos de Discriminaccedilatildeo Boletim de Investigaccedilatildeo) Nara-ken Ritsudō Wa
Mondai Kankei Shiryō Sentā Kenkyū kiyō) nordm 11 Dezembro 2007 pp 114-136 224
YONEI Teruyoshi ldquoKotodamardquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and Doctrines Basic Terms (on line)
lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23386gt (consultado em 24-06-
2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
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como kotoba (詞) - provocam efetivamente a Desordem ao serem portadoras impliacutecitas de
ldquoimpurezardquo (kegare) a niacutevel discursivo devendo por isso sujeitar-se a uma peculiar
purificaccedilatildeo abstinecircncia vocabularverbal
Devidamente listadas nos coacutedigos e regulaccedilotildees cerimoniais de entatildeo as imikotoba
eram evitadas atraveacutes da sua substituiccedilatildeo por outros termos parecidos no Kōtai Jingū Gishiki-
chō ldquobater numa pessoardquo [人打] eacute substituiacutedo por atsu (奈津) naku (鳴) ndash homoacutefono do
verbo chorar (naku 泣く ) do qual derivam laacutegrimas ndash eacute trocado por shiotare (塩垂 )
significando literalmente rdquoderramar salrdquo [宍] ndash refere-se a carne de animais ndash eacute substituiacuteda
por [多気] nakago (中子) eacute usado em vez de butsu (仏) indicando o local de veneraccedilatildeo de
estaacutetuas budistas a palavra sutra (kei 経) eacute trocada pela expressatildeo arcaica [志目加彌]
traduzida como ldquosomekamisomegamirdquo literalmente ldquopapel pintadordquo ndash os primeiros dois kanji
indicariam uma leitura foneacutetica do verbo ldquopintarrdquo (someru) e os outros a palavra japonesa
para ldquopapelrdquo (kami紙) ndash uma vez que desde o Periacuteodo Nara que os rolos de pergaminho eram
pintados com a cor amarela algo que supostamente servia de estrateacutegia contra os insetos 225
Seguindo o meacutetodo de substituiccedilatildeo os vocaacutebulos ldquopagoderdquo (tō 塔) ldquomongerdquo (hōshi
法師) o ldquolaicordquo upāsaka (ubasoku 優婆塞) ldquotemplordquo (tera 寺) ldquoabstinecircncia de comidardquo
(toki斎食) ldquomorterdquo (shi 死) ldquocampardquo (hakaba 墓) e ldquodoenccedilardquo (yamai病) satildeo abandonados
em favor de kanji foneticamente lidos como verbos ou simples termos japoneses utiliza-se
ldquocabelo compridordquo (kaminaka髪長) para ldquomongerdquo uma expressatildeo que natildeo reflete a realidade
uma vez que uma das caracteriacutesticas visiacuteveis dos monges e monjas eacute o corte regular do
cabelo em vez de ldquomorterdquo recorre-se agrave expressatildeo naoru (奈保利物) significando o verbo
ldquocurarrdquo (naoru) isto eacute trazer de volta a ldquoforccedila vitalrdquo (生命) o nome nagusamenagusa (慰)
no sentido de ldquoacalmarrdquo eacute usado em vez de ldquodoenccedilardquo 226
Natildeo obstante algumas palavras substitutas satildeo escolhidas pela sua aproximaccedilatildeo agrave
respetiva imikotoba ldquopagoderdquo torna-se araraki (阿良々支) designando a planta ichii cuja
folha dividida lembra a beira do telhado de uma torre ubasoku eacute substituiacutedo por tsunohasu
225
WADA Atsumu ldquo特別寄稿 古代社会とケガレ意識rdquo (Contribuiccedilatildeo Especial Sociedade dos Tempos
Antigos e a consciencializaccedilatildeo de kegare) 奈良県立同和問題関係史料センター 研究紀要 (Centro
Prefeitoral de Nara para Registos Histoacutericos de Discriminaccedilatildeo Boletim de Investigaccedilatildeo) Nara-ken Ritsudō Wa
Mondai Kankei Shiryō Sentā Kenkyū kiyō) nordm 11 Dezembro 2007 pp 114-136 226 WADA Atsumu ldquo特別寄稿 古代社会とケガレ意識rdquo (Contribuiccedilatildeo Especial Sociedade dos Tempos
Antigos e a consciencializaccedilatildeo de kegare) 奈良県立同和問題関係史料センター 研究紀要 (Centro
Prefeitoral de Nara para Registos Histoacutericos de Discriminaccedilatildeo Boletim de Investigaccedilatildeo) Nara-ken Ritsudō Wa
Mondai Kankei Shiryō Sentā Kenkyū kiyō) nordm 11 Dezembro 2007 pp 114-136
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
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(角波須) possivelmente uma referecircncia ao ldquochapeacuteurdquo usado pelos ldquoque acreditam em bukkyōrdquo
(bukkyō shinsha 仏教信者) ldquotemplordquo eacute um conhecido siacutembolo budista daiacute ser evitado no
discurso utilizando-se kawarafuki (瓦葺) katashiki (片食) equivale a toki Por uacuteltimo
ldquocampardquo um local conotado com kegare eacute pronunciado tsuchikure (土村) 226
No Engishiki imikotoba surge por duas vezes no quinto e sexto capiacutetulo o primeiro
grupo diz respeito agrave Saigū (斎宮) de Ise das quais as primeiras sete pertencem agrave linguagem
budista (内七言佛稱中子經稱染紙塔稱阿良良岐寺稱瓦葺僧稱髪長尼稱女髪
長齋稱片膳) outras sete estatildeo fora desta (外七言 死稱奈保留 病稱夜須 哭稱鹽垂 血
稱阿世 打稱撫 宍稱菌 墓稱壤) e as uacuteltimas duas correspondem aos termos tō e upāsaka
( 又別忌詞 堂稱香焼 優婆塞稱角筈) 227
Jaacute o segundo grupo (死稱直 病稱息 泣稱鹽垂
血稱汗 宍稱菌 打稱撫 墓稱壤) marca presenccedila no Saiinshi (齋院司) o Escritoacuterio ao qual
pertencia a Saiō (齋王) que serve o Kamo Jinja (outrora Kamo Daijin 賀茂大神) 228
Como se pode constatar estas duas listas foram sobretudo inspiradas pelas imikotoba
do Kōtai Jingū Gishiki-chō com a exceccedilatildeo de ldquohallrdquo (tō 堂) substituiacuteda por koritaki (香焼 )
- interpretado como o local onde se queima incenso - e do termo ldquomonjardquo (substituiacutedo pelo
feminino de kaminaga isto eacute mekaminaga女髮長)226 a grande diferenccedila entre os grupos de
imikotoba eacute nada mais do que o modo de escrita se as imikotoba da Saigū satildeo registadas num
japonecircs arcaico utilizando-se mais do que um kanji para se chegar ao som pretendido
imitando a linguagem do Kōtai Jingū Gishiki-chō as do Saiinshi sofreram uma simplificaccedilatildeo
utilizando-se somente um kanji ou no maacuteximo dois embora nunca alterando o significado
Tambeacutem conhecida pelos tiacutetulos de ldquoIse no saiō sainaishinnō itsuki no miya termos
que denotam uma princesa abstinente ou consagrada (hellip) escolhida entre as filhas e irmatildes de
um tennōrdquo (natildeo necessariamente o atual Imperador) a Saigū dedicava a sua vida a servir os
kami consagrados ao Ise Jingū e como tal submetia-se a trecircs anos de preparaccedilatildeo ou seja um
periacuteodo de preservaccedilatildeo de uma vida frugal e moderada Chegando a Ise no ldquonono mecircs do
terceiro ano das suas preparaccedilotildeesrdquo esta jovem visitaria o Ise jingū onde consagraria um ramo
de tamagushi ao Naikū e ao Gekū Tal ritual soacute se justificava trecircs vezes por ano durante o
bianual Tsukinamisai e Kannamesai sendo que o nono mecircs era ldquodeclarado um tempo de
227
FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第五 神祇五 齋宮寮rdquo (Quinto Livro Jingi Cinco Saigū-ryō) 延喜式 (Engishiki) (on-line) lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi05htmgt (consultado em
24-06-2018) 228
FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第六 神祇六 齋院司rdquo (Sexto Livro Jingi Seis Saiinshi) 延喜式
(Engishiki) lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi06htmgt (consultado em 24-06-2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 79
abstinecircncia geral no domiacutenio restriccedilotildees eram impostas em funerais e outras atividades
inauspiciosasrdquo 229
Uma das figuras mais elevadas na hierarquia de Ise a Saigū assume os deveres de
ldquosumo-sacerdotisardquo dos cultos em Ise e representa a perspetiva japonesa de pureza uma vez
que toda a sua vida era regulada em funccedilatildeo da manutenccedilatildeo deste estado interiorexterior de
pureza sendo forccedilada a retirar-se destes deveres para com os kami aquando da entronizaccedilatildeo
de um novo soberano apesar de natildeo se excluir uma reforma antecipada ldquodevido a morte na
sua famiacutelia sauacutede pobre ou acidentesrdquo 229
evidenciando a preocupaccedilatildeo para com
acontecimentos negativos que suscitam Desordem e uma resposta imediata de reposiccedilatildeo da
Ordem
24 O bem como agente da Ordem rituais de purificaccedilatildeo interna e externa
Na cultura japonesa a palavra ldquopurordquo deteacutem um lugar especial que natildeo pode ser
incluiacutedo junto de uma perspetiva preacute-formatada de lsquoreligiatildeorsquo a noccedilatildeo de pureza estaacute
efetivamente consciencializado no cidadatildeo japonecircs comum integrando uma das partes deste
ciclo de Desordem e Ordem se tsumi kegare e imi satildeo causa e efeito (por vezes simultacircneo)
da Desordem a sua antiacutetese apoia-se principalmente na reordenaccedilatildeo e equiliacutebrio conseguido
atraveacutes da purificaccedilatildeo processo que se pode aplicar a um objeto um espaccedilo ou um corpo vivo
algo que shintō vecirc como prioridade a niacutevel teoacuterico e praacutetico afetando de forma positiva o
indiviacuteduo e o coletivo
Neste sentido purificaccedilatildeo interna e externa eacute a essecircncia dos rituais favoraacuteveis agrave
Ordem e relaciona-se com vaacuterias expressotildees itsuku - itsu significa ldquoclaro e purordquo (segundo
Motoori Norinaga) e define o ato de ldquoservir e executar ritos para os kami apoacutes a purificaccedilatildeo
do corpo e da mente da eliminaccedilatildeo de kegarerdquo aludindo a uma ldquocondiccedilatildeo de pureza onde tudo
que eacute negativo e poluente foi eliminadordquo 230
shizume (鎮静) traduzido como ldquopacificaccedilatildeordquo
no qual se apazigua (osameru 治める) o solo (jichin 地鎮) o fogo (chinka 鎮火) e as
tamashii (chinkontama shizume 鎮魂魂鎮) procurando-se conduzir coisas a um estado
229
NAMIKI Kazuo ldquoSaigūrdquo Encyclopedia of Shinto 3 Institutions and Administrative Practices Ancient (on
line) lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23475gt (consultado em 24-
06-2018) 230
NISHIOKA Kazuhiko ldquoItsukurdquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and Doctrines Basic Terms (on line)
lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23387gt (consultado em 24-06-
2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 80
ameno normalizado um processo constatado tanto em rituais executados por profissionais e
praticantes de kyōha shintō como nos matsuri de caraacutecter imperial
No contexto de jichinsai (地鎮祭) - matsuri realizado ldquodiariamente para novos
projetos novas casas novas construccedilotildees na estrada ou construccedilatildeo de qualquer tipordquo - a
ldquopacificaccedilatildeordquo eacute a meta a atingir Primeiro o shinkan presta serviccedilos agrave comunidade
deslocando-se do seu jinja para o local em questatildeo Apoacutes o estabelecimento de um himorogi
delimitado pela shimenawa o shinkan procede a oharai o ato simboacutelico de abanar ldquoa harai-
gushi sobre a aacutereaa pessoa a ser purificadardquo (Anexo II) - apaziguando os kami locais e
protegendo o espaccedilo de influecircncias negativas que recairiam sobre os envolvidos no projeto 231
Em contrapartida chinka era caraterizado como um rito imperial da responsabilidade
do ldquoclatilderdquo Urabe durante o bianual Chinkasai procurando a prevenccedilatildeo de fogos ldquodentro do
palaacutecio imperial e em outras instituiccedilotildees estatais mais do que fogos no geralrdquo 232
se bem que
em Ontake-kyō esta pacificaccedilatildeo tinha como objetivo a ldquopurificaccedilatildeo do crente apoacutes um
elemento quente ter sido suprimidordquo 233
tornando o fogo um agente purificador
Por uacuteltimo os ritos chinkon satildeo dedicados aos vivos e aos mortos se nos dias de hoje
o termo designa o momento de reflexatildeo em silecircncio dentro das imediaccedilotildees do jinja apoacutes
misogi e antes da fase de naorai (直会) isto eacute o momento de completa harmonizaccedilatildeo entre o
indiviacuteduo e o kami (consumo de sake em copos de madeira de cipreste) 234
chinkon era um
meio de defesa contra as tatari (desastres naturais epidemias e mortes suacutebitas) lanccediladas por
onryō de cortesatildeos e poliacuteticos eventualmente venerados como kami 235
Por outro lado o
chinkon do Chinkonsai (realizado na veacutespera do Niinamesai ou do Daijōsai) era uma praacutetica
dedicada aos vivos na qual o Imperador procurava a restauraccedilatildeo da sua sauacutede ldquopuxandordquo de
volta a mitama que estava em risco de sair do corpo 236
Natildeo obstante outros termos devem ser considerados haraiharae eacute na linguagem
shintō o meio mais eficaz de eliminaccedilatildeo de tsumi e kegare Agrave semelhanccedila das palavras
231
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit p 172
232 NAMIKI Kazuo ldquoChinkasai (hiho shizume no matsuri)rdquo Encyclopedia of Shinto 5 Rites and Festivals
State Rites (on line) lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23099gt
(consultado em 24-06-2018) 233
Segundo Picken apoacutes a chinka shiki (鎮火式) cerimoacutenia na qual o praticante caminha sobre brasas este
uacuteltimo executaria a kugatachi shiki um ritual no qual o corpo deste uacuteltimo eacute salpicado com aacutegua a ferver
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit p 133
234 PICKEN Stuart op cit p179
235 PICKEN Stuart op cit p18
236 NAMIKI Kazuo ldquoChinkon-sairdquo Encyclopedia of Shinto 5 Rites and Festivals State Rites (on line)
lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23100gt (consultado em 24-06-
2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 81
ldquopurezardquo ldquosinceridaderdquo ou ainda ldquoharmoniardquo (chōwa 調和) que se aproxima da ideia de
ldquocompletude e todo e eacute tambeacutem um ideal social natildeo apenas um estado de assunto dentro das
relaccedilotildees humanasrdquo 237
haraiharae atinge o exterior e o interior do indiviacuteduo
Ora apesar de hoje se escreverem com o mesmo kanji [祓] harai e harae eram atos
diferentes harai seria uma ldquopurificaccedilatildeo ativardquo - eacute o proacuteprio sujeito que escolhe
conscientemente executar a ldquopurificaccedilatildeordquo como se constata no episoacutedio de Izanagi ndash e harae
derivaria de harawase descrevendo uma ldquopurificaccedilatildeo passivardquo na qual o sujeito ldquoreceberdquo
harae de boa vontade por parte dos responsaacuteveis pelo jinja algo jaacute aludido em certos termos
como haraetsumono (祓具) 238
Alternadamente escritos como [祓物] haraetsumono designa
as ldquooferendas de purificaccedilatildeordquo lanccediladas agrave aacutegua como parte da ceacutelebre Ōharae cujos efeitos
atingem toda a populaccedilatildeo japonesa tornando - a ldquopurardquo a niacutevel natildeo apenas fiacutesico Aliaacutes
Ōharae (大祓) partilha desta aceccedilatildeo uma vez que o objetivo inicial era ldquopurificarrdquo todos os
funcionaacuterios da corte justificando a sua categorizaccedilatildeo como uma cerimoacutenia tutelada pelo
palaacutecio imperial 239
Preservada ao longo dos seacuteculos Ōharae eacute praticada com ecircnfase pela maioria dos
jinja e popularmente designada de Nagoshi no harae (夏越の祓) ndash final de Junho - e
Toshikoshi no harae (年越の祓) ndash final de Dezembro Mencionada no Nihon shoki como
recurso para afastar a ldquoinfluecircncia maligna de um cometardquo este matsuri seria elevado agrave
categoria de ldquocerimoacutenia nacionalrdquo obrigatoacuteria para os jinja do Periacuteodo Meiji e para o efeito
exigia-se um preliminar ritual de purificaccedilatildeo no Sumiyoshi jinja de Toacutequio os participantes
receberiam aiacute o kata-shiro (形代) No dia em questatildeo o ldquomestre dos ritosrdquo daria iniacutecio agrave
cerimoacutenia atraveacutes da invocaccedilatildeo dos kami ao himorogi proferindo uma inori no iniacutecio e no fim
Jaacute a ceacutelebre norito denominada Ōbarae kotoba (大祓詞) seria recitada pelo Norito-shi (祝詞
師 ) apoacutes este explicar o propoacutesito de Ōharae aos presentes Consequentemente seriam
eliminadas da populaccedilatildeo todas as coisas conducentes agrave desordem eacutetica garantindo-se ldquopaz
proteccedilatildeo e felicidaderdquo 240
237
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp xxv-xxvi
238 MOTOORI N ldquo6-2 神代四之巻rdquo (御身滌の段) (6-2 Kami-yo Livro Quatro- A secccedilatildeo de misosogi)
古事記傳 (Kojikiden) (on line) lthttpkumoi1webfc2comCCP071htmlgt (consultado em 24-06-2018) 239
FLORENZ Karl ldquoAncient Japanese Rituals Part IVrdquo Transactions of the Asiatic Society of Japan nordm 27
1899 pp 1ndash112 240
FLORENZ Karl ldquoAncient Japanese Rituals Part IVrdquo Transactions of the Asiatic Society of Japan nordm 27
1899 pp 1ndash112
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 82
Segundo o Jingiryō do Yōrō-ryō Ōharae contava com a presenccedila de certos clatildes os
Nakatomi responsabilizavam-se por entoar a norito e consagrar as ldquooferendasrdquo (oonusa 御祓
麻) os Fumitobe das proviacutencias de Este e Oeste (東西の文部) consagravam espadas proacuteprias
para a ocasiatildeo isto eacute as harae no tachi (祓の刀 ) e os Urabe removeriam quaisquer
influecircncias negativas Ora a realizaccedilatildeo de Ōharae eacute na praacutetica um esforccedilo coletivo se todas
as unidades administrativas (郡) contribuiacuteam com ferramentas peles espadas e outras coisas
todas as casas (戸) deviam preparar cacircnhamo (麻) 241
No Engishiki a cerimoacutenia eacute antecedida pela preparaccedilatildeo de ofertas - armas revestidas
de metais preciosos vaacuterios tipos de tecido colorido (seda algodatildeo) cacircnhamo flechas arroz
cavalos madeira de carvalho Seguidamente os Urabe entoariam norito 242
funccedilatildeo
posteriormente delegada ao liacuteder dos Nakatomi (Ōnakatomi) cuja versatildeo da norito Nakatomi
Harae (中臣祓) ainda hoje eacute o modelo de norito e uma referecircncia para os jinja de hoje 243
Por conseguinte no seacutetimo volume exclusivamente dedicado ao matsuri que
comemora a acessatildeo ao trono do novo Imperador (Senso Daijōsai踐祚大嘗祭) Ōharae faz
parte da miriacuteade de praacuteticas efetuadas antes e durante o trigeacutesimo dia do deacutecimo mecircs do
calendaacuterio lunar geralmente entre o seacutetimo mecircs ndash o mecircs da acessatildeo ao trono do Imperador
como consequecircncia da abdicaccedilatildeo do seu antecessor se bem que no caso do oitavo mecircs a
cerimoacutenia seria adiada para o ano ndash e o deacutecimo mecircs 244
Apoacutes o envio dos ldquoMensageiros
Imperiais para Ōharaerdquo escolhidos por ldquoadivinhaccedilatildeordquo (boku卜) no oitavo mecircs era obrigatoacuterio
executar uma purificaccedilatildeo no uacuteltimo dia do mecircs (tal como a descrita no primeiro volume do
Engishiki) seguida do envio de dois Urabe agraves proviacutencias que executariam Ōharae
preparando-se as devidas oferendas (um cavalo uma flecha uma grande katana algodatildeo
peixe sake) 245
Uma complexa cerimoacutenia de caraacutecter imperial na qual canto e danccedila consumo de
comida e sake eram recebidos com entusiasmo o Daijōsai era um esforccedilo coletivo de
241
IGARI Hiromi ldquo第六 神祇令 全 20 条rdquo (Sexto [Volume] Jingiryō todas as 20 aliacuteneas) 現代語訳「養老 令 」 全 三 十 編 (Traduccedilatildeo moderna Yōrō-ryō todos os 30 volumes) (on-line)
lthttpwwwsoldtinejphiromikanseiyoro06htmlgt (consultado em 24-06-2018) 242
FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第一 神祇一 四時祭上rdquo (Primeiro Livro Jingi Um Matsuri das
Quatro Estaccedilotildees Parte Superior) 延 喜 式 (Engishiki) (on-line)
lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi01htm (consultado em 24-06-2018) 243
PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit p80
244 PICKEN Stuart op cit pp 62-72
245 FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第七 神祇七 踐祚大嘗祭rdquo (Seacutetimo Livro Jingi Sete Daijōsai)
延喜式 (on-line) lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi07htmgt (consultado em 24-06-
2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 83
membros da corte funcionaacuterios do Jingikan e do Jingiryō os Nakatomi entoavam as norito e
guiavam os ldquoadivinhosrdquo ao Ministeacuterio da Casa Imperial bem como os ldquogovernadores da
proviacutencia yuki e os vaacuterios funcionaacuteriosrdquo partilhando este uacuteltimo dever com os Urabe os
membros do Departamento de Carpintaria ldquoconstroem o principal santuaacuteriordquo os Inbe
apresentavam o ldquoespelho sagrado e a espada sagradardquo Findadas as festividades qualquer
vestiacutegio do matsuri seria prontamente destruiacutedo e praticar-se-ia uma uacuteltima ldquocerimoacutenia de
purificaccedilatildeordquo no uacuteltimo dia do mecircs esta uacuteltima conforme a bianual Ōharae 245
Apesar de a sua dimensatildeo ser diferente do harai habitual a meta de Ōharae parece
ser a de qualquer ritual positivo em shintō o estado de ldquoharmoniardquo refletindo a relaccedilatildeo iacutentima
entre a sociedade japonesa e a envolvente natureza fortalece-se deste modo a ldquonecessidade
de retificar desequiliacutebrios entre natureza humanos e divindadesrdquo 246
atraveacutes de uma atitude de
esforccedilo individual natildeo desassociada da preparaccedilatildeo interna e externa
Conotado com ldquoabstinecircnciardquo esta atitude implica disciplina na forma de um conjunto
de regras de conduta a adotar preacute-veneraccedilatildeo aos kami algo retido por qualquer praticante de
shintō nos dias de hoje com efeito qualquer matsuri eacute precedido por um periacuteodo temporaacuterio
de ldquoevitaccedilotildeesrdquo denominadas saikai (斎戒) ndash o termo eacute etimologicamente constituiacutedo pelos
kanji [斎] e [戒] do qual deriva o verbo imashimeru traduzido por ldquobanirrdquo ldquorestringirrdquo ndash nas
quais os responsaacuteveis por conduzir os rituais se banhavam (kessai 潔斎) mudavam de roupas
e consumiam certos alimentos claramente evidenciando a sua preocupaccedilatildeo para com
impurezas a presenccedila de derrame de sangue incecircndios e mortes era mais do que motivo
suficiente de desqualificaccedilatildeo dos que se tinham submetido a este processo ou em casos mais
extremos cancelamento do proacuteprio matsuri 247
Num contexto mais oficial observa-se uma categorizaccedilatildeo da praacutetica em si o
Jingiryō do Periacuteodo Yōrō distingue entre sansai (散斎) e chisai (致斎) sansai indicava a
ldquoabstinecircncia parcialrdquo na qual o indiviacuteduo estava proibido de fazer os jaacute mencionados seis atos
considerados formalmente como shokue chisai correspondia a uma ldquoabstinecircncia severardquo na
qual todos os ritos que natildeo envolvessem os kami eram cancelados No que concerne agrave sua
246
ROTS Aike Forests of the Gods Shinto nature and sacred space in contemporary Japan Dissertation
submitted to the Department of Culture Studies and Oriental Languages of University of Oslo in partial
fulfilment of the requirements for the degree of Doctor of Philosophy supervised by Prof Dr Mark Teeuwen
and Prof Dr Terje Stordalen 2013 247
ONO Sokyō op cit pp64-65
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 84
duraccedilatildeo esta variava consoante o mecircs em questatildeo sendo que no nono mecircs sansai era
observado durante todo o mecircs chisai duraria somente trecircs dias 248
Uns seacuteculos mais tarde o Engishiki inspirar-se-ia nesta categorizaccedilatildeo por vezes
conjugando-a com o ritual harae no Kinensai sansai era praticado durante trecircs dias e chisai
apenas um dia 249
durante Kanmisosai kessai eacute um ato realizado por alguns membros de clatildes
na veacutespera do matsuri e cujo objeto de ldquoabstenccedilatildeordquo satildeo as oferendas (fios de seda e cacircnhamo)
antes de serem tecidas e apresentadas durante a celebraccedilatildeo que por sua vez soacute poderia
decorrer mediante um preacutevio harai do espaccedilo (batsujo 祓除) realizado no uacuteltimo dia do
terceiro mecircs e do oitavo mecircs Kannamesai menciona novamente um kessai dos fios de seda
posteriormente transformados em tecidos 250
Apoacutes trecircs anos de [潔齋] como parte dos rituais
da Saigū na capital reservava-se o uacuteltimo dia do oitavo mecircs a uma Ōharae no palaacutecio e no
nono mecircs um Nakatomi encarregava-se da ldquopurificaccedilatildeordquo (祓清) das proviacutencias de Ōmi e Ise
permitindo agrave Saigū cumprir os seus deveres no decorrer do Kannamesai 251
Durante o nono mecircs procede-se a um periacuteodo de 18 dias (a comeccedilar no primeiro dia)
de ldquoabstenccedilatildeordquo e um mecircs de evitaccedilatildeo de luto e enterros bem como agrave execuccedilatildeo de ldquolustraccedilatildeo
augustardquo gokei [御禊] Escrito com o kanji honoriacutefico [御] e o de misogi [禊] gokei era uma
ldquocerimoacutenia para afastar contaminaccedilatildeo de pessoas da Famiacutelia imperialrdquo 252
que decorria agrave
beira-rio e na qual participava a Saigū Contudo esta atitude de ldquoabstenccedilatildeordquo natildeo era apenas
seguida por esta uacuteltima monges monjas pessoas em luto e grupos de bandidos sujeitavam-se
a sansai antes e apoacutes Kinensai Kamo-matsuri Tsukinamisai e Kannamesai sendo-lhes
interdita a entrada no palaacutecio tal e qual as jaacute mencionadas funcionaacuterias do palaacutecio graacutevidas
253
248
IGARI Hiromi ldquo第六 神祇令 全 20 条rdquo (Sexto [Volume] Jingiryō todas as 20 aliacuteneas) 現代語訳「養老 令 」 全 三 十 編 (Traduccedilatildeo moderna Yōrō-ryō todos os 30 volumes) (on-line)
lthttpwwwsoldtinejphiromikanseiyoro06htmlgt (consultado em 24-06-2018) 249
FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第一 神祇一 四時祭上rdquo (Primeiro Livro Jingi Um Matsuri das
Quatro Estaccedilotildees Parte Superior) 延 喜 式 (Engishiki) (on-line)
lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi01htm (consultado em 24-06-2018) 250
FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第四 神祇四 伊勢太神宮rdquo (Quarto Livro Jingi Quatro Ise Dai-
jingū) 延 喜 式 (Engishiki) (on-line) lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi04htm
(consultado em 24-06-2018)
251 FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第五 神祇五 齋宮寮rdquo (Quinto Livro Jingi Cinco Saigū-ryō) 延喜
式 (Engishiki) (on-line) lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi05htmgt (consultado em 24-
06-2018)
252 BOCK Felicia op cit p104
253 FUJIWARA T FUJIWARA T FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第三 神祇三 臨時祭rdquo (Terceiro
Livro Jingi Trecircs Matsuri de Ocasiotildees Extraordinaacuterias) 延 喜 式 (Engishiki) (on-line)
lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi03htmgt (consultado em 24-06-2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 85
Por uacuteltimo o seacutetimo volume do Engishiki especifica uma ldquoabstenccedilatildeordquo obrigatoacuteria no
deacutecimo primeiro mecircs sansai era iniciado no primeiro dia e terminava no uacuteltimo chisai
durava trecircs dias comeccedilando no dia do touro e terminando no dia da lebre proibindo-se a
participaccedilatildeo dos indiviacuteduos em ldquofestins Budistas ou festins magrosrdquo 254
Findado imi o indiviacuteduo foca-se na purificaccedilatildeo propriamente dita servindo-se de
elementos do dia-a-dia como o sal sake e aacutegua no primeiro caso o sal eacute ldquoatirado por
lutadores de Sumo cada vez que entram no dohyōrdquo e nos funerais serve o propoacutesito de ldquoauto-
purificaccedilatildeo apoacutes o regresso a casardquo dos frequentadores Jaacute em restaurantes e outros
estabelecimentos eacute costume colocar-se ldquoduas pilhas de sal fora do umbral uma de cada lado
apoacutes lavarem a entrada e antes de quaisquer clientes chegaremrdquo garantindo-se prosperidade
no negoacutecio Ora em misogi harai o sal eacute salpicado na cabeccedila dos participantes - no
seguimento de oharai ndash e tambeacutem misturado com sake sendo posteriormente ldquocuspido como
parte da cerimoacutenia de purificar a boca uma uacuteltima vezrdquo Oferecido nos altares sal faz ainda
parte das shinsen 255
A aacutegua tambeacutem partilha da mesma natureza purificadora que o sal e o sake em
virtude de ser considerada o elemento primaacuterio que devolve o lustro agraves coisas e pessoas
eliminando qualquer tipo de ldquomaacuteculardquo independentemente de se tratar de uma ldquomaacuteculardquo fiacutesica
(kegare) ou natildeo (tsumi) externa (corpo) ou interna (kokoro) Natildeo obstante a tradiccedilatildeo de
ldquolimpezardquo na cultura japonesa estende-se a contextos mais civis toalhas quentes satildeo
ldquoprovidenciadas em restaurantes (hellip) para que os patronos possam lavar as matildeos antes de
comer e uma pessoa Japonesa lavar-se-aacute sempre antes de entrar numa banheirardquo 256
um
reflexo da consciencializaccedilatildeo da lavagem do corpo na sociedade japonesa contemporacircnea
Em shintō a aacutegua assume um papel central em trecircs principais praacuteticas de ldquoauto-
purificaccedilatildeordquo que tambeacutem satildeo abluccedilotildees kessai temizu (手水) e misogi (禊) Se kessai eacute
geralmente feito antes do matsuri 257
temizu precede a ldquooraccedilatildeordquo (inori) aos kami nos jinja e
no qual o indiviacuteduo dirige-se a uma estrutura denominada temizuya (手水屋) lavando com
aacutegua a boca e as suas matildeos locais mais suscetiacuteveis de se contrair kegare (Anexo III)
254
PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit pp 62-72 255
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 174-175
256 ROTS Aike Forests of the Gods Shinto nature and sacred space in contemporary Japan Dissertation
submitted to the Department of Culture Studies and Oriental Languages of University of Oslo in partial
fulfilment of the requirements for the degree of Doctor of Philosophy supervised by Prof Dr Mark Teeuwen
and Prof Dr Terje Stordalen 2013 257
PICKEN Stuart op cit p 177
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 86
No que concerne a misogi esta eacute considerada a origem de todos os harai na
sociedade japonesa sendo descrita por Carl Florenz como a ldquopurificaccedilatildeo de um uacutenico
indiviacuteduo ou um lugar de poluiccedilotildees atraveacutes de se entrar em contacto com algo
cerimonialmente impuro tal como cadaacuteveresrdquo 258
Uma ldquoauto-purificaccedilatildeordquo em todos os
sentidos do termo a expressatildeo misogi harai (misogi harai 禊祓い ) poderaacute derivar de
ldquomisosogi no harairdquo (身滌の祓い) literalmente ldquoharai da lavagem do corpordquo ndash [身滌] eacute
constituiacutedo pelo kanji de ldquocorpordquo (身) e o de [滌] sinoacutenimo de [洗] raiz do verbo ldquolavarrdquo
(arau) 259
ndash e eacute pela primeira vez mencionado no episoacutedio de Izanagi descrito pelo Kojiki e
Nihon shoki
De um modo geral misogi conheceu grande popularidade na esfera privada imperial
e agrave semelhanccedila de [斎] era sempre acompanhado de todo o tipo de oferendas tais como
tecidos armas sake velas e algas Se praticado pela Saiō (齋王) misogi decorria num rio da
capital na primeira dezena de dias do oitavo mecircs e do nono mecircs ambas datas escolhidas por
ldquoadivinhaccedilatildeordquo ndash responsabilidade do Onmyōryō Por sua vez este ritual fazia parte de uma
grande cerimoacutenia na qual se preparavam tecidos caixas jarros carne seca cabaccedilas e peixes e
cujos participantes eram essencialmente membros da corte (Jingikan e Onmyōryō) cada um
desempenhando uma tarefa especiacutefica ecoando o sucedido nos matsuri do Jingikan um
Nakatomi executava oharai servindo-se da onusa (Nakatomi onusa tatematsuru [神祇官中臣
進麻]) e o miyanushi (宮主) entoava harae kotoba (祓詞) Igualmente realizado durante a
deslocaccedilatildeo da jovem para o No-no-miya e Itsuki-no-miya em Ise e no uacuteltimo dia do mecircs 260
misogi eacute descrito no sexto volume do Engishiki como parte da celebraccedilatildeo do Imibikamado-
matsuri (quarto mecircs e sexto mecircs) ndash um gokei no qual participavam todos os funcionaacuterios do
palaacutecio - e um matsuri anual (毎年禊祭) 261
Atualmente misogi pode ser praticado por qualquer pessoa e eacute aceite como um ritual
vaacutelido para qualquer tipo de shintō Shinshū-kyō (神習教) tem como metas alcanccedilar ldquoum
espiacuterito de um kami por praticar purificaccedilatildeo oharairdquo a aquisiccedilatildeo de um elevado niacutevel de
treino que possibilite ao indiviacuteduo ensinar os outros e eacute claro ldquoalcanccedilar harmonia com os
258
FLORENZ Karl ldquoAncient Japanese Rituals Part IVrdquo Transactions of the Asiatic Society of Japan nordm 27
1899 pp 1ndash112 259
NISHIGAKI Yukio op cit p 544
260 FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第五 神祇五 齋宮寮rdquo (Quinto Livro Jingi Cinco Saigū-ryō) 延喜
式 (Engishiki) (on-line) lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi05htmgt (consultado em 24-
06-2018) 261
FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第六 神祇六 齋院司rdquo (Sexto Livro Jingi Seis Saiinshi) 延喜式
(Engishiki) lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi06htmgt (consultado em 24-06-2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 87
kami e rezar pelo descanso das almas dos outrosrdquo Neste contexto misogi faz parte da
estrateacutegia de cultivo de ldquopurificaccedilatildeo interiorrdquo que encoraja o processo de aproximaccedilatildeo do
humano ao kami 262
Em suma a purificaccedilatildeo estaacute intimamente associada agrave visatildeo positiva do ser humano
apoiada por shintō Shinshū-kyō natildeo soacute ensina o indiviacuteduo a ldquodemonstrar gentileza aos
outrosrdquo ldquotrabalhar diligentemente (no seu proacuteprio negoacutecio)rdquo e a ldquopreservar firmeza no teu
coraccedilatildeordquo como procura ldquopacificar o espiacuterito porque eacute parte do espiacuterito do kamirdquo 264
(bunshin
mitama wo shizumu beshi分神神魂を鎮むべし) e ldquolimpar as impurezas do corpordquo (mi no
shūshoku wo harau beshi身の鏽蝕を祓うべし) 263
proporcionando o desenvolvimento do
caraacutecter do indiviacuteduo
Na visatildeo de Misogi-kyō (禊教) o trio de tesouros imperiais satildeo ldquoos mais eficazes
agentes de purificaccedilatildeordquo pois ldquotodas as formas de impureza podiam ser removidasrdquo Apoiado
em misogi harae e ldquorespiraccedilatildeo proacutepriardquo o setor utiliza misogi como ldquoum meacutetodo para
melhoria da vidardquo aproximando as pessoas do kamirdquo 262
Interpretando-se esta praacutetica como o
uacutenico modo de ldquoreavivarrdquo a ldquoboa sorterdquo (literalmente ldquosorte proacutesperardquo ou sakae no unsei [栄
絵の運勢]) misogi possui visiacuteveis efeitos de purificaccedilatildeo externos 264
Contudo o busiacutelis da questatildeo eacute a ldquopurificaccedilatildeo internardquo (nai seijōshōjō 内清浄)
denominada iki ichisuji no misogi (息一筋の禊) iki (息) natildeo eacute somente a ldquoorigem do corpordquo
mas tambeacutem a proacutepria ldquoexistecircnciardquo (seimei [生命]) 264
e estaacute diretamente relacionada com a
entoaccedilatildeo da norito ldquo
tōkami emitamae harae tamae kiyome tamairdquo (literalmente ldquokami
distante purificai e limpai enquanto rezamosrdquo) em voz alta
262 um momento caracterizado
pela ldquofusatildeordquo do corpo com a mente graccedilas ao cultivo do autocontrolo do corpo a Desordem
(aqui maga) deixa de existir 264
No contexto de jinja shintō misogi faz ainda parte da cerimoacutenia shūbatsu (修祓) na
qual se abre o edifiacutecio interior do jinja e o shintai eacute visualizado pelos shinkan que se
262
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 234-236 263
O ldquoespiacuterito do kamirdquo eacute mitama (神魂) e ldquocoraccedilatildeordquo kokoro O termo ldquoimpurezasrdquo lecirc-se no texto original [鏽
蝕] o primeiro lecirc-se sabi e natildeo eacute muito usado na linguagem diaacuteria (鏽) significando ldquoferrugemrdquo ou ldquocorrosatildeordquo
o segundo eacute o kanji [蝕] do qual deriva o verbo mushibamu geralmente traduzido como ldquoser devorado por
dentrordquo ldquominarrdquo ldquoarruinarrdquo Shintō Shinshū-kyō Kōushiki Page 教 義 (on line)
lthttpshinshukyojpE69599E7BEA9gt (consultado em 24-06-2018) 264
Misogi-kyō Shintō 神道禊教の教理 (Doutrina de Shintō Misogi-kyō) (on line) lthttpwwwmisogi-
kyouorjpkyourihtmlgt (consultado em 24-06-2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
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ldquopurificam de modo a tomarem parte nos rituaisrdquo atirando baldes de aacutegua fria sobre si
mesmos ou escolhendo colocar-se ldquodebaixo de uma cascata num rio ou no marrdquo dependendo
da localizaccedilatildeo do jinja Posteriormente os participantes no matsuri satildeo purificados
cumprindo-se as condiccedilotildees de invocaccedilatildeo dos kami 265
que respondem ao apelo impliacutecito nas
norito entoadas pelos shinkan
Associadas agrave tradiccedilatildeo de kotodama norito satildeo acolhidas entusiasticamente pela
sociedade japonesa quer sejam ldquovelhasrdquo (do Engishiki e outras fontes do Periacuteodo Heian) e
norito ldquonovasrdquo ou seja norito poacutes- Engishiki criadas por estudiosos e praticantes das vaacuterias
formas de shintō (Ise e Yoshida shintō Shugendō kyōha shintō shin shūkyō) e associadas a
jinja especiacuteficos (ldquocultosrdquo em Ise Izumo Dewa Togusa ldquocultosrdquo a Inari e Hachiman) 266
Etimologicamente norito tem as suas origens na frase ldquoNakatomi-no-Kane Muraji
norito wo norurdquo (中臣金連祝詞を宣る) Como se pode constatar o verbo que lhe estaacute
associado eacute noru (宣) cujo kanji significa ldquodizerrdquo ldquoexpressarrdquo e ldquoinformarrdquo num sentido
formal agrave maneira dos ldquoeacuteditos imperiaisrdquo (senmyō [宣命]) 267
Vaacutelidas para uso individual ou coletivo norito contemporacircneas tendem a inspirar-se
em norito muito mais antigas por exemplo a frase ldquoharae tamae kiyome tamairdquo de Misogi-
kyō surge na Ōharae kotoba do Engishiki como uma dupla accedilatildeo decorrida na ldquoōharae do
anoitecer do uacuteltimo dia do sexto mecircsrdquo (kotoshi no minadzuki no tsugumori yūhi no kudachi
no ōharae ni harai tamai kiyome tamau-koto wo 今年の水無月の大晦日 夕日之降の大祓
に祓給ひ清給事を) 268
eliminam-se assim os tsumi (tsumi ha araji wo罪波不在止) de
todos os cantos ldquodebaixo do ceacuteurdquo (Anexo IV)
Seguindo uma ldquofoacutermula usada em cerimoacutenias religiosas em endereccedilando divindades
(hellip) usam uma forma respeitosa subserviente forma de dicccedilatildeordquo norito tecircm a sua forccedila no
som e natildeo na parte gramatical ou na etimologia lexical recorrendo-se frequentemente a
265
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit p 177
266 O arquivo virtual Ko-kon Shūkyō Kenkyūjo regista um total de 55 norito devidamente ldquocategorizadasrdquo
consoante a temaacutetica e o local de veneraccedilatildeo Ko-kon shūkyō kenkyūjo ldquo祝詞 諸文献rdquo (Norito Vaacuterias
referecircncias) 神道資料集 (Colecccedilatildeo de materiais de shintō) (on line) lthttpwwwko-konnetnoritogt
(consultado em 24-06-2018) 267
NISHIGAKI Yukio op cit p485 268
FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第八 神祇八 祝詞rdquo (Oitavo Livro Jingi Oito Norito) 延喜式
(Engishiki) (on-line) lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi08htmgt (consultado em 24-06-
2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
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ldquorepeticcedilatildeo paralelismo longas enumeraccedilotildees de nomes de divindades e oferendas metaacuteforas
o uso de registos mitoloacutegicos para explicar a origem de certas formas de veneraccedilatildeordquo 269
Natildeo obstante estas frases servem de prevenccedilatildeo contra forccedilas ldquonegativasrdquo incluindo
tatari gami ou ldquoespiacuteritos malignosrdquo devidamente acalmados e purificados respetivamente
Usadas em matsuri oficiais norito descreviam com pormenor quem as proferia o seu
objetivo a quem se dirigiam e o local onde decorria esta entoaccedilatildeo cujo raio de atuaccedilatildeo era
individual ou coletivo (capital habitaccedilotildees funcionaacuterios o palaacutecio todo o Japatildeo a corte) 270
No que concerne agrave sua entoaccedilatildeo estes conjuntos de frases eram responsabilidade dos
Nakatomi ou de outros consoante a ocasiatildeo na ldquomensagem de aberturardquo do oitavo capiacutetulo
do Engishiki regista-se que os Inbe deviam entoar norito dos ldquoritosrdquo Goden (御殿) e Mikado
(御門) e nos restantes matsuri a honra cabia aos Nakatomi (以外諸祭中臣氏祝詞) nos
matsuri das quatro estaccedilotildees (凡四時諸祭) essa funccedilatildeo fazia parte dos deveres dos kanbe (神
部) no Kanmisosai somente o daijingūji de Ise (ldquoSumo-Sacerdote do Grande Santuaacuterio de
Iserdquo) devia entoar a norito (大神宮司宣祝詞) e nas celebraccedilotildees em Ise (Kanmisosai os
matsuri do sexto e deacutecimo segundo meses e Kannamesai) 271
as norito de Ōimisai (大忌祭)
Tatsuta Fūjinsai ( 龍田風神祭 ) e Hiranosai ( 平野祭 ) eram responsabilidade dos
ldquomensageiros imperiaisrdquo Jaacute os Inbe encarregavam-se das ldquofoacutermulasrdquo de proteccedilatildeo do palaacutecio
imperial (Ōtono-no-hogai (大殿祭) e do ldquoFestival dos Portotildeesrdquo (Godensai 御殿祭) ndash cuja
meta era a ldquogarantia a proteccedilatildeo das divindades que guardam os portotildees do Palaacutecio Imperialrdquo ndash
no ldquodeacutecimo segundo dia do sexto e deacutecimo segundo mesesrdquo 270
Por uacuteltimo a norito de
Ōharae era ldquopartilhadardquo pelos Urabe e os Nakatomi enquanto que nos Chinkasai (鎮火祭) e
Michiaesai (道饗祭) soacute os Urabe eram elegiacuteveis para tal tarefa 271
O avanccedilo do estudo da tradiccedilatildeo ritual shintō impulsionou uma anaacutelise aprofundada
das norito estabelecendo-se uma ligaccedilatildeo direta com o processo de purificaccedilatildeo o meio por
excelecircncia para atingir a tatildeo desejada Ordem entre o praticante e o kami venerado norito satildeo
uma espeacutecie de purificaccedilatildeo verbal aludindo a um processo positivo mas interno Tal
abordagem introduz uma perspetiva mais subjetiva do que se entende por norito auxiliando
269
PHILIPPI Donald Norito A Translation of the Ancient Japanese Ritual Prayers With a new Preface by
Joseph M Kitagawa Princeton Princeton University Press 1990 pp1-2 270
PHILIPPI Donald op cit pp5-15 271
FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第八 神祇八 祝詞rdquo (Oitavo Livro Jingi Oito Norito) 延喜式
(Engishiki) (on-line) lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi08htmgt (consultado em 24-06-
2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
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na compreensatildeo da purificaccedilatildeo interna que recaiacutea sobre o kokoro (心) Por sua vez kokoro
associar-se-ia a meijō (明浄)
Escrito em japonecircs com o kanji de ldquocoraccedilatildeordquo (shin de shinzō [心臓]) kokoro denota
algo de natureza natildeo palpaacutevel e interior a qualquer indiviacuteduo servindo de prefixo agraves palavras
kokoroeru (心得 ) ato de ldquocompreender o significado das circunstacircncias e das coisasrdquo
kokoroe ldquocompreensatildeordquo e ldquoter cautelardquo kokoronai (心無 ) designa uma condiccedilatildeo de
ldquoinsensibilidaderdquo pelo proacuteximo (em linguagem corrente ldquonatildeo ter coraccedilatildeordquo) 272
kokoro-
gawari (心変わり ) literalmente a ldquomudanccedila de kokorordquo indica a suacutebita alteraccedilatildeo dos
sentimentos intenccedilotildees e convicccedilotildees do indiviacuteduo em relaccedilatildeo a terceiros
No Nihon shoki o kanji em si eacute precedido por outros caracteres [黒心] e [無黒心]
significam aproximadamente ter um coraccedilatildeo negrordquo ou o seu oposto o sentido obtido eacute
negativo e positivo respetivamente marcando presenccedila no episoacutedio da competiccedilatildeo de
Susano-o-no-mikoto e de Amaterasu (有黒心) e no ano 646 da Era Taika (不正心者)
literalmente ldquopessoas de kokoro injustordquo Se estiver ao lado de [清] a expressatildeo lecirc-se seishin
ou kiyoki kokoro um kokoro puro (清心) 273
evidenciando a sua ligaccedilatildeo com meijō ambos
satildeo palavras positivas por princiacutepio
Por outro lado Engishiki descreve kokoro como uma caracteriacutestica interior de
humanos e kami na norito de Ōtono-no-hogai [心] surge na frase ashiki kokoro kitanaki
kokoro naku (邪意穢心無く) 274
ndash o segundo kanji tambeacutem se lecirc como kokoro mas o seu
significado eacute o de ldquointenccedilatildeordquo denotando a conduta correta seguida por todos os trabalhadores
do palaacutecio e membros da corte ndash traduzida por Philippi como ldquosem quaisquer maacutes intenccedilotildees
ou impuras intenccedilotildeesrdquo 275
na norito de Hi-shizume-no-matsuri (Chinkasai) kokoro eacute um
atributo de natureza maligna do kami do fogo (Homusubi-no-kami 火結神) ndash evidenciado
pela expressatildeo kokoro saganakiko (心惡子) ldquocrianccedila de mau kokorordquo ndash um kami gerado por
272
NISHIGAKI Yukio op cit pp 286-287 273
SAKAMOTO T 日本書紀 国史大系版 (Nihon shoki Ediccedilatildeo do Compecircndio da Histoacuteria Nacional) (on
line) lthttpwwwj-textscomjodaishokiallhtmlgt (consultado em 24-06-2018) 274
FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第八 神祇八 祝詞rdquo (Oitavo Livro Jingi Oito Norito) 延喜式
(Engishiki) (on-line) lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi08htmgt (consultado em 24-06-
2018) 275
PHILIPPI Donald op cit p 43
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
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Izanami cujo temperamento provoca Desordem que naturalmente justifica a ldquopacificaccedilatildeordquo
(shizume matsure 鎮奉れ) por parte de outros kami seus irmatildeos 276
Em contrapartida tambeacutem a norito ldquopara afastar uma divindade vingativardquo (tataru
kami wo utsushi-yaru 遷卻祟神) segue a temaacutetica de reordenaccedilatildeo especificamente a uma
retificaccedilatildeo ativada por Kamunaobi e Ōnaobi kokoro refere-se aqui ao kokoro claro de kami
ldquopacificadosrdquo (sumera-gami ōmikokoro akiraka ni 皇神等の御心も明に) sendo que esta
transiccedilatildeo de kami ldquoviolentosrdquo para kami ldquopaciacuteficosrdquo (ara furu kami-tachi wo kashi harai
tamai kami nagoshi ni nagoshi tamai荒振神等を神攘攘給ひ神和和給) se deve a outros
dois kami 276
pacificaccedilatildeo tambeacutem eacute purificaccedilatildeo
Na perspetiva de Picken purificaccedilatildeo e pureza natildeo soacute partilham de uma conotaccedilatildeo
positiva como mantecircm entre si uma relaccedilatildeo de causa e consequecircncia pureza eacute a meta e a
consequecircncia do resultado da purificaccedilatildeo se o indiviacuteduo eacute o recetor de oharai que por sua vez
beneficia o kokoro meijō indica a ldquorestauraccedilatildeo do estado de pureza conhecido como seimei-
shin (ou akaki kiyoki kokoro)rdquo Por outras palavras o praticante torna-se portador de um
ldquoclaro kokorordquo (akaki kokoro明心) ldquopuro kokorordquo (kiyoki kokoro清き心) ldquocorreto ou justo
kokorordquo (tadashiki kokoro 正しき心) e o ldquokokoro retordquo (naoki kokoro 直き心) 277
um
quarteto de caracteriacutesticas eticamente boas
Assim os contornos eacuteticos da relaccedilatildeo kokoro - pureza revelam-se fundamentais para
a compreensatildeo de novas perspetivas modernas e japonesas de shintō segundo Muraoka
Tsutsunegu (村岡典嗣 1884-1946) meijō eacute uma ldquocaracteriacutestica eacutetica de shintōrdquo e um atributo
transversal em qualquer ldquodivisatildeordquo desta Via equiparado ao niacutevel de uma ldquodoutrinardquo (meijō
shugi明浄主義) no ldquosentido de que existe reverecircncia pelo claro e puro (hellip) em toda a mateacuteria
e pensamentordquo Por conseguinte meijō eacute o puro que carece de impurezas uma condiccedilatildeo
ldquoprimordialrdquo partilhada por todas as pessoas por oposiccedilatildeo a tsumi e kegare cuja presenccedila eacute
inviabilizada (temporariamente) em caso de purificaccedilatildeo regressando agrave sua origem (Yomi ou
Ne no kuni) durante harai 278
Aliaacutes a consciencializaccedilatildeo do kokoro como um dos componentes da eacutetica japonesa
reflete-se desde logo na linguagem dos eacuteditos imperiais do Zoku Nihongi qualificando-se o
276
FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第八 神祇八 祝詞rdquo (Oitavo Livro Jingi Oito Norito) 延喜式
(Engishiki) (on-line) lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi08htmgt (consultado em 24-06-
2018) 277
PICKEN Stuart Sourcebook of Shinto op cit p 176 278
PICKEN Stuart op cit pp 254 256-257
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
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kokoro como algo ldquopurordquo (kiyoki kokoro 清き心) ldquoclarordquo (akaki kokoro 明き心) e ainda
ldquokokoro puro e clarordquo (kiyoki akaki kokoro清明心) Como se pode constatar nos eacuteditos dos
anos 707 (以明浄心而 浄明心以而) 743 (明浄心) 757 (諸以明清心皇朝 自今往前者以
明直心仕奉朝廷 悪心無而清明心) e 770 (衆浄明心正直言以而) 279
ter um kokoro cuja
essecircncia fosse de ldquohonestidaderdquo ldquoclarezardquo e ldquosinceridaderdquo elucida a importacircncia da pessoa
possuir uma boa natureza
Durante o Periacuteodo Edo protagonistas da escola Kokugaku como Kamo-no-Mabuchi
(賀茂 真淵 1697-1769) e Motoori Norinaga apoiam esta perspetiva mais eacutetica do kokoro
apelando ao lsquokokoro sincerorsquo ou lsquomakoto no-kokororsquo (真の心) isto eacute a derradeira virtude de
shintō 280
o que naturalmente reforccedila a importacircncia da caracteriacutestica ldquosinceridaderdquo (makoto)
Avaliada como algo dentro do kokoro ou que lhe eacute independente makoto (真) eacute
homoacutefono da palavra makoto (誠) cuja etimologia eacute makoto ( 真事) literalmente ldquoverdadeiras
palavrasrdquo e significa ldquonatildeo mentirnatildeo enganarrdquo 281
partilhando de um significado positivo
semelhante aos termos ldquohonestordquo (tadashii 正しい) ldquohonestidaderdquo (正直) makoto [真] por
sua vez tende a ser traduzido por ldquosinceridadeverdadeirordquo
No entender de Picken makoto (真) eacute um dos seus muitos vocaacutebulos ldquomoraisrdquo de
shintō juntando-se a kansha (感謝) ou ldquogratidatildeordquo forma de o indiviacuteduo expressar ldquogratidatildeo
humana pela sua dependecircncia sobre o divinordquo e tambeacutem uma atitude de respeito para com a
sociedade que o serve junsui (純粋) ou ldquopessoasrdquo de ldquocoraccedilatildeo puroinocentesrdquo relacionadas
com os traccedilos de caraacutecter ldquobomrdquo (seimei shin) definidos com base nos estudos de poesia e
outros textos antigos 282
Por conseguinte ldquosinceridaderdquo e ldquoagradecimentordquo relacionam-se
com o primeiro grande objetivo da Jinja Honchō conferindo a makoto as qualidades akaki
(ldquoclarordquo e kiyoki (ldquopurordquo) 283
Neste sentido makoto significa tambeacutem ser verdadeiro agraves suas intenccedilotildees e acreditar-
se no que estaacute a fazer uma atitude fundamental para qualquer praticante de shintō quem tiver
279
Ao todo [心] surge 211 vezes nesta obra tanto de forma isolada como acompanhado dos referidos termos
Por vezes as caracteriacutesticas positivas natildeo se aplicam somente ao kokoro mas tambeacutem ao discurso tomando-se o
exemplo de shōjiki kotoba (正直言) ldquopalavras honestasrdquo 続日本紀 朝日新聞本 (ZokuShoku Nihongi Versatildeo
do Jornal Asahi) (on line) lthttpwwwj-textscomjodaishokuallhtml (consultado em 24-06-2018) 280
PICKEN Stuart op cit pp 219-220 281
NISHIGAKI Yukio op cit pp 531-532 282
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 346-347 283
Jinja Honchō ldquo主な活動rdquo (Atividades gerais) 神社本庁のご案内 (A orientaccedilatildeo da Jinja Honchō) (on-line)
lthttpwwwjinjahonchoorjpintroductionactivitygt (consultado em 24-06-2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
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uma ldquovontade sincerardquo em fazer parte dos rituais conseguiraacute cultivar uma relaccedilatildeo proacutexima
com o kami No que concerne ao kokoro este pode ser qualificado como algo ldquobomrdquo (kiyoki
kokoro akaki kokoro yoshiki kokoro) ou ldquomaurdquo (ashiki kokoro) dependendo do caso
distinguindo-se de makoto que dispensa tais significados prejudiciais
Os grandes estudiosos do Periacuteodo Edo nunca se pronunciam sobre um kokoro mau
kokoro eacute sempre um atributo humano (ou de kami) positivo frequentemente associado a shintō
surgindo termos como o magokoro (makoto no-kokoro)
Palavra derivada da combinaccedilatildeo de ldquoverdadeirordquo (真) e kokoro magokoro eacute parte da
piracircmide de ldquovalores positivosrdquo individual assemelhando-se agrave qualidade ldquointenccedilatildeo de
sinceridaderdquo (seii 誠意) Contudo segundo o Tama boko hyakushu (玉鉾百首) de Norinaga
o magokoro corresponde a uma consequecircncia da accedilatildeo do princiacutepio musubi presente na mitama
dos kami um kokoro despido de valores opostos (bemmal sapiecircnciaburrice
capacidadeincapacidade) e cuja qualificaccedilatildeo varia consoante o tipo de experiecircncia e accedilatildeo
(boamaacute) Identificado como uma condiccedilatildeo inata aos seres humanos magokoro tem no seu
nuacutecleo a funccedilatildeo de ldquomovimentordquo nas palavras de Motoori Ōhira (本居大平 1756-1833)
irmatildeo mais novo de Norinaga o kokoro eacute designado de magokoro quando se torna ugoku
kokoro ou ldquokokoro que se moverdquo (うごくこころ動く心) quando alguma coisa de natureza
positiva ou negativa consegue fazer comover (tocar) o kokoro das pessoas estaacute-se perante um
ugoku kokoro agindo-se ldquonaturalmenterdquo conforme o estadonatureza das coisas e
acontecimentos 284
Uma caracteriacutestica uacutenica e individual de cada ser humano que justifica a existecircncia
de kami e coisas boasmaacutes 284
o magokoro existiria na realidade atual (Hito no yo 人の代)
embora remonte aos tempos do Kami-yo uma era temporalmente incerta e marcada pelo
permanente ciclo de Desordem e a Ordem colocando-se sempre a hipoacutetese de esta Desordem
ser ldquocuradardquo tornando a realidade calma e paciacutefica 285
entre o ldquobemmalrdquo vidamorte a vida
e o bem seriam sempre vitoriosos ilustrando a atitude otimista e positiva de Norinaga
tambeacutem adotada pelos praticantes de shintō
284
UMIHIKO ldquo本論 第七回「「真心(まごころ)」とは」の巻rdquo (Texto do Seacutetimo Capiacutetulo magokoro
eacute) 本居宣長研究ノート「大和心とは」本論 (Bloco de notas de Pesquisa Motoori Norinaga ldquoYamato
Gokoro eacuterdquo Argumento-base) (on line) lthttpwwwnorinagajpessence-07phpgt (consultado em 24-06-2018) 285
UMIHIKO ldquo第八回「『真心(まごころ)の型」の巻 rdquo (Texto do Oitavo Capiacutetulo O modelo de
magokoro) 本居宣長研究ノート「大和心とは」 本論 (Bloco de Notas de Pesquisa Motoori Norinaga
ldquoYamato Gokoro eacuterdquo Argumento-base) (on line) lthttpwwwnorinagajpessence-08phpgt (consultado em 24-
06-2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 94
Um seacuteculo mais tarde Katō Shigeharu (加藤 重春 1818-) avaliaria o significado
eacutetico do kokoro e makoto a sua obra Shintō fumoto no tateishi (神道麓之立石) categorizaria
kokoro e makoto como duas das quatro Vias de shintō respetivamente a ldquoVia do kokorordquo
(shintō 心道) e a ldquoVia da verdaderdquo (shintō 真道) se na primeira Via shintō eacute qualificado
como uma ldquoVia que retifica a menterdquo a ldquoVia da verdaderdquo reforccedila a importacircncia da
ldquosinceridaderdquo uma vez que ldquoqualquer pessoa que desconsiderasse a importacircncia de
sinceridade eacute uma pessoa viciosardquo Shintō deveria simplesmente ldquofluirrdquo influenciando
automaticamente as accedilotildees do indiviacuteduo cujo coraccedilatildeo eacute ldquoretificado reto e unido com os kamirdquo
soacute assim as suas accedilotildees estariam de acordo com a Via 286
Nos periacuteodos posteriores ao Engishiki o conceito de kokoro adquire alguma
importacircncia a um niacutevel mais ldquofilosoacuteficordquo numerosos textos criados por escolas e autores
independentes expotildeem as suas ideias acerca de kokoro ldquopurezardquo e ldquopurificaccedilatildeordquo bem como os
seus efeitos desta uacuteltima no ser humano Na tradiccedilatildeo de Ise shintō kokoro (ldquomenterdquo) faz parte
do trio ldquopurezardquo- ldquomenterdquo ndash ldquohonestidaderdquo como se constata no Ruiji Jingi Hongen (類聚神
祇本源) de Watarai Ieyuki a ldquopurezardquo eacute uma caracteriacutestica que denota honestidade o ato de
empreender uma tarefa com uma ldquomente que eacute calma (hellip) comportar-se numa maneira que
transcende vida e morte (hellip) tal como obedecer agraves seis proibiccedilotildees relacionadas com o modo
proacuteprio de observar rituaisrdquo (as seis formas de shokue do Engishiki) Em Shintō Kanyō (神道
簡要) do mesmo autor ldquopurezardquo eacute a raiz da ldquohonestidaderdquo e por conseguinte o uacutenico modo
de o indiviacuteduo obter benefiacutecios dos kami uma condiccedilatildeo presente ldquoquando a mente eacute retificada
(uma virtude Confuciana) balanccedilada sem manchar ou sendo manchadardquo e age com
ldquopropriedade em concordacircncia com razatildeordquo isto eacute possui ldquopropriedaderdquo (tsutsushimi 慎み
ldquoter uma atitude proacutepriaadequadardquo) 287
Na escola de Yoshida shintō Kanetomo interpreta esta Via como uma via de
proteccedilatildeo do kokoro (ldquomenterdquo) e como tal a pessoa deveria proceder a uma ldquopureza interna e
externardquo de modo a ldquoseguir a via dos kamirdquo 288
e manter com estes mesmos kami uma relaccedilatildeo
de proximidade graccedilas ao elo de ligaccedilatildeo o kokoro Responsaacutevel pela ldquoreinvenccedilatildeordquo do
conceito de kokoro no seu tempo Kanetomo eacute pioneiro na argumentaccedilatildeo de que o ldquocoraccedilatildeo
286
Aleacutem das Vias do kokoro e de makoto fazem parte de shintō o proacuteprio shintō (Via dos kami) e shintō ou ldquoVia
dos paisrdquo (親道) que enfatiza a virtude confuciana de piedade filial (oya kōkō 親孝行) PICKEN Stuart
Sourcebook in Shinto op cit pp169-170 287
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 177-180 288
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit p 28
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 95
humanordquo (kokoro) e kami satildeo uno e a ldquomesma coisardquo 289
justificando a sua proposta de um
tipo de shintō cuja praacutetica ritual transporta consigo um potencial de purificaccedilatildeo fiacutesicamental
Natildeo obstante a linha de pensamento deste autor jaacute estava subentendida num dos
mais ceacutelebres textos de exposiccedilatildeo de Nakatomi Ōharae o Nakatomi Harae Kunge (中臣祓訓
解) Por norma datado do final do Periacuteodo Heian ou dos iniacutecios do periacuteodo seguinte a obra eacute
considerada parte de Ryōbu shintō e releva o papel de Nakatomi Harae aquando deste ldquoritualrdquo
argumentando acerca do papel fundamental da ldquomente humanardquo 290
- o kokoro - por sua vez
descrito por Kanetomo como aquilo que ldquoregerdquo e ldquoorientardquo o praticante e um ldquolugar onde os
kami governantes do universo vivem um lugar sagrado no qual a raiz e origem do cosmos eacute
para ser encontradardquo 289
Assim o kokoro (do homem) eacute o uacutenico elemento no indiviacuteduo capaz
de ldquocomungar com Ceacuteu e Terra com a grande natureza com o cosmosrdquo isto eacute o ldquotodordquo 290
estamos entatildeo perante um vislumbrar de realidades que estatildeo normalmente vedadas ou
veladas ao praticante devido agraves limitaccedilotildees fiacutesicas do corpo
Neste sentido entrar em contacto com os kami eacute um processo ldquomentalrdquo pois eacute a
ldquomente individualrdquo (kokoro) que consegue ldquoencontrarrdquo o kami do cosmos (hellip) origina agrave
ldquopurificaccedilatildeo da natildeo-menterdquo (mushin 無心 ) ndash Kanetomo considera mushin como termo
complementar de ldquoexistir-menterdquo (ushin 有心) dois vocaacutebulos originaacuterios da Via do Buda
que fazem parte do que se entende por ldquocaminhordquo (michi) em shintō 291
Deste modo satildeo
reunidos os requisitos necessaacuterios para a etapa final desta purificaccedilatildeo a ldquouniatildeordquo kamihomem
na qual ldquotodos os meus pensamentos e aspiraccedilotildees se tornam um com oos kamirdquo (shinjin
gōitsu) e consequentemente o retorno do indiviacuteduo sujeito a este harai agrave ldquoforma verdadeira e
originalrdquo que eacute nada mais do que o proacuteprio kami (shinjin kiitsu) 290
Alcanccedilar a Ordem atraveacutes da purificaccedilatildeo em shintō (misogi harai segundo Picken)
possibilita aquilo que geralmente eacute aceite como perspetiva da desta Via em relaccedilatildeo
agrave rdquonatureza humanardquo completar o processo de purificaccedilatildeo significa testemunhar dois
fenoacutemenos especiacuteficos a ldquouniatildeordquo do kami e do homem (shinjin gōitsu (神人合一) e a
289
PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit pp 166-167 290
PICKEN Stuart op cit pp 84-85 291
Em Yuiitsu shintō se michi eacute a ldquoraiz da miriacuteade de condutasrdquo(万物之起源也 michi towa mangyō no
minamoto nari 道とは万行の源なり) kami equivale ao kokoro da ldquomiriacuteade de coisasrdquo (神者万物心 kami towa
manbutsu no kokoro ni shite 神とは万物の心にして) Por outras palavras michi possui sempre em si duas
coisas complementares e opostas uma que ldquonatildeo-existerdquo e outra que ldquoexisterdquo HIROKAMI Kiyoshi ldquo日本にお
ける神道理論の形成rdquo (Concerning the Formation of Shinto theories in Japan) Tetsugaku shisō ronsō (哲学-思
想論叢) nordm 5 1997 pp 1-18
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
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consequente ldquorestauraccedilatildeo do divino no homemrdquo (shinjin kiitsu 神人帰一 ) literalmente
ldquokamipessoaregresso ao umrdquo 292
sendo que este ldquodivinordquo eacute o kami e a ldquopessoardquo eacute o seu
ldquodescendenterdquo que eacute temporariamente afetado pela Desordem que existe no mundo
Com efeito viver a vida de forma harmoniosa eacute o mesmo que aceitar a necessidade
de restauraccedilatildeo da Ordem um processo perioacutedico e que decorre apoacutes a purificaccedilatildeo individual
ldquopurificarrdquo natildeo significa apenas harai (祓) ou kiyomeru (清める) mas tambeacutem ldquorestaurarrdquo
(naoru直る) 293
a relaccedilatildeo simbioacutetica kami-homem (e vice-versa) expressa pela palavra shinjin
ou kami (神人) isto eacute o ldquokami com uma natureza humanardquo ou ldquokami e seres humanosrdquo
referindo-se ao ldquoprinciacutepio de unidade entre kami e seres humanosrdquo 294
No fundo shinjin gōitsu e shinjin kiitsu satildeo concordantes com a ideia acerrimamente
defendida por Kanetomo de que kokoro e kami satildeo essencialmente o mesmo permitindo ao
praticante tornar-se algo mais do que fisicamente aparenta ser o kokoro eacute o derradeiro elo de
ligaccedilatildeo kami-homem aquilo que deve ser cultivado atraveacutes de rituais de purificaccedilatildeo interna
292
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 346-347 293
PICKEN Stuart Sourcebook of Shinto op cit p 359 294
NISHIOKA Kazuhiko ldquoKamirdquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and Doctrines Basic Terms (on line)
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Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 97
CONCLUSAtildeO
Apesar de a popularidade que o shintō recebe hoje em contexto acadeacutemico ser
evidenciada pelo nuacutemero consideraacutevel de artigos e livros produzidos por autores natildeo
japoneses a Via dos kami em si permanece um campo por explorar natildeo existindo falta de
informaccedilatildeo e sim falta de estudo dessa informaccedilatildeo Foi com estas intenccedilotildees que se pocircde dar
forma a uma inicial miscelacircnea de pensamentos e ideias desconetadas umas das outras um
processo que como natildeo esteve isento de obstaacuteculos nomeadamente a ldquotriagemrdquo de
informaccedilatildeo (consequecircncia da jaacute mencionada ldquotriagemrdquo dos autores que forneceram essa
mesma informaccedilatildeo) atual e adequada ao campo do shintō e agrave temaacutetica ldquorituais de purificaccedilatildeo e
natildeo-purificaccedilatildeo em shintōrdquo
Neste sentido se uma das dificuldades foi encontrar informaccedilatildeo atualizada e numa
linguagem acessiacutevel (inglecircs) uma das vantagens foi a leitura e interpretaccedilatildeo de artigos
passagens de livros e textos escritos em japonecircs auxiliando na investigaccedilatildeo processo que
incluiu uma anaacutelise etimoloacutegica como complemento agrave anaacutelise teoacuterica dos rituais que
provocam a Desordem e a Ordem sem o recurso a tal metodologia dificilmente se
conseguiria responder agraves trecircs perguntas colocadas na Introduccedilatildeo
Outro ponto positivo a ter em conta foi o recurso a outras fontes aleacutem de livros nesta
era de informaccedilatildeo apesar de as obras permanecerem vaacutelidas enquanto fontes primaacuterias de
informaccedilatildeo a sua linguagem presente pode parecer estranha a quem estuda tradiccedilotildees natildeo
ocidentais Interessantemente autores como Picken natildeo caem neste erro ao contraacuterio de Ono
Sokyō De um modo geral fontes virtuais (websites oficiais e artigos de revistas cientiacuteficas)
tambeacutem natildeo seguem esta tendecircncia de ldquotraduccedilotildeesrdquo No caso de fontes japonesas (artigos
websites e livros) a traduccedilatildeo estaacute ausente permitindo reter o sentido das palavras
Sinteticamente o shintō possui uma tradiccedilatildeo de atos de veneraccedilatildeo em jinja e de
indiviacuteduos participantes nos diferentes matsuri Eacute neste sentido que os indiviacuteduos executam
ldquorituaisrdquo (conotaccedilatildeo exclusivamente positiva) favoraacuteveis agrave Ordem Regulados num contexto
de corte estas praacuteticas adaptaram-se consoante a evoluccedilatildeo histoacuterica de shintō tornando-se
vaacutelidos tanto hoje como haacute seacuteculos atraacutes Veja-se o caso de misogi misogi harai retratada
como um exemplo de purificaccedilatildeo interna e externa eacute o ritual-base da atuaccedilatildeo de Misogi-kyō e
tradicionalmente ndash devido agrave sua presenccedila no Kojiki e Nihon shoki par de obras que alude agrave
consciencializaccedilatildeo do que eacute puroimpuro - uma espeacutecie de alicerce de todos os rituais
conducentes agrave Ordem uns mais simples do que outros constatando-se diferenccedilas no que
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concerne agrave preparaccedilatildeo e organizaccedilatildeo Temizu eacute um tipo de purificaccedilatildeo fiacutesica e como tal
reconhece a existecircncia de uma ldquoimpurezardquo fiacutesica e verbal ndash kegare - oriundo das matildeos e da
boca Jaacute as norito satildeo uma purificaccedilatildeo verbal cujos efeitos positivos se repercutem no que as
escuta e naquele que as profere Apesar de hoje poderem ser utilizadas em contextos natildeo
apenas puacuteblicos norito retraccedilam as suas origens a shintō imperial e jinja shintō ambas
categorias que durante seacuteculos beneficiaram de uma posiccedilatildeo privilegiada junto do poder
poliacutetico japonecircs
Natildeo obstante as metas do shintō para a sociedade japonesa do passado satildeo as mesmas
do presente conduzir o indiviacuteduo praticante agrave Ordem atraveacutes dos rituais de purificaccedilatildeo uma
vez que jōka eacute uma temaacutetica transversal a todas as vertentes do shintō independentemente do
seu nome ou forma pacificaccedilatildeo retificaccedilatildeo oharai temizu norito misogi kessai natildeo deixam
de ser purificaccedilotildees Contudo soacute se pode falar de uma ldquopurificaccedilatildeordquo se houver razatildeo para tal
se existem rituais que reconduzem o indiviacuteduo agrave Ordem seguramente existem rituais de
natureza antagoacutenica Natildeo haacute Desordem (muchitsujo 無秩序 conotado pela autora com maga
[禍]) sem Ordem (chitsujo 秩序 se bem que algumas fontes favorecem o uso de nao [直]
para expressar esta Ordem uma vez que um dos seus significados eacute o de ldquorestaurarrdquo)
purificaccedilatildeo sem natildeo-purificaccedilatildeo e muito menos pureza sem impureza Estes trecircs pares de
conceitos satildeo interdependentes opostos e complementares Tendo isto como ponto de partida
eacute possiacutevel deduzir o seguinte shintō tem por princiacutepio um equiliacutebrio e um ciclo no qual se
encontra o indiviacuteduo a Via propotildee ao indiviacuteduo o que deve fazer e o que eacute correto fazer bem
como aquilo que natildeo deve fazer
Neste sentido o shintō reuacutene aspetos teoacutericos e praacuteticos como qualquer outra religiatildeo
apresentando a sua proacutepria ldquocosmovisatildeordquo ndash ldquovisatildeo do cosmosrdquo o cosmos eacute conotado com o
coletivo e como tal um dos seus elementos fundamentais eacute o indiviacuteduo que vive neste cosmos
esperando um dia efetivamente ligar-se a ele o que alude a noccedilatildeo de musubi aproximando o
ser humano do kami
Por conseguinte a jōka eacute um processo abrangente e inclusivo e natildeo restritivo ou
exclusivo no qual o ser humano se deve focar auxiliando-o a viver bem consigo e com os
outros A natildeo purificaccedilatildeo precede os atos de purificaccedilatildeo tal como a Desordem precede a
Ordem existindo desde os tempos incertos do Kami-yo relatados pelas mitologias japonesas
Aliaacutes esta DesordemOrdem eacute provocada pelas accedilotildees dos kami Tome-se por exemplo
Susanoo e Amaterasu com a excepccedilatildeo dos episoacutedios nos quais Susanoo repotildee a Ordem
atraveacutes da eliminaccedilatildeo de uma ameaccedila (Yata no Orochi) este kami estaacute sempre associado agrave
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Desordem como consequecircncia da sua rivalidade para com Amaterasu sua irmatilde mais velha
Tal conflito prolonga-se ateacute ao momento da restauraccedilatildeo da Ordem trazida por Ninigi neto de
Amaterasu e inimigo dos descendentes de Susanoo sobre os quais emerge vitorioso
Interessantemente esta reordenaccedilatildeo tem a dupla funccedilatildeo de legitimaccedilatildeo do estatuto de
Amaterasu enquanto governante de Takamagahara e entronizaccedilatildeo de um novo poder
centralizado no territoacuterio japonecircs na figura de um suposto descendente de Amaterasu A nova
ordem coacutesmica simboliza uma nova ordem poliacutetica
Em contrapartida o ciclo de Desordem e Ordem no qual o ser humano natildeo eacute apenas
um espetador mas tambeacutem um participante tem as suas origens nos atos conscientes de
Izanagi durante misogi o primeiro ritual de purificaccedilatildeo a ser mencionado em fontes japonesas
Aliaacutes ldquorituaisrdquo satildeo processos de transiccedilatildeo de um ldquoestado potencialrdquo para a condiccedilatildeo de
ldquoatordquo negativo ou positivo em shintō se rituais de natureza positiva satildeo visualmente
manifestaccedilotildees de apreccedilo e respeito pelos kami e aproximam-nos dos proacuteprios kami rituais de
natureza oposta provocam a distacircncia Por outras palavras rituais satildeo nada mais do que
meacutetodos para atingir um fim a Ordem ou o seu inverso sendo que a purificaccedilatildeo assume um
papel basilar orientando o indiviacuteduo ao longo deste processo Executar rituais de purificaccedilatildeo
significa reconhecer os erros cometidos e efetivamente agir a favor de um coletivo
Afastando-se do que lhe eacute prejudicial e para este coletivo o indiviacuteduo segue a Via dos kami
que o auxilia a viver a vida de forma boa de estar bem consigo e com os outros
Contudo por muito atrativo que pareccedila esta ideia de Ordem eacute inevitaacutevel a seguinte
sucessatildeo de perguntas seraacute que o shintō se resume apenas a isto Um ser humano
ciclicamente sujeito a uma Desordem e Ordem que ele proacuteprio causa ou se deixa afetar por
forccedilas ldquoexterioresrdquo (kami) consequentemente atingindo natildeo apenas a sua pessoa mas tambeacutem
o que o rodeia Natildeo haveraacute uma soluccedilatildeo definitiva Uma ldquoharmoniardquo que seja permanente e
natildeo perioacutedica
Ora esta linha de raciociacutenio natildeo eacute de todo iloacutegica se o shintō existe para benefiacutecio de
quem cumpre com os rituais de purificaccedilatildeo a ldquoharmoniardquo eacute nada mais do que um meio para
atingir o derradeiro fim a felicidade Assim a verdadeira ldquoHarmoniardquo significa ir para laacute da
Desordem e Ordem da reordenaccedilatildeo constante Harmonia eacute equiliacutebrio e uma condiccedilatildeo de
plenitude perpetuada o que soacute acontece quando o ser humano estaacute ligado ao todo um todo
representado parcialmente pela sociedade e pelo indiviacuteduo que estaacute em sociedade
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No contexto do shintō o indiviacuteduo poderaacute ser definido enquanto parte do todo e de
certo modo o proacuteprio todo se a parte estaacute ligada em rede ao todo de uma forma
exclusivamente positiva eacute graccedilas agrave Harmonia De entre os autores contemporacircneos
consultados Stuart Picken destaca-se como o mais assertivo na partilha desta opiniatildeo o
entendimento que este uacuteltimo atribui agrave praacutetica misogi harai (shinjin gōitsu e shinjin kiitsu) jaacute
transparece a noccedilatildeo de Harmonia uma ldquoHarmoniardquo definitiva agrave semelhanccedila do que eacute
proposto pelo texto do Nakatomi Harae Kunge De todos os rituais de purificaccedilatildeo
mencionados este eacute o uacutenico que oferece ao indiviacuteduo algo mais do que uma Ordem
temporaacuteria conseguindo de facto inviabilizar a proacutepria Desordem
Em suma eacute possiacutevel percecionar shinjin gōitsu e shinjin kiitsu como consequecircncia de
um tipo de purificaccedilatildeo que natildeo vem do exterior Ao inveacutes de uma purificaccedilatildeo externa focada
no regresso temporaacuterio agrave Ordem urge-se uma purificaccedilatildeo que tem de vir do ldquointeriorrdquo do
kokoro Quando este atributo humano estiver em Harmonia a purificaccedilatildeo torna-se permanente
para o ser humano um ser humano em equiliacutebrio e liberto do ciclo de Desordem e Ordem que
rege a sua conduta diaacuteria
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Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo I
ANEXOS
Anexo I
Desordem e Ordem de acordo com o terceiro capiacutetulo do Engishiki shokue (orientaccedilatildeo
direita-esquerda da segunda agrave quinta linha) e imi [齋] incluindo sansai e chisai durante os
atos de luto (uacuteltimas quatro linhas da paacutegina) ou no periacuteodo de gravidez das jovens do palaacutecio
(primeiras duas linhas paacutegina seguinte)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo II
Anexo II
Um shinkan executa oharai durante o ldquorito de shūbatsurdquo (shūbatsu no gi修祓の儀) segundo
passo do jichinsai Este matsuri decorreu em 2016 1ordm de novembro (terccedila-feira) prefeitura de
Aomori (Aomori-ken 森県 ) cidade de Hachinoe (Hachinoe-shi 八戸市 ) por parte do
Kabushima jinja (蕪嶋神社) O seu objetivo eacute ldquoapaziguarrdquo os kami do terreno onde se
construiraacute um novo shaden (社殿) isto eacute o edifiacutecio onde se guarda o shintai
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo III
Anexo III
Uma jovem executa temizu segurando o utensiacutelio de madeira na matildeo direita que utilizou para
lavar a matildeo esquerda e agora a sua boca O texto abaixo agrave esquerda lecirc-se ldquolimpar o kokoro e
o corpordquo (心身を清める) e temizu (手水) respetivamente agrave direita a frase ldquohidarite de mizo
wo uke kuchi wo susugimasurdquo (左手で水を受け口をすすぎます) significa literalmente
ldquorecebe-se a aacutegua e lava-se a boca com a matildeo esquerdardquo
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo IV
Anexo IV
Excerto da norito de Minadzuki no tsugumori Ōharae (六月晦日大祓) oitavo volume do
Engishiki Aqui os atos de ldquopurificaccedilatildeordquo (segunda linha a contar da esquerda) provocaram a
eliminaccedilatildeo dos tsumi cometidos pelo coletivo de funcionaacuterios (quarta linha)
DEDICATOacuteRIA
A toda a minha famiacutelia para que conheccedilam um pouco da cultura japonesa
Aos professores da minha Licenciatura em Estudos Asiaacuteticos os responsaacuteveis pelo primeiro
contacto com a realidade asiaacutetica
Aos professores de Mestrado em Ciecircncia das Religiotildees a quem lhes devo o aprofundamento
do estudo de lsquocosmovisotildeesrsquo
AGRADECIMENTOS
Aos meus pais pelo seu apoio no decorrer deste projeto
Ao Professor Antoacutenio Faria pelo tempo simpatia e disponibilidade prestados
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 1
RESUMO
O presente trabalho procura analisar os rituais que no contexto de shintō
inviabilizam e favorecem a restauraccedilatildeo da Ordem Os rituais por norma portadores de uma
conotaccedilatildeo ldquopositivardquo podem alternativamente ser entendidos como uma sucessatildeo de
pensamentos palavras e accedilotildees justificando a classificaccedilatildeo em positivonegativo consoante os
resultados obtidos
No Japatildeo a gradual institucionalizaccedilatildeo da Via dos kami (shintō) por parte da corte
imperial favoreceu a evoluccedilatildeo de praacuteticas ldquorituaisrdquo executadas por indiviacuteduos que celebravam
a sua relaccedilatildeo com os kami formas de existecircncia e consciecircncia associadas agrave Ordem (na sua
grande maioria) e veneradas ateacute aos dias de hoje
Criado para o bem de quem o segue o shintō reconhece a purificaccedilatildeo como a
preocupaccedilatildeo transversal de todas as suas vertentes Com efeito a purificaccedilatildeo eacute um complexo
processo cujos efeitos natildeo satildeo apenas positivos para o indiviacuteduo mas tambeacutem para o coletivo
isto eacute a sociedade com a qual interage diariamente conduzindo-o agrave Ordem
Contudo natildeo haacute Ordem sem o seu oposto a Ordem e a Desordem satildeo as duas partes
de um ciclo no qual o indiviacuteduo se encontra assumindo um papel fundamental dado que tem
a capacidade de executar rituais se a Ordem eacute a meta dos rituais positivos a Desordem eacute a
consequecircncia dos rituais negativos
Palavras-chave Japatildeo shintō (神道) rituais purificaccedilatildeo (jōka浄化) indiviacuteduo
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ABSTRACT
The following work aims for an analysis of the rituals that in the context of shintō
may invalidate and encourage the restauration of the Order The rituals typically defined by
bearing a ldquopositiverdquo connotation may alternatively be understood as a succession of thought
words and actions which justifies the lsquopositivenegativersquo classification according to the
obtained results
In Japan the gradual institutionalization of the Way of the kami by the imperial court
promoted the evolution of several ldquoritualrdquo practices executed by individuals that celebrated
their relationship with the kami forms of existence and conscience associated to the Order
(the most part of them) and worshiped to the present time
A Way created for the wellbeing of the one who follows it the shintō acknowledges
the purification as the transversal concern of all of its aspects Therefore the purification is a
complex process whose results are not just positive for the individual but also for the
collective meaning the society with whom he interacts on a daily basis which leads him to
the Order Nevertheless there is no Order without its opposite the Order and the Disorder
are the two parts of a cycle in which the individual is found assuming a vital role due to the
fact he has the capacity of executing rituals if the Order is the goal of positive rituals the
Disorder is the consequence of negative rituals
Keywords Japan shintō (神道) rituals purification (jōka浄化) individual
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IacuteNDICE GERAL
GLOSSAacuteRIO 5
INTRODUCcedilAtildeO 9
1 DO PASSADO AO PRESENTE SHINTŌ UMA ldquoRELIGIAtildeOrdquo JAPONESA 16
11 Shintō e kami perceccedilotildees japonesas do lsquosagradorsquo e do lsquodivinorsquo 19
111 O papel de kami na cosmologia japonesa do processo de divisatildeo da
realidade agrave criaccedilatildeo da mesma 24
112 Depois da criaccedilatildeo kami como agentes da Ordem e da Desordemhellip 26
12 Shintō como processo interaccedilotildees com outras ideias vindas de fora 32
121 Via de Confuacutecio dinamizando a eacutetica japonesa 32
122 Via do Dao cultivando a relaccedilatildeo entre o governo japonecircs e o culto aos
kami 35
123 Via do Buda concoacuterdia e discoacuterdia entre praacuteticas shinbutsu 39
13 Shintō no periacuteodo moderno antes e depois de 1945 43
131 A visatildeo nacionalista Meiji uma lsquonatildeo-religiatildeorsquo ao serviccedilo do Estado
japonecircs 44
132 Divulgaccedilatildeo de um legado cultural e histoacuterico shintō a mais popular
religiatildeo japonesa 46
2 SOCIEDADE ESPIRITUALIDADE E EacuteTICA A VIA DOS KAMI E O REGRESSO
Agrave Ordem 48
21 A relaccedilatildeo entre kami e humanos uma resposta a preocupaccedilotildees coletivas e
individuais 48
22 Aleacutem do plano fiacutesico musubi rei e tamashii 50
23 Mal como causa e efeito da Desordem tsumi kegare e imi 53
24 O bem como agente da Ordem rituais de purificaccedilatildeo interna e
externa 79
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CONCLUSAtildeO 97
BIBLIOGRAFIA 101
ANEXOS I
Anexo I I
Anexo II II
Anexo III III
Anexo IV IV
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GLOSSAacuteRIO
Amatsu-no-kami literalmente lsquokami celestesrsquo satildeo um grupo de kami liderados por
Amaterasu Ōmikami e que habitam em Takamagahara (高天原) Nesta divisatildeo encontram-se
ainda os hermafroditas koto-amatsukami (別天つ神)
Fujō termo geneacuterico para designar o que eacute lsquoimpurorsquo aos olhos da sociedade japonesa Por
vezes sinoacutenimo de fuketsu se bem que esta palavra seja usada no contexto de algo
higienicamente reprovaacutevel Num sentido mais amplo fujō representa um estado de Desordem
associando-se com o termo kegare
HaraiHarae atos de lsquopurificaccedilatildeorsquo no sentido de eliminaccedilatildeo da desordem provocada pela
accedilatildeo humana ou natural Haraiharae eacute uma das praacuteticas mais recorrentes das vaacuterias vertentes
de shintō e pode ser praticada de forma individual ou coletiva
Imi palavra de conotaccedilatildeo prejudicial que convida agrave Desordem Comportamento ou algo cuja
natureza eacute negativa e reprovaacutevel de dizerfazer servindo de base etimoloacutegica ao ceacutelebre termo
imikotoba palavras natildeo pronunciaacuteveis em certas ocasiotildees (festivas)
Imuimi lido alternativamente como sai eacute uma conduta positiva e favoraacutevel ao cumprimento
de rituais shintō Frequentemente interpretado como atos de lsquoabstenccedilatildeorsquo fiacutesica e mental
imuimi seriam descritos e categorizados nas obras Yōrō-ryō e Engishiki
Jingikan um instrumento do poder poliacutetico imperial e o oacutergatildeo de manutenccedilatildeo e vigilacircncia
dos vaacuterios jinja desde os primeiros seacuteculos do periacuteodo dinaacutestico japonecircs A niacutevel legal o culto
jingi sujeitava-se agraves regulaccedilotildees do coacutedigo Jingiryō Nos dias de hoje as funccedilotildees do Jingikan
foram essencialmente substituiacutedas pela Jinja Honchō
Jinja espaccedilos fiacutesicos de veneraccedilatildeo aos kami Literalmente os ldquosantuaacuterios de kamirdquo
Kami com frequecircncia traduzido em obras por lsquodeusesrsquo lsquoentidadesrsquo lsquodivindadesrsquo e lsquoespiacuteritosrsquo
podem ser entendidos como formas de existecircncia anteriores e superiores os humanos Apesar
de a maioria atuar como representantes da Ordem os magatsubi-no-kami defendem o seu
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oposto reforccedilando a ideia de princiacutepios contraacuterios mas complementares muito visiacutevel em
shintō
Kata-shiro um pedaccedilo de papel cuja forma lembra uma figura humana o qual se escreveria o
nome e o geacutenero do seu portador esfregando-se este objeto no corpo transmitindo
simbolicamente os tsumi do corpo para o papel Praacutetica costumaacuteria em Ōharae
Kegare traduzido por lsquoimpurezarsquo e por vezes sinoacutenimo da palavra fujō kegare eacute parte da
terminologia de shintō e um dos termos conotados com a Desordem Eventualmente avanccedilos
na consciencializaccedilatildeo do lsquopuroimpurorsquo permitiram um processo de categorizaccedilatildeo cada uma
associada a uma lsquoimpurezarsquo particular
Kokoro lsquocoraccedilatildeorsquo no sentido natildeo anatoacutemico eacute o elemento interior de qualquer pessoa e
associado ao estado emocional da mesma Em contexto acadeacutemico eacute costume o termo ser
traduzido como lsquomentersquo ou lsquocoraccedilatildeomentersquo
Kunitsu-no-kami os lsquokami terrenosrsquo e hierarquicamente inferiores aos amatsu-no-kami No
fundo satildeo kami que jaacute habitariam o Japatildeo antes da conquista de Ninigi o miacutetico neto de
Amaterasu Na sequecircncia da derrota dos kunitsu-no-kami inaugura-se uma nova Ordem
coacutesmica e poliacutetica
Makoto traduzido por lsquosinceridadersquo e lsquoverdadersquo eacute uma atitude positiva inerente aos humanos
e fundamental aquando das praacuteticas de veneraccedilatildeo aos kami Um dos termos profundamente
ligados agrave natureza mais eacutetica de shintō
Matsuri a variaccedilatildeo do verbo matsuru (祭る祀る) na qual o praticante consagra oferendas a
formas de existecircncia respeitaacuteveis (antepassados kami e budas) Por norma expressotildees
puacuteblicas associadas ao culto jingi que durante o tempo de vigor do Jingikan eram
organizadas consoante as regulaccedilotildees do Jingiryō incorporado na obra Engishiki
Misogi harai o ato de banhar o corpo numa fonte de aacutegua ativando as propriedades
terapecircuticas e purificadoras deste elemento No Kojiki e Nihon shoki Izanagi-no-kami eacute
descrito como o primeiro kami a fazer uso deste ritual apoacutes regressar do Yomi o domiacutenio
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subterracircneo da mitologia japonesa Misogi eacute tambeacutem o expoente de purificaccedilatildeo a niacutevel
externo e interno
Meijō uma das palavras para lsquopurezarsquo Etimologicamente constituiacuteda por mei (明) a leitura
foneacutetica alternativa do japonecircs aki akari akarui termos que expressam as ideias de
lsquoclaroclarezarsquo e jō (浄) lsquopuropurarsquo
Musubi contendo em si a noccedilatildeo de lsquoligaccedilatildeorsquo e lsquouniatildeorsquo e de certo modo o Todo Diz-se que
musubi estaacute presente em qualquer elemento que nos rodeia
Norito frases escritas numa linguagem arcaica e hoje usadas em todo o tipo de locais de
veneraccedilatildeo Sobretudo de caraacutecter puacuteblico norito satildeo etimologicamente constituiacutedas pela
partiacutecula nori (祝) cujo kanji eacute usado no verbo lsquocelebrarrsquo (iwau) e kotoba (詞) lsquopalavrarsquo
Fundamentais para a reposiccedilatildeo temporaacuteria da Ordem
Onmyōdō a Via da escola de funcionaacuterios provenientes do Escritoacuterio Yin-Yang cujas
atividades foram reguladas pelos Abe e Kamo hereditaacuterios liacutederes dos cargos mais relevantes
desta instituiccedilatildeo
Saigū tiacutetulo conferido agrave mais importante sacerdotisa escolhida de entre os membros da
famiacutelia imperial para servir nos jinja de Ise e Kamo Jovem cujo periacuteodo de preparaccedilatildeo
envolvia uma lsquoabstinecircnciarsquo rigorosa de trecircs anos
Shinsen conjunto de alimentos (arroz sal aacutegua sake bolos de arroz peixe algas vegetais
cereais e fruta) oferecidos em altares aos kami
Shintai mitamashiro objetos palpaacuteveis (espelhos por exemplo) identificados com o proacuteprio
kami e como tal devem ser venerados de forma adequada Permanentemente escondidos
dentro do jinja e vigiados pelos responsaacuteveis ateacute ao momento dos matsuri ou outras
celebraccedilotildees
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Shintō a Via dos kami (kami no michi) e uma das religiotildees (shūkyō) reconhecidas no plano
estatiacutestico japonecircs que por sua vez a agrupa em jinja shintō ou shintō de santuaacuterios kyōha
shintō o ceacutelebre shintō setorial e as ldquonovas religiotildeesrdquo (shin shūkyō) baseadas em shintō
Tamashii o elemento inerente ao ser humano e aos kami que supostamente eacute constituiacutedo por
quatro aspetos (shikon) cada um representando uma faceta da personalidade individual Se
pertence aos kami tamashii designa-se mitama Em alguns jinja apenas parte da mitama eacute
venerada pelos praticantes
Temizu a forma abreviada de misogi na qual o indiviacuteduo lava a boca e das matildeos Temizu eacute
obrigatoacuterio antes da veneraccedilatildeo nos jinja
Tsumi palavra que significa lsquocrimersquo Eacute algo contraacuterio agrave ordem social independentemente de
esta ser entre os kami ou entre os humanos Eliminados de forma simboacutelica pelas praacuteticas
haraeharai tsumi satildeo por vezes divididos em amatsu-no-tsumi (lsquocrimes celestesrsquo) e kunitsu-
no-tsumi (lsquocrimes terrenosrsquo)
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INTRODUCcedilAtildeO
O trabalho tem como objectivo uma anaacutelise dos rituais que inviabilizam e permitem a
purificaccedilatildeo em shintō O objeto de estudo comporta natildeo apenas uma abordagem histoacuterica-
antropoloacutegica do shintō adotada por muitos autores contemporacircneos mas tambeacutem um olhar
sobre a sua praacutetica ritual que eacute considerada por muitos como o alicerce da lsquoViarsquo (em japonecircs
dō) per si entendendo-se lsquoritualrsquo como a sucessatildeo de pensamentos palavras e accedilotildees Assim eacute
possiacutevel interpretar o homem como aquele que estaacute no ciclo de Desordem e Ordem capaz de
provocar ou deixar-se influenciar pela Desordem e nesse caso o ritual eacute prejudicial negativo
Em contrapartida se se recorrer agrave purificaccedilatildeo os seus efeitos satildeo positivos e a Ordem eacute
temporariamente restaurada Tal como se constata em tradiccedilotildees ditas orientais shintō defende
a noccedilatildeo de equiliacutebrio uma vez que nada surge sem o seu contraacuterio
A escolha da temaacutetica partiu de um interesse pessoal da autora na cultura japonesa
adquirido ao longo da sua vida acadeacutemica sobretudo durante o periacuteodo de licenciatura em
Estudos Asiaacuteticos que possibilitou uma pequena amostra do que tinha sido produzido ateacute
entatildeo por autores japoneses e natildeo japoneses acerca de shintō o que se pretendia natildeo era um
estudo pormenorizado de filosofias da Aacutesia mas sim transmitir em linhas gerais o que satildeo os
lsquoismosrsquo do continente vizinho uns cuja aacuterea de impacto se reduz a uma aacuterea geograacutefica
especiacutefica e outros que beneficiaram de uma expansatildeo significativa No mestrado em Ciecircncia
das Religiotildees apesar de a vertente filosoacutefica das vaacuterias tradiccedilotildees desenvolvidas na Aacutesia ter
sido incorporada shintō natildeo teve o mesmo protagonismo que a Via do Buda a Via de
Confuacutecio ou ainda o pensamento veacutedico Em Portugal a quase indisponibilidade e ausecircncia
de materiais (atualizados) sobre shintō eacute comparaacutevel ao escasso nuacutemero de trabalhos
acadeacutemicos realizados urgindo-se a necessidade de se executar investigaccedilotildees que
contemplem shintō natildeo como uma lsquoreligiatildeorsquo no sentido de ser teiacutesta panteiacutesta monoteiacutesta
politeiacutesta mas como algo aleacutem disso Neste sentido o investigador do shintō deve ignorar os
lsquopreacute-conceitosrsquo estabelecidos por outras perspetivas ocidentais que acabaram por moldar o
mundo acadeacutemico tal como o conhecemos natildeo considerando esta religiatildeo somente de um
ponto de vista estatiacutestico
Nesta perspetiva o trabalho pode ser considerado primeiramente como um texto que
procura divulgar shintō em Portugal Um dos motivos que levou a autora a realizar este
trabalho foi como jaacute referido tentar despertar o interesse das pessoas em shintō permitindo a
abertura de portas a futuras investigaccedilotildees e simultaneamente contrariando a tendecircncia de foco
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do Mestrado de Ciecircncia das Religiotildees nas religiotildees ocidentais Tal tendecircncia pode ser
verificada se o leitor pesquisar a paacutegina virtual do repositoacuterio da Universidade Lusoacutefona de
Humanidades e Tecnologias ndash o ReCiL - Repositoacuterio Cientiacutefico Lusoacutefona de entre as doze
dissertaccedilotildees disponiacuteveis e realizadas por alunos do ldquoMestrado em Ciecircncia das Religiotildeesrdquo
onze satildeo sobre cristianismo ndash em Portugal e no Brasil ndash e uma eacute dedicada a um dos estilos da
arte marcial karatedō (Shotokan Karatedō 松涛館 空手道) 1
tambeacutem este uma Via ndash Via da
ldquomatildeo vaziardquo ou karate - agrave semelhanccedila de shintō Jaacute a Revista Lusoacutefona de Ciecircncia das
Religiotildees publicou cinco artigos dedicados ao Japatildeo do passado especificamente o periacuteodo de
presenccedila cristatilde em territoacuterio japonecircs (e Macau) 2
Apesar de carecer de um fundador ndash apenas vaacutelido no caso de kyōha shintō ldquonovas
religiotildeesrdquo shintō e de certo modo escolas de gakuha shintō criadas como consequecircncia dos
movimentos acadeacutemicos e de exposiccedilatildeo de conceitos e rituais (que conduzem agrave Ordem) ndash um
sistema proacuteprio de ldquofeacuterdquo e ldquoensinamentosrdquo caracteriacutesticas tiacutepicas de uma lsquoreligiatildeorsquo (no sentido
lsquoocidentalrsquo) o shintō eacute praticado pelo indiviacuteduo e como tal este uacuteltimo faz parte do todo isto
eacute do mundo que o rodeia vivendo consoante as decisotildees que toma quer sejam de natureza
positiva ou negativa
Neste sentido a finalidade desta dissertaccedilatildeo natildeo eacute somente divulgar shintō o trabalho
realizado eacute um texto argumentativo que pretende responder a trecircs questotildees o que eacute o ciclo de
Desordem e Ordem o que eacute que o praticante de shintō fazia e ainda faz para causar Desordem
ou Ordem quais satildeo os motivos por detraacutes das accedilotildees que conduzem agrave Ordem
Para tentar responder agraves perguntas acima nomeadas dividiu-se o trabalho em duas
partes cada um com um nuacutemero variado de subtoacutepicos a primeira parte eacute acima de tudo
contextualizaccedilatildeo do tema explicando-se o que se entende por shintō ldquoreligiatildeordquo kami e qual a
relaccedilatildeo destes uacuteltimos com o domiacutenio sagradodivino japonecircs
Assim a realizaccedilatildeo do primeiro subtoacutepico envolveu a procura de algumas opiniotildees
formadas por autores e investigadores constatando-se a necessidade de uma anaacutelise
etimoloacutegica de termos como shintō religiatildeo (em japonecircs shūkyō) kami e ldquosagradodivinordquo
(dicotomia seishin) Em segundo lugar efetuou-se uma siacutentese do que outros autores
(japoneses ou natildeo) entendem por kami por vezes sujeitos a processos de classificaccedilatildeo ou
1 The DSpace Foundation ldquoPercorrer lsquoMestrado em Ciecircncia das Religiotildeesrsquo por data de publicaccedilatildeordquo ReCiL -
Repositoacuterio Cientiacutefico Lusoacutefona (on line)
lthttprecilgrupolusofonaptjspuihandle104375704browsetype=dateissuedgt (consultado em 24-06-2018) 2 The DSpace Foundation ldquoResultados da pesquisa- Revista Lusoacutefona de Ciecircncia das Religiotildeesrdquo ReCiL -
Repositoacuterio Cientiacutefico Lusoacutefona (on line) lthttprecilgrupolusofonaptjspuihandle104373095simple-
searchquery=japC3A3ogt (consultado em 24-06-2018)
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categorizaccedilatildeo Seguidamente kami satildeo analisados enquanto personagens fundamentais da
cosmologia japonesa conforme os relatos do Kojiki e Nihon shoki participando no processo
de divisatildeo da realidade - sendo que esta divisatildeo pode ser tripartida (sobretudo mundo
superior mundo do meio e mundo inferior) ou bipartida (o lsquonosso mundo fiacutesicorsquoo lsquooutro
mundorsquo) ndash e ainda na criaccedilatildeo desta uacuteltima - considerando-se lsquocriaccedilatildeorsquo como o ato consciente
dos kami (neste caso o casal Izanagi e Izanami) de gerar as coisas que compotildeem o nosso
mundo e tambeacutem kami associados a essas mesmas coisas Apoacutes esta criaccedilatildeo certos kami
tornam-se agentes da Ordem (Amaterasu) e da Desordem (Susano-o e Ōkuninushi)
expressando a noccedilatildeo de equiliacutebrio muito presente nos rituais de shintō que explicam a Ordem
como a consequecircncia da condiccedilatildeo de Desordem (o episoacutedio da Ama no Iwato por exemplo)
No uacuteltimo subtoacutepico explicou-se a evoluccedilatildeo de shintō ao longo dos seacuteculos de
interaccedilatildeo com as Vias de Confuacutecio do Dao e do Buda observando a sua integraccedilatildeo na esfera
poliacutetica japonesa desde os primeiros tempos de institucionalizaccedilatildeo das praacuteticas de veneraccedilatildeo
aos kami ateacute agrave atualidade Natildeo obstante deve-se alertar para o facto de que este subtoacutepico natildeo
apresenta shintō numa perspetiva cronoloacutegica a Via do Confuacutecio - a primeira a ser estudada
neste trabalho - influenciou a sociedade claacutessica japonesa mas a adaptaccedilatildeo dos seus
ensinamentos por parte de shintō soacute se veio a realizar num periacuteodo posterior Por outras
palavras se se pretendesse uma evoluccedilatildeo cronoloacutegica de shintō o esquema a seguir seria ldquoVia
de Dao-Via do Buda-Via de Confuacuteciordquo
No que concerne agrave segunda parte esta corresponde ao desenvolvimento do tema e
como tal investiga-se algumas teorias e praacuteticas - uma vez que a teoria daacute coesatildeo agrave praacutetica e a
praacutetica eacute uma forma de dinamizaccedilatildeo da teoria ndash do shintō retratado como uma Via
profundamente social ndash liga os humanos aos kami e vice-versa surgindo kami que atendem agraves
necessidades concretas individuaiscoletivas de quem os procura (Inari Ebisu Shichi Fukujin
e Tenjin) ndashrsquoespiritualrsquo ndash na aceccedilatildeo de se estar perante algo natildeo do domiacutenio palpaacutevel ou fiacutesico
que tambeacutem serve de elo de ligaccedilatildeo humanokami evidenciado pelo desenvolvimento de toda
uma tradiccedilatildeo de lsquoespiritualidade japonesarsquo melhor expressa por musubi rei e tamashii ndash e
lsquoeacuteticarsquo ndash no sentido de existir um bemmal ou seja algo ordenado e algo desordenado que
pode ser sempre reposto evidenciando a natureza ciacuteclica da relaccedilatildeo DesordemOrdem
Aleacutem de se analisar etimologicamente toda uma seacuterie de palavras associadas agrave
lsquoespiritualidadersquo agrave Desordem (tsumi kegare e imi) e agrave Ordem como eacute entendida pelo shintō
(os vaacuterios vocaacutebulos indicativos de lsquopurificaccedilatildeorsquo e algumas norito relevantes) e por algumas
escolas de pensamento desta Via abordam-se duas qualidades internas do ser humano
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denominadas kokoro e makoto integrais ao campo da eacutetica japonesa bem como a shintō Os
rituais conducentes agrave Ordem revolvem em torno da purificaccedilatildeo processo de natureza externa
e interna embora a segunda seja de natureza mais subtil e portanto mais difiacutecil de atingir No
entanto o objetivo eacute sempre o mesmo contrariar o desequiliacutebrio trazido por tsumi kegare e
imi devolvendo o indiviacuteduo (e o que o rodeia) ao seu estado ordenado confirmando a ideia
de que o shintō eacute importante natildeo apenas para o indiviacuteduo
Enquanto temaacutetica de estudo os rituais de purificaccedilatildeo e de natildeo purificaccedilatildeo em shintō
satildeo uma novidade em contexto nacional mas natildeo propriamente no mundo acadeacutemico
internacional milhares de autores redigiram livros sobre shintō ou pequenos artigos sobre
ldquopurificaccedilatildeordquo ldquorituaisrdquo e ldquoimpurezardquo se bem que tsumi kegare e imi (negativo) nunca satildeo
apelidados de ldquorituaisrdquo per si No entanto este trabalho utiliza a palavra ldquorituaisrdquo num sentido
abrangente ao inveacutes de investigadores que se cingem agrave definiccedilatildeo sugerida pelo dicionaacuterio
quando o indiviacuteduo realiza algo constantemente e da mesma maneira faz um ldquoritualrdquo Em
contexto religioso ldquorituaisrdquo tendem a ser vistos como exclusivamente positivos nunca
negativos
Poreacutem ao redefinir-se ldquoritualrdquo como um padratildeo de pensamentos palavras e accedilotildees natildeo
se inviabiliza a hipoacutetese de existirem ldquorituaisrdquo que provocam o oposto do que se pretende
Interessantemente alguns autores contemporacircneos de shintō cingem-se ao ldquoritualrdquo como o
que permite o regresso agrave Ordem na introduccedilatildeo de Sourcebook in Shinto Selected Documents
Resources in Asian Philosophy and Religion (2004) Stuart Picken diz que a ldquotransmissatildeo de
Shinto (hellip) eacute mais sobre agenda do que credenda coisas a serem feitas do que coisas a serem
acreditadasrdquo colocando ldquoritualrdquo em primeiro plano 3 Aqui estaacute claramente expresso a ideia
de ldquorituais-Ordemrdquo uma vez que ldquocoisas a serem feitasrdquo satildeo logicamente coisas cujos
resultados beneficiam o indiviacuteduo Por outro lado John Breen e Mark Teeuween nomeiam
trecircs categorias de ldquorituaisrdquo cuja praacutetica eacute da responsabilidade de jinja 4 Ora uma vez que
jinja satildeo os mais relevantes espaccedilos de veneraccedilatildeo aos kami subentende-se a Ordem como a
consequecircncia destes ldquorituaisrdquo
Todavia o shintō tem por princiacutepio a noccedilatildeo de equiliacutebrio conhecer shintō significa
conhecer a Ordem e a Desordem se rituais de satildeo o meio por excelecircncia para atingir a Ordem
a natildeo purificaccedilatildeo conduziraacute agrave Desordem Em suma tsumi kegare e imi satildeo rituais porque satildeo
3 PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto Selected Documents Resources in Asian Philosophy and Religion
Westport Greenwood Publishing Group 2004 pxxi 4 BREEN John TEEUWEN Mark A New History of Shinto Chicester Wiley-Blackwell 2010 p3
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realizados (de forma directa e indireta) pelo indiviacuteduo embora possuam diferentes origens e
caracteriacutesticas
No que concerne agrave metodologia e fontes utilizadas um dos criteacuterios a ter em conta foi
a contemporaneidade o shintō continua a ser um tema muito popular entre autores e como tal
um estudo mais proacuteximo desta Via requer o recurso a livros publicados recentemente e natildeo haacute
meio seacuteculo atraacutes tais como Essentials of Shinto An Analytical Guide to Principal Teachings
(1994) cujo autor Stuart Picken apresenta as vaacuterias categorias de shintō de uma forma sucinta
apresentando uma cronologia de eventos relevantes explicando de que maneira a conjuntura
histoacuterico-poliacutetica japonesa influenciou shintō A sua obra pode servir como um ponto de
partida para interessados ou estudiosos uma vez que aborda shintō do passado e shintō
moderno (incluindo os rituais de purificaccedilatildeo usados em ambos) Um outro ponto muito
positivo eacute a ausecircncia de ldquotermos ocidentaisrdquo como ldquoShintoiacutestardquo e ldquodeusrdquo 5 uma metodologia
igualmente favorecida pela autora
Eacute tambeacutem interessante notar que ao longo deste livro satildeo constantemente citadas e
explicadas fontes japonesas (antigas sobretudo) justificando a sua utilizaccedilatildeo (em simultacircneo
com a leitura na linguagem original) na fundamentaccedilatildeo dos subtoacutepicos da dissertaccedilatildeo Por
exemplo Kojiki Nihon shoki Engishiki e Norito 6 As primeiras duas satildeo fundamentais no
que diz respeito agrave mitologia e cosmologia japonesas ndash o termo lsquocosmologiarsquo eacute mais
apropriado do que lsquoteologiarsquo uma vez que shintō natildeo reconhece deuses ndash observando-se a
inclusatildeo da temaacutetica Desordem e Ordem primeiro como resultados das accedilotildees de alguns kami
e depois como consequecircncias dos rituais (tsumi kegare) dos proacuteprios indiviacuteduos como se
pode constatar nas croacutenicas imperiais do Nihon shoki
Jaacute o Engishiki eacute um texto de caraacutecter lsquolituacutergicorsquo tal como o Saigūki e o Kōtai Jingū
Gishiki-chō Ao longo da investigaccedilatildeo utilizou-se Engi-shiki Procedures of the Engi era
Books I-V Translated with introduction and notes by Felicia Gressitt Bock 1970 e a obra
Norito (1990) de Donald Philippi que reuacutene dezenas de norito entoadas nos diversos matsuri
celebrados ao longo do ano uns de caraacutecter mais lsquoimperialrsquo do que outros ambas obras
refletem o impacto do estudo da praacutetica ldquoritualrdquo (que conduz agrave Ordem) no shintō Contudo as
traduccedilotildees foram sempre lidas em paralelo com o texto original facultado pela paacutegina virtual
da Waseda University Library e ainda Mikoorg (apenas os oito volumes do Jingiryō satildeo
integrais ao objeto de estudo)
5 PICKEN Stuart Essentials of Shinto An Analytical Guide to Principal Teachings Westport Greenwood
Publishing Group 1994 pp xvii-xviii 6 PICKEN Stuart op cit p381
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 14
Por outro lado o Saigūki e o Kōtai Jingū Gishiki-chō satildeo obras arcaicas que registam e
explicam determinados rituais prejudiciais ao indiviacuteduo isto eacute kegare e imi (imikotoba no
caso do Kōtai Jingū Gishiki-chō) Ora a informaccedilatildeo disponibilizada deve ser complementada
pelo estudo de outras fontes japonesas explica-se assim o porquecirc do recurso a textos
ldquooficiaisrdquo ndash Nihon shoki Nihon sandai Jitsuroku Nihon Kōki e ShokuZoku Nihongi) e de
caraacutecter mais legislativo Yōrō-ritsuryō e Jingiryō ambos frequentemente referenciados em
artigos contemporacircneos de autores japoneses numa tentativa de explicar alguma da
terminologia de shintō (vocaacutebulos conotados com Desordem e Ordem)
A segunda fonte primaacuteria eacute Sourcebook in Shinto Selected Documents Resources in
Asian Philosophy and Religion (2004) novamente Picken cita passagens traduzidas do Kojiki
e o Nihon shoki que explicam a criaccedilatildeo e divisatildeo da realidade Este meacutetodo de citaccedilatildeo de
passagens de textos relevantes aplica-se a toda a obra auxiliando o interessado no estudo de
shintō segundo a perspetiva das escolas de pensamento (Yoshida e Ise em particular) e a
escola kokugaku ambas vaacutelidas no que concerne ao aprofundamento do que se entende por
caraacutecter ldquoeacuteticordquo em shintō ldquopurezardquo kokoro e makoto satildeo frequentemente objeto de estudo
graccedilas agrave anaacutelise de outros textos antigos e de cariz oficialimperial
No que diz respeito ao livro produzido por John Breen e Mark Teuween A New
History of Shinto possui alguns pontos positivos o uso de termos japoneses a inclusatildeo de
uma cronologia e mitologia de shintō com base em fontes japonesas (traduzidas) analisando-
se ao pormenor o ceacutelebre episoacutedio Ama no Iwato uma curiosa passagem que tambeacutem foi
estudada no acircmbito desta dissertaccedilatildeo uma vez que a temaacutetica Desordem e Ordem estaacute
bastante presente embora notando-se a ausecircncia do indiviacuteduo quem participa nos rituais satildeo
os kami e natildeo os humanos
Por uacuteltimo The Kami Way de Ono Sokyō eacute um livro introdutoacuterio a shintō mas muito
mais simples do que as obras de Picken apesar de tambeacutem sintetizar a mitologia e cronologia
desta Via Espeacutecie de minienciclopeacutedia de shintō sobretudo focada na tradiccedilatildeo de jinja shintō
(rituais cerimoacutenias siacutembolos e elementos pertencentes ao domiacutenio do ldquosagradordquo) The Kami
Way eacute um livro que enfatiza a ideia de que shintō eacute uma religiatildeo e como tal a linguagem
usada eacute muito diferente da que Picken ou Breen e Teuween algo que pode ser justamente
considerado como um ponto negativo termos duacutebios incluem ldquokami-feacuterdquo ldquosagradordquo ldquomenterdquo
ldquoalmardquo certamente reconheciacuteveis para o puacuteblico-alvo natildeo-japonecircs mas que dificilmente
seriam aceites pelos autores anteriormente mencionados cujas obras procuram ser o mais fieacuteis
ao seu objeto de estudo shintō pertence agrave realidade japonesa e como tal traduccedilotildees de termos
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japoneses natildeo satildeo recomendaacuteveis Jaacute um dos seus pontos positivos eacute oferecer ao leitor a
perspetiva japonesa da natureza humana subentendo o reconhecimento de uma eacutetica
(certoerrado) reforccedilando o porquecirc de shintō ser uma Via criada para o bem e a felicidade do
indiviacuteduo
Aleacutem destas quatro obras acrescenta-se o dicionaacuterio etimoloacutegico da autoria de
Nishigaki Yukio (2005) ndash etimologia eacute uma ferramenta indispensaacutevel para a compreensatildeo de
shintō dada as suas origens natildeo ocidentais - alguns episoacutedios do Kojiki (Takeda Tsunegaki) e
Nihon shoki (a traduccedilatildeo desatualizada de Aston utilizada por Picken e a versatildeo presente no
site Nihonsinwa) No caso concreto das obras japonesas claacutessicas e modernas referenciadas
sobretudo por Picken o texto original foi disponibilizado nas bibliotecas virtuais japonesas
National Diet Library (6ordm volume do Koshiden Hirata Atsutane) J-Texts e Kodaishi Dassai
com a exceccedilatildeo do Yōrō-ritsuryō que foi individualmente traduzido para japonecircs moderno no
website Kansei Daikan
Com efeito o recurso a fontes virtuais revelou-se fundamental no decorrer da
investigaccedilatildeo devendo-se destacar paacuteginas de instituiccedilotildees japonesas tais como a Encyclopedia
of Shinto - organizada pela Universidade Kokugakuin o dicionaacuterio virtual japonecircs Kotobank
que compila as sugestotildees de definiccedilatildeo de um termo por vezes pronunciando-se sobre a sua
etimologia Acrescenta-se ainda paacuteginas virtuais dedicadas agraves obras de Motoori Norinaga
(Kumo no Ikada Yamato Gokoro) e paacuteginas oficiais de setores shintō cujos objetivos
revolvem em torno da purificaccedilatildeo adotando-se certas condutas e rituais
Por uacuteltimo todos os termos estrangeiros foram escritos em letras do alfabeto e em
itaacutelico seguidas sempre dos caracteres que a compotildeem (no caso de termos chineses e
japoneses) o mesmo aplicando-se ao nome completo dos kami jinja e matsuri Em caso da
traduccedilatildeo dos vocaacutebulos japoneses utilizou-se a expressatildeo cujo significado eacute o mais proacuteximo
do original Contudo numa tentativa de se ser fiel agrave fonte e ao objeto de estudo optou-se mais
pela natildeo-traduccedilatildeo kami eacute kami tsumi eacute tsumi kegare eacute kegare e assim sucessivamente A
principal razatildeo por detraacutes desta metodologia eacute evitar o processo de incompreensatildeo da temaacutetica
abordada como resultado da transposiccedilatildeo da proacutepria mentalidade do investigador Com efeito
a fraca familiarizaccedilatildeo com a aacuterea de estudo origina a traduccedilatildeo (incorreta) de termos uacutenicos
por palavras que o seu puacuteblico-alvo natildeo japonecircs facilmente consegue perceber mas que satildeo
estranhas a shintō ou a outras lsquoreligiotildeesrsquo asiaacuteticas
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1 DO PASSADO AO PRESENTE SHINTŌ UMA ldquoRELIGIAtildeOrdquo JAPONESA
Escrever sobre religiotildees eacute sempre um desafio ainda mais quando a aacuterea de estudo
tem as suas reservas no que concerne agrave expressatildeo lsquoreligiatildeorsquo de difiacutecil caracterizaccedilatildeo mesmo
no mundo ocidental lsquoReligiatildeorsquo tende a ser identificada com os sistemas de lsquofeacutersquo teiacutestas
particularmente os monoteiacutestas ndash cristianismo judaiacutesmo e islatildeo ndash e politeiacutesmos na Aacutesia o
termo natildeo se pode usar com tanta facilidade religiatildeo eacute antes de mais uma palavra introduzido
relativamente recente e certamente de forma natildeo espontacircnea
No caso do Japatildeo lsquoreligiatildeorsquo natildeo existia ateacute aos meados do seacutec XIX o acolhimento
de ideias exteriores ao territoacuterio japonecircs teraacute gerado uma definiccedilatildeo muito especiacutefica de
lsquoreligiatildeorsquo e da sua favorita traduccedilatildeo japonesa shūkyō especificamente traduzindo-se o termo
inglecircs religion algo que eacute problemaacutetico por dois principais motivos os caracteres que
compotildeem a palavra (shū 宗 e kyō 教 respetivamente lsquosetoresrsquo e lsquoensinamentosrsquo) - e que jaacute
existiam de facto em forma isolada nunca em conjunto - satildeo de origem budista pondo em
causa a ldquovalidaderdquo de shintō cuja ecircnfase natildeo eacute em doutrinas ou shū 7 embora natildeo se deva
excluir a sua existecircncia
Segundo Nakamura Hajime shūkyō teria as suas origens na expressatildeo shū no oshie
(宗の教え ) ou lsquoensinamento dos setoresrsquo ndash shū significa o ldquoderradeiro significado do
princiacutepio e da verdade (hellip)rdquo presente nos ensinamentos (oshie) antes do Periacuteodo Meiji (1868-
1912) shūkyō encontrar-se-ia numa posiccedilatildeo subordinada a bukkyō (仏教) que por sua vez eacute
entendido como a fusatildeo de vaacuterios shūkyō num soacute Jaacute no Periacuteodo Meiji shūkyō torna-se um
suposto ldquoconceito supra ordenadordquo de bukkyō 8 ambas explicaccedilotildees revelam a importacircncia
desta Via como ponto de partida para o que se entende por lsquoreligiatildeorsquo termo hoje vaacutelido e
aceite pela sociedade moderna japonesa em vaacuterias aacutereas
A segunda principal razatildeo tem que ver com imagens quando um cidadatildeo europeu ou
americano pensa sobre lsquoreligiatildeorsquo serve-se do que sabe isto eacute o que a sua educaccedilatildeo e meio
envolvente lhe providenciaram um espaccedilo proacuteprio de crenccedila textos uma noccedilatildeo de lsquosagradorsquo
um fundador e eacute claro os que acreditam firmemente nesses textos e se esforccedilam por propagar
as suas ideias Se lhe perguntarem sobre outras lsquoreligiotildees natildeo-ocidentaisrsquo recorreraacute ao que eacute
7 ISOMAE Junrsquoichi ldquoDeconstructing lsquoJapanese Religionrsquo A Historical Surveyrdquo Japanese Journal of Religious
Studies nordm 32 (2) 2005 pp 235 ndash 248 8 Ateacute ao seacutec- XVII o ldquobudismordquo natildeo era formalmente designado bukkyō (仏教) mas antes butsudō (仏道) ou
ainda buppō (仏法) IWAI Hiroshi ldquo日本宗教の理解に関する覚書rdquo (ldquoNotes on the Understanding of
Japanese Religionrdquo) Kenkyū kiyō (研究紀要) nordm 5 2004 pp 79-89
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do conhecimento geral publicado em livros e outros meios de informaccedilatildeo Por outras palavras
budismo hinduiacutesmo taoiacutesmo e xintoiacutesmo satildeo convenientemente considerados lsquoreligiotildeesrsquo e
como consequecircncia natildeo eacute de estranhar a quantidade de traduccedilotildees erroacuteneas de conceitos e
ideias dessa mesma religiatildeo em livros escritos por peritos quer japoneses como natildeo-nativos 9
qualquer guia sobre ldquoreligiotildees do mundordquo teraacute uma entrada sobre xintoiacutesmo comeccedilada mais
ou menos nas linhas de ldquoxintoiacutesmo eacute a religiatildeo nativa japonesardquo 10
ecoando o que foi escrito
cerca de um seacuteculo antes por Anesaki Masaharu creditado como ldquoinventorrdquo da expressatildeo
moderna lsquoreligiatildeo japonesarsquo (nihon shūkyō 日本宗教) que eacute acolhida inicialmente por um
puacuteblico ocidental e soacute posteriormente pelos proacuteprios japoneses 11
Forte apoiante da visatildeo lsquoxintoiacutesmo = religiatildeorsquo Anesaki Masaharu acentua o caraacutecter
japonecircs de shintō descrevendo-o como ldquoum complexo de antigas crenccedilas e observacircnciasrdquo que
ao contraacuterio do budismo (e do cristianismo) nunca se deparou com perseguiccedilotildees a niacutevel
poliacutetico sendo preservado ao longo de seacuteculos pelos japoneses Apoiado na veneraccedilatildeo dos
kami sobretudo Amaterasu a antepassada miacutetica da casa imperial associada ao sol shintō eacute
um tipo de culto lsquonacionalrsquo diretamente ligado agrave paz prosperidade e estabilidade do Japatildeo 12
Historicamente shintō natildeo foi lsquopreservadorsquo no sentido de permanecer
inalteraacutevel independentemente de alguns sacerdotes e estudiosos partilharem da visatildeo de
Anesaki perspetivando shintō como algo autoacutenomo e independente de influecircncias externas
desde tempos imemoriais ateacute agrave atualidade 13
este uacuteltimo foi um processo iniciado no Japatildeo e
cujo crescimento jamais resulta do isolamento mas antes do contacto com todo o tipo de
ideias de fora (e de dentro) a adaptaccedilatildeo de ldquoantigo pensamento Chinecircs Budismo Onmyōdō
Confucionismo Shugendō e Cristianismordquo agrave realidade japonesa permite numa eacutepoca
posterior propostas de categorizaccedilatildeo e classificaccedilatildeo de shintō jinja shintō kyōha shintō
shintō filosoacutefico ou escolaacutestico (gakuha shintō 学派神道) shintō imperial (kōshitsu shintō皇
室神道) e shintō folcloacuterico (minzoku shintō 民俗神道) 14
Em suma natildeo existe um uacutenico
9 Como jaacute mencionado na Introduccedilatildeo a traduccedilatildeo eacute um risco a correr que natildeo eacute avaliado pelos autorestradutores
de entre os erros mais tiacutepicos nos livros sobre shintō destacam-se ldquopecadordquo como traduccedilatildeo de tsumi e ldquodeus
divindadedivinordquo para expressar o conceito de kami 10
ONO Sokyō Shinto the Kami Way Singapore Tuttle Publishing 2004p 1 11
ISOMAE Junrsquoichi ldquoDeconstructing lsquoJapanese Religionrsquo A Historical Surveyrdquo Japanese Journal of Religious
Studies nordm 32 (2) 2005 pp 235 ndash 248 12
ANESAKI Masaharu History of Japanese Religions with special reference to the social and moral life of the
nation 3rd ed London The Kegan Paul Japan Library 1995 p 22 13
KURODA Toshio ldquoShinto in the History of Japanese Religionrdquo Journal of Japanese Studies nordm 7 (1) 1981
pp 1-21 14
INOUE Nobutaka ldquoIntroduction The History of Shintordquo Encyclopedia of Shinto 1 General Introduction
Introduction of Shinto (on line) lthttpk-
amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=22906gt (consultado em 24-06-2018)
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shintō mas antes muacuteltiplos shintō que contribuiacuteram significativamente em termos sociais e
culturais
Descrito por Stuart Picken como a ldquoexpressatildeo natural dos sentimentos espirituais do
povo japonecircs que cresceu e evoluiu com o desenvolvimento da histoacuteria japonesa e sociedaderdquo
shintō eacute um exemplo atiacutepico de uma lsquoreligiatildeorsquo no sentido geral do termo ao contraacuterio do
budismo (bukkyō 仏教) Islatildeo (isuramukyō イスラム教) hinduiacutesmo (indokyō インド教)
cristianismo (kirisutokyō キリスト教) judaiacutesmo (yudayakyō ユダヤ教) confucionismo
(jukyō 儒教) e taoiacutesmo (dōkyō 道教) shintō (神道) foi nomeado como um dō (em chinecircs dao
道) e natildeo como um kyō agrave semelhanccedila de outras Vias como kadō (華道) sadō (茶道) kyūdō
(弓道 ) respetivamente a Via das flores a Via do chaacute e a Via do arco A prioridade de shintō
eacute como o termo sugere tornar-se uma Via um modo de orientaccedilatildeo para o indiviacuteduo algo
expresso no curioso termo kannagara 15
Deste modo shintō assemelha-se a um modo de
conduta uma disciplina ou praacutetica que coloca os lsquoensinamentosrsquo em segundo plano em favor
do desenvolvimento de uma eacutetica proacutepria que recebeu influecircncias sobretudo confucianas
Consequentemente a perspetiva de shintō como lsquoreligiatildeorsquo num sentido diferente ao
que eacute transmitido em contexto ocidental tem sido apoiada por alguns autores japoneses e
igualmente praticantes de shintō Sonoda Minoru um professor emeacuterito da Universidade de
Quioto e principal sacerdote do Chichibu Jinja (秩父神社 ) observa a necessidade de
distinccedilatildeo entre religiotildees e shintō se o Cristianismo e outras ldquoreligiotildees mundiaisrdquo possuem
uma base assente numa ldquodoutrina universal e um acredita ou natildeo acredita - eacute tudo acerca de feacute
colocada num sistemardquo cuja evoluccedilatildeo adquire contornos de proselitismo - shintō eacute na sua
essecircncia uma ldquoreligiatildeo de culturardquo que natildeo pretende a consistente ldquoiniciaccedilatildeordquo de pessoas
numa ldquofeacuterdquo esta religiatildeo nada tem que ver com feacute mas antes ldquopraacutetica ritualrdquo enraizada numa
ldquosociedade agriacutecola primaacuteriardquo Por uacuteltimo conclui que estes sistemas optaram por uma
estrateacutegia de conquista modelando a conduta dos seus crentes perseguindo e eliminando
adversaacuterios quando lhes convinha ao contraacuterio de shintō que teria desaprovado de tais accedilotildees
Aliaacutes o acto de preservar a vida e celebraacute-la eacute nada mais do que a derradeira preocupaccedilatildeo
desta Via 16
Com efeito Sonoda foca-se na ldquoquestatildeo doutrinaacuteriardquo como a caracteriacutestica mais
15
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp xxii-xxiii 16
As citaccedilotildees em questatildeo foram retiradas das entrevistas feitas pelo investigador Leif Sandvik e pela Sasakawa
Peace Foundation sendo posteriormente integradas no estudo deste uacuteltimo sobre a ldquoreinvenccedilatildeordquo de shintō como
uma ldquoreligiatildeo ecoloacutegicardquo SANDVIK Leiff Showcasing Shinto The Reinvention of Shinto as an Ecological
Religion Masterrsquos Degree Thesis in History of Religion submitted to the Department of Culture Studies and
Oriental Languages of the University of Oslo supervised by Prof Nora Stene Preston and Prof Dr Mark
Teuween 2011
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definidora das ldquoreligiotildeesrdquo monoteiacutestas se Cristianismo (e outras ldquoreligiotildeesrdquo) regem-se pelo
princiacutepio da ldquodualidaderdquo (ser crente ou natildeo) o mesmo natildeo se pode dizer de shintō
Na sua forma mais ldquocruardquo shintō talvez pode ter sido uma coletacircnea de aspetos
ldquoanimistas xamanismo veneraccedilatildeo de antepassados e veneraccedilatildeo da naturezardquo bem como
noccedilotildees proacuteprias de normas sociais incluindo o reconhecimento de ldquotabusrdquo ldquoofensasrdquo e a
necessidade de ldquopurificaccedilatildeordquo natildeo apenas a niacutevel fiacutesico 17
Apresentando ainda um fraco grau
de organizaccedilatildeo a Via dos kami era um coletivo de ideias seguidas pela comunidade que se
focava em obter meios de subsistecircncia a relaccedilatildeo entre a comunidade e as ldquoforccedilas
incompreensiacuteveisrdquo (kami) por detraacutes do sucesso ou do prejuiacutezo das colheitas baseava-se na
relaccedilatildeo dar-receber apelar aos kami trazia benefiacutecios para a comunidade e em troca a
comunidade faria o que naturalmente eacute suposto fazer agradecer de forma sincera atraveacutes de
oferendas (comida tecidos armas) Ora tal costume ainda hoje permanece vivo na memoacuteria
dos japoneses quer se trate de uma veneraccedilatildeo aos kami em casa quer dentro da aacuterea dos jinja
oferecer algo aos kami fortalece a ligaccedilatildeo do kami ao indiviacuteduo
11 Shintō e kami perceccedilotildees japonesas do lsquosagradorsquo e do lsquodivinorsquo
Contudo ateacute hoje natildeo se conhece um fundador ou extensiva doutrina que explicite
um credo ou sistema de crenccedila de shintō ndash apesar de shintō setorial possuir fundadores
individuais cujos textos transmitidos aos seguidores funcionam como lsquoensinamentosrsquo 18
ndash
demarcado pelo seu caraacutecter ritual e veneraccedilatildeo de seres de natureza indefinida denominados
kami em espaccedilos designados jinja nos quais se pode vislumbrar o domiacutenio do ldquosagradordquo
segundo Mircea Eliade ldquoo homem das sociedades arcaicas tende a viver tanto quanto possiacutevel
no sagrado ou em proximidade a objetos consagradosrdquo 19
no caso japonecircs este ldquosagradordquo
tambeacutem pode ser equiparado com a proacutepria natureza antes de existirem jinja propriamente
ditos espaccedilos abertos eram usados para realizaccedilatildeo de cerimoacutenias sazonais nas quais o kami se
manifestaria temporariamente 20
Estamos pois perante um plano de realidade associado a
sentimentos de admiraccedilatildeo pelo fantaacutestico e misterioso florestas rios pedras montanhas tudo
17
KURODA Toshio ldquoShinto in the History of Japanese Religionrdquo Journal of Japanese Studies nordm 7 (1) 1981
pp 1-21
18 PICKEN Stuart Essentials of Shinto opcit p 212
19 ELIADE Mircea The Sacred and the Profane the nature of religion Traduzido do Francecircs por William
Trask NY Harvest Harcourt Brace amp World Inc 1961 pp 10-12 20
BREEN John TEEUWEN Mark A New History of Shinto Chicester Wiley-Blackwell 2010 pp 25-26
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podia ser kami ndash entendido no sentido de lsquosagradorsquo se as pessoas o identificassem como tal
conferindo um significado especial
Em japonecircs lsquosagradorsquo eacute escrito de duas maneiras sei (聖 ) - sheng na leitura foneacutetica
chinesa (em chinecircs simplificado圣) - integra os vocaacutebulos seisho (聖書) - a Biacuteblia - seichi
(聖地) terrenoTerra Santa seibō (聖母) eacute a Matildee Santa (Virgem Maria) seija (聖者) eacute o
homem santo (Cristianismo) seisen聖戦 (Guerra Santa) e assim sucessivamente Como se
pode constatar as palavras mencionadas natildeo tecircm nada a ver com shintō e denotam o sagrado
tal como eacute visualizado pela cultura ocidental
Jaacute o segundo termo shinjin (神) lido agrave maneira japonesa como kami mi kan ka ou
hi 21
fortalece a ideia lsquosagrado = kamishintōrsquo qualquer palavra que comece ou que acabe
neste caractere geralmente pertence ao mundo shintō jinja (神社) moradas permanentes dos
kami que desde 1945 dependem financeiramente do puacuteblico natildeo do Estado 22
kagura (神楽)
a danccedila tradicional japonesa (shintō de santuaacuterios) 23
amatsu-no-kami (天つ神) e kunitsu-no-
kami (国つ神) cuja entronizaccedilatildeo nos jinja originou o sistema de classificaccedilatildeo jingi (神祇) ldquoo
conceito central em torno do qual a corte organizava o seu poder sacerdotalrdquo 24
Numa perspetiva etimoloacutegica os caracteres natildeo podiam ser mais diferentes sei (聖)
decompotildee-se em trecircs partes ou seja lsquoorelharsquo (耳) lsquobocarsquo (口) e por um ideograma que
supostamente representaria uma pessoa endireitada indicando um indiviacuteduo que possui a
habilidade de ldquoouvirrdquo uma ldquovontade divinardquo isto eacute algueacutem com grande niacutevel de
conhecimento e cultura e dotado de uma ldquovirtuderdquo ideia muito visiacutevel no pensamento
confuciano Aliaacutes se lido como sei o kanji corresponde a um atributo humano conotado com
boas intenccedilotildees e nunca malignas Jaacute na sua leitura como hijiri [聖] eacute um vocaacutebulo respeitoso
aplicado exclusivamente ao proacuteprio Imperador 25
Por outro lado o kanji usado para escrever kami eacute a forma lsquosimplificadarsquo do
caractere arcaico [神 ] presente em jingi (神祇 ) agrave semelhanccedila do caractere usado para
21
A leitura de [神] como hi verifica-se em himorogi (神籬) o espaccedilo aberto delimitado por uma corda e no qual
se pode preceder agrave veneraccedilatildeo do kami Posteriormente o papel dos himorogi eacute substituiacutedo pelos jinja Cf
PICKEN Stuart op cit p 127 22
BREEN John TEEUWEN Mark op cit p 2 23
NISHIGAKI Yukio Nihongo no Gogen jiten (日本語の語源辞典) Tokyo Bungeisha 2005 p189 24
BREEN John TEEUWEN Mark op cit pp 25-26 25
Uma vez que as possiacuteveis interpretaccedilotildees do caratere [聖] prendem-se com a questatildeo da natureza humana e do
comportamento ldquocorretordquo eacute possiacutevel concluir que se surgir isoladamente sei tem algumas implicaccedilotildees eacuteticas
Dejitaru Daijisen ldquo聖 (せい )rdquo コトバンク (on line) lthttpskotobankjpwordE88196-85468gt
(consultado em 24-06-2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 21
escrever a palavra lsquoritorsquo (li 禮 escrito atualmente em japonecircs como rei 礼) o kanji partilha da
mesma raiz o kanji [示] do qual deriva o verbo shimesu ou lsquoindicarrsquo servindo de raiz a
palavras relevantes dentro do contexto cerimonial ndash oraccedilatildeo (inori祈り) celebraccedilatildeo (iwai 祝
い) antepassado (sosen祖先) ndash e termos da linguagem comum como lsquofalta de educaccedilatildeosem-
maneirasrsquo (shitsureiburei失礼 無礼) jaacute o segundo kanji eacute o mesmo usado para lsquoproferirrsquo ou
mousu (申す)
Aliaacutes de acordo com Fujita Tomio um dos contribuidores para o Nippon
Daihyakkazensho (日本大百科全書) publicado em 1984 shin [神] expressaria o ldquoaltarrdquo [示]
ao qual se juntava a forma pictograacutefica de um relacircmpago (申) possivelmente devido ao facto
de o primeiro kanji usado para a palavra lsquorelacircmpagorsquo (denkō 電光) ter na sua ldquoextremidaderdquo o
caractere [申] No entanto devido agrave escolha do kanji [神] para indicar kami comeccedilou-se a
considerar a hipoacutetese de este ter um significado natildeo muito diferente de shangdi (em japonecircs
jōtei 上帝) indicando a suprema entidade natildeo material reconhecida pelo pensamento chinecircs
arcaico 26
Nos dias de hoje kami continua a ser analisado por parte de estudiosos japoneses e
natildeo-japoneses Aike Rots aponta a fluidez do conceito de kami descrevendo-o como ldquouma
forccedila omnipotente singular bem como muacuteltiplos seres espirituais pode referir-se a criaturas
antropomoacuterficas ou zoomoacuterficas fenoacutemenos naturais poderes abstratos ou antepassados
deificadosrdquo 27
Contudo a interpretaccedilatildeo mais aceite foca-se na ideia lsquokami=qualidadersquo algo
natildeo algo tangiacutevel que se assemelha a um atributo digno de admiraccedilatildeo que se pode manifestar
e encontrar na ldquonatureza claro mas tambeacutem humanos animais criaturas miacuteticas deuses e
ainda objetos feitos pelo homem tais como automoacuteveis ou comboiosrdquo 28
Por sua vez esta definiccedilatildeo parece ecoar a de Motoori Norinaga (本居宣長 1730-
1801) ceacutelebre pensador da escola do Ensino Nacional (kokugaku 國學) e comentador de
textos centrais a shintō bem como autor de exposiccedilotildees acerca das praacuteticas desta Via kami satildeo
26
FUJITA Tomio ldquo 神の語義 rdquo コトバンク (on line) lthttpskotobankjpwordE7A59E-
46603E5A4A7E8BE9EE69E9720E7ACACE4B889E78988gt (consultado em 24-06-2018) 27
ROTS Aike Forests of the Gods Shinto nature and sacred space in contemporary Japan Dissertation
submitted to the Department of Culture Studies and Oriental Languages of University of Oslo in partial
fulfilment of the requirements for the degree of Doctor of Philosophy supervised by Prof Dr Mark Teeuwen
and Prof Dr Terje Stordalen 2013 28
SHIELDS James ldquoBeyond Belief Japanese Approaches to the Meaning of Religionrdquo Studies in Religion
Sciences religieuses nordm 39 (2) 2010 pp 133-149
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 22
ldquoos seres divinos do ceacuteu e da terra que aparecem nos textos antigos e tambeacutem os espiacuteritos
consagrados que satildeo reverenciados nos jinja da naccedilatildeordquo seres animados e inanimados Em
suma ldquoqualquer forma de ser que possua alguma qualidade uacutenica e eminente e eacute inspiradora
de admiraccedilatildeo pode ser considerada kamirdquo independentemente de a sua natureza ser ldquoboamaacuterdquo
29 o facto de serem kami coloca-os acima das convenccedilotildees definidas pelos homens
No que concerne agrave classificaccedilatildeo dos kami esta nunca eacute consensual na sua
dissertaccedilatildeo sobre a religiatildeo no territoacuterio japonecircs Shannon Symonds divide os kami de acordo
com a sua aacuterea geograacutefica de veneraccedilatildeo distinguindo os kami locais cultuados nos matsuri -
festivais baseados em tradiccedilotildees ancestrais que ldquofrequentemente tecircm as suas raiacutezes em antigos
rituais agriacutecolas de agradecimentordquo pela proteccedilatildeo - dos kami nacionais celebrados em ritos e
cerimoacutenias definidas por todos os que acreditam em shintō 30
Em contrapartida Hara Kazuya considera as origens do kami admitindo a existecircncia
de kami da natureza e kami humanos o primeiro grupo diz respeito a kami ligados a uma
atividade ou ocupaccedilatildeo profissional (agricultura pesca comeacutercio) os kami que influenciam os
elementos da natureza (montanhas aacutegua florestas) 31
e os kami do Kojiki (古事記) e Nihon
shoki (日本書紀) as obras de base para a compreensatildeo da mitologia e cosmologia japonesas
32 o segundo grupo reuacutene certos indiviacuteduos extraordinaacuterios em vida que postumamente
adquiriram o estatuto de kami geralmente liacutederes importantes para a histoacuteria do Japatildeo ndash
Imperador Meiji (明治天皇) Tokugawa Ieyasu primeiro xogum da casa Tokugawa que
governou o Japatildeo durante o Periacuteodo Edo (1603-1868) ndash os soldados mortos em combate
(Yasukuni jinja 靖国神社 ) ou ainda personalidades do periacuteodo Heian (794-1185)
nomeadamente Sugawara-no-Michizane (菅原道真 ca845-903) postumamente apelidado de
Tenjin (天神) o kami do ensino 31
29
PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto Selected Documents Resources in Asian Philosophy and Religion
Westport Greenwood Publishing Group 2004 pp 200-201 30
SYMONDS Reeds Shannon A History of Japanese Religion From Ancient Times to Present Thesis
submitted to the Department of History of the State University of New York College for partial fulfillment of the
requirements for the degree of Master of Arts supervised by Prof Dr Jennifer Lloyd and Prof Dr John
Killigrew 2005
31 HARA Kazuya Aspects of Shinto in Japanese Communication Comunicaccedilatildeo apresentada na conferecircncia
ldquoIntercultural Communication Studies XII Asian Approaches to Human Communicationrdquo (Chiba Abril de
2003) 32
Picken observa que a compilaccedilatildeo destes textos reflete um maior niacutevel de organizaccedilatildeo dentro da tradiccedilatildeo shintō
tal como ela era vista por uma minoria da populaccedilatildeo eacute inevitaacutevel a mistura de ldquoreligiatildeordquo e poliacutetica Cf PICKEN
Stuart Sourcebook in Shinto op cit p 4
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 23
Por uacuteltimo Matsumura Kazuo sugere uma divisatildeo natildeo muito diferente da de Kazuya
agrupando kami consoante a relaccedilatildeo deste com o mundo natural (kami da natureza) ou com o
homem (kami culturais) no primeiro caso salientam-se aos kami que ldquorepresentam o
reconhecimento de caracteriacutesticas supranormais ou poderes em objetos naturais ou
fenoacutemenosrdquo o segundo grupo reconhece por sua vez a existecircncia de kami da comunidade
kami do nascimento de pragas de uniatildeo (matrimonial) da morte kami do lar do indiviacuteduo
(fogatildeo poccedilo estaacutebulo armazeacutem) e por uacuteltimo os kami humanos Por outras palavras
indiviacuteduos em vida reverenciados como kami ndash ldquopraticantes religiosos e miko que se
envolvem em curas de feacute e pronuacutencia de oraacuteculos (hellip) rdquo ndash e antepassados ou ldquoespiacuteritos
vingativosrdquo de indiviacuteduos 33
Todas as propostas satildeo vaacutelidas quando se estuda um termo de etimologia indefinida
como kami para alguns kami (神) localizavam-se num patamar superior de existecircncia por
partilharem da mesma foneacutetica de kami (上) isto eacute ldquoalto superiorrdquo 28
o que se pode aplicar
aos amatsu-no-kami e os trecircs koto amatsu-no-kami Ame-no-minaka-nushi-no-kami (天御中
主神) Taka-musubi-no-kami (高皇産霊神) e Kami-musubi-no-kami (神皇産霊神) ndash que se
ldquotornamrdquo no Takamagahara espontaneamente e escondem-se logo a seguir 34
No entanto os
seus congeacuteneres terrenos como Sarutahiko Ōkami (猿田毘古大神) natildeo se encontram num
patamar ldquosuperiorrdquo per si partilhando com os humanos a Terra como local de residecircncia 35
Como se pode constatar o caractere kami (神) tende a surgir no final do nome reforccedilando a
ideia de kami como tiacutetulo honoriacutefico tal como mikoto (命尊) 36
33
MATSUMURA Kazuo ldquoDefinitions and Typologyrdquo Encyclopedia of Shinto 2 Kami (Deities) Concepts of
Kami (on line) lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=22498gt
(consultado em 24-06-2018) 34
Em japonecircs lsquotornar-sersquo corresponde ao verbo naru (成る ) denotando algo que efetivamente natildeo foi
absolutamente criado mas que jaacute existia embora natildeo de forma fiacutesica Jaacute na passagem que refere o lsquoocultamentorsquo
o verbo usado eacute kakusu (隠す) traduzido por lsquoocultar-sersquo o kanji [産] usado para o verbo lsquonascerrsquo estaacute sempre
ausente no Kojiki ateacute agraves passagens de kuni-umi e kami-umi Em suma estes kami natildeo satildeo lsquocriadosrsquo per si mas
tornam-se visiacuteveis para o mundo TAKEDA Tsunegaki Gendaigo no Kojiki (現代語古事記) Tokyo Gakken
Publishing 2011 pp 16-17
35 Picken Stuart Essentials of Shinto op cit pp95-96
36 Kokugakuin University Institute for Japanese Culture and Classics Index of Kami (on line) lthttpk-
amckokugakuinacjpDMpdfPreviewEOS+Index+of+Kamipdfgt (consultado em 24-06-2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 24
111 O papel de kami na cosmologia japonesa do processo de ldquodivisatildeordquo da
realidade agrave criaccedilatildeo da mesma
De entre as fontes que servem de base para o estudo de shintō nomeiam-se o Kojiki
(ca 712) Nihon shoki (ca 720) ShokuZoku Nihongi (続日本紀 ca 797) o Jingiryō (神祇令
ca701) o Kōtai Jingū Gishiki-chō ( 皇太神宮儀式帳) e Toyoke-gu Gishiki-chō (止由気宮儀
式帳) Kogo Shūi (古語拾遺) e o Engishiki (延喜式 ca 927) 37
Satildeo com efeito textos de
caraacutecter oficial respeitados por uma corte que colocava shintō em segundo plano
principalmente apoacutes o budismo ter adquirido um estatuto de ldquofavoritordquo por parte de Shōtoku
Taishi (聖徳太子 ca 604) notoacuterio apoiante da introduccedilatildeo de ideias de fora incluindo eacutetica
confuciana 38
Neste sentido pode-se afirmar o facto de shintō subsistir no territoacuterio japonecircs
como um conjunto de praacuteticas consagradas aos kami propriamente venerados nos jinja
Tanto no Kojiki como no Nihon shoki kami cometem erros satildeo violentos
caprichosos generosos ambiciosos tornando-se quer heroacuteis ou vilotildees nos mitos
efetivamente aproximando-os da natureza do ser humano ambos relatos parecem humanizar e
personificar os kami Participando passivamente ou ativamente no processo da criaccedilatildeo do
mundo estas formas de existecircncia e consciecircncia satildeo anteriores ao homem
Aleacutem de manifestarem uma personalidade proacutepria kami possuem uma identidade ou
seja um nome um geacutenero observando-se uma diferenccedila entre as primeiras duas geraccedilotildees de
kami e as restantes por exemplo no Kojiki a necessidade de especificar o sexo dos kami ndash
um termo de natureza neutra cujo plural eacute designado de kamigami (神々) ndash soacute se justifica a
partir do surgimento de uma ldquosegunda geraccedilatildeordquo de kami per si nunca se usando a dicotomia
moderna ogamimegami (男神 女神 ) viaacutevel no contexto de religiotildees politeiacutestas que
reconhecem a existecircncia de ldquodeusesrdquo e ldquodeusasrdquo respetivamente Com efeito nas fontes
japonesas kami eacute identificado como ldquomasculinordquo ou ldquofemininordquo atraveacutes da anaacutelise do seu
nome caso o kami possui uma terminaccedilatildeo foneacutetica lida como hiko (por ex 毘子毘古 日子)
eacute masculino em contrapartida hime (por ex 毘売比売姫) denota um kami do sexo oposto
Deste modo apenas os lsquonatildeo-hitorigamirsquo possuem um geacutenero masculino ou feminino
a segunda geraccedilatildeo de kami agrave qual pertence o casal Izanagi-no-kami (伊邪那岐神) e Izanami-
37
PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit p 17 pp 21-26 p 30 38
SYMONDS Reeds Shannon A History of Japanese Religion From Ancient Times to Present Thesis
submitted to the Department of History of the State University of New York College for partial fulfillment of the
requirements for the degree of Master of Arts supervised by Prof Dr Jennifer Lloyd and Prof Dr John
Killigrew 2005
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
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no-kami (伊邪那美神) ndash futuros progenitores da terceira geraccedilatildeo de kami criada em meio
terrestre ndash eacute composta por casais de irmatildeos e irmatildes 39
que com a exceccedilatildeo de Izanagi e
Izanami natildeo se envolvem no processo de criaccedilatildeo tornando-se conselheiros do casal Ao
receberem ordens de descer de Takamagahara Izanagi e Izanami datildeo iniacutecio ao processo da
criaccedilatildeo das ilhas do arquipeacutelago (kuni-umi 国生み) posteriormente criando kami (kami-umi
神生み) 40
Apesar de datarem do mesmo periacuteodo as obras possuem algumas diferenccedilas entre si
nomeadamente o seu estilo e linguagem de escrita bem como o seu conteuacutedo as histoacuterias do
Kojiki encontram-se recheadas de motivos mitoloacutegicos e cerimoacutenias que procuram explicar as
origens do povo japonecircs do arquipeacutelago e o ldquoque eacute conhecido como a era dos kamirdquo 41
Jaacute o
Nihon shoki modelado agrave maneira das croacutenicas chinesas apresenta uma dataccedilatildeo diligente das
entradas dos seus relatos e por vezes vaacuterias versotildees dos mesmos 42
Se a realidade do Kojiki tem iniacutecio num tempo de ldquoseparaccedilatildeo entre o ceacuteu e a terrardquo no
qual se manifestam os koto amatsukami ndash Ame-no-minaka-nushi (a possiacutevel corporizaccedilatildeo do
proacuteprio cosmos) 40
Taka-musubi-no-kami e Kami-musubi-no-kami ndash interpretados como
ldquoprinciacutepiosrdquo da atividade criativa e da criaccedilatildeo todos carecendo de atributos humanos ndash numa
dos relatos do Nihon shoki eacute mencionado um periacuteodo incerto antes da ldquoseparaccedilatildeo entre o ceacuteu
e a terrardquo e da divisatildeo de in e yō isto eacute o princiacutepio yin e yang (em japonecircs on-myō 陰陽)
forma-se assim uma ldquomassa caoacutetica como que um ovo (hellip) de limites definidosrdquo
posteriormente dividido entre um elemento mais ldquopurordquo (o Ceacuteu) e um elemento mais
ldquoconsistenterdquo (a Terra) Do seu meio nasce uma coisa que lembra um rebento de junco e que
adota uma forma mais fixa surge ldquoespontaneamenterdquo Kuni-toko-tachi-no-mikoto (國常立尊)
Logo a seguir surgem kami masculinos ldquogerados por operaccedilatildeo do princiacutepio do Ceacuteurdquo bem
como os seus congeacuteneres femininos formados pela muacutetua accedilatildeo do princiacutepio da Terra 43
No que concerne agrave criaccedilatildeo do mundo terrestre o Kojiki delega este papel a Izanagi e
Izanami que se estabelecem na ilha Ōyashima (大八島) originando a terceira geraccedilatildeo de
kami que nascem aos pares ou de forma individual associando-se a um elemento do mundo
natural (montanhas aacutervores mares sol e pedras espuma correntes cereais vento) ou
39
TAKEDA Tsunegaki op cit pp 16-17 40
Nesta passagem a palavra ldquocriaccedilatildeordquo corresponde agrave accedilatildeo de gerar algo De acordo com a traduccedilatildeo de Takeda o
verbo que expressa tal eacute ldquoumi ni narimasurdquo (産みになります) TAKEDA Tsunegaki op cit pp 19-23 41
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit p 54 42
BREEN John TEEUWEN Mark op cit pp 29-30 43
PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit pp 6-8
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 26
humano (embarcaccedilotildees) 44
Eacute no momento do nascimento do kami do fogo (Hi-no-kagutsuchi-
no-kami火迦具土神) que se introduz a natureza natildeo imortal de Izanami que ainda consegue
gerar alguns kami antes de morrer das feridas 45
Apoacutes a sua morte Izanami toma residecircncia permanente no submundo Yomu-no-
kuniYomi-no-kuni (黄泉の国) levando Izanagi a desesperadamente tentar trazecirc-la de volta
ao mundo da superfiacutecie ecoando o mito de Orfeu e Euriacutedice notando-se ainda algumas
semelhanccedilas com a mitologia de Perseacutefone que privada de regressar ao mundo humano por
ter consumido algo daquele lugar torna-se a esposa de Hades e partilha com ele a
responsabilidade de governaccedilatildeo dos Infernos Izanami (que tambeacutem admite ter comido algo
do Yomu-no-kuni formalizando a sua nova identidade como uma habitante do Yomi) torna-se
a uacutenica governante do submundo cortando laccedilos definitivos com o seu esposo se Izanagi
escolhe o caminho da criaccedilatildeo da humanidade Izanami confere a esta espeacutecie a mortalidade
explica-se o porquecirc da vida e da morte 46
112 Depois da criaccedilatildeo kami como agentes da Ordem e da Desordem
Ora a introduccedilatildeo do mundo inferior no Kojiki e no Nihon shoki completa uma das
visotildees shintō do mundo descritas por Hara como ldquoverticalrdquo e ldquotridimensionalrdquo
Takamagahara pertencia ao ldquoplano superiorrdquo onde habitavam os kami o Nakatsu-kuni (中つ
の国 ) seria a ldquodimensatildeo do meiordquo a morada dos seres humanos o Yomi-no-kuni 46
corresponderia ao ldquoplano inferiorrdquo conceito presente em outras religiotildees cujas mitologias de
criaccedilatildeo mencionam um elemento liacutequido (oceano) e um elemento soacutelido (terra) que esconde
um outro ldquomundordquo abaixo da superfiacutecie por exemplo em contexto grego o submundo Hades
(natildeo o deus mas o local em si) pode ser equiparado ao Yomi-no-kuni
Por outro lado Hara refere-se a uma segunda visatildeo ldquohorizontalrdquo do cosmos dividido
a meias entre o Toko-yo (常世) o ldquomundo onde os espiacuteritos purificados dos mortos residemrdquo
e o ldquomundo da humanidaderdquo 46
o que nos remete para a barreira entre o ldquoinvisiacutevelrdquo e o
ldquovisiacutevelrdquo Na terminologia do Kojiki se Izanami eacute a senhora do Yomi Izanagi eacute responsaacutevel
44
TAKEDA Tsunegaki op cit pp 25-29 45
TAKEDA Tsunegaki op cit pp30-36 46
HARA Kazuya Aspects of Shinto in Japanese Communication Comunicaccedilatildeo apresentada na conferecircncia
ldquoIntercultural Communication Studies XII Asian Approaches to Human Communicationrdquo (Chiba Abril de
2003)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 27
pelo ldquomundo da humanidaderdquo (utsushi-yo (現世) 47
palavra composta pelo kanji de lsquorealrsquo - no
sentido de lsquovisiacutevelrsquo - e lsquorealidademundorsquo Tudo que esteja para laacute do visiacutevel pertence a ldquooutra
realidaderdquo
Todavia a existecircncia de ldquobarreirasrdquo entre mundos (aacutervores no caso de se desejar
aceder ao ldquoplano superiorrdquo ldquocelesterdquo ou poccedilos e cavernas se pretender visitar os niacuteveis
inferiores da terra) natildeo exclui a hipoacutetese de interaccedilatildeo de humanos com os kami e ldquoespiacuteritosrdquo
que natildeo pertencem ao nosso mundo do mesmo modo que os ldquoseres humanos podem visitar os
outros mundosrdquo habitantes natildeo humanos podem surgir temporariamente na nossa realidade
permitindo a cultivaccedilatildeo da relaccedilatildeo dos humanos com o ldquopara laacute de humanordquo 48
No Nihon shoki aplica-se um modelo tripartido da realidade Ceacuteu Terra e ldquomundo
subterracircneordquo ou Oceano Amaterasu eacute uma ldquocrianccedila estrondosa que devia de nosso acordo ser
enviada de imediato para o Ceacuteu e confiar-lhe os assuntos do Ceacuteurdquo uma responsabilidade
partilhada com o kami da Lua Tsukiyomi-no-mikoto ldquoo Deus que devia ser o consorte da
Deusa do Solrdquo devendo-se ter em consideraccedilatildeo o uso dos termos duacutebios ldquodeusesrdquo e ldquodeusasrdquo
como uma tentativa de aproximar a realidade mitoloacutegica japonesa ao entendimento do puacuteblico
ldquoocidentalrdquo por parte de Aston Autor desta traduccedilatildeo do Nihon shoki publicado sob o nome
de Nihongi Chronicles of Japan from the Earliest Times to AD697 (1972) Aston diz que a
Terra eacute o domiacutenio do ldquomeiordquo e refere-se ao arquipeacutelago do Japatildeo formalmente conhecido
como ldquoToyo-ashi-hara-chi-woaki no midzu-hordquo que numa versatildeo da ldquohistoacuteriardquo acerca das
origens dos trecircs irmatildeos kami (Amaterasu Tsukiyomi e Susano-o) pertenceria a Susano-o-no-
mikoto Kami de temperamento feroz e personalidade cruel Susano-o provoca Desordem ao
negligenciar a terra e as suas populaccedilotildees Exilado no Ne-no-kuni por ordem de Izanagi e
Izanami Susano-o torna-se o governante daquele mundo 49
O segundo relato da divisatildeo dos trecircs ldquomundosrdquo pelo trio de irmatildeos - cujo nascimento
eacute possivelmente inspirado na narrativa do Kojiki que descreve a fuga de Izanagi do Yomi-no-
kuni Amaterasu nasce apoacutes este lavar o olho esquerdo sendo-lhe entregue Takamagahara a
ldquoPlaniacutecie Elevada do Ceacuteurdquo Tsukiyomi nasce do olho direito e recebe o vasto domiacutenio do
oceano Por fim Susano-o nasce do nariz de Izanagi e apesar de herdar o domiacutenio do meio
(Terra) acaba por ser banido para o ldquomundo inferiorrdquo como puniccedilatildeo pela sua negligecircncia 50
47
TAKEDA Tsunegaki op cit pp30-36 48
MATSUMURA Kazuo ldquoView of the other world (takaikan)rdquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and
Doctrines Basic Concepts (on line) lthttpk-
amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23640gt (consultado em 24-06-2018) 49
PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit pp 9-12 50
TAKEDA Tsunegaki op cit pp30-36
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 28
Com efeito o domiacutenio subterracircneo estaacute sempre presente nas narrativas do Kojiki e
Nihon shoki recebendo um papel de destaque ou secundaacuterio o que por sua vez natildeo implica a
sua ausecircncia em outras fontes numerosas referecircncias a ldquomundosrdquo incompreensiacuteveis e para laacute
da realidade fiacutesica diversificam a visatildeo japonesa de um ldquooutro mundordquo (takaikan 他界観)
geralmente considerado como um ldquooutro mundordquo longiacutenquo ldquooceacircnicordquo feacutertil e uma terra de
imortalidade observando-se um paralelo com o conceito taoiacutesta de uma Terra dos Imortais (a
ilha de Peng-lai ou Hōrai-jima em japonecircs 蓬莱島) a Terra das Raiacutezes (Ne-no-kuni 根国)
pode ser ldquovisitadardquo atraveacutes de uma caverna supostamente localizada em Iga proviacutencia de
Izumo atual prefeitura de Shimane e eacute governada por Susano-o-no-mikoto 51
O reconhecimento de uma divisatildeo tripartida do mundo repercute-se no Kojiki ateacute
um certo momento Izanagi e Izanami detinham domiacutenio conjunto sobre a Terra um ldquomundordquo
modelado pelas suas proacuteprias accedilotildees enquanto ldquocriadoresrdquo de kuni e kami Takamagahara
pertencia aos amatsu-no-kami o Yomi-no-kuni natildeo pertencia a ningueacutem em concreto embora
jaacute fosse um mundo habitaacutevel per si Com a dissoluccedilatildeo do matrimoacutenio de Izanagi e Izanami a
situaccedilatildeo muda por completo eacute necessaacuterio criar novos liacutederes capazes de garantir o equiliacutebrio
entre os mundos da superfiacutecie uma vez que Izanami (esteacuteril) eacute agora a uacutenica governante do
Yomi Em suma pretende-se uma nova geraccedilatildeo para uma nova ordem tornando Izanagi no
ldquoprogenitorrdquo de um conjunto de kami Natildeo existindo qualquer ato sexual propriamente dito os
kami ldquotornam-serdquo como consequecircncia direta dos seus atos de purificaccedilatildeo (misogi)
Neste sentido agrave medida que Izanagi se despe para lavar o seu corpo da ldquosujidaderdquo
(kegare穢) do Yomi-no-kuni surgem vaacuterios kami dos seus acessoacuterios (cana obi isto eacute a peccedila
de tecido usada em torno da cintura que prende a veste tradicional japonesa) a sua espada e
roupa bem como de alguns kami que se ldquotornamrdquo em simultacircneo com a lavagem do corpo
numa nascente Por fim manifesta-se o trio de irmatildeos que herdaria uma das trecircs partes do
mundo tal como ordenado por Izanagi a Amaterasu de aparecircncia resplandecente capaz de
iluminar os ceacuteus recebe Takamagahara uma posiccedilatildeo legitimada por Izanagi que lhe oferece
um acessoacuterio para pendurar ao pescoccedilo o seu irmatildeo Tsukuyomi-no-mikoto (月読の命) e kami
da Lua eacute adequadamente encarregue do yoru no osu kuni (夜之食国) - entendido por Takeda
como yoru no sekai literalmente o ldquomundo da noiterdquo Susano-o-no-mikoto (須佐之男命) e
kami das tempestades (arashi no kami 嵐の神) manifestando uma personalidade tempestuosa
51
MATSUMURA Kazuo ldquoView of the other world (takaikan)rdquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and
Doctrines Basic Concepts (on line) lthttpk-
amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23640gt (consultado em 24-06-2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 29
e conflituosa recebe a tarefa de governar a lsquoplaniacutecie dos maresrsquo (unabara 海原) expressatildeo
que designa um domiacutenio terreno (kuni) e natildeo algo pertencente ao mundo marinho (tal como eacute
sugerido pelo kanji de umi ou ldquomarrdquo) 52
De entre os trecircs mencionados kami Susano-o eacute notoriamente o mais invejoso
procurando humilhar a sua irmatilde ao ponto de esta se refugiar numa caverna a ldquoPedra-caverna
do Ceacuteurdquo (Ama no Iwato (天の岩戸) Consequentemente ldquotoda a Alta Planiacutecie do Ceacuteu tornou-
se escura e toda a Terra Central das Planiacutecies de Junco estava escura tambeacutem Por causa disto
noite eterna reinavardquo 53
Em outras palavras a ausecircncia de Amaterasu estaacute conotada com um
estado de Desordem do proacuteprio cosmos um caos que necessita de regressar ao seu estado de
Ordem o quanto antes sendo que Susano-o eacute o agente da Desordem e a sua irmatilde a agente da
Ordem traccedilada por Izanagi
Amaterasu soacute retoma as suas responsabilidades de guardiatilde de Takamagahara e por
associaccedilatildeo da ldquoTerra Central das Planiacutecies de Juncordquo devido ao esforccedilo conjunto das ldquooito
miriacuteades de kami reunidas na margem do Paciacutefico Rio do Ceacuteu numa reuniatildeo divinardquo o
episoacutedio em si eacute uma histoacuteria de elevado cariz sexual protagonizada por Amaterasu tem como
antagonista Susano-o e inclui alguns kami que apesar de serem personagens secundaacuterias satildeo
essenciais para a devoluccedilatildeo do mundo ao seu estado de Ordem cada kami tenta fazer com que
Amaterasu saia do esconderijo convocando-se outros kami para o efeito Cabe a Ame-no-
uzume-no-mikoto (天宇受売命) a uacuteltima tentativa executando uma danccedila muito provocante
durante um ldquoestado alterado de consciecircnciardquo e como resultado todos os kami riem-se A
curiosa Amaterasu interroga-se sobre o porquecirc desta comoccedilatildeo e eacute atraiacuteda para fora da caverna
ficando temporariamente cega ao ver o seu proacuteprio reflexo num espelho permitindo aos kami
selarem definitivamente a Ama no Iwato trazendo a luz de volta ao mundo e com ela a
Ordem 54
O episoacutedio tambeacutem constitui uma das referecircncias mais antigas e descritivas de rituais
executados em shintō o elemento da danccedila de entretenimento (kagura) eacute uma das partes
integrais da cerimoacutenia de dedicaccedilatildeo aos kami nos santuaacuterios e neste mito em particular possui
claramente uma intenccedilatildeo de reordenaccedilatildeo Ame-no-uzume-mo-mikoto pode ser interpretada
como um protoacutetipo de uma miko (巫女) embora ecoando uma imagem provocante (a danccedila e
52
TAKEDA Tsunegaki op cit pp38-41 53
BREEN John TEEUWEN Mark op cit pp 129-130 54
TAKEDA Tsunegaki op cit pp 50-52
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 30
a o vestuaacuterio) diferente da imagem tiacutepica de uma miko Ono Sokyō descreve-as como
ldquofuncionaacuterias puacuteblicasrdquo e filhas de sacerdotes ou locais residentes cujos deveres para com o
jinja findam quando se casam sendo substituiacutedas por outras A sua funccedilatildeo prende-se com o
ldquoritualrdquo auxiliando os responsaacuteveis pelos jinja na preparaccedilatildeo das cerimoacutenias 55
Natildeo obstante a kami atua como representante da classe Sarume (猿女) uma das
primeiras quatro classes sacerdotais geralmente composta por danccedilarinos e cuja linhagem
remontaria a Ame-no-uzume-no-mikoto esposa de Sarutahiko-no-kami o kami associado agrave
fertilidade e ao ato sexual Por sua vez se os Nakatomi (中臣) retraccedilam as suas origens a
Ame-no-koyane-no-mikoto (天児屋命) 56
realizavam ritos e entoavam norito os Inbe (斎部)
encarregavam-se dos rituais de abstenccedilatildeo garantindo uma ldquopureza cerimonial a fim de afastar
poluiccedilatildeo e manter contacto constante com os kamirdquo 57
descendendo do kami responsaacutevel por
selar a Ama no Iwato (Futodama-no-mikoto 布刀玉命 ) 58
Quanto aos Urabe (卜部 )
responsabilizavam-se por ldquoadivinharrdquo da vontade dos kami 57
agrave semelhanccedila dos ldquoadivinhosrdquo
da dinastia chinesa Zhou que recorriam agrave leitura das fissuras das carapaccedilas de tartaruga e
omoplatas de gado depositadas no fogo
Aleacutem do elemento de danccedila o episoacutedio regista a presenccedila de oferendas (shinsen神
饌) praacutetica que corresponde atualmente agrave ldquosegunda faserdquo dos rituais (de Ordem) em shintō
no mito shinsen satildeo substituiacutedas por tamagushi (玉串) - ramos da aacutervore sakaki (榊) em
torno dos quais satildeo atadas as ldquojoacuteias curvasrdquo (magatama 勾玉) - e eacute claro o espelho por sua
vez interpretado por Takeda como o ceacutelebre Yata no kagami (八咫鏡) um dos trecircs siacutembolos
da casa imperial (sanshū no jingi 三種の神器) juntamente com a ldquojoacuteia curvardquo Yasakani no
magatama (八尺瓊曲玉)
O uacutenico siacutembolo ausente eacute a espada Kusanagi no KenTsurugi (草薙剣) que soacute surge
efetivamente no episoacutedio seguinte narrando-se o desterrar de Susano-o para a Terra apoacutes ter
sofrido derrota agraves matildeos da irmatilde que por sua vez se refugiaria temporariamente na Ama no
Iwato como jaacute mencionado anteriormente Susano-o negligenciava constantemente o seu
domiacutenio a sua maior ambiccedilatildeo era ocupar o trono de Amaterasu em Takamagahara
competindo sempre que podia com a irmatilde sendo que um dos seus desafios testava a
capacidade de reproduccedilatildeo enquanto kami-progenitores Uma vez que os filhos de Amaterasu
55
ONO Sokyō op cit pp 41-44 56
BREEN John TEEUWEN Mark op cit pp 133-136
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 31
nascem primeiro 57
confirma-se a posiccedilatildeo desta kami como governante uacutenica dos assuntos do
ldquodomiacutenio superiorrdquo
De orgulho ferido Susano-o lsquodescarregarsquo a sua raiva e eacute punido pelos seus atos
(neste contexto o uso da palavra tsumi [罪] especifica a natureza ofensiva das accedilotildees de
Susano-o) passando a servir os outros kami como forma de arrependimento cometendo um
uacuteltimo ato atroz mas invulgarmente necessaacuterio o kami mata a kami da comida Ōgetsuhime-
no-kami 58
(大気都比売神 tambeacutem identificada como Toyo-uke-hime-no-kami) e do seu
cadaacutever nascem os cinco cereais fundamentais para a atividade agriacutecola 59
Por outras
palavras a atitude violenta de Susano-o revela-se beneacutefica e natildeo prejudicial como em outros
episoacutedios tornando esta personagem uma espeacutecie de ldquomal necessaacuteriordquo
Em Izumo Susano-o adquire um estatuto equivalente ao de heroacutei o kami viaja pela
terra ateacute se deparar com um casal de kami cujas filhas tinham sido constantemente devoradas
por um terriacutevel ser de oito cabeccedilas (Yamata no Orochi八岐大蛇) Prometendo ajudar o casal
em troca da matildeo da uacuteltima filha Susano-o embriaga a serpente e decepa-lhe a cauda da qual
misteriosamente emerge a Kusanagi no tsurugi Desposando Kushi-na-ta-hime (櫛名田比売)
Susano-o fixa-se definitivamente em Izumo 60
Ora a derradeira meta de Susano-o eacute nada mais do que adquirir influecircncia
comparaacutevel agrave da sua irmatilde criando vaacuterias linhagens de kami (unindo-se em matrimoacutenio agraves
filhas de outros kami) cujas crianccedilas pudessem assumir a responsabilidade de ldquocriarrdquo novos
domiacutenios no arquipeacutelago japonecircs De entre os descendentes de Susano-o destacar-se-ia
Ōkuninushi-nushi-no-kami (大国主神) - literalmente ldquoo kami que governa os kunirdquo (kuni wo
shihaisuru kami国を支配する神) - Seguindo nas pisadas do casal Izanagi e Izanami e do
seu antepassado Susano-o Ōkuninushi empenhar-se-ia na ldquoconstruccedilatildeo da terrardquo 60
Por sua
vez Amaterasu e o seu consorte Taka-musubi-no-kami ldquodecidem estabelecer domiacutenio celesterdquo
57
TAKEDA Tsunegaki op cit pp45-47 58
AKEDA Tsunegaki op cit pp54-55 59
Curiosamente no episoacutedio de Tsukuyomi e Ukemochi (Nihon shoki) constata-se um grande paralelo com o
mito anterior Tsukuyomi mata Ukemochi-no-mikoto num acesso de raiva pela mesma razatildeo que Susano-o
Ukemochi tinha produzido comida pela boca efetivamente ldquosujando-ardquo (kegare) Como resultado Amaterasu
afasta-se definitivamente de Tsukuyomi dando iniacutecio agrave sucessatildeo dos dias e das noites Entretanto do cadaacutever da
kami brotam alimentos que seriam cultivados para consumo humano (gado arroz trigo etc) Nihonsinwa ldquo第
五段一書(十一)ウツシキアオヒトクサrdquo (Quinta secccedilatildeo 11 Utsushiki-aohitokusa) 日本書紀神代上
(Nihon shoki Kami-yo Parte Superior) (on line) lthttpnihonsinwacompage699htmlgt (consultado em 24-06-
2018) 60
TAKEDA Tsunegaki op cit pp55-60
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 32
sobre o Ashihara Nakatsu kuni (葦原中国) tornando o territoacuterio oficialmente pertenccedila dos
amatsu-no-kami 61
Duas geraccedilotildees mais tarde Ninigi (neto de Amaterasu e Taka-musubi) desceria ao
domiacutenio do meio e receberia de Amaterasu as sanshū jingi (espada espelho e magatama)
oficializando o novo regime de governaccedilatildeo honrado pelo seu bisneto o futuro primeiro
Imperador humano do Japatildeo que adotaria o nome de Jinmu (神武) no seguimento das suas
campanhas bem-sucedidas contra os descendentes dos kunitsu-no-kami na planiacutecie de Yamato
61 No fundo constata-se uma segunda interrupccedilatildeo da ordem do cosmos cuja reposiccedilatildeo por
Ninigi e Jinmu definiria a nova reparticcedilatildeo do mundo Takamagahara continuaria a ser
governado por Amaterasu representante por excelecircncia dos amatsu-no-kami sendo que o
ldquodomiacutenio do meiordquo permaneceria sob o controlo da famiacutelia imperial cuja linhagem
descenderia diretamente de Amaterasu natildeo do seu irmatildeo Susano-o
12 Shintō como processo interaccedilotildees com outras ideias vindas de fora
Natildeo obstante o episoacutedio da descida de Ninigi e o relato da vitoacuteria de Jinmu sobre os
seus inimigos fazem parte de uma cuidadosa estrateacutegia poliacutetica enraizada na proacutepria corte
reconhecendo-se o papel de Amaterasu (Kojiki) ou de Taka-musubi-no-kami (Nihon shoki) 62
no processo de legitimaccedilatildeo da soberania da famiacutelia imperial sobre o territoacuterio japonecircs Em
ambos casos o resultado eacute o mesmo contraria-se o sistema caracterizado por unidades
familiares que detinham domiacutenio sobre um ou mais territoacuterios emergindo uma nova ordem
poliacutetica sediada na planiacutecie do Yamato e cujo liacuteder adota o tiacutetulo de Imperador (tennō 天皇)
destacando-se de outros liacutederes familiares pelo seu interesse para com sistemas e ideias vindas
de fora tais como as Vias de Confuacutecio do Dao e do Buda
121 Via de Confuacutecio dinamizando a eacutetica japonesa
No primeiro caso a tradiccedilatildeo confuciana introduz-se na esfera da educaccedilatildeo de corte
tornando-se indispensaacutevel para a criaccedilatildeo de poesia (ao estilo chinecircs natildeo japonecircs) e uma
61
BREEN John TEEUWEN Mark op cit pp 29-30 62
BREEN John TEEUWEN Mark op cit pp 29-30
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 33
influecircncia nos comentaacuterios de capiacutetulos do Nihon shoki 63
De entre as vaacuterias escolas de
pensamento a de Zhu Xi tornar-se-ia extremamente popular dentro do sacerdoacutecio shintō
culminando na criaccedilatildeo de Suika shintō (垂加神道) por parte de Yamazaki Ansai (山崎 闇
斎 1612-1682) que enfatizava uma ldquoGrande Viardquo estabelecida por Amaterasu produzindo
um novo conceito de ldquoreverecircncia para o imperadorrdquo ligado com a noccedilatildeo de Japatildeo como a
ldquoterra dos kamirdquo 64
Durante o Periacuteodo Edo (1603-1868) a relaccedilatildeo entre confucionismo e shintō seria
levada a um outro patamar nascendo juka shintō (儒家神道) Fundamentando a teoria de que
estes dois sistemas eram um (shinju icchi神儒一致) 65
este tipo de shintō contribuiria para
criaccedilatildeo de outras vertentes natildeo tanto focadas na praacutetica de ritual mas antes na anaacutelise e
exposiccedilatildeo teoacuterica deste uacuteltimo e consequentemente a reinterpretaccedilatildeo de conceitos e ideias
shintō ao estilo confuciano por exemplo a linha de pensamento de Aizawa Seishizai (会沢
正志斎 1782-1863) atribui a Amaterasu qualidades como lealdade e piedade filial fazendo
de shintō uma ldquoVia Confucianardquo onde ldquoordem social construiacutea-se sobre lealdade e devoccedilatildeo
filial (hellip) para sempre envigorada pela atuaccedilatildeo exemplar do Imperador de atos rituais na
presenccedila da sua antepassada a deusa-solrdquo 66
Contudo a chegada de um periacuteodo moderno faz estender esta tradiccedilatildeo a outros
domiacutenios aleacutem de jinja shintō os setores confucianos de kyōha shintō (教派神道 )
denominados Shintō Shūseiha (神道修成派) e Shintō Taiseikyō (神道大成教) Tanto num
caso como no outro a linha de pensamento dos grupos eacute modelada pela vivecircncia do
ldquoorganizadorrdquo ou ldquofundadorrdquo por exemplo Nitta Kuniteru (新田 邦光 1829-1902) possuiacutea
uma visatildeo poliacutetica profundamente ldquolealistardquo focada na reverecircncia ao Imperador e na exclusatildeo
de ideias ldquoocidentaisrdquo que supostamente acelerassem o desenvolvimento do Japatildeo
Familiarizado com os claacutessicos confucianos e a Via do bushi (武士道) Nitta desenvolveria
com os seus companheiros uma mentalidade proacutepria que elevava shintō ao estatuto de uma
63
YAZAKI Hiroyuki ldquoShinto and Confucianismrdquo Encyclopedia of Shinto 1 General Introduction Religious
and Intellectual Influences on Shinto (on line) lthttpk-
amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23042gt (consultado em 24-06-2018) 64
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 311-312 65
YAZAKI Hiroyuki ldquoShinto and Confucianismrdquo Encyclopedia of Shinto 1 General Introduction Religious
and Intellectual Influences on Shinto (on line) lthttpk-
amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23042gt (consultado em 24-06-2018) 66
BREEN John TEEUWEN Mark op cit pp 29-30 p69
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 34
ldquoGrande Viardquo associada a obrigaccedilotildees morais patriotismo que deviam ser sempre praticados
pelos japoneses o que iria ao encontro das ideias do governo Meiji 67
Em 1876 o poder poliacutetico reconheceria Shūsei Kōsha (修成構社) ndash o grupo fundado
por Nitta ndash como um grupo independente nascendo oficialmente a Shintō Shūseiha uma
organizaccedilatildeo que possuiacutea dois grupos distintos de aderentes por um lado os estudantes de
Nitta do final do periacuteodo Edo por outro membros de outros grupos que se tinham juntado a
Shūseiha apoacutes a restauraccedilatildeo Meiji (1868) 68
No que concerne aos seus ensinamentos combinavam-se conceitos de shintō (kami)
com ldquoelementos da cosmologia de pensamento neo-confuciano e outras crenccedilas sincreacuteticasrdquo
notando-se a importacircncia do Nihon shoki e do Kojiki (de onde derivam os termos shū ndash shūri
修理 reparaccedilatildeo ndash e sei ndash de kōusei 構成 consolidaccedilatildeo) entre outros textos eacute no princiacutepio de
shūsei que ldquojaz a lei fundamental da evoluccedilatildeo do universo (hellip) o processo da humanidade e o
avanccedilar da sociedade se devem agrave operaccedilatildeo deste princiacutepio uacutenicordquo consolidado pela
observaccedilatildeo da ldquolei moral e os meios pelos quais os assuntos da famiacutelia e sociedade satildeo
administradosrdquo Enfatizando uma atitude de veneraccedilatildeo aos kami aos antepassados e eacute claro o
desenvolvimento de caraacutecter do individuo que devia atuar de forma correta mantendo
ldquotemperanccedila e frugalidaderdquo 69
shūseiha propotildee uma mistura de praacutetica e doutrina orientada
para o indiviacuteduo podendo ser interpretada como uma ldquodisciplinardquo que o guiasse ao longo da
sua vida natildeo muito diferente da proposta de shintō
Por outro lado Hirayama Seisai ( 平山省斎 1815-1890) acumulou cargos
governamentais e dedicou-se aos estudos de Chinecircs e Kokugaku em Edo No periacuteodo poacutes-
restauraccedilatildeo Meiji Hirayama teraacute inaugurado uma escola de estudos chineses no periacuteodo
gradualmente envolvendo-se em assuntos de cariz ldquoreligiosordquo ndash tornou-se sacerdote-liacuteder em
santuaacuterios relevantes como o de Hikawa e de Hie ndash ao ponto de formar em 1879 a Taisei
Kyōkai (大成教会) que em 1882 ganharia independecircncia e acomodaria dezenas de grupos
Shintō Taiseikyō 70
Enaltecendo o caraacutecter educativo de shintō o setor considera a veneraccedilatildeo dos jingi e
dos antepassados (o que em termos tradicionais natildeo representa nada de novo) como
responsabilidade do indiviacuteduo que por sua vez deve alcanccedilar a felicidade e viver ldquobemrdquo o que
67
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 221-224 68
INOUE Nobutaka ldquoThe Formation of Sect Shinto in Modernizing Japanrdquo Journal of Japanese Studies nordm 29
(3-4) 2002 pp 405-427 69
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 221-224 70
INOUE Nobutaka ldquoThe Formation of Sect Shinto in Modernizing Japanrdquo Journal of Japanese Studies nordm 29
(3-4) 2002 pp 405-427Studies
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 35
estaacute de acordo com a visatildeo positiva de shintō em relaccedilatildeo ao indiviacuteduo Uma vez que o ser
humano possui ldquobons espiacuteritosrdquo (possivelmente a tradiccedilatildeo original seria uma ldquoboardquo tamashii)
este tem a capacidade inerente de se autodisciplinar e autorreformar atraveacutes do devido esforccedilo
devendo confiar e executar o ritual ldquoagrave maneira de geraccedilotildees sucessivas de Cortes Imperiaisrdquo 70
Com efeito Taiseikyō procura honrar a tradiccedilatildeo de jinja shintō e reforccedila a ideia de que shintō
eacute para todos os efeitos uma Via criada para os humanos
29 (3-4) 2002 pp 405-427
122 Via do Dao cultivando a relaccedilatildeo entre o governo japonecircs e o culto aos kami
A segunda Via enfatiza a natureza ritual de shintō e eacute acolhida com o maior
entusiasmo pelo poder poliacutetico como se constata na narrativa cosmoloacutegica do Nihon shoki no
uso de espadas e espelhos em contexto ritual nos cultos ao Imperador agrave Estrela Polar e agrave
Ursa Maior 71
A Via do Dao definir-se-ia entatildeo como uma espeacutecie de auxiliar ao culto jingi
que se encontrava ao serviccedilo da corte imperial isto eacute da esfera privada agrave necessidade de
venerar os kami juntar-se-ia a atuaccedilatildeo poliacutetica uma noccedilatildeo expressa no conceito de
matsurigoto (政) Posteriormente recuperado e adaptado agrave mentalidade Meiji designando-se
saisei icchi (祭政一致) o princiacutepio de unidade da execuccedilatildeo dos ritosveneraccedilatildeo dos kami e de
governar o territoacuterio matsurigoto parece harmonizar os aspetos rituais e poliacuteticos dentro do
territoacuterio japonecircs algo reconhecido por Ono Sokyō no seu entender ldquofestivais e ritos para
vaacuterios kami tutelares e a administraccedilatildeo de clatildes e sociedade local eram essencialmente uma
uacutenica funccedilatildeordquo 72
Essecircncia do ritual em jinja shintō e kōshitsu shintō os matsuri satildeo tanto ocasiotildees
festivas e alegres como possuem um aspeto mais soacutebrio e solene sobretudo se realizados por
indiviacuteduos ligados ao poder poliacutetico no caso dos ldquoritos imperiaisrdquo deve-se incluir o lsquomatsuri
das origensrsquo (Genshi-sai元始祭 3 de Janeiro) a celebraccedilatildeo da passagem das estaccedilotildees do ano
- a Primavera (Shunki Shindensai 春季神殿祭 e Shunki Kōreisai 春季皇霊祭) e Outono
(Shūki Shindensai 秋季神殿祭 e Shūki Kōreisai 秋季皇霊祭 ) Acrescenta-se ainda o
Niinamesai (新嘗祭 23 de novembro) e o Kannamesai (神嘗祭 17 de outubro) 73
um dos
treze principais matsuri listados e calendarizados no Jingiryō
71
KURODA Toshio ldquoShinto in the History of Japanese Religionrdquo Journal of Japanese Studies nordm 7 (1) 1981
pp 1-21 72
ONO Sokyō op cit p76 73
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 79-80 p96
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 36
Supervisionados pelo Jingikan (神祇官) estes treze matsuri eram hierarquizados em
ldquomaiorrdquo ldquomedianordquo e ldquomenorrdquo ndash os ritos de maior importacircncia (taishi) eram celebrados
durante todo o mecircs os chūshi duravam trecircs dias e os shōshi apenas um dia 74
Kinensai
(ldquocerimoacutenia de preces para o Anordquo) era celebrado no segundo mecircs Chinkasai (ldquocerimoacutenia de
pacificaccedilatildeo das floresrdquo) no terceiro mecircs Kanmisosai (de caraacutecter bianual) no quarto e nono
meses Ōimisai (realizado no jinja de Hirose) no quarto e seacutetimo mecircs Saigusasai (realizado
no jinja de Ōmiwa) e Fūjinsai (matsuri em honra do kami do vento) no quarto e seacutetimo mecircs
No sexto e deacutecimo segundo mecircs celebrava-se o Tsukinamisai algo replicado no Chinkasai
(rdquocerimoacutenia da pacificaccedilatildeo do fogordquo) e Michiaesai (ldquocerimoacutenia dos quatro campos da
capitalrdquo) Quanto ao nono mecircs este estava reservado para o Kannamesai (ldquocerimoacutenia da
degustaccedilatildeo divina dos frutosrdquo) seguido do Ainamesai (ldquocerimoacutenia de partilha dos frutosrdquo) o
Chinkonsai (rdquocerimoacutenia para a pacificaccedilatildeo do espiacuteritos augustosrdquo) e o Daijōsai (rdquogrande
cerimoacutenia de degustaccedilatildeo dos frutosrdquo) agendados no deacutecimo primeiro mecircs 75
No fundo o Jingikan regulava o modo de veneraccedilatildeo dos jingi cujas metas revolviam
sempre em torno do bem puacuteblico obtenccedilatildeo de boas colheitas garantia da ldquosauacutede e seguranccedila
do imperador do palaacutecio e da capitalrdquo e eacute claro proteccedilatildeo contra invasotildees rebeliotildees e doenccedilas
que afetassem a populaccedilatildeo 76
o palaacutecio imperial era nada mais do que um centro de ritual e a
elite qualificada da capital a grande autoridade sobre todos os assuntos shintō e taoiacutestas
Como se pode constatar as atividades desta instituiccedilatildeo complementavam-se com a
atuaccedilatildeo do Escritoacuterio Yin-Yang (Onmyōryō 陰陽寮) Operado por dezenas de indiviacuteduos
empenhados na manutenccedilatildeo do equiliacutebrio coacutesmico atraveacutes dos mais diversos meios
(astronomia calendarizaccedilatildeo e adivinhaccedilatildeo yin-yang este oacutergatildeo seria o siacutembolo da adaptaccedilatildeo
da escola de pensamento on-myōdō ( 陰 陽 道 ) ao contexto japonecircs permitindo o
desenvolvimento de certas praacuteticas hoje aceites na cultura japonesa como formas de
lsquosupersticcedilatildeorsquo ou lsquomagiarsquo por exemplo a adivinhaccedilatildeo baseada nos signos do zodiacuteaco chinecircs
ou direccedilotildees da buacutessola 77
74
HAYASHI Makoto ldquoShinto and Onmyōdōrdquo Encyclopedia of Shinto 1 General Introduction Religious and
Intellectual Influences on Shinto (on line) lthttpk-
amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23043gt (consultado em 24-06-2018) 75
TAKASHIO Hiroshi ldquoJingiryōrdquo Encyclopedia of Shinto 3 Institutions and Administrative Practices
Ancient (on-line) lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23330gt
(consultado em 24-06-2018) 76
BREEN John TEEUWEN Mark op cit p32 pp36-37 77
HAYASHI Makoto ldquoShinto and Onmyōdōrdquo Encyclopedia of Shinto 1 General Introduction Religious and
Intellectual Influences on Shinto (on line) lthttpk-
amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23043gt (consultado em 24-06-2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 37
Durante o Periacuteodo Heian (794-1185) as proacuteprias cerimoacutenias onmyōdō adaptam-se
aos rituais estatais (positivos) sendo ldquointroduzidas como ritos de proteccedilatildeo pessoal para o
imperadorrdquo dirigidos a ldquocorpos celestiaisrdquo e aos kami Uns seacuteculos mais tarde a Via do Dao
tornar-se-ia objeto de interesse pelas ldquopessoas comunsrdquo que patrocinavam ldquoritosrdquo e
praticavam ldquomagia pessoal para convidar becircnccedilatildeos e evitar maacute-sorterdquo 77
Neste sentido on-
myōdō reconhecia a existecircncia de forccedilas ldquonegativasrdquo que deviam ser eliminadas e pacificadas
claramente enriquecendo a noccedilatildeo de ldquoespiritualidaderdquo em shintō
Uma Via fundada e divulgada por certas famiacutelias que lhe enalteciam um aspeto
ldquomaacutegicordquo onmyōdō conheceria especial popularidade em algumas escolas de pensamento
refletindo a existecircncia de movimentos internos da proacutepria Via dos kami que conjugavam o
aspeto mais praacutetico com a exposiccedilatildeo teoacuterica desta uacuteltima Assim onmyōdō tornar-se-ia uma
referecircncia para os autores responsaacuteveis pela criaccedilatildeo de Ise shintō (伊勢神道 ) e Yoshida
shintō (吉田神道) ambas possuindo uma relaccedilatildeo bastante familial os principais autores e
comentadores provinham de famiacutelias associados a um santuaacuterio especiacutefico sendo que os
Watarai de Ise shintō pertenciam ao Palaacutecio Externo (Gekū外宮) de Ise os Urabe de Yoshida
shintō uma das famiacutelias mais influentes no Jingikan ocupavam cargos de lsquosacerdotesrsquo em
Quioto concretamente nos jinja de Hirano Yoshida e Ume no Miya 78
Aleacutem de partilharem dos mesmos sentimentos de rejeiccedilatildeo face agrave doutrina honji-
suijaku (本地垂迹 ) que reduziria os kami a incarnaccedilotildees de bodhisattvas e budas e
consequentemente subordinando shintō agrave Via do Buda ndash revertendo a relaccedilatildeo shinbutsu ou
seja tornando as ldquodivindades budistasrdquo como manifestaccedilotildees de kami 79
as escolas estavam
familiarizadas com princiacutepios da cosmologia chinesa o Ruiju jingi hongen (類聚神祇本源
composto em 1320) de Watarai Ieyuki (度会 家行 1255-1351) expocircs a sua ldquoa teoria de Yin-
Yang e as Cinco Fases da Mateacuteria (inyō gogyō) no contexto de uma descriccedilatildeo da criaccedilatildeo do
ceacuteu e da terrardquo recorrendo agraves obras do filoacutesofo chinecircs Zhou Dunyi (周敦頤 1017-1073)
ceacutelebre pensador ldquoneo-confucianordquo e autor de um comentaacuterio ao Claacutessico das Mutaccedilotildees
(Yijing 易經 em japonecircs Eki-kyō 易経) e do ensaio de exposiccedilatildeo sobre o diagrama do
extremo supremo (taiji tushuo 太極圖說 taikyo kuzu) 80
Argumentando acerca do ldquoiniacutecio
como o iniacutecio e a origem como a origemrdquo Ieyuki considera o organismo humano como o
78
PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit pp 163-167 79
PICKEN Stuart op cit p173 80
YAO Xinzhong An Introduction to Confucianism New York Cambridge University Press 2000 pp98-99
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 38
coletivo dos cinco elementos que ldquocomungam com a origem da naturezardquo agrave qual se deve
regressar e entrar 81
No caso da escola Yoshida Yoshida Kanetomo (吉田兼俱 1435-1511) autor da
obra Shintō Taii (神道大尉) estabelece paralelos tais como ldquosete aberturas da cabeccedila com as
sete estrelas do ceacuteu e os cinco oacutergatildeos internos com as cinco fases da mateacuteria na terrardquo 82
por
conseguinte kami seriam descritos como uma forma de taiji (taikyo) a ldquoabsoluta existecircncia
anterior agrave formaccedilatildeo do ceacuteu e da terra transcendendo yin e yang embora sendo capaz de agir
com estas mesmas forccedilasrdquo uma vez que natildeo possuem forma concreta os kami possuiacuteam o
atributo da ldquocriatividaderdquo modelando todas as coisas existentes no mundo 83
Supervisionado pelo Ministeacuterio dos Assuntos Internos sob o coacutedigo ritsuryō o
Onmyōryō tornar-se-ia o palco de rivalidades familiares entre clatildes como os Abe (associados agrave
astrologia) e os Kamo (especialistas nas ciecircncias calendares) No periacuteodo Muromachi a
linhagem Abe (Tsuchimikado土御門) assumiria a posiccedilatildeo hereditaacuteria de superintendentes da
instituiccedilatildeo sendo que a casa dos Kamo (Kōtokui 幸徳井) contentar-se-ia com o segundo
lugar ocupando o cargo de vice-liacuteder No Periacuteodo Edo as disputas de autoridade em mateacuterias
de ritual condicionariam a crescente competiccedilatildeo entre os Tsuchimikado e uma terceira casa
os Yoshida se os Tsuchimikado seriam reconhecidos pelo bakufu como os responsaacuteveis pela
nomeaccedilatildeo dos lsquomestres do yin-yangrsquo (onmyōji 陰陽師) os Yoshida encarregar-se-iam dos
sacerdotes shintō 84
Em 1682 Tsuchimikado Yasutomi (土御門泰福 1655-1717) criaria
uma nova doutrina inspirada no pensamento de Yamazaki Ansai e de alguns pensadores de
Ise shintō bem como controlava e garantia ldquolicenccedilas a praticantes Yin-Yang pelas proviacutenciasrdquo
85
Na atualidade elementos de onmyōdō podem ser encontrados nas vaacuterias ramificaccedilotildees
de shintō tomando-se o exemplo de Tensha Tsuchimikado Shintō (天社土御門神道 )
Inspirada pela escola de Yasutomi e criada no poacutes-1945 como consequecircncia da concessatildeo de
liberdade religiosa esta organizaccedilatildeo centra-se na cerimoacutenia tensō chifusai (天曹地府祭) Um
81
PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit p176 82
HAYASHI Makoto ldquoShinto and Onmyōdōrdquo Encyclopedia of Shinto 1 General Introduction Religious and
Intellectual Influences on Shinto (on line) lthttpk-
amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23043gt (consultado em 24-06-2018) 83
PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit pp 163-167 84
NISHIOKA Kazuhiko ldquoTsuchimikado Shintōrdquo Encyclopedia of Shinto 8 Schools Groups and
Personalities Medieval and Early Modern Schools (on line) lthttpk-
amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=22576gt (consultado em 24-06-2018) 85
INOUE Nobutaka ldquoTsuchimikado Yasutomirdquo Encyclopedia of Shinto 8 Schools Groups and Personalities
(on line) lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=22771gt (consultado em
24-06-2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 39
matsuri de caraacutecter imperial tensō chifusai procurava a transmissatildeo dos ldquodesejosrdquo do novo
Imperador agraves ldquodivindadesrdquo on-myō embora gradualmente adquirisse popularidade junto dos
Tsuchimikado Praticada no seu jinja dedicado a Taizan Fukun 85
(泰山夫君) ndash em contexto
chinecircs atuava como magistrado do domiacutenio dos mortos e era um subordinado de Yama (em
japonecircs Enma閻魔) 86
ndash a cerimoacutenia garantiria longevidade e seguranccedila do novo imperador
bem como a manutenccedilatildeo do estado de paz no territoacuterio do Japatildeo e o bem-estar dos suacutebditos 85
as necessidades do coletivo pesavam mais do que as individuais
123 Via do Buda concoacuterdia e discoacuterdia entre praacuteticas shinbutsu
Apesar da influecircncia significativa do confucionismo e do taoiacutesmo em shintō ambos
sistemas de pensamento chinecircs natildeo partilham da categoria moderna de shūkyō no campo da
estatiacutestica japonesa apenas a Via do Buda eacute hoje reconhecido como tal juntando-se a shintō e
ao cristianismo trecircs ldquoreligiotildeesrdquo cujo impacto alterou a paisagem cultural japonesa embora a
quantidade de igrejas dificilmente se compara aos milhares de jinja e tera ou jirsquoin (templos
budistas) observando-se igualmente a presenccedila de determinados cultos e tendecircncias que
demonstram o caraacutecter sincreacutetico da relaccedilatildeo shinbutsu
No entanto os atos de veneraccedilatildeo aos kami eram na sua origem considerados como a
antiacutetese da Via do Buda dificultando tentativas de aproximaccedilatildeo entre os ldquocultosrdquo segundo os
decretos imperiais do Nihon shoki shintō ndash interpretado como kannagara (惟神 随神)
designando uma praacutetica delegada por Amaterasu aos seus descendentes e que seria traduzida
como ldquoseguir Shinto (hellip) ou carregar Shinto de forma naturalrdquo - e buppōbutsudō eram
encarados com respeito ou desdeacutem 87
No periacuteodo de governaccedilatildeo do Imperador Yōmei (用明
天皇) ambas eram consideras tradiccedilotildees vaacutelidas a seguir uma vez que este ldquoacredita na lei do
Buda e respeita shendaordquo (天皇信仏法尊神道) 88
um termo mais tarde identificado com
shintō
86
MASUO Shinrsquoichirō ldquoChinese Religion and the Formation of Onmyōdōrdquo Nanzan Institute for Religion and
Culture Japanese Journal of Religious Studies nordm 40 (1) 2013 pp 19ndash43 87
PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit pp 253-258 88
Durante o primeiro ano do reinado do imperador Kōtoku (孝徳天皇 supostamente ldquorespeita-se a lei do Buda
e ter shendao em pouca consideraccedilatildeordquo (尊仏法軽神道) SAKAMOTO T 日本書紀 国史大系版 (Nihon
shoki Ediccedilatildeo do Compecircndio da Histoacuteria Nacional) (on line) lthttpwwwj-textscomjodaishokiallhtmlgt
(consultado em 24-06-2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 40
Por volta da reforma Taika de 645 os ldquorituais budistasrdquo tinham encontrado o seu
lugar no palaacutecio imperial interagindo com os ritos para os kami 89
condicionando um cenaacuterio
de competiccedilatildeo que forccedilaria a adaptaccedilatildeo de shintō face a estas novas escolas e vice-versa
Destacando-se como uma nova forma de lei e doutrina inovadora cujo impacto se estenderia a
vaacuterias aacutereas nomeadamente arte arquitetura educaccedilatildeo e literatura a Via do Buda eacute elevada
ao estatuto de protetora do domiacutenio do Japatildeo o que natildeo implica uma relaccedilatildeo antagoacutenica com
o culto jingi antes pelo contraacuterio
Durante os periacuteodos Nara-Heian constroem-se os primeiros espaccedilos de veneraccedilatildeo
conjunta de kami e budas (jingū-ji (神宮寺) Todavia a contiacutenua associaccedilatildeo da nova Via agrave
vida aristocraacutetica reforccedilaria a ligaccedilatildeo dos cultos aos kami com as pessoas comuns 90
shintō
permanecia a religiatildeo da comunidade e o budismo a religiatildeo doutrinaacuteria de uma elite
empenhada na traduccedilatildeo e interpretaccedilatildeo dos sutras patrocinando a construccedilatildeo de templos e a
consequente instruccedilatildeo dos monges utilizando rituais budistas para seu benefiacutecio
Tal como os onmyōji se dedicavam a atividades de lsquoexorcismorsquo os monges
recorreriam a foacutermulas e outras teacutecnicas para controlar a ldquoviolecircncia de divindades espiacuteritos e
demoacutenios de todos os tipos incluindo os kamirdquo Por conseguinte a introduccedilatildeo e popularizaccedilatildeo
das linhas de pensamento favoraacuteveis agrave combinaccedilatildeo de elementos shinbutsu obrigaria a novas
interpretaccedilotildees do que se entende por kami outrora seres omnipotentes kami possuiriam um
estatuto equivalente ao de devas ou asuras e como tal sujeitavam-se a samṣara (rokudō rinne
六道輪廻) ao contraacuterio dos budas que tinham alcanccedilado a iluminaccedilatildeo (satori 悟り) 91
No final do periacuteodo Nara promover-se-ia a teoria de que os kami eram nada mais do
que ldquodivindadesrdquo tutelares dos ensinamentos budistas clarificando a relaccedilatildeo de superioridade
do budismo para com shintō e como tal poderiam ser salvas como qualquer outro ser dos seis
domiacutenios 92
neste sentido vida e morte fazem parte do mesmo ciclo do qual apenas alguns se
podem libertar colocando todos os habitantes dos seis caminhos em peacute de igualdade para
shintō a necessidade de ldquosalvaccedilatildeordquo da roda de reencarnaccedilatildeo atraveacutes de satori natildeo se justifica
todos os seres vivos partilham do mesmo caminho - nasciam viviam no seu mundo (em
sociedade com outros kami e humanos) e a sua lsquoformarsquo ou corpo possui os seus limites
89
SATŌ Masato ldquoShinto and Buddhismrdquo Encyclopedia of Shinto 1 General Introduction Religious and
Intellectual Influences on Shinto (on line) lthttpk-
amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23041gt (consultado em 24-06-2018) 90
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 20-23 91
BREEN John TEEUWEN Mark opcit p 38-39 92
SATŌ Masato ldquoShinto and Buddhismrdquo Encyclopedia of Shinto 1 General Introduction Religious and
Intellectual Influences on Shinto (on line) lthttpk-
amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23041gt (consultado em 24-06-2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 41
naturais apoacutes a morte fiacutesica os uacutenicos traccedilos de existecircncia de uma forma de vida encontrar-
se-iam na tamashii (魂) um atributo interior de kami e humanos
Paralelamente agrave expansatildeo do budismo no Japatildeo desenvolve-se a primeira fase da
vertente acadeacutemica de shintō caracterizada pela adoccedilatildeo de conceitos e fundamentaccedilatildeo de
teorias de bukkyō como o princiacutepio honji-suijaku aplicado pelos setores mais populares do
periacuteodo Heian Tendai (天台宗) e Shingon (真言宗) reavaliando-se a relaccedilatildeo entre kami e
outros ldquoseresrdquo reconhecidos pela Via do Buda Assim kami tornar-se-iam suijaku (lsquotraccedilosrsquo垂
迹) dos honji (lsquoessecircnciasrsquo本地) que se encontravam em budas (hotoke 仏) e bodhisattvas
(bosatsu菩薩) por exemplo Jizō (地藏) eacute identificado com Hiraoka-amakoyane-no-mikoto
um dos kami consagrados no Kasuga Jinja 93
no complexo de Ise encontrar-se-ia o honji
Mahāvairocana Tathagata (Dainichi Nyorai 大日如来 ) e em Hakusan o bosatsu da
compaixatildeo Kannon (観音) 94
O esforccedilo de cooperaccedilatildeo entre ambas tradiccedilotildees atingiria o seu auge com o
aparecimento das trecircs escolas xintoiacutestas de base budista Tendai shintō (天台神道) Ryōbu
shintō (両部神道) e Hōkke shintō (法華神道) respetivamente associadas agraves doutrinas dos
monges Saichō Kūkai e Nichiren Tendai Shintō tambeacutem conhecido pela designaccedilatildeo Sannō
Ichi-jitsu shintō apoia-se no estudo do Sutra do Loacutetus e coloca em praacutetica a teoria honji-
suijaku identificando Hiyoshi Sannō o lsquokami guardiatildeorsquo (shugojin 守護神 ) do templo
Enryaku-ji como o suijaku de Śākyamuni o ldquorei do Dharma do sutra do Loacutetusrdquo Possuindo
uma importacircncia mais local do que nacional e centrada em Hiei Quioto Tendai shintō
popularizaria o ato de meditaccedilatildeo ambulante em torno dos sub-santuaacuterios do ldquoSantuaacuterio de Hierdquo
e ldquoperegrinaccedilotildees mentaisrdquo nas quais os suplicantes ldquovisualmenterdquo visitavam os santuaacuterios 95
Agrave semelhanccedila da escola Tendai Ryōbu shintō favorece a combinaccedilatildeo de elementos
ldquobudistasrdquo (ldquoesoteacutericosrdquo) e shintō focando-se na relaccedilatildeo do Ise jingū (伊勢神宮) com as
mandalas kongokai e taizokai representaccedilotildees do ldquoDomiacutenio do Diamanterdquo e do ldquoDomiacutenio do
Ventrerdquo por sua vez associados ao Gekū e ao lsquopalaacutecio internorsquo (Naikū 内宮 ) de Ise
93
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 20-23 94
SATŌ Masato ldquoShinto and Buddhismrdquo Encyclopedia of Shinto 1 General Introduction Religious and
Intellectual Influences on Shinto (on line) lthttpk-
amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23041gt (consultado em 24-06-2018) 95
SATŌ Masato ldquoSannō Shintōrdquo Encyclopedia of Shinto 8 Schools Groups and Personalities Medieval and
Early Modern Schools (on line) lthttpk-
amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=22572gt (consultado em 24-06-2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 42
respetivamente96
Descrita como ldquoshintō combinatoacuterio baseada nas mandalas duais
fundamentais de Budismo esoteacuterico Shingonrdquo por Yoshida Kanetomo 97
- expoente da teoria
Yuiitsu shintō (唯一神道) na qual kami se torna o centro de tudo incluindo do ceacuteu e da terra
ldquodemoacuteniosrdquo animais e o proacuteprio kokoro dos humanos 98
- Ryōbu shintō influenciaria as
escolas de Ise e Yoshida 96
No que concerne agrave uacuteltima escola Hokke shintō recebe influecircncias do ldquobudismordquo
Nichiren (日蓮宗) uma das seitas mais populares do Periacuteodo Kamakura (1185-1333) por sua
vez derivada da lsquoseita da Terra Pura (Jōdo-shū 浄土宗rdquo) propagando a doutrina de mappō
(末法) o momento final do Dharma exaltada pelo monge Nichiren (日蓮 1222-1282)
Essencialmente portador de uma linha de pensamento reacionaacuteria ao budismo Heian
Nichiren considerava Tenshō Daijin (Amaterasu) e Hachiman como shugojin do Verdadeiro
Dharma reconhecendo igualmente a existecircncia de ldquodivindades tutelares do Sutra do Loacutetusrdquo
que tanto protegeriam a realidade na qual se verificasse a concretizaccedilatildeo do Verdadeiro
Dharma como poderiam escolher abandonaacute-la caso a Lei natildeo fosse aplicada 99
Por
conseguinte esta tradiccedilatildeo teria sido formada pelo superintendente do templo Shuryōgonin
associava-se deste modo os trinta dias do mecircs a trinta diferentes jinja e complexos tais
como Atsuta Jingū Suwa Shōshin-ji Hachiō-ji Inari Kibune Hachiman Kasuga Ise Gion
entre outros 100
Partilhando com Tendai o estudo do Sutra do Loacutetus a escola Hokke influenciaria as
ideias de Yoshida shintō e continuaria a desenvolver-se ao longo dos Periacuteodos Muromachi e
Edo surgindo uma seacuterie de obras e fasciacuteculos comentando acerca desta forma de shintō tais
como Hokke Shintō Hiketsu (法華神道秘訣) atribuiacutedo a Nitchō (日澄 1441-1510) 99
No seguimento da instauraccedilatildeo da terceira e uacuteltima casa militar no poder poliacutetico
budismo eacute relegado para um plano mais secundaacuterio aleacutem do aumento do nuacutemero de
96
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp298-299 97
ITŌ Satoshi ldquoRyōbu Shintōrdquo Encyclopedia of Shinto 8 Schools Groups and Personalities Medieval and
Early Modern Schools (on line) lthttpk-
amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=22800 (consultado em 24-06-2018) 98
PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit pp 163-167 99
Itō explica que esta doutrina (shintenjō hōmon) seria acolhida pelo ldquoculto Tendai de trinta divindades tal como
era praticado no Monte Hieirdquo ITŌ Satoshi ldquoHokke Shintōrdquo Encyclopedia of Shinto 8 Schools Groups and
Personalities Medieval and Early Modern Schools (on line) lthttpk-
amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=22565gt (consultado em 24-06-2018) 100
ITŌ Satoshi ldquoSanjūbanshinrdquo Encyclopedia of Shinto 2 Kami (Deities) Combinatory Kami (on line)
lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=22464gt (consultado em 24-06-
2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 43
ocorrecircncias de funerais shintō realizados por famiacutelias como os Yoshida bem como a reduccedilatildeo
da quantidade de tera e jinja que favorecessem uma abordagem ldquocombinatoacuteriardquo 101
surge a
niacutevel acadeacutemico o movimento fukko shintō (復古神道) que propunha um ldquoreavaliaccedilatildeordquo de
shintō rejeitando-se severamente ideias externas
Nestas circunstacircncias Hirata Atsutane (平田篤胤 1774-1842) representante da
vertente mais ldquoradicalrdquo da escola kokugaku assume uma posiccedilatildeo particularmente criacutetica da
Via do Buda suposta total antiacutetese de shintō que por sua vez era emulado como uma ldquovia
antigardquo (kodō 古道) no seu Kodō Taii (古道大尉) redigido em 1811 Hirata idealiza o Japatildeo
como a ldquoTerra dos kamirdquo cujos habitantes satildeo ldquoracialmente superioresrdquo entendendo budismo
como uma ldquoreligiatildeordquo inventada por um homem ndash Śākyamuni ndash cujas doutrinas eram ldquofalsasrdquo
ao ponto de apagarem por completo a ldquoverdade originalrdquo da existecircncia de uma entidade
omnipresente criadora denominada nos textos antigos de Brahmā que Hirata identifica com
Kami-musubi-no-kami 102
Por conseguinte o sentimento anti-budista expresso por Hirata teria as suas
repercussotildees em alguns territoacuterios no periacuteodo final do xogunato Tokugawa gerando-se o
movimento haibutsu kishaku (廃仏毀釈) cuja linha de pensamento tornar-se-ia devastadora
para a Via do Buda desde a destruiccedilatildeo de templos halls imagens rituais apropriaccedilatildeo de
propriedades dos templos na economia dos domiacutenios agrave laicizaccedilatildeo forccedilada dos monges o
budismo enquanto religiatildeo perderia credibilidade e significado cultural entre a populaccedilatildeo 103
ao contraacuterio de shintō por sua vez equiparado a uma ideologia poliacutetica a partir de 1868
inaugura-se assim um dos momentos mais negros da histoacuteria shinbutsu
13 Shintō no periacuteodo moderno antes e depois de 1945
O periacuteodo de vigecircncia da ideologia Meiji (1868-1945) eacute tambeacutem um periacuteodo de
perseguiccedilatildeo interna para a Via do Buda e nas palavras de Picken um exemplo de ldquoabuso e
manipulaccedilatildeordquo de shintō 104
a Ordenaccedilatildeo de Distinccedilatildeo de Shintō e Bukkyō (shinbutsu
hanzenrei 神仏判然令 ) de 1868 oficializa a poliacutetica de separaccedilatildeo de shintō e bukkyō
(shinbutsu bunri 神仏分離) expressa pela interdiccedilatildeo de ldquonomes de estilo Budista para kami
101
BREEN John TEEUWEN Mark opcit pp 38-39 102
PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit pp 213-215 103
SAKAMOTO Koremaru ldquoHaibutsukishakurdquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and Doctrines Doctrines
and Theories (on line) lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23552gt
(consultado em 24-06-2018) 104
PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit pp 87-88
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 44
a proibiccedilatildeo de se usar imagens Budistas para representar kami e a remoccedilatildeo de implementos
rituais Budistas de espaccedilos rituais Shintōrdquo 105
Seguindo nos passos do movimento haibutsu
kishaku
Tendo como meta uma visatildeo de shintō como lsquonatildeo-religiatildeorsquo estatal o novo regime
restabeleceria o Jingikan - substituiacutedo dois anos depois pelo Jingishō (神祇省) ndash e procederia
agrave instauraccedilatildeo de um sistema hieraacuterquico piramidal de jinja imperiais e nacionais (1870-1871)
delegando-se cargos a funcionaacuterios puacuteblicos Abolindo-se o sistema de hereditariedade
sacerdotal jinja tornam-se instituiccedilotildees nacionais e espaccedilos de visita obrigatoacuteria e natildeo
espontacircnea 106
131 A visatildeo ldquonacionalistardquo Meiji uma ldquonatildeo-religiatildeordquo ao serviccedilo do Estado
japonecircs
Se as restantes ldquoreligiotildeesrdquo eram entendidas como secundaacuterias - permanecendo sob a
tutela do Escritoacuterio de Religiatildeo do qual faziam parte os treze ldquosetoresrdquo de kyōha shintō - o
culto jingi era colocado sob a alccedilada do Jinjakyoku (神社局) perdendo gradualmente a sua
natureza religiosa todos os meios eram vaacutelidos para inculcar nas mentes dos japoneses a ideia
de que shintō natildeo era uma religiatildeo ldquopatrociacutenio apoio perpetuaccedilatildeo controlo e disseminaccedilatildeordquo
de shintō pelos vaacuterios niacuteveis de governo e por funcionaacuterios puacuteblicos ldquosubordinados e
empregadosrdquo o constante ensino de doutrina ldquoxintoiacutestardquo ldquonacionalistardquo ou ldquoultranacionalistardquo
em manuais escolares o ato de visitar santuaacuterios por obrigaccedilatildeo e execuccedilatildeo de ritos
patrocinadas por instituiccedilotildees educacionais a circulaccedilatildeo de textos explicativos da doutrina
kokutai (国体) 107
Em contexto legal tambeacutem os proacuteprios santuaacuterios xintoiacutestas sofreriam o impacto
desta abordagem poliacutetica de shintō que reavivava a ligaccedilatildeo co-dependente entre o poder
poliacutetico e shintō (na sua forma de culto jingi) tornando shintō uma instituiccedilatildeo patrioacutetica que
devia ser salvaguardada por todos o ano de 1900 marcaria o iniacutecio do controverso processo
de aglutinaccedilatildeo de jinja (Jinja-Gappei 神社合併) Apagando a existecircncia de milhares de jinja
ldquonatildeo-qualificadosrdquo o movimento expressava uma transferecircncia forccedilada de kami para outros
105
SATŌ Masato ldquoShinto and Buddhismrdquo Encyclopedia of Shinto 1 General Introduction Religious and
Intellectual Influences on Shinto (on line) lthttpk-
amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23041gt (consultado em 24-06-2018) 106
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 36-39 107
PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit pp 114-116
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 45
jinja minando a relaccedilatildeo destes espaccedilos com as comunidades locais se em 1880 existiam
cerca de 157 mil jinja do povopuacuteblicos (minsha民社) em 1929 o nuacutemero rondaria os 112
mil e em 1947 mais de 87 mil 108
De um modo geral shintō estatal (kokka shintō 国家神道) cimentou a ideia de que
um certo tipo de shintō estava aleacutem de ser ldquoreligiatildeo termo que no Periacuteodo Meiji tinha como
elementos um fundador individual e a uma organizaccedilatildeo privada realizando-se atividades de
caraacutecter voluntaacuterio 108
o que nada tinha a ver com o culto jingi praticar shintō era nada mais
do que um dever e uma demonstraccedilatildeo de sentimentos patrioacuteticos essenciais ao bom
funcionamento da naccedilatildeo japonesa recorrendo-se a conceitos como kannagara akitsu-mikami
(現御神) hakkō-ichiu (八紘一宇) que naturalmente tinham sido readaptados face ao status-
quo kannagara por exemplo descrevia uma lsquofeacutersquo que incide no indiviacuteduo e faz com que este
sirva o coletivo nunca a si mesmo expressando ainda ldquoum sentimento de assimilaccedilatildeo e
harmoniardquo 109
akitsu-mikami significava uma ldquodivindade incarnadardquo identificada com o
proacuteprio imperador que deve ser venerado tal como os seus antepassados por parte dos seus
suacutebditos 110
hakkō-ichiu (ldquoa terra inteira debaixo do mesmo tetordquo) era usado como slogan
simboacutelico do poderio militar japonecircs 111
ecoando a noccedilatildeo de tian xia isto eacute lsquodebaixo do ceacuteursquo
(tenka 天下) que em contexto do pensamento chinecircs arcaico e confuciano definia o escopo
do tianming ou lsquomandato do ceacuteursquo (tenmei天命) entregue a um futuro soberano
No fundo reforccedila-se a suposta superioridade do Japatildeo enquanto naccedilatildeo ldquodivinardquo e por
associaccedilatildeo do proacuteprio imperador cuja ldquoalma divinardquo eacute representada por Amaterasu o liacuteder do
Impeacuterio age senatildeo em nome desta uacuteltima sendo que todos os japoneses reconhecem e
reverenciam a sua linhagem transmitida ldquonuma linha inquebraacutevelrdquo o trono e o Imperador satildeo
uma extensatildeo de Amaterasu conferindo-lhe um estatuto ldquoinviolaacutevelrdquo Como tal a aacuterea de
governaccedilatildeo do Imperador natildeo pode ser reduzida ao Japatildeo mas antes a todo o nosso mundo
um papel partilhado com a kami do Sol e Taka-musubi-no-kami 109
108
SHIELDS James ldquoBeyond Belief Japanese Approaches to the Meaning of Religionrdquo Studies in Religion
Sciences religieuses nordm 39 (2) 2010 pp 133-149 109
PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit pp 127-128 110
PICKEN Stuart op cit pp 105 111
PICKEN Stuart op cit pp 111
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 46
132 Divulgaccedilatildeo de um legado cultural e histoacuterico shintō a mais popular religiatildeo
japonesa
O fim da 2ordf Guerra Mundial eacute justamente descrito como o ponto de viragem para as
religiotildees japonesas desde 1945 que shintō eacute estatisticamente uma religiatildeo viabilizando um
processo de reinvenccedilatildeo e adaptaccedilatildeo agraves necessidades de uma sociedade japonesa moderna
surgem assim novos movimentos religiosos parcialmente baseados em ideias shintō budistas
ou cristatildes algumas mais do que outras testemunho vivo da liberdade religiosa expressa a
niacutevel constitucional
No que concerne aos espaccedilos de veneraccedilatildeo estes satildeo devidamente legalizados como
corporaccedilotildees religiosas (shūkyō hōjin宗教法人) desde 1946 operando quer como extensotildees
de terceiros (grupos inclusivos) ou como unidades (tanrsquoi単位) independentes destes grupos
inclusivos (tanritsu shūkyō dantai単立宗教団体) a cada grupo inclusivo (hōkatsu dantai包
括団体) corresponde uma categoria proacutepria - kyōha (教派) shūha (宗派) comunidade
religiosa (kyōdan教団) ordem (shūdoukai 修道会) - que por sua vez incorpora tanrsquoi jinja
jirsquoin (寺院) igrejas (kyōkai教会) e mosteiros (shūdōin修道院) 112
Por conseguinte todos os dados reportados satildeo compilados pela Divisatildeo de Assuntos
Religiosos da Agecircncia para Assuntos Culturais do Ministeacuterio da Educaccedilatildeo (Bunka-chō
shūmuka kyōiku-shō 文化庁宗務課 教育省) que se apoia na definiccedilatildeo de ldquoorganizaccedilatildeo
religiosardquo (shūkyō dantai 宗教団体) promulgada pela Constituiccedilatildeo qualquer grupo local
focado na ldquodisseminaccedilatildeo de ensinamentos religiosos a conduccedilatildeo de cerimoacutenias e funccedilotildees e a
educaccedilatildeo e nutrimento dos crentesrdquo deve ser considerado uma shūkyō dantai que deteacutem
autoridade sobre o processo de qualificaccedilatildeo e quantificaccedilatildeo dos aderentes e do sacerdoacutecio 112
por exemplo a instruccedilatildeo dos candidatos a posiccedilotildees dentro dos santuaacuterios eacute disponibilizada
pelas Universidade Kokugakuin (國學院大學) de Toacutequio e a Universidade Kōgakkan (皇學
館大学) em Ise esta uacuteltima focada no treino de ldquosacerdotes para recitar as liturgias e perceber
o significado dos rituaisrdquo 113
Operando a niacutevel prefeitural ou nacional a categoria shūkyō hōjin faz parte da visatildeo
moderna japonesa de religiatildeo em 1998 o Anuaacuterio de Religiotildees (shūkyō nenkan 宗教年鑑)
do 10ordm Ano da Era Heisei registava mais de 85 mil grupos religiosos shintō 104553179
112
TAMARU Nobuyoshi REID David Religion in Japanese Culture Where Living Traditions Meet a
Changing World Tokyo Kodansha International 1996 pp 218-219 113
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 188-190
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 47
seguidores shintō (492) mais de 81 mil jinja 15 jirsquoin e 1276 locais de propagaccedilatildeo religiosa
(fukyōjo布教所) bem como cerca de 88 mil ldquoprofessoresrdquo (kyōshi 教師) Em contrapartida
bukkyō tinha apenas 78 mil grupos religiosos mais de 95 milhotildees de aderentes e um nuacutemero
superior de kyōshi mais de 77 mil templos apenas 10 jinja e cerca de 3000 fukyōjo 114
No
ano de 2015 constatava-se uma pequena evoluccedilatildeo negativa 485 dos aderentes seguiam
shintō e apenas 87 milhotildees eram supostamente budistas registando-se igualmente uma
descida do nuacutemero de kyōshi tanrsquoi e corporaccedilotildees shintō e budistas 115
Apesar de os dados publicados pela Agecircncia poderem natildeo corresponder agrave realidade
o campo estatiacutestico esforccedila-se por explicar ao puacuteblico o que se entende por shintō bukkyō e
kirisutokyō recorrendo a uma categorizaccedilatildeo que eacute acima de tudo coerente face agrave sua
evoluccedilatildeo histoacuterica no caso concreto de shintō os Anuaacuterios de Religiotildees reconhecem trecircs
ramificaccedilotildees ou kei (系) jinja shintō (神社神道) kyōha shintō e shin shūkyō shintō (新宗教
神道) 116
destas trecircs somente a primeira inclui uma organizaccedilatildeo que tambeacutem serve de porta-
voz aos interesses da maior parte dos jinja espalhados pelo paiacutes a Jinja Honchō (神社本庁)
Ceacutelebre instituiccedilatildeo criada em 1946 no seguimento da fusatildeo de outros trecircs grupos privados eacute
ateacute hoje o ldquouacutenico corpo coordenativo para Shinto no Japatildeo e o uacutenico oacutergatildeo (para aleacutem dos
santuaacuterios individuais) pelo qual Shinto pode ser formalmente representado a um largo niacutevel
administrativordquo 117
Regulando a atuaccedilatildeo das atividades dos jinja a Jinja Honchō permanece o ldquogrupo
religiosordquo mais numeroso no que concerne a espaccedilos de veneraccedilatildeo aderentes (perto de 80
milhotildees) e kyōshi (aprox217 milhotildees) 116
e apresenta-se como um oacutergatildeo mais moderado que
os seus predecessores do Periacuteodo Meiji ndash Jingikan Jingishō (神祇省) Kyōbushō (教部省) e
Jingirsquoin (神祇院) ndash capaz de conjugar as funccedilotildees de supervisor dos jinja e de autoridade em
assuntos shintō Sinteticamente esta associaccedilatildeo tem como metas perpetuar as tradiccedilotildees
desenvolvidas em contexto de jinja shintō como demonstraccedilatildeo de gratidatildeo aos kami e aos
antepassados - a realizaccedilatildeo de cerimoacutenias e ritos - ldquoservir a sociedade e outrosrdquo e na
qualidade de ldquomensageiros de kamirdquo aspirar a melhorar e consolidar este mundo Por uacuteltimo
deve-se identificar ldquoas proacuteprias mentes com a do Imperadorrdquo e ldquorezar pela prosperidade do
114
Bunka-chō Bunkabu shūmuka Shūkyō Nenkan Heisei 10 Han (宗教年鑑平成 10 版) Tokyo Bunka-chō
1998 115
Bunka-chō Bunkabu shūmuka Shūkyō Nenkan Heisei 27 Han (宗教年鑑平成 27 版) Tokyo Bunka-chō
2016 116
Bunka-chō Bunkabu shūmuka Shūkyō Nenkan Heisei 27 Han (宗教年鑑平成 27 版) Tokyo Bunka-chō
2016 117
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 41-42
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 48
paiacutes e por coexistecircncia paciacutefica e coprosperidade para as pessoas do mundordquo 118
claramente
realccedilando o caraacutecter natildeo individual patente em shintō
2 SOCIEDADE ldquoESPIRITUALIDADErdquo E ldquoEacuteTICArdquo A ldquoVIA DOS KAMIrdquo E O
REGRESSO Agrave Ordem
Aceitar shintō pressupotildee que o indiviacuteduo realize rituais positivos com uma ldquomente
clara pura e sincerardquo 118
devendo-se ter em atenccedilatildeo o termo ldquomenterdquo o facto de Ono ter
como puacuteblico-alvo natildeo japoneses poderaacute justificar esta escolha de traduccedilatildeo que se afasta do
texto original por exemplo ldquoakikiyoki makoto wo nite saishi ni isoshimukoto (明き清きまこ
とを以て祭祀 [さいし] にいそしむこと) corresponde a ldquodevotar-nos aos atos de veneraccedilatildeo
(aos kami) com uma mente clara pura e sincerardquo ldquoŌmikokoro wo itadakite mutsubirdquo (大御
心 [おおみこころ]をいただきてむつび) 119
eacute ldquoidentificaccedilatildeo das proacuteprias mentes com a
(mente) do Imperadorrdquo Assim o termo torna-se makoto Juntamente com o kokoro ambos
vocaacutebulos fundamentam a perspetiva eacutetica de shintō Por sua vez mutsubi (musubi) auxilia na
compreensatildeo da relaccedilatildeo de shintō com o indiviacuteduo e por associaccedilatildeo com os kami
21 A relaccedilatildeo entre kami e humanos uma resposta a preocupaccedilotildees coletivas e
individuais
Claramente uma Via focada no bem-estar humano shintō ilustra um forte caraacutecter
social e eacutetico que eacute complementado pelo desenvolvimento de uma lsquoespiritualidadersquo proacutepria
associada agrave perceccedilatildeo japonesa do ldquosagradordquo como jaacute anteriormente mencionado este
domiacutenio estaacute associado a kami e a sua presenccedila pode ser ldquosentidardquo em certas ocasiotildees
nomeadamente durante os matsuri e as cerimoacutenias executadas pelos ldquosacerdotesrdquo (shinkan 神
官) a descriccedilatildeo de Picken de shintō como ldquoefectivamente uma religiatildeo que eacute mais lsquoapanhadarsquo
do que lsquoensinadarsquo os seus discernimentos lsquopercecionadosrsquo antes de serem lsquoacreditadosrsquo os
118
ONO Sokyō Shinto the Kami Way Singapore Tuttle Publishing 2004 p82 119
A expressatildeo Ōmikokoro (ou Mikokoro 御心) eacute uma forma respeitosa de se referir ao Imperador (ou aos kami)
que surge nas norito ou em outros textos oficiais Jinja Honchō ldquo主な活動rdquo (Atividades gerais) 神社本庁のご案 内 (A orientaccedilatildeo da Jinja Honchō) (on-line) lthttpwwwjinjahonchoorjpintroductionactivitygt
(consultado em 24-06-2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 49
seus baacutesicos conceitos mais do que lsquosentidosrsquo do que lsquopensadosrsquordquo 120
faz da praacutetica e da
experiecircncia do indiviacuteduo o seu alicerce Deste modo confere-se ao homem um papel ativo e
de participante quer se trate de um visitante que reze aos kami esperando por uma resposta
quer seja algueacutem dedicado a servir os kami (ldquosacerdotesrdquo por exemplo) a decisatildeo de executar
os rituais (associados agrave Ordem) cabe ao homem
Soacute o homem possui a capacidade de entrar num domiacutenio diferente deparando-se com
vaacuterios siacutembolos que assinalam a ldquopresenccedilardquo do kami Mircea Eliade nota que o homem
apercebe-se do ldquosagradordquo porque este escolhe mostrar-se isto eacute manifesta-se das mais
variadas formas algo descrito pelo autor como ldquohierofaniardquo identificando a ldquohistoacuteria de
religiotildeesrdquo como portadora de um legado de ldquohierofaniasrdquo ndash elementares e complexas ndash e
argumentando que a manifestaccedilatildeo de ldquoalgo de uma ordem totalmente diferente uma realidade
que natildeo pertence ao nosso mundordquo eacute visualmente expressa por ldquoobjetos que satildeo uma parte
integral do nosso mundo natural lsquoprofanorsquordquo 121
em shintō esta perspetiva lembra o conceito
de kami enquanto atributo o ato de atar uma shimenawa (しめ縄) corda da qual pendem
pequenas tiras em formato ziguezague a um objeto (pilares rochas) ou uma aacutervore (shinboku
神木) e o uso da gohei (御幣) um enfeite colocado diante das portas do ldquosantuaacuterio interiorrdquo
(shinden 神殿) representam a transiccedilatildeo do vulgar para o extraordinaacuterio se fisicamente o
objeto permanece tal e qual como antes de uma perspetiva espiritual e natildeo racional o objeto
torna-se uma extensatildeo do kami
Por conseguinte a noccedilatildeo de ldquohierofaniardquo pensada por Eliade poderia aplicar-se aos
shintai (神体) e mitamashiro (御魂代) objetos diretamente ligados agrave sobrevivecircncia dos jinja
garantindo um estatuto lsquosagradorsquo dos jinja enquanto o kami permanecer nesse local 122
durante a Jinja Gappei milhares de santuaacuterios perderam a sua razatildeo de existir na sequecircncia
da transferecircncia permanente dos supostos representantes do kami 123
No fundo eacute a ausecircncia
destes objetos condiciona o fim do jinja
Essencialmente espaccedilos mantidos graccedilas aos esforccedilos da comunidade jinja
desempenham serviccedilos que incidem na esfera puacuteblica e privada todo o jinja revolve em torno
das pessoas familiarizadas com a aacuterea de atuaccedilatildeo e os atributos do kami ao qual apelam
preocupaccedilotildees econoacutemicas satildeo geralmente da responsabilidade de Inari (稲荷) e Ebisu (恵比
120
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit p xxxii 121
ELIADE Mircea op cit pp 10-12 122
ONO Sokyō op cit p21 pp-24-25 pp98-99 123
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 36-39
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 50
須) o primeiro eacute identificado como o kami protetor do cultivo de arroz e dos cinco cereais
enquanto que o segundo eacute associado ao setor comercial desde o seacutec XII 124
Protetor dos mercadores em meio urbano e de campos de arroz nas aacutereas rurais 124
Ebisu faz parte dos Shichi Fukujin (七福神) um grupo de sete kami associados agrave boamaacute
sorte Daikokuten (大黒天) representante da prosperidade comercial apesar de tambeacutem ser
identificado com um deva domeacutestico da cozinha Mahakala Jurōjin (寿老人) ldquokami de uma
estrela no Taoiacutesmordquo bem como um ldquoermitardquo Jaacute Fukurokuju (福禄寿) eacute o kami da riqueza
prosperidade e longa vida e Hotei (布袋) ldquoum monge chinecircs e uma incarnaccedilatildeo de Maitreyardquo
(Miroku 弥勒) 125
Por uacuteltimo Bishamonten (毘沙門天) e Benzaiten (弁財天) tecircm origens
indianas se Bishamonten um kami de temperamento forte e marcial eacute identificado com
Vaiśravaṇa Beizaiten eacute equiparada agrave devī Sarasvatī 126
No que concerne a preocupaccedilotildees mais pessoais como aprovaccedilatildeo nos exames de
admissatildeo da faculdade eacute costume visitar-se o Kitano Tenmangū (北野天満宮) de Quioto
onde se venera Tenjin127
Ao contraacuterio de outros kami Tenjin natildeo se tornou kami de um dia
para o outro a consagraccedilatildeo da ldquoalmardquo de Michizane ldquoresultou de um esforccedilo extraordinaacuterio
do governo de lidar com uma manifestaccedilatildeo perturbadora de crenccedila Alma-Zangada (onryo)
que (hellip) foi grandemente influenciada pelo corrente interesse em ideias Chinesas e crenccedilasrdquo
128 Por sua vez onryō partilha algumas semelhanccedilas com goryō (御霊) ldquoespiacuteritos de pessoas
que tinham perdido as suas posiccedilotildees de poder e vaacuterios kami de epidemiasrdquo posteriormente
ldquodomesticadosrdquo nos ritos chinkon ao inveacutes de entidades destruidoras e malevolentes que
invocavam desgraccedilas goryō transformavam-se em entidades protetoras 129
22 Aleacutem do plano fiacutesico musubi rei e tamashii
Tanto onryō como goryō enquadram-se na perspetiva espiritual de shintō agrave
semelhanccedila de sangaku shinkō (山岳信仰) cultos caracterizados pela adoraccedilatildeo de montanhas
124
PICKEN Stuart op cit p 119-120 p 362 p 365 125
HARA Kazuya Aspects of Shinto in Japanese Communication Comunicaccedilatildeo apresentada na conferecircncia
ldquoIntercultural Communication Studies XII Asian Approaches to Human Communicationrdquo (Chiba Abril de
2003)
126 PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 36-39
127 PICKEN Stuart op cit p 119-120 p 362 p 365
128 PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit p 285
129 YONEI Teruyoshi ldquoGoryōrdquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and Doctrines Basic Concepts (on line)
lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23422gt (consultado em 24-06-
2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 51
como Ontake (御嶽) Kumano (熊野) Fuji (富士) Sannō (山王) Katsuragi (葛城) supostos
locais de morada permanente para espiacuteritos ldquoprincipalmente espiacuteritos dos mortos que
vigiavam e assistiam os vivosrdquo 130
Eacute em virtude de um suposto caraacutecter sagrado e espiritual
que ainda hoje se realizam praacuteticas asceacuteticas nestes locais
Por conseguinte a compreensatildeo da ldquoespiritualidaderdquo japonesa implica o
conhecimento de musubi (産霊) rei (霊) e tamashii (魂) sendo que o primeiro eacute composto
por umi (産み ldquocriaccedilatildeordquo no sentido de gerar algo) e rei significando algo que natildeo pertence
ao plano fiacutesico Homoacutefono da palavra musubi (結び) traduzido por ldquoligaccedilatildeordquo e por sua vez
derivada do verbo musubu ou lsquoligarrsquo musubi eacute em si a lsquovitalidadersquo presente no ambiente e
nos seres que o constituem uma interpretaccedilatildeo apoiada por Motoori Norinaga
Com efeito no seu Tama Kushige o autor identifica musubi como uma espeacutecie de
ldquoprinciacutepio de atividade criativardquo inerente nos kami Taka-musubi e Kami-musubi concluindo
que este ldquoespiacuterito criativo (hellip) divino milagroso e aleacutem da compreensatildeo humanardquo permite os
atos de ldquocriaccedilatildeordquo (kuni-umi e kami-umi) de Izanagi e Izanami 131
tudo deve a sua existecircncia a
musubi incluindo os proacuteprios humanos
Simultaneamente uniatildeo (harmonizaccedilatildeo e balanceamento) e criaccedilatildeo isto eacute o lsquopoderrsquo
que concede vida e a origem de toda a existecircncia transportando consigo as conotaccedilotildees de
ldquocombinaccedilatildeordquo ldquojuntarrdquo e ldquointerligarrdquo132
musubi foi repetidamente usado no contexto
cerimonial imperial por exemplo os cinco kami que possuem a partiacutecula musubi no seu nome
satildeo tambeacutem os kami protetores do espelho Yata no Kagami localizados no santuaacuterio
kashidokoro do palaacutecio 133
No que concerne agrave rei e tamashii ambos vocaacutebulos tendem a ser erroneamente
traduzidos como ldquoespiacuteritordquo ou ldquoalmardquo e a sua grande diferenccedila consiste no facto de rei ser
exclusivamente uma parte do humano em vida e um atributo independente apoacutes a morte do
corpo se bem que no entender de Yoshida Kanetomo rei eacute aquilo que governa ldquocoisas
individuaisrdquo contrastando com as ldquopessoas individuaisrdquo que satildeo ldquogovernadas pelo kokoro
(hellip)rdquo 134
tamashii eacute uma caracteriacutestica partilhada por homens e kami sendo que no uacuteltimo
caso esta noccedilatildeo eacute expressa pela palavra mitama - escrita com os kanji de kami e rei (神霊) ndash
130
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 197-198 131
PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit p 208 132
BOYD JAMES WILLIAMS Ron ldquoJapanese Shintō An Interpretation of a Priestly Perspectiverdquo
Philosophy East and West nordm 55 (1) pp 33-63 133
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit p 79 134
PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit pp163-167
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 52
ldquoespiacuteritos de kamirdquo cuja existecircncia defendida por rituais e jinja torna viaacutevel a sua integraccedilatildeo
na ideia shintō de lsquoespiacuteritorsquo ou lsquoespiritualidadersquo 135
Natildeo obstante tambeacutem os humanos satildeo portadores de um outro tipo de mitama (御
霊) este identificado como uma rei apoacutes a morte do corpo 135
tornando-se efetivamente uma
extensatildeo deste uacuteltimo o que lhe permite uma atuaccedilatildeo positiva (como protetor) ou negativa
(como destruidor da ordem) no domiacutenio dos humanos Com efeito o culto aos mortos na
sociedade japonesa faz parte de uma tradiccedilatildeo antiga na qual se atribui a certos mortos um
tratamento especial a veneraccedilatildeo de falecidos imperadores antepassados e guerreiros mortos
em combate em conjunto com o culto aos kami expressam uma forte consciencializaccedilatildeo
espiritual ainda muito presente na cultura japonesa
Sob um ponto de vista mais doutrinaacuterio a espiritualidade japonesa centra-se na teoria
ichirei shikon (一霊四魂) literalmente ldquouma rei e quatro tamashiirdquo na qual os humanos e os
kami servem de recipiente agrave reikon que por sua vez eacute constituiacuteda por um lsquoespiacuteritorsquo 136
(rei) -
designado de naobi curioso conceito inserido no campo da eacutetica japonesa significando
ldquocorrigir algo anormal mau ou distorcido e restaura-lo agrave sua condiccedilatildeo normal ou originalrdquo e o
ldquoespiacuterito maravilhoso que retifica o erradordquo 137
- e pela quadripartida tamashii (魂)
Neste contexto cada parte corresponde a um ldquoatributordquo ou ldquocaracteriacutesticardquo que rege o
seu modo de atuaccedilatildeo no domiacutenio terreno o par nigimitama (和御魂) e aramitama (荒御魂)
possuindo uma natureza dual complementar lembrando os princiacutepios do yin e do yang
respetivamente associados ao ldquoatributordquo calmo e passivo nigimitama e o seu oposto a
incontrolaacutevel aramitama o duo sakimitama (幸御魂) e kushimitama (奇御魂) brevemente
mencionado no Nihon shoki se sakimitama eacute a mitama que ldquoprovidenciardquo a potecircncia por
detraacutes da colheita a kushimitama tem o poder de evocar ldquomisteriosas manifestaccedilotildees em seres
humanos atraveacutes de um poder sobrenaturalrdquo 138
135
ASOYA Masahiko ldquoConcepts of the Spirit (reikonkan)rdquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and
Doctrines Basic Concept (on line) lthttpk-
amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23643gt (consultado em 24-06-2018) 138
YONEI Teruyoshi ldquoIchirei shikonrdquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and Doctrines Basic Concepts (on
line) lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23386gt (consultado em 24-
06-2018) 137
FUKUI Yoshihiko ldquoNaobirdquo Encyclopedia of Japan 7 Concepts and Doctrines Basic Terms (on line)
lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23662gt (consultado em 24-06-
2018) 138
YONEI Teruyoshi ldquoKushimitamardquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and Doctrines Basic Terms (on
line) lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23412gt (consultado em 24-
06-2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 53
De entre este quarteto o primeiro par merece uma atenccedilatildeo especial constatando-se
dezenas de referecircncias em textos antigos que explicitam o papel de tanto uma como da outra
que rituais a executar para pacificar uma aramitama transformando-a numa nigimitama
praacutetica efetuada pela famiacutelia imperial por exemplo apoacutes a morte no exiacutelio em Dazaifu (903)
do letrado Sugawara-no-Michizane que tinha sido viacutetima de uma conspiraccedilatildeo dois anos antes
a capital Quioto seria afetada por uma seacuterie de ldquodesastresrdquo tais como ldquopraga fogos
inundaccedilotildees e mortes inesperadasrdquo de membros do clatilde Fujiwara lanccedilando-se um debate
interno sobre a sua causa concluindo-se que se tratava da aramitama do falecido Sugawara
Procurando-se ldquoapaziguarrdquo esta aramitama a famiacutelia imperial procederia agrave restituiccedilatildeo do
estatuto de letrado de Michizane apoiando a construccedilatildeo de um jinja no qual seria consagrado
um novo kami Tenjin 139
O descrito episoacutedio de ldquodomesticaccedilatildeordquo continuaria a ser praticado ao longo dos
seacuteculos sendo que o Imperador Shōwa (昭和天皇) organizaria uma procissatildeo pelo paiacutes para
pacificar as aramitama atraveacutes de preces substituindo-as por nigimitama algo modelado nas
tours do Imperador Meiji (明治天皇) motivos poliacuteticos satildeo habilmente misturados com as
necessidades ldquoespirituaisrdquo do Japatildeo 140
Natildeo obstante existe uma terceira forma de
ldquodomesticaccedilatildeordquo que natildeo implica o seu afastamento da praacutetica de veneraccedilatildeo antes pelo
contraacuterio no Ise Jingū pensa-se que um dos ldquosantuaacuteriosrdquo do Naikū preserva a nigimitama de
Amaterasu e no outro consagra-se a aramitama um processo replicado no Sumiyoshi Taisha
(住吉大社) de Ōsaka espaccedilo de veneraccedilatildeo de trecircs nigimitama dos trecircs respetivos kami ao
contraacuterio do seu congeacutenere em Yamaguchi que alberga as suas aramitama 141
23 Mal como causa e efeito da Desordem tsumi kegare e imi
Aleacutem das diferenccedilas estabelecidas pela mencionada doutrina rei e tamashii satildeo
essencialmente termos que natildeo reconhecem a existecircncia de bommau o que explica o habitual
caraacutecter neutro dos kami Todavia eacute possiacutevel constatar a presenccedila de categorias de rei e kami
que funcionam como arautos de desgraccedila humana e natural representando o oposto do que eacute
ldquobomrdquo goryō onryō e akuryō (悪霊) este uacuteltimo traduzido literalmente por ldquorei malignosrdquo
139
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit p 100 140
PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit p 208 141
ASOYA Masahiko ldquoConcepts of the Spirit (reikonkan)rdquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and
Doctrines Basic Concept (on line) lthttpk-
amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23643gt (consultado em 24-06-2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 54
satildeo exemplos de entidades espirituais cuja razatildeo de existecircncia eacute a de causar danos agraves pessoas
objetos casas urgindo a realizaccedilatildeo de rituais proacuteprios de ldquopacificaccedilatildeordquo e ldquoexorcismordquo que
supostamente expulsamremovem permanentemente quaisquer influecircncias negativas Por sua
vez os yūrei (幽霊) ldquorei obscurosrdquo enquadram-se mais no mundo folcloacuterico japonecircs e satildeo
geralmente identificados como ldquoespiacuteritos vingativosrdquo ou ldquoapariccedilotildeesrdquo cuja presenccedila eacute teacutenue
mas forte o suficiente para serem ldquosentidosrdquo em locais como florestas e montanhas
No que concerne a kami malignos estes satildeo nada mais do que a antiacutetese de musubi e
pureza se a maioria dos kami desdenham ldquode comportamento disruptivo de ordem social ou
natural juntamente com poluiccedilotildees (kegare) tais como sujidade sangue e morterdquo 142
e a sua
origem eacute responsabilidade do princiacutepio de ldquocriaccedilatildeordquo e Ordem coacutesmica um outro grupo de
kami partilha de uma natureza totalmente oposta favorecendo a destruiccedilatildeo da Ordem os
magatsubi no kami ou magatsui no kami (禍津日神 ) Responsaacuteveis por ldquodesgraccedilas
inevitaacuteveisrdquo e reinando ldquosobre erro e impurezardquo eacutetica os magatsui no kami residem nas
profundezas do Yomi ao contraacuterio dos restantes kami que vivem em Takamagahara e no
mundo terreno possuindo uma ldquoessecircncia liacutempidardquo 143
magatsui no kami satildeo os agentes da
desordem distinguindo-se dos restantes kami que favorecem a Ordem
Neste sentido os magatsui no kami relacionam-se com magagoto (凶悪事) palavra
que subentende ldquodesgraccedilas maacutes accedilotildees e calamidadesrdquo 144
ao contraacuterio dos naobi-no-kami
capazes de ldquorestaurar o estado normal e trazer de volta o mundo puro claro proacuteprio e reto
dos Deusesrdquo 145
constroacutei-se deste modo a ideia do mal percecionado como Desordem e
anormalidade que deve ser combatido pelo indiviacuteduo praticante Via dos kami enfatizando os
aspetos sociais e eacuteticos de shintō
A visatildeo eacutetica proposta por shintō eacute resultado da receccedilatildeo e interpretaccedilatildeo de ideias
confucianas e japonesas Aliaacutes na sociedade arcaica japonesa jaacute existia uma distinccedilatildeo entre
ldquobons atosrdquo e ldquomaus atosrdquo que determinavam a culpabilidade ou inocecircncia de um ofensor
perante a unidade familiar ou o clatilde ldquoeacuteticardquo correspondia numa primeira instacircncia a um
conjunto de praacuteticas e dizeres transmitidos de forma oral e de geraccedilatildeo em geraccedilatildeo que eram
142
MATSUMURA Kazuo ldquoDefinitions and Typologyrdquo Encyclopedia of Shinto 2 Kami (Deities) Concepts of
Kami (on line) lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=22498gt
(consultado em 24-06-2018) 143
PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit p 208 144
NISHIOKA Kazuhiko ldquoMagakoto (also Magagoto)rdquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and Doctrines
Basic Terms (on line) lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23670gt
(consultado em 24-06-2018) 145
PICKEN Stuart op cit p 273
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 55
de certo modo complementares agrave execuccedilatildeo do ritual os termos yoshi e ashi respetivamente
significando ter ou carecer de ldquovalorrdquo expressavam as ideias de bemmal 146
Por outras
palavras viver em sociedade natildeo seria possiacutevel se natildeo se adotassem certos comportamentos
que fossem eticamente bons isto eacute natildeo reprovaacuteveis aos olhos da comunidade e eacute claro dos
kami que apesar de natildeo possuiacuterem uma natureza nem boa ou maacute tambeacutem eles satildeo capazes
das piores ofensascrimes isto eacute tsumi (罪) como se pode constatar no caso de Susano-o
No domiacutenio ritual a ldquopurezardquo eacute um atributo interno e externo tanto ao homem como
ao kami kami satildeo considerados essencialmente ldquopurosrdquo ldquoliacutempidosrdquo e uma forma de vida
superior aos homens adotando comportamentos corretos que servem de modelo para os
humanos (com a exceccedilatildeo dos magatsui no kami) e partilhando do ldquoelo espiritualrdquo que os une
nesta realidade isto eacute a mitama Contudo apenas os humanos possuem a capacidade de se
tornar kami apoacutes a morte do corpo seguindo um ldquoprocesso de purificaccedilatildeo que os torna em
espiacuteritos ancestraisrdquo e cuja exceccedilatildeo agrave regra encontra-se por exemplo nos imperadores
considerados akitsu-mikami durante a sua vida 147
O entendimento deste processo de purificaccedilatildeo (jōka) natildeo se pode dissociar de kokoro
e makoto ambos fundamentando a noccedilatildeo de ldquoretidatildeordquo (natildeo necessariamente no sentido
confuciano da palavra) expressa pelo jaacute mencionado termo naobi ou simplesmente nao a
antiacutetese de todos os vocaacutebulos conotados com a ideia de ldquomalrdquo Por outras palavras o
reconhecimento da importacircncia de ldquopurezapurordquo soacute eacute justificado pela existecircncia de ldquoimpurezardquo
que conduz agrave Desordem um natildeo existe sem o outro sendo que na linguagem shintō tudo que
eacute negativo e impuro envolve tsumi (罪) e kegare (穢) duas formas de impureza eacutetica e fiacutesica
respetivamente agraves quais se lhe junta imi (忌) frequentemente interpretado no sentido de
ldquotaburdquo tsumi kegare e imi satildeo com efeito os agentes da Desordem que o ser humano deve
evitar
Incorporados em shintō este trio fortalece a relaccedilatildeo desta Via com a sociedade se a
primeira palavra tsumi tem implicaccedilotildees legais e continua a fazer parte da linguagem do dia-a-
dia sendo usada no campo religioso ou no domiacutenio legislativo kegare tende a associar-se ao
domiacutenio mais ldquolituacutergicordquo de shintō tal como imi que consoante o kanji usado denota o que eacute
considerado puro (positivo) e impuro (negativo)
146
ONO Sokyō op cit pp 105-107 147
UEDA Kenji ldquoConcepts of Humanity (Ningenkan)rdquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and Doctrines
Basic Concepts (on line) lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23642gt
(consultado em 24-06-2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 56
No que concerne a tsumi este eacute foneticamente lido agrave maneira chinesa como sai (ou
zai) e apesar de ter sido escolhido para traduzir o conceito de ldquopecadordquo segundo a visatildeo
religiosa cristatilde 148
tsumi possui um forte significado natildeo religioso encontrando-se expressotildees
na linguagem corrente tais como dōzai (同罪 partilha do crimeculpa) e shazai (謝罪)
desculpas como forma de aliviar o sentimento de culpa hanzai (犯罪) ldquocrimerdquo entre outras
Com efeito tsumi eacute antes de mais ofensa crime e maacute accedilatildeo Eacute talvez neste sentido
que Nishigaki Yukio identifica tsumi como togame - uma palavra traduzida por ldquoacusaccedilatildeordquo ou
ldquocensurardquo ndash e a uma abreviatura da forma nominal do verbo tsutsumu (障) designado tsutsumi
sendo que o kanji eacute lido como sawaru - homoacutefono do verbo ldquotocarrdquo (sawaru 触る ) -
indicando ldquotornar-se um obstaacuteculordquo 149
denotando um entrave agrave Ordem Por conseguinte esta
interpretaccedilatildeo ecoa a sugestatildeo de Picken que aponta para a variedade de significados de tsumi
ndash ldquopoluiccedilatildeo doenccedilas e desastre bem como errordquo ndash tendo o cuidado de incluir a sua vertente
praacutetica ldquoaccedilotildees situaccedilotildees ou circunstacircncias indesejadas podem causar impureza e devem ser
lidadas por evitaccedilatildeo ou purificaccedilatildeo ritualrdquo 150
designada de ldquoabstinecircnciardquo (imi 斎) e harai
(祓)
Contudo o conceito de ldquoerradordquo parece surgir em textos confucianos integrando
uma das partes da dicotomia boas accedilotildeesmaacutes accedilotildees apesar da ausecircncia de [罪 ] o seu
significado eacute substituiacutedo por outros que partilham das mesmas conotaccedilotildees negativas o
caractere [犯] usado para formar o verbo japonecircs okasu traduzido por ldquocometerrdquo (maus atos)
e que eacute frequentemente interpretado como um possiacutevel sinoacutenimo de tsumi 151
Aliaacutes na
linguagem japonesa moderna natildeo eacute estranho encontrar-se tsumi junto de okasu como se
constata na frase ldquocometer ofensasrdquo (tsumi wo okasu 罪を犯す) reforccedila-se deste modo a
ideia de que tsumi eacute especificamente algo negativo e condutor agrave Desordem
148
MATSUMOTO Shigeru ldquo 罪 つ み rdquo コ ト バ ン ク (on line) Disponiacutevel em
lthttpskotobankjpwordE7BDAA-99474gt (consultado em 24-06-2018) 149
NISHIGAKI Yukio op cit p 420 p325 150
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit p 171 151
Por exemplo nos ldquoAnalectosrdquo de Confuacutecio (Lun Yu em japonecircs Rongo 論語) regista-se no primeiro
ldquoensinamentordquo do disciacutepulo Yu Zi (有子) o caratere [犯] que eacute traduzido por Lau como ldquotransgressatildeordquo uma
consequecircncia do natildeo seguimento do caminho proposto por ren No entanto na citaccedilatildeo do uacuteltimo livro de
ldquoAnalectosrdquo [惡] indica ldquodetestar fazer algordquo CONFUacuteCIO The Analects Lun Yu Translated by DC Lau HK
Chinese University Press 1983 pp 2-3 pp 194-195
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Por conseguinte a noccedilatildeo de Desordem provocada por ldquomaus comportamentosrdquo eacute
ilustrada nos Analectos pelo caractere [惡] 152
traduzido por ldquomalrdquo (no sentido eacutetico e natildeo
religioso) em japonecircs o caractere usado eacute a forma arcaica de [悪] cujo radical eacute nada mais
do que kokoro lido como aku o kanji pode ser usado para caraterizar uma coisa uma
condiccedilatildeo e ainda a proacutepria personalidade do indiviacuteduo ldquomaldaderdquo ldquomaurdquo ldquomalignordquo ou
ldquomaldosordquo derivam da leitura de aku como warui 153
No fundo [犯] e [惡] satildeo nada mais do
que comportamentos puniacuteveis por lei e cuja eliminaccedilatildeo resultaria do constante cultivo interior
do caraacutecter da pessoa
Na realidade japonesa tsumi opotildee-se ao corretolegal Karl Florenz comenta que ldquoa
sociedade japonesa arcaica possuiacutea nem coacutedigos legais nem direitos descritivos por isso os
castigos das ofensas eram delegados inteiramente agrave discriccedilatildeo do indiviacuteduo magoado ou da
comunidaderdquo no seu entender tsumi eram ldquomaus atosrdquo (crimes) cuja gravidade determinaria
o grau do castigo variando entre pena capital escravatura expulsatildeo e confiscaccedilatildeo total ou
parcial das propriedades do acusado 154
Ora esta linha de pensamento eacute seguida por Felicia Bock que afirma o facto de tsumi
existirem de forma pouco consistente no quadro de costumes das pessoas da planiacutecie do
Yamato (periacuteodo preacute-Japatildeo imperial) juntamente com as ldquopalavras do soberanordquo e
julgamentos apoiados em provaccedilotildees (fogo sobretudo) e ainda ldquoxamatildesrdquo ou ldquointeacuterpretes da
vontade dos kami ou divindadesrdquo tsumi corresponderia agraves ldquoofensas pelas quais uma pessoa
pode ser considerada culpadardquo listadas e descritas em episoacutedios do Kojiki e Nihon shoki Caso
se fosse considerado a um niacutevel mais ldquolituacutergicordquo tsumi podia contaminar uma pessoa (tsumi-
bito 罪人) urgindo a sua eliminaccedilatildeo atraveacutes de ldquocertos ritos prescritosrdquo executados pelos
membros do Jingikan que deste modo asseguravam a ordem no territoacuterio japonecircs aleacutem de se
recorrerem a meacutetodos de cariz social tais como a atribuiccedilatildeo de multas ldquoque eram impostas
152
Duas das frases mais emblemaacutetica do uso de [惡] como antiacutetese de ldquobemrdquo e eacute claro ldquobenevolecircnciardquo (ren仁)
pertencem ao terceiro e quarto ldquoensinamentosrdquo de Confuacutecio do ldquoquarto livrordquo no primeiro caso o caractere natildeo
surge de forma isolada identificando a natureza da pessoa como ldquomaacuterdquo (惡人) por oposiccedilatildeo agrave de uma ldquopessoa boardquo
(好人) ldquo唯仁者能好人能惡人rdquo na frase ldquo苟志于仁矣無惡也rdquo [惡] eacute uma ldquoinfluecircncia negativardquo que se
pode ldquoeliminarrdquo CONFUacuteCIO op cit pp 28-29 153
NISHIGAKI Yukio op cit p 420 p 599 154
FLORENZ Karl ldquoAncient Japanese Rituals Part IVrdquo Transactions of the Asiatic Society of Japan nordm 27
1899 pp 1ndash112
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para absolver uma pessoa de algum crime social tal como roubar a esposa de outro homemrdquo
155
Para todos os efeitos tsumi satildeo o coletivo de atos condenaacuteveis dentro de uma
sociedade os mais graves (amatsu-no-tsumi) correspondem os oito tsumi cometidos por
Susano-o durante o seu episoacutedio de rebeldia contra a ordem de Takamagahara 156
o kami
assume o papel do indiviacuteduo que age contrariamente ao que eacute suposto pois as suas accedilotildees
potildeem em causa o estado harmoacutenico da sua comunidade (de kami) que soacute seria reposta apoacutes
Amaterasu sair da Ama no Iwato
No que concerne aos kunitsu no kami estes satildeo essencialmente um ldquooposto
complementar (hellip) enfatizando maacutes accedilotildees mundanasrdquo nomeadamente ldquoincesto bestialidade e
auguacuterios natildeo auspiciosos e magia que antecipam principais eventos catacliacutesmicosrdquo 156
Jaacute
Felicia Bock divide-os em ldquoquebras de tabus tribais e contaminaccedilotildees causadas por eventos
naturaisrdquo constatando-se uma forte consciencializaccedilatildeo destas ldquocomunidades primaacuteriasrdquo no
que concerne a doenccedilas e comportamentos irregulares ou perigosos o corte de carne viva e
morta que demonstra o respeito pelos seres vivos lepra branca imperfeiccedilotildees deacutermicas
violaccedilatildeo da proacutepria matildee violaccedilatildeo de crianccedilas coabitaccedilatildeo com animais afliccedilatildeo de coisas
rastejantes divindades aves ldquomorte de animais e contaminaccedilotildees originadas por feiticcedilariardquo 157
Contudo a classificaccedilatildeo dos tsumi natildeo eacute a prioridade das fontes literaacuterias arcaicas
no episoacutedio protagonizado pela viuacuteva do Imperador Chūai (Jingū-kōgō神功皇后) do Kojiki
a nomeaccedilatildeo de nove ofensas denota a perspetiva dos japoneses em relaccedilatildeo a comportamentos
socialmente desviantes sobretudo de cariz sexual - a copulaccedilatildeo com quatro espeacutecies animais
(cavalos vacas paacutessaros e catildees) e o incesto satildeo considerados tsumi ndash aos quais se lhe juntam
as praacuteticas de esfolamento animal a destruiccedilatildeo dos campos de arroz e ainda a ldquodefecaccedilatildeo em
espaccedilos sagradosrdquo (no original kusohe 屎戸) 158
Aliaacutes eacute tambeacutem nesta passagem que se constata a atribuiccedilatildeo de um caraacutecter mais
ldquoritualrdquo a tsumi evidenciado pela presenccedila das palavras harai (祓い) um processo que tem
como meta a restauraccedilatildeo da pureza reunindo-se para o efeito oferendas oriundas de todos os
155
BOCK Felicia Engi-shiki Procedures of the Engi Era Books I-V Translated with introduction and notes by
Felicia Gressitt Bock Tokyo Sophia University 1970 pp 3-6 156
TSUSHIRO Hirofumi ldquoAmatsu tsumi Kunitsu tsumirdquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and Doctrines
Basic Terms (on line) lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23381gt
(consultado em 24-06-2018) 157
BOCK Felicia Engi-shiki Procedures of the Engi Era Books I-V Translated with introduction and notes by
Felicia Gressitt Bock Tokyo Sophia University 1970 pp 3-6 158
Com a excepccedilatildeo das formas de bestialidade e incesto os tsumi mencionados satildeo posteriormente categorizados
como amatsu no tsumi TAKEDA Tsunegaki op cit pp217-219
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cantos do territoacuterio e os proacuteprios tsumi kegare (穢) denotando a sujidade inerente deste tipo
de conduta (tsumi) que eacute eliminada por harai sendo defecaccedilatildeo um ato associado agrave ldquosujidade
fiacutesicardquo Com efeito realizar haraiharae devolve a ldquopurezardquo ao espaccedilo que tinha sido
ldquocontaminadordquo Ora neste episoacutedio particular a ldquobuscardquo de tsumi decorre em simultacircneo com
os preparativos para o ldquoritualrdquo fuacutenebre (mogari) do Imperador Chūai (仲哀天皇) 159
Tal como no Kojiki tambeacutem o Nihon shoki define tsumi como condutas ofensivas
no Inverno do 11ordm dia do 10ordm mecircs (quinto do ano de reinado) do Imperador Richū (履中天皇)
conclui-se que a suacutebita morte da Imperatriz tinha sido causada por uma ldquomaldiccedilatildeordquo (tatari 祟
り) enviada pelos ofendidos kami de Tsukushi no seguimento de dois tsumi cometidos por
Kurumamochi-be ndash taxar as terras administradas pelo Imperador sem autorizaccedilatildeo e ter
colocado ao seu serviccedilo (do ofensor) os suacutebditos dessa mesma terra acabando por usurpar a
posiccedilatildeo dos kami aiacute venerados Como puniccedilatildeo o soberano japonecircs obriga o ofensor a
executar misogi e posteriormente demite-o do seu cargo 160
se tsumi eacute a raiz de desarmonia
provocada pela accedilatildeo humana individual e repercutida no coletivo misogi eacute nada mais do que
o seu oposto focando-se na reposiccedilatildeo da Ordem pelo responsaacutevel assumindo contornos de
purificaccedilatildeo interna
Num dos eacuteditos do Imperador Yūryaku (雄略天皇) tsumi adquire uma natureza
ldquoperdoaacutevelrdquo ao escutar a canccedilatildeo entoada por Hata-no-sake-no-kimi o imperador absolve o
carpinteiro Kodakumitsuke-no-mita de ter forccedilado sexualmente 161
uma uneme 162
de Ise (na
verdade a jovem em questatildeo meramente tinha-se distraiacutedo a olhar para Kodakumitsuke-no-
mita estragando uma das oferendas que tinha acabado de preparar) 161
uma vez que o tsumi
de que tinha sido acusado o carpinteiro eacute considerado de tal ordem grave que o Imperador
pensou condenaacute-lo agrave morte eacute possiacutevel concluir que relaccedilotildees sexuais (forccediladas) justificavam a
pena capital
159
Nihonsinwa ldquo大祓いと罪悪rdquo (A Grande Purificaccedilatildeo e Crimes) 仲哀天皇(古事記)(Imperador Chūai
Kojiki) (on line) lthttpnihonsinwacompage577htmlgt (consultado em 24-06-2018) 160
Nihonsinwa ldquo履中天皇(十一)車持部の罪rdquo (Imperador Richū 11 O crime de Kurumamochi-be) 履中天皇 反正天皇(日本書紀)(Imperador Richū Imperador HanzeiHanshō Nihon shoki) (on line) lthttp
httpnihonsinwacompage1396htmlgt (consultado em 24-06-2018) 161
Nihonsinwa ldquo木工鬪鶏御田の冤罪と秦酒公の琴の声rdquo (As falsas acusaccedilotildees de Kodakumitsuke-no-mita e
a voz da biwa de Hata-no-sake-no-kimi) 雄略天皇(日本書紀)四十二 (Imperador Yūryaku Nihon shoki
42) (on-line) lthttpnihonsinwacompage1469htmlgt (consultado em 24-06-2018) 162
Uneme (采女) designa uma rdquofuncionaacuteriardquo da corte geralmente nomeada pelo Imperador ou pela Imperatriz
Segundo Nishigaki a funccedilatildeo destas jovens eacute de cuidar ldquodos afazeres do quotidianordquo dos seus empregadores
incluindo preparar a comida NISHIGAKI Yukio op cit p116
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
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No registo de Veratildeo do ano seguinte tsumi eacute novamente uma ofensa de natureza
sexual o crime cometido por Hatane-no-mikoto ndash um parente afastado do atual imperador
legitimando eventuais ambiccedilotildees ao trono ndash eacute o de sorrateiramente ter tido relaccedilotildees com
Yama-no-be-no-Koshimako Apoacutes purificar-se de tais atos recorrendo ao pagamento em
cavalos e tachi (nome para uma katana longa) Hatane eacute posteriormente obrigado pelo
imperador a lsquodepositar no chatildeorsquo os seus pertences numa outra localizaccedilatildeo perdendo o seu
estatuto social Se neste caso a puniccedilatildeo de Yūryaku serve para preservar a sua posiccedilatildeo
poliacutetica impedindo um hipoteacutetico golpe de estado 163
no primeiro episoacutedio o castigo eacute
aplicado como forma de justiccedila pelos terriacuteveis atos do carpinteiro
Como se pode constatar nos exemplos referidos tsumi expressa um uacutenico crime algo
repercutido no registo do Imperador Ankan (安閑天王) no 12ordm mecircs do primeiro ano de
reinado o termo eacute usado para indicar o roubo do colar por parte de uma jovem e que o
imperador resolve ldquoarrependerrdquo (aganai 贖い164) um procedimento no qual se reunia uma
seacuterie de pessoas conhecidas do acusado que entregavam riquezas ao imperador esperando-se
desta forma evitar o ldquocontaacutegiordquo de tsumi cometido pelo criminoso Curiosamente a viacutetima do
roubo tambeacutem eacute incluiacuteda neste conjunto de pessoas justificado pelos receios de contaminaccedilatildeo
165 neste sentido tsumi eacute duplamente uma ofensa individual e algo de natureza
ldquocontaminadorardquo conotada com kegare e Desordem
Em outras croacutenicas como a dos Imperadores Bidatsu (敏達天皇) Kōtoku (孝徳天皇
e Tenmu (天武天皇) tsumi corresponde a crimes cometidos pela mesma pessoa ou por um
conjunto de indiviacuteduos no primeiro caso tsumi descreve dois atos de Naniwa - ter ldquoenganadordquo
a corte (de certo modo um caso de insubordinaccedilatildeo) e de ter feito com que um diplomata do
reino de Kōryo fosse morto 166
no segundo ano do terceiro mecircs de Kōtoku identificam-se os
163
Eacute interessante ver que o verbo okasu eacute usado nesta passagem para identificar o crime Dependendo do
contexto o verbo pode significar ldquoviolarrdquo ecoando as suspeitas do Imperador no episoacutedio anterior Outro termo
a ter em conta eacute o de ldquopurificaccedilatildeordquo harai natildeo envolve misogi mas natildeo deixa de ser harai distinguindo-se como
um tipo de harai associado a ldquopagamentosrdquo Nihonsinwa ldquo歯田根命は山辺小嶋子と姦通し罪を問われるrdquo
(Hatane-no-mikoto eacute interrogado pelo crime de adulteacuterio com Yamanobe-no-Koshimako) 雄略天皇 日本書紀( 四 十 三 ) (Imperador Yūryaku Nihon shoki 43) (on line) lthttpnihonsinwacompage1471htmlgt
(consultado em 24-06-2018) 164
Aganai deriva do verbo aganau (贖) ou ldquoarrependerrdquo no sentido de ldquocompensarrdquo por maus atos Outra
definiccedilatildeo possiacutevel eacute enterrar riquezas no chatildeo NISHIGAKI Yukio op cit p 27 165
Nihonsinwa ldquo廬城部連枳莒喩の娘の幡媛の罪物部尾輿も土地を献上rdquo (O crime da rapariga Hatahime
de Iwogibe-no-muraji-kyū Mononobe-no-Ōmuraji-okoshi tambeacutem presenteia no chatildeo) 安閑天皇 宣化天皇(日本書紀)(Imperadores Ankan Senka Nihon shoki) (on line) lthttpnihonsinwacompage1603htmlgt
(consultado em 24-06-2018) 166
Nihonsinwa ldquo難波の罪を数えるrdquo (Contar os crimes de Naniwa) 敏達天皇 日本書紀 Imperador Bidatsu
Nihon shoki) (on line) lthttpnihonsinwacompage1731htmlgt (consultado em 24-06-2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
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criminosos e o crime de que satildeo acusados nomeadamente roubo de bens (cavalos armas
tecidos) a outros membros da corte e funcionaacuterios 167
Por uacuteltimo o Imperador Tenmu
menciona sete ldquocoisas maacutesrdquo (ashiki koto 悪しきこと ) cometidas por um clatilde o que
normalmente justificaria a presenccedila deste no palaacutecio a fim de se proceder a um
questionamento oficial Contudo a interceccedilatildeo de um outro indiviacuteduo em favor deste clatilde
resulta na concessatildeo de um perdatildeo imperial caso tornassem a cometer crimes natildeo teriam a
mesma sorte 168
Eacute impossiacutevel natildeo se constatar uma espeacutecie de consciencializaccedilatildeo japonesa no que
concerne agrave Desordem e os possiacuteveis meios para a combater todos os ldquoritosrdquo que precedem os
matsuri e outros atos de veneraccedilatildeo aos kami envolvem algum tipo de ldquopurificaccedilatildeordquo (coisas
pessoas e espaccedilos) expressando-se uma clara atitude de abominaccedilatildeo por tsumi kegare e imi
Ora numa abordagem mais teoacuterica o antagonismo eacute colocado de parte e qualquer um destes
conceitos pode ser analisado enquanto objeto de estudo facultando o desenvolvimento de
novas perspetivas da dicotomia ldquobemmalrdquo em contexto shintō
Segundo Ōwaki Yukiko a linha de pensamento de Norinaga atenta na natureza
ldquoinclusivardquo e natildeo ldquoexclusivardquo de tsumi tornando-o um coletivo de um certo nuacutemero de crimes
socialmente reprovaacuteveis de kegare magakoto e maga ou seja todo o tipo de ldquocoisasrdquo
negativas associadas ao ldquomalrdquo uma palavra que natildeo se deve identificar com o ldquomalrdquo segundo
a visatildeo religiosa ocidental 169
Ao reconhecer a dicotomia DesordemOrdem o indiviacuteduo
deixa-se guiar pelos kami da Ordem - Kamunaobi-no-kami (神直毘神) Ōnaobi-no-kami (大
直毘神) - pedindo-lhes emprestado o ldquopoder da sua mitamardquo isto eacute a sua ldquoessecircnciardquo Seguir
kami no michi torna-se deste modo seguir a Via favoraacutevel agrave purificaccedilatildeo das intenccedilotildees
permitindo afastar a influecircncia negativa e prejudicial de maga que por sua vez se foca em
espalhar Desordem pelo mundo 170
167
O kanji [過] ndash toga sinoacutenimo de tsumi ndash associa-se a okasu reforccedilando a sua leitura enquanto algo de
natureza criminosa Nihonsinwardquo孝徳天皇(二十六)穂積臣咋と巨勢徳禰臣の罪rdquo (Imperador Kōtoku 26
O Crime de Hozumi-no-Omi-kui e Kose-no-tokone-no-Omi (on line) 日本書紀 孝徳天皇 (Nihon shoki
Imperador Kōtoku) lthttpnihonsinwacompage2079htmlgt (consultado em 24-06-2018) 168
Nesta passagem ashiki koto substitui tsumi Nihonsinwa ldquo東漢直の7つの罪恩により許されるrdquo (Os
crimes dos Yamato-no-aya-no-atai Devido agrave graccedila [imperial] satildeo perdoados) 天武天皇(六十)日本書紀
(Imperador Tenmu 60 Nihon shoki) (on-line) lthttpnihonsinwacompage2317htmlgt (consultado em 24-06-
2018) 169
ŌWAKI Yukiko ldquoつみ 罪 Tsumirdquo 万葉神事語辞典 (Dicionaacuterio de 10 mil fragmentos dos assuntos de
kami) (on line) lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_dsgampdata_id=68730gt
(consultado em 24-06-2018) 170
MOTOORI N ldquo1-9 直毘霊rdquo(なおびのみたま) (1-9 Naobi no mitama) 古事記傳 (Kojikiden) (on
line) lthttpkumoi1webfc2comCCP059htmlgt (consultado em 24-06-2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 62
Com efeito a visatildeo particular de Norinaga em relaccedilatildeo a nao (直) e maga (禍) revela-
se fundamental para a compreensatildeo de kami no michi como um Caminho de retorno a uma
Ordem criada por algo natildeo humano e expressa pela naobi-no-mitama (直毘霊) Em outras
palavras nao eacute a antiacutetese de maga algo jaacute aludido na proacutepria etimologia dos dois vocaacutebulos
conotados com coisas ldquopositivasrdquo e ldquonegativasrdquo nao eacute entendido como ldquocorretordquo ldquodireitordquo e
ldquoretordquo uma disposiccedilatildeoatitude preferiacutevel e consequentemente uma caracteriacutestica ligada agrave
Ordem 171
ndash significa ldquocurarrdquo ou ldquopacificarrdquo consoante o contexto ndash maga eacute uma ldquocoisa maacute
desastrerdquo associando-se ainda ao kanji [曲] presente no verbo magaru traduzido por ldquovirarrdquo
ou ldquotorcerrdquo172
Todavia este ldquotorcerrdquo eacute permanente evidenciando a capacidade do indiviacuteduo
prevalecer sobre a influecircncia de maga magamal natildeo eacute inato ao homem justificando o
porquecirc de shintō tradicionalmente definir o homem pela sua ldquoboardquo natureza argumentando
que natildeo existem ldquopessoas maacutesrdquo (por natureza) mas ldquomaacutes intenccedilotildeesrdquo ldquodoenccedilasrdquo e ldquocoisas maacutesrdquo
neste mundo que satildeo impulsionadas pela existecircncia inevitaacutevel de maga 172
Com efeito este
manga eacute um entrave temporaacuterio agrave Ordem interpretaccedilatildeo ecoada por Ono Sokyō Referindo-se
agrave perspetiva ldquoxintoiacutestardquo antiga de uma ldquoorigem exteriorrdquo do mal este uacuteltimo identifica tal
origem com o ldquomundo da escuridatildeordquo personificado pelos magatsui no kami ldquoespiacuteritos
malignosrdquo admitindo que o homem vive num ldquomundo bomrdquo (um mundo de kami criado pelo
musubi) e a sua ldquoalmardquo eacute inerentemente boa ldquoo homem comete males porque perdeu foi-lhe
retirada a capacidade para accedilatildeo normalrdquo 173
Neste sentido tanto o Kojiki como o Nihon shoki apresentam uma explicaccedilatildeo para a
existecircncia desta Desordem Desordem eacute uma consequecircncia da libertaccedilatildeo no mundo de kegare
do Yomi-no-kuni contraiacutedo por Izanagi aquando da sua passagem por este domiacutenio inferior
Caracterizado pela sua sujidade 174
Yomi eacute o mundo dos mortos portanto eacute loacutegico que tudo
que faccedila parte desse lugar seja o oposto da Ordem oferecendo um viacutevido contraste com o
171
NISHIGAKI Yukio op cit p457 172
NISHIGAKI Yukio op cit p529 173
ONO Sokyō op cit pp105-107 174
A utilizaccedilatildeo da palavra ldquosujidaderdquo eacute justificada pela leitura do kanji [穢] como kitanaki presente na fala de
Izanagi O kami tem consciecircncia de ter regressado de uma ldquoterra sujardquo (kitanaki kuni 穢國) e procura de imediato
uma fonte de aacutegua para poder lavar o seu corpo (misogi) No texto original a frase lecirc-se ldquoA wa ina
shikomeshikomeki kitanaki kuni ni itarite arikeri Kare A wa mimi no misogi senrdquo (吾者到於伊那志許米志許
米岐 穢國而在祁理故吾者爲御身之禊而) sendo que [吾] eacute uma forma arcaica do pronome pessoal ldquoeurdquo
KURANO K ldquo 上 卷 并 序 rdquo (Prefaacutecio para o Capiacutetulo Superior) 古 事 記 (Kojiki) (on line)
lthttpwww004uppso-netnejpdassai1kojiki_kamiframekojiki_kami_framehtmgt (consultado em 24-06-
2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 63
mundo dos vivos gerado pela vontade dos kami e no qual aflui vida se os kami satildeo
consequecircncia de musubi os magatsui no kami possuem uma natureza diferente no Kojiki
correspondem a Yasomagatsubi-no-kami (八十禍津日神) e Ōmagatsubi-no-kami (大禍津日
神) e no Nihon shoki este uacuteltimo eacute substituiacutedo pelo Ōayatsubi-no-kami (大綾津日の神)
notando-se a inclusatildeo do som aya cujo significado eacute proacuteximo de maga 175
Aparecendo depois dos kami que se manifestaram agrave medida que Izanagi-no-kami se
despia os magatsui no kami satildeo corporizaccedilotildees de kegare Mencionados durante o ritual
misogi harai este par daacute iniacutecio ao ciclo de Desordem e Ordem reconhecido pelo indiviacuteduo
Desordem precede a Ordem que eacute interpretada como a ldquoessecircnciardquo dos naobi-no-kami ou seja
Kamunaobi-no-kami (神直毘神) Ōnaobi-no-kami (大直毘神) e ainda Izunome-no-kami (伊
豆能賣神) 176
A niacutevel etimoloacutegico a escolha do nome dos primeiros dois kami natildeo eacute uma escolha
aleatoacuteria na ediccedilatildeo do Kojiki-den (1940) compilado por Kurano Kenji Norinaga comenta que
os magatsui no kami possuem uma parte inicial que reforccedila a noccedilatildeo de ldquomuitordquo isto eacute yaso e
ō respetivamente uma parte do meio especificamente conotada com ldquonegativordquo (maga e aya)
a partiacutecula bi (日 ) que serve de auxiliar de fala tal como se constata no bi (毘 ) em
Kamunaobi-no-kami e Ōnaobi-no-kami Por conseguinte maga koto e jaaku (凶事邪悪)
derivam da tamashii de magatsubi no kami acrescentando-se que o verbo naosu (直す) pode
corresponder ldquoao ato de purificar atraveacutes de enxaguar o corpordquo (naosu to wa tsumari
susugikiyomerukoto wo iu 直すとはつまり滌ぎ清めることを言う) se maga significa
kegare kiyomeru eacute naosu Por outro lado naobi refere-se agrave mitama (御魂) capaz de efetuar
este naosu em maga acalmando a sua influecircncia 177
Se Norinaga eacute assertivo na origem exterior do mal que afeta tudo em nosso redor
imaginando um magatsubi no kami como derradeira personificaccedilatildeo das coisas malignas
outros autores natildeo compartilham dos mesmos sentimentos com um especial destaque para o
seu grande rival e anterior disciacutepulo Hirata Atsutane Apesar de aceitar a dicotomia maganao
175
Aya eacute o mesmo som presente em palavras simbolizando ldquoperigordquo e ldquocriserdquo (adjetivos ou pressentimentos) tais
como ayaui e ayabumu (Nishigaki pp 55-56) Portanto se Ōmagatsubi eacute literalmente ldquograndeenorme desastrerdquo
o Ōayatsubi eacute ldquograndeenorme perigordquo a conotaccedilatildeo ldquonegativardquo permanece MOTOORI N ldquo6-2 神代四之
巻rdquo (御身滌の段) (6-2 Kami-yo Livro Quatro- A secccedilatildeo de misosogi) 古事記傳 (Kojikiden) (on line)
lthttpkumoi1webfc2comCCP071htmlgt (consultado em 24-06-2018) 176
KURANO K ldquo 上 卷 并 序 rdquo (Prefaacutecio para o Capiacutetulo Superior) 古 事 記 (Kojiki) (on line)
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2018) 177
MOTOORI N ldquo6-2 神代四之巻rdquo (御身滌の段) (6-2 Kami-yo Livro Quatro- A secccedilatildeo de misosogi)
古事記傳 (Kojikiden) (on line) lthttpkumoi1webfc2comCCP071htmlgt (consultado em 24-06-2018)
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Hirata defende uma perspetiva inclusiva de ldquomalrdquo apoiada na ideia de que o ser humano
possui no seu interior o ldquoespiacuterito de Magatsuhi-no-kami que se torna violento quando algo
errado foi cometidordquo e o ldquoespiacuterito de Naobi-no-kamirdquo responsaacutevel por moderar a atuaccedilatildeo do
indiviacuteduo de uma forma relaxada e tranquila 178
Neste sentido definiram-se duas caracterizaccedilotildees distintas no que concerne agrave
interpretaccedilatildeo de mal Norinaga eacute um notoacuterio apoiante da teoria lsquomal= antiacutetese do bemrsquo em
todos os seus sentidos comentando o facto de magatsubi no kami ser uma forccedila que o homem
eacute incapaz de resistir e no seu maior extremo adquire uma natureza incontrolaacutevel indomaacutevel
fora do alcance do poder da kami do Sol e de Takagi no Ōkami (um outro termo para Taka-
musubi-no-kami) Contudo independentemente da sua existecircncia neste mundo ldquoos maus
kamirdquo agem simplesmente de acordo com a sua natureza e podem ser aplacados atraveacutes de
ldquoveneraccedilatildeo e execuccedilatildeo de purificaccedilatildeo quando algueacutem estabeleceu contacto com poluiccedilatildeordquo
No fundo a sua influecircncia negativa pode ser apaziguada e retificada graccedilas ao cultivo de uma
atitude de ldquoobservaccedilatildeo correta de veneraccedilatildeordquo 179
Por outro lado Hirata propotildee uma teoria diferente no sexto volume do Koshiden (古
史伝 ca 1812-1825) o autor rejeita a teoria de que magatsubi-no-kami e naobi-no-kami
associam-se somente agrave aramitama e nigimitama de Amaterasu respetivamente Ou seja a
dualidade aramitamanigimitama eacute comum a qualquer kami encontrando-se exemplos de
veneraccedilatildeo muacutetua da aramitama e nigimitama em locais especiacuteficos (cultos de Ise e Izumo)
Aliaacutes a anaacutelise de Hirata permitiu o estabelecimento de uma relaccedilatildeo entre dois kami e uma
ldquopresenccedila interiorrdquo (mitama) capaz de exercer influecircncia de forma positiva e negativa se
naobi-no-kami pertence agrave nigimitama de Ōmikami (Amaterasu) magatsubi no kami
corresponde agrave aramitama de Susano-o-no-mikoto 180
explica-se deste modo o seu
comportamento tempestuoso e irasciacutevel que levaria ao seu afastamento de Takamahara como
compensaccedilatildeo pelos seus tsumi
Com efeito quer se trate de um kami quer de um homem todos tecircm no seu interior a
capacidade de distinguir o ldquocorretordquo do ldquoerradordquo sendo que uma orientaccedilatildeo correta eacute parte
das responsabilidades do ldquoespiacuteritordquo de Naobi-no-kami moderando-se a atuaccedilatildeo do indiviacuteduo
178
PICKEN Stuart Sourcebook of Shinto op cit p 273 179
UEDA Kenji ldquoMagatsubi no Kami and Motoori Norinagarsquos Theologyrdquo Institute for Japanese Culture and
Classics Kokugakuin University (on line) lthttpwww2kokugakuinacjpijccwpcpjrkamiuedahtmltnoteIgt
(consultado em 24-06-2018) 180
HIRATA A ldquo古史伝 6rdquo National Diet Library (on-line) lthttpdlndlgojpinfondljppid772144gt
(consultado em 24-06-2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 65
de uma forma relaxada e tranquila Em contrapartida o ldquoerradordquo eacute representado pelo ldquoespiacuterito
de Magatsuhi-no-kami que se torna violento quando algo errado foi cometidordquo 181
Ora a existecircncia de um kami da Desordem (interior) natildeo implica a adoccedilatildeo de um
comportamento exclusivamente negativo e incorreto por parte deste magatsubi-no-kami eacute
uma consequecircncia e natildeo a raiz desta conduta tornando-se ldquoviolentordquo no caso da presenccedila de
kegare Estando esta ausente tal comportamento perde a sua razatildeo de ser possibilitando a
transiccedilatildeo do magatsubi no kami para um kami capaz de ldquoconceder felicidaderdquo um kami
beneacutefico e cuja essecircncia nunca pode ser maleacutefica antes pelo contraacuterio 182
No Japatildeo dos dias de hoje os conceitos ldquobemmalrdquo satildeo mais ambiacuteguos do que claros
a classificaccedilatildeo de accedilotildees em boasmaacutes depende das ldquocircunstacircncias motivos propoacutesitos
tempo lugarrdquo embora uma coisa seja certa a ldquosinceridaderdquo do nosso ldquocoraccedilatildeordquo que rege uma
conduta ldquoproacutepriardquo e cortecircs favoraacutevel ao natildeo conflito e agrave manutenccedilatildeo da paz e ordem socialrdquo
Tudo que potildee em causa a harmonia merece o roacutetulo de ldquomalignordquo quer se trate de ldquopecados
poluiccedilatildeo e desastresrdquo cabendo agrave ldquoalmardquo do ser humano distinguir entre o bem e o malrdquo 183
algo que soacute eacute possiacutevel se se cultivar uma relaccedilatildeo suficientemente forte com os kami atraveacutes
desta ligaccedilatildeo muacutetua o homem aprende a afastar-se do que lhe eacute prejudicial uma preocupaccedilatildeo
que se estende a qualquer vertente de shintō dos dias de hoje a reposiccedilatildeo da Ordem eacute sem
duacutevida a grande prioridade dos rituais que se esforccedilam por combater qualquer forma de
Desordem
A segunda grande causa da Desordem eacute kegare uma ldquocondiccedilatildeo poluiacuteda e malignardquo
A ldquoantiacutetese de purezardquo kegare eacute ldquoresultado de fenoacutemenos ocorrentes naturaisrdquo e possui uma
natureza facilmente ldquocontaminaacutevelrdquo uma vez que ldquoquando esta corrupccedilatildeo aderia ao indiviacuteduo
tambeacutem trazia calamidades agrave sociedaderdquo 184
Um termo descritivo de ldquoespeciacuteficos tipos de
impureza causados pelo parto menstruaccedilatildeo doenccedilas e morte (hellip) presenccedila de kegare eacute
ignorada tatari (desgraccedila) pode chegar como avisordquo 185
kegare distingue-se de tsumi por ser
sensorialmente impuro distanciando-se do sentido de eticamente impuro patente em tsumi a
conduta errada que danifica o proacuteprio indiviacuteduo e o coletivo
181
PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit p 273 182
KOYASU Nobukuni Hirata Atsutane no Sekai (平田篤胤の世界) Tokyo Berikansha 2001 p205 183 ONO Sokyō op cit pp105-107 184
NISHIOKA Kazuhiko ldquoKegarerdquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and Doctrines Basic Terms (on line)
lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23417gt (consultado em 24-06-
2018) 185
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit p 191
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 66
A niacutevel etimoloacutegico kegare pode ser escrito de duas formas se usado no discurso do
dia-a-dia utiliza-se [汚] um kanji presente em kitanai (汚い) ou ldquosujordquo kegarawashii (汚ら
わしい) ou ldquonojentordquo yogosu (汚す) e yogoreru (汚れる) respetivamente ldquosujarrdquo e ldquosujar-
serdquo oshoku (汚職) ou ldquocorrupccedilatildeordquo e ainda osen ( 汚染) isto eacute e ldquopoluiccedilatildeordquo (ecoloacutegica)
composto pelo kanji [汚] e pelo kanji usado para escrever o verbo someru (染める) traduzido
por ldquopintarrdquo (no sentido de ldquomancharrdquo) Em suma uma condiccedilatildeo na qual o indiviacuteduo ou o
objeto natildeo estaacute limpo assemelhando-se aos vocaacutebulos fujō (不浄 ldquoimpurordquo) e fuketsu (不潔
ldquonatildeo higieacutenicordquo)
Em contrapartida o kegare ritual escreve-se com o kanji [穢] e o seu som kega eacute um
homoacutefono do vocaacutebulo kega (怪我) significando ldquoferidardquo ou ldquomagoarrdquo involuntariamente
como resultado de erros cometidos claramente reforccedilando a sua conotaccedilatildeo negativa
evidenciada pelo verbo kegareru (汚れる穢れる) que supostamente se desenvolveu graccedilas agrave
junccedilatildeo da partiacutecula ke (geralmente lida como ki 気) e do verbo karu escrito com o mesmo
kanji [離] usado em hanareru (れる) isto eacute ldquoafastar-serdquo 186
Neste sentido kegareru pode ser melhor descrito como uma certa accedilatildeo que provoca
o afastamento do ki - espeacutecie de ldquofluxo de energiardquo imanente em tudo que eacute vivo ndash e
consequentemente eacute capaz de atrair todo o tipo de influecircncias negativas Aliaacutes alguns
estudos modernos realizados por japoneses atribuem a origem de kegare (穢) agrave expressatildeo
kegare (気枯) que constituiacuteda pela junccedilatildeo de ki e kare - forma nominal do verbo kareru
geralmente traduzido por ldquomurcharrdquo - kegare (気枯) significaria literalmente ldquoki que murchardquo
ecoando esta ideia de ldquoafastamento do kirdquo que eacute nada mais do que perda de vitalidade 187
Uma Desordem natural que eacute combatida pela purificaccedilatildeo quer recorrendo ao natildeo
contacto com certos alimentos ou objetos (mono imi 物忌) ou agrave realizaccedilatildeo de ldquoabluccedilotildeesrdquo que
afetem a ldquomente e corpordquo (心身) do indiviacuteduo enquanto este venera os kami kegare eacute ldquoum
estado de divergecircncia do que eacute comum uma condiccedilatildeo que se deve abster-se com receiordquo
Caracterizada pelo gradual murchar de ke ndash substitui-se o kanji [気] pelo de [褻] que significa
ldquomundanordquo ndash kegare pode ateacute afetar os alimentos utilizados nos matsuri ao mesmo tempo
que se reconhece a natureza sagrada destas oferendas pensava-se que os alimentos (odango
feijatildeo) eram ldquotambeacutem uma existecircncia sujardquo que justificava a sua eliminaccedilatildeo pela aacutegua fogo
186
NISHIGAKI Yukio op cit pp269-270
187 ITŌ Nobuhiro ldquo穢れと結界に関する一考察 lsquoケガレrsquoとrsquoケrsquordquo (An analysis concerning kegare and
barriers ldquokegarerdquo and ldquokerdquo) Studies in language and culture (言語文化論集) nordm 24 (1) 2002 pp 3-22
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 67
sal e lama elementos portadores de ldquoefeitos purificadoresrdquo (jōka sayō 浄化作用) sendo
destruiacutedos ou queimados apoacutes as festividades 187
Numa interpretaccedilatildeo alternativa eacute possiacutevel explicar kegare como uma das partes da
dicotomia kegarehare para a antropoacuteloga Namihira Emiko kegare expressa ldquoocasiotildees
poluentes tais como funerais ritos memoriais nascimento de crianccedilas menstruaccedilatildeo feridas
(hellip) poluiccedilatildeo pode vir tanto de morte como de sanguerdquo por oposiccedilatildeo a hare ldquoocasiotildees
auspiciosas ou felizes formais tais como Ano Novo festivais matsuri Shinto Miyamairi e
outras cerimoacutenias Shintordquo positivas 188
de celebraccedilatildeo da vida e reposiccedilatildeo da Ordem
conotando-se com o que na linguagem contemporacircnea eacute automaticamente reconhecido como
ldquopurezardquo
Automaticamente associado a coisas impuras kegare eacute essencial no entendimento da
tradiccedilatildeo de discriminaccedilatildeo do geacutenero feminino sobretudo no que diz respeito a kegare oriundo
de sangue (menstruaccedilatildeo) e do parto posteriormente identificados com ldquoimpureza vermelhardquo
(aka fujō 赤不浄) e ldquoimpureza brancardquo (shira fujō 白不浄) respetivamente um sistema de
classificaccedilatildeo que remonta somente ao Periacuteodo Meiji acrescentando-se uma terceira ldquoforma de
impurezardquo haacute jaacute muito reconhecida na sociedade japonesa e capaz de afetar ambos geacuteneros a
ldquoimpureza negrardquo (kuro fujō 黒不浄) 189
sinoacutenimo de shie ou ldquokegare da morterdquo (死穢)
caucionando o indiviacuteduo contra o prolongado contacto direto e indireto com mortos
Ora jaacute as primeiras fontes histoacutericas japonesas perspetivam kegare como uma forma
de Desordem se no Nihon Kōki (日本後紀) o termo quase nunca surge de forma isolada
fazendo parte das palavras [凶穢] [損穢] [汚穢] e [ 穢悪之事] respetivamente registadas
nos anos 797 806 815 e 811 190
no Zoku Nihongi (続日本紀) regista-se [有穢] ou ldquokegare
arirdquo (ldquoter kegarerdquo) aludindo agrave materializaccedilatildeo de kegare 191
Uma vez que tanto o nascimento e a morte de animais ou humanos satildeo kegare eacute
possiacutevel afirmar que enquanto conceito kegare sofreu uma elevada consciencializaccedilatildeo no
seio da sociedade japonesa ndash kegare eacute algo que pode ldquomancharrdquo e ldquocontaminarrdquo ndash ao ponto de
interferecircncia nos rituais aos kami como se pode constatar no Nihon Sandai Jitsuroku (日本三
188
PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit pp 309-310 189
AMA Toshimaro ldquo日本の rsquo疑似伝統 rsquordquo (Distortion of Japanese Tradition) Meiji Gakuin review
International amp regional studies nordm 8 1991 pp 1-22
190 SAEKI A 日本後紀 朝日新聞本 (Nihon Goki Versatildeo do Jornal Asahi) (on line) lthttpwwwj-
textscomchukokoukiallhtmlgt (consultado em 24-06-2018) 191
MIZUMOTO Masahisa ldquo大本敬久 触穢の成立 日本古代における「穢」概念の変遷rdquo (ldquoBook review
lsquoDevelopment of Shokue Changes of the Kegare Concept in the Ancient Japan by Ōmoto Takahisarsquordquo) Buraku
Kaihō Kenkyū (部落解放研究) nordm 199 2013 pp 118-123
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 68
代実録) Por outras palavras a presenccedila de kegare pode justificar o cancelamento de certos
matsuri encontrando-se vaacuterias referecircncias a esta ldquointerrupccedilatildeordquo (teishi停止) no registo do ano
683 (Kinensai e Hirano Umemiya matsuri) e no de 866 e 874 (Tsukinamisai) outro exemplo
a ter em consideraccedilatildeo data do seacutetimo ano da era Jōgan (nono mecircs deacutecimo primeiro dia) e
ilustra kegare como algo nocivo agrave execuccedilatildeo dos ldquoritosrdquo no Ise Jingū que eacute eliminado por
membros da corte 192
Podendo ser visto ouvido degustado cheirado e tocado algo expresso no conceito
de shokue (触穢) literalmente ldquokegare de toquerdquo ndash o primeiro kanji eacute o mesmo usado para o
verbo ldquotocarrdquo (sawaru) ndash kegare eacute classificado por fontes do Periacuteodo Heian como o jaacute
mencionado Nihon Sandai Jitsuroku que lista as seguintes categorias shokue (nas croacutenicas
dos anos 859 862 e 886) shie (episoacutedios dos anos 861-864 865 871 876 878-879 880
882-883 885-887) - especificando se se trata da morte de um animal (catildees cavalos raposa)
ou de um humano (人死穢 e 人死之穢) procedendo-se ao cumprimento de regras de
ldquoabstenccedilatildeordquo como medidas de contingecircncia contra o alastramento de impureza - e san no
kegare exclusivamente associado a catildees ndash no texto original lecirc-se presumivelmente inu sanrsquoe
(犬産穢) ndash descritos no nono mecircs do terceiro dia (ano 865) no deacutecimo mecircs do seacutetimo dia
(ano 867) em dois dias do ano 870 nos anos 877 879 880 884 885 e por uacuteltimo no ano
886 193
Quanto a ketsue (血穢) ou chi no kegare a ldquoimpureza de sanguerdquo eacute discriminada no
episoacutedio do Kojiki (reinado do Imperador Keikō) que descreve o casamento entre Yamato-
takeru-no-mikoto (倭建命) e a menstruada Miya-uke-hime (美夜受比売) um facto entoado
num ldquopoemardquo (uta 歌) pelo proacuteprio esposo e correspondido por esta na noite de nuacutepcias
Assim ketsue eacute o melhor representante da visatildeo lsquosangue = impurezarsquo independentemente de
este pertencer a uma mulher ou a um homem o sangue de um ser vivo era encarado num
misto de receio e fasciacutenio pensando-se que este liacutequido era portador de ldquoum poder forterdquo
192
SAEKI A 日本三代實録 全巻朝日新聞本 (Nihon Sandai Jitsuroku Volume Completo Versatildeo de do
Jornal Asahi) (on line) lthttpwwwj-textscomchukosandaihtmlgt (consultado em 24-06-2018) 193
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Jornal Asahi) (on line) lthttpwwwj-textscomchukosandaihtmlgt (consultado em 24-06-2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 69
Como resultado o sangue tornar-se-ia um imi (忌) a nunca referir em discurso muito menos
durante a realizaccedilatildeo dos atos de veneraccedilatildeo aos kami 194
Em contrapartida tambeacutem o Saigūki (西宮記 ca seacutec X) regista casos de ketsue
durante o Kamo-matsuri no quarto mecircs do ano 839 e no Sono-matsuri segundo mecircs do ano
851 190
Seguidamente em contexto dos proacuteprios ritos do Naikū a proacutepria palavra ldquosanguerdquo
(血) seria adicionada agrave lista de imikotoba presente no Kōtai Jingū Gishiki-chō 195
Jaacute na 52ordf
aliacutenea do terceiro volume do Engishiki caucionar-se-ia as menstruadas jovens do palaacutecio (ari
tsuki-goto-mono 有月事者) a retirarem-se para suas casas na veacutespera do matsuri e praticar
ldquoabstinecircnciardquo (kessai 潔斎) no terceiro e nono mecircs (Anexo I) 196
Uma vez que o sangue eacute um liacutequido presente no parto de animais e seres humanos natildeo
eacute estranho o facto de o nascimento partilhar do mesmo sentido negativo que a morte ou o
sangue menstrual como jaacute mencionado o Nihon Sandai Jitsuroku cita ocorrecircncias de dano
fetal e nascimento de catildees como motivos para adiar certos ritos 197
e em dois episoacutedios
descritos no ano de 919 (Teishinkōki) e 1119 (Chōshūki) respetivamente se no primeiro caso
esta variedade de kegare eacute mais que suficiente para interromper o Kinensai - agrave semelhanccedila do
ano 683 (Nihon Sandai Jitsuroku) ndash no segundo o parto de uma crianccedila originou kegare que
se espalhou por todos os cantos 198
194
IDE Maya USHIYAMA Yoshiyuki ldquo古代日本における穢れ観念の形成rdquo (Formation of Attitudes
Toward Pollution [kegare] in Ancient Japan) Shinshu University Journal of Educational Research and Practice
(信州大学教育学部研究論集) nordm 9 2016 pp 81-93 195
O Kōtai Jingū Gishiki-chō foi produzida por volta do seacutec IX pelo Naikū e entregue ao Jingikan para revisatildeo
Interessantemente a maior parte deste conjunto de palavras satildeo de origem ldquobudistardquo refletindo a abominaccedilatildeo de
shintō em relaccedilatildeo a ldquoensinamentos de forardquo Segundo Wada a expressatildeo ldquo 血乎阿世止云 rdquo significa
simplesmente que ldquoaserdquo (阿世) ndash ase pode querer indicar a palavra japonesa para ldquosuorrdquo (汗) - deve ser usada
como ldquosubstituto de ldquochirdquo (sangue) O autor afirma tambeacutem que sangue e urina eram considerados liacutequidos
impuros portanto automaticamente interditos nestes espaccedilos WADA Atsumu ldquo特別寄稿 古代社会とケガレ
意識rdquo (Contribuiccedilatildeo Especial Sociedade dos Tempos Antigos e a consciencializaccedilatildeo de kegare) 奈良県立同和問題関係史料センター 研究紀要 (Centro Prefeitoral de Nara para Registos Histoacutericos de Discriminaccedilatildeo
Boletim de Investigaccedilatildeo) Nara-ken Ritsudō Wa Mondai Kankei Shiryō Sentā Kenkyū kiyō) nordm 11 Dezembro
2007 pp 114-136 196
FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第三 神祇三 臨時祭rdquo (Terceiro Livro Jingi Trecircs Matsuri de
Ocasiotildees Extraordinaacuterias) 延 喜 式 (Engishiki) (on-line)
lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi03htmgt (consultado em 24-06-2018) 197
SAEKI A 日本三代實録 全巻朝日新聞本 (Nihon Sandai Jitsuroku Volume Completo Versatildeo de do
Jornal Asahi) (on line) lthttpwwwj-textscomchukosandaihtmlgt (consultado em 24-06-2018)
198 IDE Maya USHIYAMA Yoshiyuki ldquo古代日本における穢れ観念の形成rdquo (Formation of Attitudes
Toward Pollution [kegare] in Ancient Japan) Shinshu University Journal of Educational Research and Practice
(信州大学教育学部研究論集) nordm 9 2016 pp 81-93
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 70
No que concerne a shie esta eacute talvez a forma de kegare mais abominada pela
sociedade japonesa pela sua ligaccedilatildeo direta com a morte morte (intencional ou natural) nunca
eacute motivo de celebraccedilatildeo e os rituais de shintō priorizam a vida ou seja ldquocrescer culturas e
receber vida Receber vida e dar graccedilas agrave vida representa a visatildeo de vida fundamental de
Shintordquo 199
tornando os matsuri natildeo soacute expressotildees de rituais positivos mas tambeacutem
celebraccedilotildees da vida da sociedade aproximando o indiviacuteduo do coletivo
Com efeito se a vida aproxima a morte afasta e traz consigo kegare a sua existecircncia
poderaacute provocar o cancelamento de certos matsuri Ao longo da histoacuteria do Japatildeo morte
nunca foi desassociada de kegare e imi sendo que ateacute mesmo a sociedade contemporacircnea
hesita em referir-se abertamente agrave morte individual de seres humanos respeitando uma seacuterie
de regulaccedilotildees que envolvem a natildeo pronunciaccedilatildeo de palavras que pudessem ser analogias agrave
morte (imikotoba) a praacutetica de ldquokichūrdquo (忌中) entre as pessoas da mesma famiacutelia do falecido
a distribuiccedilatildeo de um tipo de ldquosal purificadorrdquo (kiyome no shio 清めの塩 ) entre os
participantes do funeral Incidentalmente o costume ldquomodernordquo de visitar as campas dos
antepassados e dos membros da famiacutelia recentemente falecidos era totalmente posto de parte
pela corte do Periacuteodo Heian temendo-se o perigo de contaminaccedilatildeo devido agrave forte ldquoligaccedilatildeo de
sanguerdquo entre membros da mesma famiacutelia (sobretudo parentes proacuteximos) 200
Surgindo frequentemente no Kojiki e Nihon shoki kegare natildeo passa de uma palavra
(adjetivo verbo ou nome) sem categorizaccedilotildees integrando um grupo de vocaacutebulos constituiacutedo
por termos de conotaccedilatildeo negativamaligna kitanashi (垢濁悪) ashi (悪邪 凶) arashi
(荒) shiko (醜 凶) e maga (禍 悪 禍害枉 凶) 201
Ora independentemente da ausecircncia do
kanji (死穢) ambas fontes reconhecem a natureza ldquopoluenterdquo da morte no Kojiki o Yomi-no-
kuni eacute descrito como um local desolador repleto de kegare no qual residem mulheres ldquoodiosasrdquo
e um mundo afastado de tudo que eacute vivo Assim na passagem do retorno do Izanagi ao
mundo da superfiacutecie o kanji eacute lido pela primeira vez como adjetivo (kitanaki) 202
199
SANDVIK Leiff Showcasing Shinto The Reinvention of Shinto as an Ecological Religion Masterrsquos Degree
Thesis in History of Religion submitted to the Department of Culture Studies and Oriental Languages of the
University of Oslo supervised by Prof Nora Stene Preston and Prof Dr Mark Teuween 2011 200
AMA Toshimaro ldquo日本の rsquo疑似伝統 rsquordquo (ldquoDistortion of Japanese Traditionrdquo) Meiji Gakuin review
International amp regional studies nordm 8 1991 pp 1-22 201
ITŌ Nobuhiro ldquo穢れと結界に関する一考察 lsquoケガレrsquoとrsquoケrsquordquo (An analysis concerning kegare and
barriers ldquokegarerdquo and ldquokerdquo) Studies in language and culture (言語文化論集) nordm 24 (1) 2002 pp 3-22 202
KURANO K ldquo 上 卷 并 序 rdquo (Prefaacutecio para o Capiacutetulo Superior) 古 事 記 (Kojiki) (on line)
lthttpwww004uppso-netnejpdassai1kojiki_kamiframekojiki_kami_framehtmgt (consultado em 24-06-
2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 71
Com efeito a relaccedilatildeo shi ndash kegare ndash fujō repercute-se no Nihon shoki [穢] marca
presenccedila nas falas de Izanagi primeiro como adjetivo qualificativo de um ldquolugar horrendo e
sujordquo (inashikomeki kitanaki tokoro 不須也凶目汚穢之處) que eacute identificado com o Yomi-
no-kuni o mundo dos mortos Seguidamente o kanji precede o de [濁] ou nigoru (ldquoturvordquo)
base dos nigorasu nigoraseru e um sinoacutenimo de yogoreru (ldquosujar-serdquo) descreve-se deste
modo o corpo fisicamente ldquosujordquo de Izanagi-no-mikoto que precisa de ser lavado (mi no
kegawashikimono wo arai saran 身の濁穢 を滌い去らん) 203
A associaccedilatildeo entre a morte e a Desordem estende-se para laacute dos episoacutedios de cariz
mitoloacutegico o registo da regente imperial Kōgyoku nota que no seguimento da morte (em
territoacuterio japonecircs) de um filho do diplomata do reino coreano de Paekche nenhum dos
membros da famiacutelia se dignou a aparecer no seu funeral temendo-se uma possiacutevel
contaminaccedilatildeo Apesar de esta atitude de evitaccedilatildeo natildeo ser japonesa a popularidade de obras
chinesas que descreviam as cerimoacutenias e os ritos funeraacuterios (envergamento de branco cor do
luto) contribuiria para a fundamentaccedilatildeo de uma tradiccedilatildeo de evitaccedilatildeo de shie a vaacuterios niacuteveis
comeccedilando com definiccedilotildees do enterro a interdiccedilatildeo da cerimoacutenia mogari e outros costumes
que envolviam a morte (corte de cabelo para o bem dos mortos) 204
Por volta do Periacuteodo Heian jaacute era ldquooficialrdquo a abominaccedilatildeo dos membros da corte em
relaccedilatildeo a kegare o Kōnishiki (弘仁式) do Saigūki o Jingiryō e eacute claro o Engishiki definem
kegare como um conjunto de atos a evitar por parte dos indiviacuteduos no seacutetimo volume do
Saigūki nascimento e morte de pessoas e animais domeacutesticos o consumo de carne destes
uacuteltimos fazer luto e visitar doentes implicava um periacuteodo de ldquoevitaccedilatildeordquo ritual de trinta dias
(morte humana) sete dias (nascimento humano) cinco dias (morte animal) e trecircs dias
(consume de carne luto e visita de doentes) 205
No que concerne ao Jingiryō segundo as aliacuteneas dedicadas agrave ldquoabstinecircnciardquo (散斎条)
enterrar coisas em casa luto visita de doentes consumo de carne natildeo produccedilatildeo de muacutesica
entre outros atos de caraacutecter legal (ldquonatildeo julgar em tribunais natildeo punir culpadosrdquo) justificam
este ritual de reposiccedilatildeo da Ordem cuja duraccedilatildeo depende da dimensatildeo dos ritos em questatildeo
203
SAKAMOTO Trdquo一書第六 原文rdquo (Sexto livro Texto Original) 日本書紀 卷第一 第五段 (Nihon
shoki Primeiro Capiacutetulo Quinta Secccedilatildeo) (on line) lthttpwww004uppso-
netnejpdassai1shokiframe0105_06frhtmgt (consultado em 24-06-2018) 204
ITŌ Nobuhiro ldquo穢れと結界に関する一考察 lsquoケガレrsquoとrsquoケrsquordquo (An analysis concerning kegare and
barriers ldquokegarerdquo and ldquokerdquo) Studies in language and culture (言語文化論集) nordm 24 (1) 2002 pp 3-22 205
IDE Maya USHIYAMA Yoshiyuki ldquo古代日本における穢れ観念の形成rdquo (Formation of Attitudes
Toward Pollution [kegare] in Ancient Japan) Shinshu University Journal of Educational Research and Practice
(信州大学教育学部研究論集) nordm 9 2016 pp 81-93
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
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(inspirado nos coacutedigos da dinastia Tang) ldquograndes ritosrdquo soacute se realizavam apoacutes um periacuteodo de
ldquoabstenccedilatildeordquo mensal (1ヶ月の斎を大祀) trecircs dias no caso dos ldquoritos meacutediosrdquo (3日の斎を
中祀) e um dia para os ldquoritos pequenosrdquo (1日の斎を小祀) 206
Agrave semelhanccedila de Jingiryō e do Saigūki o Engishiki repercute a tendecircncia de
ldquoevitaccedilatildeordquo como o uacutenico modo de se precaver contra os perigos de kegare formalmente
designando esta de shokue Mencionada sobretudo no terceiro volume concretamente nas
aliacuteneas 47 48 53 e 54 shokue deve ser eliminado consoante as especificaccedilotildees presentes no
Saigūki na segunda aliacutenea os atos de luto (弔喪) visitar doentes e ldquoalcanccedilar um lugar onde
um montemontanha estaacute a ser construiacutedo ou encontrar um serviccedilo memorial Budista de 37
diasrdquo inviabiliza a entrada do indiviacuteduo no ldquoPalaacutecio Imperial nesse diardquo independentemente
de o proacuteprio natildeo estar contaminado (Anexo I) Na terceira aliacutenea afirma-se que shokue pode
ser transmitido de um local para uma pessoa ou um grupo apesar de natildeo haver risco de
kegare para as pessoas em contacto com uma segunda pessoa ldquocontaminadardquo Jaacute na uacuteltima
aliacutenea a presenccedila de kegare num ldquooficial do Palaacuteciordquo natildeo pode comprometer os
procedimentos dos matsuri 207
O aprofundamento do estudo do conceito de kegare tambeacutem facultou o
desenvolvimento de toda uma perspetiva japonesa na qual objetos locais accedilotildees e ateacute mesmo
palavras satildeo rapidamente integradas no quadro cerimonial shintō embora como distintos
entraves a este uacuteltimo Ora apesar de imi natildeo lhe ser inato (a shintō) e jaacute ter existido de forma
latente na sociedade arcaica foi graccedilas ao processo de edificaccedilatildeo desta Via por parte da corte
que imi ndash geralmente entendido num sentido muito negativo ndash gradualmente conjugaria
ambos aspeto de causa e efeito da Desordem e da Ordem evidenciada pela dicotomia imi (忌)
e imi (斎) dois kanji homoacutefonos de significado antiteacutetico que constituem uma seacuterie de
vocaacutebulos e expressotildees geralmente conotadas com o negativo e o positivo respetivamente
No caso do primeiro imi este eacute alternadamente lido como imu e ki (foneacutetica chinesa)
marcando presenccedila nas palavras imawashii (忌まわしい) um adjetivo traduzido como ldquomau
pressaacutegiordquo 208
o nome kinki ( 禁忌) accedilatildeo interdita em meios sociais (ldquofrases proibidasrdquo
206
IGARI Hiromi ldquo第六 神祇令 全 20 条rdquo (Sexto [Volume] Jingiryō todas as 20 aliacuteneas) 現代語訳「養老 令 」 全 三 十 編 (Traduccedilatildeo moderna Yōrō-ryō todos os 30 volumes) (on-line)
lthttpwwwsoldtinejphiromikanseiyoro06htmlgt (consultado em 24-06-2018) 207
FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第三 神祇三 臨時祭rdquo (Terceiro Livro Jingi Trecircs Matsuri de
Ocasiotildees Extraordinaacuterias) 延 喜 式 (Engishiki) (on-line)
lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi03htmgt (consultado em 24-06-2018) 208
NISHIGAKI Yukio op cit p90
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 73
denominam-se kinku 禁句) expressa numa atitude de afastamento e natildeo contacto com certas
coisas - uma vez que ldquoquebrar o tabu convidaria desgraccedilas tais como feridas e doenccedilasrdquo 209
e
as imikotoba (忌詞) cuja pronunciaccedilatildeo atrai ldquomaacute-sorterdquo ldquodesastresrdquo e ldquodesgraccedilasrdquo 210
Englobando dezenas de verbos adjetivos e outros vocaacutebulos do dia-a-dia imikotoba
natildeo devem ser proferidas em casamentos e noivados (acabar ndash owaru cortarcortar-se ndash
kirukireru) admissotildees escolares e empresariais e sucesso no trabalho (desistirparar ndash yameru
interrupccedilatildeo ndash chūshi) abertura de lojas e negoacutecios (fechar ndash tojiru perder ndash makeru) gravidez
e parto (cair ndash ochiru jazer ndash horobiru fraco ndash yowai murchar ndash kareru) construccedilatildeo de casas
(fogo - hika fumo ndash kemuri) e ainda expressotildees de longevidade 211
Por conseguinte imi (忌) eacute integrado na terminologia fuacutenebre japonesa kichū (忌中)
e kiake (忌明け) expressam o periacuteodo preacute-definido e o fim de [忌] cujo objetivo eacute fazer com
que o indiviacuteduo receie a morte e tudo que esteja relacionado com esta justificando uma
conduta mais cuidada moderada e austera Neste sentido o familiar do falecido refreia-se de
praticar os atos de veneraccedilatildeo em jinja sendo-lhe interdita a entrada na aacuterea destes uacuteltimos e a
sua participaccedilatildeo em matsuri ocasiotildees festivas (casamentos e outras cerimoacutenias viagens
luacutedicas) eventos de celebraccedilatildeo (adiados ateacute kiake) renovaccedilatildeo da casa solo e compras de
grande porte Para o efeito o indiviacuteduo pode escolher sujeitar a casa a uma purificaccedilatildeo
domeacutestica denominada kiake harai (忌明け祓い) cinquenta dias apoacutes a morte do falecido
De caraacutecter muito simples esta praacutetica envolve a entoaccedilatildeo de uma inori por parte de um
ldquoprofissionalrdquo 212
209
Iwai Hiroshi acrescenta que este kinki se relaciona com abstinecircncia do indiviacuteduo (monoimi) sendo que no
caso dos que executam os ritos kami procurava-se manter ldquoum estado de pureza fiacutesica e mentalrdquo evitando
contactar coisas poluiacutedas por um periacuteodo especiacutefico No caso da morte de um parente as pessoas de luto nunca
podem sair agrave rua IWAI Hiroshi ldquoKinkirdquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and Doctrines Basic Terms (on
line) httpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23410gt (consultado em 24-06-
2018) 210
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 171-172
211 Muitas destas palavras foram escolhidas pelo seu significado negativo e ldquopessimistardquo por exemplo ldquopartirrdquo
(saruwareru) e ldquocortar (kiru) podem indicar um eufemismo para morte acrescentando-se o nuacutemero quatro (shi)
que eacute homoacutefono da palavra ldquomorterdquo (shi) Fumitei お祝いには避けたい 忌み言葉 (Querer evitar em
celebraccedilotildees as imikotoba) (on line) lthttpwwwfumiteijpstep3imi_kotobahtml04syussangt (consultado em
24-06-2018) 212
Imi varia consoante o membro da famiacutelia em questatildeo e geralmente eacute feito em simultacircneo com fuku (服) se
bem que este uacuteltimo associa-se ao esforccedilo mental do indiviacuteduo que procura ultrapassar a sensaccedilatildeo de perda e
regressar agrave sua vida normal algo que pode estender-se ateacute seis meses Hyōgo-ken Jinja-chō 先祖のおまつり
(Celebraccedilatildeo dos antepassados) (on line) lthttpwwwhyogo-jinjachocomfaqfaq08htmlgt (consultado em 24-
06-2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 74
Como se pode constatar a maioria das palavras derivadas de [忌] natildeo possuem um
significado positivo (exceccedilatildeo de kiake e kiake harai) o que eacute concordante com a tradiccedilatildeo de
lsquoimi= malrsquo ilustrada na literatura de corte dos Periacuteodos Nara-Heian (manuais e outros textos
rituais) assemelhando-se aos termos kegare e tsumi
No entanto deve-se ter sempre em consideraccedilatildeo a natureza ambiacutegua deste termo
Nishigaki Yukio (2005) define imu (忌斎) como lsquocoisas sagradasrsquo (shinsei na mono 神聖な
もの) morte e coisas sujas que as pessoas do Japatildeo antigo pensavam que natildeo se podiam tocar
devido ao facto de possuir um poder forterdquo 213
capaz de influenciar positiva e negativamente o
indiviacuteduo ecoando a interpretaccedilatildeo sugerida por Okada Shigekyo (1982) na sua pesquisa
acerca do significado dual de imi o autor menciona o facto da palavra imu (斎) ser usada para
qualificar ldquocoisas purasrdquo (seijōshōjō na mono 清浄な物) e indicar assuntos de kami que
envolviam uma ldquoabstinecircncia optimistardquo contrastando com imu (忌) que denotava ldquocoisas
impurasrdquo (fujō na mono 不浄な物) relacionando-se com os afazeres de kami e puacuteblicos
(negativos por natureza) que obrigavam a uma atitude automaacutetica de afastamento 214
como
meio de repor a Ordem
A ideia de um imi positivo e um imi negativo tambeacutem eacute partilhada por Ama
Toshimaro (1991) embora nos dias de hoje ldquoimirdquo (イミ) tenha adquirido o significado de
[忌] [禁忌] e [禁制 concordante com uma atitude de evitaccedilatildeo na liacutengua japonesa imi possui
um outro significado se for escrito com o kanji [斎] passando a ler-se imi (斎み) termo que
indica a palavra seishin kessai (精神潔斎)rdquo ndash literalmente kessai mental entendida no sentido
de ldquoabstinecircncia positiva do corpordquo (sekkyokuteki ni mi wo tsutsushimi積極的に身を慎み) ndash
e consequentemente ldquoaponta o ato de o proacuteprio decidir entrar no mundo sagrado dos kamirdquo
Por outras palavras se [忌み] indicar sobretudo um princiacutepio comportamental negativo pode-
se dizer que [斎み] eacute um princiacutepio comportamental positivo concentrado na ldquodiscriccedilatildeordquo 215
No Nihon shoki a divisatildeo natildeo eacute sempre clara imi (忌) eacute usado na palavra ōmimi (所
忌 ) alimentos proibidos de consumo por parte do imperador evidenciando a noccedilatildeo de
213
NISHIGAKI Yukio op cit p90 214
IDE Maya USHIYAMA Yoshiyuki ldquo古代日本における穢れ観念の形成rdquo (Formation of Attitudes
Toward Pollution [kegare] in Ancient Japan) Shinshu University Journal of Educational Research and Practice
(信州大学教育学部研究論集) nordm 9 2016 pp 81-93 215
AMA Toshimaro ldquo日本の rsquo疑似伝統 rsquordquo (ldquoDistortion of Japanese Traditionrdquo) Meiji Gakuin review
International amp regional studies nordm 8 1991 pp 1-22
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 75
ldquoabstinecircnciardquo e tambeacutem o estatuto especial do soberano japonecircs uma vez que todos os sais
satildeo-lhe proibidos excepto um sal especiacutefico 216
Contudo caso a situaccedilatildeo descrita seja negativa abandona-se a conotaccedilatildeo positiva de
imi evidenciado por expressotildees cujo significado pode ser de facto considerado como algo de
caraacutecter ldquopessimistardquo a palavra [国忌齋] designando o periacuteodo de ldquoabstinecircnciardquo (忌斎)
vigente em todo o paiacutes (adiamento de qualquer tipo de rituais shintō e enfoque nos rituais
budistas dirigidos aos mortos) ordenado primeiramente por Jitō e que duraria uma semana 217
e eacute claro o ldquodia de imirdquo (imibi忌日) indicando especificamente a data da morte do imperador
(dia 16 do segundo mecircs do segundo ano de Jitō) 218
Jaacute no Nihon Sandai Jitsuroku imibi eacute
formalmente explicado nos anos de 859 (o imibi de uma Imperatriz e natildeo do Imperador) 868
(Imperador Montoku decorrido anualmente no oitavo mecircs) e ano 886 (imibi do Imperador
Ninmyō vigeacutesimo primeiro dia do terceiro mecircs constatando-se a anual leitura de sutras no
tempo Unrin-in (雲林院) 219
Por outro lado a conotaccedilatildeo negativa de [忌] natildeo eacute muito visiacutevel no Kōtai Jingū
Gishiki-chō uma vez que eacute a presenccedila do kanji [忌] nas palavras [忌柱] [忌鍬] e [忌種] que
as reveste de uma natureza sagrada proacutepria de oferendas consagradas nos ritos aos kami uma
forma de culto que se estenderia ao proacuteprio Imperador realizando-se cerimoacutenias que
envolviam a preparaccedilatildeo de alimentos (arroz sobretudo) Submetidos a um processo de
abstinecircncia pelo fogo (imibi忌火) este arroz designar-se-ia oficialmente [忌火御飯] sendo
servido no primeiro dia do sexto mecircs 220
No que diz respeito ao Engishiki segue-se esta tendecircncia na qual o kanji pode
expressar coisas positivas (exceccedilatildeo de imikotoba) de entre as quais imibi presente no Niwabi-
216
Nihonsinwa ldquo大伴金村による真鳥の誅殺と塩の呪いrdquo (A execuccedilatildeo criminal de Matori e a maldiccedilatildeo do
sal devido a Ōtomo-no-kanemura) 武烈天皇(八)日本書紀 (Imperador Buretsu 8 Nihon shoki) (on line)
lthttpnihonsinwacompage1537htmlgt (consultado em 24-06-2018) 217
Sekai Daihyakka Jiten Dai 2 Han (Grande Enciclopeacutedia do Mundo Segunda Ediccedilatildeo) ldquo国忌rdquo (Kokki) コト
バンク (Kotobank ) (on line) lthttpskotobankjpwordE59BBDE5BF8C-498821gt (consultado
em 24-06-2018) 218
SAKAMOTO T 日本書紀 国史大系版 (Nihon shoki Ediccedilatildeo do Compecircndio da Histoacuteria Nacional) (on
line) lthttpwwwj-textscomjodaishokiallhtmlgt (consultado em 24-06-2018) 219
SAEKI A 日本三代實録 全巻朝日新聞本 (Nihon Sandai Jitsuroku Volume Completo Versatildeo de do
Jornal Asahi) (on line) lthttpwwwj-textscomchukosandaihtmlgt (consultado em 24-06-2018) 220
ITŌ Nobuhiro ldquo穢れと結界に関する一考察 lsquoケガレrsquoとrsquoケrsquordquo (An analysis concerning kegare and
barriers ldquokegarerdquo and ldquokerdquo) Studies in language and culture (言語文化論集) nordm 24 (1) 2002 pp 3-22
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 76
matsuri (庭火祭) e Niinamesai (新嘗祭) celebrados no deacutecimo segundo mecircs e deacutecimo
primeiro respetivamente 221
Se na perspetiva anterior ao Periacuteodo Nara defendia-se o significado sagrado da
palavra imi no periacuteodo de expansatildeo das culturas Nara e Heian constata-se o oposto a
interaccedilatildeo entre shintō e outras Vias urge uma necessidade de divisatildeo entre coisas maacutes e coisas
boas rotulando-se deste modo a tradiccedilatildeo de ritos fuacutenebres imperiais como ldquoritos malignosrdquo
(kyōrei 凶礼) o ldquomalignordquo eacute o representante de algo contraacuterio agrave Ordem que se distingue de
outros ritos imperiais e dos matsuri nacionais interpretados como ldquocomportamento benignordquo
(yoshimichi吉義) e portanto de impacto positivo 222
Consequentemente a influecircncia de imi na sociedade japonesa estender-se-ia ao
domiacutenio do discurso tornando as imikotoba palavras ldquonegativasrdquo mas que natildeo deixam de ser
sagradas no sentido de a sua pronunciaccedilatildeo transportar consigo um poder inexplicaacutevel e natildeo
fiacutesico 223
Uma vez que a ideia japonesa de ldquosagradordquo natildeo faz a distinccedilatildeo entre coisas
boasmaacutes inexplicaacuteveis por meios convencionais eacute possiacutevel afirmar que esta
consciencializaccedilatildeo da existecircncia de palavras perigosas no discurso contemporacircneo reflete o
lado mais prejudicial da tradiccedilatildeo japonesa de kotodama (言霊)
Associada a um domiacutenio natildeo tatildeo material mas mais subtil e espiritual kotodama eacute
uma palavra composta pelo kanji de ldquopalavrardquo (言) e o de ldquoespiacuteritordquo (tama eacute a leitura
alternativa do termo rei) e ldquorefere-se ao poder espiritual contido dentro de palavras mas
tambeacutem refere agrave concepccedilatildeo de que poder espiritual pode ser manifestado atraveacutes da entoaccedilatildeo
de palavrasrdquo 224
Neste sentido kotodama pode condicionar uma divisatildeo bipartida favoraacutevel ao
modelo ldquopensamento -palavra-accedilatildeordquo no qual o falante escolhe cuidadosamente o que quer
dizer atraindo coisas boasmaacutes para si e para os seus se norito satildeo boas para quem as entoa (e
para quem as escuta) as imikotoba (忌詞) ndash palavra composta pelo termo imi e o kanji lido
221
FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第二 神祇二 四時祭下rdquo (Segundo Livro Jingi Dois Matsuri das
Quatro Estaccedilotildees Parte Inferior) 延 喜 式 (Engishiki) (on-line)
lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi02htmgt (consultado em 24-06-2018) 222
AMA Toshimaro ldquo日本の rsquo疑似伝統 rsquordquo (ldquoDistortion of Japanese Traditionrdquo) Meiji Gakuin review
International amp regional studies nordm 8 1991 pp 1-22 223
WADA Atsumu ldquo特別寄稿 古代社会とケガレ意識rdquo (Contribuiccedilatildeo Especial Sociedade dos Tempos
Antigos e a consciencializaccedilatildeo de ldquoimpurezardquo) 奈良県立同和問題関係史料センター 研究紀要 (Centro
Prefeitoral de Nara para Registos Histoacutericos de Discriminaccedilatildeo Boletim de Investigaccedilatildeo) Nara-ken Ritsudō Wa
Mondai Kankei Shiryō Sentā Kenkyū kiyō) nordm 11 Dezembro 2007 pp 114-136 224
YONEI Teruyoshi ldquoKotodamardquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and Doctrines Basic Terms (on line)
lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23386gt (consultado em 24-06-
2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 77
como kotoba (詞) - provocam efetivamente a Desordem ao serem portadoras impliacutecitas de
ldquoimpurezardquo (kegare) a niacutevel discursivo devendo por isso sujeitar-se a uma peculiar
purificaccedilatildeo abstinecircncia vocabularverbal
Devidamente listadas nos coacutedigos e regulaccedilotildees cerimoniais de entatildeo as imikotoba
eram evitadas atraveacutes da sua substituiccedilatildeo por outros termos parecidos no Kōtai Jingū Gishiki-
chō ldquobater numa pessoardquo [人打] eacute substituiacutedo por atsu (奈津) naku (鳴) ndash homoacutefono do
verbo chorar (naku 泣く ) do qual derivam laacutegrimas ndash eacute trocado por shiotare (塩垂 )
significando literalmente rdquoderramar salrdquo [宍] ndash refere-se a carne de animais ndash eacute substituiacuteda
por [多気] nakago (中子) eacute usado em vez de butsu (仏) indicando o local de veneraccedilatildeo de
estaacutetuas budistas a palavra sutra (kei 経) eacute trocada pela expressatildeo arcaica [志目加彌]
traduzida como ldquosomekamisomegamirdquo literalmente ldquopapel pintadordquo ndash os primeiros dois kanji
indicariam uma leitura foneacutetica do verbo ldquopintarrdquo (someru) e os outros a palavra japonesa
para ldquopapelrdquo (kami紙) ndash uma vez que desde o Periacuteodo Nara que os rolos de pergaminho eram
pintados com a cor amarela algo que supostamente servia de estrateacutegia contra os insetos 225
Seguindo o meacutetodo de substituiccedilatildeo os vocaacutebulos ldquopagoderdquo (tō 塔) ldquomongerdquo (hōshi
法師) o ldquolaicordquo upāsaka (ubasoku 優婆塞) ldquotemplordquo (tera 寺) ldquoabstinecircncia de comidardquo
(toki斎食) ldquomorterdquo (shi 死) ldquocampardquo (hakaba 墓) e ldquodoenccedilardquo (yamai病) satildeo abandonados
em favor de kanji foneticamente lidos como verbos ou simples termos japoneses utiliza-se
ldquocabelo compridordquo (kaminaka髪長) para ldquomongerdquo uma expressatildeo que natildeo reflete a realidade
uma vez que uma das caracteriacutesticas visiacuteveis dos monges e monjas eacute o corte regular do
cabelo em vez de ldquomorterdquo recorre-se agrave expressatildeo naoru (奈保利物) significando o verbo
ldquocurarrdquo (naoru) isto eacute trazer de volta a ldquoforccedila vitalrdquo (生命) o nome nagusamenagusa (慰)
no sentido de ldquoacalmarrdquo eacute usado em vez de ldquodoenccedilardquo 226
Natildeo obstante algumas palavras substitutas satildeo escolhidas pela sua aproximaccedilatildeo agrave
respetiva imikotoba ldquopagoderdquo torna-se araraki (阿良々支) designando a planta ichii cuja
folha dividida lembra a beira do telhado de uma torre ubasoku eacute substituiacutedo por tsunohasu
225
WADA Atsumu ldquo特別寄稿 古代社会とケガレ意識rdquo (Contribuiccedilatildeo Especial Sociedade dos Tempos
Antigos e a consciencializaccedilatildeo de kegare) 奈良県立同和問題関係史料センター 研究紀要 (Centro
Prefeitoral de Nara para Registos Histoacutericos de Discriminaccedilatildeo Boletim de Investigaccedilatildeo) Nara-ken Ritsudō Wa
Mondai Kankei Shiryō Sentā Kenkyū kiyō) nordm 11 Dezembro 2007 pp 114-136 226 WADA Atsumu ldquo特別寄稿 古代社会とケガレ意識rdquo (Contribuiccedilatildeo Especial Sociedade dos Tempos
Antigos e a consciencializaccedilatildeo de kegare) 奈良県立同和問題関係史料センター 研究紀要 (Centro
Prefeitoral de Nara para Registos Histoacutericos de Discriminaccedilatildeo Boletim de Investigaccedilatildeo) Nara-ken Ritsudō Wa
Mondai Kankei Shiryō Sentā Kenkyū kiyō) nordm 11 Dezembro 2007 pp 114-136
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 78
(角波須) possivelmente uma referecircncia ao ldquochapeacuteurdquo usado pelos ldquoque acreditam em bukkyōrdquo
(bukkyō shinsha 仏教信者) ldquotemplordquo eacute um conhecido siacutembolo budista daiacute ser evitado no
discurso utilizando-se kawarafuki (瓦葺) katashiki (片食) equivale a toki Por uacuteltimo
ldquocampardquo um local conotado com kegare eacute pronunciado tsuchikure (土村) 226
No Engishiki imikotoba surge por duas vezes no quinto e sexto capiacutetulo o primeiro
grupo diz respeito agrave Saigū (斎宮) de Ise das quais as primeiras sete pertencem agrave linguagem
budista (内七言佛稱中子經稱染紙塔稱阿良良岐寺稱瓦葺僧稱髪長尼稱女髪
長齋稱片膳) outras sete estatildeo fora desta (外七言 死稱奈保留 病稱夜須 哭稱鹽垂 血
稱阿世 打稱撫 宍稱菌 墓稱壤) e as uacuteltimas duas correspondem aos termos tō e upāsaka
( 又別忌詞 堂稱香焼 優婆塞稱角筈) 227
Jaacute o segundo grupo (死稱直 病稱息 泣稱鹽垂
血稱汗 宍稱菌 打稱撫 墓稱壤) marca presenccedila no Saiinshi (齋院司) o Escritoacuterio ao qual
pertencia a Saiō (齋王) que serve o Kamo Jinja (outrora Kamo Daijin 賀茂大神) 228
Como se pode constatar estas duas listas foram sobretudo inspiradas pelas imikotoba
do Kōtai Jingū Gishiki-chō com a exceccedilatildeo de ldquohallrdquo (tō 堂) substituiacuteda por koritaki (香焼 )
- interpretado como o local onde se queima incenso - e do termo ldquomonjardquo (substituiacutedo pelo
feminino de kaminaga isto eacute mekaminaga女髮長)226 a grande diferenccedila entre os grupos de
imikotoba eacute nada mais do que o modo de escrita se as imikotoba da Saigū satildeo registadas num
japonecircs arcaico utilizando-se mais do que um kanji para se chegar ao som pretendido
imitando a linguagem do Kōtai Jingū Gishiki-chō as do Saiinshi sofreram uma simplificaccedilatildeo
utilizando-se somente um kanji ou no maacuteximo dois embora nunca alterando o significado
Tambeacutem conhecida pelos tiacutetulos de ldquoIse no saiō sainaishinnō itsuki no miya termos
que denotam uma princesa abstinente ou consagrada (hellip) escolhida entre as filhas e irmatildes de
um tennōrdquo (natildeo necessariamente o atual Imperador) a Saigū dedicava a sua vida a servir os
kami consagrados ao Ise Jingū e como tal submetia-se a trecircs anos de preparaccedilatildeo ou seja um
periacuteodo de preservaccedilatildeo de uma vida frugal e moderada Chegando a Ise no ldquonono mecircs do
terceiro ano das suas preparaccedilotildeesrdquo esta jovem visitaria o Ise jingū onde consagraria um ramo
de tamagushi ao Naikū e ao Gekū Tal ritual soacute se justificava trecircs vezes por ano durante o
bianual Tsukinamisai e Kannamesai sendo que o nono mecircs era ldquodeclarado um tempo de
227
FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第五 神祇五 齋宮寮rdquo (Quinto Livro Jingi Cinco Saigū-ryō) 延喜式 (Engishiki) (on-line) lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi05htmgt (consultado em
24-06-2018) 228
FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第六 神祇六 齋院司rdquo (Sexto Livro Jingi Seis Saiinshi) 延喜式
(Engishiki) lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi06htmgt (consultado em 24-06-2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 79
abstinecircncia geral no domiacutenio restriccedilotildees eram impostas em funerais e outras atividades
inauspiciosasrdquo 229
Uma das figuras mais elevadas na hierarquia de Ise a Saigū assume os deveres de
ldquosumo-sacerdotisardquo dos cultos em Ise e representa a perspetiva japonesa de pureza uma vez
que toda a sua vida era regulada em funccedilatildeo da manutenccedilatildeo deste estado interiorexterior de
pureza sendo forccedilada a retirar-se destes deveres para com os kami aquando da entronizaccedilatildeo
de um novo soberano apesar de natildeo se excluir uma reforma antecipada ldquodevido a morte na
sua famiacutelia sauacutede pobre ou acidentesrdquo 229
evidenciando a preocupaccedilatildeo para com
acontecimentos negativos que suscitam Desordem e uma resposta imediata de reposiccedilatildeo da
Ordem
24 O bem como agente da Ordem rituais de purificaccedilatildeo interna e externa
Na cultura japonesa a palavra ldquopurordquo deteacutem um lugar especial que natildeo pode ser
incluiacutedo junto de uma perspetiva preacute-formatada de lsquoreligiatildeorsquo a noccedilatildeo de pureza estaacute
efetivamente consciencializado no cidadatildeo japonecircs comum integrando uma das partes deste
ciclo de Desordem e Ordem se tsumi kegare e imi satildeo causa e efeito (por vezes simultacircneo)
da Desordem a sua antiacutetese apoia-se principalmente na reordenaccedilatildeo e equiliacutebrio conseguido
atraveacutes da purificaccedilatildeo processo que se pode aplicar a um objeto um espaccedilo ou um corpo vivo
algo que shintō vecirc como prioridade a niacutevel teoacuterico e praacutetico afetando de forma positiva o
indiviacuteduo e o coletivo
Neste sentido purificaccedilatildeo interna e externa eacute a essecircncia dos rituais favoraacuteveis agrave
Ordem e relaciona-se com vaacuterias expressotildees itsuku - itsu significa ldquoclaro e purordquo (segundo
Motoori Norinaga) e define o ato de ldquoservir e executar ritos para os kami apoacutes a purificaccedilatildeo
do corpo e da mente da eliminaccedilatildeo de kegarerdquo aludindo a uma ldquocondiccedilatildeo de pureza onde tudo
que eacute negativo e poluente foi eliminadordquo 230
shizume (鎮静) traduzido como ldquopacificaccedilatildeordquo
no qual se apazigua (osameru 治める) o solo (jichin 地鎮) o fogo (chinka 鎮火) e as
tamashii (chinkontama shizume 鎮魂魂鎮) procurando-se conduzir coisas a um estado
229
NAMIKI Kazuo ldquoSaigūrdquo Encyclopedia of Shinto 3 Institutions and Administrative Practices Ancient (on
line) lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23475gt (consultado em 24-
06-2018) 230
NISHIOKA Kazuhiko ldquoItsukurdquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and Doctrines Basic Terms (on line)
lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23387gt (consultado em 24-06-
2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 80
ameno normalizado um processo constatado tanto em rituais executados por profissionais e
praticantes de kyōha shintō como nos matsuri de caraacutecter imperial
No contexto de jichinsai (地鎮祭) - matsuri realizado ldquodiariamente para novos
projetos novas casas novas construccedilotildees na estrada ou construccedilatildeo de qualquer tipordquo - a
ldquopacificaccedilatildeordquo eacute a meta a atingir Primeiro o shinkan presta serviccedilos agrave comunidade
deslocando-se do seu jinja para o local em questatildeo Apoacutes o estabelecimento de um himorogi
delimitado pela shimenawa o shinkan procede a oharai o ato simboacutelico de abanar ldquoa harai-
gushi sobre a aacutereaa pessoa a ser purificadardquo (Anexo II) - apaziguando os kami locais e
protegendo o espaccedilo de influecircncias negativas que recairiam sobre os envolvidos no projeto 231
Em contrapartida chinka era caraterizado como um rito imperial da responsabilidade
do ldquoclatilderdquo Urabe durante o bianual Chinkasai procurando a prevenccedilatildeo de fogos ldquodentro do
palaacutecio imperial e em outras instituiccedilotildees estatais mais do que fogos no geralrdquo 232
se bem que
em Ontake-kyō esta pacificaccedilatildeo tinha como objetivo a ldquopurificaccedilatildeo do crente apoacutes um
elemento quente ter sido suprimidordquo 233
tornando o fogo um agente purificador
Por uacuteltimo os ritos chinkon satildeo dedicados aos vivos e aos mortos se nos dias de hoje
o termo designa o momento de reflexatildeo em silecircncio dentro das imediaccedilotildees do jinja apoacutes
misogi e antes da fase de naorai (直会) isto eacute o momento de completa harmonizaccedilatildeo entre o
indiviacuteduo e o kami (consumo de sake em copos de madeira de cipreste) 234
chinkon era um
meio de defesa contra as tatari (desastres naturais epidemias e mortes suacutebitas) lanccediladas por
onryō de cortesatildeos e poliacuteticos eventualmente venerados como kami 235
Por outro lado o
chinkon do Chinkonsai (realizado na veacutespera do Niinamesai ou do Daijōsai) era uma praacutetica
dedicada aos vivos na qual o Imperador procurava a restauraccedilatildeo da sua sauacutede ldquopuxandordquo de
volta a mitama que estava em risco de sair do corpo 236
Natildeo obstante outros termos devem ser considerados haraiharae eacute na linguagem
shintō o meio mais eficaz de eliminaccedilatildeo de tsumi e kegare Agrave semelhanccedila das palavras
231
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit p 172
232 NAMIKI Kazuo ldquoChinkasai (hiho shizume no matsuri)rdquo Encyclopedia of Shinto 5 Rites and Festivals
State Rites (on line) lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23099gt
(consultado em 24-06-2018) 233
Segundo Picken apoacutes a chinka shiki (鎮火式) cerimoacutenia na qual o praticante caminha sobre brasas este
uacuteltimo executaria a kugatachi shiki um ritual no qual o corpo deste uacuteltimo eacute salpicado com aacutegua a ferver
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit p 133
234 PICKEN Stuart op cit p179
235 PICKEN Stuart op cit p18
236 NAMIKI Kazuo ldquoChinkon-sairdquo Encyclopedia of Shinto 5 Rites and Festivals State Rites (on line)
lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23100gt (consultado em 24-06-
2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 81
ldquopurezardquo ldquosinceridaderdquo ou ainda ldquoharmoniardquo (chōwa 調和) que se aproxima da ideia de
ldquocompletude e todo e eacute tambeacutem um ideal social natildeo apenas um estado de assunto dentro das
relaccedilotildees humanasrdquo 237
haraiharae atinge o exterior e o interior do indiviacuteduo
Ora apesar de hoje se escreverem com o mesmo kanji [祓] harai e harae eram atos
diferentes harai seria uma ldquopurificaccedilatildeo ativardquo - eacute o proacuteprio sujeito que escolhe
conscientemente executar a ldquopurificaccedilatildeordquo como se constata no episoacutedio de Izanagi ndash e harae
derivaria de harawase descrevendo uma ldquopurificaccedilatildeo passivardquo na qual o sujeito ldquoreceberdquo
harae de boa vontade por parte dos responsaacuteveis pelo jinja algo jaacute aludido em certos termos
como haraetsumono (祓具) 238
Alternadamente escritos como [祓物] haraetsumono designa
as ldquooferendas de purificaccedilatildeordquo lanccediladas agrave aacutegua como parte da ceacutelebre Ōharae cujos efeitos
atingem toda a populaccedilatildeo japonesa tornando - a ldquopurardquo a niacutevel natildeo apenas fiacutesico Aliaacutes
Ōharae (大祓) partilha desta aceccedilatildeo uma vez que o objetivo inicial era ldquopurificarrdquo todos os
funcionaacuterios da corte justificando a sua categorizaccedilatildeo como uma cerimoacutenia tutelada pelo
palaacutecio imperial 239
Preservada ao longo dos seacuteculos Ōharae eacute praticada com ecircnfase pela maioria dos
jinja e popularmente designada de Nagoshi no harae (夏越の祓) ndash final de Junho - e
Toshikoshi no harae (年越の祓) ndash final de Dezembro Mencionada no Nihon shoki como
recurso para afastar a ldquoinfluecircncia maligna de um cometardquo este matsuri seria elevado agrave
categoria de ldquocerimoacutenia nacionalrdquo obrigatoacuteria para os jinja do Periacuteodo Meiji e para o efeito
exigia-se um preliminar ritual de purificaccedilatildeo no Sumiyoshi jinja de Toacutequio os participantes
receberiam aiacute o kata-shiro (形代) No dia em questatildeo o ldquomestre dos ritosrdquo daria iniacutecio agrave
cerimoacutenia atraveacutes da invocaccedilatildeo dos kami ao himorogi proferindo uma inori no iniacutecio e no fim
Jaacute a ceacutelebre norito denominada Ōbarae kotoba (大祓詞) seria recitada pelo Norito-shi (祝詞
師 ) apoacutes este explicar o propoacutesito de Ōharae aos presentes Consequentemente seriam
eliminadas da populaccedilatildeo todas as coisas conducentes agrave desordem eacutetica garantindo-se ldquopaz
proteccedilatildeo e felicidaderdquo 240
237
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp xxv-xxvi
238 MOTOORI N ldquo6-2 神代四之巻rdquo (御身滌の段) (6-2 Kami-yo Livro Quatro- A secccedilatildeo de misosogi)
古事記傳 (Kojikiden) (on line) lthttpkumoi1webfc2comCCP071htmlgt (consultado em 24-06-2018) 239
FLORENZ Karl ldquoAncient Japanese Rituals Part IVrdquo Transactions of the Asiatic Society of Japan nordm 27
1899 pp 1ndash112 240
FLORENZ Karl ldquoAncient Japanese Rituals Part IVrdquo Transactions of the Asiatic Society of Japan nordm 27
1899 pp 1ndash112
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 82
Segundo o Jingiryō do Yōrō-ryō Ōharae contava com a presenccedila de certos clatildes os
Nakatomi responsabilizavam-se por entoar a norito e consagrar as ldquooferendasrdquo (oonusa 御祓
麻) os Fumitobe das proviacutencias de Este e Oeste (東西の文部) consagravam espadas proacuteprias
para a ocasiatildeo isto eacute as harae no tachi (祓の刀 ) e os Urabe removeriam quaisquer
influecircncias negativas Ora a realizaccedilatildeo de Ōharae eacute na praacutetica um esforccedilo coletivo se todas
as unidades administrativas (郡) contribuiacuteam com ferramentas peles espadas e outras coisas
todas as casas (戸) deviam preparar cacircnhamo (麻) 241
No Engishiki a cerimoacutenia eacute antecedida pela preparaccedilatildeo de ofertas - armas revestidas
de metais preciosos vaacuterios tipos de tecido colorido (seda algodatildeo) cacircnhamo flechas arroz
cavalos madeira de carvalho Seguidamente os Urabe entoariam norito 242
funccedilatildeo
posteriormente delegada ao liacuteder dos Nakatomi (Ōnakatomi) cuja versatildeo da norito Nakatomi
Harae (中臣祓) ainda hoje eacute o modelo de norito e uma referecircncia para os jinja de hoje 243
Por conseguinte no seacutetimo volume exclusivamente dedicado ao matsuri que
comemora a acessatildeo ao trono do novo Imperador (Senso Daijōsai踐祚大嘗祭) Ōharae faz
parte da miriacuteade de praacuteticas efetuadas antes e durante o trigeacutesimo dia do deacutecimo mecircs do
calendaacuterio lunar geralmente entre o seacutetimo mecircs ndash o mecircs da acessatildeo ao trono do Imperador
como consequecircncia da abdicaccedilatildeo do seu antecessor se bem que no caso do oitavo mecircs a
cerimoacutenia seria adiada para o ano ndash e o deacutecimo mecircs 244
Apoacutes o envio dos ldquoMensageiros
Imperiais para Ōharaerdquo escolhidos por ldquoadivinhaccedilatildeordquo (boku卜) no oitavo mecircs era obrigatoacuterio
executar uma purificaccedilatildeo no uacuteltimo dia do mecircs (tal como a descrita no primeiro volume do
Engishiki) seguida do envio de dois Urabe agraves proviacutencias que executariam Ōharae
preparando-se as devidas oferendas (um cavalo uma flecha uma grande katana algodatildeo
peixe sake) 245
Uma complexa cerimoacutenia de caraacutecter imperial na qual canto e danccedila consumo de
comida e sake eram recebidos com entusiasmo o Daijōsai era um esforccedilo coletivo de
241
IGARI Hiromi ldquo第六 神祇令 全 20 条rdquo (Sexto [Volume] Jingiryō todas as 20 aliacuteneas) 現代語訳「養老 令 」 全 三 十 編 (Traduccedilatildeo moderna Yōrō-ryō todos os 30 volumes) (on-line)
lthttpwwwsoldtinejphiromikanseiyoro06htmlgt (consultado em 24-06-2018) 242
FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第一 神祇一 四時祭上rdquo (Primeiro Livro Jingi Um Matsuri das
Quatro Estaccedilotildees Parte Superior) 延 喜 式 (Engishiki) (on-line)
lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi01htm (consultado em 24-06-2018) 243
PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit p80
244 PICKEN Stuart op cit pp 62-72
245 FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第七 神祇七 踐祚大嘗祭rdquo (Seacutetimo Livro Jingi Sete Daijōsai)
延喜式 (on-line) lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi07htmgt (consultado em 24-06-
2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 83
membros da corte funcionaacuterios do Jingikan e do Jingiryō os Nakatomi entoavam as norito e
guiavam os ldquoadivinhosrdquo ao Ministeacuterio da Casa Imperial bem como os ldquogovernadores da
proviacutencia yuki e os vaacuterios funcionaacuteriosrdquo partilhando este uacuteltimo dever com os Urabe os
membros do Departamento de Carpintaria ldquoconstroem o principal santuaacuteriordquo os Inbe
apresentavam o ldquoespelho sagrado e a espada sagradardquo Findadas as festividades qualquer
vestiacutegio do matsuri seria prontamente destruiacutedo e praticar-se-ia uma uacuteltima ldquocerimoacutenia de
purificaccedilatildeordquo no uacuteltimo dia do mecircs esta uacuteltima conforme a bianual Ōharae 245
Apesar de a sua dimensatildeo ser diferente do harai habitual a meta de Ōharae parece
ser a de qualquer ritual positivo em shintō o estado de ldquoharmoniardquo refletindo a relaccedilatildeo iacutentima
entre a sociedade japonesa e a envolvente natureza fortalece-se deste modo a ldquonecessidade
de retificar desequiliacutebrios entre natureza humanos e divindadesrdquo 246
atraveacutes de uma atitude de
esforccedilo individual natildeo desassociada da preparaccedilatildeo interna e externa
Conotado com ldquoabstinecircnciardquo esta atitude implica disciplina na forma de um conjunto
de regras de conduta a adotar preacute-veneraccedilatildeo aos kami algo retido por qualquer praticante de
shintō nos dias de hoje com efeito qualquer matsuri eacute precedido por um periacuteodo temporaacuterio
de ldquoevitaccedilotildeesrdquo denominadas saikai (斎戒) ndash o termo eacute etimologicamente constituiacutedo pelos
kanji [斎] e [戒] do qual deriva o verbo imashimeru traduzido por ldquobanirrdquo ldquorestringirrdquo ndash nas
quais os responsaacuteveis por conduzir os rituais se banhavam (kessai 潔斎) mudavam de roupas
e consumiam certos alimentos claramente evidenciando a sua preocupaccedilatildeo para com
impurezas a presenccedila de derrame de sangue incecircndios e mortes era mais do que motivo
suficiente de desqualificaccedilatildeo dos que se tinham submetido a este processo ou em casos mais
extremos cancelamento do proacuteprio matsuri 247
Num contexto mais oficial observa-se uma categorizaccedilatildeo da praacutetica em si o
Jingiryō do Periacuteodo Yōrō distingue entre sansai (散斎) e chisai (致斎) sansai indicava a
ldquoabstinecircncia parcialrdquo na qual o indiviacuteduo estava proibido de fazer os jaacute mencionados seis atos
considerados formalmente como shokue chisai correspondia a uma ldquoabstinecircncia severardquo na
qual todos os ritos que natildeo envolvessem os kami eram cancelados No que concerne agrave sua
246
ROTS Aike Forests of the Gods Shinto nature and sacred space in contemporary Japan Dissertation
submitted to the Department of Culture Studies and Oriental Languages of University of Oslo in partial
fulfilment of the requirements for the degree of Doctor of Philosophy supervised by Prof Dr Mark Teeuwen
and Prof Dr Terje Stordalen 2013 247
ONO Sokyō op cit pp64-65
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 84
duraccedilatildeo esta variava consoante o mecircs em questatildeo sendo que no nono mecircs sansai era
observado durante todo o mecircs chisai duraria somente trecircs dias 248
Uns seacuteculos mais tarde o Engishiki inspirar-se-ia nesta categorizaccedilatildeo por vezes
conjugando-a com o ritual harae no Kinensai sansai era praticado durante trecircs dias e chisai
apenas um dia 249
durante Kanmisosai kessai eacute um ato realizado por alguns membros de clatildes
na veacutespera do matsuri e cujo objeto de ldquoabstenccedilatildeordquo satildeo as oferendas (fios de seda e cacircnhamo)
antes de serem tecidas e apresentadas durante a celebraccedilatildeo que por sua vez soacute poderia
decorrer mediante um preacutevio harai do espaccedilo (batsujo 祓除) realizado no uacuteltimo dia do
terceiro mecircs e do oitavo mecircs Kannamesai menciona novamente um kessai dos fios de seda
posteriormente transformados em tecidos 250
Apoacutes trecircs anos de [潔齋] como parte dos rituais
da Saigū na capital reservava-se o uacuteltimo dia do oitavo mecircs a uma Ōharae no palaacutecio e no
nono mecircs um Nakatomi encarregava-se da ldquopurificaccedilatildeordquo (祓清) das proviacutencias de Ōmi e Ise
permitindo agrave Saigū cumprir os seus deveres no decorrer do Kannamesai 251
Durante o nono mecircs procede-se a um periacuteodo de 18 dias (a comeccedilar no primeiro dia)
de ldquoabstenccedilatildeordquo e um mecircs de evitaccedilatildeo de luto e enterros bem como agrave execuccedilatildeo de ldquolustraccedilatildeo
augustardquo gokei [御禊] Escrito com o kanji honoriacutefico [御] e o de misogi [禊] gokei era uma
ldquocerimoacutenia para afastar contaminaccedilatildeo de pessoas da Famiacutelia imperialrdquo 252
que decorria agrave
beira-rio e na qual participava a Saigū Contudo esta atitude de ldquoabstenccedilatildeordquo natildeo era apenas
seguida por esta uacuteltima monges monjas pessoas em luto e grupos de bandidos sujeitavam-se
a sansai antes e apoacutes Kinensai Kamo-matsuri Tsukinamisai e Kannamesai sendo-lhes
interdita a entrada no palaacutecio tal e qual as jaacute mencionadas funcionaacuterias do palaacutecio graacutevidas
253
248
IGARI Hiromi ldquo第六 神祇令 全 20 条rdquo (Sexto [Volume] Jingiryō todas as 20 aliacuteneas) 現代語訳「養老 令 」 全 三 十 編 (Traduccedilatildeo moderna Yōrō-ryō todos os 30 volumes) (on-line)
lthttpwwwsoldtinejphiromikanseiyoro06htmlgt (consultado em 24-06-2018) 249
FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第一 神祇一 四時祭上rdquo (Primeiro Livro Jingi Um Matsuri das
Quatro Estaccedilotildees Parte Superior) 延 喜 式 (Engishiki) (on-line)
lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi01htm (consultado em 24-06-2018) 250
FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第四 神祇四 伊勢太神宮rdquo (Quarto Livro Jingi Quatro Ise Dai-
jingū) 延 喜 式 (Engishiki) (on-line) lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi04htm
(consultado em 24-06-2018)
251 FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第五 神祇五 齋宮寮rdquo (Quinto Livro Jingi Cinco Saigū-ryō) 延喜
式 (Engishiki) (on-line) lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi05htmgt (consultado em 24-
06-2018)
252 BOCK Felicia op cit p104
253 FUJIWARA T FUJIWARA T FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第三 神祇三 臨時祭rdquo (Terceiro
Livro Jingi Trecircs Matsuri de Ocasiotildees Extraordinaacuterias) 延 喜 式 (Engishiki) (on-line)
lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi03htmgt (consultado em 24-06-2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 85
Por uacuteltimo o seacutetimo volume do Engishiki especifica uma ldquoabstenccedilatildeordquo obrigatoacuteria no
deacutecimo primeiro mecircs sansai era iniciado no primeiro dia e terminava no uacuteltimo chisai
durava trecircs dias comeccedilando no dia do touro e terminando no dia da lebre proibindo-se a
participaccedilatildeo dos indiviacuteduos em ldquofestins Budistas ou festins magrosrdquo 254
Findado imi o indiviacuteduo foca-se na purificaccedilatildeo propriamente dita servindo-se de
elementos do dia-a-dia como o sal sake e aacutegua no primeiro caso o sal eacute ldquoatirado por
lutadores de Sumo cada vez que entram no dohyōrdquo e nos funerais serve o propoacutesito de ldquoauto-
purificaccedilatildeo apoacutes o regresso a casardquo dos frequentadores Jaacute em restaurantes e outros
estabelecimentos eacute costume colocar-se ldquoduas pilhas de sal fora do umbral uma de cada lado
apoacutes lavarem a entrada e antes de quaisquer clientes chegaremrdquo garantindo-se prosperidade
no negoacutecio Ora em misogi harai o sal eacute salpicado na cabeccedila dos participantes - no
seguimento de oharai ndash e tambeacutem misturado com sake sendo posteriormente ldquocuspido como
parte da cerimoacutenia de purificar a boca uma uacuteltima vezrdquo Oferecido nos altares sal faz ainda
parte das shinsen 255
A aacutegua tambeacutem partilha da mesma natureza purificadora que o sal e o sake em
virtude de ser considerada o elemento primaacuterio que devolve o lustro agraves coisas e pessoas
eliminando qualquer tipo de ldquomaacuteculardquo independentemente de se tratar de uma ldquomaacuteculardquo fiacutesica
(kegare) ou natildeo (tsumi) externa (corpo) ou interna (kokoro) Natildeo obstante a tradiccedilatildeo de
ldquolimpezardquo na cultura japonesa estende-se a contextos mais civis toalhas quentes satildeo
ldquoprovidenciadas em restaurantes (hellip) para que os patronos possam lavar as matildeos antes de
comer e uma pessoa Japonesa lavar-se-aacute sempre antes de entrar numa banheirardquo 256
um
reflexo da consciencializaccedilatildeo da lavagem do corpo na sociedade japonesa contemporacircnea
Em shintō a aacutegua assume um papel central em trecircs principais praacuteticas de ldquoauto-
purificaccedilatildeordquo que tambeacutem satildeo abluccedilotildees kessai temizu (手水) e misogi (禊) Se kessai eacute
geralmente feito antes do matsuri 257
temizu precede a ldquooraccedilatildeordquo (inori) aos kami nos jinja e
no qual o indiviacuteduo dirige-se a uma estrutura denominada temizuya (手水屋) lavando com
aacutegua a boca e as suas matildeos locais mais suscetiacuteveis de se contrair kegare (Anexo III)
254
PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit pp 62-72 255
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 174-175
256 ROTS Aike Forests of the Gods Shinto nature and sacred space in contemporary Japan Dissertation
submitted to the Department of Culture Studies and Oriental Languages of University of Oslo in partial
fulfilment of the requirements for the degree of Doctor of Philosophy supervised by Prof Dr Mark Teeuwen
and Prof Dr Terje Stordalen 2013 257
PICKEN Stuart op cit p 177
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 86
No que concerne a misogi esta eacute considerada a origem de todos os harai na
sociedade japonesa sendo descrita por Carl Florenz como a ldquopurificaccedilatildeo de um uacutenico
indiviacuteduo ou um lugar de poluiccedilotildees atraveacutes de se entrar em contacto com algo
cerimonialmente impuro tal como cadaacuteveresrdquo 258
Uma ldquoauto-purificaccedilatildeordquo em todos os
sentidos do termo a expressatildeo misogi harai (misogi harai 禊祓い ) poderaacute derivar de
ldquomisosogi no harairdquo (身滌の祓い) literalmente ldquoharai da lavagem do corpordquo ndash [身滌] eacute
constituiacutedo pelo kanji de ldquocorpordquo (身) e o de [滌] sinoacutenimo de [洗] raiz do verbo ldquolavarrdquo
(arau) 259
ndash e eacute pela primeira vez mencionado no episoacutedio de Izanagi descrito pelo Kojiki e
Nihon shoki
De um modo geral misogi conheceu grande popularidade na esfera privada imperial
e agrave semelhanccedila de [斎] era sempre acompanhado de todo o tipo de oferendas tais como
tecidos armas sake velas e algas Se praticado pela Saiō (齋王) misogi decorria num rio da
capital na primeira dezena de dias do oitavo mecircs e do nono mecircs ambas datas escolhidas por
ldquoadivinhaccedilatildeordquo ndash responsabilidade do Onmyōryō Por sua vez este ritual fazia parte de uma
grande cerimoacutenia na qual se preparavam tecidos caixas jarros carne seca cabaccedilas e peixes e
cujos participantes eram essencialmente membros da corte (Jingikan e Onmyōryō) cada um
desempenhando uma tarefa especiacutefica ecoando o sucedido nos matsuri do Jingikan um
Nakatomi executava oharai servindo-se da onusa (Nakatomi onusa tatematsuru [神祇官中臣
進麻]) e o miyanushi (宮主) entoava harae kotoba (祓詞) Igualmente realizado durante a
deslocaccedilatildeo da jovem para o No-no-miya e Itsuki-no-miya em Ise e no uacuteltimo dia do mecircs 260
misogi eacute descrito no sexto volume do Engishiki como parte da celebraccedilatildeo do Imibikamado-
matsuri (quarto mecircs e sexto mecircs) ndash um gokei no qual participavam todos os funcionaacuterios do
palaacutecio - e um matsuri anual (毎年禊祭) 261
Atualmente misogi pode ser praticado por qualquer pessoa e eacute aceite como um ritual
vaacutelido para qualquer tipo de shintō Shinshū-kyō (神習教) tem como metas alcanccedilar ldquoum
espiacuterito de um kami por praticar purificaccedilatildeo oharairdquo a aquisiccedilatildeo de um elevado niacutevel de
treino que possibilite ao indiviacuteduo ensinar os outros e eacute claro ldquoalcanccedilar harmonia com os
258
FLORENZ Karl ldquoAncient Japanese Rituals Part IVrdquo Transactions of the Asiatic Society of Japan nordm 27
1899 pp 1ndash112 259
NISHIGAKI Yukio op cit p 544
260 FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第五 神祇五 齋宮寮rdquo (Quinto Livro Jingi Cinco Saigū-ryō) 延喜
式 (Engishiki) (on-line) lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi05htmgt (consultado em 24-
06-2018) 261
FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第六 神祇六 齋院司rdquo (Sexto Livro Jingi Seis Saiinshi) 延喜式
(Engishiki) lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi06htmgt (consultado em 24-06-2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 87
kami e rezar pelo descanso das almas dos outrosrdquo Neste contexto misogi faz parte da
estrateacutegia de cultivo de ldquopurificaccedilatildeo interiorrdquo que encoraja o processo de aproximaccedilatildeo do
humano ao kami 262
Em suma a purificaccedilatildeo estaacute intimamente associada agrave visatildeo positiva do ser humano
apoiada por shintō Shinshū-kyō natildeo soacute ensina o indiviacuteduo a ldquodemonstrar gentileza aos
outrosrdquo ldquotrabalhar diligentemente (no seu proacuteprio negoacutecio)rdquo e a ldquopreservar firmeza no teu
coraccedilatildeordquo como procura ldquopacificar o espiacuterito porque eacute parte do espiacuterito do kamirdquo 264
(bunshin
mitama wo shizumu beshi分神神魂を鎮むべし) e ldquolimpar as impurezas do corpordquo (mi no
shūshoku wo harau beshi身の鏽蝕を祓うべし) 263
proporcionando o desenvolvimento do
caraacutecter do indiviacuteduo
Na visatildeo de Misogi-kyō (禊教) o trio de tesouros imperiais satildeo ldquoos mais eficazes
agentes de purificaccedilatildeordquo pois ldquotodas as formas de impureza podiam ser removidasrdquo Apoiado
em misogi harae e ldquorespiraccedilatildeo proacutepriardquo o setor utiliza misogi como ldquoum meacutetodo para
melhoria da vidardquo aproximando as pessoas do kamirdquo 262
Interpretando-se esta praacutetica como o
uacutenico modo de ldquoreavivarrdquo a ldquoboa sorterdquo (literalmente ldquosorte proacutesperardquo ou sakae no unsei [栄
絵の運勢]) misogi possui visiacuteveis efeitos de purificaccedilatildeo externos 264
Contudo o busiacutelis da questatildeo eacute a ldquopurificaccedilatildeo internardquo (nai seijōshōjō 内清浄)
denominada iki ichisuji no misogi (息一筋の禊) iki (息) natildeo eacute somente a ldquoorigem do corpordquo
mas tambeacutem a proacutepria ldquoexistecircnciardquo (seimei [生命]) 264
e estaacute diretamente relacionada com a
entoaccedilatildeo da norito ldquo
tōkami emitamae harae tamae kiyome tamairdquo (literalmente ldquokami
distante purificai e limpai enquanto rezamosrdquo) em voz alta
262 um momento caracterizado
pela ldquofusatildeordquo do corpo com a mente graccedilas ao cultivo do autocontrolo do corpo a Desordem
(aqui maga) deixa de existir 264
No contexto de jinja shintō misogi faz ainda parte da cerimoacutenia shūbatsu (修祓) na
qual se abre o edifiacutecio interior do jinja e o shintai eacute visualizado pelos shinkan que se
262
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 234-236 263
O ldquoespiacuterito do kamirdquo eacute mitama (神魂) e ldquocoraccedilatildeordquo kokoro O termo ldquoimpurezasrdquo lecirc-se no texto original [鏽
蝕] o primeiro lecirc-se sabi e natildeo eacute muito usado na linguagem diaacuteria (鏽) significando ldquoferrugemrdquo ou ldquocorrosatildeordquo
o segundo eacute o kanji [蝕] do qual deriva o verbo mushibamu geralmente traduzido como ldquoser devorado por
dentrordquo ldquominarrdquo ldquoarruinarrdquo Shintō Shinshū-kyō Kōushiki Page 教 義 (on line)
lthttpshinshukyojpE69599E7BEA9gt (consultado em 24-06-2018) 264
Misogi-kyō Shintō 神道禊教の教理 (Doutrina de Shintō Misogi-kyō) (on line) lthttpwwwmisogi-
kyouorjpkyourihtmlgt (consultado em 24-06-2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 88
ldquopurificam de modo a tomarem parte nos rituaisrdquo atirando baldes de aacutegua fria sobre si
mesmos ou escolhendo colocar-se ldquodebaixo de uma cascata num rio ou no marrdquo dependendo
da localizaccedilatildeo do jinja Posteriormente os participantes no matsuri satildeo purificados
cumprindo-se as condiccedilotildees de invocaccedilatildeo dos kami 265
que respondem ao apelo impliacutecito nas
norito entoadas pelos shinkan
Associadas agrave tradiccedilatildeo de kotodama norito satildeo acolhidas entusiasticamente pela
sociedade japonesa quer sejam ldquovelhasrdquo (do Engishiki e outras fontes do Periacuteodo Heian) e
norito ldquonovasrdquo ou seja norito poacutes- Engishiki criadas por estudiosos e praticantes das vaacuterias
formas de shintō (Ise e Yoshida shintō Shugendō kyōha shintō shin shūkyō) e associadas a
jinja especiacuteficos (ldquocultosrdquo em Ise Izumo Dewa Togusa ldquocultosrdquo a Inari e Hachiman) 266
Etimologicamente norito tem as suas origens na frase ldquoNakatomi-no-Kane Muraji
norito wo norurdquo (中臣金連祝詞を宣る) Como se pode constatar o verbo que lhe estaacute
associado eacute noru (宣) cujo kanji significa ldquodizerrdquo ldquoexpressarrdquo e ldquoinformarrdquo num sentido
formal agrave maneira dos ldquoeacuteditos imperiaisrdquo (senmyō [宣命]) 267
Vaacutelidas para uso individual ou coletivo norito contemporacircneas tendem a inspirar-se
em norito muito mais antigas por exemplo a frase ldquoharae tamae kiyome tamairdquo de Misogi-
kyō surge na Ōharae kotoba do Engishiki como uma dupla accedilatildeo decorrida na ldquoōharae do
anoitecer do uacuteltimo dia do sexto mecircsrdquo (kotoshi no minadzuki no tsugumori yūhi no kudachi
no ōharae ni harai tamai kiyome tamau-koto wo 今年の水無月の大晦日 夕日之降の大祓
に祓給ひ清給事を) 268
eliminam-se assim os tsumi (tsumi ha araji wo罪波不在止) de
todos os cantos ldquodebaixo do ceacuteurdquo (Anexo IV)
Seguindo uma ldquofoacutermula usada em cerimoacutenias religiosas em endereccedilando divindades
(hellip) usam uma forma respeitosa subserviente forma de dicccedilatildeordquo norito tecircm a sua forccedila no
som e natildeo na parte gramatical ou na etimologia lexical recorrendo-se frequentemente a
265
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit p 177
266 O arquivo virtual Ko-kon Shūkyō Kenkyūjo regista um total de 55 norito devidamente ldquocategorizadasrdquo
consoante a temaacutetica e o local de veneraccedilatildeo Ko-kon shūkyō kenkyūjo ldquo祝詞 諸文献rdquo (Norito Vaacuterias
referecircncias) 神道資料集 (Colecccedilatildeo de materiais de shintō) (on line) lthttpwwwko-konnetnoritogt
(consultado em 24-06-2018) 267
NISHIGAKI Yukio op cit p485 268
FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第八 神祇八 祝詞rdquo (Oitavo Livro Jingi Oito Norito) 延喜式
(Engishiki) (on-line) lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi08htmgt (consultado em 24-06-
2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 89
ldquorepeticcedilatildeo paralelismo longas enumeraccedilotildees de nomes de divindades e oferendas metaacuteforas
o uso de registos mitoloacutegicos para explicar a origem de certas formas de veneraccedilatildeordquo 269
Natildeo obstante estas frases servem de prevenccedilatildeo contra forccedilas ldquonegativasrdquo incluindo
tatari gami ou ldquoespiacuteritos malignosrdquo devidamente acalmados e purificados respetivamente
Usadas em matsuri oficiais norito descreviam com pormenor quem as proferia o seu
objetivo a quem se dirigiam e o local onde decorria esta entoaccedilatildeo cujo raio de atuaccedilatildeo era
individual ou coletivo (capital habitaccedilotildees funcionaacuterios o palaacutecio todo o Japatildeo a corte) 270
No que concerne agrave sua entoaccedilatildeo estes conjuntos de frases eram responsabilidade dos
Nakatomi ou de outros consoante a ocasiatildeo na ldquomensagem de aberturardquo do oitavo capiacutetulo
do Engishiki regista-se que os Inbe deviam entoar norito dos ldquoritosrdquo Goden (御殿) e Mikado
(御門) e nos restantes matsuri a honra cabia aos Nakatomi (以外諸祭中臣氏祝詞) nos
matsuri das quatro estaccedilotildees (凡四時諸祭) essa funccedilatildeo fazia parte dos deveres dos kanbe (神
部) no Kanmisosai somente o daijingūji de Ise (ldquoSumo-Sacerdote do Grande Santuaacuterio de
Iserdquo) devia entoar a norito (大神宮司宣祝詞) e nas celebraccedilotildees em Ise (Kanmisosai os
matsuri do sexto e deacutecimo segundo meses e Kannamesai) 271
as norito de Ōimisai (大忌祭)
Tatsuta Fūjinsai ( 龍田風神祭 ) e Hiranosai ( 平野祭 ) eram responsabilidade dos
ldquomensageiros imperiaisrdquo Jaacute os Inbe encarregavam-se das ldquofoacutermulasrdquo de proteccedilatildeo do palaacutecio
imperial (Ōtono-no-hogai (大殿祭) e do ldquoFestival dos Portotildeesrdquo (Godensai 御殿祭) ndash cuja
meta era a ldquogarantia a proteccedilatildeo das divindades que guardam os portotildees do Palaacutecio Imperialrdquo ndash
no ldquodeacutecimo segundo dia do sexto e deacutecimo segundo mesesrdquo 270
Por uacuteltimo a norito de
Ōharae era ldquopartilhadardquo pelos Urabe e os Nakatomi enquanto que nos Chinkasai (鎮火祭) e
Michiaesai (道饗祭) soacute os Urabe eram elegiacuteveis para tal tarefa 271
O avanccedilo do estudo da tradiccedilatildeo ritual shintō impulsionou uma anaacutelise aprofundada
das norito estabelecendo-se uma ligaccedilatildeo direta com o processo de purificaccedilatildeo o meio por
excelecircncia para atingir a tatildeo desejada Ordem entre o praticante e o kami venerado norito satildeo
uma espeacutecie de purificaccedilatildeo verbal aludindo a um processo positivo mas interno Tal
abordagem introduz uma perspetiva mais subjetiva do que se entende por norito auxiliando
269
PHILIPPI Donald Norito A Translation of the Ancient Japanese Ritual Prayers With a new Preface by
Joseph M Kitagawa Princeton Princeton University Press 1990 pp1-2 270
PHILIPPI Donald op cit pp5-15 271
FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第八 神祇八 祝詞rdquo (Oitavo Livro Jingi Oito Norito) 延喜式
(Engishiki) (on-line) lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi08htmgt (consultado em 24-06-
2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 90
na compreensatildeo da purificaccedilatildeo interna que recaiacutea sobre o kokoro (心) Por sua vez kokoro
associar-se-ia a meijō (明浄)
Escrito em japonecircs com o kanji de ldquocoraccedilatildeordquo (shin de shinzō [心臓]) kokoro denota
algo de natureza natildeo palpaacutevel e interior a qualquer indiviacuteduo servindo de prefixo agraves palavras
kokoroeru (心得 ) ato de ldquocompreender o significado das circunstacircncias e das coisasrdquo
kokoroe ldquocompreensatildeordquo e ldquoter cautelardquo kokoronai (心無 ) designa uma condiccedilatildeo de
ldquoinsensibilidaderdquo pelo proacuteximo (em linguagem corrente ldquonatildeo ter coraccedilatildeordquo) 272
kokoro-
gawari (心変わり ) literalmente a ldquomudanccedila de kokorordquo indica a suacutebita alteraccedilatildeo dos
sentimentos intenccedilotildees e convicccedilotildees do indiviacuteduo em relaccedilatildeo a terceiros
No Nihon shoki o kanji em si eacute precedido por outros caracteres [黒心] e [無黒心]
significam aproximadamente ter um coraccedilatildeo negrordquo ou o seu oposto o sentido obtido eacute
negativo e positivo respetivamente marcando presenccedila no episoacutedio da competiccedilatildeo de
Susano-o-no-mikoto e de Amaterasu (有黒心) e no ano 646 da Era Taika (不正心者)
literalmente ldquopessoas de kokoro injustordquo Se estiver ao lado de [清] a expressatildeo lecirc-se seishin
ou kiyoki kokoro um kokoro puro (清心) 273
evidenciando a sua ligaccedilatildeo com meijō ambos
satildeo palavras positivas por princiacutepio
Por outro lado Engishiki descreve kokoro como uma caracteriacutestica interior de
humanos e kami na norito de Ōtono-no-hogai [心] surge na frase ashiki kokoro kitanaki
kokoro naku (邪意穢心無く) 274
ndash o segundo kanji tambeacutem se lecirc como kokoro mas o seu
significado eacute o de ldquointenccedilatildeordquo denotando a conduta correta seguida por todos os trabalhadores
do palaacutecio e membros da corte ndash traduzida por Philippi como ldquosem quaisquer maacutes intenccedilotildees
ou impuras intenccedilotildeesrdquo 275
na norito de Hi-shizume-no-matsuri (Chinkasai) kokoro eacute um
atributo de natureza maligna do kami do fogo (Homusubi-no-kami 火結神) ndash evidenciado
pela expressatildeo kokoro saganakiko (心惡子) ldquocrianccedila de mau kokorordquo ndash um kami gerado por
272
NISHIGAKI Yukio op cit pp 286-287 273
SAKAMOTO T 日本書紀 国史大系版 (Nihon shoki Ediccedilatildeo do Compecircndio da Histoacuteria Nacional) (on
line) lthttpwwwj-textscomjodaishokiallhtmlgt (consultado em 24-06-2018) 274
FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第八 神祇八 祝詞rdquo (Oitavo Livro Jingi Oito Norito) 延喜式
(Engishiki) (on-line) lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi08htmgt (consultado em 24-06-
2018) 275
PHILIPPI Donald op cit p 43
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 91
Izanami cujo temperamento provoca Desordem que naturalmente justifica a ldquopacificaccedilatildeordquo
(shizume matsure 鎮奉れ) por parte de outros kami seus irmatildeos 276
Em contrapartida tambeacutem a norito ldquopara afastar uma divindade vingativardquo (tataru
kami wo utsushi-yaru 遷卻祟神) segue a temaacutetica de reordenaccedilatildeo especificamente a uma
retificaccedilatildeo ativada por Kamunaobi e Ōnaobi kokoro refere-se aqui ao kokoro claro de kami
ldquopacificadosrdquo (sumera-gami ōmikokoro akiraka ni 皇神等の御心も明に) sendo que esta
transiccedilatildeo de kami ldquoviolentosrdquo para kami ldquopaciacuteficosrdquo (ara furu kami-tachi wo kashi harai
tamai kami nagoshi ni nagoshi tamai荒振神等を神攘攘給ひ神和和給) se deve a outros
dois kami 276
pacificaccedilatildeo tambeacutem eacute purificaccedilatildeo
Na perspetiva de Picken purificaccedilatildeo e pureza natildeo soacute partilham de uma conotaccedilatildeo
positiva como mantecircm entre si uma relaccedilatildeo de causa e consequecircncia pureza eacute a meta e a
consequecircncia do resultado da purificaccedilatildeo se o indiviacuteduo eacute o recetor de oharai que por sua vez
beneficia o kokoro meijō indica a ldquorestauraccedilatildeo do estado de pureza conhecido como seimei-
shin (ou akaki kiyoki kokoro)rdquo Por outras palavras o praticante torna-se portador de um
ldquoclaro kokorordquo (akaki kokoro明心) ldquopuro kokorordquo (kiyoki kokoro清き心) ldquocorreto ou justo
kokorordquo (tadashiki kokoro 正しき心) e o ldquokokoro retordquo (naoki kokoro 直き心) 277
um
quarteto de caracteriacutesticas eticamente boas
Assim os contornos eacuteticos da relaccedilatildeo kokoro - pureza revelam-se fundamentais para
a compreensatildeo de novas perspetivas modernas e japonesas de shintō segundo Muraoka
Tsutsunegu (村岡典嗣 1884-1946) meijō eacute uma ldquocaracteriacutestica eacutetica de shintōrdquo e um atributo
transversal em qualquer ldquodivisatildeordquo desta Via equiparado ao niacutevel de uma ldquodoutrinardquo (meijō
shugi明浄主義) no ldquosentido de que existe reverecircncia pelo claro e puro (hellip) em toda a mateacuteria
e pensamentordquo Por conseguinte meijō eacute o puro que carece de impurezas uma condiccedilatildeo
ldquoprimordialrdquo partilhada por todas as pessoas por oposiccedilatildeo a tsumi e kegare cuja presenccedila eacute
inviabilizada (temporariamente) em caso de purificaccedilatildeo regressando agrave sua origem (Yomi ou
Ne no kuni) durante harai 278
Aliaacutes a consciencializaccedilatildeo do kokoro como um dos componentes da eacutetica japonesa
reflete-se desde logo na linguagem dos eacuteditos imperiais do Zoku Nihongi qualificando-se o
276
FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第八 神祇八 祝詞rdquo (Oitavo Livro Jingi Oito Norito) 延喜式
(Engishiki) (on-line) lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi08htmgt (consultado em 24-06-
2018) 277
PICKEN Stuart Sourcebook of Shinto op cit p 176 278
PICKEN Stuart op cit pp 254 256-257
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 92
kokoro como algo ldquopurordquo (kiyoki kokoro 清き心) ldquoclarordquo (akaki kokoro 明き心) e ainda
ldquokokoro puro e clarordquo (kiyoki akaki kokoro清明心) Como se pode constatar nos eacuteditos dos
anos 707 (以明浄心而 浄明心以而) 743 (明浄心) 757 (諸以明清心皇朝 自今往前者以
明直心仕奉朝廷 悪心無而清明心) e 770 (衆浄明心正直言以而) 279
ter um kokoro cuja
essecircncia fosse de ldquohonestidaderdquo ldquoclarezardquo e ldquosinceridaderdquo elucida a importacircncia da pessoa
possuir uma boa natureza
Durante o Periacuteodo Edo protagonistas da escola Kokugaku como Kamo-no-Mabuchi
(賀茂 真淵 1697-1769) e Motoori Norinaga apoiam esta perspetiva mais eacutetica do kokoro
apelando ao lsquokokoro sincerorsquo ou lsquomakoto no-kokororsquo (真の心) isto eacute a derradeira virtude de
shintō 280
o que naturalmente reforccedila a importacircncia da caracteriacutestica ldquosinceridaderdquo (makoto)
Avaliada como algo dentro do kokoro ou que lhe eacute independente makoto (真) eacute
homoacutefono da palavra makoto (誠) cuja etimologia eacute makoto ( 真事) literalmente ldquoverdadeiras
palavrasrdquo e significa ldquonatildeo mentirnatildeo enganarrdquo 281
partilhando de um significado positivo
semelhante aos termos ldquohonestordquo (tadashii 正しい) ldquohonestidaderdquo (正直) makoto [真] por
sua vez tende a ser traduzido por ldquosinceridadeverdadeirordquo
No entender de Picken makoto (真) eacute um dos seus muitos vocaacutebulos ldquomoraisrdquo de
shintō juntando-se a kansha (感謝) ou ldquogratidatildeordquo forma de o indiviacuteduo expressar ldquogratidatildeo
humana pela sua dependecircncia sobre o divinordquo e tambeacutem uma atitude de respeito para com a
sociedade que o serve junsui (純粋) ou ldquopessoasrdquo de ldquocoraccedilatildeo puroinocentesrdquo relacionadas
com os traccedilos de caraacutecter ldquobomrdquo (seimei shin) definidos com base nos estudos de poesia e
outros textos antigos 282
Por conseguinte ldquosinceridaderdquo e ldquoagradecimentordquo relacionam-se
com o primeiro grande objetivo da Jinja Honchō conferindo a makoto as qualidades akaki
(ldquoclarordquo e kiyoki (ldquopurordquo) 283
Neste sentido makoto significa tambeacutem ser verdadeiro agraves suas intenccedilotildees e acreditar-
se no que estaacute a fazer uma atitude fundamental para qualquer praticante de shintō quem tiver
279
Ao todo [心] surge 211 vezes nesta obra tanto de forma isolada como acompanhado dos referidos termos
Por vezes as caracteriacutesticas positivas natildeo se aplicam somente ao kokoro mas tambeacutem ao discurso tomando-se o
exemplo de shōjiki kotoba (正直言) ldquopalavras honestasrdquo 続日本紀 朝日新聞本 (ZokuShoku Nihongi Versatildeo
do Jornal Asahi) (on line) lthttpwwwj-textscomjodaishokuallhtml (consultado em 24-06-2018) 280
PICKEN Stuart op cit pp 219-220 281
NISHIGAKI Yukio op cit pp 531-532 282
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 346-347 283
Jinja Honchō ldquo主な活動rdquo (Atividades gerais) 神社本庁のご案内 (A orientaccedilatildeo da Jinja Honchō) (on-line)
lthttpwwwjinjahonchoorjpintroductionactivitygt (consultado em 24-06-2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
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uma ldquovontade sincerardquo em fazer parte dos rituais conseguiraacute cultivar uma relaccedilatildeo proacutexima
com o kami No que concerne ao kokoro este pode ser qualificado como algo ldquobomrdquo (kiyoki
kokoro akaki kokoro yoshiki kokoro) ou ldquomaurdquo (ashiki kokoro) dependendo do caso
distinguindo-se de makoto que dispensa tais significados prejudiciais
Os grandes estudiosos do Periacuteodo Edo nunca se pronunciam sobre um kokoro mau
kokoro eacute sempre um atributo humano (ou de kami) positivo frequentemente associado a shintō
surgindo termos como o magokoro (makoto no-kokoro)
Palavra derivada da combinaccedilatildeo de ldquoverdadeirordquo (真) e kokoro magokoro eacute parte da
piracircmide de ldquovalores positivosrdquo individual assemelhando-se agrave qualidade ldquointenccedilatildeo de
sinceridaderdquo (seii 誠意) Contudo segundo o Tama boko hyakushu (玉鉾百首) de Norinaga
o magokoro corresponde a uma consequecircncia da accedilatildeo do princiacutepio musubi presente na mitama
dos kami um kokoro despido de valores opostos (bemmal sapiecircnciaburrice
capacidadeincapacidade) e cuja qualificaccedilatildeo varia consoante o tipo de experiecircncia e accedilatildeo
(boamaacute) Identificado como uma condiccedilatildeo inata aos seres humanos magokoro tem no seu
nuacutecleo a funccedilatildeo de ldquomovimentordquo nas palavras de Motoori Ōhira (本居大平 1756-1833)
irmatildeo mais novo de Norinaga o kokoro eacute designado de magokoro quando se torna ugoku
kokoro ou ldquokokoro que se moverdquo (うごくこころ動く心) quando alguma coisa de natureza
positiva ou negativa consegue fazer comover (tocar) o kokoro das pessoas estaacute-se perante um
ugoku kokoro agindo-se ldquonaturalmenterdquo conforme o estadonatureza das coisas e
acontecimentos 284
Uma caracteriacutestica uacutenica e individual de cada ser humano que justifica a existecircncia
de kami e coisas boasmaacutes 284
o magokoro existiria na realidade atual (Hito no yo 人の代)
embora remonte aos tempos do Kami-yo uma era temporalmente incerta e marcada pelo
permanente ciclo de Desordem e a Ordem colocando-se sempre a hipoacutetese de esta Desordem
ser ldquocuradardquo tornando a realidade calma e paciacutefica 285
entre o ldquobemmalrdquo vidamorte a vida
e o bem seriam sempre vitoriosos ilustrando a atitude otimista e positiva de Norinaga
tambeacutem adotada pelos praticantes de shintō
284
UMIHIKO ldquo本論 第七回「「真心(まごころ)」とは」の巻rdquo (Texto do Seacutetimo Capiacutetulo magokoro
eacute) 本居宣長研究ノート「大和心とは」本論 (Bloco de notas de Pesquisa Motoori Norinaga ldquoYamato
Gokoro eacuterdquo Argumento-base) (on line) lthttpwwwnorinagajpessence-07phpgt (consultado em 24-06-2018) 285
UMIHIKO ldquo第八回「『真心(まごころ)の型」の巻 rdquo (Texto do Oitavo Capiacutetulo O modelo de
magokoro) 本居宣長研究ノート「大和心とは」 本論 (Bloco de Notas de Pesquisa Motoori Norinaga
ldquoYamato Gokoro eacuterdquo Argumento-base) (on line) lthttpwwwnorinagajpessence-08phpgt (consultado em 24-
06-2018)
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Um seacuteculo mais tarde Katō Shigeharu (加藤 重春 1818-) avaliaria o significado
eacutetico do kokoro e makoto a sua obra Shintō fumoto no tateishi (神道麓之立石) categorizaria
kokoro e makoto como duas das quatro Vias de shintō respetivamente a ldquoVia do kokorordquo
(shintō 心道) e a ldquoVia da verdaderdquo (shintō 真道) se na primeira Via shintō eacute qualificado
como uma ldquoVia que retifica a menterdquo a ldquoVia da verdaderdquo reforccedila a importacircncia da
ldquosinceridaderdquo uma vez que ldquoqualquer pessoa que desconsiderasse a importacircncia de
sinceridade eacute uma pessoa viciosardquo Shintō deveria simplesmente ldquofluirrdquo influenciando
automaticamente as accedilotildees do indiviacuteduo cujo coraccedilatildeo eacute ldquoretificado reto e unido com os kamirdquo
soacute assim as suas accedilotildees estariam de acordo com a Via 286
Nos periacuteodos posteriores ao Engishiki o conceito de kokoro adquire alguma
importacircncia a um niacutevel mais ldquofilosoacuteficordquo numerosos textos criados por escolas e autores
independentes expotildeem as suas ideias acerca de kokoro ldquopurezardquo e ldquopurificaccedilatildeordquo bem como os
seus efeitos desta uacuteltima no ser humano Na tradiccedilatildeo de Ise shintō kokoro (ldquomenterdquo) faz parte
do trio ldquopurezardquo- ldquomenterdquo ndash ldquohonestidaderdquo como se constata no Ruiji Jingi Hongen (類聚神
祇本源) de Watarai Ieyuki a ldquopurezardquo eacute uma caracteriacutestica que denota honestidade o ato de
empreender uma tarefa com uma ldquomente que eacute calma (hellip) comportar-se numa maneira que
transcende vida e morte (hellip) tal como obedecer agraves seis proibiccedilotildees relacionadas com o modo
proacuteprio de observar rituaisrdquo (as seis formas de shokue do Engishiki) Em Shintō Kanyō (神道
簡要) do mesmo autor ldquopurezardquo eacute a raiz da ldquohonestidaderdquo e por conseguinte o uacutenico modo
de o indiviacuteduo obter benefiacutecios dos kami uma condiccedilatildeo presente ldquoquando a mente eacute retificada
(uma virtude Confuciana) balanccedilada sem manchar ou sendo manchadardquo e age com
ldquopropriedade em concordacircncia com razatildeordquo isto eacute possui ldquopropriedaderdquo (tsutsushimi 慎み
ldquoter uma atitude proacutepriaadequadardquo) 287
Na escola de Yoshida shintō Kanetomo interpreta esta Via como uma via de
proteccedilatildeo do kokoro (ldquomenterdquo) e como tal a pessoa deveria proceder a uma ldquopureza interna e
externardquo de modo a ldquoseguir a via dos kamirdquo 288
e manter com estes mesmos kami uma relaccedilatildeo
de proximidade graccedilas ao elo de ligaccedilatildeo o kokoro Responsaacutevel pela ldquoreinvenccedilatildeordquo do
conceito de kokoro no seu tempo Kanetomo eacute pioneiro na argumentaccedilatildeo de que o ldquocoraccedilatildeo
286
Aleacutem das Vias do kokoro e de makoto fazem parte de shintō o proacuteprio shintō (Via dos kami) e shintō ou ldquoVia
dos paisrdquo (親道) que enfatiza a virtude confuciana de piedade filial (oya kōkō 親孝行) PICKEN Stuart
Sourcebook in Shinto op cit pp169-170 287
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 177-180 288
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit p 28
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humanordquo (kokoro) e kami satildeo uno e a ldquomesma coisardquo 289
justificando a sua proposta de um
tipo de shintō cuja praacutetica ritual transporta consigo um potencial de purificaccedilatildeo fiacutesicamental
Natildeo obstante a linha de pensamento deste autor jaacute estava subentendida num dos
mais ceacutelebres textos de exposiccedilatildeo de Nakatomi Ōharae o Nakatomi Harae Kunge (中臣祓訓
解) Por norma datado do final do Periacuteodo Heian ou dos iniacutecios do periacuteodo seguinte a obra eacute
considerada parte de Ryōbu shintō e releva o papel de Nakatomi Harae aquando deste ldquoritualrdquo
argumentando acerca do papel fundamental da ldquomente humanardquo 290
- o kokoro - por sua vez
descrito por Kanetomo como aquilo que ldquoregerdquo e ldquoorientardquo o praticante e um ldquolugar onde os
kami governantes do universo vivem um lugar sagrado no qual a raiz e origem do cosmos eacute
para ser encontradardquo 289
Assim o kokoro (do homem) eacute o uacutenico elemento no indiviacuteduo capaz
de ldquocomungar com Ceacuteu e Terra com a grande natureza com o cosmosrdquo isto eacute o ldquotodordquo 290
estamos entatildeo perante um vislumbrar de realidades que estatildeo normalmente vedadas ou
veladas ao praticante devido agraves limitaccedilotildees fiacutesicas do corpo
Neste sentido entrar em contacto com os kami eacute um processo ldquomentalrdquo pois eacute a
ldquomente individualrdquo (kokoro) que consegue ldquoencontrarrdquo o kami do cosmos (hellip) origina agrave
ldquopurificaccedilatildeo da natildeo-menterdquo (mushin 無心 ) ndash Kanetomo considera mushin como termo
complementar de ldquoexistir-menterdquo (ushin 有心) dois vocaacutebulos originaacuterios da Via do Buda
que fazem parte do que se entende por ldquocaminhordquo (michi) em shintō 291
Deste modo satildeo
reunidos os requisitos necessaacuterios para a etapa final desta purificaccedilatildeo a ldquouniatildeordquo kamihomem
na qual ldquotodos os meus pensamentos e aspiraccedilotildees se tornam um com oos kamirdquo (shinjin
gōitsu) e consequentemente o retorno do indiviacuteduo sujeito a este harai agrave ldquoforma verdadeira e
originalrdquo que eacute nada mais do que o proacuteprio kami (shinjin kiitsu) 290
Alcanccedilar a Ordem atraveacutes da purificaccedilatildeo em shintō (misogi harai segundo Picken)
possibilita aquilo que geralmente eacute aceite como perspetiva da desta Via em relaccedilatildeo
agrave rdquonatureza humanardquo completar o processo de purificaccedilatildeo significa testemunhar dois
fenoacutemenos especiacuteficos a ldquouniatildeordquo do kami e do homem (shinjin gōitsu (神人合一) e a
289
PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit pp 166-167 290
PICKEN Stuart op cit pp 84-85 291
Em Yuiitsu shintō se michi eacute a ldquoraiz da miriacuteade de condutasrdquo(万物之起源也 michi towa mangyō no
minamoto nari 道とは万行の源なり) kami equivale ao kokoro da ldquomiriacuteade de coisasrdquo (神者万物心 kami towa
manbutsu no kokoro ni shite 神とは万物の心にして) Por outras palavras michi possui sempre em si duas
coisas complementares e opostas uma que ldquonatildeo-existerdquo e outra que ldquoexisterdquo HIROKAMI Kiyoshi ldquo日本にお
ける神道理論の形成rdquo (Concerning the Formation of Shinto theories in Japan) Tetsugaku shisō ronsō (哲学-思
想論叢) nordm 5 1997 pp 1-18
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consequente ldquorestauraccedilatildeo do divino no homemrdquo (shinjin kiitsu 神人帰一 ) literalmente
ldquokamipessoaregresso ao umrdquo 292
sendo que este ldquodivinordquo eacute o kami e a ldquopessoardquo eacute o seu
ldquodescendenterdquo que eacute temporariamente afetado pela Desordem que existe no mundo
Com efeito viver a vida de forma harmoniosa eacute o mesmo que aceitar a necessidade
de restauraccedilatildeo da Ordem um processo perioacutedico e que decorre apoacutes a purificaccedilatildeo individual
ldquopurificarrdquo natildeo significa apenas harai (祓) ou kiyomeru (清める) mas tambeacutem ldquorestaurarrdquo
(naoru直る) 293
a relaccedilatildeo simbioacutetica kami-homem (e vice-versa) expressa pela palavra shinjin
ou kami (神人) isto eacute o ldquokami com uma natureza humanardquo ou ldquokami e seres humanosrdquo
referindo-se ao ldquoprinciacutepio de unidade entre kami e seres humanosrdquo 294
No fundo shinjin gōitsu e shinjin kiitsu satildeo concordantes com a ideia acerrimamente
defendida por Kanetomo de que kokoro e kami satildeo essencialmente o mesmo permitindo ao
praticante tornar-se algo mais do que fisicamente aparenta ser o kokoro eacute o derradeiro elo de
ligaccedilatildeo kami-homem aquilo que deve ser cultivado atraveacutes de rituais de purificaccedilatildeo interna
292
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 346-347 293
PICKEN Stuart Sourcebook of Shinto op cit p 359 294
NISHIOKA Kazuhiko ldquoKamirdquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and Doctrines Basic Terms (on line)
lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23401gt (consultado em 24-06-
2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
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CONCLUSAtildeO
Apesar de a popularidade que o shintō recebe hoje em contexto acadeacutemico ser
evidenciada pelo nuacutemero consideraacutevel de artigos e livros produzidos por autores natildeo
japoneses a Via dos kami em si permanece um campo por explorar natildeo existindo falta de
informaccedilatildeo e sim falta de estudo dessa informaccedilatildeo Foi com estas intenccedilotildees que se pocircde dar
forma a uma inicial miscelacircnea de pensamentos e ideias desconetadas umas das outras um
processo que como natildeo esteve isento de obstaacuteculos nomeadamente a ldquotriagemrdquo de
informaccedilatildeo (consequecircncia da jaacute mencionada ldquotriagemrdquo dos autores que forneceram essa
mesma informaccedilatildeo) atual e adequada ao campo do shintō e agrave temaacutetica ldquorituais de purificaccedilatildeo e
natildeo-purificaccedilatildeo em shintōrdquo
Neste sentido se uma das dificuldades foi encontrar informaccedilatildeo atualizada e numa
linguagem acessiacutevel (inglecircs) uma das vantagens foi a leitura e interpretaccedilatildeo de artigos
passagens de livros e textos escritos em japonecircs auxiliando na investigaccedilatildeo processo que
incluiu uma anaacutelise etimoloacutegica como complemento agrave anaacutelise teoacuterica dos rituais que
provocam a Desordem e a Ordem sem o recurso a tal metodologia dificilmente se
conseguiria responder agraves trecircs perguntas colocadas na Introduccedilatildeo
Outro ponto positivo a ter em conta foi o recurso a outras fontes aleacutem de livros nesta
era de informaccedilatildeo apesar de as obras permanecerem vaacutelidas enquanto fontes primaacuterias de
informaccedilatildeo a sua linguagem presente pode parecer estranha a quem estuda tradiccedilotildees natildeo
ocidentais Interessantemente autores como Picken natildeo caem neste erro ao contraacuterio de Ono
Sokyō De um modo geral fontes virtuais (websites oficiais e artigos de revistas cientiacuteficas)
tambeacutem natildeo seguem esta tendecircncia de ldquotraduccedilotildeesrdquo No caso de fontes japonesas (artigos
websites e livros) a traduccedilatildeo estaacute ausente permitindo reter o sentido das palavras
Sinteticamente o shintō possui uma tradiccedilatildeo de atos de veneraccedilatildeo em jinja e de
indiviacuteduos participantes nos diferentes matsuri Eacute neste sentido que os indiviacuteduos executam
ldquorituaisrdquo (conotaccedilatildeo exclusivamente positiva) favoraacuteveis agrave Ordem Regulados num contexto
de corte estas praacuteticas adaptaram-se consoante a evoluccedilatildeo histoacuterica de shintō tornando-se
vaacutelidos tanto hoje como haacute seacuteculos atraacutes Veja-se o caso de misogi misogi harai retratada
como um exemplo de purificaccedilatildeo interna e externa eacute o ritual-base da atuaccedilatildeo de Misogi-kyō e
tradicionalmente ndash devido agrave sua presenccedila no Kojiki e Nihon shoki par de obras que alude agrave
consciencializaccedilatildeo do que eacute puroimpuro - uma espeacutecie de alicerce de todos os rituais
conducentes agrave Ordem uns mais simples do que outros constatando-se diferenccedilas no que
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concerne agrave preparaccedilatildeo e organizaccedilatildeo Temizu eacute um tipo de purificaccedilatildeo fiacutesica e como tal
reconhece a existecircncia de uma ldquoimpurezardquo fiacutesica e verbal ndash kegare - oriundo das matildeos e da
boca Jaacute as norito satildeo uma purificaccedilatildeo verbal cujos efeitos positivos se repercutem no que as
escuta e naquele que as profere Apesar de hoje poderem ser utilizadas em contextos natildeo
apenas puacuteblicos norito retraccedilam as suas origens a shintō imperial e jinja shintō ambas
categorias que durante seacuteculos beneficiaram de uma posiccedilatildeo privilegiada junto do poder
poliacutetico japonecircs
Natildeo obstante as metas do shintō para a sociedade japonesa do passado satildeo as mesmas
do presente conduzir o indiviacuteduo praticante agrave Ordem atraveacutes dos rituais de purificaccedilatildeo uma
vez que jōka eacute uma temaacutetica transversal a todas as vertentes do shintō independentemente do
seu nome ou forma pacificaccedilatildeo retificaccedilatildeo oharai temizu norito misogi kessai natildeo deixam
de ser purificaccedilotildees Contudo soacute se pode falar de uma ldquopurificaccedilatildeordquo se houver razatildeo para tal
se existem rituais que reconduzem o indiviacuteduo agrave Ordem seguramente existem rituais de
natureza antagoacutenica Natildeo haacute Desordem (muchitsujo 無秩序 conotado pela autora com maga
[禍]) sem Ordem (chitsujo 秩序 se bem que algumas fontes favorecem o uso de nao [直]
para expressar esta Ordem uma vez que um dos seus significados eacute o de ldquorestaurarrdquo)
purificaccedilatildeo sem natildeo-purificaccedilatildeo e muito menos pureza sem impureza Estes trecircs pares de
conceitos satildeo interdependentes opostos e complementares Tendo isto como ponto de partida
eacute possiacutevel deduzir o seguinte shintō tem por princiacutepio um equiliacutebrio e um ciclo no qual se
encontra o indiviacuteduo a Via propotildee ao indiviacuteduo o que deve fazer e o que eacute correto fazer bem
como aquilo que natildeo deve fazer
Neste sentido o shintō reuacutene aspetos teoacutericos e praacuteticos como qualquer outra religiatildeo
apresentando a sua proacutepria ldquocosmovisatildeordquo ndash ldquovisatildeo do cosmosrdquo o cosmos eacute conotado com o
coletivo e como tal um dos seus elementos fundamentais eacute o indiviacuteduo que vive neste cosmos
esperando um dia efetivamente ligar-se a ele o que alude a noccedilatildeo de musubi aproximando o
ser humano do kami
Por conseguinte a jōka eacute um processo abrangente e inclusivo e natildeo restritivo ou
exclusivo no qual o ser humano se deve focar auxiliando-o a viver bem consigo e com os
outros A natildeo purificaccedilatildeo precede os atos de purificaccedilatildeo tal como a Desordem precede a
Ordem existindo desde os tempos incertos do Kami-yo relatados pelas mitologias japonesas
Aliaacutes esta DesordemOrdem eacute provocada pelas accedilotildees dos kami Tome-se por exemplo
Susanoo e Amaterasu com a excepccedilatildeo dos episoacutedios nos quais Susanoo repotildee a Ordem
atraveacutes da eliminaccedilatildeo de uma ameaccedila (Yata no Orochi) este kami estaacute sempre associado agrave
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Desordem como consequecircncia da sua rivalidade para com Amaterasu sua irmatilde mais velha
Tal conflito prolonga-se ateacute ao momento da restauraccedilatildeo da Ordem trazida por Ninigi neto de
Amaterasu e inimigo dos descendentes de Susanoo sobre os quais emerge vitorioso
Interessantemente esta reordenaccedilatildeo tem a dupla funccedilatildeo de legitimaccedilatildeo do estatuto de
Amaterasu enquanto governante de Takamagahara e entronizaccedilatildeo de um novo poder
centralizado no territoacuterio japonecircs na figura de um suposto descendente de Amaterasu A nova
ordem coacutesmica simboliza uma nova ordem poliacutetica
Em contrapartida o ciclo de Desordem e Ordem no qual o ser humano natildeo eacute apenas
um espetador mas tambeacutem um participante tem as suas origens nos atos conscientes de
Izanagi durante misogi o primeiro ritual de purificaccedilatildeo a ser mencionado em fontes japonesas
Aliaacutes ldquorituaisrdquo satildeo processos de transiccedilatildeo de um ldquoestado potencialrdquo para a condiccedilatildeo de
ldquoatordquo negativo ou positivo em shintō se rituais de natureza positiva satildeo visualmente
manifestaccedilotildees de apreccedilo e respeito pelos kami e aproximam-nos dos proacuteprios kami rituais de
natureza oposta provocam a distacircncia Por outras palavras rituais satildeo nada mais do que
meacutetodos para atingir um fim a Ordem ou o seu inverso sendo que a purificaccedilatildeo assume um
papel basilar orientando o indiviacuteduo ao longo deste processo Executar rituais de purificaccedilatildeo
significa reconhecer os erros cometidos e efetivamente agir a favor de um coletivo
Afastando-se do que lhe eacute prejudicial e para este coletivo o indiviacuteduo segue a Via dos kami
que o auxilia a viver a vida de forma boa de estar bem consigo e com os outros
Contudo por muito atrativo que pareccedila esta ideia de Ordem eacute inevitaacutevel a seguinte
sucessatildeo de perguntas seraacute que o shintō se resume apenas a isto Um ser humano
ciclicamente sujeito a uma Desordem e Ordem que ele proacuteprio causa ou se deixa afetar por
forccedilas ldquoexterioresrdquo (kami) consequentemente atingindo natildeo apenas a sua pessoa mas tambeacutem
o que o rodeia Natildeo haveraacute uma soluccedilatildeo definitiva Uma ldquoharmoniardquo que seja permanente e
natildeo perioacutedica
Ora esta linha de raciociacutenio natildeo eacute de todo iloacutegica se o shintō existe para benefiacutecio de
quem cumpre com os rituais de purificaccedilatildeo a ldquoharmoniardquo eacute nada mais do que um meio para
atingir o derradeiro fim a felicidade Assim a verdadeira ldquoHarmoniardquo significa ir para laacute da
Desordem e Ordem da reordenaccedilatildeo constante Harmonia eacute equiliacutebrio e uma condiccedilatildeo de
plenitude perpetuada o que soacute acontece quando o ser humano estaacute ligado ao todo um todo
representado parcialmente pela sociedade e pelo indiviacuteduo que estaacute em sociedade
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 100
No contexto do shintō o indiviacuteduo poderaacute ser definido enquanto parte do todo e de
certo modo o proacuteprio todo se a parte estaacute ligada em rede ao todo de uma forma
exclusivamente positiva eacute graccedilas agrave Harmonia De entre os autores contemporacircneos
consultados Stuart Picken destaca-se como o mais assertivo na partilha desta opiniatildeo o
entendimento que este uacuteltimo atribui agrave praacutetica misogi harai (shinjin gōitsu e shinjin kiitsu) jaacute
transparece a noccedilatildeo de Harmonia uma ldquoHarmoniardquo definitiva agrave semelhanccedila do que eacute
proposto pelo texto do Nakatomi Harae Kunge De todos os rituais de purificaccedilatildeo
mencionados este eacute o uacutenico que oferece ao indiviacuteduo algo mais do que uma Ordem
temporaacuteria conseguindo de facto inviabilizar a proacutepria Desordem
Em suma eacute possiacutevel percecionar shinjin gōitsu e shinjin kiitsu como consequecircncia de
um tipo de purificaccedilatildeo que natildeo vem do exterior Ao inveacutes de uma purificaccedilatildeo externa focada
no regresso temporaacuterio agrave Ordem urge-se uma purificaccedilatildeo que tem de vir do ldquointeriorrdquo do
kokoro Quando este atributo humano estiver em Harmonia a purificaccedilatildeo torna-se permanente
para o ser humano um ser humano em equiliacutebrio e liberto do ciclo de Desordem e Ordem que
rege a sua conduta diaacuteria
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
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Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo I
ANEXOS
Anexo I
Desordem e Ordem de acordo com o terceiro capiacutetulo do Engishiki shokue (orientaccedilatildeo
direita-esquerda da segunda agrave quinta linha) e imi [齋] incluindo sansai e chisai durante os
atos de luto (uacuteltimas quatro linhas da paacutegina) ou no periacuteodo de gravidez das jovens do palaacutecio
(primeiras duas linhas paacutegina seguinte)
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Anexo II
Um shinkan executa oharai durante o ldquorito de shūbatsurdquo (shūbatsu no gi修祓の儀) segundo
passo do jichinsai Este matsuri decorreu em 2016 1ordm de novembro (terccedila-feira) prefeitura de
Aomori (Aomori-ken 森県 ) cidade de Hachinoe (Hachinoe-shi 八戸市 ) por parte do
Kabushima jinja (蕪嶋神社) O seu objetivo eacute ldquoapaziguarrdquo os kami do terreno onde se
construiraacute um novo shaden (社殿) isto eacute o edifiacutecio onde se guarda o shintai
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Anexo III
Uma jovem executa temizu segurando o utensiacutelio de madeira na matildeo direita que utilizou para
lavar a matildeo esquerda e agora a sua boca O texto abaixo agrave esquerda lecirc-se ldquolimpar o kokoro e
o corpordquo (心身を清める) e temizu (手水) respetivamente agrave direita a frase ldquohidarite de mizo
wo uke kuchi wo susugimasurdquo (左手で水を受け口をすすぎます) significa literalmente
ldquorecebe-se a aacutegua e lava-se a boca com a matildeo esquerdardquo
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Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo IV
Anexo IV
Excerto da norito de Minadzuki no tsugumori Ōharae (六月晦日大祓) oitavo volume do
Engishiki Aqui os atos de ldquopurificaccedilatildeordquo (segunda linha a contar da esquerda) provocaram a
eliminaccedilatildeo dos tsumi cometidos pelo coletivo de funcionaacuterios (quarta linha)
AGRADECIMENTOS
Aos meus pais pelo seu apoio no decorrer deste projeto
Ao Professor Antoacutenio Faria pelo tempo simpatia e disponibilidade prestados
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RESUMO
O presente trabalho procura analisar os rituais que no contexto de shintō
inviabilizam e favorecem a restauraccedilatildeo da Ordem Os rituais por norma portadores de uma
conotaccedilatildeo ldquopositivardquo podem alternativamente ser entendidos como uma sucessatildeo de
pensamentos palavras e accedilotildees justificando a classificaccedilatildeo em positivonegativo consoante os
resultados obtidos
No Japatildeo a gradual institucionalizaccedilatildeo da Via dos kami (shintō) por parte da corte
imperial favoreceu a evoluccedilatildeo de praacuteticas ldquorituaisrdquo executadas por indiviacuteduos que celebravam
a sua relaccedilatildeo com os kami formas de existecircncia e consciecircncia associadas agrave Ordem (na sua
grande maioria) e veneradas ateacute aos dias de hoje
Criado para o bem de quem o segue o shintō reconhece a purificaccedilatildeo como a
preocupaccedilatildeo transversal de todas as suas vertentes Com efeito a purificaccedilatildeo eacute um complexo
processo cujos efeitos natildeo satildeo apenas positivos para o indiviacuteduo mas tambeacutem para o coletivo
isto eacute a sociedade com a qual interage diariamente conduzindo-o agrave Ordem
Contudo natildeo haacute Ordem sem o seu oposto a Ordem e a Desordem satildeo as duas partes
de um ciclo no qual o indiviacuteduo se encontra assumindo um papel fundamental dado que tem
a capacidade de executar rituais se a Ordem eacute a meta dos rituais positivos a Desordem eacute a
consequecircncia dos rituais negativos
Palavras-chave Japatildeo shintō (神道) rituais purificaccedilatildeo (jōka浄化) indiviacuteduo
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ABSTRACT
The following work aims for an analysis of the rituals that in the context of shintō
may invalidate and encourage the restauration of the Order The rituals typically defined by
bearing a ldquopositiverdquo connotation may alternatively be understood as a succession of thought
words and actions which justifies the lsquopositivenegativersquo classification according to the
obtained results
In Japan the gradual institutionalization of the Way of the kami by the imperial court
promoted the evolution of several ldquoritualrdquo practices executed by individuals that celebrated
their relationship with the kami forms of existence and conscience associated to the Order
(the most part of them) and worshiped to the present time
A Way created for the wellbeing of the one who follows it the shintō acknowledges
the purification as the transversal concern of all of its aspects Therefore the purification is a
complex process whose results are not just positive for the individual but also for the
collective meaning the society with whom he interacts on a daily basis which leads him to
the Order Nevertheless there is no Order without its opposite the Order and the Disorder
are the two parts of a cycle in which the individual is found assuming a vital role due to the
fact he has the capacity of executing rituals if the Order is the goal of positive rituals the
Disorder is the consequence of negative rituals
Keywords Japan shintō (神道) rituals purification (jōka浄化) individual
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IacuteNDICE GERAL
GLOSSAacuteRIO 5
INTRODUCcedilAtildeO 9
1 DO PASSADO AO PRESENTE SHINTŌ UMA ldquoRELIGIAtildeOrdquo JAPONESA 16
11 Shintō e kami perceccedilotildees japonesas do lsquosagradorsquo e do lsquodivinorsquo 19
111 O papel de kami na cosmologia japonesa do processo de divisatildeo da
realidade agrave criaccedilatildeo da mesma 24
112 Depois da criaccedilatildeo kami como agentes da Ordem e da Desordemhellip 26
12 Shintō como processo interaccedilotildees com outras ideias vindas de fora 32
121 Via de Confuacutecio dinamizando a eacutetica japonesa 32
122 Via do Dao cultivando a relaccedilatildeo entre o governo japonecircs e o culto aos
kami 35
123 Via do Buda concoacuterdia e discoacuterdia entre praacuteticas shinbutsu 39
13 Shintō no periacuteodo moderno antes e depois de 1945 43
131 A visatildeo nacionalista Meiji uma lsquonatildeo-religiatildeorsquo ao serviccedilo do Estado
japonecircs 44
132 Divulgaccedilatildeo de um legado cultural e histoacuterico shintō a mais popular
religiatildeo japonesa 46
2 SOCIEDADE ESPIRITUALIDADE E EacuteTICA A VIA DOS KAMI E O REGRESSO
Agrave Ordem 48
21 A relaccedilatildeo entre kami e humanos uma resposta a preocupaccedilotildees coletivas e
individuais 48
22 Aleacutem do plano fiacutesico musubi rei e tamashii 50
23 Mal como causa e efeito da Desordem tsumi kegare e imi 53
24 O bem como agente da Ordem rituais de purificaccedilatildeo interna e
externa 79
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CONCLUSAtildeO 97
BIBLIOGRAFIA 101
ANEXOS I
Anexo I I
Anexo II II
Anexo III III
Anexo IV IV
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GLOSSAacuteRIO
Amatsu-no-kami literalmente lsquokami celestesrsquo satildeo um grupo de kami liderados por
Amaterasu Ōmikami e que habitam em Takamagahara (高天原) Nesta divisatildeo encontram-se
ainda os hermafroditas koto-amatsukami (別天つ神)
Fujō termo geneacuterico para designar o que eacute lsquoimpurorsquo aos olhos da sociedade japonesa Por
vezes sinoacutenimo de fuketsu se bem que esta palavra seja usada no contexto de algo
higienicamente reprovaacutevel Num sentido mais amplo fujō representa um estado de Desordem
associando-se com o termo kegare
HaraiHarae atos de lsquopurificaccedilatildeorsquo no sentido de eliminaccedilatildeo da desordem provocada pela
accedilatildeo humana ou natural Haraiharae eacute uma das praacuteticas mais recorrentes das vaacuterias vertentes
de shintō e pode ser praticada de forma individual ou coletiva
Imi palavra de conotaccedilatildeo prejudicial que convida agrave Desordem Comportamento ou algo cuja
natureza eacute negativa e reprovaacutevel de dizerfazer servindo de base etimoloacutegica ao ceacutelebre termo
imikotoba palavras natildeo pronunciaacuteveis em certas ocasiotildees (festivas)
Imuimi lido alternativamente como sai eacute uma conduta positiva e favoraacutevel ao cumprimento
de rituais shintō Frequentemente interpretado como atos de lsquoabstenccedilatildeorsquo fiacutesica e mental
imuimi seriam descritos e categorizados nas obras Yōrō-ryō e Engishiki
Jingikan um instrumento do poder poliacutetico imperial e o oacutergatildeo de manutenccedilatildeo e vigilacircncia
dos vaacuterios jinja desde os primeiros seacuteculos do periacuteodo dinaacutestico japonecircs A niacutevel legal o culto
jingi sujeitava-se agraves regulaccedilotildees do coacutedigo Jingiryō Nos dias de hoje as funccedilotildees do Jingikan
foram essencialmente substituiacutedas pela Jinja Honchō
Jinja espaccedilos fiacutesicos de veneraccedilatildeo aos kami Literalmente os ldquosantuaacuterios de kamirdquo
Kami com frequecircncia traduzido em obras por lsquodeusesrsquo lsquoentidadesrsquo lsquodivindadesrsquo e lsquoespiacuteritosrsquo
podem ser entendidos como formas de existecircncia anteriores e superiores os humanos Apesar
de a maioria atuar como representantes da Ordem os magatsubi-no-kami defendem o seu
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oposto reforccedilando a ideia de princiacutepios contraacuterios mas complementares muito visiacutevel em
shintō
Kata-shiro um pedaccedilo de papel cuja forma lembra uma figura humana o qual se escreveria o
nome e o geacutenero do seu portador esfregando-se este objeto no corpo transmitindo
simbolicamente os tsumi do corpo para o papel Praacutetica costumaacuteria em Ōharae
Kegare traduzido por lsquoimpurezarsquo e por vezes sinoacutenimo da palavra fujō kegare eacute parte da
terminologia de shintō e um dos termos conotados com a Desordem Eventualmente avanccedilos
na consciencializaccedilatildeo do lsquopuroimpurorsquo permitiram um processo de categorizaccedilatildeo cada uma
associada a uma lsquoimpurezarsquo particular
Kokoro lsquocoraccedilatildeorsquo no sentido natildeo anatoacutemico eacute o elemento interior de qualquer pessoa e
associado ao estado emocional da mesma Em contexto acadeacutemico eacute costume o termo ser
traduzido como lsquomentersquo ou lsquocoraccedilatildeomentersquo
Kunitsu-no-kami os lsquokami terrenosrsquo e hierarquicamente inferiores aos amatsu-no-kami No
fundo satildeo kami que jaacute habitariam o Japatildeo antes da conquista de Ninigi o miacutetico neto de
Amaterasu Na sequecircncia da derrota dos kunitsu-no-kami inaugura-se uma nova Ordem
coacutesmica e poliacutetica
Makoto traduzido por lsquosinceridadersquo e lsquoverdadersquo eacute uma atitude positiva inerente aos humanos
e fundamental aquando das praacuteticas de veneraccedilatildeo aos kami Um dos termos profundamente
ligados agrave natureza mais eacutetica de shintō
Matsuri a variaccedilatildeo do verbo matsuru (祭る祀る) na qual o praticante consagra oferendas a
formas de existecircncia respeitaacuteveis (antepassados kami e budas) Por norma expressotildees
puacuteblicas associadas ao culto jingi que durante o tempo de vigor do Jingikan eram
organizadas consoante as regulaccedilotildees do Jingiryō incorporado na obra Engishiki
Misogi harai o ato de banhar o corpo numa fonte de aacutegua ativando as propriedades
terapecircuticas e purificadoras deste elemento No Kojiki e Nihon shoki Izanagi-no-kami eacute
descrito como o primeiro kami a fazer uso deste ritual apoacutes regressar do Yomi o domiacutenio
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subterracircneo da mitologia japonesa Misogi eacute tambeacutem o expoente de purificaccedilatildeo a niacutevel
externo e interno
Meijō uma das palavras para lsquopurezarsquo Etimologicamente constituiacuteda por mei (明) a leitura
foneacutetica alternativa do japonecircs aki akari akarui termos que expressam as ideias de
lsquoclaroclarezarsquo e jō (浄) lsquopuropurarsquo
Musubi contendo em si a noccedilatildeo de lsquoligaccedilatildeorsquo e lsquouniatildeorsquo e de certo modo o Todo Diz-se que
musubi estaacute presente em qualquer elemento que nos rodeia
Norito frases escritas numa linguagem arcaica e hoje usadas em todo o tipo de locais de
veneraccedilatildeo Sobretudo de caraacutecter puacuteblico norito satildeo etimologicamente constituiacutedas pela
partiacutecula nori (祝) cujo kanji eacute usado no verbo lsquocelebrarrsquo (iwau) e kotoba (詞) lsquopalavrarsquo
Fundamentais para a reposiccedilatildeo temporaacuteria da Ordem
Onmyōdō a Via da escola de funcionaacuterios provenientes do Escritoacuterio Yin-Yang cujas
atividades foram reguladas pelos Abe e Kamo hereditaacuterios liacutederes dos cargos mais relevantes
desta instituiccedilatildeo
Saigū tiacutetulo conferido agrave mais importante sacerdotisa escolhida de entre os membros da
famiacutelia imperial para servir nos jinja de Ise e Kamo Jovem cujo periacuteodo de preparaccedilatildeo
envolvia uma lsquoabstinecircnciarsquo rigorosa de trecircs anos
Shinsen conjunto de alimentos (arroz sal aacutegua sake bolos de arroz peixe algas vegetais
cereais e fruta) oferecidos em altares aos kami
Shintai mitamashiro objetos palpaacuteveis (espelhos por exemplo) identificados com o proacuteprio
kami e como tal devem ser venerados de forma adequada Permanentemente escondidos
dentro do jinja e vigiados pelos responsaacuteveis ateacute ao momento dos matsuri ou outras
celebraccedilotildees
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Shintō a Via dos kami (kami no michi) e uma das religiotildees (shūkyō) reconhecidas no plano
estatiacutestico japonecircs que por sua vez a agrupa em jinja shintō ou shintō de santuaacuterios kyōha
shintō o ceacutelebre shintō setorial e as ldquonovas religiotildeesrdquo (shin shūkyō) baseadas em shintō
Tamashii o elemento inerente ao ser humano e aos kami que supostamente eacute constituiacutedo por
quatro aspetos (shikon) cada um representando uma faceta da personalidade individual Se
pertence aos kami tamashii designa-se mitama Em alguns jinja apenas parte da mitama eacute
venerada pelos praticantes
Temizu a forma abreviada de misogi na qual o indiviacuteduo lava a boca e das matildeos Temizu eacute
obrigatoacuterio antes da veneraccedilatildeo nos jinja
Tsumi palavra que significa lsquocrimersquo Eacute algo contraacuterio agrave ordem social independentemente de
esta ser entre os kami ou entre os humanos Eliminados de forma simboacutelica pelas praacuteticas
haraeharai tsumi satildeo por vezes divididos em amatsu-no-tsumi (lsquocrimes celestesrsquo) e kunitsu-
no-tsumi (lsquocrimes terrenosrsquo)
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INTRODUCcedilAtildeO
O trabalho tem como objectivo uma anaacutelise dos rituais que inviabilizam e permitem a
purificaccedilatildeo em shintō O objeto de estudo comporta natildeo apenas uma abordagem histoacuterica-
antropoloacutegica do shintō adotada por muitos autores contemporacircneos mas tambeacutem um olhar
sobre a sua praacutetica ritual que eacute considerada por muitos como o alicerce da lsquoViarsquo (em japonecircs
dō) per si entendendo-se lsquoritualrsquo como a sucessatildeo de pensamentos palavras e accedilotildees Assim eacute
possiacutevel interpretar o homem como aquele que estaacute no ciclo de Desordem e Ordem capaz de
provocar ou deixar-se influenciar pela Desordem e nesse caso o ritual eacute prejudicial negativo
Em contrapartida se se recorrer agrave purificaccedilatildeo os seus efeitos satildeo positivos e a Ordem eacute
temporariamente restaurada Tal como se constata em tradiccedilotildees ditas orientais shintō defende
a noccedilatildeo de equiliacutebrio uma vez que nada surge sem o seu contraacuterio
A escolha da temaacutetica partiu de um interesse pessoal da autora na cultura japonesa
adquirido ao longo da sua vida acadeacutemica sobretudo durante o periacuteodo de licenciatura em
Estudos Asiaacuteticos que possibilitou uma pequena amostra do que tinha sido produzido ateacute
entatildeo por autores japoneses e natildeo japoneses acerca de shintō o que se pretendia natildeo era um
estudo pormenorizado de filosofias da Aacutesia mas sim transmitir em linhas gerais o que satildeo os
lsquoismosrsquo do continente vizinho uns cuja aacuterea de impacto se reduz a uma aacuterea geograacutefica
especiacutefica e outros que beneficiaram de uma expansatildeo significativa No mestrado em Ciecircncia
das Religiotildees apesar de a vertente filosoacutefica das vaacuterias tradiccedilotildees desenvolvidas na Aacutesia ter
sido incorporada shintō natildeo teve o mesmo protagonismo que a Via do Buda a Via de
Confuacutecio ou ainda o pensamento veacutedico Em Portugal a quase indisponibilidade e ausecircncia
de materiais (atualizados) sobre shintō eacute comparaacutevel ao escasso nuacutemero de trabalhos
acadeacutemicos realizados urgindo-se a necessidade de se executar investigaccedilotildees que
contemplem shintō natildeo como uma lsquoreligiatildeorsquo no sentido de ser teiacutesta panteiacutesta monoteiacutesta
politeiacutesta mas como algo aleacutem disso Neste sentido o investigador do shintō deve ignorar os
lsquopreacute-conceitosrsquo estabelecidos por outras perspetivas ocidentais que acabaram por moldar o
mundo acadeacutemico tal como o conhecemos natildeo considerando esta religiatildeo somente de um
ponto de vista estatiacutestico
Nesta perspetiva o trabalho pode ser considerado primeiramente como um texto que
procura divulgar shintō em Portugal Um dos motivos que levou a autora a realizar este
trabalho foi como jaacute referido tentar despertar o interesse das pessoas em shintō permitindo a
abertura de portas a futuras investigaccedilotildees e simultaneamente contrariando a tendecircncia de foco
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 10
do Mestrado de Ciecircncia das Religiotildees nas religiotildees ocidentais Tal tendecircncia pode ser
verificada se o leitor pesquisar a paacutegina virtual do repositoacuterio da Universidade Lusoacutefona de
Humanidades e Tecnologias ndash o ReCiL - Repositoacuterio Cientiacutefico Lusoacutefona de entre as doze
dissertaccedilotildees disponiacuteveis e realizadas por alunos do ldquoMestrado em Ciecircncia das Religiotildeesrdquo
onze satildeo sobre cristianismo ndash em Portugal e no Brasil ndash e uma eacute dedicada a um dos estilos da
arte marcial karatedō (Shotokan Karatedō 松涛館 空手道) 1
tambeacutem este uma Via ndash Via da
ldquomatildeo vaziardquo ou karate - agrave semelhanccedila de shintō Jaacute a Revista Lusoacutefona de Ciecircncia das
Religiotildees publicou cinco artigos dedicados ao Japatildeo do passado especificamente o periacuteodo de
presenccedila cristatilde em territoacuterio japonecircs (e Macau) 2
Apesar de carecer de um fundador ndash apenas vaacutelido no caso de kyōha shintō ldquonovas
religiotildeesrdquo shintō e de certo modo escolas de gakuha shintō criadas como consequecircncia dos
movimentos acadeacutemicos e de exposiccedilatildeo de conceitos e rituais (que conduzem agrave Ordem) ndash um
sistema proacuteprio de ldquofeacuterdquo e ldquoensinamentosrdquo caracteriacutesticas tiacutepicas de uma lsquoreligiatildeorsquo (no sentido
lsquoocidentalrsquo) o shintō eacute praticado pelo indiviacuteduo e como tal este uacuteltimo faz parte do todo isto
eacute do mundo que o rodeia vivendo consoante as decisotildees que toma quer sejam de natureza
positiva ou negativa
Neste sentido a finalidade desta dissertaccedilatildeo natildeo eacute somente divulgar shintō o trabalho
realizado eacute um texto argumentativo que pretende responder a trecircs questotildees o que eacute o ciclo de
Desordem e Ordem o que eacute que o praticante de shintō fazia e ainda faz para causar Desordem
ou Ordem quais satildeo os motivos por detraacutes das accedilotildees que conduzem agrave Ordem
Para tentar responder agraves perguntas acima nomeadas dividiu-se o trabalho em duas
partes cada um com um nuacutemero variado de subtoacutepicos a primeira parte eacute acima de tudo
contextualizaccedilatildeo do tema explicando-se o que se entende por shintō ldquoreligiatildeordquo kami e qual a
relaccedilatildeo destes uacuteltimos com o domiacutenio sagradodivino japonecircs
Assim a realizaccedilatildeo do primeiro subtoacutepico envolveu a procura de algumas opiniotildees
formadas por autores e investigadores constatando-se a necessidade de uma anaacutelise
etimoloacutegica de termos como shintō religiatildeo (em japonecircs shūkyō) kami e ldquosagradodivinordquo
(dicotomia seishin) Em segundo lugar efetuou-se uma siacutentese do que outros autores
(japoneses ou natildeo) entendem por kami por vezes sujeitos a processos de classificaccedilatildeo ou
1 The DSpace Foundation ldquoPercorrer lsquoMestrado em Ciecircncia das Religiotildeesrsquo por data de publicaccedilatildeordquo ReCiL -
Repositoacuterio Cientiacutefico Lusoacutefona (on line)
lthttprecilgrupolusofonaptjspuihandle104375704browsetype=dateissuedgt (consultado em 24-06-2018) 2 The DSpace Foundation ldquoResultados da pesquisa- Revista Lusoacutefona de Ciecircncia das Religiotildeesrdquo ReCiL -
Repositoacuterio Cientiacutefico Lusoacutefona (on line) lthttprecilgrupolusofonaptjspuihandle104373095simple-
searchquery=japC3A3ogt (consultado em 24-06-2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
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categorizaccedilatildeo Seguidamente kami satildeo analisados enquanto personagens fundamentais da
cosmologia japonesa conforme os relatos do Kojiki e Nihon shoki participando no processo
de divisatildeo da realidade - sendo que esta divisatildeo pode ser tripartida (sobretudo mundo
superior mundo do meio e mundo inferior) ou bipartida (o lsquonosso mundo fiacutesicorsquoo lsquooutro
mundorsquo) ndash e ainda na criaccedilatildeo desta uacuteltima - considerando-se lsquocriaccedilatildeorsquo como o ato consciente
dos kami (neste caso o casal Izanagi e Izanami) de gerar as coisas que compotildeem o nosso
mundo e tambeacutem kami associados a essas mesmas coisas Apoacutes esta criaccedilatildeo certos kami
tornam-se agentes da Ordem (Amaterasu) e da Desordem (Susano-o e Ōkuninushi)
expressando a noccedilatildeo de equiliacutebrio muito presente nos rituais de shintō que explicam a Ordem
como a consequecircncia da condiccedilatildeo de Desordem (o episoacutedio da Ama no Iwato por exemplo)
No uacuteltimo subtoacutepico explicou-se a evoluccedilatildeo de shintō ao longo dos seacuteculos de
interaccedilatildeo com as Vias de Confuacutecio do Dao e do Buda observando a sua integraccedilatildeo na esfera
poliacutetica japonesa desde os primeiros tempos de institucionalizaccedilatildeo das praacuteticas de veneraccedilatildeo
aos kami ateacute agrave atualidade Natildeo obstante deve-se alertar para o facto de que este subtoacutepico natildeo
apresenta shintō numa perspetiva cronoloacutegica a Via do Confuacutecio - a primeira a ser estudada
neste trabalho - influenciou a sociedade claacutessica japonesa mas a adaptaccedilatildeo dos seus
ensinamentos por parte de shintō soacute se veio a realizar num periacuteodo posterior Por outras
palavras se se pretendesse uma evoluccedilatildeo cronoloacutegica de shintō o esquema a seguir seria ldquoVia
de Dao-Via do Buda-Via de Confuacuteciordquo
No que concerne agrave segunda parte esta corresponde ao desenvolvimento do tema e
como tal investiga-se algumas teorias e praacuteticas - uma vez que a teoria daacute coesatildeo agrave praacutetica e a
praacutetica eacute uma forma de dinamizaccedilatildeo da teoria ndash do shintō retratado como uma Via
profundamente social ndash liga os humanos aos kami e vice-versa surgindo kami que atendem agraves
necessidades concretas individuaiscoletivas de quem os procura (Inari Ebisu Shichi Fukujin
e Tenjin) ndashrsquoespiritualrsquo ndash na aceccedilatildeo de se estar perante algo natildeo do domiacutenio palpaacutevel ou fiacutesico
que tambeacutem serve de elo de ligaccedilatildeo humanokami evidenciado pelo desenvolvimento de toda
uma tradiccedilatildeo de lsquoespiritualidade japonesarsquo melhor expressa por musubi rei e tamashii ndash e
lsquoeacuteticarsquo ndash no sentido de existir um bemmal ou seja algo ordenado e algo desordenado que
pode ser sempre reposto evidenciando a natureza ciacuteclica da relaccedilatildeo DesordemOrdem
Aleacutem de se analisar etimologicamente toda uma seacuterie de palavras associadas agrave
lsquoespiritualidadersquo agrave Desordem (tsumi kegare e imi) e agrave Ordem como eacute entendida pelo shintō
(os vaacuterios vocaacutebulos indicativos de lsquopurificaccedilatildeorsquo e algumas norito relevantes) e por algumas
escolas de pensamento desta Via abordam-se duas qualidades internas do ser humano
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denominadas kokoro e makoto integrais ao campo da eacutetica japonesa bem como a shintō Os
rituais conducentes agrave Ordem revolvem em torno da purificaccedilatildeo processo de natureza externa
e interna embora a segunda seja de natureza mais subtil e portanto mais difiacutecil de atingir No
entanto o objetivo eacute sempre o mesmo contrariar o desequiliacutebrio trazido por tsumi kegare e
imi devolvendo o indiviacuteduo (e o que o rodeia) ao seu estado ordenado confirmando a ideia
de que o shintō eacute importante natildeo apenas para o indiviacuteduo
Enquanto temaacutetica de estudo os rituais de purificaccedilatildeo e de natildeo purificaccedilatildeo em shintō
satildeo uma novidade em contexto nacional mas natildeo propriamente no mundo acadeacutemico
internacional milhares de autores redigiram livros sobre shintō ou pequenos artigos sobre
ldquopurificaccedilatildeordquo ldquorituaisrdquo e ldquoimpurezardquo se bem que tsumi kegare e imi (negativo) nunca satildeo
apelidados de ldquorituaisrdquo per si No entanto este trabalho utiliza a palavra ldquorituaisrdquo num sentido
abrangente ao inveacutes de investigadores que se cingem agrave definiccedilatildeo sugerida pelo dicionaacuterio
quando o indiviacuteduo realiza algo constantemente e da mesma maneira faz um ldquoritualrdquo Em
contexto religioso ldquorituaisrdquo tendem a ser vistos como exclusivamente positivos nunca
negativos
Poreacutem ao redefinir-se ldquoritualrdquo como um padratildeo de pensamentos palavras e accedilotildees natildeo
se inviabiliza a hipoacutetese de existirem ldquorituaisrdquo que provocam o oposto do que se pretende
Interessantemente alguns autores contemporacircneos de shintō cingem-se ao ldquoritualrdquo como o
que permite o regresso agrave Ordem na introduccedilatildeo de Sourcebook in Shinto Selected Documents
Resources in Asian Philosophy and Religion (2004) Stuart Picken diz que a ldquotransmissatildeo de
Shinto (hellip) eacute mais sobre agenda do que credenda coisas a serem feitas do que coisas a serem
acreditadasrdquo colocando ldquoritualrdquo em primeiro plano 3 Aqui estaacute claramente expresso a ideia
de ldquorituais-Ordemrdquo uma vez que ldquocoisas a serem feitasrdquo satildeo logicamente coisas cujos
resultados beneficiam o indiviacuteduo Por outro lado John Breen e Mark Teeuween nomeiam
trecircs categorias de ldquorituaisrdquo cuja praacutetica eacute da responsabilidade de jinja 4 Ora uma vez que
jinja satildeo os mais relevantes espaccedilos de veneraccedilatildeo aos kami subentende-se a Ordem como a
consequecircncia destes ldquorituaisrdquo
Todavia o shintō tem por princiacutepio a noccedilatildeo de equiliacutebrio conhecer shintō significa
conhecer a Ordem e a Desordem se rituais de satildeo o meio por excelecircncia para atingir a Ordem
a natildeo purificaccedilatildeo conduziraacute agrave Desordem Em suma tsumi kegare e imi satildeo rituais porque satildeo
3 PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto Selected Documents Resources in Asian Philosophy and Religion
Westport Greenwood Publishing Group 2004 pxxi 4 BREEN John TEEUWEN Mark A New History of Shinto Chicester Wiley-Blackwell 2010 p3
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realizados (de forma directa e indireta) pelo indiviacuteduo embora possuam diferentes origens e
caracteriacutesticas
No que concerne agrave metodologia e fontes utilizadas um dos criteacuterios a ter em conta foi
a contemporaneidade o shintō continua a ser um tema muito popular entre autores e como tal
um estudo mais proacuteximo desta Via requer o recurso a livros publicados recentemente e natildeo haacute
meio seacuteculo atraacutes tais como Essentials of Shinto An Analytical Guide to Principal Teachings
(1994) cujo autor Stuart Picken apresenta as vaacuterias categorias de shintō de uma forma sucinta
apresentando uma cronologia de eventos relevantes explicando de que maneira a conjuntura
histoacuterico-poliacutetica japonesa influenciou shintō A sua obra pode servir como um ponto de
partida para interessados ou estudiosos uma vez que aborda shintō do passado e shintō
moderno (incluindo os rituais de purificaccedilatildeo usados em ambos) Um outro ponto muito
positivo eacute a ausecircncia de ldquotermos ocidentaisrdquo como ldquoShintoiacutestardquo e ldquodeusrdquo 5 uma metodologia
igualmente favorecida pela autora
Eacute tambeacutem interessante notar que ao longo deste livro satildeo constantemente citadas e
explicadas fontes japonesas (antigas sobretudo) justificando a sua utilizaccedilatildeo (em simultacircneo
com a leitura na linguagem original) na fundamentaccedilatildeo dos subtoacutepicos da dissertaccedilatildeo Por
exemplo Kojiki Nihon shoki Engishiki e Norito 6 As primeiras duas satildeo fundamentais no
que diz respeito agrave mitologia e cosmologia japonesas ndash o termo lsquocosmologiarsquo eacute mais
apropriado do que lsquoteologiarsquo uma vez que shintō natildeo reconhece deuses ndash observando-se a
inclusatildeo da temaacutetica Desordem e Ordem primeiro como resultados das accedilotildees de alguns kami
e depois como consequecircncias dos rituais (tsumi kegare) dos proacuteprios indiviacuteduos como se
pode constatar nas croacutenicas imperiais do Nihon shoki
Jaacute o Engishiki eacute um texto de caraacutecter lsquolituacutergicorsquo tal como o Saigūki e o Kōtai Jingū
Gishiki-chō Ao longo da investigaccedilatildeo utilizou-se Engi-shiki Procedures of the Engi era
Books I-V Translated with introduction and notes by Felicia Gressitt Bock 1970 e a obra
Norito (1990) de Donald Philippi que reuacutene dezenas de norito entoadas nos diversos matsuri
celebrados ao longo do ano uns de caraacutecter mais lsquoimperialrsquo do que outros ambas obras
refletem o impacto do estudo da praacutetica ldquoritualrdquo (que conduz agrave Ordem) no shintō Contudo as
traduccedilotildees foram sempre lidas em paralelo com o texto original facultado pela paacutegina virtual
da Waseda University Library e ainda Mikoorg (apenas os oito volumes do Jingiryō satildeo
integrais ao objeto de estudo)
5 PICKEN Stuart Essentials of Shinto An Analytical Guide to Principal Teachings Westport Greenwood
Publishing Group 1994 pp xvii-xviii 6 PICKEN Stuart op cit p381
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Por outro lado o Saigūki e o Kōtai Jingū Gishiki-chō satildeo obras arcaicas que registam e
explicam determinados rituais prejudiciais ao indiviacuteduo isto eacute kegare e imi (imikotoba no
caso do Kōtai Jingū Gishiki-chō) Ora a informaccedilatildeo disponibilizada deve ser complementada
pelo estudo de outras fontes japonesas explica-se assim o porquecirc do recurso a textos
ldquooficiaisrdquo ndash Nihon shoki Nihon sandai Jitsuroku Nihon Kōki e ShokuZoku Nihongi) e de
caraacutecter mais legislativo Yōrō-ritsuryō e Jingiryō ambos frequentemente referenciados em
artigos contemporacircneos de autores japoneses numa tentativa de explicar alguma da
terminologia de shintō (vocaacutebulos conotados com Desordem e Ordem)
A segunda fonte primaacuteria eacute Sourcebook in Shinto Selected Documents Resources in
Asian Philosophy and Religion (2004) novamente Picken cita passagens traduzidas do Kojiki
e o Nihon shoki que explicam a criaccedilatildeo e divisatildeo da realidade Este meacutetodo de citaccedilatildeo de
passagens de textos relevantes aplica-se a toda a obra auxiliando o interessado no estudo de
shintō segundo a perspetiva das escolas de pensamento (Yoshida e Ise em particular) e a
escola kokugaku ambas vaacutelidas no que concerne ao aprofundamento do que se entende por
caraacutecter ldquoeacuteticordquo em shintō ldquopurezardquo kokoro e makoto satildeo frequentemente objeto de estudo
graccedilas agrave anaacutelise de outros textos antigos e de cariz oficialimperial
No que diz respeito ao livro produzido por John Breen e Mark Teuween A New
History of Shinto possui alguns pontos positivos o uso de termos japoneses a inclusatildeo de
uma cronologia e mitologia de shintō com base em fontes japonesas (traduzidas) analisando-
se ao pormenor o ceacutelebre episoacutedio Ama no Iwato uma curiosa passagem que tambeacutem foi
estudada no acircmbito desta dissertaccedilatildeo uma vez que a temaacutetica Desordem e Ordem estaacute
bastante presente embora notando-se a ausecircncia do indiviacuteduo quem participa nos rituais satildeo
os kami e natildeo os humanos
Por uacuteltimo The Kami Way de Ono Sokyō eacute um livro introdutoacuterio a shintō mas muito
mais simples do que as obras de Picken apesar de tambeacutem sintetizar a mitologia e cronologia
desta Via Espeacutecie de minienciclopeacutedia de shintō sobretudo focada na tradiccedilatildeo de jinja shintō
(rituais cerimoacutenias siacutembolos e elementos pertencentes ao domiacutenio do ldquosagradordquo) The Kami
Way eacute um livro que enfatiza a ideia de que shintō eacute uma religiatildeo e como tal a linguagem
usada eacute muito diferente da que Picken ou Breen e Teuween algo que pode ser justamente
considerado como um ponto negativo termos duacutebios incluem ldquokami-feacuterdquo ldquosagradordquo ldquomenterdquo
ldquoalmardquo certamente reconheciacuteveis para o puacuteblico-alvo natildeo-japonecircs mas que dificilmente
seriam aceites pelos autores anteriormente mencionados cujas obras procuram ser o mais fieacuteis
ao seu objeto de estudo shintō pertence agrave realidade japonesa e como tal traduccedilotildees de termos
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japoneses natildeo satildeo recomendaacuteveis Jaacute um dos seus pontos positivos eacute oferecer ao leitor a
perspetiva japonesa da natureza humana subentendo o reconhecimento de uma eacutetica
(certoerrado) reforccedilando o porquecirc de shintō ser uma Via criada para o bem e a felicidade do
indiviacuteduo
Aleacutem destas quatro obras acrescenta-se o dicionaacuterio etimoloacutegico da autoria de
Nishigaki Yukio (2005) ndash etimologia eacute uma ferramenta indispensaacutevel para a compreensatildeo de
shintō dada as suas origens natildeo ocidentais - alguns episoacutedios do Kojiki (Takeda Tsunegaki) e
Nihon shoki (a traduccedilatildeo desatualizada de Aston utilizada por Picken e a versatildeo presente no
site Nihonsinwa) No caso concreto das obras japonesas claacutessicas e modernas referenciadas
sobretudo por Picken o texto original foi disponibilizado nas bibliotecas virtuais japonesas
National Diet Library (6ordm volume do Koshiden Hirata Atsutane) J-Texts e Kodaishi Dassai
com a exceccedilatildeo do Yōrō-ritsuryō que foi individualmente traduzido para japonecircs moderno no
website Kansei Daikan
Com efeito o recurso a fontes virtuais revelou-se fundamental no decorrer da
investigaccedilatildeo devendo-se destacar paacuteginas de instituiccedilotildees japonesas tais como a Encyclopedia
of Shinto - organizada pela Universidade Kokugakuin o dicionaacuterio virtual japonecircs Kotobank
que compila as sugestotildees de definiccedilatildeo de um termo por vezes pronunciando-se sobre a sua
etimologia Acrescenta-se ainda paacuteginas virtuais dedicadas agraves obras de Motoori Norinaga
(Kumo no Ikada Yamato Gokoro) e paacuteginas oficiais de setores shintō cujos objetivos
revolvem em torno da purificaccedilatildeo adotando-se certas condutas e rituais
Por uacuteltimo todos os termos estrangeiros foram escritos em letras do alfabeto e em
itaacutelico seguidas sempre dos caracteres que a compotildeem (no caso de termos chineses e
japoneses) o mesmo aplicando-se ao nome completo dos kami jinja e matsuri Em caso da
traduccedilatildeo dos vocaacutebulos japoneses utilizou-se a expressatildeo cujo significado eacute o mais proacuteximo
do original Contudo numa tentativa de se ser fiel agrave fonte e ao objeto de estudo optou-se mais
pela natildeo-traduccedilatildeo kami eacute kami tsumi eacute tsumi kegare eacute kegare e assim sucessivamente A
principal razatildeo por detraacutes desta metodologia eacute evitar o processo de incompreensatildeo da temaacutetica
abordada como resultado da transposiccedilatildeo da proacutepria mentalidade do investigador Com efeito
a fraca familiarizaccedilatildeo com a aacuterea de estudo origina a traduccedilatildeo (incorreta) de termos uacutenicos
por palavras que o seu puacuteblico-alvo natildeo japonecircs facilmente consegue perceber mas que satildeo
estranhas a shintō ou a outras lsquoreligiotildeesrsquo asiaacuteticas
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1 DO PASSADO AO PRESENTE SHINTŌ UMA ldquoRELIGIAtildeOrdquo JAPONESA
Escrever sobre religiotildees eacute sempre um desafio ainda mais quando a aacuterea de estudo
tem as suas reservas no que concerne agrave expressatildeo lsquoreligiatildeorsquo de difiacutecil caracterizaccedilatildeo mesmo
no mundo ocidental lsquoReligiatildeorsquo tende a ser identificada com os sistemas de lsquofeacutersquo teiacutestas
particularmente os monoteiacutestas ndash cristianismo judaiacutesmo e islatildeo ndash e politeiacutesmos na Aacutesia o
termo natildeo se pode usar com tanta facilidade religiatildeo eacute antes de mais uma palavra introduzido
relativamente recente e certamente de forma natildeo espontacircnea
No caso do Japatildeo lsquoreligiatildeorsquo natildeo existia ateacute aos meados do seacutec XIX o acolhimento
de ideias exteriores ao territoacuterio japonecircs teraacute gerado uma definiccedilatildeo muito especiacutefica de
lsquoreligiatildeorsquo e da sua favorita traduccedilatildeo japonesa shūkyō especificamente traduzindo-se o termo
inglecircs religion algo que eacute problemaacutetico por dois principais motivos os caracteres que
compotildeem a palavra (shū 宗 e kyō 教 respetivamente lsquosetoresrsquo e lsquoensinamentosrsquo) - e que jaacute
existiam de facto em forma isolada nunca em conjunto - satildeo de origem budista pondo em
causa a ldquovalidaderdquo de shintō cuja ecircnfase natildeo eacute em doutrinas ou shū 7 embora natildeo se deva
excluir a sua existecircncia
Segundo Nakamura Hajime shūkyō teria as suas origens na expressatildeo shū no oshie
(宗の教え ) ou lsquoensinamento dos setoresrsquo ndash shū significa o ldquoderradeiro significado do
princiacutepio e da verdade (hellip)rdquo presente nos ensinamentos (oshie) antes do Periacuteodo Meiji (1868-
1912) shūkyō encontrar-se-ia numa posiccedilatildeo subordinada a bukkyō (仏教) que por sua vez eacute
entendido como a fusatildeo de vaacuterios shūkyō num soacute Jaacute no Periacuteodo Meiji shūkyō torna-se um
suposto ldquoconceito supra ordenadordquo de bukkyō 8 ambas explicaccedilotildees revelam a importacircncia
desta Via como ponto de partida para o que se entende por lsquoreligiatildeorsquo termo hoje vaacutelido e
aceite pela sociedade moderna japonesa em vaacuterias aacutereas
A segunda principal razatildeo tem que ver com imagens quando um cidadatildeo europeu ou
americano pensa sobre lsquoreligiatildeorsquo serve-se do que sabe isto eacute o que a sua educaccedilatildeo e meio
envolvente lhe providenciaram um espaccedilo proacuteprio de crenccedila textos uma noccedilatildeo de lsquosagradorsquo
um fundador e eacute claro os que acreditam firmemente nesses textos e se esforccedilam por propagar
as suas ideias Se lhe perguntarem sobre outras lsquoreligiotildees natildeo-ocidentaisrsquo recorreraacute ao que eacute
7 ISOMAE Junrsquoichi ldquoDeconstructing lsquoJapanese Religionrsquo A Historical Surveyrdquo Japanese Journal of Religious
Studies nordm 32 (2) 2005 pp 235 ndash 248 8 Ateacute ao seacutec- XVII o ldquobudismordquo natildeo era formalmente designado bukkyō (仏教) mas antes butsudō (仏道) ou
ainda buppō (仏法) IWAI Hiroshi ldquo日本宗教の理解に関する覚書rdquo (ldquoNotes on the Understanding of
Japanese Religionrdquo) Kenkyū kiyō (研究紀要) nordm 5 2004 pp 79-89
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do conhecimento geral publicado em livros e outros meios de informaccedilatildeo Por outras palavras
budismo hinduiacutesmo taoiacutesmo e xintoiacutesmo satildeo convenientemente considerados lsquoreligiotildeesrsquo e
como consequecircncia natildeo eacute de estranhar a quantidade de traduccedilotildees erroacuteneas de conceitos e
ideias dessa mesma religiatildeo em livros escritos por peritos quer japoneses como natildeo-nativos 9
qualquer guia sobre ldquoreligiotildees do mundordquo teraacute uma entrada sobre xintoiacutesmo comeccedilada mais
ou menos nas linhas de ldquoxintoiacutesmo eacute a religiatildeo nativa japonesardquo 10
ecoando o que foi escrito
cerca de um seacuteculo antes por Anesaki Masaharu creditado como ldquoinventorrdquo da expressatildeo
moderna lsquoreligiatildeo japonesarsquo (nihon shūkyō 日本宗教) que eacute acolhida inicialmente por um
puacuteblico ocidental e soacute posteriormente pelos proacuteprios japoneses 11
Forte apoiante da visatildeo lsquoxintoiacutesmo = religiatildeorsquo Anesaki Masaharu acentua o caraacutecter
japonecircs de shintō descrevendo-o como ldquoum complexo de antigas crenccedilas e observacircnciasrdquo que
ao contraacuterio do budismo (e do cristianismo) nunca se deparou com perseguiccedilotildees a niacutevel
poliacutetico sendo preservado ao longo de seacuteculos pelos japoneses Apoiado na veneraccedilatildeo dos
kami sobretudo Amaterasu a antepassada miacutetica da casa imperial associada ao sol shintō eacute
um tipo de culto lsquonacionalrsquo diretamente ligado agrave paz prosperidade e estabilidade do Japatildeo 12
Historicamente shintō natildeo foi lsquopreservadorsquo no sentido de permanecer
inalteraacutevel independentemente de alguns sacerdotes e estudiosos partilharem da visatildeo de
Anesaki perspetivando shintō como algo autoacutenomo e independente de influecircncias externas
desde tempos imemoriais ateacute agrave atualidade 13
este uacuteltimo foi um processo iniciado no Japatildeo e
cujo crescimento jamais resulta do isolamento mas antes do contacto com todo o tipo de
ideias de fora (e de dentro) a adaptaccedilatildeo de ldquoantigo pensamento Chinecircs Budismo Onmyōdō
Confucionismo Shugendō e Cristianismordquo agrave realidade japonesa permite numa eacutepoca
posterior propostas de categorizaccedilatildeo e classificaccedilatildeo de shintō jinja shintō kyōha shintō
shintō filosoacutefico ou escolaacutestico (gakuha shintō 学派神道) shintō imperial (kōshitsu shintō皇
室神道) e shintō folcloacuterico (minzoku shintō 民俗神道) 14
Em suma natildeo existe um uacutenico
9 Como jaacute mencionado na Introduccedilatildeo a traduccedilatildeo eacute um risco a correr que natildeo eacute avaliado pelos autorestradutores
de entre os erros mais tiacutepicos nos livros sobre shintō destacam-se ldquopecadordquo como traduccedilatildeo de tsumi e ldquodeus
divindadedivinordquo para expressar o conceito de kami 10
ONO Sokyō Shinto the Kami Way Singapore Tuttle Publishing 2004p 1 11
ISOMAE Junrsquoichi ldquoDeconstructing lsquoJapanese Religionrsquo A Historical Surveyrdquo Japanese Journal of Religious
Studies nordm 32 (2) 2005 pp 235 ndash 248 12
ANESAKI Masaharu History of Japanese Religions with special reference to the social and moral life of the
nation 3rd ed London The Kegan Paul Japan Library 1995 p 22 13
KURODA Toshio ldquoShinto in the History of Japanese Religionrdquo Journal of Japanese Studies nordm 7 (1) 1981
pp 1-21 14
INOUE Nobutaka ldquoIntroduction The History of Shintordquo Encyclopedia of Shinto 1 General Introduction
Introduction of Shinto (on line) lthttpk-
amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=22906gt (consultado em 24-06-2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 18
shintō mas antes muacuteltiplos shintō que contribuiacuteram significativamente em termos sociais e
culturais
Descrito por Stuart Picken como a ldquoexpressatildeo natural dos sentimentos espirituais do
povo japonecircs que cresceu e evoluiu com o desenvolvimento da histoacuteria japonesa e sociedaderdquo
shintō eacute um exemplo atiacutepico de uma lsquoreligiatildeorsquo no sentido geral do termo ao contraacuterio do
budismo (bukkyō 仏教) Islatildeo (isuramukyō イスラム教) hinduiacutesmo (indokyō インド教)
cristianismo (kirisutokyō キリスト教) judaiacutesmo (yudayakyō ユダヤ教) confucionismo
(jukyō 儒教) e taoiacutesmo (dōkyō 道教) shintō (神道) foi nomeado como um dō (em chinecircs dao
道) e natildeo como um kyō agrave semelhanccedila de outras Vias como kadō (華道) sadō (茶道) kyūdō
(弓道 ) respetivamente a Via das flores a Via do chaacute e a Via do arco A prioridade de shintō
eacute como o termo sugere tornar-se uma Via um modo de orientaccedilatildeo para o indiviacuteduo algo
expresso no curioso termo kannagara 15
Deste modo shintō assemelha-se a um modo de
conduta uma disciplina ou praacutetica que coloca os lsquoensinamentosrsquo em segundo plano em favor
do desenvolvimento de uma eacutetica proacutepria que recebeu influecircncias sobretudo confucianas
Consequentemente a perspetiva de shintō como lsquoreligiatildeorsquo num sentido diferente ao
que eacute transmitido em contexto ocidental tem sido apoiada por alguns autores japoneses e
igualmente praticantes de shintō Sonoda Minoru um professor emeacuterito da Universidade de
Quioto e principal sacerdote do Chichibu Jinja (秩父神社 ) observa a necessidade de
distinccedilatildeo entre religiotildees e shintō se o Cristianismo e outras ldquoreligiotildees mundiaisrdquo possuem
uma base assente numa ldquodoutrina universal e um acredita ou natildeo acredita - eacute tudo acerca de feacute
colocada num sistemardquo cuja evoluccedilatildeo adquire contornos de proselitismo - shintō eacute na sua
essecircncia uma ldquoreligiatildeo de culturardquo que natildeo pretende a consistente ldquoiniciaccedilatildeordquo de pessoas
numa ldquofeacuterdquo esta religiatildeo nada tem que ver com feacute mas antes ldquopraacutetica ritualrdquo enraizada numa
ldquosociedade agriacutecola primaacuteriardquo Por uacuteltimo conclui que estes sistemas optaram por uma
estrateacutegia de conquista modelando a conduta dos seus crentes perseguindo e eliminando
adversaacuterios quando lhes convinha ao contraacuterio de shintō que teria desaprovado de tais accedilotildees
Aliaacutes o acto de preservar a vida e celebraacute-la eacute nada mais do que a derradeira preocupaccedilatildeo
desta Via 16
Com efeito Sonoda foca-se na ldquoquestatildeo doutrinaacuteriardquo como a caracteriacutestica mais
15
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp xxii-xxiii 16
As citaccedilotildees em questatildeo foram retiradas das entrevistas feitas pelo investigador Leif Sandvik e pela Sasakawa
Peace Foundation sendo posteriormente integradas no estudo deste uacuteltimo sobre a ldquoreinvenccedilatildeordquo de shintō como
uma ldquoreligiatildeo ecoloacutegicardquo SANDVIK Leiff Showcasing Shinto The Reinvention of Shinto as an Ecological
Religion Masterrsquos Degree Thesis in History of Religion submitted to the Department of Culture Studies and
Oriental Languages of the University of Oslo supervised by Prof Nora Stene Preston and Prof Dr Mark
Teuween 2011
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definidora das ldquoreligiotildeesrdquo monoteiacutestas se Cristianismo (e outras ldquoreligiotildeesrdquo) regem-se pelo
princiacutepio da ldquodualidaderdquo (ser crente ou natildeo) o mesmo natildeo se pode dizer de shintō
Na sua forma mais ldquocruardquo shintō talvez pode ter sido uma coletacircnea de aspetos
ldquoanimistas xamanismo veneraccedilatildeo de antepassados e veneraccedilatildeo da naturezardquo bem como
noccedilotildees proacuteprias de normas sociais incluindo o reconhecimento de ldquotabusrdquo ldquoofensasrdquo e a
necessidade de ldquopurificaccedilatildeordquo natildeo apenas a niacutevel fiacutesico 17
Apresentando ainda um fraco grau
de organizaccedilatildeo a Via dos kami era um coletivo de ideias seguidas pela comunidade que se
focava em obter meios de subsistecircncia a relaccedilatildeo entre a comunidade e as ldquoforccedilas
incompreensiacuteveisrdquo (kami) por detraacutes do sucesso ou do prejuiacutezo das colheitas baseava-se na
relaccedilatildeo dar-receber apelar aos kami trazia benefiacutecios para a comunidade e em troca a
comunidade faria o que naturalmente eacute suposto fazer agradecer de forma sincera atraveacutes de
oferendas (comida tecidos armas) Ora tal costume ainda hoje permanece vivo na memoacuteria
dos japoneses quer se trate de uma veneraccedilatildeo aos kami em casa quer dentro da aacuterea dos jinja
oferecer algo aos kami fortalece a ligaccedilatildeo do kami ao indiviacuteduo
11 Shintō e kami perceccedilotildees japonesas do lsquosagradorsquo e do lsquodivinorsquo
Contudo ateacute hoje natildeo se conhece um fundador ou extensiva doutrina que explicite
um credo ou sistema de crenccedila de shintō ndash apesar de shintō setorial possuir fundadores
individuais cujos textos transmitidos aos seguidores funcionam como lsquoensinamentosrsquo 18
ndash
demarcado pelo seu caraacutecter ritual e veneraccedilatildeo de seres de natureza indefinida denominados
kami em espaccedilos designados jinja nos quais se pode vislumbrar o domiacutenio do ldquosagradordquo
segundo Mircea Eliade ldquoo homem das sociedades arcaicas tende a viver tanto quanto possiacutevel
no sagrado ou em proximidade a objetos consagradosrdquo 19
no caso japonecircs este ldquosagradordquo
tambeacutem pode ser equiparado com a proacutepria natureza antes de existirem jinja propriamente
ditos espaccedilos abertos eram usados para realizaccedilatildeo de cerimoacutenias sazonais nas quais o kami se
manifestaria temporariamente 20
Estamos pois perante um plano de realidade associado a
sentimentos de admiraccedilatildeo pelo fantaacutestico e misterioso florestas rios pedras montanhas tudo
17
KURODA Toshio ldquoShinto in the History of Japanese Religionrdquo Journal of Japanese Studies nordm 7 (1) 1981
pp 1-21
18 PICKEN Stuart Essentials of Shinto opcit p 212
19 ELIADE Mircea The Sacred and the Profane the nature of religion Traduzido do Francecircs por William
Trask NY Harvest Harcourt Brace amp World Inc 1961 pp 10-12 20
BREEN John TEEUWEN Mark A New History of Shinto Chicester Wiley-Blackwell 2010 pp 25-26
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podia ser kami ndash entendido no sentido de lsquosagradorsquo se as pessoas o identificassem como tal
conferindo um significado especial
Em japonecircs lsquosagradorsquo eacute escrito de duas maneiras sei (聖 ) - sheng na leitura foneacutetica
chinesa (em chinecircs simplificado圣) - integra os vocaacutebulos seisho (聖書) - a Biacuteblia - seichi
(聖地) terrenoTerra Santa seibō (聖母) eacute a Matildee Santa (Virgem Maria) seija (聖者) eacute o
homem santo (Cristianismo) seisen聖戦 (Guerra Santa) e assim sucessivamente Como se
pode constatar as palavras mencionadas natildeo tecircm nada a ver com shintō e denotam o sagrado
tal como eacute visualizado pela cultura ocidental
Jaacute o segundo termo shinjin (神) lido agrave maneira japonesa como kami mi kan ka ou
hi 21
fortalece a ideia lsquosagrado = kamishintōrsquo qualquer palavra que comece ou que acabe
neste caractere geralmente pertence ao mundo shintō jinja (神社) moradas permanentes dos
kami que desde 1945 dependem financeiramente do puacuteblico natildeo do Estado 22
kagura (神楽)
a danccedila tradicional japonesa (shintō de santuaacuterios) 23
amatsu-no-kami (天つ神) e kunitsu-no-
kami (国つ神) cuja entronizaccedilatildeo nos jinja originou o sistema de classificaccedilatildeo jingi (神祇) ldquoo
conceito central em torno do qual a corte organizava o seu poder sacerdotalrdquo 24
Numa perspetiva etimoloacutegica os caracteres natildeo podiam ser mais diferentes sei (聖)
decompotildee-se em trecircs partes ou seja lsquoorelharsquo (耳) lsquobocarsquo (口) e por um ideograma que
supostamente representaria uma pessoa endireitada indicando um indiviacuteduo que possui a
habilidade de ldquoouvirrdquo uma ldquovontade divinardquo isto eacute algueacutem com grande niacutevel de
conhecimento e cultura e dotado de uma ldquovirtuderdquo ideia muito visiacutevel no pensamento
confuciano Aliaacutes se lido como sei o kanji corresponde a um atributo humano conotado com
boas intenccedilotildees e nunca malignas Jaacute na sua leitura como hijiri [聖] eacute um vocaacutebulo respeitoso
aplicado exclusivamente ao proacuteprio Imperador 25
Por outro lado o kanji usado para escrever kami eacute a forma lsquosimplificadarsquo do
caractere arcaico [神 ] presente em jingi (神祇 ) agrave semelhanccedila do caractere usado para
21
A leitura de [神] como hi verifica-se em himorogi (神籬) o espaccedilo aberto delimitado por uma corda e no qual
se pode preceder agrave veneraccedilatildeo do kami Posteriormente o papel dos himorogi eacute substituiacutedo pelos jinja Cf
PICKEN Stuart op cit p 127 22
BREEN John TEEUWEN Mark op cit p 2 23
NISHIGAKI Yukio Nihongo no Gogen jiten (日本語の語源辞典) Tokyo Bungeisha 2005 p189 24
BREEN John TEEUWEN Mark op cit pp 25-26 25
Uma vez que as possiacuteveis interpretaccedilotildees do caratere [聖] prendem-se com a questatildeo da natureza humana e do
comportamento ldquocorretordquo eacute possiacutevel concluir que se surgir isoladamente sei tem algumas implicaccedilotildees eacuteticas
Dejitaru Daijisen ldquo聖 (せい )rdquo コトバンク (on line) lthttpskotobankjpwordE88196-85468gt
(consultado em 24-06-2018)
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escrever a palavra lsquoritorsquo (li 禮 escrito atualmente em japonecircs como rei 礼) o kanji partilha da
mesma raiz o kanji [示] do qual deriva o verbo shimesu ou lsquoindicarrsquo servindo de raiz a
palavras relevantes dentro do contexto cerimonial ndash oraccedilatildeo (inori祈り) celebraccedilatildeo (iwai 祝
い) antepassado (sosen祖先) ndash e termos da linguagem comum como lsquofalta de educaccedilatildeosem-
maneirasrsquo (shitsureiburei失礼 無礼) jaacute o segundo kanji eacute o mesmo usado para lsquoproferirrsquo ou
mousu (申す)
Aliaacutes de acordo com Fujita Tomio um dos contribuidores para o Nippon
Daihyakkazensho (日本大百科全書) publicado em 1984 shin [神] expressaria o ldquoaltarrdquo [示]
ao qual se juntava a forma pictograacutefica de um relacircmpago (申) possivelmente devido ao facto
de o primeiro kanji usado para a palavra lsquorelacircmpagorsquo (denkō 電光) ter na sua ldquoextremidaderdquo o
caractere [申] No entanto devido agrave escolha do kanji [神] para indicar kami comeccedilou-se a
considerar a hipoacutetese de este ter um significado natildeo muito diferente de shangdi (em japonecircs
jōtei 上帝) indicando a suprema entidade natildeo material reconhecida pelo pensamento chinecircs
arcaico 26
Nos dias de hoje kami continua a ser analisado por parte de estudiosos japoneses e
natildeo-japoneses Aike Rots aponta a fluidez do conceito de kami descrevendo-o como ldquouma
forccedila omnipotente singular bem como muacuteltiplos seres espirituais pode referir-se a criaturas
antropomoacuterficas ou zoomoacuterficas fenoacutemenos naturais poderes abstratos ou antepassados
deificadosrdquo 27
Contudo a interpretaccedilatildeo mais aceite foca-se na ideia lsquokami=qualidadersquo algo
natildeo algo tangiacutevel que se assemelha a um atributo digno de admiraccedilatildeo que se pode manifestar
e encontrar na ldquonatureza claro mas tambeacutem humanos animais criaturas miacuteticas deuses e
ainda objetos feitos pelo homem tais como automoacuteveis ou comboiosrdquo 28
Por sua vez esta definiccedilatildeo parece ecoar a de Motoori Norinaga (本居宣長 1730-
1801) ceacutelebre pensador da escola do Ensino Nacional (kokugaku 國學) e comentador de
textos centrais a shintō bem como autor de exposiccedilotildees acerca das praacuteticas desta Via kami satildeo
26
FUJITA Tomio ldquo 神の語義 rdquo コトバンク (on line) lthttpskotobankjpwordE7A59E-
46603E5A4A7E8BE9EE69E9720E7ACACE4B889E78988gt (consultado em 24-06-2018) 27
ROTS Aike Forests of the Gods Shinto nature and sacred space in contemporary Japan Dissertation
submitted to the Department of Culture Studies and Oriental Languages of University of Oslo in partial
fulfilment of the requirements for the degree of Doctor of Philosophy supervised by Prof Dr Mark Teeuwen
and Prof Dr Terje Stordalen 2013 28
SHIELDS James ldquoBeyond Belief Japanese Approaches to the Meaning of Religionrdquo Studies in Religion
Sciences religieuses nordm 39 (2) 2010 pp 133-149
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ldquoos seres divinos do ceacuteu e da terra que aparecem nos textos antigos e tambeacutem os espiacuteritos
consagrados que satildeo reverenciados nos jinja da naccedilatildeordquo seres animados e inanimados Em
suma ldquoqualquer forma de ser que possua alguma qualidade uacutenica e eminente e eacute inspiradora
de admiraccedilatildeo pode ser considerada kamirdquo independentemente de a sua natureza ser ldquoboamaacuterdquo
29 o facto de serem kami coloca-os acima das convenccedilotildees definidas pelos homens
No que concerne agrave classificaccedilatildeo dos kami esta nunca eacute consensual na sua
dissertaccedilatildeo sobre a religiatildeo no territoacuterio japonecircs Shannon Symonds divide os kami de acordo
com a sua aacuterea geograacutefica de veneraccedilatildeo distinguindo os kami locais cultuados nos matsuri -
festivais baseados em tradiccedilotildees ancestrais que ldquofrequentemente tecircm as suas raiacutezes em antigos
rituais agriacutecolas de agradecimentordquo pela proteccedilatildeo - dos kami nacionais celebrados em ritos e
cerimoacutenias definidas por todos os que acreditam em shintō 30
Em contrapartida Hara Kazuya considera as origens do kami admitindo a existecircncia
de kami da natureza e kami humanos o primeiro grupo diz respeito a kami ligados a uma
atividade ou ocupaccedilatildeo profissional (agricultura pesca comeacutercio) os kami que influenciam os
elementos da natureza (montanhas aacutegua florestas) 31
e os kami do Kojiki (古事記) e Nihon
shoki (日本書紀) as obras de base para a compreensatildeo da mitologia e cosmologia japonesas
32 o segundo grupo reuacutene certos indiviacuteduos extraordinaacuterios em vida que postumamente
adquiriram o estatuto de kami geralmente liacutederes importantes para a histoacuteria do Japatildeo ndash
Imperador Meiji (明治天皇) Tokugawa Ieyasu primeiro xogum da casa Tokugawa que
governou o Japatildeo durante o Periacuteodo Edo (1603-1868) ndash os soldados mortos em combate
(Yasukuni jinja 靖国神社 ) ou ainda personalidades do periacuteodo Heian (794-1185)
nomeadamente Sugawara-no-Michizane (菅原道真 ca845-903) postumamente apelidado de
Tenjin (天神) o kami do ensino 31
29
PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto Selected Documents Resources in Asian Philosophy and Religion
Westport Greenwood Publishing Group 2004 pp 200-201 30
SYMONDS Reeds Shannon A History of Japanese Religion From Ancient Times to Present Thesis
submitted to the Department of History of the State University of New York College for partial fulfillment of the
requirements for the degree of Master of Arts supervised by Prof Dr Jennifer Lloyd and Prof Dr John
Killigrew 2005
31 HARA Kazuya Aspects of Shinto in Japanese Communication Comunicaccedilatildeo apresentada na conferecircncia
ldquoIntercultural Communication Studies XII Asian Approaches to Human Communicationrdquo (Chiba Abril de
2003) 32
Picken observa que a compilaccedilatildeo destes textos reflete um maior niacutevel de organizaccedilatildeo dentro da tradiccedilatildeo shintō
tal como ela era vista por uma minoria da populaccedilatildeo eacute inevitaacutevel a mistura de ldquoreligiatildeordquo e poliacutetica Cf PICKEN
Stuart Sourcebook in Shinto op cit p 4
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Por uacuteltimo Matsumura Kazuo sugere uma divisatildeo natildeo muito diferente da de Kazuya
agrupando kami consoante a relaccedilatildeo deste com o mundo natural (kami da natureza) ou com o
homem (kami culturais) no primeiro caso salientam-se aos kami que ldquorepresentam o
reconhecimento de caracteriacutesticas supranormais ou poderes em objetos naturais ou
fenoacutemenosrdquo o segundo grupo reconhece por sua vez a existecircncia de kami da comunidade
kami do nascimento de pragas de uniatildeo (matrimonial) da morte kami do lar do indiviacuteduo
(fogatildeo poccedilo estaacutebulo armazeacutem) e por uacuteltimo os kami humanos Por outras palavras
indiviacuteduos em vida reverenciados como kami ndash ldquopraticantes religiosos e miko que se
envolvem em curas de feacute e pronuacutencia de oraacuteculos (hellip) rdquo ndash e antepassados ou ldquoespiacuteritos
vingativosrdquo de indiviacuteduos 33
Todas as propostas satildeo vaacutelidas quando se estuda um termo de etimologia indefinida
como kami para alguns kami (神) localizavam-se num patamar superior de existecircncia por
partilharem da mesma foneacutetica de kami (上) isto eacute ldquoalto superiorrdquo 28
o que se pode aplicar
aos amatsu-no-kami e os trecircs koto amatsu-no-kami Ame-no-minaka-nushi-no-kami (天御中
主神) Taka-musubi-no-kami (高皇産霊神) e Kami-musubi-no-kami (神皇産霊神) ndash que se
ldquotornamrdquo no Takamagahara espontaneamente e escondem-se logo a seguir 34
No entanto os
seus congeacuteneres terrenos como Sarutahiko Ōkami (猿田毘古大神) natildeo se encontram num
patamar ldquosuperiorrdquo per si partilhando com os humanos a Terra como local de residecircncia 35
Como se pode constatar o caractere kami (神) tende a surgir no final do nome reforccedilando a
ideia de kami como tiacutetulo honoriacutefico tal como mikoto (命尊) 36
33
MATSUMURA Kazuo ldquoDefinitions and Typologyrdquo Encyclopedia of Shinto 2 Kami (Deities) Concepts of
Kami (on line) lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=22498gt
(consultado em 24-06-2018) 34
Em japonecircs lsquotornar-sersquo corresponde ao verbo naru (成る ) denotando algo que efetivamente natildeo foi
absolutamente criado mas que jaacute existia embora natildeo de forma fiacutesica Jaacute na passagem que refere o lsquoocultamentorsquo
o verbo usado eacute kakusu (隠す) traduzido por lsquoocultar-sersquo o kanji [産] usado para o verbo lsquonascerrsquo estaacute sempre
ausente no Kojiki ateacute agraves passagens de kuni-umi e kami-umi Em suma estes kami natildeo satildeo lsquocriadosrsquo per si mas
tornam-se visiacuteveis para o mundo TAKEDA Tsunegaki Gendaigo no Kojiki (現代語古事記) Tokyo Gakken
Publishing 2011 pp 16-17
35 Picken Stuart Essentials of Shinto op cit pp95-96
36 Kokugakuin University Institute for Japanese Culture and Classics Index of Kami (on line) lthttpk-
amckokugakuinacjpDMpdfPreviewEOS+Index+of+Kamipdfgt (consultado em 24-06-2018)
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111 O papel de kami na cosmologia japonesa do processo de ldquodivisatildeordquo da
realidade agrave criaccedilatildeo da mesma
De entre as fontes que servem de base para o estudo de shintō nomeiam-se o Kojiki
(ca 712) Nihon shoki (ca 720) ShokuZoku Nihongi (続日本紀 ca 797) o Jingiryō (神祇令
ca701) o Kōtai Jingū Gishiki-chō ( 皇太神宮儀式帳) e Toyoke-gu Gishiki-chō (止由気宮儀
式帳) Kogo Shūi (古語拾遺) e o Engishiki (延喜式 ca 927) 37
Satildeo com efeito textos de
caraacutecter oficial respeitados por uma corte que colocava shintō em segundo plano
principalmente apoacutes o budismo ter adquirido um estatuto de ldquofavoritordquo por parte de Shōtoku
Taishi (聖徳太子 ca 604) notoacuterio apoiante da introduccedilatildeo de ideias de fora incluindo eacutetica
confuciana 38
Neste sentido pode-se afirmar o facto de shintō subsistir no territoacuterio japonecircs
como um conjunto de praacuteticas consagradas aos kami propriamente venerados nos jinja
Tanto no Kojiki como no Nihon shoki kami cometem erros satildeo violentos
caprichosos generosos ambiciosos tornando-se quer heroacuteis ou vilotildees nos mitos
efetivamente aproximando-os da natureza do ser humano ambos relatos parecem humanizar e
personificar os kami Participando passivamente ou ativamente no processo da criaccedilatildeo do
mundo estas formas de existecircncia e consciecircncia satildeo anteriores ao homem
Aleacutem de manifestarem uma personalidade proacutepria kami possuem uma identidade ou
seja um nome um geacutenero observando-se uma diferenccedila entre as primeiras duas geraccedilotildees de
kami e as restantes por exemplo no Kojiki a necessidade de especificar o sexo dos kami ndash
um termo de natureza neutra cujo plural eacute designado de kamigami (神々) ndash soacute se justifica a
partir do surgimento de uma ldquosegunda geraccedilatildeordquo de kami per si nunca se usando a dicotomia
moderna ogamimegami (男神 女神 ) viaacutevel no contexto de religiotildees politeiacutestas que
reconhecem a existecircncia de ldquodeusesrdquo e ldquodeusasrdquo respetivamente Com efeito nas fontes
japonesas kami eacute identificado como ldquomasculinordquo ou ldquofemininordquo atraveacutes da anaacutelise do seu
nome caso o kami possui uma terminaccedilatildeo foneacutetica lida como hiko (por ex 毘子毘古 日子)
eacute masculino em contrapartida hime (por ex 毘売比売姫) denota um kami do sexo oposto
Deste modo apenas os lsquonatildeo-hitorigamirsquo possuem um geacutenero masculino ou feminino
a segunda geraccedilatildeo de kami agrave qual pertence o casal Izanagi-no-kami (伊邪那岐神) e Izanami-
37
PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit p 17 pp 21-26 p 30 38
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requirements for the degree of Master of Arts supervised by Prof Dr Jennifer Lloyd and Prof Dr John
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no-kami (伊邪那美神) ndash futuros progenitores da terceira geraccedilatildeo de kami criada em meio
terrestre ndash eacute composta por casais de irmatildeos e irmatildes 39
que com a exceccedilatildeo de Izanagi e
Izanami natildeo se envolvem no processo de criaccedilatildeo tornando-se conselheiros do casal Ao
receberem ordens de descer de Takamagahara Izanagi e Izanami datildeo iniacutecio ao processo da
criaccedilatildeo das ilhas do arquipeacutelago (kuni-umi 国生み) posteriormente criando kami (kami-umi
神生み) 40
Apesar de datarem do mesmo periacuteodo as obras possuem algumas diferenccedilas entre si
nomeadamente o seu estilo e linguagem de escrita bem como o seu conteuacutedo as histoacuterias do
Kojiki encontram-se recheadas de motivos mitoloacutegicos e cerimoacutenias que procuram explicar as
origens do povo japonecircs do arquipeacutelago e o ldquoque eacute conhecido como a era dos kamirdquo 41
Jaacute o
Nihon shoki modelado agrave maneira das croacutenicas chinesas apresenta uma dataccedilatildeo diligente das
entradas dos seus relatos e por vezes vaacuterias versotildees dos mesmos 42
Se a realidade do Kojiki tem iniacutecio num tempo de ldquoseparaccedilatildeo entre o ceacuteu e a terrardquo no
qual se manifestam os koto amatsukami ndash Ame-no-minaka-nushi (a possiacutevel corporizaccedilatildeo do
proacuteprio cosmos) 40
Taka-musubi-no-kami e Kami-musubi-no-kami ndash interpretados como
ldquoprinciacutepiosrdquo da atividade criativa e da criaccedilatildeo todos carecendo de atributos humanos ndash numa
dos relatos do Nihon shoki eacute mencionado um periacuteodo incerto antes da ldquoseparaccedilatildeo entre o ceacuteu
e a terrardquo e da divisatildeo de in e yō isto eacute o princiacutepio yin e yang (em japonecircs on-myō 陰陽)
forma-se assim uma ldquomassa caoacutetica como que um ovo (hellip) de limites definidosrdquo
posteriormente dividido entre um elemento mais ldquopurordquo (o Ceacuteu) e um elemento mais
ldquoconsistenterdquo (a Terra) Do seu meio nasce uma coisa que lembra um rebento de junco e que
adota uma forma mais fixa surge ldquoespontaneamenterdquo Kuni-toko-tachi-no-mikoto (國常立尊)
Logo a seguir surgem kami masculinos ldquogerados por operaccedilatildeo do princiacutepio do Ceacuteurdquo bem
como os seus congeacuteneres femininos formados pela muacutetua accedilatildeo do princiacutepio da Terra 43
No que concerne agrave criaccedilatildeo do mundo terrestre o Kojiki delega este papel a Izanagi e
Izanami que se estabelecem na ilha Ōyashima (大八島) originando a terceira geraccedilatildeo de
kami que nascem aos pares ou de forma individual associando-se a um elemento do mundo
natural (montanhas aacutervores mares sol e pedras espuma correntes cereais vento) ou
39
TAKEDA Tsunegaki op cit pp 16-17 40
Nesta passagem a palavra ldquocriaccedilatildeordquo corresponde agrave accedilatildeo de gerar algo De acordo com a traduccedilatildeo de Takeda o
verbo que expressa tal eacute ldquoumi ni narimasurdquo (産みになります) TAKEDA Tsunegaki op cit pp 19-23 41
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit p 54 42
BREEN John TEEUWEN Mark op cit pp 29-30 43
PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit pp 6-8
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 26
humano (embarcaccedilotildees) 44
Eacute no momento do nascimento do kami do fogo (Hi-no-kagutsuchi-
no-kami火迦具土神) que se introduz a natureza natildeo imortal de Izanami que ainda consegue
gerar alguns kami antes de morrer das feridas 45
Apoacutes a sua morte Izanami toma residecircncia permanente no submundo Yomu-no-
kuniYomi-no-kuni (黄泉の国) levando Izanagi a desesperadamente tentar trazecirc-la de volta
ao mundo da superfiacutecie ecoando o mito de Orfeu e Euriacutedice notando-se ainda algumas
semelhanccedilas com a mitologia de Perseacutefone que privada de regressar ao mundo humano por
ter consumido algo daquele lugar torna-se a esposa de Hades e partilha com ele a
responsabilidade de governaccedilatildeo dos Infernos Izanami (que tambeacutem admite ter comido algo
do Yomu-no-kuni formalizando a sua nova identidade como uma habitante do Yomi) torna-se
a uacutenica governante do submundo cortando laccedilos definitivos com o seu esposo se Izanagi
escolhe o caminho da criaccedilatildeo da humanidade Izanami confere a esta espeacutecie a mortalidade
explica-se o porquecirc da vida e da morte 46
112 Depois da criaccedilatildeo kami como agentes da Ordem e da Desordem
Ora a introduccedilatildeo do mundo inferior no Kojiki e no Nihon shoki completa uma das
visotildees shintō do mundo descritas por Hara como ldquoverticalrdquo e ldquotridimensionalrdquo
Takamagahara pertencia ao ldquoplano superiorrdquo onde habitavam os kami o Nakatsu-kuni (中つ
の国 ) seria a ldquodimensatildeo do meiordquo a morada dos seres humanos o Yomi-no-kuni 46
corresponderia ao ldquoplano inferiorrdquo conceito presente em outras religiotildees cujas mitologias de
criaccedilatildeo mencionam um elemento liacutequido (oceano) e um elemento soacutelido (terra) que esconde
um outro ldquomundordquo abaixo da superfiacutecie por exemplo em contexto grego o submundo Hades
(natildeo o deus mas o local em si) pode ser equiparado ao Yomi-no-kuni
Por outro lado Hara refere-se a uma segunda visatildeo ldquohorizontalrdquo do cosmos dividido
a meias entre o Toko-yo (常世) o ldquomundo onde os espiacuteritos purificados dos mortos residemrdquo
e o ldquomundo da humanidaderdquo 46
o que nos remete para a barreira entre o ldquoinvisiacutevelrdquo e o
ldquovisiacutevelrdquo Na terminologia do Kojiki se Izanami eacute a senhora do Yomi Izanagi eacute responsaacutevel
44
TAKEDA Tsunegaki op cit pp 25-29 45
TAKEDA Tsunegaki op cit pp30-36 46
HARA Kazuya Aspects of Shinto in Japanese Communication Comunicaccedilatildeo apresentada na conferecircncia
ldquoIntercultural Communication Studies XII Asian Approaches to Human Communicationrdquo (Chiba Abril de
2003)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
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pelo ldquomundo da humanidaderdquo (utsushi-yo (現世) 47
palavra composta pelo kanji de lsquorealrsquo - no
sentido de lsquovisiacutevelrsquo - e lsquorealidademundorsquo Tudo que esteja para laacute do visiacutevel pertence a ldquooutra
realidaderdquo
Todavia a existecircncia de ldquobarreirasrdquo entre mundos (aacutervores no caso de se desejar
aceder ao ldquoplano superiorrdquo ldquocelesterdquo ou poccedilos e cavernas se pretender visitar os niacuteveis
inferiores da terra) natildeo exclui a hipoacutetese de interaccedilatildeo de humanos com os kami e ldquoespiacuteritosrdquo
que natildeo pertencem ao nosso mundo do mesmo modo que os ldquoseres humanos podem visitar os
outros mundosrdquo habitantes natildeo humanos podem surgir temporariamente na nossa realidade
permitindo a cultivaccedilatildeo da relaccedilatildeo dos humanos com o ldquopara laacute de humanordquo 48
No Nihon shoki aplica-se um modelo tripartido da realidade Ceacuteu Terra e ldquomundo
subterracircneordquo ou Oceano Amaterasu eacute uma ldquocrianccedila estrondosa que devia de nosso acordo ser
enviada de imediato para o Ceacuteu e confiar-lhe os assuntos do Ceacuteurdquo uma responsabilidade
partilhada com o kami da Lua Tsukiyomi-no-mikoto ldquoo Deus que devia ser o consorte da
Deusa do Solrdquo devendo-se ter em consideraccedilatildeo o uso dos termos duacutebios ldquodeusesrdquo e ldquodeusasrdquo
como uma tentativa de aproximar a realidade mitoloacutegica japonesa ao entendimento do puacuteblico
ldquoocidentalrdquo por parte de Aston Autor desta traduccedilatildeo do Nihon shoki publicado sob o nome
de Nihongi Chronicles of Japan from the Earliest Times to AD697 (1972) Aston diz que a
Terra eacute o domiacutenio do ldquomeiordquo e refere-se ao arquipeacutelago do Japatildeo formalmente conhecido
como ldquoToyo-ashi-hara-chi-woaki no midzu-hordquo que numa versatildeo da ldquohistoacuteriardquo acerca das
origens dos trecircs irmatildeos kami (Amaterasu Tsukiyomi e Susano-o) pertenceria a Susano-o-no-
mikoto Kami de temperamento feroz e personalidade cruel Susano-o provoca Desordem ao
negligenciar a terra e as suas populaccedilotildees Exilado no Ne-no-kuni por ordem de Izanagi e
Izanami Susano-o torna-se o governante daquele mundo 49
O segundo relato da divisatildeo dos trecircs ldquomundosrdquo pelo trio de irmatildeos - cujo nascimento
eacute possivelmente inspirado na narrativa do Kojiki que descreve a fuga de Izanagi do Yomi-no-
kuni Amaterasu nasce apoacutes este lavar o olho esquerdo sendo-lhe entregue Takamagahara a
ldquoPlaniacutecie Elevada do Ceacuteurdquo Tsukiyomi nasce do olho direito e recebe o vasto domiacutenio do
oceano Por fim Susano-o nasce do nariz de Izanagi e apesar de herdar o domiacutenio do meio
(Terra) acaba por ser banido para o ldquomundo inferiorrdquo como puniccedilatildeo pela sua negligecircncia 50
47
TAKEDA Tsunegaki op cit pp30-36 48
MATSUMURA Kazuo ldquoView of the other world (takaikan)rdquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and
Doctrines Basic Concepts (on line) lthttpk-
amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23640gt (consultado em 24-06-2018) 49
PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit pp 9-12 50
TAKEDA Tsunegaki op cit pp30-36
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
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Com efeito o domiacutenio subterracircneo estaacute sempre presente nas narrativas do Kojiki e
Nihon shoki recebendo um papel de destaque ou secundaacuterio o que por sua vez natildeo implica a
sua ausecircncia em outras fontes numerosas referecircncias a ldquomundosrdquo incompreensiacuteveis e para laacute
da realidade fiacutesica diversificam a visatildeo japonesa de um ldquooutro mundordquo (takaikan 他界観)
geralmente considerado como um ldquooutro mundordquo longiacutenquo ldquooceacircnicordquo feacutertil e uma terra de
imortalidade observando-se um paralelo com o conceito taoiacutesta de uma Terra dos Imortais (a
ilha de Peng-lai ou Hōrai-jima em japonecircs 蓬莱島) a Terra das Raiacutezes (Ne-no-kuni 根国)
pode ser ldquovisitadardquo atraveacutes de uma caverna supostamente localizada em Iga proviacutencia de
Izumo atual prefeitura de Shimane e eacute governada por Susano-o-no-mikoto 51
O reconhecimento de uma divisatildeo tripartida do mundo repercute-se no Kojiki ateacute
um certo momento Izanagi e Izanami detinham domiacutenio conjunto sobre a Terra um ldquomundordquo
modelado pelas suas proacuteprias accedilotildees enquanto ldquocriadoresrdquo de kuni e kami Takamagahara
pertencia aos amatsu-no-kami o Yomi-no-kuni natildeo pertencia a ningueacutem em concreto embora
jaacute fosse um mundo habitaacutevel per si Com a dissoluccedilatildeo do matrimoacutenio de Izanagi e Izanami a
situaccedilatildeo muda por completo eacute necessaacuterio criar novos liacutederes capazes de garantir o equiliacutebrio
entre os mundos da superfiacutecie uma vez que Izanami (esteacuteril) eacute agora a uacutenica governante do
Yomi Em suma pretende-se uma nova geraccedilatildeo para uma nova ordem tornando Izanagi no
ldquoprogenitorrdquo de um conjunto de kami Natildeo existindo qualquer ato sexual propriamente dito os
kami ldquotornam-serdquo como consequecircncia direta dos seus atos de purificaccedilatildeo (misogi)
Neste sentido agrave medida que Izanagi se despe para lavar o seu corpo da ldquosujidaderdquo
(kegare穢) do Yomi-no-kuni surgem vaacuterios kami dos seus acessoacuterios (cana obi isto eacute a peccedila
de tecido usada em torno da cintura que prende a veste tradicional japonesa) a sua espada e
roupa bem como de alguns kami que se ldquotornamrdquo em simultacircneo com a lavagem do corpo
numa nascente Por fim manifesta-se o trio de irmatildeos que herdaria uma das trecircs partes do
mundo tal como ordenado por Izanagi a Amaterasu de aparecircncia resplandecente capaz de
iluminar os ceacuteus recebe Takamagahara uma posiccedilatildeo legitimada por Izanagi que lhe oferece
um acessoacuterio para pendurar ao pescoccedilo o seu irmatildeo Tsukuyomi-no-mikoto (月読の命) e kami
da Lua eacute adequadamente encarregue do yoru no osu kuni (夜之食国) - entendido por Takeda
como yoru no sekai literalmente o ldquomundo da noiterdquo Susano-o-no-mikoto (須佐之男命) e
kami das tempestades (arashi no kami 嵐の神) manifestando uma personalidade tempestuosa
51
MATSUMURA Kazuo ldquoView of the other world (takaikan)rdquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and
Doctrines Basic Concepts (on line) lthttpk-
amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23640gt (consultado em 24-06-2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
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e conflituosa recebe a tarefa de governar a lsquoplaniacutecie dos maresrsquo (unabara 海原) expressatildeo
que designa um domiacutenio terreno (kuni) e natildeo algo pertencente ao mundo marinho (tal como eacute
sugerido pelo kanji de umi ou ldquomarrdquo) 52
De entre os trecircs mencionados kami Susano-o eacute notoriamente o mais invejoso
procurando humilhar a sua irmatilde ao ponto de esta se refugiar numa caverna a ldquoPedra-caverna
do Ceacuteurdquo (Ama no Iwato (天の岩戸) Consequentemente ldquotoda a Alta Planiacutecie do Ceacuteu tornou-
se escura e toda a Terra Central das Planiacutecies de Junco estava escura tambeacutem Por causa disto
noite eterna reinavardquo 53
Em outras palavras a ausecircncia de Amaterasu estaacute conotada com um
estado de Desordem do proacuteprio cosmos um caos que necessita de regressar ao seu estado de
Ordem o quanto antes sendo que Susano-o eacute o agente da Desordem e a sua irmatilde a agente da
Ordem traccedilada por Izanagi
Amaterasu soacute retoma as suas responsabilidades de guardiatilde de Takamagahara e por
associaccedilatildeo da ldquoTerra Central das Planiacutecies de Juncordquo devido ao esforccedilo conjunto das ldquooito
miriacuteades de kami reunidas na margem do Paciacutefico Rio do Ceacuteu numa reuniatildeo divinardquo o
episoacutedio em si eacute uma histoacuteria de elevado cariz sexual protagonizada por Amaterasu tem como
antagonista Susano-o e inclui alguns kami que apesar de serem personagens secundaacuterias satildeo
essenciais para a devoluccedilatildeo do mundo ao seu estado de Ordem cada kami tenta fazer com que
Amaterasu saia do esconderijo convocando-se outros kami para o efeito Cabe a Ame-no-
uzume-no-mikoto (天宇受売命) a uacuteltima tentativa executando uma danccedila muito provocante
durante um ldquoestado alterado de consciecircnciardquo e como resultado todos os kami riem-se A
curiosa Amaterasu interroga-se sobre o porquecirc desta comoccedilatildeo e eacute atraiacuteda para fora da caverna
ficando temporariamente cega ao ver o seu proacuteprio reflexo num espelho permitindo aos kami
selarem definitivamente a Ama no Iwato trazendo a luz de volta ao mundo e com ela a
Ordem 54
O episoacutedio tambeacutem constitui uma das referecircncias mais antigas e descritivas de rituais
executados em shintō o elemento da danccedila de entretenimento (kagura) eacute uma das partes
integrais da cerimoacutenia de dedicaccedilatildeo aos kami nos santuaacuterios e neste mito em particular possui
claramente uma intenccedilatildeo de reordenaccedilatildeo Ame-no-uzume-mo-mikoto pode ser interpretada
como um protoacutetipo de uma miko (巫女) embora ecoando uma imagem provocante (a danccedila e
52
TAKEDA Tsunegaki op cit pp38-41 53
BREEN John TEEUWEN Mark op cit pp 129-130 54
TAKEDA Tsunegaki op cit pp 50-52
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
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a o vestuaacuterio) diferente da imagem tiacutepica de uma miko Ono Sokyō descreve-as como
ldquofuncionaacuterias puacuteblicasrdquo e filhas de sacerdotes ou locais residentes cujos deveres para com o
jinja findam quando se casam sendo substituiacutedas por outras A sua funccedilatildeo prende-se com o
ldquoritualrdquo auxiliando os responsaacuteveis pelos jinja na preparaccedilatildeo das cerimoacutenias 55
Natildeo obstante a kami atua como representante da classe Sarume (猿女) uma das
primeiras quatro classes sacerdotais geralmente composta por danccedilarinos e cuja linhagem
remontaria a Ame-no-uzume-no-mikoto esposa de Sarutahiko-no-kami o kami associado agrave
fertilidade e ao ato sexual Por sua vez se os Nakatomi (中臣) retraccedilam as suas origens a
Ame-no-koyane-no-mikoto (天児屋命) 56
realizavam ritos e entoavam norito os Inbe (斎部)
encarregavam-se dos rituais de abstenccedilatildeo garantindo uma ldquopureza cerimonial a fim de afastar
poluiccedilatildeo e manter contacto constante com os kamirdquo 57
descendendo do kami responsaacutevel por
selar a Ama no Iwato (Futodama-no-mikoto 布刀玉命 ) 58
Quanto aos Urabe (卜部 )
responsabilizavam-se por ldquoadivinharrdquo da vontade dos kami 57
agrave semelhanccedila dos ldquoadivinhosrdquo
da dinastia chinesa Zhou que recorriam agrave leitura das fissuras das carapaccedilas de tartaruga e
omoplatas de gado depositadas no fogo
Aleacutem do elemento de danccedila o episoacutedio regista a presenccedila de oferendas (shinsen神
饌) praacutetica que corresponde atualmente agrave ldquosegunda faserdquo dos rituais (de Ordem) em shintō
no mito shinsen satildeo substituiacutedas por tamagushi (玉串) - ramos da aacutervore sakaki (榊) em
torno dos quais satildeo atadas as ldquojoacuteias curvasrdquo (magatama 勾玉) - e eacute claro o espelho por sua
vez interpretado por Takeda como o ceacutelebre Yata no kagami (八咫鏡) um dos trecircs siacutembolos
da casa imperial (sanshū no jingi 三種の神器) juntamente com a ldquojoacuteia curvardquo Yasakani no
magatama (八尺瓊曲玉)
O uacutenico siacutembolo ausente eacute a espada Kusanagi no KenTsurugi (草薙剣) que soacute surge
efetivamente no episoacutedio seguinte narrando-se o desterrar de Susano-o para a Terra apoacutes ter
sofrido derrota agraves matildeos da irmatilde que por sua vez se refugiaria temporariamente na Ama no
Iwato como jaacute mencionado anteriormente Susano-o negligenciava constantemente o seu
domiacutenio a sua maior ambiccedilatildeo era ocupar o trono de Amaterasu em Takamagahara
competindo sempre que podia com a irmatilde sendo que um dos seus desafios testava a
capacidade de reproduccedilatildeo enquanto kami-progenitores Uma vez que os filhos de Amaterasu
55
ONO Sokyō op cit pp 41-44 56
BREEN John TEEUWEN Mark op cit pp 133-136
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nascem primeiro 57
confirma-se a posiccedilatildeo desta kami como governante uacutenica dos assuntos do
ldquodomiacutenio superiorrdquo
De orgulho ferido Susano-o lsquodescarregarsquo a sua raiva e eacute punido pelos seus atos
(neste contexto o uso da palavra tsumi [罪] especifica a natureza ofensiva das accedilotildees de
Susano-o) passando a servir os outros kami como forma de arrependimento cometendo um
uacuteltimo ato atroz mas invulgarmente necessaacuterio o kami mata a kami da comida Ōgetsuhime-
no-kami 58
(大気都比売神 tambeacutem identificada como Toyo-uke-hime-no-kami) e do seu
cadaacutever nascem os cinco cereais fundamentais para a atividade agriacutecola 59
Por outras
palavras a atitude violenta de Susano-o revela-se beneacutefica e natildeo prejudicial como em outros
episoacutedios tornando esta personagem uma espeacutecie de ldquomal necessaacuteriordquo
Em Izumo Susano-o adquire um estatuto equivalente ao de heroacutei o kami viaja pela
terra ateacute se deparar com um casal de kami cujas filhas tinham sido constantemente devoradas
por um terriacutevel ser de oito cabeccedilas (Yamata no Orochi八岐大蛇) Prometendo ajudar o casal
em troca da matildeo da uacuteltima filha Susano-o embriaga a serpente e decepa-lhe a cauda da qual
misteriosamente emerge a Kusanagi no tsurugi Desposando Kushi-na-ta-hime (櫛名田比売)
Susano-o fixa-se definitivamente em Izumo 60
Ora a derradeira meta de Susano-o eacute nada mais do que adquirir influecircncia
comparaacutevel agrave da sua irmatilde criando vaacuterias linhagens de kami (unindo-se em matrimoacutenio agraves
filhas de outros kami) cujas crianccedilas pudessem assumir a responsabilidade de ldquocriarrdquo novos
domiacutenios no arquipeacutelago japonecircs De entre os descendentes de Susano-o destacar-se-ia
Ōkuninushi-nushi-no-kami (大国主神) - literalmente ldquoo kami que governa os kunirdquo (kuni wo
shihaisuru kami国を支配する神) - Seguindo nas pisadas do casal Izanagi e Izanami e do
seu antepassado Susano-o Ōkuninushi empenhar-se-ia na ldquoconstruccedilatildeo da terrardquo 60
Por sua
vez Amaterasu e o seu consorte Taka-musubi-no-kami ldquodecidem estabelecer domiacutenio celesterdquo
57
TAKEDA Tsunegaki op cit pp45-47 58
AKEDA Tsunegaki op cit pp54-55 59
Curiosamente no episoacutedio de Tsukuyomi e Ukemochi (Nihon shoki) constata-se um grande paralelo com o
mito anterior Tsukuyomi mata Ukemochi-no-mikoto num acesso de raiva pela mesma razatildeo que Susano-o
Ukemochi tinha produzido comida pela boca efetivamente ldquosujando-ardquo (kegare) Como resultado Amaterasu
afasta-se definitivamente de Tsukuyomi dando iniacutecio agrave sucessatildeo dos dias e das noites Entretanto do cadaacutever da
kami brotam alimentos que seriam cultivados para consumo humano (gado arroz trigo etc) Nihonsinwa ldquo第
五段一書(十一)ウツシキアオヒトクサrdquo (Quinta secccedilatildeo 11 Utsushiki-aohitokusa) 日本書紀神代上
(Nihon shoki Kami-yo Parte Superior) (on line) lthttpnihonsinwacompage699htmlgt (consultado em 24-06-
2018) 60
TAKEDA Tsunegaki op cit pp55-60
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
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sobre o Ashihara Nakatsu kuni (葦原中国) tornando o territoacuterio oficialmente pertenccedila dos
amatsu-no-kami 61
Duas geraccedilotildees mais tarde Ninigi (neto de Amaterasu e Taka-musubi) desceria ao
domiacutenio do meio e receberia de Amaterasu as sanshū jingi (espada espelho e magatama)
oficializando o novo regime de governaccedilatildeo honrado pelo seu bisneto o futuro primeiro
Imperador humano do Japatildeo que adotaria o nome de Jinmu (神武) no seguimento das suas
campanhas bem-sucedidas contra os descendentes dos kunitsu-no-kami na planiacutecie de Yamato
61 No fundo constata-se uma segunda interrupccedilatildeo da ordem do cosmos cuja reposiccedilatildeo por
Ninigi e Jinmu definiria a nova reparticcedilatildeo do mundo Takamagahara continuaria a ser
governado por Amaterasu representante por excelecircncia dos amatsu-no-kami sendo que o
ldquodomiacutenio do meiordquo permaneceria sob o controlo da famiacutelia imperial cuja linhagem
descenderia diretamente de Amaterasu natildeo do seu irmatildeo Susano-o
12 Shintō como processo interaccedilotildees com outras ideias vindas de fora
Natildeo obstante o episoacutedio da descida de Ninigi e o relato da vitoacuteria de Jinmu sobre os
seus inimigos fazem parte de uma cuidadosa estrateacutegia poliacutetica enraizada na proacutepria corte
reconhecendo-se o papel de Amaterasu (Kojiki) ou de Taka-musubi-no-kami (Nihon shoki) 62
no processo de legitimaccedilatildeo da soberania da famiacutelia imperial sobre o territoacuterio japonecircs Em
ambos casos o resultado eacute o mesmo contraria-se o sistema caracterizado por unidades
familiares que detinham domiacutenio sobre um ou mais territoacuterios emergindo uma nova ordem
poliacutetica sediada na planiacutecie do Yamato e cujo liacuteder adota o tiacutetulo de Imperador (tennō 天皇)
destacando-se de outros liacutederes familiares pelo seu interesse para com sistemas e ideias vindas
de fora tais como as Vias de Confuacutecio do Dao e do Buda
121 Via de Confuacutecio dinamizando a eacutetica japonesa
No primeiro caso a tradiccedilatildeo confuciana introduz-se na esfera da educaccedilatildeo de corte
tornando-se indispensaacutevel para a criaccedilatildeo de poesia (ao estilo chinecircs natildeo japonecircs) e uma
61
BREEN John TEEUWEN Mark op cit pp 29-30 62
BREEN John TEEUWEN Mark op cit pp 29-30
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
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influecircncia nos comentaacuterios de capiacutetulos do Nihon shoki 63
De entre as vaacuterias escolas de
pensamento a de Zhu Xi tornar-se-ia extremamente popular dentro do sacerdoacutecio shintō
culminando na criaccedilatildeo de Suika shintō (垂加神道) por parte de Yamazaki Ansai (山崎 闇
斎 1612-1682) que enfatizava uma ldquoGrande Viardquo estabelecida por Amaterasu produzindo
um novo conceito de ldquoreverecircncia para o imperadorrdquo ligado com a noccedilatildeo de Japatildeo como a
ldquoterra dos kamirdquo 64
Durante o Periacuteodo Edo (1603-1868) a relaccedilatildeo entre confucionismo e shintō seria
levada a um outro patamar nascendo juka shintō (儒家神道) Fundamentando a teoria de que
estes dois sistemas eram um (shinju icchi神儒一致) 65
este tipo de shintō contribuiria para
criaccedilatildeo de outras vertentes natildeo tanto focadas na praacutetica de ritual mas antes na anaacutelise e
exposiccedilatildeo teoacuterica deste uacuteltimo e consequentemente a reinterpretaccedilatildeo de conceitos e ideias
shintō ao estilo confuciano por exemplo a linha de pensamento de Aizawa Seishizai (会沢
正志斎 1782-1863) atribui a Amaterasu qualidades como lealdade e piedade filial fazendo
de shintō uma ldquoVia Confucianardquo onde ldquoordem social construiacutea-se sobre lealdade e devoccedilatildeo
filial (hellip) para sempre envigorada pela atuaccedilatildeo exemplar do Imperador de atos rituais na
presenccedila da sua antepassada a deusa-solrdquo 66
Contudo a chegada de um periacuteodo moderno faz estender esta tradiccedilatildeo a outros
domiacutenios aleacutem de jinja shintō os setores confucianos de kyōha shintō (教派神道 )
denominados Shintō Shūseiha (神道修成派) e Shintō Taiseikyō (神道大成教) Tanto num
caso como no outro a linha de pensamento dos grupos eacute modelada pela vivecircncia do
ldquoorganizadorrdquo ou ldquofundadorrdquo por exemplo Nitta Kuniteru (新田 邦光 1829-1902) possuiacutea
uma visatildeo poliacutetica profundamente ldquolealistardquo focada na reverecircncia ao Imperador e na exclusatildeo
de ideias ldquoocidentaisrdquo que supostamente acelerassem o desenvolvimento do Japatildeo
Familiarizado com os claacutessicos confucianos e a Via do bushi (武士道) Nitta desenvolveria
com os seus companheiros uma mentalidade proacutepria que elevava shintō ao estatuto de uma
63
YAZAKI Hiroyuki ldquoShinto and Confucianismrdquo Encyclopedia of Shinto 1 General Introduction Religious
and Intellectual Influences on Shinto (on line) lthttpk-
amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23042gt (consultado em 24-06-2018) 64
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 311-312 65
YAZAKI Hiroyuki ldquoShinto and Confucianismrdquo Encyclopedia of Shinto 1 General Introduction Religious
and Intellectual Influences on Shinto (on line) lthttpk-
amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23042gt (consultado em 24-06-2018) 66
BREEN John TEEUWEN Mark op cit pp 29-30 p69
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
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ldquoGrande Viardquo associada a obrigaccedilotildees morais patriotismo que deviam ser sempre praticados
pelos japoneses o que iria ao encontro das ideias do governo Meiji 67
Em 1876 o poder poliacutetico reconheceria Shūsei Kōsha (修成構社) ndash o grupo fundado
por Nitta ndash como um grupo independente nascendo oficialmente a Shintō Shūseiha uma
organizaccedilatildeo que possuiacutea dois grupos distintos de aderentes por um lado os estudantes de
Nitta do final do periacuteodo Edo por outro membros de outros grupos que se tinham juntado a
Shūseiha apoacutes a restauraccedilatildeo Meiji (1868) 68
No que concerne aos seus ensinamentos combinavam-se conceitos de shintō (kami)
com ldquoelementos da cosmologia de pensamento neo-confuciano e outras crenccedilas sincreacuteticasrdquo
notando-se a importacircncia do Nihon shoki e do Kojiki (de onde derivam os termos shū ndash shūri
修理 reparaccedilatildeo ndash e sei ndash de kōusei 構成 consolidaccedilatildeo) entre outros textos eacute no princiacutepio de
shūsei que ldquojaz a lei fundamental da evoluccedilatildeo do universo (hellip) o processo da humanidade e o
avanccedilar da sociedade se devem agrave operaccedilatildeo deste princiacutepio uacutenicordquo consolidado pela
observaccedilatildeo da ldquolei moral e os meios pelos quais os assuntos da famiacutelia e sociedade satildeo
administradosrdquo Enfatizando uma atitude de veneraccedilatildeo aos kami aos antepassados e eacute claro o
desenvolvimento de caraacutecter do individuo que devia atuar de forma correta mantendo
ldquotemperanccedila e frugalidaderdquo 69
shūseiha propotildee uma mistura de praacutetica e doutrina orientada
para o indiviacuteduo podendo ser interpretada como uma ldquodisciplinardquo que o guiasse ao longo da
sua vida natildeo muito diferente da proposta de shintō
Por outro lado Hirayama Seisai ( 平山省斎 1815-1890) acumulou cargos
governamentais e dedicou-se aos estudos de Chinecircs e Kokugaku em Edo No periacuteodo poacutes-
restauraccedilatildeo Meiji Hirayama teraacute inaugurado uma escola de estudos chineses no periacuteodo
gradualmente envolvendo-se em assuntos de cariz ldquoreligiosordquo ndash tornou-se sacerdote-liacuteder em
santuaacuterios relevantes como o de Hikawa e de Hie ndash ao ponto de formar em 1879 a Taisei
Kyōkai (大成教会) que em 1882 ganharia independecircncia e acomodaria dezenas de grupos
Shintō Taiseikyō 70
Enaltecendo o caraacutecter educativo de shintō o setor considera a veneraccedilatildeo dos jingi e
dos antepassados (o que em termos tradicionais natildeo representa nada de novo) como
responsabilidade do indiviacuteduo que por sua vez deve alcanccedilar a felicidade e viver ldquobemrdquo o que
67
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 221-224 68
INOUE Nobutaka ldquoThe Formation of Sect Shinto in Modernizing Japanrdquo Journal of Japanese Studies nordm 29
(3-4) 2002 pp 405-427 69
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 221-224 70
INOUE Nobutaka ldquoThe Formation of Sect Shinto in Modernizing Japanrdquo Journal of Japanese Studies nordm 29
(3-4) 2002 pp 405-427Studies
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 35
estaacute de acordo com a visatildeo positiva de shintō em relaccedilatildeo ao indiviacuteduo Uma vez que o ser
humano possui ldquobons espiacuteritosrdquo (possivelmente a tradiccedilatildeo original seria uma ldquoboardquo tamashii)
este tem a capacidade inerente de se autodisciplinar e autorreformar atraveacutes do devido esforccedilo
devendo confiar e executar o ritual ldquoagrave maneira de geraccedilotildees sucessivas de Cortes Imperiaisrdquo 70
Com efeito Taiseikyō procura honrar a tradiccedilatildeo de jinja shintō e reforccedila a ideia de que shintō
eacute para todos os efeitos uma Via criada para os humanos
29 (3-4) 2002 pp 405-427
122 Via do Dao cultivando a relaccedilatildeo entre o governo japonecircs e o culto aos kami
A segunda Via enfatiza a natureza ritual de shintō e eacute acolhida com o maior
entusiasmo pelo poder poliacutetico como se constata na narrativa cosmoloacutegica do Nihon shoki no
uso de espadas e espelhos em contexto ritual nos cultos ao Imperador agrave Estrela Polar e agrave
Ursa Maior 71
A Via do Dao definir-se-ia entatildeo como uma espeacutecie de auxiliar ao culto jingi
que se encontrava ao serviccedilo da corte imperial isto eacute da esfera privada agrave necessidade de
venerar os kami juntar-se-ia a atuaccedilatildeo poliacutetica uma noccedilatildeo expressa no conceito de
matsurigoto (政) Posteriormente recuperado e adaptado agrave mentalidade Meiji designando-se
saisei icchi (祭政一致) o princiacutepio de unidade da execuccedilatildeo dos ritosveneraccedilatildeo dos kami e de
governar o territoacuterio matsurigoto parece harmonizar os aspetos rituais e poliacuteticos dentro do
territoacuterio japonecircs algo reconhecido por Ono Sokyō no seu entender ldquofestivais e ritos para
vaacuterios kami tutelares e a administraccedilatildeo de clatildes e sociedade local eram essencialmente uma
uacutenica funccedilatildeordquo 72
Essecircncia do ritual em jinja shintō e kōshitsu shintō os matsuri satildeo tanto ocasiotildees
festivas e alegres como possuem um aspeto mais soacutebrio e solene sobretudo se realizados por
indiviacuteduos ligados ao poder poliacutetico no caso dos ldquoritos imperiaisrdquo deve-se incluir o lsquomatsuri
das origensrsquo (Genshi-sai元始祭 3 de Janeiro) a celebraccedilatildeo da passagem das estaccedilotildees do ano
- a Primavera (Shunki Shindensai 春季神殿祭 e Shunki Kōreisai 春季皇霊祭) e Outono
(Shūki Shindensai 秋季神殿祭 e Shūki Kōreisai 秋季皇霊祭 ) Acrescenta-se ainda o
Niinamesai (新嘗祭 23 de novembro) e o Kannamesai (神嘗祭 17 de outubro) 73
um dos
treze principais matsuri listados e calendarizados no Jingiryō
71
KURODA Toshio ldquoShinto in the History of Japanese Religionrdquo Journal of Japanese Studies nordm 7 (1) 1981
pp 1-21 72
ONO Sokyō op cit p76 73
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 79-80 p96
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 36
Supervisionados pelo Jingikan (神祇官) estes treze matsuri eram hierarquizados em
ldquomaiorrdquo ldquomedianordquo e ldquomenorrdquo ndash os ritos de maior importacircncia (taishi) eram celebrados
durante todo o mecircs os chūshi duravam trecircs dias e os shōshi apenas um dia 74
Kinensai
(ldquocerimoacutenia de preces para o Anordquo) era celebrado no segundo mecircs Chinkasai (ldquocerimoacutenia de
pacificaccedilatildeo das floresrdquo) no terceiro mecircs Kanmisosai (de caraacutecter bianual) no quarto e nono
meses Ōimisai (realizado no jinja de Hirose) no quarto e seacutetimo mecircs Saigusasai (realizado
no jinja de Ōmiwa) e Fūjinsai (matsuri em honra do kami do vento) no quarto e seacutetimo mecircs
No sexto e deacutecimo segundo mecircs celebrava-se o Tsukinamisai algo replicado no Chinkasai
(rdquocerimoacutenia da pacificaccedilatildeo do fogordquo) e Michiaesai (ldquocerimoacutenia dos quatro campos da
capitalrdquo) Quanto ao nono mecircs este estava reservado para o Kannamesai (ldquocerimoacutenia da
degustaccedilatildeo divina dos frutosrdquo) seguido do Ainamesai (ldquocerimoacutenia de partilha dos frutosrdquo) o
Chinkonsai (rdquocerimoacutenia para a pacificaccedilatildeo do espiacuteritos augustosrdquo) e o Daijōsai (rdquogrande
cerimoacutenia de degustaccedilatildeo dos frutosrdquo) agendados no deacutecimo primeiro mecircs 75
No fundo o Jingikan regulava o modo de veneraccedilatildeo dos jingi cujas metas revolviam
sempre em torno do bem puacuteblico obtenccedilatildeo de boas colheitas garantia da ldquosauacutede e seguranccedila
do imperador do palaacutecio e da capitalrdquo e eacute claro proteccedilatildeo contra invasotildees rebeliotildees e doenccedilas
que afetassem a populaccedilatildeo 76
o palaacutecio imperial era nada mais do que um centro de ritual e a
elite qualificada da capital a grande autoridade sobre todos os assuntos shintō e taoiacutestas
Como se pode constatar as atividades desta instituiccedilatildeo complementavam-se com a
atuaccedilatildeo do Escritoacuterio Yin-Yang (Onmyōryō 陰陽寮) Operado por dezenas de indiviacuteduos
empenhados na manutenccedilatildeo do equiliacutebrio coacutesmico atraveacutes dos mais diversos meios
(astronomia calendarizaccedilatildeo e adivinhaccedilatildeo yin-yang este oacutergatildeo seria o siacutembolo da adaptaccedilatildeo
da escola de pensamento on-myōdō ( 陰 陽 道 ) ao contexto japonecircs permitindo o
desenvolvimento de certas praacuteticas hoje aceites na cultura japonesa como formas de
lsquosupersticcedilatildeorsquo ou lsquomagiarsquo por exemplo a adivinhaccedilatildeo baseada nos signos do zodiacuteaco chinecircs
ou direccedilotildees da buacutessola 77
74
HAYASHI Makoto ldquoShinto and Onmyōdōrdquo Encyclopedia of Shinto 1 General Introduction Religious and
Intellectual Influences on Shinto (on line) lthttpk-
amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23043gt (consultado em 24-06-2018) 75
TAKASHIO Hiroshi ldquoJingiryōrdquo Encyclopedia of Shinto 3 Institutions and Administrative Practices
Ancient (on-line) lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23330gt
(consultado em 24-06-2018) 76
BREEN John TEEUWEN Mark op cit p32 pp36-37 77
HAYASHI Makoto ldquoShinto and Onmyōdōrdquo Encyclopedia of Shinto 1 General Introduction Religious and
Intellectual Influences on Shinto (on line) lthttpk-
amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23043gt (consultado em 24-06-2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 37
Durante o Periacuteodo Heian (794-1185) as proacuteprias cerimoacutenias onmyōdō adaptam-se
aos rituais estatais (positivos) sendo ldquointroduzidas como ritos de proteccedilatildeo pessoal para o
imperadorrdquo dirigidos a ldquocorpos celestiaisrdquo e aos kami Uns seacuteculos mais tarde a Via do Dao
tornar-se-ia objeto de interesse pelas ldquopessoas comunsrdquo que patrocinavam ldquoritosrdquo e
praticavam ldquomagia pessoal para convidar becircnccedilatildeos e evitar maacute-sorterdquo 77
Neste sentido on-
myōdō reconhecia a existecircncia de forccedilas ldquonegativasrdquo que deviam ser eliminadas e pacificadas
claramente enriquecendo a noccedilatildeo de ldquoespiritualidaderdquo em shintō
Uma Via fundada e divulgada por certas famiacutelias que lhe enalteciam um aspeto
ldquomaacutegicordquo onmyōdō conheceria especial popularidade em algumas escolas de pensamento
refletindo a existecircncia de movimentos internos da proacutepria Via dos kami que conjugavam o
aspeto mais praacutetico com a exposiccedilatildeo teoacuterica desta uacuteltima Assim onmyōdō tornar-se-ia uma
referecircncia para os autores responsaacuteveis pela criaccedilatildeo de Ise shintō (伊勢神道 ) e Yoshida
shintō (吉田神道) ambas possuindo uma relaccedilatildeo bastante familial os principais autores e
comentadores provinham de famiacutelias associados a um santuaacuterio especiacutefico sendo que os
Watarai de Ise shintō pertenciam ao Palaacutecio Externo (Gekū外宮) de Ise os Urabe de Yoshida
shintō uma das famiacutelias mais influentes no Jingikan ocupavam cargos de lsquosacerdotesrsquo em
Quioto concretamente nos jinja de Hirano Yoshida e Ume no Miya 78
Aleacutem de partilharem dos mesmos sentimentos de rejeiccedilatildeo face agrave doutrina honji-
suijaku (本地垂迹 ) que reduziria os kami a incarnaccedilotildees de bodhisattvas e budas e
consequentemente subordinando shintō agrave Via do Buda ndash revertendo a relaccedilatildeo shinbutsu ou
seja tornando as ldquodivindades budistasrdquo como manifestaccedilotildees de kami 79
as escolas estavam
familiarizadas com princiacutepios da cosmologia chinesa o Ruiju jingi hongen (類聚神祇本源
composto em 1320) de Watarai Ieyuki (度会 家行 1255-1351) expocircs a sua ldquoa teoria de Yin-
Yang e as Cinco Fases da Mateacuteria (inyō gogyō) no contexto de uma descriccedilatildeo da criaccedilatildeo do
ceacuteu e da terrardquo recorrendo agraves obras do filoacutesofo chinecircs Zhou Dunyi (周敦頤 1017-1073)
ceacutelebre pensador ldquoneo-confucianordquo e autor de um comentaacuterio ao Claacutessico das Mutaccedilotildees
(Yijing 易經 em japonecircs Eki-kyō 易経) e do ensaio de exposiccedilatildeo sobre o diagrama do
extremo supremo (taiji tushuo 太極圖說 taikyo kuzu) 80
Argumentando acerca do ldquoiniacutecio
como o iniacutecio e a origem como a origemrdquo Ieyuki considera o organismo humano como o
78
PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit pp 163-167 79
PICKEN Stuart op cit p173 80
YAO Xinzhong An Introduction to Confucianism New York Cambridge University Press 2000 pp98-99
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 38
coletivo dos cinco elementos que ldquocomungam com a origem da naturezardquo agrave qual se deve
regressar e entrar 81
No caso da escola Yoshida Yoshida Kanetomo (吉田兼俱 1435-1511) autor da
obra Shintō Taii (神道大尉) estabelece paralelos tais como ldquosete aberturas da cabeccedila com as
sete estrelas do ceacuteu e os cinco oacutergatildeos internos com as cinco fases da mateacuteria na terrardquo 82
por
conseguinte kami seriam descritos como uma forma de taiji (taikyo) a ldquoabsoluta existecircncia
anterior agrave formaccedilatildeo do ceacuteu e da terra transcendendo yin e yang embora sendo capaz de agir
com estas mesmas forccedilasrdquo uma vez que natildeo possuem forma concreta os kami possuiacuteam o
atributo da ldquocriatividaderdquo modelando todas as coisas existentes no mundo 83
Supervisionado pelo Ministeacuterio dos Assuntos Internos sob o coacutedigo ritsuryō o
Onmyōryō tornar-se-ia o palco de rivalidades familiares entre clatildes como os Abe (associados agrave
astrologia) e os Kamo (especialistas nas ciecircncias calendares) No periacuteodo Muromachi a
linhagem Abe (Tsuchimikado土御門) assumiria a posiccedilatildeo hereditaacuteria de superintendentes da
instituiccedilatildeo sendo que a casa dos Kamo (Kōtokui 幸徳井) contentar-se-ia com o segundo
lugar ocupando o cargo de vice-liacuteder No Periacuteodo Edo as disputas de autoridade em mateacuterias
de ritual condicionariam a crescente competiccedilatildeo entre os Tsuchimikado e uma terceira casa
os Yoshida se os Tsuchimikado seriam reconhecidos pelo bakufu como os responsaacuteveis pela
nomeaccedilatildeo dos lsquomestres do yin-yangrsquo (onmyōji 陰陽師) os Yoshida encarregar-se-iam dos
sacerdotes shintō 84
Em 1682 Tsuchimikado Yasutomi (土御門泰福 1655-1717) criaria
uma nova doutrina inspirada no pensamento de Yamazaki Ansai e de alguns pensadores de
Ise shintō bem como controlava e garantia ldquolicenccedilas a praticantes Yin-Yang pelas proviacutenciasrdquo
85
Na atualidade elementos de onmyōdō podem ser encontrados nas vaacuterias ramificaccedilotildees
de shintō tomando-se o exemplo de Tensha Tsuchimikado Shintō (天社土御門神道 )
Inspirada pela escola de Yasutomi e criada no poacutes-1945 como consequecircncia da concessatildeo de
liberdade religiosa esta organizaccedilatildeo centra-se na cerimoacutenia tensō chifusai (天曹地府祭) Um
81
PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit p176 82
HAYASHI Makoto ldquoShinto and Onmyōdōrdquo Encyclopedia of Shinto 1 General Introduction Religious and
Intellectual Influences on Shinto (on line) lthttpk-
amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23043gt (consultado em 24-06-2018) 83
PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit pp 163-167 84
NISHIOKA Kazuhiko ldquoTsuchimikado Shintōrdquo Encyclopedia of Shinto 8 Schools Groups and
Personalities Medieval and Early Modern Schools (on line) lthttpk-
amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=22576gt (consultado em 24-06-2018) 85
INOUE Nobutaka ldquoTsuchimikado Yasutomirdquo Encyclopedia of Shinto 8 Schools Groups and Personalities
(on line) lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=22771gt (consultado em
24-06-2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 39
matsuri de caraacutecter imperial tensō chifusai procurava a transmissatildeo dos ldquodesejosrdquo do novo
Imperador agraves ldquodivindadesrdquo on-myō embora gradualmente adquirisse popularidade junto dos
Tsuchimikado Praticada no seu jinja dedicado a Taizan Fukun 85
(泰山夫君) ndash em contexto
chinecircs atuava como magistrado do domiacutenio dos mortos e era um subordinado de Yama (em
japonecircs Enma閻魔) 86
ndash a cerimoacutenia garantiria longevidade e seguranccedila do novo imperador
bem como a manutenccedilatildeo do estado de paz no territoacuterio do Japatildeo e o bem-estar dos suacutebditos 85
as necessidades do coletivo pesavam mais do que as individuais
123 Via do Buda concoacuterdia e discoacuterdia entre praacuteticas shinbutsu
Apesar da influecircncia significativa do confucionismo e do taoiacutesmo em shintō ambos
sistemas de pensamento chinecircs natildeo partilham da categoria moderna de shūkyō no campo da
estatiacutestica japonesa apenas a Via do Buda eacute hoje reconhecido como tal juntando-se a shintō e
ao cristianismo trecircs ldquoreligiotildeesrdquo cujo impacto alterou a paisagem cultural japonesa embora a
quantidade de igrejas dificilmente se compara aos milhares de jinja e tera ou jirsquoin (templos
budistas) observando-se igualmente a presenccedila de determinados cultos e tendecircncias que
demonstram o caraacutecter sincreacutetico da relaccedilatildeo shinbutsu
No entanto os atos de veneraccedilatildeo aos kami eram na sua origem considerados como a
antiacutetese da Via do Buda dificultando tentativas de aproximaccedilatildeo entre os ldquocultosrdquo segundo os
decretos imperiais do Nihon shoki shintō ndash interpretado como kannagara (惟神 随神)
designando uma praacutetica delegada por Amaterasu aos seus descendentes e que seria traduzida
como ldquoseguir Shinto (hellip) ou carregar Shinto de forma naturalrdquo - e buppōbutsudō eram
encarados com respeito ou desdeacutem 87
No periacuteodo de governaccedilatildeo do Imperador Yōmei (用明
天皇) ambas eram consideras tradiccedilotildees vaacutelidas a seguir uma vez que este ldquoacredita na lei do
Buda e respeita shendaordquo (天皇信仏法尊神道) 88
um termo mais tarde identificado com
shintō
86
MASUO Shinrsquoichirō ldquoChinese Religion and the Formation of Onmyōdōrdquo Nanzan Institute for Religion and
Culture Japanese Journal of Religious Studies nordm 40 (1) 2013 pp 19ndash43 87
PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit pp 253-258 88
Durante o primeiro ano do reinado do imperador Kōtoku (孝徳天皇 supostamente ldquorespeita-se a lei do Buda
e ter shendao em pouca consideraccedilatildeordquo (尊仏法軽神道) SAKAMOTO T 日本書紀 国史大系版 (Nihon
shoki Ediccedilatildeo do Compecircndio da Histoacuteria Nacional) (on line) lthttpwwwj-textscomjodaishokiallhtmlgt
(consultado em 24-06-2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 40
Por volta da reforma Taika de 645 os ldquorituais budistasrdquo tinham encontrado o seu
lugar no palaacutecio imperial interagindo com os ritos para os kami 89
condicionando um cenaacuterio
de competiccedilatildeo que forccedilaria a adaptaccedilatildeo de shintō face a estas novas escolas e vice-versa
Destacando-se como uma nova forma de lei e doutrina inovadora cujo impacto se estenderia a
vaacuterias aacutereas nomeadamente arte arquitetura educaccedilatildeo e literatura a Via do Buda eacute elevada
ao estatuto de protetora do domiacutenio do Japatildeo o que natildeo implica uma relaccedilatildeo antagoacutenica com
o culto jingi antes pelo contraacuterio
Durante os periacuteodos Nara-Heian constroem-se os primeiros espaccedilos de veneraccedilatildeo
conjunta de kami e budas (jingū-ji (神宮寺) Todavia a contiacutenua associaccedilatildeo da nova Via agrave
vida aristocraacutetica reforccedilaria a ligaccedilatildeo dos cultos aos kami com as pessoas comuns 90
shintō
permanecia a religiatildeo da comunidade e o budismo a religiatildeo doutrinaacuteria de uma elite
empenhada na traduccedilatildeo e interpretaccedilatildeo dos sutras patrocinando a construccedilatildeo de templos e a
consequente instruccedilatildeo dos monges utilizando rituais budistas para seu benefiacutecio
Tal como os onmyōji se dedicavam a atividades de lsquoexorcismorsquo os monges
recorreriam a foacutermulas e outras teacutecnicas para controlar a ldquoviolecircncia de divindades espiacuteritos e
demoacutenios de todos os tipos incluindo os kamirdquo Por conseguinte a introduccedilatildeo e popularizaccedilatildeo
das linhas de pensamento favoraacuteveis agrave combinaccedilatildeo de elementos shinbutsu obrigaria a novas
interpretaccedilotildees do que se entende por kami outrora seres omnipotentes kami possuiriam um
estatuto equivalente ao de devas ou asuras e como tal sujeitavam-se a samṣara (rokudō rinne
六道輪廻) ao contraacuterio dos budas que tinham alcanccedilado a iluminaccedilatildeo (satori 悟り) 91
No final do periacuteodo Nara promover-se-ia a teoria de que os kami eram nada mais do
que ldquodivindadesrdquo tutelares dos ensinamentos budistas clarificando a relaccedilatildeo de superioridade
do budismo para com shintō e como tal poderiam ser salvas como qualquer outro ser dos seis
domiacutenios 92
neste sentido vida e morte fazem parte do mesmo ciclo do qual apenas alguns se
podem libertar colocando todos os habitantes dos seis caminhos em peacute de igualdade para
shintō a necessidade de ldquosalvaccedilatildeordquo da roda de reencarnaccedilatildeo atraveacutes de satori natildeo se justifica
todos os seres vivos partilham do mesmo caminho - nasciam viviam no seu mundo (em
sociedade com outros kami e humanos) e a sua lsquoformarsquo ou corpo possui os seus limites
89
SATŌ Masato ldquoShinto and Buddhismrdquo Encyclopedia of Shinto 1 General Introduction Religious and
Intellectual Influences on Shinto (on line) lthttpk-
amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23041gt (consultado em 24-06-2018) 90
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 20-23 91
BREEN John TEEUWEN Mark opcit p 38-39 92
SATŌ Masato ldquoShinto and Buddhismrdquo Encyclopedia of Shinto 1 General Introduction Religious and
Intellectual Influences on Shinto (on line) lthttpk-
amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23041gt (consultado em 24-06-2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 41
naturais apoacutes a morte fiacutesica os uacutenicos traccedilos de existecircncia de uma forma de vida encontrar-
se-iam na tamashii (魂) um atributo interior de kami e humanos
Paralelamente agrave expansatildeo do budismo no Japatildeo desenvolve-se a primeira fase da
vertente acadeacutemica de shintō caracterizada pela adoccedilatildeo de conceitos e fundamentaccedilatildeo de
teorias de bukkyō como o princiacutepio honji-suijaku aplicado pelos setores mais populares do
periacuteodo Heian Tendai (天台宗) e Shingon (真言宗) reavaliando-se a relaccedilatildeo entre kami e
outros ldquoseresrdquo reconhecidos pela Via do Buda Assim kami tornar-se-iam suijaku (lsquotraccedilosrsquo垂
迹) dos honji (lsquoessecircnciasrsquo本地) que se encontravam em budas (hotoke 仏) e bodhisattvas
(bosatsu菩薩) por exemplo Jizō (地藏) eacute identificado com Hiraoka-amakoyane-no-mikoto
um dos kami consagrados no Kasuga Jinja 93
no complexo de Ise encontrar-se-ia o honji
Mahāvairocana Tathagata (Dainichi Nyorai 大日如来 ) e em Hakusan o bosatsu da
compaixatildeo Kannon (観音) 94
O esforccedilo de cooperaccedilatildeo entre ambas tradiccedilotildees atingiria o seu auge com o
aparecimento das trecircs escolas xintoiacutestas de base budista Tendai shintō (天台神道) Ryōbu
shintō (両部神道) e Hōkke shintō (法華神道) respetivamente associadas agraves doutrinas dos
monges Saichō Kūkai e Nichiren Tendai Shintō tambeacutem conhecido pela designaccedilatildeo Sannō
Ichi-jitsu shintō apoia-se no estudo do Sutra do Loacutetus e coloca em praacutetica a teoria honji-
suijaku identificando Hiyoshi Sannō o lsquokami guardiatildeorsquo (shugojin 守護神 ) do templo
Enryaku-ji como o suijaku de Śākyamuni o ldquorei do Dharma do sutra do Loacutetusrdquo Possuindo
uma importacircncia mais local do que nacional e centrada em Hiei Quioto Tendai shintō
popularizaria o ato de meditaccedilatildeo ambulante em torno dos sub-santuaacuterios do ldquoSantuaacuterio de Hierdquo
e ldquoperegrinaccedilotildees mentaisrdquo nas quais os suplicantes ldquovisualmenterdquo visitavam os santuaacuterios 95
Agrave semelhanccedila da escola Tendai Ryōbu shintō favorece a combinaccedilatildeo de elementos
ldquobudistasrdquo (ldquoesoteacutericosrdquo) e shintō focando-se na relaccedilatildeo do Ise jingū (伊勢神宮) com as
mandalas kongokai e taizokai representaccedilotildees do ldquoDomiacutenio do Diamanterdquo e do ldquoDomiacutenio do
Ventrerdquo por sua vez associados ao Gekū e ao lsquopalaacutecio internorsquo (Naikū 内宮 ) de Ise
93
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 20-23 94
SATŌ Masato ldquoShinto and Buddhismrdquo Encyclopedia of Shinto 1 General Introduction Religious and
Intellectual Influences on Shinto (on line) lthttpk-
amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23041gt (consultado em 24-06-2018) 95
SATŌ Masato ldquoSannō Shintōrdquo Encyclopedia of Shinto 8 Schools Groups and Personalities Medieval and
Early Modern Schools (on line) lthttpk-
amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=22572gt (consultado em 24-06-2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 42
respetivamente96
Descrita como ldquoshintō combinatoacuterio baseada nas mandalas duais
fundamentais de Budismo esoteacuterico Shingonrdquo por Yoshida Kanetomo 97
- expoente da teoria
Yuiitsu shintō (唯一神道) na qual kami se torna o centro de tudo incluindo do ceacuteu e da terra
ldquodemoacuteniosrdquo animais e o proacuteprio kokoro dos humanos 98
- Ryōbu shintō influenciaria as
escolas de Ise e Yoshida 96
No que concerne agrave uacuteltima escola Hokke shintō recebe influecircncias do ldquobudismordquo
Nichiren (日蓮宗) uma das seitas mais populares do Periacuteodo Kamakura (1185-1333) por sua
vez derivada da lsquoseita da Terra Pura (Jōdo-shū 浄土宗rdquo) propagando a doutrina de mappō
(末法) o momento final do Dharma exaltada pelo monge Nichiren (日蓮 1222-1282)
Essencialmente portador de uma linha de pensamento reacionaacuteria ao budismo Heian
Nichiren considerava Tenshō Daijin (Amaterasu) e Hachiman como shugojin do Verdadeiro
Dharma reconhecendo igualmente a existecircncia de ldquodivindades tutelares do Sutra do Loacutetusrdquo
que tanto protegeriam a realidade na qual se verificasse a concretizaccedilatildeo do Verdadeiro
Dharma como poderiam escolher abandonaacute-la caso a Lei natildeo fosse aplicada 99
Por
conseguinte esta tradiccedilatildeo teria sido formada pelo superintendente do templo Shuryōgonin
associava-se deste modo os trinta dias do mecircs a trinta diferentes jinja e complexos tais
como Atsuta Jingū Suwa Shōshin-ji Hachiō-ji Inari Kibune Hachiman Kasuga Ise Gion
entre outros 100
Partilhando com Tendai o estudo do Sutra do Loacutetus a escola Hokke influenciaria as
ideias de Yoshida shintō e continuaria a desenvolver-se ao longo dos Periacuteodos Muromachi e
Edo surgindo uma seacuterie de obras e fasciacuteculos comentando acerca desta forma de shintō tais
como Hokke Shintō Hiketsu (法華神道秘訣) atribuiacutedo a Nitchō (日澄 1441-1510) 99
No seguimento da instauraccedilatildeo da terceira e uacuteltima casa militar no poder poliacutetico
budismo eacute relegado para um plano mais secundaacuterio aleacutem do aumento do nuacutemero de
96
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp298-299 97
ITŌ Satoshi ldquoRyōbu Shintōrdquo Encyclopedia of Shinto 8 Schools Groups and Personalities Medieval and
Early Modern Schools (on line) lthttpk-
amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=22800 (consultado em 24-06-2018) 98
PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit pp 163-167 99
Itō explica que esta doutrina (shintenjō hōmon) seria acolhida pelo ldquoculto Tendai de trinta divindades tal como
era praticado no Monte Hieirdquo ITŌ Satoshi ldquoHokke Shintōrdquo Encyclopedia of Shinto 8 Schools Groups and
Personalities Medieval and Early Modern Schools (on line) lthttpk-
amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=22565gt (consultado em 24-06-2018) 100
ITŌ Satoshi ldquoSanjūbanshinrdquo Encyclopedia of Shinto 2 Kami (Deities) Combinatory Kami (on line)
lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=22464gt (consultado em 24-06-
2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 43
ocorrecircncias de funerais shintō realizados por famiacutelias como os Yoshida bem como a reduccedilatildeo
da quantidade de tera e jinja que favorecessem uma abordagem ldquocombinatoacuteriardquo 101
surge a
niacutevel acadeacutemico o movimento fukko shintō (復古神道) que propunha um ldquoreavaliaccedilatildeordquo de
shintō rejeitando-se severamente ideias externas
Nestas circunstacircncias Hirata Atsutane (平田篤胤 1774-1842) representante da
vertente mais ldquoradicalrdquo da escola kokugaku assume uma posiccedilatildeo particularmente criacutetica da
Via do Buda suposta total antiacutetese de shintō que por sua vez era emulado como uma ldquovia
antigardquo (kodō 古道) no seu Kodō Taii (古道大尉) redigido em 1811 Hirata idealiza o Japatildeo
como a ldquoTerra dos kamirdquo cujos habitantes satildeo ldquoracialmente superioresrdquo entendendo budismo
como uma ldquoreligiatildeordquo inventada por um homem ndash Śākyamuni ndash cujas doutrinas eram ldquofalsasrdquo
ao ponto de apagarem por completo a ldquoverdade originalrdquo da existecircncia de uma entidade
omnipresente criadora denominada nos textos antigos de Brahmā que Hirata identifica com
Kami-musubi-no-kami 102
Por conseguinte o sentimento anti-budista expresso por Hirata teria as suas
repercussotildees em alguns territoacuterios no periacuteodo final do xogunato Tokugawa gerando-se o
movimento haibutsu kishaku (廃仏毀釈) cuja linha de pensamento tornar-se-ia devastadora
para a Via do Buda desde a destruiccedilatildeo de templos halls imagens rituais apropriaccedilatildeo de
propriedades dos templos na economia dos domiacutenios agrave laicizaccedilatildeo forccedilada dos monges o
budismo enquanto religiatildeo perderia credibilidade e significado cultural entre a populaccedilatildeo 103
ao contraacuterio de shintō por sua vez equiparado a uma ideologia poliacutetica a partir de 1868
inaugura-se assim um dos momentos mais negros da histoacuteria shinbutsu
13 Shintō no periacuteodo moderno antes e depois de 1945
O periacuteodo de vigecircncia da ideologia Meiji (1868-1945) eacute tambeacutem um periacuteodo de
perseguiccedilatildeo interna para a Via do Buda e nas palavras de Picken um exemplo de ldquoabuso e
manipulaccedilatildeordquo de shintō 104
a Ordenaccedilatildeo de Distinccedilatildeo de Shintō e Bukkyō (shinbutsu
hanzenrei 神仏判然令 ) de 1868 oficializa a poliacutetica de separaccedilatildeo de shintō e bukkyō
(shinbutsu bunri 神仏分離) expressa pela interdiccedilatildeo de ldquonomes de estilo Budista para kami
101
BREEN John TEEUWEN Mark opcit pp 38-39 102
PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit pp 213-215 103
SAKAMOTO Koremaru ldquoHaibutsukishakurdquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and Doctrines Doctrines
and Theories (on line) lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23552gt
(consultado em 24-06-2018) 104
PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit pp 87-88
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 44
a proibiccedilatildeo de se usar imagens Budistas para representar kami e a remoccedilatildeo de implementos
rituais Budistas de espaccedilos rituais Shintōrdquo 105
Seguindo nos passos do movimento haibutsu
kishaku
Tendo como meta uma visatildeo de shintō como lsquonatildeo-religiatildeorsquo estatal o novo regime
restabeleceria o Jingikan - substituiacutedo dois anos depois pelo Jingishō (神祇省) ndash e procederia
agrave instauraccedilatildeo de um sistema hieraacuterquico piramidal de jinja imperiais e nacionais (1870-1871)
delegando-se cargos a funcionaacuterios puacuteblicos Abolindo-se o sistema de hereditariedade
sacerdotal jinja tornam-se instituiccedilotildees nacionais e espaccedilos de visita obrigatoacuteria e natildeo
espontacircnea 106
131 A visatildeo ldquonacionalistardquo Meiji uma ldquonatildeo-religiatildeordquo ao serviccedilo do Estado
japonecircs
Se as restantes ldquoreligiotildeesrdquo eram entendidas como secundaacuterias - permanecendo sob a
tutela do Escritoacuterio de Religiatildeo do qual faziam parte os treze ldquosetoresrdquo de kyōha shintō - o
culto jingi era colocado sob a alccedilada do Jinjakyoku (神社局) perdendo gradualmente a sua
natureza religiosa todos os meios eram vaacutelidos para inculcar nas mentes dos japoneses a ideia
de que shintō natildeo era uma religiatildeo ldquopatrociacutenio apoio perpetuaccedilatildeo controlo e disseminaccedilatildeordquo
de shintō pelos vaacuterios niacuteveis de governo e por funcionaacuterios puacuteblicos ldquosubordinados e
empregadosrdquo o constante ensino de doutrina ldquoxintoiacutestardquo ldquonacionalistardquo ou ldquoultranacionalistardquo
em manuais escolares o ato de visitar santuaacuterios por obrigaccedilatildeo e execuccedilatildeo de ritos
patrocinadas por instituiccedilotildees educacionais a circulaccedilatildeo de textos explicativos da doutrina
kokutai (国体) 107
Em contexto legal tambeacutem os proacuteprios santuaacuterios xintoiacutestas sofreriam o impacto
desta abordagem poliacutetica de shintō que reavivava a ligaccedilatildeo co-dependente entre o poder
poliacutetico e shintō (na sua forma de culto jingi) tornando shintō uma instituiccedilatildeo patrioacutetica que
devia ser salvaguardada por todos o ano de 1900 marcaria o iniacutecio do controverso processo
de aglutinaccedilatildeo de jinja (Jinja-Gappei 神社合併) Apagando a existecircncia de milhares de jinja
ldquonatildeo-qualificadosrdquo o movimento expressava uma transferecircncia forccedilada de kami para outros
105
SATŌ Masato ldquoShinto and Buddhismrdquo Encyclopedia of Shinto 1 General Introduction Religious and
Intellectual Influences on Shinto (on line) lthttpk-
amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23041gt (consultado em 24-06-2018) 106
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 36-39 107
PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit pp 114-116
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 45
jinja minando a relaccedilatildeo destes espaccedilos com as comunidades locais se em 1880 existiam
cerca de 157 mil jinja do povopuacuteblicos (minsha民社) em 1929 o nuacutemero rondaria os 112
mil e em 1947 mais de 87 mil 108
De um modo geral shintō estatal (kokka shintō 国家神道) cimentou a ideia de que
um certo tipo de shintō estava aleacutem de ser ldquoreligiatildeo termo que no Periacuteodo Meiji tinha como
elementos um fundador individual e a uma organizaccedilatildeo privada realizando-se atividades de
caraacutecter voluntaacuterio 108
o que nada tinha a ver com o culto jingi praticar shintō era nada mais
do que um dever e uma demonstraccedilatildeo de sentimentos patrioacuteticos essenciais ao bom
funcionamento da naccedilatildeo japonesa recorrendo-se a conceitos como kannagara akitsu-mikami
(現御神) hakkō-ichiu (八紘一宇) que naturalmente tinham sido readaptados face ao status-
quo kannagara por exemplo descrevia uma lsquofeacutersquo que incide no indiviacuteduo e faz com que este
sirva o coletivo nunca a si mesmo expressando ainda ldquoum sentimento de assimilaccedilatildeo e
harmoniardquo 109
akitsu-mikami significava uma ldquodivindade incarnadardquo identificada com o
proacuteprio imperador que deve ser venerado tal como os seus antepassados por parte dos seus
suacutebditos 110
hakkō-ichiu (ldquoa terra inteira debaixo do mesmo tetordquo) era usado como slogan
simboacutelico do poderio militar japonecircs 111
ecoando a noccedilatildeo de tian xia isto eacute lsquodebaixo do ceacuteursquo
(tenka 天下) que em contexto do pensamento chinecircs arcaico e confuciano definia o escopo
do tianming ou lsquomandato do ceacuteursquo (tenmei天命) entregue a um futuro soberano
No fundo reforccedila-se a suposta superioridade do Japatildeo enquanto naccedilatildeo ldquodivinardquo e por
associaccedilatildeo do proacuteprio imperador cuja ldquoalma divinardquo eacute representada por Amaterasu o liacuteder do
Impeacuterio age senatildeo em nome desta uacuteltima sendo que todos os japoneses reconhecem e
reverenciam a sua linhagem transmitida ldquonuma linha inquebraacutevelrdquo o trono e o Imperador satildeo
uma extensatildeo de Amaterasu conferindo-lhe um estatuto ldquoinviolaacutevelrdquo Como tal a aacuterea de
governaccedilatildeo do Imperador natildeo pode ser reduzida ao Japatildeo mas antes a todo o nosso mundo
um papel partilhado com a kami do Sol e Taka-musubi-no-kami 109
108
SHIELDS James ldquoBeyond Belief Japanese Approaches to the Meaning of Religionrdquo Studies in Religion
Sciences religieuses nordm 39 (2) 2010 pp 133-149 109
PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit pp 127-128 110
PICKEN Stuart op cit pp 105 111
PICKEN Stuart op cit pp 111
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 46
132 Divulgaccedilatildeo de um legado cultural e histoacuterico shintō a mais popular religiatildeo
japonesa
O fim da 2ordf Guerra Mundial eacute justamente descrito como o ponto de viragem para as
religiotildees japonesas desde 1945 que shintō eacute estatisticamente uma religiatildeo viabilizando um
processo de reinvenccedilatildeo e adaptaccedilatildeo agraves necessidades de uma sociedade japonesa moderna
surgem assim novos movimentos religiosos parcialmente baseados em ideias shintō budistas
ou cristatildes algumas mais do que outras testemunho vivo da liberdade religiosa expressa a
niacutevel constitucional
No que concerne aos espaccedilos de veneraccedilatildeo estes satildeo devidamente legalizados como
corporaccedilotildees religiosas (shūkyō hōjin宗教法人) desde 1946 operando quer como extensotildees
de terceiros (grupos inclusivos) ou como unidades (tanrsquoi単位) independentes destes grupos
inclusivos (tanritsu shūkyō dantai単立宗教団体) a cada grupo inclusivo (hōkatsu dantai包
括団体) corresponde uma categoria proacutepria - kyōha (教派) shūha (宗派) comunidade
religiosa (kyōdan教団) ordem (shūdoukai 修道会) - que por sua vez incorpora tanrsquoi jinja
jirsquoin (寺院) igrejas (kyōkai教会) e mosteiros (shūdōin修道院) 112
Por conseguinte todos os dados reportados satildeo compilados pela Divisatildeo de Assuntos
Religiosos da Agecircncia para Assuntos Culturais do Ministeacuterio da Educaccedilatildeo (Bunka-chō
shūmuka kyōiku-shō 文化庁宗務課 教育省) que se apoia na definiccedilatildeo de ldquoorganizaccedilatildeo
religiosardquo (shūkyō dantai 宗教団体) promulgada pela Constituiccedilatildeo qualquer grupo local
focado na ldquodisseminaccedilatildeo de ensinamentos religiosos a conduccedilatildeo de cerimoacutenias e funccedilotildees e a
educaccedilatildeo e nutrimento dos crentesrdquo deve ser considerado uma shūkyō dantai que deteacutem
autoridade sobre o processo de qualificaccedilatildeo e quantificaccedilatildeo dos aderentes e do sacerdoacutecio 112
por exemplo a instruccedilatildeo dos candidatos a posiccedilotildees dentro dos santuaacuterios eacute disponibilizada
pelas Universidade Kokugakuin (國學院大學) de Toacutequio e a Universidade Kōgakkan (皇學
館大学) em Ise esta uacuteltima focada no treino de ldquosacerdotes para recitar as liturgias e perceber
o significado dos rituaisrdquo 113
Operando a niacutevel prefeitural ou nacional a categoria shūkyō hōjin faz parte da visatildeo
moderna japonesa de religiatildeo em 1998 o Anuaacuterio de Religiotildees (shūkyō nenkan 宗教年鑑)
do 10ordm Ano da Era Heisei registava mais de 85 mil grupos religiosos shintō 104553179
112
TAMARU Nobuyoshi REID David Religion in Japanese Culture Where Living Traditions Meet a
Changing World Tokyo Kodansha International 1996 pp 218-219 113
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 188-190
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 47
seguidores shintō (492) mais de 81 mil jinja 15 jirsquoin e 1276 locais de propagaccedilatildeo religiosa
(fukyōjo布教所) bem como cerca de 88 mil ldquoprofessoresrdquo (kyōshi 教師) Em contrapartida
bukkyō tinha apenas 78 mil grupos religiosos mais de 95 milhotildees de aderentes e um nuacutemero
superior de kyōshi mais de 77 mil templos apenas 10 jinja e cerca de 3000 fukyōjo 114
No
ano de 2015 constatava-se uma pequena evoluccedilatildeo negativa 485 dos aderentes seguiam
shintō e apenas 87 milhotildees eram supostamente budistas registando-se igualmente uma
descida do nuacutemero de kyōshi tanrsquoi e corporaccedilotildees shintō e budistas 115
Apesar de os dados publicados pela Agecircncia poderem natildeo corresponder agrave realidade
o campo estatiacutestico esforccedila-se por explicar ao puacuteblico o que se entende por shintō bukkyō e
kirisutokyō recorrendo a uma categorizaccedilatildeo que eacute acima de tudo coerente face agrave sua
evoluccedilatildeo histoacuterica no caso concreto de shintō os Anuaacuterios de Religiotildees reconhecem trecircs
ramificaccedilotildees ou kei (系) jinja shintō (神社神道) kyōha shintō e shin shūkyō shintō (新宗教
神道) 116
destas trecircs somente a primeira inclui uma organizaccedilatildeo que tambeacutem serve de porta-
voz aos interesses da maior parte dos jinja espalhados pelo paiacutes a Jinja Honchō (神社本庁)
Ceacutelebre instituiccedilatildeo criada em 1946 no seguimento da fusatildeo de outros trecircs grupos privados eacute
ateacute hoje o ldquouacutenico corpo coordenativo para Shinto no Japatildeo e o uacutenico oacutergatildeo (para aleacutem dos
santuaacuterios individuais) pelo qual Shinto pode ser formalmente representado a um largo niacutevel
administrativordquo 117
Regulando a atuaccedilatildeo das atividades dos jinja a Jinja Honchō permanece o ldquogrupo
religiosordquo mais numeroso no que concerne a espaccedilos de veneraccedilatildeo aderentes (perto de 80
milhotildees) e kyōshi (aprox217 milhotildees) 116
e apresenta-se como um oacutergatildeo mais moderado que
os seus predecessores do Periacuteodo Meiji ndash Jingikan Jingishō (神祇省) Kyōbushō (教部省) e
Jingirsquoin (神祇院) ndash capaz de conjugar as funccedilotildees de supervisor dos jinja e de autoridade em
assuntos shintō Sinteticamente esta associaccedilatildeo tem como metas perpetuar as tradiccedilotildees
desenvolvidas em contexto de jinja shintō como demonstraccedilatildeo de gratidatildeo aos kami e aos
antepassados - a realizaccedilatildeo de cerimoacutenias e ritos - ldquoservir a sociedade e outrosrdquo e na
qualidade de ldquomensageiros de kamirdquo aspirar a melhorar e consolidar este mundo Por uacuteltimo
deve-se identificar ldquoas proacuteprias mentes com a do Imperadorrdquo e ldquorezar pela prosperidade do
114
Bunka-chō Bunkabu shūmuka Shūkyō Nenkan Heisei 10 Han (宗教年鑑平成 10 版) Tokyo Bunka-chō
1998 115
Bunka-chō Bunkabu shūmuka Shūkyō Nenkan Heisei 27 Han (宗教年鑑平成 27 版) Tokyo Bunka-chō
2016 116
Bunka-chō Bunkabu shūmuka Shūkyō Nenkan Heisei 27 Han (宗教年鑑平成 27 版) Tokyo Bunka-chō
2016 117
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 41-42
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 48
paiacutes e por coexistecircncia paciacutefica e coprosperidade para as pessoas do mundordquo 118
claramente
realccedilando o caraacutecter natildeo individual patente em shintō
2 SOCIEDADE ldquoESPIRITUALIDADErdquo E ldquoEacuteTICArdquo A ldquoVIA DOS KAMIrdquo E O
REGRESSO Agrave Ordem
Aceitar shintō pressupotildee que o indiviacuteduo realize rituais positivos com uma ldquomente
clara pura e sincerardquo 118
devendo-se ter em atenccedilatildeo o termo ldquomenterdquo o facto de Ono ter
como puacuteblico-alvo natildeo japoneses poderaacute justificar esta escolha de traduccedilatildeo que se afasta do
texto original por exemplo ldquoakikiyoki makoto wo nite saishi ni isoshimukoto (明き清きまこ
とを以て祭祀 [さいし] にいそしむこと) corresponde a ldquodevotar-nos aos atos de veneraccedilatildeo
(aos kami) com uma mente clara pura e sincerardquo ldquoŌmikokoro wo itadakite mutsubirdquo (大御
心 [おおみこころ]をいただきてむつび) 119
eacute ldquoidentificaccedilatildeo das proacuteprias mentes com a
(mente) do Imperadorrdquo Assim o termo torna-se makoto Juntamente com o kokoro ambos
vocaacutebulos fundamentam a perspetiva eacutetica de shintō Por sua vez mutsubi (musubi) auxilia na
compreensatildeo da relaccedilatildeo de shintō com o indiviacuteduo e por associaccedilatildeo com os kami
21 A relaccedilatildeo entre kami e humanos uma resposta a preocupaccedilotildees coletivas e
individuais
Claramente uma Via focada no bem-estar humano shintō ilustra um forte caraacutecter
social e eacutetico que eacute complementado pelo desenvolvimento de uma lsquoespiritualidadersquo proacutepria
associada agrave perceccedilatildeo japonesa do ldquosagradordquo como jaacute anteriormente mencionado este
domiacutenio estaacute associado a kami e a sua presenccedila pode ser ldquosentidardquo em certas ocasiotildees
nomeadamente durante os matsuri e as cerimoacutenias executadas pelos ldquosacerdotesrdquo (shinkan 神
官) a descriccedilatildeo de Picken de shintō como ldquoefectivamente uma religiatildeo que eacute mais lsquoapanhadarsquo
do que lsquoensinadarsquo os seus discernimentos lsquopercecionadosrsquo antes de serem lsquoacreditadosrsquo os
118
ONO Sokyō Shinto the Kami Way Singapore Tuttle Publishing 2004 p82 119
A expressatildeo Ōmikokoro (ou Mikokoro 御心) eacute uma forma respeitosa de se referir ao Imperador (ou aos kami)
que surge nas norito ou em outros textos oficiais Jinja Honchō ldquo主な活動rdquo (Atividades gerais) 神社本庁のご案 内 (A orientaccedilatildeo da Jinja Honchō) (on-line) lthttpwwwjinjahonchoorjpintroductionactivitygt
(consultado em 24-06-2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 49
seus baacutesicos conceitos mais do que lsquosentidosrsquo do que lsquopensadosrsquordquo 120
faz da praacutetica e da
experiecircncia do indiviacuteduo o seu alicerce Deste modo confere-se ao homem um papel ativo e
de participante quer se trate de um visitante que reze aos kami esperando por uma resposta
quer seja algueacutem dedicado a servir os kami (ldquosacerdotesrdquo por exemplo) a decisatildeo de executar
os rituais (associados agrave Ordem) cabe ao homem
Soacute o homem possui a capacidade de entrar num domiacutenio diferente deparando-se com
vaacuterios siacutembolos que assinalam a ldquopresenccedilardquo do kami Mircea Eliade nota que o homem
apercebe-se do ldquosagradordquo porque este escolhe mostrar-se isto eacute manifesta-se das mais
variadas formas algo descrito pelo autor como ldquohierofaniardquo identificando a ldquohistoacuteria de
religiotildeesrdquo como portadora de um legado de ldquohierofaniasrdquo ndash elementares e complexas ndash e
argumentando que a manifestaccedilatildeo de ldquoalgo de uma ordem totalmente diferente uma realidade
que natildeo pertence ao nosso mundordquo eacute visualmente expressa por ldquoobjetos que satildeo uma parte
integral do nosso mundo natural lsquoprofanorsquordquo 121
em shintō esta perspetiva lembra o conceito
de kami enquanto atributo o ato de atar uma shimenawa (しめ縄) corda da qual pendem
pequenas tiras em formato ziguezague a um objeto (pilares rochas) ou uma aacutervore (shinboku
神木) e o uso da gohei (御幣) um enfeite colocado diante das portas do ldquosantuaacuterio interiorrdquo
(shinden 神殿) representam a transiccedilatildeo do vulgar para o extraordinaacuterio se fisicamente o
objeto permanece tal e qual como antes de uma perspetiva espiritual e natildeo racional o objeto
torna-se uma extensatildeo do kami
Por conseguinte a noccedilatildeo de ldquohierofaniardquo pensada por Eliade poderia aplicar-se aos
shintai (神体) e mitamashiro (御魂代) objetos diretamente ligados agrave sobrevivecircncia dos jinja
garantindo um estatuto lsquosagradorsquo dos jinja enquanto o kami permanecer nesse local 122
durante a Jinja Gappei milhares de santuaacuterios perderam a sua razatildeo de existir na sequecircncia
da transferecircncia permanente dos supostos representantes do kami 123
No fundo eacute a ausecircncia
destes objetos condiciona o fim do jinja
Essencialmente espaccedilos mantidos graccedilas aos esforccedilos da comunidade jinja
desempenham serviccedilos que incidem na esfera puacuteblica e privada todo o jinja revolve em torno
das pessoas familiarizadas com a aacuterea de atuaccedilatildeo e os atributos do kami ao qual apelam
preocupaccedilotildees econoacutemicas satildeo geralmente da responsabilidade de Inari (稲荷) e Ebisu (恵比
120
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit p xxxii 121
ELIADE Mircea op cit pp 10-12 122
ONO Sokyō op cit p21 pp-24-25 pp98-99 123
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 36-39
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 50
須) o primeiro eacute identificado como o kami protetor do cultivo de arroz e dos cinco cereais
enquanto que o segundo eacute associado ao setor comercial desde o seacutec XII 124
Protetor dos mercadores em meio urbano e de campos de arroz nas aacutereas rurais 124
Ebisu faz parte dos Shichi Fukujin (七福神) um grupo de sete kami associados agrave boamaacute
sorte Daikokuten (大黒天) representante da prosperidade comercial apesar de tambeacutem ser
identificado com um deva domeacutestico da cozinha Mahakala Jurōjin (寿老人) ldquokami de uma
estrela no Taoiacutesmordquo bem como um ldquoermitardquo Jaacute Fukurokuju (福禄寿) eacute o kami da riqueza
prosperidade e longa vida e Hotei (布袋) ldquoum monge chinecircs e uma incarnaccedilatildeo de Maitreyardquo
(Miroku 弥勒) 125
Por uacuteltimo Bishamonten (毘沙門天) e Benzaiten (弁財天) tecircm origens
indianas se Bishamonten um kami de temperamento forte e marcial eacute identificado com
Vaiśravaṇa Beizaiten eacute equiparada agrave devī Sarasvatī 126
No que concerne a preocupaccedilotildees mais pessoais como aprovaccedilatildeo nos exames de
admissatildeo da faculdade eacute costume visitar-se o Kitano Tenmangū (北野天満宮) de Quioto
onde se venera Tenjin127
Ao contraacuterio de outros kami Tenjin natildeo se tornou kami de um dia
para o outro a consagraccedilatildeo da ldquoalmardquo de Michizane ldquoresultou de um esforccedilo extraordinaacuterio
do governo de lidar com uma manifestaccedilatildeo perturbadora de crenccedila Alma-Zangada (onryo)
que (hellip) foi grandemente influenciada pelo corrente interesse em ideias Chinesas e crenccedilasrdquo
128 Por sua vez onryō partilha algumas semelhanccedilas com goryō (御霊) ldquoespiacuteritos de pessoas
que tinham perdido as suas posiccedilotildees de poder e vaacuterios kami de epidemiasrdquo posteriormente
ldquodomesticadosrdquo nos ritos chinkon ao inveacutes de entidades destruidoras e malevolentes que
invocavam desgraccedilas goryō transformavam-se em entidades protetoras 129
22 Aleacutem do plano fiacutesico musubi rei e tamashii
Tanto onryō como goryō enquadram-se na perspetiva espiritual de shintō agrave
semelhanccedila de sangaku shinkō (山岳信仰) cultos caracterizados pela adoraccedilatildeo de montanhas
124
PICKEN Stuart op cit p 119-120 p 362 p 365 125
HARA Kazuya Aspects of Shinto in Japanese Communication Comunicaccedilatildeo apresentada na conferecircncia
ldquoIntercultural Communication Studies XII Asian Approaches to Human Communicationrdquo (Chiba Abril de
2003)
126 PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 36-39
127 PICKEN Stuart op cit p 119-120 p 362 p 365
128 PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit p 285
129 YONEI Teruyoshi ldquoGoryōrdquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and Doctrines Basic Concepts (on line)
lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23422gt (consultado em 24-06-
2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 51
como Ontake (御嶽) Kumano (熊野) Fuji (富士) Sannō (山王) Katsuragi (葛城) supostos
locais de morada permanente para espiacuteritos ldquoprincipalmente espiacuteritos dos mortos que
vigiavam e assistiam os vivosrdquo 130
Eacute em virtude de um suposto caraacutecter sagrado e espiritual
que ainda hoje se realizam praacuteticas asceacuteticas nestes locais
Por conseguinte a compreensatildeo da ldquoespiritualidaderdquo japonesa implica o
conhecimento de musubi (産霊) rei (霊) e tamashii (魂) sendo que o primeiro eacute composto
por umi (産み ldquocriaccedilatildeordquo no sentido de gerar algo) e rei significando algo que natildeo pertence
ao plano fiacutesico Homoacutefono da palavra musubi (結び) traduzido por ldquoligaccedilatildeordquo e por sua vez
derivada do verbo musubu ou lsquoligarrsquo musubi eacute em si a lsquovitalidadersquo presente no ambiente e
nos seres que o constituem uma interpretaccedilatildeo apoiada por Motoori Norinaga
Com efeito no seu Tama Kushige o autor identifica musubi como uma espeacutecie de
ldquoprinciacutepio de atividade criativardquo inerente nos kami Taka-musubi e Kami-musubi concluindo
que este ldquoespiacuterito criativo (hellip) divino milagroso e aleacutem da compreensatildeo humanardquo permite os
atos de ldquocriaccedilatildeordquo (kuni-umi e kami-umi) de Izanagi e Izanami 131
tudo deve a sua existecircncia a
musubi incluindo os proacuteprios humanos
Simultaneamente uniatildeo (harmonizaccedilatildeo e balanceamento) e criaccedilatildeo isto eacute o lsquopoderrsquo
que concede vida e a origem de toda a existecircncia transportando consigo as conotaccedilotildees de
ldquocombinaccedilatildeordquo ldquojuntarrdquo e ldquointerligarrdquo132
musubi foi repetidamente usado no contexto
cerimonial imperial por exemplo os cinco kami que possuem a partiacutecula musubi no seu nome
satildeo tambeacutem os kami protetores do espelho Yata no Kagami localizados no santuaacuterio
kashidokoro do palaacutecio 133
No que concerne agrave rei e tamashii ambos vocaacutebulos tendem a ser erroneamente
traduzidos como ldquoespiacuteritordquo ou ldquoalmardquo e a sua grande diferenccedila consiste no facto de rei ser
exclusivamente uma parte do humano em vida e um atributo independente apoacutes a morte do
corpo se bem que no entender de Yoshida Kanetomo rei eacute aquilo que governa ldquocoisas
individuaisrdquo contrastando com as ldquopessoas individuaisrdquo que satildeo ldquogovernadas pelo kokoro
(hellip)rdquo 134
tamashii eacute uma caracteriacutestica partilhada por homens e kami sendo que no uacuteltimo
caso esta noccedilatildeo eacute expressa pela palavra mitama - escrita com os kanji de kami e rei (神霊) ndash
130
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 197-198 131
PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit p 208 132
BOYD JAMES WILLIAMS Ron ldquoJapanese Shintō An Interpretation of a Priestly Perspectiverdquo
Philosophy East and West nordm 55 (1) pp 33-63 133
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit p 79 134
PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit pp163-167
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 52
ldquoespiacuteritos de kamirdquo cuja existecircncia defendida por rituais e jinja torna viaacutevel a sua integraccedilatildeo
na ideia shintō de lsquoespiacuteritorsquo ou lsquoespiritualidadersquo 135
Natildeo obstante tambeacutem os humanos satildeo portadores de um outro tipo de mitama (御
霊) este identificado como uma rei apoacutes a morte do corpo 135
tornando-se efetivamente uma
extensatildeo deste uacuteltimo o que lhe permite uma atuaccedilatildeo positiva (como protetor) ou negativa
(como destruidor da ordem) no domiacutenio dos humanos Com efeito o culto aos mortos na
sociedade japonesa faz parte de uma tradiccedilatildeo antiga na qual se atribui a certos mortos um
tratamento especial a veneraccedilatildeo de falecidos imperadores antepassados e guerreiros mortos
em combate em conjunto com o culto aos kami expressam uma forte consciencializaccedilatildeo
espiritual ainda muito presente na cultura japonesa
Sob um ponto de vista mais doutrinaacuterio a espiritualidade japonesa centra-se na teoria
ichirei shikon (一霊四魂) literalmente ldquouma rei e quatro tamashiirdquo na qual os humanos e os
kami servem de recipiente agrave reikon que por sua vez eacute constituiacuteda por um lsquoespiacuteritorsquo 136
(rei) -
designado de naobi curioso conceito inserido no campo da eacutetica japonesa significando
ldquocorrigir algo anormal mau ou distorcido e restaura-lo agrave sua condiccedilatildeo normal ou originalrdquo e o
ldquoespiacuterito maravilhoso que retifica o erradordquo 137
- e pela quadripartida tamashii (魂)
Neste contexto cada parte corresponde a um ldquoatributordquo ou ldquocaracteriacutesticardquo que rege o
seu modo de atuaccedilatildeo no domiacutenio terreno o par nigimitama (和御魂) e aramitama (荒御魂)
possuindo uma natureza dual complementar lembrando os princiacutepios do yin e do yang
respetivamente associados ao ldquoatributordquo calmo e passivo nigimitama e o seu oposto a
incontrolaacutevel aramitama o duo sakimitama (幸御魂) e kushimitama (奇御魂) brevemente
mencionado no Nihon shoki se sakimitama eacute a mitama que ldquoprovidenciardquo a potecircncia por
detraacutes da colheita a kushimitama tem o poder de evocar ldquomisteriosas manifestaccedilotildees em seres
humanos atraveacutes de um poder sobrenaturalrdquo 138
135
ASOYA Masahiko ldquoConcepts of the Spirit (reikonkan)rdquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and
Doctrines Basic Concept (on line) lthttpk-
amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23643gt (consultado em 24-06-2018) 138
YONEI Teruyoshi ldquoIchirei shikonrdquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and Doctrines Basic Concepts (on
line) lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23386gt (consultado em 24-
06-2018) 137
FUKUI Yoshihiko ldquoNaobirdquo Encyclopedia of Japan 7 Concepts and Doctrines Basic Terms (on line)
lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23662gt (consultado em 24-06-
2018) 138
YONEI Teruyoshi ldquoKushimitamardquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and Doctrines Basic Terms (on
line) lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23412gt (consultado em 24-
06-2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 53
De entre este quarteto o primeiro par merece uma atenccedilatildeo especial constatando-se
dezenas de referecircncias em textos antigos que explicitam o papel de tanto uma como da outra
que rituais a executar para pacificar uma aramitama transformando-a numa nigimitama
praacutetica efetuada pela famiacutelia imperial por exemplo apoacutes a morte no exiacutelio em Dazaifu (903)
do letrado Sugawara-no-Michizane que tinha sido viacutetima de uma conspiraccedilatildeo dois anos antes
a capital Quioto seria afetada por uma seacuterie de ldquodesastresrdquo tais como ldquopraga fogos
inundaccedilotildees e mortes inesperadasrdquo de membros do clatilde Fujiwara lanccedilando-se um debate
interno sobre a sua causa concluindo-se que se tratava da aramitama do falecido Sugawara
Procurando-se ldquoapaziguarrdquo esta aramitama a famiacutelia imperial procederia agrave restituiccedilatildeo do
estatuto de letrado de Michizane apoiando a construccedilatildeo de um jinja no qual seria consagrado
um novo kami Tenjin 139
O descrito episoacutedio de ldquodomesticaccedilatildeordquo continuaria a ser praticado ao longo dos
seacuteculos sendo que o Imperador Shōwa (昭和天皇) organizaria uma procissatildeo pelo paiacutes para
pacificar as aramitama atraveacutes de preces substituindo-as por nigimitama algo modelado nas
tours do Imperador Meiji (明治天皇) motivos poliacuteticos satildeo habilmente misturados com as
necessidades ldquoespirituaisrdquo do Japatildeo 140
Natildeo obstante existe uma terceira forma de
ldquodomesticaccedilatildeordquo que natildeo implica o seu afastamento da praacutetica de veneraccedilatildeo antes pelo
contraacuterio no Ise Jingū pensa-se que um dos ldquosantuaacuteriosrdquo do Naikū preserva a nigimitama de
Amaterasu e no outro consagra-se a aramitama um processo replicado no Sumiyoshi Taisha
(住吉大社) de Ōsaka espaccedilo de veneraccedilatildeo de trecircs nigimitama dos trecircs respetivos kami ao
contraacuterio do seu congeacutenere em Yamaguchi que alberga as suas aramitama 141
23 Mal como causa e efeito da Desordem tsumi kegare e imi
Aleacutem das diferenccedilas estabelecidas pela mencionada doutrina rei e tamashii satildeo
essencialmente termos que natildeo reconhecem a existecircncia de bommau o que explica o habitual
caraacutecter neutro dos kami Todavia eacute possiacutevel constatar a presenccedila de categorias de rei e kami
que funcionam como arautos de desgraccedila humana e natural representando o oposto do que eacute
ldquobomrdquo goryō onryō e akuryō (悪霊) este uacuteltimo traduzido literalmente por ldquorei malignosrdquo
139
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit p 100 140
PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit p 208 141
ASOYA Masahiko ldquoConcepts of the Spirit (reikonkan)rdquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and
Doctrines Basic Concept (on line) lthttpk-
amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23643gt (consultado em 24-06-2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
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satildeo exemplos de entidades espirituais cuja razatildeo de existecircncia eacute a de causar danos agraves pessoas
objetos casas urgindo a realizaccedilatildeo de rituais proacuteprios de ldquopacificaccedilatildeordquo e ldquoexorcismordquo que
supostamente expulsamremovem permanentemente quaisquer influecircncias negativas Por sua
vez os yūrei (幽霊) ldquorei obscurosrdquo enquadram-se mais no mundo folcloacuterico japonecircs e satildeo
geralmente identificados como ldquoespiacuteritos vingativosrdquo ou ldquoapariccedilotildeesrdquo cuja presenccedila eacute teacutenue
mas forte o suficiente para serem ldquosentidosrdquo em locais como florestas e montanhas
No que concerne a kami malignos estes satildeo nada mais do que a antiacutetese de musubi e
pureza se a maioria dos kami desdenham ldquode comportamento disruptivo de ordem social ou
natural juntamente com poluiccedilotildees (kegare) tais como sujidade sangue e morterdquo 142
e a sua
origem eacute responsabilidade do princiacutepio de ldquocriaccedilatildeordquo e Ordem coacutesmica um outro grupo de
kami partilha de uma natureza totalmente oposta favorecendo a destruiccedilatildeo da Ordem os
magatsubi no kami ou magatsui no kami (禍津日神 ) Responsaacuteveis por ldquodesgraccedilas
inevitaacuteveisrdquo e reinando ldquosobre erro e impurezardquo eacutetica os magatsui no kami residem nas
profundezas do Yomi ao contraacuterio dos restantes kami que vivem em Takamagahara e no
mundo terreno possuindo uma ldquoessecircncia liacutempidardquo 143
magatsui no kami satildeo os agentes da
desordem distinguindo-se dos restantes kami que favorecem a Ordem
Neste sentido os magatsui no kami relacionam-se com magagoto (凶悪事) palavra
que subentende ldquodesgraccedilas maacutes accedilotildees e calamidadesrdquo 144
ao contraacuterio dos naobi-no-kami
capazes de ldquorestaurar o estado normal e trazer de volta o mundo puro claro proacuteprio e reto
dos Deusesrdquo 145
constroacutei-se deste modo a ideia do mal percecionado como Desordem e
anormalidade que deve ser combatido pelo indiviacuteduo praticante Via dos kami enfatizando os
aspetos sociais e eacuteticos de shintō
A visatildeo eacutetica proposta por shintō eacute resultado da receccedilatildeo e interpretaccedilatildeo de ideias
confucianas e japonesas Aliaacutes na sociedade arcaica japonesa jaacute existia uma distinccedilatildeo entre
ldquobons atosrdquo e ldquomaus atosrdquo que determinavam a culpabilidade ou inocecircncia de um ofensor
perante a unidade familiar ou o clatilde ldquoeacuteticardquo correspondia numa primeira instacircncia a um
conjunto de praacuteticas e dizeres transmitidos de forma oral e de geraccedilatildeo em geraccedilatildeo que eram
142
MATSUMURA Kazuo ldquoDefinitions and Typologyrdquo Encyclopedia of Shinto 2 Kami (Deities) Concepts of
Kami (on line) lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=22498gt
(consultado em 24-06-2018) 143
PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit p 208 144
NISHIOKA Kazuhiko ldquoMagakoto (also Magagoto)rdquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and Doctrines
Basic Terms (on line) lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23670gt
(consultado em 24-06-2018) 145
PICKEN Stuart op cit p 273
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 55
de certo modo complementares agrave execuccedilatildeo do ritual os termos yoshi e ashi respetivamente
significando ter ou carecer de ldquovalorrdquo expressavam as ideias de bemmal 146
Por outras
palavras viver em sociedade natildeo seria possiacutevel se natildeo se adotassem certos comportamentos
que fossem eticamente bons isto eacute natildeo reprovaacuteveis aos olhos da comunidade e eacute claro dos
kami que apesar de natildeo possuiacuterem uma natureza nem boa ou maacute tambeacutem eles satildeo capazes
das piores ofensascrimes isto eacute tsumi (罪) como se pode constatar no caso de Susano-o
No domiacutenio ritual a ldquopurezardquo eacute um atributo interno e externo tanto ao homem como
ao kami kami satildeo considerados essencialmente ldquopurosrdquo ldquoliacutempidosrdquo e uma forma de vida
superior aos homens adotando comportamentos corretos que servem de modelo para os
humanos (com a exceccedilatildeo dos magatsui no kami) e partilhando do ldquoelo espiritualrdquo que os une
nesta realidade isto eacute a mitama Contudo apenas os humanos possuem a capacidade de se
tornar kami apoacutes a morte do corpo seguindo um ldquoprocesso de purificaccedilatildeo que os torna em
espiacuteritos ancestraisrdquo e cuja exceccedilatildeo agrave regra encontra-se por exemplo nos imperadores
considerados akitsu-mikami durante a sua vida 147
O entendimento deste processo de purificaccedilatildeo (jōka) natildeo se pode dissociar de kokoro
e makoto ambos fundamentando a noccedilatildeo de ldquoretidatildeordquo (natildeo necessariamente no sentido
confuciano da palavra) expressa pelo jaacute mencionado termo naobi ou simplesmente nao a
antiacutetese de todos os vocaacutebulos conotados com a ideia de ldquomalrdquo Por outras palavras o
reconhecimento da importacircncia de ldquopurezapurordquo soacute eacute justificado pela existecircncia de ldquoimpurezardquo
que conduz agrave Desordem um natildeo existe sem o outro sendo que na linguagem shintō tudo que
eacute negativo e impuro envolve tsumi (罪) e kegare (穢) duas formas de impureza eacutetica e fiacutesica
respetivamente agraves quais se lhe junta imi (忌) frequentemente interpretado no sentido de
ldquotaburdquo tsumi kegare e imi satildeo com efeito os agentes da Desordem que o ser humano deve
evitar
Incorporados em shintō este trio fortalece a relaccedilatildeo desta Via com a sociedade se a
primeira palavra tsumi tem implicaccedilotildees legais e continua a fazer parte da linguagem do dia-a-
dia sendo usada no campo religioso ou no domiacutenio legislativo kegare tende a associar-se ao
domiacutenio mais ldquolituacutergicordquo de shintō tal como imi que consoante o kanji usado denota o que eacute
considerado puro (positivo) e impuro (negativo)
146
ONO Sokyō op cit pp 105-107 147
UEDA Kenji ldquoConcepts of Humanity (Ningenkan)rdquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and Doctrines
Basic Concepts (on line) lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23642gt
(consultado em 24-06-2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 56
No que concerne a tsumi este eacute foneticamente lido agrave maneira chinesa como sai (ou
zai) e apesar de ter sido escolhido para traduzir o conceito de ldquopecadordquo segundo a visatildeo
religiosa cristatilde 148
tsumi possui um forte significado natildeo religioso encontrando-se expressotildees
na linguagem corrente tais como dōzai (同罪 partilha do crimeculpa) e shazai (謝罪)
desculpas como forma de aliviar o sentimento de culpa hanzai (犯罪) ldquocrimerdquo entre outras
Com efeito tsumi eacute antes de mais ofensa crime e maacute accedilatildeo Eacute talvez neste sentido
que Nishigaki Yukio identifica tsumi como togame - uma palavra traduzida por ldquoacusaccedilatildeordquo ou
ldquocensurardquo ndash e a uma abreviatura da forma nominal do verbo tsutsumu (障) designado tsutsumi
sendo que o kanji eacute lido como sawaru - homoacutefono do verbo ldquotocarrdquo (sawaru 触る ) -
indicando ldquotornar-se um obstaacuteculordquo 149
denotando um entrave agrave Ordem Por conseguinte esta
interpretaccedilatildeo ecoa a sugestatildeo de Picken que aponta para a variedade de significados de tsumi
ndash ldquopoluiccedilatildeo doenccedilas e desastre bem como errordquo ndash tendo o cuidado de incluir a sua vertente
praacutetica ldquoaccedilotildees situaccedilotildees ou circunstacircncias indesejadas podem causar impureza e devem ser
lidadas por evitaccedilatildeo ou purificaccedilatildeo ritualrdquo 150
designada de ldquoabstinecircnciardquo (imi 斎) e harai
(祓)
Contudo o conceito de ldquoerradordquo parece surgir em textos confucianos integrando
uma das partes da dicotomia boas accedilotildeesmaacutes accedilotildees apesar da ausecircncia de [罪 ] o seu
significado eacute substituiacutedo por outros que partilham das mesmas conotaccedilotildees negativas o
caractere [犯] usado para formar o verbo japonecircs okasu traduzido por ldquocometerrdquo (maus atos)
e que eacute frequentemente interpretado como um possiacutevel sinoacutenimo de tsumi 151
Aliaacutes na
linguagem japonesa moderna natildeo eacute estranho encontrar-se tsumi junto de okasu como se
constata na frase ldquocometer ofensasrdquo (tsumi wo okasu 罪を犯す) reforccedila-se deste modo a
ideia de que tsumi eacute especificamente algo negativo e condutor agrave Desordem
148
MATSUMOTO Shigeru ldquo 罪 つ み rdquo コ ト バ ン ク (on line) Disponiacutevel em
lthttpskotobankjpwordE7BDAA-99474gt (consultado em 24-06-2018) 149
NISHIGAKI Yukio op cit p 420 p325 150
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit p 171 151
Por exemplo nos ldquoAnalectosrdquo de Confuacutecio (Lun Yu em japonecircs Rongo 論語) regista-se no primeiro
ldquoensinamentordquo do disciacutepulo Yu Zi (有子) o caratere [犯] que eacute traduzido por Lau como ldquotransgressatildeordquo uma
consequecircncia do natildeo seguimento do caminho proposto por ren No entanto na citaccedilatildeo do uacuteltimo livro de
ldquoAnalectosrdquo [惡] indica ldquodetestar fazer algordquo CONFUacuteCIO The Analects Lun Yu Translated by DC Lau HK
Chinese University Press 1983 pp 2-3 pp 194-195
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 57
Por conseguinte a noccedilatildeo de Desordem provocada por ldquomaus comportamentosrdquo eacute
ilustrada nos Analectos pelo caractere [惡] 152
traduzido por ldquomalrdquo (no sentido eacutetico e natildeo
religioso) em japonecircs o caractere usado eacute a forma arcaica de [悪] cujo radical eacute nada mais
do que kokoro lido como aku o kanji pode ser usado para caraterizar uma coisa uma
condiccedilatildeo e ainda a proacutepria personalidade do indiviacuteduo ldquomaldaderdquo ldquomaurdquo ldquomalignordquo ou
ldquomaldosordquo derivam da leitura de aku como warui 153
No fundo [犯] e [惡] satildeo nada mais do
que comportamentos puniacuteveis por lei e cuja eliminaccedilatildeo resultaria do constante cultivo interior
do caraacutecter da pessoa
Na realidade japonesa tsumi opotildee-se ao corretolegal Karl Florenz comenta que ldquoa
sociedade japonesa arcaica possuiacutea nem coacutedigos legais nem direitos descritivos por isso os
castigos das ofensas eram delegados inteiramente agrave discriccedilatildeo do indiviacuteduo magoado ou da
comunidaderdquo no seu entender tsumi eram ldquomaus atosrdquo (crimes) cuja gravidade determinaria
o grau do castigo variando entre pena capital escravatura expulsatildeo e confiscaccedilatildeo total ou
parcial das propriedades do acusado 154
Ora esta linha de pensamento eacute seguida por Felicia Bock que afirma o facto de tsumi
existirem de forma pouco consistente no quadro de costumes das pessoas da planiacutecie do
Yamato (periacuteodo preacute-Japatildeo imperial) juntamente com as ldquopalavras do soberanordquo e
julgamentos apoiados em provaccedilotildees (fogo sobretudo) e ainda ldquoxamatildesrdquo ou ldquointeacuterpretes da
vontade dos kami ou divindadesrdquo tsumi corresponderia agraves ldquoofensas pelas quais uma pessoa
pode ser considerada culpadardquo listadas e descritas em episoacutedios do Kojiki e Nihon shoki Caso
se fosse considerado a um niacutevel mais ldquolituacutergicordquo tsumi podia contaminar uma pessoa (tsumi-
bito 罪人) urgindo a sua eliminaccedilatildeo atraveacutes de ldquocertos ritos prescritosrdquo executados pelos
membros do Jingikan que deste modo asseguravam a ordem no territoacuterio japonecircs aleacutem de se
recorrerem a meacutetodos de cariz social tais como a atribuiccedilatildeo de multas ldquoque eram impostas
152
Duas das frases mais emblemaacutetica do uso de [惡] como antiacutetese de ldquobemrdquo e eacute claro ldquobenevolecircnciardquo (ren仁)
pertencem ao terceiro e quarto ldquoensinamentosrdquo de Confuacutecio do ldquoquarto livrordquo no primeiro caso o caractere natildeo
surge de forma isolada identificando a natureza da pessoa como ldquomaacuterdquo (惡人) por oposiccedilatildeo agrave de uma ldquopessoa boardquo
(好人) ldquo唯仁者能好人能惡人rdquo na frase ldquo苟志于仁矣無惡也rdquo [惡] eacute uma ldquoinfluecircncia negativardquo que se
pode ldquoeliminarrdquo CONFUacuteCIO op cit pp 28-29 153
NISHIGAKI Yukio op cit p 420 p 599 154
FLORENZ Karl ldquoAncient Japanese Rituals Part IVrdquo Transactions of the Asiatic Society of Japan nordm 27
1899 pp 1ndash112
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
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para absolver uma pessoa de algum crime social tal como roubar a esposa de outro homemrdquo
155
Para todos os efeitos tsumi satildeo o coletivo de atos condenaacuteveis dentro de uma
sociedade os mais graves (amatsu-no-tsumi) correspondem os oito tsumi cometidos por
Susano-o durante o seu episoacutedio de rebeldia contra a ordem de Takamagahara 156
o kami
assume o papel do indiviacuteduo que age contrariamente ao que eacute suposto pois as suas accedilotildees
potildeem em causa o estado harmoacutenico da sua comunidade (de kami) que soacute seria reposta apoacutes
Amaterasu sair da Ama no Iwato
No que concerne aos kunitsu no kami estes satildeo essencialmente um ldquooposto
complementar (hellip) enfatizando maacutes accedilotildees mundanasrdquo nomeadamente ldquoincesto bestialidade e
auguacuterios natildeo auspiciosos e magia que antecipam principais eventos catacliacutesmicosrdquo 156
Jaacute
Felicia Bock divide-os em ldquoquebras de tabus tribais e contaminaccedilotildees causadas por eventos
naturaisrdquo constatando-se uma forte consciencializaccedilatildeo destas ldquocomunidades primaacuteriasrdquo no
que concerne a doenccedilas e comportamentos irregulares ou perigosos o corte de carne viva e
morta que demonstra o respeito pelos seres vivos lepra branca imperfeiccedilotildees deacutermicas
violaccedilatildeo da proacutepria matildee violaccedilatildeo de crianccedilas coabitaccedilatildeo com animais afliccedilatildeo de coisas
rastejantes divindades aves ldquomorte de animais e contaminaccedilotildees originadas por feiticcedilariardquo 157
Contudo a classificaccedilatildeo dos tsumi natildeo eacute a prioridade das fontes literaacuterias arcaicas
no episoacutedio protagonizado pela viuacuteva do Imperador Chūai (Jingū-kōgō神功皇后) do Kojiki
a nomeaccedilatildeo de nove ofensas denota a perspetiva dos japoneses em relaccedilatildeo a comportamentos
socialmente desviantes sobretudo de cariz sexual - a copulaccedilatildeo com quatro espeacutecies animais
(cavalos vacas paacutessaros e catildees) e o incesto satildeo considerados tsumi ndash aos quais se lhe juntam
as praacuteticas de esfolamento animal a destruiccedilatildeo dos campos de arroz e ainda a ldquodefecaccedilatildeo em
espaccedilos sagradosrdquo (no original kusohe 屎戸) 158
Aliaacutes eacute tambeacutem nesta passagem que se constata a atribuiccedilatildeo de um caraacutecter mais
ldquoritualrdquo a tsumi evidenciado pela presenccedila das palavras harai (祓い) um processo que tem
como meta a restauraccedilatildeo da pureza reunindo-se para o efeito oferendas oriundas de todos os
155
BOCK Felicia Engi-shiki Procedures of the Engi Era Books I-V Translated with introduction and notes by
Felicia Gressitt Bock Tokyo Sophia University 1970 pp 3-6 156
TSUSHIRO Hirofumi ldquoAmatsu tsumi Kunitsu tsumirdquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and Doctrines
Basic Terms (on line) lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23381gt
(consultado em 24-06-2018) 157
BOCK Felicia Engi-shiki Procedures of the Engi Era Books I-V Translated with introduction and notes by
Felicia Gressitt Bock Tokyo Sophia University 1970 pp 3-6 158
Com a excepccedilatildeo das formas de bestialidade e incesto os tsumi mencionados satildeo posteriormente categorizados
como amatsu no tsumi TAKEDA Tsunegaki op cit pp217-219
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 59
cantos do territoacuterio e os proacuteprios tsumi kegare (穢) denotando a sujidade inerente deste tipo
de conduta (tsumi) que eacute eliminada por harai sendo defecaccedilatildeo um ato associado agrave ldquosujidade
fiacutesicardquo Com efeito realizar haraiharae devolve a ldquopurezardquo ao espaccedilo que tinha sido
ldquocontaminadordquo Ora neste episoacutedio particular a ldquobuscardquo de tsumi decorre em simultacircneo com
os preparativos para o ldquoritualrdquo fuacutenebre (mogari) do Imperador Chūai (仲哀天皇) 159
Tal como no Kojiki tambeacutem o Nihon shoki define tsumi como condutas ofensivas
no Inverno do 11ordm dia do 10ordm mecircs (quinto do ano de reinado) do Imperador Richū (履中天皇)
conclui-se que a suacutebita morte da Imperatriz tinha sido causada por uma ldquomaldiccedilatildeordquo (tatari 祟
り) enviada pelos ofendidos kami de Tsukushi no seguimento de dois tsumi cometidos por
Kurumamochi-be ndash taxar as terras administradas pelo Imperador sem autorizaccedilatildeo e ter
colocado ao seu serviccedilo (do ofensor) os suacutebditos dessa mesma terra acabando por usurpar a
posiccedilatildeo dos kami aiacute venerados Como puniccedilatildeo o soberano japonecircs obriga o ofensor a
executar misogi e posteriormente demite-o do seu cargo 160
se tsumi eacute a raiz de desarmonia
provocada pela accedilatildeo humana individual e repercutida no coletivo misogi eacute nada mais do que
o seu oposto focando-se na reposiccedilatildeo da Ordem pelo responsaacutevel assumindo contornos de
purificaccedilatildeo interna
Num dos eacuteditos do Imperador Yūryaku (雄略天皇) tsumi adquire uma natureza
ldquoperdoaacutevelrdquo ao escutar a canccedilatildeo entoada por Hata-no-sake-no-kimi o imperador absolve o
carpinteiro Kodakumitsuke-no-mita de ter forccedilado sexualmente 161
uma uneme 162
de Ise (na
verdade a jovem em questatildeo meramente tinha-se distraiacutedo a olhar para Kodakumitsuke-no-
mita estragando uma das oferendas que tinha acabado de preparar) 161
uma vez que o tsumi
de que tinha sido acusado o carpinteiro eacute considerado de tal ordem grave que o Imperador
pensou condenaacute-lo agrave morte eacute possiacutevel concluir que relaccedilotildees sexuais (forccediladas) justificavam a
pena capital
159
Nihonsinwa ldquo大祓いと罪悪rdquo (A Grande Purificaccedilatildeo e Crimes) 仲哀天皇(古事記)(Imperador Chūai
Kojiki) (on line) lthttpnihonsinwacompage577htmlgt (consultado em 24-06-2018) 160
Nihonsinwa ldquo履中天皇(十一)車持部の罪rdquo (Imperador Richū 11 O crime de Kurumamochi-be) 履中天皇 反正天皇(日本書紀)(Imperador Richū Imperador HanzeiHanshō Nihon shoki) (on line) lthttp
httpnihonsinwacompage1396htmlgt (consultado em 24-06-2018) 161
Nihonsinwa ldquo木工鬪鶏御田の冤罪と秦酒公の琴の声rdquo (As falsas acusaccedilotildees de Kodakumitsuke-no-mita e
a voz da biwa de Hata-no-sake-no-kimi) 雄略天皇(日本書紀)四十二 (Imperador Yūryaku Nihon shoki
42) (on-line) lthttpnihonsinwacompage1469htmlgt (consultado em 24-06-2018) 162
Uneme (采女) designa uma rdquofuncionaacuteriardquo da corte geralmente nomeada pelo Imperador ou pela Imperatriz
Segundo Nishigaki a funccedilatildeo destas jovens eacute de cuidar ldquodos afazeres do quotidianordquo dos seus empregadores
incluindo preparar a comida NISHIGAKI Yukio op cit p116
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 60
No registo de Veratildeo do ano seguinte tsumi eacute novamente uma ofensa de natureza
sexual o crime cometido por Hatane-no-mikoto ndash um parente afastado do atual imperador
legitimando eventuais ambiccedilotildees ao trono ndash eacute o de sorrateiramente ter tido relaccedilotildees com
Yama-no-be-no-Koshimako Apoacutes purificar-se de tais atos recorrendo ao pagamento em
cavalos e tachi (nome para uma katana longa) Hatane eacute posteriormente obrigado pelo
imperador a lsquodepositar no chatildeorsquo os seus pertences numa outra localizaccedilatildeo perdendo o seu
estatuto social Se neste caso a puniccedilatildeo de Yūryaku serve para preservar a sua posiccedilatildeo
poliacutetica impedindo um hipoteacutetico golpe de estado 163
no primeiro episoacutedio o castigo eacute
aplicado como forma de justiccedila pelos terriacuteveis atos do carpinteiro
Como se pode constatar nos exemplos referidos tsumi expressa um uacutenico crime algo
repercutido no registo do Imperador Ankan (安閑天王) no 12ordm mecircs do primeiro ano de
reinado o termo eacute usado para indicar o roubo do colar por parte de uma jovem e que o
imperador resolve ldquoarrependerrdquo (aganai 贖い164) um procedimento no qual se reunia uma
seacuterie de pessoas conhecidas do acusado que entregavam riquezas ao imperador esperando-se
desta forma evitar o ldquocontaacutegiordquo de tsumi cometido pelo criminoso Curiosamente a viacutetima do
roubo tambeacutem eacute incluiacuteda neste conjunto de pessoas justificado pelos receios de contaminaccedilatildeo
165 neste sentido tsumi eacute duplamente uma ofensa individual e algo de natureza
ldquocontaminadorardquo conotada com kegare e Desordem
Em outras croacutenicas como a dos Imperadores Bidatsu (敏達天皇) Kōtoku (孝徳天皇
e Tenmu (天武天皇) tsumi corresponde a crimes cometidos pela mesma pessoa ou por um
conjunto de indiviacuteduos no primeiro caso tsumi descreve dois atos de Naniwa - ter ldquoenganadordquo
a corte (de certo modo um caso de insubordinaccedilatildeo) e de ter feito com que um diplomata do
reino de Kōryo fosse morto 166
no segundo ano do terceiro mecircs de Kōtoku identificam-se os
163
Eacute interessante ver que o verbo okasu eacute usado nesta passagem para identificar o crime Dependendo do
contexto o verbo pode significar ldquoviolarrdquo ecoando as suspeitas do Imperador no episoacutedio anterior Outro termo
a ter em conta eacute o de ldquopurificaccedilatildeordquo harai natildeo envolve misogi mas natildeo deixa de ser harai distinguindo-se como
um tipo de harai associado a ldquopagamentosrdquo Nihonsinwa ldquo歯田根命は山辺小嶋子と姦通し罪を問われるrdquo
(Hatane-no-mikoto eacute interrogado pelo crime de adulteacuterio com Yamanobe-no-Koshimako) 雄略天皇 日本書紀( 四 十 三 ) (Imperador Yūryaku Nihon shoki 43) (on line) lthttpnihonsinwacompage1471htmlgt
(consultado em 24-06-2018) 164
Aganai deriva do verbo aganau (贖) ou ldquoarrependerrdquo no sentido de ldquocompensarrdquo por maus atos Outra
definiccedilatildeo possiacutevel eacute enterrar riquezas no chatildeo NISHIGAKI Yukio op cit p 27 165
Nihonsinwa ldquo廬城部連枳莒喩の娘の幡媛の罪物部尾輿も土地を献上rdquo (O crime da rapariga Hatahime
de Iwogibe-no-muraji-kyū Mononobe-no-Ōmuraji-okoshi tambeacutem presenteia no chatildeo) 安閑天皇 宣化天皇(日本書紀)(Imperadores Ankan Senka Nihon shoki) (on line) lthttpnihonsinwacompage1603htmlgt
(consultado em 24-06-2018) 166
Nihonsinwa ldquo難波の罪を数えるrdquo (Contar os crimes de Naniwa) 敏達天皇 日本書紀 Imperador Bidatsu
Nihon shoki) (on line) lthttpnihonsinwacompage1731htmlgt (consultado em 24-06-2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
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criminosos e o crime de que satildeo acusados nomeadamente roubo de bens (cavalos armas
tecidos) a outros membros da corte e funcionaacuterios 167
Por uacuteltimo o Imperador Tenmu
menciona sete ldquocoisas maacutesrdquo (ashiki koto 悪しきこと ) cometidas por um clatilde o que
normalmente justificaria a presenccedila deste no palaacutecio a fim de se proceder a um
questionamento oficial Contudo a interceccedilatildeo de um outro indiviacuteduo em favor deste clatilde
resulta na concessatildeo de um perdatildeo imperial caso tornassem a cometer crimes natildeo teriam a
mesma sorte 168
Eacute impossiacutevel natildeo se constatar uma espeacutecie de consciencializaccedilatildeo japonesa no que
concerne agrave Desordem e os possiacuteveis meios para a combater todos os ldquoritosrdquo que precedem os
matsuri e outros atos de veneraccedilatildeo aos kami envolvem algum tipo de ldquopurificaccedilatildeordquo (coisas
pessoas e espaccedilos) expressando-se uma clara atitude de abominaccedilatildeo por tsumi kegare e imi
Ora numa abordagem mais teoacuterica o antagonismo eacute colocado de parte e qualquer um destes
conceitos pode ser analisado enquanto objeto de estudo facultando o desenvolvimento de
novas perspetivas da dicotomia ldquobemmalrdquo em contexto shintō
Segundo Ōwaki Yukiko a linha de pensamento de Norinaga atenta na natureza
ldquoinclusivardquo e natildeo ldquoexclusivardquo de tsumi tornando-o um coletivo de um certo nuacutemero de crimes
socialmente reprovaacuteveis de kegare magakoto e maga ou seja todo o tipo de ldquocoisasrdquo
negativas associadas ao ldquomalrdquo uma palavra que natildeo se deve identificar com o ldquomalrdquo segundo
a visatildeo religiosa ocidental 169
Ao reconhecer a dicotomia DesordemOrdem o indiviacuteduo
deixa-se guiar pelos kami da Ordem - Kamunaobi-no-kami (神直毘神) Ōnaobi-no-kami (大
直毘神) - pedindo-lhes emprestado o ldquopoder da sua mitamardquo isto eacute a sua ldquoessecircnciardquo Seguir
kami no michi torna-se deste modo seguir a Via favoraacutevel agrave purificaccedilatildeo das intenccedilotildees
permitindo afastar a influecircncia negativa e prejudicial de maga que por sua vez se foca em
espalhar Desordem pelo mundo 170
167
O kanji [過] ndash toga sinoacutenimo de tsumi ndash associa-se a okasu reforccedilando a sua leitura enquanto algo de
natureza criminosa Nihonsinwardquo孝徳天皇(二十六)穂積臣咋と巨勢徳禰臣の罪rdquo (Imperador Kōtoku 26
O Crime de Hozumi-no-Omi-kui e Kose-no-tokone-no-Omi (on line) 日本書紀 孝徳天皇 (Nihon shoki
Imperador Kōtoku) lthttpnihonsinwacompage2079htmlgt (consultado em 24-06-2018) 168
Nesta passagem ashiki koto substitui tsumi Nihonsinwa ldquo東漢直の7つの罪恩により許されるrdquo (Os
crimes dos Yamato-no-aya-no-atai Devido agrave graccedila [imperial] satildeo perdoados) 天武天皇(六十)日本書紀
(Imperador Tenmu 60 Nihon shoki) (on-line) lthttpnihonsinwacompage2317htmlgt (consultado em 24-06-
2018) 169
ŌWAKI Yukiko ldquoつみ 罪 Tsumirdquo 万葉神事語辞典 (Dicionaacuterio de 10 mil fragmentos dos assuntos de
kami) (on line) lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_dsgampdata_id=68730gt
(consultado em 24-06-2018) 170
MOTOORI N ldquo1-9 直毘霊rdquo(なおびのみたま) (1-9 Naobi no mitama) 古事記傳 (Kojikiden) (on
line) lthttpkumoi1webfc2comCCP059htmlgt (consultado em 24-06-2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
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Com efeito a visatildeo particular de Norinaga em relaccedilatildeo a nao (直) e maga (禍) revela-
se fundamental para a compreensatildeo de kami no michi como um Caminho de retorno a uma
Ordem criada por algo natildeo humano e expressa pela naobi-no-mitama (直毘霊) Em outras
palavras nao eacute a antiacutetese de maga algo jaacute aludido na proacutepria etimologia dos dois vocaacutebulos
conotados com coisas ldquopositivasrdquo e ldquonegativasrdquo nao eacute entendido como ldquocorretordquo ldquodireitordquo e
ldquoretordquo uma disposiccedilatildeoatitude preferiacutevel e consequentemente uma caracteriacutestica ligada agrave
Ordem 171
ndash significa ldquocurarrdquo ou ldquopacificarrdquo consoante o contexto ndash maga eacute uma ldquocoisa maacute
desastrerdquo associando-se ainda ao kanji [曲] presente no verbo magaru traduzido por ldquovirarrdquo
ou ldquotorcerrdquo172
Todavia este ldquotorcerrdquo eacute permanente evidenciando a capacidade do indiviacuteduo
prevalecer sobre a influecircncia de maga magamal natildeo eacute inato ao homem justificando o
porquecirc de shintō tradicionalmente definir o homem pela sua ldquoboardquo natureza argumentando
que natildeo existem ldquopessoas maacutesrdquo (por natureza) mas ldquomaacutes intenccedilotildeesrdquo ldquodoenccedilasrdquo e ldquocoisas maacutesrdquo
neste mundo que satildeo impulsionadas pela existecircncia inevitaacutevel de maga 172
Com efeito este
manga eacute um entrave temporaacuterio agrave Ordem interpretaccedilatildeo ecoada por Ono Sokyō Referindo-se
agrave perspetiva ldquoxintoiacutestardquo antiga de uma ldquoorigem exteriorrdquo do mal este uacuteltimo identifica tal
origem com o ldquomundo da escuridatildeordquo personificado pelos magatsui no kami ldquoespiacuteritos
malignosrdquo admitindo que o homem vive num ldquomundo bomrdquo (um mundo de kami criado pelo
musubi) e a sua ldquoalmardquo eacute inerentemente boa ldquoo homem comete males porque perdeu foi-lhe
retirada a capacidade para accedilatildeo normalrdquo 173
Neste sentido tanto o Kojiki como o Nihon shoki apresentam uma explicaccedilatildeo para a
existecircncia desta Desordem Desordem eacute uma consequecircncia da libertaccedilatildeo no mundo de kegare
do Yomi-no-kuni contraiacutedo por Izanagi aquando da sua passagem por este domiacutenio inferior
Caracterizado pela sua sujidade 174
Yomi eacute o mundo dos mortos portanto eacute loacutegico que tudo
que faccedila parte desse lugar seja o oposto da Ordem oferecendo um viacutevido contraste com o
171
NISHIGAKI Yukio op cit p457 172
NISHIGAKI Yukio op cit p529 173
ONO Sokyō op cit pp105-107 174
A utilizaccedilatildeo da palavra ldquosujidaderdquo eacute justificada pela leitura do kanji [穢] como kitanaki presente na fala de
Izanagi O kami tem consciecircncia de ter regressado de uma ldquoterra sujardquo (kitanaki kuni 穢國) e procura de imediato
uma fonte de aacutegua para poder lavar o seu corpo (misogi) No texto original a frase lecirc-se ldquoA wa ina
shikomeshikomeki kitanaki kuni ni itarite arikeri Kare A wa mimi no misogi senrdquo (吾者到於伊那志許米志許
米岐 穢國而在祁理故吾者爲御身之禊而) sendo que [吾] eacute uma forma arcaica do pronome pessoal ldquoeurdquo
KURANO K ldquo 上 卷 并 序 rdquo (Prefaacutecio para o Capiacutetulo Superior) 古 事 記 (Kojiki) (on line)
lthttpwww004uppso-netnejpdassai1kojiki_kamiframekojiki_kami_framehtmgt (consultado em 24-06-
2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
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mundo dos vivos gerado pela vontade dos kami e no qual aflui vida se os kami satildeo
consequecircncia de musubi os magatsui no kami possuem uma natureza diferente no Kojiki
correspondem a Yasomagatsubi-no-kami (八十禍津日神) e Ōmagatsubi-no-kami (大禍津日
神) e no Nihon shoki este uacuteltimo eacute substituiacutedo pelo Ōayatsubi-no-kami (大綾津日の神)
notando-se a inclusatildeo do som aya cujo significado eacute proacuteximo de maga 175
Aparecendo depois dos kami que se manifestaram agrave medida que Izanagi-no-kami se
despia os magatsui no kami satildeo corporizaccedilotildees de kegare Mencionados durante o ritual
misogi harai este par daacute iniacutecio ao ciclo de Desordem e Ordem reconhecido pelo indiviacuteduo
Desordem precede a Ordem que eacute interpretada como a ldquoessecircnciardquo dos naobi-no-kami ou seja
Kamunaobi-no-kami (神直毘神) Ōnaobi-no-kami (大直毘神) e ainda Izunome-no-kami (伊
豆能賣神) 176
A niacutevel etimoloacutegico a escolha do nome dos primeiros dois kami natildeo eacute uma escolha
aleatoacuteria na ediccedilatildeo do Kojiki-den (1940) compilado por Kurano Kenji Norinaga comenta que
os magatsui no kami possuem uma parte inicial que reforccedila a noccedilatildeo de ldquomuitordquo isto eacute yaso e
ō respetivamente uma parte do meio especificamente conotada com ldquonegativordquo (maga e aya)
a partiacutecula bi (日 ) que serve de auxiliar de fala tal como se constata no bi (毘 ) em
Kamunaobi-no-kami e Ōnaobi-no-kami Por conseguinte maga koto e jaaku (凶事邪悪)
derivam da tamashii de magatsubi no kami acrescentando-se que o verbo naosu (直す) pode
corresponder ldquoao ato de purificar atraveacutes de enxaguar o corpordquo (naosu to wa tsumari
susugikiyomerukoto wo iu 直すとはつまり滌ぎ清めることを言う) se maga significa
kegare kiyomeru eacute naosu Por outro lado naobi refere-se agrave mitama (御魂) capaz de efetuar
este naosu em maga acalmando a sua influecircncia 177
Se Norinaga eacute assertivo na origem exterior do mal que afeta tudo em nosso redor
imaginando um magatsubi no kami como derradeira personificaccedilatildeo das coisas malignas
outros autores natildeo compartilham dos mesmos sentimentos com um especial destaque para o
seu grande rival e anterior disciacutepulo Hirata Atsutane Apesar de aceitar a dicotomia maganao
175
Aya eacute o mesmo som presente em palavras simbolizando ldquoperigordquo e ldquocriserdquo (adjetivos ou pressentimentos) tais
como ayaui e ayabumu (Nishigaki pp 55-56) Portanto se Ōmagatsubi eacute literalmente ldquograndeenorme desastrerdquo
o Ōayatsubi eacute ldquograndeenorme perigordquo a conotaccedilatildeo ldquonegativardquo permanece MOTOORI N ldquo6-2 神代四之
巻rdquo (御身滌の段) (6-2 Kami-yo Livro Quatro- A secccedilatildeo de misosogi) 古事記傳 (Kojikiden) (on line)
lthttpkumoi1webfc2comCCP071htmlgt (consultado em 24-06-2018) 176
KURANO K ldquo 上 卷 并 序 rdquo (Prefaacutecio para o Capiacutetulo Superior) 古 事 記 (Kojiki) (on line)
lthttpwww004uppso-netnejpdassai1kojiki_kamiframekojiki_kami_framehtmgt (consultado em 24-06-
2018) 177
MOTOORI N ldquo6-2 神代四之巻rdquo (御身滌の段) (6-2 Kami-yo Livro Quatro- A secccedilatildeo de misosogi)
古事記傳 (Kojikiden) (on line) lthttpkumoi1webfc2comCCP071htmlgt (consultado em 24-06-2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
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Hirata defende uma perspetiva inclusiva de ldquomalrdquo apoiada na ideia de que o ser humano
possui no seu interior o ldquoespiacuterito de Magatsuhi-no-kami que se torna violento quando algo
errado foi cometidordquo e o ldquoespiacuterito de Naobi-no-kamirdquo responsaacutevel por moderar a atuaccedilatildeo do
indiviacuteduo de uma forma relaxada e tranquila 178
Neste sentido definiram-se duas caracterizaccedilotildees distintas no que concerne agrave
interpretaccedilatildeo de mal Norinaga eacute um notoacuterio apoiante da teoria lsquomal= antiacutetese do bemrsquo em
todos os seus sentidos comentando o facto de magatsubi no kami ser uma forccedila que o homem
eacute incapaz de resistir e no seu maior extremo adquire uma natureza incontrolaacutevel indomaacutevel
fora do alcance do poder da kami do Sol e de Takagi no Ōkami (um outro termo para Taka-
musubi-no-kami) Contudo independentemente da sua existecircncia neste mundo ldquoos maus
kamirdquo agem simplesmente de acordo com a sua natureza e podem ser aplacados atraveacutes de
ldquoveneraccedilatildeo e execuccedilatildeo de purificaccedilatildeo quando algueacutem estabeleceu contacto com poluiccedilatildeordquo
No fundo a sua influecircncia negativa pode ser apaziguada e retificada graccedilas ao cultivo de uma
atitude de ldquoobservaccedilatildeo correta de veneraccedilatildeordquo 179
Por outro lado Hirata propotildee uma teoria diferente no sexto volume do Koshiden (古
史伝 ca 1812-1825) o autor rejeita a teoria de que magatsubi-no-kami e naobi-no-kami
associam-se somente agrave aramitama e nigimitama de Amaterasu respetivamente Ou seja a
dualidade aramitamanigimitama eacute comum a qualquer kami encontrando-se exemplos de
veneraccedilatildeo muacutetua da aramitama e nigimitama em locais especiacuteficos (cultos de Ise e Izumo)
Aliaacutes a anaacutelise de Hirata permitiu o estabelecimento de uma relaccedilatildeo entre dois kami e uma
ldquopresenccedila interiorrdquo (mitama) capaz de exercer influecircncia de forma positiva e negativa se
naobi-no-kami pertence agrave nigimitama de Ōmikami (Amaterasu) magatsubi no kami
corresponde agrave aramitama de Susano-o-no-mikoto 180
explica-se deste modo o seu
comportamento tempestuoso e irasciacutevel que levaria ao seu afastamento de Takamahara como
compensaccedilatildeo pelos seus tsumi
Com efeito quer se trate de um kami quer de um homem todos tecircm no seu interior a
capacidade de distinguir o ldquocorretordquo do ldquoerradordquo sendo que uma orientaccedilatildeo correta eacute parte
das responsabilidades do ldquoespiacuteritordquo de Naobi-no-kami moderando-se a atuaccedilatildeo do indiviacuteduo
178
PICKEN Stuart Sourcebook of Shinto op cit p 273 179
UEDA Kenji ldquoMagatsubi no Kami and Motoori Norinagarsquos Theologyrdquo Institute for Japanese Culture and
Classics Kokugakuin University (on line) lthttpwww2kokugakuinacjpijccwpcpjrkamiuedahtmltnoteIgt
(consultado em 24-06-2018) 180
HIRATA A ldquo古史伝 6rdquo National Diet Library (on-line) lthttpdlndlgojpinfondljppid772144gt
(consultado em 24-06-2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 65
de uma forma relaxada e tranquila Em contrapartida o ldquoerradordquo eacute representado pelo ldquoespiacuterito
de Magatsuhi-no-kami que se torna violento quando algo errado foi cometidordquo 181
Ora a existecircncia de um kami da Desordem (interior) natildeo implica a adoccedilatildeo de um
comportamento exclusivamente negativo e incorreto por parte deste magatsubi-no-kami eacute
uma consequecircncia e natildeo a raiz desta conduta tornando-se ldquoviolentordquo no caso da presenccedila de
kegare Estando esta ausente tal comportamento perde a sua razatildeo de ser possibilitando a
transiccedilatildeo do magatsubi no kami para um kami capaz de ldquoconceder felicidaderdquo um kami
beneacutefico e cuja essecircncia nunca pode ser maleacutefica antes pelo contraacuterio 182
No Japatildeo dos dias de hoje os conceitos ldquobemmalrdquo satildeo mais ambiacuteguos do que claros
a classificaccedilatildeo de accedilotildees em boasmaacutes depende das ldquocircunstacircncias motivos propoacutesitos
tempo lugarrdquo embora uma coisa seja certa a ldquosinceridaderdquo do nosso ldquocoraccedilatildeordquo que rege uma
conduta ldquoproacutepriardquo e cortecircs favoraacutevel ao natildeo conflito e agrave manutenccedilatildeo da paz e ordem socialrdquo
Tudo que potildee em causa a harmonia merece o roacutetulo de ldquomalignordquo quer se trate de ldquopecados
poluiccedilatildeo e desastresrdquo cabendo agrave ldquoalmardquo do ser humano distinguir entre o bem e o malrdquo 183
algo que soacute eacute possiacutevel se se cultivar uma relaccedilatildeo suficientemente forte com os kami atraveacutes
desta ligaccedilatildeo muacutetua o homem aprende a afastar-se do que lhe eacute prejudicial uma preocupaccedilatildeo
que se estende a qualquer vertente de shintō dos dias de hoje a reposiccedilatildeo da Ordem eacute sem
duacutevida a grande prioridade dos rituais que se esforccedilam por combater qualquer forma de
Desordem
A segunda grande causa da Desordem eacute kegare uma ldquocondiccedilatildeo poluiacuteda e malignardquo
A ldquoantiacutetese de purezardquo kegare eacute ldquoresultado de fenoacutemenos ocorrentes naturaisrdquo e possui uma
natureza facilmente ldquocontaminaacutevelrdquo uma vez que ldquoquando esta corrupccedilatildeo aderia ao indiviacuteduo
tambeacutem trazia calamidades agrave sociedaderdquo 184
Um termo descritivo de ldquoespeciacuteficos tipos de
impureza causados pelo parto menstruaccedilatildeo doenccedilas e morte (hellip) presenccedila de kegare eacute
ignorada tatari (desgraccedila) pode chegar como avisordquo 185
kegare distingue-se de tsumi por ser
sensorialmente impuro distanciando-se do sentido de eticamente impuro patente em tsumi a
conduta errada que danifica o proacuteprio indiviacuteduo e o coletivo
181
PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit p 273 182
KOYASU Nobukuni Hirata Atsutane no Sekai (平田篤胤の世界) Tokyo Berikansha 2001 p205 183 ONO Sokyō op cit pp105-107 184
NISHIOKA Kazuhiko ldquoKegarerdquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and Doctrines Basic Terms (on line)
lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23417gt (consultado em 24-06-
2018) 185
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit p 191
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 66
A niacutevel etimoloacutegico kegare pode ser escrito de duas formas se usado no discurso do
dia-a-dia utiliza-se [汚] um kanji presente em kitanai (汚い) ou ldquosujordquo kegarawashii (汚ら
わしい) ou ldquonojentordquo yogosu (汚す) e yogoreru (汚れる) respetivamente ldquosujarrdquo e ldquosujar-
serdquo oshoku (汚職) ou ldquocorrupccedilatildeordquo e ainda osen ( 汚染) isto eacute e ldquopoluiccedilatildeordquo (ecoloacutegica)
composto pelo kanji [汚] e pelo kanji usado para escrever o verbo someru (染める) traduzido
por ldquopintarrdquo (no sentido de ldquomancharrdquo) Em suma uma condiccedilatildeo na qual o indiviacuteduo ou o
objeto natildeo estaacute limpo assemelhando-se aos vocaacutebulos fujō (不浄 ldquoimpurordquo) e fuketsu (不潔
ldquonatildeo higieacutenicordquo)
Em contrapartida o kegare ritual escreve-se com o kanji [穢] e o seu som kega eacute um
homoacutefono do vocaacutebulo kega (怪我) significando ldquoferidardquo ou ldquomagoarrdquo involuntariamente
como resultado de erros cometidos claramente reforccedilando a sua conotaccedilatildeo negativa
evidenciada pelo verbo kegareru (汚れる穢れる) que supostamente se desenvolveu graccedilas agrave
junccedilatildeo da partiacutecula ke (geralmente lida como ki 気) e do verbo karu escrito com o mesmo
kanji [離] usado em hanareru (れる) isto eacute ldquoafastar-serdquo 186
Neste sentido kegareru pode ser melhor descrito como uma certa accedilatildeo que provoca
o afastamento do ki - espeacutecie de ldquofluxo de energiardquo imanente em tudo que eacute vivo ndash e
consequentemente eacute capaz de atrair todo o tipo de influecircncias negativas Aliaacutes alguns
estudos modernos realizados por japoneses atribuem a origem de kegare (穢) agrave expressatildeo
kegare (気枯) que constituiacuteda pela junccedilatildeo de ki e kare - forma nominal do verbo kareru
geralmente traduzido por ldquomurcharrdquo - kegare (気枯) significaria literalmente ldquoki que murchardquo
ecoando esta ideia de ldquoafastamento do kirdquo que eacute nada mais do que perda de vitalidade 187
Uma Desordem natural que eacute combatida pela purificaccedilatildeo quer recorrendo ao natildeo
contacto com certos alimentos ou objetos (mono imi 物忌) ou agrave realizaccedilatildeo de ldquoabluccedilotildeesrdquo que
afetem a ldquomente e corpordquo (心身) do indiviacuteduo enquanto este venera os kami kegare eacute ldquoum
estado de divergecircncia do que eacute comum uma condiccedilatildeo que se deve abster-se com receiordquo
Caracterizada pelo gradual murchar de ke ndash substitui-se o kanji [気] pelo de [褻] que significa
ldquomundanordquo ndash kegare pode ateacute afetar os alimentos utilizados nos matsuri ao mesmo tempo
que se reconhece a natureza sagrada destas oferendas pensava-se que os alimentos (odango
feijatildeo) eram ldquotambeacutem uma existecircncia sujardquo que justificava a sua eliminaccedilatildeo pela aacutegua fogo
186
NISHIGAKI Yukio op cit pp269-270
187 ITŌ Nobuhiro ldquo穢れと結界に関する一考察 lsquoケガレrsquoとrsquoケrsquordquo (An analysis concerning kegare and
barriers ldquokegarerdquo and ldquokerdquo) Studies in language and culture (言語文化論集) nordm 24 (1) 2002 pp 3-22
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 67
sal e lama elementos portadores de ldquoefeitos purificadoresrdquo (jōka sayō 浄化作用) sendo
destruiacutedos ou queimados apoacutes as festividades 187
Numa interpretaccedilatildeo alternativa eacute possiacutevel explicar kegare como uma das partes da
dicotomia kegarehare para a antropoacuteloga Namihira Emiko kegare expressa ldquoocasiotildees
poluentes tais como funerais ritos memoriais nascimento de crianccedilas menstruaccedilatildeo feridas
(hellip) poluiccedilatildeo pode vir tanto de morte como de sanguerdquo por oposiccedilatildeo a hare ldquoocasiotildees
auspiciosas ou felizes formais tais como Ano Novo festivais matsuri Shinto Miyamairi e
outras cerimoacutenias Shintordquo positivas 188
de celebraccedilatildeo da vida e reposiccedilatildeo da Ordem
conotando-se com o que na linguagem contemporacircnea eacute automaticamente reconhecido como
ldquopurezardquo
Automaticamente associado a coisas impuras kegare eacute essencial no entendimento da
tradiccedilatildeo de discriminaccedilatildeo do geacutenero feminino sobretudo no que diz respeito a kegare oriundo
de sangue (menstruaccedilatildeo) e do parto posteriormente identificados com ldquoimpureza vermelhardquo
(aka fujō 赤不浄) e ldquoimpureza brancardquo (shira fujō 白不浄) respetivamente um sistema de
classificaccedilatildeo que remonta somente ao Periacuteodo Meiji acrescentando-se uma terceira ldquoforma de
impurezardquo haacute jaacute muito reconhecida na sociedade japonesa e capaz de afetar ambos geacuteneros a
ldquoimpureza negrardquo (kuro fujō 黒不浄) 189
sinoacutenimo de shie ou ldquokegare da morterdquo (死穢)
caucionando o indiviacuteduo contra o prolongado contacto direto e indireto com mortos
Ora jaacute as primeiras fontes histoacutericas japonesas perspetivam kegare como uma forma
de Desordem se no Nihon Kōki (日本後紀) o termo quase nunca surge de forma isolada
fazendo parte das palavras [凶穢] [損穢] [汚穢] e [ 穢悪之事] respetivamente registadas
nos anos 797 806 815 e 811 190
no Zoku Nihongi (続日本紀) regista-se [有穢] ou ldquokegare
arirdquo (ldquoter kegarerdquo) aludindo agrave materializaccedilatildeo de kegare 191
Uma vez que tanto o nascimento e a morte de animais ou humanos satildeo kegare eacute
possiacutevel afirmar que enquanto conceito kegare sofreu uma elevada consciencializaccedilatildeo no
seio da sociedade japonesa ndash kegare eacute algo que pode ldquomancharrdquo e ldquocontaminarrdquo ndash ao ponto de
interferecircncia nos rituais aos kami como se pode constatar no Nihon Sandai Jitsuroku (日本三
188
PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit pp 309-310 189
AMA Toshimaro ldquo日本の rsquo疑似伝統 rsquordquo (Distortion of Japanese Tradition) Meiji Gakuin review
International amp regional studies nordm 8 1991 pp 1-22
190 SAEKI A 日本後紀 朝日新聞本 (Nihon Goki Versatildeo do Jornal Asahi) (on line) lthttpwwwj-
textscomchukokoukiallhtmlgt (consultado em 24-06-2018) 191
MIZUMOTO Masahisa ldquo大本敬久 触穢の成立 日本古代における「穢」概念の変遷rdquo (ldquoBook review
lsquoDevelopment of Shokue Changes of the Kegare Concept in the Ancient Japan by Ōmoto Takahisarsquordquo) Buraku
Kaihō Kenkyū (部落解放研究) nordm 199 2013 pp 118-123
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 68
代実録) Por outras palavras a presenccedila de kegare pode justificar o cancelamento de certos
matsuri encontrando-se vaacuterias referecircncias a esta ldquointerrupccedilatildeordquo (teishi停止) no registo do ano
683 (Kinensai e Hirano Umemiya matsuri) e no de 866 e 874 (Tsukinamisai) outro exemplo
a ter em consideraccedilatildeo data do seacutetimo ano da era Jōgan (nono mecircs deacutecimo primeiro dia) e
ilustra kegare como algo nocivo agrave execuccedilatildeo dos ldquoritosrdquo no Ise Jingū que eacute eliminado por
membros da corte 192
Podendo ser visto ouvido degustado cheirado e tocado algo expresso no conceito
de shokue (触穢) literalmente ldquokegare de toquerdquo ndash o primeiro kanji eacute o mesmo usado para o
verbo ldquotocarrdquo (sawaru) ndash kegare eacute classificado por fontes do Periacuteodo Heian como o jaacute
mencionado Nihon Sandai Jitsuroku que lista as seguintes categorias shokue (nas croacutenicas
dos anos 859 862 e 886) shie (episoacutedios dos anos 861-864 865 871 876 878-879 880
882-883 885-887) - especificando se se trata da morte de um animal (catildees cavalos raposa)
ou de um humano (人死穢 e 人死之穢) procedendo-se ao cumprimento de regras de
ldquoabstenccedilatildeordquo como medidas de contingecircncia contra o alastramento de impureza - e san no
kegare exclusivamente associado a catildees ndash no texto original lecirc-se presumivelmente inu sanrsquoe
(犬産穢) ndash descritos no nono mecircs do terceiro dia (ano 865) no deacutecimo mecircs do seacutetimo dia
(ano 867) em dois dias do ano 870 nos anos 877 879 880 884 885 e por uacuteltimo no ano
886 193
Quanto a ketsue (血穢) ou chi no kegare a ldquoimpureza de sanguerdquo eacute discriminada no
episoacutedio do Kojiki (reinado do Imperador Keikō) que descreve o casamento entre Yamato-
takeru-no-mikoto (倭建命) e a menstruada Miya-uke-hime (美夜受比売) um facto entoado
num ldquopoemardquo (uta 歌) pelo proacuteprio esposo e correspondido por esta na noite de nuacutepcias
Assim ketsue eacute o melhor representante da visatildeo lsquosangue = impurezarsquo independentemente de
este pertencer a uma mulher ou a um homem o sangue de um ser vivo era encarado num
misto de receio e fasciacutenio pensando-se que este liacutequido era portador de ldquoum poder forterdquo
192
SAEKI A 日本三代實録 全巻朝日新聞本 (Nihon Sandai Jitsuroku Volume Completo Versatildeo de do
Jornal Asahi) (on line) lthttpwwwj-textscomchukosandaihtmlgt (consultado em 24-06-2018) 193
SAEKI A 日本三代實録 全巻朝日新聞本 (Nihon Sandai Jitsuroku Volume Completo Versatildeo de do
Jornal Asahi) (on line) lthttpwwwj-textscomchukosandaihtmlgt (consultado em 24-06-2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 69
Como resultado o sangue tornar-se-ia um imi (忌) a nunca referir em discurso muito menos
durante a realizaccedilatildeo dos atos de veneraccedilatildeo aos kami 194
Em contrapartida tambeacutem o Saigūki (西宮記 ca seacutec X) regista casos de ketsue
durante o Kamo-matsuri no quarto mecircs do ano 839 e no Sono-matsuri segundo mecircs do ano
851 190
Seguidamente em contexto dos proacuteprios ritos do Naikū a proacutepria palavra ldquosanguerdquo
(血) seria adicionada agrave lista de imikotoba presente no Kōtai Jingū Gishiki-chō 195
Jaacute na 52ordf
aliacutenea do terceiro volume do Engishiki caucionar-se-ia as menstruadas jovens do palaacutecio (ari
tsuki-goto-mono 有月事者) a retirarem-se para suas casas na veacutespera do matsuri e praticar
ldquoabstinecircnciardquo (kessai 潔斎) no terceiro e nono mecircs (Anexo I) 196
Uma vez que o sangue eacute um liacutequido presente no parto de animais e seres humanos natildeo
eacute estranho o facto de o nascimento partilhar do mesmo sentido negativo que a morte ou o
sangue menstrual como jaacute mencionado o Nihon Sandai Jitsuroku cita ocorrecircncias de dano
fetal e nascimento de catildees como motivos para adiar certos ritos 197
e em dois episoacutedios
descritos no ano de 919 (Teishinkōki) e 1119 (Chōshūki) respetivamente se no primeiro caso
esta variedade de kegare eacute mais que suficiente para interromper o Kinensai - agrave semelhanccedila do
ano 683 (Nihon Sandai Jitsuroku) ndash no segundo o parto de uma crianccedila originou kegare que
se espalhou por todos os cantos 198
194
IDE Maya USHIYAMA Yoshiyuki ldquo古代日本における穢れ観念の形成rdquo (Formation of Attitudes
Toward Pollution [kegare] in Ancient Japan) Shinshu University Journal of Educational Research and Practice
(信州大学教育学部研究論集) nordm 9 2016 pp 81-93 195
O Kōtai Jingū Gishiki-chō foi produzida por volta do seacutec IX pelo Naikū e entregue ao Jingikan para revisatildeo
Interessantemente a maior parte deste conjunto de palavras satildeo de origem ldquobudistardquo refletindo a abominaccedilatildeo de
shintō em relaccedilatildeo a ldquoensinamentos de forardquo Segundo Wada a expressatildeo ldquo 血乎阿世止云 rdquo significa
simplesmente que ldquoaserdquo (阿世) ndash ase pode querer indicar a palavra japonesa para ldquosuorrdquo (汗) - deve ser usada
como ldquosubstituto de ldquochirdquo (sangue) O autor afirma tambeacutem que sangue e urina eram considerados liacutequidos
impuros portanto automaticamente interditos nestes espaccedilos WADA Atsumu ldquo特別寄稿 古代社会とケガレ
意識rdquo (Contribuiccedilatildeo Especial Sociedade dos Tempos Antigos e a consciencializaccedilatildeo de kegare) 奈良県立同和問題関係史料センター 研究紀要 (Centro Prefeitoral de Nara para Registos Histoacutericos de Discriminaccedilatildeo
Boletim de Investigaccedilatildeo) Nara-ken Ritsudō Wa Mondai Kankei Shiryō Sentā Kenkyū kiyō) nordm 11 Dezembro
2007 pp 114-136 196
FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第三 神祇三 臨時祭rdquo (Terceiro Livro Jingi Trecircs Matsuri de
Ocasiotildees Extraordinaacuterias) 延 喜 式 (Engishiki) (on-line)
lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi03htmgt (consultado em 24-06-2018) 197
SAEKI A 日本三代實録 全巻朝日新聞本 (Nihon Sandai Jitsuroku Volume Completo Versatildeo de do
Jornal Asahi) (on line) lthttpwwwj-textscomchukosandaihtmlgt (consultado em 24-06-2018)
198 IDE Maya USHIYAMA Yoshiyuki ldquo古代日本における穢れ観念の形成rdquo (Formation of Attitudes
Toward Pollution [kegare] in Ancient Japan) Shinshu University Journal of Educational Research and Practice
(信州大学教育学部研究論集) nordm 9 2016 pp 81-93
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 70
No que concerne a shie esta eacute talvez a forma de kegare mais abominada pela
sociedade japonesa pela sua ligaccedilatildeo direta com a morte morte (intencional ou natural) nunca
eacute motivo de celebraccedilatildeo e os rituais de shintō priorizam a vida ou seja ldquocrescer culturas e
receber vida Receber vida e dar graccedilas agrave vida representa a visatildeo de vida fundamental de
Shintordquo 199
tornando os matsuri natildeo soacute expressotildees de rituais positivos mas tambeacutem
celebraccedilotildees da vida da sociedade aproximando o indiviacuteduo do coletivo
Com efeito se a vida aproxima a morte afasta e traz consigo kegare a sua existecircncia
poderaacute provocar o cancelamento de certos matsuri Ao longo da histoacuteria do Japatildeo morte
nunca foi desassociada de kegare e imi sendo que ateacute mesmo a sociedade contemporacircnea
hesita em referir-se abertamente agrave morte individual de seres humanos respeitando uma seacuterie
de regulaccedilotildees que envolvem a natildeo pronunciaccedilatildeo de palavras que pudessem ser analogias agrave
morte (imikotoba) a praacutetica de ldquokichūrdquo (忌中) entre as pessoas da mesma famiacutelia do falecido
a distribuiccedilatildeo de um tipo de ldquosal purificadorrdquo (kiyome no shio 清めの塩 ) entre os
participantes do funeral Incidentalmente o costume ldquomodernordquo de visitar as campas dos
antepassados e dos membros da famiacutelia recentemente falecidos era totalmente posto de parte
pela corte do Periacuteodo Heian temendo-se o perigo de contaminaccedilatildeo devido agrave forte ldquoligaccedilatildeo de
sanguerdquo entre membros da mesma famiacutelia (sobretudo parentes proacuteximos) 200
Surgindo frequentemente no Kojiki e Nihon shoki kegare natildeo passa de uma palavra
(adjetivo verbo ou nome) sem categorizaccedilotildees integrando um grupo de vocaacutebulos constituiacutedo
por termos de conotaccedilatildeo negativamaligna kitanashi (垢濁悪) ashi (悪邪 凶) arashi
(荒) shiko (醜 凶) e maga (禍 悪 禍害枉 凶) 201
Ora independentemente da ausecircncia do
kanji (死穢) ambas fontes reconhecem a natureza ldquopoluenterdquo da morte no Kojiki o Yomi-no-
kuni eacute descrito como um local desolador repleto de kegare no qual residem mulheres ldquoodiosasrdquo
e um mundo afastado de tudo que eacute vivo Assim na passagem do retorno do Izanagi ao
mundo da superfiacutecie o kanji eacute lido pela primeira vez como adjetivo (kitanaki) 202
199
SANDVIK Leiff Showcasing Shinto The Reinvention of Shinto as an Ecological Religion Masterrsquos Degree
Thesis in History of Religion submitted to the Department of Culture Studies and Oriental Languages of the
University of Oslo supervised by Prof Nora Stene Preston and Prof Dr Mark Teuween 2011 200
AMA Toshimaro ldquo日本の rsquo疑似伝統 rsquordquo (ldquoDistortion of Japanese Traditionrdquo) Meiji Gakuin review
International amp regional studies nordm 8 1991 pp 1-22 201
ITŌ Nobuhiro ldquo穢れと結界に関する一考察 lsquoケガレrsquoとrsquoケrsquordquo (An analysis concerning kegare and
barriers ldquokegarerdquo and ldquokerdquo) Studies in language and culture (言語文化論集) nordm 24 (1) 2002 pp 3-22 202
KURANO K ldquo 上 卷 并 序 rdquo (Prefaacutecio para o Capiacutetulo Superior) 古 事 記 (Kojiki) (on line)
lthttpwww004uppso-netnejpdassai1kojiki_kamiframekojiki_kami_framehtmgt (consultado em 24-06-
2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 71
Com efeito a relaccedilatildeo shi ndash kegare ndash fujō repercute-se no Nihon shoki [穢] marca
presenccedila nas falas de Izanagi primeiro como adjetivo qualificativo de um ldquolugar horrendo e
sujordquo (inashikomeki kitanaki tokoro 不須也凶目汚穢之處) que eacute identificado com o Yomi-
no-kuni o mundo dos mortos Seguidamente o kanji precede o de [濁] ou nigoru (ldquoturvordquo)
base dos nigorasu nigoraseru e um sinoacutenimo de yogoreru (ldquosujar-serdquo) descreve-se deste
modo o corpo fisicamente ldquosujordquo de Izanagi-no-mikoto que precisa de ser lavado (mi no
kegawashikimono wo arai saran 身の濁穢 を滌い去らん) 203
A associaccedilatildeo entre a morte e a Desordem estende-se para laacute dos episoacutedios de cariz
mitoloacutegico o registo da regente imperial Kōgyoku nota que no seguimento da morte (em
territoacuterio japonecircs) de um filho do diplomata do reino coreano de Paekche nenhum dos
membros da famiacutelia se dignou a aparecer no seu funeral temendo-se uma possiacutevel
contaminaccedilatildeo Apesar de esta atitude de evitaccedilatildeo natildeo ser japonesa a popularidade de obras
chinesas que descreviam as cerimoacutenias e os ritos funeraacuterios (envergamento de branco cor do
luto) contribuiria para a fundamentaccedilatildeo de uma tradiccedilatildeo de evitaccedilatildeo de shie a vaacuterios niacuteveis
comeccedilando com definiccedilotildees do enterro a interdiccedilatildeo da cerimoacutenia mogari e outros costumes
que envolviam a morte (corte de cabelo para o bem dos mortos) 204
Por volta do Periacuteodo Heian jaacute era ldquooficialrdquo a abominaccedilatildeo dos membros da corte em
relaccedilatildeo a kegare o Kōnishiki (弘仁式) do Saigūki o Jingiryō e eacute claro o Engishiki definem
kegare como um conjunto de atos a evitar por parte dos indiviacuteduos no seacutetimo volume do
Saigūki nascimento e morte de pessoas e animais domeacutesticos o consumo de carne destes
uacuteltimos fazer luto e visitar doentes implicava um periacuteodo de ldquoevitaccedilatildeordquo ritual de trinta dias
(morte humana) sete dias (nascimento humano) cinco dias (morte animal) e trecircs dias
(consume de carne luto e visita de doentes) 205
No que concerne ao Jingiryō segundo as aliacuteneas dedicadas agrave ldquoabstinecircnciardquo (散斎条)
enterrar coisas em casa luto visita de doentes consumo de carne natildeo produccedilatildeo de muacutesica
entre outros atos de caraacutecter legal (ldquonatildeo julgar em tribunais natildeo punir culpadosrdquo) justificam
este ritual de reposiccedilatildeo da Ordem cuja duraccedilatildeo depende da dimensatildeo dos ritos em questatildeo
203
SAKAMOTO Trdquo一書第六 原文rdquo (Sexto livro Texto Original) 日本書紀 卷第一 第五段 (Nihon
shoki Primeiro Capiacutetulo Quinta Secccedilatildeo) (on line) lthttpwww004uppso-
netnejpdassai1shokiframe0105_06frhtmgt (consultado em 24-06-2018) 204
ITŌ Nobuhiro ldquo穢れと結界に関する一考察 lsquoケガレrsquoとrsquoケrsquordquo (An analysis concerning kegare and
barriers ldquokegarerdquo and ldquokerdquo) Studies in language and culture (言語文化論集) nordm 24 (1) 2002 pp 3-22 205
IDE Maya USHIYAMA Yoshiyuki ldquo古代日本における穢れ観念の形成rdquo (Formation of Attitudes
Toward Pollution [kegare] in Ancient Japan) Shinshu University Journal of Educational Research and Practice
(信州大学教育学部研究論集) nordm 9 2016 pp 81-93
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 72
(inspirado nos coacutedigos da dinastia Tang) ldquograndes ritosrdquo soacute se realizavam apoacutes um periacuteodo de
ldquoabstenccedilatildeordquo mensal (1ヶ月の斎を大祀) trecircs dias no caso dos ldquoritos meacutediosrdquo (3日の斎を
中祀) e um dia para os ldquoritos pequenosrdquo (1日の斎を小祀) 206
Agrave semelhanccedila de Jingiryō e do Saigūki o Engishiki repercute a tendecircncia de
ldquoevitaccedilatildeordquo como o uacutenico modo de se precaver contra os perigos de kegare formalmente
designando esta de shokue Mencionada sobretudo no terceiro volume concretamente nas
aliacuteneas 47 48 53 e 54 shokue deve ser eliminado consoante as especificaccedilotildees presentes no
Saigūki na segunda aliacutenea os atos de luto (弔喪) visitar doentes e ldquoalcanccedilar um lugar onde
um montemontanha estaacute a ser construiacutedo ou encontrar um serviccedilo memorial Budista de 37
diasrdquo inviabiliza a entrada do indiviacuteduo no ldquoPalaacutecio Imperial nesse diardquo independentemente
de o proacuteprio natildeo estar contaminado (Anexo I) Na terceira aliacutenea afirma-se que shokue pode
ser transmitido de um local para uma pessoa ou um grupo apesar de natildeo haver risco de
kegare para as pessoas em contacto com uma segunda pessoa ldquocontaminadardquo Jaacute na uacuteltima
aliacutenea a presenccedila de kegare num ldquooficial do Palaacuteciordquo natildeo pode comprometer os
procedimentos dos matsuri 207
O aprofundamento do estudo do conceito de kegare tambeacutem facultou o
desenvolvimento de toda uma perspetiva japonesa na qual objetos locais accedilotildees e ateacute mesmo
palavras satildeo rapidamente integradas no quadro cerimonial shintō embora como distintos
entraves a este uacuteltimo Ora apesar de imi natildeo lhe ser inato (a shintō) e jaacute ter existido de forma
latente na sociedade arcaica foi graccedilas ao processo de edificaccedilatildeo desta Via por parte da corte
que imi ndash geralmente entendido num sentido muito negativo ndash gradualmente conjugaria
ambos aspeto de causa e efeito da Desordem e da Ordem evidenciada pela dicotomia imi (忌)
e imi (斎) dois kanji homoacutefonos de significado antiteacutetico que constituem uma seacuterie de
vocaacutebulos e expressotildees geralmente conotadas com o negativo e o positivo respetivamente
No caso do primeiro imi este eacute alternadamente lido como imu e ki (foneacutetica chinesa)
marcando presenccedila nas palavras imawashii (忌まわしい) um adjetivo traduzido como ldquomau
pressaacutegiordquo 208
o nome kinki ( 禁忌) accedilatildeo interdita em meios sociais (ldquofrases proibidasrdquo
206
IGARI Hiromi ldquo第六 神祇令 全 20 条rdquo (Sexto [Volume] Jingiryō todas as 20 aliacuteneas) 現代語訳「養老 令 」 全 三 十 編 (Traduccedilatildeo moderna Yōrō-ryō todos os 30 volumes) (on-line)
lthttpwwwsoldtinejphiromikanseiyoro06htmlgt (consultado em 24-06-2018) 207
FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第三 神祇三 臨時祭rdquo (Terceiro Livro Jingi Trecircs Matsuri de
Ocasiotildees Extraordinaacuterias) 延 喜 式 (Engishiki) (on-line)
lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi03htmgt (consultado em 24-06-2018) 208
NISHIGAKI Yukio op cit p90
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 73
denominam-se kinku 禁句) expressa numa atitude de afastamento e natildeo contacto com certas
coisas - uma vez que ldquoquebrar o tabu convidaria desgraccedilas tais como feridas e doenccedilasrdquo 209
e
as imikotoba (忌詞) cuja pronunciaccedilatildeo atrai ldquomaacute-sorterdquo ldquodesastresrdquo e ldquodesgraccedilasrdquo 210
Englobando dezenas de verbos adjetivos e outros vocaacutebulos do dia-a-dia imikotoba
natildeo devem ser proferidas em casamentos e noivados (acabar ndash owaru cortarcortar-se ndash
kirukireru) admissotildees escolares e empresariais e sucesso no trabalho (desistirparar ndash yameru
interrupccedilatildeo ndash chūshi) abertura de lojas e negoacutecios (fechar ndash tojiru perder ndash makeru) gravidez
e parto (cair ndash ochiru jazer ndash horobiru fraco ndash yowai murchar ndash kareru) construccedilatildeo de casas
(fogo - hika fumo ndash kemuri) e ainda expressotildees de longevidade 211
Por conseguinte imi (忌) eacute integrado na terminologia fuacutenebre japonesa kichū (忌中)
e kiake (忌明け) expressam o periacuteodo preacute-definido e o fim de [忌] cujo objetivo eacute fazer com
que o indiviacuteduo receie a morte e tudo que esteja relacionado com esta justificando uma
conduta mais cuidada moderada e austera Neste sentido o familiar do falecido refreia-se de
praticar os atos de veneraccedilatildeo em jinja sendo-lhe interdita a entrada na aacuterea destes uacuteltimos e a
sua participaccedilatildeo em matsuri ocasiotildees festivas (casamentos e outras cerimoacutenias viagens
luacutedicas) eventos de celebraccedilatildeo (adiados ateacute kiake) renovaccedilatildeo da casa solo e compras de
grande porte Para o efeito o indiviacuteduo pode escolher sujeitar a casa a uma purificaccedilatildeo
domeacutestica denominada kiake harai (忌明け祓い) cinquenta dias apoacutes a morte do falecido
De caraacutecter muito simples esta praacutetica envolve a entoaccedilatildeo de uma inori por parte de um
ldquoprofissionalrdquo 212
209
Iwai Hiroshi acrescenta que este kinki se relaciona com abstinecircncia do indiviacuteduo (monoimi) sendo que no
caso dos que executam os ritos kami procurava-se manter ldquoum estado de pureza fiacutesica e mentalrdquo evitando
contactar coisas poluiacutedas por um periacuteodo especiacutefico No caso da morte de um parente as pessoas de luto nunca
podem sair agrave rua IWAI Hiroshi ldquoKinkirdquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and Doctrines Basic Terms (on
line) httpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23410gt (consultado em 24-06-
2018) 210
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 171-172
211 Muitas destas palavras foram escolhidas pelo seu significado negativo e ldquopessimistardquo por exemplo ldquopartirrdquo
(saruwareru) e ldquocortar (kiru) podem indicar um eufemismo para morte acrescentando-se o nuacutemero quatro (shi)
que eacute homoacutefono da palavra ldquomorterdquo (shi) Fumitei お祝いには避けたい 忌み言葉 (Querer evitar em
celebraccedilotildees as imikotoba) (on line) lthttpwwwfumiteijpstep3imi_kotobahtml04syussangt (consultado em
24-06-2018) 212
Imi varia consoante o membro da famiacutelia em questatildeo e geralmente eacute feito em simultacircneo com fuku (服) se
bem que este uacuteltimo associa-se ao esforccedilo mental do indiviacuteduo que procura ultrapassar a sensaccedilatildeo de perda e
regressar agrave sua vida normal algo que pode estender-se ateacute seis meses Hyōgo-ken Jinja-chō 先祖のおまつり
(Celebraccedilatildeo dos antepassados) (on line) lthttpwwwhyogo-jinjachocomfaqfaq08htmlgt (consultado em 24-
06-2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 74
Como se pode constatar a maioria das palavras derivadas de [忌] natildeo possuem um
significado positivo (exceccedilatildeo de kiake e kiake harai) o que eacute concordante com a tradiccedilatildeo de
lsquoimi= malrsquo ilustrada na literatura de corte dos Periacuteodos Nara-Heian (manuais e outros textos
rituais) assemelhando-se aos termos kegare e tsumi
No entanto deve-se ter sempre em consideraccedilatildeo a natureza ambiacutegua deste termo
Nishigaki Yukio (2005) define imu (忌斎) como lsquocoisas sagradasrsquo (shinsei na mono 神聖な
もの) morte e coisas sujas que as pessoas do Japatildeo antigo pensavam que natildeo se podiam tocar
devido ao facto de possuir um poder forterdquo 213
capaz de influenciar positiva e negativamente o
indiviacuteduo ecoando a interpretaccedilatildeo sugerida por Okada Shigekyo (1982) na sua pesquisa
acerca do significado dual de imi o autor menciona o facto da palavra imu (斎) ser usada para
qualificar ldquocoisas purasrdquo (seijōshōjō na mono 清浄な物) e indicar assuntos de kami que
envolviam uma ldquoabstinecircncia optimistardquo contrastando com imu (忌) que denotava ldquocoisas
impurasrdquo (fujō na mono 不浄な物) relacionando-se com os afazeres de kami e puacuteblicos
(negativos por natureza) que obrigavam a uma atitude automaacutetica de afastamento 214
como
meio de repor a Ordem
A ideia de um imi positivo e um imi negativo tambeacutem eacute partilhada por Ama
Toshimaro (1991) embora nos dias de hoje ldquoimirdquo (イミ) tenha adquirido o significado de
[忌] [禁忌] e [禁制 concordante com uma atitude de evitaccedilatildeo na liacutengua japonesa imi possui
um outro significado se for escrito com o kanji [斎] passando a ler-se imi (斎み) termo que
indica a palavra seishin kessai (精神潔斎)rdquo ndash literalmente kessai mental entendida no sentido
de ldquoabstinecircncia positiva do corpordquo (sekkyokuteki ni mi wo tsutsushimi積極的に身を慎み) ndash
e consequentemente ldquoaponta o ato de o proacuteprio decidir entrar no mundo sagrado dos kamirdquo
Por outras palavras se [忌み] indicar sobretudo um princiacutepio comportamental negativo pode-
se dizer que [斎み] eacute um princiacutepio comportamental positivo concentrado na ldquodiscriccedilatildeordquo 215
No Nihon shoki a divisatildeo natildeo eacute sempre clara imi (忌) eacute usado na palavra ōmimi (所
忌 ) alimentos proibidos de consumo por parte do imperador evidenciando a noccedilatildeo de
213
NISHIGAKI Yukio op cit p90 214
IDE Maya USHIYAMA Yoshiyuki ldquo古代日本における穢れ観念の形成rdquo (Formation of Attitudes
Toward Pollution [kegare] in Ancient Japan) Shinshu University Journal of Educational Research and Practice
(信州大学教育学部研究論集) nordm 9 2016 pp 81-93 215
AMA Toshimaro ldquo日本の rsquo疑似伝統 rsquordquo (ldquoDistortion of Japanese Traditionrdquo) Meiji Gakuin review
International amp regional studies nordm 8 1991 pp 1-22
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 75
ldquoabstinecircnciardquo e tambeacutem o estatuto especial do soberano japonecircs uma vez que todos os sais
satildeo-lhe proibidos excepto um sal especiacutefico 216
Contudo caso a situaccedilatildeo descrita seja negativa abandona-se a conotaccedilatildeo positiva de
imi evidenciado por expressotildees cujo significado pode ser de facto considerado como algo de
caraacutecter ldquopessimistardquo a palavra [国忌齋] designando o periacuteodo de ldquoabstinecircnciardquo (忌斎)
vigente em todo o paiacutes (adiamento de qualquer tipo de rituais shintō e enfoque nos rituais
budistas dirigidos aos mortos) ordenado primeiramente por Jitō e que duraria uma semana 217
e eacute claro o ldquodia de imirdquo (imibi忌日) indicando especificamente a data da morte do imperador
(dia 16 do segundo mecircs do segundo ano de Jitō) 218
Jaacute no Nihon Sandai Jitsuroku imibi eacute
formalmente explicado nos anos de 859 (o imibi de uma Imperatriz e natildeo do Imperador) 868
(Imperador Montoku decorrido anualmente no oitavo mecircs) e ano 886 (imibi do Imperador
Ninmyō vigeacutesimo primeiro dia do terceiro mecircs constatando-se a anual leitura de sutras no
tempo Unrin-in (雲林院) 219
Por outro lado a conotaccedilatildeo negativa de [忌] natildeo eacute muito visiacutevel no Kōtai Jingū
Gishiki-chō uma vez que eacute a presenccedila do kanji [忌] nas palavras [忌柱] [忌鍬] e [忌種] que
as reveste de uma natureza sagrada proacutepria de oferendas consagradas nos ritos aos kami uma
forma de culto que se estenderia ao proacuteprio Imperador realizando-se cerimoacutenias que
envolviam a preparaccedilatildeo de alimentos (arroz sobretudo) Submetidos a um processo de
abstinecircncia pelo fogo (imibi忌火) este arroz designar-se-ia oficialmente [忌火御飯] sendo
servido no primeiro dia do sexto mecircs 220
No que diz respeito ao Engishiki segue-se esta tendecircncia na qual o kanji pode
expressar coisas positivas (exceccedilatildeo de imikotoba) de entre as quais imibi presente no Niwabi-
216
Nihonsinwa ldquo大伴金村による真鳥の誅殺と塩の呪いrdquo (A execuccedilatildeo criminal de Matori e a maldiccedilatildeo do
sal devido a Ōtomo-no-kanemura) 武烈天皇(八)日本書紀 (Imperador Buretsu 8 Nihon shoki) (on line)
lthttpnihonsinwacompage1537htmlgt (consultado em 24-06-2018) 217
Sekai Daihyakka Jiten Dai 2 Han (Grande Enciclopeacutedia do Mundo Segunda Ediccedilatildeo) ldquo国忌rdquo (Kokki) コト
バンク (Kotobank ) (on line) lthttpskotobankjpwordE59BBDE5BF8C-498821gt (consultado
em 24-06-2018) 218
SAKAMOTO T 日本書紀 国史大系版 (Nihon shoki Ediccedilatildeo do Compecircndio da Histoacuteria Nacional) (on
line) lthttpwwwj-textscomjodaishokiallhtmlgt (consultado em 24-06-2018) 219
SAEKI A 日本三代實録 全巻朝日新聞本 (Nihon Sandai Jitsuroku Volume Completo Versatildeo de do
Jornal Asahi) (on line) lthttpwwwj-textscomchukosandaihtmlgt (consultado em 24-06-2018) 220
ITŌ Nobuhiro ldquo穢れと結界に関する一考察 lsquoケガレrsquoとrsquoケrsquordquo (An analysis concerning kegare and
barriers ldquokegarerdquo and ldquokerdquo) Studies in language and culture (言語文化論集) nordm 24 (1) 2002 pp 3-22
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 76
matsuri (庭火祭) e Niinamesai (新嘗祭) celebrados no deacutecimo segundo mecircs e deacutecimo
primeiro respetivamente 221
Se na perspetiva anterior ao Periacuteodo Nara defendia-se o significado sagrado da
palavra imi no periacuteodo de expansatildeo das culturas Nara e Heian constata-se o oposto a
interaccedilatildeo entre shintō e outras Vias urge uma necessidade de divisatildeo entre coisas maacutes e coisas
boas rotulando-se deste modo a tradiccedilatildeo de ritos fuacutenebres imperiais como ldquoritos malignosrdquo
(kyōrei 凶礼) o ldquomalignordquo eacute o representante de algo contraacuterio agrave Ordem que se distingue de
outros ritos imperiais e dos matsuri nacionais interpretados como ldquocomportamento benignordquo
(yoshimichi吉義) e portanto de impacto positivo 222
Consequentemente a influecircncia de imi na sociedade japonesa estender-se-ia ao
domiacutenio do discurso tornando as imikotoba palavras ldquonegativasrdquo mas que natildeo deixam de ser
sagradas no sentido de a sua pronunciaccedilatildeo transportar consigo um poder inexplicaacutevel e natildeo
fiacutesico 223
Uma vez que a ideia japonesa de ldquosagradordquo natildeo faz a distinccedilatildeo entre coisas
boasmaacutes inexplicaacuteveis por meios convencionais eacute possiacutevel afirmar que esta
consciencializaccedilatildeo da existecircncia de palavras perigosas no discurso contemporacircneo reflete o
lado mais prejudicial da tradiccedilatildeo japonesa de kotodama (言霊)
Associada a um domiacutenio natildeo tatildeo material mas mais subtil e espiritual kotodama eacute
uma palavra composta pelo kanji de ldquopalavrardquo (言) e o de ldquoespiacuteritordquo (tama eacute a leitura
alternativa do termo rei) e ldquorefere-se ao poder espiritual contido dentro de palavras mas
tambeacutem refere agrave concepccedilatildeo de que poder espiritual pode ser manifestado atraveacutes da entoaccedilatildeo
de palavrasrdquo 224
Neste sentido kotodama pode condicionar uma divisatildeo bipartida favoraacutevel ao
modelo ldquopensamento -palavra-accedilatildeordquo no qual o falante escolhe cuidadosamente o que quer
dizer atraindo coisas boasmaacutes para si e para os seus se norito satildeo boas para quem as entoa (e
para quem as escuta) as imikotoba (忌詞) ndash palavra composta pelo termo imi e o kanji lido
221
FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第二 神祇二 四時祭下rdquo (Segundo Livro Jingi Dois Matsuri das
Quatro Estaccedilotildees Parte Inferior) 延 喜 式 (Engishiki) (on-line)
lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi02htmgt (consultado em 24-06-2018) 222
AMA Toshimaro ldquo日本の rsquo疑似伝統 rsquordquo (ldquoDistortion of Japanese Traditionrdquo) Meiji Gakuin review
International amp regional studies nordm 8 1991 pp 1-22 223
WADA Atsumu ldquo特別寄稿 古代社会とケガレ意識rdquo (Contribuiccedilatildeo Especial Sociedade dos Tempos
Antigos e a consciencializaccedilatildeo de ldquoimpurezardquo) 奈良県立同和問題関係史料センター 研究紀要 (Centro
Prefeitoral de Nara para Registos Histoacutericos de Discriminaccedilatildeo Boletim de Investigaccedilatildeo) Nara-ken Ritsudō Wa
Mondai Kankei Shiryō Sentā Kenkyū kiyō) nordm 11 Dezembro 2007 pp 114-136 224
YONEI Teruyoshi ldquoKotodamardquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and Doctrines Basic Terms (on line)
lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23386gt (consultado em 24-06-
2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 77
como kotoba (詞) - provocam efetivamente a Desordem ao serem portadoras impliacutecitas de
ldquoimpurezardquo (kegare) a niacutevel discursivo devendo por isso sujeitar-se a uma peculiar
purificaccedilatildeo abstinecircncia vocabularverbal
Devidamente listadas nos coacutedigos e regulaccedilotildees cerimoniais de entatildeo as imikotoba
eram evitadas atraveacutes da sua substituiccedilatildeo por outros termos parecidos no Kōtai Jingū Gishiki-
chō ldquobater numa pessoardquo [人打] eacute substituiacutedo por atsu (奈津) naku (鳴) ndash homoacutefono do
verbo chorar (naku 泣く ) do qual derivam laacutegrimas ndash eacute trocado por shiotare (塩垂 )
significando literalmente rdquoderramar salrdquo [宍] ndash refere-se a carne de animais ndash eacute substituiacuteda
por [多気] nakago (中子) eacute usado em vez de butsu (仏) indicando o local de veneraccedilatildeo de
estaacutetuas budistas a palavra sutra (kei 経) eacute trocada pela expressatildeo arcaica [志目加彌]
traduzida como ldquosomekamisomegamirdquo literalmente ldquopapel pintadordquo ndash os primeiros dois kanji
indicariam uma leitura foneacutetica do verbo ldquopintarrdquo (someru) e os outros a palavra japonesa
para ldquopapelrdquo (kami紙) ndash uma vez que desde o Periacuteodo Nara que os rolos de pergaminho eram
pintados com a cor amarela algo que supostamente servia de estrateacutegia contra os insetos 225
Seguindo o meacutetodo de substituiccedilatildeo os vocaacutebulos ldquopagoderdquo (tō 塔) ldquomongerdquo (hōshi
法師) o ldquolaicordquo upāsaka (ubasoku 優婆塞) ldquotemplordquo (tera 寺) ldquoabstinecircncia de comidardquo
(toki斎食) ldquomorterdquo (shi 死) ldquocampardquo (hakaba 墓) e ldquodoenccedilardquo (yamai病) satildeo abandonados
em favor de kanji foneticamente lidos como verbos ou simples termos japoneses utiliza-se
ldquocabelo compridordquo (kaminaka髪長) para ldquomongerdquo uma expressatildeo que natildeo reflete a realidade
uma vez que uma das caracteriacutesticas visiacuteveis dos monges e monjas eacute o corte regular do
cabelo em vez de ldquomorterdquo recorre-se agrave expressatildeo naoru (奈保利物) significando o verbo
ldquocurarrdquo (naoru) isto eacute trazer de volta a ldquoforccedila vitalrdquo (生命) o nome nagusamenagusa (慰)
no sentido de ldquoacalmarrdquo eacute usado em vez de ldquodoenccedilardquo 226
Natildeo obstante algumas palavras substitutas satildeo escolhidas pela sua aproximaccedilatildeo agrave
respetiva imikotoba ldquopagoderdquo torna-se araraki (阿良々支) designando a planta ichii cuja
folha dividida lembra a beira do telhado de uma torre ubasoku eacute substituiacutedo por tsunohasu
225
WADA Atsumu ldquo特別寄稿 古代社会とケガレ意識rdquo (Contribuiccedilatildeo Especial Sociedade dos Tempos
Antigos e a consciencializaccedilatildeo de kegare) 奈良県立同和問題関係史料センター 研究紀要 (Centro
Prefeitoral de Nara para Registos Histoacutericos de Discriminaccedilatildeo Boletim de Investigaccedilatildeo) Nara-ken Ritsudō Wa
Mondai Kankei Shiryō Sentā Kenkyū kiyō) nordm 11 Dezembro 2007 pp 114-136 226 WADA Atsumu ldquo特別寄稿 古代社会とケガレ意識rdquo (Contribuiccedilatildeo Especial Sociedade dos Tempos
Antigos e a consciencializaccedilatildeo de kegare) 奈良県立同和問題関係史料センター 研究紀要 (Centro
Prefeitoral de Nara para Registos Histoacutericos de Discriminaccedilatildeo Boletim de Investigaccedilatildeo) Nara-ken Ritsudō Wa
Mondai Kankei Shiryō Sentā Kenkyū kiyō) nordm 11 Dezembro 2007 pp 114-136
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 78
(角波須) possivelmente uma referecircncia ao ldquochapeacuteurdquo usado pelos ldquoque acreditam em bukkyōrdquo
(bukkyō shinsha 仏教信者) ldquotemplordquo eacute um conhecido siacutembolo budista daiacute ser evitado no
discurso utilizando-se kawarafuki (瓦葺) katashiki (片食) equivale a toki Por uacuteltimo
ldquocampardquo um local conotado com kegare eacute pronunciado tsuchikure (土村) 226
No Engishiki imikotoba surge por duas vezes no quinto e sexto capiacutetulo o primeiro
grupo diz respeito agrave Saigū (斎宮) de Ise das quais as primeiras sete pertencem agrave linguagem
budista (内七言佛稱中子經稱染紙塔稱阿良良岐寺稱瓦葺僧稱髪長尼稱女髪
長齋稱片膳) outras sete estatildeo fora desta (外七言 死稱奈保留 病稱夜須 哭稱鹽垂 血
稱阿世 打稱撫 宍稱菌 墓稱壤) e as uacuteltimas duas correspondem aos termos tō e upāsaka
( 又別忌詞 堂稱香焼 優婆塞稱角筈) 227
Jaacute o segundo grupo (死稱直 病稱息 泣稱鹽垂
血稱汗 宍稱菌 打稱撫 墓稱壤) marca presenccedila no Saiinshi (齋院司) o Escritoacuterio ao qual
pertencia a Saiō (齋王) que serve o Kamo Jinja (outrora Kamo Daijin 賀茂大神) 228
Como se pode constatar estas duas listas foram sobretudo inspiradas pelas imikotoba
do Kōtai Jingū Gishiki-chō com a exceccedilatildeo de ldquohallrdquo (tō 堂) substituiacuteda por koritaki (香焼 )
- interpretado como o local onde se queima incenso - e do termo ldquomonjardquo (substituiacutedo pelo
feminino de kaminaga isto eacute mekaminaga女髮長)226 a grande diferenccedila entre os grupos de
imikotoba eacute nada mais do que o modo de escrita se as imikotoba da Saigū satildeo registadas num
japonecircs arcaico utilizando-se mais do que um kanji para se chegar ao som pretendido
imitando a linguagem do Kōtai Jingū Gishiki-chō as do Saiinshi sofreram uma simplificaccedilatildeo
utilizando-se somente um kanji ou no maacuteximo dois embora nunca alterando o significado
Tambeacutem conhecida pelos tiacutetulos de ldquoIse no saiō sainaishinnō itsuki no miya termos
que denotam uma princesa abstinente ou consagrada (hellip) escolhida entre as filhas e irmatildes de
um tennōrdquo (natildeo necessariamente o atual Imperador) a Saigū dedicava a sua vida a servir os
kami consagrados ao Ise Jingū e como tal submetia-se a trecircs anos de preparaccedilatildeo ou seja um
periacuteodo de preservaccedilatildeo de uma vida frugal e moderada Chegando a Ise no ldquonono mecircs do
terceiro ano das suas preparaccedilotildeesrdquo esta jovem visitaria o Ise jingū onde consagraria um ramo
de tamagushi ao Naikū e ao Gekū Tal ritual soacute se justificava trecircs vezes por ano durante o
bianual Tsukinamisai e Kannamesai sendo que o nono mecircs era ldquodeclarado um tempo de
227
FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第五 神祇五 齋宮寮rdquo (Quinto Livro Jingi Cinco Saigū-ryō) 延喜式 (Engishiki) (on-line) lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi05htmgt (consultado em
24-06-2018) 228
FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第六 神祇六 齋院司rdquo (Sexto Livro Jingi Seis Saiinshi) 延喜式
(Engishiki) lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi06htmgt (consultado em 24-06-2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 79
abstinecircncia geral no domiacutenio restriccedilotildees eram impostas em funerais e outras atividades
inauspiciosasrdquo 229
Uma das figuras mais elevadas na hierarquia de Ise a Saigū assume os deveres de
ldquosumo-sacerdotisardquo dos cultos em Ise e representa a perspetiva japonesa de pureza uma vez
que toda a sua vida era regulada em funccedilatildeo da manutenccedilatildeo deste estado interiorexterior de
pureza sendo forccedilada a retirar-se destes deveres para com os kami aquando da entronizaccedilatildeo
de um novo soberano apesar de natildeo se excluir uma reforma antecipada ldquodevido a morte na
sua famiacutelia sauacutede pobre ou acidentesrdquo 229
evidenciando a preocupaccedilatildeo para com
acontecimentos negativos que suscitam Desordem e uma resposta imediata de reposiccedilatildeo da
Ordem
24 O bem como agente da Ordem rituais de purificaccedilatildeo interna e externa
Na cultura japonesa a palavra ldquopurordquo deteacutem um lugar especial que natildeo pode ser
incluiacutedo junto de uma perspetiva preacute-formatada de lsquoreligiatildeorsquo a noccedilatildeo de pureza estaacute
efetivamente consciencializado no cidadatildeo japonecircs comum integrando uma das partes deste
ciclo de Desordem e Ordem se tsumi kegare e imi satildeo causa e efeito (por vezes simultacircneo)
da Desordem a sua antiacutetese apoia-se principalmente na reordenaccedilatildeo e equiliacutebrio conseguido
atraveacutes da purificaccedilatildeo processo que se pode aplicar a um objeto um espaccedilo ou um corpo vivo
algo que shintō vecirc como prioridade a niacutevel teoacuterico e praacutetico afetando de forma positiva o
indiviacuteduo e o coletivo
Neste sentido purificaccedilatildeo interna e externa eacute a essecircncia dos rituais favoraacuteveis agrave
Ordem e relaciona-se com vaacuterias expressotildees itsuku - itsu significa ldquoclaro e purordquo (segundo
Motoori Norinaga) e define o ato de ldquoservir e executar ritos para os kami apoacutes a purificaccedilatildeo
do corpo e da mente da eliminaccedilatildeo de kegarerdquo aludindo a uma ldquocondiccedilatildeo de pureza onde tudo
que eacute negativo e poluente foi eliminadordquo 230
shizume (鎮静) traduzido como ldquopacificaccedilatildeordquo
no qual se apazigua (osameru 治める) o solo (jichin 地鎮) o fogo (chinka 鎮火) e as
tamashii (chinkontama shizume 鎮魂魂鎮) procurando-se conduzir coisas a um estado
229
NAMIKI Kazuo ldquoSaigūrdquo Encyclopedia of Shinto 3 Institutions and Administrative Practices Ancient (on
line) lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23475gt (consultado em 24-
06-2018) 230
NISHIOKA Kazuhiko ldquoItsukurdquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and Doctrines Basic Terms (on line)
lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23387gt (consultado em 24-06-
2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 80
ameno normalizado um processo constatado tanto em rituais executados por profissionais e
praticantes de kyōha shintō como nos matsuri de caraacutecter imperial
No contexto de jichinsai (地鎮祭) - matsuri realizado ldquodiariamente para novos
projetos novas casas novas construccedilotildees na estrada ou construccedilatildeo de qualquer tipordquo - a
ldquopacificaccedilatildeordquo eacute a meta a atingir Primeiro o shinkan presta serviccedilos agrave comunidade
deslocando-se do seu jinja para o local em questatildeo Apoacutes o estabelecimento de um himorogi
delimitado pela shimenawa o shinkan procede a oharai o ato simboacutelico de abanar ldquoa harai-
gushi sobre a aacutereaa pessoa a ser purificadardquo (Anexo II) - apaziguando os kami locais e
protegendo o espaccedilo de influecircncias negativas que recairiam sobre os envolvidos no projeto 231
Em contrapartida chinka era caraterizado como um rito imperial da responsabilidade
do ldquoclatilderdquo Urabe durante o bianual Chinkasai procurando a prevenccedilatildeo de fogos ldquodentro do
palaacutecio imperial e em outras instituiccedilotildees estatais mais do que fogos no geralrdquo 232
se bem que
em Ontake-kyō esta pacificaccedilatildeo tinha como objetivo a ldquopurificaccedilatildeo do crente apoacutes um
elemento quente ter sido suprimidordquo 233
tornando o fogo um agente purificador
Por uacuteltimo os ritos chinkon satildeo dedicados aos vivos e aos mortos se nos dias de hoje
o termo designa o momento de reflexatildeo em silecircncio dentro das imediaccedilotildees do jinja apoacutes
misogi e antes da fase de naorai (直会) isto eacute o momento de completa harmonizaccedilatildeo entre o
indiviacuteduo e o kami (consumo de sake em copos de madeira de cipreste) 234
chinkon era um
meio de defesa contra as tatari (desastres naturais epidemias e mortes suacutebitas) lanccediladas por
onryō de cortesatildeos e poliacuteticos eventualmente venerados como kami 235
Por outro lado o
chinkon do Chinkonsai (realizado na veacutespera do Niinamesai ou do Daijōsai) era uma praacutetica
dedicada aos vivos na qual o Imperador procurava a restauraccedilatildeo da sua sauacutede ldquopuxandordquo de
volta a mitama que estava em risco de sair do corpo 236
Natildeo obstante outros termos devem ser considerados haraiharae eacute na linguagem
shintō o meio mais eficaz de eliminaccedilatildeo de tsumi e kegare Agrave semelhanccedila das palavras
231
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit p 172
232 NAMIKI Kazuo ldquoChinkasai (hiho shizume no matsuri)rdquo Encyclopedia of Shinto 5 Rites and Festivals
State Rites (on line) lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23099gt
(consultado em 24-06-2018) 233
Segundo Picken apoacutes a chinka shiki (鎮火式) cerimoacutenia na qual o praticante caminha sobre brasas este
uacuteltimo executaria a kugatachi shiki um ritual no qual o corpo deste uacuteltimo eacute salpicado com aacutegua a ferver
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit p 133
234 PICKEN Stuart op cit p179
235 PICKEN Stuart op cit p18
236 NAMIKI Kazuo ldquoChinkon-sairdquo Encyclopedia of Shinto 5 Rites and Festivals State Rites (on line)
lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23100gt (consultado em 24-06-
2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 81
ldquopurezardquo ldquosinceridaderdquo ou ainda ldquoharmoniardquo (chōwa 調和) que se aproxima da ideia de
ldquocompletude e todo e eacute tambeacutem um ideal social natildeo apenas um estado de assunto dentro das
relaccedilotildees humanasrdquo 237
haraiharae atinge o exterior e o interior do indiviacuteduo
Ora apesar de hoje se escreverem com o mesmo kanji [祓] harai e harae eram atos
diferentes harai seria uma ldquopurificaccedilatildeo ativardquo - eacute o proacuteprio sujeito que escolhe
conscientemente executar a ldquopurificaccedilatildeordquo como se constata no episoacutedio de Izanagi ndash e harae
derivaria de harawase descrevendo uma ldquopurificaccedilatildeo passivardquo na qual o sujeito ldquoreceberdquo
harae de boa vontade por parte dos responsaacuteveis pelo jinja algo jaacute aludido em certos termos
como haraetsumono (祓具) 238
Alternadamente escritos como [祓物] haraetsumono designa
as ldquooferendas de purificaccedilatildeordquo lanccediladas agrave aacutegua como parte da ceacutelebre Ōharae cujos efeitos
atingem toda a populaccedilatildeo japonesa tornando - a ldquopurardquo a niacutevel natildeo apenas fiacutesico Aliaacutes
Ōharae (大祓) partilha desta aceccedilatildeo uma vez que o objetivo inicial era ldquopurificarrdquo todos os
funcionaacuterios da corte justificando a sua categorizaccedilatildeo como uma cerimoacutenia tutelada pelo
palaacutecio imperial 239
Preservada ao longo dos seacuteculos Ōharae eacute praticada com ecircnfase pela maioria dos
jinja e popularmente designada de Nagoshi no harae (夏越の祓) ndash final de Junho - e
Toshikoshi no harae (年越の祓) ndash final de Dezembro Mencionada no Nihon shoki como
recurso para afastar a ldquoinfluecircncia maligna de um cometardquo este matsuri seria elevado agrave
categoria de ldquocerimoacutenia nacionalrdquo obrigatoacuteria para os jinja do Periacuteodo Meiji e para o efeito
exigia-se um preliminar ritual de purificaccedilatildeo no Sumiyoshi jinja de Toacutequio os participantes
receberiam aiacute o kata-shiro (形代) No dia em questatildeo o ldquomestre dos ritosrdquo daria iniacutecio agrave
cerimoacutenia atraveacutes da invocaccedilatildeo dos kami ao himorogi proferindo uma inori no iniacutecio e no fim
Jaacute a ceacutelebre norito denominada Ōbarae kotoba (大祓詞) seria recitada pelo Norito-shi (祝詞
師 ) apoacutes este explicar o propoacutesito de Ōharae aos presentes Consequentemente seriam
eliminadas da populaccedilatildeo todas as coisas conducentes agrave desordem eacutetica garantindo-se ldquopaz
proteccedilatildeo e felicidaderdquo 240
237
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp xxv-xxvi
238 MOTOORI N ldquo6-2 神代四之巻rdquo (御身滌の段) (6-2 Kami-yo Livro Quatro- A secccedilatildeo de misosogi)
古事記傳 (Kojikiden) (on line) lthttpkumoi1webfc2comCCP071htmlgt (consultado em 24-06-2018) 239
FLORENZ Karl ldquoAncient Japanese Rituals Part IVrdquo Transactions of the Asiatic Society of Japan nordm 27
1899 pp 1ndash112 240
FLORENZ Karl ldquoAncient Japanese Rituals Part IVrdquo Transactions of the Asiatic Society of Japan nordm 27
1899 pp 1ndash112
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 82
Segundo o Jingiryō do Yōrō-ryō Ōharae contava com a presenccedila de certos clatildes os
Nakatomi responsabilizavam-se por entoar a norito e consagrar as ldquooferendasrdquo (oonusa 御祓
麻) os Fumitobe das proviacutencias de Este e Oeste (東西の文部) consagravam espadas proacuteprias
para a ocasiatildeo isto eacute as harae no tachi (祓の刀 ) e os Urabe removeriam quaisquer
influecircncias negativas Ora a realizaccedilatildeo de Ōharae eacute na praacutetica um esforccedilo coletivo se todas
as unidades administrativas (郡) contribuiacuteam com ferramentas peles espadas e outras coisas
todas as casas (戸) deviam preparar cacircnhamo (麻) 241
No Engishiki a cerimoacutenia eacute antecedida pela preparaccedilatildeo de ofertas - armas revestidas
de metais preciosos vaacuterios tipos de tecido colorido (seda algodatildeo) cacircnhamo flechas arroz
cavalos madeira de carvalho Seguidamente os Urabe entoariam norito 242
funccedilatildeo
posteriormente delegada ao liacuteder dos Nakatomi (Ōnakatomi) cuja versatildeo da norito Nakatomi
Harae (中臣祓) ainda hoje eacute o modelo de norito e uma referecircncia para os jinja de hoje 243
Por conseguinte no seacutetimo volume exclusivamente dedicado ao matsuri que
comemora a acessatildeo ao trono do novo Imperador (Senso Daijōsai踐祚大嘗祭) Ōharae faz
parte da miriacuteade de praacuteticas efetuadas antes e durante o trigeacutesimo dia do deacutecimo mecircs do
calendaacuterio lunar geralmente entre o seacutetimo mecircs ndash o mecircs da acessatildeo ao trono do Imperador
como consequecircncia da abdicaccedilatildeo do seu antecessor se bem que no caso do oitavo mecircs a
cerimoacutenia seria adiada para o ano ndash e o deacutecimo mecircs 244
Apoacutes o envio dos ldquoMensageiros
Imperiais para Ōharaerdquo escolhidos por ldquoadivinhaccedilatildeordquo (boku卜) no oitavo mecircs era obrigatoacuterio
executar uma purificaccedilatildeo no uacuteltimo dia do mecircs (tal como a descrita no primeiro volume do
Engishiki) seguida do envio de dois Urabe agraves proviacutencias que executariam Ōharae
preparando-se as devidas oferendas (um cavalo uma flecha uma grande katana algodatildeo
peixe sake) 245
Uma complexa cerimoacutenia de caraacutecter imperial na qual canto e danccedila consumo de
comida e sake eram recebidos com entusiasmo o Daijōsai era um esforccedilo coletivo de
241
IGARI Hiromi ldquo第六 神祇令 全 20 条rdquo (Sexto [Volume] Jingiryō todas as 20 aliacuteneas) 現代語訳「養老 令 」 全 三 十 編 (Traduccedilatildeo moderna Yōrō-ryō todos os 30 volumes) (on-line)
lthttpwwwsoldtinejphiromikanseiyoro06htmlgt (consultado em 24-06-2018) 242
FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第一 神祇一 四時祭上rdquo (Primeiro Livro Jingi Um Matsuri das
Quatro Estaccedilotildees Parte Superior) 延 喜 式 (Engishiki) (on-line)
lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi01htm (consultado em 24-06-2018) 243
PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit p80
244 PICKEN Stuart op cit pp 62-72
245 FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第七 神祇七 踐祚大嘗祭rdquo (Seacutetimo Livro Jingi Sete Daijōsai)
延喜式 (on-line) lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi07htmgt (consultado em 24-06-
2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 83
membros da corte funcionaacuterios do Jingikan e do Jingiryō os Nakatomi entoavam as norito e
guiavam os ldquoadivinhosrdquo ao Ministeacuterio da Casa Imperial bem como os ldquogovernadores da
proviacutencia yuki e os vaacuterios funcionaacuteriosrdquo partilhando este uacuteltimo dever com os Urabe os
membros do Departamento de Carpintaria ldquoconstroem o principal santuaacuteriordquo os Inbe
apresentavam o ldquoespelho sagrado e a espada sagradardquo Findadas as festividades qualquer
vestiacutegio do matsuri seria prontamente destruiacutedo e praticar-se-ia uma uacuteltima ldquocerimoacutenia de
purificaccedilatildeordquo no uacuteltimo dia do mecircs esta uacuteltima conforme a bianual Ōharae 245
Apesar de a sua dimensatildeo ser diferente do harai habitual a meta de Ōharae parece
ser a de qualquer ritual positivo em shintō o estado de ldquoharmoniardquo refletindo a relaccedilatildeo iacutentima
entre a sociedade japonesa e a envolvente natureza fortalece-se deste modo a ldquonecessidade
de retificar desequiliacutebrios entre natureza humanos e divindadesrdquo 246
atraveacutes de uma atitude de
esforccedilo individual natildeo desassociada da preparaccedilatildeo interna e externa
Conotado com ldquoabstinecircnciardquo esta atitude implica disciplina na forma de um conjunto
de regras de conduta a adotar preacute-veneraccedilatildeo aos kami algo retido por qualquer praticante de
shintō nos dias de hoje com efeito qualquer matsuri eacute precedido por um periacuteodo temporaacuterio
de ldquoevitaccedilotildeesrdquo denominadas saikai (斎戒) ndash o termo eacute etimologicamente constituiacutedo pelos
kanji [斎] e [戒] do qual deriva o verbo imashimeru traduzido por ldquobanirrdquo ldquorestringirrdquo ndash nas
quais os responsaacuteveis por conduzir os rituais se banhavam (kessai 潔斎) mudavam de roupas
e consumiam certos alimentos claramente evidenciando a sua preocupaccedilatildeo para com
impurezas a presenccedila de derrame de sangue incecircndios e mortes era mais do que motivo
suficiente de desqualificaccedilatildeo dos que se tinham submetido a este processo ou em casos mais
extremos cancelamento do proacuteprio matsuri 247
Num contexto mais oficial observa-se uma categorizaccedilatildeo da praacutetica em si o
Jingiryō do Periacuteodo Yōrō distingue entre sansai (散斎) e chisai (致斎) sansai indicava a
ldquoabstinecircncia parcialrdquo na qual o indiviacuteduo estava proibido de fazer os jaacute mencionados seis atos
considerados formalmente como shokue chisai correspondia a uma ldquoabstinecircncia severardquo na
qual todos os ritos que natildeo envolvessem os kami eram cancelados No que concerne agrave sua
246
ROTS Aike Forests of the Gods Shinto nature and sacred space in contemporary Japan Dissertation
submitted to the Department of Culture Studies and Oriental Languages of University of Oslo in partial
fulfilment of the requirements for the degree of Doctor of Philosophy supervised by Prof Dr Mark Teeuwen
and Prof Dr Terje Stordalen 2013 247
ONO Sokyō op cit pp64-65
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 84
duraccedilatildeo esta variava consoante o mecircs em questatildeo sendo que no nono mecircs sansai era
observado durante todo o mecircs chisai duraria somente trecircs dias 248
Uns seacuteculos mais tarde o Engishiki inspirar-se-ia nesta categorizaccedilatildeo por vezes
conjugando-a com o ritual harae no Kinensai sansai era praticado durante trecircs dias e chisai
apenas um dia 249
durante Kanmisosai kessai eacute um ato realizado por alguns membros de clatildes
na veacutespera do matsuri e cujo objeto de ldquoabstenccedilatildeordquo satildeo as oferendas (fios de seda e cacircnhamo)
antes de serem tecidas e apresentadas durante a celebraccedilatildeo que por sua vez soacute poderia
decorrer mediante um preacutevio harai do espaccedilo (batsujo 祓除) realizado no uacuteltimo dia do
terceiro mecircs e do oitavo mecircs Kannamesai menciona novamente um kessai dos fios de seda
posteriormente transformados em tecidos 250
Apoacutes trecircs anos de [潔齋] como parte dos rituais
da Saigū na capital reservava-se o uacuteltimo dia do oitavo mecircs a uma Ōharae no palaacutecio e no
nono mecircs um Nakatomi encarregava-se da ldquopurificaccedilatildeordquo (祓清) das proviacutencias de Ōmi e Ise
permitindo agrave Saigū cumprir os seus deveres no decorrer do Kannamesai 251
Durante o nono mecircs procede-se a um periacuteodo de 18 dias (a comeccedilar no primeiro dia)
de ldquoabstenccedilatildeordquo e um mecircs de evitaccedilatildeo de luto e enterros bem como agrave execuccedilatildeo de ldquolustraccedilatildeo
augustardquo gokei [御禊] Escrito com o kanji honoriacutefico [御] e o de misogi [禊] gokei era uma
ldquocerimoacutenia para afastar contaminaccedilatildeo de pessoas da Famiacutelia imperialrdquo 252
que decorria agrave
beira-rio e na qual participava a Saigū Contudo esta atitude de ldquoabstenccedilatildeordquo natildeo era apenas
seguida por esta uacuteltima monges monjas pessoas em luto e grupos de bandidos sujeitavam-se
a sansai antes e apoacutes Kinensai Kamo-matsuri Tsukinamisai e Kannamesai sendo-lhes
interdita a entrada no palaacutecio tal e qual as jaacute mencionadas funcionaacuterias do palaacutecio graacutevidas
253
248
IGARI Hiromi ldquo第六 神祇令 全 20 条rdquo (Sexto [Volume] Jingiryō todas as 20 aliacuteneas) 現代語訳「養老 令 」 全 三 十 編 (Traduccedilatildeo moderna Yōrō-ryō todos os 30 volumes) (on-line)
lthttpwwwsoldtinejphiromikanseiyoro06htmlgt (consultado em 24-06-2018) 249
FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第一 神祇一 四時祭上rdquo (Primeiro Livro Jingi Um Matsuri das
Quatro Estaccedilotildees Parte Superior) 延 喜 式 (Engishiki) (on-line)
lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi01htm (consultado em 24-06-2018) 250
FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第四 神祇四 伊勢太神宮rdquo (Quarto Livro Jingi Quatro Ise Dai-
jingū) 延 喜 式 (Engishiki) (on-line) lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi04htm
(consultado em 24-06-2018)
251 FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第五 神祇五 齋宮寮rdquo (Quinto Livro Jingi Cinco Saigū-ryō) 延喜
式 (Engishiki) (on-line) lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi05htmgt (consultado em 24-
06-2018)
252 BOCK Felicia op cit p104
253 FUJIWARA T FUJIWARA T FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第三 神祇三 臨時祭rdquo (Terceiro
Livro Jingi Trecircs Matsuri de Ocasiotildees Extraordinaacuterias) 延 喜 式 (Engishiki) (on-line)
lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi03htmgt (consultado em 24-06-2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 85
Por uacuteltimo o seacutetimo volume do Engishiki especifica uma ldquoabstenccedilatildeordquo obrigatoacuteria no
deacutecimo primeiro mecircs sansai era iniciado no primeiro dia e terminava no uacuteltimo chisai
durava trecircs dias comeccedilando no dia do touro e terminando no dia da lebre proibindo-se a
participaccedilatildeo dos indiviacuteduos em ldquofestins Budistas ou festins magrosrdquo 254
Findado imi o indiviacuteduo foca-se na purificaccedilatildeo propriamente dita servindo-se de
elementos do dia-a-dia como o sal sake e aacutegua no primeiro caso o sal eacute ldquoatirado por
lutadores de Sumo cada vez que entram no dohyōrdquo e nos funerais serve o propoacutesito de ldquoauto-
purificaccedilatildeo apoacutes o regresso a casardquo dos frequentadores Jaacute em restaurantes e outros
estabelecimentos eacute costume colocar-se ldquoduas pilhas de sal fora do umbral uma de cada lado
apoacutes lavarem a entrada e antes de quaisquer clientes chegaremrdquo garantindo-se prosperidade
no negoacutecio Ora em misogi harai o sal eacute salpicado na cabeccedila dos participantes - no
seguimento de oharai ndash e tambeacutem misturado com sake sendo posteriormente ldquocuspido como
parte da cerimoacutenia de purificar a boca uma uacuteltima vezrdquo Oferecido nos altares sal faz ainda
parte das shinsen 255
A aacutegua tambeacutem partilha da mesma natureza purificadora que o sal e o sake em
virtude de ser considerada o elemento primaacuterio que devolve o lustro agraves coisas e pessoas
eliminando qualquer tipo de ldquomaacuteculardquo independentemente de se tratar de uma ldquomaacuteculardquo fiacutesica
(kegare) ou natildeo (tsumi) externa (corpo) ou interna (kokoro) Natildeo obstante a tradiccedilatildeo de
ldquolimpezardquo na cultura japonesa estende-se a contextos mais civis toalhas quentes satildeo
ldquoprovidenciadas em restaurantes (hellip) para que os patronos possam lavar as matildeos antes de
comer e uma pessoa Japonesa lavar-se-aacute sempre antes de entrar numa banheirardquo 256
um
reflexo da consciencializaccedilatildeo da lavagem do corpo na sociedade japonesa contemporacircnea
Em shintō a aacutegua assume um papel central em trecircs principais praacuteticas de ldquoauto-
purificaccedilatildeordquo que tambeacutem satildeo abluccedilotildees kessai temizu (手水) e misogi (禊) Se kessai eacute
geralmente feito antes do matsuri 257
temizu precede a ldquooraccedilatildeordquo (inori) aos kami nos jinja e
no qual o indiviacuteduo dirige-se a uma estrutura denominada temizuya (手水屋) lavando com
aacutegua a boca e as suas matildeos locais mais suscetiacuteveis de se contrair kegare (Anexo III)
254
PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit pp 62-72 255
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 174-175
256 ROTS Aike Forests of the Gods Shinto nature and sacred space in contemporary Japan Dissertation
submitted to the Department of Culture Studies and Oriental Languages of University of Oslo in partial
fulfilment of the requirements for the degree of Doctor of Philosophy supervised by Prof Dr Mark Teeuwen
and Prof Dr Terje Stordalen 2013 257
PICKEN Stuart op cit p 177
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 86
No que concerne a misogi esta eacute considerada a origem de todos os harai na
sociedade japonesa sendo descrita por Carl Florenz como a ldquopurificaccedilatildeo de um uacutenico
indiviacuteduo ou um lugar de poluiccedilotildees atraveacutes de se entrar em contacto com algo
cerimonialmente impuro tal como cadaacuteveresrdquo 258
Uma ldquoauto-purificaccedilatildeordquo em todos os
sentidos do termo a expressatildeo misogi harai (misogi harai 禊祓い ) poderaacute derivar de
ldquomisosogi no harairdquo (身滌の祓い) literalmente ldquoharai da lavagem do corpordquo ndash [身滌] eacute
constituiacutedo pelo kanji de ldquocorpordquo (身) e o de [滌] sinoacutenimo de [洗] raiz do verbo ldquolavarrdquo
(arau) 259
ndash e eacute pela primeira vez mencionado no episoacutedio de Izanagi descrito pelo Kojiki e
Nihon shoki
De um modo geral misogi conheceu grande popularidade na esfera privada imperial
e agrave semelhanccedila de [斎] era sempre acompanhado de todo o tipo de oferendas tais como
tecidos armas sake velas e algas Se praticado pela Saiō (齋王) misogi decorria num rio da
capital na primeira dezena de dias do oitavo mecircs e do nono mecircs ambas datas escolhidas por
ldquoadivinhaccedilatildeordquo ndash responsabilidade do Onmyōryō Por sua vez este ritual fazia parte de uma
grande cerimoacutenia na qual se preparavam tecidos caixas jarros carne seca cabaccedilas e peixes e
cujos participantes eram essencialmente membros da corte (Jingikan e Onmyōryō) cada um
desempenhando uma tarefa especiacutefica ecoando o sucedido nos matsuri do Jingikan um
Nakatomi executava oharai servindo-se da onusa (Nakatomi onusa tatematsuru [神祇官中臣
進麻]) e o miyanushi (宮主) entoava harae kotoba (祓詞) Igualmente realizado durante a
deslocaccedilatildeo da jovem para o No-no-miya e Itsuki-no-miya em Ise e no uacuteltimo dia do mecircs 260
misogi eacute descrito no sexto volume do Engishiki como parte da celebraccedilatildeo do Imibikamado-
matsuri (quarto mecircs e sexto mecircs) ndash um gokei no qual participavam todos os funcionaacuterios do
palaacutecio - e um matsuri anual (毎年禊祭) 261
Atualmente misogi pode ser praticado por qualquer pessoa e eacute aceite como um ritual
vaacutelido para qualquer tipo de shintō Shinshū-kyō (神習教) tem como metas alcanccedilar ldquoum
espiacuterito de um kami por praticar purificaccedilatildeo oharairdquo a aquisiccedilatildeo de um elevado niacutevel de
treino que possibilite ao indiviacuteduo ensinar os outros e eacute claro ldquoalcanccedilar harmonia com os
258
FLORENZ Karl ldquoAncient Japanese Rituals Part IVrdquo Transactions of the Asiatic Society of Japan nordm 27
1899 pp 1ndash112 259
NISHIGAKI Yukio op cit p 544
260 FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第五 神祇五 齋宮寮rdquo (Quinto Livro Jingi Cinco Saigū-ryō) 延喜
式 (Engishiki) (on-line) lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi05htmgt (consultado em 24-
06-2018) 261
FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第六 神祇六 齋院司rdquo (Sexto Livro Jingi Seis Saiinshi) 延喜式
(Engishiki) lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi06htmgt (consultado em 24-06-2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 87
kami e rezar pelo descanso das almas dos outrosrdquo Neste contexto misogi faz parte da
estrateacutegia de cultivo de ldquopurificaccedilatildeo interiorrdquo que encoraja o processo de aproximaccedilatildeo do
humano ao kami 262
Em suma a purificaccedilatildeo estaacute intimamente associada agrave visatildeo positiva do ser humano
apoiada por shintō Shinshū-kyō natildeo soacute ensina o indiviacuteduo a ldquodemonstrar gentileza aos
outrosrdquo ldquotrabalhar diligentemente (no seu proacuteprio negoacutecio)rdquo e a ldquopreservar firmeza no teu
coraccedilatildeordquo como procura ldquopacificar o espiacuterito porque eacute parte do espiacuterito do kamirdquo 264
(bunshin
mitama wo shizumu beshi分神神魂を鎮むべし) e ldquolimpar as impurezas do corpordquo (mi no
shūshoku wo harau beshi身の鏽蝕を祓うべし) 263
proporcionando o desenvolvimento do
caraacutecter do indiviacuteduo
Na visatildeo de Misogi-kyō (禊教) o trio de tesouros imperiais satildeo ldquoos mais eficazes
agentes de purificaccedilatildeordquo pois ldquotodas as formas de impureza podiam ser removidasrdquo Apoiado
em misogi harae e ldquorespiraccedilatildeo proacutepriardquo o setor utiliza misogi como ldquoum meacutetodo para
melhoria da vidardquo aproximando as pessoas do kamirdquo 262
Interpretando-se esta praacutetica como o
uacutenico modo de ldquoreavivarrdquo a ldquoboa sorterdquo (literalmente ldquosorte proacutesperardquo ou sakae no unsei [栄
絵の運勢]) misogi possui visiacuteveis efeitos de purificaccedilatildeo externos 264
Contudo o busiacutelis da questatildeo eacute a ldquopurificaccedilatildeo internardquo (nai seijōshōjō 内清浄)
denominada iki ichisuji no misogi (息一筋の禊) iki (息) natildeo eacute somente a ldquoorigem do corpordquo
mas tambeacutem a proacutepria ldquoexistecircnciardquo (seimei [生命]) 264
e estaacute diretamente relacionada com a
entoaccedilatildeo da norito ldquo
tōkami emitamae harae tamae kiyome tamairdquo (literalmente ldquokami
distante purificai e limpai enquanto rezamosrdquo) em voz alta
262 um momento caracterizado
pela ldquofusatildeordquo do corpo com a mente graccedilas ao cultivo do autocontrolo do corpo a Desordem
(aqui maga) deixa de existir 264
No contexto de jinja shintō misogi faz ainda parte da cerimoacutenia shūbatsu (修祓) na
qual se abre o edifiacutecio interior do jinja e o shintai eacute visualizado pelos shinkan que se
262
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 234-236 263
O ldquoespiacuterito do kamirdquo eacute mitama (神魂) e ldquocoraccedilatildeordquo kokoro O termo ldquoimpurezasrdquo lecirc-se no texto original [鏽
蝕] o primeiro lecirc-se sabi e natildeo eacute muito usado na linguagem diaacuteria (鏽) significando ldquoferrugemrdquo ou ldquocorrosatildeordquo
o segundo eacute o kanji [蝕] do qual deriva o verbo mushibamu geralmente traduzido como ldquoser devorado por
dentrordquo ldquominarrdquo ldquoarruinarrdquo Shintō Shinshū-kyō Kōushiki Page 教 義 (on line)
lthttpshinshukyojpE69599E7BEA9gt (consultado em 24-06-2018) 264
Misogi-kyō Shintō 神道禊教の教理 (Doutrina de Shintō Misogi-kyō) (on line) lthttpwwwmisogi-
kyouorjpkyourihtmlgt (consultado em 24-06-2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 88
ldquopurificam de modo a tomarem parte nos rituaisrdquo atirando baldes de aacutegua fria sobre si
mesmos ou escolhendo colocar-se ldquodebaixo de uma cascata num rio ou no marrdquo dependendo
da localizaccedilatildeo do jinja Posteriormente os participantes no matsuri satildeo purificados
cumprindo-se as condiccedilotildees de invocaccedilatildeo dos kami 265
que respondem ao apelo impliacutecito nas
norito entoadas pelos shinkan
Associadas agrave tradiccedilatildeo de kotodama norito satildeo acolhidas entusiasticamente pela
sociedade japonesa quer sejam ldquovelhasrdquo (do Engishiki e outras fontes do Periacuteodo Heian) e
norito ldquonovasrdquo ou seja norito poacutes- Engishiki criadas por estudiosos e praticantes das vaacuterias
formas de shintō (Ise e Yoshida shintō Shugendō kyōha shintō shin shūkyō) e associadas a
jinja especiacuteficos (ldquocultosrdquo em Ise Izumo Dewa Togusa ldquocultosrdquo a Inari e Hachiman) 266
Etimologicamente norito tem as suas origens na frase ldquoNakatomi-no-Kane Muraji
norito wo norurdquo (中臣金連祝詞を宣る) Como se pode constatar o verbo que lhe estaacute
associado eacute noru (宣) cujo kanji significa ldquodizerrdquo ldquoexpressarrdquo e ldquoinformarrdquo num sentido
formal agrave maneira dos ldquoeacuteditos imperiaisrdquo (senmyō [宣命]) 267
Vaacutelidas para uso individual ou coletivo norito contemporacircneas tendem a inspirar-se
em norito muito mais antigas por exemplo a frase ldquoharae tamae kiyome tamairdquo de Misogi-
kyō surge na Ōharae kotoba do Engishiki como uma dupla accedilatildeo decorrida na ldquoōharae do
anoitecer do uacuteltimo dia do sexto mecircsrdquo (kotoshi no minadzuki no tsugumori yūhi no kudachi
no ōharae ni harai tamai kiyome tamau-koto wo 今年の水無月の大晦日 夕日之降の大祓
に祓給ひ清給事を) 268
eliminam-se assim os tsumi (tsumi ha araji wo罪波不在止) de
todos os cantos ldquodebaixo do ceacuteurdquo (Anexo IV)
Seguindo uma ldquofoacutermula usada em cerimoacutenias religiosas em endereccedilando divindades
(hellip) usam uma forma respeitosa subserviente forma de dicccedilatildeordquo norito tecircm a sua forccedila no
som e natildeo na parte gramatical ou na etimologia lexical recorrendo-se frequentemente a
265
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit p 177
266 O arquivo virtual Ko-kon Shūkyō Kenkyūjo regista um total de 55 norito devidamente ldquocategorizadasrdquo
consoante a temaacutetica e o local de veneraccedilatildeo Ko-kon shūkyō kenkyūjo ldquo祝詞 諸文献rdquo (Norito Vaacuterias
referecircncias) 神道資料集 (Colecccedilatildeo de materiais de shintō) (on line) lthttpwwwko-konnetnoritogt
(consultado em 24-06-2018) 267
NISHIGAKI Yukio op cit p485 268
FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第八 神祇八 祝詞rdquo (Oitavo Livro Jingi Oito Norito) 延喜式
(Engishiki) (on-line) lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi08htmgt (consultado em 24-06-
2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
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ldquorepeticcedilatildeo paralelismo longas enumeraccedilotildees de nomes de divindades e oferendas metaacuteforas
o uso de registos mitoloacutegicos para explicar a origem de certas formas de veneraccedilatildeordquo 269
Natildeo obstante estas frases servem de prevenccedilatildeo contra forccedilas ldquonegativasrdquo incluindo
tatari gami ou ldquoespiacuteritos malignosrdquo devidamente acalmados e purificados respetivamente
Usadas em matsuri oficiais norito descreviam com pormenor quem as proferia o seu
objetivo a quem se dirigiam e o local onde decorria esta entoaccedilatildeo cujo raio de atuaccedilatildeo era
individual ou coletivo (capital habitaccedilotildees funcionaacuterios o palaacutecio todo o Japatildeo a corte) 270
No que concerne agrave sua entoaccedilatildeo estes conjuntos de frases eram responsabilidade dos
Nakatomi ou de outros consoante a ocasiatildeo na ldquomensagem de aberturardquo do oitavo capiacutetulo
do Engishiki regista-se que os Inbe deviam entoar norito dos ldquoritosrdquo Goden (御殿) e Mikado
(御門) e nos restantes matsuri a honra cabia aos Nakatomi (以外諸祭中臣氏祝詞) nos
matsuri das quatro estaccedilotildees (凡四時諸祭) essa funccedilatildeo fazia parte dos deveres dos kanbe (神
部) no Kanmisosai somente o daijingūji de Ise (ldquoSumo-Sacerdote do Grande Santuaacuterio de
Iserdquo) devia entoar a norito (大神宮司宣祝詞) e nas celebraccedilotildees em Ise (Kanmisosai os
matsuri do sexto e deacutecimo segundo meses e Kannamesai) 271
as norito de Ōimisai (大忌祭)
Tatsuta Fūjinsai ( 龍田風神祭 ) e Hiranosai ( 平野祭 ) eram responsabilidade dos
ldquomensageiros imperiaisrdquo Jaacute os Inbe encarregavam-se das ldquofoacutermulasrdquo de proteccedilatildeo do palaacutecio
imperial (Ōtono-no-hogai (大殿祭) e do ldquoFestival dos Portotildeesrdquo (Godensai 御殿祭) ndash cuja
meta era a ldquogarantia a proteccedilatildeo das divindades que guardam os portotildees do Palaacutecio Imperialrdquo ndash
no ldquodeacutecimo segundo dia do sexto e deacutecimo segundo mesesrdquo 270
Por uacuteltimo a norito de
Ōharae era ldquopartilhadardquo pelos Urabe e os Nakatomi enquanto que nos Chinkasai (鎮火祭) e
Michiaesai (道饗祭) soacute os Urabe eram elegiacuteveis para tal tarefa 271
O avanccedilo do estudo da tradiccedilatildeo ritual shintō impulsionou uma anaacutelise aprofundada
das norito estabelecendo-se uma ligaccedilatildeo direta com o processo de purificaccedilatildeo o meio por
excelecircncia para atingir a tatildeo desejada Ordem entre o praticante e o kami venerado norito satildeo
uma espeacutecie de purificaccedilatildeo verbal aludindo a um processo positivo mas interno Tal
abordagem introduz uma perspetiva mais subjetiva do que se entende por norito auxiliando
269
PHILIPPI Donald Norito A Translation of the Ancient Japanese Ritual Prayers With a new Preface by
Joseph M Kitagawa Princeton Princeton University Press 1990 pp1-2 270
PHILIPPI Donald op cit pp5-15 271
FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第八 神祇八 祝詞rdquo (Oitavo Livro Jingi Oito Norito) 延喜式
(Engishiki) (on-line) lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi08htmgt (consultado em 24-06-
2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
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na compreensatildeo da purificaccedilatildeo interna que recaiacutea sobre o kokoro (心) Por sua vez kokoro
associar-se-ia a meijō (明浄)
Escrito em japonecircs com o kanji de ldquocoraccedilatildeordquo (shin de shinzō [心臓]) kokoro denota
algo de natureza natildeo palpaacutevel e interior a qualquer indiviacuteduo servindo de prefixo agraves palavras
kokoroeru (心得 ) ato de ldquocompreender o significado das circunstacircncias e das coisasrdquo
kokoroe ldquocompreensatildeordquo e ldquoter cautelardquo kokoronai (心無 ) designa uma condiccedilatildeo de
ldquoinsensibilidaderdquo pelo proacuteximo (em linguagem corrente ldquonatildeo ter coraccedilatildeordquo) 272
kokoro-
gawari (心変わり ) literalmente a ldquomudanccedila de kokorordquo indica a suacutebita alteraccedilatildeo dos
sentimentos intenccedilotildees e convicccedilotildees do indiviacuteduo em relaccedilatildeo a terceiros
No Nihon shoki o kanji em si eacute precedido por outros caracteres [黒心] e [無黒心]
significam aproximadamente ter um coraccedilatildeo negrordquo ou o seu oposto o sentido obtido eacute
negativo e positivo respetivamente marcando presenccedila no episoacutedio da competiccedilatildeo de
Susano-o-no-mikoto e de Amaterasu (有黒心) e no ano 646 da Era Taika (不正心者)
literalmente ldquopessoas de kokoro injustordquo Se estiver ao lado de [清] a expressatildeo lecirc-se seishin
ou kiyoki kokoro um kokoro puro (清心) 273
evidenciando a sua ligaccedilatildeo com meijō ambos
satildeo palavras positivas por princiacutepio
Por outro lado Engishiki descreve kokoro como uma caracteriacutestica interior de
humanos e kami na norito de Ōtono-no-hogai [心] surge na frase ashiki kokoro kitanaki
kokoro naku (邪意穢心無く) 274
ndash o segundo kanji tambeacutem se lecirc como kokoro mas o seu
significado eacute o de ldquointenccedilatildeordquo denotando a conduta correta seguida por todos os trabalhadores
do palaacutecio e membros da corte ndash traduzida por Philippi como ldquosem quaisquer maacutes intenccedilotildees
ou impuras intenccedilotildeesrdquo 275
na norito de Hi-shizume-no-matsuri (Chinkasai) kokoro eacute um
atributo de natureza maligna do kami do fogo (Homusubi-no-kami 火結神) ndash evidenciado
pela expressatildeo kokoro saganakiko (心惡子) ldquocrianccedila de mau kokorordquo ndash um kami gerado por
272
NISHIGAKI Yukio op cit pp 286-287 273
SAKAMOTO T 日本書紀 国史大系版 (Nihon shoki Ediccedilatildeo do Compecircndio da Histoacuteria Nacional) (on
line) lthttpwwwj-textscomjodaishokiallhtmlgt (consultado em 24-06-2018) 274
FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第八 神祇八 祝詞rdquo (Oitavo Livro Jingi Oito Norito) 延喜式
(Engishiki) (on-line) lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi08htmgt (consultado em 24-06-
2018) 275
PHILIPPI Donald op cit p 43
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
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Izanami cujo temperamento provoca Desordem que naturalmente justifica a ldquopacificaccedilatildeordquo
(shizume matsure 鎮奉れ) por parte de outros kami seus irmatildeos 276
Em contrapartida tambeacutem a norito ldquopara afastar uma divindade vingativardquo (tataru
kami wo utsushi-yaru 遷卻祟神) segue a temaacutetica de reordenaccedilatildeo especificamente a uma
retificaccedilatildeo ativada por Kamunaobi e Ōnaobi kokoro refere-se aqui ao kokoro claro de kami
ldquopacificadosrdquo (sumera-gami ōmikokoro akiraka ni 皇神等の御心も明に) sendo que esta
transiccedilatildeo de kami ldquoviolentosrdquo para kami ldquopaciacuteficosrdquo (ara furu kami-tachi wo kashi harai
tamai kami nagoshi ni nagoshi tamai荒振神等を神攘攘給ひ神和和給) se deve a outros
dois kami 276
pacificaccedilatildeo tambeacutem eacute purificaccedilatildeo
Na perspetiva de Picken purificaccedilatildeo e pureza natildeo soacute partilham de uma conotaccedilatildeo
positiva como mantecircm entre si uma relaccedilatildeo de causa e consequecircncia pureza eacute a meta e a
consequecircncia do resultado da purificaccedilatildeo se o indiviacuteduo eacute o recetor de oharai que por sua vez
beneficia o kokoro meijō indica a ldquorestauraccedilatildeo do estado de pureza conhecido como seimei-
shin (ou akaki kiyoki kokoro)rdquo Por outras palavras o praticante torna-se portador de um
ldquoclaro kokorordquo (akaki kokoro明心) ldquopuro kokorordquo (kiyoki kokoro清き心) ldquocorreto ou justo
kokorordquo (tadashiki kokoro 正しき心) e o ldquokokoro retordquo (naoki kokoro 直き心) 277
um
quarteto de caracteriacutesticas eticamente boas
Assim os contornos eacuteticos da relaccedilatildeo kokoro - pureza revelam-se fundamentais para
a compreensatildeo de novas perspetivas modernas e japonesas de shintō segundo Muraoka
Tsutsunegu (村岡典嗣 1884-1946) meijō eacute uma ldquocaracteriacutestica eacutetica de shintōrdquo e um atributo
transversal em qualquer ldquodivisatildeordquo desta Via equiparado ao niacutevel de uma ldquodoutrinardquo (meijō
shugi明浄主義) no ldquosentido de que existe reverecircncia pelo claro e puro (hellip) em toda a mateacuteria
e pensamentordquo Por conseguinte meijō eacute o puro que carece de impurezas uma condiccedilatildeo
ldquoprimordialrdquo partilhada por todas as pessoas por oposiccedilatildeo a tsumi e kegare cuja presenccedila eacute
inviabilizada (temporariamente) em caso de purificaccedilatildeo regressando agrave sua origem (Yomi ou
Ne no kuni) durante harai 278
Aliaacutes a consciencializaccedilatildeo do kokoro como um dos componentes da eacutetica japonesa
reflete-se desde logo na linguagem dos eacuteditos imperiais do Zoku Nihongi qualificando-se o
276
FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第八 神祇八 祝詞rdquo (Oitavo Livro Jingi Oito Norito) 延喜式
(Engishiki) (on-line) lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi08htmgt (consultado em 24-06-
2018) 277
PICKEN Stuart Sourcebook of Shinto op cit p 176 278
PICKEN Stuart op cit pp 254 256-257
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
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kokoro como algo ldquopurordquo (kiyoki kokoro 清き心) ldquoclarordquo (akaki kokoro 明き心) e ainda
ldquokokoro puro e clarordquo (kiyoki akaki kokoro清明心) Como se pode constatar nos eacuteditos dos
anos 707 (以明浄心而 浄明心以而) 743 (明浄心) 757 (諸以明清心皇朝 自今往前者以
明直心仕奉朝廷 悪心無而清明心) e 770 (衆浄明心正直言以而) 279
ter um kokoro cuja
essecircncia fosse de ldquohonestidaderdquo ldquoclarezardquo e ldquosinceridaderdquo elucida a importacircncia da pessoa
possuir uma boa natureza
Durante o Periacuteodo Edo protagonistas da escola Kokugaku como Kamo-no-Mabuchi
(賀茂 真淵 1697-1769) e Motoori Norinaga apoiam esta perspetiva mais eacutetica do kokoro
apelando ao lsquokokoro sincerorsquo ou lsquomakoto no-kokororsquo (真の心) isto eacute a derradeira virtude de
shintō 280
o que naturalmente reforccedila a importacircncia da caracteriacutestica ldquosinceridaderdquo (makoto)
Avaliada como algo dentro do kokoro ou que lhe eacute independente makoto (真) eacute
homoacutefono da palavra makoto (誠) cuja etimologia eacute makoto ( 真事) literalmente ldquoverdadeiras
palavrasrdquo e significa ldquonatildeo mentirnatildeo enganarrdquo 281
partilhando de um significado positivo
semelhante aos termos ldquohonestordquo (tadashii 正しい) ldquohonestidaderdquo (正直) makoto [真] por
sua vez tende a ser traduzido por ldquosinceridadeverdadeirordquo
No entender de Picken makoto (真) eacute um dos seus muitos vocaacutebulos ldquomoraisrdquo de
shintō juntando-se a kansha (感謝) ou ldquogratidatildeordquo forma de o indiviacuteduo expressar ldquogratidatildeo
humana pela sua dependecircncia sobre o divinordquo e tambeacutem uma atitude de respeito para com a
sociedade que o serve junsui (純粋) ou ldquopessoasrdquo de ldquocoraccedilatildeo puroinocentesrdquo relacionadas
com os traccedilos de caraacutecter ldquobomrdquo (seimei shin) definidos com base nos estudos de poesia e
outros textos antigos 282
Por conseguinte ldquosinceridaderdquo e ldquoagradecimentordquo relacionam-se
com o primeiro grande objetivo da Jinja Honchō conferindo a makoto as qualidades akaki
(ldquoclarordquo e kiyoki (ldquopurordquo) 283
Neste sentido makoto significa tambeacutem ser verdadeiro agraves suas intenccedilotildees e acreditar-
se no que estaacute a fazer uma atitude fundamental para qualquer praticante de shintō quem tiver
279
Ao todo [心] surge 211 vezes nesta obra tanto de forma isolada como acompanhado dos referidos termos
Por vezes as caracteriacutesticas positivas natildeo se aplicam somente ao kokoro mas tambeacutem ao discurso tomando-se o
exemplo de shōjiki kotoba (正直言) ldquopalavras honestasrdquo 続日本紀 朝日新聞本 (ZokuShoku Nihongi Versatildeo
do Jornal Asahi) (on line) lthttpwwwj-textscomjodaishokuallhtml (consultado em 24-06-2018) 280
PICKEN Stuart op cit pp 219-220 281
NISHIGAKI Yukio op cit pp 531-532 282
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 346-347 283
Jinja Honchō ldquo主な活動rdquo (Atividades gerais) 神社本庁のご案内 (A orientaccedilatildeo da Jinja Honchō) (on-line)
lthttpwwwjinjahonchoorjpintroductionactivitygt (consultado em 24-06-2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
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uma ldquovontade sincerardquo em fazer parte dos rituais conseguiraacute cultivar uma relaccedilatildeo proacutexima
com o kami No que concerne ao kokoro este pode ser qualificado como algo ldquobomrdquo (kiyoki
kokoro akaki kokoro yoshiki kokoro) ou ldquomaurdquo (ashiki kokoro) dependendo do caso
distinguindo-se de makoto que dispensa tais significados prejudiciais
Os grandes estudiosos do Periacuteodo Edo nunca se pronunciam sobre um kokoro mau
kokoro eacute sempre um atributo humano (ou de kami) positivo frequentemente associado a shintō
surgindo termos como o magokoro (makoto no-kokoro)
Palavra derivada da combinaccedilatildeo de ldquoverdadeirordquo (真) e kokoro magokoro eacute parte da
piracircmide de ldquovalores positivosrdquo individual assemelhando-se agrave qualidade ldquointenccedilatildeo de
sinceridaderdquo (seii 誠意) Contudo segundo o Tama boko hyakushu (玉鉾百首) de Norinaga
o magokoro corresponde a uma consequecircncia da accedilatildeo do princiacutepio musubi presente na mitama
dos kami um kokoro despido de valores opostos (bemmal sapiecircnciaburrice
capacidadeincapacidade) e cuja qualificaccedilatildeo varia consoante o tipo de experiecircncia e accedilatildeo
(boamaacute) Identificado como uma condiccedilatildeo inata aos seres humanos magokoro tem no seu
nuacutecleo a funccedilatildeo de ldquomovimentordquo nas palavras de Motoori Ōhira (本居大平 1756-1833)
irmatildeo mais novo de Norinaga o kokoro eacute designado de magokoro quando se torna ugoku
kokoro ou ldquokokoro que se moverdquo (うごくこころ動く心) quando alguma coisa de natureza
positiva ou negativa consegue fazer comover (tocar) o kokoro das pessoas estaacute-se perante um
ugoku kokoro agindo-se ldquonaturalmenterdquo conforme o estadonatureza das coisas e
acontecimentos 284
Uma caracteriacutestica uacutenica e individual de cada ser humano que justifica a existecircncia
de kami e coisas boasmaacutes 284
o magokoro existiria na realidade atual (Hito no yo 人の代)
embora remonte aos tempos do Kami-yo uma era temporalmente incerta e marcada pelo
permanente ciclo de Desordem e a Ordem colocando-se sempre a hipoacutetese de esta Desordem
ser ldquocuradardquo tornando a realidade calma e paciacutefica 285
entre o ldquobemmalrdquo vidamorte a vida
e o bem seriam sempre vitoriosos ilustrando a atitude otimista e positiva de Norinaga
tambeacutem adotada pelos praticantes de shintō
284
UMIHIKO ldquo本論 第七回「「真心(まごころ)」とは」の巻rdquo (Texto do Seacutetimo Capiacutetulo magokoro
eacute) 本居宣長研究ノート「大和心とは」本論 (Bloco de notas de Pesquisa Motoori Norinaga ldquoYamato
Gokoro eacuterdquo Argumento-base) (on line) lthttpwwwnorinagajpessence-07phpgt (consultado em 24-06-2018) 285
UMIHIKO ldquo第八回「『真心(まごころ)の型」の巻 rdquo (Texto do Oitavo Capiacutetulo O modelo de
magokoro) 本居宣長研究ノート「大和心とは」 本論 (Bloco de Notas de Pesquisa Motoori Norinaga
ldquoYamato Gokoro eacuterdquo Argumento-base) (on line) lthttpwwwnorinagajpessence-08phpgt (consultado em 24-
06-2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
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Um seacuteculo mais tarde Katō Shigeharu (加藤 重春 1818-) avaliaria o significado
eacutetico do kokoro e makoto a sua obra Shintō fumoto no tateishi (神道麓之立石) categorizaria
kokoro e makoto como duas das quatro Vias de shintō respetivamente a ldquoVia do kokorordquo
(shintō 心道) e a ldquoVia da verdaderdquo (shintō 真道) se na primeira Via shintō eacute qualificado
como uma ldquoVia que retifica a menterdquo a ldquoVia da verdaderdquo reforccedila a importacircncia da
ldquosinceridaderdquo uma vez que ldquoqualquer pessoa que desconsiderasse a importacircncia de
sinceridade eacute uma pessoa viciosardquo Shintō deveria simplesmente ldquofluirrdquo influenciando
automaticamente as accedilotildees do indiviacuteduo cujo coraccedilatildeo eacute ldquoretificado reto e unido com os kamirdquo
soacute assim as suas accedilotildees estariam de acordo com a Via 286
Nos periacuteodos posteriores ao Engishiki o conceito de kokoro adquire alguma
importacircncia a um niacutevel mais ldquofilosoacuteficordquo numerosos textos criados por escolas e autores
independentes expotildeem as suas ideias acerca de kokoro ldquopurezardquo e ldquopurificaccedilatildeordquo bem como os
seus efeitos desta uacuteltima no ser humano Na tradiccedilatildeo de Ise shintō kokoro (ldquomenterdquo) faz parte
do trio ldquopurezardquo- ldquomenterdquo ndash ldquohonestidaderdquo como se constata no Ruiji Jingi Hongen (類聚神
祇本源) de Watarai Ieyuki a ldquopurezardquo eacute uma caracteriacutestica que denota honestidade o ato de
empreender uma tarefa com uma ldquomente que eacute calma (hellip) comportar-se numa maneira que
transcende vida e morte (hellip) tal como obedecer agraves seis proibiccedilotildees relacionadas com o modo
proacuteprio de observar rituaisrdquo (as seis formas de shokue do Engishiki) Em Shintō Kanyō (神道
簡要) do mesmo autor ldquopurezardquo eacute a raiz da ldquohonestidaderdquo e por conseguinte o uacutenico modo
de o indiviacuteduo obter benefiacutecios dos kami uma condiccedilatildeo presente ldquoquando a mente eacute retificada
(uma virtude Confuciana) balanccedilada sem manchar ou sendo manchadardquo e age com
ldquopropriedade em concordacircncia com razatildeordquo isto eacute possui ldquopropriedaderdquo (tsutsushimi 慎み
ldquoter uma atitude proacutepriaadequadardquo) 287
Na escola de Yoshida shintō Kanetomo interpreta esta Via como uma via de
proteccedilatildeo do kokoro (ldquomenterdquo) e como tal a pessoa deveria proceder a uma ldquopureza interna e
externardquo de modo a ldquoseguir a via dos kamirdquo 288
e manter com estes mesmos kami uma relaccedilatildeo
de proximidade graccedilas ao elo de ligaccedilatildeo o kokoro Responsaacutevel pela ldquoreinvenccedilatildeordquo do
conceito de kokoro no seu tempo Kanetomo eacute pioneiro na argumentaccedilatildeo de que o ldquocoraccedilatildeo
286
Aleacutem das Vias do kokoro e de makoto fazem parte de shintō o proacuteprio shintō (Via dos kami) e shintō ou ldquoVia
dos paisrdquo (親道) que enfatiza a virtude confuciana de piedade filial (oya kōkō 親孝行) PICKEN Stuart
Sourcebook in Shinto op cit pp169-170 287
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 177-180 288
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit p 28
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
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humanordquo (kokoro) e kami satildeo uno e a ldquomesma coisardquo 289
justificando a sua proposta de um
tipo de shintō cuja praacutetica ritual transporta consigo um potencial de purificaccedilatildeo fiacutesicamental
Natildeo obstante a linha de pensamento deste autor jaacute estava subentendida num dos
mais ceacutelebres textos de exposiccedilatildeo de Nakatomi Ōharae o Nakatomi Harae Kunge (中臣祓訓
解) Por norma datado do final do Periacuteodo Heian ou dos iniacutecios do periacuteodo seguinte a obra eacute
considerada parte de Ryōbu shintō e releva o papel de Nakatomi Harae aquando deste ldquoritualrdquo
argumentando acerca do papel fundamental da ldquomente humanardquo 290
- o kokoro - por sua vez
descrito por Kanetomo como aquilo que ldquoregerdquo e ldquoorientardquo o praticante e um ldquolugar onde os
kami governantes do universo vivem um lugar sagrado no qual a raiz e origem do cosmos eacute
para ser encontradardquo 289
Assim o kokoro (do homem) eacute o uacutenico elemento no indiviacuteduo capaz
de ldquocomungar com Ceacuteu e Terra com a grande natureza com o cosmosrdquo isto eacute o ldquotodordquo 290
estamos entatildeo perante um vislumbrar de realidades que estatildeo normalmente vedadas ou
veladas ao praticante devido agraves limitaccedilotildees fiacutesicas do corpo
Neste sentido entrar em contacto com os kami eacute um processo ldquomentalrdquo pois eacute a
ldquomente individualrdquo (kokoro) que consegue ldquoencontrarrdquo o kami do cosmos (hellip) origina agrave
ldquopurificaccedilatildeo da natildeo-menterdquo (mushin 無心 ) ndash Kanetomo considera mushin como termo
complementar de ldquoexistir-menterdquo (ushin 有心) dois vocaacutebulos originaacuterios da Via do Buda
que fazem parte do que se entende por ldquocaminhordquo (michi) em shintō 291
Deste modo satildeo
reunidos os requisitos necessaacuterios para a etapa final desta purificaccedilatildeo a ldquouniatildeordquo kamihomem
na qual ldquotodos os meus pensamentos e aspiraccedilotildees se tornam um com oos kamirdquo (shinjin
gōitsu) e consequentemente o retorno do indiviacuteduo sujeito a este harai agrave ldquoforma verdadeira e
originalrdquo que eacute nada mais do que o proacuteprio kami (shinjin kiitsu) 290
Alcanccedilar a Ordem atraveacutes da purificaccedilatildeo em shintō (misogi harai segundo Picken)
possibilita aquilo que geralmente eacute aceite como perspetiva da desta Via em relaccedilatildeo
agrave rdquonatureza humanardquo completar o processo de purificaccedilatildeo significa testemunhar dois
fenoacutemenos especiacuteficos a ldquouniatildeordquo do kami e do homem (shinjin gōitsu (神人合一) e a
289
PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit pp 166-167 290
PICKEN Stuart op cit pp 84-85 291
Em Yuiitsu shintō se michi eacute a ldquoraiz da miriacuteade de condutasrdquo(万物之起源也 michi towa mangyō no
minamoto nari 道とは万行の源なり) kami equivale ao kokoro da ldquomiriacuteade de coisasrdquo (神者万物心 kami towa
manbutsu no kokoro ni shite 神とは万物の心にして) Por outras palavras michi possui sempre em si duas
coisas complementares e opostas uma que ldquonatildeo-existerdquo e outra que ldquoexisterdquo HIROKAMI Kiyoshi ldquo日本にお
ける神道理論の形成rdquo (Concerning the Formation of Shinto theories in Japan) Tetsugaku shisō ronsō (哲学-思
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Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 96
consequente ldquorestauraccedilatildeo do divino no homemrdquo (shinjin kiitsu 神人帰一 ) literalmente
ldquokamipessoaregresso ao umrdquo 292
sendo que este ldquodivinordquo eacute o kami e a ldquopessoardquo eacute o seu
ldquodescendenterdquo que eacute temporariamente afetado pela Desordem que existe no mundo
Com efeito viver a vida de forma harmoniosa eacute o mesmo que aceitar a necessidade
de restauraccedilatildeo da Ordem um processo perioacutedico e que decorre apoacutes a purificaccedilatildeo individual
ldquopurificarrdquo natildeo significa apenas harai (祓) ou kiyomeru (清める) mas tambeacutem ldquorestaurarrdquo
(naoru直る) 293
a relaccedilatildeo simbioacutetica kami-homem (e vice-versa) expressa pela palavra shinjin
ou kami (神人) isto eacute o ldquokami com uma natureza humanardquo ou ldquokami e seres humanosrdquo
referindo-se ao ldquoprinciacutepio de unidade entre kami e seres humanosrdquo 294
No fundo shinjin gōitsu e shinjin kiitsu satildeo concordantes com a ideia acerrimamente
defendida por Kanetomo de que kokoro e kami satildeo essencialmente o mesmo permitindo ao
praticante tornar-se algo mais do que fisicamente aparenta ser o kokoro eacute o derradeiro elo de
ligaccedilatildeo kami-homem aquilo que deve ser cultivado atraveacutes de rituais de purificaccedilatildeo interna
292
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 346-347 293
PICKEN Stuart Sourcebook of Shinto op cit p 359 294
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Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 97
CONCLUSAtildeO
Apesar de a popularidade que o shintō recebe hoje em contexto acadeacutemico ser
evidenciada pelo nuacutemero consideraacutevel de artigos e livros produzidos por autores natildeo
japoneses a Via dos kami em si permanece um campo por explorar natildeo existindo falta de
informaccedilatildeo e sim falta de estudo dessa informaccedilatildeo Foi com estas intenccedilotildees que se pocircde dar
forma a uma inicial miscelacircnea de pensamentos e ideias desconetadas umas das outras um
processo que como natildeo esteve isento de obstaacuteculos nomeadamente a ldquotriagemrdquo de
informaccedilatildeo (consequecircncia da jaacute mencionada ldquotriagemrdquo dos autores que forneceram essa
mesma informaccedilatildeo) atual e adequada ao campo do shintō e agrave temaacutetica ldquorituais de purificaccedilatildeo e
natildeo-purificaccedilatildeo em shintōrdquo
Neste sentido se uma das dificuldades foi encontrar informaccedilatildeo atualizada e numa
linguagem acessiacutevel (inglecircs) uma das vantagens foi a leitura e interpretaccedilatildeo de artigos
passagens de livros e textos escritos em japonecircs auxiliando na investigaccedilatildeo processo que
incluiu uma anaacutelise etimoloacutegica como complemento agrave anaacutelise teoacuterica dos rituais que
provocam a Desordem e a Ordem sem o recurso a tal metodologia dificilmente se
conseguiria responder agraves trecircs perguntas colocadas na Introduccedilatildeo
Outro ponto positivo a ter em conta foi o recurso a outras fontes aleacutem de livros nesta
era de informaccedilatildeo apesar de as obras permanecerem vaacutelidas enquanto fontes primaacuterias de
informaccedilatildeo a sua linguagem presente pode parecer estranha a quem estuda tradiccedilotildees natildeo
ocidentais Interessantemente autores como Picken natildeo caem neste erro ao contraacuterio de Ono
Sokyō De um modo geral fontes virtuais (websites oficiais e artigos de revistas cientiacuteficas)
tambeacutem natildeo seguem esta tendecircncia de ldquotraduccedilotildeesrdquo No caso de fontes japonesas (artigos
websites e livros) a traduccedilatildeo estaacute ausente permitindo reter o sentido das palavras
Sinteticamente o shintō possui uma tradiccedilatildeo de atos de veneraccedilatildeo em jinja e de
indiviacuteduos participantes nos diferentes matsuri Eacute neste sentido que os indiviacuteduos executam
ldquorituaisrdquo (conotaccedilatildeo exclusivamente positiva) favoraacuteveis agrave Ordem Regulados num contexto
de corte estas praacuteticas adaptaram-se consoante a evoluccedilatildeo histoacuterica de shintō tornando-se
vaacutelidos tanto hoje como haacute seacuteculos atraacutes Veja-se o caso de misogi misogi harai retratada
como um exemplo de purificaccedilatildeo interna e externa eacute o ritual-base da atuaccedilatildeo de Misogi-kyō e
tradicionalmente ndash devido agrave sua presenccedila no Kojiki e Nihon shoki par de obras que alude agrave
consciencializaccedilatildeo do que eacute puroimpuro - uma espeacutecie de alicerce de todos os rituais
conducentes agrave Ordem uns mais simples do que outros constatando-se diferenccedilas no que
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concerne agrave preparaccedilatildeo e organizaccedilatildeo Temizu eacute um tipo de purificaccedilatildeo fiacutesica e como tal
reconhece a existecircncia de uma ldquoimpurezardquo fiacutesica e verbal ndash kegare - oriundo das matildeos e da
boca Jaacute as norito satildeo uma purificaccedilatildeo verbal cujos efeitos positivos se repercutem no que as
escuta e naquele que as profere Apesar de hoje poderem ser utilizadas em contextos natildeo
apenas puacuteblicos norito retraccedilam as suas origens a shintō imperial e jinja shintō ambas
categorias que durante seacuteculos beneficiaram de uma posiccedilatildeo privilegiada junto do poder
poliacutetico japonecircs
Natildeo obstante as metas do shintō para a sociedade japonesa do passado satildeo as mesmas
do presente conduzir o indiviacuteduo praticante agrave Ordem atraveacutes dos rituais de purificaccedilatildeo uma
vez que jōka eacute uma temaacutetica transversal a todas as vertentes do shintō independentemente do
seu nome ou forma pacificaccedilatildeo retificaccedilatildeo oharai temizu norito misogi kessai natildeo deixam
de ser purificaccedilotildees Contudo soacute se pode falar de uma ldquopurificaccedilatildeordquo se houver razatildeo para tal
se existem rituais que reconduzem o indiviacuteduo agrave Ordem seguramente existem rituais de
natureza antagoacutenica Natildeo haacute Desordem (muchitsujo 無秩序 conotado pela autora com maga
[禍]) sem Ordem (chitsujo 秩序 se bem que algumas fontes favorecem o uso de nao [直]
para expressar esta Ordem uma vez que um dos seus significados eacute o de ldquorestaurarrdquo)
purificaccedilatildeo sem natildeo-purificaccedilatildeo e muito menos pureza sem impureza Estes trecircs pares de
conceitos satildeo interdependentes opostos e complementares Tendo isto como ponto de partida
eacute possiacutevel deduzir o seguinte shintō tem por princiacutepio um equiliacutebrio e um ciclo no qual se
encontra o indiviacuteduo a Via propotildee ao indiviacuteduo o que deve fazer e o que eacute correto fazer bem
como aquilo que natildeo deve fazer
Neste sentido o shintō reuacutene aspetos teoacutericos e praacuteticos como qualquer outra religiatildeo
apresentando a sua proacutepria ldquocosmovisatildeordquo ndash ldquovisatildeo do cosmosrdquo o cosmos eacute conotado com o
coletivo e como tal um dos seus elementos fundamentais eacute o indiviacuteduo que vive neste cosmos
esperando um dia efetivamente ligar-se a ele o que alude a noccedilatildeo de musubi aproximando o
ser humano do kami
Por conseguinte a jōka eacute um processo abrangente e inclusivo e natildeo restritivo ou
exclusivo no qual o ser humano se deve focar auxiliando-o a viver bem consigo e com os
outros A natildeo purificaccedilatildeo precede os atos de purificaccedilatildeo tal como a Desordem precede a
Ordem existindo desde os tempos incertos do Kami-yo relatados pelas mitologias japonesas
Aliaacutes esta DesordemOrdem eacute provocada pelas accedilotildees dos kami Tome-se por exemplo
Susanoo e Amaterasu com a excepccedilatildeo dos episoacutedios nos quais Susanoo repotildee a Ordem
atraveacutes da eliminaccedilatildeo de uma ameaccedila (Yata no Orochi) este kami estaacute sempre associado agrave
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Desordem como consequecircncia da sua rivalidade para com Amaterasu sua irmatilde mais velha
Tal conflito prolonga-se ateacute ao momento da restauraccedilatildeo da Ordem trazida por Ninigi neto de
Amaterasu e inimigo dos descendentes de Susanoo sobre os quais emerge vitorioso
Interessantemente esta reordenaccedilatildeo tem a dupla funccedilatildeo de legitimaccedilatildeo do estatuto de
Amaterasu enquanto governante de Takamagahara e entronizaccedilatildeo de um novo poder
centralizado no territoacuterio japonecircs na figura de um suposto descendente de Amaterasu A nova
ordem coacutesmica simboliza uma nova ordem poliacutetica
Em contrapartida o ciclo de Desordem e Ordem no qual o ser humano natildeo eacute apenas
um espetador mas tambeacutem um participante tem as suas origens nos atos conscientes de
Izanagi durante misogi o primeiro ritual de purificaccedilatildeo a ser mencionado em fontes japonesas
Aliaacutes ldquorituaisrdquo satildeo processos de transiccedilatildeo de um ldquoestado potencialrdquo para a condiccedilatildeo de
ldquoatordquo negativo ou positivo em shintō se rituais de natureza positiva satildeo visualmente
manifestaccedilotildees de apreccedilo e respeito pelos kami e aproximam-nos dos proacuteprios kami rituais de
natureza oposta provocam a distacircncia Por outras palavras rituais satildeo nada mais do que
meacutetodos para atingir um fim a Ordem ou o seu inverso sendo que a purificaccedilatildeo assume um
papel basilar orientando o indiviacuteduo ao longo deste processo Executar rituais de purificaccedilatildeo
significa reconhecer os erros cometidos e efetivamente agir a favor de um coletivo
Afastando-se do que lhe eacute prejudicial e para este coletivo o indiviacuteduo segue a Via dos kami
que o auxilia a viver a vida de forma boa de estar bem consigo e com os outros
Contudo por muito atrativo que pareccedila esta ideia de Ordem eacute inevitaacutevel a seguinte
sucessatildeo de perguntas seraacute que o shintō se resume apenas a isto Um ser humano
ciclicamente sujeito a uma Desordem e Ordem que ele proacuteprio causa ou se deixa afetar por
forccedilas ldquoexterioresrdquo (kami) consequentemente atingindo natildeo apenas a sua pessoa mas tambeacutem
o que o rodeia Natildeo haveraacute uma soluccedilatildeo definitiva Uma ldquoharmoniardquo que seja permanente e
natildeo perioacutedica
Ora esta linha de raciociacutenio natildeo eacute de todo iloacutegica se o shintō existe para benefiacutecio de
quem cumpre com os rituais de purificaccedilatildeo a ldquoharmoniardquo eacute nada mais do que um meio para
atingir o derradeiro fim a felicidade Assim a verdadeira ldquoHarmoniardquo significa ir para laacute da
Desordem e Ordem da reordenaccedilatildeo constante Harmonia eacute equiliacutebrio e uma condiccedilatildeo de
plenitude perpetuada o que soacute acontece quando o ser humano estaacute ligado ao todo um todo
representado parcialmente pela sociedade e pelo indiviacuteduo que estaacute em sociedade
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No contexto do shintō o indiviacuteduo poderaacute ser definido enquanto parte do todo e de
certo modo o proacuteprio todo se a parte estaacute ligada em rede ao todo de uma forma
exclusivamente positiva eacute graccedilas agrave Harmonia De entre os autores contemporacircneos
consultados Stuart Picken destaca-se como o mais assertivo na partilha desta opiniatildeo o
entendimento que este uacuteltimo atribui agrave praacutetica misogi harai (shinjin gōitsu e shinjin kiitsu) jaacute
transparece a noccedilatildeo de Harmonia uma ldquoHarmoniardquo definitiva agrave semelhanccedila do que eacute
proposto pelo texto do Nakatomi Harae Kunge De todos os rituais de purificaccedilatildeo
mencionados este eacute o uacutenico que oferece ao indiviacuteduo algo mais do que uma Ordem
temporaacuteria conseguindo de facto inviabilizar a proacutepria Desordem
Em suma eacute possiacutevel percecionar shinjin gōitsu e shinjin kiitsu como consequecircncia de
um tipo de purificaccedilatildeo que natildeo vem do exterior Ao inveacutes de uma purificaccedilatildeo externa focada
no regresso temporaacuterio agrave Ordem urge-se uma purificaccedilatildeo que tem de vir do ldquointeriorrdquo do
kokoro Quando este atributo humano estiver em Harmonia a purificaccedilatildeo torna-se permanente
para o ser humano um ser humano em equiliacutebrio e liberto do ciclo de Desordem e Ordem que
rege a sua conduta diaacuteria
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Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo I
ANEXOS
Anexo I
Desordem e Ordem de acordo com o terceiro capiacutetulo do Engishiki shokue (orientaccedilatildeo
direita-esquerda da segunda agrave quinta linha) e imi [齋] incluindo sansai e chisai durante os
atos de luto (uacuteltimas quatro linhas da paacutegina) ou no periacuteodo de gravidez das jovens do palaacutecio
(primeiras duas linhas paacutegina seguinte)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo II
Anexo II
Um shinkan executa oharai durante o ldquorito de shūbatsurdquo (shūbatsu no gi修祓の儀) segundo
passo do jichinsai Este matsuri decorreu em 2016 1ordm de novembro (terccedila-feira) prefeitura de
Aomori (Aomori-ken 森県 ) cidade de Hachinoe (Hachinoe-shi 八戸市 ) por parte do
Kabushima jinja (蕪嶋神社) O seu objetivo eacute ldquoapaziguarrdquo os kami do terreno onde se
construiraacute um novo shaden (社殿) isto eacute o edifiacutecio onde se guarda o shintai
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
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Anexo III
Uma jovem executa temizu segurando o utensiacutelio de madeira na matildeo direita que utilizou para
lavar a matildeo esquerda e agora a sua boca O texto abaixo agrave esquerda lecirc-se ldquolimpar o kokoro e
o corpordquo (心身を清める) e temizu (手水) respetivamente agrave direita a frase ldquohidarite de mizo
wo uke kuchi wo susugimasurdquo (左手で水を受け口をすすぎます) significa literalmente
ldquorecebe-se a aacutegua e lava-se a boca com a matildeo esquerdardquo
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
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Anexo IV
Excerto da norito de Minadzuki no tsugumori Ōharae (六月晦日大祓) oitavo volume do
Engishiki Aqui os atos de ldquopurificaccedilatildeordquo (segunda linha a contar da esquerda) provocaram a
eliminaccedilatildeo dos tsumi cometidos pelo coletivo de funcionaacuterios (quarta linha)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
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RESUMO
O presente trabalho procura analisar os rituais que no contexto de shintō
inviabilizam e favorecem a restauraccedilatildeo da Ordem Os rituais por norma portadores de uma
conotaccedilatildeo ldquopositivardquo podem alternativamente ser entendidos como uma sucessatildeo de
pensamentos palavras e accedilotildees justificando a classificaccedilatildeo em positivonegativo consoante os
resultados obtidos
No Japatildeo a gradual institucionalizaccedilatildeo da Via dos kami (shintō) por parte da corte
imperial favoreceu a evoluccedilatildeo de praacuteticas ldquorituaisrdquo executadas por indiviacuteduos que celebravam
a sua relaccedilatildeo com os kami formas de existecircncia e consciecircncia associadas agrave Ordem (na sua
grande maioria) e veneradas ateacute aos dias de hoje
Criado para o bem de quem o segue o shintō reconhece a purificaccedilatildeo como a
preocupaccedilatildeo transversal de todas as suas vertentes Com efeito a purificaccedilatildeo eacute um complexo
processo cujos efeitos natildeo satildeo apenas positivos para o indiviacuteduo mas tambeacutem para o coletivo
isto eacute a sociedade com a qual interage diariamente conduzindo-o agrave Ordem
Contudo natildeo haacute Ordem sem o seu oposto a Ordem e a Desordem satildeo as duas partes
de um ciclo no qual o indiviacuteduo se encontra assumindo um papel fundamental dado que tem
a capacidade de executar rituais se a Ordem eacute a meta dos rituais positivos a Desordem eacute a
consequecircncia dos rituais negativos
Palavras-chave Japatildeo shintō (神道) rituais purificaccedilatildeo (jōka浄化) indiviacuteduo
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 2
ABSTRACT
The following work aims for an analysis of the rituals that in the context of shintō
may invalidate and encourage the restauration of the Order The rituals typically defined by
bearing a ldquopositiverdquo connotation may alternatively be understood as a succession of thought
words and actions which justifies the lsquopositivenegativersquo classification according to the
obtained results
In Japan the gradual institutionalization of the Way of the kami by the imperial court
promoted the evolution of several ldquoritualrdquo practices executed by individuals that celebrated
their relationship with the kami forms of existence and conscience associated to the Order
(the most part of them) and worshiped to the present time
A Way created for the wellbeing of the one who follows it the shintō acknowledges
the purification as the transversal concern of all of its aspects Therefore the purification is a
complex process whose results are not just positive for the individual but also for the
collective meaning the society with whom he interacts on a daily basis which leads him to
the Order Nevertheless there is no Order without its opposite the Order and the Disorder
are the two parts of a cycle in which the individual is found assuming a vital role due to the
fact he has the capacity of executing rituals if the Order is the goal of positive rituals the
Disorder is the consequence of negative rituals
Keywords Japan shintō (神道) rituals purification (jōka浄化) individual
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 3
IacuteNDICE GERAL
GLOSSAacuteRIO 5
INTRODUCcedilAtildeO 9
1 DO PASSADO AO PRESENTE SHINTŌ UMA ldquoRELIGIAtildeOrdquo JAPONESA 16
11 Shintō e kami perceccedilotildees japonesas do lsquosagradorsquo e do lsquodivinorsquo 19
111 O papel de kami na cosmologia japonesa do processo de divisatildeo da
realidade agrave criaccedilatildeo da mesma 24
112 Depois da criaccedilatildeo kami como agentes da Ordem e da Desordemhellip 26
12 Shintō como processo interaccedilotildees com outras ideias vindas de fora 32
121 Via de Confuacutecio dinamizando a eacutetica japonesa 32
122 Via do Dao cultivando a relaccedilatildeo entre o governo japonecircs e o culto aos
kami 35
123 Via do Buda concoacuterdia e discoacuterdia entre praacuteticas shinbutsu 39
13 Shintō no periacuteodo moderno antes e depois de 1945 43
131 A visatildeo nacionalista Meiji uma lsquonatildeo-religiatildeorsquo ao serviccedilo do Estado
japonecircs 44
132 Divulgaccedilatildeo de um legado cultural e histoacuterico shintō a mais popular
religiatildeo japonesa 46
2 SOCIEDADE ESPIRITUALIDADE E EacuteTICA A VIA DOS KAMI E O REGRESSO
Agrave Ordem 48
21 A relaccedilatildeo entre kami e humanos uma resposta a preocupaccedilotildees coletivas e
individuais 48
22 Aleacutem do plano fiacutesico musubi rei e tamashii 50
23 Mal como causa e efeito da Desordem tsumi kegare e imi 53
24 O bem como agente da Ordem rituais de purificaccedilatildeo interna e
externa 79
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CONCLUSAtildeO 97
BIBLIOGRAFIA 101
ANEXOS I
Anexo I I
Anexo II II
Anexo III III
Anexo IV IV
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GLOSSAacuteRIO
Amatsu-no-kami literalmente lsquokami celestesrsquo satildeo um grupo de kami liderados por
Amaterasu Ōmikami e que habitam em Takamagahara (高天原) Nesta divisatildeo encontram-se
ainda os hermafroditas koto-amatsukami (別天つ神)
Fujō termo geneacuterico para designar o que eacute lsquoimpurorsquo aos olhos da sociedade japonesa Por
vezes sinoacutenimo de fuketsu se bem que esta palavra seja usada no contexto de algo
higienicamente reprovaacutevel Num sentido mais amplo fujō representa um estado de Desordem
associando-se com o termo kegare
HaraiHarae atos de lsquopurificaccedilatildeorsquo no sentido de eliminaccedilatildeo da desordem provocada pela
accedilatildeo humana ou natural Haraiharae eacute uma das praacuteticas mais recorrentes das vaacuterias vertentes
de shintō e pode ser praticada de forma individual ou coletiva
Imi palavra de conotaccedilatildeo prejudicial que convida agrave Desordem Comportamento ou algo cuja
natureza eacute negativa e reprovaacutevel de dizerfazer servindo de base etimoloacutegica ao ceacutelebre termo
imikotoba palavras natildeo pronunciaacuteveis em certas ocasiotildees (festivas)
Imuimi lido alternativamente como sai eacute uma conduta positiva e favoraacutevel ao cumprimento
de rituais shintō Frequentemente interpretado como atos de lsquoabstenccedilatildeorsquo fiacutesica e mental
imuimi seriam descritos e categorizados nas obras Yōrō-ryō e Engishiki
Jingikan um instrumento do poder poliacutetico imperial e o oacutergatildeo de manutenccedilatildeo e vigilacircncia
dos vaacuterios jinja desde os primeiros seacuteculos do periacuteodo dinaacutestico japonecircs A niacutevel legal o culto
jingi sujeitava-se agraves regulaccedilotildees do coacutedigo Jingiryō Nos dias de hoje as funccedilotildees do Jingikan
foram essencialmente substituiacutedas pela Jinja Honchō
Jinja espaccedilos fiacutesicos de veneraccedilatildeo aos kami Literalmente os ldquosantuaacuterios de kamirdquo
Kami com frequecircncia traduzido em obras por lsquodeusesrsquo lsquoentidadesrsquo lsquodivindadesrsquo e lsquoespiacuteritosrsquo
podem ser entendidos como formas de existecircncia anteriores e superiores os humanos Apesar
de a maioria atuar como representantes da Ordem os magatsubi-no-kami defendem o seu
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oposto reforccedilando a ideia de princiacutepios contraacuterios mas complementares muito visiacutevel em
shintō
Kata-shiro um pedaccedilo de papel cuja forma lembra uma figura humana o qual se escreveria o
nome e o geacutenero do seu portador esfregando-se este objeto no corpo transmitindo
simbolicamente os tsumi do corpo para o papel Praacutetica costumaacuteria em Ōharae
Kegare traduzido por lsquoimpurezarsquo e por vezes sinoacutenimo da palavra fujō kegare eacute parte da
terminologia de shintō e um dos termos conotados com a Desordem Eventualmente avanccedilos
na consciencializaccedilatildeo do lsquopuroimpurorsquo permitiram um processo de categorizaccedilatildeo cada uma
associada a uma lsquoimpurezarsquo particular
Kokoro lsquocoraccedilatildeorsquo no sentido natildeo anatoacutemico eacute o elemento interior de qualquer pessoa e
associado ao estado emocional da mesma Em contexto acadeacutemico eacute costume o termo ser
traduzido como lsquomentersquo ou lsquocoraccedilatildeomentersquo
Kunitsu-no-kami os lsquokami terrenosrsquo e hierarquicamente inferiores aos amatsu-no-kami No
fundo satildeo kami que jaacute habitariam o Japatildeo antes da conquista de Ninigi o miacutetico neto de
Amaterasu Na sequecircncia da derrota dos kunitsu-no-kami inaugura-se uma nova Ordem
coacutesmica e poliacutetica
Makoto traduzido por lsquosinceridadersquo e lsquoverdadersquo eacute uma atitude positiva inerente aos humanos
e fundamental aquando das praacuteticas de veneraccedilatildeo aos kami Um dos termos profundamente
ligados agrave natureza mais eacutetica de shintō
Matsuri a variaccedilatildeo do verbo matsuru (祭る祀る) na qual o praticante consagra oferendas a
formas de existecircncia respeitaacuteveis (antepassados kami e budas) Por norma expressotildees
puacuteblicas associadas ao culto jingi que durante o tempo de vigor do Jingikan eram
organizadas consoante as regulaccedilotildees do Jingiryō incorporado na obra Engishiki
Misogi harai o ato de banhar o corpo numa fonte de aacutegua ativando as propriedades
terapecircuticas e purificadoras deste elemento No Kojiki e Nihon shoki Izanagi-no-kami eacute
descrito como o primeiro kami a fazer uso deste ritual apoacutes regressar do Yomi o domiacutenio
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subterracircneo da mitologia japonesa Misogi eacute tambeacutem o expoente de purificaccedilatildeo a niacutevel
externo e interno
Meijō uma das palavras para lsquopurezarsquo Etimologicamente constituiacuteda por mei (明) a leitura
foneacutetica alternativa do japonecircs aki akari akarui termos que expressam as ideias de
lsquoclaroclarezarsquo e jō (浄) lsquopuropurarsquo
Musubi contendo em si a noccedilatildeo de lsquoligaccedilatildeorsquo e lsquouniatildeorsquo e de certo modo o Todo Diz-se que
musubi estaacute presente em qualquer elemento que nos rodeia
Norito frases escritas numa linguagem arcaica e hoje usadas em todo o tipo de locais de
veneraccedilatildeo Sobretudo de caraacutecter puacuteblico norito satildeo etimologicamente constituiacutedas pela
partiacutecula nori (祝) cujo kanji eacute usado no verbo lsquocelebrarrsquo (iwau) e kotoba (詞) lsquopalavrarsquo
Fundamentais para a reposiccedilatildeo temporaacuteria da Ordem
Onmyōdō a Via da escola de funcionaacuterios provenientes do Escritoacuterio Yin-Yang cujas
atividades foram reguladas pelos Abe e Kamo hereditaacuterios liacutederes dos cargos mais relevantes
desta instituiccedilatildeo
Saigū tiacutetulo conferido agrave mais importante sacerdotisa escolhida de entre os membros da
famiacutelia imperial para servir nos jinja de Ise e Kamo Jovem cujo periacuteodo de preparaccedilatildeo
envolvia uma lsquoabstinecircnciarsquo rigorosa de trecircs anos
Shinsen conjunto de alimentos (arroz sal aacutegua sake bolos de arroz peixe algas vegetais
cereais e fruta) oferecidos em altares aos kami
Shintai mitamashiro objetos palpaacuteveis (espelhos por exemplo) identificados com o proacuteprio
kami e como tal devem ser venerados de forma adequada Permanentemente escondidos
dentro do jinja e vigiados pelos responsaacuteveis ateacute ao momento dos matsuri ou outras
celebraccedilotildees
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Shintō a Via dos kami (kami no michi) e uma das religiotildees (shūkyō) reconhecidas no plano
estatiacutestico japonecircs que por sua vez a agrupa em jinja shintō ou shintō de santuaacuterios kyōha
shintō o ceacutelebre shintō setorial e as ldquonovas religiotildeesrdquo (shin shūkyō) baseadas em shintō
Tamashii o elemento inerente ao ser humano e aos kami que supostamente eacute constituiacutedo por
quatro aspetos (shikon) cada um representando uma faceta da personalidade individual Se
pertence aos kami tamashii designa-se mitama Em alguns jinja apenas parte da mitama eacute
venerada pelos praticantes
Temizu a forma abreviada de misogi na qual o indiviacuteduo lava a boca e das matildeos Temizu eacute
obrigatoacuterio antes da veneraccedilatildeo nos jinja
Tsumi palavra que significa lsquocrimersquo Eacute algo contraacuterio agrave ordem social independentemente de
esta ser entre os kami ou entre os humanos Eliminados de forma simboacutelica pelas praacuteticas
haraeharai tsumi satildeo por vezes divididos em amatsu-no-tsumi (lsquocrimes celestesrsquo) e kunitsu-
no-tsumi (lsquocrimes terrenosrsquo)
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INTRODUCcedilAtildeO
O trabalho tem como objectivo uma anaacutelise dos rituais que inviabilizam e permitem a
purificaccedilatildeo em shintō O objeto de estudo comporta natildeo apenas uma abordagem histoacuterica-
antropoloacutegica do shintō adotada por muitos autores contemporacircneos mas tambeacutem um olhar
sobre a sua praacutetica ritual que eacute considerada por muitos como o alicerce da lsquoViarsquo (em japonecircs
dō) per si entendendo-se lsquoritualrsquo como a sucessatildeo de pensamentos palavras e accedilotildees Assim eacute
possiacutevel interpretar o homem como aquele que estaacute no ciclo de Desordem e Ordem capaz de
provocar ou deixar-se influenciar pela Desordem e nesse caso o ritual eacute prejudicial negativo
Em contrapartida se se recorrer agrave purificaccedilatildeo os seus efeitos satildeo positivos e a Ordem eacute
temporariamente restaurada Tal como se constata em tradiccedilotildees ditas orientais shintō defende
a noccedilatildeo de equiliacutebrio uma vez que nada surge sem o seu contraacuterio
A escolha da temaacutetica partiu de um interesse pessoal da autora na cultura japonesa
adquirido ao longo da sua vida acadeacutemica sobretudo durante o periacuteodo de licenciatura em
Estudos Asiaacuteticos que possibilitou uma pequena amostra do que tinha sido produzido ateacute
entatildeo por autores japoneses e natildeo japoneses acerca de shintō o que se pretendia natildeo era um
estudo pormenorizado de filosofias da Aacutesia mas sim transmitir em linhas gerais o que satildeo os
lsquoismosrsquo do continente vizinho uns cuja aacuterea de impacto se reduz a uma aacuterea geograacutefica
especiacutefica e outros que beneficiaram de uma expansatildeo significativa No mestrado em Ciecircncia
das Religiotildees apesar de a vertente filosoacutefica das vaacuterias tradiccedilotildees desenvolvidas na Aacutesia ter
sido incorporada shintō natildeo teve o mesmo protagonismo que a Via do Buda a Via de
Confuacutecio ou ainda o pensamento veacutedico Em Portugal a quase indisponibilidade e ausecircncia
de materiais (atualizados) sobre shintō eacute comparaacutevel ao escasso nuacutemero de trabalhos
acadeacutemicos realizados urgindo-se a necessidade de se executar investigaccedilotildees que
contemplem shintō natildeo como uma lsquoreligiatildeorsquo no sentido de ser teiacutesta panteiacutesta monoteiacutesta
politeiacutesta mas como algo aleacutem disso Neste sentido o investigador do shintō deve ignorar os
lsquopreacute-conceitosrsquo estabelecidos por outras perspetivas ocidentais que acabaram por moldar o
mundo acadeacutemico tal como o conhecemos natildeo considerando esta religiatildeo somente de um
ponto de vista estatiacutestico
Nesta perspetiva o trabalho pode ser considerado primeiramente como um texto que
procura divulgar shintō em Portugal Um dos motivos que levou a autora a realizar este
trabalho foi como jaacute referido tentar despertar o interesse das pessoas em shintō permitindo a
abertura de portas a futuras investigaccedilotildees e simultaneamente contrariando a tendecircncia de foco
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do Mestrado de Ciecircncia das Religiotildees nas religiotildees ocidentais Tal tendecircncia pode ser
verificada se o leitor pesquisar a paacutegina virtual do repositoacuterio da Universidade Lusoacutefona de
Humanidades e Tecnologias ndash o ReCiL - Repositoacuterio Cientiacutefico Lusoacutefona de entre as doze
dissertaccedilotildees disponiacuteveis e realizadas por alunos do ldquoMestrado em Ciecircncia das Religiotildeesrdquo
onze satildeo sobre cristianismo ndash em Portugal e no Brasil ndash e uma eacute dedicada a um dos estilos da
arte marcial karatedō (Shotokan Karatedō 松涛館 空手道) 1
tambeacutem este uma Via ndash Via da
ldquomatildeo vaziardquo ou karate - agrave semelhanccedila de shintō Jaacute a Revista Lusoacutefona de Ciecircncia das
Religiotildees publicou cinco artigos dedicados ao Japatildeo do passado especificamente o periacuteodo de
presenccedila cristatilde em territoacuterio japonecircs (e Macau) 2
Apesar de carecer de um fundador ndash apenas vaacutelido no caso de kyōha shintō ldquonovas
religiotildeesrdquo shintō e de certo modo escolas de gakuha shintō criadas como consequecircncia dos
movimentos acadeacutemicos e de exposiccedilatildeo de conceitos e rituais (que conduzem agrave Ordem) ndash um
sistema proacuteprio de ldquofeacuterdquo e ldquoensinamentosrdquo caracteriacutesticas tiacutepicas de uma lsquoreligiatildeorsquo (no sentido
lsquoocidentalrsquo) o shintō eacute praticado pelo indiviacuteduo e como tal este uacuteltimo faz parte do todo isto
eacute do mundo que o rodeia vivendo consoante as decisotildees que toma quer sejam de natureza
positiva ou negativa
Neste sentido a finalidade desta dissertaccedilatildeo natildeo eacute somente divulgar shintō o trabalho
realizado eacute um texto argumentativo que pretende responder a trecircs questotildees o que eacute o ciclo de
Desordem e Ordem o que eacute que o praticante de shintō fazia e ainda faz para causar Desordem
ou Ordem quais satildeo os motivos por detraacutes das accedilotildees que conduzem agrave Ordem
Para tentar responder agraves perguntas acima nomeadas dividiu-se o trabalho em duas
partes cada um com um nuacutemero variado de subtoacutepicos a primeira parte eacute acima de tudo
contextualizaccedilatildeo do tema explicando-se o que se entende por shintō ldquoreligiatildeordquo kami e qual a
relaccedilatildeo destes uacuteltimos com o domiacutenio sagradodivino japonecircs
Assim a realizaccedilatildeo do primeiro subtoacutepico envolveu a procura de algumas opiniotildees
formadas por autores e investigadores constatando-se a necessidade de uma anaacutelise
etimoloacutegica de termos como shintō religiatildeo (em japonecircs shūkyō) kami e ldquosagradodivinordquo
(dicotomia seishin) Em segundo lugar efetuou-se uma siacutentese do que outros autores
(japoneses ou natildeo) entendem por kami por vezes sujeitos a processos de classificaccedilatildeo ou
1 The DSpace Foundation ldquoPercorrer lsquoMestrado em Ciecircncia das Religiotildeesrsquo por data de publicaccedilatildeordquo ReCiL -
Repositoacuterio Cientiacutefico Lusoacutefona (on line)
lthttprecilgrupolusofonaptjspuihandle104375704browsetype=dateissuedgt (consultado em 24-06-2018) 2 The DSpace Foundation ldquoResultados da pesquisa- Revista Lusoacutefona de Ciecircncia das Religiotildeesrdquo ReCiL -
Repositoacuterio Cientiacutefico Lusoacutefona (on line) lthttprecilgrupolusofonaptjspuihandle104373095simple-
searchquery=japC3A3ogt (consultado em 24-06-2018)
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categorizaccedilatildeo Seguidamente kami satildeo analisados enquanto personagens fundamentais da
cosmologia japonesa conforme os relatos do Kojiki e Nihon shoki participando no processo
de divisatildeo da realidade - sendo que esta divisatildeo pode ser tripartida (sobretudo mundo
superior mundo do meio e mundo inferior) ou bipartida (o lsquonosso mundo fiacutesicorsquoo lsquooutro
mundorsquo) ndash e ainda na criaccedilatildeo desta uacuteltima - considerando-se lsquocriaccedilatildeorsquo como o ato consciente
dos kami (neste caso o casal Izanagi e Izanami) de gerar as coisas que compotildeem o nosso
mundo e tambeacutem kami associados a essas mesmas coisas Apoacutes esta criaccedilatildeo certos kami
tornam-se agentes da Ordem (Amaterasu) e da Desordem (Susano-o e Ōkuninushi)
expressando a noccedilatildeo de equiliacutebrio muito presente nos rituais de shintō que explicam a Ordem
como a consequecircncia da condiccedilatildeo de Desordem (o episoacutedio da Ama no Iwato por exemplo)
No uacuteltimo subtoacutepico explicou-se a evoluccedilatildeo de shintō ao longo dos seacuteculos de
interaccedilatildeo com as Vias de Confuacutecio do Dao e do Buda observando a sua integraccedilatildeo na esfera
poliacutetica japonesa desde os primeiros tempos de institucionalizaccedilatildeo das praacuteticas de veneraccedilatildeo
aos kami ateacute agrave atualidade Natildeo obstante deve-se alertar para o facto de que este subtoacutepico natildeo
apresenta shintō numa perspetiva cronoloacutegica a Via do Confuacutecio - a primeira a ser estudada
neste trabalho - influenciou a sociedade claacutessica japonesa mas a adaptaccedilatildeo dos seus
ensinamentos por parte de shintō soacute se veio a realizar num periacuteodo posterior Por outras
palavras se se pretendesse uma evoluccedilatildeo cronoloacutegica de shintō o esquema a seguir seria ldquoVia
de Dao-Via do Buda-Via de Confuacuteciordquo
No que concerne agrave segunda parte esta corresponde ao desenvolvimento do tema e
como tal investiga-se algumas teorias e praacuteticas - uma vez que a teoria daacute coesatildeo agrave praacutetica e a
praacutetica eacute uma forma de dinamizaccedilatildeo da teoria ndash do shintō retratado como uma Via
profundamente social ndash liga os humanos aos kami e vice-versa surgindo kami que atendem agraves
necessidades concretas individuaiscoletivas de quem os procura (Inari Ebisu Shichi Fukujin
e Tenjin) ndashrsquoespiritualrsquo ndash na aceccedilatildeo de se estar perante algo natildeo do domiacutenio palpaacutevel ou fiacutesico
que tambeacutem serve de elo de ligaccedilatildeo humanokami evidenciado pelo desenvolvimento de toda
uma tradiccedilatildeo de lsquoespiritualidade japonesarsquo melhor expressa por musubi rei e tamashii ndash e
lsquoeacuteticarsquo ndash no sentido de existir um bemmal ou seja algo ordenado e algo desordenado que
pode ser sempre reposto evidenciando a natureza ciacuteclica da relaccedilatildeo DesordemOrdem
Aleacutem de se analisar etimologicamente toda uma seacuterie de palavras associadas agrave
lsquoespiritualidadersquo agrave Desordem (tsumi kegare e imi) e agrave Ordem como eacute entendida pelo shintō
(os vaacuterios vocaacutebulos indicativos de lsquopurificaccedilatildeorsquo e algumas norito relevantes) e por algumas
escolas de pensamento desta Via abordam-se duas qualidades internas do ser humano
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denominadas kokoro e makoto integrais ao campo da eacutetica japonesa bem como a shintō Os
rituais conducentes agrave Ordem revolvem em torno da purificaccedilatildeo processo de natureza externa
e interna embora a segunda seja de natureza mais subtil e portanto mais difiacutecil de atingir No
entanto o objetivo eacute sempre o mesmo contrariar o desequiliacutebrio trazido por tsumi kegare e
imi devolvendo o indiviacuteduo (e o que o rodeia) ao seu estado ordenado confirmando a ideia
de que o shintō eacute importante natildeo apenas para o indiviacuteduo
Enquanto temaacutetica de estudo os rituais de purificaccedilatildeo e de natildeo purificaccedilatildeo em shintō
satildeo uma novidade em contexto nacional mas natildeo propriamente no mundo acadeacutemico
internacional milhares de autores redigiram livros sobre shintō ou pequenos artigos sobre
ldquopurificaccedilatildeordquo ldquorituaisrdquo e ldquoimpurezardquo se bem que tsumi kegare e imi (negativo) nunca satildeo
apelidados de ldquorituaisrdquo per si No entanto este trabalho utiliza a palavra ldquorituaisrdquo num sentido
abrangente ao inveacutes de investigadores que se cingem agrave definiccedilatildeo sugerida pelo dicionaacuterio
quando o indiviacuteduo realiza algo constantemente e da mesma maneira faz um ldquoritualrdquo Em
contexto religioso ldquorituaisrdquo tendem a ser vistos como exclusivamente positivos nunca
negativos
Poreacutem ao redefinir-se ldquoritualrdquo como um padratildeo de pensamentos palavras e accedilotildees natildeo
se inviabiliza a hipoacutetese de existirem ldquorituaisrdquo que provocam o oposto do que se pretende
Interessantemente alguns autores contemporacircneos de shintō cingem-se ao ldquoritualrdquo como o
que permite o regresso agrave Ordem na introduccedilatildeo de Sourcebook in Shinto Selected Documents
Resources in Asian Philosophy and Religion (2004) Stuart Picken diz que a ldquotransmissatildeo de
Shinto (hellip) eacute mais sobre agenda do que credenda coisas a serem feitas do que coisas a serem
acreditadasrdquo colocando ldquoritualrdquo em primeiro plano 3 Aqui estaacute claramente expresso a ideia
de ldquorituais-Ordemrdquo uma vez que ldquocoisas a serem feitasrdquo satildeo logicamente coisas cujos
resultados beneficiam o indiviacuteduo Por outro lado John Breen e Mark Teeuween nomeiam
trecircs categorias de ldquorituaisrdquo cuja praacutetica eacute da responsabilidade de jinja 4 Ora uma vez que
jinja satildeo os mais relevantes espaccedilos de veneraccedilatildeo aos kami subentende-se a Ordem como a
consequecircncia destes ldquorituaisrdquo
Todavia o shintō tem por princiacutepio a noccedilatildeo de equiliacutebrio conhecer shintō significa
conhecer a Ordem e a Desordem se rituais de satildeo o meio por excelecircncia para atingir a Ordem
a natildeo purificaccedilatildeo conduziraacute agrave Desordem Em suma tsumi kegare e imi satildeo rituais porque satildeo
3 PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto Selected Documents Resources in Asian Philosophy and Religion
Westport Greenwood Publishing Group 2004 pxxi 4 BREEN John TEEUWEN Mark A New History of Shinto Chicester Wiley-Blackwell 2010 p3
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realizados (de forma directa e indireta) pelo indiviacuteduo embora possuam diferentes origens e
caracteriacutesticas
No que concerne agrave metodologia e fontes utilizadas um dos criteacuterios a ter em conta foi
a contemporaneidade o shintō continua a ser um tema muito popular entre autores e como tal
um estudo mais proacuteximo desta Via requer o recurso a livros publicados recentemente e natildeo haacute
meio seacuteculo atraacutes tais como Essentials of Shinto An Analytical Guide to Principal Teachings
(1994) cujo autor Stuart Picken apresenta as vaacuterias categorias de shintō de uma forma sucinta
apresentando uma cronologia de eventos relevantes explicando de que maneira a conjuntura
histoacuterico-poliacutetica japonesa influenciou shintō A sua obra pode servir como um ponto de
partida para interessados ou estudiosos uma vez que aborda shintō do passado e shintō
moderno (incluindo os rituais de purificaccedilatildeo usados em ambos) Um outro ponto muito
positivo eacute a ausecircncia de ldquotermos ocidentaisrdquo como ldquoShintoiacutestardquo e ldquodeusrdquo 5 uma metodologia
igualmente favorecida pela autora
Eacute tambeacutem interessante notar que ao longo deste livro satildeo constantemente citadas e
explicadas fontes japonesas (antigas sobretudo) justificando a sua utilizaccedilatildeo (em simultacircneo
com a leitura na linguagem original) na fundamentaccedilatildeo dos subtoacutepicos da dissertaccedilatildeo Por
exemplo Kojiki Nihon shoki Engishiki e Norito 6 As primeiras duas satildeo fundamentais no
que diz respeito agrave mitologia e cosmologia japonesas ndash o termo lsquocosmologiarsquo eacute mais
apropriado do que lsquoteologiarsquo uma vez que shintō natildeo reconhece deuses ndash observando-se a
inclusatildeo da temaacutetica Desordem e Ordem primeiro como resultados das accedilotildees de alguns kami
e depois como consequecircncias dos rituais (tsumi kegare) dos proacuteprios indiviacuteduos como se
pode constatar nas croacutenicas imperiais do Nihon shoki
Jaacute o Engishiki eacute um texto de caraacutecter lsquolituacutergicorsquo tal como o Saigūki e o Kōtai Jingū
Gishiki-chō Ao longo da investigaccedilatildeo utilizou-se Engi-shiki Procedures of the Engi era
Books I-V Translated with introduction and notes by Felicia Gressitt Bock 1970 e a obra
Norito (1990) de Donald Philippi que reuacutene dezenas de norito entoadas nos diversos matsuri
celebrados ao longo do ano uns de caraacutecter mais lsquoimperialrsquo do que outros ambas obras
refletem o impacto do estudo da praacutetica ldquoritualrdquo (que conduz agrave Ordem) no shintō Contudo as
traduccedilotildees foram sempre lidas em paralelo com o texto original facultado pela paacutegina virtual
da Waseda University Library e ainda Mikoorg (apenas os oito volumes do Jingiryō satildeo
integrais ao objeto de estudo)
5 PICKEN Stuart Essentials of Shinto An Analytical Guide to Principal Teachings Westport Greenwood
Publishing Group 1994 pp xvii-xviii 6 PICKEN Stuart op cit p381
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Por outro lado o Saigūki e o Kōtai Jingū Gishiki-chō satildeo obras arcaicas que registam e
explicam determinados rituais prejudiciais ao indiviacuteduo isto eacute kegare e imi (imikotoba no
caso do Kōtai Jingū Gishiki-chō) Ora a informaccedilatildeo disponibilizada deve ser complementada
pelo estudo de outras fontes japonesas explica-se assim o porquecirc do recurso a textos
ldquooficiaisrdquo ndash Nihon shoki Nihon sandai Jitsuroku Nihon Kōki e ShokuZoku Nihongi) e de
caraacutecter mais legislativo Yōrō-ritsuryō e Jingiryō ambos frequentemente referenciados em
artigos contemporacircneos de autores japoneses numa tentativa de explicar alguma da
terminologia de shintō (vocaacutebulos conotados com Desordem e Ordem)
A segunda fonte primaacuteria eacute Sourcebook in Shinto Selected Documents Resources in
Asian Philosophy and Religion (2004) novamente Picken cita passagens traduzidas do Kojiki
e o Nihon shoki que explicam a criaccedilatildeo e divisatildeo da realidade Este meacutetodo de citaccedilatildeo de
passagens de textos relevantes aplica-se a toda a obra auxiliando o interessado no estudo de
shintō segundo a perspetiva das escolas de pensamento (Yoshida e Ise em particular) e a
escola kokugaku ambas vaacutelidas no que concerne ao aprofundamento do que se entende por
caraacutecter ldquoeacuteticordquo em shintō ldquopurezardquo kokoro e makoto satildeo frequentemente objeto de estudo
graccedilas agrave anaacutelise de outros textos antigos e de cariz oficialimperial
No que diz respeito ao livro produzido por John Breen e Mark Teuween A New
History of Shinto possui alguns pontos positivos o uso de termos japoneses a inclusatildeo de
uma cronologia e mitologia de shintō com base em fontes japonesas (traduzidas) analisando-
se ao pormenor o ceacutelebre episoacutedio Ama no Iwato uma curiosa passagem que tambeacutem foi
estudada no acircmbito desta dissertaccedilatildeo uma vez que a temaacutetica Desordem e Ordem estaacute
bastante presente embora notando-se a ausecircncia do indiviacuteduo quem participa nos rituais satildeo
os kami e natildeo os humanos
Por uacuteltimo The Kami Way de Ono Sokyō eacute um livro introdutoacuterio a shintō mas muito
mais simples do que as obras de Picken apesar de tambeacutem sintetizar a mitologia e cronologia
desta Via Espeacutecie de minienciclopeacutedia de shintō sobretudo focada na tradiccedilatildeo de jinja shintō
(rituais cerimoacutenias siacutembolos e elementos pertencentes ao domiacutenio do ldquosagradordquo) The Kami
Way eacute um livro que enfatiza a ideia de que shintō eacute uma religiatildeo e como tal a linguagem
usada eacute muito diferente da que Picken ou Breen e Teuween algo que pode ser justamente
considerado como um ponto negativo termos duacutebios incluem ldquokami-feacuterdquo ldquosagradordquo ldquomenterdquo
ldquoalmardquo certamente reconheciacuteveis para o puacuteblico-alvo natildeo-japonecircs mas que dificilmente
seriam aceites pelos autores anteriormente mencionados cujas obras procuram ser o mais fieacuteis
ao seu objeto de estudo shintō pertence agrave realidade japonesa e como tal traduccedilotildees de termos
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 15
japoneses natildeo satildeo recomendaacuteveis Jaacute um dos seus pontos positivos eacute oferecer ao leitor a
perspetiva japonesa da natureza humana subentendo o reconhecimento de uma eacutetica
(certoerrado) reforccedilando o porquecirc de shintō ser uma Via criada para o bem e a felicidade do
indiviacuteduo
Aleacutem destas quatro obras acrescenta-se o dicionaacuterio etimoloacutegico da autoria de
Nishigaki Yukio (2005) ndash etimologia eacute uma ferramenta indispensaacutevel para a compreensatildeo de
shintō dada as suas origens natildeo ocidentais - alguns episoacutedios do Kojiki (Takeda Tsunegaki) e
Nihon shoki (a traduccedilatildeo desatualizada de Aston utilizada por Picken e a versatildeo presente no
site Nihonsinwa) No caso concreto das obras japonesas claacutessicas e modernas referenciadas
sobretudo por Picken o texto original foi disponibilizado nas bibliotecas virtuais japonesas
National Diet Library (6ordm volume do Koshiden Hirata Atsutane) J-Texts e Kodaishi Dassai
com a exceccedilatildeo do Yōrō-ritsuryō que foi individualmente traduzido para japonecircs moderno no
website Kansei Daikan
Com efeito o recurso a fontes virtuais revelou-se fundamental no decorrer da
investigaccedilatildeo devendo-se destacar paacuteginas de instituiccedilotildees japonesas tais como a Encyclopedia
of Shinto - organizada pela Universidade Kokugakuin o dicionaacuterio virtual japonecircs Kotobank
que compila as sugestotildees de definiccedilatildeo de um termo por vezes pronunciando-se sobre a sua
etimologia Acrescenta-se ainda paacuteginas virtuais dedicadas agraves obras de Motoori Norinaga
(Kumo no Ikada Yamato Gokoro) e paacuteginas oficiais de setores shintō cujos objetivos
revolvem em torno da purificaccedilatildeo adotando-se certas condutas e rituais
Por uacuteltimo todos os termos estrangeiros foram escritos em letras do alfabeto e em
itaacutelico seguidas sempre dos caracteres que a compotildeem (no caso de termos chineses e
japoneses) o mesmo aplicando-se ao nome completo dos kami jinja e matsuri Em caso da
traduccedilatildeo dos vocaacutebulos japoneses utilizou-se a expressatildeo cujo significado eacute o mais proacuteximo
do original Contudo numa tentativa de se ser fiel agrave fonte e ao objeto de estudo optou-se mais
pela natildeo-traduccedilatildeo kami eacute kami tsumi eacute tsumi kegare eacute kegare e assim sucessivamente A
principal razatildeo por detraacutes desta metodologia eacute evitar o processo de incompreensatildeo da temaacutetica
abordada como resultado da transposiccedilatildeo da proacutepria mentalidade do investigador Com efeito
a fraca familiarizaccedilatildeo com a aacuterea de estudo origina a traduccedilatildeo (incorreta) de termos uacutenicos
por palavras que o seu puacuteblico-alvo natildeo japonecircs facilmente consegue perceber mas que satildeo
estranhas a shintō ou a outras lsquoreligiotildeesrsquo asiaacuteticas
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
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1 DO PASSADO AO PRESENTE SHINTŌ UMA ldquoRELIGIAtildeOrdquo JAPONESA
Escrever sobre religiotildees eacute sempre um desafio ainda mais quando a aacuterea de estudo
tem as suas reservas no que concerne agrave expressatildeo lsquoreligiatildeorsquo de difiacutecil caracterizaccedilatildeo mesmo
no mundo ocidental lsquoReligiatildeorsquo tende a ser identificada com os sistemas de lsquofeacutersquo teiacutestas
particularmente os monoteiacutestas ndash cristianismo judaiacutesmo e islatildeo ndash e politeiacutesmos na Aacutesia o
termo natildeo se pode usar com tanta facilidade religiatildeo eacute antes de mais uma palavra introduzido
relativamente recente e certamente de forma natildeo espontacircnea
No caso do Japatildeo lsquoreligiatildeorsquo natildeo existia ateacute aos meados do seacutec XIX o acolhimento
de ideias exteriores ao territoacuterio japonecircs teraacute gerado uma definiccedilatildeo muito especiacutefica de
lsquoreligiatildeorsquo e da sua favorita traduccedilatildeo japonesa shūkyō especificamente traduzindo-se o termo
inglecircs religion algo que eacute problemaacutetico por dois principais motivos os caracteres que
compotildeem a palavra (shū 宗 e kyō 教 respetivamente lsquosetoresrsquo e lsquoensinamentosrsquo) - e que jaacute
existiam de facto em forma isolada nunca em conjunto - satildeo de origem budista pondo em
causa a ldquovalidaderdquo de shintō cuja ecircnfase natildeo eacute em doutrinas ou shū 7 embora natildeo se deva
excluir a sua existecircncia
Segundo Nakamura Hajime shūkyō teria as suas origens na expressatildeo shū no oshie
(宗の教え ) ou lsquoensinamento dos setoresrsquo ndash shū significa o ldquoderradeiro significado do
princiacutepio e da verdade (hellip)rdquo presente nos ensinamentos (oshie) antes do Periacuteodo Meiji (1868-
1912) shūkyō encontrar-se-ia numa posiccedilatildeo subordinada a bukkyō (仏教) que por sua vez eacute
entendido como a fusatildeo de vaacuterios shūkyō num soacute Jaacute no Periacuteodo Meiji shūkyō torna-se um
suposto ldquoconceito supra ordenadordquo de bukkyō 8 ambas explicaccedilotildees revelam a importacircncia
desta Via como ponto de partida para o que se entende por lsquoreligiatildeorsquo termo hoje vaacutelido e
aceite pela sociedade moderna japonesa em vaacuterias aacutereas
A segunda principal razatildeo tem que ver com imagens quando um cidadatildeo europeu ou
americano pensa sobre lsquoreligiatildeorsquo serve-se do que sabe isto eacute o que a sua educaccedilatildeo e meio
envolvente lhe providenciaram um espaccedilo proacuteprio de crenccedila textos uma noccedilatildeo de lsquosagradorsquo
um fundador e eacute claro os que acreditam firmemente nesses textos e se esforccedilam por propagar
as suas ideias Se lhe perguntarem sobre outras lsquoreligiotildees natildeo-ocidentaisrsquo recorreraacute ao que eacute
7 ISOMAE Junrsquoichi ldquoDeconstructing lsquoJapanese Religionrsquo A Historical Surveyrdquo Japanese Journal of Religious
Studies nordm 32 (2) 2005 pp 235 ndash 248 8 Ateacute ao seacutec- XVII o ldquobudismordquo natildeo era formalmente designado bukkyō (仏教) mas antes butsudō (仏道) ou
ainda buppō (仏法) IWAI Hiroshi ldquo日本宗教の理解に関する覚書rdquo (ldquoNotes on the Understanding of
Japanese Religionrdquo) Kenkyū kiyō (研究紀要) nordm 5 2004 pp 79-89
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
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do conhecimento geral publicado em livros e outros meios de informaccedilatildeo Por outras palavras
budismo hinduiacutesmo taoiacutesmo e xintoiacutesmo satildeo convenientemente considerados lsquoreligiotildeesrsquo e
como consequecircncia natildeo eacute de estranhar a quantidade de traduccedilotildees erroacuteneas de conceitos e
ideias dessa mesma religiatildeo em livros escritos por peritos quer japoneses como natildeo-nativos 9
qualquer guia sobre ldquoreligiotildees do mundordquo teraacute uma entrada sobre xintoiacutesmo comeccedilada mais
ou menos nas linhas de ldquoxintoiacutesmo eacute a religiatildeo nativa japonesardquo 10
ecoando o que foi escrito
cerca de um seacuteculo antes por Anesaki Masaharu creditado como ldquoinventorrdquo da expressatildeo
moderna lsquoreligiatildeo japonesarsquo (nihon shūkyō 日本宗教) que eacute acolhida inicialmente por um
puacuteblico ocidental e soacute posteriormente pelos proacuteprios japoneses 11
Forte apoiante da visatildeo lsquoxintoiacutesmo = religiatildeorsquo Anesaki Masaharu acentua o caraacutecter
japonecircs de shintō descrevendo-o como ldquoum complexo de antigas crenccedilas e observacircnciasrdquo que
ao contraacuterio do budismo (e do cristianismo) nunca se deparou com perseguiccedilotildees a niacutevel
poliacutetico sendo preservado ao longo de seacuteculos pelos japoneses Apoiado na veneraccedilatildeo dos
kami sobretudo Amaterasu a antepassada miacutetica da casa imperial associada ao sol shintō eacute
um tipo de culto lsquonacionalrsquo diretamente ligado agrave paz prosperidade e estabilidade do Japatildeo 12
Historicamente shintō natildeo foi lsquopreservadorsquo no sentido de permanecer
inalteraacutevel independentemente de alguns sacerdotes e estudiosos partilharem da visatildeo de
Anesaki perspetivando shintō como algo autoacutenomo e independente de influecircncias externas
desde tempos imemoriais ateacute agrave atualidade 13
este uacuteltimo foi um processo iniciado no Japatildeo e
cujo crescimento jamais resulta do isolamento mas antes do contacto com todo o tipo de
ideias de fora (e de dentro) a adaptaccedilatildeo de ldquoantigo pensamento Chinecircs Budismo Onmyōdō
Confucionismo Shugendō e Cristianismordquo agrave realidade japonesa permite numa eacutepoca
posterior propostas de categorizaccedilatildeo e classificaccedilatildeo de shintō jinja shintō kyōha shintō
shintō filosoacutefico ou escolaacutestico (gakuha shintō 学派神道) shintō imperial (kōshitsu shintō皇
室神道) e shintō folcloacuterico (minzoku shintō 民俗神道) 14
Em suma natildeo existe um uacutenico
9 Como jaacute mencionado na Introduccedilatildeo a traduccedilatildeo eacute um risco a correr que natildeo eacute avaliado pelos autorestradutores
de entre os erros mais tiacutepicos nos livros sobre shintō destacam-se ldquopecadordquo como traduccedilatildeo de tsumi e ldquodeus
divindadedivinordquo para expressar o conceito de kami 10
ONO Sokyō Shinto the Kami Way Singapore Tuttle Publishing 2004p 1 11
ISOMAE Junrsquoichi ldquoDeconstructing lsquoJapanese Religionrsquo A Historical Surveyrdquo Japanese Journal of Religious
Studies nordm 32 (2) 2005 pp 235 ndash 248 12
ANESAKI Masaharu History of Japanese Religions with special reference to the social and moral life of the
nation 3rd ed London The Kegan Paul Japan Library 1995 p 22 13
KURODA Toshio ldquoShinto in the History of Japanese Religionrdquo Journal of Japanese Studies nordm 7 (1) 1981
pp 1-21 14
INOUE Nobutaka ldquoIntroduction The History of Shintordquo Encyclopedia of Shinto 1 General Introduction
Introduction of Shinto (on line) lthttpk-
amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=22906gt (consultado em 24-06-2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
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shintō mas antes muacuteltiplos shintō que contribuiacuteram significativamente em termos sociais e
culturais
Descrito por Stuart Picken como a ldquoexpressatildeo natural dos sentimentos espirituais do
povo japonecircs que cresceu e evoluiu com o desenvolvimento da histoacuteria japonesa e sociedaderdquo
shintō eacute um exemplo atiacutepico de uma lsquoreligiatildeorsquo no sentido geral do termo ao contraacuterio do
budismo (bukkyō 仏教) Islatildeo (isuramukyō イスラム教) hinduiacutesmo (indokyō インド教)
cristianismo (kirisutokyō キリスト教) judaiacutesmo (yudayakyō ユダヤ教) confucionismo
(jukyō 儒教) e taoiacutesmo (dōkyō 道教) shintō (神道) foi nomeado como um dō (em chinecircs dao
道) e natildeo como um kyō agrave semelhanccedila de outras Vias como kadō (華道) sadō (茶道) kyūdō
(弓道 ) respetivamente a Via das flores a Via do chaacute e a Via do arco A prioridade de shintō
eacute como o termo sugere tornar-se uma Via um modo de orientaccedilatildeo para o indiviacuteduo algo
expresso no curioso termo kannagara 15
Deste modo shintō assemelha-se a um modo de
conduta uma disciplina ou praacutetica que coloca os lsquoensinamentosrsquo em segundo plano em favor
do desenvolvimento de uma eacutetica proacutepria que recebeu influecircncias sobretudo confucianas
Consequentemente a perspetiva de shintō como lsquoreligiatildeorsquo num sentido diferente ao
que eacute transmitido em contexto ocidental tem sido apoiada por alguns autores japoneses e
igualmente praticantes de shintō Sonoda Minoru um professor emeacuterito da Universidade de
Quioto e principal sacerdote do Chichibu Jinja (秩父神社 ) observa a necessidade de
distinccedilatildeo entre religiotildees e shintō se o Cristianismo e outras ldquoreligiotildees mundiaisrdquo possuem
uma base assente numa ldquodoutrina universal e um acredita ou natildeo acredita - eacute tudo acerca de feacute
colocada num sistemardquo cuja evoluccedilatildeo adquire contornos de proselitismo - shintō eacute na sua
essecircncia uma ldquoreligiatildeo de culturardquo que natildeo pretende a consistente ldquoiniciaccedilatildeordquo de pessoas
numa ldquofeacuterdquo esta religiatildeo nada tem que ver com feacute mas antes ldquopraacutetica ritualrdquo enraizada numa
ldquosociedade agriacutecola primaacuteriardquo Por uacuteltimo conclui que estes sistemas optaram por uma
estrateacutegia de conquista modelando a conduta dos seus crentes perseguindo e eliminando
adversaacuterios quando lhes convinha ao contraacuterio de shintō que teria desaprovado de tais accedilotildees
Aliaacutes o acto de preservar a vida e celebraacute-la eacute nada mais do que a derradeira preocupaccedilatildeo
desta Via 16
Com efeito Sonoda foca-se na ldquoquestatildeo doutrinaacuteriardquo como a caracteriacutestica mais
15
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp xxii-xxiii 16
As citaccedilotildees em questatildeo foram retiradas das entrevistas feitas pelo investigador Leif Sandvik e pela Sasakawa
Peace Foundation sendo posteriormente integradas no estudo deste uacuteltimo sobre a ldquoreinvenccedilatildeordquo de shintō como
uma ldquoreligiatildeo ecoloacutegicardquo SANDVIK Leiff Showcasing Shinto The Reinvention of Shinto as an Ecological
Religion Masterrsquos Degree Thesis in History of Religion submitted to the Department of Culture Studies and
Oriental Languages of the University of Oslo supervised by Prof Nora Stene Preston and Prof Dr Mark
Teuween 2011
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definidora das ldquoreligiotildeesrdquo monoteiacutestas se Cristianismo (e outras ldquoreligiotildeesrdquo) regem-se pelo
princiacutepio da ldquodualidaderdquo (ser crente ou natildeo) o mesmo natildeo se pode dizer de shintō
Na sua forma mais ldquocruardquo shintō talvez pode ter sido uma coletacircnea de aspetos
ldquoanimistas xamanismo veneraccedilatildeo de antepassados e veneraccedilatildeo da naturezardquo bem como
noccedilotildees proacuteprias de normas sociais incluindo o reconhecimento de ldquotabusrdquo ldquoofensasrdquo e a
necessidade de ldquopurificaccedilatildeordquo natildeo apenas a niacutevel fiacutesico 17
Apresentando ainda um fraco grau
de organizaccedilatildeo a Via dos kami era um coletivo de ideias seguidas pela comunidade que se
focava em obter meios de subsistecircncia a relaccedilatildeo entre a comunidade e as ldquoforccedilas
incompreensiacuteveisrdquo (kami) por detraacutes do sucesso ou do prejuiacutezo das colheitas baseava-se na
relaccedilatildeo dar-receber apelar aos kami trazia benefiacutecios para a comunidade e em troca a
comunidade faria o que naturalmente eacute suposto fazer agradecer de forma sincera atraveacutes de
oferendas (comida tecidos armas) Ora tal costume ainda hoje permanece vivo na memoacuteria
dos japoneses quer se trate de uma veneraccedilatildeo aos kami em casa quer dentro da aacuterea dos jinja
oferecer algo aos kami fortalece a ligaccedilatildeo do kami ao indiviacuteduo
11 Shintō e kami perceccedilotildees japonesas do lsquosagradorsquo e do lsquodivinorsquo
Contudo ateacute hoje natildeo se conhece um fundador ou extensiva doutrina que explicite
um credo ou sistema de crenccedila de shintō ndash apesar de shintō setorial possuir fundadores
individuais cujos textos transmitidos aos seguidores funcionam como lsquoensinamentosrsquo 18
ndash
demarcado pelo seu caraacutecter ritual e veneraccedilatildeo de seres de natureza indefinida denominados
kami em espaccedilos designados jinja nos quais se pode vislumbrar o domiacutenio do ldquosagradordquo
segundo Mircea Eliade ldquoo homem das sociedades arcaicas tende a viver tanto quanto possiacutevel
no sagrado ou em proximidade a objetos consagradosrdquo 19
no caso japonecircs este ldquosagradordquo
tambeacutem pode ser equiparado com a proacutepria natureza antes de existirem jinja propriamente
ditos espaccedilos abertos eram usados para realizaccedilatildeo de cerimoacutenias sazonais nas quais o kami se
manifestaria temporariamente 20
Estamos pois perante um plano de realidade associado a
sentimentos de admiraccedilatildeo pelo fantaacutestico e misterioso florestas rios pedras montanhas tudo
17
KURODA Toshio ldquoShinto in the History of Japanese Religionrdquo Journal of Japanese Studies nordm 7 (1) 1981
pp 1-21
18 PICKEN Stuart Essentials of Shinto opcit p 212
19 ELIADE Mircea The Sacred and the Profane the nature of religion Traduzido do Francecircs por William
Trask NY Harvest Harcourt Brace amp World Inc 1961 pp 10-12 20
BREEN John TEEUWEN Mark A New History of Shinto Chicester Wiley-Blackwell 2010 pp 25-26
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podia ser kami ndash entendido no sentido de lsquosagradorsquo se as pessoas o identificassem como tal
conferindo um significado especial
Em japonecircs lsquosagradorsquo eacute escrito de duas maneiras sei (聖 ) - sheng na leitura foneacutetica
chinesa (em chinecircs simplificado圣) - integra os vocaacutebulos seisho (聖書) - a Biacuteblia - seichi
(聖地) terrenoTerra Santa seibō (聖母) eacute a Matildee Santa (Virgem Maria) seija (聖者) eacute o
homem santo (Cristianismo) seisen聖戦 (Guerra Santa) e assim sucessivamente Como se
pode constatar as palavras mencionadas natildeo tecircm nada a ver com shintō e denotam o sagrado
tal como eacute visualizado pela cultura ocidental
Jaacute o segundo termo shinjin (神) lido agrave maneira japonesa como kami mi kan ka ou
hi 21
fortalece a ideia lsquosagrado = kamishintōrsquo qualquer palavra que comece ou que acabe
neste caractere geralmente pertence ao mundo shintō jinja (神社) moradas permanentes dos
kami que desde 1945 dependem financeiramente do puacuteblico natildeo do Estado 22
kagura (神楽)
a danccedila tradicional japonesa (shintō de santuaacuterios) 23
amatsu-no-kami (天つ神) e kunitsu-no-
kami (国つ神) cuja entronizaccedilatildeo nos jinja originou o sistema de classificaccedilatildeo jingi (神祇) ldquoo
conceito central em torno do qual a corte organizava o seu poder sacerdotalrdquo 24
Numa perspetiva etimoloacutegica os caracteres natildeo podiam ser mais diferentes sei (聖)
decompotildee-se em trecircs partes ou seja lsquoorelharsquo (耳) lsquobocarsquo (口) e por um ideograma que
supostamente representaria uma pessoa endireitada indicando um indiviacuteduo que possui a
habilidade de ldquoouvirrdquo uma ldquovontade divinardquo isto eacute algueacutem com grande niacutevel de
conhecimento e cultura e dotado de uma ldquovirtuderdquo ideia muito visiacutevel no pensamento
confuciano Aliaacutes se lido como sei o kanji corresponde a um atributo humano conotado com
boas intenccedilotildees e nunca malignas Jaacute na sua leitura como hijiri [聖] eacute um vocaacutebulo respeitoso
aplicado exclusivamente ao proacuteprio Imperador 25
Por outro lado o kanji usado para escrever kami eacute a forma lsquosimplificadarsquo do
caractere arcaico [神 ] presente em jingi (神祇 ) agrave semelhanccedila do caractere usado para
21
A leitura de [神] como hi verifica-se em himorogi (神籬) o espaccedilo aberto delimitado por uma corda e no qual
se pode preceder agrave veneraccedilatildeo do kami Posteriormente o papel dos himorogi eacute substituiacutedo pelos jinja Cf
PICKEN Stuart op cit p 127 22
BREEN John TEEUWEN Mark op cit p 2 23
NISHIGAKI Yukio Nihongo no Gogen jiten (日本語の語源辞典) Tokyo Bungeisha 2005 p189 24
BREEN John TEEUWEN Mark op cit pp 25-26 25
Uma vez que as possiacuteveis interpretaccedilotildees do caratere [聖] prendem-se com a questatildeo da natureza humana e do
comportamento ldquocorretordquo eacute possiacutevel concluir que se surgir isoladamente sei tem algumas implicaccedilotildees eacuteticas
Dejitaru Daijisen ldquo聖 (せい )rdquo コトバンク (on line) lthttpskotobankjpwordE88196-85468gt
(consultado em 24-06-2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
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escrever a palavra lsquoritorsquo (li 禮 escrito atualmente em japonecircs como rei 礼) o kanji partilha da
mesma raiz o kanji [示] do qual deriva o verbo shimesu ou lsquoindicarrsquo servindo de raiz a
palavras relevantes dentro do contexto cerimonial ndash oraccedilatildeo (inori祈り) celebraccedilatildeo (iwai 祝
い) antepassado (sosen祖先) ndash e termos da linguagem comum como lsquofalta de educaccedilatildeosem-
maneirasrsquo (shitsureiburei失礼 無礼) jaacute o segundo kanji eacute o mesmo usado para lsquoproferirrsquo ou
mousu (申す)
Aliaacutes de acordo com Fujita Tomio um dos contribuidores para o Nippon
Daihyakkazensho (日本大百科全書) publicado em 1984 shin [神] expressaria o ldquoaltarrdquo [示]
ao qual se juntava a forma pictograacutefica de um relacircmpago (申) possivelmente devido ao facto
de o primeiro kanji usado para a palavra lsquorelacircmpagorsquo (denkō 電光) ter na sua ldquoextremidaderdquo o
caractere [申] No entanto devido agrave escolha do kanji [神] para indicar kami comeccedilou-se a
considerar a hipoacutetese de este ter um significado natildeo muito diferente de shangdi (em japonecircs
jōtei 上帝) indicando a suprema entidade natildeo material reconhecida pelo pensamento chinecircs
arcaico 26
Nos dias de hoje kami continua a ser analisado por parte de estudiosos japoneses e
natildeo-japoneses Aike Rots aponta a fluidez do conceito de kami descrevendo-o como ldquouma
forccedila omnipotente singular bem como muacuteltiplos seres espirituais pode referir-se a criaturas
antropomoacuterficas ou zoomoacuterficas fenoacutemenos naturais poderes abstratos ou antepassados
deificadosrdquo 27
Contudo a interpretaccedilatildeo mais aceite foca-se na ideia lsquokami=qualidadersquo algo
natildeo algo tangiacutevel que se assemelha a um atributo digno de admiraccedilatildeo que se pode manifestar
e encontrar na ldquonatureza claro mas tambeacutem humanos animais criaturas miacuteticas deuses e
ainda objetos feitos pelo homem tais como automoacuteveis ou comboiosrdquo 28
Por sua vez esta definiccedilatildeo parece ecoar a de Motoori Norinaga (本居宣長 1730-
1801) ceacutelebre pensador da escola do Ensino Nacional (kokugaku 國學) e comentador de
textos centrais a shintō bem como autor de exposiccedilotildees acerca das praacuteticas desta Via kami satildeo
26
FUJITA Tomio ldquo 神の語義 rdquo コトバンク (on line) lthttpskotobankjpwordE7A59E-
46603E5A4A7E8BE9EE69E9720E7ACACE4B889E78988gt (consultado em 24-06-2018) 27
ROTS Aike Forests of the Gods Shinto nature and sacred space in contemporary Japan Dissertation
submitted to the Department of Culture Studies and Oriental Languages of University of Oslo in partial
fulfilment of the requirements for the degree of Doctor of Philosophy supervised by Prof Dr Mark Teeuwen
and Prof Dr Terje Stordalen 2013 28
SHIELDS James ldquoBeyond Belief Japanese Approaches to the Meaning of Religionrdquo Studies in Religion
Sciences religieuses nordm 39 (2) 2010 pp 133-149
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 22
ldquoos seres divinos do ceacuteu e da terra que aparecem nos textos antigos e tambeacutem os espiacuteritos
consagrados que satildeo reverenciados nos jinja da naccedilatildeordquo seres animados e inanimados Em
suma ldquoqualquer forma de ser que possua alguma qualidade uacutenica e eminente e eacute inspiradora
de admiraccedilatildeo pode ser considerada kamirdquo independentemente de a sua natureza ser ldquoboamaacuterdquo
29 o facto de serem kami coloca-os acima das convenccedilotildees definidas pelos homens
No que concerne agrave classificaccedilatildeo dos kami esta nunca eacute consensual na sua
dissertaccedilatildeo sobre a religiatildeo no territoacuterio japonecircs Shannon Symonds divide os kami de acordo
com a sua aacuterea geograacutefica de veneraccedilatildeo distinguindo os kami locais cultuados nos matsuri -
festivais baseados em tradiccedilotildees ancestrais que ldquofrequentemente tecircm as suas raiacutezes em antigos
rituais agriacutecolas de agradecimentordquo pela proteccedilatildeo - dos kami nacionais celebrados em ritos e
cerimoacutenias definidas por todos os que acreditam em shintō 30
Em contrapartida Hara Kazuya considera as origens do kami admitindo a existecircncia
de kami da natureza e kami humanos o primeiro grupo diz respeito a kami ligados a uma
atividade ou ocupaccedilatildeo profissional (agricultura pesca comeacutercio) os kami que influenciam os
elementos da natureza (montanhas aacutegua florestas) 31
e os kami do Kojiki (古事記) e Nihon
shoki (日本書紀) as obras de base para a compreensatildeo da mitologia e cosmologia japonesas
32 o segundo grupo reuacutene certos indiviacuteduos extraordinaacuterios em vida que postumamente
adquiriram o estatuto de kami geralmente liacutederes importantes para a histoacuteria do Japatildeo ndash
Imperador Meiji (明治天皇) Tokugawa Ieyasu primeiro xogum da casa Tokugawa que
governou o Japatildeo durante o Periacuteodo Edo (1603-1868) ndash os soldados mortos em combate
(Yasukuni jinja 靖国神社 ) ou ainda personalidades do periacuteodo Heian (794-1185)
nomeadamente Sugawara-no-Michizane (菅原道真 ca845-903) postumamente apelidado de
Tenjin (天神) o kami do ensino 31
29
PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto Selected Documents Resources in Asian Philosophy and Religion
Westport Greenwood Publishing Group 2004 pp 200-201 30
SYMONDS Reeds Shannon A History of Japanese Religion From Ancient Times to Present Thesis
submitted to the Department of History of the State University of New York College for partial fulfillment of the
requirements for the degree of Master of Arts supervised by Prof Dr Jennifer Lloyd and Prof Dr John
Killigrew 2005
31 HARA Kazuya Aspects of Shinto in Japanese Communication Comunicaccedilatildeo apresentada na conferecircncia
ldquoIntercultural Communication Studies XII Asian Approaches to Human Communicationrdquo (Chiba Abril de
2003) 32
Picken observa que a compilaccedilatildeo destes textos reflete um maior niacutevel de organizaccedilatildeo dentro da tradiccedilatildeo shintō
tal como ela era vista por uma minoria da populaccedilatildeo eacute inevitaacutevel a mistura de ldquoreligiatildeordquo e poliacutetica Cf PICKEN
Stuart Sourcebook in Shinto op cit p 4
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 23
Por uacuteltimo Matsumura Kazuo sugere uma divisatildeo natildeo muito diferente da de Kazuya
agrupando kami consoante a relaccedilatildeo deste com o mundo natural (kami da natureza) ou com o
homem (kami culturais) no primeiro caso salientam-se aos kami que ldquorepresentam o
reconhecimento de caracteriacutesticas supranormais ou poderes em objetos naturais ou
fenoacutemenosrdquo o segundo grupo reconhece por sua vez a existecircncia de kami da comunidade
kami do nascimento de pragas de uniatildeo (matrimonial) da morte kami do lar do indiviacuteduo
(fogatildeo poccedilo estaacutebulo armazeacutem) e por uacuteltimo os kami humanos Por outras palavras
indiviacuteduos em vida reverenciados como kami ndash ldquopraticantes religiosos e miko que se
envolvem em curas de feacute e pronuacutencia de oraacuteculos (hellip) rdquo ndash e antepassados ou ldquoespiacuteritos
vingativosrdquo de indiviacuteduos 33
Todas as propostas satildeo vaacutelidas quando se estuda um termo de etimologia indefinida
como kami para alguns kami (神) localizavam-se num patamar superior de existecircncia por
partilharem da mesma foneacutetica de kami (上) isto eacute ldquoalto superiorrdquo 28
o que se pode aplicar
aos amatsu-no-kami e os trecircs koto amatsu-no-kami Ame-no-minaka-nushi-no-kami (天御中
主神) Taka-musubi-no-kami (高皇産霊神) e Kami-musubi-no-kami (神皇産霊神) ndash que se
ldquotornamrdquo no Takamagahara espontaneamente e escondem-se logo a seguir 34
No entanto os
seus congeacuteneres terrenos como Sarutahiko Ōkami (猿田毘古大神) natildeo se encontram num
patamar ldquosuperiorrdquo per si partilhando com os humanos a Terra como local de residecircncia 35
Como se pode constatar o caractere kami (神) tende a surgir no final do nome reforccedilando a
ideia de kami como tiacutetulo honoriacutefico tal como mikoto (命尊) 36
33
MATSUMURA Kazuo ldquoDefinitions and Typologyrdquo Encyclopedia of Shinto 2 Kami (Deities) Concepts of
Kami (on line) lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=22498gt
(consultado em 24-06-2018) 34
Em japonecircs lsquotornar-sersquo corresponde ao verbo naru (成る ) denotando algo que efetivamente natildeo foi
absolutamente criado mas que jaacute existia embora natildeo de forma fiacutesica Jaacute na passagem que refere o lsquoocultamentorsquo
o verbo usado eacute kakusu (隠す) traduzido por lsquoocultar-sersquo o kanji [産] usado para o verbo lsquonascerrsquo estaacute sempre
ausente no Kojiki ateacute agraves passagens de kuni-umi e kami-umi Em suma estes kami natildeo satildeo lsquocriadosrsquo per si mas
tornam-se visiacuteveis para o mundo TAKEDA Tsunegaki Gendaigo no Kojiki (現代語古事記) Tokyo Gakken
Publishing 2011 pp 16-17
35 Picken Stuart Essentials of Shinto op cit pp95-96
36 Kokugakuin University Institute for Japanese Culture and Classics Index of Kami (on line) lthttpk-
amckokugakuinacjpDMpdfPreviewEOS+Index+of+Kamipdfgt (consultado em 24-06-2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 24
111 O papel de kami na cosmologia japonesa do processo de ldquodivisatildeordquo da
realidade agrave criaccedilatildeo da mesma
De entre as fontes que servem de base para o estudo de shintō nomeiam-se o Kojiki
(ca 712) Nihon shoki (ca 720) ShokuZoku Nihongi (続日本紀 ca 797) o Jingiryō (神祇令
ca701) o Kōtai Jingū Gishiki-chō ( 皇太神宮儀式帳) e Toyoke-gu Gishiki-chō (止由気宮儀
式帳) Kogo Shūi (古語拾遺) e o Engishiki (延喜式 ca 927) 37
Satildeo com efeito textos de
caraacutecter oficial respeitados por uma corte que colocava shintō em segundo plano
principalmente apoacutes o budismo ter adquirido um estatuto de ldquofavoritordquo por parte de Shōtoku
Taishi (聖徳太子 ca 604) notoacuterio apoiante da introduccedilatildeo de ideias de fora incluindo eacutetica
confuciana 38
Neste sentido pode-se afirmar o facto de shintō subsistir no territoacuterio japonecircs
como um conjunto de praacuteticas consagradas aos kami propriamente venerados nos jinja
Tanto no Kojiki como no Nihon shoki kami cometem erros satildeo violentos
caprichosos generosos ambiciosos tornando-se quer heroacuteis ou vilotildees nos mitos
efetivamente aproximando-os da natureza do ser humano ambos relatos parecem humanizar e
personificar os kami Participando passivamente ou ativamente no processo da criaccedilatildeo do
mundo estas formas de existecircncia e consciecircncia satildeo anteriores ao homem
Aleacutem de manifestarem uma personalidade proacutepria kami possuem uma identidade ou
seja um nome um geacutenero observando-se uma diferenccedila entre as primeiras duas geraccedilotildees de
kami e as restantes por exemplo no Kojiki a necessidade de especificar o sexo dos kami ndash
um termo de natureza neutra cujo plural eacute designado de kamigami (神々) ndash soacute se justifica a
partir do surgimento de uma ldquosegunda geraccedilatildeordquo de kami per si nunca se usando a dicotomia
moderna ogamimegami (男神 女神 ) viaacutevel no contexto de religiotildees politeiacutestas que
reconhecem a existecircncia de ldquodeusesrdquo e ldquodeusasrdquo respetivamente Com efeito nas fontes
japonesas kami eacute identificado como ldquomasculinordquo ou ldquofemininordquo atraveacutes da anaacutelise do seu
nome caso o kami possui uma terminaccedilatildeo foneacutetica lida como hiko (por ex 毘子毘古 日子)
eacute masculino em contrapartida hime (por ex 毘売比売姫) denota um kami do sexo oposto
Deste modo apenas os lsquonatildeo-hitorigamirsquo possuem um geacutenero masculino ou feminino
a segunda geraccedilatildeo de kami agrave qual pertence o casal Izanagi-no-kami (伊邪那岐神) e Izanami-
37
PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit p 17 pp 21-26 p 30 38
SYMONDS Reeds Shannon A History of Japanese Religion From Ancient Times to Present Thesis
submitted to the Department of History of the State University of New York College for partial fulfillment of the
requirements for the degree of Master of Arts supervised by Prof Dr Jennifer Lloyd and Prof Dr John
Killigrew 2005
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
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no-kami (伊邪那美神) ndash futuros progenitores da terceira geraccedilatildeo de kami criada em meio
terrestre ndash eacute composta por casais de irmatildeos e irmatildes 39
que com a exceccedilatildeo de Izanagi e
Izanami natildeo se envolvem no processo de criaccedilatildeo tornando-se conselheiros do casal Ao
receberem ordens de descer de Takamagahara Izanagi e Izanami datildeo iniacutecio ao processo da
criaccedilatildeo das ilhas do arquipeacutelago (kuni-umi 国生み) posteriormente criando kami (kami-umi
神生み) 40
Apesar de datarem do mesmo periacuteodo as obras possuem algumas diferenccedilas entre si
nomeadamente o seu estilo e linguagem de escrita bem como o seu conteuacutedo as histoacuterias do
Kojiki encontram-se recheadas de motivos mitoloacutegicos e cerimoacutenias que procuram explicar as
origens do povo japonecircs do arquipeacutelago e o ldquoque eacute conhecido como a era dos kamirdquo 41
Jaacute o
Nihon shoki modelado agrave maneira das croacutenicas chinesas apresenta uma dataccedilatildeo diligente das
entradas dos seus relatos e por vezes vaacuterias versotildees dos mesmos 42
Se a realidade do Kojiki tem iniacutecio num tempo de ldquoseparaccedilatildeo entre o ceacuteu e a terrardquo no
qual se manifestam os koto amatsukami ndash Ame-no-minaka-nushi (a possiacutevel corporizaccedilatildeo do
proacuteprio cosmos) 40
Taka-musubi-no-kami e Kami-musubi-no-kami ndash interpretados como
ldquoprinciacutepiosrdquo da atividade criativa e da criaccedilatildeo todos carecendo de atributos humanos ndash numa
dos relatos do Nihon shoki eacute mencionado um periacuteodo incerto antes da ldquoseparaccedilatildeo entre o ceacuteu
e a terrardquo e da divisatildeo de in e yō isto eacute o princiacutepio yin e yang (em japonecircs on-myō 陰陽)
forma-se assim uma ldquomassa caoacutetica como que um ovo (hellip) de limites definidosrdquo
posteriormente dividido entre um elemento mais ldquopurordquo (o Ceacuteu) e um elemento mais
ldquoconsistenterdquo (a Terra) Do seu meio nasce uma coisa que lembra um rebento de junco e que
adota uma forma mais fixa surge ldquoespontaneamenterdquo Kuni-toko-tachi-no-mikoto (國常立尊)
Logo a seguir surgem kami masculinos ldquogerados por operaccedilatildeo do princiacutepio do Ceacuteurdquo bem
como os seus congeacuteneres femininos formados pela muacutetua accedilatildeo do princiacutepio da Terra 43
No que concerne agrave criaccedilatildeo do mundo terrestre o Kojiki delega este papel a Izanagi e
Izanami que se estabelecem na ilha Ōyashima (大八島) originando a terceira geraccedilatildeo de
kami que nascem aos pares ou de forma individual associando-se a um elemento do mundo
natural (montanhas aacutervores mares sol e pedras espuma correntes cereais vento) ou
39
TAKEDA Tsunegaki op cit pp 16-17 40
Nesta passagem a palavra ldquocriaccedilatildeordquo corresponde agrave accedilatildeo de gerar algo De acordo com a traduccedilatildeo de Takeda o
verbo que expressa tal eacute ldquoumi ni narimasurdquo (産みになります) TAKEDA Tsunegaki op cit pp 19-23 41
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit p 54 42
BREEN John TEEUWEN Mark op cit pp 29-30 43
PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit pp 6-8
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humano (embarcaccedilotildees) 44
Eacute no momento do nascimento do kami do fogo (Hi-no-kagutsuchi-
no-kami火迦具土神) que se introduz a natureza natildeo imortal de Izanami que ainda consegue
gerar alguns kami antes de morrer das feridas 45
Apoacutes a sua morte Izanami toma residecircncia permanente no submundo Yomu-no-
kuniYomi-no-kuni (黄泉の国) levando Izanagi a desesperadamente tentar trazecirc-la de volta
ao mundo da superfiacutecie ecoando o mito de Orfeu e Euriacutedice notando-se ainda algumas
semelhanccedilas com a mitologia de Perseacutefone que privada de regressar ao mundo humano por
ter consumido algo daquele lugar torna-se a esposa de Hades e partilha com ele a
responsabilidade de governaccedilatildeo dos Infernos Izanami (que tambeacutem admite ter comido algo
do Yomu-no-kuni formalizando a sua nova identidade como uma habitante do Yomi) torna-se
a uacutenica governante do submundo cortando laccedilos definitivos com o seu esposo se Izanagi
escolhe o caminho da criaccedilatildeo da humanidade Izanami confere a esta espeacutecie a mortalidade
explica-se o porquecirc da vida e da morte 46
112 Depois da criaccedilatildeo kami como agentes da Ordem e da Desordem
Ora a introduccedilatildeo do mundo inferior no Kojiki e no Nihon shoki completa uma das
visotildees shintō do mundo descritas por Hara como ldquoverticalrdquo e ldquotridimensionalrdquo
Takamagahara pertencia ao ldquoplano superiorrdquo onde habitavam os kami o Nakatsu-kuni (中つ
の国 ) seria a ldquodimensatildeo do meiordquo a morada dos seres humanos o Yomi-no-kuni 46
corresponderia ao ldquoplano inferiorrdquo conceito presente em outras religiotildees cujas mitologias de
criaccedilatildeo mencionam um elemento liacutequido (oceano) e um elemento soacutelido (terra) que esconde
um outro ldquomundordquo abaixo da superfiacutecie por exemplo em contexto grego o submundo Hades
(natildeo o deus mas o local em si) pode ser equiparado ao Yomi-no-kuni
Por outro lado Hara refere-se a uma segunda visatildeo ldquohorizontalrdquo do cosmos dividido
a meias entre o Toko-yo (常世) o ldquomundo onde os espiacuteritos purificados dos mortos residemrdquo
e o ldquomundo da humanidaderdquo 46
o que nos remete para a barreira entre o ldquoinvisiacutevelrdquo e o
ldquovisiacutevelrdquo Na terminologia do Kojiki se Izanami eacute a senhora do Yomi Izanagi eacute responsaacutevel
44
TAKEDA Tsunegaki op cit pp 25-29 45
TAKEDA Tsunegaki op cit pp30-36 46
HARA Kazuya Aspects of Shinto in Japanese Communication Comunicaccedilatildeo apresentada na conferecircncia
ldquoIntercultural Communication Studies XII Asian Approaches to Human Communicationrdquo (Chiba Abril de
2003)
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Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 27
pelo ldquomundo da humanidaderdquo (utsushi-yo (現世) 47
palavra composta pelo kanji de lsquorealrsquo - no
sentido de lsquovisiacutevelrsquo - e lsquorealidademundorsquo Tudo que esteja para laacute do visiacutevel pertence a ldquooutra
realidaderdquo
Todavia a existecircncia de ldquobarreirasrdquo entre mundos (aacutervores no caso de se desejar
aceder ao ldquoplano superiorrdquo ldquocelesterdquo ou poccedilos e cavernas se pretender visitar os niacuteveis
inferiores da terra) natildeo exclui a hipoacutetese de interaccedilatildeo de humanos com os kami e ldquoespiacuteritosrdquo
que natildeo pertencem ao nosso mundo do mesmo modo que os ldquoseres humanos podem visitar os
outros mundosrdquo habitantes natildeo humanos podem surgir temporariamente na nossa realidade
permitindo a cultivaccedilatildeo da relaccedilatildeo dos humanos com o ldquopara laacute de humanordquo 48
No Nihon shoki aplica-se um modelo tripartido da realidade Ceacuteu Terra e ldquomundo
subterracircneordquo ou Oceano Amaterasu eacute uma ldquocrianccedila estrondosa que devia de nosso acordo ser
enviada de imediato para o Ceacuteu e confiar-lhe os assuntos do Ceacuteurdquo uma responsabilidade
partilhada com o kami da Lua Tsukiyomi-no-mikoto ldquoo Deus que devia ser o consorte da
Deusa do Solrdquo devendo-se ter em consideraccedilatildeo o uso dos termos duacutebios ldquodeusesrdquo e ldquodeusasrdquo
como uma tentativa de aproximar a realidade mitoloacutegica japonesa ao entendimento do puacuteblico
ldquoocidentalrdquo por parte de Aston Autor desta traduccedilatildeo do Nihon shoki publicado sob o nome
de Nihongi Chronicles of Japan from the Earliest Times to AD697 (1972) Aston diz que a
Terra eacute o domiacutenio do ldquomeiordquo e refere-se ao arquipeacutelago do Japatildeo formalmente conhecido
como ldquoToyo-ashi-hara-chi-woaki no midzu-hordquo que numa versatildeo da ldquohistoacuteriardquo acerca das
origens dos trecircs irmatildeos kami (Amaterasu Tsukiyomi e Susano-o) pertenceria a Susano-o-no-
mikoto Kami de temperamento feroz e personalidade cruel Susano-o provoca Desordem ao
negligenciar a terra e as suas populaccedilotildees Exilado no Ne-no-kuni por ordem de Izanagi e
Izanami Susano-o torna-se o governante daquele mundo 49
O segundo relato da divisatildeo dos trecircs ldquomundosrdquo pelo trio de irmatildeos - cujo nascimento
eacute possivelmente inspirado na narrativa do Kojiki que descreve a fuga de Izanagi do Yomi-no-
kuni Amaterasu nasce apoacutes este lavar o olho esquerdo sendo-lhe entregue Takamagahara a
ldquoPlaniacutecie Elevada do Ceacuteurdquo Tsukiyomi nasce do olho direito e recebe o vasto domiacutenio do
oceano Por fim Susano-o nasce do nariz de Izanagi e apesar de herdar o domiacutenio do meio
(Terra) acaba por ser banido para o ldquomundo inferiorrdquo como puniccedilatildeo pela sua negligecircncia 50
47
TAKEDA Tsunegaki op cit pp30-36 48
MATSUMURA Kazuo ldquoView of the other world (takaikan)rdquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and
Doctrines Basic Concepts (on line) lthttpk-
amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23640gt (consultado em 24-06-2018) 49
PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit pp 9-12 50
TAKEDA Tsunegaki op cit pp30-36
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 28
Com efeito o domiacutenio subterracircneo estaacute sempre presente nas narrativas do Kojiki e
Nihon shoki recebendo um papel de destaque ou secundaacuterio o que por sua vez natildeo implica a
sua ausecircncia em outras fontes numerosas referecircncias a ldquomundosrdquo incompreensiacuteveis e para laacute
da realidade fiacutesica diversificam a visatildeo japonesa de um ldquooutro mundordquo (takaikan 他界観)
geralmente considerado como um ldquooutro mundordquo longiacutenquo ldquooceacircnicordquo feacutertil e uma terra de
imortalidade observando-se um paralelo com o conceito taoiacutesta de uma Terra dos Imortais (a
ilha de Peng-lai ou Hōrai-jima em japonecircs 蓬莱島) a Terra das Raiacutezes (Ne-no-kuni 根国)
pode ser ldquovisitadardquo atraveacutes de uma caverna supostamente localizada em Iga proviacutencia de
Izumo atual prefeitura de Shimane e eacute governada por Susano-o-no-mikoto 51
O reconhecimento de uma divisatildeo tripartida do mundo repercute-se no Kojiki ateacute
um certo momento Izanagi e Izanami detinham domiacutenio conjunto sobre a Terra um ldquomundordquo
modelado pelas suas proacuteprias accedilotildees enquanto ldquocriadoresrdquo de kuni e kami Takamagahara
pertencia aos amatsu-no-kami o Yomi-no-kuni natildeo pertencia a ningueacutem em concreto embora
jaacute fosse um mundo habitaacutevel per si Com a dissoluccedilatildeo do matrimoacutenio de Izanagi e Izanami a
situaccedilatildeo muda por completo eacute necessaacuterio criar novos liacutederes capazes de garantir o equiliacutebrio
entre os mundos da superfiacutecie uma vez que Izanami (esteacuteril) eacute agora a uacutenica governante do
Yomi Em suma pretende-se uma nova geraccedilatildeo para uma nova ordem tornando Izanagi no
ldquoprogenitorrdquo de um conjunto de kami Natildeo existindo qualquer ato sexual propriamente dito os
kami ldquotornam-serdquo como consequecircncia direta dos seus atos de purificaccedilatildeo (misogi)
Neste sentido agrave medida que Izanagi se despe para lavar o seu corpo da ldquosujidaderdquo
(kegare穢) do Yomi-no-kuni surgem vaacuterios kami dos seus acessoacuterios (cana obi isto eacute a peccedila
de tecido usada em torno da cintura que prende a veste tradicional japonesa) a sua espada e
roupa bem como de alguns kami que se ldquotornamrdquo em simultacircneo com a lavagem do corpo
numa nascente Por fim manifesta-se o trio de irmatildeos que herdaria uma das trecircs partes do
mundo tal como ordenado por Izanagi a Amaterasu de aparecircncia resplandecente capaz de
iluminar os ceacuteus recebe Takamagahara uma posiccedilatildeo legitimada por Izanagi que lhe oferece
um acessoacuterio para pendurar ao pescoccedilo o seu irmatildeo Tsukuyomi-no-mikoto (月読の命) e kami
da Lua eacute adequadamente encarregue do yoru no osu kuni (夜之食国) - entendido por Takeda
como yoru no sekai literalmente o ldquomundo da noiterdquo Susano-o-no-mikoto (須佐之男命) e
kami das tempestades (arashi no kami 嵐の神) manifestando uma personalidade tempestuosa
51
MATSUMURA Kazuo ldquoView of the other world (takaikan)rdquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and
Doctrines Basic Concepts (on line) lthttpk-
amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23640gt (consultado em 24-06-2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
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e conflituosa recebe a tarefa de governar a lsquoplaniacutecie dos maresrsquo (unabara 海原) expressatildeo
que designa um domiacutenio terreno (kuni) e natildeo algo pertencente ao mundo marinho (tal como eacute
sugerido pelo kanji de umi ou ldquomarrdquo) 52
De entre os trecircs mencionados kami Susano-o eacute notoriamente o mais invejoso
procurando humilhar a sua irmatilde ao ponto de esta se refugiar numa caverna a ldquoPedra-caverna
do Ceacuteurdquo (Ama no Iwato (天の岩戸) Consequentemente ldquotoda a Alta Planiacutecie do Ceacuteu tornou-
se escura e toda a Terra Central das Planiacutecies de Junco estava escura tambeacutem Por causa disto
noite eterna reinavardquo 53
Em outras palavras a ausecircncia de Amaterasu estaacute conotada com um
estado de Desordem do proacuteprio cosmos um caos que necessita de regressar ao seu estado de
Ordem o quanto antes sendo que Susano-o eacute o agente da Desordem e a sua irmatilde a agente da
Ordem traccedilada por Izanagi
Amaterasu soacute retoma as suas responsabilidades de guardiatilde de Takamagahara e por
associaccedilatildeo da ldquoTerra Central das Planiacutecies de Juncordquo devido ao esforccedilo conjunto das ldquooito
miriacuteades de kami reunidas na margem do Paciacutefico Rio do Ceacuteu numa reuniatildeo divinardquo o
episoacutedio em si eacute uma histoacuteria de elevado cariz sexual protagonizada por Amaterasu tem como
antagonista Susano-o e inclui alguns kami que apesar de serem personagens secundaacuterias satildeo
essenciais para a devoluccedilatildeo do mundo ao seu estado de Ordem cada kami tenta fazer com que
Amaterasu saia do esconderijo convocando-se outros kami para o efeito Cabe a Ame-no-
uzume-no-mikoto (天宇受売命) a uacuteltima tentativa executando uma danccedila muito provocante
durante um ldquoestado alterado de consciecircnciardquo e como resultado todos os kami riem-se A
curiosa Amaterasu interroga-se sobre o porquecirc desta comoccedilatildeo e eacute atraiacuteda para fora da caverna
ficando temporariamente cega ao ver o seu proacuteprio reflexo num espelho permitindo aos kami
selarem definitivamente a Ama no Iwato trazendo a luz de volta ao mundo e com ela a
Ordem 54
O episoacutedio tambeacutem constitui uma das referecircncias mais antigas e descritivas de rituais
executados em shintō o elemento da danccedila de entretenimento (kagura) eacute uma das partes
integrais da cerimoacutenia de dedicaccedilatildeo aos kami nos santuaacuterios e neste mito em particular possui
claramente uma intenccedilatildeo de reordenaccedilatildeo Ame-no-uzume-mo-mikoto pode ser interpretada
como um protoacutetipo de uma miko (巫女) embora ecoando uma imagem provocante (a danccedila e
52
TAKEDA Tsunegaki op cit pp38-41 53
BREEN John TEEUWEN Mark op cit pp 129-130 54
TAKEDA Tsunegaki op cit pp 50-52
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 30
a o vestuaacuterio) diferente da imagem tiacutepica de uma miko Ono Sokyō descreve-as como
ldquofuncionaacuterias puacuteblicasrdquo e filhas de sacerdotes ou locais residentes cujos deveres para com o
jinja findam quando se casam sendo substituiacutedas por outras A sua funccedilatildeo prende-se com o
ldquoritualrdquo auxiliando os responsaacuteveis pelos jinja na preparaccedilatildeo das cerimoacutenias 55
Natildeo obstante a kami atua como representante da classe Sarume (猿女) uma das
primeiras quatro classes sacerdotais geralmente composta por danccedilarinos e cuja linhagem
remontaria a Ame-no-uzume-no-mikoto esposa de Sarutahiko-no-kami o kami associado agrave
fertilidade e ao ato sexual Por sua vez se os Nakatomi (中臣) retraccedilam as suas origens a
Ame-no-koyane-no-mikoto (天児屋命) 56
realizavam ritos e entoavam norito os Inbe (斎部)
encarregavam-se dos rituais de abstenccedilatildeo garantindo uma ldquopureza cerimonial a fim de afastar
poluiccedilatildeo e manter contacto constante com os kamirdquo 57
descendendo do kami responsaacutevel por
selar a Ama no Iwato (Futodama-no-mikoto 布刀玉命 ) 58
Quanto aos Urabe (卜部 )
responsabilizavam-se por ldquoadivinharrdquo da vontade dos kami 57
agrave semelhanccedila dos ldquoadivinhosrdquo
da dinastia chinesa Zhou que recorriam agrave leitura das fissuras das carapaccedilas de tartaruga e
omoplatas de gado depositadas no fogo
Aleacutem do elemento de danccedila o episoacutedio regista a presenccedila de oferendas (shinsen神
饌) praacutetica que corresponde atualmente agrave ldquosegunda faserdquo dos rituais (de Ordem) em shintō
no mito shinsen satildeo substituiacutedas por tamagushi (玉串) - ramos da aacutervore sakaki (榊) em
torno dos quais satildeo atadas as ldquojoacuteias curvasrdquo (magatama 勾玉) - e eacute claro o espelho por sua
vez interpretado por Takeda como o ceacutelebre Yata no kagami (八咫鏡) um dos trecircs siacutembolos
da casa imperial (sanshū no jingi 三種の神器) juntamente com a ldquojoacuteia curvardquo Yasakani no
magatama (八尺瓊曲玉)
O uacutenico siacutembolo ausente eacute a espada Kusanagi no KenTsurugi (草薙剣) que soacute surge
efetivamente no episoacutedio seguinte narrando-se o desterrar de Susano-o para a Terra apoacutes ter
sofrido derrota agraves matildeos da irmatilde que por sua vez se refugiaria temporariamente na Ama no
Iwato como jaacute mencionado anteriormente Susano-o negligenciava constantemente o seu
domiacutenio a sua maior ambiccedilatildeo era ocupar o trono de Amaterasu em Takamagahara
competindo sempre que podia com a irmatilde sendo que um dos seus desafios testava a
capacidade de reproduccedilatildeo enquanto kami-progenitores Uma vez que os filhos de Amaterasu
55
ONO Sokyō op cit pp 41-44 56
BREEN John TEEUWEN Mark op cit pp 133-136
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 31
nascem primeiro 57
confirma-se a posiccedilatildeo desta kami como governante uacutenica dos assuntos do
ldquodomiacutenio superiorrdquo
De orgulho ferido Susano-o lsquodescarregarsquo a sua raiva e eacute punido pelos seus atos
(neste contexto o uso da palavra tsumi [罪] especifica a natureza ofensiva das accedilotildees de
Susano-o) passando a servir os outros kami como forma de arrependimento cometendo um
uacuteltimo ato atroz mas invulgarmente necessaacuterio o kami mata a kami da comida Ōgetsuhime-
no-kami 58
(大気都比売神 tambeacutem identificada como Toyo-uke-hime-no-kami) e do seu
cadaacutever nascem os cinco cereais fundamentais para a atividade agriacutecola 59
Por outras
palavras a atitude violenta de Susano-o revela-se beneacutefica e natildeo prejudicial como em outros
episoacutedios tornando esta personagem uma espeacutecie de ldquomal necessaacuteriordquo
Em Izumo Susano-o adquire um estatuto equivalente ao de heroacutei o kami viaja pela
terra ateacute se deparar com um casal de kami cujas filhas tinham sido constantemente devoradas
por um terriacutevel ser de oito cabeccedilas (Yamata no Orochi八岐大蛇) Prometendo ajudar o casal
em troca da matildeo da uacuteltima filha Susano-o embriaga a serpente e decepa-lhe a cauda da qual
misteriosamente emerge a Kusanagi no tsurugi Desposando Kushi-na-ta-hime (櫛名田比売)
Susano-o fixa-se definitivamente em Izumo 60
Ora a derradeira meta de Susano-o eacute nada mais do que adquirir influecircncia
comparaacutevel agrave da sua irmatilde criando vaacuterias linhagens de kami (unindo-se em matrimoacutenio agraves
filhas de outros kami) cujas crianccedilas pudessem assumir a responsabilidade de ldquocriarrdquo novos
domiacutenios no arquipeacutelago japonecircs De entre os descendentes de Susano-o destacar-se-ia
Ōkuninushi-nushi-no-kami (大国主神) - literalmente ldquoo kami que governa os kunirdquo (kuni wo
shihaisuru kami国を支配する神) - Seguindo nas pisadas do casal Izanagi e Izanami e do
seu antepassado Susano-o Ōkuninushi empenhar-se-ia na ldquoconstruccedilatildeo da terrardquo 60
Por sua
vez Amaterasu e o seu consorte Taka-musubi-no-kami ldquodecidem estabelecer domiacutenio celesterdquo
57
TAKEDA Tsunegaki op cit pp45-47 58
AKEDA Tsunegaki op cit pp54-55 59
Curiosamente no episoacutedio de Tsukuyomi e Ukemochi (Nihon shoki) constata-se um grande paralelo com o
mito anterior Tsukuyomi mata Ukemochi-no-mikoto num acesso de raiva pela mesma razatildeo que Susano-o
Ukemochi tinha produzido comida pela boca efetivamente ldquosujando-ardquo (kegare) Como resultado Amaterasu
afasta-se definitivamente de Tsukuyomi dando iniacutecio agrave sucessatildeo dos dias e das noites Entretanto do cadaacutever da
kami brotam alimentos que seriam cultivados para consumo humano (gado arroz trigo etc) Nihonsinwa ldquo第
五段一書(十一)ウツシキアオヒトクサrdquo (Quinta secccedilatildeo 11 Utsushiki-aohitokusa) 日本書紀神代上
(Nihon shoki Kami-yo Parte Superior) (on line) lthttpnihonsinwacompage699htmlgt (consultado em 24-06-
2018) 60
TAKEDA Tsunegaki op cit pp55-60
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 32
sobre o Ashihara Nakatsu kuni (葦原中国) tornando o territoacuterio oficialmente pertenccedila dos
amatsu-no-kami 61
Duas geraccedilotildees mais tarde Ninigi (neto de Amaterasu e Taka-musubi) desceria ao
domiacutenio do meio e receberia de Amaterasu as sanshū jingi (espada espelho e magatama)
oficializando o novo regime de governaccedilatildeo honrado pelo seu bisneto o futuro primeiro
Imperador humano do Japatildeo que adotaria o nome de Jinmu (神武) no seguimento das suas
campanhas bem-sucedidas contra os descendentes dos kunitsu-no-kami na planiacutecie de Yamato
61 No fundo constata-se uma segunda interrupccedilatildeo da ordem do cosmos cuja reposiccedilatildeo por
Ninigi e Jinmu definiria a nova reparticcedilatildeo do mundo Takamagahara continuaria a ser
governado por Amaterasu representante por excelecircncia dos amatsu-no-kami sendo que o
ldquodomiacutenio do meiordquo permaneceria sob o controlo da famiacutelia imperial cuja linhagem
descenderia diretamente de Amaterasu natildeo do seu irmatildeo Susano-o
12 Shintō como processo interaccedilotildees com outras ideias vindas de fora
Natildeo obstante o episoacutedio da descida de Ninigi e o relato da vitoacuteria de Jinmu sobre os
seus inimigos fazem parte de uma cuidadosa estrateacutegia poliacutetica enraizada na proacutepria corte
reconhecendo-se o papel de Amaterasu (Kojiki) ou de Taka-musubi-no-kami (Nihon shoki) 62
no processo de legitimaccedilatildeo da soberania da famiacutelia imperial sobre o territoacuterio japonecircs Em
ambos casos o resultado eacute o mesmo contraria-se o sistema caracterizado por unidades
familiares que detinham domiacutenio sobre um ou mais territoacuterios emergindo uma nova ordem
poliacutetica sediada na planiacutecie do Yamato e cujo liacuteder adota o tiacutetulo de Imperador (tennō 天皇)
destacando-se de outros liacutederes familiares pelo seu interesse para com sistemas e ideias vindas
de fora tais como as Vias de Confuacutecio do Dao e do Buda
121 Via de Confuacutecio dinamizando a eacutetica japonesa
No primeiro caso a tradiccedilatildeo confuciana introduz-se na esfera da educaccedilatildeo de corte
tornando-se indispensaacutevel para a criaccedilatildeo de poesia (ao estilo chinecircs natildeo japonecircs) e uma
61
BREEN John TEEUWEN Mark op cit pp 29-30 62
BREEN John TEEUWEN Mark op cit pp 29-30
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 33
influecircncia nos comentaacuterios de capiacutetulos do Nihon shoki 63
De entre as vaacuterias escolas de
pensamento a de Zhu Xi tornar-se-ia extremamente popular dentro do sacerdoacutecio shintō
culminando na criaccedilatildeo de Suika shintō (垂加神道) por parte de Yamazaki Ansai (山崎 闇
斎 1612-1682) que enfatizava uma ldquoGrande Viardquo estabelecida por Amaterasu produzindo
um novo conceito de ldquoreverecircncia para o imperadorrdquo ligado com a noccedilatildeo de Japatildeo como a
ldquoterra dos kamirdquo 64
Durante o Periacuteodo Edo (1603-1868) a relaccedilatildeo entre confucionismo e shintō seria
levada a um outro patamar nascendo juka shintō (儒家神道) Fundamentando a teoria de que
estes dois sistemas eram um (shinju icchi神儒一致) 65
este tipo de shintō contribuiria para
criaccedilatildeo de outras vertentes natildeo tanto focadas na praacutetica de ritual mas antes na anaacutelise e
exposiccedilatildeo teoacuterica deste uacuteltimo e consequentemente a reinterpretaccedilatildeo de conceitos e ideias
shintō ao estilo confuciano por exemplo a linha de pensamento de Aizawa Seishizai (会沢
正志斎 1782-1863) atribui a Amaterasu qualidades como lealdade e piedade filial fazendo
de shintō uma ldquoVia Confucianardquo onde ldquoordem social construiacutea-se sobre lealdade e devoccedilatildeo
filial (hellip) para sempre envigorada pela atuaccedilatildeo exemplar do Imperador de atos rituais na
presenccedila da sua antepassada a deusa-solrdquo 66
Contudo a chegada de um periacuteodo moderno faz estender esta tradiccedilatildeo a outros
domiacutenios aleacutem de jinja shintō os setores confucianos de kyōha shintō (教派神道 )
denominados Shintō Shūseiha (神道修成派) e Shintō Taiseikyō (神道大成教) Tanto num
caso como no outro a linha de pensamento dos grupos eacute modelada pela vivecircncia do
ldquoorganizadorrdquo ou ldquofundadorrdquo por exemplo Nitta Kuniteru (新田 邦光 1829-1902) possuiacutea
uma visatildeo poliacutetica profundamente ldquolealistardquo focada na reverecircncia ao Imperador e na exclusatildeo
de ideias ldquoocidentaisrdquo que supostamente acelerassem o desenvolvimento do Japatildeo
Familiarizado com os claacutessicos confucianos e a Via do bushi (武士道) Nitta desenvolveria
com os seus companheiros uma mentalidade proacutepria que elevava shintō ao estatuto de uma
63
YAZAKI Hiroyuki ldquoShinto and Confucianismrdquo Encyclopedia of Shinto 1 General Introduction Religious
and Intellectual Influences on Shinto (on line) lthttpk-
amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23042gt (consultado em 24-06-2018) 64
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 311-312 65
YAZAKI Hiroyuki ldquoShinto and Confucianismrdquo Encyclopedia of Shinto 1 General Introduction Religious
and Intellectual Influences on Shinto (on line) lthttpk-
amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23042gt (consultado em 24-06-2018) 66
BREEN John TEEUWEN Mark op cit pp 29-30 p69
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 34
ldquoGrande Viardquo associada a obrigaccedilotildees morais patriotismo que deviam ser sempre praticados
pelos japoneses o que iria ao encontro das ideias do governo Meiji 67
Em 1876 o poder poliacutetico reconheceria Shūsei Kōsha (修成構社) ndash o grupo fundado
por Nitta ndash como um grupo independente nascendo oficialmente a Shintō Shūseiha uma
organizaccedilatildeo que possuiacutea dois grupos distintos de aderentes por um lado os estudantes de
Nitta do final do periacuteodo Edo por outro membros de outros grupos que se tinham juntado a
Shūseiha apoacutes a restauraccedilatildeo Meiji (1868) 68
No que concerne aos seus ensinamentos combinavam-se conceitos de shintō (kami)
com ldquoelementos da cosmologia de pensamento neo-confuciano e outras crenccedilas sincreacuteticasrdquo
notando-se a importacircncia do Nihon shoki e do Kojiki (de onde derivam os termos shū ndash shūri
修理 reparaccedilatildeo ndash e sei ndash de kōusei 構成 consolidaccedilatildeo) entre outros textos eacute no princiacutepio de
shūsei que ldquojaz a lei fundamental da evoluccedilatildeo do universo (hellip) o processo da humanidade e o
avanccedilar da sociedade se devem agrave operaccedilatildeo deste princiacutepio uacutenicordquo consolidado pela
observaccedilatildeo da ldquolei moral e os meios pelos quais os assuntos da famiacutelia e sociedade satildeo
administradosrdquo Enfatizando uma atitude de veneraccedilatildeo aos kami aos antepassados e eacute claro o
desenvolvimento de caraacutecter do individuo que devia atuar de forma correta mantendo
ldquotemperanccedila e frugalidaderdquo 69
shūseiha propotildee uma mistura de praacutetica e doutrina orientada
para o indiviacuteduo podendo ser interpretada como uma ldquodisciplinardquo que o guiasse ao longo da
sua vida natildeo muito diferente da proposta de shintō
Por outro lado Hirayama Seisai ( 平山省斎 1815-1890) acumulou cargos
governamentais e dedicou-se aos estudos de Chinecircs e Kokugaku em Edo No periacuteodo poacutes-
restauraccedilatildeo Meiji Hirayama teraacute inaugurado uma escola de estudos chineses no periacuteodo
gradualmente envolvendo-se em assuntos de cariz ldquoreligiosordquo ndash tornou-se sacerdote-liacuteder em
santuaacuterios relevantes como o de Hikawa e de Hie ndash ao ponto de formar em 1879 a Taisei
Kyōkai (大成教会) que em 1882 ganharia independecircncia e acomodaria dezenas de grupos
Shintō Taiseikyō 70
Enaltecendo o caraacutecter educativo de shintō o setor considera a veneraccedilatildeo dos jingi e
dos antepassados (o que em termos tradicionais natildeo representa nada de novo) como
responsabilidade do indiviacuteduo que por sua vez deve alcanccedilar a felicidade e viver ldquobemrdquo o que
67
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 221-224 68
INOUE Nobutaka ldquoThe Formation of Sect Shinto in Modernizing Japanrdquo Journal of Japanese Studies nordm 29
(3-4) 2002 pp 405-427 69
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 221-224 70
INOUE Nobutaka ldquoThe Formation of Sect Shinto in Modernizing Japanrdquo Journal of Japanese Studies nordm 29
(3-4) 2002 pp 405-427Studies
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 35
estaacute de acordo com a visatildeo positiva de shintō em relaccedilatildeo ao indiviacuteduo Uma vez que o ser
humano possui ldquobons espiacuteritosrdquo (possivelmente a tradiccedilatildeo original seria uma ldquoboardquo tamashii)
este tem a capacidade inerente de se autodisciplinar e autorreformar atraveacutes do devido esforccedilo
devendo confiar e executar o ritual ldquoagrave maneira de geraccedilotildees sucessivas de Cortes Imperiaisrdquo 70
Com efeito Taiseikyō procura honrar a tradiccedilatildeo de jinja shintō e reforccedila a ideia de que shintō
eacute para todos os efeitos uma Via criada para os humanos
29 (3-4) 2002 pp 405-427
122 Via do Dao cultivando a relaccedilatildeo entre o governo japonecircs e o culto aos kami
A segunda Via enfatiza a natureza ritual de shintō e eacute acolhida com o maior
entusiasmo pelo poder poliacutetico como se constata na narrativa cosmoloacutegica do Nihon shoki no
uso de espadas e espelhos em contexto ritual nos cultos ao Imperador agrave Estrela Polar e agrave
Ursa Maior 71
A Via do Dao definir-se-ia entatildeo como uma espeacutecie de auxiliar ao culto jingi
que se encontrava ao serviccedilo da corte imperial isto eacute da esfera privada agrave necessidade de
venerar os kami juntar-se-ia a atuaccedilatildeo poliacutetica uma noccedilatildeo expressa no conceito de
matsurigoto (政) Posteriormente recuperado e adaptado agrave mentalidade Meiji designando-se
saisei icchi (祭政一致) o princiacutepio de unidade da execuccedilatildeo dos ritosveneraccedilatildeo dos kami e de
governar o territoacuterio matsurigoto parece harmonizar os aspetos rituais e poliacuteticos dentro do
territoacuterio japonecircs algo reconhecido por Ono Sokyō no seu entender ldquofestivais e ritos para
vaacuterios kami tutelares e a administraccedilatildeo de clatildes e sociedade local eram essencialmente uma
uacutenica funccedilatildeordquo 72
Essecircncia do ritual em jinja shintō e kōshitsu shintō os matsuri satildeo tanto ocasiotildees
festivas e alegres como possuem um aspeto mais soacutebrio e solene sobretudo se realizados por
indiviacuteduos ligados ao poder poliacutetico no caso dos ldquoritos imperiaisrdquo deve-se incluir o lsquomatsuri
das origensrsquo (Genshi-sai元始祭 3 de Janeiro) a celebraccedilatildeo da passagem das estaccedilotildees do ano
- a Primavera (Shunki Shindensai 春季神殿祭 e Shunki Kōreisai 春季皇霊祭) e Outono
(Shūki Shindensai 秋季神殿祭 e Shūki Kōreisai 秋季皇霊祭 ) Acrescenta-se ainda o
Niinamesai (新嘗祭 23 de novembro) e o Kannamesai (神嘗祭 17 de outubro) 73
um dos
treze principais matsuri listados e calendarizados no Jingiryō
71
KURODA Toshio ldquoShinto in the History of Japanese Religionrdquo Journal of Japanese Studies nordm 7 (1) 1981
pp 1-21 72
ONO Sokyō op cit p76 73
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 79-80 p96
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 36
Supervisionados pelo Jingikan (神祇官) estes treze matsuri eram hierarquizados em
ldquomaiorrdquo ldquomedianordquo e ldquomenorrdquo ndash os ritos de maior importacircncia (taishi) eram celebrados
durante todo o mecircs os chūshi duravam trecircs dias e os shōshi apenas um dia 74
Kinensai
(ldquocerimoacutenia de preces para o Anordquo) era celebrado no segundo mecircs Chinkasai (ldquocerimoacutenia de
pacificaccedilatildeo das floresrdquo) no terceiro mecircs Kanmisosai (de caraacutecter bianual) no quarto e nono
meses Ōimisai (realizado no jinja de Hirose) no quarto e seacutetimo mecircs Saigusasai (realizado
no jinja de Ōmiwa) e Fūjinsai (matsuri em honra do kami do vento) no quarto e seacutetimo mecircs
No sexto e deacutecimo segundo mecircs celebrava-se o Tsukinamisai algo replicado no Chinkasai
(rdquocerimoacutenia da pacificaccedilatildeo do fogordquo) e Michiaesai (ldquocerimoacutenia dos quatro campos da
capitalrdquo) Quanto ao nono mecircs este estava reservado para o Kannamesai (ldquocerimoacutenia da
degustaccedilatildeo divina dos frutosrdquo) seguido do Ainamesai (ldquocerimoacutenia de partilha dos frutosrdquo) o
Chinkonsai (rdquocerimoacutenia para a pacificaccedilatildeo do espiacuteritos augustosrdquo) e o Daijōsai (rdquogrande
cerimoacutenia de degustaccedilatildeo dos frutosrdquo) agendados no deacutecimo primeiro mecircs 75
No fundo o Jingikan regulava o modo de veneraccedilatildeo dos jingi cujas metas revolviam
sempre em torno do bem puacuteblico obtenccedilatildeo de boas colheitas garantia da ldquosauacutede e seguranccedila
do imperador do palaacutecio e da capitalrdquo e eacute claro proteccedilatildeo contra invasotildees rebeliotildees e doenccedilas
que afetassem a populaccedilatildeo 76
o palaacutecio imperial era nada mais do que um centro de ritual e a
elite qualificada da capital a grande autoridade sobre todos os assuntos shintō e taoiacutestas
Como se pode constatar as atividades desta instituiccedilatildeo complementavam-se com a
atuaccedilatildeo do Escritoacuterio Yin-Yang (Onmyōryō 陰陽寮) Operado por dezenas de indiviacuteduos
empenhados na manutenccedilatildeo do equiliacutebrio coacutesmico atraveacutes dos mais diversos meios
(astronomia calendarizaccedilatildeo e adivinhaccedilatildeo yin-yang este oacutergatildeo seria o siacutembolo da adaptaccedilatildeo
da escola de pensamento on-myōdō ( 陰 陽 道 ) ao contexto japonecircs permitindo o
desenvolvimento de certas praacuteticas hoje aceites na cultura japonesa como formas de
lsquosupersticcedilatildeorsquo ou lsquomagiarsquo por exemplo a adivinhaccedilatildeo baseada nos signos do zodiacuteaco chinecircs
ou direccedilotildees da buacutessola 77
74
HAYASHI Makoto ldquoShinto and Onmyōdōrdquo Encyclopedia of Shinto 1 General Introduction Religious and
Intellectual Influences on Shinto (on line) lthttpk-
amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23043gt (consultado em 24-06-2018) 75
TAKASHIO Hiroshi ldquoJingiryōrdquo Encyclopedia of Shinto 3 Institutions and Administrative Practices
Ancient (on-line) lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23330gt
(consultado em 24-06-2018) 76
BREEN John TEEUWEN Mark op cit p32 pp36-37 77
HAYASHI Makoto ldquoShinto and Onmyōdōrdquo Encyclopedia of Shinto 1 General Introduction Religious and
Intellectual Influences on Shinto (on line) lthttpk-
amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23043gt (consultado em 24-06-2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 37
Durante o Periacuteodo Heian (794-1185) as proacuteprias cerimoacutenias onmyōdō adaptam-se
aos rituais estatais (positivos) sendo ldquointroduzidas como ritos de proteccedilatildeo pessoal para o
imperadorrdquo dirigidos a ldquocorpos celestiaisrdquo e aos kami Uns seacuteculos mais tarde a Via do Dao
tornar-se-ia objeto de interesse pelas ldquopessoas comunsrdquo que patrocinavam ldquoritosrdquo e
praticavam ldquomagia pessoal para convidar becircnccedilatildeos e evitar maacute-sorterdquo 77
Neste sentido on-
myōdō reconhecia a existecircncia de forccedilas ldquonegativasrdquo que deviam ser eliminadas e pacificadas
claramente enriquecendo a noccedilatildeo de ldquoespiritualidaderdquo em shintō
Uma Via fundada e divulgada por certas famiacutelias que lhe enalteciam um aspeto
ldquomaacutegicordquo onmyōdō conheceria especial popularidade em algumas escolas de pensamento
refletindo a existecircncia de movimentos internos da proacutepria Via dos kami que conjugavam o
aspeto mais praacutetico com a exposiccedilatildeo teoacuterica desta uacuteltima Assim onmyōdō tornar-se-ia uma
referecircncia para os autores responsaacuteveis pela criaccedilatildeo de Ise shintō (伊勢神道 ) e Yoshida
shintō (吉田神道) ambas possuindo uma relaccedilatildeo bastante familial os principais autores e
comentadores provinham de famiacutelias associados a um santuaacuterio especiacutefico sendo que os
Watarai de Ise shintō pertenciam ao Palaacutecio Externo (Gekū外宮) de Ise os Urabe de Yoshida
shintō uma das famiacutelias mais influentes no Jingikan ocupavam cargos de lsquosacerdotesrsquo em
Quioto concretamente nos jinja de Hirano Yoshida e Ume no Miya 78
Aleacutem de partilharem dos mesmos sentimentos de rejeiccedilatildeo face agrave doutrina honji-
suijaku (本地垂迹 ) que reduziria os kami a incarnaccedilotildees de bodhisattvas e budas e
consequentemente subordinando shintō agrave Via do Buda ndash revertendo a relaccedilatildeo shinbutsu ou
seja tornando as ldquodivindades budistasrdquo como manifestaccedilotildees de kami 79
as escolas estavam
familiarizadas com princiacutepios da cosmologia chinesa o Ruiju jingi hongen (類聚神祇本源
composto em 1320) de Watarai Ieyuki (度会 家行 1255-1351) expocircs a sua ldquoa teoria de Yin-
Yang e as Cinco Fases da Mateacuteria (inyō gogyō) no contexto de uma descriccedilatildeo da criaccedilatildeo do
ceacuteu e da terrardquo recorrendo agraves obras do filoacutesofo chinecircs Zhou Dunyi (周敦頤 1017-1073)
ceacutelebre pensador ldquoneo-confucianordquo e autor de um comentaacuterio ao Claacutessico das Mutaccedilotildees
(Yijing 易經 em japonecircs Eki-kyō 易経) e do ensaio de exposiccedilatildeo sobre o diagrama do
extremo supremo (taiji tushuo 太極圖說 taikyo kuzu) 80
Argumentando acerca do ldquoiniacutecio
como o iniacutecio e a origem como a origemrdquo Ieyuki considera o organismo humano como o
78
PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit pp 163-167 79
PICKEN Stuart op cit p173 80
YAO Xinzhong An Introduction to Confucianism New York Cambridge University Press 2000 pp98-99
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
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coletivo dos cinco elementos que ldquocomungam com a origem da naturezardquo agrave qual se deve
regressar e entrar 81
No caso da escola Yoshida Yoshida Kanetomo (吉田兼俱 1435-1511) autor da
obra Shintō Taii (神道大尉) estabelece paralelos tais como ldquosete aberturas da cabeccedila com as
sete estrelas do ceacuteu e os cinco oacutergatildeos internos com as cinco fases da mateacuteria na terrardquo 82
por
conseguinte kami seriam descritos como uma forma de taiji (taikyo) a ldquoabsoluta existecircncia
anterior agrave formaccedilatildeo do ceacuteu e da terra transcendendo yin e yang embora sendo capaz de agir
com estas mesmas forccedilasrdquo uma vez que natildeo possuem forma concreta os kami possuiacuteam o
atributo da ldquocriatividaderdquo modelando todas as coisas existentes no mundo 83
Supervisionado pelo Ministeacuterio dos Assuntos Internos sob o coacutedigo ritsuryō o
Onmyōryō tornar-se-ia o palco de rivalidades familiares entre clatildes como os Abe (associados agrave
astrologia) e os Kamo (especialistas nas ciecircncias calendares) No periacuteodo Muromachi a
linhagem Abe (Tsuchimikado土御門) assumiria a posiccedilatildeo hereditaacuteria de superintendentes da
instituiccedilatildeo sendo que a casa dos Kamo (Kōtokui 幸徳井) contentar-se-ia com o segundo
lugar ocupando o cargo de vice-liacuteder No Periacuteodo Edo as disputas de autoridade em mateacuterias
de ritual condicionariam a crescente competiccedilatildeo entre os Tsuchimikado e uma terceira casa
os Yoshida se os Tsuchimikado seriam reconhecidos pelo bakufu como os responsaacuteveis pela
nomeaccedilatildeo dos lsquomestres do yin-yangrsquo (onmyōji 陰陽師) os Yoshida encarregar-se-iam dos
sacerdotes shintō 84
Em 1682 Tsuchimikado Yasutomi (土御門泰福 1655-1717) criaria
uma nova doutrina inspirada no pensamento de Yamazaki Ansai e de alguns pensadores de
Ise shintō bem como controlava e garantia ldquolicenccedilas a praticantes Yin-Yang pelas proviacutenciasrdquo
85
Na atualidade elementos de onmyōdō podem ser encontrados nas vaacuterias ramificaccedilotildees
de shintō tomando-se o exemplo de Tensha Tsuchimikado Shintō (天社土御門神道 )
Inspirada pela escola de Yasutomi e criada no poacutes-1945 como consequecircncia da concessatildeo de
liberdade religiosa esta organizaccedilatildeo centra-se na cerimoacutenia tensō chifusai (天曹地府祭) Um
81
PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit p176 82
HAYASHI Makoto ldquoShinto and Onmyōdōrdquo Encyclopedia of Shinto 1 General Introduction Religious and
Intellectual Influences on Shinto (on line) lthttpk-
amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23043gt (consultado em 24-06-2018) 83
PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit pp 163-167 84
NISHIOKA Kazuhiko ldquoTsuchimikado Shintōrdquo Encyclopedia of Shinto 8 Schools Groups and
Personalities Medieval and Early Modern Schools (on line) lthttpk-
amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=22576gt (consultado em 24-06-2018) 85
INOUE Nobutaka ldquoTsuchimikado Yasutomirdquo Encyclopedia of Shinto 8 Schools Groups and Personalities
(on line) lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=22771gt (consultado em
24-06-2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 39
matsuri de caraacutecter imperial tensō chifusai procurava a transmissatildeo dos ldquodesejosrdquo do novo
Imperador agraves ldquodivindadesrdquo on-myō embora gradualmente adquirisse popularidade junto dos
Tsuchimikado Praticada no seu jinja dedicado a Taizan Fukun 85
(泰山夫君) ndash em contexto
chinecircs atuava como magistrado do domiacutenio dos mortos e era um subordinado de Yama (em
japonecircs Enma閻魔) 86
ndash a cerimoacutenia garantiria longevidade e seguranccedila do novo imperador
bem como a manutenccedilatildeo do estado de paz no territoacuterio do Japatildeo e o bem-estar dos suacutebditos 85
as necessidades do coletivo pesavam mais do que as individuais
123 Via do Buda concoacuterdia e discoacuterdia entre praacuteticas shinbutsu
Apesar da influecircncia significativa do confucionismo e do taoiacutesmo em shintō ambos
sistemas de pensamento chinecircs natildeo partilham da categoria moderna de shūkyō no campo da
estatiacutestica japonesa apenas a Via do Buda eacute hoje reconhecido como tal juntando-se a shintō e
ao cristianismo trecircs ldquoreligiotildeesrdquo cujo impacto alterou a paisagem cultural japonesa embora a
quantidade de igrejas dificilmente se compara aos milhares de jinja e tera ou jirsquoin (templos
budistas) observando-se igualmente a presenccedila de determinados cultos e tendecircncias que
demonstram o caraacutecter sincreacutetico da relaccedilatildeo shinbutsu
No entanto os atos de veneraccedilatildeo aos kami eram na sua origem considerados como a
antiacutetese da Via do Buda dificultando tentativas de aproximaccedilatildeo entre os ldquocultosrdquo segundo os
decretos imperiais do Nihon shoki shintō ndash interpretado como kannagara (惟神 随神)
designando uma praacutetica delegada por Amaterasu aos seus descendentes e que seria traduzida
como ldquoseguir Shinto (hellip) ou carregar Shinto de forma naturalrdquo - e buppōbutsudō eram
encarados com respeito ou desdeacutem 87
No periacuteodo de governaccedilatildeo do Imperador Yōmei (用明
天皇) ambas eram consideras tradiccedilotildees vaacutelidas a seguir uma vez que este ldquoacredita na lei do
Buda e respeita shendaordquo (天皇信仏法尊神道) 88
um termo mais tarde identificado com
shintō
86
MASUO Shinrsquoichirō ldquoChinese Religion and the Formation of Onmyōdōrdquo Nanzan Institute for Religion and
Culture Japanese Journal of Religious Studies nordm 40 (1) 2013 pp 19ndash43 87
PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit pp 253-258 88
Durante o primeiro ano do reinado do imperador Kōtoku (孝徳天皇 supostamente ldquorespeita-se a lei do Buda
e ter shendao em pouca consideraccedilatildeordquo (尊仏法軽神道) SAKAMOTO T 日本書紀 国史大系版 (Nihon
shoki Ediccedilatildeo do Compecircndio da Histoacuteria Nacional) (on line) lthttpwwwj-textscomjodaishokiallhtmlgt
(consultado em 24-06-2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 40
Por volta da reforma Taika de 645 os ldquorituais budistasrdquo tinham encontrado o seu
lugar no palaacutecio imperial interagindo com os ritos para os kami 89
condicionando um cenaacuterio
de competiccedilatildeo que forccedilaria a adaptaccedilatildeo de shintō face a estas novas escolas e vice-versa
Destacando-se como uma nova forma de lei e doutrina inovadora cujo impacto se estenderia a
vaacuterias aacutereas nomeadamente arte arquitetura educaccedilatildeo e literatura a Via do Buda eacute elevada
ao estatuto de protetora do domiacutenio do Japatildeo o que natildeo implica uma relaccedilatildeo antagoacutenica com
o culto jingi antes pelo contraacuterio
Durante os periacuteodos Nara-Heian constroem-se os primeiros espaccedilos de veneraccedilatildeo
conjunta de kami e budas (jingū-ji (神宮寺) Todavia a contiacutenua associaccedilatildeo da nova Via agrave
vida aristocraacutetica reforccedilaria a ligaccedilatildeo dos cultos aos kami com as pessoas comuns 90
shintō
permanecia a religiatildeo da comunidade e o budismo a religiatildeo doutrinaacuteria de uma elite
empenhada na traduccedilatildeo e interpretaccedilatildeo dos sutras patrocinando a construccedilatildeo de templos e a
consequente instruccedilatildeo dos monges utilizando rituais budistas para seu benefiacutecio
Tal como os onmyōji se dedicavam a atividades de lsquoexorcismorsquo os monges
recorreriam a foacutermulas e outras teacutecnicas para controlar a ldquoviolecircncia de divindades espiacuteritos e
demoacutenios de todos os tipos incluindo os kamirdquo Por conseguinte a introduccedilatildeo e popularizaccedilatildeo
das linhas de pensamento favoraacuteveis agrave combinaccedilatildeo de elementos shinbutsu obrigaria a novas
interpretaccedilotildees do que se entende por kami outrora seres omnipotentes kami possuiriam um
estatuto equivalente ao de devas ou asuras e como tal sujeitavam-se a samṣara (rokudō rinne
六道輪廻) ao contraacuterio dos budas que tinham alcanccedilado a iluminaccedilatildeo (satori 悟り) 91
No final do periacuteodo Nara promover-se-ia a teoria de que os kami eram nada mais do
que ldquodivindadesrdquo tutelares dos ensinamentos budistas clarificando a relaccedilatildeo de superioridade
do budismo para com shintō e como tal poderiam ser salvas como qualquer outro ser dos seis
domiacutenios 92
neste sentido vida e morte fazem parte do mesmo ciclo do qual apenas alguns se
podem libertar colocando todos os habitantes dos seis caminhos em peacute de igualdade para
shintō a necessidade de ldquosalvaccedilatildeordquo da roda de reencarnaccedilatildeo atraveacutes de satori natildeo se justifica
todos os seres vivos partilham do mesmo caminho - nasciam viviam no seu mundo (em
sociedade com outros kami e humanos) e a sua lsquoformarsquo ou corpo possui os seus limites
89
SATŌ Masato ldquoShinto and Buddhismrdquo Encyclopedia of Shinto 1 General Introduction Religious and
Intellectual Influences on Shinto (on line) lthttpk-
amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23041gt (consultado em 24-06-2018) 90
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 20-23 91
BREEN John TEEUWEN Mark opcit p 38-39 92
SATŌ Masato ldquoShinto and Buddhismrdquo Encyclopedia of Shinto 1 General Introduction Religious and
Intellectual Influences on Shinto (on line) lthttpk-
amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23041gt (consultado em 24-06-2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 41
naturais apoacutes a morte fiacutesica os uacutenicos traccedilos de existecircncia de uma forma de vida encontrar-
se-iam na tamashii (魂) um atributo interior de kami e humanos
Paralelamente agrave expansatildeo do budismo no Japatildeo desenvolve-se a primeira fase da
vertente acadeacutemica de shintō caracterizada pela adoccedilatildeo de conceitos e fundamentaccedilatildeo de
teorias de bukkyō como o princiacutepio honji-suijaku aplicado pelos setores mais populares do
periacuteodo Heian Tendai (天台宗) e Shingon (真言宗) reavaliando-se a relaccedilatildeo entre kami e
outros ldquoseresrdquo reconhecidos pela Via do Buda Assim kami tornar-se-iam suijaku (lsquotraccedilosrsquo垂
迹) dos honji (lsquoessecircnciasrsquo本地) que se encontravam em budas (hotoke 仏) e bodhisattvas
(bosatsu菩薩) por exemplo Jizō (地藏) eacute identificado com Hiraoka-amakoyane-no-mikoto
um dos kami consagrados no Kasuga Jinja 93
no complexo de Ise encontrar-se-ia o honji
Mahāvairocana Tathagata (Dainichi Nyorai 大日如来 ) e em Hakusan o bosatsu da
compaixatildeo Kannon (観音) 94
O esforccedilo de cooperaccedilatildeo entre ambas tradiccedilotildees atingiria o seu auge com o
aparecimento das trecircs escolas xintoiacutestas de base budista Tendai shintō (天台神道) Ryōbu
shintō (両部神道) e Hōkke shintō (法華神道) respetivamente associadas agraves doutrinas dos
monges Saichō Kūkai e Nichiren Tendai Shintō tambeacutem conhecido pela designaccedilatildeo Sannō
Ichi-jitsu shintō apoia-se no estudo do Sutra do Loacutetus e coloca em praacutetica a teoria honji-
suijaku identificando Hiyoshi Sannō o lsquokami guardiatildeorsquo (shugojin 守護神 ) do templo
Enryaku-ji como o suijaku de Śākyamuni o ldquorei do Dharma do sutra do Loacutetusrdquo Possuindo
uma importacircncia mais local do que nacional e centrada em Hiei Quioto Tendai shintō
popularizaria o ato de meditaccedilatildeo ambulante em torno dos sub-santuaacuterios do ldquoSantuaacuterio de Hierdquo
e ldquoperegrinaccedilotildees mentaisrdquo nas quais os suplicantes ldquovisualmenterdquo visitavam os santuaacuterios 95
Agrave semelhanccedila da escola Tendai Ryōbu shintō favorece a combinaccedilatildeo de elementos
ldquobudistasrdquo (ldquoesoteacutericosrdquo) e shintō focando-se na relaccedilatildeo do Ise jingū (伊勢神宮) com as
mandalas kongokai e taizokai representaccedilotildees do ldquoDomiacutenio do Diamanterdquo e do ldquoDomiacutenio do
Ventrerdquo por sua vez associados ao Gekū e ao lsquopalaacutecio internorsquo (Naikū 内宮 ) de Ise
93
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 20-23 94
SATŌ Masato ldquoShinto and Buddhismrdquo Encyclopedia of Shinto 1 General Introduction Religious and
Intellectual Influences on Shinto (on line) lthttpk-
amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23041gt (consultado em 24-06-2018) 95
SATŌ Masato ldquoSannō Shintōrdquo Encyclopedia of Shinto 8 Schools Groups and Personalities Medieval and
Early Modern Schools (on line) lthttpk-
amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=22572gt (consultado em 24-06-2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 42
respetivamente96
Descrita como ldquoshintō combinatoacuterio baseada nas mandalas duais
fundamentais de Budismo esoteacuterico Shingonrdquo por Yoshida Kanetomo 97
- expoente da teoria
Yuiitsu shintō (唯一神道) na qual kami se torna o centro de tudo incluindo do ceacuteu e da terra
ldquodemoacuteniosrdquo animais e o proacuteprio kokoro dos humanos 98
- Ryōbu shintō influenciaria as
escolas de Ise e Yoshida 96
No que concerne agrave uacuteltima escola Hokke shintō recebe influecircncias do ldquobudismordquo
Nichiren (日蓮宗) uma das seitas mais populares do Periacuteodo Kamakura (1185-1333) por sua
vez derivada da lsquoseita da Terra Pura (Jōdo-shū 浄土宗rdquo) propagando a doutrina de mappō
(末法) o momento final do Dharma exaltada pelo monge Nichiren (日蓮 1222-1282)
Essencialmente portador de uma linha de pensamento reacionaacuteria ao budismo Heian
Nichiren considerava Tenshō Daijin (Amaterasu) e Hachiman como shugojin do Verdadeiro
Dharma reconhecendo igualmente a existecircncia de ldquodivindades tutelares do Sutra do Loacutetusrdquo
que tanto protegeriam a realidade na qual se verificasse a concretizaccedilatildeo do Verdadeiro
Dharma como poderiam escolher abandonaacute-la caso a Lei natildeo fosse aplicada 99
Por
conseguinte esta tradiccedilatildeo teria sido formada pelo superintendente do templo Shuryōgonin
associava-se deste modo os trinta dias do mecircs a trinta diferentes jinja e complexos tais
como Atsuta Jingū Suwa Shōshin-ji Hachiō-ji Inari Kibune Hachiman Kasuga Ise Gion
entre outros 100
Partilhando com Tendai o estudo do Sutra do Loacutetus a escola Hokke influenciaria as
ideias de Yoshida shintō e continuaria a desenvolver-se ao longo dos Periacuteodos Muromachi e
Edo surgindo uma seacuterie de obras e fasciacuteculos comentando acerca desta forma de shintō tais
como Hokke Shintō Hiketsu (法華神道秘訣) atribuiacutedo a Nitchō (日澄 1441-1510) 99
No seguimento da instauraccedilatildeo da terceira e uacuteltima casa militar no poder poliacutetico
budismo eacute relegado para um plano mais secundaacuterio aleacutem do aumento do nuacutemero de
96
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp298-299 97
ITŌ Satoshi ldquoRyōbu Shintōrdquo Encyclopedia of Shinto 8 Schools Groups and Personalities Medieval and
Early Modern Schools (on line) lthttpk-
amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=22800 (consultado em 24-06-2018) 98
PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit pp 163-167 99
Itō explica que esta doutrina (shintenjō hōmon) seria acolhida pelo ldquoculto Tendai de trinta divindades tal como
era praticado no Monte Hieirdquo ITŌ Satoshi ldquoHokke Shintōrdquo Encyclopedia of Shinto 8 Schools Groups and
Personalities Medieval and Early Modern Schools (on line) lthttpk-
amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=22565gt (consultado em 24-06-2018) 100
ITŌ Satoshi ldquoSanjūbanshinrdquo Encyclopedia of Shinto 2 Kami (Deities) Combinatory Kami (on line)
lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=22464gt (consultado em 24-06-
2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 43
ocorrecircncias de funerais shintō realizados por famiacutelias como os Yoshida bem como a reduccedilatildeo
da quantidade de tera e jinja que favorecessem uma abordagem ldquocombinatoacuteriardquo 101
surge a
niacutevel acadeacutemico o movimento fukko shintō (復古神道) que propunha um ldquoreavaliaccedilatildeordquo de
shintō rejeitando-se severamente ideias externas
Nestas circunstacircncias Hirata Atsutane (平田篤胤 1774-1842) representante da
vertente mais ldquoradicalrdquo da escola kokugaku assume uma posiccedilatildeo particularmente criacutetica da
Via do Buda suposta total antiacutetese de shintō que por sua vez era emulado como uma ldquovia
antigardquo (kodō 古道) no seu Kodō Taii (古道大尉) redigido em 1811 Hirata idealiza o Japatildeo
como a ldquoTerra dos kamirdquo cujos habitantes satildeo ldquoracialmente superioresrdquo entendendo budismo
como uma ldquoreligiatildeordquo inventada por um homem ndash Śākyamuni ndash cujas doutrinas eram ldquofalsasrdquo
ao ponto de apagarem por completo a ldquoverdade originalrdquo da existecircncia de uma entidade
omnipresente criadora denominada nos textos antigos de Brahmā que Hirata identifica com
Kami-musubi-no-kami 102
Por conseguinte o sentimento anti-budista expresso por Hirata teria as suas
repercussotildees em alguns territoacuterios no periacuteodo final do xogunato Tokugawa gerando-se o
movimento haibutsu kishaku (廃仏毀釈) cuja linha de pensamento tornar-se-ia devastadora
para a Via do Buda desde a destruiccedilatildeo de templos halls imagens rituais apropriaccedilatildeo de
propriedades dos templos na economia dos domiacutenios agrave laicizaccedilatildeo forccedilada dos monges o
budismo enquanto religiatildeo perderia credibilidade e significado cultural entre a populaccedilatildeo 103
ao contraacuterio de shintō por sua vez equiparado a uma ideologia poliacutetica a partir de 1868
inaugura-se assim um dos momentos mais negros da histoacuteria shinbutsu
13 Shintō no periacuteodo moderno antes e depois de 1945
O periacuteodo de vigecircncia da ideologia Meiji (1868-1945) eacute tambeacutem um periacuteodo de
perseguiccedilatildeo interna para a Via do Buda e nas palavras de Picken um exemplo de ldquoabuso e
manipulaccedilatildeordquo de shintō 104
a Ordenaccedilatildeo de Distinccedilatildeo de Shintō e Bukkyō (shinbutsu
hanzenrei 神仏判然令 ) de 1868 oficializa a poliacutetica de separaccedilatildeo de shintō e bukkyō
(shinbutsu bunri 神仏分離) expressa pela interdiccedilatildeo de ldquonomes de estilo Budista para kami
101
BREEN John TEEUWEN Mark opcit pp 38-39 102
PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit pp 213-215 103
SAKAMOTO Koremaru ldquoHaibutsukishakurdquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and Doctrines Doctrines
and Theories (on line) lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23552gt
(consultado em 24-06-2018) 104
PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit pp 87-88
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 44
a proibiccedilatildeo de se usar imagens Budistas para representar kami e a remoccedilatildeo de implementos
rituais Budistas de espaccedilos rituais Shintōrdquo 105
Seguindo nos passos do movimento haibutsu
kishaku
Tendo como meta uma visatildeo de shintō como lsquonatildeo-religiatildeorsquo estatal o novo regime
restabeleceria o Jingikan - substituiacutedo dois anos depois pelo Jingishō (神祇省) ndash e procederia
agrave instauraccedilatildeo de um sistema hieraacuterquico piramidal de jinja imperiais e nacionais (1870-1871)
delegando-se cargos a funcionaacuterios puacuteblicos Abolindo-se o sistema de hereditariedade
sacerdotal jinja tornam-se instituiccedilotildees nacionais e espaccedilos de visita obrigatoacuteria e natildeo
espontacircnea 106
131 A visatildeo ldquonacionalistardquo Meiji uma ldquonatildeo-religiatildeordquo ao serviccedilo do Estado
japonecircs
Se as restantes ldquoreligiotildeesrdquo eram entendidas como secundaacuterias - permanecendo sob a
tutela do Escritoacuterio de Religiatildeo do qual faziam parte os treze ldquosetoresrdquo de kyōha shintō - o
culto jingi era colocado sob a alccedilada do Jinjakyoku (神社局) perdendo gradualmente a sua
natureza religiosa todos os meios eram vaacutelidos para inculcar nas mentes dos japoneses a ideia
de que shintō natildeo era uma religiatildeo ldquopatrociacutenio apoio perpetuaccedilatildeo controlo e disseminaccedilatildeordquo
de shintō pelos vaacuterios niacuteveis de governo e por funcionaacuterios puacuteblicos ldquosubordinados e
empregadosrdquo o constante ensino de doutrina ldquoxintoiacutestardquo ldquonacionalistardquo ou ldquoultranacionalistardquo
em manuais escolares o ato de visitar santuaacuterios por obrigaccedilatildeo e execuccedilatildeo de ritos
patrocinadas por instituiccedilotildees educacionais a circulaccedilatildeo de textos explicativos da doutrina
kokutai (国体) 107
Em contexto legal tambeacutem os proacuteprios santuaacuterios xintoiacutestas sofreriam o impacto
desta abordagem poliacutetica de shintō que reavivava a ligaccedilatildeo co-dependente entre o poder
poliacutetico e shintō (na sua forma de culto jingi) tornando shintō uma instituiccedilatildeo patrioacutetica que
devia ser salvaguardada por todos o ano de 1900 marcaria o iniacutecio do controverso processo
de aglutinaccedilatildeo de jinja (Jinja-Gappei 神社合併) Apagando a existecircncia de milhares de jinja
ldquonatildeo-qualificadosrdquo o movimento expressava uma transferecircncia forccedilada de kami para outros
105
SATŌ Masato ldquoShinto and Buddhismrdquo Encyclopedia of Shinto 1 General Introduction Religious and
Intellectual Influences on Shinto (on line) lthttpk-
amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23041gt (consultado em 24-06-2018) 106
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 36-39 107
PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit pp 114-116
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 45
jinja minando a relaccedilatildeo destes espaccedilos com as comunidades locais se em 1880 existiam
cerca de 157 mil jinja do povopuacuteblicos (minsha民社) em 1929 o nuacutemero rondaria os 112
mil e em 1947 mais de 87 mil 108
De um modo geral shintō estatal (kokka shintō 国家神道) cimentou a ideia de que
um certo tipo de shintō estava aleacutem de ser ldquoreligiatildeo termo que no Periacuteodo Meiji tinha como
elementos um fundador individual e a uma organizaccedilatildeo privada realizando-se atividades de
caraacutecter voluntaacuterio 108
o que nada tinha a ver com o culto jingi praticar shintō era nada mais
do que um dever e uma demonstraccedilatildeo de sentimentos patrioacuteticos essenciais ao bom
funcionamento da naccedilatildeo japonesa recorrendo-se a conceitos como kannagara akitsu-mikami
(現御神) hakkō-ichiu (八紘一宇) que naturalmente tinham sido readaptados face ao status-
quo kannagara por exemplo descrevia uma lsquofeacutersquo que incide no indiviacuteduo e faz com que este
sirva o coletivo nunca a si mesmo expressando ainda ldquoum sentimento de assimilaccedilatildeo e
harmoniardquo 109
akitsu-mikami significava uma ldquodivindade incarnadardquo identificada com o
proacuteprio imperador que deve ser venerado tal como os seus antepassados por parte dos seus
suacutebditos 110
hakkō-ichiu (ldquoa terra inteira debaixo do mesmo tetordquo) era usado como slogan
simboacutelico do poderio militar japonecircs 111
ecoando a noccedilatildeo de tian xia isto eacute lsquodebaixo do ceacuteursquo
(tenka 天下) que em contexto do pensamento chinecircs arcaico e confuciano definia o escopo
do tianming ou lsquomandato do ceacuteursquo (tenmei天命) entregue a um futuro soberano
No fundo reforccedila-se a suposta superioridade do Japatildeo enquanto naccedilatildeo ldquodivinardquo e por
associaccedilatildeo do proacuteprio imperador cuja ldquoalma divinardquo eacute representada por Amaterasu o liacuteder do
Impeacuterio age senatildeo em nome desta uacuteltima sendo que todos os japoneses reconhecem e
reverenciam a sua linhagem transmitida ldquonuma linha inquebraacutevelrdquo o trono e o Imperador satildeo
uma extensatildeo de Amaterasu conferindo-lhe um estatuto ldquoinviolaacutevelrdquo Como tal a aacuterea de
governaccedilatildeo do Imperador natildeo pode ser reduzida ao Japatildeo mas antes a todo o nosso mundo
um papel partilhado com a kami do Sol e Taka-musubi-no-kami 109
108
SHIELDS James ldquoBeyond Belief Japanese Approaches to the Meaning of Religionrdquo Studies in Religion
Sciences religieuses nordm 39 (2) 2010 pp 133-149 109
PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit pp 127-128 110
PICKEN Stuart op cit pp 105 111
PICKEN Stuart op cit pp 111
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 46
132 Divulgaccedilatildeo de um legado cultural e histoacuterico shintō a mais popular religiatildeo
japonesa
O fim da 2ordf Guerra Mundial eacute justamente descrito como o ponto de viragem para as
religiotildees japonesas desde 1945 que shintō eacute estatisticamente uma religiatildeo viabilizando um
processo de reinvenccedilatildeo e adaptaccedilatildeo agraves necessidades de uma sociedade japonesa moderna
surgem assim novos movimentos religiosos parcialmente baseados em ideias shintō budistas
ou cristatildes algumas mais do que outras testemunho vivo da liberdade religiosa expressa a
niacutevel constitucional
No que concerne aos espaccedilos de veneraccedilatildeo estes satildeo devidamente legalizados como
corporaccedilotildees religiosas (shūkyō hōjin宗教法人) desde 1946 operando quer como extensotildees
de terceiros (grupos inclusivos) ou como unidades (tanrsquoi単位) independentes destes grupos
inclusivos (tanritsu shūkyō dantai単立宗教団体) a cada grupo inclusivo (hōkatsu dantai包
括団体) corresponde uma categoria proacutepria - kyōha (教派) shūha (宗派) comunidade
religiosa (kyōdan教団) ordem (shūdoukai 修道会) - que por sua vez incorpora tanrsquoi jinja
jirsquoin (寺院) igrejas (kyōkai教会) e mosteiros (shūdōin修道院) 112
Por conseguinte todos os dados reportados satildeo compilados pela Divisatildeo de Assuntos
Religiosos da Agecircncia para Assuntos Culturais do Ministeacuterio da Educaccedilatildeo (Bunka-chō
shūmuka kyōiku-shō 文化庁宗務課 教育省) que se apoia na definiccedilatildeo de ldquoorganizaccedilatildeo
religiosardquo (shūkyō dantai 宗教団体) promulgada pela Constituiccedilatildeo qualquer grupo local
focado na ldquodisseminaccedilatildeo de ensinamentos religiosos a conduccedilatildeo de cerimoacutenias e funccedilotildees e a
educaccedilatildeo e nutrimento dos crentesrdquo deve ser considerado uma shūkyō dantai que deteacutem
autoridade sobre o processo de qualificaccedilatildeo e quantificaccedilatildeo dos aderentes e do sacerdoacutecio 112
por exemplo a instruccedilatildeo dos candidatos a posiccedilotildees dentro dos santuaacuterios eacute disponibilizada
pelas Universidade Kokugakuin (國學院大學) de Toacutequio e a Universidade Kōgakkan (皇學
館大学) em Ise esta uacuteltima focada no treino de ldquosacerdotes para recitar as liturgias e perceber
o significado dos rituaisrdquo 113
Operando a niacutevel prefeitural ou nacional a categoria shūkyō hōjin faz parte da visatildeo
moderna japonesa de religiatildeo em 1998 o Anuaacuterio de Religiotildees (shūkyō nenkan 宗教年鑑)
do 10ordm Ano da Era Heisei registava mais de 85 mil grupos religiosos shintō 104553179
112
TAMARU Nobuyoshi REID David Religion in Japanese Culture Where Living Traditions Meet a
Changing World Tokyo Kodansha International 1996 pp 218-219 113
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 188-190
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 47
seguidores shintō (492) mais de 81 mil jinja 15 jirsquoin e 1276 locais de propagaccedilatildeo religiosa
(fukyōjo布教所) bem como cerca de 88 mil ldquoprofessoresrdquo (kyōshi 教師) Em contrapartida
bukkyō tinha apenas 78 mil grupos religiosos mais de 95 milhotildees de aderentes e um nuacutemero
superior de kyōshi mais de 77 mil templos apenas 10 jinja e cerca de 3000 fukyōjo 114
No
ano de 2015 constatava-se uma pequena evoluccedilatildeo negativa 485 dos aderentes seguiam
shintō e apenas 87 milhotildees eram supostamente budistas registando-se igualmente uma
descida do nuacutemero de kyōshi tanrsquoi e corporaccedilotildees shintō e budistas 115
Apesar de os dados publicados pela Agecircncia poderem natildeo corresponder agrave realidade
o campo estatiacutestico esforccedila-se por explicar ao puacuteblico o que se entende por shintō bukkyō e
kirisutokyō recorrendo a uma categorizaccedilatildeo que eacute acima de tudo coerente face agrave sua
evoluccedilatildeo histoacuterica no caso concreto de shintō os Anuaacuterios de Religiotildees reconhecem trecircs
ramificaccedilotildees ou kei (系) jinja shintō (神社神道) kyōha shintō e shin shūkyō shintō (新宗教
神道) 116
destas trecircs somente a primeira inclui uma organizaccedilatildeo que tambeacutem serve de porta-
voz aos interesses da maior parte dos jinja espalhados pelo paiacutes a Jinja Honchō (神社本庁)
Ceacutelebre instituiccedilatildeo criada em 1946 no seguimento da fusatildeo de outros trecircs grupos privados eacute
ateacute hoje o ldquouacutenico corpo coordenativo para Shinto no Japatildeo e o uacutenico oacutergatildeo (para aleacutem dos
santuaacuterios individuais) pelo qual Shinto pode ser formalmente representado a um largo niacutevel
administrativordquo 117
Regulando a atuaccedilatildeo das atividades dos jinja a Jinja Honchō permanece o ldquogrupo
religiosordquo mais numeroso no que concerne a espaccedilos de veneraccedilatildeo aderentes (perto de 80
milhotildees) e kyōshi (aprox217 milhotildees) 116
e apresenta-se como um oacutergatildeo mais moderado que
os seus predecessores do Periacuteodo Meiji ndash Jingikan Jingishō (神祇省) Kyōbushō (教部省) e
Jingirsquoin (神祇院) ndash capaz de conjugar as funccedilotildees de supervisor dos jinja e de autoridade em
assuntos shintō Sinteticamente esta associaccedilatildeo tem como metas perpetuar as tradiccedilotildees
desenvolvidas em contexto de jinja shintō como demonstraccedilatildeo de gratidatildeo aos kami e aos
antepassados - a realizaccedilatildeo de cerimoacutenias e ritos - ldquoservir a sociedade e outrosrdquo e na
qualidade de ldquomensageiros de kamirdquo aspirar a melhorar e consolidar este mundo Por uacuteltimo
deve-se identificar ldquoas proacuteprias mentes com a do Imperadorrdquo e ldquorezar pela prosperidade do
114
Bunka-chō Bunkabu shūmuka Shūkyō Nenkan Heisei 10 Han (宗教年鑑平成 10 版) Tokyo Bunka-chō
1998 115
Bunka-chō Bunkabu shūmuka Shūkyō Nenkan Heisei 27 Han (宗教年鑑平成 27 版) Tokyo Bunka-chō
2016 116
Bunka-chō Bunkabu shūmuka Shūkyō Nenkan Heisei 27 Han (宗教年鑑平成 27 版) Tokyo Bunka-chō
2016 117
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 41-42
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 48
paiacutes e por coexistecircncia paciacutefica e coprosperidade para as pessoas do mundordquo 118
claramente
realccedilando o caraacutecter natildeo individual patente em shintō
2 SOCIEDADE ldquoESPIRITUALIDADErdquo E ldquoEacuteTICArdquo A ldquoVIA DOS KAMIrdquo E O
REGRESSO Agrave Ordem
Aceitar shintō pressupotildee que o indiviacuteduo realize rituais positivos com uma ldquomente
clara pura e sincerardquo 118
devendo-se ter em atenccedilatildeo o termo ldquomenterdquo o facto de Ono ter
como puacuteblico-alvo natildeo japoneses poderaacute justificar esta escolha de traduccedilatildeo que se afasta do
texto original por exemplo ldquoakikiyoki makoto wo nite saishi ni isoshimukoto (明き清きまこ
とを以て祭祀 [さいし] にいそしむこと) corresponde a ldquodevotar-nos aos atos de veneraccedilatildeo
(aos kami) com uma mente clara pura e sincerardquo ldquoŌmikokoro wo itadakite mutsubirdquo (大御
心 [おおみこころ]をいただきてむつび) 119
eacute ldquoidentificaccedilatildeo das proacuteprias mentes com a
(mente) do Imperadorrdquo Assim o termo torna-se makoto Juntamente com o kokoro ambos
vocaacutebulos fundamentam a perspetiva eacutetica de shintō Por sua vez mutsubi (musubi) auxilia na
compreensatildeo da relaccedilatildeo de shintō com o indiviacuteduo e por associaccedilatildeo com os kami
21 A relaccedilatildeo entre kami e humanos uma resposta a preocupaccedilotildees coletivas e
individuais
Claramente uma Via focada no bem-estar humano shintō ilustra um forte caraacutecter
social e eacutetico que eacute complementado pelo desenvolvimento de uma lsquoespiritualidadersquo proacutepria
associada agrave perceccedilatildeo japonesa do ldquosagradordquo como jaacute anteriormente mencionado este
domiacutenio estaacute associado a kami e a sua presenccedila pode ser ldquosentidardquo em certas ocasiotildees
nomeadamente durante os matsuri e as cerimoacutenias executadas pelos ldquosacerdotesrdquo (shinkan 神
官) a descriccedilatildeo de Picken de shintō como ldquoefectivamente uma religiatildeo que eacute mais lsquoapanhadarsquo
do que lsquoensinadarsquo os seus discernimentos lsquopercecionadosrsquo antes de serem lsquoacreditadosrsquo os
118
ONO Sokyō Shinto the Kami Way Singapore Tuttle Publishing 2004 p82 119
A expressatildeo Ōmikokoro (ou Mikokoro 御心) eacute uma forma respeitosa de se referir ao Imperador (ou aos kami)
que surge nas norito ou em outros textos oficiais Jinja Honchō ldquo主な活動rdquo (Atividades gerais) 神社本庁のご案 内 (A orientaccedilatildeo da Jinja Honchō) (on-line) lthttpwwwjinjahonchoorjpintroductionactivitygt
(consultado em 24-06-2018)
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seus baacutesicos conceitos mais do que lsquosentidosrsquo do que lsquopensadosrsquordquo 120
faz da praacutetica e da
experiecircncia do indiviacuteduo o seu alicerce Deste modo confere-se ao homem um papel ativo e
de participante quer se trate de um visitante que reze aos kami esperando por uma resposta
quer seja algueacutem dedicado a servir os kami (ldquosacerdotesrdquo por exemplo) a decisatildeo de executar
os rituais (associados agrave Ordem) cabe ao homem
Soacute o homem possui a capacidade de entrar num domiacutenio diferente deparando-se com
vaacuterios siacutembolos que assinalam a ldquopresenccedilardquo do kami Mircea Eliade nota que o homem
apercebe-se do ldquosagradordquo porque este escolhe mostrar-se isto eacute manifesta-se das mais
variadas formas algo descrito pelo autor como ldquohierofaniardquo identificando a ldquohistoacuteria de
religiotildeesrdquo como portadora de um legado de ldquohierofaniasrdquo ndash elementares e complexas ndash e
argumentando que a manifestaccedilatildeo de ldquoalgo de uma ordem totalmente diferente uma realidade
que natildeo pertence ao nosso mundordquo eacute visualmente expressa por ldquoobjetos que satildeo uma parte
integral do nosso mundo natural lsquoprofanorsquordquo 121
em shintō esta perspetiva lembra o conceito
de kami enquanto atributo o ato de atar uma shimenawa (しめ縄) corda da qual pendem
pequenas tiras em formato ziguezague a um objeto (pilares rochas) ou uma aacutervore (shinboku
神木) e o uso da gohei (御幣) um enfeite colocado diante das portas do ldquosantuaacuterio interiorrdquo
(shinden 神殿) representam a transiccedilatildeo do vulgar para o extraordinaacuterio se fisicamente o
objeto permanece tal e qual como antes de uma perspetiva espiritual e natildeo racional o objeto
torna-se uma extensatildeo do kami
Por conseguinte a noccedilatildeo de ldquohierofaniardquo pensada por Eliade poderia aplicar-se aos
shintai (神体) e mitamashiro (御魂代) objetos diretamente ligados agrave sobrevivecircncia dos jinja
garantindo um estatuto lsquosagradorsquo dos jinja enquanto o kami permanecer nesse local 122
durante a Jinja Gappei milhares de santuaacuterios perderam a sua razatildeo de existir na sequecircncia
da transferecircncia permanente dos supostos representantes do kami 123
No fundo eacute a ausecircncia
destes objetos condiciona o fim do jinja
Essencialmente espaccedilos mantidos graccedilas aos esforccedilos da comunidade jinja
desempenham serviccedilos que incidem na esfera puacuteblica e privada todo o jinja revolve em torno
das pessoas familiarizadas com a aacuterea de atuaccedilatildeo e os atributos do kami ao qual apelam
preocupaccedilotildees econoacutemicas satildeo geralmente da responsabilidade de Inari (稲荷) e Ebisu (恵比
120
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit p xxxii 121
ELIADE Mircea op cit pp 10-12 122
ONO Sokyō op cit p21 pp-24-25 pp98-99 123
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 36-39
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須) o primeiro eacute identificado como o kami protetor do cultivo de arroz e dos cinco cereais
enquanto que o segundo eacute associado ao setor comercial desde o seacutec XII 124
Protetor dos mercadores em meio urbano e de campos de arroz nas aacutereas rurais 124
Ebisu faz parte dos Shichi Fukujin (七福神) um grupo de sete kami associados agrave boamaacute
sorte Daikokuten (大黒天) representante da prosperidade comercial apesar de tambeacutem ser
identificado com um deva domeacutestico da cozinha Mahakala Jurōjin (寿老人) ldquokami de uma
estrela no Taoiacutesmordquo bem como um ldquoermitardquo Jaacute Fukurokuju (福禄寿) eacute o kami da riqueza
prosperidade e longa vida e Hotei (布袋) ldquoum monge chinecircs e uma incarnaccedilatildeo de Maitreyardquo
(Miroku 弥勒) 125
Por uacuteltimo Bishamonten (毘沙門天) e Benzaiten (弁財天) tecircm origens
indianas se Bishamonten um kami de temperamento forte e marcial eacute identificado com
Vaiśravaṇa Beizaiten eacute equiparada agrave devī Sarasvatī 126
No que concerne a preocupaccedilotildees mais pessoais como aprovaccedilatildeo nos exames de
admissatildeo da faculdade eacute costume visitar-se o Kitano Tenmangū (北野天満宮) de Quioto
onde se venera Tenjin127
Ao contraacuterio de outros kami Tenjin natildeo se tornou kami de um dia
para o outro a consagraccedilatildeo da ldquoalmardquo de Michizane ldquoresultou de um esforccedilo extraordinaacuterio
do governo de lidar com uma manifestaccedilatildeo perturbadora de crenccedila Alma-Zangada (onryo)
que (hellip) foi grandemente influenciada pelo corrente interesse em ideias Chinesas e crenccedilasrdquo
128 Por sua vez onryō partilha algumas semelhanccedilas com goryō (御霊) ldquoespiacuteritos de pessoas
que tinham perdido as suas posiccedilotildees de poder e vaacuterios kami de epidemiasrdquo posteriormente
ldquodomesticadosrdquo nos ritos chinkon ao inveacutes de entidades destruidoras e malevolentes que
invocavam desgraccedilas goryō transformavam-se em entidades protetoras 129
22 Aleacutem do plano fiacutesico musubi rei e tamashii
Tanto onryō como goryō enquadram-se na perspetiva espiritual de shintō agrave
semelhanccedila de sangaku shinkō (山岳信仰) cultos caracterizados pela adoraccedilatildeo de montanhas
124
PICKEN Stuart op cit p 119-120 p 362 p 365 125
HARA Kazuya Aspects of Shinto in Japanese Communication Comunicaccedilatildeo apresentada na conferecircncia
ldquoIntercultural Communication Studies XII Asian Approaches to Human Communicationrdquo (Chiba Abril de
2003)
126 PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 36-39
127 PICKEN Stuart op cit p 119-120 p 362 p 365
128 PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit p 285
129 YONEI Teruyoshi ldquoGoryōrdquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and Doctrines Basic Concepts (on line)
lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23422gt (consultado em 24-06-
2018)
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como Ontake (御嶽) Kumano (熊野) Fuji (富士) Sannō (山王) Katsuragi (葛城) supostos
locais de morada permanente para espiacuteritos ldquoprincipalmente espiacuteritos dos mortos que
vigiavam e assistiam os vivosrdquo 130
Eacute em virtude de um suposto caraacutecter sagrado e espiritual
que ainda hoje se realizam praacuteticas asceacuteticas nestes locais
Por conseguinte a compreensatildeo da ldquoespiritualidaderdquo japonesa implica o
conhecimento de musubi (産霊) rei (霊) e tamashii (魂) sendo que o primeiro eacute composto
por umi (産み ldquocriaccedilatildeordquo no sentido de gerar algo) e rei significando algo que natildeo pertence
ao plano fiacutesico Homoacutefono da palavra musubi (結び) traduzido por ldquoligaccedilatildeordquo e por sua vez
derivada do verbo musubu ou lsquoligarrsquo musubi eacute em si a lsquovitalidadersquo presente no ambiente e
nos seres que o constituem uma interpretaccedilatildeo apoiada por Motoori Norinaga
Com efeito no seu Tama Kushige o autor identifica musubi como uma espeacutecie de
ldquoprinciacutepio de atividade criativardquo inerente nos kami Taka-musubi e Kami-musubi concluindo
que este ldquoespiacuterito criativo (hellip) divino milagroso e aleacutem da compreensatildeo humanardquo permite os
atos de ldquocriaccedilatildeordquo (kuni-umi e kami-umi) de Izanagi e Izanami 131
tudo deve a sua existecircncia a
musubi incluindo os proacuteprios humanos
Simultaneamente uniatildeo (harmonizaccedilatildeo e balanceamento) e criaccedilatildeo isto eacute o lsquopoderrsquo
que concede vida e a origem de toda a existecircncia transportando consigo as conotaccedilotildees de
ldquocombinaccedilatildeordquo ldquojuntarrdquo e ldquointerligarrdquo132
musubi foi repetidamente usado no contexto
cerimonial imperial por exemplo os cinco kami que possuem a partiacutecula musubi no seu nome
satildeo tambeacutem os kami protetores do espelho Yata no Kagami localizados no santuaacuterio
kashidokoro do palaacutecio 133
No que concerne agrave rei e tamashii ambos vocaacutebulos tendem a ser erroneamente
traduzidos como ldquoespiacuteritordquo ou ldquoalmardquo e a sua grande diferenccedila consiste no facto de rei ser
exclusivamente uma parte do humano em vida e um atributo independente apoacutes a morte do
corpo se bem que no entender de Yoshida Kanetomo rei eacute aquilo que governa ldquocoisas
individuaisrdquo contrastando com as ldquopessoas individuaisrdquo que satildeo ldquogovernadas pelo kokoro
(hellip)rdquo 134
tamashii eacute uma caracteriacutestica partilhada por homens e kami sendo que no uacuteltimo
caso esta noccedilatildeo eacute expressa pela palavra mitama - escrita com os kanji de kami e rei (神霊) ndash
130
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 197-198 131
PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit p 208 132
BOYD JAMES WILLIAMS Ron ldquoJapanese Shintō An Interpretation of a Priestly Perspectiverdquo
Philosophy East and West nordm 55 (1) pp 33-63 133
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit p 79 134
PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit pp163-167
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ldquoespiacuteritos de kamirdquo cuja existecircncia defendida por rituais e jinja torna viaacutevel a sua integraccedilatildeo
na ideia shintō de lsquoespiacuteritorsquo ou lsquoespiritualidadersquo 135
Natildeo obstante tambeacutem os humanos satildeo portadores de um outro tipo de mitama (御
霊) este identificado como uma rei apoacutes a morte do corpo 135
tornando-se efetivamente uma
extensatildeo deste uacuteltimo o que lhe permite uma atuaccedilatildeo positiva (como protetor) ou negativa
(como destruidor da ordem) no domiacutenio dos humanos Com efeito o culto aos mortos na
sociedade japonesa faz parte de uma tradiccedilatildeo antiga na qual se atribui a certos mortos um
tratamento especial a veneraccedilatildeo de falecidos imperadores antepassados e guerreiros mortos
em combate em conjunto com o culto aos kami expressam uma forte consciencializaccedilatildeo
espiritual ainda muito presente na cultura japonesa
Sob um ponto de vista mais doutrinaacuterio a espiritualidade japonesa centra-se na teoria
ichirei shikon (一霊四魂) literalmente ldquouma rei e quatro tamashiirdquo na qual os humanos e os
kami servem de recipiente agrave reikon que por sua vez eacute constituiacuteda por um lsquoespiacuteritorsquo 136
(rei) -
designado de naobi curioso conceito inserido no campo da eacutetica japonesa significando
ldquocorrigir algo anormal mau ou distorcido e restaura-lo agrave sua condiccedilatildeo normal ou originalrdquo e o
ldquoespiacuterito maravilhoso que retifica o erradordquo 137
- e pela quadripartida tamashii (魂)
Neste contexto cada parte corresponde a um ldquoatributordquo ou ldquocaracteriacutesticardquo que rege o
seu modo de atuaccedilatildeo no domiacutenio terreno o par nigimitama (和御魂) e aramitama (荒御魂)
possuindo uma natureza dual complementar lembrando os princiacutepios do yin e do yang
respetivamente associados ao ldquoatributordquo calmo e passivo nigimitama e o seu oposto a
incontrolaacutevel aramitama o duo sakimitama (幸御魂) e kushimitama (奇御魂) brevemente
mencionado no Nihon shoki se sakimitama eacute a mitama que ldquoprovidenciardquo a potecircncia por
detraacutes da colheita a kushimitama tem o poder de evocar ldquomisteriosas manifestaccedilotildees em seres
humanos atraveacutes de um poder sobrenaturalrdquo 138
135
ASOYA Masahiko ldquoConcepts of the Spirit (reikonkan)rdquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and
Doctrines Basic Concept (on line) lthttpk-
amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23643gt (consultado em 24-06-2018) 138
YONEI Teruyoshi ldquoIchirei shikonrdquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and Doctrines Basic Concepts (on
line) lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23386gt (consultado em 24-
06-2018) 137
FUKUI Yoshihiko ldquoNaobirdquo Encyclopedia of Japan 7 Concepts and Doctrines Basic Terms (on line)
lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23662gt (consultado em 24-06-
2018) 138
YONEI Teruyoshi ldquoKushimitamardquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and Doctrines Basic Terms (on
line) lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23412gt (consultado em 24-
06-2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 53
De entre este quarteto o primeiro par merece uma atenccedilatildeo especial constatando-se
dezenas de referecircncias em textos antigos que explicitam o papel de tanto uma como da outra
que rituais a executar para pacificar uma aramitama transformando-a numa nigimitama
praacutetica efetuada pela famiacutelia imperial por exemplo apoacutes a morte no exiacutelio em Dazaifu (903)
do letrado Sugawara-no-Michizane que tinha sido viacutetima de uma conspiraccedilatildeo dois anos antes
a capital Quioto seria afetada por uma seacuterie de ldquodesastresrdquo tais como ldquopraga fogos
inundaccedilotildees e mortes inesperadasrdquo de membros do clatilde Fujiwara lanccedilando-se um debate
interno sobre a sua causa concluindo-se que se tratava da aramitama do falecido Sugawara
Procurando-se ldquoapaziguarrdquo esta aramitama a famiacutelia imperial procederia agrave restituiccedilatildeo do
estatuto de letrado de Michizane apoiando a construccedilatildeo de um jinja no qual seria consagrado
um novo kami Tenjin 139
O descrito episoacutedio de ldquodomesticaccedilatildeordquo continuaria a ser praticado ao longo dos
seacuteculos sendo que o Imperador Shōwa (昭和天皇) organizaria uma procissatildeo pelo paiacutes para
pacificar as aramitama atraveacutes de preces substituindo-as por nigimitama algo modelado nas
tours do Imperador Meiji (明治天皇) motivos poliacuteticos satildeo habilmente misturados com as
necessidades ldquoespirituaisrdquo do Japatildeo 140
Natildeo obstante existe uma terceira forma de
ldquodomesticaccedilatildeordquo que natildeo implica o seu afastamento da praacutetica de veneraccedilatildeo antes pelo
contraacuterio no Ise Jingū pensa-se que um dos ldquosantuaacuteriosrdquo do Naikū preserva a nigimitama de
Amaterasu e no outro consagra-se a aramitama um processo replicado no Sumiyoshi Taisha
(住吉大社) de Ōsaka espaccedilo de veneraccedilatildeo de trecircs nigimitama dos trecircs respetivos kami ao
contraacuterio do seu congeacutenere em Yamaguchi que alberga as suas aramitama 141
23 Mal como causa e efeito da Desordem tsumi kegare e imi
Aleacutem das diferenccedilas estabelecidas pela mencionada doutrina rei e tamashii satildeo
essencialmente termos que natildeo reconhecem a existecircncia de bommau o que explica o habitual
caraacutecter neutro dos kami Todavia eacute possiacutevel constatar a presenccedila de categorias de rei e kami
que funcionam como arautos de desgraccedila humana e natural representando o oposto do que eacute
ldquobomrdquo goryō onryō e akuryō (悪霊) este uacuteltimo traduzido literalmente por ldquorei malignosrdquo
139
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit p 100 140
PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit p 208 141
ASOYA Masahiko ldquoConcepts of the Spirit (reikonkan)rdquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and
Doctrines Basic Concept (on line) lthttpk-
amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23643gt (consultado em 24-06-2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 54
satildeo exemplos de entidades espirituais cuja razatildeo de existecircncia eacute a de causar danos agraves pessoas
objetos casas urgindo a realizaccedilatildeo de rituais proacuteprios de ldquopacificaccedilatildeordquo e ldquoexorcismordquo que
supostamente expulsamremovem permanentemente quaisquer influecircncias negativas Por sua
vez os yūrei (幽霊) ldquorei obscurosrdquo enquadram-se mais no mundo folcloacuterico japonecircs e satildeo
geralmente identificados como ldquoespiacuteritos vingativosrdquo ou ldquoapariccedilotildeesrdquo cuja presenccedila eacute teacutenue
mas forte o suficiente para serem ldquosentidosrdquo em locais como florestas e montanhas
No que concerne a kami malignos estes satildeo nada mais do que a antiacutetese de musubi e
pureza se a maioria dos kami desdenham ldquode comportamento disruptivo de ordem social ou
natural juntamente com poluiccedilotildees (kegare) tais como sujidade sangue e morterdquo 142
e a sua
origem eacute responsabilidade do princiacutepio de ldquocriaccedilatildeordquo e Ordem coacutesmica um outro grupo de
kami partilha de uma natureza totalmente oposta favorecendo a destruiccedilatildeo da Ordem os
magatsubi no kami ou magatsui no kami (禍津日神 ) Responsaacuteveis por ldquodesgraccedilas
inevitaacuteveisrdquo e reinando ldquosobre erro e impurezardquo eacutetica os magatsui no kami residem nas
profundezas do Yomi ao contraacuterio dos restantes kami que vivem em Takamagahara e no
mundo terreno possuindo uma ldquoessecircncia liacutempidardquo 143
magatsui no kami satildeo os agentes da
desordem distinguindo-se dos restantes kami que favorecem a Ordem
Neste sentido os magatsui no kami relacionam-se com magagoto (凶悪事) palavra
que subentende ldquodesgraccedilas maacutes accedilotildees e calamidadesrdquo 144
ao contraacuterio dos naobi-no-kami
capazes de ldquorestaurar o estado normal e trazer de volta o mundo puro claro proacuteprio e reto
dos Deusesrdquo 145
constroacutei-se deste modo a ideia do mal percecionado como Desordem e
anormalidade que deve ser combatido pelo indiviacuteduo praticante Via dos kami enfatizando os
aspetos sociais e eacuteticos de shintō
A visatildeo eacutetica proposta por shintō eacute resultado da receccedilatildeo e interpretaccedilatildeo de ideias
confucianas e japonesas Aliaacutes na sociedade arcaica japonesa jaacute existia uma distinccedilatildeo entre
ldquobons atosrdquo e ldquomaus atosrdquo que determinavam a culpabilidade ou inocecircncia de um ofensor
perante a unidade familiar ou o clatilde ldquoeacuteticardquo correspondia numa primeira instacircncia a um
conjunto de praacuteticas e dizeres transmitidos de forma oral e de geraccedilatildeo em geraccedilatildeo que eram
142
MATSUMURA Kazuo ldquoDefinitions and Typologyrdquo Encyclopedia of Shinto 2 Kami (Deities) Concepts of
Kami (on line) lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=22498gt
(consultado em 24-06-2018) 143
PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit p 208 144
NISHIOKA Kazuhiko ldquoMagakoto (also Magagoto)rdquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and Doctrines
Basic Terms (on line) lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23670gt
(consultado em 24-06-2018) 145
PICKEN Stuart op cit p 273
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 55
de certo modo complementares agrave execuccedilatildeo do ritual os termos yoshi e ashi respetivamente
significando ter ou carecer de ldquovalorrdquo expressavam as ideias de bemmal 146
Por outras
palavras viver em sociedade natildeo seria possiacutevel se natildeo se adotassem certos comportamentos
que fossem eticamente bons isto eacute natildeo reprovaacuteveis aos olhos da comunidade e eacute claro dos
kami que apesar de natildeo possuiacuterem uma natureza nem boa ou maacute tambeacutem eles satildeo capazes
das piores ofensascrimes isto eacute tsumi (罪) como se pode constatar no caso de Susano-o
No domiacutenio ritual a ldquopurezardquo eacute um atributo interno e externo tanto ao homem como
ao kami kami satildeo considerados essencialmente ldquopurosrdquo ldquoliacutempidosrdquo e uma forma de vida
superior aos homens adotando comportamentos corretos que servem de modelo para os
humanos (com a exceccedilatildeo dos magatsui no kami) e partilhando do ldquoelo espiritualrdquo que os une
nesta realidade isto eacute a mitama Contudo apenas os humanos possuem a capacidade de se
tornar kami apoacutes a morte do corpo seguindo um ldquoprocesso de purificaccedilatildeo que os torna em
espiacuteritos ancestraisrdquo e cuja exceccedilatildeo agrave regra encontra-se por exemplo nos imperadores
considerados akitsu-mikami durante a sua vida 147
O entendimento deste processo de purificaccedilatildeo (jōka) natildeo se pode dissociar de kokoro
e makoto ambos fundamentando a noccedilatildeo de ldquoretidatildeordquo (natildeo necessariamente no sentido
confuciano da palavra) expressa pelo jaacute mencionado termo naobi ou simplesmente nao a
antiacutetese de todos os vocaacutebulos conotados com a ideia de ldquomalrdquo Por outras palavras o
reconhecimento da importacircncia de ldquopurezapurordquo soacute eacute justificado pela existecircncia de ldquoimpurezardquo
que conduz agrave Desordem um natildeo existe sem o outro sendo que na linguagem shintō tudo que
eacute negativo e impuro envolve tsumi (罪) e kegare (穢) duas formas de impureza eacutetica e fiacutesica
respetivamente agraves quais se lhe junta imi (忌) frequentemente interpretado no sentido de
ldquotaburdquo tsumi kegare e imi satildeo com efeito os agentes da Desordem que o ser humano deve
evitar
Incorporados em shintō este trio fortalece a relaccedilatildeo desta Via com a sociedade se a
primeira palavra tsumi tem implicaccedilotildees legais e continua a fazer parte da linguagem do dia-a-
dia sendo usada no campo religioso ou no domiacutenio legislativo kegare tende a associar-se ao
domiacutenio mais ldquolituacutergicordquo de shintō tal como imi que consoante o kanji usado denota o que eacute
considerado puro (positivo) e impuro (negativo)
146
ONO Sokyō op cit pp 105-107 147
UEDA Kenji ldquoConcepts of Humanity (Ningenkan)rdquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and Doctrines
Basic Concepts (on line) lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23642gt
(consultado em 24-06-2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
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No que concerne a tsumi este eacute foneticamente lido agrave maneira chinesa como sai (ou
zai) e apesar de ter sido escolhido para traduzir o conceito de ldquopecadordquo segundo a visatildeo
religiosa cristatilde 148
tsumi possui um forte significado natildeo religioso encontrando-se expressotildees
na linguagem corrente tais como dōzai (同罪 partilha do crimeculpa) e shazai (謝罪)
desculpas como forma de aliviar o sentimento de culpa hanzai (犯罪) ldquocrimerdquo entre outras
Com efeito tsumi eacute antes de mais ofensa crime e maacute accedilatildeo Eacute talvez neste sentido
que Nishigaki Yukio identifica tsumi como togame - uma palavra traduzida por ldquoacusaccedilatildeordquo ou
ldquocensurardquo ndash e a uma abreviatura da forma nominal do verbo tsutsumu (障) designado tsutsumi
sendo que o kanji eacute lido como sawaru - homoacutefono do verbo ldquotocarrdquo (sawaru 触る ) -
indicando ldquotornar-se um obstaacuteculordquo 149
denotando um entrave agrave Ordem Por conseguinte esta
interpretaccedilatildeo ecoa a sugestatildeo de Picken que aponta para a variedade de significados de tsumi
ndash ldquopoluiccedilatildeo doenccedilas e desastre bem como errordquo ndash tendo o cuidado de incluir a sua vertente
praacutetica ldquoaccedilotildees situaccedilotildees ou circunstacircncias indesejadas podem causar impureza e devem ser
lidadas por evitaccedilatildeo ou purificaccedilatildeo ritualrdquo 150
designada de ldquoabstinecircnciardquo (imi 斎) e harai
(祓)
Contudo o conceito de ldquoerradordquo parece surgir em textos confucianos integrando
uma das partes da dicotomia boas accedilotildeesmaacutes accedilotildees apesar da ausecircncia de [罪 ] o seu
significado eacute substituiacutedo por outros que partilham das mesmas conotaccedilotildees negativas o
caractere [犯] usado para formar o verbo japonecircs okasu traduzido por ldquocometerrdquo (maus atos)
e que eacute frequentemente interpretado como um possiacutevel sinoacutenimo de tsumi 151
Aliaacutes na
linguagem japonesa moderna natildeo eacute estranho encontrar-se tsumi junto de okasu como se
constata na frase ldquocometer ofensasrdquo (tsumi wo okasu 罪を犯す) reforccedila-se deste modo a
ideia de que tsumi eacute especificamente algo negativo e condutor agrave Desordem
148
MATSUMOTO Shigeru ldquo 罪 つ み rdquo コ ト バ ン ク (on line) Disponiacutevel em
lthttpskotobankjpwordE7BDAA-99474gt (consultado em 24-06-2018) 149
NISHIGAKI Yukio op cit p 420 p325 150
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit p 171 151
Por exemplo nos ldquoAnalectosrdquo de Confuacutecio (Lun Yu em japonecircs Rongo 論語) regista-se no primeiro
ldquoensinamentordquo do disciacutepulo Yu Zi (有子) o caratere [犯] que eacute traduzido por Lau como ldquotransgressatildeordquo uma
consequecircncia do natildeo seguimento do caminho proposto por ren No entanto na citaccedilatildeo do uacuteltimo livro de
ldquoAnalectosrdquo [惡] indica ldquodetestar fazer algordquo CONFUacuteCIO The Analects Lun Yu Translated by DC Lau HK
Chinese University Press 1983 pp 2-3 pp 194-195
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Por conseguinte a noccedilatildeo de Desordem provocada por ldquomaus comportamentosrdquo eacute
ilustrada nos Analectos pelo caractere [惡] 152
traduzido por ldquomalrdquo (no sentido eacutetico e natildeo
religioso) em japonecircs o caractere usado eacute a forma arcaica de [悪] cujo radical eacute nada mais
do que kokoro lido como aku o kanji pode ser usado para caraterizar uma coisa uma
condiccedilatildeo e ainda a proacutepria personalidade do indiviacuteduo ldquomaldaderdquo ldquomaurdquo ldquomalignordquo ou
ldquomaldosordquo derivam da leitura de aku como warui 153
No fundo [犯] e [惡] satildeo nada mais do
que comportamentos puniacuteveis por lei e cuja eliminaccedilatildeo resultaria do constante cultivo interior
do caraacutecter da pessoa
Na realidade japonesa tsumi opotildee-se ao corretolegal Karl Florenz comenta que ldquoa
sociedade japonesa arcaica possuiacutea nem coacutedigos legais nem direitos descritivos por isso os
castigos das ofensas eram delegados inteiramente agrave discriccedilatildeo do indiviacuteduo magoado ou da
comunidaderdquo no seu entender tsumi eram ldquomaus atosrdquo (crimes) cuja gravidade determinaria
o grau do castigo variando entre pena capital escravatura expulsatildeo e confiscaccedilatildeo total ou
parcial das propriedades do acusado 154
Ora esta linha de pensamento eacute seguida por Felicia Bock que afirma o facto de tsumi
existirem de forma pouco consistente no quadro de costumes das pessoas da planiacutecie do
Yamato (periacuteodo preacute-Japatildeo imperial) juntamente com as ldquopalavras do soberanordquo e
julgamentos apoiados em provaccedilotildees (fogo sobretudo) e ainda ldquoxamatildesrdquo ou ldquointeacuterpretes da
vontade dos kami ou divindadesrdquo tsumi corresponderia agraves ldquoofensas pelas quais uma pessoa
pode ser considerada culpadardquo listadas e descritas em episoacutedios do Kojiki e Nihon shoki Caso
se fosse considerado a um niacutevel mais ldquolituacutergicordquo tsumi podia contaminar uma pessoa (tsumi-
bito 罪人) urgindo a sua eliminaccedilatildeo atraveacutes de ldquocertos ritos prescritosrdquo executados pelos
membros do Jingikan que deste modo asseguravam a ordem no territoacuterio japonecircs aleacutem de se
recorrerem a meacutetodos de cariz social tais como a atribuiccedilatildeo de multas ldquoque eram impostas
152
Duas das frases mais emblemaacutetica do uso de [惡] como antiacutetese de ldquobemrdquo e eacute claro ldquobenevolecircnciardquo (ren仁)
pertencem ao terceiro e quarto ldquoensinamentosrdquo de Confuacutecio do ldquoquarto livrordquo no primeiro caso o caractere natildeo
surge de forma isolada identificando a natureza da pessoa como ldquomaacuterdquo (惡人) por oposiccedilatildeo agrave de uma ldquopessoa boardquo
(好人) ldquo唯仁者能好人能惡人rdquo na frase ldquo苟志于仁矣無惡也rdquo [惡] eacute uma ldquoinfluecircncia negativardquo que se
pode ldquoeliminarrdquo CONFUacuteCIO op cit pp 28-29 153
NISHIGAKI Yukio op cit p 420 p 599 154
FLORENZ Karl ldquoAncient Japanese Rituals Part IVrdquo Transactions of the Asiatic Society of Japan nordm 27
1899 pp 1ndash112
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para absolver uma pessoa de algum crime social tal como roubar a esposa de outro homemrdquo
155
Para todos os efeitos tsumi satildeo o coletivo de atos condenaacuteveis dentro de uma
sociedade os mais graves (amatsu-no-tsumi) correspondem os oito tsumi cometidos por
Susano-o durante o seu episoacutedio de rebeldia contra a ordem de Takamagahara 156
o kami
assume o papel do indiviacuteduo que age contrariamente ao que eacute suposto pois as suas accedilotildees
potildeem em causa o estado harmoacutenico da sua comunidade (de kami) que soacute seria reposta apoacutes
Amaterasu sair da Ama no Iwato
No que concerne aos kunitsu no kami estes satildeo essencialmente um ldquooposto
complementar (hellip) enfatizando maacutes accedilotildees mundanasrdquo nomeadamente ldquoincesto bestialidade e
auguacuterios natildeo auspiciosos e magia que antecipam principais eventos catacliacutesmicosrdquo 156
Jaacute
Felicia Bock divide-os em ldquoquebras de tabus tribais e contaminaccedilotildees causadas por eventos
naturaisrdquo constatando-se uma forte consciencializaccedilatildeo destas ldquocomunidades primaacuteriasrdquo no
que concerne a doenccedilas e comportamentos irregulares ou perigosos o corte de carne viva e
morta que demonstra o respeito pelos seres vivos lepra branca imperfeiccedilotildees deacutermicas
violaccedilatildeo da proacutepria matildee violaccedilatildeo de crianccedilas coabitaccedilatildeo com animais afliccedilatildeo de coisas
rastejantes divindades aves ldquomorte de animais e contaminaccedilotildees originadas por feiticcedilariardquo 157
Contudo a classificaccedilatildeo dos tsumi natildeo eacute a prioridade das fontes literaacuterias arcaicas
no episoacutedio protagonizado pela viuacuteva do Imperador Chūai (Jingū-kōgō神功皇后) do Kojiki
a nomeaccedilatildeo de nove ofensas denota a perspetiva dos japoneses em relaccedilatildeo a comportamentos
socialmente desviantes sobretudo de cariz sexual - a copulaccedilatildeo com quatro espeacutecies animais
(cavalos vacas paacutessaros e catildees) e o incesto satildeo considerados tsumi ndash aos quais se lhe juntam
as praacuteticas de esfolamento animal a destruiccedilatildeo dos campos de arroz e ainda a ldquodefecaccedilatildeo em
espaccedilos sagradosrdquo (no original kusohe 屎戸) 158
Aliaacutes eacute tambeacutem nesta passagem que se constata a atribuiccedilatildeo de um caraacutecter mais
ldquoritualrdquo a tsumi evidenciado pela presenccedila das palavras harai (祓い) um processo que tem
como meta a restauraccedilatildeo da pureza reunindo-se para o efeito oferendas oriundas de todos os
155
BOCK Felicia Engi-shiki Procedures of the Engi Era Books I-V Translated with introduction and notes by
Felicia Gressitt Bock Tokyo Sophia University 1970 pp 3-6 156
TSUSHIRO Hirofumi ldquoAmatsu tsumi Kunitsu tsumirdquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and Doctrines
Basic Terms (on line) lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23381gt
(consultado em 24-06-2018) 157
BOCK Felicia Engi-shiki Procedures of the Engi Era Books I-V Translated with introduction and notes by
Felicia Gressitt Bock Tokyo Sophia University 1970 pp 3-6 158
Com a excepccedilatildeo das formas de bestialidade e incesto os tsumi mencionados satildeo posteriormente categorizados
como amatsu no tsumi TAKEDA Tsunegaki op cit pp217-219
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cantos do territoacuterio e os proacuteprios tsumi kegare (穢) denotando a sujidade inerente deste tipo
de conduta (tsumi) que eacute eliminada por harai sendo defecaccedilatildeo um ato associado agrave ldquosujidade
fiacutesicardquo Com efeito realizar haraiharae devolve a ldquopurezardquo ao espaccedilo que tinha sido
ldquocontaminadordquo Ora neste episoacutedio particular a ldquobuscardquo de tsumi decorre em simultacircneo com
os preparativos para o ldquoritualrdquo fuacutenebre (mogari) do Imperador Chūai (仲哀天皇) 159
Tal como no Kojiki tambeacutem o Nihon shoki define tsumi como condutas ofensivas
no Inverno do 11ordm dia do 10ordm mecircs (quinto do ano de reinado) do Imperador Richū (履中天皇)
conclui-se que a suacutebita morte da Imperatriz tinha sido causada por uma ldquomaldiccedilatildeordquo (tatari 祟
り) enviada pelos ofendidos kami de Tsukushi no seguimento de dois tsumi cometidos por
Kurumamochi-be ndash taxar as terras administradas pelo Imperador sem autorizaccedilatildeo e ter
colocado ao seu serviccedilo (do ofensor) os suacutebditos dessa mesma terra acabando por usurpar a
posiccedilatildeo dos kami aiacute venerados Como puniccedilatildeo o soberano japonecircs obriga o ofensor a
executar misogi e posteriormente demite-o do seu cargo 160
se tsumi eacute a raiz de desarmonia
provocada pela accedilatildeo humana individual e repercutida no coletivo misogi eacute nada mais do que
o seu oposto focando-se na reposiccedilatildeo da Ordem pelo responsaacutevel assumindo contornos de
purificaccedilatildeo interna
Num dos eacuteditos do Imperador Yūryaku (雄略天皇) tsumi adquire uma natureza
ldquoperdoaacutevelrdquo ao escutar a canccedilatildeo entoada por Hata-no-sake-no-kimi o imperador absolve o
carpinteiro Kodakumitsuke-no-mita de ter forccedilado sexualmente 161
uma uneme 162
de Ise (na
verdade a jovem em questatildeo meramente tinha-se distraiacutedo a olhar para Kodakumitsuke-no-
mita estragando uma das oferendas que tinha acabado de preparar) 161
uma vez que o tsumi
de que tinha sido acusado o carpinteiro eacute considerado de tal ordem grave que o Imperador
pensou condenaacute-lo agrave morte eacute possiacutevel concluir que relaccedilotildees sexuais (forccediladas) justificavam a
pena capital
159
Nihonsinwa ldquo大祓いと罪悪rdquo (A Grande Purificaccedilatildeo e Crimes) 仲哀天皇(古事記)(Imperador Chūai
Kojiki) (on line) lthttpnihonsinwacompage577htmlgt (consultado em 24-06-2018) 160
Nihonsinwa ldquo履中天皇(十一)車持部の罪rdquo (Imperador Richū 11 O crime de Kurumamochi-be) 履中天皇 反正天皇(日本書紀)(Imperador Richū Imperador HanzeiHanshō Nihon shoki) (on line) lthttp
httpnihonsinwacompage1396htmlgt (consultado em 24-06-2018) 161
Nihonsinwa ldquo木工鬪鶏御田の冤罪と秦酒公の琴の声rdquo (As falsas acusaccedilotildees de Kodakumitsuke-no-mita e
a voz da biwa de Hata-no-sake-no-kimi) 雄略天皇(日本書紀)四十二 (Imperador Yūryaku Nihon shoki
42) (on-line) lthttpnihonsinwacompage1469htmlgt (consultado em 24-06-2018) 162
Uneme (采女) designa uma rdquofuncionaacuteriardquo da corte geralmente nomeada pelo Imperador ou pela Imperatriz
Segundo Nishigaki a funccedilatildeo destas jovens eacute de cuidar ldquodos afazeres do quotidianordquo dos seus empregadores
incluindo preparar a comida NISHIGAKI Yukio op cit p116
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No registo de Veratildeo do ano seguinte tsumi eacute novamente uma ofensa de natureza
sexual o crime cometido por Hatane-no-mikoto ndash um parente afastado do atual imperador
legitimando eventuais ambiccedilotildees ao trono ndash eacute o de sorrateiramente ter tido relaccedilotildees com
Yama-no-be-no-Koshimako Apoacutes purificar-se de tais atos recorrendo ao pagamento em
cavalos e tachi (nome para uma katana longa) Hatane eacute posteriormente obrigado pelo
imperador a lsquodepositar no chatildeorsquo os seus pertences numa outra localizaccedilatildeo perdendo o seu
estatuto social Se neste caso a puniccedilatildeo de Yūryaku serve para preservar a sua posiccedilatildeo
poliacutetica impedindo um hipoteacutetico golpe de estado 163
no primeiro episoacutedio o castigo eacute
aplicado como forma de justiccedila pelos terriacuteveis atos do carpinteiro
Como se pode constatar nos exemplos referidos tsumi expressa um uacutenico crime algo
repercutido no registo do Imperador Ankan (安閑天王) no 12ordm mecircs do primeiro ano de
reinado o termo eacute usado para indicar o roubo do colar por parte de uma jovem e que o
imperador resolve ldquoarrependerrdquo (aganai 贖い164) um procedimento no qual se reunia uma
seacuterie de pessoas conhecidas do acusado que entregavam riquezas ao imperador esperando-se
desta forma evitar o ldquocontaacutegiordquo de tsumi cometido pelo criminoso Curiosamente a viacutetima do
roubo tambeacutem eacute incluiacuteda neste conjunto de pessoas justificado pelos receios de contaminaccedilatildeo
165 neste sentido tsumi eacute duplamente uma ofensa individual e algo de natureza
ldquocontaminadorardquo conotada com kegare e Desordem
Em outras croacutenicas como a dos Imperadores Bidatsu (敏達天皇) Kōtoku (孝徳天皇
e Tenmu (天武天皇) tsumi corresponde a crimes cometidos pela mesma pessoa ou por um
conjunto de indiviacuteduos no primeiro caso tsumi descreve dois atos de Naniwa - ter ldquoenganadordquo
a corte (de certo modo um caso de insubordinaccedilatildeo) e de ter feito com que um diplomata do
reino de Kōryo fosse morto 166
no segundo ano do terceiro mecircs de Kōtoku identificam-se os
163
Eacute interessante ver que o verbo okasu eacute usado nesta passagem para identificar o crime Dependendo do
contexto o verbo pode significar ldquoviolarrdquo ecoando as suspeitas do Imperador no episoacutedio anterior Outro termo
a ter em conta eacute o de ldquopurificaccedilatildeordquo harai natildeo envolve misogi mas natildeo deixa de ser harai distinguindo-se como
um tipo de harai associado a ldquopagamentosrdquo Nihonsinwa ldquo歯田根命は山辺小嶋子と姦通し罪を問われるrdquo
(Hatane-no-mikoto eacute interrogado pelo crime de adulteacuterio com Yamanobe-no-Koshimako) 雄略天皇 日本書紀( 四 十 三 ) (Imperador Yūryaku Nihon shoki 43) (on line) lthttpnihonsinwacompage1471htmlgt
(consultado em 24-06-2018) 164
Aganai deriva do verbo aganau (贖) ou ldquoarrependerrdquo no sentido de ldquocompensarrdquo por maus atos Outra
definiccedilatildeo possiacutevel eacute enterrar riquezas no chatildeo NISHIGAKI Yukio op cit p 27 165
Nihonsinwa ldquo廬城部連枳莒喩の娘の幡媛の罪物部尾輿も土地を献上rdquo (O crime da rapariga Hatahime
de Iwogibe-no-muraji-kyū Mononobe-no-Ōmuraji-okoshi tambeacutem presenteia no chatildeo) 安閑天皇 宣化天皇(日本書紀)(Imperadores Ankan Senka Nihon shoki) (on line) lthttpnihonsinwacompage1603htmlgt
(consultado em 24-06-2018) 166
Nihonsinwa ldquo難波の罪を数えるrdquo (Contar os crimes de Naniwa) 敏達天皇 日本書紀 Imperador Bidatsu
Nihon shoki) (on line) lthttpnihonsinwacompage1731htmlgt (consultado em 24-06-2018)
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criminosos e o crime de que satildeo acusados nomeadamente roubo de bens (cavalos armas
tecidos) a outros membros da corte e funcionaacuterios 167
Por uacuteltimo o Imperador Tenmu
menciona sete ldquocoisas maacutesrdquo (ashiki koto 悪しきこと ) cometidas por um clatilde o que
normalmente justificaria a presenccedila deste no palaacutecio a fim de se proceder a um
questionamento oficial Contudo a interceccedilatildeo de um outro indiviacuteduo em favor deste clatilde
resulta na concessatildeo de um perdatildeo imperial caso tornassem a cometer crimes natildeo teriam a
mesma sorte 168
Eacute impossiacutevel natildeo se constatar uma espeacutecie de consciencializaccedilatildeo japonesa no que
concerne agrave Desordem e os possiacuteveis meios para a combater todos os ldquoritosrdquo que precedem os
matsuri e outros atos de veneraccedilatildeo aos kami envolvem algum tipo de ldquopurificaccedilatildeordquo (coisas
pessoas e espaccedilos) expressando-se uma clara atitude de abominaccedilatildeo por tsumi kegare e imi
Ora numa abordagem mais teoacuterica o antagonismo eacute colocado de parte e qualquer um destes
conceitos pode ser analisado enquanto objeto de estudo facultando o desenvolvimento de
novas perspetivas da dicotomia ldquobemmalrdquo em contexto shintō
Segundo Ōwaki Yukiko a linha de pensamento de Norinaga atenta na natureza
ldquoinclusivardquo e natildeo ldquoexclusivardquo de tsumi tornando-o um coletivo de um certo nuacutemero de crimes
socialmente reprovaacuteveis de kegare magakoto e maga ou seja todo o tipo de ldquocoisasrdquo
negativas associadas ao ldquomalrdquo uma palavra que natildeo se deve identificar com o ldquomalrdquo segundo
a visatildeo religiosa ocidental 169
Ao reconhecer a dicotomia DesordemOrdem o indiviacuteduo
deixa-se guiar pelos kami da Ordem - Kamunaobi-no-kami (神直毘神) Ōnaobi-no-kami (大
直毘神) - pedindo-lhes emprestado o ldquopoder da sua mitamardquo isto eacute a sua ldquoessecircnciardquo Seguir
kami no michi torna-se deste modo seguir a Via favoraacutevel agrave purificaccedilatildeo das intenccedilotildees
permitindo afastar a influecircncia negativa e prejudicial de maga que por sua vez se foca em
espalhar Desordem pelo mundo 170
167
O kanji [過] ndash toga sinoacutenimo de tsumi ndash associa-se a okasu reforccedilando a sua leitura enquanto algo de
natureza criminosa Nihonsinwardquo孝徳天皇(二十六)穂積臣咋と巨勢徳禰臣の罪rdquo (Imperador Kōtoku 26
O Crime de Hozumi-no-Omi-kui e Kose-no-tokone-no-Omi (on line) 日本書紀 孝徳天皇 (Nihon shoki
Imperador Kōtoku) lthttpnihonsinwacompage2079htmlgt (consultado em 24-06-2018) 168
Nesta passagem ashiki koto substitui tsumi Nihonsinwa ldquo東漢直の7つの罪恩により許されるrdquo (Os
crimes dos Yamato-no-aya-no-atai Devido agrave graccedila [imperial] satildeo perdoados) 天武天皇(六十)日本書紀
(Imperador Tenmu 60 Nihon shoki) (on-line) lthttpnihonsinwacompage2317htmlgt (consultado em 24-06-
2018) 169
ŌWAKI Yukiko ldquoつみ 罪 Tsumirdquo 万葉神事語辞典 (Dicionaacuterio de 10 mil fragmentos dos assuntos de
kami) (on line) lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_dsgampdata_id=68730gt
(consultado em 24-06-2018) 170
MOTOORI N ldquo1-9 直毘霊rdquo(なおびのみたま) (1-9 Naobi no mitama) 古事記傳 (Kojikiden) (on
line) lthttpkumoi1webfc2comCCP059htmlgt (consultado em 24-06-2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 62
Com efeito a visatildeo particular de Norinaga em relaccedilatildeo a nao (直) e maga (禍) revela-
se fundamental para a compreensatildeo de kami no michi como um Caminho de retorno a uma
Ordem criada por algo natildeo humano e expressa pela naobi-no-mitama (直毘霊) Em outras
palavras nao eacute a antiacutetese de maga algo jaacute aludido na proacutepria etimologia dos dois vocaacutebulos
conotados com coisas ldquopositivasrdquo e ldquonegativasrdquo nao eacute entendido como ldquocorretordquo ldquodireitordquo e
ldquoretordquo uma disposiccedilatildeoatitude preferiacutevel e consequentemente uma caracteriacutestica ligada agrave
Ordem 171
ndash significa ldquocurarrdquo ou ldquopacificarrdquo consoante o contexto ndash maga eacute uma ldquocoisa maacute
desastrerdquo associando-se ainda ao kanji [曲] presente no verbo magaru traduzido por ldquovirarrdquo
ou ldquotorcerrdquo172
Todavia este ldquotorcerrdquo eacute permanente evidenciando a capacidade do indiviacuteduo
prevalecer sobre a influecircncia de maga magamal natildeo eacute inato ao homem justificando o
porquecirc de shintō tradicionalmente definir o homem pela sua ldquoboardquo natureza argumentando
que natildeo existem ldquopessoas maacutesrdquo (por natureza) mas ldquomaacutes intenccedilotildeesrdquo ldquodoenccedilasrdquo e ldquocoisas maacutesrdquo
neste mundo que satildeo impulsionadas pela existecircncia inevitaacutevel de maga 172
Com efeito este
manga eacute um entrave temporaacuterio agrave Ordem interpretaccedilatildeo ecoada por Ono Sokyō Referindo-se
agrave perspetiva ldquoxintoiacutestardquo antiga de uma ldquoorigem exteriorrdquo do mal este uacuteltimo identifica tal
origem com o ldquomundo da escuridatildeordquo personificado pelos magatsui no kami ldquoespiacuteritos
malignosrdquo admitindo que o homem vive num ldquomundo bomrdquo (um mundo de kami criado pelo
musubi) e a sua ldquoalmardquo eacute inerentemente boa ldquoo homem comete males porque perdeu foi-lhe
retirada a capacidade para accedilatildeo normalrdquo 173
Neste sentido tanto o Kojiki como o Nihon shoki apresentam uma explicaccedilatildeo para a
existecircncia desta Desordem Desordem eacute uma consequecircncia da libertaccedilatildeo no mundo de kegare
do Yomi-no-kuni contraiacutedo por Izanagi aquando da sua passagem por este domiacutenio inferior
Caracterizado pela sua sujidade 174
Yomi eacute o mundo dos mortos portanto eacute loacutegico que tudo
que faccedila parte desse lugar seja o oposto da Ordem oferecendo um viacutevido contraste com o
171
NISHIGAKI Yukio op cit p457 172
NISHIGAKI Yukio op cit p529 173
ONO Sokyō op cit pp105-107 174
A utilizaccedilatildeo da palavra ldquosujidaderdquo eacute justificada pela leitura do kanji [穢] como kitanaki presente na fala de
Izanagi O kami tem consciecircncia de ter regressado de uma ldquoterra sujardquo (kitanaki kuni 穢國) e procura de imediato
uma fonte de aacutegua para poder lavar o seu corpo (misogi) No texto original a frase lecirc-se ldquoA wa ina
shikomeshikomeki kitanaki kuni ni itarite arikeri Kare A wa mimi no misogi senrdquo (吾者到於伊那志許米志許
米岐 穢國而在祁理故吾者爲御身之禊而) sendo que [吾] eacute uma forma arcaica do pronome pessoal ldquoeurdquo
KURANO K ldquo 上 卷 并 序 rdquo (Prefaacutecio para o Capiacutetulo Superior) 古 事 記 (Kojiki) (on line)
lthttpwww004uppso-netnejpdassai1kojiki_kamiframekojiki_kami_framehtmgt (consultado em 24-06-
2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 63
mundo dos vivos gerado pela vontade dos kami e no qual aflui vida se os kami satildeo
consequecircncia de musubi os magatsui no kami possuem uma natureza diferente no Kojiki
correspondem a Yasomagatsubi-no-kami (八十禍津日神) e Ōmagatsubi-no-kami (大禍津日
神) e no Nihon shoki este uacuteltimo eacute substituiacutedo pelo Ōayatsubi-no-kami (大綾津日の神)
notando-se a inclusatildeo do som aya cujo significado eacute proacuteximo de maga 175
Aparecendo depois dos kami que se manifestaram agrave medida que Izanagi-no-kami se
despia os magatsui no kami satildeo corporizaccedilotildees de kegare Mencionados durante o ritual
misogi harai este par daacute iniacutecio ao ciclo de Desordem e Ordem reconhecido pelo indiviacuteduo
Desordem precede a Ordem que eacute interpretada como a ldquoessecircnciardquo dos naobi-no-kami ou seja
Kamunaobi-no-kami (神直毘神) Ōnaobi-no-kami (大直毘神) e ainda Izunome-no-kami (伊
豆能賣神) 176
A niacutevel etimoloacutegico a escolha do nome dos primeiros dois kami natildeo eacute uma escolha
aleatoacuteria na ediccedilatildeo do Kojiki-den (1940) compilado por Kurano Kenji Norinaga comenta que
os magatsui no kami possuem uma parte inicial que reforccedila a noccedilatildeo de ldquomuitordquo isto eacute yaso e
ō respetivamente uma parte do meio especificamente conotada com ldquonegativordquo (maga e aya)
a partiacutecula bi (日 ) que serve de auxiliar de fala tal como se constata no bi (毘 ) em
Kamunaobi-no-kami e Ōnaobi-no-kami Por conseguinte maga koto e jaaku (凶事邪悪)
derivam da tamashii de magatsubi no kami acrescentando-se que o verbo naosu (直す) pode
corresponder ldquoao ato de purificar atraveacutes de enxaguar o corpordquo (naosu to wa tsumari
susugikiyomerukoto wo iu 直すとはつまり滌ぎ清めることを言う) se maga significa
kegare kiyomeru eacute naosu Por outro lado naobi refere-se agrave mitama (御魂) capaz de efetuar
este naosu em maga acalmando a sua influecircncia 177
Se Norinaga eacute assertivo na origem exterior do mal que afeta tudo em nosso redor
imaginando um magatsubi no kami como derradeira personificaccedilatildeo das coisas malignas
outros autores natildeo compartilham dos mesmos sentimentos com um especial destaque para o
seu grande rival e anterior disciacutepulo Hirata Atsutane Apesar de aceitar a dicotomia maganao
175
Aya eacute o mesmo som presente em palavras simbolizando ldquoperigordquo e ldquocriserdquo (adjetivos ou pressentimentos) tais
como ayaui e ayabumu (Nishigaki pp 55-56) Portanto se Ōmagatsubi eacute literalmente ldquograndeenorme desastrerdquo
o Ōayatsubi eacute ldquograndeenorme perigordquo a conotaccedilatildeo ldquonegativardquo permanece MOTOORI N ldquo6-2 神代四之
巻rdquo (御身滌の段) (6-2 Kami-yo Livro Quatro- A secccedilatildeo de misosogi) 古事記傳 (Kojikiden) (on line)
lthttpkumoi1webfc2comCCP071htmlgt (consultado em 24-06-2018) 176
KURANO K ldquo 上 卷 并 序 rdquo (Prefaacutecio para o Capiacutetulo Superior) 古 事 記 (Kojiki) (on line)
lthttpwww004uppso-netnejpdassai1kojiki_kamiframekojiki_kami_framehtmgt (consultado em 24-06-
2018) 177
MOTOORI N ldquo6-2 神代四之巻rdquo (御身滌の段) (6-2 Kami-yo Livro Quatro- A secccedilatildeo de misosogi)
古事記傳 (Kojikiden) (on line) lthttpkumoi1webfc2comCCP071htmlgt (consultado em 24-06-2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 64
Hirata defende uma perspetiva inclusiva de ldquomalrdquo apoiada na ideia de que o ser humano
possui no seu interior o ldquoespiacuterito de Magatsuhi-no-kami que se torna violento quando algo
errado foi cometidordquo e o ldquoespiacuterito de Naobi-no-kamirdquo responsaacutevel por moderar a atuaccedilatildeo do
indiviacuteduo de uma forma relaxada e tranquila 178
Neste sentido definiram-se duas caracterizaccedilotildees distintas no que concerne agrave
interpretaccedilatildeo de mal Norinaga eacute um notoacuterio apoiante da teoria lsquomal= antiacutetese do bemrsquo em
todos os seus sentidos comentando o facto de magatsubi no kami ser uma forccedila que o homem
eacute incapaz de resistir e no seu maior extremo adquire uma natureza incontrolaacutevel indomaacutevel
fora do alcance do poder da kami do Sol e de Takagi no Ōkami (um outro termo para Taka-
musubi-no-kami) Contudo independentemente da sua existecircncia neste mundo ldquoos maus
kamirdquo agem simplesmente de acordo com a sua natureza e podem ser aplacados atraveacutes de
ldquoveneraccedilatildeo e execuccedilatildeo de purificaccedilatildeo quando algueacutem estabeleceu contacto com poluiccedilatildeordquo
No fundo a sua influecircncia negativa pode ser apaziguada e retificada graccedilas ao cultivo de uma
atitude de ldquoobservaccedilatildeo correta de veneraccedilatildeordquo 179
Por outro lado Hirata propotildee uma teoria diferente no sexto volume do Koshiden (古
史伝 ca 1812-1825) o autor rejeita a teoria de que magatsubi-no-kami e naobi-no-kami
associam-se somente agrave aramitama e nigimitama de Amaterasu respetivamente Ou seja a
dualidade aramitamanigimitama eacute comum a qualquer kami encontrando-se exemplos de
veneraccedilatildeo muacutetua da aramitama e nigimitama em locais especiacuteficos (cultos de Ise e Izumo)
Aliaacutes a anaacutelise de Hirata permitiu o estabelecimento de uma relaccedilatildeo entre dois kami e uma
ldquopresenccedila interiorrdquo (mitama) capaz de exercer influecircncia de forma positiva e negativa se
naobi-no-kami pertence agrave nigimitama de Ōmikami (Amaterasu) magatsubi no kami
corresponde agrave aramitama de Susano-o-no-mikoto 180
explica-se deste modo o seu
comportamento tempestuoso e irasciacutevel que levaria ao seu afastamento de Takamahara como
compensaccedilatildeo pelos seus tsumi
Com efeito quer se trate de um kami quer de um homem todos tecircm no seu interior a
capacidade de distinguir o ldquocorretordquo do ldquoerradordquo sendo que uma orientaccedilatildeo correta eacute parte
das responsabilidades do ldquoespiacuteritordquo de Naobi-no-kami moderando-se a atuaccedilatildeo do indiviacuteduo
178
PICKEN Stuart Sourcebook of Shinto op cit p 273 179
UEDA Kenji ldquoMagatsubi no Kami and Motoori Norinagarsquos Theologyrdquo Institute for Japanese Culture and
Classics Kokugakuin University (on line) lthttpwww2kokugakuinacjpijccwpcpjrkamiuedahtmltnoteIgt
(consultado em 24-06-2018) 180
HIRATA A ldquo古史伝 6rdquo National Diet Library (on-line) lthttpdlndlgojpinfondljppid772144gt
(consultado em 24-06-2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 65
de uma forma relaxada e tranquila Em contrapartida o ldquoerradordquo eacute representado pelo ldquoespiacuterito
de Magatsuhi-no-kami que se torna violento quando algo errado foi cometidordquo 181
Ora a existecircncia de um kami da Desordem (interior) natildeo implica a adoccedilatildeo de um
comportamento exclusivamente negativo e incorreto por parte deste magatsubi-no-kami eacute
uma consequecircncia e natildeo a raiz desta conduta tornando-se ldquoviolentordquo no caso da presenccedila de
kegare Estando esta ausente tal comportamento perde a sua razatildeo de ser possibilitando a
transiccedilatildeo do magatsubi no kami para um kami capaz de ldquoconceder felicidaderdquo um kami
beneacutefico e cuja essecircncia nunca pode ser maleacutefica antes pelo contraacuterio 182
No Japatildeo dos dias de hoje os conceitos ldquobemmalrdquo satildeo mais ambiacuteguos do que claros
a classificaccedilatildeo de accedilotildees em boasmaacutes depende das ldquocircunstacircncias motivos propoacutesitos
tempo lugarrdquo embora uma coisa seja certa a ldquosinceridaderdquo do nosso ldquocoraccedilatildeordquo que rege uma
conduta ldquoproacutepriardquo e cortecircs favoraacutevel ao natildeo conflito e agrave manutenccedilatildeo da paz e ordem socialrdquo
Tudo que potildee em causa a harmonia merece o roacutetulo de ldquomalignordquo quer se trate de ldquopecados
poluiccedilatildeo e desastresrdquo cabendo agrave ldquoalmardquo do ser humano distinguir entre o bem e o malrdquo 183
algo que soacute eacute possiacutevel se se cultivar uma relaccedilatildeo suficientemente forte com os kami atraveacutes
desta ligaccedilatildeo muacutetua o homem aprende a afastar-se do que lhe eacute prejudicial uma preocupaccedilatildeo
que se estende a qualquer vertente de shintō dos dias de hoje a reposiccedilatildeo da Ordem eacute sem
duacutevida a grande prioridade dos rituais que se esforccedilam por combater qualquer forma de
Desordem
A segunda grande causa da Desordem eacute kegare uma ldquocondiccedilatildeo poluiacuteda e malignardquo
A ldquoantiacutetese de purezardquo kegare eacute ldquoresultado de fenoacutemenos ocorrentes naturaisrdquo e possui uma
natureza facilmente ldquocontaminaacutevelrdquo uma vez que ldquoquando esta corrupccedilatildeo aderia ao indiviacuteduo
tambeacutem trazia calamidades agrave sociedaderdquo 184
Um termo descritivo de ldquoespeciacuteficos tipos de
impureza causados pelo parto menstruaccedilatildeo doenccedilas e morte (hellip) presenccedila de kegare eacute
ignorada tatari (desgraccedila) pode chegar como avisordquo 185
kegare distingue-se de tsumi por ser
sensorialmente impuro distanciando-se do sentido de eticamente impuro patente em tsumi a
conduta errada que danifica o proacuteprio indiviacuteduo e o coletivo
181
PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit p 273 182
KOYASU Nobukuni Hirata Atsutane no Sekai (平田篤胤の世界) Tokyo Berikansha 2001 p205 183 ONO Sokyō op cit pp105-107 184
NISHIOKA Kazuhiko ldquoKegarerdquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and Doctrines Basic Terms (on line)
lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23417gt (consultado em 24-06-
2018) 185
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit p 191
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 66
A niacutevel etimoloacutegico kegare pode ser escrito de duas formas se usado no discurso do
dia-a-dia utiliza-se [汚] um kanji presente em kitanai (汚い) ou ldquosujordquo kegarawashii (汚ら
わしい) ou ldquonojentordquo yogosu (汚す) e yogoreru (汚れる) respetivamente ldquosujarrdquo e ldquosujar-
serdquo oshoku (汚職) ou ldquocorrupccedilatildeordquo e ainda osen ( 汚染) isto eacute e ldquopoluiccedilatildeordquo (ecoloacutegica)
composto pelo kanji [汚] e pelo kanji usado para escrever o verbo someru (染める) traduzido
por ldquopintarrdquo (no sentido de ldquomancharrdquo) Em suma uma condiccedilatildeo na qual o indiviacuteduo ou o
objeto natildeo estaacute limpo assemelhando-se aos vocaacutebulos fujō (不浄 ldquoimpurordquo) e fuketsu (不潔
ldquonatildeo higieacutenicordquo)
Em contrapartida o kegare ritual escreve-se com o kanji [穢] e o seu som kega eacute um
homoacutefono do vocaacutebulo kega (怪我) significando ldquoferidardquo ou ldquomagoarrdquo involuntariamente
como resultado de erros cometidos claramente reforccedilando a sua conotaccedilatildeo negativa
evidenciada pelo verbo kegareru (汚れる穢れる) que supostamente se desenvolveu graccedilas agrave
junccedilatildeo da partiacutecula ke (geralmente lida como ki 気) e do verbo karu escrito com o mesmo
kanji [離] usado em hanareru (れる) isto eacute ldquoafastar-serdquo 186
Neste sentido kegareru pode ser melhor descrito como uma certa accedilatildeo que provoca
o afastamento do ki - espeacutecie de ldquofluxo de energiardquo imanente em tudo que eacute vivo ndash e
consequentemente eacute capaz de atrair todo o tipo de influecircncias negativas Aliaacutes alguns
estudos modernos realizados por japoneses atribuem a origem de kegare (穢) agrave expressatildeo
kegare (気枯) que constituiacuteda pela junccedilatildeo de ki e kare - forma nominal do verbo kareru
geralmente traduzido por ldquomurcharrdquo - kegare (気枯) significaria literalmente ldquoki que murchardquo
ecoando esta ideia de ldquoafastamento do kirdquo que eacute nada mais do que perda de vitalidade 187
Uma Desordem natural que eacute combatida pela purificaccedilatildeo quer recorrendo ao natildeo
contacto com certos alimentos ou objetos (mono imi 物忌) ou agrave realizaccedilatildeo de ldquoabluccedilotildeesrdquo que
afetem a ldquomente e corpordquo (心身) do indiviacuteduo enquanto este venera os kami kegare eacute ldquoum
estado de divergecircncia do que eacute comum uma condiccedilatildeo que se deve abster-se com receiordquo
Caracterizada pelo gradual murchar de ke ndash substitui-se o kanji [気] pelo de [褻] que significa
ldquomundanordquo ndash kegare pode ateacute afetar os alimentos utilizados nos matsuri ao mesmo tempo
que se reconhece a natureza sagrada destas oferendas pensava-se que os alimentos (odango
feijatildeo) eram ldquotambeacutem uma existecircncia sujardquo que justificava a sua eliminaccedilatildeo pela aacutegua fogo
186
NISHIGAKI Yukio op cit pp269-270
187 ITŌ Nobuhiro ldquo穢れと結界に関する一考察 lsquoケガレrsquoとrsquoケrsquordquo (An analysis concerning kegare and
barriers ldquokegarerdquo and ldquokerdquo) Studies in language and culture (言語文化論集) nordm 24 (1) 2002 pp 3-22
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 67
sal e lama elementos portadores de ldquoefeitos purificadoresrdquo (jōka sayō 浄化作用) sendo
destruiacutedos ou queimados apoacutes as festividades 187
Numa interpretaccedilatildeo alternativa eacute possiacutevel explicar kegare como uma das partes da
dicotomia kegarehare para a antropoacuteloga Namihira Emiko kegare expressa ldquoocasiotildees
poluentes tais como funerais ritos memoriais nascimento de crianccedilas menstruaccedilatildeo feridas
(hellip) poluiccedilatildeo pode vir tanto de morte como de sanguerdquo por oposiccedilatildeo a hare ldquoocasiotildees
auspiciosas ou felizes formais tais como Ano Novo festivais matsuri Shinto Miyamairi e
outras cerimoacutenias Shintordquo positivas 188
de celebraccedilatildeo da vida e reposiccedilatildeo da Ordem
conotando-se com o que na linguagem contemporacircnea eacute automaticamente reconhecido como
ldquopurezardquo
Automaticamente associado a coisas impuras kegare eacute essencial no entendimento da
tradiccedilatildeo de discriminaccedilatildeo do geacutenero feminino sobretudo no que diz respeito a kegare oriundo
de sangue (menstruaccedilatildeo) e do parto posteriormente identificados com ldquoimpureza vermelhardquo
(aka fujō 赤不浄) e ldquoimpureza brancardquo (shira fujō 白不浄) respetivamente um sistema de
classificaccedilatildeo que remonta somente ao Periacuteodo Meiji acrescentando-se uma terceira ldquoforma de
impurezardquo haacute jaacute muito reconhecida na sociedade japonesa e capaz de afetar ambos geacuteneros a
ldquoimpureza negrardquo (kuro fujō 黒不浄) 189
sinoacutenimo de shie ou ldquokegare da morterdquo (死穢)
caucionando o indiviacuteduo contra o prolongado contacto direto e indireto com mortos
Ora jaacute as primeiras fontes histoacutericas japonesas perspetivam kegare como uma forma
de Desordem se no Nihon Kōki (日本後紀) o termo quase nunca surge de forma isolada
fazendo parte das palavras [凶穢] [損穢] [汚穢] e [ 穢悪之事] respetivamente registadas
nos anos 797 806 815 e 811 190
no Zoku Nihongi (続日本紀) regista-se [有穢] ou ldquokegare
arirdquo (ldquoter kegarerdquo) aludindo agrave materializaccedilatildeo de kegare 191
Uma vez que tanto o nascimento e a morte de animais ou humanos satildeo kegare eacute
possiacutevel afirmar que enquanto conceito kegare sofreu uma elevada consciencializaccedilatildeo no
seio da sociedade japonesa ndash kegare eacute algo que pode ldquomancharrdquo e ldquocontaminarrdquo ndash ao ponto de
interferecircncia nos rituais aos kami como se pode constatar no Nihon Sandai Jitsuroku (日本三
188
PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit pp 309-310 189
AMA Toshimaro ldquo日本の rsquo疑似伝統 rsquordquo (Distortion of Japanese Tradition) Meiji Gakuin review
International amp regional studies nordm 8 1991 pp 1-22
190 SAEKI A 日本後紀 朝日新聞本 (Nihon Goki Versatildeo do Jornal Asahi) (on line) lthttpwwwj-
textscomchukokoukiallhtmlgt (consultado em 24-06-2018) 191
MIZUMOTO Masahisa ldquo大本敬久 触穢の成立 日本古代における「穢」概念の変遷rdquo (ldquoBook review
lsquoDevelopment of Shokue Changes of the Kegare Concept in the Ancient Japan by Ōmoto Takahisarsquordquo) Buraku
Kaihō Kenkyū (部落解放研究) nordm 199 2013 pp 118-123
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 68
代実録) Por outras palavras a presenccedila de kegare pode justificar o cancelamento de certos
matsuri encontrando-se vaacuterias referecircncias a esta ldquointerrupccedilatildeordquo (teishi停止) no registo do ano
683 (Kinensai e Hirano Umemiya matsuri) e no de 866 e 874 (Tsukinamisai) outro exemplo
a ter em consideraccedilatildeo data do seacutetimo ano da era Jōgan (nono mecircs deacutecimo primeiro dia) e
ilustra kegare como algo nocivo agrave execuccedilatildeo dos ldquoritosrdquo no Ise Jingū que eacute eliminado por
membros da corte 192
Podendo ser visto ouvido degustado cheirado e tocado algo expresso no conceito
de shokue (触穢) literalmente ldquokegare de toquerdquo ndash o primeiro kanji eacute o mesmo usado para o
verbo ldquotocarrdquo (sawaru) ndash kegare eacute classificado por fontes do Periacuteodo Heian como o jaacute
mencionado Nihon Sandai Jitsuroku que lista as seguintes categorias shokue (nas croacutenicas
dos anos 859 862 e 886) shie (episoacutedios dos anos 861-864 865 871 876 878-879 880
882-883 885-887) - especificando se se trata da morte de um animal (catildees cavalos raposa)
ou de um humano (人死穢 e 人死之穢) procedendo-se ao cumprimento de regras de
ldquoabstenccedilatildeordquo como medidas de contingecircncia contra o alastramento de impureza - e san no
kegare exclusivamente associado a catildees ndash no texto original lecirc-se presumivelmente inu sanrsquoe
(犬産穢) ndash descritos no nono mecircs do terceiro dia (ano 865) no deacutecimo mecircs do seacutetimo dia
(ano 867) em dois dias do ano 870 nos anos 877 879 880 884 885 e por uacuteltimo no ano
886 193
Quanto a ketsue (血穢) ou chi no kegare a ldquoimpureza de sanguerdquo eacute discriminada no
episoacutedio do Kojiki (reinado do Imperador Keikō) que descreve o casamento entre Yamato-
takeru-no-mikoto (倭建命) e a menstruada Miya-uke-hime (美夜受比売) um facto entoado
num ldquopoemardquo (uta 歌) pelo proacuteprio esposo e correspondido por esta na noite de nuacutepcias
Assim ketsue eacute o melhor representante da visatildeo lsquosangue = impurezarsquo independentemente de
este pertencer a uma mulher ou a um homem o sangue de um ser vivo era encarado num
misto de receio e fasciacutenio pensando-se que este liacutequido era portador de ldquoum poder forterdquo
192
SAEKI A 日本三代實録 全巻朝日新聞本 (Nihon Sandai Jitsuroku Volume Completo Versatildeo de do
Jornal Asahi) (on line) lthttpwwwj-textscomchukosandaihtmlgt (consultado em 24-06-2018) 193
SAEKI A 日本三代實録 全巻朝日新聞本 (Nihon Sandai Jitsuroku Volume Completo Versatildeo de do
Jornal Asahi) (on line) lthttpwwwj-textscomchukosandaihtmlgt (consultado em 24-06-2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 69
Como resultado o sangue tornar-se-ia um imi (忌) a nunca referir em discurso muito menos
durante a realizaccedilatildeo dos atos de veneraccedilatildeo aos kami 194
Em contrapartida tambeacutem o Saigūki (西宮記 ca seacutec X) regista casos de ketsue
durante o Kamo-matsuri no quarto mecircs do ano 839 e no Sono-matsuri segundo mecircs do ano
851 190
Seguidamente em contexto dos proacuteprios ritos do Naikū a proacutepria palavra ldquosanguerdquo
(血) seria adicionada agrave lista de imikotoba presente no Kōtai Jingū Gishiki-chō 195
Jaacute na 52ordf
aliacutenea do terceiro volume do Engishiki caucionar-se-ia as menstruadas jovens do palaacutecio (ari
tsuki-goto-mono 有月事者) a retirarem-se para suas casas na veacutespera do matsuri e praticar
ldquoabstinecircnciardquo (kessai 潔斎) no terceiro e nono mecircs (Anexo I) 196
Uma vez que o sangue eacute um liacutequido presente no parto de animais e seres humanos natildeo
eacute estranho o facto de o nascimento partilhar do mesmo sentido negativo que a morte ou o
sangue menstrual como jaacute mencionado o Nihon Sandai Jitsuroku cita ocorrecircncias de dano
fetal e nascimento de catildees como motivos para adiar certos ritos 197
e em dois episoacutedios
descritos no ano de 919 (Teishinkōki) e 1119 (Chōshūki) respetivamente se no primeiro caso
esta variedade de kegare eacute mais que suficiente para interromper o Kinensai - agrave semelhanccedila do
ano 683 (Nihon Sandai Jitsuroku) ndash no segundo o parto de uma crianccedila originou kegare que
se espalhou por todos os cantos 198
194
IDE Maya USHIYAMA Yoshiyuki ldquo古代日本における穢れ観念の形成rdquo (Formation of Attitudes
Toward Pollution [kegare] in Ancient Japan) Shinshu University Journal of Educational Research and Practice
(信州大学教育学部研究論集) nordm 9 2016 pp 81-93 195
O Kōtai Jingū Gishiki-chō foi produzida por volta do seacutec IX pelo Naikū e entregue ao Jingikan para revisatildeo
Interessantemente a maior parte deste conjunto de palavras satildeo de origem ldquobudistardquo refletindo a abominaccedilatildeo de
shintō em relaccedilatildeo a ldquoensinamentos de forardquo Segundo Wada a expressatildeo ldquo 血乎阿世止云 rdquo significa
simplesmente que ldquoaserdquo (阿世) ndash ase pode querer indicar a palavra japonesa para ldquosuorrdquo (汗) - deve ser usada
como ldquosubstituto de ldquochirdquo (sangue) O autor afirma tambeacutem que sangue e urina eram considerados liacutequidos
impuros portanto automaticamente interditos nestes espaccedilos WADA Atsumu ldquo特別寄稿 古代社会とケガレ
意識rdquo (Contribuiccedilatildeo Especial Sociedade dos Tempos Antigos e a consciencializaccedilatildeo de kegare) 奈良県立同和問題関係史料センター 研究紀要 (Centro Prefeitoral de Nara para Registos Histoacutericos de Discriminaccedilatildeo
Boletim de Investigaccedilatildeo) Nara-ken Ritsudō Wa Mondai Kankei Shiryō Sentā Kenkyū kiyō) nordm 11 Dezembro
2007 pp 114-136 196
FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第三 神祇三 臨時祭rdquo (Terceiro Livro Jingi Trecircs Matsuri de
Ocasiotildees Extraordinaacuterias) 延 喜 式 (Engishiki) (on-line)
lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi03htmgt (consultado em 24-06-2018) 197
SAEKI A 日本三代實録 全巻朝日新聞本 (Nihon Sandai Jitsuroku Volume Completo Versatildeo de do
Jornal Asahi) (on line) lthttpwwwj-textscomchukosandaihtmlgt (consultado em 24-06-2018)
198 IDE Maya USHIYAMA Yoshiyuki ldquo古代日本における穢れ観念の形成rdquo (Formation of Attitudes
Toward Pollution [kegare] in Ancient Japan) Shinshu University Journal of Educational Research and Practice
(信州大学教育学部研究論集) nordm 9 2016 pp 81-93
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 70
No que concerne a shie esta eacute talvez a forma de kegare mais abominada pela
sociedade japonesa pela sua ligaccedilatildeo direta com a morte morte (intencional ou natural) nunca
eacute motivo de celebraccedilatildeo e os rituais de shintō priorizam a vida ou seja ldquocrescer culturas e
receber vida Receber vida e dar graccedilas agrave vida representa a visatildeo de vida fundamental de
Shintordquo 199
tornando os matsuri natildeo soacute expressotildees de rituais positivos mas tambeacutem
celebraccedilotildees da vida da sociedade aproximando o indiviacuteduo do coletivo
Com efeito se a vida aproxima a morte afasta e traz consigo kegare a sua existecircncia
poderaacute provocar o cancelamento de certos matsuri Ao longo da histoacuteria do Japatildeo morte
nunca foi desassociada de kegare e imi sendo que ateacute mesmo a sociedade contemporacircnea
hesita em referir-se abertamente agrave morte individual de seres humanos respeitando uma seacuterie
de regulaccedilotildees que envolvem a natildeo pronunciaccedilatildeo de palavras que pudessem ser analogias agrave
morte (imikotoba) a praacutetica de ldquokichūrdquo (忌中) entre as pessoas da mesma famiacutelia do falecido
a distribuiccedilatildeo de um tipo de ldquosal purificadorrdquo (kiyome no shio 清めの塩 ) entre os
participantes do funeral Incidentalmente o costume ldquomodernordquo de visitar as campas dos
antepassados e dos membros da famiacutelia recentemente falecidos era totalmente posto de parte
pela corte do Periacuteodo Heian temendo-se o perigo de contaminaccedilatildeo devido agrave forte ldquoligaccedilatildeo de
sanguerdquo entre membros da mesma famiacutelia (sobretudo parentes proacuteximos) 200
Surgindo frequentemente no Kojiki e Nihon shoki kegare natildeo passa de uma palavra
(adjetivo verbo ou nome) sem categorizaccedilotildees integrando um grupo de vocaacutebulos constituiacutedo
por termos de conotaccedilatildeo negativamaligna kitanashi (垢濁悪) ashi (悪邪 凶) arashi
(荒) shiko (醜 凶) e maga (禍 悪 禍害枉 凶) 201
Ora independentemente da ausecircncia do
kanji (死穢) ambas fontes reconhecem a natureza ldquopoluenterdquo da morte no Kojiki o Yomi-no-
kuni eacute descrito como um local desolador repleto de kegare no qual residem mulheres ldquoodiosasrdquo
e um mundo afastado de tudo que eacute vivo Assim na passagem do retorno do Izanagi ao
mundo da superfiacutecie o kanji eacute lido pela primeira vez como adjetivo (kitanaki) 202
199
SANDVIK Leiff Showcasing Shinto The Reinvention of Shinto as an Ecological Religion Masterrsquos Degree
Thesis in History of Religion submitted to the Department of Culture Studies and Oriental Languages of the
University of Oslo supervised by Prof Nora Stene Preston and Prof Dr Mark Teuween 2011 200
AMA Toshimaro ldquo日本の rsquo疑似伝統 rsquordquo (ldquoDistortion of Japanese Traditionrdquo) Meiji Gakuin review
International amp regional studies nordm 8 1991 pp 1-22 201
ITŌ Nobuhiro ldquo穢れと結界に関する一考察 lsquoケガレrsquoとrsquoケrsquordquo (An analysis concerning kegare and
barriers ldquokegarerdquo and ldquokerdquo) Studies in language and culture (言語文化論集) nordm 24 (1) 2002 pp 3-22 202
KURANO K ldquo 上 卷 并 序 rdquo (Prefaacutecio para o Capiacutetulo Superior) 古 事 記 (Kojiki) (on line)
lthttpwww004uppso-netnejpdassai1kojiki_kamiframekojiki_kami_framehtmgt (consultado em 24-06-
2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 71
Com efeito a relaccedilatildeo shi ndash kegare ndash fujō repercute-se no Nihon shoki [穢] marca
presenccedila nas falas de Izanagi primeiro como adjetivo qualificativo de um ldquolugar horrendo e
sujordquo (inashikomeki kitanaki tokoro 不須也凶目汚穢之處) que eacute identificado com o Yomi-
no-kuni o mundo dos mortos Seguidamente o kanji precede o de [濁] ou nigoru (ldquoturvordquo)
base dos nigorasu nigoraseru e um sinoacutenimo de yogoreru (ldquosujar-serdquo) descreve-se deste
modo o corpo fisicamente ldquosujordquo de Izanagi-no-mikoto que precisa de ser lavado (mi no
kegawashikimono wo arai saran 身の濁穢 を滌い去らん) 203
A associaccedilatildeo entre a morte e a Desordem estende-se para laacute dos episoacutedios de cariz
mitoloacutegico o registo da regente imperial Kōgyoku nota que no seguimento da morte (em
territoacuterio japonecircs) de um filho do diplomata do reino coreano de Paekche nenhum dos
membros da famiacutelia se dignou a aparecer no seu funeral temendo-se uma possiacutevel
contaminaccedilatildeo Apesar de esta atitude de evitaccedilatildeo natildeo ser japonesa a popularidade de obras
chinesas que descreviam as cerimoacutenias e os ritos funeraacuterios (envergamento de branco cor do
luto) contribuiria para a fundamentaccedilatildeo de uma tradiccedilatildeo de evitaccedilatildeo de shie a vaacuterios niacuteveis
comeccedilando com definiccedilotildees do enterro a interdiccedilatildeo da cerimoacutenia mogari e outros costumes
que envolviam a morte (corte de cabelo para o bem dos mortos) 204
Por volta do Periacuteodo Heian jaacute era ldquooficialrdquo a abominaccedilatildeo dos membros da corte em
relaccedilatildeo a kegare o Kōnishiki (弘仁式) do Saigūki o Jingiryō e eacute claro o Engishiki definem
kegare como um conjunto de atos a evitar por parte dos indiviacuteduos no seacutetimo volume do
Saigūki nascimento e morte de pessoas e animais domeacutesticos o consumo de carne destes
uacuteltimos fazer luto e visitar doentes implicava um periacuteodo de ldquoevitaccedilatildeordquo ritual de trinta dias
(morte humana) sete dias (nascimento humano) cinco dias (morte animal) e trecircs dias
(consume de carne luto e visita de doentes) 205
No que concerne ao Jingiryō segundo as aliacuteneas dedicadas agrave ldquoabstinecircnciardquo (散斎条)
enterrar coisas em casa luto visita de doentes consumo de carne natildeo produccedilatildeo de muacutesica
entre outros atos de caraacutecter legal (ldquonatildeo julgar em tribunais natildeo punir culpadosrdquo) justificam
este ritual de reposiccedilatildeo da Ordem cuja duraccedilatildeo depende da dimensatildeo dos ritos em questatildeo
203
SAKAMOTO Trdquo一書第六 原文rdquo (Sexto livro Texto Original) 日本書紀 卷第一 第五段 (Nihon
shoki Primeiro Capiacutetulo Quinta Secccedilatildeo) (on line) lthttpwww004uppso-
netnejpdassai1shokiframe0105_06frhtmgt (consultado em 24-06-2018) 204
ITŌ Nobuhiro ldquo穢れと結界に関する一考察 lsquoケガレrsquoとrsquoケrsquordquo (An analysis concerning kegare and
barriers ldquokegarerdquo and ldquokerdquo) Studies in language and culture (言語文化論集) nordm 24 (1) 2002 pp 3-22 205
IDE Maya USHIYAMA Yoshiyuki ldquo古代日本における穢れ観念の形成rdquo (Formation of Attitudes
Toward Pollution [kegare] in Ancient Japan) Shinshu University Journal of Educational Research and Practice
(信州大学教育学部研究論集) nordm 9 2016 pp 81-93
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
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(inspirado nos coacutedigos da dinastia Tang) ldquograndes ritosrdquo soacute se realizavam apoacutes um periacuteodo de
ldquoabstenccedilatildeordquo mensal (1ヶ月の斎を大祀) trecircs dias no caso dos ldquoritos meacutediosrdquo (3日の斎を
中祀) e um dia para os ldquoritos pequenosrdquo (1日の斎を小祀) 206
Agrave semelhanccedila de Jingiryō e do Saigūki o Engishiki repercute a tendecircncia de
ldquoevitaccedilatildeordquo como o uacutenico modo de se precaver contra os perigos de kegare formalmente
designando esta de shokue Mencionada sobretudo no terceiro volume concretamente nas
aliacuteneas 47 48 53 e 54 shokue deve ser eliminado consoante as especificaccedilotildees presentes no
Saigūki na segunda aliacutenea os atos de luto (弔喪) visitar doentes e ldquoalcanccedilar um lugar onde
um montemontanha estaacute a ser construiacutedo ou encontrar um serviccedilo memorial Budista de 37
diasrdquo inviabiliza a entrada do indiviacuteduo no ldquoPalaacutecio Imperial nesse diardquo independentemente
de o proacuteprio natildeo estar contaminado (Anexo I) Na terceira aliacutenea afirma-se que shokue pode
ser transmitido de um local para uma pessoa ou um grupo apesar de natildeo haver risco de
kegare para as pessoas em contacto com uma segunda pessoa ldquocontaminadardquo Jaacute na uacuteltima
aliacutenea a presenccedila de kegare num ldquooficial do Palaacuteciordquo natildeo pode comprometer os
procedimentos dos matsuri 207
O aprofundamento do estudo do conceito de kegare tambeacutem facultou o
desenvolvimento de toda uma perspetiva japonesa na qual objetos locais accedilotildees e ateacute mesmo
palavras satildeo rapidamente integradas no quadro cerimonial shintō embora como distintos
entraves a este uacuteltimo Ora apesar de imi natildeo lhe ser inato (a shintō) e jaacute ter existido de forma
latente na sociedade arcaica foi graccedilas ao processo de edificaccedilatildeo desta Via por parte da corte
que imi ndash geralmente entendido num sentido muito negativo ndash gradualmente conjugaria
ambos aspeto de causa e efeito da Desordem e da Ordem evidenciada pela dicotomia imi (忌)
e imi (斎) dois kanji homoacutefonos de significado antiteacutetico que constituem uma seacuterie de
vocaacutebulos e expressotildees geralmente conotadas com o negativo e o positivo respetivamente
No caso do primeiro imi este eacute alternadamente lido como imu e ki (foneacutetica chinesa)
marcando presenccedila nas palavras imawashii (忌まわしい) um adjetivo traduzido como ldquomau
pressaacutegiordquo 208
o nome kinki ( 禁忌) accedilatildeo interdita em meios sociais (ldquofrases proibidasrdquo
206
IGARI Hiromi ldquo第六 神祇令 全 20 条rdquo (Sexto [Volume] Jingiryō todas as 20 aliacuteneas) 現代語訳「養老 令 」 全 三 十 編 (Traduccedilatildeo moderna Yōrō-ryō todos os 30 volumes) (on-line)
lthttpwwwsoldtinejphiromikanseiyoro06htmlgt (consultado em 24-06-2018) 207
FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第三 神祇三 臨時祭rdquo (Terceiro Livro Jingi Trecircs Matsuri de
Ocasiotildees Extraordinaacuterias) 延 喜 式 (Engishiki) (on-line)
lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi03htmgt (consultado em 24-06-2018) 208
NISHIGAKI Yukio op cit p90
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 73
denominam-se kinku 禁句) expressa numa atitude de afastamento e natildeo contacto com certas
coisas - uma vez que ldquoquebrar o tabu convidaria desgraccedilas tais como feridas e doenccedilasrdquo 209
e
as imikotoba (忌詞) cuja pronunciaccedilatildeo atrai ldquomaacute-sorterdquo ldquodesastresrdquo e ldquodesgraccedilasrdquo 210
Englobando dezenas de verbos adjetivos e outros vocaacutebulos do dia-a-dia imikotoba
natildeo devem ser proferidas em casamentos e noivados (acabar ndash owaru cortarcortar-se ndash
kirukireru) admissotildees escolares e empresariais e sucesso no trabalho (desistirparar ndash yameru
interrupccedilatildeo ndash chūshi) abertura de lojas e negoacutecios (fechar ndash tojiru perder ndash makeru) gravidez
e parto (cair ndash ochiru jazer ndash horobiru fraco ndash yowai murchar ndash kareru) construccedilatildeo de casas
(fogo - hika fumo ndash kemuri) e ainda expressotildees de longevidade 211
Por conseguinte imi (忌) eacute integrado na terminologia fuacutenebre japonesa kichū (忌中)
e kiake (忌明け) expressam o periacuteodo preacute-definido e o fim de [忌] cujo objetivo eacute fazer com
que o indiviacuteduo receie a morte e tudo que esteja relacionado com esta justificando uma
conduta mais cuidada moderada e austera Neste sentido o familiar do falecido refreia-se de
praticar os atos de veneraccedilatildeo em jinja sendo-lhe interdita a entrada na aacuterea destes uacuteltimos e a
sua participaccedilatildeo em matsuri ocasiotildees festivas (casamentos e outras cerimoacutenias viagens
luacutedicas) eventos de celebraccedilatildeo (adiados ateacute kiake) renovaccedilatildeo da casa solo e compras de
grande porte Para o efeito o indiviacuteduo pode escolher sujeitar a casa a uma purificaccedilatildeo
domeacutestica denominada kiake harai (忌明け祓い) cinquenta dias apoacutes a morte do falecido
De caraacutecter muito simples esta praacutetica envolve a entoaccedilatildeo de uma inori por parte de um
ldquoprofissionalrdquo 212
209
Iwai Hiroshi acrescenta que este kinki se relaciona com abstinecircncia do indiviacuteduo (monoimi) sendo que no
caso dos que executam os ritos kami procurava-se manter ldquoum estado de pureza fiacutesica e mentalrdquo evitando
contactar coisas poluiacutedas por um periacuteodo especiacutefico No caso da morte de um parente as pessoas de luto nunca
podem sair agrave rua IWAI Hiroshi ldquoKinkirdquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and Doctrines Basic Terms (on
line) httpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23410gt (consultado em 24-06-
2018) 210
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 171-172
211 Muitas destas palavras foram escolhidas pelo seu significado negativo e ldquopessimistardquo por exemplo ldquopartirrdquo
(saruwareru) e ldquocortar (kiru) podem indicar um eufemismo para morte acrescentando-se o nuacutemero quatro (shi)
que eacute homoacutefono da palavra ldquomorterdquo (shi) Fumitei お祝いには避けたい 忌み言葉 (Querer evitar em
celebraccedilotildees as imikotoba) (on line) lthttpwwwfumiteijpstep3imi_kotobahtml04syussangt (consultado em
24-06-2018) 212
Imi varia consoante o membro da famiacutelia em questatildeo e geralmente eacute feito em simultacircneo com fuku (服) se
bem que este uacuteltimo associa-se ao esforccedilo mental do indiviacuteduo que procura ultrapassar a sensaccedilatildeo de perda e
regressar agrave sua vida normal algo que pode estender-se ateacute seis meses Hyōgo-ken Jinja-chō 先祖のおまつり
(Celebraccedilatildeo dos antepassados) (on line) lthttpwwwhyogo-jinjachocomfaqfaq08htmlgt (consultado em 24-
06-2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 74
Como se pode constatar a maioria das palavras derivadas de [忌] natildeo possuem um
significado positivo (exceccedilatildeo de kiake e kiake harai) o que eacute concordante com a tradiccedilatildeo de
lsquoimi= malrsquo ilustrada na literatura de corte dos Periacuteodos Nara-Heian (manuais e outros textos
rituais) assemelhando-se aos termos kegare e tsumi
No entanto deve-se ter sempre em consideraccedilatildeo a natureza ambiacutegua deste termo
Nishigaki Yukio (2005) define imu (忌斎) como lsquocoisas sagradasrsquo (shinsei na mono 神聖な
もの) morte e coisas sujas que as pessoas do Japatildeo antigo pensavam que natildeo se podiam tocar
devido ao facto de possuir um poder forterdquo 213
capaz de influenciar positiva e negativamente o
indiviacuteduo ecoando a interpretaccedilatildeo sugerida por Okada Shigekyo (1982) na sua pesquisa
acerca do significado dual de imi o autor menciona o facto da palavra imu (斎) ser usada para
qualificar ldquocoisas purasrdquo (seijōshōjō na mono 清浄な物) e indicar assuntos de kami que
envolviam uma ldquoabstinecircncia optimistardquo contrastando com imu (忌) que denotava ldquocoisas
impurasrdquo (fujō na mono 不浄な物) relacionando-se com os afazeres de kami e puacuteblicos
(negativos por natureza) que obrigavam a uma atitude automaacutetica de afastamento 214
como
meio de repor a Ordem
A ideia de um imi positivo e um imi negativo tambeacutem eacute partilhada por Ama
Toshimaro (1991) embora nos dias de hoje ldquoimirdquo (イミ) tenha adquirido o significado de
[忌] [禁忌] e [禁制 concordante com uma atitude de evitaccedilatildeo na liacutengua japonesa imi possui
um outro significado se for escrito com o kanji [斎] passando a ler-se imi (斎み) termo que
indica a palavra seishin kessai (精神潔斎)rdquo ndash literalmente kessai mental entendida no sentido
de ldquoabstinecircncia positiva do corpordquo (sekkyokuteki ni mi wo tsutsushimi積極的に身を慎み) ndash
e consequentemente ldquoaponta o ato de o proacuteprio decidir entrar no mundo sagrado dos kamirdquo
Por outras palavras se [忌み] indicar sobretudo um princiacutepio comportamental negativo pode-
se dizer que [斎み] eacute um princiacutepio comportamental positivo concentrado na ldquodiscriccedilatildeordquo 215
No Nihon shoki a divisatildeo natildeo eacute sempre clara imi (忌) eacute usado na palavra ōmimi (所
忌 ) alimentos proibidos de consumo por parte do imperador evidenciando a noccedilatildeo de
213
NISHIGAKI Yukio op cit p90 214
IDE Maya USHIYAMA Yoshiyuki ldquo古代日本における穢れ観念の形成rdquo (Formation of Attitudes
Toward Pollution [kegare] in Ancient Japan) Shinshu University Journal of Educational Research and Practice
(信州大学教育学部研究論集) nordm 9 2016 pp 81-93 215
AMA Toshimaro ldquo日本の rsquo疑似伝統 rsquordquo (ldquoDistortion of Japanese Traditionrdquo) Meiji Gakuin review
International amp regional studies nordm 8 1991 pp 1-22
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 75
ldquoabstinecircnciardquo e tambeacutem o estatuto especial do soberano japonecircs uma vez que todos os sais
satildeo-lhe proibidos excepto um sal especiacutefico 216
Contudo caso a situaccedilatildeo descrita seja negativa abandona-se a conotaccedilatildeo positiva de
imi evidenciado por expressotildees cujo significado pode ser de facto considerado como algo de
caraacutecter ldquopessimistardquo a palavra [国忌齋] designando o periacuteodo de ldquoabstinecircnciardquo (忌斎)
vigente em todo o paiacutes (adiamento de qualquer tipo de rituais shintō e enfoque nos rituais
budistas dirigidos aos mortos) ordenado primeiramente por Jitō e que duraria uma semana 217
e eacute claro o ldquodia de imirdquo (imibi忌日) indicando especificamente a data da morte do imperador
(dia 16 do segundo mecircs do segundo ano de Jitō) 218
Jaacute no Nihon Sandai Jitsuroku imibi eacute
formalmente explicado nos anos de 859 (o imibi de uma Imperatriz e natildeo do Imperador) 868
(Imperador Montoku decorrido anualmente no oitavo mecircs) e ano 886 (imibi do Imperador
Ninmyō vigeacutesimo primeiro dia do terceiro mecircs constatando-se a anual leitura de sutras no
tempo Unrin-in (雲林院) 219
Por outro lado a conotaccedilatildeo negativa de [忌] natildeo eacute muito visiacutevel no Kōtai Jingū
Gishiki-chō uma vez que eacute a presenccedila do kanji [忌] nas palavras [忌柱] [忌鍬] e [忌種] que
as reveste de uma natureza sagrada proacutepria de oferendas consagradas nos ritos aos kami uma
forma de culto que se estenderia ao proacuteprio Imperador realizando-se cerimoacutenias que
envolviam a preparaccedilatildeo de alimentos (arroz sobretudo) Submetidos a um processo de
abstinecircncia pelo fogo (imibi忌火) este arroz designar-se-ia oficialmente [忌火御飯] sendo
servido no primeiro dia do sexto mecircs 220
No que diz respeito ao Engishiki segue-se esta tendecircncia na qual o kanji pode
expressar coisas positivas (exceccedilatildeo de imikotoba) de entre as quais imibi presente no Niwabi-
216
Nihonsinwa ldquo大伴金村による真鳥の誅殺と塩の呪いrdquo (A execuccedilatildeo criminal de Matori e a maldiccedilatildeo do
sal devido a Ōtomo-no-kanemura) 武烈天皇(八)日本書紀 (Imperador Buretsu 8 Nihon shoki) (on line)
lthttpnihonsinwacompage1537htmlgt (consultado em 24-06-2018) 217
Sekai Daihyakka Jiten Dai 2 Han (Grande Enciclopeacutedia do Mundo Segunda Ediccedilatildeo) ldquo国忌rdquo (Kokki) コト
バンク (Kotobank ) (on line) lthttpskotobankjpwordE59BBDE5BF8C-498821gt (consultado
em 24-06-2018) 218
SAKAMOTO T 日本書紀 国史大系版 (Nihon shoki Ediccedilatildeo do Compecircndio da Histoacuteria Nacional) (on
line) lthttpwwwj-textscomjodaishokiallhtmlgt (consultado em 24-06-2018) 219
SAEKI A 日本三代實録 全巻朝日新聞本 (Nihon Sandai Jitsuroku Volume Completo Versatildeo de do
Jornal Asahi) (on line) lthttpwwwj-textscomchukosandaihtmlgt (consultado em 24-06-2018) 220
ITŌ Nobuhiro ldquo穢れと結界に関する一考察 lsquoケガレrsquoとrsquoケrsquordquo (An analysis concerning kegare and
barriers ldquokegarerdquo and ldquokerdquo) Studies in language and culture (言語文化論集) nordm 24 (1) 2002 pp 3-22
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 76
matsuri (庭火祭) e Niinamesai (新嘗祭) celebrados no deacutecimo segundo mecircs e deacutecimo
primeiro respetivamente 221
Se na perspetiva anterior ao Periacuteodo Nara defendia-se o significado sagrado da
palavra imi no periacuteodo de expansatildeo das culturas Nara e Heian constata-se o oposto a
interaccedilatildeo entre shintō e outras Vias urge uma necessidade de divisatildeo entre coisas maacutes e coisas
boas rotulando-se deste modo a tradiccedilatildeo de ritos fuacutenebres imperiais como ldquoritos malignosrdquo
(kyōrei 凶礼) o ldquomalignordquo eacute o representante de algo contraacuterio agrave Ordem que se distingue de
outros ritos imperiais e dos matsuri nacionais interpretados como ldquocomportamento benignordquo
(yoshimichi吉義) e portanto de impacto positivo 222
Consequentemente a influecircncia de imi na sociedade japonesa estender-se-ia ao
domiacutenio do discurso tornando as imikotoba palavras ldquonegativasrdquo mas que natildeo deixam de ser
sagradas no sentido de a sua pronunciaccedilatildeo transportar consigo um poder inexplicaacutevel e natildeo
fiacutesico 223
Uma vez que a ideia japonesa de ldquosagradordquo natildeo faz a distinccedilatildeo entre coisas
boasmaacutes inexplicaacuteveis por meios convencionais eacute possiacutevel afirmar que esta
consciencializaccedilatildeo da existecircncia de palavras perigosas no discurso contemporacircneo reflete o
lado mais prejudicial da tradiccedilatildeo japonesa de kotodama (言霊)
Associada a um domiacutenio natildeo tatildeo material mas mais subtil e espiritual kotodama eacute
uma palavra composta pelo kanji de ldquopalavrardquo (言) e o de ldquoespiacuteritordquo (tama eacute a leitura
alternativa do termo rei) e ldquorefere-se ao poder espiritual contido dentro de palavras mas
tambeacutem refere agrave concepccedilatildeo de que poder espiritual pode ser manifestado atraveacutes da entoaccedilatildeo
de palavrasrdquo 224
Neste sentido kotodama pode condicionar uma divisatildeo bipartida favoraacutevel ao
modelo ldquopensamento -palavra-accedilatildeordquo no qual o falante escolhe cuidadosamente o que quer
dizer atraindo coisas boasmaacutes para si e para os seus se norito satildeo boas para quem as entoa (e
para quem as escuta) as imikotoba (忌詞) ndash palavra composta pelo termo imi e o kanji lido
221
FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第二 神祇二 四時祭下rdquo (Segundo Livro Jingi Dois Matsuri das
Quatro Estaccedilotildees Parte Inferior) 延 喜 式 (Engishiki) (on-line)
lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi02htmgt (consultado em 24-06-2018) 222
AMA Toshimaro ldquo日本の rsquo疑似伝統 rsquordquo (ldquoDistortion of Japanese Traditionrdquo) Meiji Gakuin review
International amp regional studies nordm 8 1991 pp 1-22 223
WADA Atsumu ldquo特別寄稿 古代社会とケガレ意識rdquo (Contribuiccedilatildeo Especial Sociedade dos Tempos
Antigos e a consciencializaccedilatildeo de ldquoimpurezardquo) 奈良県立同和問題関係史料センター 研究紀要 (Centro
Prefeitoral de Nara para Registos Histoacutericos de Discriminaccedilatildeo Boletim de Investigaccedilatildeo) Nara-ken Ritsudō Wa
Mondai Kankei Shiryō Sentā Kenkyū kiyō) nordm 11 Dezembro 2007 pp 114-136 224
YONEI Teruyoshi ldquoKotodamardquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and Doctrines Basic Terms (on line)
lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23386gt (consultado em 24-06-
2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 77
como kotoba (詞) - provocam efetivamente a Desordem ao serem portadoras impliacutecitas de
ldquoimpurezardquo (kegare) a niacutevel discursivo devendo por isso sujeitar-se a uma peculiar
purificaccedilatildeo abstinecircncia vocabularverbal
Devidamente listadas nos coacutedigos e regulaccedilotildees cerimoniais de entatildeo as imikotoba
eram evitadas atraveacutes da sua substituiccedilatildeo por outros termos parecidos no Kōtai Jingū Gishiki-
chō ldquobater numa pessoardquo [人打] eacute substituiacutedo por atsu (奈津) naku (鳴) ndash homoacutefono do
verbo chorar (naku 泣く ) do qual derivam laacutegrimas ndash eacute trocado por shiotare (塩垂 )
significando literalmente rdquoderramar salrdquo [宍] ndash refere-se a carne de animais ndash eacute substituiacuteda
por [多気] nakago (中子) eacute usado em vez de butsu (仏) indicando o local de veneraccedilatildeo de
estaacutetuas budistas a palavra sutra (kei 経) eacute trocada pela expressatildeo arcaica [志目加彌]
traduzida como ldquosomekamisomegamirdquo literalmente ldquopapel pintadordquo ndash os primeiros dois kanji
indicariam uma leitura foneacutetica do verbo ldquopintarrdquo (someru) e os outros a palavra japonesa
para ldquopapelrdquo (kami紙) ndash uma vez que desde o Periacuteodo Nara que os rolos de pergaminho eram
pintados com a cor amarela algo que supostamente servia de estrateacutegia contra os insetos 225
Seguindo o meacutetodo de substituiccedilatildeo os vocaacutebulos ldquopagoderdquo (tō 塔) ldquomongerdquo (hōshi
法師) o ldquolaicordquo upāsaka (ubasoku 優婆塞) ldquotemplordquo (tera 寺) ldquoabstinecircncia de comidardquo
(toki斎食) ldquomorterdquo (shi 死) ldquocampardquo (hakaba 墓) e ldquodoenccedilardquo (yamai病) satildeo abandonados
em favor de kanji foneticamente lidos como verbos ou simples termos japoneses utiliza-se
ldquocabelo compridordquo (kaminaka髪長) para ldquomongerdquo uma expressatildeo que natildeo reflete a realidade
uma vez que uma das caracteriacutesticas visiacuteveis dos monges e monjas eacute o corte regular do
cabelo em vez de ldquomorterdquo recorre-se agrave expressatildeo naoru (奈保利物) significando o verbo
ldquocurarrdquo (naoru) isto eacute trazer de volta a ldquoforccedila vitalrdquo (生命) o nome nagusamenagusa (慰)
no sentido de ldquoacalmarrdquo eacute usado em vez de ldquodoenccedilardquo 226
Natildeo obstante algumas palavras substitutas satildeo escolhidas pela sua aproximaccedilatildeo agrave
respetiva imikotoba ldquopagoderdquo torna-se araraki (阿良々支) designando a planta ichii cuja
folha dividida lembra a beira do telhado de uma torre ubasoku eacute substituiacutedo por tsunohasu
225
WADA Atsumu ldquo特別寄稿 古代社会とケガレ意識rdquo (Contribuiccedilatildeo Especial Sociedade dos Tempos
Antigos e a consciencializaccedilatildeo de kegare) 奈良県立同和問題関係史料センター 研究紀要 (Centro
Prefeitoral de Nara para Registos Histoacutericos de Discriminaccedilatildeo Boletim de Investigaccedilatildeo) Nara-ken Ritsudō Wa
Mondai Kankei Shiryō Sentā Kenkyū kiyō) nordm 11 Dezembro 2007 pp 114-136 226 WADA Atsumu ldquo特別寄稿 古代社会とケガレ意識rdquo (Contribuiccedilatildeo Especial Sociedade dos Tempos
Antigos e a consciencializaccedilatildeo de kegare) 奈良県立同和問題関係史料センター 研究紀要 (Centro
Prefeitoral de Nara para Registos Histoacutericos de Discriminaccedilatildeo Boletim de Investigaccedilatildeo) Nara-ken Ritsudō Wa
Mondai Kankei Shiryō Sentā Kenkyū kiyō) nordm 11 Dezembro 2007 pp 114-136
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 78
(角波須) possivelmente uma referecircncia ao ldquochapeacuteurdquo usado pelos ldquoque acreditam em bukkyōrdquo
(bukkyō shinsha 仏教信者) ldquotemplordquo eacute um conhecido siacutembolo budista daiacute ser evitado no
discurso utilizando-se kawarafuki (瓦葺) katashiki (片食) equivale a toki Por uacuteltimo
ldquocampardquo um local conotado com kegare eacute pronunciado tsuchikure (土村) 226
No Engishiki imikotoba surge por duas vezes no quinto e sexto capiacutetulo o primeiro
grupo diz respeito agrave Saigū (斎宮) de Ise das quais as primeiras sete pertencem agrave linguagem
budista (内七言佛稱中子經稱染紙塔稱阿良良岐寺稱瓦葺僧稱髪長尼稱女髪
長齋稱片膳) outras sete estatildeo fora desta (外七言 死稱奈保留 病稱夜須 哭稱鹽垂 血
稱阿世 打稱撫 宍稱菌 墓稱壤) e as uacuteltimas duas correspondem aos termos tō e upāsaka
( 又別忌詞 堂稱香焼 優婆塞稱角筈) 227
Jaacute o segundo grupo (死稱直 病稱息 泣稱鹽垂
血稱汗 宍稱菌 打稱撫 墓稱壤) marca presenccedila no Saiinshi (齋院司) o Escritoacuterio ao qual
pertencia a Saiō (齋王) que serve o Kamo Jinja (outrora Kamo Daijin 賀茂大神) 228
Como se pode constatar estas duas listas foram sobretudo inspiradas pelas imikotoba
do Kōtai Jingū Gishiki-chō com a exceccedilatildeo de ldquohallrdquo (tō 堂) substituiacuteda por koritaki (香焼 )
- interpretado como o local onde se queima incenso - e do termo ldquomonjardquo (substituiacutedo pelo
feminino de kaminaga isto eacute mekaminaga女髮長)226 a grande diferenccedila entre os grupos de
imikotoba eacute nada mais do que o modo de escrita se as imikotoba da Saigū satildeo registadas num
japonecircs arcaico utilizando-se mais do que um kanji para se chegar ao som pretendido
imitando a linguagem do Kōtai Jingū Gishiki-chō as do Saiinshi sofreram uma simplificaccedilatildeo
utilizando-se somente um kanji ou no maacuteximo dois embora nunca alterando o significado
Tambeacutem conhecida pelos tiacutetulos de ldquoIse no saiō sainaishinnō itsuki no miya termos
que denotam uma princesa abstinente ou consagrada (hellip) escolhida entre as filhas e irmatildes de
um tennōrdquo (natildeo necessariamente o atual Imperador) a Saigū dedicava a sua vida a servir os
kami consagrados ao Ise Jingū e como tal submetia-se a trecircs anos de preparaccedilatildeo ou seja um
periacuteodo de preservaccedilatildeo de uma vida frugal e moderada Chegando a Ise no ldquonono mecircs do
terceiro ano das suas preparaccedilotildeesrdquo esta jovem visitaria o Ise jingū onde consagraria um ramo
de tamagushi ao Naikū e ao Gekū Tal ritual soacute se justificava trecircs vezes por ano durante o
bianual Tsukinamisai e Kannamesai sendo que o nono mecircs era ldquodeclarado um tempo de
227
FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第五 神祇五 齋宮寮rdquo (Quinto Livro Jingi Cinco Saigū-ryō) 延喜式 (Engishiki) (on-line) lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi05htmgt (consultado em
24-06-2018) 228
FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第六 神祇六 齋院司rdquo (Sexto Livro Jingi Seis Saiinshi) 延喜式
(Engishiki) lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi06htmgt (consultado em 24-06-2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 79
abstinecircncia geral no domiacutenio restriccedilotildees eram impostas em funerais e outras atividades
inauspiciosasrdquo 229
Uma das figuras mais elevadas na hierarquia de Ise a Saigū assume os deveres de
ldquosumo-sacerdotisardquo dos cultos em Ise e representa a perspetiva japonesa de pureza uma vez
que toda a sua vida era regulada em funccedilatildeo da manutenccedilatildeo deste estado interiorexterior de
pureza sendo forccedilada a retirar-se destes deveres para com os kami aquando da entronizaccedilatildeo
de um novo soberano apesar de natildeo se excluir uma reforma antecipada ldquodevido a morte na
sua famiacutelia sauacutede pobre ou acidentesrdquo 229
evidenciando a preocupaccedilatildeo para com
acontecimentos negativos que suscitam Desordem e uma resposta imediata de reposiccedilatildeo da
Ordem
24 O bem como agente da Ordem rituais de purificaccedilatildeo interna e externa
Na cultura japonesa a palavra ldquopurordquo deteacutem um lugar especial que natildeo pode ser
incluiacutedo junto de uma perspetiva preacute-formatada de lsquoreligiatildeorsquo a noccedilatildeo de pureza estaacute
efetivamente consciencializado no cidadatildeo japonecircs comum integrando uma das partes deste
ciclo de Desordem e Ordem se tsumi kegare e imi satildeo causa e efeito (por vezes simultacircneo)
da Desordem a sua antiacutetese apoia-se principalmente na reordenaccedilatildeo e equiliacutebrio conseguido
atraveacutes da purificaccedilatildeo processo que se pode aplicar a um objeto um espaccedilo ou um corpo vivo
algo que shintō vecirc como prioridade a niacutevel teoacuterico e praacutetico afetando de forma positiva o
indiviacuteduo e o coletivo
Neste sentido purificaccedilatildeo interna e externa eacute a essecircncia dos rituais favoraacuteveis agrave
Ordem e relaciona-se com vaacuterias expressotildees itsuku - itsu significa ldquoclaro e purordquo (segundo
Motoori Norinaga) e define o ato de ldquoservir e executar ritos para os kami apoacutes a purificaccedilatildeo
do corpo e da mente da eliminaccedilatildeo de kegarerdquo aludindo a uma ldquocondiccedilatildeo de pureza onde tudo
que eacute negativo e poluente foi eliminadordquo 230
shizume (鎮静) traduzido como ldquopacificaccedilatildeordquo
no qual se apazigua (osameru 治める) o solo (jichin 地鎮) o fogo (chinka 鎮火) e as
tamashii (chinkontama shizume 鎮魂魂鎮) procurando-se conduzir coisas a um estado
229
NAMIKI Kazuo ldquoSaigūrdquo Encyclopedia of Shinto 3 Institutions and Administrative Practices Ancient (on
line) lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23475gt (consultado em 24-
06-2018) 230
NISHIOKA Kazuhiko ldquoItsukurdquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and Doctrines Basic Terms (on line)
lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23387gt (consultado em 24-06-
2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 80
ameno normalizado um processo constatado tanto em rituais executados por profissionais e
praticantes de kyōha shintō como nos matsuri de caraacutecter imperial
No contexto de jichinsai (地鎮祭) - matsuri realizado ldquodiariamente para novos
projetos novas casas novas construccedilotildees na estrada ou construccedilatildeo de qualquer tipordquo - a
ldquopacificaccedilatildeordquo eacute a meta a atingir Primeiro o shinkan presta serviccedilos agrave comunidade
deslocando-se do seu jinja para o local em questatildeo Apoacutes o estabelecimento de um himorogi
delimitado pela shimenawa o shinkan procede a oharai o ato simboacutelico de abanar ldquoa harai-
gushi sobre a aacutereaa pessoa a ser purificadardquo (Anexo II) - apaziguando os kami locais e
protegendo o espaccedilo de influecircncias negativas que recairiam sobre os envolvidos no projeto 231
Em contrapartida chinka era caraterizado como um rito imperial da responsabilidade
do ldquoclatilderdquo Urabe durante o bianual Chinkasai procurando a prevenccedilatildeo de fogos ldquodentro do
palaacutecio imperial e em outras instituiccedilotildees estatais mais do que fogos no geralrdquo 232
se bem que
em Ontake-kyō esta pacificaccedilatildeo tinha como objetivo a ldquopurificaccedilatildeo do crente apoacutes um
elemento quente ter sido suprimidordquo 233
tornando o fogo um agente purificador
Por uacuteltimo os ritos chinkon satildeo dedicados aos vivos e aos mortos se nos dias de hoje
o termo designa o momento de reflexatildeo em silecircncio dentro das imediaccedilotildees do jinja apoacutes
misogi e antes da fase de naorai (直会) isto eacute o momento de completa harmonizaccedilatildeo entre o
indiviacuteduo e o kami (consumo de sake em copos de madeira de cipreste) 234
chinkon era um
meio de defesa contra as tatari (desastres naturais epidemias e mortes suacutebitas) lanccediladas por
onryō de cortesatildeos e poliacuteticos eventualmente venerados como kami 235
Por outro lado o
chinkon do Chinkonsai (realizado na veacutespera do Niinamesai ou do Daijōsai) era uma praacutetica
dedicada aos vivos na qual o Imperador procurava a restauraccedilatildeo da sua sauacutede ldquopuxandordquo de
volta a mitama que estava em risco de sair do corpo 236
Natildeo obstante outros termos devem ser considerados haraiharae eacute na linguagem
shintō o meio mais eficaz de eliminaccedilatildeo de tsumi e kegare Agrave semelhanccedila das palavras
231
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit p 172
232 NAMIKI Kazuo ldquoChinkasai (hiho shizume no matsuri)rdquo Encyclopedia of Shinto 5 Rites and Festivals
State Rites (on line) lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23099gt
(consultado em 24-06-2018) 233
Segundo Picken apoacutes a chinka shiki (鎮火式) cerimoacutenia na qual o praticante caminha sobre brasas este
uacuteltimo executaria a kugatachi shiki um ritual no qual o corpo deste uacuteltimo eacute salpicado com aacutegua a ferver
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit p 133
234 PICKEN Stuart op cit p179
235 PICKEN Stuart op cit p18
236 NAMIKI Kazuo ldquoChinkon-sairdquo Encyclopedia of Shinto 5 Rites and Festivals State Rites (on line)
lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23100gt (consultado em 24-06-
2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 81
ldquopurezardquo ldquosinceridaderdquo ou ainda ldquoharmoniardquo (chōwa 調和) que se aproxima da ideia de
ldquocompletude e todo e eacute tambeacutem um ideal social natildeo apenas um estado de assunto dentro das
relaccedilotildees humanasrdquo 237
haraiharae atinge o exterior e o interior do indiviacuteduo
Ora apesar de hoje se escreverem com o mesmo kanji [祓] harai e harae eram atos
diferentes harai seria uma ldquopurificaccedilatildeo ativardquo - eacute o proacuteprio sujeito que escolhe
conscientemente executar a ldquopurificaccedilatildeordquo como se constata no episoacutedio de Izanagi ndash e harae
derivaria de harawase descrevendo uma ldquopurificaccedilatildeo passivardquo na qual o sujeito ldquoreceberdquo
harae de boa vontade por parte dos responsaacuteveis pelo jinja algo jaacute aludido em certos termos
como haraetsumono (祓具) 238
Alternadamente escritos como [祓物] haraetsumono designa
as ldquooferendas de purificaccedilatildeordquo lanccediladas agrave aacutegua como parte da ceacutelebre Ōharae cujos efeitos
atingem toda a populaccedilatildeo japonesa tornando - a ldquopurardquo a niacutevel natildeo apenas fiacutesico Aliaacutes
Ōharae (大祓) partilha desta aceccedilatildeo uma vez que o objetivo inicial era ldquopurificarrdquo todos os
funcionaacuterios da corte justificando a sua categorizaccedilatildeo como uma cerimoacutenia tutelada pelo
palaacutecio imperial 239
Preservada ao longo dos seacuteculos Ōharae eacute praticada com ecircnfase pela maioria dos
jinja e popularmente designada de Nagoshi no harae (夏越の祓) ndash final de Junho - e
Toshikoshi no harae (年越の祓) ndash final de Dezembro Mencionada no Nihon shoki como
recurso para afastar a ldquoinfluecircncia maligna de um cometardquo este matsuri seria elevado agrave
categoria de ldquocerimoacutenia nacionalrdquo obrigatoacuteria para os jinja do Periacuteodo Meiji e para o efeito
exigia-se um preliminar ritual de purificaccedilatildeo no Sumiyoshi jinja de Toacutequio os participantes
receberiam aiacute o kata-shiro (形代) No dia em questatildeo o ldquomestre dos ritosrdquo daria iniacutecio agrave
cerimoacutenia atraveacutes da invocaccedilatildeo dos kami ao himorogi proferindo uma inori no iniacutecio e no fim
Jaacute a ceacutelebre norito denominada Ōbarae kotoba (大祓詞) seria recitada pelo Norito-shi (祝詞
師 ) apoacutes este explicar o propoacutesito de Ōharae aos presentes Consequentemente seriam
eliminadas da populaccedilatildeo todas as coisas conducentes agrave desordem eacutetica garantindo-se ldquopaz
proteccedilatildeo e felicidaderdquo 240
237
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp xxv-xxvi
238 MOTOORI N ldquo6-2 神代四之巻rdquo (御身滌の段) (6-2 Kami-yo Livro Quatro- A secccedilatildeo de misosogi)
古事記傳 (Kojikiden) (on line) lthttpkumoi1webfc2comCCP071htmlgt (consultado em 24-06-2018) 239
FLORENZ Karl ldquoAncient Japanese Rituals Part IVrdquo Transactions of the Asiatic Society of Japan nordm 27
1899 pp 1ndash112 240
FLORENZ Karl ldquoAncient Japanese Rituals Part IVrdquo Transactions of the Asiatic Society of Japan nordm 27
1899 pp 1ndash112
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 82
Segundo o Jingiryō do Yōrō-ryō Ōharae contava com a presenccedila de certos clatildes os
Nakatomi responsabilizavam-se por entoar a norito e consagrar as ldquooferendasrdquo (oonusa 御祓
麻) os Fumitobe das proviacutencias de Este e Oeste (東西の文部) consagravam espadas proacuteprias
para a ocasiatildeo isto eacute as harae no tachi (祓の刀 ) e os Urabe removeriam quaisquer
influecircncias negativas Ora a realizaccedilatildeo de Ōharae eacute na praacutetica um esforccedilo coletivo se todas
as unidades administrativas (郡) contribuiacuteam com ferramentas peles espadas e outras coisas
todas as casas (戸) deviam preparar cacircnhamo (麻) 241
No Engishiki a cerimoacutenia eacute antecedida pela preparaccedilatildeo de ofertas - armas revestidas
de metais preciosos vaacuterios tipos de tecido colorido (seda algodatildeo) cacircnhamo flechas arroz
cavalos madeira de carvalho Seguidamente os Urabe entoariam norito 242
funccedilatildeo
posteriormente delegada ao liacuteder dos Nakatomi (Ōnakatomi) cuja versatildeo da norito Nakatomi
Harae (中臣祓) ainda hoje eacute o modelo de norito e uma referecircncia para os jinja de hoje 243
Por conseguinte no seacutetimo volume exclusivamente dedicado ao matsuri que
comemora a acessatildeo ao trono do novo Imperador (Senso Daijōsai踐祚大嘗祭) Ōharae faz
parte da miriacuteade de praacuteticas efetuadas antes e durante o trigeacutesimo dia do deacutecimo mecircs do
calendaacuterio lunar geralmente entre o seacutetimo mecircs ndash o mecircs da acessatildeo ao trono do Imperador
como consequecircncia da abdicaccedilatildeo do seu antecessor se bem que no caso do oitavo mecircs a
cerimoacutenia seria adiada para o ano ndash e o deacutecimo mecircs 244
Apoacutes o envio dos ldquoMensageiros
Imperiais para Ōharaerdquo escolhidos por ldquoadivinhaccedilatildeordquo (boku卜) no oitavo mecircs era obrigatoacuterio
executar uma purificaccedilatildeo no uacuteltimo dia do mecircs (tal como a descrita no primeiro volume do
Engishiki) seguida do envio de dois Urabe agraves proviacutencias que executariam Ōharae
preparando-se as devidas oferendas (um cavalo uma flecha uma grande katana algodatildeo
peixe sake) 245
Uma complexa cerimoacutenia de caraacutecter imperial na qual canto e danccedila consumo de
comida e sake eram recebidos com entusiasmo o Daijōsai era um esforccedilo coletivo de
241
IGARI Hiromi ldquo第六 神祇令 全 20 条rdquo (Sexto [Volume] Jingiryō todas as 20 aliacuteneas) 現代語訳「養老 令 」 全 三 十 編 (Traduccedilatildeo moderna Yōrō-ryō todos os 30 volumes) (on-line)
lthttpwwwsoldtinejphiromikanseiyoro06htmlgt (consultado em 24-06-2018) 242
FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第一 神祇一 四時祭上rdquo (Primeiro Livro Jingi Um Matsuri das
Quatro Estaccedilotildees Parte Superior) 延 喜 式 (Engishiki) (on-line)
lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi01htm (consultado em 24-06-2018) 243
PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit p80
244 PICKEN Stuart op cit pp 62-72
245 FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第七 神祇七 踐祚大嘗祭rdquo (Seacutetimo Livro Jingi Sete Daijōsai)
延喜式 (on-line) lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi07htmgt (consultado em 24-06-
2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 83
membros da corte funcionaacuterios do Jingikan e do Jingiryō os Nakatomi entoavam as norito e
guiavam os ldquoadivinhosrdquo ao Ministeacuterio da Casa Imperial bem como os ldquogovernadores da
proviacutencia yuki e os vaacuterios funcionaacuteriosrdquo partilhando este uacuteltimo dever com os Urabe os
membros do Departamento de Carpintaria ldquoconstroem o principal santuaacuteriordquo os Inbe
apresentavam o ldquoespelho sagrado e a espada sagradardquo Findadas as festividades qualquer
vestiacutegio do matsuri seria prontamente destruiacutedo e praticar-se-ia uma uacuteltima ldquocerimoacutenia de
purificaccedilatildeordquo no uacuteltimo dia do mecircs esta uacuteltima conforme a bianual Ōharae 245
Apesar de a sua dimensatildeo ser diferente do harai habitual a meta de Ōharae parece
ser a de qualquer ritual positivo em shintō o estado de ldquoharmoniardquo refletindo a relaccedilatildeo iacutentima
entre a sociedade japonesa e a envolvente natureza fortalece-se deste modo a ldquonecessidade
de retificar desequiliacutebrios entre natureza humanos e divindadesrdquo 246
atraveacutes de uma atitude de
esforccedilo individual natildeo desassociada da preparaccedilatildeo interna e externa
Conotado com ldquoabstinecircnciardquo esta atitude implica disciplina na forma de um conjunto
de regras de conduta a adotar preacute-veneraccedilatildeo aos kami algo retido por qualquer praticante de
shintō nos dias de hoje com efeito qualquer matsuri eacute precedido por um periacuteodo temporaacuterio
de ldquoevitaccedilotildeesrdquo denominadas saikai (斎戒) ndash o termo eacute etimologicamente constituiacutedo pelos
kanji [斎] e [戒] do qual deriva o verbo imashimeru traduzido por ldquobanirrdquo ldquorestringirrdquo ndash nas
quais os responsaacuteveis por conduzir os rituais se banhavam (kessai 潔斎) mudavam de roupas
e consumiam certos alimentos claramente evidenciando a sua preocupaccedilatildeo para com
impurezas a presenccedila de derrame de sangue incecircndios e mortes era mais do que motivo
suficiente de desqualificaccedilatildeo dos que se tinham submetido a este processo ou em casos mais
extremos cancelamento do proacuteprio matsuri 247
Num contexto mais oficial observa-se uma categorizaccedilatildeo da praacutetica em si o
Jingiryō do Periacuteodo Yōrō distingue entre sansai (散斎) e chisai (致斎) sansai indicava a
ldquoabstinecircncia parcialrdquo na qual o indiviacuteduo estava proibido de fazer os jaacute mencionados seis atos
considerados formalmente como shokue chisai correspondia a uma ldquoabstinecircncia severardquo na
qual todos os ritos que natildeo envolvessem os kami eram cancelados No que concerne agrave sua
246
ROTS Aike Forests of the Gods Shinto nature and sacred space in contemporary Japan Dissertation
submitted to the Department of Culture Studies and Oriental Languages of University of Oslo in partial
fulfilment of the requirements for the degree of Doctor of Philosophy supervised by Prof Dr Mark Teeuwen
and Prof Dr Terje Stordalen 2013 247
ONO Sokyō op cit pp64-65
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 84
duraccedilatildeo esta variava consoante o mecircs em questatildeo sendo que no nono mecircs sansai era
observado durante todo o mecircs chisai duraria somente trecircs dias 248
Uns seacuteculos mais tarde o Engishiki inspirar-se-ia nesta categorizaccedilatildeo por vezes
conjugando-a com o ritual harae no Kinensai sansai era praticado durante trecircs dias e chisai
apenas um dia 249
durante Kanmisosai kessai eacute um ato realizado por alguns membros de clatildes
na veacutespera do matsuri e cujo objeto de ldquoabstenccedilatildeordquo satildeo as oferendas (fios de seda e cacircnhamo)
antes de serem tecidas e apresentadas durante a celebraccedilatildeo que por sua vez soacute poderia
decorrer mediante um preacutevio harai do espaccedilo (batsujo 祓除) realizado no uacuteltimo dia do
terceiro mecircs e do oitavo mecircs Kannamesai menciona novamente um kessai dos fios de seda
posteriormente transformados em tecidos 250
Apoacutes trecircs anos de [潔齋] como parte dos rituais
da Saigū na capital reservava-se o uacuteltimo dia do oitavo mecircs a uma Ōharae no palaacutecio e no
nono mecircs um Nakatomi encarregava-se da ldquopurificaccedilatildeordquo (祓清) das proviacutencias de Ōmi e Ise
permitindo agrave Saigū cumprir os seus deveres no decorrer do Kannamesai 251
Durante o nono mecircs procede-se a um periacuteodo de 18 dias (a comeccedilar no primeiro dia)
de ldquoabstenccedilatildeordquo e um mecircs de evitaccedilatildeo de luto e enterros bem como agrave execuccedilatildeo de ldquolustraccedilatildeo
augustardquo gokei [御禊] Escrito com o kanji honoriacutefico [御] e o de misogi [禊] gokei era uma
ldquocerimoacutenia para afastar contaminaccedilatildeo de pessoas da Famiacutelia imperialrdquo 252
que decorria agrave
beira-rio e na qual participava a Saigū Contudo esta atitude de ldquoabstenccedilatildeordquo natildeo era apenas
seguida por esta uacuteltima monges monjas pessoas em luto e grupos de bandidos sujeitavam-se
a sansai antes e apoacutes Kinensai Kamo-matsuri Tsukinamisai e Kannamesai sendo-lhes
interdita a entrada no palaacutecio tal e qual as jaacute mencionadas funcionaacuterias do palaacutecio graacutevidas
253
248
IGARI Hiromi ldquo第六 神祇令 全 20 条rdquo (Sexto [Volume] Jingiryō todas as 20 aliacuteneas) 現代語訳「養老 令 」 全 三 十 編 (Traduccedilatildeo moderna Yōrō-ryō todos os 30 volumes) (on-line)
lthttpwwwsoldtinejphiromikanseiyoro06htmlgt (consultado em 24-06-2018) 249
FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第一 神祇一 四時祭上rdquo (Primeiro Livro Jingi Um Matsuri das
Quatro Estaccedilotildees Parte Superior) 延 喜 式 (Engishiki) (on-line)
lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi01htm (consultado em 24-06-2018) 250
FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第四 神祇四 伊勢太神宮rdquo (Quarto Livro Jingi Quatro Ise Dai-
jingū) 延 喜 式 (Engishiki) (on-line) lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi04htm
(consultado em 24-06-2018)
251 FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第五 神祇五 齋宮寮rdquo (Quinto Livro Jingi Cinco Saigū-ryō) 延喜
式 (Engishiki) (on-line) lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi05htmgt (consultado em 24-
06-2018)
252 BOCK Felicia op cit p104
253 FUJIWARA T FUJIWARA T FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第三 神祇三 臨時祭rdquo (Terceiro
Livro Jingi Trecircs Matsuri de Ocasiotildees Extraordinaacuterias) 延 喜 式 (Engishiki) (on-line)
lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi03htmgt (consultado em 24-06-2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 85
Por uacuteltimo o seacutetimo volume do Engishiki especifica uma ldquoabstenccedilatildeordquo obrigatoacuteria no
deacutecimo primeiro mecircs sansai era iniciado no primeiro dia e terminava no uacuteltimo chisai
durava trecircs dias comeccedilando no dia do touro e terminando no dia da lebre proibindo-se a
participaccedilatildeo dos indiviacuteduos em ldquofestins Budistas ou festins magrosrdquo 254
Findado imi o indiviacuteduo foca-se na purificaccedilatildeo propriamente dita servindo-se de
elementos do dia-a-dia como o sal sake e aacutegua no primeiro caso o sal eacute ldquoatirado por
lutadores de Sumo cada vez que entram no dohyōrdquo e nos funerais serve o propoacutesito de ldquoauto-
purificaccedilatildeo apoacutes o regresso a casardquo dos frequentadores Jaacute em restaurantes e outros
estabelecimentos eacute costume colocar-se ldquoduas pilhas de sal fora do umbral uma de cada lado
apoacutes lavarem a entrada e antes de quaisquer clientes chegaremrdquo garantindo-se prosperidade
no negoacutecio Ora em misogi harai o sal eacute salpicado na cabeccedila dos participantes - no
seguimento de oharai ndash e tambeacutem misturado com sake sendo posteriormente ldquocuspido como
parte da cerimoacutenia de purificar a boca uma uacuteltima vezrdquo Oferecido nos altares sal faz ainda
parte das shinsen 255
A aacutegua tambeacutem partilha da mesma natureza purificadora que o sal e o sake em
virtude de ser considerada o elemento primaacuterio que devolve o lustro agraves coisas e pessoas
eliminando qualquer tipo de ldquomaacuteculardquo independentemente de se tratar de uma ldquomaacuteculardquo fiacutesica
(kegare) ou natildeo (tsumi) externa (corpo) ou interna (kokoro) Natildeo obstante a tradiccedilatildeo de
ldquolimpezardquo na cultura japonesa estende-se a contextos mais civis toalhas quentes satildeo
ldquoprovidenciadas em restaurantes (hellip) para que os patronos possam lavar as matildeos antes de
comer e uma pessoa Japonesa lavar-se-aacute sempre antes de entrar numa banheirardquo 256
um
reflexo da consciencializaccedilatildeo da lavagem do corpo na sociedade japonesa contemporacircnea
Em shintō a aacutegua assume um papel central em trecircs principais praacuteticas de ldquoauto-
purificaccedilatildeordquo que tambeacutem satildeo abluccedilotildees kessai temizu (手水) e misogi (禊) Se kessai eacute
geralmente feito antes do matsuri 257
temizu precede a ldquooraccedilatildeordquo (inori) aos kami nos jinja e
no qual o indiviacuteduo dirige-se a uma estrutura denominada temizuya (手水屋) lavando com
aacutegua a boca e as suas matildeos locais mais suscetiacuteveis de se contrair kegare (Anexo III)
254
PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit pp 62-72 255
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 174-175
256 ROTS Aike Forests of the Gods Shinto nature and sacred space in contemporary Japan Dissertation
submitted to the Department of Culture Studies and Oriental Languages of University of Oslo in partial
fulfilment of the requirements for the degree of Doctor of Philosophy supervised by Prof Dr Mark Teeuwen
and Prof Dr Terje Stordalen 2013 257
PICKEN Stuart op cit p 177
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 86
No que concerne a misogi esta eacute considerada a origem de todos os harai na
sociedade japonesa sendo descrita por Carl Florenz como a ldquopurificaccedilatildeo de um uacutenico
indiviacuteduo ou um lugar de poluiccedilotildees atraveacutes de se entrar em contacto com algo
cerimonialmente impuro tal como cadaacuteveresrdquo 258
Uma ldquoauto-purificaccedilatildeordquo em todos os
sentidos do termo a expressatildeo misogi harai (misogi harai 禊祓い ) poderaacute derivar de
ldquomisosogi no harairdquo (身滌の祓い) literalmente ldquoharai da lavagem do corpordquo ndash [身滌] eacute
constituiacutedo pelo kanji de ldquocorpordquo (身) e o de [滌] sinoacutenimo de [洗] raiz do verbo ldquolavarrdquo
(arau) 259
ndash e eacute pela primeira vez mencionado no episoacutedio de Izanagi descrito pelo Kojiki e
Nihon shoki
De um modo geral misogi conheceu grande popularidade na esfera privada imperial
e agrave semelhanccedila de [斎] era sempre acompanhado de todo o tipo de oferendas tais como
tecidos armas sake velas e algas Se praticado pela Saiō (齋王) misogi decorria num rio da
capital na primeira dezena de dias do oitavo mecircs e do nono mecircs ambas datas escolhidas por
ldquoadivinhaccedilatildeordquo ndash responsabilidade do Onmyōryō Por sua vez este ritual fazia parte de uma
grande cerimoacutenia na qual se preparavam tecidos caixas jarros carne seca cabaccedilas e peixes e
cujos participantes eram essencialmente membros da corte (Jingikan e Onmyōryō) cada um
desempenhando uma tarefa especiacutefica ecoando o sucedido nos matsuri do Jingikan um
Nakatomi executava oharai servindo-se da onusa (Nakatomi onusa tatematsuru [神祇官中臣
進麻]) e o miyanushi (宮主) entoava harae kotoba (祓詞) Igualmente realizado durante a
deslocaccedilatildeo da jovem para o No-no-miya e Itsuki-no-miya em Ise e no uacuteltimo dia do mecircs 260
misogi eacute descrito no sexto volume do Engishiki como parte da celebraccedilatildeo do Imibikamado-
matsuri (quarto mecircs e sexto mecircs) ndash um gokei no qual participavam todos os funcionaacuterios do
palaacutecio - e um matsuri anual (毎年禊祭) 261
Atualmente misogi pode ser praticado por qualquer pessoa e eacute aceite como um ritual
vaacutelido para qualquer tipo de shintō Shinshū-kyō (神習教) tem como metas alcanccedilar ldquoum
espiacuterito de um kami por praticar purificaccedilatildeo oharairdquo a aquisiccedilatildeo de um elevado niacutevel de
treino que possibilite ao indiviacuteduo ensinar os outros e eacute claro ldquoalcanccedilar harmonia com os
258
FLORENZ Karl ldquoAncient Japanese Rituals Part IVrdquo Transactions of the Asiatic Society of Japan nordm 27
1899 pp 1ndash112 259
NISHIGAKI Yukio op cit p 544
260 FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第五 神祇五 齋宮寮rdquo (Quinto Livro Jingi Cinco Saigū-ryō) 延喜
式 (Engishiki) (on-line) lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi05htmgt (consultado em 24-
06-2018) 261
FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第六 神祇六 齋院司rdquo (Sexto Livro Jingi Seis Saiinshi) 延喜式
(Engishiki) lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi06htmgt (consultado em 24-06-2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 87
kami e rezar pelo descanso das almas dos outrosrdquo Neste contexto misogi faz parte da
estrateacutegia de cultivo de ldquopurificaccedilatildeo interiorrdquo que encoraja o processo de aproximaccedilatildeo do
humano ao kami 262
Em suma a purificaccedilatildeo estaacute intimamente associada agrave visatildeo positiva do ser humano
apoiada por shintō Shinshū-kyō natildeo soacute ensina o indiviacuteduo a ldquodemonstrar gentileza aos
outrosrdquo ldquotrabalhar diligentemente (no seu proacuteprio negoacutecio)rdquo e a ldquopreservar firmeza no teu
coraccedilatildeordquo como procura ldquopacificar o espiacuterito porque eacute parte do espiacuterito do kamirdquo 264
(bunshin
mitama wo shizumu beshi分神神魂を鎮むべし) e ldquolimpar as impurezas do corpordquo (mi no
shūshoku wo harau beshi身の鏽蝕を祓うべし) 263
proporcionando o desenvolvimento do
caraacutecter do indiviacuteduo
Na visatildeo de Misogi-kyō (禊教) o trio de tesouros imperiais satildeo ldquoos mais eficazes
agentes de purificaccedilatildeordquo pois ldquotodas as formas de impureza podiam ser removidasrdquo Apoiado
em misogi harae e ldquorespiraccedilatildeo proacutepriardquo o setor utiliza misogi como ldquoum meacutetodo para
melhoria da vidardquo aproximando as pessoas do kamirdquo 262
Interpretando-se esta praacutetica como o
uacutenico modo de ldquoreavivarrdquo a ldquoboa sorterdquo (literalmente ldquosorte proacutesperardquo ou sakae no unsei [栄
絵の運勢]) misogi possui visiacuteveis efeitos de purificaccedilatildeo externos 264
Contudo o busiacutelis da questatildeo eacute a ldquopurificaccedilatildeo internardquo (nai seijōshōjō 内清浄)
denominada iki ichisuji no misogi (息一筋の禊) iki (息) natildeo eacute somente a ldquoorigem do corpordquo
mas tambeacutem a proacutepria ldquoexistecircnciardquo (seimei [生命]) 264
e estaacute diretamente relacionada com a
entoaccedilatildeo da norito ldquo
tōkami emitamae harae tamae kiyome tamairdquo (literalmente ldquokami
distante purificai e limpai enquanto rezamosrdquo) em voz alta
262 um momento caracterizado
pela ldquofusatildeordquo do corpo com a mente graccedilas ao cultivo do autocontrolo do corpo a Desordem
(aqui maga) deixa de existir 264
No contexto de jinja shintō misogi faz ainda parte da cerimoacutenia shūbatsu (修祓) na
qual se abre o edifiacutecio interior do jinja e o shintai eacute visualizado pelos shinkan que se
262
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 234-236 263
O ldquoespiacuterito do kamirdquo eacute mitama (神魂) e ldquocoraccedilatildeordquo kokoro O termo ldquoimpurezasrdquo lecirc-se no texto original [鏽
蝕] o primeiro lecirc-se sabi e natildeo eacute muito usado na linguagem diaacuteria (鏽) significando ldquoferrugemrdquo ou ldquocorrosatildeordquo
o segundo eacute o kanji [蝕] do qual deriva o verbo mushibamu geralmente traduzido como ldquoser devorado por
dentrordquo ldquominarrdquo ldquoarruinarrdquo Shintō Shinshū-kyō Kōushiki Page 教 義 (on line)
lthttpshinshukyojpE69599E7BEA9gt (consultado em 24-06-2018) 264
Misogi-kyō Shintō 神道禊教の教理 (Doutrina de Shintō Misogi-kyō) (on line) lthttpwwwmisogi-
kyouorjpkyourihtmlgt (consultado em 24-06-2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 88
ldquopurificam de modo a tomarem parte nos rituaisrdquo atirando baldes de aacutegua fria sobre si
mesmos ou escolhendo colocar-se ldquodebaixo de uma cascata num rio ou no marrdquo dependendo
da localizaccedilatildeo do jinja Posteriormente os participantes no matsuri satildeo purificados
cumprindo-se as condiccedilotildees de invocaccedilatildeo dos kami 265
que respondem ao apelo impliacutecito nas
norito entoadas pelos shinkan
Associadas agrave tradiccedilatildeo de kotodama norito satildeo acolhidas entusiasticamente pela
sociedade japonesa quer sejam ldquovelhasrdquo (do Engishiki e outras fontes do Periacuteodo Heian) e
norito ldquonovasrdquo ou seja norito poacutes- Engishiki criadas por estudiosos e praticantes das vaacuterias
formas de shintō (Ise e Yoshida shintō Shugendō kyōha shintō shin shūkyō) e associadas a
jinja especiacuteficos (ldquocultosrdquo em Ise Izumo Dewa Togusa ldquocultosrdquo a Inari e Hachiman) 266
Etimologicamente norito tem as suas origens na frase ldquoNakatomi-no-Kane Muraji
norito wo norurdquo (中臣金連祝詞を宣る) Como se pode constatar o verbo que lhe estaacute
associado eacute noru (宣) cujo kanji significa ldquodizerrdquo ldquoexpressarrdquo e ldquoinformarrdquo num sentido
formal agrave maneira dos ldquoeacuteditos imperiaisrdquo (senmyō [宣命]) 267
Vaacutelidas para uso individual ou coletivo norito contemporacircneas tendem a inspirar-se
em norito muito mais antigas por exemplo a frase ldquoharae tamae kiyome tamairdquo de Misogi-
kyō surge na Ōharae kotoba do Engishiki como uma dupla accedilatildeo decorrida na ldquoōharae do
anoitecer do uacuteltimo dia do sexto mecircsrdquo (kotoshi no minadzuki no tsugumori yūhi no kudachi
no ōharae ni harai tamai kiyome tamau-koto wo 今年の水無月の大晦日 夕日之降の大祓
に祓給ひ清給事を) 268
eliminam-se assim os tsumi (tsumi ha araji wo罪波不在止) de
todos os cantos ldquodebaixo do ceacuteurdquo (Anexo IV)
Seguindo uma ldquofoacutermula usada em cerimoacutenias religiosas em endereccedilando divindades
(hellip) usam uma forma respeitosa subserviente forma de dicccedilatildeordquo norito tecircm a sua forccedila no
som e natildeo na parte gramatical ou na etimologia lexical recorrendo-se frequentemente a
265
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit p 177
266 O arquivo virtual Ko-kon Shūkyō Kenkyūjo regista um total de 55 norito devidamente ldquocategorizadasrdquo
consoante a temaacutetica e o local de veneraccedilatildeo Ko-kon shūkyō kenkyūjo ldquo祝詞 諸文献rdquo (Norito Vaacuterias
referecircncias) 神道資料集 (Colecccedilatildeo de materiais de shintō) (on line) lthttpwwwko-konnetnoritogt
(consultado em 24-06-2018) 267
NISHIGAKI Yukio op cit p485 268
FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第八 神祇八 祝詞rdquo (Oitavo Livro Jingi Oito Norito) 延喜式
(Engishiki) (on-line) lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi08htmgt (consultado em 24-06-
2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 89
ldquorepeticcedilatildeo paralelismo longas enumeraccedilotildees de nomes de divindades e oferendas metaacuteforas
o uso de registos mitoloacutegicos para explicar a origem de certas formas de veneraccedilatildeordquo 269
Natildeo obstante estas frases servem de prevenccedilatildeo contra forccedilas ldquonegativasrdquo incluindo
tatari gami ou ldquoespiacuteritos malignosrdquo devidamente acalmados e purificados respetivamente
Usadas em matsuri oficiais norito descreviam com pormenor quem as proferia o seu
objetivo a quem se dirigiam e o local onde decorria esta entoaccedilatildeo cujo raio de atuaccedilatildeo era
individual ou coletivo (capital habitaccedilotildees funcionaacuterios o palaacutecio todo o Japatildeo a corte) 270
No que concerne agrave sua entoaccedilatildeo estes conjuntos de frases eram responsabilidade dos
Nakatomi ou de outros consoante a ocasiatildeo na ldquomensagem de aberturardquo do oitavo capiacutetulo
do Engishiki regista-se que os Inbe deviam entoar norito dos ldquoritosrdquo Goden (御殿) e Mikado
(御門) e nos restantes matsuri a honra cabia aos Nakatomi (以外諸祭中臣氏祝詞) nos
matsuri das quatro estaccedilotildees (凡四時諸祭) essa funccedilatildeo fazia parte dos deveres dos kanbe (神
部) no Kanmisosai somente o daijingūji de Ise (ldquoSumo-Sacerdote do Grande Santuaacuterio de
Iserdquo) devia entoar a norito (大神宮司宣祝詞) e nas celebraccedilotildees em Ise (Kanmisosai os
matsuri do sexto e deacutecimo segundo meses e Kannamesai) 271
as norito de Ōimisai (大忌祭)
Tatsuta Fūjinsai ( 龍田風神祭 ) e Hiranosai ( 平野祭 ) eram responsabilidade dos
ldquomensageiros imperiaisrdquo Jaacute os Inbe encarregavam-se das ldquofoacutermulasrdquo de proteccedilatildeo do palaacutecio
imperial (Ōtono-no-hogai (大殿祭) e do ldquoFestival dos Portotildeesrdquo (Godensai 御殿祭) ndash cuja
meta era a ldquogarantia a proteccedilatildeo das divindades que guardam os portotildees do Palaacutecio Imperialrdquo ndash
no ldquodeacutecimo segundo dia do sexto e deacutecimo segundo mesesrdquo 270
Por uacuteltimo a norito de
Ōharae era ldquopartilhadardquo pelos Urabe e os Nakatomi enquanto que nos Chinkasai (鎮火祭) e
Michiaesai (道饗祭) soacute os Urabe eram elegiacuteveis para tal tarefa 271
O avanccedilo do estudo da tradiccedilatildeo ritual shintō impulsionou uma anaacutelise aprofundada
das norito estabelecendo-se uma ligaccedilatildeo direta com o processo de purificaccedilatildeo o meio por
excelecircncia para atingir a tatildeo desejada Ordem entre o praticante e o kami venerado norito satildeo
uma espeacutecie de purificaccedilatildeo verbal aludindo a um processo positivo mas interno Tal
abordagem introduz uma perspetiva mais subjetiva do que se entende por norito auxiliando
269
PHILIPPI Donald Norito A Translation of the Ancient Japanese Ritual Prayers With a new Preface by
Joseph M Kitagawa Princeton Princeton University Press 1990 pp1-2 270
PHILIPPI Donald op cit pp5-15 271
FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第八 神祇八 祝詞rdquo (Oitavo Livro Jingi Oito Norito) 延喜式
(Engishiki) (on-line) lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi08htmgt (consultado em 24-06-
2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 90
na compreensatildeo da purificaccedilatildeo interna que recaiacutea sobre o kokoro (心) Por sua vez kokoro
associar-se-ia a meijō (明浄)
Escrito em japonecircs com o kanji de ldquocoraccedilatildeordquo (shin de shinzō [心臓]) kokoro denota
algo de natureza natildeo palpaacutevel e interior a qualquer indiviacuteduo servindo de prefixo agraves palavras
kokoroeru (心得 ) ato de ldquocompreender o significado das circunstacircncias e das coisasrdquo
kokoroe ldquocompreensatildeordquo e ldquoter cautelardquo kokoronai (心無 ) designa uma condiccedilatildeo de
ldquoinsensibilidaderdquo pelo proacuteximo (em linguagem corrente ldquonatildeo ter coraccedilatildeordquo) 272
kokoro-
gawari (心変わり ) literalmente a ldquomudanccedila de kokorordquo indica a suacutebita alteraccedilatildeo dos
sentimentos intenccedilotildees e convicccedilotildees do indiviacuteduo em relaccedilatildeo a terceiros
No Nihon shoki o kanji em si eacute precedido por outros caracteres [黒心] e [無黒心]
significam aproximadamente ter um coraccedilatildeo negrordquo ou o seu oposto o sentido obtido eacute
negativo e positivo respetivamente marcando presenccedila no episoacutedio da competiccedilatildeo de
Susano-o-no-mikoto e de Amaterasu (有黒心) e no ano 646 da Era Taika (不正心者)
literalmente ldquopessoas de kokoro injustordquo Se estiver ao lado de [清] a expressatildeo lecirc-se seishin
ou kiyoki kokoro um kokoro puro (清心) 273
evidenciando a sua ligaccedilatildeo com meijō ambos
satildeo palavras positivas por princiacutepio
Por outro lado Engishiki descreve kokoro como uma caracteriacutestica interior de
humanos e kami na norito de Ōtono-no-hogai [心] surge na frase ashiki kokoro kitanaki
kokoro naku (邪意穢心無く) 274
ndash o segundo kanji tambeacutem se lecirc como kokoro mas o seu
significado eacute o de ldquointenccedilatildeordquo denotando a conduta correta seguida por todos os trabalhadores
do palaacutecio e membros da corte ndash traduzida por Philippi como ldquosem quaisquer maacutes intenccedilotildees
ou impuras intenccedilotildeesrdquo 275
na norito de Hi-shizume-no-matsuri (Chinkasai) kokoro eacute um
atributo de natureza maligna do kami do fogo (Homusubi-no-kami 火結神) ndash evidenciado
pela expressatildeo kokoro saganakiko (心惡子) ldquocrianccedila de mau kokorordquo ndash um kami gerado por
272
NISHIGAKI Yukio op cit pp 286-287 273
SAKAMOTO T 日本書紀 国史大系版 (Nihon shoki Ediccedilatildeo do Compecircndio da Histoacuteria Nacional) (on
line) lthttpwwwj-textscomjodaishokiallhtmlgt (consultado em 24-06-2018) 274
FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第八 神祇八 祝詞rdquo (Oitavo Livro Jingi Oito Norito) 延喜式
(Engishiki) (on-line) lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi08htmgt (consultado em 24-06-
2018) 275
PHILIPPI Donald op cit p 43
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 91
Izanami cujo temperamento provoca Desordem que naturalmente justifica a ldquopacificaccedilatildeordquo
(shizume matsure 鎮奉れ) por parte de outros kami seus irmatildeos 276
Em contrapartida tambeacutem a norito ldquopara afastar uma divindade vingativardquo (tataru
kami wo utsushi-yaru 遷卻祟神) segue a temaacutetica de reordenaccedilatildeo especificamente a uma
retificaccedilatildeo ativada por Kamunaobi e Ōnaobi kokoro refere-se aqui ao kokoro claro de kami
ldquopacificadosrdquo (sumera-gami ōmikokoro akiraka ni 皇神等の御心も明に) sendo que esta
transiccedilatildeo de kami ldquoviolentosrdquo para kami ldquopaciacuteficosrdquo (ara furu kami-tachi wo kashi harai
tamai kami nagoshi ni nagoshi tamai荒振神等を神攘攘給ひ神和和給) se deve a outros
dois kami 276
pacificaccedilatildeo tambeacutem eacute purificaccedilatildeo
Na perspetiva de Picken purificaccedilatildeo e pureza natildeo soacute partilham de uma conotaccedilatildeo
positiva como mantecircm entre si uma relaccedilatildeo de causa e consequecircncia pureza eacute a meta e a
consequecircncia do resultado da purificaccedilatildeo se o indiviacuteduo eacute o recetor de oharai que por sua vez
beneficia o kokoro meijō indica a ldquorestauraccedilatildeo do estado de pureza conhecido como seimei-
shin (ou akaki kiyoki kokoro)rdquo Por outras palavras o praticante torna-se portador de um
ldquoclaro kokorordquo (akaki kokoro明心) ldquopuro kokorordquo (kiyoki kokoro清き心) ldquocorreto ou justo
kokorordquo (tadashiki kokoro 正しき心) e o ldquokokoro retordquo (naoki kokoro 直き心) 277
um
quarteto de caracteriacutesticas eticamente boas
Assim os contornos eacuteticos da relaccedilatildeo kokoro - pureza revelam-se fundamentais para
a compreensatildeo de novas perspetivas modernas e japonesas de shintō segundo Muraoka
Tsutsunegu (村岡典嗣 1884-1946) meijō eacute uma ldquocaracteriacutestica eacutetica de shintōrdquo e um atributo
transversal em qualquer ldquodivisatildeordquo desta Via equiparado ao niacutevel de uma ldquodoutrinardquo (meijō
shugi明浄主義) no ldquosentido de que existe reverecircncia pelo claro e puro (hellip) em toda a mateacuteria
e pensamentordquo Por conseguinte meijō eacute o puro que carece de impurezas uma condiccedilatildeo
ldquoprimordialrdquo partilhada por todas as pessoas por oposiccedilatildeo a tsumi e kegare cuja presenccedila eacute
inviabilizada (temporariamente) em caso de purificaccedilatildeo regressando agrave sua origem (Yomi ou
Ne no kuni) durante harai 278
Aliaacutes a consciencializaccedilatildeo do kokoro como um dos componentes da eacutetica japonesa
reflete-se desde logo na linguagem dos eacuteditos imperiais do Zoku Nihongi qualificando-se o
276
FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第八 神祇八 祝詞rdquo (Oitavo Livro Jingi Oito Norito) 延喜式
(Engishiki) (on-line) lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi08htmgt (consultado em 24-06-
2018) 277
PICKEN Stuart Sourcebook of Shinto op cit p 176 278
PICKEN Stuart op cit pp 254 256-257
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 92
kokoro como algo ldquopurordquo (kiyoki kokoro 清き心) ldquoclarordquo (akaki kokoro 明き心) e ainda
ldquokokoro puro e clarordquo (kiyoki akaki kokoro清明心) Como se pode constatar nos eacuteditos dos
anos 707 (以明浄心而 浄明心以而) 743 (明浄心) 757 (諸以明清心皇朝 自今往前者以
明直心仕奉朝廷 悪心無而清明心) e 770 (衆浄明心正直言以而) 279
ter um kokoro cuja
essecircncia fosse de ldquohonestidaderdquo ldquoclarezardquo e ldquosinceridaderdquo elucida a importacircncia da pessoa
possuir uma boa natureza
Durante o Periacuteodo Edo protagonistas da escola Kokugaku como Kamo-no-Mabuchi
(賀茂 真淵 1697-1769) e Motoori Norinaga apoiam esta perspetiva mais eacutetica do kokoro
apelando ao lsquokokoro sincerorsquo ou lsquomakoto no-kokororsquo (真の心) isto eacute a derradeira virtude de
shintō 280
o que naturalmente reforccedila a importacircncia da caracteriacutestica ldquosinceridaderdquo (makoto)
Avaliada como algo dentro do kokoro ou que lhe eacute independente makoto (真) eacute
homoacutefono da palavra makoto (誠) cuja etimologia eacute makoto ( 真事) literalmente ldquoverdadeiras
palavrasrdquo e significa ldquonatildeo mentirnatildeo enganarrdquo 281
partilhando de um significado positivo
semelhante aos termos ldquohonestordquo (tadashii 正しい) ldquohonestidaderdquo (正直) makoto [真] por
sua vez tende a ser traduzido por ldquosinceridadeverdadeirordquo
No entender de Picken makoto (真) eacute um dos seus muitos vocaacutebulos ldquomoraisrdquo de
shintō juntando-se a kansha (感謝) ou ldquogratidatildeordquo forma de o indiviacuteduo expressar ldquogratidatildeo
humana pela sua dependecircncia sobre o divinordquo e tambeacutem uma atitude de respeito para com a
sociedade que o serve junsui (純粋) ou ldquopessoasrdquo de ldquocoraccedilatildeo puroinocentesrdquo relacionadas
com os traccedilos de caraacutecter ldquobomrdquo (seimei shin) definidos com base nos estudos de poesia e
outros textos antigos 282
Por conseguinte ldquosinceridaderdquo e ldquoagradecimentordquo relacionam-se
com o primeiro grande objetivo da Jinja Honchō conferindo a makoto as qualidades akaki
(ldquoclarordquo e kiyoki (ldquopurordquo) 283
Neste sentido makoto significa tambeacutem ser verdadeiro agraves suas intenccedilotildees e acreditar-
se no que estaacute a fazer uma atitude fundamental para qualquer praticante de shintō quem tiver
279
Ao todo [心] surge 211 vezes nesta obra tanto de forma isolada como acompanhado dos referidos termos
Por vezes as caracteriacutesticas positivas natildeo se aplicam somente ao kokoro mas tambeacutem ao discurso tomando-se o
exemplo de shōjiki kotoba (正直言) ldquopalavras honestasrdquo 続日本紀 朝日新聞本 (ZokuShoku Nihongi Versatildeo
do Jornal Asahi) (on line) lthttpwwwj-textscomjodaishokuallhtml (consultado em 24-06-2018) 280
PICKEN Stuart op cit pp 219-220 281
NISHIGAKI Yukio op cit pp 531-532 282
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 346-347 283
Jinja Honchō ldquo主な活動rdquo (Atividades gerais) 神社本庁のご案内 (A orientaccedilatildeo da Jinja Honchō) (on-line)
lthttpwwwjinjahonchoorjpintroductionactivitygt (consultado em 24-06-2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 93
uma ldquovontade sincerardquo em fazer parte dos rituais conseguiraacute cultivar uma relaccedilatildeo proacutexima
com o kami No que concerne ao kokoro este pode ser qualificado como algo ldquobomrdquo (kiyoki
kokoro akaki kokoro yoshiki kokoro) ou ldquomaurdquo (ashiki kokoro) dependendo do caso
distinguindo-se de makoto que dispensa tais significados prejudiciais
Os grandes estudiosos do Periacuteodo Edo nunca se pronunciam sobre um kokoro mau
kokoro eacute sempre um atributo humano (ou de kami) positivo frequentemente associado a shintō
surgindo termos como o magokoro (makoto no-kokoro)
Palavra derivada da combinaccedilatildeo de ldquoverdadeirordquo (真) e kokoro magokoro eacute parte da
piracircmide de ldquovalores positivosrdquo individual assemelhando-se agrave qualidade ldquointenccedilatildeo de
sinceridaderdquo (seii 誠意) Contudo segundo o Tama boko hyakushu (玉鉾百首) de Norinaga
o magokoro corresponde a uma consequecircncia da accedilatildeo do princiacutepio musubi presente na mitama
dos kami um kokoro despido de valores opostos (bemmal sapiecircnciaburrice
capacidadeincapacidade) e cuja qualificaccedilatildeo varia consoante o tipo de experiecircncia e accedilatildeo
(boamaacute) Identificado como uma condiccedilatildeo inata aos seres humanos magokoro tem no seu
nuacutecleo a funccedilatildeo de ldquomovimentordquo nas palavras de Motoori Ōhira (本居大平 1756-1833)
irmatildeo mais novo de Norinaga o kokoro eacute designado de magokoro quando se torna ugoku
kokoro ou ldquokokoro que se moverdquo (うごくこころ動く心) quando alguma coisa de natureza
positiva ou negativa consegue fazer comover (tocar) o kokoro das pessoas estaacute-se perante um
ugoku kokoro agindo-se ldquonaturalmenterdquo conforme o estadonatureza das coisas e
acontecimentos 284
Uma caracteriacutestica uacutenica e individual de cada ser humano que justifica a existecircncia
de kami e coisas boasmaacutes 284
o magokoro existiria na realidade atual (Hito no yo 人の代)
embora remonte aos tempos do Kami-yo uma era temporalmente incerta e marcada pelo
permanente ciclo de Desordem e a Ordem colocando-se sempre a hipoacutetese de esta Desordem
ser ldquocuradardquo tornando a realidade calma e paciacutefica 285
entre o ldquobemmalrdquo vidamorte a vida
e o bem seriam sempre vitoriosos ilustrando a atitude otimista e positiva de Norinaga
tambeacutem adotada pelos praticantes de shintō
284
UMIHIKO ldquo本論 第七回「「真心(まごころ)」とは」の巻rdquo (Texto do Seacutetimo Capiacutetulo magokoro
eacute) 本居宣長研究ノート「大和心とは」本論 (Bloco de notas de Pesquisa Motoori Norinaga ldquoYamato
Gokoro eacuterdquo Argumento-base) (on line) lthttpwwwnorinagajpessence-07phpgt (consultado em 24-06-2018) 285
UMIHIKO ldquo第八回「『真心(まごころ)の型」の巻 rdquo (Texto do Oitavo Capiacutetulo O modelo de
magokoro) 本居宣長研究ノート「大和心とは」 本論 (Bloco de Notas de Pesquisa Motoori Norinaga
ldquoYamato Gokoro eacuterdquo Argumento-base) (on line) lthttpwwwnorinagajpessence-08phpgt (consultado em 24-
06-2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 94
Um seacuteculo mais tarde Katō Shigeharu (加藤 重春 1818-) avaliaria o significado
eacutetico do kokoro e makoto a sua obra Shintō fumoto no tateishi (神道麓之立石) categorizaria
kokoro e makoto como duas das quatro Vias de shintō respetivamente a ldquoVia do kokorordquo
(shintō 心道) e a ldquoVia da verdaderdquo (shintō 真道) se na primeira Via shintō eacute qualificado
como uma ldquoVia que retifica a menterdquo a ldquoVia da verdaderdquo reforccedila a importacircncia da
ldquosinceridaderdquo uma vez que ldquoqualquer pessoa que desconsiderasse a importacircncia de
sinceridade eacute uma pessoa viciosardquo Shintō deveria simplesmente ldquofluirrdquo influenciando
automaticamente as accedilotildees do indiviacuteduo cujo coraccedilatildeo eacute ldquoretificado reto e unido com os kamirdquo
soacute assim as suas accedilotildees estariam de acordo com a Via 286
Nos periacuteodos posteriores ao Engishiki o conceito de kokoro adquire alguma
importacircncia a um niacutevel mais ldquofilosoacuteficordquo numerosos textos criados por escolas e autores
independentes expotildeem as suas ideias acerca de kokoro ldquopurezardquo e ldquopurificaccedilatildeordquo bem como os
seus efeitos desta uacuteltima no ser humano Na tradiccedilatildeo de Ise shintō kokoro (ldquomenterdquo) faz parte
do trio ldquopurezardquo- ldquomenterdquo ndash ldquohonestidaderdquo como se constata no Ruiji Jingi Hongen (類聚神
祇本源) de Watarai Ieyuki a ldquopurezardquo eacute uma caracteriacutestica que denota honestidade o ato de
empreender uma tarefa com uma ldquomente que eacute calma (hellip) comportar-se numa maneira que
transcende vida e morte (hellip) tal como obedecer agraves seis proibiccedilotildees relacionadas com o modo
proacuteprio de observar rituaisrdquo (as seis formas de shokue do Engishiki) Em Shintō Kanyō (神道
簡要) do mesmo autor ldquopurezardquo eacute a raiz da ldquohonestidaderdquo e por conseguinte o uacutenico modo
de o indiviacuteduo obter benefiacutecios dos kami uma condiccedilatildeo presente ldquoquando a mente eacute retificada
(uma virtude Confuciana) balanccedilada sem manchar ou sendo manchadardquo e age com
ldquopropriedade em concordacircncia com razatildeordquo isto eacute possui ldquopropriedaderdquo (tsutsushimi 慎み
ldquoter uma atitude proacutepriaadequadardquo) 287
Na escola de Yoshida shintō Kanetomo interpreta esta Via como uma via de
proteccedilatildeo do kokoro (ldquomenterdquo) e como tal a pessoa deveria proceder a uma ldquopureza interna e
externardquo de modo a ldquoseguir a via dos kamirdquo 288
e manter com estes mesmos kami uma relaccedilatildeo
de proximidade graccedilas ao elo de ligaccedilatildeo o kokoro Responsaacutevel pela ldquoreinvenccedilatildeordquo do
conceito de kokoro no seu tempo Kanetomo eacute pioneiro na argumentaccedilatildeo de que o ldquocoraccedilatildeo
286
Aleacutem das Vias do kokoro e de makoto fazem parte de shintō o proacuteprio shintō (Via dos kami) e shintō ou ldquoVia
dos paisrdquo (親道) que enfatiza a virtude confuciana de piedade filial (oya kōkō 親孝行) PICKEN Stuart
Sourcebook in Shinto op cit pp169-170 287
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 177-180 288
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit p 28
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humanordquo (kokoro) e kami satildeo uno e a ldquomesma coisardquo 289
justificando a sua proposta de um
tipo de shintō cuja praacutetica ritual transporta consigo um potencial de purificaccedilatildeo fiacutesicamental
Natildeo obstante a linha de pensamento deste autor jaacute estava subentendida num dos
mais ceacutelebres textos de exposiccedilatildeo de Nakatomi Ōharae o Nakatomi Harae Kunge (中臣祓訓
解) Por norma datado do final do Periacuteodo Heian ou dos iniacutecios do periacuteodo seguinte a obra eacute
considerada parte de Ryōbu shintō e releva o papel de Nakatomi Harae aquando deste ldquoritualrdquo
argumentando acerca do papel fundamental da ldquomente humanardquo 290
- o kokoro - por sua vez
descrito por Kanetomo como aquilo que ldquoregerdquo e ldquoorientardquo o praticante e um ldquolugar onde os
kami governantes do universo vivem um lugar sagrado no qual a raiz e origem do cosmos eacute
para ser encontradardquo 289
Assim o kokoro (do homem) eacute o uacutenico elemento no indiviacuteduo capaz
de ldquocomungar com Ceacuteu e Terra com a grande natureza com o cosmosrdquo isto eacute o ldquotodordquo 290
estamos entatildeo perante um vislumbrar de realidades que estatildeo normalmente vedadas ou
veladas ao praticante devido agraves limitaccedilotildees fiacutesicas do corpo
Neste sentido entrar em contacto com os kami eacute um processo ldquomentalrdquo pois eacute a
ldquomente individualrdquo (kokoro) que consegue ldquoencontrarrdquo o kami do cosmos (hellip) origina agrave
ldquopurificaccedilatildeo da natildeo-menterdquo (mushin 無心 ) ndash Kanetomo considera mushin como termo
complementar de ldquoexistir-menterdquo (ushin 有心) dois vocaacutebulos originaacuterios da Via do Buda
que fazem parte do que se entende por ldquocaminhordquo (michi) em shintō 291
Deste modo satildeo
reunidos os requisitos necessaacuterios para a etapa final desta purificaccedilatildeo a ldquouniatildeordquo kamihomem
na qual ldquotodos os meus pensamentos e aspiraccedilotildees se tornam um com oos kamirdquo (shinjin
gōitsu) e consequentemente o retorno do indiviacuteduo sujeito a este harai agrave ldquoforma verdadeira e
originalrdquo que eacute nada mais do que o proacuteprio kami (shinjin kiitsu) 290
Alcanccedilar a Ordem atraveacutes da purificaccedilatildeo em shintō (misogi harai segundo Picken)
possibilita aquilo que geralmente eacute aceite como perspetiva da desta Via em relaccedilatildeo
agrave rdquonatureza humanardquo completar o processo de purificaccedilatildeo significa testemunhar dois
fenoacutemenos especiacuteficos a ldquouniatildeordquo do kami e do homem (shinjin gōitsu (神人合一) e a
289
PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit pp 166-167 290
PICKEN Stuart op cit pp 84-85 291
Em Yuiitsu shintō se michi eacute a ldquoraiz da miriacuteade de condutasrdquo(万物之起源也 michi towa mangyō no
minamoto nari 道とは万行の源なり) kami equivale ao kokoro da ldquomiriacuteade de coisasrdquo (神者万物心 kami towa
manbutsu no kokoro ni shite 神とは万物の心にして) Por outras palavras michi possui sempre em si duas
coisas complementares e opostas uma que ldquonatildeo-existerdquo e outra que ldquoexisterdquo HIROKAMI Kiyoshi ldquo日本にお
ける神道理論の形成rdquo (Concerning the Formation of Shinto theories in Japan) Tetsugaku shisō ronsō (哲学-思
想論叢) nordm 5 1997 pp 1-18
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
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consequente ldquorestauraccedilatildeo do divino no homemrdquo (shinjin kiitsu 神人帰一 ) literalmente
ldquokamipessoaregresso ao umrdquo 292
sendo que este ldquodivinordquo eacute o kami e a ldquopessoardquo eacute o seu
ldquodescendenterdquo que eacute temporariamente afetado pela Desordem que existe no mundo
Com efeito viver a vida de forma harmoniosa eacute o mesmo que aceitar a necessidade
de restauraccedilatildeo da Ordem um processo perioacutedico e que decorre apoacutes a purificaccedilatildeo individual
ldquopurificarrdquo natildeo significa apenas harai (祓) ou kiyomeru (清める) mas tambeacutem ldquorestaurarrdquo
(naoru直る) 293
a relaccedilatildeo simbioacutetica kami-homem (e vice-versa) expressa pela palavra shinjin
ou kami (神人) isto eacute o ldquokami com uma natureza humanardquo ou ldquokami e seres humanosrdquo
referindo-se ao ldquoprinciacutepio de unidade entre kami e seres humanosrdquo 294
No fundo shinjin gōitsu e shinjin kiitsu satildeo concordantes com a ideia acerrimamente
defendida por Kanetomo de que kokoro e kami satildeo essencialmente o mesmo permitindo ao
praticante tornar-se algo mais do que fisicamente aparenta ser o kokoro eacute o derradeiro elo de
ligaccedilatildeo kami-homem aquilo que deve ser cultivado atraveacutes de rituais de purificaccedilatildeo interna
292
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 346-347 293
PICKEN Stuart Sourcebook of Shinto op cit p 359 294
NISHIOKA Kazuhiko ldquoKamirdquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and Doctrines Basic Terms (on line)
lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23401gt (consultado em 24-06-
2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
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CONCLUSAtildeO
Apesar de a popularidade que o shintō recebe hoje em contexto acadeacutemico ser
evidenciada pelo nuacutemero consideraacutevel de artigos e livros produzidos por autores natildeo
japoneses a Via dos kami em si permanece um campo por explorar natildeo existindo falta de
informaccedilatildeo e sim falta de estudo dessa informaccedilatildeo Foi com estas intenccedilotildees que se pocircde dar
forma a uma inicial miscelacircnea de pensamentos e ideias desconetadas umas das outras um
processo que como natildeo esteve isento de obstaacuteculos nomeadamente a ldquotriagemrdquo de
informaccedilatildeo (consequecircncia da jaacute mencionada ldquotriagemrdquo dos autores que forneceram essa
mesma informaccedilatildeo) atual e adequada ao campo do shintō e agrave temaacutetica ldquorituais de purificaccedilatildeo e
natildeo-purificaccedilatildeo em shintōrdquo
Neste sentido se uma das dificuldades foi encontrar informaccedilatildeo atualizada e numa
linguagem acessiacutevel (inglecircs) uma das vantagens foi a leitura e interpretaccedilatildeo de artigos
passagens de livros e textos escritos em japonecircs auxiliando na investigaccedilatildeo processo que
incluiu uma anaacutelise etimoloacutegica como complemento agrave anaacutelise teoacuterica dos rituais que
provocam a Desordem e a Ordem sem o recurso a tal metodologia dificilmente se
conseguiria responder agraves trecircs perguntas colocadas na Introduccedilatildeo
Outro ponto positivo a ter em conta foi o recurso a outras fontes aleacutem de livros nesta
era de informaccedilatildeo apesar de as obras permanecerem vaacutelidas enquanto fontes primaacuterias de
informaccedilatildeo a sua linguagem presente pode parecer estranha a quem estuda tradiccedilotildees natildeo
ocidentais Interessantemente autores como Picken natildeo caem neste erro ao contraacuterio de Ono
Sokyō De um modo geral fontes virtuais (websites oficiais e artigos de revistas cientiacuteficas)
tambeacutem natildeo seguem esta tendecircncia de ldquotraduccedilotildeesrdquo No caso de fontes japonesas (artigos
websites e livros) a traduccedilatildeo estaacute ausente permitindo reter o sentido das palavras
Sinteticamente o shintō possui uma tradiccedilatildeo de atos de veneraccedilatildeo em jinja e de
indiviacuteduos participantes nos diferentes matsuri Eacute neste sentido que os indiviacuteduos executam
ldquorituaisrdquo (conotaccedilatildeo exclusivamente positiva) favoraacuteveis agrave Ordem Regulados num contexto
de corte estas praacuteticas adaptaram-se consoante a evoluccedilatildeo histoacuterica de shintō tornando-se
vaacutelidos tanto hoje como haacute seacuteculos atraacutes Veja-se o caso de misogi misogi harai retratada
como um exemplo de purificaccedilatildeo interna e externa eacute o ritual-base da atuaccedilatildeo de Misogi-kyō e
tradicionalmente ndash devido agrave sua presenccedila no Kojiki e Nihon shoki par de obras que alude agrave
consciencializaccedilatildeo do que eacute puroimpuro - uma espeacutecie de alicerce de todos os rituais
conducentes agrave Ordem uns mais simples do que outros constatando-se diferenccedilas no que
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concerne agrave preparaccedilatildeo e organizaccedilatildeo Temizu eacute um tipo de purificaccedilatildeo fiacutesica e como tal
reconhece a existecircncia de uma ldquoimpurezardquo fiacutesica e verbal ndash kegare - oriundo das matildeos e da
boca Jaacute as norito satildeo uma purificaccedilatildeo verbal cujos efeitos positivos se repercutem no que as
escuta e naquele que as profere Apesar de hoje poderem ser utilizadas em contextos natildeo
apenas puacuteblicos norito retraccedilam as suas origens a shintō imperial e jinja shintō ambas
categorias que durante seacuteculos beneficiaram de uma posiccedilatildeo privilegiada junto do poder
poliacutetico japonecircs
Natildeo obstante as metas do shintō para a sociedade japonesa do passado satildeo as mesmas
do presente conduzir o indiviacuteduo praticante agrave Ordem atraveacutes dos rituais de purificaccedilatildeo uma
vez que jōka eacute uma temaacutetica transversal a todas as vertentes do shintō independentemente do
seu nome ou forma pacificaccedilatildeo retificaccedilatildeo oharai temizu norito misogi kessai natildeo deixam
de ser purificaccedilotildees Contudo soacute se pode falar de uma ldquopurificaccedilatildeordquo se houver razatildeo para tal
se existem rituais que reconduzem o indiviacuteduo agrave Ordem seguramente existem rituais de
natureza antagoacutenica Natildeo haacute Desordem (muchitsujo 無秩序 conotado pela autora com maga
[禍]) sem Ordem (chitsujo 秩序 se bem que algumas fontes favorecem o uso de nao [直]
para expressar esta Ordem uma vez que um dos seus significados eacute o de ldquorestaurarrdquo)
purificaccedilatildeo sem natildeo-purificaccedilatildeo e muito menos pureza sem impureza Estes trecircs pares de
conceitos satildeo interdependentes opostos e complementares Tendo isto como ponto de partida
eacute possiacutevel deduzir o seguinte shintō tem por princiacutepio um equiliacutebrio e um ciclo no qual se
encontra o indiviacuteduo a Via propotildee ao indiviacuteduo o que deve fazer e o que eacute correto fazer bem
como aquilo que natildeo deve fazer
Neste sentido o shintō reuacutene aspetos teoacutericos e praacuteticos como qualquer outra religiatildeo
apresentando a sua proacutepria ldquocosmovisatildeordquo ndash ldquovisatildeo do cosmosrdquo o cosmos eacute conotado com o
coletivo e como tal um dos seus elementos fundamentais eacute o indiviacuteduo que vive neste cosmos
esperando um dia efetivamente ligar-se a ele o que alude a noccedilatildeo de musubi aproximando o
ser humano do kami
Por conseguinte a jōka eacute um processo abrangente e inclusivo e natildeo restritivo ou
exclusivo no qual o ser humano se deve focar auxiliando-o a viver bem consigo e com os
outros A natildeo purificaccedilatildeo precede os atos de purificaccedilatildeo tal como a Desordem precede a
Ordem existindo desde os tempos incertos do Kami-yo relatados pelas mitologias japonesas
Aliaacutes esta DesordemOrdem eacute provocada pelas accedilotildees dos kami Tome-se por exemplo
Susanoo e Amaterasu com a excepccedilatildeo dos episoacutedios nos quais Susanoo repotildee a Ordem
atraveacutes da eliminaccedilatildeo de uma ameaccedila (Yata no Orochi) este kami estaacute sempre associado agrave
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Desordem como consequecircncia da sua rivalidade para com Amaterasu sua irmatilde mais velha
Tal conflito prolonga-se ateacute ao momento da restauraccedilatildeo da Ordem trazida por Ninigi neto de
Amaterasu e inimigo dos descendentes de Susanoo sobre os quais emerge vitorioso
Interessantemente esta reordenaccedilatildeo tem a dupla funccedilatildeo de legitimaccedilatildeo do estatuto de
Amaterasu enquanto governante de Takamagahara e entronizaccedilatildeo de um novo poder
centralizado no territoacuterio japonecircs na figura de um suposto descendente de Amaterasu A nova
ordem coacutesmica simboliza uma nova ordem poliacutetica
Em contrapartida o ciclo de Desordem e Ordem no qual o ser humano natildeo eacute apenas
um espetador mas tambeacutem um participante tem as suas origens nos atos conscientes de
Izanagi durante misogi o primeiro ritual de purificaccedilatildeo a ser mencionado em fontes japonesas
Aliaacutes ldquorituaisrdquo satildeo processos de transiccedilatildeo de um ldquoestado potencialrdquo para a condiccedilatildeo de
ldquoatordquo negativo ou positivo em shintō se rituais de natureza positiva satildeo visualmente
manifestaccedilotildees de apreccedilo e respeito pelos kami e aproximam-nos dos proacuteprios kami rituais de
natureza oposta provocam a distacircncia Por outras palavras rituais satildeo nada mais do que
meacutetodos para atingir um fim a Ordem ou o seu inverso sendo que a purificaccedilatildeo assume um
papel basilar orientando o indiviacuteduo ao longo deste processo Executar rituais de purificaccedilatildeo
significa reconhecer os erros cometidos e efetivamente agir a favor de um coletivo
Afastando-se do que lhe eacute prejudicial e para este coletivo o indiviacuteduo segue a Via dos kami
que o auxilia a viver a vida de forma boa de estar bem consigo e com os outros
Contudo por muito atrativo que pareccedila esta ideia de Ordem eacute inevitaacutevel a seguinte
sucessatildeo de perguntas seraacute que o shintō se resume apenas a isto Um ser humano
ciclicamente sujeito a uma Desordem e Ordem que ele proacuteprio causa ou se deixa afetar por
forccedilas ldquoexterioresrdquo (kami) consequentemente atingindo natildeo apenas a sua pessoa mas tambeacutem
o que o rodeia Natildeo haveraacute uma soluccedilatildeo definitiva Uma ldquoharmoniardquo que seja permanente e
natildeo perioacutedica
Ora esta linha de raciociacutenio natildeo eacute de todo iloacutegica se o shintō existe para benefiacutecio de
quem cumpre com os rituais de purificaccedilatildeo a ldquoharmoniardquo eacute nada mais do que um meio para
atingir o derradeiro fim a felicidade Assim a verdadeira ldquoHarmoniardquo significa ir para laacute da
Desordem e Ordem da reordenaccedilatildeo constante Harmonia eacute equiliacutebrio e uma condiccedilatildeo de
plenitude perpetuada o que soacute acontece quando o ser humano estaacute ligado ao todo um todo
representado parcialmente pela sociedade e pelo indiviacuteduo que estaacute em sociedade
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
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No contexto do shintō o indiviacuteduo poderaacute ser definido enquanto parte do todo e de
certo modo o proacuteprio todo se a parte estaacute ligada em rede ao todo de uma forma
exclusivamente positiva eacute graccedilas agrave Harmonia De entre os autores contemporacircneos
consultados Stuart Picken destaca-se como o mais assertivo na partilha desta opiniatildeo o
entendimento que este uacuteltimo atribui agrave praacutetica misogi harai (shinjin gōitsu e shinjin kiitsu) jaacute
transparece a noccedilatildeo de Harmonia uma ldquoHarmoniardquo definitiva agrave semelhanccedila do que eacute
proposto pelo texto do Nakatomi Harae Kunge De todos os rituais de purificaccedilatildeo
mencionados este eacute o uacutenico que oferece ao indiviacuteduo algo mais do que uma Ordem
temporaacuteria conseguindo de facto inviabilizar a proacutepria Desordem
Em suma eacute possiacutevel percecionar shinjin gōitsu e shinjin kiitsu como consequecircncia de
um tipo de purificaccedilatildeo que natildeo vem do exterior Ao inveacutes de uma purificaccedilatildeo externa focada
no regresso temporaacuterio agrave Ordem urge-se uma purificaccedilatildeo que tem de vir do ldquointeriorrdquo do
kokoro Quando este atributo humano estiver em Harmonia a purificaccedilatildeo torna-se permanente
para o ser humano um ser humano em equiliacutebrio e liberto do ciclo de Desordem e Ordem que
rege a sua conduta diaacuteria
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
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The DSpace Foundation ldquoResultados da pesquisa - Revista Lusoacutefona de Ciecircncia das
Religiotildeesrdquo ReCiL - Repositoacuterio Cientiacutefico Lusoacutefona (on line)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
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Capiacutetulo magokoro eacute) 本居宣長研究ノート「大和心とは」本論 (Bloco de notas de
Pesquisa Motoori Norinaga ldquoYamato Gokoro eacuterdquo Argumento-base) (on line)
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UMIHIKO ldquo第八回「『真心(まごころ)の型」の巻rdquo (Texto do Oitavo Capiacutetulo O
modelo de kokoro) 本居宣長研究ノート「大和心とは」 本論 (Bloco de Notas de
Pesquisa Motoori Norinaga ldquoYamato Gokoro eacuterdquo Argumento-base) (on line)
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Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
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YONEI Teruyoshi ldquoGoryōrdquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and Doctrines Basic
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YONEI Teruyoshi ldquoIchirei shikonrdquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and Doctrines
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YONEI Teruyoshi ldquoKotodamardquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and Doctrines Basic
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YONEI Teruyoshi ldquoKushimitamardquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and Doctrines
Basic Terms (on line) lthttpk-
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Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
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ANEXOS
Anexo I
Desordem e Ordem de acordo com o terceiro capiacutetulo do Engishiki shokue (orientaccedilatildeo
direita-esquerda da segunda agrave quinta linha) e imi [齋] incluindo sansai e chisai durante os
atos de luto (uacuteltimas quatro linhas da paacutegina) ou no periacuteodo de gravidez das jovens do palaacutecio
(primeiras duas linhas paacutegina seguinte)
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Anexo II
Um shinkan executa oharai durante o ldquorito de shūbatsurdquo (shūbatsu no gi修祓の儀) segundo
passo do jichinsai Este matsuri decorreu em 2016 1ordm de novembro (terccedila-feira) prefeitura de
Aomori (Aomori-ken 森県 ) cidade de Hachinoe (Hachinoe-shi 八戸市 ) por parte do
Kabushima jinja (蕪嶋神社) O seu objetivo eacute ldquoapaziguarrdquo os kami do terreno onde se
construiraacute um novo shaden (社殿) isto eacute o edifiacutecio onde se guarda o shintai
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Anexo III
Uma jovem executa temizu segurando o utensiacutelio de madeira na matildeo direita que utilizou para
lavar a matildeo esquerda e agora a sua boca O texto abaixo agrave esquerda lecirc-se ldquolimpar o kokoro e
o corpordquo (心身を清める) e temizu (手水) respetivamente agrave direita a frase ldquohidarite de mizo
wo uke kuchi wo susugimasurdquo (左手で水を受け口をすすぎます) significa literalmente
ldquorecebe-se a aacutegua e lava-se a boca com a matildeo esquerdardquo
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Anexo IV
Excerto da norito de Minadzuki no tsugumori Ōharae (六月晦日大祓) oitavo volume do
Engishiki Aqui os atos de ldquopurificaccedilatildeordquo (segunda linha a contar da esquerda) provocaram a
eliminaccedilatildeo dos tsumi cometidos pelo coletivo de funcionaacuterios (quarta linha)
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ABSTRACT
The following work aims for an analysis of the rituals that in the context of shintō
may invalidate and encourage the restauration of the Order The rituals typically defined by
bearing a ldquopositiverdquo connotation may alternatively be understood as a succession of thought
words and actions which justifies the lsquopositivenegativersquo classification according to the
obtained results
In Japan the gradual institutionalization of the Way of the kami by the imperial court
promoted the evolution of several ldquoritualrdquo practices executed by individuals that celebrated
their relationship with the kami forms of existence and conscience associated to the Order
(the most part of them) and worshiped to the present time
A Way created for the wellbeing of the one who follows it the shintō acknowledges
the purification as the transversal concern of all of its aspects Therefore the purification is a
complex process whose results are not just positive for the individual but also for the
collective meaning the society with whom he interacts on a daily basis which leads him to
the Order Nevertheless there is no Order without its opposite the Order and the Disorder
are the two parts of a cycle in which the individual is found assuming a vital role due to the
fact he has the capacity of executing rituals if the Order is the goal of positive rituals the
Disorder is the consequence of negative rituals
Keywords Japan shintō (神道) rituals purification (jōka浄化) individual
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IacuteNDICE GERAL
GLOSSAacuteRIO 5
INTRODUCcedilAtildeO 9
1 DO PASSADO AO PRESENTE SHINTŌ UMA ldquoRELIGIAtildeOrdquo JAPONESA 16
11 Shintō e kami perceccedilotildees japonesas do lsquosagradorsquo e do lsquodivinorsquo 19
111 O papel de kami na cosmologia japonesa do processo de divisatildeo da
realidade agrave criaccedilatildeo da mesma 24
112 Depois da criaccedilatildeo kami como agentes da Ordem e da Desordemhellip 26
12 Shintō como processo interaccedilotildees com outras ideias vindas de fora 32
121 Via de Confuacutecio dinamizando a eacutetica japonesa 32
122 Via do Dao cultivando a relaccedilatildeo entre o governo japonecircs e o culto aos
kami 35
123 Via do Buda concoacuterdia e discoacuterdia entre praacuteticas shinbutsu 39
13 Shintō no periacuteodo moderno antes e depois de 1945 43
131 A visatildeo nacionalista Meiji uma lsquonatildeo-religiatildeorsquo ao serviccedilo do Estado
japonecircs 44
132 Divulgaccedilatildeo de um legado cultural e histoacuterico shintō a mais popular
religiatildeo japonesa 46
2 SOCIEDADE ESPIRITUALIDADE E EacuteTICA A VIA DOS KAMI E O REGRESSO
Agrave Ordem 48
21 A relaccedilatildeo entre kami e humanos uma resposta a preocupaccedilotildees coletivas e
individuais 48
22 Aleacutem do plano fiacutesico musubi rei e tamashii 50
23 Mal como causa e efeito da Desordem tsumi kegare e imi 53
24 O bem como agente da Ordem rituais de purificaccedilatildeo interna e
externa 79
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CONCLUSAtildeO 97
BIBLIOGRAFIA 101
ANEXOS I
Anexo I I
Anexo II II
Anexo III III
Anexo IV IV
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GLOSSAacuteRIO
Amatsu-no-kami literalmente lsquokami celestesrsquo satildeo um grupo de kami liderados por
Amaterasu Ōmikami e que habitam em Takamagahara (高天原) Nesta divisatildeo encontram-se
ainda os hermafroditas koto-amatsukami (別天つ神)
Fujō termo geneacuterico para designar o que eacute lsquoimpurorsquo aos olhos da sociedade japonesa Por
vezes sinoacutenimo de fuketsu se bem que esta palavra seja usada no contexto de algo
higienicamente reprovaacutevel Num sentido mais amplo fujō representa um estado de Desordem
associando-se com o termo kegare
HaraiHarae atos de lsquopurificaccedilatildeorsquo no sentido de eliminaccedilatildeo da desordem provocada pela
accedilatildeo humana ou natural Haraiharae eacute uma das praacuteticas mais recorrentes das vaacuterias vertentes
de shintō e pode ser praticada de forma individual ou coletiva
Imi palavra de conotaccedilatildeo prejudicial que convida agrave Desordem Comportamento ou algo cuja
natureza eacute negativa e reprovaacutevel de dizerfazer servindo de base etimoloacutegica ao ceacutelebre termo
imikotoba palavras natildeo pronunciaacuteveis em certas ocasiotildees (festivas)
Imuimi lido alternativamente como sai eacute uma conduta positiva e favoraacutevel ao cumprimento
de rituais shintō Frequentemente interpretado como atos de lsquoabstenccedilatildeorsquo fiacutesica e mental
imuimi seriam descritos e categorizados nas obras Yōrō-ryō e Engishiki
Jingikan um instrumento do poder poliacutetico imperial e o oacutergatildeo de manutenccedilatildeo e vigilacircncia
dos vaacuterios jinja desde os primeiros seacuteculos do periacuteodo dinaacutestico japonecircs A niacutevel legal o culto
jingi sujeitava-se agraves regulaccedilotildees do coacutedigo Jingiryō Nos dias de hoje as funccedilotildees do Jingikan
foram essencialmente substituiacutedas pela Jinja Honchō
Jinja espaccedilos fiacutesicos de veneraccedilatildeo aos kami Literalmente os ldquosantuaacuterios de kamirdquo
Kami com frequecircncia traduzido em obras por lsquodeusesrsquo lsquoentidadesrsquo lsquodivindadesrsquo e lsquoespiacuteritosrsquo
podem ser entendidos como formas de existecircncia anteriores e superiores os humanos Apesar
de a maioria atuar como representantes da Ordem os magatsubi-no-kami defendem o seu
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oposto reforccedilando a ideia de princiacutepios contraacuterios mas complementares muito visiacutevel em
shintō
Kata-shiro um pedaccedilo de papel cuja forma lembra uma figura humana o qual se escreveria o
nome e o geacutenero do seu portador esfregando-se este objeto no corpo transmitindo
simbolicamente os tsumi do corpo para o papel Praacutetica costumaacuteria em Ōharae
Kegare traduzido por lsquoimpurezarsquo e por vezes sinoacutenimo da palavra fujō kegare eacute parte da
terminologia de shintō e um dos termos conotados com a Desordem Eventualmente avanccedilos
na consciencializaccedilatildeo do lsquopuroimpurorsquo permitiram um processo de categorizaccedilatildeo cada uma
associada a uma lsquoimpurezarsquo particular
Kokoro lsquocoraccedilatildeorsquo no sentido natildeo anatoacutemico eacute o elemento interior de qualquer pessoa e
associado ao estado emocional da mesma Em contexto acadeacutemico eacute costume o termo ser
traduzido como lsquomentersquo ou lsquocoraccedilatildeomentersquo
Kunitsu-no-kami os lsquokami terrenosrsquo e hierarquicamente inferiores aos amatsu-no-kami No
fundo satildeo kami que jaacute habitariam o Japatildeo antes da conquista de Ninigi o miacutetico neto de
Amaterasu Na sequecircncia da derrota dos kunitsu-no-kami inaugura-se uma nova Ordem
coacutesmica e poliacutetica
Makoto traduzido por lsquosinceridadersquo e lsquoverdadersquo eacute uma atitude positiva inerente aos humanos
e fundamental aquando das praacuteticas de veneraccedilatildeo aos kami Um dos termos profundamente
ligados agrave natureza mais eacutetica de shintō
Matsuri a variaccedilatildeo do verbo matsuru (祭る祀る) na qual o praticante consagra oferendas a
formas de existecircncia respeitaacuteveis (antepassados kami e budas) Por norma expressotildees
puacuteblicas associadas ao culto jingi que durante o tempo de vigor do Jingikan eram
organizadas consoante as regulaccedilotildees do Jingiryō incorporado na obra Engishiki
Misogi harai o ato de banhar o corpo numa fonte de aacutegua ativando as propriedades
terapecircuticas e purificadoras deste elemento No Kojiki e Nihon shoki Izanagi-no-kami eacute
descrito como o primeiro kami a fazer uso deste ritual apoacutes regressar do Yomi o domiacutenio
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subterracircneo da mitologia japonesa Misogi eacute tambeacutem o expoente de purificaccedilatildeo a niacutevel
externo e interno
Meijō uma das palavras para lsquopurezarsquo Etimologicamente constituiacuteda por mei (明) a leitura
foneacutetica alternativa do japonecircs aki akari akarui termos que expressam as ideias de
lsquoclaroclarezarsquo e jō (浄) lsquopuropurarsquo
Musubi contendo em si a noccedilatildeo de lsquoligaccedilatildeorsquo e lsquouniatildeorsquo e de certo modo o Todo Diz-se que
musubi estaacute presente em qualquer elemento que nos rodeia
Norito frases escritas numa linguagem arcaica e hoje usadas em todo o tipo de locais de
veneraccedilatildeo Sobretudo de caraacutecter puacuteblico norito satildeo etimologicamente constituiacutedas pela
partiacutecula nori (祝) cujo kanji eacute usado no verbo lsquocelebrarrsquo (iwau) e kotoba (詞) lsquopalavrarsquo
Fundamentais para a reposiccedilatildeo temporaacuteria da Ordem
Onmyōdō a Via da escola de funcionaacuterios provenientes do Escritoacuterio Yin-Yang cujas
atividades foram reguladas pelos Abe e Kamo hereditaacuterios liacutederes dos cargos mais relevantes
desta instituiccedilatildeo
Saigū tiacutetulo conferido agrave mais importante sacerdotisa escolhida de entre os membros da
famiacutelia imperial para servir nos jinja de Ise e Kamo Jovem cujo periacuteodo de preparaccedilatildeo
envolvia uma lsquoabstinecircnciarsquo rigorosa de trecircs anos
Shinsen conjunto de alimentos (arroz sal aacutegua sake bolos de arroz peixe algas vegetais
cereais e fruta) oferecidos em altares aos kami
Shintai mitamashiro objetos palpaacuteveis (espelhos por exemplo) identificados com o proacuteprio
kami e como tal devem ser venerados de forma adequada Permanentemente escondidos
dentro do jinja e vigiados pelos responsaacuteveis ateacute ao momento dos matsuri ou outras
celebraccedilotildees
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Shintō a Via dos kami (kami no michi) e uma das religiotildees (shūkyō) reconhecidas no plano
estatiacutestico japonecircs que por sua vez a agrupa em jinja shintō ou shintō de santuaacuterios kyōha
shintō o ceacutelebre shintō setorial e as ldquonovas religiotildeesrdquo (shin shūkyō) baseadas em shintō
Tamashii o elemento inerente ao ser humano e aos kami que supostamente eacute constituiacutedo por
quatro aspetos (shikon) cada um representando uma faceta da personalidade individual Se
pertence aos kami tamashii designa-se mitama Em alguns jinja apenas parte da mitama eacute
venerada pelos praticantes
Temizu a forma abreviada de misogi na qual o indiviacuteduo lava a boca e das matildeos Temizu eacute
obrigatoacuterio antes da veneraccedilatildeo nos jinja
Tsumi palavra que significa lsquocrimersquo Eacute algo contraacuterio agrave ordem social independentemente de
esta ser entre os kami ou entre os humanos Eliminados de forma simboacutelica pelas praacuteticas
haraeharai tsumi satildeo por vezes divididos em amatsu-no-tsumi (lsquocrimes celestesrsquo) e kunitsu-
no-tsumi (lsquocrimes terrenosrsquo)
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INTRODUCcedilAtildeO
O trabalho tem como objectivo uma anaacutelise dos rituais que inviabilizam e permitem a
purificaccedilatildeo em shintō O objeto de estudo comporta natildeo apenas uma abordagem histoacuterica-
antropoloacutegica do shintō adotada por muitos autores contemporacircneos mas tambeacutem um olhar
sobre a sua praacutetica ritual que eacute considerada por muitos como o alicerce da lsquoViarsquo (em japonecircs
dō) per si entendendo-se lsquoritualrsquo como a sucessatildeo de pensamentos palavras e accedilotildees Assim eacute
possiacutevel interpretar o homem como aquele que estaacute no ciclo de Desordem e Ordem capaz de
provocar ou deixar-se influenciar pela Desordem e nesse caso o ritual eacute prejudicial negativo
Em contrapartida se se recorrer agrave purificaccedilatildeo os seus efeitos satildeo positivos e a Ordem eacute
temporariamente restaurada Tal como se constata em tradiccedilotildees ditas orientais shintō defende
a noccedilatildeo de equiliacutebrio uma vez que nada surge sem o seu contraacuterio
A escolha da temaacutetica partiu de um interesse pessoal da autora na cultura japonesa
adquirido ao longo da sua vida acadeacutemica sobretudo durante o periacuteodo de licenciatura em
Estudos Asiaacuteticos que possibilitou uma pequena amostra do que tinha sido produzido ateacute
entatildeo por autores japoneses e natildeo japoneses acerca de shintō o que se pretendia natildeo era um
estudo pormenorizado de filosofias da Aacutesia mas sim transmitir em linhas gerais o que satildeo os
lsquoismosrsquo do continente vizinho uns cuja aacuterea de impacto se reduz a uma aacuterea geograacutefica
especiacutefica e outros que beneficiaram de uma expansatildeo significativa No mestrado em Ciecircncia
das Religiotildees apesar de a vertente filosoacutefica das vaacuterias tradiccedilotildees desenvolvidas na Aacutesia ter
sido incorporada shintō natildeo teve o mesmo protagonismo que a Via do Buda a Via de
Confuacutecio ou ainda o pensamento veacutedico Em Portugal a quase indisponibilidade e ausecircncia
de materiais (atualizados) sobre shintō eacute comparaacutevel ao escasso nuacutemero de trabalhos
acadeacutemicos realizados urgindo-se a necessidade de se executar investigaccedilotildees que
contemplem shintō natildeo como uma lsquoreligiatildeorsquo no sentido de ser teiacutesta panteiacutesta monoteiacutesta
politeiacutesta mas como algo aleacutem disso Neste sentido o investigador do shintō deve ignorar os
lsquopreacute-conceitosrsquo estabelecidos por outras perspetivas ocidentais que acabaram por moldar o
mundo acadeacutemico tal como o conhecemos natildeo considerando esta religiatildeo somente de um
ponto de vista estatiacutestico
Nesta perspetiva o trabalho pode ser considerado primeiramente como um texto que
procura divulgar shintō em Portugal Um dos motivos que levou a autora a realizar este
trabalho foi como jaacute referido tentar despertar o interesse das pessoas em shintō permitindo a
abertura de portas a futuras investigaccedilotildees e simultaneamente contrariando a tendecircncia de foco
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do Mestrado de Ciecircncia das Religiotildees nas religiotildees ocidentais Tal tendecircncia pode ser
verificada se o leitor pesquisar a paacutegina virtual do repositoacuterio da Universidade Lusoacutefona de
Humanidades e Tecnologias ndash o ReCiL - Repositoacuterio Cientiacutefico Lusoacutefona de entre as doze
dissertaccedilotildees disponiacuteveis e realizadas por alunos do ldquoMestrado em Ciecircncia das Religiotildeesrdquo
onze satildeo sobre cristianismo ndash em Portugal e no Brasil ndash e uma eacute dedicada a um dos estilos da
arte marcial karatedō (Shotokan Karatedō 松涛館 空手道) 1
tambeacutem este uma Via ndash Via da
ldquomatildeo vaziardquo ou karate - agrave semelhanccedila de shintō Jaacute a Revista Lusoacutefona de Ciecircncia das
Religiotildees publicou cinco artigos dedicados ao Japatildeo do passado especificamente o periacuteodo de
presenccedila cristatilde em territoacuterio japonecircs (e Macau) 2
Apesar de carecer de um fundador ndash apenas vaacutelido no caso de kyōha shintō ldquonovas
religiotildeesrdquo shintō e de certo modo escolas de gakuha shintō criadas como consequecircncia dos
movimentos acadeacutemicos e de exposiccedilatildeo de conceitos e rituais (que conduzem agrave Ordem) ndash um
sistema proacuteprio de ldquofeacuterdquo e ldquoensinamentosrdquo caracteriacutesticas tiacutepicas de uma lsquoreligiatildeorsquo (no sentido
lsquoocidentalrsquo) o shintō eacute praticado pelo indiviacuteduo e como tal este uacuteltimo faz parte do todo isto
eacute do mundo que o rodeia vivendo consoante as decisotildees que toma quer sejam de natureza
positiva ou negativa
Neste sentido a finalidade desta dissertaccedilatildeo natildeo eacute somente divulgar shintō o trabalho
realizado eacute um texto argumentativo que pretende responder a trecircs questotildees o que eacute o ciclo de
Desordem e Ordem o que eacute que o praticante de shintō fazia e ainda faz para causar Desordem
ou Ordem quais satildeo os motivos por detraacutes das accedilotildees que conduzem agrave Ordem
Para tentar responder agraves perguntas acima nomeadas dividiu-se o trabalho em duas
partes cada um com um nuacutemero variado de subtoacutepicos a primeira parte eacute acima de tudo
contextualizaccedilatildeo do tema explicando-se o que se entende por shintō ldquoreligiatildeordquo kami e qual a
relaccedilatildeo destes uacuteltimos com o domiacutenio sagradodivino japonecircs
Assim a realizaccedilatildeo do primeiro subtoacutepico envolveu a procura de algumas opiniotildees
formadas por autores e investigadores constatando-se a necessidade de uma anaacutelise
etimoloacutegica de termos como shintō religiatildeo (em japonecircs shūkyō) kami e ldquosagradodivinordquo
(dicotomia seishin) Em segundo lugar efetuou-se uma siacutentese do que outros autores
(japoneses ou natildeo) entendem por kami por vezes sujeitos a processos de classificaccedilatildeo ou
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Repositoacuterio Cientiacutefico Lusoacutefona (on line)
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categorizaccedilatildeo Seguidamente kami satildeo analisados enquanto personagens fundamentais da
cosmologia japonesa conforme os relatos do Kojiki e Nihon shoki participando no processo
de divisatildeo da realidade - sendo que esta divisatildeo pode ser tripartida (sobretudo mundo
superior mundo do meio e mundo inferior) ou bipartida (o lsquonosso mundo fiacutesicorsquoo lsquooutro
mundorsquo) ndash e ainda na criaccedilatildeo desta uacuteltima - considerando-se lsquocriaccedilatildeorsquo como o ato consciente
dos kami (neste caso o casal Izanagi e Izanami) de gerar as coisas que compotildeem o nosso
mundo e tambeacutem kami associados a essas mesmas coisas Apoacutes esta criaccedilatildeo certos kami
tornam-se agentes da Ordem (Amaterasu) e da Desordem (Susano-o e Ōkuninushi)
expressando a noccedilatildeo de equiliacutebrio muito presente nos rituais de shintō que explicam a Ordem
como a consequecircncia da condiccedilatildeo de Desordem (o episoacutedio da Ama no Iwato por exemplo)
No uacuteltimo subtoacutepico explicou-se a evoluccedilatildeo de shintō ao longo dos seacuteculos de
interaccedilatildeo com as Vias de Confuacutecio do Dao e do Buda observando a sua integraccedilatildeo na esfera
poliacutetica japonesa desde os primeiros tempos de institucionalizaccedilatildeo das praacuteticas de veneraccedilatildeo
aos kami ateacute agrave atualidade Natildeo obstante deve-se alertar para o facto de que este subtoacutepico natildeo
apresenta shintō numa perspetiva cronoloacutegica a Via do Confuacutecio - a primeira a ser estudada
neste trabalho - influenciou a sociedade claacutessica japonesa mas a adaptaccedilatildeo dos seus
ensinamentos por parte de shintō soacute se veio a realizar num periacuteodo posterior Por outras
palavras se se pretendesse uma evoluccedilatildeo cronoloacutegica de shintō o esquema a seguir seria ldquoVia
de Dao-Via do Buda-Via de Confuacuteciordquo
No que concerne agrave segunda parte esta corresponde ao desenvolvimento do tema e
como tal investiga-se algumas teorias e praacuteticas - uma vez que a teoria daacute coesatildeo agrave praacutetica e a
praacutetica eacute uma forma de dinamizaccedilatildeo da teoria ndash do shintō retratado como uma Via
profundamente social ndash liga os humanos aos kami e vice-versa surgindo kami que atendem agraves
necessidades concretas individuaiscoletivas de quem os procura (Inari Ebisu Shichi Fukujin
e Tenjin) ndashrsquoespiritualrsquo ndash na aceccedilatildeo de se estar perante algo natildeo do domiacutenio palpaacutevel ou fiacutesico
que tambeacutem serve de elo de ligaccedilatildeo humanokami evidenciado pelo desenvolvimento de toda
uma tradiccedilatildeo de lsquoespiritualidade japonesarsquo melhor expressa por musubi rei e tamashii ndash e
lsquoeacuteticarsquo ndash no sentido de existir um bemmal ou seja algo ordenado e algo desordenado que
pode ser sempre reposto evidenciando a natureza ciacuteclica da relaccedilatildeo DesordemOrdem
Aleacutem de se analisar etimologicamente toda uma seacuterie de palavras associadas agrave
lsquoespiritualidadersquo agrave Desordem (tsumi kegare e imi) e agrave Ordem como eacute entendida pelo shintō
(os vaacuterios vocaacutebulos indicativos de lsquopurificaccedilatildeorsquo e algumas norito relevantes) e por algumas
escolas de pensamento desta Via abordam-se duas qualidades internas do ser humano
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
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denominadas kokoro e makoto integrais ao campo da eacutetica japonesa bem como a shintō Os
rituais conducentes agrave Ordem revolvem em torno da purificaccedilatildeo processo de natureza externa
e interna embora a segunda seja de natureza mais subtil e portanto mais difiacutecil de atingir No
entanto o objetivo eacute sempre o mesmo contrariar o desequiliacutebrio trazido por tsumi kegare e
imi devolvendo o indiviacuteduo (e o que o rodeia) ao seu estado ordenado confirmando a ideia
de que o shintō eacute importante natildeo apenas para o indiviacuteduo
Enquanto temaacutetica de estudo os rituais de purificaccedilatildeo e de natildeo purificaccedilatildeo em shintō
satildeo uma novidade em contexto nacional mas natildeo propriamente no mundo acadeacutemico
internacional milhares de autores redigiram livros sobre shintō ou pequenos artigos sobre
ldquopurificaccedilatildeordquo ldquorituaisrdquo e ldquoimpurezardquo se bem que tsumi kegare e imi (negativo) nunca satildeo
apelidados de ldquorituaisrdquo per si No entanto este trabalho utiliza a palavra ldquorituaisrdquo num sentido
abrangente ao inveacutes de investigadores que se cingem agrave definiccedilatildeo sugerida pelo dicionaacuterio
quando o indiviacuteduo realiza algo constantemente e da mesma maneira faz um ldquoritualrdquo Em
contexto religioso ldquorituaisrdquo tendem a ser vistos como exclusivamente positivos nunca
negativos
Poreacutem ao redefinir-se ldquoritualrdquo como um padratildeo de pensamentos palavras e accedilotildees natildeo
se inviabiliza a hipoacutetese de existirem ldquorituaisrdquo que provocam o oposto do que se pretende
Interessantemente alguns autores contemporacircneos de shintō cingem-se ao ldquoritualrdquo como o
que permite o regresso agrave Ordem na introduccedilatildeo de Sourcebook in Shinto Selected Documents
Resources in Asian Philosophy and Religion (2004) Stuart Picken diz que a ldquotransmissatildeo de
Shinto (hellip) eacute mais sobre agenda do que credenda coisas a serem feitas do que coisas a serem
acreditadasrdquo colocando ldquoritualrdquo em primeiro plano 3 Aqui estaacute claramente expresso a ideia
de ldquorituais-Ordemrdquo uma vez que ldquocoisas a serem feitasrdquo satildeo logicamente coisas cujos
resultados beneficiam o indiviacuteduo Por outro lado John Breen e Mark Teeuween nomeiam
trecircs categorias de ldquorituaisrdquo cuja praacutetica eacute da responsabilidade de jinja 4 Ora uma vez que
jinja satildeo os mais relevantes espaccedilos de veneraccedilatildeo aos kami subentende-se a Ordem como a
consequecircncia destes ldquorituaisrdquo
Todavia o shintō tem por princiacutepio a noccedilatildeo de equiliacutebrio conhecer shintō significa
conhecer a Ordem e a Desordem se rituais de satildeo o meio por excelecircncia para atingir a Ordem
a natildeo purificaccedilatildeo conduziraacute agrave Desordem Em suma tsumi kegare e imi satildeo rituais porque satildeo
3 PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto Selected Documents Resources in Asian Philosophy and Religion
Westport Greenwood Publishing Group 2004 pxxi 4 BREEN John TEEUWEN Mark A New History of Shinto Chicester Wiley-Blackwell 2010 p3
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realizados (de forma directa e indireta) pelo indiviacuteduo embora possuam diferentes origens e
caracteriacutesticas
No que concerne agrave metodologia e fontes utilizadas um dos criteacuterios a ter em conta foi
a contemporaneidade o shintō continua a ser um tema muito popular entre autores e como tal
um estudo mais proacuteximo desta Via requer o recurso a livros publicados recentemente e natildeo haacute
meio seacuteculo atraacutes tais como Essentials of Shinto An Analytical Guide to Principal Teachings
(1994) cujo autor Stuart Picken apresenta as vaacuterias categorias de shintō de uma forma sucinta
apresentando uma cronologia de eventos relevantes explicando de que maneira a conjuntura
histoacuterico-poliacutetica japonesa influenciou shintō A sua obra pode servir como um ponto de
partida para interessados ou estudiosos uma vez que aborda shintō do passado e shintō
moderno (incluindo os rituais de purificaccedilatildeo usados em ambos) Um outro ponto muito
positivo eacute a ausecircncia de ldquotermos ocidentaisrdquo como ldquoShintoiacutestardquo e ldquodeusrdquo 5 uma metodologia
igualmente favorecida pela autora
Eacute tambeacutem interessante notar que ao longo deste livro satildeo constantemente citadas e
explicadas fontes japonesas (antigas sobretudo) justificando a sua utilizaccedilatildeo (em simultacircneo
com a leitura na linguagem original) na fundamentaccedilatildeo dos subtoacutepicos da dissertaccedilatildeo Por
exemplo Kojiki Nihon shoki Engishiki e Norito 6 As primeiras duas satildeo fundamentais no
que diz respeito agrave mitologia e cosmologia japonesas ndash o termo lsquocosmologiarsquo eacute mais
apropriado do que lsquoteologiarsquo uma vez que shintō natildeo reconhece deuses ndash observando-se a
inclusatildeo da temaacutetica Desordem e Ordem primeiro como resultados das accedilotildees de alguns kami
e depois como consequecircncias dos rituais (tsumi kegare) dos proacuteprios indiviacuteduos como se
pode constatar nas croacutenicas imperiais do Nihon shoki
Jaacute o Engishiki eacute um texto de caraacutecter lsquolituacutergicorsquo tal como o Saigūki e o Kōtai Jingū
Gishiki-chō Ao longo da investigaccedilatildeo utilizou-se Engi-shiki Procedures of the Engi era
Books I-V Translated with introduction and notes by Felicia Gressitt Bock 1970 e a obra
Norito (1990) de Donald Philippi que reuacutene dezenas de norito entoadas nos diversos matsuri
celebrados ao longo do ano uns de caraacutecter mais lsquoimperialrsquo do que outros ambas obras
refletem o impacto do estudo da praacutetica ldquoritualrdquo (que conduz agrave Ordem) no shintō Contudo as
traduccedilotildees foram sempre lidas em paralelo com o texto original facultado pela paacutegina virtual
da Waseda University Library e ainda Mikoorg (apenas os oito volumes do Jingiryō satildeo
integrais ao objeto de estudo)
5 PICKEN Stuart Essentials of Shinto An Analytical Guide to Principal Teachings Westport Greenwood
Publishing Group 1994 pp xvii-xviii 6 PICKEN Stuart op cit p381
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Por outro lado o Saigūki e o Kōtai Jingū Gishiki-chō satildeo obras arcaicas que registam e
explicam determinados rituais prejudiciais ao indiviacuteduo isto eacute kegare e imi (imikotoba no
caso do Kōtai Jingū Gishiki-chō) Ora a informaccedilatildeo disponibilizada deve ser complementada
pelo estudo de outras fontes japonesas explica-se assim o porquecirc do recurso a textos
ldquooficiaisrdquo ndash Nihon shoki Nihon sandai Jitsuroku Nihon Kōki e ShokuZoku Nihongi) e de
caraacutecter mais legislativo Yōrō-ritsuryō e Jingiryō ambos frequentemente referenciados em
artigos contemporacircneos de autores japoneses numa tentativa de explicar alguma da
terminologia de shintō (vocaacutebulos conotados com Desordem e Ordem)
A segunda fonte primaacuteria eacute Sourcebook in Shinto Selected Documents Resources in
Asian Philosophy and Religion (2004) novamente Picken cita passagens traduzidas do Kojiki
e o Nihon shoki que explicam a criaccedilatildeo e divisatildeo da realidade Este meacutetodo de citaccedilatildeo de
passagens de textos relevantes aplica-se a toda a obra auxiliando o interessado no estudo de
shintō segundo a perspetiva das escolas de pensamento (Yoshida e Ise em particular) e a
escola kokugaku ambas vaacutelidas no que concerne ao aprofundamento do que se entende por
caraacutecter ldquoeacuteticordquo em shintō ldquopurezardquo kokoro e makoto satildeo frequentemente objeto de estudo
graccedilas agrave anaacutelise de outros textos antigos e de cariz oficialimperial
No que diz respeito ao livro produzido por John Breen e Mark Teuween A New
History of Shinto possui alguns pontos positivos o uso de termos japoneses a inclusatildeo de
uma cronologia e mitologia de shintō com base em fontes japonesas (traduzidas) analisando-
se ao pormenor o ceacutelebre episoacutedio Ama no Iwato uma curiosa passagem que tambeacutem foi
estudada no acircmbito desta dissertaccedilatildeo uma vez que a temaacutetica Desordem e Ordem estaacute
bastante presente embora notando-se a ausecircncia do indiviacuteduo quem participa nos rituais satildeo
os kami e natildeo os humanos
Por uacuteltimo The Kami Way de Ono Sokyō eacute um livro introdutoacuterio a shintō mas muito
mais simples do que as obras de Picken apesar de tambeacutem sintetizar a mitologia e cronologia
desta Via Espeacutecie de minienciclopeacutedia de shintō sobretudo focada na tradiccedilatildeo de jinja shintō
(rituais cerimoacutenias siacutembolos e elementos pertencentes ao domiacutenio do ldquosagradordquo) The Kami
Way eacute um livro que enfatiza a ideia de que shintō eacute uma religiatildeo e como tal a linguagem
usada eacute muito diferente da que Picken ou Breen e Teuween algo que pode ser justamente
considerado como um ponto negativo termos duacutebios incluem ldquokami-feacuterdquo ldquosagradordquo ldquomenterdquo
ldquoalmardquo certamente reconheciacuteveis para o puacuteblico-alvo natildeo-japonecircs mas que dificilmente
seriam aceites pelos autores anteriormente mencionados cujas obras procuram ser o mais fieacuteis
ao seu objeto de estudo shintō pertence agrave realidade japonesa e como tal traduccedilotildees de termos
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japoneses natildeo satildeo recomendaacuteveis Jaacute um dos seus pontos positivos eacute oferecer ao leitor a
perspetiva japonesa da natureza humana subentendo o reconhecimento de uma eacutetica
(certoerrado) reforccedilando o porquecirc de shintō ser uma Via criada para o bem e a felicidade do
indiviacuteduo
Aleacutem destas quatro obras acrescenta-se o dicionaacuterio etimoloacutegico da autoria de
Nishigaki Yukio (2005) ndash etimologia eacute uma ferramenta indispensaacutevel para a compreensatildeo de
shintō dada as suas origens natildeo ocidentais - alguns episoacutedios do Kojiki (Takeda Tsunegaki) e
Nihon shoki (a traduccedilatildeo desatualizada de Aston utilizada por Picken e a versatildeo presente no
site Nihonsinwa) No caso concreto das obras japonesas claacutessicas e modernas referenciadas
sobretudo por Picken o texto original foi disponibilizado nas bibliotecas virtuais japonesas
National Diet Library (6ordm volume do Koshiden Hirata Atsutane) J-Texts e Kodaishi Dassai
com a exceccedilatildeo do Yōrō-ritsuryō que foi individualmente traduzido para japonecircs moderno no
website Kansei Daikan
Com efeito o recurso a fontes virtuais revelou-se fundamental no decorrer da
investigaccedilatildeo devendo-se destacar paacuteginas de instituiccedilotildees japonesas tais como a Encyclopedia
of Shinto - organizada pela Universidade Kokugakuin o dicionaacuterio virtual japonecircs Kotobank
que compila as sugestotildees de definiccedilatildeo de um termo por vezes pronunciando-se sobre a sua
etimologia Acrescenta-se ainda paacuteginas virtuais dedicadas agraves obras de Motoori Norinaga
(Kumo no Ikada Yamato Gokoro) e paacuteginas oficiais de setores shintō cujos objetivos
revolvem em torno da purificaccedilatildeo adotando-se certas condutas e rituais
Por uacuteltimo todos os termos estrangeiros foram escritos em letras do alfabeto e em
itaacutelico seguidas sempre dos caracteres que a compotildeem (no caso de termos chineses e
japoneses) o mesmo aplicando-se ao nome completo dos kami jinja e matsuri Em caso da
traduccedilatildeo dos vocaacutebulos japoneses utilizou-se a expressatildeo cujo significado eacute o mais proacuteximo
do original Contudo numa tentativa de se ser fiel agrave fonte e ao objeto de estudo optou-se mais
pela natildeo-traduccedilatildeo kami eacute kami tsumi eacute tsumi kegare eacute kegare e assim sucessivamente A
principal razatildeo por detraacutes desta metodologia eacute evitar o processo de incompreensatildeo da temaacutetica
abordada como resultado da transposiccedilatildeo da proacutepria mentalidade do investigador Com efeito
a fraca familiarizaccedilatildeo com a aacuterea de estudo origina a traduccedilatildeo (incorreta) de termos uacutenicos
por palavras que o seu puacuteblico-alvo natildeo japonecircs facilmente consegue perceber mas que satildeo
estranhas a shintō ou a outras lsquoreligiotildeesrsquo asiaacuteticas
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1 DO PASSADO AO PRESENTE SHINTŌ UMA ldquoRELIGIAtildeOrdquo JAPONESA
Escrever sobre religiotildees eacute sempre um desafio ainda mais quando a aacuterea de estudo
tem as suas reservas no que concerne agrave expressatildeo lsquoreligiatildeorsquo de difiacutecil caracterizaccedilatildeo mesmo
no mundo ocidental lsquoReligiatildeorsquo tende a ser identificada com os sistemas de lsquofeacutersquo teiacutestas
particularmente os monoteiacutestas ndash cristianismo judaiacutesmo e islatildeo ndash e politeiacutesmos na Aacutesia o
termo natildeo se pode usar com tanta facilidade religiatildeo eacute antes de mais uma palavra introduzido
relativamente recente e certamente de forma natildeo espontacircnea
No caso do Japatildeo lsquoreligiatildeorsquo natildeo existia ateacute aos meados do seacutec XIX o acolhimento
de ideias exteriores ao territoacuterio japonecircs teraacute gerado uma definiccedilatildeo muito especiacutefica de
lsquoreligiatildeorsquo e da sua favorita traduccedilatildeo japonesa shūkyō especificamente traduzindo-se o termo
inglecircs religion algo que eacute problemaacutetico por dois principais motivos os caracteres que
compotildeem a palavra (shū 宗 e kyō 教 respetivamente lsquosetoresrsquo e lsquoensinamentosrsquo) - e que jaacute
existiam de facto em forma isolada nunca em conjunto - satildeo de origem budista pondo em
causa a ldquovalidaderdquo de shintō cuja ecircnfase natildeo eacute em doutrinas ou shū 7 embora natildeo se deva
excluir a sua existecircncia
Segundo Nakamura Hajime shūkyō teria as suas origens na expressatildeo shū no oshie
(宗の教え ) ou lsquoensinamento dos setoresrsquo ndash shū significa o ldquoderradeiro significado do
princiacutepio e da verdade (hellip)rdquo presente nos ensinamentos (oshie) antes do Periacuteodo Meiji (1868-
1912) shūkyō encontrar-se-ia numa posiccedilatildeo subordinada a bukkyō (仏教) que por sua vez eacute
entendido como a fusatildeo de vaacuterios shūkyō num soacute Jaacute no Periacuteodo Meiji shūkyō torna-se um
suposto ldquoconceito supra ordenadordquo de bukkyō 8 ambas explicaccedilotildees revelam a importacircncia
desta Via como ponto de partida para o que se entende por lsquoreligiatildeorsquo termo hoje vaacutelido e
aceite pela sociedade moderna japonesa em vaacuterias aacutereas
A segunda principal razatildeo tem que ver com imagens quando um cidadatildeo europeu ou
americano pensa sobre lsquoreligiatildeorsquo serve-se do que sabe isto eacute o que a sua educaccedilatildeo e meio
envolvente lhe providenciaram um espaccedilo proacuteprio de crenccedila textos uma noccedilatildeo de lsquosagradorsquo
um fundador e eacute claro os que acreditam firmemente nesses textos e se esforccedilam por propagar
as suas ideias Se lhe perguntarem sobre outras lsquoreligiotildees natildeo-ocidentaisrsquo recorreraacute ao que eacute
7 ISOMAE Junrsquoichi ldquoDeconstructing lsquoJapanese Religionrsquo A Historical Surveyrdquo Japanese Journal of Religious
Studies nordm 32 (2) 2005 pp 235 ndash 248 8 Ateacute ao seacutec- XVII o ldquobudismordquo natildeo era formalmente designado bukkyō (仏教) mas antes butsudō (仏道) ou
ainda buppō (仏法) IWAI Hiroshi ldquo日本宗教の理解に関する覚書rdquo (ldquoNotes on the Understanding of
Japanese Religionrdquo) Kenkyū kiyō (研究紀要) nordm 5 2004 pp 79-89
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do conhecimento geral publicado em livros e outros meios de informaccedilatildeo Por outras palavras
budismo hinduiacutesmo taoiacutesmo e xintoiacutesmo satildeo convenientemente considerados lsquoreligiotildeesrsquo e
como consequecircncia natildeo eacute de estranhar a quantidade de traduccedilotildees erroacuteneas de conceitos e
ideias dessa mesma religiatildeo em livros escritos por peritos quer japoneses como natildeo-nativos 9
qualquer guia sobre ldquoreligiotildees do mundordquo teraacute uma entrada sobre xintoiacutesmo comeccedilada mais
ou menos nas linhas de ldquoxintoiacutesmo eacute a religiatildeo nativa japonesardquo 10
ecoando o que foi escrito
cerca de um seacuteculo antes por Anesaki Masaharu creditado como ldquoinventorrdquo da expressatildeo
moderna lsquoreligiatildeo japonesarsquo (nihon shūkyō 日本宗教) que eacute acolhida inicialmente por um
puacuteblico ocidental e soacute posteriormente pelos proacuteprios japoneses 11
Forte apoiante da visatildeo lsquoxintoiacutesmo = religiatildeorsquo Anesaki Masaharu acentua o caraacutecter
japonecircs de shintō descrevendo-o como ldquoum complexo de antigas crenccedilas e observacircnciasrdquo que
ao contraacuterio do budismo (e do cristianismo) nunca se deparou com perseguiccedilotildees a niacutevel
poliacutetico sendo preservado ao longo de seacuteculos pelos japoneses Apoiado na veneraccedilatildeo dos
kami sobretudo Amaterasu a antepassada miacutetica da casa imperial associada ao sol shintō eacute
um tipo de culto lsquonacionalrsquo diretamente ligado agrave paz prosperidade e estabilidade do Japatildeo 12
Historicamente shintō natildeo foi lsquopreservadorsquo no sentido de permanecer
inalteraacutevel independentemente de alguns sacerdotes e estudiosos partilharem da visatildeo de
Anesaki perspetivando shintō como algo autoacutenomo e independente de influecircncias externas
desde tempos imemoriais ateacute agrave atualidade 13
este uacuteltimo foi um processo iniciado no Japatildeo e
cujo crescimento jamais resulta do isolamento mas antes do contacto com todo o tipo de
ideias de fora (e de dentro) a adaptaccedilatildeo de ldquoantigo pensamento Chinecircs Budismo Onmyōdō
Confucionismo Shugendō e Cristianismordquo agrave realidade japonesa permite numa eacutepoca
posterior propostas de categorizaccedilatildeo e classificaccedilatildeo de shintō jinja shintō kyōha shintō
shintō filosoacutefico ou escolaacutestico (gakuha shintō 学派神道) shintō imperial (kōshitsu shintō皇
室神道) e shintō folcloacuterico (minzoku shintō 民俗神道) 14
Em suma natildeo existe um uacutenico
9 Como jaacute mencionado na Introduccedilatildeo a traduccedilatildeo eacute um risco a correr que natildeo eacute avaliado pelos autorestradutores
de entre os erros mais tiacutepicos nos livros sobre shintō destacam-se ldquopecadordquo como traduccedilatildeo de tsumi e ldquodeus
divindadedivinordquo para expressar o conceito de kami 10
ONO Sokyō Shinto the Kami Way Singapore Tuttle Publishing 2004p 1 11
ISOMAE Junrsquoichi ldquoDeconstructing lsquoJapanese Religionrsquo A Historical Surveyrdquo Japanese Journal of Religious
Studies nordm 32 (2) 2005 pp 235 ndash 248 12
ANESAKI Masaharu History of Japanese Religions with special reference to the social and moral life of the
nation 3rd ed London The Kegan Paul Japan Library 1995 p 22 13
KURODA Toshio ldquoShinto in the History of Japanese Religionrdquo Journal of Japanese Studies nordm 7 (1) 1981
pp 1-21 14
INOUE Nobutaka ldquoIntroduction The History of Shintordquo Encyclopedia of Shinto 1 General Introduction
Introduction of Shinto (on line) lthttpk-
amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=22906gt (consultado em 24-06-2018)
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shintō mas antes muacuteltiplos shintō que contribuiacuteram significativamente em termos sociais e
culturais
Descrito por Stuart Picken como a ldquoexpressatildeo natural dos sentimentos espirituais do
povo japonecircs que cresceu e evoluiu com o desenvolvimento da histoacuteria japonesa e sociedaderdquo
shintō eacute um exemplo atiacutepico de uma lsquoreligiatildeorsquo no sentido geral do termo ao contraacuterio do
budismo (bukkyō 仏教) Islatildeo (isuramukyō イスラム教) hinduiacutesmo (indokyō インド教)
cristianismo (kirisutokyō キリスト教) judaiacutesmo (yudayakyō ユダヤ教) confucionismo
(jukyō 儒教) e taoiacutesmo (dōkyō 道教) shintō (神道) foi nomeado como um dō (em chinecircs dao
道) e natildeo como um kyō agrave semelhanccedila de outras Vias como kadō (華道) sadō (茶道) kyūdō
(弓道 ) respetivamente a Via das flores a Via do chaacute e a Via do arco A prioridade de shintō
eacute como o termo sugere tornar-se uma Via um modo de orientaccedilatildeo para o indiviacuteduo algo
expresso no curioso termo kannagara 15
Deste modo shintō assemelha-se a um modo de
conduta uma disciplina ou praacutetica que coloca os lsquoensinamentosrsquo em segundo plano em favor
do desenvolvimento de uma eacutetica proacutepria que recebeu influecircncias sobretudo confucianas
Consequentemente a perspetiva de shintō como lsquoreligiatildeorsquo num sentido diferente ao
que eacute transmitido em contexto ocidental tem sido apoiada por alguns autores japoneses e
igualmente praticantes de shintō Sonoda Minoru um professor emeacuterito da Universidade de
Quioto e principal sacerdote do Chichibu Jinja (秩父神社 ) observa a necessidade de
distinccedilatildeo entre religiotildees e shintō se o Cristianismo e outras ldquoreligiotildees mundiaisrdquo possuem
uma base assente numa ldquodoutrina universal e um acredita ou natildeo acredita - eacute tudo acerca de feacute
colocada num sistemardquo cuja evoluccedilatildeo adquire contornos de proselitismo - shintō eacute na sua
essecircncia uma ldquoreligiatildeo de culturardquo que natildeo pretende a consistente ldquoiniciaccedilatildeordquo de pessoas
numa ldquofeacuterdquo esta religiatildeo nada tem que ver com feacute mas antes ldquopraacutetica ritualrdquo enraizada numa
ldquosociedade agriacutecola primaacuteriardquo Por uacuteltimo conclui que estes sistemas optaram por uma
estrateacutegia de conquista modelando a conduta dos seus crentes perseguindo e eliminando
adversaacuterios quando lhes convinha ao contraacuterio de shintō que teria desaprovado de tais accedilotildees
Aliaacutes o acto de preservar a vida e celebraacute-la eacute nada mais do que a derradeira preocupaccedilatildeo
desta Via 16
Com efeito Sonoda foca-se na ldquoquestatildeo doutrinaacuteriardquo como a caracteriacutestica mais
15
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp xxii-xxiii 16
As citaccedilotildees em questatildeo foram retiradas das entrevistas feitas pelo investigador Leif Sandvik e pela Sasakawa
Peace Foundation sendo posteriormente integradas no estudo deste uacuteltimo sobre a ldquoreinvenccedilatildeordquo de shintō como
uma ldquoreligiatildeo ecoloacutegicardquo SANDVIK Leiff Showcasing Shinto The Reinvention of Shinto as an Ecological
Religion Masterrsquos Degree Thesis in History of Religion submitted to the Department of Culture Studies and
Oriental Languages of the University of Oslo supervised by Prof Nora Stene Preston and Prof Dr Mark
Teuween 2011
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definidora das ldquoreligiotildeesrdquo monoteiacutestas se Cristianismo (e outras ldquoreligiotildeesrdquo) regem-se pelo
princiacutepio da ldquodualidaderdquo (ser crente ou natildeo) o mesmo natildeo se pode dizer de shintō
Na sua forma mais ldquocruardquo shintō talvez pode ter sido uma coletacircnea de aspetos
ldquoanimistas xamanismo veneraccedilatildeo de antepassados e veneraccedilatildeo da naturezardquo bem como
noccedilotildees proacuteprias de normas sociais incluindo o reconhecimento de ldquotabusrdquo ldquoofensasrdquo e a
necessidade de ldquopurificaccedilatildeordquo natildeo apenas a niacutevel fiacutesico 17
Apresentando ainda um fraco grau
de organizaccedilatildeo a Via dos kami era um coletivo de ideias seguidas pela comunidade que se
focava em obter meios de subsistecircncia a relaccedilatildeo entre a comunidade e as ldquoforccedilas
incompreensiacuteveisrdquo (kami) por detraacutes do sucesso ou do prejuiacutezo das colheitas baseava-se na
relaccedilatildeo dar-receber apelar aos kami trazia benefiacutecios para a comunidade e em troca a
comunidade faria o que naturalmente eacute suposto fazer agradecer de forma sincera atraveacutes de
oferendas (comida tecidos armas) Ora tal costume ainda hoje permanece vivo na memoacuteria
dos japoneses quer se trate de uma veneraccedilatildeo aos kami em casa quer dentro da aacuterea dos jinja
oferecer algo aos kami fortalece a ligaccedilatildeo do kami ao indiviacuteduo
11 Shintō e kami perceccedilotildees japonesas do lsquosagradorsquo e do lsquodivinorsquo
Contudo ateacute hoje natildeo se conhece um fundador ou extensiva doutrina que explicite
um credo ou sistema de crenccedila de shintō ndash apesar de shintō setorial possuir fundadores
individuais cujos textos transmitidos aos seguidores funcionam como lsquoensinamentosrsquo 18
ndash
demarcado pelo seu caraacutecter ritual e veneraccedilatildeo de seres de natureza indefinida denominados
kami em espaccedilos designados jinja nos quais se pode vislumbrar o domiacutenio do ldquosagradordquo
segundo Mircea Eliade ldquoo homem das sociedades arcaicas tende a viver tanto quanto possiacutevel
no sagrado ou em proximidade a objetos consagradosrdquo 19
no caso japonecircs este ldquosagradordquo
tambeacutem pode ser equiparado com a proacutepria natureza antes de existirem jinja propriamente
ditos espaccedilos abertos eram usados para realizaccedilatildeo de cerimoacutenias sazonais nas quais o kami se
manifestaria temporariamente 20
Estamos pois perante um plano de realidade associado a
sentimentos de admiraccedilatildeo pelo fantaacutestico e misterioso florestas rios pedras montanhas tudo
17
KURODA Toshio ldquoShinto in the History of Japanese Religionrdquo Journal of Japanese Studies nordm 7 (1) 1981
pp 1-21
18 PICKEN Stuart Essentials of Shinto opcit p 212
19 ELIADE Mircea The Sacred and the Profane the nature of religion Traduzido do Francecircs por William
Trask NY Harvest Harcourt Brace amp World Inc 1961 pp 10-12 20
BREEN John TEEUWEN Mark A New History of Shinto Chicester Wiley-Blackwell 2010 pp 25-26
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 20
podia ser kami ndash entendido no sentido de lsquosagradorsquo se as pessoas o identificassem como tal
conferindo um significado especial
Em japonecircs lsquosagradorsquo eacute escrito de duas maneiras sei (聖 ) - sheng na leitura foneacutetica
chinesa (em chinecircs simplificado圣) - integra os vocaacutebulos seisho (聖書) - a Biacuteblia - seichi
(聖地) terrenoTerra Santa seibō (聖母) eacute a Matildee Santa (Virgem Maria) seija (聖者) eacute o
homem santo (Cristianismo) seisen聖戦 (Guerra Santa) e assim sucessivamente Como se
pode constatar as palavras mencionadas natildeo tecircm nada a ver com shintō e denotam o sagrado
tal como eacute visualizado pela cultura ocidental
Jaacute o segundo termo shinjin (神) lido agrave maneira japonesa como kami mi kan ka ou
hi 21
fortalece a ideia lsquosagrado = kamishintōrsquo qualquer palavra que comece ou que acabe
neste caractere geralmente pertence ao mundo shintō jinja (神社) moradas permanentes dos
kami que desde 1945 dependem financeiramente do puacuteblico natildeo do Estado 22
kagura (神楽)
a danccedila tradicional japonesa (shintō de santuaacuterios) 23
amatsu-no-kami (天つ神) e kunitsu-no-
kami (国つ神) cuja entronizaccedilatildeo nos jinja originou o sistema de classificaccedilatildeo jingi (神祇) ldquoo
conceito central em torno do qual a corte organizava o seu poder sacerdotalrdquo 24
Numa perspetiva etimoloacutegica os caracteres natildeo podiam ser mais diferentes sei (聖)
decompotildee-se em trecircs partes ou seja lsquoorelharsquo (耳) lsquobocarsquo (口) e por um ideograma que
supostamente representaria uma pessoa endireitada indicando um indiviacuteduo que possui a
habilidade de ldquoouvirrdquo uma ldquovontade divinardquo isto eacute algueacutem com grande niacutevel de
conhecimento e cultura e dotado de uma ldquovirtuderdquo ideia muito visiacutevel no pensamento
confuciano Aliaacutes se lido como sei o kanji corresponde a um atributo humano conotado com
boas intenccedilotildees e nunca malignas Jaacute na sua leitura como hijiri [聖] eacute um vocaacutebulo respeitoso
aplicado exclusivamente ao proacuteprio Imperador 25
Por outro lado o kanji usado para escrever kami eacute a forma lsquosimplificadarsquo do
caractere arcaico [神 ] presente em jingi (神祇 ) agrave semelhanccedila do caractere usado para
21
A leitura de [神] como hi verifica-se em himorogi (神籬) o espaccedilo aberto delimitado por uma corda e no qual
se pode preceder agrave veneraccedilatildeo do kami Posteriormente o papel dos himorogi eacute substituiacutedo pelos jinja Cf
PICKEN Stuart op cit p 127 22
BREEN John TEEUWEN Mark op cit p 2 23
NISHIGAKI Yukio Nihongo no Gogen jiten (日本語の語源辞典) Tokyo Bungeisha 2005 p189 24
BREEN John TEEUWEN Mark op cit pp 25-26 25
Uma vez que as possiacuteveis interpretaccedilotildees do caratere [聖] prendem-se com a questatildeo da natureza humana e do
comportamento ldquocorretordquo eacute possiacutevel concluir que se surgir isoladamente sei tem algumas implicaccedilotildees eacuteticas
Dejitaru Daijisen ldquo聖 (せい )rdquo コトバンク (on line) lthttpskotobankjpwordE88196-85468gt
(consultado em 24-06-2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 21
escrever a palavra lsquoritorsquo (li 禮 escrito atualmente em japonecircs como rei 礼) o kanji partilha da
mesma raiz o kanji [示] do qual deriva o verbo shimesu ou lsquoindicarrsquo servindo de raiz a
palavras relevantes dentro do contexto cerimonial ndash oraccedilatildeo (inori祈り) celebraccedilatildeo (iwai 祝
い) antepassado (sosen祖先) ndash e termos da linguagem comum como lsquofalta de educaccedilatildeosem-
maneirasrsquo (shitsureiburei失礼 無礼) jaacute o segundo kanji eacute o mesmo usado para lsquoproferirrsquo ou
mousu (申す)
Aliaacutes de acordo com Fujita Tomio um dos contribuidores para o Nippon
Daihyakkazensho (日本大百科全書) publicado em 1984 shin [神] expressaria o ldquoaltarrdquo [示]
ao qual se juntava a forma pictograacutefica de um relacircmpago (申) possivelmente devido ao facto
de o primeiro kanji usado para a palavra lsquorelacircmpagorsquo (denkō 電光) ter na sua ldquoextremidaderdquo o
caractere [申] No entanto devido agrave escolha do kanji [神] para indicar kami comeccedilou-se a
considerar a hipoacutetese de este ter um significado natildeo muito diferente de shangdi (em japonecircs
jōtei 上帝) indicando a suprema entidade natildeo material reconhecida pelo pensamento chinecircs
arcaico 26
Nos dias de hoje kami continua a ser analisado por parte de estudiosos japoneses e
natildeo-japoneses Aike Rots aponta a fluidez do conceito de kami descrevendo-o como ldquouma
forccedila omnipotente singular bem como muacuteltiplos seres espirituais pode referir-se a criaturas
antropomoacuterficas ou zoomoacuterficas fenoacutemenos naturais poderes abstratos ou antepassados
deificadosrdquo 27
Contudo a interpretaccedilatildeo mais aceite foca-se na ideia lsquokami=qualidadersquo algo
natildeo algo tangiacutevel que se assemelha a um atributo digno de admiraccedilatildeo que se pode manifestar
e encontrar na ldquonatureza claro mas tambeacutem humanos animais criaturas miacuteticas deuses e
ainda objetos feitos pelo homem tais como automoacuteveis ou comboiosrdquo 28
Por sua vez esta definiccedilatildeo parece ecoar a de Motoori Norinaga (本居宣長 1730-
1801) ceacutelebre pensador da escola do Ensino Nacional (kokugaku 國學) e comentador de
textos centrais a shintō bem como autor de exposiccedilotildees acerca das praacuteticas desta Via kami satildeo
26
FUJITA Tomio ldquo 神の語義 rdquo コトバンク (on line) lthttpskotobankjpwordE7A59E-
46603E5A4A7E8BE9EE69E9720E7ACACE4B889E78988gt (consultado em 24-06-2018) 27
ROTS Aike Forests of the Gods Shinto nature and sacred space in contemporary Japan Dissertation
submitted to the Department of Culture Studies and Oriental Languages of University of Oslo in partial
fulfilment of the requirements for the degree of Doctor of Philosophy supervised by Prof Dr Mark Teeuwen
and Prof Dr Terje Stordalen 2013 28
SHIELDS James ldquoBeyond Belief Japanese Approaches to the Meaning of Religionrdquo Studies in Religion
Sciences religieuses nordm 39 (2) 2010 pp 133-149
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 22
ldquoos seres divinos do ceacuteu e da terra que aparecem nos textos antigos e tambeacutem os espiacuteritos
consagrados que satildeo reverenciados nos jinja da naccedilatildeordquo seres animados e inanimados Em
suma ldquoqualquer forma de ser que possua alguma qualidade uacutenica e eminente e eacute inspiradora
de admiraccedilatildeo pode ser considerada kamirdquo independentemente de a sua natureza ser ldquoboamaacuterdquo
29 o facto de serem kami coloca-os acima das convenccedilotildees definidas pelos homens
No que concerne agrave classificaccedilatildeo dos kami esta nunca eacute consensual na sua
dissertaccedilatildeo sobre a religiatildeo no territoacuterio japonecircs Shannon Symonds divide os kami de acordo
com a sua aacuterea geograacutefica de veneraccedilatildeo distinguindo os kami locais cultuados nos matsuri -
festivais baseados em tradiccedilotildees ancestrais que ldquofrequentemente tecircm as suas raiacutezes em antigos
rituais agriacutecolas de agradecimentordquo pela proteccedilatildeo - dos kami nacionais celebrados em ritos e
cerimoacutenias definidas por todos os que acreditam em shintō 30
Em contrapartida Hara Kazuya considera as origens do kami admitindo a existecircncia
de kami da natureza e kami humanos o primeiro grupo diz respeito a kami ligados a uma
atividade ou ocupaccedilatildeo profissional (agricultura pesca comeacutercio) os kami que influenciam os
elementos da natureza (montanhas aacutegua florestas) 31
e os kami do Kojiki (古事記) e Nihon
shoki (日本書紀) as obras de base para a compreensatildeo da mitologia e cosmologia japonesas
32 o segundo grupo reuacutene certos indiviacuteduos extraordinaacuterios em vida que postumamente
adquiriram o estatuto de kami geralmente liacutederes importantes para a histoacuteria do Japatildeo ndash
Imperador Meiji (明治天皇) Tokugawa Ieyasu primeiro xogum da casa Tokugawa que
governou o Japatildeo durante o Periacuteodo Edo (1603-1868) ndash os soldados mortos em combate
(Yasukuni jinja 靖国神社 ) ou ainda personalidades do periacuteodo Heian (794-1185)
nomeadamente Sugawara-no-Michizane (菅原道真 ca845-903) postumamente apelidado de
Tenjin (天神) o kami do ensino 31
29
PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto Selected Documents Resources in Asian Philosophy and Religion
Westport Greenwood Publishing Group 2004 pp 200-201 30
SYMONDS Reeds Shannon A History of Japanese Religion From Ancient Times to Present Thesis
submitted to the Department of History of the State University of New York College for partial fulfillment of the
requirements for the degree of Master of Arts supervised by Prof Dr Jennifer Lloyd and Prof Dr John
Killigrew 2005
31 HARA Kazuya Aspects of Shinto in Japanese Communication Comunicaccedilatildeo apresentada na conferecircncia
ldquoIntercultural Communication Studies XII Asian Approaches to Human Communicationrdquo (Chiba Abril de
2003) 32
Picken observa que a compilaccedilatildeo destes textos reflete um maior niacutevel de organizaccedilatildeo dentro da tradiccedilatildeo shintō
tal como ela era vista por uma minoria da populaccedilatildeo eacute inevitaacutevel a mistura de ldquoreligiatildeordquo e poliacutetica Cf PICKEN
Stuart Sourcebook in Shinto op cit p 4
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Por uacuteltimo Matsumura Kazuo sugere uma divisatildeo natildeo muito diferente da de Kazuya
agrupando kami consoante a relaccedilatildeo deste com o mundo natural (kami da natureza) ou com o
homem (kami culturais) no primeiro caso salientam-se aos kami que ldquorepresentam o
reconhecimento de caracteriacutesticas supranormais ou poderes em objetos naturais ou
fenoacutemenosrdquo o segundo grupo reconhece por sua vez a existecircncia de kami da comunidade
kami do nascimento de pragas de uniatildeo (matrimonial) da morte kami do lar do indiviacuteduo
(fogatildeo poccedilo estaacutebulo armazeacutem) e por uacuteltimo os kami humanos Por outras palavras
indiviacuteduos em vida reverenciados como kami ndash ldquopraticantes religiosos e miko que se
envolvem em curas de feacute e pronuacutencia de oraacuteculos (hellip) rdquo ndash e antepassados ou ldquoespiacuteritos
vingativosrdquo de indiviacuteduos 33
Todas as propostas satildeo vaacutelidas quando se estuda um termo de etimologia indefinida
como kami para alguns kami (神) localizavam-se num patamar superior de existecircncia por
partilharem da mesma foneacutetica de kami (上) isto eacute ldquoalto superiorrdquo 28
o que se pode aplicar
aos amatsu-no-kami e os trecircs koto amatsu-no-kami Ame-no-minaka-nushi-no-kami (天御中
主神) Taka-musubi-no-kami (高皇産霊神) e Kami-musubi-no-kami (神皇産霊神) ndash que se
ldquotornamrdquo no Takamagahara espontaneamente e escondem-se logo a seguir 34
No entanto os
seus congeacuteneres terrenos como Sarutahiko Ōkami (猿田毘古大神) natildeo se encontram num
patamar ldquosuperiorrdquo per si partilhando com os humanos a Terra como local de residecircncia 35
Como se pode constatar o caractere kami (神) tende a surgir no final do nome reforccedilando a
ideia de kami como tiacutetulo honoriacutefico tal como mikoto (命尊) 36
33
MATSUMURA Kazuo ldquoDefinitions and Typologyrdquo Encyclopedia of Shinto 2 Kami (Deities) Concepts of
Kami (on line) lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=22498gt
(consultado em 24-06-2018) 34
Em japonecircs lsquotornar-sersquo corresponde ao verbo naru (成る ) denotando algo que efetivamente natildeo foi
absolutamente criado mas que jaacute existia embora natildeo de forma fiacutesica Jaacute na passagem que refere o lsquoocultamentorsquo
o verbo usado eacute kakusu (隠す) traduzido por lsquoocultar-sersquo o kanji [産] usado para o verbo lsquonascerrsquo estaacute sempre
ausente no Kojiki ateacute agraves passagens de kuni-umi e kami-umi Em suma estes kami natildeo satildeo lsquocriadosrsquo per si mas
tornam-se visiacuteveis para o mundo TAKEDA Tsunegaki Gendaigo no Kojiki (現代語古事記) Tokyo Gakken
Publishing 2011 pp 16-17
35 Picken Stuart Essentials of Shinto op cit pp95-96
36 Kokugakuin University Institute for Japanese Culture and Classics Index of Kami (on line) lthttpk-
amckokugakuinacjpDMpdfPreviewEOS+Index+of+Kamipdfgt (consultado em 24-06-2018)
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111 O papel de kami na cosmologia japonesa do processo de ldquodivisatildeordquo da
realidade agrave criaccedilatildeo da mesma
De entre as fontes que servem de base para o estudo de shintō nomeiam-se o Kojiki
(ca 712) Nihon shoki (ca 720) ShokuZoku Nihongi (続日本紀 ca 797) o Jingiryō (神祇令
ca701) o Kōtai Jingū Gishiki-chō ( 皇太神宮儀式帳) e Toyoke-gu Gishiki-chō (止由気宮儀
式帳) Kogo Shūi (古語拾遺) e o Engishiki (延喜式 ca 927) 37
Satildeo com efeito textos de
caraacutecter oficial respeitados por uma corte que colocava shintō em segundo plano
principalmente apoacutes o budismo ter adquirido um estatuto de ldquofavoritordquo por parte de Shōtoku
Taishi (聖徳太子 ca 604) notoacuterio apoiante da introduccedilatildeo de ideias de fora incluindo eacutetica
confuciana 38
Neste sentido pode-se afirmar o facto de shintō subsistir no territoacuterio japonecircs
como um conjunto de praacuteticas consagradas aos kami propriamente venerados nos jinja
Tanto no Kojiki como no Nihon shoki kami cometem erros satildeo violentos
caprichosos generosos ambiciosos tornando-se quer heroacuteis ou vilotildees nos mitos
efetivamente aproximando-os da natureza do ser humano ambos relatos parecem humanizar e
personificar os kami Participando passivamente ou ativamente no processo da criaccedilatildeo do
mundo estas formas de existecircncia e consciecircncia satildeo anteriores ao homem
Aleacutem de manifestarem uma personalidade proacutepria kami possuem uma identidade ou
seja um nome um geacutenero observando-se uma diferenccedila entre as primeiras duas geraccedilotildees de
kami e as restantes por exemplo no Kojiki a necessidade de especificar o sexo dos kami ndash
um termo de natureza neutra cujo plural eacute designado de kamigami (神々) ndash soacute se justifica a
partir do surgimento de uma ldquosegunda geraccedilatildeordquo de kami per si nunca se usando a dicotomia
moderna ogamimegami (男神 女神 ) viaacutevel no contexto de religiotildees politeiacutestas que
reconhecem a existecircncia de ldquodeusesrdquo e ldquodeusasrdquo respetivamente Com efeito nas fontes
japonesas kami eacute identificado como ldquomasculinordquo ou ldquofemininordquo atraveacutes da anaacutelise do seu
nome caso o kami possui uma terminaccedilatildeo foneacutetica lida como hiko (por ex 毘子毘古 日子)
eacute masculino em contrapartida hime (por ex 毘売比売姫) denota um kami do sexo oposto
Deste modo apenas os lsquonatildeo-hitorigamirsquo possuem um geacutenero masculino ou feminino
a segunda geraccedilatildeo de kami agrave qual pertence o casal Izanagi-no-kami (伊邪那岐神) e Izanami-
37
PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit p 17 pp 21-26 p 30 38
SYMONDS Reeds Shannon A History of Japanese Religion From Ancient Times to Present Thesis
submitted to the Department of History of the State University of New York College for partial fulfillment of the
requirements for the degree of Master of Arts supervised by Prof Dr Jennifer Lloyd and Prof Dr John
Killigrew 2005
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no-kami (伊邪那美神) ndash futuros progenitores da terceira geraccedilatildeo de kami criada em meio
terrestre ndash eacute composta por casais de irmatildeos e irmatildes 39
que com a exceccedilatildeo de Izanagi e
Izanami natildeo se envolvem no processo de criaccedilatildeo tornando-se conselheiros do casal Ao
receberem ordens de descer de Takamagahara Izanagi e Izanami datildeo iniacutecio ao processo da
criaccedilatildeo das ilhas do arquipeacutelago (kuni-umi 国生み) posteriormente criando kami (kami-umi
神生み) 40
Apesar de datarem do mesmo periacuteodo as obras possuem algumas diferenccedilas entre si
nomeadamente o seu estilo e linguagem de escrita bem como o seu conteuacutedo as histoacuterias do
Kojiki encontram-se recheadas de motivos mitoloacutegicos e cerimoacutenias que procuram explicar as
origens do povo japonecircs do arquipeacutelago e o ldquoque eacute conhecido como a era dos kamirdquo 41
Jaacute o
Nihon shoki modelado agrave maneira das croacutenicas chinesas apresenta uma dataccedilatildeo diligente das
entradas dos seus relatos e por vezes vaacuterias versotildees dos mesmos 42
Se a realidade do Kojiki tem iniacutecio num tempo de ldquoseparaccedilatildeo entre o ceacuteu e a terrardquo no
qual se manifestam os koto amatsukami ndash Ame-no-minaka-nushi (a possiacutevel corporizaccedilatildeo do
proacuteprio cosmos) 40
Taka-musubi-no-kami e Kami-musubi-no-kami ndash interpretados como
ldquoprinciacutepiosrdquo da atividade criativa e da criaccedilatildeo todos carecendo de atributos humanos ndash numa
dos relatos do Nihon shoki eacute mencionado um periacuteodo incerto antes da ldquoseparaccedilatildeo entre o ceacuteu
e a terrardquo e da divisatildeo de in e yō isto eacute o princiacutepio yin e yang (em japonecircs on-myō 陰陽)
forma-se assim uma ldquomassa caoacutetica como que um ovo (hellip) de limites definidosrdquo
posteriormente dividido entre um elemento mais ldquopurordquo (o Ceacuteu) e um elemento mais
ldquoconsistenterdquo (a Terra) Do seu meio nasce uma coisa que lembra um rebento de junco e que
adota uma forma mais fixa surge ldquoespontaneamenterdquo Kuni-toko-tachi-no-mikoto (國常立尊)
Logo a seguir surgem kami masculinos ldquogerados por operaccedilatildeo do princiacutepio do Ceacuteurdquo bem
como os seus congeacuteneres femininos formados pela muacutetua accedilatildeo do princiacutepio da Terra 43
No que concerne agrave criaccedilatildeo do mundo terrestre o Kojiki delega este papel a Izanagi e
Izanami que se estabelecem na ilha Ōyashima (大八島) originando a terceira geraccedilatildeo de
kami que nascem aos pares ou de forma individual associando-se a um elemento do mundo
natural (montanhas aacutervores mares sol e pedras espuma correntes cereais vento) ou
39
TAKEDA Tsunegaki op cit pp 16-17 40
Nesta passagem a palavra ldquocriaccedilatildeordquo corresponde agrave accedilatildeo de gerar algo De acordo com a traduccedilatildeo de Takeda o
verbo que expressa tal eacute ldquoumi ni narimasurdquo (産みになります) TAKEDA Tsunegaki op cit pp 19-23 41
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit p 54 42
BREEN John TEEUWEN Mark op cit pp 29-30 43
PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit pp 6-8
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 26
humano (embarcaccedilotildees) 44
Eacute no momento do nascimento do kami do fogo (Hi-no-kagutsuchi-
no-kami火迦具土神) que se introduz a natureza natildeo imortal de Izanami que ainda consegue
gerar alguns kami antes de morrer das feridas 45
Apoacutes a sua morte Izanami toma residecircncia permanente no submundo Yomu-no-
kuniYomi-no-kuni (黄泉の国) levando Izanagi a desesperadamente tentar trazecirc-la de volta
ao mundo da superfiacutecie ecoando o mito de Orfeu e Euriacutedice notando-se ainda algumas
semelhanccedilas com a mitologia de Perseacutefone que privada de regressar ao mundo humano por
ter consumido algo daquele lugar torna-se a esposa de Hades e partilha com ele a
responsabilidade de governaccedilatildeo dos Infernos Izanami (que tambeacutem admite ter comido algo
do Yomu-no-kuni formalizando a sua nova identidade como uma habitante do Yomi) torna-se
a uacutenica governante do submundo cortando laccedilos definitivos com o seu esposo se Izanagi
escolhe o caminho da criaccedilatildeo da humanidade Izanami confere a esta espeacutecie a mortalidade
explica-se o porquecirc da vida e da morte 46
112 Depois da criaccedilatildeo kami como agentes da Ordem e da Desordem
Ora a introduccedilatildeo do mundo inferior no Kojiki e no Nihon shoki completa uma das
visotildees shintō do mundo descritas por Hara como ldquoverticalrdquo e ldquotridimensionalrdquo
Takamagahara pertencia ao ldquoplano superiorrdquo onde habitavam os kami o Nakatsu-kuni (中つ
の国 ) seria a ldquodimensatildeo do meiordquo a morada dos seres humanos o Yomi-no-kuni 46
corresponderia ao ldquoplano inferiorrdquo conceito presente em outras religiotildees cujas mitologias de
criaccedilatildeo mencionam um elemento liacutequido (oceano) e um elemento soacutelido (terra) que esconde
um outro ldquomundordquo abaixo da superfiacutecie por exemplo em contexto grego o submundo Hades
(natildeo o deus mas o local em si) pode ser equiparado ao Yomi-no-kuni
Por outro lado Hara refere-se a uma segunda visatildeo ldquohorizontalrdquo do cosmos dividido
a meias entre o Toko-yo (常世) o ldquomundo onde os espiacuteritos purificados dos mortos residemrdquo
e o ldquomundo da humanidaderdquo 46
o que nos remete para a barreira entre o ldquoinvisiacutevelrdquo e o
ldquovisiacutevelrdquo Na terminologia do Kojiki se Izanami eacute a senhora do Yomi Izanagi eacute responsaacutevel
44
TAKEDA Tsunegaki op cit pp 25-29 45
TAKEDA Tsunegaki op cit pp30-36 46
HARA Kazuya Aspects of Shinto in Japanese Communication Comunicaccedilatildeo apresentada na conferecircncia
ldquoIntercultural Communication Studies XII Asian Approaches to Human Communicationrdquo (Chiba Abril de
2003)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
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pelo ldquomundo da humanidaderdquo (utsushi-yo (現世) 47
palavra composta pelo kanji de lsquorealrsquo - no
sentido de lsquovisiacutevelrsquo - e lsquorealidademundorsquo Tudo que esteja para laacute do visiacutevel pertence a ldquooutra
realidaderdquo
Todavia a existecircncia de ldquobarreirasrdquo entre mundos (aacutervores no caso de se desejar
aceder ao ldquoplano superiorrdquo ldquocelesterdquo ou poccedilos e cavernas se pretender visitar os niacuteveis
inferiores da terra) natildeo exclui a hipoacutetese de interaccedilatildeo de humanos com os kami e ldquoespiacuteritosrdquo
que natildeo pertencem ao nosso mundo do mesmo modo que os ldquoseres humanos podem visitar os
outros mundosrdquo habitantes natildeo humanos podem surgir temporariamente na nossa realidade
permitindo a cultivaccedilatildeo da relaccedilatildeo dos humanos com o ldquopara laacute de humanordquo 48
No Nihon shoki aplica-se um modelo tripartido da realidade Ceacuteu Terra e ldquomundo
subterracircneordquo ou Oceano Amaterasu eacute uma ldquocrianccedila estrondosa que devia de nosso acordo ser
enviada de imediato para o Ceacuteu e confiar-lhe os assuntos do Ceacuteurdquo uma responsabilidade
partilhada com o kami da Lua Tsukiyomi-no-mikoto ldquoo Deus que devia ser o consorte da
Deusa do Solrdquo devendo-se ter em consideraccedilatildeo o uso dos termos duacutebios ldquodeusesrdquo e ldquodeusasrdquo
como uma tentativa de aproximar a realidade mitoloacutegica japonesa ao entendimento do puacuteblico
ldquoocidentalrdquo por parte de Aston Autor desta traduccedilatildeo do Nihon shoki publicado sob o nome
de Nihongi Chronicles of Japan from the Earliest Times to AD697 (1972) Aston diz que a
Terra eacute o domiacutenio do ldquomeiordquo e refere-se ao arquipeacutelago do Japatildeo formalmente conhecido
como ldquoToyo-ashi-hara-chi-woaki no midzu-hordquo que numa versatildeo da ldquohistoacuteriardquo acerca das
origens dos trecircs irmatildeos kami (Amaterasu Tsukiyomi e Susano-o) pertenceria a Susano-o-no-
mikoto Kami de temperamento feroz e personalidade cruel Susano-o provoca Desordem ao
negligenciar a terra e as suas populaccedilotildees Exilado no Ne-no-kuni por ordem de Izanagi e
Izanami Susano-o torna-se o governante daquele mundo 49
O segundo relato da divisatildeo dos trecircs ldquomundosrdquo pelo trio de irmatildeos - cujo nascimento
eacute possivelmente inspirado na narrativa do Kojiki que descreve a fuga de Izanagi do Yomi-no-
kuni Amaterasu nasce apoacutes este lavar o olho esquerdo sendo-lhe entregue Takamagahara a
ldquoPlaniacutecie Elevada do Ceacuteurdquo Tsukiyomi nasce do olho direito e recebe o vasto domiacutenio do
oceano Por fim Susano-o nasce do nariz de Izanagi e apesar de herdar o domiacutenio do meio
(Terra) acaba por ser banido para o ldquomundo inferiorrdquo como puniccedilatildeo pela sua negligecircncia 50
47
TAKEDA Tsunegaki op cit pp30-36 48
MATSUMURA Kazuo ldquoView of the other world (takaikan)rdquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and
Doctrines Basic Concepts (on line) lthttpk-
amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23640gt (consultado em 24-06-2018) 49
PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit pp 9-12 50
TAKEDA Tsunegaki op cit pp30-36
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 28
Com efeito o domiacutenio subterracircneo estaacute sempre presente nas narrativas do Kojiki e
Nihon shoki recebendo um papel de destaque ou secundaacuterio o que por sua vez natildeo implica a
sua ausecircncia em outras fontes numerosas referecircncias a ldquomundosrdquo incompreensiacuteveis e para laacute
da realidade fiacutesica diversificam a visatildeo japonesa de um ldquooutro mundordquo (takaikan 他界観)
geralmente considerado como um ldquooutro mundordquo longiacutenquo ldquooceacircnicordquo feacutertil e uma terra de
imortalidade observando-se um paralelo com o conceito taoiacutesta de uma Terra dos Imortais (a
ilha de Peng-lai ou Hōrai-jima em japonecircs 蓬莱島) a Terra das Raiacutezes (Ne-no-kuni 根国)
pode ser ldquovisitadardquo atraveacutes de uma caverna supostamente localizada em Iga proviacutencia de
Izumo atual prefeitura de Shimane e eacute governada por Susano-o-no-mikoto 51
O reconhecimento de uma divisatildeo tripartida do mundo repercute-se no Kojiki ateacute
um certo momento Izanagi e Izanami detinham domiacutenio conjunto sobre a Terra um ldquomundordquo
modelado pelas suas proacuteprias accedilotildees enquanto ldquocriadoresrdquo de kuni e kami Takamagahara
pertencia aos amatsu-no-kami o Yomi-no-kuni natildeo pertencia a ningueacutem em concreto embora
jaacute fosse um mundo habitaacutevel per si Com a dissoluccedilatildeo do matrimoacutenio de Izanagi e Izanami a
situaccedilatildeo muda por completo eacute necessaacuterio criar novos liacutederes capazes de garantir o equiliacutebrio
entre os mundos da superfiacutecie uma vez que Izanami (esteacuteril) eacute agora a uacutenica governante do
Yomi Em suma pretende-se uma nova geraccedilatildeo para uma nova ordem tornando Izanagi no
ldquoprogenitorrdquo de um conjunto de kami Natildeo existindo qualquer ato sexual propriamente dito os
kami ldquotornam-serdquo como consequecircncia direta dos seus atos de purificaccedilatildeo (misogi)
Neste sentido agrave medida que Izanagi se despe para lavar o seu corpo da ldquosujidaderdquo
(kegare穢) do Yomi-no-kuni surgem vaacuterios kami dos seus acessoacuterios (cana obi isto eacute a peccedila
de tecido usada em torno da cintura que prende a veste tradicional japonesa) a sua espada e
roupa bem como de alguns kami que se ldquotornamrdquo em simultacircneo com a lavagem do corpo
numa nascente Por fim manifesta-se o trio de irmatildeos que herdaria uma das trecircs partes do
mundo tal como ordenado por Izanagi a Amaterasu de aparecircncia resplandecente capaz de
iluminar os ceacuteus recebe Takamagahara uma posiccedilatildeo legitimada por Izanagi que lhe oferece
um acessoacuterio para pendurar ao pescoccedilo o seu irmatildeo Tsukuyomi-no-mikoto (月読の命) e kami
da Lua eacute adequadamente encarregue do yoru no osu kuni (夜之食国) - entendido por Takeda
como yoru no sekai literalmente o ldquomundo da noiterdquo Susano-o-no-mikoto (須佐之男命) e
kami das tempestades (arashi no kami 嵐の神) manifestando uma personalidade tempestuosa
51
MATSUMURA Kazuo ldquoView of the other world (takaikan)rdquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and
Doctrines Basic Concepts (on line) lthttpk-
amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23640gt (consultado em 24-06-2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 29
e conflituosa recebe a tarefa de governar a lsquoplaniacutecie dos maresrsquo (unabara 海原) expressatildeo
que designa um domiacutenio terreno (kuni) e natildeo algo pertencente ao mundo marinho (tal como eacute
sugerido pelo kanji de umi ou ldquomarrdquo) 52
De entre os trecircs mencionados kami Susano-o eacute notoriamente o mais invejoso
procurando humilhar a sua irmatilde ao ponto de esta se refugiar numa caverna a ldquoPedra-caverna
do Ceacuteurdquo (Ama no Iwato (天の岩戸) Consequentemente ldquotoda a Alta Planiacutecie do Ceacuteu tornou-
se escura e toda a Terra Central das Planiacutecies de Junco estava escura tambeacutem Por causa disto
noite eterna reinavardquo 53
Em outras palavras a ausecircncia de Amaterasu estaacute conotada com um
estado de Desordem do proacuteprio cosmos um caos que necessita de regressar ao seu estado de
Ordem o quanto antes sendo que Susano-o eacute o agente da Desordem e a sua irmatilde a agente da
Ordem traccedilada por Izanagi
Amaterasu soacute retoma as suas responsabilidades de guardiatilde de Takamagahara e por
associaccedilatildeo da ldquoTerra Central das Planiacutecies de Juncordquo devido ao esforccedilo conjunto das ldquooito
miriacuteades de kami reunidas na margem do Paciacutefico Rio do Ceacuteu numa reuniatildeo divinardquo o
episoacutedio em si eacute uma histoacuteria de elevado cariz sexual protagonizada por Amaterasu tem como
antagonista Susano-o e inclui alguns kami que apesar de serem personagens secundaacuterias satildeo
essenciais para a devoluccedilatildeo do mundo ao seu estado de Ordem cada kami tenta fazer com que
Amaterasu saia do esconderijo convocando-se outros kami para o efeito Cabe a Ame-no-
uzume-no-mikoto (天宇受売命) a uacuteltima tentativa executando uma danccedila muito provocante
durante um ldquoestado alterado de consciecircnciardquo e como resultado todos os kami riem-se A
curiosa Amaterasu interroga-se sobre o porquecirc desta comoccedilatildeo e eacute atraiacuteda para fora da caverna
ficando temporariamente cega ao ver o seu proacuteprio reflexo num espelho permitindo aos kami
selarem definitivamente a Ama no Iwato trazendo a luz de volta ao mundo e com ela a
Ordem 54
O episoacutedio tambeacutem constitui uma das referecircncias mais antigas e descritivas de rituais
executados em shintō o elemento da danccedila de entretenimento (kagura) eacute uma das partes
integrais da cerimoacutenia de dedicaccedilatildeo aos kami nos santuaacuterios e neste mito em particular possui
claramente uma intenccedilatildeo de reordenaccedilatildeo Ame-no-uzume-mo-mikoto pode ser interpretada
como um protoacutetipo de uma miko (巫女) embora ecoando uma imagem provocante (a danccedila e
52
TAKEDA Tsunegaki op cit pp38-41 53
BREEN John TEEUWEN Mark op cit pp 129-130 54
TAKEDA Tsunegaki op cit pp 50-52
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
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a o vestuaacuterio) diferente da imagem tiacutepica de uma miko Ono Sokyō descreve-as como
ldquofuncionaacuterias puacuteblicasrdquo e filhas de sacerdotes ou locais residentes cujos deveres para com o
jinja findam quando se casam sendo substituiacutedas por outras A sua funccedilatildeo prende-se com o
ldquoritualrdquo auxiliando os responsaacuteveis pelos jinja na preparaccedilatildeo das cerimoacutenias 55
Natildeo obstante a kami atua como representante da classe Sarume (猿女) uma das
primeiras quatro classes sacerdotais geralmente composta por danccedilarinos e cuja linhagem
remontaria a Ame-no-uzume-no-mikoto esposa de Sarutahiko-no-kami o kami associado agrave
fertilidade e ao ato sexual Por sua vez se os Nakatomi (中臣) retraccedilam as suas origens a
Ame-no-koyane-no-mikoto (天児屋命) 56
realizavam ritos e entoavam norito os Inbe (斎部)
encarregavam-se dos rituais de abstenccedilatildeo garantindo uma ldquopureza cerimonial a fim de afastar
poluiccedilatildeo e manter contacto constante com os kamirdquo 57
descendendo do kami responsaacutevel por
selar a Ama no Iwato (Futodama-no-mikoto 布刀玉命 ) 58
Quanto aos Urabe (卜部 )
responsabilizavam-se por ldquoadivinharrdquo da vontade dos kami 57
agrave semelhanccedila dos ldquoadivinhosrdquo
da dinastia chinesa Zhou que recorriam agrave leitura das fissuras das carapaccedilas de tartaruga e
omoplatas de gado depositadas no fogo
Aleacutem do elemento de danccedila o episoacutedio regista a presenccedila de oferendas (shinsen神
饌) praacutetica que corresponde atualmente agrave ldquosegunda faserdquo dos rituais (de Ordem) em shintō
no mito shinsen satildeo substituiacutedas por tamagushi (玉串) - ramos da aacutervore sakaki (榊) em
torno dos quais satildeo atadas as ldquojoacuteias curvasrdquo (magatama 勾玉) - e eacute claro o espelho por sua
vez interpretado por Takeda como o ceacutelebre Yata no kagami (八咫鏡) um dos trecircs siacutembolos
da casa imperial (sanshū no jingi 三種の神器) juntamente com a ldquojoacuteia curvardquo Yasakani no
magatama (八尺瓊曲玉)
O uacutenico siacutembolo ausente eacute a espada Kusanagi no KenTsurugi (草薙剣) que soacute surge
efetivamente no episoacutedio seguinte narrando-se o desterrar de Susano-o para a Terra apoacutes ter
sofrido derrota agraves matildeos da irmatilde que por sua vez se refugiaria temporariamente na Ama no
Iwato como jaacute mencionado anteriormente Susano-o negligenciava constantemente o seu
domiacutenio a sua maior ambiccedilatildeo era ocupar o trono de Amaterasu em Takamagahara
competindo sempre que podia com a irmatilde sendo que um dos seus desafios testava a
capacidade de reproduccedilatildeo enquanto kami-progenitores Uma vez que os filhos de Amaterasu
55
ONO Sokyō op cit pp 41-44 56
BREEN John TEEUWEN Mark op cit pp 133-136
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
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nascem primeiro 57
confirma-se a posiccedilatildeo desta kami como governante uacutenica dos assuntos do
ldquodomiacutenio superiorrdquo
De orgulho ferido Susano-o lsquodescarregarsquo a sua raiva e eacute punido pelos seus atos
(neste contexto o uso da palavra tsumi [罪] especifica a natureza ofensiva das accedilotildees de
Susano-o) passando a servir os outros kami como forma de arrependimento cometendo um
uacuteltimo ato atroz mas invulgarmente necessaacuterio o kami mata a kami da comida Ōgetsuhime-
no-kami 58
(大気都比売神 tambeacutem identificada como Toyo-uke-hime-no-kami) e do seu
cadaacutever nascem os cinco cereais fundamentais para a atividade agriacutecola 59
Por outras
palavras a atitude violenta de Susano-o revela-se beneacutefica e natildeo prejudicial como em outros
episoacutedios tornando esta personagem uma espeacutecie de ldquomal necessaacuteriordquo
Em Izumo Susano-o adquire um estatuto equivalente ao de heroacutei o kami viaja pela
terra ateacute se deparar com um casal de kami cujas filhas tinham sido constantemente devoradas
por um terriacutevel ser de oito cabeccedilas (Yamata no Orochi八岐大蛇) Prometendo ajudar o casal
em troca da matildeo da uacuteltima filha Susano-o embriaga a serpente e decepa-lhe a cauda da qual
misteriosamente emerge a Kusanagi no tsurugi Desposando Kushi-na-ta-hime (櫛名田比売)
Susano-o fixa-se definitivamente em Izumo 60
Ora a derradeira meta de Susano-o eacute nada mais do que adquirir influecircncia
comparaacutevel agrave da sua irmatilde criando vaacuterias linhagens de kami (unindo-se em matrimoacutenio agraves
filhas de outros kami) cujas crianccedilas pudessem assumir a responsabilidade de ldquocriarrdquo novos
domiacutenios no arquipeacutelago japonecircs De entre os descendentes de Susano-o destacar-se-ia
Ōkuninushi-nushi-no-kami (大国主神) - literalmente ldquoo kami que governa os kunirdquo (kuni wo
shihaisuru kami国を支配する神) - Seguindo nas pisadas do casal Izanagi e Izanami e do
seu antepassado Susano-o Ōkuninushi empenhar-se-ia na ldquoconstruccedilatildeo da terrardquo 60
Por sua
vez Amaterasu e o seu consorte Taka-musubi-no-kami ldquodecidem estabelecer domiacutenio celesterdquo
57
TAKEDA Tsunegaki op cit pp45-47 58
AKEDA Tsunegaki op cit pp54-55 59
Curiosamente no episoacutedio de Tsukuyomi e Ukemochi (Nihon shoki) constata-se um grande paralelo com o
mito anterior Tsukuyomi mata Ukemochi-no-mikoto num acesso de raiva pela mesma razatildeo que Susano-o
Ukemochi tinha produzido comida pela boca efetivamente ldquosujando-ardquo (kegare) Como resultado Amaterasu
afasta-se definitivamente de Tsukuyomi dando iniacutecio agrave sucessatildeo dos dias e das noites Entretanto do cadaacutever da
kami brotam alimentos que seriam cultivados para consumo humano (gado arroz trigo etc) Nihonsinwa ldquo第
五段一書(十一)ウツシキアオヒトクサrdquo (Quinta secccedilatildeo 11 Utsushiki-aohitokusa) 日本書紀神代上
(Nihon shoki Kami-yo Parte Superior) (on line) lthttpnihonsinwacompage699htmlgt (consultado em 24-06-
2018) 60
TAKEDA Tsunegaki op cit pp55-60
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
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sobre o Ashihara Nakatsu kuni (葦原中国) tornando o territoacuterio oficialmente pertenccedila dos
amatsu-no-kami 61
Duas geraccedilotildees mais tarde Ninigi (neto de Amaterasu e Taka-musubi) desceria ao
domiacutenio do meio e receberia de Amaterasu as sanshū jingi (espada espelho e magatama)
oficializando o novo regime de governaccedilatildeo honrado pelo seu bisneto o futuro primeiro
Imperador humano do Japatildeo que adotaria o nome de Jinmu (神武) no seguimento das suas
campanhas bem-sucedidas contra os descendentes dos kunitsu-no-kami na planiacutecie de Yamato
61 No fundo constata-se uma segunda interrupccedilatildeo da ordem do cosmos cuja reposiccedilatildeo por
Ninigi e Jinmu definiria a nova reparticcedilatildeo do mundo Takamagahara continuaria a ser
governado por Amaterasu representante por excelecircncia dos amatsu-no-kami sendo que o
ldquodomiacutenio do meiordquo permaneceria sob o controlo da famiacutelia imperial cuja linhagem
descenderia diretamente de Amaterasu natildeo do seu irmatildeo Susano-o
12 Shintō como processo interaccedilotildees com outras ideias vindas de fora
Natildeo obstante o episoacutedio da descida de Ninigi e o relato da vitoacuteria de Jinmu sobre os
seus inimigos fazem parte de uma cuidadosa estrateacutegia poliacutetica enraizada na proacutepria corte
reconhecendo-se o papel de Amaterasu (Kojiki) ou de Taka-musubi-no-kami (Nihon shoki) 62
no processo de legitimaccedilatildeo da soberania da famiacutelia imperial sobre o territoacuterio japonecircs Em
ambos casos o resultado eacute o mesmo contraria-se o sistema caracterizado por unidades
familiares que detinham domiacutenio sobre um ou mais territoacuterios emergindo uma nova ordem
poliacutetica sediada na planiacutecie do Yamato e cujo liacuteder adota o tiacutetulo de Imperador (tennō 天皇)
destacando-se de outros liacutederes familiares pelo seu interesse para com sistemas e ideias vindas
de fora tais como as Vias de Confuacutecio do Dao e do Buda
121 Via de Confuacutecio dinamizando a eacutetica japonesa
No primeiro caso a tradiccedilatildeo confuciana introduz-se na esfera da educaccedilatildeo de corte
tornando-se indispensaacutevel para a criaccedilatildeo de poesia (ao estilo chinecircs natildeo japonecircs) e uma
61
BREEN John TEEUWEN Mark op cit pp 29-30 62
BREEN John TEEUWEN Mark op cit pp 29-30
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
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influecircncia nos comentaacuterios de capiacutetulos do Nihon shoki 63
De entre as vaacuterias escolas de
pensamento a de Zhu Xi tornar-se-ia extremamente popular dentro do sacerdoacutecio shintō
culminando na criaccedilatildeo de Suika shintō (垂加神道) por parte de Yamazaki Ansai (山崎 闇
斎 1612-1682) que enfatizava uma ldquoGrande Viardquo estabelecida por Amaterasu produzindo
um novo conceito de ldquoreverecircncia para o imperadorrdquo ligado com a noccedilatildeo de Japatildeo como a
ldquoterra dos kamirdquo 64
Durante o Periacuteodo Edo (1603-1868) a relaccedilatildeo entre confucionismo e shintō seria
levada a um outro patamar nascendo juka shintō (儒家神道) Fundamentando a teoria de que
estes dois sistemas eram um (shinju icchi神儒一致) 65
este tipo de shintō contribuiria para
criaccedilatildeo de outras vertentes natildeo tanto focadas na praacutetica de ritual mas antes na anaacutelise e
exposiccedilatildeo teoacuterica deste uacuteltimo e consequentemente a reinterpretaccedilatildeo de conceitos e ideias
shintō ao estilo confuciano por exemplo a linha de pensamento de Aizawa Seishizai (会沢
正志斎 1782-1863) atribui a Amaterasu qualidades como lealdade e piedade filial fazendo
de shintō uma ldquoVia Confucianardquo onde ldquoordem social construiacutea-se sobre lealdade e devoccedilatildeo
filial (hellip) para sempre envigorada pela atuaccedilatildeo exemplar do Imperador de atos rituais na
presenccedila da sua antepassada a deusa-solrdquo 66
Contudo a chegada de um periacuteodo moderno faz estender esta tradiccedilatildeo a outros
domiacutenios aleacutem de jinja shintō os setores confucianos de kyōha shintō (教派神道 )
denominados Shintō Shūseiha (神道修成派) e Shintō Taiseikyō (神道大成教) Tanto num
caso como no outro a linha de pensamento dos grupos eacute modelada pela vivecircncia do
ldquoorganizadorrdquo ou ldquofundadorrdquo por exemplo Nitta Kuniteru (新田 邦光 1829-1902) possuiacutea
uma visatildeo poliacutetica profundamente ldquolealistardquo focada na reverecircncia ao Imperador e na exclusatildeo
de ideias ldquoocidentaisrdquo que supostamente acelerassem o desenvolvimento do Japatildeo
Familiarizado com os claacutessicos confucianos e a Via do bushi (武士道) Nitta desenvolveria
com os seus companheiros uma mentalidade proacutepria que elevava shintō ao estatuto de uma
63
YAZAKI Hiroyuki ldquoShinto and Confucianismrdquo Encyclopedia of Shinto 1 General Introduction Religious
and Intellectual Influences on Shinto (on line) lthttpk-
amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23042gt (consultado em 24-06-2018) 64
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 311-312 65
YAZAKI Hiroyuki ldquoShinto and Confucianismrdquo Encyclopedia of Shinto 1 General Introduction Religious
and Intellectual Influences on Shinto (on line) lthttpk-
amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23042gt (consultado em 24-06-2018) 66
BREEN John TEEUWEN Mark op cit pp 29-30 p69
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 34
ldquoGrande Viardquo associada a obrigaccedilotildees morais patriotismo que deviam ser sempre praticados
pelos japoneses o que iria ao encontro das ideias do governo Meiji 67
Em 1876 o poder poliacutetico reconheceria Shūsei Kōsha (修成構社) ndash o grupo fundado
por Nitta ndash como um grupo independente nascendo oficialmente a Shintō Shūseiha uma
organizaccedilatildeo que possuiacutea dois grupos distintos de aderentes por um lado os estudantes de
Nitta do final do periacuteodo Edo por outro membros de outros grupos que se tinham juntado a
Shūseiha apoacutes a restauraccedilatildeo Meiji (1868) 68
No que concerne aos seus ensinamentos combinavam-se conceitos de shintō (kami)
com ldquoelementos da cosmologia de pensamento neo-confuciano e outras crenccedilas sincreacuteticasrdquo
notando-se a importacircncia do Nihon shoki e do Kojiki (de onde derivam os termos shū ndash shūri
修理 reparaccedilatildeo ndash e sei ndash de kōusei 構成 consolidaccedilatildeo) entre outros textos eacute no princiacutepio de
shūsei que ldquojaz a lei fundamental da evoluccedilatildeo do universo (hellip) o processo da humanidade e o
avanccedilar da sociedade se devem agrave operaccedilatildeo deste princiacutepio uacutenicordquo consolidado pela
observaccedilatildeo da ldquolei moral e os meios pelos quais os assuntos da famiacutelia e sociedade satildeo
administradosrdquo Enfatizando uma atitude de veneraccedilatildeo aos kami aos antepassados e eacute claro o
desenvolvimento de caraacutecter do individuo que devia atuar de forma correta mantendo
ldquotemperanccedila e frugalidaderdquo 69
shūseiha propotildee uma mistura de praacutetica e doutrina orientada
para o indiviacuteduo podendo ser interpretada como uma ldquodisciplinardquo que o guiasse ao longo da
sua vida natildeo muito diferente da proposta de shintō
Por outro lado Hirayama Seisai ( 平山省斎 1815-1890) acumulou cargos
governamentais e dedicou-se aos estudos de Chinecircs e Kokugaku em Edo No periacuteodo poacutes-
restauraccedilatildeo Meiji Hirayama teraacute inaugurado uma escola de estudos chineses no periacuteodo
gradualmente envolvendo-se em assuntos de cariz ldquoreligiosordquo ndash tornou-se sacerdote-liacuteder em
santuaacuterios relevantes como o de Hikawa e de Hie ndash ao ponto de formar em 1879 a Taisei
Kyōkai (大成教会) que em 1882 ganharia independecircncia e acomodaria dezenas de grupos
Shintō Taiseikyō 70
Enaltecendo o caraacutecter educativo de shintō o setor considera a veneraccedilatildeo dos jingi e
dos antepassados (o que em termos tradicionais natildeo representa nada de novo) como
responsabilidade do indiviacuteduo que por sua vez deve alcanccedilar a felicidade e viver ldquobemrdquo o que
67
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 221-224 68
INOUE Nobutaka ldquoThe Formation of Sect Shinto in Modernizing Japanrdquo Journal of Japanese Studies nordm 29
(3-4) 2002 pp 405-427 69
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 221-224 70
INOUE Nobutaka ldquoThe Formation of Sect Shinto in Modernizing Japanrdquo Journal of Japanese Studies nordm 29
(3-4) 2002 pp 405-427Studies
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 35
estaacute de acordo com a visatildeo positiva de shintō em relaccedilatildeo ao indiviacuteduo Uma vez que o ser
humano possui ldquobons espiacuteritosrdquo (possivelmente a tradiccedilatildeo original seria uma ldquoboardquo tamashii)
este tem a capacidade inerente de se autodisciplinar e autorreformar atraveacutes do devido esforccedilo
devendo confiar e executar o ritual ldquoagrave maneira de geraccedilotildees sucessivas de Cortes Imperiaisrdquo 70
Com efeito Taiseikyō procura honrar a tradiccedilatildeo de jinja shintō e reforccedila a ideia de que shintō
eacute para todos os efeitos uma Via criada para os humanos
29 (3-4) 2002 pp 405-427
122 Via do Dao cultivando a relaccedilatildeo entre o governo japonecircs e o culto aos kami
A segunda Via enfatiza a natureza ritual de shintō e eacute acolhida com o maior
entusiasmo pelo poder poliacutetico como se constata na narrativa cosmoloacutegica do Nihon shoki no
uso de espadas e espelhos em contexto ritual nos cultos ao Imperador agrave Estrela Polar e agrave
Ursa Maior 71
A Via do Dao definir-se-ia entatildeo como uma espeacutecie de auxiliar ao culto jingi
que se encontrava ao serviccedilo da corte imperial isto eacute da esfera privada agrave necessidade de
venerar os kami juntar-se-ia a atuaccedilatildeo poliacutetica uma noccedilatildeo expressa no conceito de
matsurigoto (政) Posteriormente recuperado e adaptado agrave mentalidade Meiji designando-se
saisei icchi (祭政一致) o princiacutepio de unidade da execuccedilatildeo dos ritosveneraccedilatildeo dos kami e de
governar o territoacuterio matsurigoto parece harmonizar os aspetos rituais e poliacuteticos dentro do
territoacuterio japonecircs algo reconhecido por Ono Sokyō no seu entender ldquofestivais e ritos para
vaacuterios kami tutelares e a administraccedilatildeo de clatildes e sociedade local eram essencialmente uma
uacutenica funccedilatildeordquo 72
Essecircncia do ritual em jinja shintō e kōshitsu shintō os matsuri satildeo tanto ocasiotildees
festivas e alegres como possuem um aspeto mais soacutebrio e solene sobretudo se realizados por
indiviacuteduos ligados ao poder poliacutetico no caso dos ldquoritos imperiaisrdquo deve-se incluir o lsquomatsuri
das origensrsquo (Genshi-sai元始祭 3 de Janeiro) a celebraccedilatildeo da passagem das estaccedilotildees do ano
- a Primavera (Shunki Shindensai 春季神殿祭 e Shunki Kōreisai 春季皇霊祭) e Outono
(Shūki Shindensai 秋季神殿祭 e Shūki Kōreisai 秋季皇霊祭 ) Acrescenta-se ainda o
Niinamesai (新嘗祭 23 de novembro) e o Kannamesai (神嘗祭 17 de outubro) 73
um dos
treze principais matsuri listados e calendarizados no Jingiryō
71
KURODA Toshio ldquoShinto in the History of Japanese Religionrdquo Journal of Japanese Studies nordm 7 (1) 1981
pp 1-21 72
ONO Sokyō op cit p76 73
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 79-80 p96
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 36
Supervisionados pelo Jingikan (神祇官) estes treze matsuri eram hierarquizados em
ldquomaiorrdquo ldquomedianordquo e ldquomenorrdquo ndash os ritos de maior importacircncia (taishi) eram celebrados
durante todo o mecircs os chūshi duravam trecircs dias e os shōshi apenas um dia 74
Kinensai
(ldquocerimoacutenia de preces para o Anordquo) era celebrado no segundo mecircs Chinkasai (ldquocerimoacutenia de
pacificaccedilatildeo das floresrdquo) no terceiro mecircs Kanmisosai (de caraacutecter bianual) no quarto e nono
meses Ōimisai (realizado no jinja de Hirose) no quarto e seacutetimo mecircs Saigusasai (realizado
no jinja de Ōmiwa) e Fūjinsai (matsuri em honra do kami do vento) no quarto e seacutetimo mecircs
No sexto e deacutecimo segundo mecircs celebrava-se o Tsukinamisai algo replicado no Chinkasai
(rdquocerimoacutenia da pacificaccedilatildeo do fogordquo) e Michiaesai (ldquocerimoacutenia dos quatro campos da
capitalrdquo) Quanto ao nono mecircs este estava reservado para o Kannamesai (ldquocerimoacutenia da
degustaccedilatildeo divina dos frutosrdquo) seguido do Ainamesai (ldquocerimoacutenia de partilha dos frutosrdquo) o
Chinkonsai (rdquocerimoacutenia para a pacificaccedilatildeo do espiacuteritos augustosrdquo) e o Daijōsai (rdquogrande
cerimoacutenia de degustaccedilatildeo dos frutosrdquo) agendados no deacutecimo primeiro mecircs 75
No fundo o Jingikan regulava o modo de veneraccedilatildeo dos jingi cujas metas revolviam
sempre em torno do bem puacuteblico obtenccedilatildeo de boas colheitas garantia da ldquosauacutede e seguranccedila
do imperador do palaacutecio e da capitalrdquo e eacute claro proteccedilatildeo contra invasotildees rebeliotildees e doenccedilas
que afetassem a populaccedilatildeo 76
o palaacutecio imperial era nada mais do que um centro de ritual e a
elite qualificada da capital a grande autoridade sobre todos os assuntos shintō e taoiacutestas
Como se pode constatar as atividades desta instituiccedilatildeo complementavam-se com a
atuaccedilatildeo do Escritoacuterio Yin-Yang (Onmyōryō 陰陽寮) Operado por dezenas de indiviacuteduos
empenhados na manutenccedilatildeo do equiliacutebrio coacutesmico atraveacutes dos mais diversos meios
(astronomia calendarizaccedilatildeo e adivinhaccedilatildeo yin-yang este oacutergatildeo seria o siacutembolo da adaptaccedilatildeo
da escola de pensamento on-myōdō ( 陰 陽 道 ) ao contexto japonecircs permitindo o
desenvolvimento de certas praacuteticas hoje aceites na cultura japonesa como formas de
lsquosupersticcedilatildeorsquo ou lsquomagiarsquo por exemplo a adivinhaccedilatildeo baseada nos signos do zodiacuteaco chinecircs
ou direccedilotildees da buacutessola 77
74
HAYASHI Makoto ldquoShinto and Onmyōdōrdquo Encyclopedia of Shinto 1 General Introduction Religious and
Intellectual Influences on Shinto (on line) lthttpk-
amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23043gt (consultado em 24-06-2018) 75
TAKASHIO Hiroshi ldquoJingiryōrdquo Encyclopedia of Shinto 3 Institutions and Administrative Practices
Ancient (on-line) lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23330gt
(consultado em 24-06-2018) 76
BREEN John TEEUWEN Mark op cit p32 pp36-37 77
HAYASHI Makoto ldquoShinto and Onmyōdōrdquo Encyclopedia of Shinto 1 General Introduction Religious and
Intellectual Influences on Shinto (on line) lthttpk-
amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23043gt (consultado em 24-06-2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 37
Durante o Periacuteodo Heian (794-1185) as proacuteprias cerimoacutenias onmyōdō adaptam-se
aos rituais estatais (positivos) sendo ldquointroduzidas como ritos de proteccedilatildeo pessoal para o
imperadorrdquo dirigidos a ldquocorpos celestiaisrdquo e aos kami Uns seacuteculos mais tarde a Via do Dao
tornar-se-ia objeto de interesse pelas ldquopessoas comunsrdquo que patrocinavam ldquoritosrdquo e
praticavam ldquomagia pessoal para convidar becircnccedilatildeos e evitar maacute-sorterdquo 77
Neste sentido on-
myōdō reconhecia a existecircncia de forccedilas ldquonegativasrdquo que deviam ser eliminadas e pacificadas
claramente enriquecendo a noccedilatildeo de ldquoespiritualidaderdquo em shintō
Uma Via fundada e divulgada por certas famiacutelias que lhe enalteciam um aspeto
ldquomaacutegicordquo onmyōdō conheceria especial popularidade em algumas escolas de pensamento
refletindo a existecircncia de movimentos internos da proacutepria Via dos kami que conjugavam o
aspeto mais praacutetico com a exposiccedilatildeo teoacuterica desta uacuteltima Assim onmyōdō tornar-se-ia uma
referecircncia para os autores responsaacuteveis pela criaccedilatildeo de Ise shintō (伊勢神道 ) e Yoshida
shintō (吉田神道) ambas possuindo uma relaccedilatildeo bastante familial os principais autores e
comentadores provinham de famiacutelias associados a um santuaacuterio especiacutefico sendo que os
Watarai de Ise shintō pertenciam ao Palaacutecio Externo (Gekū外宮) de Ise os Urabe de Yoshida
shintō uma das famiacutelias mais influentes no Jingikan ocupavam cargos de lsquosacerdotesrsquo em
Quioto concretamente nos jinja de Hirano Yoshida e Ume no Miya 78
Aleacutem de partilharem dos mesmos sentimentos de rejeiccedilatildeo face agrave doutrina honji-
suijaku (本地垂迹 ) que reduziria os kami a incarnaccedilotildees de bodhisattvas e budas e
consequentemente subordinando shintō agrave Via do Buda ndash revertendo a relaccedilatildeo shinbutsu ou
seja tornando as ldquodivindades budistasrdquo como manifestaccedilotildees de kami 79
as escolas estavam
familiarizadas com princiacutepios da cosmologia chinesa o Ruiju jingi hongen (類聚神祇本源
composto em 1320) de Watarai Ieyuki (度会 家行 1255-1351) expocircs a sua ldquoa teoria de Yin-
Yang e as Cinco Fases da Mateacuteria (inyō gogyō) no contexto de uma descriccedilatildeo da criaccedilatildeo do
ceacuteu e da terrardquo recorrendo agraves obras do filoacutesofo chinecircs Zhou Dunyi (周敦頤 1017-1073)
ceacutelebre pensador ldquoneo-confucianordquo e autor de um comentaacuterio ao Claacutessico das Mutaccedilotildees
(Yijing 易經 em japonecircs Eki-kyō 易経) e do ensaio de exposiccedilatildeo sobre o diagrama do
extremo supremo (taiji tushuo 太極圖說 taikyo kuzu) 80
Argumentando acerca do ldquoiniacutecio
como o iniacutecio e a origem como a origemrdquo Ieyuki considera o organismo humano como o
78
PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit pp 163-167 79
PICKEN Stuart op cit p173 80
YAO Xinzhong An Introduction to Confucianism New York Cambridge University Press 2000 pp98-99
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 38
coletivo dos cinco elementos que ldquocomungam com a origem da naturezardquo agrave qual se deve
regressar e entrar 81
No caso da escola Yoshida Yoshida Kanetomo (吉田兼俱 1435-1511) autor da
obra Shintō Taii (神道大尉) estabelece paralelos tais como ldquosete aberturas da cabeccedila com as
sete estrelas do ceacuteu e os cinco oacutergatildeos internos com as cinco fases da mateacuteria na terrardquo 82
por
conseguinte kami seriam descritos como uma forma de taiji (taikyo) a ldquoabsoluta existecircncia
anterior agrave formaccedilatildeo do ceacuteu e da terra transcendendo yin e yang embora sendo capaz de agir
com estas mesmas forccedilasrdquo uma vez que natildeo possuem forma concreta os kami possuiacuteam o
atributo da ldquocriatividaderdquo modelando todas as coisas existentes no mundo 83
Supervisionado pelo Ministeacuterio dos Assuntos Internos sob o coacutedigo ritsuryō o
Onmyōryō tornar-se-ia o palco de rivalidades familiares entre clatildes como os Abe (associados agrave
astrologia) e os Kamo (especialistas nas ciecircncias calendares) No periacuteodo Muromachi a
linhagem Abe (Tsuchimikado土御門) assumiria a posiccedilatildeo hereditaacuteria de superintendentes da
instituiccedilatildeo sendo que a casa dos Kamo (Kōtokui 幸徳井) contentar-se-ia com o segundo
lugar ocupando o cargo de vice-liacuteder No Periacuteodo Edo as disputas de autoridade em mateacuterias
de ritual condicionariam a crescente competiccedilatildeo entre os Tsuchimikado e uma terceira casa
os Yoshida se os Tsuchimikado seriam reconhecidos pelo bakufu como os responsaacuteveis pela
nomeaccedilatildeo dos lsquomestres do yin-yangrsquo (onmyōji 陰陽師) os Yoshida encarregar-se-iam dos
sacerdotes shintō 84
Em 1682 Tsuchimikado Yasutomi (土御門泰福 1655-1717) criaria
uma nova doutrina inspirada no pensamento de Yamazaki Ansai e de alguns pensadores de
Ise shintō bem como controlava e garantia ldquolicenccedilas a praticantes Yin-Yang pelas proviacutenciasrdquo
85
Na atualidade elementos de onmyōdō podem ser encontrados nas vaacuterias ramificaccedilotildees
de shintō tomando-se o exemplo de Tensha Tsuchimikado Shintō (天社土御門神道 )
Inspirada pela escola de Yasutomi e criada no poacutes-1945 como consequecircncia da concessatildeo de
liberdade religiosa esta organizaccedilatildeo centra-se na cerimoacutenia tensō chifusai (天曹地府祭) Um
81
PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit p176 82
HAYASHI Makoto ldquoShinto and Onmyōdōrdquo Encyclopedia of Shinto 1 General Introduction Religious and
Intellectual Influences on Shinto (on line) lthttpk-
amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23043gt (consultado em 24-06-2018) 83
PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit pp 163-167 84
NISHIOKA Kazuhiko ldquoTsuchimikado Shintōrdquo Encyclopedia of Shinto 8 Schools Groups and
Personalities Medieval and Early Modern Schools (on line) lthttpk-
amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=22576gt (consultado em 24-06-2018) 85
INOUE Nobutaka ldquoTsuchimikado Yasutomirdquo Encyclopedia of Shinto 8 Schools Groups and Personalities
(on line) lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=22771gt (consultado em
24-06-2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 39
matsuri de caraacutecter imperial tensō chifusai procurava a transmissatildeo dos ldquodesejosrdquo do novo
Imperador agraves ldquodivindadesrdquo on-myō embora gradualmente adquirisse popularidade junto dos
Tsuchimikado Praticada no seu jinja dedicado a Taizan Fukun 85
(泰山夫君) ndash em contexto
chinecircs atuava como magistrado do domiacutenio dos mortos e era um subordinado de Yama (em
japonecircs Enma閻魔) 86
ndash a cerimoacutenia garantiria longevidade e seguranccedila do novo imperador
bem como a manutenccedilatildeo do estado de paz no territoacuterio do Japatildeo e o bem-estar dos suacutebditos 85
as necessidades do coletivo pesavam mais do que as individuais
123 Via do Buda concoacuterdia e discoacuterdia entre praacuteticas shinbutsu
Apesar da influecircncia significativa do confucionismo e do taoiacutesmo em shintō ambos
sistemas de pensamento chinecircs natildeo partilham da categoria moderna de shūkyō no campo da
estatiacutestica japonesa apenas a Via do Buda eacute hoje reconhecido como tal juntando-se a shintō e
ao cristianismo trecircs ldquoreligiotildeesrdquo cujo impacto alterou a paisagem cultural japonesa embora a
quantidade de igrejas dificilmente se compara aos milhares de jinja e tera ou jirsquoin (templos
budistas) observando-se igualmente a presenccedila de determinados cultos e tendecircncias que
demonstram o caraacutecter sincreacutetico da relaccedilatildeo shinbutsu
No entanto os atos de veneraccedilatildeo aos kami eram na sua origem considerados como a
antiacutetese da Via do Buda dificultando tentativas de aproximaccedilatildeo entre os ldquocultosrdquo segundo os
decretos imperiais do Nihon shoki shintō ndash interpretado como kannagara (惟神 随神)
designando uma praacutetica delegada por Amaterasu aos seus descendentes e que seria traduzida
como ldquoseguir Shinto (hellip) ou carregar Shinto de forma naturalrdquo - e buppōbutsudō eram
encarados com respeito ou desdeacutem 87
No periacuteodo de governaccedilatildeo do Imperador Yōmei (用明
天皇) ambas eram consideras tradiccedilotildees vaacutelidas a seguir uma vez que este ldquoacredita na lei do
Buda e respeita shendaordquo (天皇信仏法尊神道) 88
um termo mais tarde identificado com
shintō
86
MASUO Shinrsquoichirō ldquoChinese Religion and the Formation of Onmyōdōrdquo Nanzan Institute for Religion and
Culture Japanese Journal of Religious Studies nordm 40 (1) 2013 pp 19ndash43 87
PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit pp 253-258 88
Durante o primeiro ano do reinado do imperador Kōtoku (孝徳天皇 supostamente ldquorespeita-se a lei do Buda
e ter shendao em pouca consideraccedilatildeordquo (尊仏法軽神道) SAKAMOTO T 日本書紀 国史大系版 (Nihon
shoki Ediccedilatildeo do Compecircndio da Histoacuteria Nacional) (on line) lthttpwwwj-textscomjodaishokiallhtmlgt
(consultado em 24-06-2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 40
Por volta da reforma Taika de 645 os ldquorituais budistasrdquo tinham encontrado o seu
lugar no palaacutecio imperial interagindo com os ritos para os kami 89
condicionando um cenaacuterio
de competiccedilatildeo que forccedilaria a adaptaccedilatildeo de shintō face a estas novas escolas e vice-versa
Destacando-se como uma nova forma de lei e doutrina inovadora cujo impacto se estenderia a
vaacuterias aacutereas nomeadamente arte arquitetura educaccedilatildeo e literatura a Via do Buda eacute elevada
ao estatuto de protetora do domiacutenio do Japatildeo o que natildeo implica uma relaccedilatildeo antagoacutenica com
o culto jingi antes pelo contraacuterio
Durante os periacuteodos Nara-Heian constroem-se os primeiros espaccedilos de veneraccedilatildeo
conjunta de kami e budas (jingū-ji (神宮寺) Todavia a contiacutenua associaccedilatildeo da nova Via agrave
vida aristocraacutetica reforccedilaria a ligaccedilatildeo dos cultos aos kami com as pessoas comuns 90
shintō
permanecia a religiatildeo da comunidade e o budismo a religiatildeo doutrinaacuteria de uma elite
empenhada na traduccedilatildeo e interpretaccedilatildeo dos sutras patrocinando a construccedilatildeo de templos e a
consequente instruccedilatildeo dos monges utilizando rituais budistas para seu benefiacutecio
Tal como os onmyōji se dedicavam a atividades de lsquoexorcismorsquo os monges
recorreriam a foacutermulas e outras teacutecnicas para controlar a ldquoviolecircncia de divindades espiacuteritos e
demoacutenios de todos os tipos incluindo os kamirdquo Por conseguinte a introduccedilatildeo e popularizaccedilatildeo
das linhas de pensamento favoraacuteveis agrave combinaccedilatildeo de elementos shinbutsu obrigaria a novas
interpretaccedilotildees do que se entende por kami outrora seres omnipotentes kami possuiriam um
estatuto equivalente ao de devas ou asuras e como tal sujeitavam-se a samṣara (rokudō rinne
六道輪廻) ao contraacuterio dos budas que tinham alcanccedilado a iluminaccedilatildeo (satori 悟り) 91
No final do periacuteodo Nara promover-se-ia a teoria de que os kami eram nada mais do
que ldquodivindadesrdquo tutelares dos ensinamentos budistas clarificando a relaccedilatildeo de superioridade
do budismo para com shintō e como tal poderiam ser salvas como qualquer outro ser dos seis
domiacutenios 92
neste sentido vida e morte fazem parte do mesmo ciclo do qual apenas alguns se
podem libertar colocando todos os habitantes dos seis caminhos em peacute de igualdade para
shintō a necessidade de ldquosalvaccedilatildeordquo da roda de reencarnaccedilatildeo atraveacutes de satori natildeo se justifica
todos os seres vivos partilham do mesmo caminho - nasciam viviam no seu mundo (em
sociedade com outros kami e humanos) e a sua lsquoformarsquo ou corpo possui os seus limites
89
SATŌ Masato ldquoShinto and Buddhismrdquo Encyclopedia of Shinto 1 General Introduction Religious and
Intellectual Influences on Shinto (on line) lthttpk-
amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23041gt (consultado em 24-06-2018) 90
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 20-23 91
BREEN John TEEUWEN Mark opcit p 38-39 92
SATŌ Masato ldquoShinto and Buddhismrdquo Encyclopedia of Shinto 1 General Introduction Religious and
Intellectual Influences on Shinto (on line) lthttpk-
amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23041gt (consultado em 24-06-2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 41
naturais apoacutes a morte fiacutesica os uacutenicos traccedilos de existecircncia de uma forma de vida encontrar-
se-iam na tamashii (魂) um atributo interior de kami e humanos
Paralelamente agrave expansatildeo do budismo no Japatildeo desenvolve-se a primeira fase da
vertente acadeacutemica de shintō caracterizada pela adoccedilatildeo de conceitos e fundamentaccedilatildeo de
teorias de bukkyō como o princiacutepio honji-suijaku aplicado pelos setores mais populares do
periacuteodo Heian Tendai (天台宗) e Shingon (真言宗) reavaliando-se a relaccedilatildeo entre kami e
outros ldquoseresrdquo reconhecidos pela Via do Buda Assim kami tornar-se-iam suijaku (lsquotraccedilosrsquo垂
迹) dos honji (lsquoessecircnciasrsquo本地) que se encontravam em budas (hotoke 仏) e bodhisattvas
(bosatsu菩薩) por exemplo Jizō (地藏) eacute identificado com Hiraoka-amakoyane-no-mikoto
um dos kami consagrados no Kasuga Jinja 93
no complexo de Ise encontrar-se-ia o honji
Mahāvairocana Tathagata (Dainichi Nyorai 大日如来 ) e em Hakusan o bosatsu da
compaixatildeo Kannon (観音) 94
O esforccedilo de cooperaccedilatildeo entre ambas tradiccedilotildees atingiria o seu auge com o
aparecimento das trecircs escolas xintoiacutestas de base budista Tendai shintō (天台神道) Ryōbu
shintō (両部神道) e Hōkke shintō (法華神道) respetivamente associadas agraves doutrinas dos
monges Saichō Kūkai e Nichiren Tendai Shintō tambeacutem conhecido pela designaccedilatildeo Sannō
Ichi-jitsu shintō apoia-se no estudo do Sutra do Loacutetus e coloca em praacutetica a teoria honji-
suijaku identificando Hiyoshi Sannō o lsquokami guardiatildeorsquo (shugojin 守護神 ) do templo
Enryaku-ji como o suijaku de Śākyamuni o ldquorei do Dharma do sutra do Loacutetusrdquo Possuindo
uma importacircncia mais local do que nacional e centrada em Hiei Quioto Tendai shintō
popularizaria o ato de meditaccedilatildeo ambulante em torno dos sub-santuaacuterios do ldquoSantuaacuterio de Hierdquo
e ldquoperegrinaccedilotildees mentaisrdquo nas quais os suplicantes ldquovisualmenterdquo visitavam os santuaacuterios 95
Agrave semelhanccedila da escola Tendai Ryōbu shintō favorece a combinaccedilatildeo de elementos
ldquobudistasrdquo (ldquoesoteacutericosrdquo) e shintō focando-se na relaccedilatildeo do Ise jingū (伊勢神宮) com as
mandalas kongokai e taizokai representaccedilotildees do ldquoDomiacutenio do Diamanterdquo e do ldquoDomiacutenio do
Ventrerdquo por sua vez associados ao Gekū e ao lsquopalaacutecio internorsquo (Naikū 内宮 ) de Ise
93
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 20-23 94
SATŌ Masato ldquoShinto and Buddhismrdquo Encyclopedia of Shinto 1 General Introduction Religious and
Intellectual Influences on Shinto (on line) lthttpk-
amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23041gt (consultado em 24-06-2018) 95
SATŌ Masato ldquoSannō Shintōrdquo Encyclopedia of Shinto 8 Schools Groups and Personalities Medieval and
Early Modern Schools (on line) lthttpk-
amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=22572gt (consultado em 24-06-2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 42
respetivamente96
Descrita como ldquoshintō combinatoacuterio baseada nas mandalas duais
fundamentais de Budismo esoteacuterico Shingonrdquo por Yoshida Kanetomo 97
- expoente da teoria
Yuiitsu shintō (唯一神道) na qual kami se torna o centro de tudo incluindo do ceacuteu e da terra
ldquodemoacuteniosrdquo animais e o proacuteprio kokoro dos humanos 98
- Ryōbu shintō influenciaria as
escolas de Ise e Yoshida 96
No que concerne agrave uacuteltima escola Hokke shintō recebe influecircncias do ldquobudismordquo
Nichiren (日蓮宗) uma das seitas mais populares do Periacuteodo Kamakura (1185-1333) por sua
vez derivada da lsquoseita da Terra Pura (Jōdo-shū 浄土宗rdquo) propagando a doutrina de mappō
(末法) o momento final do Dharma exaltada pelo monge Nichiren (日蓮 1222-1282)
Essencialmente portador de uma linha de pensamento reacionaacuteria ao budismo Heian
Nichiren considerava Tenshō Daijin (Amaterasu) e Hachiman como shugojin do Verdadeiro
Dharma reconhecendo igualmente a existecircncia de ldquodivindades tutelares do Sutra do Loacutetusrdquo
que tanto protegeriam a realidade na qual se verificasse a concretizaccedilatildeo do Verdadeiro
Dharma como poderiam escolher abandonaacute-la caso a Lei natildeo fosse aplicada 99
Por
conseguinte esta tradiccedilatildeo teria sido formada pelo superintendente do templo Shuryōgonin
associava-se deste modo os trinta dias do mecircs a trinta diferentes jinja e complexos tais
como Atsuta Jingū Suwa Shōshin-ji Hachiō-ji Inari Kibune Hachiman Kasuga Ise Gion
entre outros 100
Partilhando com Tendai o estudo do Sutra do Loacutetus a escola Hokke influenciaria as
ideias de Yoshida shintō e continuaria a desenvolver-se ao longo dos Periacuteodos Muromachi e
Edo surgindo uma seacuterie de obras e fasciacuteculos comentando acerca desta forma de shintō tais
como Hokke Shintō Hiketsu (法華神道秘訣) atribuiacutedo a Nitchō (日澄 1441-1510) 99
No seguimento da instauraccedilatildeo da terceira e uacuteltima casa militar no poder poliacutetico
budismo eacute relegado para um plano mais secundaacuterio aleacutem do aumento do nuacutemero de
96
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp298-299 97
ITŌ Satoshi ldquoRyōbu Shintōrdquo Encyclopedia of Shinto 8 Schools Groups and Personalities Medieval and
Early Modern Schools (on line) lthttpk-
amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=22800 (consultado em 24-06-2018) 98
PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit pp 163-167 99
Itō explica que esta doutrina (shintenjō hōmon) seria acolhida pelo ldquoculto Tendai de trinta divindades tal como
era praticado no Monte Hieirdquo ITŌ Satoshi ldquoHokke Shintōrdquo Encyclopedia of Shinto 8 Schools Groups and
Personalities Medieval and Early Modern Schools (on line) lthttpk-
amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=22565gt (consultado em 24-06-2018) 100
ITŌ Satoshi ldquoSanjūbanshinrdquo Encyclopedia of Shinto 2 Kami (Deities) Combinatory Kami (on line)
lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=22464gt (consultado em 24-06-
2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 43
ocorrecircncias de funerais shintō realizados por famiacutelias como os Yoshida bem como a reduccedilatildeo
da quantidade de tera e jinja que favorecessem uma abordagem ldquocombinatoacuteriardquo 101
surge a
niacutevel acadeacutemico o movimento fukko shintō (復古神道) que propunha um ldquoreavaliaccedilatildeordquo de
shintō rejeitando-se severamente ideias externas
Nestas circunstacircncias Hirata Atsutane (平田篤胤 1774-1842) representante da
vertente mais ldquoradicalrdquo da escola kokugaku assume uma posiccedilatildeo particularmente criacutetica da
Via do Buda suposta total antiacutetese de shintō que por sua vez era emulado como uma ldquovia
antigardquo (kodō 古道) no seu Kodō Taii (古道大尉) redigido em 1811 Hirata idealiza o Japatildeo
como a ldquoTerra dos kamirdquo cujos habitantes satildeo ldquoracialmente superioresrdquo entendendo budismo
como uma ldquoreligiatildeordquo inventada por um homem ndash Śākyamuni ndash cujas doutrinas eram ldquofalsasrdquo
ao ponto de apagarem por completo a ldquoverdade originalrdquo da existecircncia de uma entidade
omnipresente criadora denominada nos textos antigos de Brahmā que Hirata identifica com
Kami-musubi-no-kami 102
Por conseguinte o sentimento anti-budista expresso por Hirata teria as suas
repercussotildees em alguns territoacuterios no periacuteodo final do xogunato Tokugawa gerando-se o
movimento haibutsu kishaku (廃仏毀釈) cuja linha de pensamento tornar-se-ia devastadora
para a Via do Buda desde a destruiccedilatildeo de templos halls imagens rituais apropriaccedilatildeo de
propriedades dos templos na economia dos domiacutenios agrave laicizaccedilatildeo forccedilada dos monges o
budismo enquanto religiatildeo perderia credibilidade e significado cultural entre a populaccedilatildeo 103
ao contraacuterio de shintō por sua vez equiparado a uma ideologia poliacutetica a partir de 1868
inaugura-se assim um dos momentos mais negros da histoacuteria shinbutsu
13 Shintō no periacuteodo moderno antes e depois de 1945
O periacuteodo de vigecircncia da ideologia Meiji (1868-1945) eacute tambeacutem um periacuteodo de
perseguiccedilatildeo interna para a Via do Buda e nas palavras de Picken um exemplo de ldquoabuso e
manipulaccedilatildeordquo de shintō 104
a Ordenaccedilatildeo de Distinccedilatildeo de Shintō e Bukkyō (shinbutsu
hanzenrei 神仏判然令 ) de 1868 oficializa a poliacutetica de separaccedilatildeo de shintō e bukkyō
(shinbutsu bunri 神仏分離) expressa pela interdiccedilatildeo de ldquonomes de estilo Budista para kami
101
BREEN John TEEUWEN Mark opcit pp 38-39 102
PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit pp 213-215 103
SAKAMOTO Koremaru ldquoHaibutsukishakurdquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and Doctrines Doctrines
and Theories (on line) lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23552gt
(consultado em 24-06-2018) 104
PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit pp 87-88
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 44
a proibiccedilatildeo de se usar imagens Budistas para representar kami e a remoccedilatildeo de implementos
rituais Budistas de espaccedilos rituais Shintōrdquo 105
Seguindo nos passos do movimento haibutsu
kishaku
Tendo como meta uma visatildeo de shintō como lsquonatildeo-religiatildeorsquo estatal o novo regime
restabeleceria o Jingikan - substituiacutedo dois anos depois pelo Jingishō (神祇省) ndash e procederia
agrave instauraccedilatildeo de um sistema hieraacuterquico piramidal de jinja imperiais e nacionais (1870-1871)
delegando-se cargos a funcionaacuterios puacuteblicos Abolindo-se o sistema de hereditariedade
sacerdotal jinja tornam-se instituiccedilotildees nacionais e espaccedilos de visita obrigatoacuteria e natildeo
espontacircnea 106
131 A visatildeo ldquonacionalistardquo Meiji uma ldquonatildeo-religiatildeordquo ao serviccedilo do Estado
japonecircs
Se as restantes ldquoreligiotildeesrdquo eram entendidas como secundaacuterias - permanecendo sob a
tutela do Escritoacuterio de Religiatildeo do qual faziam parte os treze ldquosetoresrdquo de kyōha shintō - o
culto jingi era colocado sob a alccedilada do Jinjakyoku (神社局) perdendo gradualmente a sua
natureza religiosa todos os meios eram vaacutelidos para inculcar nas mentes dos japoneses a ideia
de que shintō natildeo era uma religiatildeo ldquopatrociacutenio apoio perpetuaccedilatildeo controlo e disseminaccedilatildeordquo
de shintō pelos vaacuterios niacuteveis de governo e por funcionaacuterios puacuteblicos ldquosubordinados e
empregadosrdquo o constante ensino de doutrina ldquoxintoiacutestardquo ldquonacionalistardquo ou ldquoultranacionalistardquo
em manuais escolares o ato de visitar santuaacuterios por obrigaccedilatildeo e execuccedilatildeo de ritos
patrocinadas por instituiccedilotildees educacionais a circulaccedilatildeo de textos explicativos da doutrina
kokutai (国体) 107
Em contexto legal tambeacutem os proacuteprios santuaacuterios xintoiacutestas sofreriam o impacto
desta abordagem poliacutetica de shintō que reavivava a ligaccedilatildeo co-dependente entre o poder
poliacutetico e shintō (na sua forma de culto jingi) tornando shintō uma instituiccedilatildeo patrioacutetica que
devia ser salvaguardada por todos o ano de 1900 marcaria o iniacutecio do controverso processo
de aglutinaccedilatildeo de jinja (Jinja-Gappei 神社合併) Apagando a existecircncia de milhares de jinja
ldquonatildeo-qualificadosrdquo o movimento expressava uma transferecircncia forccedilada de kami para outros
105
SATŌ Masato ldquoShinto and Buddhismrdquo Encyclopedia of Shinto 1 General Introduction Religious and
Intellectual Influences on Shinto (on line) lthttpk-
amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23041gt (consultado em 24-06-2018) 106
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 36-39 107
PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit pp 114-116
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 45
jinja minando a relaccedilatildeo destes espaccedilos com as comunidades locais se em 1880 existiam
cerca de 157 mil jinja do povopuacuteblicos (minsha民社) em 1929 o nuacutemero rondaria os 112
mil e em 1947 mais de 87 mil 108
De um modo geral shintō estatal (kokka shintō 国家神道) cimentou a ideia de que
um certo tipo de shintō estava aleacutem de ser ldquoreligiatildeo termo que no Periacuteodo Meiji tinha como
elementos um fundador individual e a uma organizaccedilatildeo privada realizando-se atividades de
caraacutecter voluntaacuterio 108
o que nada tinha a ver com o culto jingi praticar shintō era nada mais
do que um dever e uma demonstraccedilatildeo de sentimentos patrioacuteticos essenciais ao bom
funcionamento da naccedilatildeo japonesa recorrendo-se a conceitos como kannagara akitsu-mikami
(現御神) hakkō-ichiu (八紘一宇) que naturalmente tinham sido readaptados face ao status-
quo kannagara por exemplo descrevia uma lsquofeacutersquo que incide no indiviacuteduo e faz com que este
sirva o coletivo nunca a si mesmo expressando ainda ldquoum sentimento de assimilaccedilatildeo e
harmoniardquo 109
akitsu-mikami significava uma ldquodivindade incarnadardquo identificada com o
proacuteprio imperador que deve ser venerado tal como os seus antepassados por parte dos seus
suacutebditos 110
hakkō-ichiu (ldquoa terra inteira debaixo do mesmo tetordquo) era usado como slogan
simboacutelico do poderio militar japonecircs 111
ecoando a noccedilatildeo de tian xia isto eacute lsquodebaixo do ceacuteursquo
(tenka 天下) que em contexto do pensamento chinecircs arcaico e confuciano definia o escopo
do tianming ou lsquomandato do ceacuteursquo (tenmei天命) entregue a um futuro soberano
No fundo reforccedila-se a suposta superioridade do Japatildeo enquanto naccedilatildeo ldquodivinardquo e por
associaccedilatildeo do proacuteprio imperador cuja ldquoalma divinardquo eacute representada por Amaterasu o liacuteder do
Impeacuterio age senatildeo em nome desta uacuteltima sendo que todos os japoneses reconhecem e
reverenciam a sua linhagem transmitida ldquonuma linha inquebraacutevelrdquo o trono e o Imperador satildeo
uma extensatildeo de Amaterasu conferindo-lhe um estatuto ldquoinviolaacutevelrdquo Como tal a aacuterea de
governaccedilatildeo do Imperador natildeo pode ser reduzida ao Japatildeo mas antes a todo o nosso mundo
um papel partilhado com a kami do Sol e Taka-musubi-no-kami 109
108
SHIELDS James ldquoBeyond Belief Japanese Approaches to the Meaning of Religionrdquo Studies in Religion
Sciences religieuses nordm 39 (2) 2010 pp 133-149 109
PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit pp 127-128 110
PICKEN Stuart op cit pp 105 111
PICKEN Stuart op cit pp 111
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 46
132 Divulgaccedilatildeo de um legado cultural e histoacuterico shintō a mais popular religiatildeo
japonesa
O fim da 2ordf Guerra Mundial eacute justamente descrito como o ponto de viragem para as
religiotildees japonesas desde 1945 que shintō eacute estatisticamente uma religiatildeo viabilizando um
processo de reinvenccedilatildeo e adaptaccedilatildeo agraves necessidades de uma sociedade japonesa moderna
surgem assim novos movimentos religiosos parcialmente baseados em ideias shintō budistas
ou cristatildes algumas mais do que outras testemunho vivo da liberdade religiosa expressa a
niacutevel constitucional
No que concerne aos espaccedilos de veneraccedilatildeo estes satildeo devidamente legalizados como
corporaccedilotildees religiosas (shūkyō hōjin宗教法人) desde 1946 operando quer como extensotildees
de terceiros (grupos inclusivos) ou como unidades (tanrsquoi単位) independentes destes grupos
inclusivos (tanritsu shūkyō dantai単立宗教団体) a cada grupo inclusivo (hōkatsu dantai包
括団体) corresponde uma categoria proacutepria - kyōha (教派) shūha (宗派) comunidade
religiosa (kyōdan教団) ordem (shūdoukai 修道会) - que por sua vez incorpora tanrsquoi jinja
jirsquoin (寺院) igrejas (kyōkai教会) e mosteiros (shūdōin修道院) 112
Por conseguinte todos os dados reportados satildeo compilados pela Divisatildeo de Assuntos
Religiosos da Agecircncia para Assuntos Culturais do Ministeacuterio da Educaccedilatildeo (Bunka-chō
shūmuka kyōiku-shō 文化庁宗務課 教育省) que se apoia na definiccedilatildeo de ldquoorganizaccedilatildeo
religiosardquo (shūkyō dantai 宗教団体) promulgada pela Constituiccedilatildeo qualquer grupo local
focado na ldquodisseminaccedilatildeo de ensinamentos religiosos a conduccedilatildeo de cerimoacutenias e funccedilotildees e a
educaccedilatildeo e nutrimento dos crentesrdquo deve ser considerado uma shūkyō dantai que deteacutem
autoridade sobre o processo de qualificaccedilatildeo e quantificaccedilatildeo dos aderentes e do sacerdoacutecio 112
por exemplo a instruccedilatildeo dos candidatos a posiccedilotildees dentro dos santuaacuterios eacute disponibilizada
pelas Universidade Kokugakuin (國學院大學) de Toacutequio e a Universidade Kōgakkan (皇學
館大学) em Ise esta uacuteltima focada no treino de ldquosacerdotes para recitar as liturgias e perceber
o significado dos rituaisrdquo 113
Operando a niacutevel prefeitural ou nacional a categoria shūkyō hōjin faz parte da visatildeo
moderna japonesa de religiatildeo em 1998 o Anuaacuterio de Religiotildees (shūkyō nenkan 宗教年鑑)
do 10ordm Ano da Era Heisei registava mais de 85 mil grupos religiosos shintō 104553179
112
TAMARU Nobuyoshi REID David Religion in Japanese Culture Where Living Traditions Meet a
Changing World Tokyo Kodansha International 1996 pp 218-219 113
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 188-190
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 47
seguidores shintō (492) mais de 81 mil jinja 15 jirsquoin e 1276 locais de propagaccedilatildeo religiosa
(fukyōjo布教所) bem como cerca de 88 mil ldquoprofessoresrdquo (kyōshi 教師) Em contrapartida
bukkyō tinha apenas 78 mil grupos religiosos mais de 95 milhotildees de aderentes e um nuacutemero
superior de kyōshi mais de 77 mil templos apenas 10 jinja e cerca de 3000 fukyōjo 114
No
ano de 2015 constatava-se uma pequena evoluccedilatildeo negativa 485 dos aderentes seguiam
shintō e apenas 87 milhotildees eram supostamente budistas registando-se igualmente uma
descida do nuacutemero de kyōshi tanrsquoi e corporaccedilotildees shintō e budistas 115
Apesar de os dados publicados pela Agecircncia poderem natildeo corresponder agrave realidade
o campo estatiacutestico esforccedila-se por explicar ao puacuteblico o que se entende por shintō bukkyō e
kirisutokyō recorrendo a uma categorizaccedilatildeo que eacute acima de tudo coerente face agrave sua
evoluccedilatildeo histoacuterica no caso concreto de shintō os Anuaacuterios de Religiotildees reconhecem trecircs
ramificaccedilotildees ou kei (系) jinja shintō (神社神道) kyōha shintō e shin shūkyō shintō (新宗教
神道) 116
destas trecircs somente a primeira inclui uma organizaccedilatildeo que tambeacutem serve de porta-
voz aos interesses da maior parte dos jinja espalhados pelo paiacutes a Jinja Honchō (神社本庁)
Ceacutelebre instituiccedilatildeo criada em 1946 no seguimento da fusatildeo de outros trecircs grupos privados eacute
ateacute hoje o ldquouacutenico corpo coordenativo para Shinto no Japatildeo e o uacutenico oacutergatildeo (para aleacutem dos
santuaacuterios individuais) pelo qual Shinto pode ser formalmente representado a um largo niacutevel
administrativordquo 117
Regulando a atuaccedilatildeo das atividades dos jinja a Jinja Honchō permanece o ldquogrupo
religiosordquo mais numeroso no que concerne a espaccedilos de veneraccedilatildeo aderentes (perto de 80
milhotildees) e kyōshi (aprox217 milhotildees) 116
e apresenta-se como um oacutergatildeo mais moderado que
os seus predecessores do Periacuteodo Meiji ndash Jingikan Jingishō (神祇省) Kyōbushō (教部省) e
Jingirsquoin (神祇院) ndash capaz de conjugar as funccedilotildees de supervisor dos jinja e de autoridade em
assuntos shintō Sinteticamente esta associaccedilatildeo tem como metas perpetuar as tradiccedilotildees
desenvolvidas em contexto de jinja shintō como demonstraccedilatildeo de gratidatildeo aos kami e aos
antepassados - a realizaccedilatildeo de cerimoacutenias e ritos - ldquoservir a sociedade e outrosrdquo e na
qualidade de ldquomensageiros de kamirdquo aspirar a melhorar e consolidar este mundo Por uacuteltimo
deve-se identificar ldquoas proacuteprias mentes com a do Imperadorrdquo e ldquorezar pela prosperidade do
114
Bunka-chō Bunkabu shūmuka Shūkyō Nenkan Heisei 10 Han (宗教年鑑平成 10 版) Tokyo Bunka-chō
1998 115
Bunka-chō Bunkabu shūmuka Shūkyō Nenkan Heisei 27 Han (宗教年鑑平成 27 版) Tokyo Bunka-chō
2016 116
Bunka-chō Bunkabu shūmuka Shūkyō Nenkan Heisei 27 Han (宗教年鑑平成 27 版) Tokyo Bunka-chō
2016 117
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 41-42
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 48
paiacutes e por coexistecircncia paciacutefica e coprosperidade para as pessoas do mundordquo 118
claramente
realccedilando o caraacutecter natildeo individual patente em shintō
2 SOCIEDADE ldquoESPIRITUALIDADErdquo E ldquoEacuteTICArdquo A ldquoVIA DOS KAMIrdquo E O
REGRESSO Agrave Ordem
Aceitar shintō pressupotildee que o indiviacuteduo realize rituais positivos com uma ldquomente
clara pura e sincerardquo 118
devendo-se ter em atenccedilatildeo o termo ldquomenterdquo o facto de Ono ter
como puacuteblico-alvo natildeo japoneses poderaacute justificar esta escolha de traduccedilatildeo que se afasta do
texto original por exemplo ldquoakikiyoki makoto wo nite saishi ni isoshimukoto (明き清きまこ
とを以て祭祀 [さいし] にいそしむこと) corresponde a ldquodevotar-nos aos atos de veneraccedilatildeo
(aos kami) com uma mente clara pura e sincerardquo ldquoŌmikokoro wo itadakite mutsubirdquo (大御
心 [おおみこころ]をいただきてむつび) 119
eacute ldquoidentificaccedilatildeo das proacuteprias mentes com a
(mente) do Imperadorrdquo Assim o termo torna-se makoto Juntamente com o kokoro ambos
vocaacutebulos fundamentam a perspetiva eacutetica de shintō Por sua vez mutsubi (musubi) auxilia na
compreensatildeo da relaccedilatildeo de shintō com o indiviacuteduo e por associaccedilatildeo com os kami
21 A relaccedilatildeo entre kami e humanos uma resposta a preocupaccedilotildees coletivas e
individuais
Claramente uma Via focada no bem-estar humano shintō ilustra um forte caraacutecter
social e eacutetico que eacute complementado pelo desenvolvimento de uma lsquoespiritualidadersquo proacutepria
associada agrave perceccedilatildeo japonesa do ldquosagradordquo como jaacute anteriormente mencionado este
domiacutenio estaacute associado a kami e a sua presenccedila pode ser ldquosentidardquo em certas ocasiotildees
nomeadamente durante os matsuri e as cerimoacutenias executadas pelos ldquosacerdotesrdquo (shinkan 神
官) a descriccedilatildeo de Picken de shintō como ldquoefectivamente uma religiatildeo que eacute mais lsquoapanhadarsquo
do que lsquoensinadarsquo os seus discernimentos lsquopercecionadosrsquo antes de serem lsquoacreditadosrsquo os
118
ONO Sokyō Shinto the Kami Way Singapore Tuttle Publishing 2004 p82 119
A expressatildeo Ōmikokoro (ou Mikokoro 御心) eacute uma forma respeitosa de se referir ao Imperador (ou aos kami)
que surge nas norito ou em outros textos oficiais Jinja Honchō ldquo主な活動rdquo (Atividades gerais) 神社本庁のご案 内 (A orientaccedilatildeo da Jinja Honchō) (on-line) lthttpwwwjinjahonchoorjpintroductionactivitygt
(consultado em 24-06-2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 49
seus baacutesicos conceitos mais do que lsquosentidosrsquo do que lsquopensadosrsquordquo 120
faz da praacutetica e da
experiecircncia do indiviacuteduo o seu alicerce Deste modo confere-se ao homem um papel ativo e
de participante quer se trate de um visitante que reze aos kami esperando por uma resposta
quer seja algueacutem dedicado a servir os kami (ldquosacerdotesrdquo por exemplo) a decisatildeo de executar
os rituais (associados agrave Ordem) cabe ao homem
Soacute o homem possui a capacidade de entrar num domiacutenio diferente deparando-se com
vaacuterios siacutembolos que assinalam a ldquopresenccedilardquo do kami Mircea Eliade nota que o homem
apercebe-se do ldquosagradordquo porque este escolhe mostrar-se isto eacute manifesta-se das mais
variadas formas algo descrito pelo autor como ldquohierofaniardquo identificando a ldquohistoacuteria de
religiotildeesrdquo como portadora de um legado de ldquohierofaniasrdquo ndash elementares e complexas ndash e
argumentando que a manifestaccedilatildeo de ldquoalgo de uma ordem totalmente diferente uma realidade
que natildeo pertence ao nosso mundordquo eacute visualmente expressa por ldquoobjetos que satildeo uma parte
integral do nosso mundo natural lsquoprofanorsquordquo 121
em shintō esta perspetiva lembra o conceito
de kami enquanto atributo o ato de atar uma shimenawa (しめ縄) corda da qual pendem
pequenas tiras em formato ziguezague a um objeto (pilares rochas) ou uma aacutervore (shinboku
神木) e o uso da gohei (御幣) um enfeite colocado diante das portas do ldquosantuaacuterio interiorrdquo
(shinden 神殿) representam a transiccedilatildeo do vulgar para o extraordinaacuterio se fisicamente o
objeto permanece tal e qual como antes de uma perspetiva espiritual e natildeo racional o objeto
torna-se uma extensatildeo do kami
Por conseguinte a noccedilatildeo de ldquohierofaniardquo pensada por Eliade poderia aplicar-se aos
shintai (神体) e mitamashiro (御魂代) objetos diretamente ligados agrave sobrevivecircncia dos jinja
garantindo um estatuto lsquosagradorsquo dos jinja enquanto o kami permanecer nesse local 122
durante a Jinja Gappei milhares de santuaacuterios perderam a sua razatildeo de existir na sequecircncia
da transferecircncia permanente dos supostos representantes do kami 123
No fundo eacute a ausecircncia
destes objetos condiciona o fim do jinja
Essencialmente espaccedilos mantidos graccedilas aos esforccedilos da comunidade jinja
desempenham serviccedilos que incidem na esfera puacuteblica e privada todo o jinja revolve em torno
das pessoas familiarizadas com a aacuterea de atuaccedilatildeo e os atributos do kami ao qual apelam
preocupaccedilotildees econoacutemicas satildeo geralmente da responsabilidade de Inari (稲荷) e Ebisu (恵比
120
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit p xxxii 121
ELIADE Mircea op cit pp 10-12 122
ONO Sokyō op cit p21 pp-24-25 pp98-99 123
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 36-39
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 50
須) o primeiro eacute identificado como o kami protetor do cultivo de arroz e dos cinco cereais
enquanto que o segundo eacute associado ao setor comercial desde o seacutec XII 124
Protetor dos mercadores em meio urbano e de campos de arroz nas aacutereas rurais 124
Ebisu faz parte dos Shichi Fukujin (七福神) um grupo de sete kami associados agrave boamaacute
sorte Daikokuten (大黒天) representante da prosperidade comercial apesar de tambeacutem ser
identificado com um deva domeacutestico da cozinha Mahakala Jurōjin (寿老人) ldquokami de uma
estrela no Taoiacutesmordquo bem como um ldquoermitardquo Jaacute Fukurokuju (福禄寿) eacute o kami da riqueza
prosperidade e longa vida e Hotei (布袋) ldquoum monge chinecircs e uma incarnaccedilatildeo de Maitreyardquo
(Miroku 弥勒) 125
Por uacuteltimo Bishamonten (毘沙門天) e Benzaiten (弁財天) tecircm origens
indianas se Bishamonten um kami de temperamento forte e marcial eacute identificado com
Vaiśravaṇa Beizaiten eacute equiparada agrave devī Sarasvatī 126
No que concerne a preocupaccedilotildees mais pessoais como aprovaccedilatildeo nos exames de
admissatildeo da faculdade eacute costume visitar-se o Kitano Tenmangū (北野天満宮) de Quioto
onde se venera Tenjin127
Ao contraacuterio de outros kami Tenjin natildeo se tornou kami de um dia
para o outro a consagraccedilatildeo da ldquoalmardquo de Michizane ldquoresultou de um esforccedilo extraordinaacuterio
do governo de lidar com uma manifestaccedilatildeo perturbadora de crenccedila Alma-Zangada (onryo)
que (hellip) foi grandemente influenciada pelo corrente interesse em ideias Chinesas e crenccedilasrdquo
128 Por sua vez onryō partilha algumas semelhanccedilas com goryō (御霊) ldquoespiacuteritos de pessoas
que tinham perdido as suas posiccedilotildees de poder e vaacuterios kami de epidemiasrdquo posteriormente
ldquodomesticadosrdquo nos ritos chinkon ao inveacutes de entidades destruidoras e malevolentes que
invocavam desgraccedilas goryō transformavam-se em entidades protetoras 129
22 Aleacutem do plano fiacutesico musubi rei e tamashii
Tanto onryō como goryō enquadram-se na perspetiva espiritual de shintō agrave
semelhanccedila de sangaku shinkō (山岳信仰) cultos caracterizados pela adoraccedilatildeo de montanhas
124
PICKEN Stuart op cit p 119-120 p 362 p 365 125
HARA Kazuya Aspects of Shinto in Japanese Communication Comunicaccedilatildeo apresentada na conferecircncia
ldquoIntercultural Communication Studies XII Asian Approaches to Human Communicationrdquo (Chiba Abril de
2003)
126 PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 36-39
127 PICKEN Stuart op cit p 119-120 p 362 p 365
128 PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit p 285
129 YONEI Teruyoshi ldquoGoryōrdquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and Doctrines Basic Concepts (on line)
lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23422gt (consultado em 24-06-
2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 51
como Ontake (御嶽) Kumano (熊野) Fuji (富士) Sannō (山王) Katsuragi (葛城) supostos
locais de morada permanente para espiacuteritos ldquoprincipalmente espiacuteritos dos mortos que
vigiavam e assistiam os vivosrdquo 130
Eacute em virtude de um suposto caraacutecter sagrado e espiritual
que ainda hoje se realizam praacuteticas asceacuteticas nestes locais
Por conseguinte a compreensatildeo da ldquoespiritualidaderdquo japonesa implica o
conhecimento de musubi (産霊) rei (霊) e tamashii (魂) sendo que o primeiro eacute composto
por umi (産み ldquocriaccedilatildeordquo no sentido de gerar algo) e rei significando algo que natildeo pertence
ao plano fiacutesico Homoacutefono da palavra musubi (結び) traduzido por ldquoligaccedilatildeordquo e por sua vez
derivada do verbo musubu ou lsquoligarrsquo musubi eacute em si a lsquovitalidadersquo presente no ambiente e
nos seres que o constituem uma interpretaccedilatildeo apoiada por Motoori Norinaga
Com efeito no seu Tama Kushige o autor identifica musubi como uma espeacutecie de
ldquoprinciacutepio de atividade criativardquo inerente nos kami Taka-musubi e Kami-musubi concluindo
que este ldquoespiacuterito criativo (hellip) divino milagroso e aleacutem da compreensatildeo humanardquo permite os
atos de ldquocriaccedilatildeordquo (kuni-umi e kami-umi) de Izanagi e Izanami 131
tudo deve a sua existecircncia a
musubi incluindo os proacuteprios humanos
Simultaneamente uniatildeo (harmonizaccedilatildeo e balanceamento) e criaccedilatildeo isto eacute o lsquopoderrsquo
que concede vida e a origem de toda a existecircncia transportando consigo as conotaccedilotildees de
ldquocombinaccedilatildeordquo ldquojuntarrdquo e ldquointerligarrdquo132
musubi foi repetidamente usado no contexto
cerimonial imperial por exemplo os cinco kami que possuem a partiacutecula musubi no seu nome
satildeo tambeacutem os kami protetores do espelho Yata no Kagami localizados no santuaacuterio
kashidokoro do palaacutecio 133
No que concerne agrave rei e tamashii ambos vocaacutebulos tendem a ser erroneamente
traduzidos como ldquoespiacuteritordquo ou ldquoalmardquo e a sua grande diferenccedila consiste no facto de rei ser
exclusivamente uma parte do humano em vida e um atributo independente apoacutes a morte do
corpo se bem que no entender de Yoshida Kanetomo rei eacute aquilo que governa ldquocoisas
individuaisrdquo contrastando com as ldquopessoas individuaisrdquo que satildeo ldquogovernadas pelo kokoro
(hellip)rdquo 134
tamashii eacute uma caracteriacutestica partilhada por homens e kami sendo que no uacuteltimo
caso esta noccedilatildeo eacute expressa pela palavra mitama - escrita com os kanji de kami e rei (神霊) ndash
130
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 197-198 131
PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit p 208 132
BOYD JAMES WILLIAMS Ron ldquoJapanese Shintō An Interpretation of a Priestly Perspectiverdquo
Philosophy East and West nordm 55 (1) pp 33-63 133
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit p 79 134
PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit pp163-167
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
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ldquoespiacuteritos de kamirdquo cuja existecircncia defendida por rituais e jinja torna viaacutevel a sua integraccedilatildeo
na ideia shintō de lsquoespiacuteritorsquo ou lsquoespiritualidadersquo 135
Natildeo obstante tambeacutem os humanos satildeo portadores de um outro tipo de mitama (御
霊) este identificado como uma rei apoacutes a morte do corpo 135
tornando-se efetivamente uma
extensatildeo deste uacuteltimo o que lhe permite uma atuaccedilatildeo positiva (como protetor) ou negativa
(como destruidor da ordem) no domiacutenio dos humanos Com efeito o culto aos mortos na
sociedade japonesa faz parte de uma tradiccedilatildeo antiga na qual se atribui a certos mortos um
tratamento especial a veneraccedilatildeo de falecidos imperadores antepassados e guerreiros mortos
em combate em conjunto com o culto aos kami expressam uma forte consciencializaccedilatildeo
espiritual ainda muito presente na cultura japonesa
Sob um ponto de vista mais doutrinaacuterio a espiritualidade japonesa centra-se na teoria
ichirei shikon (一霊四魂) literalmente ldquouma rei e quatro tamashiirdquo na qual os humanos e os
kami servem de recipiente agrave reikon que por sua vez eacute constituiacuteda por um lsquoespiacuteritorsquo 136
(rei) -
designado de naobi curioso conceito inserido no campo da eacutetica japonesa significando
ldquocorrigir algo anormal mau ou distorcido e restaura-lo agrave sua condiccedilatildeo normal ou originalrdquo e o
ldquoespiacuterito maravilhoso que retifica o erradordquo 137
- e pela quadripartida tamashii (魂)
Neste contexto cada parte corresponde a um ldquoatributordquo ou ldquocaracteriacutesticardquo que rege o
seu modo de atuaccedilatildeo no domiacutenio terreno o par nigimitama (和御魂) e aramitama (荒御魂)
possuindo uma natureza dual complementar lembrando os princiacutepios do yin e do yang
respetivamente associados ao ldquoatributordquo calmo e passivo nigimitama e o seu oposto a
incontrolaacutevel aramitama o duo sakimitama (幸御魂) e kushimitama (奇御魂) brevemente
mencionado no Nihon shoki se sakimitama eacute a mitama que ldquoprovidenciardquo a potecircncia por
detraacutes da colheita a kushimitama tem o poder de evocar ldquomisteriosas manifestaccedilotildees em seres
humanos atraveacutes de um poder sobrenaturalrdquo 138
135
ASOYA Masahiko ldquoConcepts of the Spirit (reikonkan)rdquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and
Doctrines Basic Concept (on line) lthttpk-
amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23643gt (consultado em 24-06-2018) 138
YONEI Teruyoshi ldquoIchirei shikonrdquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and Doctrines Basic Concepts (on
line) lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23386gt (consultado em 24-
06-2018) 137
FUKUI Yoshihiko ldquoNaobirdquo Encyclopedia of Japan 7 Concepts and Doctrines Basic Terms (on line)
lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23662gt (consultado em 24-06-
2018) 138
YONEI Teruyoshi ldquoKushimitamardquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and Doctrines Basic Terms (on
line) lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23412gt (consultado em 24-
06-2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 53
De entre este quarteto o primeiro par merece uma atenccedilatildeo especial constatando-se
dezenas de referecircncias em textos antigos que explicitam o papel de tanto uma como da outra
que rituais a executar para pacificar uma aramitama transformando-a numa nigimitama
praacutetica efetuada pela famiacutelia imperial por exemplo apoacutes a morte no exiacutelio em Dazaifu (903)
do letrado Sugawara-no-Michizane que tinha sido viacutetima de uma conspiraccedilatildeo dois anos antes
a capital Quioto seria afetada por uma seacuterie de ldquodesastresrdquo tais como ldquopraga fogos
inundaccedilotildees e mortes inesperadasrdquo de membros do clatilde Fujiwara lanccedilando-se um debate
interno sobre a sua causa concluindo-se que se tratava da aramitama do falecido Sugawara
Procurando-se ldquoapaziguarrdquo esta aramitama a famiacutelia imperial procederia agrave restituiccedilatildeo do
estatuto de letrado de Michizane apoiando a construccedilatildeo de um jinja no qual seria consagrado
um novo kami Tenjin 139
O descrito episoacutedio de ldquodomesticaccedilatildeordquo continuaria a ser praticado ao longo dos
seacuteculos sendo que o Imperador Shōwa (昭和天皇) organizaria uma procissatildeo pelo paiacutes para
pacificar as aramitama atraveacutes de preces substituindo-as por nigimitama algo modelado nas
tours do Imperador Meiji (明治天皇) motivos poliacuteticos satildeo habilmente misturados com as
necessidades ldquoespirituaisrdquo do Japatildeo 140
Natildeo obstante existe uma terceira forma de
ldquodomesticaccedilatildeordquo que natildeo implica o seu afastamento da praacutetica de veneraccedilatildeo antes pelo
contraacuterio no Ise Jingū pensa-se que um dos ldquosantuaacuteriosrdquo do Naikū preserva a nigimitama de
Amaterasu e no outro consagra-se a aramitama um processo replicado no Sumiyoshi Taisha
(住吉大社) de Ōsaka espaccedilo de veneraccedilatildeo de trecircs nigimitama dos trecircs respetivos kami ao
contraacuterio do seu congeacutenere em Yamaguchi que alberga as suas aramitama 141
23 Mal como causa e efeito da Desordem tsumi kegare e imi
Aleacutem das diferenccedilas estabelecidas pela mencionada doutrina rei e tamashii satildeo
essencialmente termos que natildeo reconhecem a existecircncia de bommau o que explica o habitual
caraacutecter neutro dos kami Todavia eacute possiacutevel constatar a presenccedila de categorias de rei e kami
que funcionam como arautos de desgraccedila humana e natural representando o oposto do que eacute
ldquobomrdquo goryō onryō e akuryō (悪霊) este uacuteltimo traduzido literalmente por ldquorei malignosrdquo
139
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit p 100 140
PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit p 208 141
ASOYA Masahiko ldquoConcepts of the Spirit (reikonkan)rdquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and
Doctrines Basic Concept (on line) lthttpk-
amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23643gt (consultado em 24-06-2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 54
satildeo exemplos de entidades espirituais cuja razatildeo de existecircncia eacute a de causar danos agraves pessoas
objetos casas urgindo a realizaccedilatildeo de rituais proacuteprios de ldquopacificaccedilatildeordquo e ldquoexorcismordquo que
supostamente expulsamremovem permanentemente quaisquer influecircncias negativas Por sua
vez os yūrei (幽霊) ldquorei obscurosrdquo enquadram-se mais no mundo folcloacuterico japonecircs e satildeo
geralmente identificados como ldquoespiacuteritos vingativosrdquo ou ldquoapariccedilotildeesrdquo cuja presenccedila eacute teacutenue
mas forte o suficiente para serem ldquosentidosrdquo em locais como florestas e montanhas
No que concerne a kami malignos estes satildeo nada mais do que a antiacutetese de musubi e
pureza se a maioria dos kami desdenham ldquode comportamento disruptivo de ordem social ou
natural juntamente com poluiccedilotildees (kegare) tais como sujidade sangue e morterdquo 142
e a sua
origem eacute responsabilidade do princiacutepio de ldquocriaccedilatildeordquo e Ordem coacutesmica um outro grupo de
kami partilha de uma natureza totalmente oposta favorecendo a destruiccedilatildeo da Ordem os
magatsubi no kami ou magatsui no kami (禍津日神 ) Responsaacuteveis por ldquodesgraccedilas
inevitaacuteveisrdquo e reinando ldquosobre erro e impurezardquo eacutetica os magatsui no kami residem nas
profundezas do Yomi ao contraacuterio dos restantes kami que vivem em Takamagahara e no
mundo terreno possuindo uma ldquoessecircncia liacutempidardquo 143
magatsui no kami satildeo os agentes da
desordem distinguindo-se dos restantes kami que favorecem a Ordem
Neste sentido os magatsui no kami relacionam-se com magagoto (凶悪事) palavra
que subentende ldquodesgraccedilas maacutes accedilotildees e calamidadesrdquo 144
ao contraacuterio dos naobi-no-kami
capazes de ldquorestaurar o estado normal e trazer de volta o mundo puro claro proacuteprio e reto
dos Deusesrdquo 145
constroacutei-se deste modo a ideia do mal percecionado como Desordem e
anormalidade que deve ser combatido pelo indiviacuteduo praticante Via dos kami enfatizando os
aspetos sociais e eacuteticos de shintō
A visatildeo eacutetica proposta por shintō eacute resultado da receccedilatildeo e interpretaccedilatildeo de ideias
confucianas e japonesas Aliaacutes na sociedade arcaica japonesa jaacute existia uma distinccedilatildeo entre
ldquobons atosrdquo e ldquomaus atosrdquo que determinavam a culpabilidade ou inocecircncia de um ofensor
perante a unidade familiar ou o clatilde ldquoeacuteticardquo correspondia numa primeira instacircncia a um
conjunto de praacuteticas e dizeres transmitidos de forma oral e de geraccedilatildeo em geraccedilatildeo que eram
142
MATSUMURA Kazuo ldquoDefinitions and Typologyrdquo Encyclopedia of Shinto 2 Kami (Deities) Concepts of
Kami (on line) lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=22498gt
(consultado em 24-06-2018) 143
PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit p 208 144
NISHIOKA Kazuhiko ldquoMagakoto (also Magagoto)rdquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and Doctrines
Basic Terms (on line) lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23670gt
(consultado em 24-06-2018) 145
PICKEN Stuart op cit p 273
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 55
de certo modo complementares agrave execuccedilatildeo do ritual os termos yoshi e ashi respetivamente
significando ter ou carecer de ldquovalorrdquo expressavam as ideias de bemmal 146
Por outras
palavras viver em sociedade natildeo seria possiacutevel se natildeo se adotassem certos comportamentos
que fossem eticamente bons isto eacute natildeo reprovaacuteveis aos olhos da comunidade e eacute claro dos
kami que apesar de natildeo possuiacuterem uma natureza nem boa ou maacute tambeacutem eles satildeo capazes
das piores ofensascrimes isto eacute tsumi (罪) como se pode constatar no caso de Susano-o
No domiacutenio ritual a ldquopurezardquo eacute um atributo interno e externo tanto ao homem como
ao kami kami satildeo considerados essencialmente ldquopurosrdquo ldquoliacutempidosrdquo e uma forma de vida
superior aos homens adotando comportamentos corretos que servem de modelo para os
humanos (com a exceccedilatildeo dos magatsui no kami) e partilhando do ldquoelo espiritualrdquo que os une
nesta realidade isto eacute a mitama Contudo apenas os humanos possuem a capacidade de se
tornar kami apoacutes a morte do corpo seguindo um ldquoprocesso de purificaccedilatildeo que os torna em
espiacuteritos ancestraisrdquo e cuja exceccedilatildeo agrave regra encontra-se por exemplo nos imperadores
considerados akitsu-mikami durante a sua vida 147
O entendimento deste processo de purificaccedilatildeo (jōka) natildeo se pode dissociar de kokoro
e makoto ambos fundamentando a noccedilatildeo de ldquoretidatildeordquo (natildeo necessariamente no sentido
confuciano da palavra) expressa pelo jaacute mencionado termo naobi ou simplesmente nao a
antiacutetese de todos os vocaacutebulos conotados com a ideia de ldquomalrdquo Por outras palavras o
reconhecimento da importacircncia de ldquopurezapurordquo soacute eacute justificado pela existecircncia de ldquoimpurezardquo
que conduz agrave Desordem um natildeo existe sem o outro sendo que na linguagem shintō tudo que
eacute negativo e impuro envolve tsumi (罪) e kegare (穢) duas formas de impureza eacutetica e fiacutesica
respetivamente agraves quais se lhe junta imi (忌) frequentemente interpretado no sentido de
ldquotaburdquo tsumi kegare e imi satildeo com efeito os agentes da Desordem que o ser humano deve
evitar
Incorporados em shintō este trio fortalece a relaccedilatildeo desta Via com a sociedade se a
primeira palavra tsumi tem implicaccedilotildees legais e continua a fazer parte da linguagem do dia-a-
dia sendo usada no campo religioso ou no domiacutenio legislativo kegare tende a associar-se ao
domiacutenio mais ldquolituacutergicordquo de shintō tal como imi que consoante o kanji usado denota o que eacute
considerado puro (positivo) e impuro (negativo)
146
ONO Sokyō op cit pp 105-107 147
UEDA Kenji ldquoConcepts of Humanity (Ningenkan)rdquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and Doctrines
Basic Concepts (on line) lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23642gt
(consultado em 24-06-2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 56
No que concerne a tsumi este eacute foneticamente lido agrave maneira chinesa como sai (ou
zai) e apesar de ter sido escolhido para traduzir o conceito de ldquopecadordquo segundo a visatildeo
religiosa cristatilde 148
tsumi possui um forte significado natildeo religioso encontrando-se expressotildees
na linguagem corrente tais como dōzai (同罪 partilha do crimeculpa) e shazai (謝罪)
desculpas como forma de aliviar o sentimento de culpa hanzai (犯罪) ldquocrimerdquo entre outras
Com efeito tsumi eacute antes de mais ofensa crime e maacute accedilatildeo Eacute talvez neste sentido
que Nishigaki Yukio identifica tsumi como togame - uma palavra traduzida por ldquoacusaccedilatildeordquo ou
ldquocensurardquo ndash e a uma abreviatura da forma nominal do verbo tsutsumu (障) designado tsutsumi
sendo que o kanji eacute lido como sawaru - homoacutefono do verbo ldquotocarrdquo (sawaru 触る ) -
indicando ldquotornar-se um obstaacuteculordquo 149
denotando um entrave agrave Ordem Por conseguinte esta
interpretaccedilatildeo ecoa a sugestatildeo de Picken que aponta para a variedade de significados de tsumi
ndash ldquopoluiccedilatildeo doenccedilas e desastre bem como errordquo ndash tendo o cuidado de incluir a sua vertente
praacutetica ldquoaccedilotildees situaccedilotildees ou circunstacircncias indesejadas podem causar impureza e devem ser
lidadas por evitaccedilatildeo ou purificaccedilatildeo ritualrdquo 150
designada de ldquoabstinecircnciardquo (imi 斎) e harai
(祓)
Contudo o conceito de ldquoerradordquo parece surgir em textos confucianos integrando
uma das partes da dicotomia boas accedilotildeesmaacutes accedilotildees apesar da ausecircncia de [罪 ] o seu
significado eacute substituiacutedo por outros que partilham das mesmas conotaccedilotildees negativas o
caractere [犯] usado para formar o verbo japonecircs okasu traduzido por ldquocometerrdquo (maus atos)
e que eacute frequentemente interpretado como um possiacutevel sinoacutenimo de tsumi 151
Aliaacutes na
linguagem japonesa moderna natildeo eacute estranho encontrar-se tsumi junto de okasu como se
constata na frase ldquocometer ofensasrdquo (tsumi wo okasu 罪を犯す) reforccedila-se deste modo a
ideia de que tsumi eacute especificamente algo negativo e condutor agrave Desordem
148
MATSUMOTO Shigeru ldquo 罪 つ み rdquo コ ト バ ン ク (on line) Disponiacutevel em
lthttpskotobankjpwordE7BDAA-99474gt (consultado em 24-06-2018) 149
NISHIGAKI Yukio op cit p 420 p325 150
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit p 171 151
Por exemplo nos ldquoAnalectosrdquo de Confuacutecio (Lun Yu em japonecircs Rongo 論語) regista-se no primeiro
ldquoensinamentordquo do disciacutepulo Yu Zi (有子) o caratere [犯] que eacute traduzido por Lau como ldquotransgressatildeordquo uma
consequecircncia do natildeo seguimento do caminho proposto por ren No entanto na citaccedilatildeo do uacuteltimo livro de
ldquoAnalectosrdquo [惡] indica ldquodetestar fazer algordquo CONFUacuteCIO The Analects Lun Yu Translated by DC Lau HK
Chinese University Press 1983 pp 2-3 pp 194-195
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 57
Por conseguinte a noccedilatildeo de Desordem provocada por ldquomaus comportamentosrdquo eacute
ilustrada nos Analectos pelo caractere [惡] 152
traduzido por ldquomalrdquo (no sentido eacutetico e natildeo
religioso) em japonecircs o caractere usado eacute a forma arcaica de [悪] cujo radical eacute nada mais
do que kokoro lido como aku o kanji pode ser usado para caraterizar uma coisa uma
condiccedilatildeo e ainda a proacutepria personalidade do indiviacuteduo ldquomaldaderdquo ldquomaurdquo ldquomalignordquo ou
ldquomaldosordquo derivam da leitura de aku como warui 153
No fundo [犯] e [惡] satildeo nada mais do
que comportamentos puniacuteveis por lei e cuja eliminaccedilatildeo resultaria do constante cultivo interior
do caraacutecter da pessoa
Na realidade japonesa tsumi opotildee-se ao corretolegal Karl Florenz comenta que ldquoa
sociedade japonesa arcaica possuiacutea nem coacutedigos legais nem direitos descritivos por isso os
castigos das ofensas eram delegados inteiramente agrave discriccedilatildeo do indiviacuteduo magoado ou da
comunidaderdquo no seu entender tsumi eram ldquomaus atosrdquo (crimes) cuja gravidade determinaria
o grau do castigo variando entre pena capital escravatura expulsatildeo e confiscaccedilatildeo total ou
parcial das propriedades do acusado 154
Ora esta linha de pensamento eacute seguida por Felicia Bock que afirma o facto de tsumi
existirem de forma pouco consistente no quadro de costumes das pessoas da planiacutecie do
Yamato (periacuteodo preacute-Japatildeo imperial) juntamente com as ldquopalavras do soberanordquo e
julgamentos apoiados em provaccedilotildees (fogo sobretudo) e ainda ldquoxamatildesrdquo ou ldquointeacuterpretes da
vontade dos kami ou divindadesrdquo tsumi corresponderia agraves ldquoofensas pelas quais uma pessoa
pode ser considerada culpadardquo listadas e descritas em episoacutedios do Kojiki e Nihon shoki Caso
se fosse considerado a um niacutevel mais ldquolituacutergicordquo tsumi podia contaminar uma pessoa (tsumi-
bito 罪人) urgindo a sua eliminaccedilatildeo atraveacutes de ldquocertos ritos prescritosrdquo executados pelos
membros do Jingikan que deste modo asseguravam a ordem no territoacuterio japonecircs aleacutem de se
recorrerem a meacutetodos de cariz social tais como a atribuiccedilatildeo de multas ldquoque eram impostas
152
Duas das frases mais emblemaacutetica do uso de [惡] como antiacutetese de ldquobemrdquo e eacute claro ldquobenevolecircnciardquo (ren仁)
pertencem ao terceiro e quarto ldquoensinamentosrdquo de Confuacutecio do ldquoquarto livrordquo no primeiro caso o caractere natildeo
surge de forma isolada identificando a natureza da pessoa como ldquomaacuterdquo (惡人) por oposiccedilatildeo agrave de uma ldquopessoa boardquo
(好人) ldquo唯仁者能好人能惡人rdquo na frase ldquo苟志于仁矣無惡也rdquo [惡] eacute uma ldquoinfluecircncia negativardquo que se
pode ldquoeliminarrdquo CONFUacuteCIO op cit pp 28-29 153
NISHIGAKI Yukio op cit p 420 p 599 154
FLORENZ Karl ldquoAncient Japanese Rituals Part IVrdquo Transactions of the Asiatic Society of Japan nordm 27
1899 pp 1ndash112
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para absolver uma pessoa de algum crime social tal como roubar a esposa de outro homemrdquo
155
Para todos os efeitos tsumi satildeo o coletivo de atos condenaacuteveis dentro de uma
sociedade os mais graves (amatsu-no-tsumi) correspondem os oito tsumi cometidos por
Susano-o durante o seu episoacutedio de rebeldia contra a ordem de Takamagahara 156
o kami
assume o papel do indiviacuteduo que age contrariamente ao que eacute suposto pois as suas accedilotildees
potildeem em causa o estado harmoacutenico da sua comunidade (de kami) que soacute seria reposta apoacutes
Amaterasu sair da Ama no Iwato
No que concerne aos kunitsu no kami estes satildeo essencialmente um ldquooposto
complementar (hellip) enfatizando maacutes accedilotildees mundanasrdquo nomeadamente ldquoincesto bestialidade e
auguacuterios natildeo auspiciosos e magia que antecipam principais eventos catacliacutesmicosrdquo 156
Jaacute
Felicia Bock divide-os em ldquoquebras de tabus tribais e contaminaccedilotildees causadas por eventos
naturaisrdquo constatando-se uma forte consciencializaccedilatildeo destas ldquocomunidades primaacuteriasrdquo no
que concerne a doenccedilas e comportamentos irregulares ou perigosos o corte de carne viva e
morta que demonstra o respeito pelos seres vivos lepra branca imperfeiccedilotildees deacutermicas
violaccedilatildeo da proacutepria matildee violaccedilatildeo de crianccedilas coabitaccedilatildeo com animais afliccedilatildeo de coisas
rastejantes divindades aves ldquomorte de animais e contaminaccedilotildees originadas por feiticcedilariardquo 157
Contudo a classificaccedilatildeo dos tsumi natildeo eacute a prioridade das fontes literaacuterias arcaicas
no episoacutedio protagonizado pela viuacuteva do Imperador Chūai (Jingū-kōgō神功皇后) do Kojiki
a nomeaccedilatildeo de nove ofensas denota a perspetiva dos japoneses em relaccedilatildeo a comportamentos
socialmente desviantes sobretudo de cariz sexual - a copulaccedilatildeo com quatro espeacutecies animais
(cavalos vacas paacutessaros e catildees) e o incesto satildeo considerados tsumi ndash aos quais se lhe juntam
as praacuteticas de esfolamento animal a destruiccedilatildeo dos campos de arroz e ainda a ldquodefecaccedilatildeo em
espaccedilos sagradosrdquo (no original kusohe 屎戸) 158
Aliaacutes eacute tambeacutem nesta passagem que se constata a atribuiccedilatildeo de um caraacutecter mais
ldquoritualrdquo a tsumi evidenciado pela presenccedila das palavras harai (祓い) um processo que tem
como meta a restauraccedilatildeo da pureza reunindo-se para o efeito oferendas oriundas de todos os
155
BOCK Felicia Engi-shiki Procedures of the Engi Era Books I-V Translated with introduction and notes by
Felicia Gressitt Bock Tokyo Sophia University 1970 pp 3-6 156
TSUSHIRO Hirofumi ldquoAmatsu tsumi Kunitsu tsumirdquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and Doctrines
Basic Terms (on line) lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23381gt
(consultado em 24-06-2018) 157
BOCK Felicia Engi-shiki Procedures of the Engi Era Books I-V Translated with introduction and notes by
Felicia Gressitt Bock Tokyo Sophia University 1970 pp 3-6 158
Com a excepccedilatildeo das formas de bestialidade e incesto os tsumi mencionados satildeo posteriormente categorizados
como amatsu no tsumi TAKEDA Tsunegaki op cit pp217-219
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
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cantos do territoacuterio e os proacuteprios tsumi kegare (穢) denotando a sujidade inerente deste tipo
de conduta (tsumi) que eacute eliminada por harai sendo defecaccedilatildeo um ato associado agrave ldquosujidade
fiacutesicardquo Com efeito realizar haraiharae devolve a ldquopurezardquo ao espaccedilo que tinha sido
ldquocontaminadordquo Ora neste episoacutedio particular a ldquobuscardquo de tsumi decorre em simultacircneo com
os preparativos para o ldquoritualrdquo fuacutenebre (mogari) do Imperador Chūai (仲哀天皇) 159
Tal como no Kojiki tambeacutem o Nihon shoki define tsumi como condutas ofensivas
no Inverno do 11ordm dia do 10ordm mecircs (quinto do ano de reinado) do Imperador Richū (履中天皇)
conclui-se que a suacutebita morte da Imperatriz tinha sido causada por uma ldquomaldiccedilatildeordquo (tatari 祟
り) enviada pelos ofendidos kami de Tsukushi no seguimento de dois tsumi cometidos por
Kurumamochi-be ndash taxar as terras administradas pelo Imperador sem autorizaccedilatildeo e ter
colocado ao seu serviccedilo (do ofensor) os suacutebditos dessa mesma terra acabando por usurpar a
posiccedilatildeo dos kami aiacute venerados Como puniccedilatildeo o soberano japonecircs obriga o ofensor a
executar misogi e posteriormente demite-o do seu cargo 160
se tsumi eacute a raiz de desarmonia
provocada pela accedilatildeo humana individual e repercutida no coletivo misogi eacute nada mais do que
o seu oposto focando-se na reposiccedilatildeo da Ordem pelo responsaacutevel assumindo contornos de
purificaccedilatildeo interna
Num dos eacuteditos do Imperador Yūryaku (雄略天皇) tsumi adquire uma natureza
ldquoperdoaacutevelrdquo ao escutar a canccedilatildeo entoada por Hata-no-sake-no-kimi o imperador absolve o
carpinteiro Kodakumitsuke-no-mita de ter forccedilado sexualmente 161
uma uneme 162
de Ise (na
verdade a jovem em questatildeo meramente tinha-se distraiacutedo a olhar para Kodakumitsuke-no-
mita estragando uma das oferendas que tinha acabado de preparar) 161
uma vez que o tsumi
de que tinha sido acusado o carpinteiro eacute considerado de tal ordem grave que o Imperador
pensou condenaacute-lo agrave morte eacute possiacutevel concluir que relaccedilotildees sexuais (forccediladas) justificavam a
pena capital
159
Nihonsinwa ldquo大祓いと罪悪rdquo (A Grande Purificaccedilatildeo e Crimes) 仲哀天皇(古事記)(Imperador Chūai
Kojiki) (on line) lthttpnihonsinwacompage577htmlgt (consultado em 24-06-2018) 160
Nihonsinwa ldquo履中天皇(十一)車持部の罪rdquo (Imperador Richū 11 O crime de Kurumamochi-be) 履中天皇 反正天皇(日本書紀)(Imperador Richū Imperador HanzeiHanshō Nihon shoki) (on line) lthttp
httpnihonsinwacompage1396htmlgt (consultado em 24-06-2018) 161
Nihonsinwa ldquo木工鬪鶏御田の冤罪と秦酒公の琴の声rdquo (As falsas acusaccedilotildees de Kodakumitsuke-no-mita e
a voz da biwa de Hata-no-sake-no-kimi) 雄略天皇(日本書紀)四十二 (Imperador Yūryaku Nihon shoki
42) (on-line) lthttpnihonsinwacompage1469htmlgt (consultado em 24-06-2018) 162
Uneme (采女) designa uma rdquofuncionaacuteriardquo da corte geralmente nomeada pelo Imperador ou pela Imperatriz
Segundo Nishigaki a funccedilatildeo destas jovens eacute de cuidar ldquodos afazeres do quotidianordquo dos seus empregadores
incluindo preparar a comida NISHIGAKI Yukio op cit p116
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 60
No registo de Veratildeo do ano seguinte tsumi eacute novamente uma ofensa de natureza
sexual o crime cometido por Hatane-no-mikoto ndash um parente afastado do atual imperador
legitimando eventuais ambiccedilotildees ao trono ndash eacute o de sorrateiramente ter tido relaccedilotildees com
Yama-no-be-no-Koshimako Apoacutes purificar-se de tais atos recorrendo ao pagamento em
cavalos e tachi (nome para uma katana longa) Hatane eacute posteriormente obrigado pelo
imperador a lsquodepositar no chatildeorsquo os seus pertences numa outra localizaccedilatildeo perdendo o seu
estatuto social Se neste caso a puniccedilatildeo de Yūryaku serve para preservar a sua posiccedilatildeo
poliacutetica impedindo um hipoteacutetico golpe de estado 163
no primeiro episoacutedio o castigo eacute
aplicado como forma de justiccedila pelos terriacuteveis atos do carpinteiro
Como se pode constatar nos exemplos referidos tsumi expressa um uacutenico crime algo
repercutido no registo do Imperador Ankan (安閑天王) no 12ordm mecircs do primeiro ano de
reinado o termo eacute usado para indicar o roubo do colar por parte de uma jovem e que o
imperador resolve ldquoarrependerrdquo (aganai 贖い164) um procedimento no qual se reunia uma
seacuterie de pessoas conhecidas do acusado que entregavam riquezas ao imperador esperando-se
desta forma evitar o ldquocontaacutegiordquo de tsumi cometido pelo criminoso Curiosamente a viacutetima do
roubo tambeacutem eacute incluiacuteda neste conjunto de pessoas justificado pelos receios de contaminaccedilatildeo
165 neste sentido tsumi eacute duplamente uma ofensa individual e algo de natureza
ldquocontaminadorardquo conotada com kegare e Desordem
Em outras croacutenicas como a dos Imperadores Bidatsu (敏達天皇) Kōtoku (孝徳天皇
e Tenmu (天武天皇) tsumi corresponde a crimes cometidos pela mesma pessoa ou por um
conjunto de indiviacuteduos no primeiro caso tsumi descreve dois atos de Naniwa - ter ldquoenganadordquo
a corte (de certo modo um caso de insubordinaccedilatildeo) e de ter feito com que um diplomata do
reino de Kōryo fosse morto 166
no segundo ano do terceiro mecircs de Kōtoku identificam-se os
163
Eacute interessante ver que o verbo okasu eacute usado nesta passagem para identificar o crime Dependendo do
contexto o verbo pode significar ldquoviolarrdquo ecoando as suspeitas do Imperador no episoacutedio anterior Outro termo
a ter em conta eacute o de ldquopurificaccedilatildeordquo harai natildeo envolve misogi mas natildeo deixa de ser harai distinguindo-se como
um tipo de harai associado a ldquopagamentosrdquo Nihonsinwa ldquo歯田根命は山辺小嶋子と姦通し罪を問われるrdquo
(Hatane-no-mikoto eacute interrogado pelo crime de adulteacuterio com Yamanobe-no-Koshimako) 雄略天皇 日本書紀( 四 十 三 ) (Imperador Yūryaku Nihon shoki 43) (on line) lthttpnihonsinwacompage1471htmlgt
(consultado em 24-06-2018) 164
Aganai deriva do verbo aganau (贖) ou ldquoarrependerrdquo no sentido de ldquocompensarrdquo por maus atos Outra
definiccedilatildeo possiacutevel eacute enterrar riquezas no chatildeo NISHIGAKI Yukio op cit p 27 165
Nihonsinwa ldquo廬城部連枳莒喩の娘の幡媛の罪物部尾輿も土地を献上rdquo (O crime da rapariga Hatahime
de Iwogibe-no-muraji-kyū Mononobe-no-Ōmuraji-okoshi tambeacutem presenteia no chatildeo) 安閑天皇 宣化天皇(日本書紀)(Imperadores Ankan Senka Nihon shoki) (on line) lthttpnihonsinwacompage1603htmlgt
(consultado em 24-06-2018) 166
Nihonsinwa ldquo難波の罪を数えるrdquo (Contar os crimes de Naniwa) 敏達天皇 日本書紀 Imperador Bidatsu
Nihon shoki) (on line) lthttpnihonsinwacompage1731htmlgt (consultado em 24-06-2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 61
criminosos e o crime de que satildeo acusados nomeadamente roubo de bens (cavalos armas
tecidos) a outros membros da corte e funcionaacuterios 167
Por uacuteltimo o Imperador Tenmu
menciona sete ldquocoisas maacutesrdquo (ashiki koto 悪しきこと ) cometidas por um clatilde o que
normalmente justificaria a presenccedila deste no palaacutecio a fim de se proceder a um
questionamento oficial Contudo a interceccedilatildeo de um outro indiviacuteduo em favor deste clatilde
resulta na concessatildeo de um perdatildeo imperial caso tornassem a cometer crimes natildeo teriam a
mesma sorte 168
Eacute impossiacutevel natildeo se constatar uma espeacutecie de consciencializaccedilatildeo japonesa no que
concerne agrave Desordem e os possiacuteveis meios para a combater todos os ldquoritosrdquo que precedem os
matsuri e outros atos de veneraccedilatildeo aos kami envolvem algum tipo de ldquopurificaccedilatildeordquo (coisas
pessoas e espaccedilos) expressando-se uma clara atitude de abominaccedilatildeo por tsumi kegare e imi
Ora numa abordagem mais teoacuterica o antagonismo eacute colocado de parte e qualquer um destes
conceitos pode ser analisado enquanto objeto de estudo facultando o desenvolvimento de
novas perspetivas da dicotomia ldquobemmalrdquo em contexto shintō
Segundo Ōwaki Yukiko a linha de pensamento de Norinaga atenta na natureza
ldquoinclusivardquo e natildeo ldquoexclusivardquo de tsumi tornando-o um coletivo de um certo nuacutemero de crimes
socialmente reprovaacuteveis de kegare magakoto e maga ou seja todo o tipo de ldquocoisasrdquo
negativas associadas ao ldquomalrdquo uma palavra que natildeo se deve identificar com o ldquomalrdquo segundo
a visatildeo religiosa ocidental 169
Ao reconhecer a dicotomia DesordemOrdem o indiviacuteduo
deixa-se guiar pelos kami da Ordem - Kamunaobi-no-kami (神直毘神) Ōnaobi-no-kami (大
直毘神) - pedindo-lhes emprestado o ldquopoder da sua mitamardquo isto eacute a sua ldquoessecircnciardquo Seguir
kami no michi torna-se deste modo seguir a Via favoraacutevel agrave purificaccedilatildeo das intenccedilotildees
permitindo afastar a influecircncia negativa e prejudicial de maga que por sua vez se foca em
espalhar Desordem pelo mundo 170
167
O kanji [過] ndash toga sinoacutenimo de tsumi ndash associa-se a okasu reforccedilando a sua leitura enquanto algo de
natureza criminosa Nihonsinwardquo孝徳天皇(二十六)穂積臣咋と巨勢徳禰臣の罪rdquo (Imperador Kōtoku 26
O Crime de Hozumi-no-Omi-kui e Kose-no-tokone-no-Omi (on line) 日本書紀 孝徳天皇 (Nihon shoki
Imperador Kōtoku) lthttpnihonsinwacompage2079htmlgt (consultado em 24-06-2018) 168
Nesta passagem ashiki koto substitui tsumi Nihonsinwa ldquo東漢直の7つの罪恩により許されるrdquo (Os
crimes dos Yamato-no-aya-no-atai Devido agrave graccedila [imperial] satildeo perdoados) 天武天皇(六十)日本書紀
(Imperador Tenmu 60 Nihon shoki) (on-line) lthttpnihonsinwacompage2317htmlgt (consultado em 24-06-
2018) 169
ŌWAKI Yukiko ldquoつみ 罪 Tsumirdquo 万葉神事語辞典 (Dicionaacuterio de 10 mil fragmentos dos assuntos de
kami) (on line) lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_dsgampdata_id=68730gt
(consultado em 24-06-2018) 170
MOTOORI N ldquo1-9 直毘霊rdquo(なおびのみたま) (1-9 Naobi no mitama) 古事記傳 (Kojikiden) (on
line) lthttpkumoi1webfc2comCCP059htmlgt (consultado em 24-06-2018)
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Com efeito a visatildeo particular de Norinaga em relaccedilatildeo a nao (直) e maga (禍) revela-
se fundamental para a compreensatildeo de kami no michi como um Caminho de retorno a uma
Ordem criada por algo natildeo humano e expressa pela naobi-no-mitama (直毘霊) Em outras
palavras nao eacute a antiacutetese de maga algo jaacute aludido na proacutepria etimologia dos dois vocaacutebulos
conotados com coisas ldquopositivasrdquo e ldquonegativasrdquo nao eacute entendido como ldquocorretordquo ldquodireitordquo e
ldquoretordquo uma disposiccedilatildeoatitude preferiacutevel e consequentemente uma caracteriacutestica ligada agrave
Ordem 171
ndash significa ldquocurarrdquo ou ldquopacificarrdquo consoante o contexto ndash maga eacute uma ldquocoisa maacute
desastrerdquo associando-se ainda ao kanji [曲] presente no verbo magaru traduzido por ldquovirarrdquo
ou ldquotorcerrdquo172
Todavia este ldquotorcerrdquo eacute permanente evidenciando a capacidade do indiviacuteduo
prevalecer sobre a influecircncia de maga magamal natildeo eacute inato ao homem justificando o
porquecirc de shintō tradicionalmente definir o homem pela sua ldquoboardquo natureza argumentando
que natildeo existem ldquopessoas maacutesrdquo (por natureza) mas ldquomaacutes intenccedilotildeesrdquo ldquodoenccedilasrdquo e ldquocoisas maacutesrdquo
neste mundo que satildeo impulsionadas pela existecircncia inevitaacutevel de maga 172
Com efeito este
manga eacute um entrave temporaacuterio agrave Ordem interpretaccedilatildeo ecoada por Ono Sokyō Referindo-se
agrave perspetiva ldquoxintoiacutestardquo antiga de uma ldquoorigem exteriorrdquo do mal este uacuteltimo identifica tal
origem com o ldquomundo da escuridatildeordquo personificado pelos magatsui no kami ldquoespiacuteritos
malignosrdquo admitindo que o homem vive num ldquomundo bomrdquo (um mundo de kami criado pelo
musubi) e a sua ldquoalmardquo eacute inerentemente boa ldquoo homem comete males porque perdeu foi-lhe
retirada a capacidade para accedilatildeo normalrdquo 173
Neste sentido tanto o Kojiki como o Nihon shoki apresentam uma explicaccedilatildeo para a
existecircncia desta Desordem Desordem eacute uma consequecircncia da libertaccedilatildeo no mundo de kegare
do Yomi-no-kuni contraiacutedo por Izanagi aquando da sua passagem por este domiacutenio inferior
Caracterizado pela sua sujidade 174
Yomi eacute o mundo dos mortos portanto eacute loacutegico que tudo
que faccedila parte desse lugar seja o oposto da Ordem oferecendo um viacutevido contraste com o
171
NISHIGAKI Yukio op cit p457 172
NISHIGAKI Yukio op cit p529 173
ONO Sokyō op cit pp105-107 174
A utilizaccedilatildeo da palavra ldquosujidaderdquo eacute justificada pela leitura do kanji [穢] como kitanaki presente na fala de
Izanagi O kami tem consciecircncia de ter regressado de uma ldquoterra sujardquo (kitanaki kuni 穢國) e procura de imediato
uma fonte de aacutegua para poder lavar o seu corpo (misogi) No texto original a frase lecirc-se ldquoA wa ina
shikomeshikomeki kitanaki kuni ni itarite arikeri Kare A wa mimi no misogi senrdquo (吾者到於伊那志許米志許
米岐 穢國而在祁理故吾者爲御身之禊而) sendo que [吾] eacute uma forma arcaica do pronome pessoal ldquoeurdquo
KURANO K ldquo 上 卷 并 序 rdquo (Prefaacutecio para o Capiacutetulo Superior) 古 事 記 (Kojiki) (on line)
lthttpwww004uppso-netnejpdassai1kojiki_kamiframekojiki_kami_framehtmgt (consultado em 24-06-
2018)
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mundo dos vivos gerado pela vontade dos kami e no qual aflui vida se os kami satildeo
consequecircncia de musubi os magatsui no kami possuem uma natureza diferente no Kojiki
correspondem a Yasomagatsubi-no-kami (八十禍津日神) e Ōmagatsubi-no-kami (大禍津日
神) e no Nihon shoki este uacuteltimo eacute substituiacutedo pelo Ōayatsubi-no-kami (大綾津日の神)
notando-se a inclusatildeo do som aya cujo significado eacute proacuteximo de maga 175
Aparecendo depois dos kami que se manifestaram agrave medida que Izanagi-no-kami se
despia os magatsui no kami satildeo corporizaccedilotildees de kegare Mencionados durante o ritual
misogi harai este par daacute iniacutecio ao ciclo de Desordem e Ordem reconhecido pelo indiviacuteduo
Desordem precede a Ordem que eacute interpretada como a ldquoessecircnciardquo dos naobi-no-kami ou seja
Kamunaobi-no-kami (神直毘神) Ōnaobi-no-kami (大直毘神) e ainda Izunome-no-kami (伊
豆能賣神) 176
A niacutevel etimoloacutegico a escolha do nome dos primeiros dois kami natildeo eacute uma escolha
aleatoacuteria na ediccedilatildeo do Kojiki-den (1940) compilado por Kurano Kenji Norinaga comenta que
os magatsui no kami possuem uma parte inicial que reforccedila a noccedilatildeo de ldquomuitordquo isto eacute yaso e
ō respetivamente uma parte do meio especificamente conotada com ldquonegativordquo (maga e aya)
a partiacutecula bi (日 ) que serve de auxiliar de fala tal como se constata no bi (毘 ) em
Kamunaobi-no-kami e Ōnaobi-no-kami Por conseguinte maga koto e jaaku (凶事邪悪)
derivam da tamashii de magatsubi no kami acrescentando-se que o verbo naosu (直す) pode
corresponder ldquoao ato de purificar atraveacutes de enxaguar o corpordquo (naosu to wa tsumari
susugikiyomerukoto wo iu 直すとはつまり滌ぎ清めることを言う) se maga significa
kegare kiyomeru eacute naosu Por outro lado naobi refere-se agrave mitama (御魂) capaz de efetuar
este naosu em maga acalmando a sua influecircncia 177
Se Norinaga eacute assertivo na origem exterior do mal que afeta tudo em nosso redor
imaginando um magatsubi no kami como derradeira personificaccedilatildeo das coisas malignas
outros autores natildeo compartilham dos mesmos sentimentos com um especial destaque para o
seu grande rival e anterior disciacutepulo Hirata Atsutane Apesar de aceitar a dicotomia maganao
175
Aya eacute o mesmo som presente em palavras simbolizando ldquoperigordquo e ldquocriserdquo (adjetivos ou pressentimentos) tais
como ayaui e ayabumu (Nishigaki pp 55-56) Portanto se Ōmagatsubi eacute literalmente ldquograndeenorme desastrerdquo
o Ōayatsubi eacute ldquograndeenorme perigordquo a conotaccedilatildeo ldquonegativardquo permanece MOTOORI N ldquo6-2 神代四之
巻rdquo (御身滌の段) (6-2 Kami-yo Livro Quatro- A secccedilatildeo de misosogi) 古事記傳 (Kojikiden) (on line)
lthttpkumoi1webfc2comCCP071htmlgt (consultado em 24-06-2018) 176
KURANO K ldquo 上 卷 并 序 rdquo (Prefaacutecio para o Capiacutetulo Superior) 古 事 記 (Kojiki) (on line)
lthttpwww004uppso-netnejpdassai1kojiki_kamiframekojiki_kami_framehtmgt (consultado em 24-06-
2018) 177
MOTOORI N ldquo6-2 神代四之巻rdquo (御身滌の段) (6-2 Kami-yo Livro Quatro- A secccedilatildeo de misosogi)
古事記傳 (Kojikiden) (on line) lthttpkumoi1webfc2comCCP071htmlgt (consultado em 24-06-2018)
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Hirata defende uma perspetiva inclusiva de ldquomalrdquo apoiada na ideia de que o ser humano
possui no seu interior o ldquoespiacuterito de Magatsuhi-no-kami que se torna violento quando algo
errado foi cometidordquo e o ldquoespiacuterito de Naobi-no-kamirdquo responsaacutevel por moderar a atuaccedilatildeo do
indiviacuteduo de uma forma relaxada e tranquila 178
Neste sentido definiram-se duas caracterizaccedilotildees distintas no que concerne agrave
interpretaccedilatildeo de mal Norinaga eacute um notoacuterio apoiante da teoria lsquomal= antiacutetese do bemrsquo em
todos os seus sentidos comentando o facto de magatsubi no kami ser uma forccedila que o homem
eacute incapaz de resistir e no seu maior extremo adquire uma natureza incontrolaacutevel indomaacutevel
fora do alcance do poder da kami do Sol e de Takagi no Ōkami (um outro termo para Taka-
musubi-no-kami) Contudo independentemente da sua existecircncia neste mundo ldquoos maus
kamirdquo agem simplesmente de acordo com a sua natureza e podem ser aplacados atraveacutes de
ldquoveneraccedilatildeo e execuccedilatildeo de purificaccedilatildeo quando algueacutem estabeleceu contacto com poluiccedilatildeordquo
No fundo a sua influecircncia negativa pode ser apaziguada e retificada graccedilas ao cultivo de uma
atitude de ldquoobservaccedilatildeo correta de veneraccedilatildeordquo 179
Por outro lado Hirata propotildee uma teoria diferente no sexto volume do Koshiden (古
史伝 ca 1812-1825) o autor rejeita a teoria de que magatsubi-no-kami e naobi-no-kami
associam-se somente agrave aramitama e nigimitama de Amaterasu respetivamente Ou seja a
dualidade aramitamanigimitama eacute comum a qualquer kami encontrando-se exemplos de
veneraccedilatildeo muacutetua da aramitama e nigimitama em locais especiacuteficos (cultos de Ise e Izumo)
Aliaacutes a anaacutelise de Hirata permitiu o estabelecimento de uma relaccedilatildeo entre dois kami e uma
ldquopresenccedila interiorrdquo (mitama) capaz de exercer influecircncia de forma positiva e negativa se
naobi-no-kami pertence agrave nigimitama de Ōmikami (Amaterasu) magatsubi no kami
corresponde agrave aramitama de Susano-o-no-mikoto 180
explica-se deste modo o seu
comportamento tempestuoso e irasciacutevel que levaria ao seu afastamento de Takamahara como
compensaccedilatildeo pelos seus tsumi
Com efeito quer se trate de um kami quer de um homem todos tecircm no seu interior a
capacidade de distinguir o ldquocorretordquo do ldquoerradordquo sendo que uma orientaccedilatildeo correta eacute parte
das responsabilidades do ldquoespiacuteritordquo de Naobi-no-kami moderando-se a atuaccedilatildeo do indiviacuteduo
178
PICKEN Stuart Sourcebook of Shinto op cit p 273 179
UEDA Kenji ldquoMagatsubi no Kami and Motoori Norinagarsquos Theologyrdquo Institute for Japanese Culture and
Classics Kokugakuin University (on line) lthttpwww2kokugakuinacjpijccwpcpjrkamiuedahtmltnoteIgt
(consultado em 24-06-2018) 180
HIRATA A ldquo古史伝 6rdquo National Diet Library (on-line) lthttpdlndlgojpinfondljppid772144gt
(consultado em 24-06-2018)
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de uma forma relaxada e tranquila Em contrapartida o ldquoerradordquo eacute representado pelo ldquoespiacuterito
de Magatsuhi-no-kami que se torna violento quando algo errado foi cometidordquo 181
Ora a existecircncia de um kami da Desordem (interior) natildeo implica a adoccedilatildeo de um
comportamento exclusivamente negativo e incorreto por parte deste magatsubi-no-kami eacute
uma consequecircncia e natildeo a raiz desta conduta tornando-se ldquoviolentordquo no caso da presenccedila de
kegare Estando esta ausente tal comportamento perde a sua razatildeo de ser possibilitando a
transiccedilatildeo do magatsubi no kami para um kami capaz de ldquoconceder felicidaderdquo um kami
beneacutefico e cuja essecircncia nunca pode ser maleacutefica antes pelo contraacuterio 182
No Japatildeo dos dias de hoje os conceitos ldquobemmalrdquo satildeo mais ambiacuteguos do que claros
a classificaccedilatildeo de accedilotildees em boasmaacutes depende das ldquocircunstacircncias motivos propoacutesitos
tempo lugarrdquo embora uma coisa seja certa a ldquosinceridaderdquo do nosso ldquocoraccedilatildeordquo que rege uma
conduta ldquoproacutepriardquo e cortecircs favoraacutevel ao natildeo conflito e agrave manutenccedilatildeo da paz e ordem socialrdquo
Tudo que potildee em causa a harmonia merece o roacutetulo de ldquomalignordquo quer se trate de ldquopecados
poluiccedilatildeo e desastresrdquo cabendo agrave ldquoalmardquo do ser humano distinguir entre o bem e o malrdquo 183
algo que soacute eacute possiacutevel se se cultivar uma relaccedilatildeo suficientemente forte com os kami atraveacutes
desta ligaccedilatildeo muacutetua o homem aprende a afastar-se do que lhe eacute prejudicial uma preocupaccedilatildeo
que se estende a qualquer vertente de shintō dos dias de hoje a reposiccedilatildeo da Ordem eacute sem
duacutevida a grande prioridade dos rituais que se esforccedilam por combater qualquer forma de
Desordem
A segunda grande causa da Desordem eacute kegare uma ldquocondiccedilatildeo poluiacuteda e malignardquo
A ldquoantiacutetese de purezardquo kegare eacute ldquoresultado de fenoacutemenos ocorrentes naturaisrdquo e possui uma
natureza facilmente ldquocontaminaacutevelrdquo uma vez que ldquoquando esta corrupccedilatildeo aderia ao indiviacuteduo
tambeacutem trazia calamidades agrave sociedaderdquo 184
Um termo descritivo de ldquoespeciacuteficos tipos de
impureza causados pelo parto menstruaccedilatildeo doenccedilas e morte (hellip) presenccedila de kegare eacute
ignorada tatari (desgraccedila) pode chegar como avisordquo 185
kegare distingue-se de tsumi por ser
sensorialmente impuro distanciando-se do sentido de eticamente impuro patente em tsumi a
conduta errada que danifica o proacuteprio indiviacuteduo e o coletivo
181
PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit p 273 182
KOYASU Nobukuni Hirata Atsutane no Sekai (平田篤胤の世界) Tokyo Berikansha 2001 p205 183 ONO Sokyō op cit pp105-107 184
NISHIOKA Kazuhiko ldquoKegarerdquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and Doctrines Basic Terms (on line)
lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23417gt (consultado em 24-06-
2018) 185
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit p 191
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
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A niacutevel etimoloacutegico kegare pode ser escrito de duas formas se usado no discurso do
dia-a-dia utiliza-se [汚] um kanji presente em kitanai (汚い) ou ldquosujordquo kegarawashii (汚ら
わしい) ou ldquonojentordquo yogosu (汚す) e yogoreru (汚れる) respetivamente ldquosujarrdquo e ldquosujar-
serdquo oshoku (汚職) ou ldquocorrupccedilatildeordquo e ainda osen ( 汚染) isto eacute e ldquopoluiccedilatildeordquo (ecoloacutegica)
composto pelo kanji [汚] e pelo kanji usado para escrever o verbo someru (染める) traduzido
por ldquopintarrdquo (no sentido de ldquomancharrdquo) Em suma uma condiccedilatildeo na qual o indiviacuteduo ou o
objeto natildeo estaacute limpo assemelhando-se aos vocaacutebulos fujō (不浄 ldquoimpurordquo) e fuketsu (不潔
ldquonatildeo higieacutenicordquo)
Em contrapartida o kegare ritual escreve-se com o kanji [穢] e o seu som kega eacute um
homoacutefono do vocaacutebulo kega (怪我) significando ldquoferidardquo ou ldquomagoarrdquo involuntariamente
como resultado de erros cometidos claramente reforccedilando a sua conotaccedilatildeo negativa
evidenciada pelo verbo kegareru (汚れる穢れる) que supostamente se desenvolveu graccedilas agrave
junccedilatildeo da partiacutecula ke (geralmente lida como ki 気) e do verbo karu escrito com o mesmo
kanji [離] usado em hanareru (れる) isto eacute ldquoafastar-serdquo 186
Neste sentido kegareru pode ser melhor descrito como uma certa accedilatildeo que provoca
o afastamento do ki - espeacutecie de ldquofluxo de energiardquo imanente em tudo que eacute vivo ndash e
consequentemente eacute capaz de atrair todo o tipo de influecircncias negativas Aliaacutes alguns
estudos modernos realizados por japoneses atribuem a origem de kegare (穢) agrave expressatildeo
kegare (気枯) que constituiacuteda pela junccedilatildeo de ki e kare - forma nominal do verbo kareru
geralmente traduzido por ldquomurcharrdquo - kegare (気枯) significaria literalmente ldquoki que murchardquo
ecoando esta ideia de ldquoafastamento do kirdquo que eacute nada mais do que perda de vitalidade 187
Uma Desordem natural que eacute combatida pela purificaccedilatildeo quer recorrendo ao natildeo
contacto com certos alimentos ou objetos (mono imi 物忌) ou agrave realizaccedilatildeo de ldquoabluccedilotildeesrdquo que
afetem a ldquomente e corpordquo (心身) do indiviacuteduo enquanto este venera os kami kegare eacute ldquoum
estado de divergecircncia do que eacute comum uma condiccedilatildeo que se deve abster-se com receiordquo
Caracterizada pelo gradual murchar de ke ndash substitui-se o kanji [気] pelo de [褻] que significa
ldquomundanordquo ndash kegare pode ateacute afetar os alimentos utilizados nos matsuri ao mesmo tempo
que se reconhece a natureza sagrada destas oferendas pensava-se que os alimentos (odango
feijatildeo) eram ldquotambeacutem uma existecircncia sujardquo que justificava a sua eliminaccedilatildeo pela aacutegua fogo
186
NISHIGAKI Yukio op cit pp269-270
187 ITŌ Nobuhiro ldquo穢れと結界に関する一考察 lsquoケガレrsquoとrsquoケrsquordquo (An analysis concerning kegare and
barriers ldquokegarerdquo and ldquokerdquo) Studies in language and culture (言語文化論集) nordm 24 (1) 2002 pp 3-22
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 67
sal e lama elementos portadores de ldquoefeitos purificadoresrdquo (jōka sayō 浄化作用) sendo
destruiacutedos ou queimados apoacutes as festividades 187
Numa interpretaccedilatildeo alternativa eacute possiacutevel explicar kegare como uma das partes da
dicotomia kegarehare para a antropoacuteloga Namihira Emiko kegare expressa ldquoocasiotildees
poluentes tais como funerais ritos memoriais nascimento de crianccedilas menstruaccedilatildeo feridas
(hellip) poluiccedilatildeo pode vir tanto de morte como de sanguerdquo por oposiccedilatildeo a hare ldquoocasiotildees
auspiciosas ou felizes formais tais como Ano Novo festivais matsuri Shinto Miyamairi e
outras cerimoacutenias Shintordquo positivas 188
de celebraccedilatildeo da vida e reposiccedilatildeo da Ordem
conotando-se com o que na linguagem contemporacircnea eacute automaticamente reconhecido como
ldquopurezardquo
Automaticamente associado a coisas impuras kegare eacute essencial no entendimento da
tradiccedilatildeo de discriminaccedilatildeo do geacutenero feminino sobretudo no que diz respeito a kegare oriundo
de sangue (menstruaccedilatildeo) e do parto posteriormente identificados com ldquoimpureza vermelhardquo
(aka fujō 赤不浄) e ldquoimpureza brancardquo (shira fujō 白不浄) respetivamente um sistema de
classificaccedilatildeo que remonta somente ao Periacuteodo Meiji acrescentando-se uma terceira ldquoforma de
impurezardquo haacute jaacute muito reconhecida na sociedade japonesa e capaz de afetar ambos geacuteneros a
ldquoimpureza negrardquo (kuro fujō 黒不浄) 189
sinoacutenimo de shie ou ldquokegare da morterdquo (死穢)
caucionando o indiviacuteduo contra o prolongado contacto direto e indireto com mortos
Ora jaacute as primeiras fontes histoacutericas japonesas perspetivam kegare como uma forma
de Desordem se no Nihon Kōki (日本後紀) o termo quase nunca surge de forma isolada
fazendo parte das palavras [凶穢] [損穢] [汚穢] e [ 穢悪之事] respetivamente registadas
nos anos 797 806 815 e 811 190
no Zoku Nihongi (続日本紀) regista-se [有穢] ou ldquokegare
arirdquo (ldquoter kegarerdquo) aludindo agrave materializaccedilatildeo de kegare 191
Uma vez que tanto o nascimento e a morte de animais ou humanos satildeo kegare eacute
possiacutevel afirmar que enquanto conceito kegare sofreu uma elevada consciencializaccedilatildeo no
seio da sociedade japonesa ndash kegare eacute algo que pode ldquomancharrdquo e ldquocontaminarrdquo ndash ao ponto de
interferecircncia nos rituais aos kami como se pode constatar no Nihon Sandai Jitsuroku (日本三
188
PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit pp 309-310 189
AMA Toshimaro ldquo日本の rsquo疑似伝統 rsquordquo (Distortion of Japanese Tradition) Meiji Gakuin review
International amp regional studies nordm 8 1991 pp 1-22
190 SAEKI A 日本後紀 朝日新聞本 (Nihon Goki Versatildeo do Jornal Asahi) (on line) lthttpwwwj-
textscomchukokoukiallhtmlgt (consultado em 24-06-2018) 191
MIZUMOTO Masahisa ldquo大本敬久 触穢の成立 日本古代における「穢」概念の変遷rdquo (ldquoBook review
lsquoDevelopment of Shokue Changes of the Kegare Concept in the Ancient Japan by Ōmoto Takahisarsquordquo) Buraku
Kaihō Kenkyū (部落解放研究) nordm 199 2013 pp 118-123
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 68
代実録) Por outras palavras a presenccedila de kegare pode justificar o cancelamento de certos
matsuri encontrando-se vaacuterias referecircncias a esta ldquointerrupccedilatildeordquo (teishi停止) no registo do ano
683 (Kinensai e Hirano Umemiya matsuri) e no de 866 e 874 (Tsukinamisai) outro exemplo
a ter em consideraccedilatildeo data do seacutetimo ano da era Jōgan (nono mecircs deacutecimo primeiro dia) e
ilustra kegare como algo nocivo agrave execuccedilatildeo dos ldquoritosrdquo no Ise Jingū que eacute eliminado por
membros da corte 192
Podendo ser visto ouvido degustado cheirado e tocado algo expresso no conceito
de shokue (触穢) literalmente ldquokegare de toquerdquo ndash o primeiro kanji eacute o mesmo usado para o
verbo ldquotocarrdquo (sawaru) ndash kegare eacute classificado por fontes do Periacuteodo Heian como o jaacute
mencionado Nihon Sandai Jitsuroku que lista as seguintes categorias shokue (nas croacutenicas
dos anos 859 862 e 886) shie (episoacutedios dos anos 861-864 865 871 876 878-879 880
882-883 885-887) - especificando se se trata da morte de um animal (catildees cavalos raposa)
ou de um humano (人死穢 e 人死之穢) procedendo-se ao cumprimento de regras de
ldquoabstenccedilatildeordquo como medidas de contingecircncia contra o alastramento de impureza - e san no
kegare exclusivamente associado a catildees ndash no texto original lecirc-se presumivelmente inu sanrsquoe
(犬産穢) ndash descritos no nono mecircs do terceiro dia (ano 865) no deacutecimo mecircs do seacutetimo dia
(ano 867) em dois dias do ano 870 nos anos 877 879 880 884 885 e por uacuteltimo no ano
886 193
Quanto a ketsue (血穢) ou chi no kegare a ldquoimpureza de sanguerdquo eacute discriminada no
episoacutedio do Kojiki (reinado do Imperador Keikō) que descreve o casamento entre Yamato-
takeru-no-mikoto (倭建命) e a menstruada Miya-uke-hime (美夜受比売) um facto entoado
num ldquopoemardquo (uta 歌) pelo proacuteprio esposo e correspondido por esta na noite de nuacutepcias
Assim ketsue eacute o melhor representante da visatildeo lsquosangue = impurezarsquo independentemente de
este pertencer a uma mulher ou a um homem o sangue de um ser vivo era encarado num
misto de receio e fasciacutenio pensando-se que este liacutequido era portador de ldquoum poder forterdquo
192
SAEKI A 日本三代實録 全巻朝日新聞本 (Nihon Sandai Jitsuroku Volume Completo Versatildeo de do
Jornal Asahi) (on line) lthttpwwwj-textscomchukosandaihtmlgt (consultado em 24-06-2018) 193
SAEKI A 日本三代實録 全巻朝日新聞本 (Nihon Sandai Jitsuroku Volume Completo Versatildeo de do
Jornal Asahi) (on line) lthttpwwwj-textscomchukosandaihtmlgt (consultado em 24-06-2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 69
Como resultado o sangue tornar-se-ia um imi (忌) a nunca referir em discurso muito menos
durante a realizaccedilatildeo dos atos de veneraccedilatildeo aos kami 194
Em contrapartida tambeacutem o Saigūki (西宮記 ca seacutec X) regista casos de ketsue
durante o Kamo-matsuri no quarto mecircs do ano 839 e no Sono-matsuri segundo mecircs do ano
851 190
Seguidamente em contexto dos proacuteprios ritos do Naikū a proacutepria palavra ldquosanguerdquo
(血) seria adicionada agrave lista de imikotoba presente no Kōtai Jingū Gishiki-chō 195
Jaacute na 52ordf
aliacutenea do terceiro volume do Engishiki caucionar-se-ia as menstruadas jovens do palaacutecio (ari
tsuki-goto-mono 有月事者) a retirarem-se para suas casas na veacutespera do matsuri e praticar
ldquoabstinecircnciardquo (kessai 潔斎) no terceiro e nono mecircs (Anexo I) 196
Uma vez que o sangue eacute um liacutequido presente no parto de animais e seres humanos natildeo
eacute estranho o facto de o nascimento partilhar do mesmo sentido negativo que a morte ou o
sangue menstrual como jaacute mencionado o Nihon Sandai Jitsuroku cita ocorrecircncias de dano
fetal e nascimento de catildees como motivos para adiar certos ritos 197
e em dois episoacutedios
descritos no ano de 919 (Teishinkōki) e 1119 (Chōshūki) respetivamente se no primeiro caso
esta variedade de kegare eacute mais que suficiente para interromper o Kinensai - agrave semelhanccedila do
ano 683 (Nihon Sandai Jitsuroku) ndash no segundo o parto de uma crianccedila originou kegare que
se espalhou por todos os cantos 198
194
IDE Maya USHIYAMA Yoshiyuki ldquo古代日本における穢れ観念の形成rdquo (Formation of Attitudes
Toward Pollution [kegare] in Ancient Japan) Shinshu University Journal of Educational Research and Practice
(信州大学教育学部研究論集) nordm 9 2016 pp 81-93 195
O Kōtai Jingū Gishiki-chō foi produzida por volta do seacutec IX pelo Naikū e entregue ao Jingikan para revisatildeo
Interessantemente a maior parte deste conjunto de palavras satildeo de origem ldquobudistardquo refletindo a abominaccedilatildeo de
shintō em relaccedilatildeo a ldquoensinamentos de forardquo Segundo Wada a expressatildeo ldquo 血乎阿世止云 rdquo significa
simplesmente que ldquoaserdquo (阿世) ndash ase pode querer indicar a palavra japonesa para ldquosuorrdquo (汗) - deve ser usada
como ldquosubstituto de ldquochirdquo (sangue) O autor afirma tambeacutem que sangue e urina eram considerados liacutequidos
impuros portanto automaticamente interditos nestes espaccedilos WADA Atsumu ldquo特別寄稿 古代社会とケガレ
意識rdquo (Contribuiccedilatildeo Especial Sociedade dos Tempos Antigos e a consciencializaccedilatildeo de kegare) 奈良県立同和問題関係史料センター 研究紀要 (Centro Prefeitoral de Nara para Registos Histoacutericos de Discriminaccedilatildeo
Boletim de Investigaccedilatildeo) Nara-ken Ritsudō Wa Mondai Kankei Shiryō Sentā Kenkyū kiyō) nordm 11 Dezembro
2007 pp 114-136 196
FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第三 神祇三 臨時祭rdquo (Terceiro Livro Jingi Trecircs Matsuri de
Ocasiotildees Extraordinaacuterias) 延 喜 式 (Engishiki) (on-line)
lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi03htmgt (consultado em 24-06-2018) 197
SAEKI A 日本三代實録 全巻朝日新聞本 (Nihon Sandai Jitsuroku Volume Completo Versatildeo de do
Jornal Asahi) (on line) lthttpwwwj-textscomchukosandaihtmlgt (consultado em 24-06-2018)
198 IDE Maya USHIYAMA Yoshiyuki ldquo古代日本における穢れ観念の形成rdquo (Formation of Attitudes
Toward Pollution [kegare] in Ancient Japan) Shinshu University Journal of Educational Research and Practice
(信州大学教育学部研究論集) nordm 9 2016 pp 81-93
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 70
No que concerne a shie esta eacute talvez a forma de kegare mais abominada pela
sociedade japonesa pela sua ligaccedilatildeo direta com a morte morte (intencional ou natural) nunca
eacute motivo de celebraccedilatildeo e os rituais de shintō priorizam a vida ou seja ldquocrescer culturas e
receber vida Receber vida e dar graccedilas agrave vida representa a visatildeo de vida fundamental de
Shintordquo 199
tornando os matsuri natildeo soacute expressotildees de rituais positivos mas tambeacutem
celebraccedilotildees da vida da sociedade aproximando o indiviacuteduo do coletivo
Com efeito se a vida aproxima a morte afasta e traz consigo kegare a sua existecircncia
poderaacute provocar o cancelamento de certos matsuri Ao longo da histoacuteria do Japatildeo morte
nunca foi desassociada de kegare e imi sendo que ateacute mesmo a sociedade contemporacircnea
hesita em referir-se abertamente agrave morte individual de seres humanos respeitando uma seacuterie
de regulaccedilotildees que envolvem a natildeo pronunciaccedilatildeo de palavras que pudessem ser analogias agrave
morte (imikotoba) a praacutetica de ldquokichūrdquo (忌中) entre as pessoas da mesma famiacutelia do falecido
a distribuiccedilatildeo de um tipo de ldquosal purificadorrdquo (kiyome no shio 清めの塩 ) entre os
participantes do funeral Incidentalmente o costume ldquomodernordquo de visitar as campas dos
antepassados e dos membros da famiacutelia recentemente falecidos era totalmente posto de parte
pela corte do Periacuteodo Heian temendo-se o perigo de contaminaccedilatildeo devido agrave forte ldquoligaccedilatildeo de
sanguerdquo entre membros da mesma famiacutelia (sobretudo parentes proacuteximos) 200
Surgindo frequentemente no Kojiki e Nihon shoki kegare natildeo passa de uma palavra
(adjetivo verbo ou nome) sem categorizaccedilotildees integrando um grupo de vocaacutebulos constituiacutedo
por termos de conotaccedilatildeo negativamaligna kitanashi (垢濁悪) ashi (悪邪 凶) arashi
(荒) shiko (醜 凶) e maga (禍 悪 禍害枉 凶) 201
Ora independentemente da ausecircncia do
kanji (死穢) ambas fontes reconhecem a natureza ldquopoluenterdquo da morte no Kojiki o Yomi-no-
kuni eacute descrito como um local desolador repleto de kegare no qual residem mulheres ldquoodiosasrdquo
e um mundo afastado de tudo que eacute vivo Assim na passagem do retorno do Izanagi ao
mundo da superfiacutecie o kanji eacute lido pela primeira vez como adjetivo (kitanaki) 202
199
SANDVIK Leiff Showcasing Shinto The Reinvention of Shinto as an Ecological Religion Masterrsquos Degree
Thesis in History of Religion submitted to the Department of Culture Studies and Oriental Languages of the
University of Oslo supervised by Prof Nora Stene Preston and Prof Dr Mark Teuween 2011 200
AMA Toshimaro ldquo日本の rsquo疑似伝統 rsquordquo (ldquoDistortion of Japanese Traditionrdquo) Meiji Gakuin review
International amp regional studies nordm 8 1991 pp 1-22 201
ITŌ Nobuhiro ldquo穢れと結界に関する一考察 lsquoケガレrsquoとrsquoケrsquordquo (An analysis concerning kegare and
barriers ldquokegarerdquo and ldquokerdquo) Studies in language and culture (言語文化論集) nordm 24 (1) 2002 pp 3-22 202
KURANO K ldquo 上 卷 并 序 rdquo (Prefaacutecio para o Capiacutetulo Superior) 古 事 記 (Kojiki) (on line)
lthttpwww004uppso-netnejpdassai1kojiki_kamiframekojiki_kami_framehtmgt (consultado em 24-06-
2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 71
Com efeito a relaccedilatildeo shi ndash kegare ndash fujō repercute-se no Nihon shoki [穢] marca
presenccedila nas falas de Izanagi primeiro como adjetivo qualificativo de um ldquolugar horrendo e
sujordquo (inashikomeki kitanaki tokoro 不須也凶目汚穢之處) que eacute identificado com o Yomi-
no-kuni o mundo dos mortos Seguidamente o kanji precede o de [濁] ou nigoru (ldquoturvordquo)
base dos nigorasu nigoraseru e um sinoacutenimo de yogoreru (ldquosujar-serdquo) descreve-se deste
modo o corpo fisicamente ldquosujordquo de Izanagi-no-mikoto que precisa de ser lavado (mi no
kegawashikimono wo arai saran 身の濁穢 を滌い去らん) 203
A associaccedilatildeo entre a morte e a Desordem estende-se para laacute dos episoacutedios de cariz
mitoloacutegico o registo da regente imperial Kōgyoku nota que no seguimento da morte (em
territoacuterio japonecircs) de um filho do diplomata do reino coreano de Paekche nenhum dos
membros da famiacutelia se dignou a aparecer no seu funeral temendo-se uma possiacutevel
contaminaccedilatildeo Apesar de esta atitude de evitaccedilatildeo natildeo ser japonesa a popularidade de obras
chinesas que descreviam as cerimoacutenias e os ritos funeraacuterios (envergamento de branco cor do
luto) contribuiria para a fundamentaccedilatildeo de uma tradiccedilatildeo de evitaccedilatildeo de shie a vaacuterios niacuteveis
comeccedilando com definiccedilotildees do enterro a interdiccedilatildeo da cerimoacutenia mogari e outros costumes
que envolviam a morte (corte de cabelo para o bem dos mortos) 204
Por volta do Periacuteodo Heian jaacute era ldquooficialrdquo a abominaccedilatildeo dos membros da corte em
relaccedilatildeo a kegare o Kōnishiki (弘仁式) do Saigūki o Jingiryō e eacute claro o Engishiki definem
kegare como um conjunto de atos a evitar por parte dos indiviacuteduos no seacutetimo volume do
Saigūki nascimento e morte de pessoas e animais domeacutesticos o consumo de carne destes
uacuteltimos fazer luto e visitar doentes implicava um periacuteodo de ldquoevitaccedilatildeordquo ritual de trinta dias
(morte humana) sete dias (nascimento humano) cinco dias (morte animal) e trecircs dias
(consume de carne luto e visita de doentes) 205
No que concerne ao Jingiryō segundo as aliacuteneas dedicadas agrave ldquoabstinecircnciardquo (散斎条)
enterrar coisas em casa luto visita de doentes consumo de carne natildeo produccedilatildeo de muacutesica
entre outros atos de caraacutecter legal (ldquonatildeo julgar em tribunais natildeo punir culpadosrdquo) justificam
este ritual de reposiccedilatildeo da Ordem cuja duraccedilatildeo depende da dimensatildeo dos ritos em questatildeo
203
SAKAMOTO Trdquo一書第六 原文rdquo (Sexto livro Texto Original) 日本書紀 卷第一 第五段 (Nihon
shoki Primeiro Capiacutetulo Quinta Secccedilatildeo) (on line) lthttpwww004uppso-
netnejpdassai1shokiframe0105_06frhtmgt (consultado em 24-06-2018) 204
ITŌ Nobuhiro ldquo穢れと結界に関する一考察 lsquoケガレrsquoとrsquoケrsquordquo (An analysis concerning kegare and
barriers ldquokegarerdquo and ldquokerdquo) Studies in language and culture (言語文化論集) nordm 24 (1) 2002 pp 3-22 205
IDE Maya USHIYAMA Yoshiyuki ldquo古代日本における穢れ観念の形成rdquo (Formation of Attitudes
Toward Pollution [kegare] in Ancient Japan) Shinshu University Journal of Educational Research and Practice
(信州大学教育学部研究論集) nordm 9 2016 pp 81-93
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 72
(inspirado nos coacutedigos da dinastia Tang) ldquograndes ritosrdquo soacute se realizavam apoacutes um periacuteodo de
ldquoabstenccedilatildeordquo mensal (1ヶ月の斎を大祀) trecircs dias no caso dos ldquoritos meacutediosrdquo (3日の斎を
中祀) e um dia para os ldquoritos pequenosrdquo (1日の斎を小祀) 206
Agrave semelhanccedila de Jingiryō e do Saigūki o Engishiki repercute a tendecircncia de
ldquoevitaccedilatildeordquo como o uacutenico modo de se precaver contra os perigos de kegare formalmente
designando esta de shokue Mencionada sobretudo no terceiro volume concretamente nas
aliacuteneas 47 48 53 e 54 shokue deve ser eliminado consoante as especificaccedilotildees presentes no
Saigūki na segunda aliacutenea os atos de luto (弔喪) visitar doentes e ldquoalcanccedilar um lugar onde
um montemontanha estaacute a ser construiacutedo ou encontrar um serviccedilo memorial Budista de 37
diasrdquo inviabiliza a entrada do indiviacuteduo no ldquoPalaacutecio Imperial nesse diardquo independentemente
de o proacuteprio natildeo estar contaminado (Anexo I) Na terceira aliacutenea afirma-se que shokue pode
ser transmitido de um local para uma pessoa ou um grupo apesar de natildeo haver risco de
kegare para as pessoas em contacto com uma segunda pessoa ldquocontaminadardquo Jaacute na uacuteltima
aliacutenea a presenccedila de kegare num ldquooficial do Palaacuteciordquo natildeo pode comprometer os
procedimentos dos matsuri 207
O aprofundamento do estudo do conceito de kegare tambeacutem facultou o
desenvolvimento de toda uma perspetiva japonesa na qual objetos locais accedilotildees e ateacute mesmo
palavras satildeo rapidamente integradas no quadro cerimonial shintō embora como distintos
entraves a este uacuteltimo Ora apesar de imi natildeo lhe ser inato (a shintō) e jaacute ter existido de forma
latente na sociedade arcaica foi graccedilas ao processo de edificaccedilatildeo desta Via por parte da corte
que imi ndash geralmente entendido num sentido muito negativo ndash gradualmente conjugaria
ambos aspeto de causa e efeito da Desordem e da Ordem evidenciada pela dicotomia imi (忌)
e imi (斎) dois kanji homoacutefonos de significado antiteacutetico que constituem uma seacuterie de
vocaacutebulos e expressotildees geralmente conotadas com o negativo e o positivo respetivamente
No caso do primeiro imi este eacute alternadamente lido como imu e ki (foneacutetica chinesa)
marcando presenccedila nas palavras imawashii (忌まわしい) um adjetivo traduzido como ldquomau
pressaacutegiordquo 208
o nome kinki ( 禁忌) accedilatildeo interdita em meios sociais (ldquofrases proibidasrdquo
206
IGARI Hiromi ldquo第六 神祇令 全 20 条rdquo (Sexto [Volume] Jingiryō todas as 20 aliacuteneas) 現代語訳「養老 令 」 全 三 十 編 (Traduccedilatildeo moderna Yōrō-ryō todos os 30 volumes) (on-line)
lthttpwwwsoldtinejphiromikanseiyoro06htmlgt (consultado em 24-06-2018) 207
FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第三 神祇三 臨時祭rdquo (Terceiro Livro Jingi Trecircs Matsuri de
Ocasiotildees Extraordinaacuterias) 延 喜 式 (Engishiki) (on-line)
lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi03htmgt (consultado em 24-06-2018) 208
NISHIGAKI Yukio op cit p90
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 73
denominam-se kinku 禁句) expressa numa atitude de afastamento e natildeo contacto com certas
coisas - uma vez que ldquoquebrar o tabu convidaria desgraccedilas tais como feridas e doenccedilasrdquo 209
e
as imikotoba (忌詞) cuja pronunciaccedilatildeo atrai ldquomaacute-sorterdquo ldquodesastresrdquo e ldquodesgraccedilasrdquo 210
Englobando dezenas de verbos adjetivos e outros vocaacutebulos do dia-a-dia imikotoba
natildeo devem ser proferidas em casamentos e noivados (acabar ndash owaru cortarcortar-se ndash
kirukireru) admissotildees escolares e empresariais e sucesso no trabalho (desistirparar ndash yameru
interrupccedilatildeo ndash chūshi) abertura de lojas e negoacutecios (fechar ndash tojiru perder ndash makeru) gravidez
e parto (cair ndash ochiru jazer ndash horobiru fraco ndash yowai murchar ndash kareru) construccedilatildeo de casas
(fogo - hika fumo ndash kemuri) e ainda expressotildees de longevidade 211
Por conseguinte imi (忌) eacute integrado na terminologia fuacutenebre japonesa kichū (忌中)
e kiake (忌明け) expressam o periacuteodo preacute-definido e o fim de [忌] cujo objetivo eacute fazer com
que o indiviacuteduo receie a morte e tudo que esteja relacionado com esta justificando uma
conduta mais cuidada moderada e austera Neste sentido o familiar do falecido refreia-se de
praticar os atos de veneraccedilatildeo em jinja sendo-lhe interdita a entrada na aacuterea destes uacuteltimos e a
sua participaccedilatildeo em matsuri ocasiotildees festivas (casamentos e outras cerimoacutenias viagens
luacutedicas) eventos de celebraccedilatildeo (adiados ateacute kiake) renovaccedilatildeo da casa solo e compras de
grande porte Para o efeito o indiviacuteduo pode escolher sujeitar a casa a uma purificaccedilatildeo
domeacutestica denominada kiake harai (忌明け祓い) cinquenta dias apoacutes a morte do falecido
De caraacutecter muito simples esta praacutetica envolve a entoaccedilatildeo de uma inori por parte de um
ldquoprofissionalrdquo 212
209
Iwai Hiroshi acrescenta que este kinki se relaciona com abstinecircncia do indiviacuteduo (monoimi) sendo que no
caso dos que executam os ritos kami procurava-se manter ldquoum estado de pureza fiacutesica e mentalrdquo evitando
contactar coisas poluiacutedas por um periacuteodo especiacutefico No caso da morte de um parente as pessoas de luto nunca
podem sair agrave rua IWAI Hiroshi ldquoKinkirdquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and Doctrines Basic Terms (on
line) httpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23410gt (consultado em 24-06-
2018) 210
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 171-172
211 Muitas destas palavras foram escolhidas pelo seu significado negativo e ldquopessimistardquo por exemplo ldquopartirrdquo
(saruwareru) e ldquocortar (kiru) podem indicar um eufemismo para morte acrescentando-se o nuacutemero quatro (shi)
que eacute homoacutefono da palavra ldquomorterdquo (shi) Fumitei お祝いには避けたい 忌み言葉 (Querer evitar em
celebraccedilotildees as imikotoba) (on line) lthttpwwwfumiteijpstep3imi_kotobahtml04syussangt (consultado em
24-06-2018) 212
Imi varia consoante o membro da famiacutelia em questatildeo e geralmente eacute feito em simultacircneo com fuku (服) se
bem que este uacuteltimo associa-se ao esforccedilo mental do indiviacuteduo que procura ultrapassar a sensaccedilatildeo de perda e
regressar agrave sua vida normal algo que pode estender-se ateacute seis meses Hyōgo-ken Jinja-chō 先祖のおまつり
(Celebraccedilatildeo dos antepassados) (on line) lthttpwwwhyogo-jinjachocomfaqfaq08htmlgt (consultado em 24-
06-2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 74
Como se pode constatar a maioria das palavras derivadas de [忌] natildeo possuem um
significado positivo (exceccedilatildeo de kiake e kiake harai) o que eacute concordante com a tradiccedilatildeo de
lsquoimi= malrsquo ilustrada na literatura de corte dos Periacuteodos Nara-Heian (manuais e outros textos
rituais) assemelhando-se aos termos kegare e tsumi
No entanto deve-se ter sempre em consideraccedilatildeo a natureza ambiacutegua deste termo
Nishigaki Yukio (2005) define imu (忌斎) como lsquocoisas sagradasrsquo (shinsei na mono 神聖な
もの) morte e coisas sujas que as pessoas do Japatildeo antigo pensavam que natildeo se podiam tocar
devido ao facto de possuir um poder forterdquo 213
capaz de influenciar positiva e negativamente o
indiviacuteduo ecoando a interpretaccedilatildeo sugerida por Okada Shigekyo (1982) na sua pesquisa
acerca do significado dual de imi o autor menciona o facto da palavra imu (斎) ser usada para
qualificar ldquocoisas purasrdquo (seijōshōjō na mono 清浄な物) e indicar assuntos de kami que
envolviam uma ldquoabstinecircncia optimistardquo contrastando com imu (忌) que denotava ldquocoisas
impurasrdquo (fujō na mono 不浄な物) relacionando-se com os afazeres de kami e puacuteblicos
(negativos por natureza) que obrigavam a uma atitude automaacutetica de afastamento 214
como
meio de repor a Ordem
A ideia de um imi positivo e um imi negativo tambeacutem eacute partilhada por Ama
Toshimaro (1991) embora nos dias de hoje ldquoimirdquo (イミ) tenha adquirido o significado de
[忌] [禁忌] e [禁制 concordante com uma atitude de evitaccedilatildeo na liacutengua japonesa imi possui
um outro significado se for escrito com o kanji [斎] passando a ler-se imi (斎み) termo que
indica a palavra seishin kessai (精神潔斎)rdquo ndash literalmente kessai mental entendida no sentido
de ldquoabstinecircncia positiva do corpordquo (sekkyokuteki ni mi wo tsutsushimi積極的に身を慎み) ndash
e consequentemente ldquoaponta o ato de o proacuteprio decidir entrar no mundo sagrado dos kamirdquo
Por outras palavras se [忌み] indicar sobretudo um princiacutepio comportamental negativo pode-
se dizer que [斎み] eacute um princiacutepio comportamental positivo concentrado na ldquodiscriccedilatildeordquo 215
No Nihon shoki a divisatildeo natildeo eacute sempre clara imi (忌) eacute usado na palavra ōmimi (所
忌 ) alimentos proibidos de consumo por parte do imperador evidenciando a noccedilatildeo de
213
NISHIGAKI Yukio op cit p90 214
IDE Maya USHIYAMA Yoshiyuki ldquo古代日本における穢れ観念の形成rdquo (Formation of Attitudes
Toward Pollution [kegare] in Ancient Japan) Shinshu University Journal of Educational Research and Practice
(信州大学教育学部研究論集) nordm 9 2016 pp 81-93 215
AMA Toshimaro ldquo日本の rsquo疑似伝統 rsquordquo (ldquoDistortion of Japanese Traditionrdquo) Meiji Gakuin review
International amp regional studies nordm 8 1991 pp 1-22
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 75
ldquoabstinecircnciardquo e tambeacutem o estatuto especial do soberano japonecircs uma vez que todos os sais
satildeo-lhe proibidos excepto um sal especiacutefico 216
Contudo caso a situaccedilatildeo descrita seja negativa abandona-se a conotaccedilatildeo positiva de
imi evidenciado por expressotildees cujo significado pode ser de facto considerado como algo de
caraacutecter ldquopessimistardquo a palavra [国忌齋] designando o periacuteodo de ldquoabstinecircnciardquo (忌斎)
vigente em todo o paiacutes (adiamento de qualquer tipo de rituais shintō e enfoque nos rituais
budistas dirigidos aos mortos) ordenado primeiramente por Jitō e que duraria uma semana 217
e eacute claro o ldquodia de imirdquo (imibi忌日) indicando especificamente a data da morte do imperador
(dia 16 do segundo mecircs do segundo ano de Jitō) 218
Jaacute no Nihon Sandai Jitsuroku imibi eacute
formalmente explicado nos anos de 859 (o imibi de uma Imperatriz e natildeo do Imperador) 868
(Imperador Montoku decorrido anualmente no oitavo mecircs) e ano 886 (imibi do Imperador
Ninmyō vigeacutesimo primeiro dia do terceiro mecircs constatando-se a anual leitura de sutras no
tempo Unrin-in (雲林院) 219
Por outro lado a conotaccedilatildeo negativa de [忌] natildeo eacute muito visiacutevel no Kōtai Jingū
Gishiki-chō uma vez que eacute a presenccedila do kanji [忌] nas palavras [忌柱] [忌鍬] e [忌種] que
as reveste de uma natureza sagrada proacutepria de oferendas consagradas nos ritos aos kami uma
forma de culto que se estenderia ao proacuteprio Imperador realizando-se cerimoacutenias que
envolviam a preparaccedilatildeo de alimentos (arroz sobretudo) Submetidos a um processo de
abstinecircncia pelo fogo (imibi忌火) este arroz designar-se-ia oficialmente [忌火御飯] sendo
servido no primeiro dia do sexto mecircs 220
No que diz respeito ao Engishiki segue-se esta tendecircncia na qual o kanji pode
expressar coisas positivas (exceccedilatildeo de imikotoba) de entre as quais imibi presente no Niwabi-
216
Nihonsinwa ldquo大伴金村による真鳥の誅殺と塩の呪いrdquo (A execuccedilatildeo criminal de Matori e a maldiccedilatildeo do
sal devido a Ōtomo-no-kanemura) 武烈天皇(八)日本書紀 (Imperador Buretsu 8 Nihon shoki) (on line)
lthttpnihonsinwacompage1537htmlgt (consultado em 24-06-2018) 217
Sekai Daihyakka Jiten Dai 2 Han (Grande Enciclopeacutedia do Mundo Segunda Ediccedilatildeo) ldquo国忌rdquo (Kokki) コト
バンク (Kotobank ) (on line) lthttpskotobankjpwordE59BBDE5BF8C-498821gt (consultado
em 24-06-2018) 218
SAKAMOTO T 日本書紀 国史大系版 (Nihon shoki Ediccedilatildeo do Compecircndio da Histoacuteria Nacional) (on
line) lthttpwwwj-textscomjodaishokiallhtmlgt (consultado em 24-06-2018) 219
SAEKI A 日本三代實録 全巻朝日新聞本 (Nihon Sandai Jitsuroku Volume Completo Versatildeo de do
Jornal Asahi) (on line) lthttpwwwj-textscomchukosandaihtmlgt (consultado em 24-06-2018) 220
ITŌ Nobuhiro ldquo穢れと結界に関する一考察 lsquoケガレrsquoとrsquoケrsquordquo (An analysis concerning kegare and
barriers ldquokegarerdquo and ldquokerdquo) Studies in language and culture (言語文化論集) nordm 24 (1) 2002 pp 3-22
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 76
matsuri (庭火祭) e Niinamesai (新嘗祭) celebrados no deacutecimo segundo mecircs e deacutecimo
primeiro respetivamente 221
Se na perspetiva anterior ao Periacuteodo Nara defendia-se o significado sagrado da
palavra imi no periacuteodo de expansatildeo das culturas Nara e Heian constata-se o oposto a
interaccedilatildeo entre shintō e outras Vias urge uma necessidade de divisatildeo entre coisas maacutes e coisas
boas rotulando-se deste modo a tradiccedilatildeo de ritos fuacutenebres imperiais como ldquoritos malignosrdquo
(kyōrei 凶礼) o ldquomalignordquo eacute o representante de algo contraacuterio agrave Ordem que se distingue de
outros ritos imperiais e dos matsuri nacionais interpretados como ldquocomportamento benignordquo
(yoshimichi吉義) e portanto de impacto positivo 222
Consequentemente a influecircncia de imi na sociedade japonesa estender-se-ia ao
domiacutenio do discurso tornando as imikotoba palavras ldquonegativasrdquo mas que natildeo deixam de ser
sagradas no sentido de a sua pronunciaccedilatildeo transportar consigo um poder inexplicaacutevel e natildeo
fiacutesico 223
Uma vez que a ideia japonesa de ldquosagradordquo natildeo faz a distinccedilatildeo entre coisas
boasmaacutes inexplicaacuteveis por meios convencionais eacute possiacutevel afirmar que esta
consciencializaccedilatildeo da existecircncia de palavras perigosas no discurso contemporacircneo reflete o
lado mais prejudicial da tradiccedilatildeo japonesa de kotodama (言霊)
Associada a um domiacutenio natildeo tatildeo material mas mais subtil e espiritual kotodama eacute
uma palavra composta pelo kanji de ldquopalavrardquo (言) e o de ldquoespiacuteritordquo (tama eacute a leitura
alternativa do termo rei) e ldquorefere-se ao poder espiritual contido dentro de palavras mas
tambeacutem refere agrave concepccedilatildeo de que poder espiritual pode ser manifestado atraveacutes da entoaccedilatildeo
de palavrasrdquo 224
Neste sentido kotodama pode condicionar uma divisatildeo bipartida favoraacutevel ao
modelo ldquopensamento -palavra-accedilatildeordquo no qual o falante escolhe cuidadosamente o que quer
dizer atraindo coisas boasmaacutes para si e para os seus se norito satildeo boas para quem as entoa (e
para quem as escuta) as imikotoba (忌詞) ndash palavra composta pelo termo imi e o kanji lido
221
FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第二 神祇二 四時祭下rdquo (Segundo Livro Jingi Dois Matsuri das
Quatro Estaccedilotildees Parte Inferior) 延 喜 式 (Engishiki) (on-line)
lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi02htmgt (consultado em 24-06-2018) 222
AMA Toshimaro ldquo日本の rsquo疑似伝統 rsquordquo (ldquoDistortion of Japanese Traditionrdquo) Meiji Gakuin review
International amp regional studies nordm 8 1991 pp 1-22 223
WADA Atsumu ldquo特別寄稿 古代社会とケガレ意識rdquo (Contribuiccedilatildeo Especial Sociedade dos Tempos
Antigos e a consciencializaccedilatildeo de ldquoimpurezardquo) 奈良県立同和問題関係史料センター 研究紀要 (Centro
Prefeitoral de Nara para Registos Histoacutericos de Discriminaccedilatildeo Boletim de Investigaccedilatildeo) Nara-ken Ritsudō Wa
Mondai Kankei Shiryō Sentā Kenkyū kiyō) nordm 11 Dezembro 2007 pp 114-136 224
YONEI Teruyoshi ldquoKotodamardquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and Doctrines Basic Terms (on line)
lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23386gt (consultado em 24-06-
2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 77
como kotoba (詞) - provocam efetivamente a Desordem ao serem portadoras impliacutecitas de
ldquoimpurezardquo (kegare) a niacutevel discursivo devendo por isso sujeitar-se a uma peculiar
purificaccedilatildeo abstinecircncia vocabularverbal
Devidamente listadas nos coacutedigos e regulaccedilotildees cerimoniais de entatildeo as imikotoba
eram evitadas atraveacutes da sua substituiccedilatildeo por outros termos parecidos no Kōtai Jingū Gishiki-
chō ldquobater numa pessoardquo [人打] eacute substituiacutedo por atsu (奈津) naku (鳴) ndash homoacutefono do
verbo chorar (naku 泣く ) do qual derivam laacutegrimas ndash eacute trocado por shiotare (塩垂 )
significando literalmente rdquoderramar salrdquo [宍] ndash refere-se a carne de animais ndash eacute substituiacuteda
por [多気] nakago (中子) eacute usado em vez de butsu (仏) indicando o local de veneraccedilatildeo de
estaacutetuas budistas a palavra sutra (kei 経) eacute trocada pela expressatildeo arcaica [志目加彌]
traduzida como ldquosomekamisomegamirdquo literalmente ldquopapel pintadordquo ndash os primeiros dois kanji
indicariam uma leitura foneacutetica do verbo ldquopintarrdquo (someru) e os outros a palavra japonesa
para ldquopapelrdquo (kami紙) ndash uma vez que desde o Periacuteodo Nara que os rolos de pergaminho eram
pintados com a cor amarela algo que supostamente servia de estrateacutegia contra os insetos 225
Seguindo o meacutetodo de substituiccedilatildeo os vocaacutebulos ldquopagoderdquo (tō 塔) ldquomongerdquo (hōshi
法師) o ldquolaicordquo upāsaka (ubasoku 優婆塞) ldquotemplordquo (tera 寺) ldquoabstinecircncia de comidardquo
(toki斎食) ldquomorterdquo (shi 死) ldquocampardquo (hakaba 墓) e ldquodoenccedilardquo (yamai病) satildeo abandonados
em favor de kanji foneticamente lidos como verbos ou simples termos japoneses utiliza-se
ldquocabelo compridordquo (kaminaka髪長) para ldquomongerdquo uma expressatildeo que natildeo reflete a realidade
uma vez que uma das caracteriacutesticas visiacuteveis dos monges e monjas eacute o corte regular do
cabelo em vez de ldquomorterdquo recorre-se agrave expressatildeo naoru (奈保利物) significando o verbo
ldquocurarrdquo (naoru) isto eacute trazer de volta a ldquoforccedila vitalrdquo (生命) o nome nagusamenagusa (慰)
no sentido de ldquoacalmarrdquo eacute usado em vez de ldquodoenccedilardquo 226
Natildeo obstante algumas palavras substitutas satildeo escolhidas pela sua aproximaccedilatildeo agrave
respetiva imikotoba ldquopagoderdquo torna-se araraki (阿良々支) designando a planta ichii cuja
folha dividida lembra a beira do telhado de uma torre ubasoku eacute substituiacutedo por tsunohasu
225
WADA Atsumu ldquo特別寄稿 古代社会とケガレ意識rdquo (Contribuiccedilatildeo Especial Sociedade dos Tempos
Antigos e a consciencializaccedilatildeo de kegare) 奈良県立同和問題関係史料センター 研究紀要 (Centro
Prefeitoral de Nara para Registos Histoacutericos de Discriminaccedilatildeo Boletim de Investigaccedilatildeo) Nara-ken Ritsudō Wa
Mondai Kankei Shiryō Sentā Kenkyū kiyō) nordm 11 Dezembro 2007 pp 114-136 226 WADA Atsumu ldquo特別寄稿 古代社会とケガレ意識rdquo (Contribuiccedilatildeo Especial Sociedade dos Tempos
Antigos e a consciencializaccedilatildeo de kegare) 奈良県立同和問題関係史料センター 研究紀要 (Centro
Prefeitoral de Nara para Registos Histoacutericos de Discriminaccedilatildeo Boletim de Investigaccedilatildeo) Nara-ken Ritsudō Wa
Mondai Kankei Shiryō Sentā Kenkyū kiyō) nordm 11 Dezembro 2007 pp 114-136
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 78
(角波須) possivelmente uma referecircncia ao ldquochapeacuteurdquo usado pelos ldquoque acreditam em bukkyōrdquo
(bukkyō shinsha 仏教信者) ldquotemplordquo eacute um conhecido siacutembolo budista daiacute ser evitado no
discurso utilizando-se kawarafuki (瓦葺) katashiki (片食) equivale a toki Por uacuteltimo
ldquocampardquo um local conotado com kegare eacute pronunciado tsuchikure (土村) 226
No Engishiki imikotoba surge por duas vezes no quinto e sexto capiacutetulo o primeiro
grupo diz respeito agrave Saigū (斎宮) de Ise das quais as primeiras sete pertencem agrave linguagem
budista (内七言佛稱中子經稱染紙塔稱阿良良岐寺稱瓦葺僧稱髪長尼稱女髪
長齋稱片膳) outras sete estatildeo fora desta (外七言 死稱奈保留 病稱夜須 哭稱鹽垂 血
稱阿世 打稱撫 宍稱菌 墓稱壤) e as uacuteltimas duas correspondem aos termos tō e upāsaka
( 又別忌詞 堂稱香焼 優婆塞稱角筈) 227
Jaacute o segundo grupo (死稱直 病稱息 泣稱鹽垂
血稱汗 宍稱菌 打稱撫 墓稱壤) marca presenccedila no Saiinshi (齋院司) o Escritoacuterio ao qual
pertencia a Saiō (齋王) que serve o Kamo Jinja (outrora Kamo Daijin 賀茂大神) 228
Como se pode constatar estas duas listas foram sobretudo inspiradas pelas imikotoba
do Kōtai Jingū Gishiki-chō com a exceccedilatildeo de ldquohallrdquo (tō 堂) substituiacuteda por koritaki (香焼 )
- interpretado como o local onde se queima incenso - e do termo ldquomonjardquo (substituiacutedo pelo
feminino de kaminaga isto eacute mekaminaga女髮長)226 a grande diferenccedila entre os grupos de
imikotoba eacute nada mais do que o modo de escrita se as imikotoba da Saigū satildeo registadas num
japonecircs arcaico utilizando-se mais do que um kanji para se chegar ao som pretendido
imitando a linguagem do Kōtai Jingū Gishiki-chō as do Saiinshi sofreram uma simplificaccedilatildeo
utilizando-se somente um kanji ou no maacuteximo dois embora nunca alterando o significado
Tambeacutem conhecida pelos tiacutetulos de ldquoIse no saiō sainaishinnō itsuki no miya termos
que denotam uma princesa abstinente ou consagrada (hellip) escolhida entre as filhas e irmatildes de
um tennōrdquo (natildeo necessariamente o atual Imperador) a Saigū dedicava a sua vida a servir os
kami consagrados ao Ise Jingū e como tal submetia-se a trecircs anos de preparaccedilatildeo ou seja um
periacuteodo de preservaccedilatildeo de uma vida frugal e moderada Chegando a Ise no ldquonono mecircs do
terceiro ano das suas preparaccedilotildeesrdquo esta jovem visitaria o Ise jingū onde consagraria um ramo
de tamagushi ao Naikū e ao Gekū Tal ritual soacute se justificava trecircs vezes por ano durante o
bianual Tsukinamisai e Kannamesai sendo que o nono mecircs era ldquodeclarado um tempo de
227
FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第五 神祇五 齋宮寮rdquo (Quinto Livro Jingi Cinco Saigū-ryō) 延喜式 (Engishiki) (on-line) lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi05htmgt (consultado em
24-06-2018) 228
FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第六 神祇六 齋院司rdquo (Sexto Livro Jingi Seis Saiinshi) 延喜式
(Engishiki) lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi06htmgt (consultado em 24-06-2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 79
abstinecircncia geral no domiacutenio restriccedilotildees eram impostas em funerais e outras atividades
inauspiciosasrdquo 229
Uma das figuras mais elevadas na hierarquia de Ise a Saigū assume os deveres de
ldquosumo-sacerdotisardquo dos cultos em Ise e representa a perspetiva japonesa de pureza uma vez
que toda a sua vida era regulada em funccedilatildeo da manutenccedilatildeo deste estado interiorexterior de
pureza sendo forccedilada a retirar-se destes deveres para com os kami aquando da entronizaccedilatildeo
de um novo soberano apesar de natildeo se excluir uma reforma antecipada ldquodevido a morte na
sua famiacutelia sauacutede pobre ou acidentesrdquo 229
evidenciando a preocupaccedilatildeo para com
acontecimentos negativos que suscitam Desordem e uma resposta imediata de reposiccedilatildeo da
Ordem
24 O bem como agente da Ordem rituais de purificaccedilatildeo interna e externa
Na cultura japonesa a palavra ldquopurordquo deteacutem um lugar especial que natildeo pode ser
incluiacutedo junto de uma perspetiva preacute-formatada de lsquoreligiatildeorsquo a noccedilatildeo de pureza estaacute
efetivamente consciencializado no cidadatildeo japonecircs comum integrando uma das partes deste
ciclo de Desordem e Ordem se tsumi kegare e imi satildeo causa e efeito (por vezes simultacircneo)
da Desordem a sua antiacutetese apoia-se principalmente na reordenaccedilatildeo e equiliacutebrio conseguido
atraveacutes da purificaccedilatildeo processo que se pode aplicar a um objeto um espaccedilo ou um corpo vivo
algo que shintō vecirc como prioridade a niacutevel teoacuterico e praacutetico afetando de forma positiva o
indiviacuteduo e o coletivo
Neste sentido purificaccedilatildeo interna e externa eacute a essecircncia dos rituais favoraacuteveis agrave
Ordem e relaciona-se com vaacuterias expressotildees itsuku - itsu significa ldquoclaro e purordquo (segundo
Motoori Norinaga) e define o ato de ldquoservir e executar ritos para os kami apoacutes a purificaccedilatildeo
do corpo e da mente da eliminaccedilatildeo de kegarerdquo aludindo a uma ldquocondiccedilatildeo de pureza onde tudo
que eacute negativo e poluente foi eliminadordquo 230
shizume (鎮静) traduzido como ldquopacificaccedilatildeordquo
no qual se apazigua (osameru 治める) o solo (jichin 地鎮) o fogo (chinka 鎮火) e as
tamashii (chinkontama shizume 鎮魂魂鎮) procurando-se conduzir coisas a um estado
229
NAMIKI Kazuo ldquoSaigūrdquo Encyclopedia of Shinto 3 Institutions and Administrative Practices Ancient (on
line) lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23475gt (consultado em 24-
06-2018) 230
NISHIOKA Kazuhiko ldquoItsukurdquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and Doctrines Basic Terms (on line)
lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23387gt (consultado em 24-06-
2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 80
ameno normalizado um processo constatado tanto em rituais executados por profissionais e
praticantes de kyōha shintō como nos matsuri de caraacutecter imperial
No contexto de jichinsai (地鎮祭) - matsuri realizado ldquodiariamente para novos
projetos novas casas novas construccedilotildees na estrada ou construccedilatildeo de qualquer tipordquo - a
ldquopacificaccedilatildeordquo eacute a meta a atingir Primeiro o shinkan presta serviccedilos agrave comunidade
deslocando-se do seu jinja para o local em questatildeo Apoacutes o estabelecimento de um himorogi
delimitado pela shimenawa o shinkan procede a oharai o ato simboacutelico de abanar ldquoa harai-
gushi sobre a aacutereaa pessoa a ser purificadardquo (Anexo II) - apaziguando os kami locais e
protegendo o espaccedilo de influecircncias negativas que recairiam sobre os envolvidos no projeto 231
Em contrapartida chinka era caraterizado como um rito imperial da responsabilidade
do ldquoclatilderdquo Urabe durante o bianual Chinkasai procurando a prevenccedilatildeo de fogos ldquodentro do
palaacutecio imperial e em outras instituiccedilotildees estatais mais do que fogos no geralrdquo 232
se bem que
em Ontake-kyō esta pacificaccedilatildeo tinha como objetivo a ldquopurificaccedilatildeo do crente apoacutes um
elemento quente ter sido suprimidordquo 233
tornando o fogo um agente purificador
Por uacuteltimo os ritos chinkon satildeo dedicados aos vivos e aos mortos se nos dias de hoje
o termo designa o momento de reflexatildeo em silecircncio dentro das imediaccedilotildees do jinja apoacutes
misogi e antes da fase de naorai (直会) isto eacute o momento de completa harmonizaccedilatildeo entre o
indiviacuteduo e o kami (consumo de sake em copos de madeira de cipreste) 234
chinkon era um
meio de defesa contra as tatari (desastres naturais epidemias e mortes suacutebitas) lanccediladas por
onryō de cortesatildeos e poliacuteticos eventualmente venerados como kami 235
Por outro lado o
chinkon do Chinkonsai (realizado na veacutespera do Niinamesai ou do Daijōsai) era uma praacutetica
dedicada aos vivos na qual o Imperador procurava a restauraccedilatildeo da sua sauacutede ldquopuxandordquo de
volta a mitama que estava em risco de sair do corpo 236
Natildeo obstante outros termos devem ser considerados haraiharae eacute na linguagem
shintō o meio mais eficaz de eliminaccedilatildeo de tsumi e kegare Agrave semelhanccedila das palavras
231
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit p 172
232 NAMIKI Kazuo ldquoChinkasai (hiho shizume no matsuri)rdquo Encyclopedia of Shinto 5 Rites and Festivals
State Rites (on line) lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23099gt
(consultado em 24-06-2018) 233
Segundo Picken apoacutes a chinka shiki (鎮火式) cerimoacutenia na qual o praticante caminha sobre brasas este
uacuteltimo executaria a kugatachi shiki um ritual no qual o corpo deste uacuteltimo eacute salpicado com aacutegua a ferver
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit p 133
234 PICKEN Stuart op cit p179
235 PICKEN Stuart op cit p18
236 NAMIKI Kazuo ldquoChinkon-sairdquo Encyclopedia of Shinto 5 Rites and Festivals State Rites (on line)
lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23100gt (consultado em 24-06-
2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 81
ldquopurezardquo ldquosinceridaderdquo ou ainda ldquoharmoniardquo (chōwa 調和) que se aproxima da ideia de
ldquocompletude e todo e eacute tambeacutem um ideal social natildeo apenas um estado de assunto dentro das
relaccedilotildees humanasrdquo 237
haraiharae atinge o exterior e o interior do indiviacuteduo
Ora apesar de hoje se escreverem com o mesmo kanji [祓] harai e harae eram atos
diferentes harai seria uma ldquopurificaccedilatildeo ativardquo - eacute o proacuteprio sujeito que escolhe
conscientemente executar a ldquopurificaccedilatildeordquo como se constata no episoacutedio de Izanagi ndash e harae
derivaria de harawase descrevendo uma ldquopurificaccedilatildeo passivardquo na qual o sujeito ldquoreceberdquo
harae de boa vontade por parte dos responsaacuteveis pelo jinja algo jaacute aludido em certos termos
como haraetsumono (祓具) 238
Alternadamente escritos como [祓物] haraetsumono designa
as ldquooferendas de purificaccedilatildeordquo lanccediladas agrave aacutegua como parte da ceacutelebre Ōharae cujos efeitos
atingem toda a populaccedilatildeo japonesa tornando - a ldquopurardquo a niacutevel natildeo apenas fiacutesico Aliaacutes
Ōharae (大祓) partilha desta aceccedilatildeo uma vez que o objetivo inicial era ldquopurificarrdquo todos os
funcionaacuterios da corte justificando a sua categorizaccedilatildeo como uma cerimoacutenia tutelada pelo
palaacutecio imperial 239
Preservada ao longo dos seacuteculos Ōharae eacute praticada com ecircnfase pela maioria dos
jinja e popularmente designada de Nagoshi no harae (夏越の祓) ndash final de Junho - e
Toshikoshi no harae (年越の祓) ndash final de Dezembro Mencionada no Nihon shoki como
recurso para afastar a ldquoinfluecircncia maligna de um cometardquo este matsuri seria elevado agrave
categoria de ldquocerimoacutenia nacionalrdquo obrigatoacuteria para os jinja do Periacuteodo Meiji e para o efeito
exigia-se um preliminar ritual de purificaccedilatildeo no Sumiyoshi jinja de Toacutequio os participantes
receberiam aiacute o kata-shiro (形代) No dia em questatildeo o ldquomestre dos ritosrdquo daria iniacutecio agrave
cerimoacutenia atraveacutes da invocaccedilatildeo dos kami ao himorogi proferindo uma inori no iniacutecio e no fim
Jaacute a ceacutelebre norito denominada Ōbarae kotoba (大祓詞) seria recitada pelo Norito-shi (祝詞
師 ) apoacutes este explicar o propoacutesito de Ōharae aos presentes Consequentemente seriam
eliminadas da populaccedilatildeo todas as coisas conducentes agrave desordem eacutetica garantindo-se ldquopaz
proteccedilatildeo e felicidaderdquo 240
237
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp xxv-xxvi
238 MOTOORI N ldquo6-2 神代四之巻rdquo (御身滌の段) (6-2 Kami-yo Livro Quatro- A secccedilatildeo de misosogi)
古事記傳 (Kojikiden) (on line) lthttpkumoi1webfc2comCCP071htmlgt (consultado em 24-06-2018) 239
FLORENZ Karl ldquoAncient Japanese Rituals Part IVrdquo Transactions of the Asiatic Society of Japan nordm 27
1899 pp 1ndash112 240
FLORENZ Karl ldquoAncient Japanese Rituals Part IVrdquo Transactions of the Asiatic Society of Japan nordm 27
1899 pp 1ndash112
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 82
Segundo o Jingiryō do Yōrō-ryō Ōharae contava com a presenccedila de certos clatildes os
Nakatomi responsabilizavam-se por entoar a norito e consagrar as ldquooferendasrdquo (oonusa 御祓
麻) os Fumitobe das proviacutencias de Este e Oeste (東西の文部) consagravam espadas proacuteprias
para a ocasiatildeo isto eacute as harae no tachi (祓の刀 ) e os Urabe removeriam quaisquer
influecircncias negativas Ora a realizaccedilatildeo de Ōharae eacute na praacutetica um esforccedilo coletivo se todas
as unidades administrativas (郡) contribuiacuteam com ferramentas peles espadas e outras coisas
todas as casas (戸) deviam preparar cacircnhamo (麻) 241
No Engishiki a cerimoacutenia eacute antecedida pela preparaccedilatildeo de ofertas - armas revestidas
de metais preciosos vaacuterios tipos de tecido colorido (seda algodatildeo) cacircnhamo flechas arroz
cavalos madeira de carvalho Seguidamente os Urabe entoariam norito 242
funccedilatildeo
posteriormente delegada ao liacuteder dos Nakatomi (Ōnakatomi) cuja versatildeo da norito Nakatomi
Harae (中臣祓) ainda hoje eacute o modelo de norito e uma referecircncia para os jinja de hoje 243
Por conseguinte no seacutetimo volume exclusivamente dedicado ao matsuri que
comemora a acessatildeo ao trono do novo Imperador (Senso Daijōsai踐祚大嘗祭) Ōharae faz
parte da miriacuteade de praacuteticas efetuadas antes e durante o trigeacutesimo dia do deacutecimo mecircs do
calendaacuterio lunar geralmente entre o seacutetimo mecircs ndash o mecircs da acessatildeo ao trono do Imperador
como consequecircncia da abdicaccedilatildeo do seu antecessor se bem que no caso do oitavo mecircs a
cerimoacutenia seria adiada para o ano ndash e o deacutecimo mecircs 244
Apoacutes o envio dos ldquoMensageiros
Imperiais para Ōharaerdquo escolhidos por ldquoadivinhaccedilatildeordquo (boku卜) no oitavo mecircs era obrigatoacuterio
executar uma purificaccedilatildeo no uacuteltimo dia do mecircs (tal como a descrita no primeiro volume do
Engishiki) seguida do envio de dois Urabe agraves proviacutencias que executariam Ōharae
preparando-se as devidas oferendas (um cavalo uma flecha uma grande katana algodatildeo
peixe sake) 245
Uma complexa cerimoacutenia de caraacutecter imperial na qual canto e danccedila consumo de
comida e sake eram recebidos com entusiasmo o Daijōsai era um esforccedilo coletivo de
241
IGARI Hiromi ldquo第六 神祇令 全 20 条rdquo (Sexto [Volume] Jingiryō todas as 20 aliacuteneas) 現代語訳「養老 令 」 全 三 十 編 (Traduccedilatildeo moderna Yōrō-ryō todos os 30 volumes) (on-line)
lthttpwwwsoldtinejphiromikanseiyoro06htmlgt (consultado em 24-06-2018) 242
FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第一 神祇一 四時祭上rdquo (Primeiro Livro Jingi Um Matsuri das
Quatro Estaccedilotildees Parte Superior) 延 喜 式 (Engishiki) (on-line)
lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi01htm (consultado em 24-06-2018) 243
PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit p80
244 PICKEN Stuart op cit pp 62-72
245 FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第七 神祇七 踐祚大嘗祭rdquo (Seacutetimo Livro Jingi Sete Daijōsai)
延喜式 (on-line) lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi07htmgt (consultado em 24-06-
2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 83
membros da corte funcionaacuterios do Jingikan e do Jingiryō os Nakatomi entoavam as norito e
guiavam os ldquoadivinhosrdquo ao Ministeacuterio da Casa Imperial bem como os ldquogovernadores da
proviacutencia yuki e os vaacuterios funcionaacuteriosrdquo partilhando este uacuteltimo dever com os Urabe os
membros do Departamento de Carpintaria ldquoconstroem o principal santuaacuteriordquo os Inbe
apresentavam o ldquoespelho sagrado e a espada sagradardquo Findadas as festividades qualquer
vestiacutegio do matsuri seria prontamente destruiacutedo e praticar-se-ia uma uacuteltima ldquocerimoacutenia de
purificaccedilatildeordquo no uacuteltimo dia do mecircs esta uacuteltima conforme a bianual Ōharae 245
Apesar de a sua dimensatildeo ser diferente do harai habitual a meta de Ōharae parece
ser a de qualquer ritual positivo em shintō o estado de ldquoharmoniardquo refletindo a relaccedilatildeo iacutentima
entre a sociedade japonesa e a envolvente natureza fortalece-se deste modo a ldquonecessidade
de retificar desequiliacutebrios entre natureza humanos e divindadesrdquo 246
atraveacutes de uma atitude de
esforccedilo individual natildeo desassociada da preparaccedilatildeo interna e externa
Conotado com ldquoabstinecircnciardquo esta atitude implica disciplina na forma de um conjunto
de regras de conduta a adotar preacute-veneraccedilatildeo aos kami algo retido por qualquer praticante de
shintō nos dias de hoje com efeito qualquer matsuri eacute precedido por um periacuteodo temporaacuterio
de ldquoevitaccedilotildeesrdquo denominadas saikai (斎戒) ndash o termo eacute etimologicamente constituiacutedo pelos
kanji [斎] e [戒] do qual deriva o verbo imashimeru traduzido por ldquobanirrdquo ldquorestringirrdquo ndash nas
quais os responsaacuteveis por conduzir os rituais se banhavam (kessai 潔斎) mudavam de roupas
e consumiam certos alimentos claramente evidenciando a sua preocupaccedilatildeo para com
impurezas a presenccedila de derrame de sangue incecircndios e mortes era mais do que motivo
suficiente de desqualificaccedilatildeo dos que se tinham submetido a este processo ou em casos mais
extremos cancelamento do proacuteprio matsuri 247
Num contexto mais oficial observa-se uma categorizaccedilatildeo da praacutetica em si o
Jingiryō do Periacuteodo Yōrō distingue entre sansai (散斎) e chisai (致斎) sansai indicava a
ldquoabstinecircncia parcialrdquo na qual o indiviacuteduo estava proibido de fazer os jaacute mencionados seis atos
considerados formalmente como shokue chisai correspondia a uma ldquoabstinecircncia severardquo na
qual todos os ritos que natildeo envolvessem os kami eram cancelados No que concerne agrave sua
246
ROTS Aike Forests of the Gods Shinto nature and sacred space in contemporary Japan Dissertation
submitted to the Department of Culture Studies and Oriental Languages of University of Oslo in partial
fulfilment of the requirements for the degree of Doctor of Philosophy supervised by Prof Dr Mark Teeuwen
and Prof Dr Terje Stordalen 2013 247
ONO Sokyō op cit pp64-65
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 84
duraccedilatildeo esta variava consoante o mecircs em questatildeo sendo que no nono mecircs sansai era
observado durante todo o mecircs chisai duraria somente trecircs dias 248
Uns seacuteculos mais tarde o Engishiki inspirar-se-ia nesta categorizaccedilatildeo por vezes
conjugando-a com o ritual harae no Kinensai sansai era praticado durante trecircs dias e chisai
apenas um dia 249
durante Kanmisosai kessai eacute um ato realizado por alguns membros de clatildes
na veacutespera do matsuri e cujo objeto de ldquoabstenccedilatildeordquo satildeo as oferendas (fios de seda e cacircnhamo)
antes de serem tecidas e apresentadas durante a celebraccedilatildeo que por sua vez soacute poderia
decorrer mediante um preacutevio harai do espaccedilo (batsujo 祓除) realizado no uacuteltimo dia do
terceiro mecircs e do oitavo mecircs Kannamesai menciona novamente um kessai dos fios de seda
posteriormente transformados em tecidos 250
Apoacutes trecircs anos de [潔齋] como parte dos rituais
da Saigū na capital reservava-se o uacuteltimo dia do oitavo mecircs a uma Ōharae no palaacutecio e no
nono mecircs um Nakatomi encarregava-se da ldquopurificaccedilatildeordquo (祓清) das proviacutencias de Ōmi e Ise
permitindo agrave Saigū cumprir os seus deveres no decorrer do Kannamesai 251
Durante o nono mecircs procede-se a um periacuteodo de 18 dias (a comeccedilar no primeiro dia)
de ldquoabstenccedilatildeordquo e um mecircs de evitaccedilatildeo de luto e enterros bem como agrave execuccedilatildeo de ldquolustraccedilatildeo
augustardquo gokei [御禊] Escrito com o kanji honoriacutefico [御] e o de misogi [禊] gokei era uma
ldquocerimoacutenia para afastar contaminaccedilatildeo de pessoas da Famiacutelia imperialrdquo 252
que decorria agrave
beira-rio e na qual participava a Saigū Contudo esta atitude de ldquoabstenccedilatildeordquo natildeo era apenas
seguida por esta uacuteltima monges monjas pessoas em luto e grupos de bandidos sujeitavam-se
a sansai antes e apoacutes Kinensai Kamo-matsuri Tsukinamisai e Kannamesai sendo-lhes
interdita a entrada no palaacutecio tal e qual as jaacute mencionadas funcionaacuterias do palaacutecio graacutevidas
253
248
IGARI Hiromi ldquo第六 神祇令 全 20 条rdquo (Sexto [Volume] Jingiryō todas as 20 aliacuteneas) 現代語訳「養老 令 」 全 三 十 編 (Traduccedilatildeo moderna Yōrō-ryō todos os 30 volumes) (on-line)
lthttpwwwsoldtinejphiromikanseiyoro06htmlgt (consultado em 24-06-2018) 249
FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第一 神祇一 四時祭上rdquo (Primeiro Livro Jingi Um Matsuri das
Quatro Estaccedilotildees Parte Superior) 延 喜 式 (Engishiki) (on-line)
lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi01htm (consultado em 24-06-2018) 250
FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第四 神祇四 伊勢太神宮rdquo (Quarto Livro Jingi Quatro Ise Dai-
jingū) 延 喜 式 (Engishiki) (on-line) lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi04htm
(consultado em 24-06-2018)
251 FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第五 神祇五 齋宮寮rdquo (Quinto Livro Jingi Cinco Saigū-ryō) 延喜
式 (Engishiki) (on-line) lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi05htmgt (consultado em 24-
06-2018)
252 BOCK Felicia op cit p104
253 FUJIWARA T FUJIWARA T FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第三 神祇三 臨時祭rdquo (Terceiro
Livro Jingi Trecircs Matsuri de Ocasiotildees Extraordinaacuterias) 延 喜 式 (Engishiki) (on-line)
lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi03htmgt (consultado em 24-06-2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 85
Por uacuteltimo o seacutetimo volume do Engishiki especifica uma ldquoabstenccedilatildeordquo obrigatoacuteria no
deacutecimo primeiro mecircs sansai era iniciado no primeiro dia e terminava no uacuteltimo chisai
durava trecircs dias comeccedilando no dia do touro e terminando no dia da lebre proibindo-se a
participaccedilatildeo dos indiviacuteduos em ldquofestins Budistas ou festins magrosrdquo 254
Findado imi o indiviacuteduo foca-se na purificaccedilatildeo propriamente dita servindo-se de
elementos do dia-a-dia como o sal sake e aacutegua no primeiro caso o sal eacute ldquoatirado por
lutadores de Sumo cada vez que entram no dohyōrdquo e nos funerais serve o propoacutesito de ldquoauto-
purificaccedilatildeo apoacutes o regresso a casardquo dos frequentadores Jaacute em restaurantes e outros
estabelecimentos eacute costume colocar-se ldquoduas pilhas de sal fora do umbral uma de cada lado
apoacutes lavarem a entrada e antes de quaisquer clientes chegaremrdquo garantindo-se prosperidade
no negoacutecio Ora em misogi harai o sal eacute salpicado na cabeccedila dos participantes - no
seguimento de oharai ndash e tambeacutem misturado com sake sendo posteriormente ldquocuspido como
parte da cerimoacutenia de purificar a boca uma uacuteltima vezrdquo Oferecido nos altares sal faz ainda
parte das shinsen 255
A aacutegua tambeacutem partilha da mesma natureza purificadora que o sal e o sake em
virtude de ser considerada o elemento primaacuterio que devolve o lustro agraves coisas e pessoas
eliminando qualquer tipo de ldquomaacuteculardquo independentemente de se tratar de uma ldquomaacuteculardquo fiacutesica
(kegare) ou natildeo (tsumi) externa (corpo) ou interna (kokoro) Natildeo obstante a tradiccedilatildeo de
ldquolimpezardquo na cultura japonesa estende-se a contextos mais civis toalhas quentes satildeo
ldquoprovidenciadas em restaurantes (hellip) para que os patronos possam lavar as matildeos antes de
comer e uma pessoa Japonesa lavar-se-aacute sempre antes de entrar numa banheirardquo 256
um
reflexo da consciencializaccedilatildeo da lavagem do corpo na sociedade japonesa contemporacircnea
Em shintō a aacutegua assume um papel central em trecircs principais praacuteticas de ldquoauto-
purificaccedilatildeordquo que tambeacutem satildeo abluccedilotildees kessai temizu (手水) e misogi (禊) Se kessai eacute
geralmente feito antes do matsuri 257
temizu precede a ldquooraccedilatildeordquo (inori) aos kami nos jinja e
no qual o indiviacuteduo dirige-se a uma estrutura denominada temizuya (手水屋) lavando com
aacutegua a boca e as suas matildeos locais mais suscetiacuteveis de se contrair kegare (Anexo III)
254
PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit pp 62-72 255
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 174-175
256 ROTS Aike Forests of the Gods Shinto nature and sacred space in contemporary Japan Dissertation
submitted to the Department of Culture Studies and Oriental Languages of University of Oslo in partial
fulfilment of the requirements for the degree of Doctor of Philosophy supervised by Prof Dr Mark Teeuwen
and Prof Dr Terje Stordalen 2013 257
PICKEN Stuart op cit p 177
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 86
No que concerne a misogi esta eacute considerada a origem de todos os harai na
sociedade japonesa sendo descrita por Carl Florenz como a ldquopurificaccedilatildeo de um uacutenico
indiviacuteduo ou um lugar de poluiccedilotildees atraveacutes de se entrar em contacto com algo
cerimonialmente impuro tal como cadaacuteveresrdquo 258
Uma ldquoauto-purificaccedilatildeordquo em todos os
sentidos do termo a expressatildeo misogi harai (misogi harai 禊祓い ) poderaacute derivar de
ldquomisosogi no harairdquo (身滌の祓い) literalmente ldquoharai da lavagem do corpordquo ndash [身滌] eacute
constituiacutedo pelo kanji de ldquocorpordquo (身) e o de [滌] sinoacutenimo de [洗] raiz do verbo ldquolavarrdquo
(arau) 259
ndash e eacute pela primeira vez mencionado no episoacutedio de Izanagi descrito pelo Kojiki e
Nihon shoki
De um modo geral misogi conheceu grande popularidade na esfera privada imperial
e agrave semelhanccedila de [斎] era sempre acompanhado de todo o tipo de oferendas tais como
tecidos armas sake velas e algas Se praticado pela Saiō (齋王) misogi decorria num rio da
capital na primeira dezena de dias do oitavo mecircs e do nono mecircs ambas datas escolhidas por
ldquoadivinhaccedilatildeordquo ndash responsabilidade do Onmyōryō Por sua vez este ritual fazia parte de uma
grande cerimoacutenia na qual se preparavam tecidos caixas jarros carne seca cabaccedilas e peixes e
cujos participantes eram essencialmente membros da corte (Jingikan e Onmyōryō) cada um
desempenhando uma tarefa especiacutefica ecoando o sucedido nos matsuri do Jingikan um
Nakatomi executava oharai servindo-se da onusa (Nakatomi onusa tatematsuru [神祇官中臣
進麻]) e o miyanushi (宮主) entoava harae kotoba (祓詞) Igualmente realizado durante a
deslocaccedilatildeo da jovem para o No-no-miya e Itsuki-no-miya em Ise e no uacuteltimo dia do mecircs 260
misogi eacute descrito no sexto volume do Engishiki como parte da celebraccedilatildeo do Imibikamado-
matsuri (quarto mecircs e sexto mecircs) ndash um gokei no qual participavam todos os funcionaacuterios do
palaacutecio - e um matsuri anual (毎年禊祭) 261
Atualmente misogi pode ser praticado por qualquer pessoa e eacute aceite como um ritual
vaacutelido para qualquer tipo de shintō Shinshū-kyō (神習教) tem como metas alcanccedilar ldquoum
espiacuterito de um kami por praticar purificaccedilatildeo oharairdquo a aquisiccedilatildeo de um elevado niacutevel de
treino que possibilite ao indiviacuteduo ensinar os outros e eacute claro ldquoalcanccedilar harmonia com os
258
FLORENZ Karl ldquoAncient Japanese Rituals Part IVrdquo Transactions of the Asiatic Society of Japan nordm 27
1899 pp 1ndash112 259
NISHIGAKI Yukio op cit p 544
260 FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第五 神祇五 齋宮寮rdquo (Quinto Livro Jingi Cinco Saigū-ryō) 延喜
式 (Engishiki) (on-line) lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi05htmgt (consultado em 24-
06-2018) 261
FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第六 神祇六 齋院司rdquo (Sexto Livro Jingi Seis Saiinshi) 延喜式
(Engishiki) lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi06htmgt (consultado em 24-06-2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 87
kami e rezar pelo descanso das almas dos outrosrdquo Neste contexto misogi faz parte da
estrateacutegia de cultivo de ldquopurificaccedilatildeo interiorrdquo que encoraja o processo de aproximaccedilatildeo do
humano ao kami 262
Em suma a purificaccedilatildeo estaacute intimamente associada agrave visatildeo positiva do ser humano
apoiada por shintō Shinshū-kyō natildeo soacute ensina o indiviacuteduo a ldquodemonstrar gentileza aos
outrosrdquo ldquotrabalhar diligentemente (no seu proacuteprio negoacutecio)rdquo e a ldquopreservar firmeza no teu
coraccedilatildeordquo como procura ldquopacificar o espiacuterito porque eacute parte do espiacuterito do kamirdquo 264
(bunshin
mitama wo shizumu beshi分神神魂を鎮むべし) e ldquolimpar as impurezas do corpordquo (mi no
shūshoku wo harau beshi身の鏽蝕を祓うべし) 263
proporcionando o desenvolvimento do
caraacutecter do indiviacuteduo
Na visatildeo de Misogi-kyō (禊教) o trio de tesouros imperiais satildeo ldquoos mais eficazes
agentes de purificaccedilatildeordquo pois ldquotodas as formas de impureza podiam ser removidasrdquo Apoiado
em misogi harae e ldquorespiraccedilatildeo proacutepriardquo o setor utiliza misogi como ldquoum meacutetodo para
melhoria da vidardquo aproximando as pessoas do kamirdquo 262
Interpretando-se esta praacutetica como o
uacutenico modo de ldquoreavivarrdquo a ldquoboa sorterdquo (literalmente ldquosorte proacutesperardquo ou sakae no unsei [栄
絵の運勢]) misogi possui visiacuteveis efeitos de purificaccedilatildeo externos 264
Contudo o busiacutelis da questatildeo eacute a ldquopurificaccedilatildeo internardquo (nai seijōshōjō 内清浄)
denominada iki ichisuji no misogi (息一筋の禊) iki (息) natildeo eacute somente a ldquoorigem do corpordquo
mas tambeacutem a proacutepria ldquoexistecircnciardquo (seimei [生命]) 264
e estaacute diretamente relacionada com a
entoaccedilatildeo da norito ldquo
tōkami emitamae harae tamae kiyome tamairdquo (literalmente ldquokami
distante purificai e limpai enquanto rezamosrdquo) em voz alta
262 um momento caracterizado
pela ldquofusatildeordquo do corpo com a mente graccedilas ao cultivo do autocontrolo do corpo a Desordem
(aqui maga) deixa de existir 264
No contexto de jinja shintō misogi faz ainda parte da cerimoacutenia shūbatsu (修祓) na
qual se abre o edifiacutecio interior do jinja e o shintai eacute visualizado pelos shinkan que se
262
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 234-236 263
O ldquoespiacuterito do kamirdquo eacute mitama (神魂) e ldquocoraccedilatildeordquo kokoro O termo ldquoimpurezasrdquo lecirc-se no texto original [鏽
蝕] o primeiro lecirc-se sabi e natildeo eacute muito usado na linguagem diaacuteria (鏽) significando ldquoferrugemrdquo ou ldquocorrosatildeordquo
o segundo eacute o kanji [蝕] do qual deriva o verbo mushibamu geralmente traduzido como ldquoser devorado por
dentrordquo ldquominarrdquo ldquoarruinarrdquo Shintō Shinshū-kyō Kōushiki Page 教 義 (on line)
lthttpshinshukyojpE69599E7BEA9gt (consultado em 24-06-2018) 264
Misogi-kyō Shintō 神道禊教の教理 (Doutrina de Shintō Misogi-kyō) (on line) lthttpwwwmisogi-
kyouorjpkyourihtmlgt (consultado em 24-06-2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 88
ldquopurificam de modo a tomarem parte nos rituaisrdquo atirando baldes de aacutegua fria sobre si
mesmos ou escolhendo colocar-se ldquodebaixo de uma cascata num rio ou no marrdquo dependendo
da localizaccedilatildeo do jinja Posteriormente os participantes no matsuri satildeo purificados
cumprindo-se as condiccedilotildees de invocaccedilatildeo dos kami 265
que respondem ao apelo impliacutecito nas
norito entoadas pelos shinkan
Associadas agrave tradiccedilatildeo de kotodama norito satildeo acolhidas entusiasticamente pela
sociedade japonesa quer sejam ldquovelhasrdquo (do Engishiki e outras fontes do Periacuteodo Heian) e
norito ldquonovasrdquo ou seja norito poacutes- Engishiki criadas por estudiosos e praticantes das vaacuterias
formas de shintō (Ise e Yoshida shintō Shugendō kyōha shintō shin shūkyō) e associadas a
jinja especiacuteficos (ldquocultosrdquo em Ise Izumo Dewa Togusa ldquocultosrdquo a Inari e Hachiman) 266
Etimologicamente norito tem as suas origens na frase ldquoNakatomi-no-Kane Muraji
norito wo norurdquo (中臣金連祝詞を宣る) Como se pode constatar o verbo que lhe estaacute
associado eacute noru (宣) cujo kanji significa ldquodizerrdquo ldquoexpressarrdquo e ldquoinformarrdquo num sentido
formal agrave maneira dos ldquoeacuteditos imperiaisrdquo (senmyō [宣命]) 267
Vaacutelidas para uso individual ou coletivo norito contemporacircneas tendem a inspirar-se
em norito muito mais antigas por exemplo a frase ldquoharae tamae kiyome tamairdquo de Misogi-
kyō surge na Ōharae kotoba do Engishiki como uma dupla accedilatildeo decorrida na ldquoōharae do
anoitecer do uacuteltimo dia do sexto mecircsrdquo (kotoshi no minadzuki no tsugumori yūhi no kudachi
no ōharae ni harai tamai kiyome tamau-koto wo 今年の水無月の大晦日 夕日之降の大祓
に祓給ひ清給事を) 268
eliminam-se assim os tsumi (tsumi ha araji wo罪波不在止) de
todos os cantos ldquodebaixo do ceacuteurdquo (Anexo IV)
Seguindo uma ldquofoacutermula usada em cerimoacutenias religiosas em endereccedilando divindades
(hellip) usam uma forma respeitosa subserviente forma de dicccedilatildeordquo norito tecircm a sua forccedila no
som e natildeo na parte gramatical ou na etimologia lexical recorrendo-se frequentemente a
265
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit p 177
266 O arquivo virtual Ko-kon Shūkyō Kenkyūjo regista um total de 55 norito devidamente ldquocategorizadasrdquo
consoante a temaacutetica e o local de veneraccedilatildeo Ko-kon shūkyō kenkyūjo ldquo祝詞 諸文献rdquo (Norito Vaacuterias
referecircncias) 神道資料集 (Colecccedilatildeo de materiais de shintō) (on line) lthttpwwwko-konnetnoritogt
(consultado em 24-06-2018) 267
NISHIGAKI Yukio op cit p485 268
FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第八 神祇八 祝詞rdquo (Oitavo Livro Jingi Oito Norito) 延喜式
(Engishiki) (on-line) lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi08htmgt (consultado em 24-06-
2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 89
ldquorepeticcedilatildeo paralelismo longas enumeraccedilotildees de nomes de divindades e oferendas metaacuteforas
o uso de registos mitoloacutegicos para explicar a origem de certas formas de veneraccedilatildeordquo 269
Natildeo obstante estas frases servem de prevenccedilatildeo contra forccedilas ldquonegativasrdquo incluindo
tatari gami ou ldquoespiacuteritos malignosrdquo devidamente acalmados e purificados respetivamente
Usadas em matsuri oficiais norito descreviam com pormenor quem as proferia o seu
objetivo a quem se dirigiam e o local onde decorria esta entoaccedilatildeo cujo raio de atuaccedilatildeo era
individual ou coletivo (capital habitaccedilotildees funcionaacuterios o palaacutecio todo o Japatildeo a corte) 270
No que concerne agrave sua entoaccedilatildeo estes conjuntos de frases eram responsabilidade dos
Nakatomi ou de outros consoante a ocasiatildeo na ldquomensagem de aberturardquo do oitavo capiacutetulo
do Engishiki regista-se que os Inbe deviam entoar norito dos ldquoritosrdquo Goden (御殿) e Mikado
(御門) e nos restantes matsuri a honra cabia aos Nakatomi (以外諸祭中臣氏祝詞) nos
matsuri das quatro estaccedilotildees (凡四時諸祭) essa funccedilatildeo fazia parte dos deveres dos kanbe (神
部) no Kanmisosai somente o daijingūji de Ise (ldquoSumo-Sacerdote do Grande Santuaacuterio de
Iserdquo) devia entoar a norito (大神宮司宣祝詞) e nas celebraccedilotildees em Ise (Kanmisosai os
matsuri do sexto e deacutecimo segundo meses e Kannamesai) 271
as norito de Ōimisai (大忌祭)
Tatsuta Fūjinsai ( 龍田風神祭 ) e Hiranosai ( 平野祭 ) eram responsabilidade dos
ldquomensageiros imperiaisrdquo Jaacute os Inbe encarregavam-se das ldquofoacutermulasrdquo de proteccedilatildeo do palaacutecio
imperial (Ōtono-no-hogai (大殿祭) e do ldquoFestival dos Portotildeesrdquo (Godensai 御殿祭) ndash cuja
meta era a ldquogarantia a proteccedilatildeo das divindades que guardam os portotildees do Palaacutecio Imperialrdquo ndash
no ldquodeacutecimo segundo dia do sexto e deacutecimo segundo mesesrdquo 270
Por uacuteltimo a norito de
Ōharae era ldquopartilhadardquo pelos Urabe e os Nakatomi enquanto que nos Chinkasai (鎮火祭) e
Michiaesai (道饗祭) soacute os Urabe eram elegiacuteveis para tal tarefa 271
O avanccedilo do estudo da tradiccedilatildeo ritual shintō impulsionou uma anaacutelise aprofundada
das norito estabelecendo-se uma ligaccedilatildeo direta com o processo de purificaccedilatildeo o meio por
excelecircncia para atingir a tatildeo desejada Ordem entre o praticante e o kami venerado norito satildeo
uma espeacutecie de purificaccedilatildeo verbal aludindo a um processo positivo mas interno Tal
abordagem introduz uma perspetiva mais subjetiva do que se entende por norito auxiliando
269
PHILIPPI Donald Norito A Translation of the Ancient Japanese Ritual Prayers With a new Preface by
Joseph M Kitagawa Princeton Princeton University Press 1990 pp1-2 270
PHILIPPI Donald op cit pp5-15 271
FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第八 神祇八 祝詞rdquo (Oitavo Livro Jingi Oito Norito) 延喜式
(Engishiki) (on-line) lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi08htmgt (consultado em 24-06-
2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 90
na compreensatildeo da purificaccedilatildeo interna que recaiacutea sobre o kokoro (心) Por sua vez kokoro
associar-se-ia a meijō (明浄)
Escrito em japonecircs com o kanji de ldquocoraccedilatildeordquo (shin de shinzō [心臓]) kokoro denota
algo de natureza natildeo palpaacutevel e interior a qualquer indiviacuteduo servindo de prefixo agraves palavras
kokoroeru (心得 ) ato de ldquocompreender o significado das circunstacircncias e das coisasrdquo
kokoroe ldquocompreensatildeordquo e ldquoter cautelardquo kokoronai (心無 ) designa uma condiccedilatildeo de
ldquoinsensibilidaderdquo pelo proacuteximo (em linguagem corrente ldquonatildeo ter coraccedilatildeordquo) 272
kokoro-
gawari (心変わり ) literalmente a ldquomudanccedila de kokorordquo indica a suacutebita alteraccedilatildeo dos
sentimentos intenccedilotildees e convicccedilotildees do indiviacuteduo em relaccedilatildeo a terceiros
No Nihon shoki o kanji em si eacute precedido por outros caracteres [黒心] e [無黒心]
significam aproximadamente ter um coraccedilatildeo negrordquo ou o seu oposto o sentido obtido eacute
negativo e positivo respetivamente marcando presenccedila no episoacutedio da competiccedilatildeo de
Susano-o-no-mikoto e de Amaterasu (有黒心) e no ano 646 da Era Taika (不正心者)
literalmente ldquopessoas de kokoro injustordquo Se estiver ao lado de [清] a expressatildeo lecirc-se seishin
ou kiyoki kokoro um kokoro puro (清心) 273
evidenciando a sua ligaccedilatildeo com meijō ambos
satildeo palavras positivas por princiacutepio
Por outro lado Engishiki descreve kokoro como uma caracteriacutestica interior de
humanos e kami na norito de Ōtono-no-hogai [心] surge na frase ashiki kokoro kitanaki
kokoro naku (邪意穢心無く) 274
ndash o segundo kanji tambeacutem se lecirc como kokoro mas o seu
significado eacute o de ldquointenccedilatildeordquo denotando a conduta correta seguida por todos os trabalhadores
do palaacutecio e membros da corte ndash traduzida por Philippi como ldquosem quaisquer maacutes intenccedilotildees
ou impuras intenccedilotildeesrdquo 275
na norito de Hi-shizume-no-matsuri (Chinkasai) kokoro eacute um
atributo de natureza maligna do kami do fogo (Homusubi-no-kami 火結神) ndash evidenciado
pela expressatildeo kokoro saganakiko (心惡子) ldquocrianccedila de mau kokorordquo ndash um kami gerado por
272
NISHIGAKI Yukio op cit pp 286-287 273
SAKAMOTO T 日本書紀 国史大系版 (Nihon shoki Ediccedilatildeo do Compecircndio da Histoacuteria Nacional) (on
line) lthttpwwwj-textscomjodaishokiallhtmlgt (consultado em 24-06-2018) 274
FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第八 神祇八 祝詞rdquo (Oitavo Livro Jingi Oito Norito) 延喜式
(Engishiki) (on-line) lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi08htmgt (consultado em 24-06-
2018) 275
PHILIPPI Donald op cit p 43
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 91
Izanami cujo temperamento provoca Desordem que naturalmente justifica a ldquopacificaccedilatildeordquo
(shizume matsure 鎮奉れ) por parte de outros kami seus irmatildeos 276
Em contrapartida tambeacutem a norito ldquopara afastar uma divindade vingativardquo (tataru
kami wo utsushi-yaru 遷卻祟神) segue a temaacutetica de reordenaccedilatildeo especificamente a uma
retificaccedilatildeo ativada por Kamunaobi e Ōnaobi kokoro refere-se aqui ao kokoro claro de kami
ldquopacificadosrdquo (sumera-gami ōmikokoro akiraka ni 皇神等の御心も明に) sendo que esta
transiccedilatildeo de kami ldquoviolentosrdquo para kami ldquopaciacuteficosrdquo (ara furu kami-tachi wo kashi harai
tamai kami nagoshi ni nagoshi tamai荒振神等を神攘攘給ひ神和和給) se deve a outros
dois kami 276
pacificaccedilatildeo tambeacutem eacute purificaccedilatildeo
Na perspetiva de Picken purificaccedilatildeo e pureza natildeo soacute partilham de uma conotaccedilatildeo
positiva como mantecircm entre si uma relaccedilatildeo de causa e consequecircncia pureza eacute a meta e a
consequecircncia do resultado da purificaccedilatildeo se o indiviacuteduo eacute o recetor de oharai que por sua vez
beneficia o kokoro meijō indica a ldquorestauraccedilatildeo do estado de pureza conhecido como seimei-
shin (ou akaki kiyoki kokoro)rdquo Por outras palavras o praticante torna-se portador de um
ldquoclaro kokorordquo (akaki kokoro明心) ldquopuro kokorordquo (kiyoki kokoro清き心) ldquocorreto ou justo
kokorordquo (tadashiki kokoro 正しき心) e o ldquokokoro retordquo (naoki kokoro 直き心) 277
um
quarteto de caracteriacutesticas eticamente boas
Assim os contornos eacuteticos da relaccedilatildeo kokoro - pureza revelam-se fundamentais para
a compreensatildeo de novas perspetivas modernas e japonesas de shintō segundo Muraoka
Tsutsunegu (村岡典嗣 1884-1946) meijō eacute uma ldquocaracteriacutestica eacutetica de shintōrdquo e um atributo
transversal em qualquer ldquodivisatildeordquo desta Via equiparado ao niacutevel de uma ldquodoutrinardquo (meijō
shugi明浄主義) no ldquosentido de que existe reverecircncia pelo claro e puro (hellip) em toda a mateacuteria
e pensamentordquo Por conseguinte meijō eacute o puro que carece de impurezas uma condiccedilatildeo
ldquoprimordialrdquo partilhada por todas as pessoas por oposiccedilatildeo a tsumi e kegare cuja presenccedila eacute
inviabilizada (temporariamente) em caso de purificaccedilatildeo regressando agrave sua origem (Yomi ou
Ne no kuni) durante harai 278
Aliaacutes a consciencializaccedilatildeo do kokoro como um dos componentes da eacutetica japonesa
reflete-se desde logo na linguagem dos eacuteditos imperiais do Zoku Nihongi qualificando-se o
276
FUJIWARA T FUJIWARA T ldquo卷第八 神祇八 祝詞rdquo (Oitavo Livro Jingi Oito Norito) 延喜式
(Engishiki) (on-line) lthttpsmikoorg~urakikuonfurutextrituryouengiengi08htmgt (consultado em 24-06-
2018) 277
PICKEN Stuart Sourcebook of Shinto op cit p 176 278
PICKEN Stuart op cit pp 254 256-257
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 92
kokoro como algo ldquopurordquo (kiyoki kokoro 清き心) ldquoclarordquo (akaki kokoro 明き心) e ainda
ldquokokoro puro e clarordquo (kiyoki akaki kokoro清明心) Como se pode constatar nos eacuteditos dos
anos 707 (以明浄心而 浄明心以而) 743 (明浄心) 757 (諸以明清心皇朝 自今往前者以
明直心仕奉朝廷 悪心無而清明心) e 770 (衆浄明心正直言以而) 279
ter um kokoro cuja
essecircncia fosse de ldquohonestidaderdquo ldquoclarezardquo e ldquosinceridaderdquo elucida a importacircncia da pessoa
possuir uma boa natureza
Durante o Periacuteodo Edo protagonistas da escola Kokugaku como Kamo-no-Mabuchi
(賀茂 真淵 1697-1769) e Motoori Norinaga apoiam esta perspetiva mais eacutetica do kokoro
apelando ao lsquokokoro sincerorsquo ou lsquomakoto no-kokororsquo (真の心) isto eacute a derradeira virtude de
shintō 280
o que naturalmente reforccedila a importacircncia da caracteriacutestica ldquosinceridaderdquo (makoto)
Avaliada como algo dentro do kokoro ou que lhe eacute independente makoto (真) eacute
homoacutefono da palavra makoto (誠) cuja etimologia eacute makoto ( 真事) literalmente ldquoverdadeiras
palavrasrdquo e significa ldquonatildeo mentirnatildeo enganarrdquo 281
partilhando de um significado positivo
semelhante aos termos ldquohonestordquo (tadashii 正しい) ldquohonestidaderdquo (正直) makoto [真] por
sua vez tende a ser traduzido por ldquosinceridadeverdadeirordquo
No entender de Picken makoto (真) eacute um dos seus muitos vocaacutebulos ldquomoraisrdquo de
shintō juntando-se a kansha (感謝) ou ldquogratidatildeordquo forma de o indiviacuteduo expressar ldquogratidatildeo
humana pela sua dependecircncia sobre o divinordquo e tambeacutem uma atitude de respeito para com a
sociedade que o serve junsui (純粋) ou ldquopessoasrdquo de ldquocoraccedilatildeo puroinocentesrdquo relacionadas
com os traccedilos de caraacutecter ldquobomrdquo (seimei shin) definidos com base nos estudos de poesia e
outros textos antigos 282
Por conseguinte ldquosinceridaderdquo e ldquoagradecimentordquo relacionam-se
com o primeiro grande objetivo da Jinja Honchō conferindo a makoto as qualidades akaki
(ldquoclarordquo e kiyoki (ldquopurordquo) 283
Neste sentido makoto significa tambeacutem ser verdadeiro agraves suas intenccedilotildees e acreditar-
se no que estaacute a fazer uma atitude fundamental para qualquer praticante de shintō quem tiver
279
Ao todo [心] surge 211 vezes nesta obra tanto de forma isolada como acompanhado dos referidos termos
Por vezes as caracteriacutesticas positivas natildeo se aplicam somente ao kokoro mas tambeacutem ao discurso tomando-se o
exemplo de shōjiki kotoba (正直言) ldquopalavras honestasrdquo 続日本紀 朝日新聞本 (ZokuShoku Nihongi Versatildeo
do Jornal Asahi) (on line) lthttpwwwj-textscomjodaishokuallhtml (consultado em 24-06-2018) 280
PICKEN Stuart op cit pp 219-220 281
NISHIGAKI Yukio op cit pp 531-532 282
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 346-347 283
Jinja Honchō ldquo主な活動rdquo (Atividades gerais) 神社本庁のご案内 (A orientaccedilatildeo da Jinja Honchō) (on-line)
lthttpwwwjinjahonchoorjpintroductionactivitygt (consultado em 24-06-2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
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uma ldquovontade sincerardquo em fazer parte dos rituais conseguiraacute cultivar uma relaccedilatildeo proacutexima
com o kami No que concerne ao kokoro este pode ser qualificado como algo ldquobomrdquo (kiyoki
kokoro akaki kokoro yoshiki kokoro) ou ldquomaurdquo (ashiki kokoro) dependendo do caso
distinguindo-se de makoto que dispensa tais significados prejudiciais
Os grandes estudiosos do Periacuteodo Edo nunca se pronunciam sobre um kokoro mau
kokoro eacute sempre um atributo humano (ou de kami) positivo frequentemente associado a shintō
surgindo termos como o magokoro (makoto no-kokoro)
Palavra derivada da combinaccedilatildeo de ldquoverdadeirordquo (真) e kokoro magokoro eacute parte da
piracircmide de ldquovalores positivosrdquo individual assemelhando-se agrave qualidade ldquointenccedilatildeo de
sinceridaderdquo (seii 誠意) Contudo segundo o Tama boko hyakushu (玉鉾百首) de Norinaga
o magokoro corresponde a uma consequecircncia da accedilatildeo do princiacutepio musubi presente na mitama
dos kami um kokoro despido de valores opostos (bemmal sapiecircnciaburrice
capacidadeincapacidade) e cuja qualificaccedilatildeo varia consoante o tipo de experiecircncia e accedilatildeo
(boamaacute) Identificado como uma condiccedilatildeo inata aos seres humanos magokoro tem no seu
nuacutecleo a funccedilatildeo de ldquomovimentordquo nas palavras de Motoori Ōhira (本居大平 1756-1833)
irmatildeo mais novo de Norinaga o kokoro eacute designado de magokoro quando se torna ugoku
kokoro ou ldquokokoro que se moverdquo (うごくこころ動く心) quando alguma coisa de natureza
positiva ou negativa consegue fazer comover (tocar) o kokoro das pessoas estaacute-se perante um
ugoku kokoro agindo-se ldquonaturalmenterdquo conforme o estadonatureza das coisas e
acontecimentos 284
Uma caracteriacutestica uacutenica e individual de cada ser humano que justifica a existecircncia
de kami e coisas boasmaacutes 284
o magokoro existiria na realidade atual (Hito no yo 人の代)
embora remonte aos tempos do Kami-yo uma era temporalmente incerta e marcada pelo
permanente ciclo de Desordem e a Ordem colocando-se sempre a hipoacutetese de esta Desordem
ser ldquocuradardquo tornando a realidade calma e paciacutefica 285
entre o ldquobemmalrdquo vidamorte a vida
e o bem seriam sempre vitoriosos ilustrando a atitude otimista e positiva de Norinaga
tambeacutem adotada pelos praticantes de shintō
284
UMIHIKO ldquo本論 第七回「「真心(まごころ)」とは」の巻rdquo (Texto do Seacutetimo Capiacutetulo magokoro
eacute) 本居宣長研究ノート「大和心とは」本論 (Bloco de notas de Pesquisa Motoori Norinaga ldquoYamato
Gokoro eacuterdquo Argumento-base) (on line) lthttpwwwnorinagajpessence-07phpgt (consultado em 24-06-2018) 285
UMIHIKO ldquo第八回「『真心(まごころ)の型」の巻 rdquo (Texto do Oitavo Capiacutetulo O modelo de
magokoro) 本居宣長研究ノート「大和心とは」 本論 (Bloco de Notas de Pesquisa Motoori Norinaga
ldquoYamato Gokoro eacuterdquo Argumento-base) (on line) lthttpwwwnorinagajpessence-08phpgt (consultado em 24-
06-2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
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Um seacuteculo mais tarde Katō Shigeharu (加藤 重春 1818-) avaliaria o significado
eacutetico do kokoro e makoto a sua obra Shintō fumoto no tateishi (神道麓之立石) categorizaria
kokoro e makoto como duas das quatro Vias de shintō respetivamente a ldquoVia do kokorordquo
(shintō 心道) e a ldquoVia da verdaderdquo (shintō 真道) se na primeira Via shintō eacute qualificado
como uma ldquoVia que retifica a menterdquo a ldquoVia da verdaderdquo reforccedila a importacircncia da
ldquosinceridaderdquo uma vez que ldquoqualquer pessoa que desconsiderasse a importacircncia de
sinceridade eacute uma pessoa viciosardquo Shintō deveria simplesmente ldquofluirrdquo influenciando
automaticamente as accedilotildees do indiviacuteduo cujo coraccedilatildeo eacute ldquoretificado reto e unido com os kamirdquo
soacute assim as suas accedilotildees estariam de acordo com a Via 286
Nos periacuteodos posteriores ao Engishiki o conceito de kokoro adquire alguma
importacircncia a um niacutevel mais ldquofilosoacuteficordquo numerosos textos criados por escolas e autores
independentes expotildeem as suas ideias acerca de kokoro ldquopurezardquo e ldquopurificaccedilatildeordquo bem como os
seus efeitos desta uacuteltima no ser humano Na tradiccedilatildeo de Ise shintō kokoro (ldquomenterdquo) faz parte
do trio ldquopurezardquo- ldquomenterdquo ndash ldquohonestidaderdquo como se constata no Ruiji Jingi Hongen (類聚神
祇本源) de Watarai Ieyuki a ldquopurezardquo eacute uma caracteriacutestica que denota honestidade o ato de
empreender uma tarefa com uma ldquomente que eacute calma (hellip) comportar-se numa maneira que
transcende vida e morte (hellip) tal como obedecer agraves seis proibiccedilotildees relacionadas com o modo
proacuteprio de observar rituaisrdquo (as seis formas de shokue do Engishiki) Em Shintō Kanyō (神道
簡要) do mesmo autor ldquopurezardquo eacute a raiz da ldquohonestidaderdquo e por conseguinte o uacutenico modo
de o indiviacuteduo obter benefiacutecios dos kami uma condiccedilatildeo presente ldquoquando a mente eacute retificada
(uma virtude Confuciana) balanccedilada sem manchar ou sendo manchadardquo e age com
ldquopropriedade em concordacircncia com razatildeordquo isto eacute possui ldquopropriedaderdquo (tsutsushimi 慎み
ldquoter uma atitude proacutepriaadequadardquo) 287
Na escola de Yoshida shintō Kanetomo interpreta esta Via como uma via de
proteccedilatildeo do kokoro (ldquomenterdquo) e como tal a pessoa deveria proceder a uma ldquopureza interna e
externardquo de modo a ldquoseguir a via dos kamirdquo 288
e manter com estes mesmos kami uma relaccedilatildeo
de proximidade graccedilas ao elo de ligaccedilatildeo o kokoro Responsaacutevel pela ldquoreinvenccedilatildeordquo do
conceito de kokoro no seu tempo Kanetomo eacute pioneiro na argumentaccedilatildeo de que o ldquocoraccedilatildeo
286
Aleacutem das Vias do kokoro e de makoto fazem parte de shintō o proacuteprio shintō (Via dos kami) e shintō ou ldquoVia
dos paisrdquo (親道) que enfatiza a virtude confuciana de piedade filial (oya kōkō 親孝行) PICKEN Stuart
Sourcebook in Shinto op cit pp169-170 287
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 177-180 288
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit p 28
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
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humanordquo (kokoro) e kami satildeo uno e a ldquomesma coisardquo 289
justificando a sua proposta de um
tipo de shintō cuja praacutetica ritual transporta consigo um potencial de purificaccedilatildeo fiacutesicamental
Natildeo obstante a linha de pensamento deste autor jaacute estava subentendida num dos
mais ceacutelebres textos de exposiccedilatildeo de Nakatomi Ōharae o Nakatomi Harae Kunge (中臣祓訓
解) Por norma datado do final do Periacuteodo Heian ou dos iniacutecios do periacuteodo seguinte a obra eacute
considerada parte de Ryōbu shintō e releva o papel de Nakatomi Harae aquando deste ldquoritualrdquo
argumentando acerca do papel fundamental da ldquomente humanardquo 290
- o kokoro - por sua vez
descrito por Kanetomo como aquilo que ldquoregerdquo e ldquoorientardquo o praticante e um ldquolugar onde os
kami governantes do universo vivem um lugar sagrado no qual a raiz e origem do cosmos eacute
para ser encontradardquo 289
Assim o kokoro (do homem) eacute o uacutenico elemento no indiviacuteduo capaz
de ldquocomungar com Ceacuteu e Terra com a grande natureza com o cosmosrdquo isto eacute o ldquotodordquo 290
estamos entatildeo perante um vislumbrar de realidades que estatildeo normalmente vedadas ou
veladas ao praticante devido agraves limitaccedilotildees fiacutesicas do corpo
Neste sentido entrar em contacto com os kami eacute um processo ldquomentalrdquo pois eacute a
ldquomente individualrdquo (kokoro) que consegue ldquoencontrarrdquo o kami do cosmos (hellip) origina agrave
ldquopurificaccedilatildeo da natildeo-menterdquo (mushin 無心 ) ndash Kanetomo considera mushin como termo
complementar de ldquoexistir-menterdquo (ushin 有心) dois vocaacutebulos originaacuterios da Via do Buda
que fazem parte do que se entende por ldquocaminhordquo (michi) em shintō 291
Deste modo satildeo
reunidos os requisitos necessaacuterios para a etapa final desta purificaccedilatildeo a ldquouniatildeordquo kamihomem
na qual ldquotodos os meus pensamentos e aspiraccedilotildees se tornam um com oos kamirdquo (shinjin
gōitsu) e consequentemente o retorno do indiviacuteduo sujeito a este harai agrave ldquoforma verdadeira e
originalrdquo que eacute nada mais do que o proacuteprio kami (shinjin kiitsu) 290
Alcanccedilar a Ordem atraveacutes da purificaccedilatildeo em shintō (misogi harai segundo Picken)
possibilita aquilo que geralmente eacute aceite como perspetiva da desta Via em relaccedilatildeo
agrave rdquonatureza humanardquo completar o processo de purificaccedilatildeo significa testemunhar dois
fenoacutemenos especiacuteficos a ldquouniatildeordquo do kami e do homem (shinjin gōitsu (神人合一) e a
289
PICKEN Stuart Sourcebook in Shinto op cit pp 166-167 290
PICKEN Stuart op cit pp 84-85 291
Em Yuiitsu shintō se michi eacute a ldquoraiz da miriacuteade de condutasrdquo(万物之起源也 michi towa mangyō no
minamoto nari 道とは万行の源なり) kami equivale ao kokoro da ldquomiriacuteade de coisasrdquo (神者万物心 kami towa
manbutsu no kokoro ni shite 神とは万物の心にして) Por outras palavras michi possui sempre em si duas
coisas complementares e opostas uma que ldquonatildeo-existerdquo e outra que ldquoexisterdquo HIROKAMI Kiyoshi ldquo日本にお
ける神道理論の形成rdquo (Concerning the Formation of Shinto theories in Japan) Tetsugaku shisō ronsō (哲学-思
想論叢) nordm 5 1997 pp 1-18
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo 96
consequente ldquorestauraccedilatildeo do divino no homemrdquo (shinjin kiitsu 神人帰一 ) literalmente
ldquokamipessoaregresso ao umrdquo 292
sendo que este ldquodivinordquo eacute o kami e a ldquopessoardquo eacute o seu
ldquodescendenterdquo que eacute temporariamente afetado pela Desordem que existe no mundo
Com efeito viver a vida de forma harmoniosa eacute o mesmo que aceitar a necessidade
de restauraccedilatildeo da Ordem um processo perioacutedico e que decorre apoacutes a purificaccedilatildeo individual
ldquopurificarrdquo natildeo significa apenas harai (祓) ou kiyomeru (清める) mas tambeacutem ldquorestaurarrdquo
(naoru直る) 293
a relaccedilatildeo simbioacutetica kami-homem (e vice-versa) expressa pela palavra shinjin
ou kami (神人) isto eacute o ldquokami com uma natureza humanardquo ou ldquokami e seres humanosrdquo
referindo-se ao ldquoprinciacutepio de unidade entre kami e seres humanosrdquo 294
No fundo shinjin gōitsu e shinjin kiitsu satildeo concordantes com a ideia acerrimamente
defendida por Kanetomo de que kokoro e kami satildeo essencialmente o mesmo permitindo ao
praticante tornar-se algo mais do que fisicamente aparenta ser o kokoro eacute o derradeiro elo de
ligaccedilatildeo kami-homem aquilo que deve ser cultivado atraveacutes de rituais de purificaccedilatildeo interna
292
PICKEN Stuart Essentials of Shinto op cit pp 346-347 293
PICKEN Stuart Sourcebook of Shinto op cit p 359 294
NISHIOKA Kazuhiko ldquoKamirdquo Encyclopedia of Shinto 7 Concepts and Doctrines Basic Terms (on line)
lthttpk-amckokugakuinacjpDMdetaildoclass_name=col_eosampdata_id=23401gt (consultado em 24-06-
2018)
Mariana Bernardo Nunes ldquoShintō Rituais e Purificaccedilatildeo o Indiviacuteduo no Ciclo de Desordem e Ordemrsquordquo
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CONCLUSAtildeO
Apesar de a popularidade que o shintō recebe hoje em contexto acadeacutemico ser
evidenciada pelo nuacutemero consideraacutevel de artigos e livros produzidos por autores natildeo
japoneses a Via dos kami em si permanece um campo por explorar natildeo existindo falta de
informaccedilatildeo e sim falta de estudo dessa informaccedilatildeo Foi com estas intenccedilotildees que se pocircde dar
forma a uma inicial miscelacircnea de pensamentos e ideias desconetadas umas das outras um
processo que como natildeo esteve isento de obstaacuteculos nomeadamente a ldquotriagemrdquo de
informaccedilatildeo (consequecircncia da jaacute mencionada ldquotriagemrdquo dos autores que forneceram essa
mesma informaccedilatildeo) atual e adequada ao campo do shintō e agrave temaacutetica ldquorituais de purificaccedilatildeo e
natildeo-purificaccedilatildeo em shintōrdquo
Neste sentido se uma das dificuldades foi encontrar informaccedilatildeo atualizada e numa
linguagem acessiacutevel (inglecircs) uma das vantagens foi a leitura e interpretaccedilatildeo de artigos
passagens de livros e textos escritos em japonecircs auxiliando na investigaccedilatildeo processo que
incluiu uma anaacutelise etimoloacutegica como complemento agrave anaacutelise teoacuterica dos rituais que
provocam a Desordem e a Ordem sem o recurso a tal metodologia dificilmente se
conseguiria responder agraves trecircs perguntas colocadas na Introduccedilatildeo
Outro ponto positivo a ter em conta foi o recurso a outras fontes aleacutem de livros nesta
era de informaccedilatildeo apesar de as obras permanecerem vaacutelidas enquanto fontes primaacuterias de
informaccedilatildeo a sua linguagem presente pode parecer estranha a quem estuda tradiccedilotildees natildeo
ocidentais Interessantemente autores como Picken natildeo caem neste erro ao contraacuterio de Ono
Sokyō De um modo geral fontes virtuais (websites oficiais e artigos de revistas cientiacuteficas)
tambeacutem natildeo seguem esta tendecircncia de ldquotraduccedilotildeesrdquo No caso de fontes japonesas (artigos
websites e livros) a traduccedilatildeo estaacute ausente permitindo reter o sentido das palavras
Sinteticamente o shintō possui uma tradiccedilatildeo de atos de veneraccedilatildeo em jinja e de
indiviacuteduos participantes nos diferentes matsuri Eacute neste sentido que os indiviacuteduos executam
ldquorituaisrdquo (conotaccedilatildeo exclusivamente positiva) favoraacuteveis agrave Ordem Regulados num contexto
de corte estas praacuteticas adaptaram-se consoante a evoluccedilatildeo histoacuterica de shintō tornando-se
vaacutelidos tanto hoje como haacute seacuteculos atraacutes Veja-se o caso de misogi misogi harai retratada
como um exemplo de purificaccedilatildeo interna e externa eacute o ritual-base da atuaccedilatildeo de Misogi-kyō e
tradicionalmente ndash devido agrave sua presenccedila no Kojiki e Nihon shoki par de obras que alude agrave
consciencializaccedilatildeo do que eacute puroimpuro - uma espeacutecie de alicerce de todos os rituais
conducentes agrave Ordem uns mais simples do que outros constatando-se diferenccedilas no que
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concerne agrave preparaccedilatildeo e organizaccedilatildeo Temizu eacute um tipo de purificaccedilatildeo fiacutesica e como tal
reconhece a existecircncia de uma ldquoimpurezardquo fiacutesica e verbal ndash kegare - oriundo das matildeos e da
boca Jaacute as norito satildeo uma purificaccedilatildeo verbal cujos efeitos positivos se repercutem no que as
escuta e naquele que as profere Apesar de hoje poderem ser utilizadas em contextos natildeo
apenas puacuteblicos norito retraccedilam as suas origens a shintō imperial e jinja shintō ambas
categorias que durante seacuteculos beneficiaram de uma posiccedilatildeo privilegiada junto do poder
poliacutetico japonecircs
Natildeo obstante as metas do shintō para a sociedade japonesa do passado satildeo as mesmas
do presente conduzir o indiviacuteduo praticante agrave Ordem atraveacutes dos rituais de purificaccedilatildeo uma
vez que jōka eacute uma temaacutetica transversal a todas as vertentes do shintō independentemente do
seu nome ou forma pacificaccedilatildeo retificaccedilatildeo oharai temizu norito misogi kessai natildeo deixam
de ser purificaccedilotildees Contudo soacute se pode falar de uma ldquopurificaccedilatildeordquo se houver razatildeo para tal
se existem rituais que reconduzem o indiviacuteduo agrave Ordem seguramente existem rituais de
natureza antagoacutenica Natildeo haacute Desordem (muchitsujo 無秩序 conotado pela autora com maga
[禍]) sem Ordem (chitsujo 秩序 se bem que algumas fontes favorecem o uso de nao [直]
para expressar esta Ordem uma vez que um dos seus significados eacute o de ldquorestaurarrdquo)
purificaccedilatildeo sem natildeo-purificaccedilatildeo e muito menos pureza sem impureza Estes trecircs pares de
conceitos satildeo interdependentes opostos e complementares Tendo isto como ponto de partida
eacute possiacutevel deduzir o seguinte shintō tem por princiacutepio um equiliacutebrio e um ciclo no qual se
encontra o indiviacuteduo a Via propotildee ao indiviacuteduo o que deve fazer e o que eacute correto fazer bem
como aquilo que natildeo deve fazer
Neste sentido o shintō reuacutene aspetos teoacutericos e praacuteticos como qualquer outra religiatildeo
apresentando a sua proacutepria ldquocosmovisatildeordquo ndash ldquovisatildeo do cosmosrdquo o cosmos eacute conotado com o
coletivo e como tal um dos seus elementos fundamentais eacute o indiviacuteduo que vive neste cosmos
esperando um dia efetivamente ligar-se a ele o que alude a noccedilatildeo de musubi aproximando o
ser humano do kami
Por conseguinte a jōka eacute um processo abrangente e inclusivo e natildeo restritivo ou
exclusivo no qual o ser humano se deve focar auxiliando-o a viver bem consigo e com os
outros A natildeo purificaccedilatildeo precede os atos de purificaccedilatildeo tal como a Desordem precede a
Ordem existindo desde os tempos incertos do Kami-yo relatados pelas mitologias japonesas
Aliaacutes esta DesordemOrdem eacute provocada pelas accedilotildees dos kami Tome-se por exemplo
Susanoo e Amaterasu com a excepccedilatildeo dos episoacutedios nos quais Susanoo repotildee a Ordem
atraveacutes da eliminaccedilatildeo de uma ameaccedila (Yata no Orochi) este kami estaacute sempre associado agrave
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Desordem como consequecircncia da sua rivalidade para com Amaterasu sua irmatilde mais velha
Tal conflito prolonga-se ateacute ao momento da restauraccedilatildeo da Ordem trazida por Ninigi neto de
Amaterasu e inimigo dos descendentes de Susanoo sobre os quais emerge vitorioso
Interessantemente esta reordenaccedilatildeo tem a dupla funccedilatildeo de legitimaccedilatildeo do estatuto de
Amaterasu enquanto governante de Takamagahara e entronizaccedilatildeo de um novo poder
centralizado no territoacuterio japonecircs na figura de um suposto descendente de Amaterasu A nova
ordem coacutesmica simboliza uma nova ordem poliacutetica
Em contrapartida o ciclo de Desordem e Ordem no qual o ser humano natildeo eacute apenas
um espetador mas tambeacutem um participante tem as suas origens nos atos conscientes de
Izanagi durante misogi o primeiro ritual de purificaccedilatildeo a ser mencionado em fontes japonesas
Aliaacutes ldquorituaisrdquo satildeo processos de transiccedilatildeo de um ldquoestado potencialrdquo para a condiccedilatildeo de
ldquoatordquo negativo ou positivo em shintō se rituais de natureza positiva satildeo visualmente
manifestaccedilotildees de apreccedilo e respeito pelos kami e aproximam-nos dos proacuteprios kami rituais de
natureza oposta provocam a distacircncia Por outras palavras rituais satildeo nada mais do que
meacutetodos para atingir um fim a Ordem ou o seu inverso sendo que a purificaccedilatildeo assume um
papel basilar orientando o indiviacuteduo ao longo deste processo Executar rituais de purificaccedilatildeo
significa reconhecer os erros cometidos e efetivamente agir a favor de um coletivo
Afastando-se do que lhe eacute prejudicial e para este coletivo o indiviacuteduo segue a Via dos kami
que o auxilia a viver a vida de forma boa de estar bem consigo e com os outros
Contudo por muito atrativo que pareccedila esta ideia de Ordem eacute inevitaacutevel a seguinte
sucessatildeo de perguntas seraacute que o shintō se resume apenas a isto Um ser humano
ciclicamente sujeito a uma Desordem e Ordem que ele proacuteprio causa ou se deixa afetar por
forccedilas ldquoexterioresrdquo (kami) consequentemente atingindo natildeo apenas a sua pessoa mas tambeacutem
o que o rodeia Natildeo haveraacute uma soluccedilatildeo definitiva Uma ldquoharmoniardquo que seja permanente e
natildeo perioacutedica
Ora esta linha de raciociacutenio natildeo eacute de todo iloacutegica se o shintō existe para benefiacutecio de
quem cumpre com os rituais de purificaccedilatildeo a ldquoharmoniardquo eacute nada mais do que um meio para
atingir o derradeiro fim a felicidade Assim a verdadeira ldquoHarmoniardquo significa ir para laacute da
Desordem e Ordem da reordenaccedilatildeo constante Harmonia eacute equiliacutebrio e uma condiccedilatildeo de
plenitude perpetuada o que soacute acontece quando o ser humano estaacute ligado ao todo um todo
representado parcialmente pela sociedade e pelo indiviacuteduo que estaacute em sociedade
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No contexto do shintō o indiviacuteduo poderaacute ser definido enquanto parte do todo e de
certo modo o proacuteprio todo se a parte estaacute ligada em rede ao todo de uma forma
exclusivamente positiva eacute graccedilas agrave Harmonia De entre os autores contemporacircneos
consultados Stuart Picken destaca-se como o mais assertivo na partilha desta opiniatildeo o
entendimento que este uacuteltimo atribui agrave praacutetica misogi harai (shinjin gōitsu e shinjin kiitsu) jaacute
transparece a noccedilatildeo de Harmonia uma ldquoHarmoniardquo definitiva agrave semelhanccedila do que eacute
proposto pelo texto do Nakatomi Harae Kunge De todos os rituais de purificaccedilatildeo
mencionados este eacute o uacutenico que oferece ao indiviacuteduo algo mais do que uma Ordem
temporaacuteria conseguindo de facto inviabilizar a proacutepria Desordem
Em suma eacute possiacutevel percecionar shinjin gōitsu e shinjin kiitsu como consequecircncia de
um tipo de purificaccedilatildeo que natildeo vem do exterior Ao inveacutes de uma purificaccedilatildeo externa focada
no regresso temporaacuterio agrave Ordem urge-se uma purificaccedilatildeo que tem de vir do ldquointeriorrdquo do
kokoro Quando este atributo humano estiver em Harmonia a purificaccedilatildeo torna-se permanente
para o ser humano um ser humano em equiliacutebrio e liberto do ciclo de Desordem e Ordem que
rege a sua conduta diaacuteria
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ANEXOS
Anexo I
Desordem e Ordem de acordo com o terceiro capiacutetulo do Engishiki shokue (orientaccedilatildeo
direita-esquerda da segunda agrave quinta linha) e imi [齋] incluindo sansai e chisai durante os
atos de luto (uacuteltimas quatro linhas da paacutegina) ou no periacuteodo de gravidez das jovens do palaacutecio
(primeiras duas linhas paacutegina seguinte)
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Anexo II
Um shinkan executa oharai durante o ldquorito de shūbatsurdquo (shūbatsu no gi修祓の儀) segundo
passo do jichinsai Este matsuri decorreu em 2016 1ordm de novembro (terccedila-feira) prefeitura de
Aomori (Aomori-ken 森県 ) cidade de Hachinoe (Hachinoe-shi 八戸市 ) por parte do
Kabushima jinja (蕪嶋神社) O seu objetivo eacute ldquoapaziguarrdquo os kami do terreno onde se
construiraacute um novo shaden (社殿) isto eacute o edifiacutecio onde se guarda o shintai
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Anexo III
Uma jovem executa temizu segurando o utensiacutelio de madeira na matildeo direita que utilizou para
lavar a matildeo esquerda e agora a sua boca O texto abaixo agrave esquerda lecirc-se ldquolimpar o kokoro e
o corpordquo (心身を清める) e temizu (手水) respetivamente agrave direita a frase ldquohidarite de mizo
wo uke kuchi wo susugimasurdquo (左手で水を受け口をすすぎます) significa literalmente
ldquorecebe-se a aacutegua e lava-se a boca com a matildeo esquerdardquo
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Universidade Lusoacutefona de Humanidades e Tecnologias- Faculdade de Ciecircncias Sociais Educaccedilatildeo e Administraccedilatildeo IV
Anexo IV
Excerto da norito de Minadzuki no tsugumori Ōharae (六月晦日大祓) oitavo volume do
Engishiki Aqui os atos de ldquopurificaccedilatildeordquo (segunda linha a contar da esquerda) provocaram a
eliminaccedilatildeo dos tsumi cometidos pelo coletivo de funcionaacuterios (quarta linha)