recategorização do referente

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  • 7/25/2019 Recategorizao Do Referente

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    DESAFIOS: Revista Interdisciplinar da Universidade Federal do TocantinsV. 2n. 02. p.30-42, jan/jun. 2016.DOI: http://dx.doi.org/10.20873/uft.2359-3652.2016v2n2p30

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    RECATEGORIZAO DO REFERENTE ESTTUA DO CRISTOREDENTOREM TEXTOS MULTIMODAIS: UM EXERCCIO DE

    ANLISE

    RECATEGORISATION OF THE REFERRING "STATUE OF CRISTO

    REDENTOR" IN MULTIMODAL TEXTS: AN EXERCISE OF ANALYSIS

    Juscelino Francisco do NascimentoUniversidade Federal do Piau - UFPI/Universidade de Braslia - UnB

    Auclia Vieira RamosUniversidade Regional do Cariri - URCA/ Universidade Federal do Cear UFC

    RESUMOEste artigo visa a fazer um estudo preliminar da recategorizao no processo de referenciaodo referente Esttua do Cristo Redentor, com base na anlise de trs imagens retiradas de

    sites da Internet. Usaremos, como arcabouo terico, os conceitos postulados por CustdioFilho (2011), Bentes (2008), Cavalcante (2005), Dionsio (2011), Koch (2003, 2006), entreoutros. Neste estudo, seguiremos o que postula Lima (2003, 2009, 2011), para a qual arecategorizao um processo compreendido numa dimenso cognitivo-discursiva, de modoque permite que a sua concepo seja entendida para o nvel das estruturas e dofuncionamento cognitivo. Observamos que, para haver a compreenso devida de cadareferente materializado pelas imagens, necessrio que se tenha, antecipadamente, todo um

    conhecimento relativo situao em que se est inserido, para poder recategorizar o objeto dediscurso em questo.

    Palavras-chave: Recategorizao; Referenciao; Imagens do Cristo Redentor.

    ABSTRACTThis paper aims at doing a preliminary study of the recategorization in the process ofreferentation of the referent Cristo Redentor Statue, based on the analysis of three imagestaken from websites. We will use as theoretical framework the concepts postulated byCustdio Filho (2011), Bentes (2008), Cavalvante (2005), Dionsio (2011), Koch (2003,2006), among others. In this study, we will follow what postulates Lima (2003, 2009, 2011),

    for whom the recategorization is a process understood in a cognitive and discourse dimension,so that allows its conception to be understood to the level of structures and cognitivefunctioning. We note that, due to be understanding of each materialized regarding the images,it is necessary to have, in advance, any knowledge concerning the situation in which it isinserted in order to recategorize the object of discourse in question.

    Keywords: Recategorization; Referentation; Cristo Redentor Images.

    Recebido em 16/04/2016. Aceito em 26/04/2016. Publicado em 31/05/2016.

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    INTRODUO

    O escopo principal deste artigo apresentar um estudo sobre a recategorizao no

    processo de referenciao do referente esttua do Cristo Redentor, a partir da anlise de

    uma capa de revista e de duas charges que tematizam esse referente. Para tanto, nos

    utilizaremos dos estudos de Koch (2003, 2006), Bentes (2008), Lima (2003, 2009, 2011),

    Custdio Filho (2011) e Cavalcante (2005), que tratam do processo de recategorizao na

    atividade discursiva, seguindo a perspectiva da referenciao (MONDADA; DUBOIS, 2003).

    Veremos que, para que se possa compreender a recategorizao do referente CristoRedentor, materializado nos textos analisados por meio da imagem , faz-se necessria a

    ativao do nosso conhecimento de mundo, alm da compreenso de elementos lingusticos e

    no lingusticos presentes no contexto de cada texto a ser analisado.

    Este trabalho est organizado da seguinte forma: incialmente, apresentamos um breve

    histrico da Lingustica Textual, evidenciando-a como uma disciplina nova na Academia; em

    seguida, apresentaremos os pressupostos tericos de referenciao e recategorizao adotados,

    conforme os autores mencionados anteriormente; mostraremos uma pequena descrio doMonumento do Cristo Redentor, principal ponto turstico do Rio de Janeiro, para

    contextualizar melhor o referente em estudo e, finalmente, faremos as anlises dos trs textos

    constituintes do corpus, com base na literatura pertinente, enfocando a maneira como se d a

    construo do sentido em cada um deles.

    1 LINGUSTICA TEXTUAL: BREVE HISTRICO

    Nos dias de hoje, vemos como uma necessidade o estudo do texto como unidade de

    anlise dentro do campo dos estudos da linguagem. Destarte, anteriormente ao surgimento da

    Lingustica de Texto, essa ideia no era to aceita, por assim dizer, tendo em vista que os

    estudos lingusticos de trinta anos atrs, aproximadamente, seguiam uma abordagem

    Estruturalista e, por essa razo, limitavam-se ao nvel da unidade da frase, evidenciando os

    seus aspectos fonolgicos, sintticos e morfolgicos. Nesse sentido, o texto no era concebido

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    como o ponto mais importante no processo comunicativo e, s aps esse avano, com o

    surgimento da Lingustica Textual propriamente dita, que lhe foi dada a ateno devida

    (BENTES, 2008; FVERO; KOCH, 2008).

    De acordo com Koch (2006), em sua fase inicial, aproximadamente da segunda

    metade da dcada de 60 at meados da dcada de 70 do sculo passado, a Lingustica Textual

    ocupou-se do estudo dos mecanismos interfrsticos que so parte do sistema gramatical da

    lngua (KOCH, 2006, p. 3). Bentes (2008) denomina esses mesmos processos de

    transfrsticos, prximos anlise das gramticas de texto, quando se parte da frase para o

    texto, observando as relaes estabelecidas entre as frases e os perodos, de modo que se

    estabelea uma unidade de sentido.

    Anteriormente a essa etapa, os estudos lingusticos atinentes ao texto tinham por baseo Estruturalismo (que via a lngua enquanto sistema) e, por isso, detinham-se apenas ao nvel

    da frase, no evidenciando o texto como o ponto principal do processo comunicativo, isto ,

    detinham-se somente estrutura frasal para, s algum tempo depois, com o surgimento da

    Lingustica de Texto, chegar-se ao texto, como j mencionamos anteriormente (FVERO;

    KOCH, 2008).

    A segunda fase da LT, segundo Koch (2006), teve incio na primeira metade dos anos

    oitenta e, nesse momento, utilizava-se uma concepo semntica de sentido do texto, onde aunidade textual devia ser vista em uma perspectiva pragmtica, buscando integrar fatores

    contextuais na descrio dos textos, com vistas insero da pragmtica como elemento

    descritivo.

    A terceira fase, por seu turno, de acordo com Koch (2006), iniciou-se na segunda

    metade dos anos oitenta e se prolonga at hoje. Ela se caracteriza pela conscincia do

    indivduo de que todo processo se configura em uma ao, ou seja, essa concepo cognitiva

    considerada como resultante de modelos mentais, que revelam os saberes armazenados namemria e devem ser ativados para que as atividades possam causar o propsito comunicativo

    aguardado.

    Com esse considervel avano nos estudos da linguagem, a proposio de trabalho da

    Lingustica Textual consiste, basicamente, em tomar como unidade bsica [...] o texto, por

    serem os textos a forma especfica de manifestao da linguagem (FVERO; KOCH, 2008,

    p. 11).

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    Desde o seu surgimento, a Lingustica Textual teve a preocupao de definir com qual

    conceito de texto ela trabalha. Desse modo, emergiram diferentes concepes de texto ao

    longo de sua trajetria, destacadas por Koch (2003):

    Texto como frase complexa (caracterizando uma fundamentao puramente

    gramatical);

    Texto como expanso tematicamente centrada de macroestruturas (evidenciando

    questes de natureza semntica);

    Texto como signo complexo (remetendo-nos aos estudos da semitica);

    Texto como ato de fala complexo (referindo-se pragmtica);

    Texto como discurso congelado produto acabado de uma ao discursiva

    (fundamentao de natureza discursivo-pragmtica);Texto como meio especfico de realizao da comunicao verbal (materializao da

    funo comunicativa);

    Texto como verbalizao de operaes e processos cognitivos (fundamentao de

    natureza cognitivista);

    Texto como lugar de interao entre os atores sociais e de construo interacional de

    sentidos (concepo de base sociocognitiva-interacional).

    Nesta concepo de texto com base na perspectiva sociocognitiva, como afirma Lima(2009), se estabelece a concepo de texto como processo, onde os aspectos cognitivos so

    chamados com maior fora a compor o quadro da Lingustica de Texto, pois se tornam

    pressupostos na descrio do processamento textual, viabilizado por diferentes estratgias.

    Para Koch (2006, p. 21), nessa perspectiva, os parceiros da comunicao possuem saberes

    acumulados quanto aos diversos tipos de atividades da vida social, tm conhecimentos

    representados na memria que necessitam ser ativados.

    Atualmente, com o avano nos estudos dessa nova rea de investigao, h vriostemas de estudo, dentre eles, a referenciao e a recategorizao, alvo deste trabalho.

    2 DA REFERNCIA REFERENCIAO

    De acordo com Lima (2003), para a concepo clssica da referncia, os objetos de

    mundo so dados a priori, e a categorizao entendida numa relao direta de

    correspondncia das palavras com o mundo real, a qual pode ser representada pela metfora

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    do espelho. Tal metfora, para Lima (2003, p. 55), representa bem esse ponto de vista, que

    ancora uma viso de lngua como sistema de etiquetas, traduzindo-se como uma representao

    adequada da realidade.

    Por outro lado, temos a clssica concepo de referncia, a qual pode ser definida,

    seguindo Koch (2003, p. 79), como

    Simples representao extensional de referentes do mundo extramental [naqual] a realidade construda, mantida e alterada no somente pela formacomo nomeamos o mundo, mas, acima de tudo, pela forma como,sociocognitivamente, interagimos com ele.

    Nos dias atuais, devido a uma srie de restries que a noo de referncia impe,

    como o papel do sujeito e o contexto da enunciao, o termo referncia est sendo substitudopela expresso referenciao, como propem Mondada e Dubois (2003), que destacam a

    instabilidade das categorias e adotam a concepo de que os sujeitos fabricam verses

    pblicas do mundo. Com base nisso, elas passam a tratar de referenciao, na qual os

    referentes passam a ser vistos como objetos de discurso (LIMA, 2003).

    Para Apothelz e Reichler-Bguelin (1995 apud KOCH, 2003), a referncia diz

    respeito especialmente s operaes realizadas pelos sujeitos medida que o discurso se

    desenvolve, pois ele constri aquilo a que faz remisso, sendo, ao mesmo tempo, tributrio

    dessa construo, ou seja, o discurso constri uma representao que opera como uma

    memria compartilhada.

    Para Machuschi (2007, p. 100), o processo de referenciao se constri

    discursivamente de maneira progressiva at a identificao de algo, ou seja, por meio desse

    processo, dois indivduos, na interao lingustica, sabem o que esto falando e como, no

    discurso, esto construindo seus referentes. Para o autor, o modo, a maneira como dizemos

    aos outros as coisas reflete a nossa atuao discursiva sobre o mundo. Assim, h mais uma

    insero sociocognitiva no mundo pelo uso de nossa imaginao em atividade de integrao

    conceitual, do que um simples processo de representao do real.

    A transcrio ocorrida entre o representacionismo e a referenciao perpassa tambm a

    substituio da expresso e da ideia de referncia por referenciao. Como resultado desta

    necessidade de entender como se do os processos de (re)construo da realidade, Koch

    (2003, p. 79) postula que a maneira como vemos o real no coincide como o real. O que

    ocorre uma reelaborao dos dados, no de maneira aleatria, mas obedecendo a condies

    sociais, culturais, histricas do uso da lngua.

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    Admite-se, com isso, que os objetos-de-discurso so dinmicos, podendo ser ativados

    ou reativados. exatamente nesse ponto que surge a necessidade de substituio do termo

    referncia por referenciao. Segundo Mondada (2001), a substituio relevante, pois a

    referncia no abrange os processos reais de comunicao, tendo em vista que esta s realiza

    uma representao do mundo, uma verbalizao do referente. Por outro lado, a referenciao

    privilegia a relao intersubjetiva e social das verses do mundo.

    Assim, observamos uma minimizao do carter formalista dado linguagem,

    reafirmando que toda atividade comunicativa centra-se no discurso e, portanto, em objetos-de-

    discurso que carregam a ideia de ao interativa entre sujeitos.

    3 RECATEGORIZAO: CONSTRUO DE REFERENTES EM TEXTOSVERBAIS E NO VERBAIS

    De acordo com Lima (2011), Apothelz e Reichler-Bguelin (1995) foram os

    pioneiros a estudar o fenmeno da recategorizao, referindo-se capacidade que os

    interlocutores tm de reapresentar os objetos de discurso de acordo com as diferentes

    situaes comunicativas em que eles se encontrem. Para eles, os falantes designam os

    referentes durante a construo do discurso, de modo que elegem a expresso referencial maisadequada para cada situao e que atinja os seus propsitos.

    Apesar disso, para Lima (2011), o fenmeno da recategorizao mais complexo do

    que postulam Apothelz e Reichler-Bguelin (1995), pois estes se baseiam na recategorizao

    como um processo de remisso ou retomada de itens lexicais. De fato, a complexidade bem

    maior, pois, ainda segundo Lima (2011, p. 178), o fenmeno da recategorizao demanda

    uma imerso no nvel das estruturas e do funcionamento cognitivo, [de modo que] somente

    uma abordagem cognitivo-referencial pode dar conta de sua extenso.Segundo Cavalcante (2005), a recategorizao uma alterao nas associaes entre

    representaes categoriais parcialmente previsveis, ou seja, em uma viso pblica do mundo.

    Nesse sentido, para Mondada e Dubois (1995), os sujeitos constroem verses pblicas do

    mundo, por meio de prticas cognitivas e discursivas, ancoradas tanto social, quanto

    culturalmente.

    Conforme Custdio Filho (2011), a referenciao um processo cuja explicao

    requer um ponto de vista sociocognitivista, pois, ao se relacionar linguagem e sociocognio,

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    revela-se a importncia que a questo do referente tem na delineao dos princpios terico-

    analticos assumidos.

    O mesmo autor procura apresentar a noo de texto como um evento comunicativo, no

    qual devemos observar a influncia da materialidade lingustica na produo dos objetos de

    discurso.

    4 A CONSTRUO DO REFERENTE ESTTUA DO CRISTO REDENTOR

    Apesar de sermos brasileiros e conhecedores, mesmo que no to detalhistas, do

    Monumento do Cristo Redentor, apresentamos, nesta seo, algumas informaes importantes

    acerca da esttua, uma das sete maravilhas do mundo contemporneo.Trata-se de uma construo, iniciada em 1924 e inaugurada em 1931, na zona sul da

    cidade do Rio de Janeiro, no estado do Rio de Janeiro, no alto do Morro do Corcovado, a 709

    metros acima do nvel do mar. Possui, internamente, uma escada que d acesso aos braos e

    cabea. Tem trinta metros de altura e trinta metros de envergadura, alm de oito metros do

    pedestal. Sua inaugurao foi realizada s 19h do dia doze de outubro de 1931, data em que se

    celebra a padroeira do Brasil, Nossa Senhora Aparecida (GRANDE ENCICLOPDIA DELTA

    LAROUSSE, 1973).Vejamos como se d a construo do sentido na imagem a seguir:

    Figura 1O Ginasta Cristo Redentor.Figure 1 - The Gymnast Christ the Redeemer.

    Fonte: Disponvel emhttp://ebooksgratis.com.br/revistas-mensais-e-mensais/revista-veja-07-de-outubro-de-2009-maravilhosa-e- olmpica. Acesso em 21/05/12.

    http://ebooksgratis.com.br/revistas-mensais-e-http://ebooksgratis.com.br/revistas-mensais-e-
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    Na Figura 1, capa da Revista Veja, temos elementos verbais e imagticos na sua

    constituio, sendo necessrio evoc-los para o alcance dos sentidos produzidos pela

    recategorizao do referente CristoRedentor.A construo da compreenso do sentido da

    capa da revista nos revela que, atualmente, as pessoas consideradas letradas devem ser

    capazes de atribuir sentidos, como tambm de produzirem mensagens originadas de mltiplas

    fontes de linguagem.

    Para Dionsio (2011, p. 139), prtica de letramento da escrita, do signo verbal, deve

    ser incorporada a prtica de letramento da imagem, do signo visual. Partindo da relao

    prxima entre imagem e palavras, temos o conceito de multimodalidade. A capa da revista,

    enquanto gnero textual, constri sentidos e estabelece relaes por meio dos contedos oudiscursos nela veiculados. Esses significados se concretizam atravs da linguagem, quer seja

    verbal, quer seja no verbal. Em outras palavras, todo o arranjo visual disposto em

    determinado gnero textual (cores, imagens, tipos e tamanhos de fontes, formatao), e

    mesmo o comportamento de uma pessoa (gestos, entonaes, expresses faciais) durante uma

    conversa, por exemplo, podem ser compreendidos como multimodalidade.

    De acordo com Dionsio (2011), os textos multimodais expem de algum modo as

    relaes entre a sociedade e o que ela representa. Ou seja, no dizer da autora, tanto as aessociais quanto os gneros tornam explcitas essas aes so multimodais, tendo em vista a sua

    capacidade de produzirem, atravs de no mnimo dois modos de representao: palavras e

    gestos, palavras e entonaes, palavras e imagens, palavras e tipogrficas, palavras e sorrisos,

    palavras e animaes, etc (DIONSIO, 2011, p. 139).

    A multimodalidade, ento, seria vista como uma forma de realar a importncia de se

    considerar os diferentes modos de representao; imagens, msica, gestos etc., alm dos

    elementos lexicais.Passemos anlise da capa da revista. Inicialmente, observemos a frase Maravilhosa

    e Olmpica, que so atributos do referente, no explcito no cotexto, cidade do Rio de

    Janeiro, conhecida pela perfrase de Cidade Maravilhosa e que, em 2016, sediar a trigsima

    primeira edio das Olimpadas, sendo, por essa razo, chamada, tambm, de Cidade

    Olmpica. Vejamos que, nesse contexto, o referente esttua do Cristo Redentor est

    recategorizado como um atleta de ginstica artstica em um exerccio masculino nas argolas,

    chamado cruz ou Cristo Redentor, como mais conhecido. Alm disso, a figura que

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    DESAFIOS: Revista Interdisciplinar da Universidade Federal do TocantinsV. 2n. 02. p.30-42, jan/jun. 2016.DOI: http://dx.doi.org/10.20873/uft.2359-3652.2016v2n2p30

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    materializa o referente est vestida em uma camiseta branca, numa aluso a paz, com a frase,

    em portugus, O Rio ama voc, na inteno de, com esse artifcio, atrair mais pessoas para

    prestigiar esse evento do calendrio esportivo mundial que, segundo o enunciado expresso na

    capa da revista, para o Rio e o Brasil j comeou.

    Para que essa compreenso seja alcanada, nos utilizamos do nosso conhecimento

    enciclopdico ou conhecimento de mundo, que se refere aos conhecimentos gerais sobre o

    mundo e queles referentes a vivncias pessoais e eventos situados espao-temporalmente,

    permitindo, ao leitor, a produo de sentidos (KOCH; ELIAS, 2009).

    Vejamos outro exemplo de recategorizao do referente esttua do Cristo Redentor,

    na charge reproduzida na Figura 2.

    Figura 2Cristo Redentor deixa o Corcovado.Figure 2 - Christ the Redeemer leaves the Corcovado.

    Fonte: Disponvel emhttp://www.depoimentosengracados.com.br/?p=661.Acesso em 21/05/12.

    Na Figura 2, necessrio bastante conhecimento de mundo para compreendermos a

    construo dos referentes que nela se materializam, por meio de expresses referenciais e de

    imagens. preciso que o leitor j saiba, previamente, quem so os referentes Garotinho,

    Benedita e Rosinha, ex-governadores do Rio de Janeiro; assim como o referente Beira-

    Mar, que foi um dos traficantes mais procurados do Brasil. A chuva de balas perdidas mais

    http://www.depoimentosengracados.com.br/?p=661http://www.depoimentosengracados.com.br/?p=661
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    fcil de ser entendida, pois os leitores j tm em mente que esse fato /foi comum no Rio, o

    que atemoriza o referente esttua do Cristo Redentor, fazendo-o sair do Corcovado, pois, a

    qualquer hora, uma bala poderia acert-lo. Percebamos que o referente sai com as malas

    prontas, deixando o seu lugar de origem vazio e afirmando que se deve entregar outro para

    Cristo, embora ele mesmo j seja o prprio Cristo, isto , deve-se encontrar um substituo

    capaz de suportar todas as mazelas do Estado, o que constitui o humor na imagem, pois no

    deu para aguentar tantas ameaas constantes. Nesta charge, o referente Cristo Redentor

    recategorizado como o Libertador, Jesus Cristo, o qual, mesmo sendo aquele que suporta

    tudo, que sempre est disposto a perdoar e que benevolente, no aguentou as vicissitudes s

    quais estava merc no Corcovado, sujeito s balas perdidas, s aes do trfico e, ainda, s

    ms administraes dos governadores.Nesse texto, a interao feita entre prxis, percepo e linguagem (KOCH, 2003), d

    sentido recategorizao do referente esttua do Cristo Redentor, pois, como assevera

    Custdio Filho (2011), produzir sentidos implica construir, de igual modo, propostas de

    compreenso sobre alguma coisa, que remete, indubitavelmente, ao mundo (visvel ou

    invisvel, concreto ou abstrato) nossa volta.

    Por fim, vejamos como se constri a recategorizao do referente esttua do Cristo

    Redentor,na Figura 3, outra charge composta apenas por elementos no verbais.Figura 3Os clubes do Libertador.

    Figure 3 - The clubs Libertador.

    Fonte: Disponvel emhttp://www.lancenet.com.br/brasileirao/Alberto-Cristo-Redentor-Cariocas-Corinthians_LANIMA20111018_0013_27.jpg. Acesso em 21/05/12.

    http://www.lancenet.com.br/brasileirao/Alberto-Cristo-Redentor-http://www.lancenet.com.br/brasileirao/Alberto-Cristo-Redentor-
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    Na Figura 3, para que possamos compreend-la, necessrio um conhecimento de

    mundo nos campos religioso e esportivo. O referente principal, como vemos, a esttua do

    Cristo Redentor. Redentor, na linguagem teolgica, sinnimo de Libertador, alvo da

    construo de sentido do referente expresso pela imagem.

    Com um olhar mais apurado aos detalhes da imagem, percebemos algo que o leitor

    comum, sem tanto conhecimento acerca do cenrio esportivo brasileiro, no capaz de

    deduzir. Com base na data em que a imagem foi produzida, no ano de 1987, observamos dois

    detalhes importantes: 1) Apenas equipes cariocas esto junto ao Cristo Redentor e 2) O time

    que est de fora paulista, no carioca, o que nos leva a crer que o objetivo da

    recategorizao do referente Esttua do Cristo Redentor mostrar os clubes que, at aquele

    ano, tinham sido campees do Campeonato Brasileiro, pois, at 1987, somente o Flamengo, oVasco, o Botafogo e o Fluminense (times cariocas) j tinham vencido a competio,

    certamente com a ajuda divina do Libertador, o que no aconteceu ao Corinthians.

    Na anlise dessa charge, concordamos com Custdio Filho (2011) quando afirma que

    o aparato de conhecimentos internalizados e de mecanismos que auxiliam no processamento

    textual oriundo das experincias sociais dos indivduos (no caso, religio e esporte). Tais

    conhecimentos esto sempre sujeitos a mudanas e adaptaes de acordo com a forma que

    essas experincias acontecem. Para o autor, o processo de construo dos referentes , dessaforma, um fenmeno sociocognitivo.

    CONSIDERAES FINAIS

    Para a anlise das trs imagens do referente esttua do Cristo Redentor, que

    constituram o corpusdeste artigo, utilizamo-nos de estudos recentes na rea da Lingustica

    Textual, focalizando os processos de recategorizao.Constatamos que, para haver a compreenso devida de cada referente materializado

    pelas trs diferentes imagens, necessrio que se tenha, previamente, todo um conhecimento

    relativo situao em que se est inserido, para poder, de fato, recategorizar o objeto de

    discurso em questo.

    Perceber um monumento to grandioso como um atleta olmpico, um

    guardio/protetor de equipes esportivas ou, ainda, como algum que no aguenta determinada

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    DESAFIOS: Revista Interdisciplinar da Universidade Federal do TocantinsV. 2n. 02. p.30-42, jan/jun. 2016.DOI: http://dx.doi.org/10.20873/uft.2359-3652.2016v2n2p30

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    situao e sai com as malas prontas; no tarefa simples para um leitor comum, ainda mais

    quando se tem apenas elementos imagticos na construo da imagem.

    Nesse ponto, reiteramos, aqui, a afirmao de Koch e Elias (2009) quando frisam a

    necessidade da utilizao do nosso conhecimento de mundo, referente s nossas vivncias

    pessoas e eventos situados no espao e no tempo em que estamos, de modo que se estabelea

    a interao entre prxis, percepo e linguagem, defendida por Koch (2003).

    Destacamos, ainda, que o papel da recategorizao se realiza eficazmente na

    construo do propsito comunicativo, pois ela cumpre a finalidade comunicativa e se fazer

    entender, mostrando sua importncia ao ativar os objetos de discurso presentes na mente do

    leitor, fazendo com que este faa associaes, atribua significados, ative seus objetos de

    mundo e os construa como objetos de discurso.

    REFERNCIAS

    APOTHLOZ, D; REICHLER-BGUELIN, M. J. Construction de la rfrence et stratgiesde dsignation. In: BERRENDONNER; REICHLER-BGUELIN, M. J. (eds.). Du sintagmenominal aux objects-de-discours: SN complexes, nominalizations, anaphores. Neuchtel:Institute de linguistique de lUniversit de Neuchtel, 1995, p. 227-71.BENTES, Anna Christina. Lingustica textual. In: MUSSALIM, Fernanda; BENTES, AnnaChristina (orgs.).Introduo lingustica: domnios e fronteiras. So Paulo: Cortez, 2008, p.245-287.

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    Nas trilhas da linguagem: pesquisa e ensino. Teresina: Editora da UFPI; Rio de Janeiro:Booklink, 2011.MARCUSCHI, Luiz Antonio. Cognio, linguagem e prticas interacionais. Rio de Janeiro:Editora Lucerna, 2007.MONDADA, Lorenza; DUBOIS, Danile. Construction des objets de discours etcatgorisation: une approche des processus de refrentiation. TRANEL (Travauxneuchtelois de Linquistique), n 23, 1995, p. 273-302.

    Juscelino Francisco do NascimentoDoutorando em Lingustica pela Universidade de Braslia (UnB). Membro do Ncleo deEstudos Crticos e Avanados em Linguagem (NECAL/UnB), do Grupo de Pesquisa(Socio)Lingustica, Letramentos Mltiplos e Educao (SOLEDUC/UnB) e do Ncleo dePesquisa de Ensino do Portugus (NUPEP/UFPI).E-mail: [email protected]: Centro de Educao Aberta e a Distncia. Rua Olavo Bilac, Centro64001280 - Teresina, PI - Brasil

    Auclia Vieira RamosDoutoranda em Lingustica pela Universidade Federal do Cear (UFC). Membro do Grupo dePesquisa Hiperged (UFC).E-mail: [email protected]: Av. da Universidade, 2683, BL. 125, l andar, Campus do Benfica -Fortaleza, CearCEP 60.020-181Brasil.