rbso v38 n 128

164
REVISTA BRASILEIRA DE SAÚDE OCUPACIONAL RBSO Vol.38 • nº 128 jul/dez 2013 ISSN 0303-7657 ISSN (on-line) 2317-6369 RBSO Dossiê Atenção integral em Saúde do Trabalhador: desaos e perspectivas de uma política pública - I I Integrated care in worker’s health – challenges and perspectives of a public policy - I I

Upload: aimar-vanderlei-ferreira-filho

Post on 23-Nov-2015

60 views

Category:

Documents


11 download

TRANSCRIPT

  • REVISTA BRASILEIRA DE

    SADEOCUPACIONALRBSO

    Vol.38 n 128jul/dez 2013

    ISSN 0303-7657 ISSN (on-line) 2317-6369

    RBSODossi

    Ateno integral em Sade do Trabalhador: desafi os e perspectivas de uma poltica pblica - I I

    Integrated care in workers health challenges and perspectives of a public policy - I I

  • Presidenta da RepblicaDilma Rousseff

    Ministro do Trabalho e EmpregoManoel Dias

    FUNDACENTRO

    PresidentaMaria Amelia Gomes de Souza Reis

    Diretor ExecutivoRenato Ludwig de Souza

    Diretora Tcnica SubstitutaSolange Regina Schaffer

    Diretor de Administrao e Finanas SubstitutoPaulo Cesar Vaz Guimares

    M I N I S T R I ODO TRABALHO E EMPREGO

    FUNDACENTROFUNDAO JORGE DUPRAT FIGUEIREDODE SEGURANA E MEDICINA DO TRABALHO

    www.fundacentro.gov.br

  • Editores CientficosEduardo Algranti Fundacentro, So Paulo-SP, BrasilJos Maral Jackson Filho Fundacentro, Rio de Janeiro-RJ, Brasil

    Editor ExecutivoEduardo Garcia Garcia Fundacentro, So Paulo-SP, Brasil

    Editores AssociadosAndra Maria Silveira UFMG, Belo Horizonte-MG, BrasilCarlos Machado de Freitas Fiocruz, Rio de Janeiro, RJ, BrasilClaudia Carla Gronchi Fundacentro, So Paulo-SP, BrasilIrlon de ngelo da Cunha Fundacentro, So Paulo-SP, BrasilJos Prado Alves Filho Fundacentro, So Paulo-SP, BrasilMarco Antonio Bussacos Fundacentro, So Paulo-SP, BrasilMarcia Hespanhol Bernardo PUC, Campinas-SP, BrasilMina Kato Fundacentro, So Paulo-SP, BrasilRicardo Luiz Lorenzi Fundacentro, So Paulo-SP, BrasilRita de Cssia Pereira Fernandes UFBA Salvador-BA, BrasilRodolfo Andrade de Gouveia Vilela USP, So Paulo-SP, BrasilRogrio Galvo da Silva Fundacentro, So Paulo-SP, BrasilRose Aylce Oliveira Leite Museu Paraense Emlio Geldi, Belm-PA, Brasil

    Editores do Dossi TemticoDanilo Costa SRTE, So Paulo-SP, BrasilFrancisco Antonio de Castro Lacaz Unifesp, So Paulo-SP, BrasilJos Maral Jackson Filho Fundacentro, Rio de Janeiro-RJ, BrasilRodolfo Andrade Gouveia Vilela USP, So Paulo-SP, Brasil

    Conselho EditorialAda vila Assuno UFMG, Belo Horizonte-MG, BrasilAlain Garrigou Universit Bordeaux 1, Gradignan, FranaAngelo Soares Universit du Qubec, Montreal, CanadCarlos Minayo Gomez Fiocruz, Rio de Janeiro-RJ, BrasilFrancisco de Paula Antunes Lima UFMG, Belo Horizonte-MG, BrasilIldeberto Muniz de Almeida Unesp, Botucatu-SP, BrasilLeny Sato USP, So Paulo-SP, BrasilMrio Csar Ferreira UnB, Braslia-DF, BrasilRaquel Maria Rigotto UFC, Fortaleza-CE, BrasilRegina Heloisa M. de Oliveira Maciel UECE/Unifor, Fortaleza-CE, BrasilRenato Rocha Lieber Unesp, Guaratinguet-SP, BrasilSelma Borghi Venco Unicamp, Campinas-SP, BrasilVilma Sousa Santana UFBA, Salvador-BA, BrasilVictor Wnsch Filho USP, So Paulo-SP, BrasilAssessoria estatsticaAndre Luis Santiago Maia Fundacentro, Salvador-BA, BrasilMarco Antonio Bussacos Fundacentro, So Paulo-SP, BrasilRicardo Luiz Lorenzi Fundacentro, So Paulo-SP, Brasil

    Secretaria ExecutivaCristina do AmaralElena RiedererKarla MachadoVagner Souza SilvaReviso de textosKarina Penariol Sanches (portugus)Elena Riederer (ingls)Patricia Moura Dias (ingls)Normalizao bibliogrficaAlda Melnia CsarSrgio CosmanoVagner Souza SilvaProduo editorialGlaucia FernandesFlvio GalvoGisele AlmeidaMarcos RogeriDistribuio Servio de Documentao e Biblioteca da FundacentroSuporte em informtica Servio de informtica da FundacentroDigitalizao da coleo da RBSOElisabeth RossiIndexao CAB Abstracts Directory of Open Access Journals DOAJ Global Health International Occupational Safety and Health Information Centre /

    International Labor Organization CIS/ILO Literatura Latino-Americana e do Caribe em Cincias da Sade Lilacs Red de Revistas Cientficas de Amrica Latina y el Caribe, Espaa y

    Portugal Redalyc Red Panamericana de Informacin en Salud Ambiental / Biblioteca

    Virtual en Desarrollo Sostenible y Salud Ambiental Repidisca/BVSDE Scientific Electronic Library Online SciELO Sistema Regional de Informacin en Lnea para Revistas Cientficas

    de Amrica Latina, el Caribe, Espaa y Portugal LatindexCopyrightOs direitos autorais dos artigos publicados na Revista Brasileira deSade Ocupacional pertencem Fundacentro e abrangem as publicaesimpressa, em formato eletrnico ou outra mdia. A reproduototal ou parcial dos artigos publicados permitida mediante menoobrigatria da fonte e desde que no se destine a fins comerciais.

    Poltica Editorial

    A RBSO o peridico cientfico da Fundacentro publicado desde 1973. Com frequncia semestral, destina-se difuso de artigos originais de pesquisas sobre Segurana e Sade do Trabalhador (SST) cujo contedo venha a contribuir para o entendi-mento e a melhoria das condies de trabalho, para a preveno de acidentes e doenas do trabalho e para subsidiar a discusso e a definio de polticas pblicas relacionadas ao tema.

    A RBSO publica artigos originais inditos de relevncia cientfica no campo da SST. Com carter multidisciplinar, a revista cobre os vrios aspectos da SST nos diversos setores econmicos do mundo do trabalho, formal e informal: relao sade-trabalho; aspectos conceituais e anlises de acidentes do trabalho; anlise de riscos, gesto de riscos e sistemas de gesto em SST; epide-miologia, etiologia, nexo causal das doenas do trabalho; exposio a substncias qumicas e toxicologia; relao entre sade dos trabalhadores e meio ambiente; educao e ensino em SST; comportamento no trabalho e suas dimenses fisiolgicas, psicolgicas e sociais; sade mental e trabalho; problemas musculoesquelticos, distrbios do comportamento e suas associaes aos aspectos organizacionais e reestruturao produtiva; estudo das profisses e das prticas profissionais em SST; organizao dos servios de sade e segurana no trabalho nas empresas e no sistema pblico; regulamentao, legislao, inspeo do trabalho; aspectos sociais, organizacionais e polticos da sade e segurana no trabalho, entre outros.

    A revista visa, tambm, incrementar o debate tcnico-cientfico entre pesquisadores, educadores, legisladores e profissionais do campo da SST. Nesse sentido, busca-se agregar contedos atuais e diversificados na composio de cada nmero publicado, trazendo tambm, sempre que oportuno, contribuies sistematizadas em temas especficos.

    O ttulo abreviado da revista Rev. bras. Sade ocup.

    Informaes sobre a revista, instrues aos autores e acesso eletrnico aos artigos em: www.fundacentro.gov.br/rbso www.scielo.br/rbso

  • Sumrio

    Revista Brasileira de Sade Ocupacional 40 anosAda vila Assuno

    A atuao do Estado e a sade do trabalhador Rodolfo Andrade de Gouveia Vilela, Eduardo Garcia Garcia, Ildeberto Muniz de Almeida, Jos Maral Jackson Filho

    Ateno integral em Sade do Trabalhador: desafios e perspectivas de uma poltica pblica - II

    Sade do Trabalhador no SUS: desafios para uma poltica pblica (continuao)

    Duas polticas, duas vigilncias, duas carasLuiz Carlos Fadel de Vasconcellos

    Sade do Trabalhador e Modelo de Desenvolvimento: aprofundando as origens e as contradies dos entravesMarcelo Firpo Porto

    A poltica do possvel ou a poltica da utopia?Leticia Coelho da Costa Nobre

    O capitalismo contemporneo e a sade do trabalhadorJos Dari Krein

    Resposta dos autoresJos Maral Jackson Filho, Francisco Antnio de Castro Lacaz, Danilo Costa, Rodolfo Andrade de Gouveia Vilela

    Os ns da rede para erradicao do trabalho infanto-juvenil na produo de joias e bijuterias em Limeira SP Luis Eduardo Cobra Lacorte, Rodolfo Andrade Gouveia Vilela, Reginalice da Cera Silva, Anna Maria Chiesa, Elisa Sartori Tulio, Robson Ramalho Franco, Ecla Spiridio Bravo

    Compassos e descompassos na trajetria do Servio Especial de Sade dos Trabalhadores vinculado ao Hospital das Clnicas da Universidade Federal de Minas Gerais: 30 anosAndra Maria Silveira, Elizabeth Costa Dias, Jandira Maciel da Silva, Tarcsio Mrcio Magalhes Pinheiro

    Aes de vigilncia em sade do trabalhador e ambiente: anlise da atuao do Centro de Referncia em Sade do Trabalhador de Campinas em postos de combustvelAna Paula Lopes dos Santos, Francisco Antonio de Castro Lacaz

    Situao da Rede Nacional de Ateno Integral em Sade do Trabalha-dor (Renast) no Brasil, 2008-2009Jorge Mesquita Huet Machado, Vilma Sousa Santana, Augusto Campos, Silvia Ferrite, Maria Claudia Peres, Adriana Galdino, Renata Vasconcelos Neto, Roque Manoel Perusso da Veiga, Maria Cludia Lisboa, Ana Paula Lopes dos Santos

    Processo de implantao de um Centro Regional de Referncia em Sade do Trabalhador no Rio Grande do Sul Paula Lamb Quilio, Anaclaudia Gastal Fassa, Mara Clara Restrepo

    Debate

    Debatedores 179

    Resposta dos 197autores

    RBSO Vol.38 n 128jul/dez 2013Editorial 173

    Dossi temtico

    216

    186

    194

    182

    Artigos 199

    243

    177

    230

    257

  • Sumrio

    RBSOVol.38 n 128jul/dez 2013Vigilncia em Sade do Trabalhador: a tentao de engendrar

    respostas s perguntas caladasFtima Sueli Neto Ribeiro

    Ivar Oddone e sua contribuio para o campo da Sade doTrabalhador no Brasil

    Hlder Pordeus Muniz, Jussara Brito, Ktia Reis de Souza, Milton Athayde, Marianne Lacomblez

    Sade do trabalhador na Ateno Bsica: interfaces e desafiosThiago Santos de Souz, Liliam Silva das Virgens

    Grupo dos Novos: relato de uma experincia de estgio com grupos de acolhimento de trabalhadores em um Centro de Referncia em Sade

    do Trabalhador (Cerest)Jaquelina Maria Imbrizi, Isabel Lopes do Santos Keppler, Marcelo Soares Vilhanueva

    Vigilncia em Sade do Trabalhador no Sistema nico de Sade: Teorias e Prticas

    Ricardo Luiz Lorenzi

    Carta ao EditorFrancisco Arsego de Oliveira

    268 Ensaio

    292 Reviso

    315 Resenha

    280

    302 Relato deexperincia

    321

    318

    Errata

    Carta

  • Contents

    RBSO Vol.38 n 128jul/dez 2013Revista Brasileira de Sade Ocupacional 40 yearsAda vila Assuno

    State action and workers healthRodolfo Andrade de Gouveia Vilela, Eduardo Garcia Garcia, Ildeberto Muniz de Almeida, Jos Maral Jackson Filho

    Integrated care in Workers Health challenges and perspectives of a public policy - II

    Workers Health within the Brazilian Unified Health System: challenges for a public policy (continuance)

    Two policies, two surveillances, two facesLuiz Carlos Fadel de Vasconcellos

    Workers health and development model: plunging into the origins and contradictions of the hindrancesyMarcelo Firpo Porto

    The possible policy or the utopian policy?Leticia Coelho da Costa Nobre

    Contemporary capitalism and workers healthJos Dari Krein

    The authors replyJos Maral Jackson Filho, Francisco Antnio de Castro Lacaz, Danilo Costa, Rodolfo Andrade de Gouveia Vilela

    The knots of the child labor eradication network within the jewelry and costume jewelry production in Limeira, So Paulo, Brazil Luis Eduardo Cobra Lacorte, Rodolfo Andrade Gouveia Vilela, Reginalice da Cera Silva, Anna Maria Chiesa, Elisa Sartori Tulio, Robson Ramalho Franco, Ecla Spiridio Bravo

    Comings and goings in the 30-year trajectory of the Workers Health Special Service linked to the Minas Gerais Federal University Clinic HospitalAndra Maria Silveira, Elizabeth Costa Dias, Jandira Maciel da Silva, Tarcsio Mrcio Magalhes Pinheiro

    Surveillance actions in workers health and environment: analyses of the procedure carried out in gas stations by the Campinas Workers Health Reference Center, Campinas, SP, Brazil Ana Paula Lopes dos Santos, Francisco Antonio de Castro Lacaz

    Status of the Brazilian National Workers Health Network, 2008-2009Jorge Mesquita Huet Machado, Vilma Sousa Santana, Augusto Campos, Silvia Ferrite, Maria Claudia Peres, Adriana Galdino, Renata Vasconcelos Neto, Roque Manoel Perusso da Veiga, Maria Cludia Lisboa, Ana Paula Lopes dos Santos

    The process of implanting a Regional Workers Health Reference Center in the state of Rio Grande do Sul, BrazilPaula Lamb Quilio, Anaclaudia Gastal Fassa, Mara Clara Restrepo

    Articles 199

    Debate

    Discussants 179

    The authors 197reply

    Editorial 173

    Dossier

    216

    177

    243

    230

    182

    186

    194

    257

  • Vol.38 n 128jul/dez 2013

    Workers Health Surveillance - The temptation of making up answers for unaskable questions

    Ftima Sueli Neto Ribeiro

    Ivar Oddone and his contribution to Workers Health in BrazilHlder Pordeus Muniz, Jussara Brito, Ktia Reis de Souza, Milton Athayde, Marianne Lacomblez

    Workers health in primary health care: interfaces and challengesThiago Santos de Souz, Liliam Silva das Virgens

    The newcomers group (Grupo dos Novos): trainees experience welcoming workers at a Workers Health Reference Center (Cerest)

    Jaquelina Maria Imbrizi, Isabel Lopes do Santos Keppler, Marcelo Soares Vilhanueva

    Vigilncia em Sade do Trabalhador no Sistema nico de Sade: Teorias e Prticas

    Ricardo Luiz Lorenzi

    Letter to the EditorFrancisco Arsego de Oliveira

    268 Essay

    292 Review

    Contents

    302 Report onexperience

    315 Book review

    318

    321

    Letter

    Errata

    280

  • Rev. bras. Sade ocup., So Paulo, 38 (128): 173-176, 2013 173

    Editorial

    Revista Brasileira de Sade Ocupacional 40 anos

    Revista Brasileira de Sade Ocupacional 40 years Ada vila Assuno1,2

    Departamento de Medicina Preventiva e Social da Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte, MG, Brasil.2Pesquisadora Nvel 1 do Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnol-gico (CNPq). Consultora do Ministrio da Sade no tema relacionado aos trabalha-dores da sade. Membro do Conselho Editorial da RBSO.

    Contato:

    Ada vila Assuno

    E-mail:

    [email protected]

    A Revista Brasileira de Sade Ocupacional alcanou estabilidade no ltimo perodo, firmando o seu objetivo de disseminar a produo de conhecimentos sobre sade e segurana no trabalho. Construin-do um novo ponto de vista no referido campo de conhecimento, o Conselho Editorial tem destacado em suas publicaes as obras de autores que visam a identificar e a entender as relaes entre sa-de e trabalho, interessando tambm a elaborao e a avaliao das polticas de sade do trabalhador em determinado momento e em diferentes instncias da ao social.

    A fim de evitar a estrutura arcaica adotada em alguns estilos edi-toriais de encadear artigos, buscou-se construir, pelo menos ao que se v no Editorial do nmero 105-106, um modo de conceituao capaz de criar uma identidade da RBSO (EDITORIAL, 2003a). No nmero subsequente (107-108), o Editorial claro quanto feio cientfica da revista, como se v na justificativa para a ampliao do Conselho Editorial: agregar qualidade publicao, alargar o espectro temtico, reforar o perfil multidisciplinar que seria fundamental para a abor-dagem cientfica (EDITORIAL, 2003b, p. 5). Em 2005, o Editorial do nmero 111 desenvolve a ideia j acenada nas edies anteriores ao explicitar o objetivo de difundir novas representaes e dimenses sobre os conceitos e fenmenos que os expliquem melhor e que per-mitam aes preventivas efetivas (JACKSON FILHO; BARREIROS, 2005, p. 3). Mudanas contundentes foram planejadas para embasar a qualificao da RBSO na Scientific Eletronic Library Online (SciELO).

    Em seus 40 anos, a RBSO retratou o contexto poltico e econmico em que se do os processos de trabalho e suas relaes com a sade. Depois de um perodo perpassado tanto por interrupo, quanto por irregularidade da publicao (Figura 1), a revista, em 2003, retomou suas edies com o seguinte Editorial (2003a, p. 5): Este primeiro ano do novo governo brasileiro representou para a Fundacentro um ano de recuperao institucional. Destacando a questo do meio ambiente, aquele Editorial continua: [...] o desenvolvimento scio--econmico tambm requer processos sustentveis de trabalho [...] (EDITORIAL, 2003a, p. 5).

    Como tudo comeou? A RBSO foi lanada em 1973, dois anos an-tes do governo instituir uma poltica de preveno dos acidentes que tinham manchado o incio daquela dcada. Quatro anos depois aprovada a Lei n 6.514, de 22 de dezembro de 1977 (BRASIL, 1977), sobre segurana, higiene e medicina do trabalho. Em 1979, ocorreram as primeiras Semanas de Sade do Trabalhador (SEMSAT), as quais fun-damentaram a mobilizao sindical relativa ao tema nos anos seguintes.

  • Rev. bras. Sade ocup., So Paulo, 38 (128): 173-176, 2013174

    Lanamento da Revista Brasileira de Sade Ocupacional

    Reformulao da poltica editorial

    Retomada da publicao

    Interrupo da publicao

    Regularidade na publicao

    Regularidade na publicao

    1973

    1994

    19951996

    1997

    2003

    2004

    2006

    2013

    Figura 1 Linha do tempo da Revista Brasileira de Sade Ocupacional

    O Editorial do primeiro nmero da revista, elaborado por Gilson Luiz Vianna, poca secretrio do Minis-trio do Trabalho e Previdncia Social, apresenta na primeira linha: O Governo do Presidente Mdici traou a seguinte diretriz: a meta o homem (VIANNA, 1973, p. 5). O Presidente da Fundacentro, Jorge Duprat Figueiredo, escreve: Uma revista que represente o Brasil, seu progresso e a qualidade do seu desenvolvimento, como voltado fundamentalmente para o homem, visando implantao de um moderno sistema econmico e social, dentro de uma sociedade aberta e livre (FIGUEIREDO, 1973, p. 7). Mais frente, um artigo cita o Plano Nacional de Valorizao do Trabalhador e a Portaria Ministerial de 1972, que regulamenta a matria. Vale a pena ler! A segunda capa deste primeiro nmero exibe um desenho do trabalhador da cabea aos ps: capacetes, mscaras, respiradores, protetores auriculares, culos, aventais, luvas, mangas, calados, porta eletrodos, filtros de luz, lentes e vidros... No final da mesma pgina, consta o endereo da empresa fabricante dos referidos equipamentos de proteo individual.

    Durante os anos de 1995 e 1996, a RBSO no apareceu. Curioso! Segundo escreve Hobsbawn, o sculo XX foi breve: comeou em 1914 com a primeira guerra e terminou em 1991 com o fim da era sovitica. Para o historiador, o mundo perdeu suas referncias e resvalou para a instabilidade e a crise no terceiro quartil do breve sculo (HOBSBAWN, 1994, p. 393).

    O perodo difcil da RBSO ocorre na ltima parte do sculo XX, aquela caracterizada por decomposio, incerteza e crise. Com a nova desigualdade global, o mais barato ser humano mais caro que uma mquina capaz de fazer o trabalho (HOBSBAWN, 1994, p. 403). Os acontecimentos no final do breve sculo XX teriam trazido perplexidade e impotncia, tal como citam Minayo-Gomez e Lacaz (2005), para aqueles que estu-davam e atuavam na rea? certeira a crtica dos autores no que se refere aos limites do modelo tradicional da sade do trabalhador. Tal modelo desenvolvido para a abordagem da fbrica taylorista-fordista seria insufi-ciente para capturar os efeitos mais nefastos do movimento mundial de reestruturao produtiva (MINAYO--GOMEZ; LACAZ, 2005, p. 800). Ficou para trs, no breve sculo XX de Hobsbawn, abordar as relaes sade e trabalho como se fazia nos consultrios mdicos das fbricas de Henry Ford?

    A estabilidade da RBSO talvez tenha sido uma demonstrao de que samos do referido estado de per-plexidade e impotncia. Contudo, ainda enfrentamos desafios terico-metodolgicos e dilemas no mbito da prtica. As formas desorientadas e desagregadas da vida no sculo XXI esto articuladas s rpidas mudanas nas condies de trabalho, cujo carter mudou profundamente. Apesar dos efeitos relacionados s inovaes organizacionais e tecnolgicas, desde 1980, a agenda sindical teve de adotar como tema central a manuteno do emprego em detrimento de aes especficas visando proteo da sade dos trabalhadores (DEPARTA-MENTO INTERSINDICAL DE ESTATSTICA E ESTUDOS SOCIOECONMICOS, 2012).

    Quase metade da populao ocupada nas regies metropolitanas brasileiras encontra-se na informalidade (DEPARTAMENTO INTERSINDICAL DE ESTATSTICA E ESTUDOS SOCIOECONMICOS, 2012). Quanto aos empregos formais, a maioria (78,4%), em 2010, concentrou-se no setor de servios, o qual foi respons-vel, em 2012, por 68,5% do PIB brasileiro (BRASIL, 2013). Concomitantemente, o trabalho escravo ainda realidade em vrias regies do pas e as repercusses da escravido remota ainda esto presentes no trabalho livre em um ou em outro ramo da produo. Quanto a ela, Caio Prado Junior que esclarece sobre a fora

  • Rev. bras. Sade ocup., So Paulo, 38 (128): 173-176, 2013 175

    das barreiras que separam as classes no Brasil quando caracteres somticos, no caso, a cor, agregam uma discriminao na estrutura social (PRADO JUNIOR, 2011). Os cargos de direo e gerncia nas empresas so, predominantemente, ocupados por no negros. Nesse plano, agrega-se um diferencial de gnero: as mulheres negras vivenciam mais dificuldade de se inserir no mercado de trabalho, ocupam postos vulnerveis, sendo menor o rendimento mdio por hora se comparado ao do homem assalariado no negro (DEPARTAMENTO INTERSINDICAL DE ESTATSTICA E ESTUDOS SOCIOECONMICOS, 2012).

    Em que pese o crescente aumento da insero feminina (independentemente de cor/raa) no mercado do trabalho, a taxa de desemprego das mulheres continua maior do que as dos homens. Em 2009, o trabalho do-mstico foi o segundo setor de atividade que mais empregou mulheres nas regies metropolitanas de Bahia, So Paulo e Distrito Federal. Continua menor a possibilidade de as mulheres ocuparem posies de mando superior quando comparada situao dos homens (DEPARTAMENTO INTERSINDICAL DE ESTATSTICA E ESTUDOS SOCIOECONMICOS, 2012).

    Adicionando aos dados citados anteriormente aqueles fornecidos pela Relao Anual de Informaes So-ciais (RAIS), torna-se claro o posicionamento da RBSO em difundir novas representaes e dimenses sobre os conceitos e fenmenos (JACKSON FILHO; BARREIROS, 2005, p. 3). Segundo Veras et al. (2011), a RAIS informa que os desligamentos que se referem aos problemas de sade do trabalhador (no caso, indicadores especficos como doenas profissionais) so quase nulos numericamente. A maior incidncia de casos de afastamentos ocorre no grupo de doenas no relacionadas ao trabalho. Todavia, cresceu, entre 2006 e 2008, o nmero de trabalhadores expostos a agentes nocivos, o que d direito aposentadoria especial pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). A licena maternidade a segunda causa de afastamento de maior relevn-cia numrica (VERAS; PINTO; SANTOS, 2011).

    A Organizao Internacional do Trabalho OIT (ORGANIZAO INTERNACIONAL DO TRABALHO, 2010) comemorou o Dia Mundial da Segurana e Sade no Trabalho, em 28 de abril de 2010, enfatizando trs grupos de problemas: as novas tecnologias e os novos processos de produo (nanotecnologias e biotecnolo-gias); novas condies de trabalho (cargas de trabalho, intensificao das tarefas devido restrio de efetivos, disparidades relacionadas migrao da fora de trabalho, empregos em uma economia informal); formas emergentes de emprego (home work, contratos terceirizados, contratos temporrios, banco de horas).

    A OIT, semelhana do exposto na linha do Editorial da RBSO (JACKSON FILHO; BARREIROS, 2005), as-sume a importncia do aporte cientfico para compreender os novos e emergentes riscos profissionais cuja origem atribuda s inovaes tcnicas e s mudanas sociais ou organizacionais (ORGANIZAO IN-TERNACIONAL DO TRABALHO, 2010). A tarefa complexa, pois exigiria, nos dizeres de Morin (2010), a religao de saberes.

    A leitura daqui a 40 anos destas linhas provocar que tipo de crtica e indignao do Conselho Editorial da revista? Podemos pensar sobre isso. Mas a tradicional estratgia retrospectiva que os historiadores utilizam pode ser mais confortvel do que antever o futuro. Vamos a ele!

    Referncias

    BRASIL. Ministrio do Desenvolvimento, Indstria e Comrcio Exterior. Panorama do Comrcio Internacional de Servios. Dados Coletados de 2012. Braslia: Departamento de Polticas de Comrcio e Servios, 2013.

    ______. Lei n 6.514, de 22 de dezembro de 1977. Altera o Captulo V do Ttulo II da Consolidao das Leis do Trabalho, relativo segurana e medicina do trabalho e d outras providncias. Dirio Oficial [da] Repblica Federativa do Brasil, Braslia, DF, 23 dez. 1977. Disponvel em: . Acesso em: 30 dez. 2013.

    DEPARTAMENTO INTERSINDICAL DE ESTATSTICA E ESTUDOS SOCIOECONMICOS. A situao do trabalho no Brasil na primeira dcada dos anos 2000. So Paulo: Dieese, 2012.

    EDITORIAL. Revista Brasileira de Sade Ocupacional, So Paulo, v. 28, n. 107-108, p. 5, 2003a.

    EDITORIAL. Revista Brasileira de Sade Ocupacional, So Paulo, v. 28, n. 105-106, p. 5, 2003b.

    FIGUEIREDO, J. D. A informao como instrumento do progresso. Revista Brasileira de Sade Ocupacional. So Paulo, v. 1, n. 1, p. 7, 1973.

    HOBSBAWM, E. A era dos extremos: o breve sculo XX. So Paulo: Companhia das Letras, 1995.

    JACKSON FILHO, J. M.; BARREIROS, D. Editorial. Revista Brasileira de Sade Ocupacional. So Paulo, v. 30, n. 111, p. 3, 2005.

    MINAYO-GOMEZ, C. ; LACAZ, F. A. C. Sade do trabalhador: novas-velhas questes. Cincia & Sade Coletiva. Rio de Janeiro, v. 10, n. 4, p. 797-807, 2005.

  • Rev. bras. Sade ocup., So Paulo, 38 (128): 173-176, 2013176

    MORIN, E. Introduo s jornadas temticas. In: ______. A religao dos saberes. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2010. p. 13-23.

    ORGANIZAO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Riscos emergentes e novas formas de preveno num mundo de trabalho em mudana. Genebra, 2010.

    PRADO JUNIOR, C. Formao do Brasil contemporneo. So Paulo: Companhia das Letras, 2011.

    VERAS, M. E. P.; PINTO, M. G. P.; SANTOS, A. R. M. Sistemas de informao do Ministrio do Trabalho e Emprego relevantes para a rea de sade e segurana no trabalho RAIS, CAGED, SFIT. In: CHAGAS, A. M. R.; SALIM, C. A.; SERVO, L. M. S. Sade e segurana no trabalho no Brasil: aspectos institucionais, sistemas de informao e indicadores. Braslia: Ipea, 2011.

    VIANNA, G. L. A meta o homem. Revista Brasileira de Sade Ocupacional. So Paulo, v. 1, n. 1, p. 5, 1973.

  • Rev. bras. Sade ocup., So Paulo, 38 (128): 177-178, 2013 177

    Editorial

    A atuao do Estado e a sade do trabalhador

    State action and workers health

    Rodolfo Andrade de Gouveia Vilela1

    Eduardo Garcia Garcia2

    Ildeberto Muniz de Almeida3

    Jos Maral Jackson Filho4

    1 Editor associado da RBSO. Faculdade de Sade Pblica da Universidade de So Paulo. So Paulo, SP, Brasil.2 Editor executivo da RBSO. Centro Tc-nico Nacional da Fundacentro. So Paulo, SP, Brasil.3 Membro do Conselho Editorial da RBSO. Universidade Estadual Paulista. Botucatu, SP, Brasil.4 Editor cientfico da RBSO. Centro Estadual do Rio de Janeiro da Fundacentro. Rio de Janeiro, RJ, Brasil.

    O presente texto tem por finalidade restabelecer, reposicionar os leitores sobre possvel equvoco de interpretao decorrente de trecho do nosso editorial publicado no ltimo nmero (JACKSON FILHO et al., 2013), que trata da aceitabilidade social dos acidentes do trabalho e do inaceitvel conceito de ato inseguro.

    No mencionado trecho, agora excludo para evitar mal-entendidos (errata neste nmero), ao apreciarmos a ao do Estado, apoiamo-nos na recente tese de doutorado de Filgueiras (2012). Retiradas do con-texto do trabalho referido e da maneira como foram apresentadas, as afirmativas podem induzir a uma generalizao inadequada sobre a ao do Estado nessa questo. Essa possibilidade nos incita a refletir sobre a natureza da atuao do Estado, suas contradies, fissuras e brechas que possibilitam atuao em defesa da sade dos trabalha-dores, mesmo que em oposio a outras polticas hegemnicas que possam predominar no interior da ao estatal.

    No campo da Sade do Trabalhador, essa reflexo nos remete importncia da atuao do Ministrio Pblico do Trabalho (MPT) como um dos atores do aparelho de Estado na defesa da sade e da integridade dos trabalhadores. Sempre que a inao ou a omisso do Estado propiciam correlaes assimtricas de foras na sociedade, a interveno do MPT no cumprimento de seu papel constitucional de instituio garantidora da defesa dos direitos coletivos e individuais tem sido fundamental, como mostram muitos eventos marcantes no nosso campo que podem ser destacados citamos alguns que viven-ciamos de perto:

    A atuao histrica do MPT em parceria com entidades de tra-balhadores, Centro de Referncia em Sade do Trabalhador de Campinas (Cerest-Campinas), auditores fiscais do Ministrio do Trabalho e Emprego (MTE) e pesquisadores, que resultou na maior indenizao j vista em nosso pas, imputada s empresas Shell e Basf, responsveis pela contaminao ambiental e da sa-de de um grande contingente de trabalhadores em Paulnia-SP;

    A atuao do MPT articulada ao grupo mvel do MTE, Cerest(s) e Agentes da Vigilncia em Sade, que resultou na eliminao da prtica corrente de terceirizaes, coibio de situao degra-dante de alojamentos e outras condies precrias de trabalho e moradia dos trabalhadores canavieiros no Estado de So Paulo (MINAYO-GOMEZ, 2012);

  • Rev. bras. Sade ocup., So Paulo, 38 (128): 177-178, 2013178

    O apoio poltico e institucional atuao dos Cerest(s) para assegurar condio de independncia e au-tonomia destes servios municipais do Sistema nico de Sade (SUS), ou como parceria em iniciativas e projetos de interveno nas questes de sade e segurana;

    O apoio a iniciativas de pesquisa com o estabelecimento de cooperao tcnico-cientfica como as fir-madas entre o MPT, a Universidade de So Paulo (Faculdade de Sade Pblica) e a Universidade Federal de Minas Gerais, assegurando condies para o desenvolvimento de estudos e pesquisas de interesse mtuo.

    Por atuaes como estas que, no penltimo pargrafo do referido editorial (JACKSON FILHO et al., 2013, p. 8), destacamos a atuao do MPT, que caminha em direo oposta conciliao e precarizao das con-dies de trabalho:

    a atuao de grupo de agentes pblicos e de pesquisadores, a ao crescente do Ministrio Pblico do Tra-balho e da Advocacia Geral da Unio (por meio das aes regressivas) mostram que possibilidades concretas de mudanas esto surgindo.

    Nas manifestaes de junho de 2013, foi visto nas mos de um jovem na Avenida Paulista um cartaz que dizia: um novo mundo possvel... Por entendermos o Estado como espao de disputas complexas de foras e de interesses, acreditamos que os agentes pblicos precisam ampliar e fortalecer seu leque de alianas, suas redes e conexes, e abranger de modo mais amplo a sociedade civil. Isso pode ser vivel se conseguirmos disputar na sociedade uma nova cultura, novos consensos, novas utopias. Um caminho difcil, mas inevitvel para quem sempre esteve no olho do furaco.

    Agradecimento

    Mara Takahashi, pela reflexo proposta.

    Referncias

    FILGUEIRAS, V. A. Estado e direito do trabalho no Brasil: regulao do emprego entre 1988 e 2008. 2012. 471 f. Tese (Doutorado em Cincias Sociais)-Faculdade de Filosofia e Cincias Humanas, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2012.

    JACKSON FILHO, J. M. et al. Sobre a aceitabilidade social dos acidentes do trabalho e o inaceitvel

    conceito de ato inseguro. Revista Brasileira de Sade Ocupacional, So Paulo, v. 38, n. 127, p. 6-8, 2013.

    MINAYO-GOMEZ, C. Produo de conhecimento e intersetorialidade em prol das condies de vida e de sade dos trabalhadores do setor sucroalcooleiro. Cincia & Sade Coletiva, Rio de Janeiro, v. 16, n. 8, p. 3361-3368, 2011.

  • Rev. bras. Sade ocup., So Paulo, 38 (128): 179-198, 2013 179

    Debate

    Sade do Trabalhador no SUS: desafios para uma poltica pblica

    Workers Health within the Brazilian Unified Health System: challenges for a public policy

    Artigo em debate:

    COSTA, Danilo; LACAZ, Francisco Antonio de Castro; JACKSON FILHO, Jos Maral; VILELA, Rodolfo Andrade Gouveia. Sade do Trabalhador no SUS: desafios para uma poltica pblica. Revista Brasileira de Sade Ocupacional, So Paulo, v. 38, n. 127, p. 11-21, 2013.

    Disponvel em:

    http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0303-76572013000100003&lng=pt&nrm=iso.

    http://dx.doi.org/10.1590/S0303-76572013000100003.

    Os textos a seguir do seguimento ao debate iniciado em torno do artigo acima referenciado, publicado no primeiro nmero do dossi temtico Ateno integral em Sade do Trabalhador: desafios e perspectivas de uma poltica pblica. No primeiro nmero, foram dois os debatedores e, neste, so mais quatro convidados, aos quais a RBSO agradece pelas expressivas contribuies.

    Alm dos manuscritos dos debatedores, este segundo nmero completa o dossi com mais quatro artigos, dois ensaios, uma reviso, dois relatos de experincia e uma resenha, trazendo suas contribuies para a discusso deste tema fundamental para o campo da Sade do Trabalhador.

    Debatedor

    Duas polticas, duas vigilncias, duas caras

    Two policies, two surveillances, two faces

    1 Escola Nacional de Sade Pblica, Fundao Oswaldo Cruz. Rio de janeiro, RJ, Brasil. E-mail: [email protected].

    Luiz Carlos Fadel de Vasconcellos1

    O convite para debater o artigo de Danilo, La-caz, Maral e Rodolfo (COSTA; LACAZ; JAKSON FILHO; VILELA, 2013), a par de me honrar, deixou--me apreensivo pelos desafios contidos. Um deles, o fato de ainda prevalecer no campo da sade do tra-balhador (ST) a imensidade das perdas humanas e dos obstculos polticos institucionais que exi-gem um alinhamento dos autores s expectativas otimistas. Os autores, alm do respeito que mere-cem pelo que so, pensadores e formuladores de

    boa parte do acervo acumulado no campo da ST, usam de forma magistral esse acmulo, o que tor-na difcil acrescer algo ao que propem no texto. Outro desafio foi o convite estendido para que eu comentasse tambm os dois textos debatedores do nmero anterior, um deles do professor Minayo--Gmez (p. 21-25), com a credencial de ser um dos principais pensadores da ST, referncia obrigat-ria no dimensionamento conceitual do campo, e o outro de Claudia Chiavegatto em parceria com Eduardo Algranti (p. 25-27), pesquisador histrico da rea e das pneumoconioses. Em todos os tex-tos vimos observaes contundentes, instigantes e polmicas. Lendo-os e relendo-os com ateno einteresse, direcionei minha anlise para alguns dos pontos abordados. Considerando que os tex-tos tm como objeto central os desafios para uma

    (continuao/continuance)

  • Rev. bras. Sade ocup., So Paulo, 38 (128): 179-198, 2013180

    poltica pblica de sade do trabalhador no SUS, preciso ressaltar que os formatos apresentados, com suas limitaes fsicas, no possibilitariam um maior aprofundamento, tal a complexidade do tema. O mesmo vale para esta minha reflexo. De qualquer modo, tentei caminhar por vertentes do que foi dito, mas merece ser enfatizado, inclusive para valorizar o que foi dito.

    A partir do artigo principal (COSTA; LACAZ; JAKSON FILHO; VILELA, 2013), observamos uma anlise atual, densa, pertinente e propositiva do que se deve ter em conta na construo de uma poltica de ST. Como recordatrio, trago uma bre-vssima sntese do que foi dito e debatido. Partindo da contextualizao do modelo socioeconmico vi-gente no mundo globalizado, com todas as conse-quncias para o mundo do trabalho, cuja essncia se contradiz com o iderio da ST, para autores e debatedores essa poltica tem como desafios: om-brear indicadores nacionais com os internacionais; enfrentar os dados submersos no setor informal; olhar para o novo perfil de morbidade; operar a in-terdisciplinaridade e a intersetorialidade, incorpo-rando trabalhadores como sujeitos de ao; situar a vigilncia em ST no centro da poltica, inclusi-ve nas polticas de desenvolvimento; enfrentar os problemas estruturais dos servios de ST, seja na gesto, na instabilidade contratual dos profissio-nais, na sua formao ou na relao com o controle social; e, finalmente, enfrentar as dubiedades e as indefinies que colocam as aes de ST fora do eixo central das funes essenciais do Estado pro-vedor. Dessas variveis elegi, trs aspectos a que denomino: (1) as duas polticas; (2) as duas vigiln-cias; (3) as duas caras.

    (1) As duas polticas:

    Ao erigir duas polticas de sade do trabalhador2, o Estado brasileiro assumiu sua inteno de ter NENHUMA poltica de Estado para a rea. Quem tem duas no tem uma. Demonstra-se que se cria uma coisa com o SUS e outra coisa no SUS. ne-nhuma poltica de Estado porquanto fragmenta, titu-beia, virtualiza, mostra um Estado partido e envergo-nhado de assumir uma direcionalidade una de suas estruturas. Como resposta contra-hegemnica a este buraco poltico do Estado, existe uma poltica de fato (mais propriamente um conjunto de aes de fato) no mbito do SUS, mas compreensivelmente dbil, frgil, pontual e pouco resolutiva, a despeito do esforo feito pela Coordenao Nacional de Sa-de do Trabalhador do SUS e por uma parcela expres-siva da Renast. nela que se abriga o povo da sade

    do trabalhador, em que reside a resistncia reali-dade imposta pela conjuntura to bem assinalada no artigo principal.

    Enquanto diversas corporaes e instituies se mantiverem reativas e no compreenderem que o SUS o responsvel pela conduo das polticas de sade pblica no Brasil e que a sade do traba-lhador, no seu todo, uma poltica de sade p-blica, andaremos sem um marco referencial legal e legtimo de poltica de Estado estruturante para a rea. Essas corporaes e instituies reativas no se situam s no campo da previdncia e do tra-balho, como pode parecer. Esto inseridas no pr-prio setor sade, especialmente nas suas instncias de gesto, em muitos dos profissionais de sade da rede como um todo, na Anvisa, no controle social e, fora do setor sade, nos outros ministrios, nos Poderes Legislativo, Judicirio e, claro, nos setores empresariais.

    Ter o SUS como o condutor da poltica no sig-nifica excluir outros setores do Estado quanto s suas responsabilidades em ST, ao contrrio, signi-fica trazer para o campo da sade pblica a conju-gao de todas as instncias em uma perspectiva sistmica, como a prpria ideia de Sistema nico de Sade prev. Prev, mas no faz. Significa, ain-da, introduzir a categoria trabalho na perspectiva sistmica das polticas desenvolvimentistas, tendo a sade como foco de dignificao e valorizao da vida. Nessa perspectiva, tantas so as possi-bilidades de uma poltica de Estado aglutinadora das diversas questes: interlocuo em uma es-fera nica do Estado que abranja a totalidade de seus aparelhos; conjugao de aes e otimizao de recursos financeiros e humanos; dissoluo de barreiras institucionais (tais como as informaes previdencirias e as aes de vigilncia citadas no debate); planejamento de aes conjugadas de Estado; incorporao da rea de sade, trabalho e ambiente aos planos de desenvolvimento; viabili-zao do olhar do Estado sobre as cadeias produ-tivas que alcancem o trabalho informal, infantil e escravo; e, entre outras, utilizao da capilaridade epidemiolgica do setor sade para que as aes cheguem a todo o territrio brasileiro.

    Para isso, bom lembrar que o SUS mais do que o setor de sade propriamente dito e deste vai alm, enquanto sistema. Portanto, para um nico problema, o da sade do trabalhador, uma nica po-ltica e uma nica soluo de planejamento de Esta-do para um enfrentamento de Estado.

    2 Poltica Nacional de Segurana e de Sade do Trabalhador (BRASIL, 2011) e Poltica Nacional da Sade do Trabalhador e da Trabalhadora (BRASIL, 2012)

  • Rev. bras. Sade ocup., So Paulo, 38 (128): 179-198, 2013 181

    (2) as duas vigilncias:

    Existem duas vigilncias em ST: a da inteno e a do gesto. A da inteno frequenta o discurso da Renast, os textos acadmicos e muito da expectativa do fazer alguma coisa. J a vigilncia do gesto, va-lendo-me do que foi debatido, aquela que depende de iniciativas pontuais, muitas vezes voluntaristas, de pessoas engajadas, comprometidas e abnegadas: o povo da ST. Mas essas iniciativas tendem a ser aleatrias, muitas vezes redundantes e dispersivas, interrompveis, pouco resolutivas e muito pouco transformadoras. Por outro lado, aqui, na vigilncia do gesto, reside a exceo regra da ST, ou seja, onde efetivamente se consegue fazer alguma coisa. Entendo que a vigilncia da inteno depende da po-ltica de Estado, no caso NENHUMA, e a vigilncia do gesto na poltica de fato (ou do fato), aquela que faz alguma coisa. Nossa luta, inclusive na produo acadmica de conhecimentos, por fazer valer as duas, mas a do gesto j est posta, resta implement--la enquanto trincheira de resistncia.

    Falar sobre isso demandaria espao e tempo, mas podemos pensar em alguns passos factveis: 1 - urge uma capacitao macia de agentes pblicos de vigi-lncia em todo o Brasil, com o engajamento de todos os Cerests da Renast a partir de um mtodo pedag-gico inclusivo dos agentes, com capacidade de ser reproduzido, aplicado e apropriado de forma rotinei-ra no cotidiano dos servios; e 2 - urge ir bem alm de implicar a ateno bsica como ponto de partida, como foi aventado no segundo texto debatedor, mas sim a rede como um todo e as demais estruturas afins de Estado, em uma abordagem por complexidade da ao, situando os Cerests como polos produtores de conhecimentos para a transformao da ST, articu-lados especialmente com as instncias de ensino e pesquisa, em cada nvel local. Um projeto deste tipo foi iniciado visando formao de multiplicadores de Visat at meados de 2014 e a formao macia de agentes na rede SUS no binio 2014-2015, especial-mente nas regies Centro-Oeste, Norte e Nordeste. Trata-se de mais uma tentativa de aprimorar a vigi-lncia do gesto e encorpar a resistncia que faz al-guma coisa, enquanto lutamos por uma vigilncia de ST como poltica de Estado.

    (3) as duas caras:

    O Estado brasileiro tem duas caras quando olha para a ST. Uma finge que enxerga. A outra cega. Os sucessivos governos utilizam colrios que no lhes facultam a viso. Aqui, a luta mais comple-xa, pois depende do enfrentamento, ora de alguns dogmas, ora de prticas enraizadas, ora de institui-es conservadoras, isso para no falar do poder econmico e da lgica mercantil de conduo das polticas pblicas. Algumas delas: a no insero da categoria trabalho como determinante social central da sade pblica; a cultura da insalubrida-de como um direito inquestionvel; a desfocaliza-o do trabalho na ideologia da sustentabilidade, em suas formulaes tericas e nas suas prticas; a cooptao da classe trabalhadora pela lgica internacional do tripartismo; a desvinculao po-ltica, institucional e simblica da violncia social com o trabalho; a excluso da ST da agenda de prioridades da luta sindical; a representao le-gislativa macia de aliados aos setores empresa-riais conservadores, como o do agronegcio, por exemplo; a viso jurdica distorcida da ST no SUS e sua misso de vigilncia da sade; a formao dos distintos profissionais que atuam nas relaes sade-trabalho voltados para um mercado em que defender a sade desprezado e mesmo um contrassenso sua lgica; a inexistncia de uma pedagogia de incluso do trabalho como smbo-lo positivo no imaginrio infantil; uma tica do mercado sobrepujante a uma tica da vida no tra-balho. Cada uma dessas variveis mereceria uma discusso que ainda est por ser aprofundada na produo de conhecimentos do campo. Esses so alguns dos desafios de um debate sobre a verda-deira face do Estado brasileiro nesta questo.

    Enfim, a iniciativa da RBSO de provocar essas questes e traz-las ao debate acadmico, alm de louvvel e oportuna, instigante e nos deixa a boa sensao de insuficincia. Fica a sugesto para que a revista mantenha um espao permanente para o tema dos desafios da poltica de sade do trabalha-dor no Brasil.

    Referncias

    BRASIL. Decreto n 7.602/2011, de 07 de novembro de 2011. Dispe sobre a Poltica Nacional de Segurana e Sade no Trabalho. Dirio Oficial [da] Repblica Federativa do Brasil, 08 de novembro de 2011. Disponvel em: . Acesso em: 5 dez. 2013.

    ______. Ministrio da Sade. Portaria n 1.823, de 23 de agosto de 2012. Institui a Poltica Nacional de Sade do Trabalhador e da Trabalhadora. Dirio

  • Rev. bras. Sade ocup., So Paulo, 38 (128): 179-198, 2013182

    Oficial [da] Repblica Federativa do Brasil, n 165, Seo I, p. 46-51, 24 de agosto de 2012. Disponvel em: . Acesso em: 5 dez. 2013.

    COSTA, D.; LACAZ, F. A. C.; JAKSON FILHO, J. M.; VILELA, R. A. G. Sade do Trabalhador no SUS: desafios para uma poltica pblica. Revista Brasileira de Sade Ocupacional, So Paulo, v. 38, n. 127, 11-30, 2013.

    Recebido: 26/08/2013

    Aprovado: 17/09/2013

    Debatedor

    Sade do Trabalhador e Modelo de De-senvolvimento: aprofundando as origens e as contradies dos entraves

    Workers health and development model: plunging into the origins and contradictions of the hindrances

    1 Centro de Estudos de Sade do Trabalhador e Ecologia Humana, Escola Nacional de Sade Pblica Sergio Arouca, Fundao Oswaldo Cruz. Rio de Janeiro, RJ, Brasil. E-mail: [email protected].

    Marcelo Firpo Porto1

    O convite para debater o artigo Sade do Traba-lhador no SUS: desafios para uma poltica pblica (COSTA; LACAZ; JAKSON FILHO; VILELA, 2013) suscitou, inicialmente, uma dvida: teria eu con-dies de discutir questes atuais de sade do tra-balhador, uma vez que h vrios anos venho priori-zando minha rea de atuao no campo da sade e ambiente, em especial em torno da ecologia poltica e dos movimentos por justia ambiental? Porm, considero ser esta uma oportunidade de dilogo para com o campo que atuei desde 1985, incluindo parce-rias importantes com companheiros como Francisco Lacaz e Danilo Costa. Dessa forma, pretendo contri-buir, dentro das limitaes desse espao, com um dilogo que, a partir dos referenciais e das experin-cias sobre a relao entre sade, produo, ambien-te e desenvolvimento, possa ampliar e estabelecer novas possibilidades de compreenso dos desafios atuais da sade do trabalhador, que, como veremos, so tambm da prpria Sade Coletiva.

    Pretendo, neste comentrio, aprofundar o enten-dimento acerca das dificuldades apontadas ao longo do artigo para a implementao das polticas pbli-cas em sade do trabalhador, em que pesem os avan-os decorrentes da publicao da Poltica Nacional de Segurana e de Sade do Trabalhador pelo Mi-nistrio do Trabalho e Emprego, em 2011 (BRASIL, 2011) e principalmente da Poltica Nacional da Sadedo Trabalhador e da Trabalhadora pelo Ministrio da Sade, em 2012 (BRASIL, 2012).

    Na viso dos autores, das quais em linhas gerais compartilho, as contradies residem no contexto de crescimento econmico brasileiro e seus deter-minantes macroestruturais, que vem ocorrendo em detrimento das polticas sociais, segundo argumento recorrente, por meio da continuidade de polticas ne-oliberais que impedem avanos em diversas polticas sociais. Contudo, necessrio aprofundar e atualizar o que isso significa no quadro econmico e poltico que vem sendo tecido, em especial desde a virada do sculo com a chegada ao poder do Partido dos Traba-lhadores atravs da eleio do presidente Lula.

    A tese que defendo de que, de certa forma, o campo da Sade do Trabalhador encontra-se no li-mite possvel dos avanos polticos e conceituais historicamente j construdos dentro do atual mode-lo de desenvolvimento seguido pelo pas em sua in-sero econmica e geopoltica no comrcio global. Avanos pontuais, ainda que importantes, podero ocorrer na medida em que atendam ou no firam interesses estruturais ou conjunturais que confor-mam o modelo hegemnico. Por exemplo, aes de enfrentamento do trabalho escravo, questes de g-nero, reduo da informalidade, melhorias pontuais em regies e atividades econmicas nas quais ris-cos e problemas de sade tenham implicaes po-lticas e econmicas relevantes, sendo enfrentados pelo SUS, Cerests minimamente organizados, com o apoio tcnico-cientfico da academia e apoio poltico de movimentos de trabalhadores. Ou, ainda, quando conjunturas polticas favorveis propiciem polticas mais ousadas em defesa dos trabalhadores, fato cada vez mais raro diante das coalizes polticas que li-mitam aes progressistas dos partidos de esquerda no poder. Alis, avanos da Reforma Sanitria e do SUS como um todo sempre caminharam quando contaram com o apoio de foras progressistas (PAIM, 2008). Tais avanos, contudo, continuaro na atuali-dade a esbarrar na falta de apoio poltico e institucio-nal em mbitos federal, estadual e municipal sempre que ameaarem os principais pilares das polticas de

  • Rev. bras. Sade ocup., So Paulo, 38 (128): 179-198, 2013 183

    crescimento econmico. Nesse sentido, uma poltica integral e intersetorial de sade do trabalhador est longe de ser uma prioridade do modelo.

    Todavia, em que consiste este modelo hegemnico de crescimento tpico do conjunto da Amrica Latina, ainda que com distintos matizes de natureza econ-mica e ideolgica, esta no sentido de uma maior ou menor ousadia redistributiva via polticas sociais como seguridade social, sade e educao? A viso a seguir sintetiza, de forma bem pessoal, aprendizados pro-venientes da ecologia poltica (PORTO; MARTINEZ--ALIER, 2008), da vertente ecomarxista (OCONNOR, 2001), assim como da Medicina Social (BREILH, 2008) e da Sade Coletiva (RIGOTTO, 2011).

    De forma bem sinttica, o modelo de desenvolvi-mento econmico, tambm denominado extrativista e de pilhagem, est fortemente baseado na insero no comrcio internacional global via exportao de commodities agrcolas (gros, carne, celulose...) e metlicas (ferro, ouro, prata, mas tambm metais brutos processados, como ao e alumnio, no caso brasileiro), alm do petrleo. Tal concepo obsessi-va de crescimento econmico, aliada ao aumento do consumo domstico obtido pelo aumento da renda dos trabalhadores atravs de polticas redistributi-vas, incluindo polticas sociais focais como o bolsa famlia, tem propiciado um leque de alianas entre grupos nacionalistas, de esquerda e direita. Portanto, a incluso social via insero dos pobres na classe mdia vista como estratgia para fortalecer o mer-cado domstico, sendo tal discurso incorporado por diferentes setores polticos e econmicos, incluindo o setor financeiro e o agronegcio. A crise ambiental, quando reconhecida, resolvida pelos instrumen-tos da ecoeficincia e da economia verde (PORTO; SCHTZ, 2012), visto que processos regulatrios que bloqueiam o crescimento econmico so con-siderados empecilhos ao progresso. Ecologistas fora desse esquema so vistos como fundamentalistas e inimigos da nao, como expresso na declarao do ex-presidente Lula: o pas no pode ficar a servio de uma perereca...2. Marcos legais ligados ao meio ambiente direta ou indiretamente (como o Cdigo Florestal e o de Minerao) so revistos sob a presso do agronegcio e de mineradoras, e o licenciamento ambiental flexibilizado. Nesse contexto, indicado-res econmicos e sociais positivos, lgicas de gover-nabilidade e vitrias nas disputas eleitorais servem como justificativa pragmtica e critrios de ao po-ltica e gesto pblica.

    Em recente trabalho (RODRIGUES, 2013), o Ob-servatrio Internacional de Capacidades Humanas, Desenvolvimento e Polticas Pblicas da UNB analisa vrios indicadores que parecem justificar a hegemonia desse modelo nos ltimos anos, principalmente na Amrica do Sul. Algumas caractersticas gerais: (1) a urbanizao e a ocupao crescem, e o desemprego e a informalidade tendem a cair, com exceo do Mxi-co que expressa a crise do modelo Nafta3; (2) melho-ria absoluta no ndice de Desenvolvimento Humano (IDH) no conjunto da Amrica Latina e dos BRICS4, sendo o destaque no Brasil para educao e sade; (3) queda nos indicadores de pobreza e desigualdade de rendimentos, embora a desigualdade continue eleva-da face ao dficit histrico; (4) avanos educacionais indiscutveis nas taxas de alfabetizao, nmero m-dio de anos de estudo e frequncia escolar; (5) queda nos diversos indicadores demogrficos, como taxas de natalidade, mortalidade e fecundidade, implican-do em baixo crescimento demogrfico (faixa de 1% a 1,5% a.a.). Aumento nos indicadores como propor-o de idosos e expectativa de vida ao nascer, com menor presso na previdncia (caso haja emprego) nas prximas duas a trs dcadas em funo do au-mento proporcional da Populao Economicamente Ativa (PEA); (6) na sade, acelera-se a transio epi-demiolgica, com aumento das crnico-degenerati-vas e causas externas. O gasto em sade pblico e privado eleva-se no que diz respeito proporo do Produto Interno Bruto (PIB) e tambm em termos per capita, com demanda crescente por ampliao do acesso e da qualidade.

    Ainda com relao sade pblica e levando em considerao as agendas recentes no Brasil, pode-mos apontar algumas caractersticas reforadas pelo modelo hegemnico de desenvolvimento econmi-co, por exemplo: o mercado como instrumento de gesto e qualidade, com o choque de gesto para o SUS e o incremento da relao pblico-privado; sade como motor do desenvolvimento, por exem-plo, atravs do complexo industrial da sade; com relao ao SUS, a preocupao central legtima ampliar o acesso rede assistencial e a procedimen-tos de sade. O problema que isso se realiza dentro de um reducionismo despolitizador da prpria re-forma sanitria, com polticas restritas de vigilncia em sade, ou ainda de uma promoo concebida no plano individual da qualidade de vida, abrindo-se mo de uma concepo ampla de vigilncia da sa-de e polticas intersetoriais. Pesquisas induzidas em

    2 Nota do editor: exemplo de divulgao do episdio pela imprensa: MERGEN, G. Lula diz que pas no pode ficar a servio de uma perereca. Portal Terra, 29 jul. 2010. Disponvel em: . Acesso em: 04 dez. 2013.3 North American Free Trade Agreement (Tratado Norte-Americano de Livre Comrcio).4 Acrnimo para definir a associao das 5 maiores economias emergentes: Brasil, Rssia, ndia, China e frica do Sul.

  • Rev. bras. Sade ocup., So Paulo, 38 (128): 179-198, 2013184

    sade do trabalhador e ambiental reproduzem esse reducionismo ao se concentrarem em agravos espe-cficos, situaes de risco e medidas mitigadoras/compensatrias, havendo uma enorme lacuna justa-mente no tema das polticas pblicas intersetoriais e abrangentes em sade do trabalhador.

    importante ressaltar que no apenas o Brasil, mas sim o conjunto da Amrica do Sul tem tido um crescimento consistente do PIB e do supervit fiscal desde o ano 2000, basicamente graas ao que os economistas denominam Efeito China, com a elevao da demanda por commodities envolvendo minerais, alimentos e energia e que sustentou a re-gio mesmo na crise financeira de 2008. A China tambm responsvel pela queda do preo mun-dial de vrios produtos industrializados, favore-cendo a ampliao mundial do consumo de massa. Nesse quadro, uma nova conformao geopoltica parece estar se constituindo, ainda no muito cla-ra, em que pases com governos mais esquerda da Amrica Latina assumem a transformao social pela insero nas regras do jogo do comrcio inter-nacional, trabalhando por dentro.

    Nesse momento, esto sendo formadas alian-as estratgicas envolvendo interesses dos pases emergentes, dos BRICS, dos antiamericanos, den-tre outros, com uma estranha mescla de ideologias neoliberal, nacionalista e produtivista que pensa na virada do jogo ideolgico pelo aumento do poderio geopoltico desses pases. As alianas nacionais e internacionais formaram blocos polticos inimagi-nveis at algum tempo atrs: partidos de esquerda no poder junto com inmeros outros partidos; eco-nomistas do Banco Mundial e dos Bancos Centrais de ideologia neoliberal; empresrios, preferencial-mente nacionais, mas no exclusivamente; setores econmicos como o agronegcio, a minerao, a infraestrutura e as indstrias especficas; e setores militares nacionalistas, como no Brasil na defesa de programas como o submarino nuclear. No Equador, por exemplo, ambientalistas foram presos h algum tempo por protestarem em frente da embaixada da China, e este mesmo pas possui cooperao com a Rssia para iniciar a minerao de urnio com a promessa de transferncia de tecnologia futuramen-te para reatores nucleares. Naturalmente isso um poo de contradies que tendem a se aflorar, embo-ra com certo afinamento discursivo de vrios lderes polticos de Brasil, Argentina, Equador, Venezuela e Bolvia, dentre outros. Por exemplo, atacam os fun-damentalistas indgenas, ambientalistas e ONGs como antiprogresso ou frutos de manipulaes de interesses do centro imperialista.

    Outra questo complexa e central para entender-mos a expanso desse quadro no Brasil, e que o ar-tigo apenas enuncia, a posio pouco crtica e de

    adeso ao modelo de desenvolvimento presente em boa parte do movimento sindical. Algumas pistas so dadas no artigo, como o carter fragmentado e corporativo do tripartismo assumido pelo Ministrio do Trabalho e Emprego (MTE), problema reforado com a chegada de vrios quadros estratgicos do mo-vimento sindical na sade dos trabalhadores e que passaram a compor importantes escales do governo federal. Uma consequncia poltica desse processo diz respeito perda de autonomia e combatividade do prprio movimento sindical, fato especialmente agravado por outro elemento indicado no artigo: o papel dos fundos de penso de empresas estatais. Os trs maiores do pas (PREVI com R$ 160 bilhes, PETROS com R$ 60 bilhes e FUNCEF com R$ 50 bilhes) desempenham um importante papel econ-mico e ideolgico de atrelamento dos benefcios dos trabalhadores lgica de mercado, visto que, em l-tima instncia, so os dividendos dos investimentos que importam, e no a construo de alternativas de desenvolvimento para o pas. Esse um importan-te mecanismo ideolgico de despolitizao que tem passado despercebido em diversas anlises crticas sobre o atual modelo de desenvolvimento.

    O quadro desenhado pelo artigo e pelos presen-tes comentrios complexo e no muito alentador. Configura-se tambm em uma espcie de crise tanto de horizontes, como das bases morais em diversas instncias polticas e institucionais. Verificamos mais e mais o esgarar de discursos e prticas de partidos e lideranas, inclusive com posies impor-tantes no passado e no presente no campo da sade do trabalhador e ambiental, e crescem os conflitos deinteresse envolvendo questes ticas. Em nome da governabilidade, de alianas polticas, de dispu-tas eleitorais e da defesa de projetos estratgicos de governo, surgem inmeras contradies e limitaes para avanos. No campo da sade dos trabalhadores e ambiental, acrescentamos a lgica da mercantiliza-o do prprio saber tcnico-cientfico na manipu-lao de incertezas a servio de interesses jurdicos ou de marketing das empresas, o que tem envolvido um nmero crescente de profissionais, inclusive de universidades pblicas, como consultores ou coor-denadores de pesquisas dirigidas. Os conflitos de interesse e dilemas ticos so por vezes camuflados atravs de estratgias como a poltica de uma mo lava a outra, ou seja, abraa-se uma causa pblica que visa ocultar outras contradies. Enfim, a confu-so poltica, institucional e moral grande e no h perspectivas de ser reduzida.

    Diante do exposto, que alternativas podem surgir para alm de avanos pontuais possveis, ainda que importantes, no atual quadro? Encerro os coment-rios com algumas breves sugestes na busca de alter-nativas e avanos.

  • Rev. bras. Sade ocup., So Paulo, 38 (128): 179-198, 2013 185

    A crise do modelo de desenvolvimento no afe-ta s o campo da sade do trabalhador, e sim o conjunto da Sade Coletiva brasileira e da Medi-cina Social Latino Americana. Considero estra-tgica uma aliana com o movimento da reforma sanitria e da sade coletiva na compreenso crtica dos limites tericos, na produo de alter-nativas e no enfrentamento dos mal-estares que esto presentes em todos que ainda lutam pelos princpios fundamentais do SUS. De certa for-ma, isso j vem acontecendo de muitas manei-ras em iniciativas realizadas pelo Cebes e pela Abrasco, e a sade do trabalhador estratgica nesse movimento. Evoco aqui as sbias pala-vras de Gasto Wagner (CAMPOS, 2000) de que a sade coletiva implica na defesa da vida e da democracia, e deve trabalhar com autonomia re-lativa tanto em relao ao Estado, quanto a parti-dos polticos, ideologias e outras racionalidades tcnicas. Neste momento, estratgico ampliar nossa autonomia para que uma reflexo crtica e inspiradora ilumine novos caminhos em torno de futuros projetos de sociedade.

    Outra questo central a ampliao de concei-tos como trabalho, sade e desenvolvimento. No campo da sade do trabalhador, uma impor-tante contribuio j vem sendo realizada por reas inovadoras, como a ergologia, que discu-tem questes como gnero e coletivos de traba-lho. Porm, necessrio avanar em direo compreenso de outras alternativas de de-senvolvimento e economia. Importantes pistas vm sendo dadas por abordagens territoriais e das discusses sobre os conflitos ambientais, que trazem tona simultaneamente temas como sustentabilidade e os direitos humanos funda-mentais. Indgenas, camponeses, pescadores, quilombolas, movimentos culturais das perife-rias urbanas, movimentos pela democratizao e humanizao das cidades, experincias da re-forma agrria e de agroecologia, de luta contra o racismo institucional e ambiental, tudo est ocorrendo neste momento e incluem trabalha-dores envolvidos em reas e discusses frequen-temente desconsideradas pelas discusses do campo. As discusses sobre conflitos ambien-tais revelam a concretude do modelo, do co-mrcio internacional injusto e de seus impactos sobre inmeras populaes e ecossistemas, en-volvendo a expanso do agronegcio, da minera-o, dos portos de exportao e da explorao de fontes energticas, como petrleo, hidreltricas, agrocombustveis, nuclear a at mesmo a elica,

    j que diversos parques tm afetado campone-ses, quilombolas e indgenas no nordeste.

    Para seguir o item anterior, necessrio revitali-zar teoricamente alternativas de compreenso e produo de saberes sobre problemas e alterna-tivas. Por exemplo, existe uma densa produo crtica latino-americana que ainda circula pouco no mbito da sade coletiva, e menos ainda na sade do trabalhador. Refiro-me aos chamados estudos subalternos ou teorias descoloniais de autores como Anbal Quijano, Ramn Grosfo-guel, Walter Mignolo, Enrique Dussel e, de certa forma, tambm as contribuies mais conheci-das de Boaventura de Sousa Santos. Eles buscam desconstruir a noo do proletariado como sujei-to histrico central dos processos de transforma-o social. Tais contribuies compreendem que os processos emancipatrios deveriam forosa-mente articular as lutas das classes trabalhado-ras com as de todos os outros grupos dominados e oprimidos no sistema-mundo, os quais foram desprezados como sujeitos no histricos pelo marxismo eurocntrico. No nosso caso, isso traz tona discusses como o racismo histrico que discrimina saberes, modos de vida e cosmologias de povos indgenas, alm dos quilombolas, cam-pesinos e pescadores. Trata-se de uma discusso no s poltica, mas tambm e essencialmente epistemolgica, j que as formas de produo de conhecimento hegemnicas legitimam e tornam sutilmente obscuras as categorias e as relaes que reproduzem formas de poder que se encon-tram por detrs dos processos de inferiorizao, excluso, dominao e explorao. por isso que diversos autores, como Boaventura Santos, do centralidade aos processos transculturais atravs de encontros, dilogos ou ecologia de saberes.

    As contribuies discutidas no ltimo tpico so consistentes com o que autores ecomarxistas apon-tam como a segunda grande contradio do sistema capitalista contemporneo, associada s condies de produo e que incluem as problemticas am-bientais, de gnero, e tnicas dentre outras. Seus principais protagonistas so coletivos contra-hege-mnicos, como feministas, ambientalistas, povos tradicionais, agricultores familiares ligados agro-ecologia, organizaes de justia ambiental, dentre outros. Elas esto presentes, por exemplo, no En-contro Dilogos e Convergncias entre Movimen-tos Sociais, e que gerou uma bela Carta Poltica5. Experincias atuais de vanguarda vm se consti-tuindo como exemplos de dilogos de saberes entre movimentos sociais e grupos acadmicos, como as

    5 Ver a Carta Poltica em: http://dialogoseconvergencias.org/noticias/carta-politica-do-encontro-nacional-de-dialogos-e-convergencias.

  • Rev. bras. Sade ocup., So Paulo, 38 (128): 179-198, 2013186

    aes de vigilncia popular da sade realizadas por Raquel Rigotto e o grupo Tramas da Universidade Federal do Cear; ou o Observatrio da Poltica Na-cional de Sade Integral das Populaes do Campo e da Floresta, coordenado por Fernando Carneiro da UNB. Certamente h um enorme percurso a ser tri-lhado para que processos legtimos, porm atomi-

    zados, possam ir se articulando e construindo alter-nativas polticas mais consistentes. Porm, a crtica fragmentao e ao receio de ps-modernismos relativistas pode recair na defesa de dogmas ainda muito fortes e que acabam por impedir a necessria renovao intelectual e espiritual da sade coletiva e de todas as reas que militamos.

    Referncias

    BRASIL. Decreto n 7.602/2011, de 07 de novembro de 2011. Dispe sobre a Poltica Nacional de Segurana e Sade no Trabalho. Dirio Oficial [da] Repblica Federativa do Brasil, 08 nov. 2011. Disponvel em: . Acesso em: 5 dez. 2013.

    ______. Ministrio da Sade. Portaria n 1.823, de 23 de agosto de 2012. Institui a Poltica Nacional de Sade do Trabalhador e da Trabalhadora. Dirio Oficial [da] Repblica Federativa do Brasil, n 165, Seo I, p. 46-51, 24 ago. 2012. Disponvel em: . Acesso em: 5 dez. 2013.

    BREILH, J. Pilhagens, ecossistemas e sade. In: MIRANDA, A. C. et al. Territrio, Ambiente e Sade. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2008. p. 159-180.

    CAMPOS, G. W. S. Sade pblica e sade coletiva: campo e ncleo de saberes e prticas. Cincia & Sade Coletiva, Rio de Janeiro, v. 5, n. 2, p. 219-230, 2000.

    COSTA, D.; LACAZ, F. A. C.; JAKSON FILHO, J. M.; VILELA, R. A. G. Sade do Trabalhador no SUS: desafios para uma poltica pblica. Revista Brasileira de Sade Ocupacional, So Paulo, v. 38, n. 127, p. 11-30, 2013.

    OCONNOR, J. Causas naturales: ensayos de marxismo ecolgico. Mxico: Siglo XXI, 2001.

    PAIM, J. S. Reforma sanitria brasileira: avanos, limites e perspectivas. In: MATTA, G. C.; LIMA, F. C. J. (Org.). Estado, sociedade e formao profissional em sade: contradies e desafios em 20 anos de SUS. Rio de Janeiro: Fiocruz/EPSJV, 2008.

    PORTO, M. F.; MARTINEZ-ALIER, J. Ecologia poltica, economia ecolgica e sade coletiva: interfaces para a sustentabilidade do desenvolvimento e para a promoo da sade. Cadernos de Sade Pblica, Rio de Janeiro, v. 23, suppl. 4, p. S503-S512, 2007.

    PORTO, M. F.; SCHUTZ, G. E. Gesto ambiental e democracia: anlise crtica, cenrios e desafios. Cincia & Sade Coletiva, Rio de janeiro, v. 17, n. 6, p. 1447-1456, 2012.

    RIGOTTO, R. M. Os conflitos entre o agronegcio e os direitos das populaes: o papel do campo cientfico. Revista Pegada Online, Presidente Prudente, v. 12, n. 1, 123-140, 2011. Disponvel em: . Acesso em: 4 dez. 2013.

    RODRIGUES, V. A. (org). Observatrio Internacional de Capacidades Humanas, Desenvolvimento e Polticas Pblicas: estudos e anlises n. 1. Braslia: NESP/UNB, 2013.

    Recebido: 17/09/2013

    Aprovado: 27/09/2013

    Debatedor

    A poltica do possvel ou a poltica da utopia?

    The possible policy or the utopian policy?

    1 Vigilncia e Ateno Sade do Trabalhador, Superintendncia de Vigilncia e Proteo Sade, Secretaria da Sade do Estado da Bahia. Salvador, BA, Brasil. E-mail: [email protected].

    Leticia Coelho da Costa Nobre1

    Estou muito grata por participar deste debate que considero da maior relevncia no atual contexto bra-sileiro de esforos coletivos para avanar nas polti-cas pblicas e no retroceder nas conquistas sociais frente ao desenvolvimento econmico. Reflexes

    tericas e conceituais desempenham importante pa-pel na construo do campo da sade do trabalha-dor no pas. Os autores Costa, Lacaz, Jackson Filho e Vilela (2013) discorrem com muita propriedade so-bre o quadro do mundo de trabalho contemporneo, sobre o contexto do desenvolvimento e crescimento econmico no Brasil, com a predominncia e a hege-monia dos interesses do capital em detrimento das polticas sociais, dentre elas a Poltica Nacional de Sade do Trabalhador e da Trabalhadora (PNSTT) no mbito do Sistema nico de Sade.

  • Rev. bras. Sade ocup., So Paulo, 38 (128): 179-198, 2013 187

    Questes importantssimas foram explicitadas acerca da centralidade do trabalho na vida das pessoase dos coletivos humanos; das relaes sociais e po-lticas, de dominao, de prticas hegemnicas e contra-hegemnicas; dos valores e princpios que informam as polticas pblicas e as prticas dos su-jeitos; das contradies e dos paradoxos que vivemos nos ambientes de trabalho, nas instituies e servios de Sade, do Trabalho, da Previdncia Social, entre outras. Do papel do Estado. Dos sujeitos da histria. Minha contribuio a este debate parte de meu lugar enquanto um dos sujeitos na construo da poltica de sade do trabalhador, compartilhada com tantos outros, seja na Bahia ou no Brasil.

    Os autores propem que a poltica de Estado, re-lativa aos setores Trabalho e Previdncia, constituda na poca da ditadura militar prevalece at hoje sem grandes mudanas substantivas. Essa uma questo importante sobre a qual necessitamos refletir. Viven-ciamos o processo de redemocratizao do pas, os movimentos sociais e sindicais do final dos anos 1970 e anos 1980, a rdua construo da Constituio Fe-deral de 1988, que props novas configuraes e com-petncias institucionais, dentre as quais a criao do Sistema nico de Sade (SUS). De l para c, todos enfrentamos crises, dificuldades e desafios. Vivencia-mos o subfinanciamento em vrios setores, as amea-as de privatizao do seguro acidente de trabalho. Muitas mudanas ocorreram, algumas em direo a avanos reais, trazendo o novo, outras nem tanto.

    Que outros elementos podem auxiliar na avaliao dos ns crticos das relaes interinstitucionais entre Sade, Trabalho e Previdncia Social? Estes so trs sujeitos institucionais e reas de polticas pblicas da maior importncia no s para os trabalhadores, mas para toda a sociedade brasileira. Suas relaes ao longo desses anos precisam ser analisadas considerando-se as concepes sobre o papel do Estado e as polticas sociais, que se traduzem tanto em aes e interven-es do Estado em planos e dimenses macropolticas, quanto em processos singulares de sujeitos sociais em cada ambiente, organizao e instituio. Para avanar, necessrio explicitar as diferentes concepes, pro-psitos e metodologias, ao mesmo tempo buscar os ob-jetivos comuns e incluir as expectativas de cada ator. Ser que perdemos uma oportunidade histrica de mudar o quadro institucional e a poltica brasileira para a ST quando, em 1993 (IX Conferncia Nacio-nal de Sade) e em 1994 (2 Conferncia Nacional de ST) (BRASIL, 1994), as conferncias deliberaram pela integrao no SUS dos setores de SST do Ministrio do Trabalho e Emprego (MTE) e Fundacentro? Esse foi um momento histrico de ruptura e acirrado conflito interinstitucional. Ao mesmo tempo, outros processos e avanos ocorreram em cada instituio, alguns com-partilhados, outros no.

    Outro momento histrico crtico foi o da 3 Con-ferncia Nacional de Sade do Trabalhador (CNST), realizada em 2005. A despeito de ter sido convocada pelos trs ministrios, com discusses articuladas em torno de eixos temticos que permitiriam a tcnicos, gestores e sociedade civil organizada refletir sobre o mundo do trabalho, seus impactos sobre a sade e as relaes interinstitucionais, ela aconteceu sob um clima de crise e resistncia deliberada por parte de parcela dos auditores fiscais do trabalho (NOBRE, 2011). Vale ressaltar que durante esta conferncia, a proposta de Poltica Nacional de Segurana e Sade do Trabalhador (PNSST), que havia sido construda pelo Grupo Executivo Interministerial de Sade do Trabalhador (Geisat) desde 2003, foi apresentada ofi-cialmente pelos trs ministros e colocada em consulta pblica (BRASIL, 2005).

    Apesar de apresentar ambiguidades em rela-o aos conceitos, conforme explcito no prprio nome proposto para a poltica, indefinio quanto s competncias comuns e cooperadas entre os trs ministrios, alm de insuficiente explicitao das responsabilidades, necessidades de financiamento e dos mecanismos de participao e controle social, esta proposta foi avaliada como tendo apresentado um elenco razovel de possibilidades para a atu-ao dos trs ministrios, expresso nas estratgias propostas para cada diretriz (NOBRE, 2011). No foi a melhor, mas era a poltica possvel para seu momento histrico. Tinha um propsito que ainda hoje se faz necessrio: avanar na integrao e na reduo da fragmentao das polticas de interesse Sade do Trabalhador.

    E hoje? Como entender a persistncia de dispu-tas, conflitos e discrepncias, inclusive de valori-zao social do trabalho de cada um? fato que o exerccio da intersetorialidade, com raras excees, continua sendo difcil. Ento, cabe perguntar-nos: a quem mesmo interessa a persistncia da fragmenta-o e dos conflitos institucionais? Como analisar as dificuldades, os ns crticos e os resultados tambm da Previdncia Social e do MTE? Como avanar em relaes solidrias e compartilhadas, com propsi-tos comuns de promoo e proteo da sade dos trabalhadores?

    Ainda h outros dois atores institucionais im-portantes a serem includos nesta relao: o Meio Ambiente e as secretarias do trabalho de estados e municpios. Em espaos, conselhos, rgos setoriais e polticas ambientais, so definidos que empreen-dimentos e atividades produtivas sero implanta-dos nos territrios. Nos estados e nos municpios, as secretarias do trabalho e emprego so potenciais aliados para a promoo de trabalho e empregos de-centes, na construo de um sistema nacional de tra-balho, emprego e gerao de renda, na diminuio

  • Rev. bras. Sade ocup., So Paulo, 38 (128): 179-198, 2013188

    dos trabalhos precrios e na incluso de parcelas de trabalhadores tradicionalmente excludos dessas po-lticas (BAHIA, 2011; ABRAMO, 2010). Por sua vez, o SUS tem grande potencial de contribuio para a promoo do trabalho decente mediante especial-mente as aes de vigilncia de ambientes e pro-cessos de trabalho, produo de informaes sobre situao de sade dos trabalhadores e participao em processos regulatrios (NOBRE, 2010).

    As reflexes acerca dos modelos de regulao do estado e de participao e controle social das polticas pblicas so bastante pertinentes. Assis-timos ao longo da dcada de 1990 morosidade, quando no o engavetamento, de diversas propos-tas inovadoras, como o caso da Cipa totalmente eleita pelos trabalhadores. Por outro lado, criao de comisses tripartites, funcionando somente me-diante consensos, evitando que propostas contr-rias aos interesses empresariais sejam arrastadas por dcadas. Vejamos o exemplo mpar do acordo e legislao sobre o benzeno, que at hoje sofre presses empresariais em direo a seu retrocesso e somente resiste pelo compromisso e propsitos co-muns compartilhados entre auditores fiscais do tra-balho e tcnicos do SUS, em aliana com os traba-lhadores. No tendo conseguido, at ento, ampliar essa experincia para outros agentes qumicos, fi-nalmente, este ano, a Previdncia Social assumiu a avaliao qualitativa da exposio a substncias carcinognicas nos processos de aposentadoria es-pecial (BRASIL, 2013).

    Precisamos questionar essa lgica de que sem-pre melhor produzir consensos e rever a forma de funcionamento de alguns fruns tripartites. Esperar pelo consenso frequentemente a no tomada de po-sio do Estado perante uma situao de conflito em que a balana pesa para os interesses mais podero-sos, que, em nosso caso, so quase sempre do capi-tal. a poltica da omisso. O caso da I Conferncia Nacional de Emprego e Trabalho Decente, realizada em agosto de 2012, e interrompida pela deciso da bancada empresarial de se retirar das plenrias degrupo, no segundo dia, e da plenria final, com o aval da Comisso Organizadora da Conferncia, outro exemplo de distoro, seno da concepo, da prtica do tripartismo.

    A afirmao dos autores de que a PNSST (BRA-SIL, 2011) foi fruto de presses dos profissionais e representantes da sociedade civil desde a dca-da de 1990, e de que a instituio da PNSTT pelo Ministrio da Sade (BRASIL, 2012) estabelece a participao do SUS no contexto da PNSST, neces-sita de alguns reparos em relao ao processo de construo de cada poltica e da relao entre elas.

    O primeiro documento de uma poltica nacional de sade do trabalhador foi construdo entre 1999-2000 por grupo de trabalho constitudo pelo Mi-nistrio da Sade. Foi apresentado e discutido em seminrio pblico realizado na Cmara de Deputa-dos no incio de 2001 (NOBRE, 2011). O principal questionamento feito pelas representaes sociais e institucionais presentes foi se havia vontade poltica para a implantao da proposta. Ficou demonstrado que no. Com a argumentao de que deveria ter um plano de aplicao de recursos financeiros, o que evidentemente era necessrio, mas que no foi providenciado, o Ministrio da Sade engavetou a proposta. Somente em 2004, j no Governo Lula, a Coordenao de Sade do Trabalhador do Minist-rio da Sade retoma internamente o documento da PNST de 2001 e elabora nova proposta, que acaba sendo substituda pelo processo ento em andamen-to no Geisat desde sua reativao em 2003.

    A atual PNSST foi resultado do engavetamento da PNSST produzida pelo Geisat, lanada e coloca-da em consulta pblica na 3 CNST em 2005. Este processo foi interrompido e a poltica passou a ser elaborada por uma comisso tripartite intersetorial, composta por bancadas de governo, empresarial e de trabalhadores (centrais sindicais), criada em 2009, que resultou na PNSST publicada em 2011. No era a primeira vez que se alterava o nome da poltica, nem a primeira em que se descartava a produo do Geisat.

    Cabe perguntar por que criar uma comisso tri-partite para produzir uma norma que somente dis-pe sobre (algumas) atribuies institucionais j pre-vistas em lei e na Constituio Federal? Bases legais que, alis, nem so mencionadas no decreto. E as responsabilidades e atribuies dos empregadores e dos trabalhadores? Mais graves do que as inconsis-tncias apontadas pelos autores destacam-se os se-guintes aspectos: em relao sua implementao, o que mesmo se pretende com a meno participa-o voluntria das organizaes representativas de trabalhadores e empregadores? Significa diminuir a responsabilidade dos empregadores em relao manuteno de condies de trabalho seguras e sau-dveis e de proteo da sade dos trabalhadores? Significa no assumir o preceito constitucional do direito dos trabalhadores participao em todas as etapas e instncias de implementao das polticas pblicas que lhe dizem respeito? E a atribuio Co-misso Tripartite de Sade e Segurana no Trabalho (CTSST) de estabelecer os mecanismos de validao e de controle social da PNSST? O que pensavam os propositores desta poltica em relao aos mecanis-mos e s instncias de participao e controle so-cial das polticas existentes, especialmente conside-rando-se que a participao e o controle social, por

  • Rev. bras. Sade ocup., So Paulo, 38 (128): 179-198, 2013 189

    exemplo, no mbito do SUS, j so garantidos em outras bases pela Constituio Federal? Seria impor-tante saber como tem sido a participao das repre-sentaes dos trabalhadores nesse processo; quais as perspectivas e posies das centrais sindicais.

    Independentemente do processo da PNSST, em 2008, gestores, tcnicos e coordenadores estaduais de ST, reunidos em Braslia, deliberam pela reto-mada da elaborao da poltica de ST no mbito do SUS, para o qual se constitui grupo de trabalho com representaes estaduais, sob coordenao da rea tcnica do Ministrio da Sade. Ao longo de 2009, ocorrem reunies do GT e oficinas de trabalho com a participao de outros atores. Em maio de 2010, o GT apresenta a primeira verso da poltica, a qual apre-sentada em algumas instncias de gesto e controle social, a exemplo da Comisso Intersetorial de Sa-de do Trabalhador do Conselho Nacional de Sade (CIST/CNS), no 4 Encontro Nacional da Renast (30 junho a 1 julho), no Conselho Nacional de Sade (ju-lho 2010), no III Encontro das CIST (dezembro 2010). Aps, passa por discusso no Colegiado da Secretaria de Vigilncia em Sade; vai para consulta pblica (30 dias); recebe mais sugestes de conselhos de sade, estaduais e municipais e de outros atores sociais; pas-sa por discusso e pactuao nas instncias e esferas de gesto do SUS Conselho Nacional de Secretrios Estaduais de Sade (CONASS), Conselho Nacional de Secretrios Municipais de Sade (CONASEMS), Comisso Intergestores Tripartite (CIT); retorna para discusso e aprovao no Conselho Nacional de Sa-de; passa por reviso jurdica da Procuradoria do MS; nesse processo, a proposta incorpora sugestes e vai sendo aprimorada, resultando na atual PNSTT, Por-taria MS/GM n 1.823, publicada em 23 de agosto de 2012 (BRASIL, 2012).

    Desse modo, considero que a PNSTT, mesmo tendo sido aprovada e publicada em 2012, aps a PNSST, no pode com ela se confundir. Os princ-pios, os objetos, os processos de construo, as parti-cipaes sociais, as pactuaes foram bastante diver-sas. Podero e devero se articular, complementar-se e ser compartilhadas? claro que sim. Desde que tenhamos claras suas histrias, seus propsitos e seus alcances.

    Rememoro todos esses fatos por considerar que complementam a anlise dos autores acerca das contradies e dos paradoxos que vivenciamos e das posies do Estado na conduo da poltica real, que conjuga interesses do Estado e do capital, pautada pelos princpios do liberalismo, que o las-tro para a manuteno da fragmentao das aes institucionais, para o esvaziamento dos servios e das polticas pblicas, na perspectiva da anulao do Estado provedor (COSTA; LACAZ; JACKSON FILHO; VILELA, 2013, p. 16). Como os processos

    trazem consigo as contradies, e nelas as oportu-nidades, tambm trago esses fatos na esperana de que, talvez, se tivermos capacidade, lucidez e cora-gem, ainda possamos refletir sobre e aprender com as rupturas e os conflitos de modo a resgatar novas possibilidades de construo compartilhada. Nesse sentido, a PNSTT aponta algumas potencialidades e muitos desafios.

    Os autores apontam alguns ns crticos e fragi-lidades da Rede de Ateno Sade do Trabalha-dor (Renast) que so reais. Frente a eles, questionam se possvel garantir as aes de vigilncia em ST no SUS. Penso ser necessrio aprofundar a anlise sobre esses aspectos, bem como clarear as propo-sies da PNSTT, entendendo o momento atual de amadurecimento das discusses sobre a sade do trabalhador no SUS.

    O diagnstico apontado pelos autores, que consta dos documentos ministeriais, relatrios de gesto, em pesquisas, nos encontros regionais e nacionais, d conta de diversos ns crticos, que vo de dificuldades de gesto da poltica, das insu-ficincias do planejamento, de insuficientes e ou inadequados indicadores de monitoramento e ava-liao, at as fragilidades tcnicas, na assistncia e na vigilncia, na produo e anlise de informa-es. H fragilidade e insuficincia nos modelos de gesto e nos modelos de ateno propostos; a descentralizao ainda no uma realidade; cria-ram-se centros de gesto municipal para dar con-ta de aes em abrangncia regional; nem metade das regies do pas tem um centro de referncia especializada como sua retaguarda tcnica; a po-pulao trabalhadora, as atividades produtivas, as necessidades, os problemas de ST e as aes para enfrent-los praticamente no existem na maior parte dos planos de sade pas afora; os perfis, de qualificao e composio, das equipes tcnicas e gerenciais so insuficientes e inadequados; os vnculos frequentemente so precrios; as concep-es sobre ST e especialmente sobre Vigilncia em Sade do Trabalhador (Visat) frequentemente so distorcidas; h inmeras fragilidades, carncias, insuficincias; a estratgia adotada de rede deunidades sentinela esgotou-se frente necessida-de de incorporar as aes de ST em toda a rede SUS e de ter a ateno bsica como ordenadora do sistema e a vigilncia em sade como eixo estra-tgico central (BAHIA, 2010; LACAZ; MACHADO; PORTO, 2002; DIAS; HOEFEL, 2005; SANTANA; SILVA, 2009; GONALVES; DIAS, 2009; NOBRE; 2011; CORREA; PINHEIRO; MERLO, 2012).

    Sobre a Renast e o papel dos Centros de Refe-rncia em Sade do Trabalhador (Cerests), conside-ro que a PNSTT aponta para uma importante revi-so e reconfigurao de sua arquitetura, funes e

  • Rev. bras. Sade ocup., So Paulo, 38 (128): 179-198, 2013190

    papis. Ao explicitar a necessidade de implementao de aes de sade do trabalhador em todos os nveis deateno do SUS em uma concepo de rede, cuja or-denadora deve ser a Ateno Primria, a ST amplia suas possibilidades. A Renast no est mais restrita atuao dos centros de referncia. Entretanto, o pa-pel dos Cerest no somente continua sendo funda-mental, como retaguarda tcnica especializada para toda a rede, como assume uma concepo de com-plexidade crescente, compartilhando conhecimen-tos e prticas com os demais setores ou pontos de ateno, especialmente com as vigilncias em sade, presentes em cada municpio do pas. Desse modo, a PNSTT alinha-se internamente com o conjunto de polticas de sade no mbito do SUS, considerando a transversalidade das aes de sade do trabalha-dor e o trabalho como um dos determinantes do pro-cesso sade-doena.

    Do princpio da universalidade decorre que so sujeitos da PNSTT todos os trabalhadores, homens e mulheres, independentemente de sua localizao, urbana ou rural, de sua forma de insero no merca-do de trabalho, formal ou informal, de seu vnculo empregatcio, pblico ou privado, assalariado, aut-nomo, avulso, temporrio, cooperativados, aprendiz, estagirio, domstico, aposentado ou desempregado. Com exceo de parcelas de trabalhadores formais, os demais so praticamente invisveis para os servi-os de sade em suas necessidades e especificida-des enquanto trabalhadores. possvel afirmar que h barreiras de acesso em relao a vrias aes e instncias do sistema (MIQUILIN; CORRA FILHO, 2011). Mesmo os trabalhadores celetistas frequen-temente buscam o SUS somente como meio para garantir seus direitos previdencirios; em especial aqueles que dispem de planos e seguros privados coletivos de sade.

    Que implicaes decorrem disso? Identificar a condio de trabalhador/a e as situaes de trabalho em todos os pontos da rede e em todos os nveis do sistema, desde a identificao do perfil da popula-o trabalhadora e das atividades produtivas no ter-ritrio, das suas demandas e necessidades de sade, at o planejamento de aes de ateno e vigilncia. A comear pela ateno bsica ou ateno primria em sade, at a ateno de maior densidade tecno-lgica. Implica pensar os territrios e sua dinmica produtiva, com suas atividades e cadeias produtivas, com trabalhadores vivendo, residindo, trabalhando e circulando nesses territrios. Essa uma grande potencialidade do SUS. Dar visibilidade popula-o trabalhadora, s atividades produtivas, aos fatos e acontecimentos nos territrios, aos impactos sa-de, identificar necessidades e problemas na tica da interveno em sade coletiva, mobilizando os refe-

    renciais, os instrumentos e as prticas, articulando e construindo a integralidade da ateno.

    Considerar o trabalho como um dos determi-nantes do processo sade-doena implica: produzir informaes para o conjunto dos trabalhadores e no somente para a populao coberta pela Previ-dncia Social; viabilizar sua incluso nas anlises de situao de sade; identificar toda a populao trabalhadora, suas necessidades e demandas; in-cluir aes de ST nos planos de sade; planejar, executar e avaliar essas aes. Com frequncia as atividades produtivas impactam profundamente as dinmicas populacionais, ambientais e do de-senvolvimento nos territrios. importante que na declarao de seu propsito, a PNSTT tenha feito meno aos modelos de desenvolvimento, alm dos processos produtivos, que esto na ori-gem de parte do perfil de morbimortalidade dos trabalhadores. Isso, somado incluso da precau-o como um de seus princpios, atualiza e refor-a a potencial contribuio do SUS na discusso sobre desenvolvimento, crescimento econmico e sustentabilidade socioambiental, to necessria na conjuntura atual. Tomando emprestada a proposi-o de Fadel, trata-se de viabilizar a vigilncia do desenvolvimento (VASCONCELOS, 2007), resga-tando e fortalecendo as iniciativas e as experin-cias que adotam os princpios da sustentabilidade socioambiental, da justia ambiental, da diminui-o das inequidades, incluso social, participao e controle social (RIGOTTO, 2005; PORTO, 2005).

    Na avaliao da PNSST, os autores consideraram tmida a proposio de fortalecimento das aes de vigilncia pelo MS e SUS. J apresentei minhas con-sideraes a respeito da PNSST. Entretanto, se olhar-mos o conceito de Visat j construdo no mbito do SUS e o que est proposto na PNSTT, diria que esta no exatamente uma posio tmida. Ao contr-rio, se conseguirmos efetivar boa parte do que consta na PNSTT, ser um avano e tanto. O fortalecimento da Visat e a integrao com os demais componentes daVigilncia em Sade, primeiro objetivo explicitado na PNSTT, pressupem uma srie de aes, dentre elas: 1) realizao da anlise da situao de sade dos trabalhadores; interveno nos processos e nos ambientes de trabalho; 2) produo de tecnologias de interveno, de avaliao e de monitoramento das aes de Visat; 3) produo de protocolos, de nor-mas tcnicas e regulamentares; e 4) participao dos trabalhadores e suas organizaes. Se a esse elenco acrescermos as aes que compem o segundo ob-jetivo promover a sade e ambientes e processos de trabalhos saudveis, veremos que o desafio , na verdade, imenso.

    A Visat sem dvida das tarefas mais ricas e mais complexas a s