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RAPHAEL BENDER CHAGAS LEITE
EFEITO DA COESÃO SEMÂNTICA SOBRE A DISCRIMINAÇÃO DE ITENS
EMOCIONAIS EM TESTES DE MEMÓRIA DE RECONHECIMENTO DE PALAVRAS
Dissertação apresentada à Universidade Federal
do Rio Grande do Norte, para obtenção do título
de Mestre em Psicobiologia.
Natal
2011
RAPHAEL BENDER CHAGAS LEITE
EFEITO DA COESÃO SEMÂNTICA SOBRE A DISCRIMINAÇÃO DE ITENS
EMOCIONAIS EM TESTES DE MEMÓRIA DE RECONHECIMENTO DE PALAVRAS
Dissertação apresentada à Universidade Federal
do Rio Grande do Norte, para obtenção do título
de Mestre em Psicobiologia.
Orientadora: Regina Helena da Silva
Co-Orientadora: Fabíola da Silva Albuquerque
Natal
2011
Título: O EFEITO DA COESÃO SEMÂNTICA SOBRE O RECONHECIMENTO DE PALAVRAS TABUS
Autor: RAPHAEL BENDER CHAGAS LEITE
Data da defesa: 11 de abril de 2011
Banca examinadora:
_________________________________________Dra. Flávia Heloísa Dos SantosUniversidade Estadual Paulista, UNESP/Assis
_________________________________________Dr. John Fontenele AraujoUniversidade Federal do Rio Grande do Norte, UFRN
_________________________________________Dra. Fabíola da Silva AlbuquerqueUniversidade Federal da Paraíba, UFPB
_________________________________________Dra. Regina Helena da SilvaUniversidade Federal do Rio Grande do Norte, UFRN
SUMÁRIO
1. RESUMO 5
2. ABSTRACT 6
3. INTRODUÇÃO: BREVE CONTEXTUALIZAÇÃO TEÓRICA DO TEMA 7
4. INTRODUÇÃO AO TEMA DOS EXPERIMENTOS 14
5. OBJETIVO GERAL 21
6. EXPERIMENTO 1 22
6.1. OBJETIVO 22
6.2. METODOLOGIA 22
6.3. RESULTADOS 25
6.3. DISCUSSÃO 26
7. EXPERIMENTO 2 30
7.1. OBJETIVO 30
7.2. METODOLOGIA 30
7.3. RESULTADOS 31
7.3. DISCUSSÃO 32
8. DISCUSSÃO GERAL 35
9. CONCLUSÃO 38
10. REFERÊNCIAS 39
11. ANEXOS 44
RESUMO
Itens com alto grau de alerta emocional são melhor recordados em tarefas de memória do que itens neutros. Um tipo de item emocional que beneficia os processos de memória declarativa são as palavras tabus. Estas são palavras que sofrem uma proibição convencional imposta por tradição ou costume. A literatura sugere que o melhor desempenho destas palavras é devido ao alerta emocional e também ao fato de formarem um grupo semântico coeso, constituindo um efeito positivo aditivo. Entretanto, estudos com listas semânticas apontam que a coesão pode produzir um efeito negativo de interferência, prejudicando a recordação. Analisamos, em dois experimentos, o efeito do alerta e da coesão semântica de palavras tabus em testes de reconhecimento, comparando com palavras agrupadas em duas outras categorias: com relação semântica e sem alerta (categoria semântica) e neutras ou com pouca relação semântica (categoria objetos). Nossos resultados apontaram que a coesão prejudicou o desempenho no teste por aumentar o número de alarmes falsos. Esse efeito foi fortemente observado nas palavras da categoria semântica em ambos os experimentos, mas também nas palavras tabus e nas neutras, quando ambas foram explicitamente consideradas como categorias semânticas por meio da instrução do teste do experimento 2. Apesar do prejuízo da coesão semântica, em ambos os experimentos as palavras tabus foram mais discriminadas do que as demais e esse resultado concorda com a indicação do alerta emocional como principal fator para o melhor desempenho de itens emocionais em testes de memória.
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ABSTRACT
Highly emotional itens are best remembered in emotional memory tasks than neutral items. An example of emotional item that benefits declarative memory processes are the taboo words. These words undergo from a conventional prohibition, imposed by tradition or custom. Literature suggests that the strongest recollection these words is due to emotional arousal, as well as, the fact that they form a cohesive semantic group, which is a positive additive effect. However, studies with semantic lists show that cohesion can have a negative effect of interference, impairing memory. We analyzed, in two experiments, the effect of arousal and semantic cohesion of taboo words on recognition tests, comparing with into two other word categories: semantically related and without emotional arousal (semantic category) and neutral, with low semantic relation (objects). Our results indicate that cohesion has interfered whith the performance of the test by increasing the number of false alarms. This effect was strongly observed in the semantic category of words in both experiments, but also in the neutral and taboo words, when both were explicitly considered as semantic categories through the instruction of the test in Experiment 2. Despite the impairment induced by semantic cohesion in both experiments, the taboo words were more discriminated than others, and this result agrees with the indication of the emotional arousal as the main factor for the best recollection of emotional items in memory tests.
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INTRODUÇÃO: BREVE CONTEXTUALIZAÇÃO TEÓRICA DO TEMA
A investigação da mente há séculos está no foco da atenção de grande parte dos
cientistas e a memória é uma importante chave para a compreensão dos fenômenos
produzidos a partir do funcionamento do cérebro, incluindo processos cognitivos como
atenção e emoção. O avanço das ciências experimentais na metade do século XIX possibilitou
melhorias nos estudos das ciências da mente. Em 1880 o psicólogo alemão Hermann
Ebbinghaus desenvolveu o que talvez seja o primeiro experimento quantitativo para o estudo
da memória. Ele criou um sistema de sílabas e, utilizando a si próprio como sujeito
experimental, testou sua memória em diferentes intervalos de tempo para listas dessas sílabas.
Ele ainda testou o número de repetições que era necessário para memorizar as listas. A partir
do experimento de Ebbinghaus, foi possível perceber que a memória tem diferentes tempos de
duração e que a repetição faz com que ela persista por tempos mais longos. Posteriormente, o
americano Willian James apresentou uma distinção entre mecanismos de memória, sendo a
memória primária a que representaria os registros que duram de segundos a minutos,
enquanto a memória secundária aquela que poderia ser recuperada semanas ou anos depois.
(Squire & Kandel, 2003)
Um dos trabalhos mais influentes na pesquisa sobre a memória é o de Scoville e
Milner (1957). Neste trabalho é relatado o caso do famoso paciente amnésico H.M. que aos
nove anos de idade sofreu um traumatismo craniano em um acidente de bicicleta. Com isso
H.M. desenvolveu um grave quadro de epilepsia. Para controlar as graves crises convulsivas,
aos 27 anos, H.M. foi submetido à retirada cirúrgica da região medial do lobo temporal do
cérebro, local de origem das crises. H.M., apesar do relativo sucesso no controle das crises
convulsivas, a partir do momento de sua cirurgia, ele foi incapaz de converter uma memória
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de curta duração em memória de longa duração (amnésia anterógrada). H.M. não conseguia
reconhecer seus médicos quando entravam todos os dias no seu quarto para examiná-lo, ou
lembrar o que havia comido minutos antes no almoço, porém conservou a capacidade de
armazenar novas informações enquanto sua atenção não fosse desviada e também conservou
as memórias de longa duração formadas até pouco tempo antes do acidente, porém as
memórias mais recentes antes da cirurgia foram esquecidas (amnésia retrógrada). Estudos
realizados com esse paciente demonstram que havia um tipo de informação que ele podia
aprender e lembrar sem prejuízos: habilidades perceptuais e motoras, como desenhar olhando
por um espelho, adquiridas através do treino repetitivo. Seu desempenho nesse tipo de tarefa
era equiparável ao de pessoas normais, apesar de ele não se lembrar de ter realizado a tarefa
anteriormente. (Corkin, 1968; Corkin, 2002;) Henry Gustav Molaison, o H. M. morreu em 2
dezembro de 2008, aos 82 anos, e deixou-nos uma grande herança de conhecimentos sobre o
cérebro.
Após a investigação do caso H.M. ficou notória a existência de duas dicotomias em
relação à memória (Magila & Xavier, 1998). A primeira está relacionada com a duração do
traço de memória. A segunda diz respeito à natureza da informação processada e à forma
como a aprendizagem é evidenciada. Portanto, podemos dizer que a memória de longo prazo
pode ser dividida em dois sistemas: a memória não-declarativa, que é expressa como uma
mudança no comportamento, não como uma lembrança (Squire & Kandel, 2003); e a
memória declarativa que é a memória para fatos, ideias ou eventos. Esta última ainda pode ser
dividida em: memória semântica, que trata do conhecimento organizado do mundo e
impessoal; e memória episódica ou autobiográfica, que permite, além de identificar o evento,
saber quando e onde ele ocorreu (Tulving, 2002). Notamos então que o termo memória é
utilizado para designar uma ampla variedade de fenômenos que podem ser diferenciados pela
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sua expressão e que estão relacionados a diferentes estruturas neurais (Tulving, 1995; Squire
& Knowlton, 1995; Squire & Zola, 1996; Xavier, 1996).
Na investigação experimental da memória declarativa, freqüentemente são utilizados
os testes de recordação livre e o de reconhecimento. Tipicamente, em um teste de
reconhecimento, o sparticipante faz um julgamento ao ser confrontado com uma réplica ou
uma representação do material previamente estudado (Hintzman, 2000). Em ambos os casos,
o teste envolve uma etapa de codificação ou estudo, um intervalo de retenção (ou não, no caso
de testes imediatos) e o teste propriamente dito. As manipulações experimentais podem
ocorrer nessas diferentes etapas e podem ocorrer em relação às características dos itens como
cor, forma, localização e tempo de apresentação (Macken, 2002; MacKey et al. 2004) ou em
relação a estratégia utilizada durante a apresentação dos itens, como por exemplo, analisar o
valor monetário do item, o tipo de letra em que a palavra estava escrita (Grupusso, Lindsay &
Kelley, 1997), entre outros.
Dentre as teorias que buscam explicar os fenômenos relacionados à memória em um
teste de reconhecimento, algumas sugerem a existência de dois processos (dual-process)
(Jacoby, 1998; Yonelinas, 2002; Roediger e McDermott, 1995). Apoiados em dados de
estudos cognitivos, neuropsicológicos e de neuroimagem, referem esses processos como
recordação (Recollection) e familiaridade (Familiarity) (para uma revisão ver Yonelinas,
2002). A recordação necessitaria de uma codificação elaborada, mais atenção para codificar e
recuperar a informação, enquanto a familiaridade seria mais susceptível a interferências
proativas ou retroativas (Rugg & Yonelinas, 2003); a recordação seria um processo
conscientemente controlado, enquanto a familiaridade, um processo automático (Jacoby,
1998; Yonelinas, 2002). Para Tulving (2002), a recordação seria embasada pela memória
episódica, enquanto a familiaridade pela memória semântica. O pressuposto fundamental para
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compreensão dos fenômenos de recordação e familiaridade é a consideração de que estes são
independentes (Jacoby, 1991), de tal modo que manipulações experimentais podem produzir
alterações em um ou no outro, ou em ambos (Yonelinas, 2002; Kelley & Jacoby, 2000). Por
exemplo, dividir a atenção durante a codificação da informação reduz a recordação, mantendo
a familiaridade inalterada (Jacoby, 1998). Mudar o contexto da apresentação do estímulo (a
cor ou a posição em uma tela) também reduz a recordação, pouco alterando a familiaridade
(Macken, 2002), enquanto mudar a modalidade de apresentação do estímulo no teste (visual
para auditivo, por exemplo) reduz a familiaridade, mas não a recordação (Toth, 1996).
Outro paradigma tem sido utilizado para estudar os fenômenos envolvidos com a
memória é denominado de “remembering-knowing” (lembrar-saber) (Tulving, 1985). Trata-se
da experiência subjetiva vivenciada durante a recordação em um teste de reconhecimento. O
termo “Remembering” é utilizado para designar uma lembrança que remete a uma experiência
pessoal do passado, de modo que o evento pode ser identificado em relação ao tempo de sua
ocorrência e ao local em que ocorreu. Enquanto a recordação de um evento do passado que se
dá de modo impessoal, sem a consciência de detalhes a seu respeito, com um sentimento
abstrato de familiaridade, é denominado de “knowing” (Gardiner & Richardson-Klavehn,
2000).
Um importante aspecto investigado nas pesquisas de memória é sua relação com a
emoção. A emoção parece ser peça fundamental para a memória episódica e pode influenciar
a codificação, a consolidação ou a recuperação (Phelps, 2006; Barrett 2006). Sabemos que
estímulos emocionais são melhor lembrados do que estímulos neutros (Buchanan, 2006).
Entretanto, segundo LeDoux (2000), a subjetividade da emoção sempre foi um obstáculo para
a o uso da emoção como uma variável da investigação científica. No intuito de permitir a
introdução desta variável na pesquisa, Lang (1980) criou a escala SAM (self-Assesment
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Manikin). Essa escala permite classificar qualquer estímulo de acordo com o quanto ele é
emocional, partindo do ponto de vista subjetivo do participante da pesquisa. A escala SAM
divide a emoção em três dimensões principais: ALERTA, o qual varia do relaxante (baixo
alerta) ao estimulante (alto alerta); VALÊNCIA, que varia de positiva a negativa e
DOMINÂNCIA, que varia do completamente dominante (alta dominância) ao completamente
submisso (baixa dominância). Corroborando com a aplicabilidade da escala SAM para avaliar
itens, Bradley e Lang (1994) mostraram alta correlação da escala com respostas fisiológicas.
Essa Escala foi validada para o Brasil por Ribeiro, Pompéia e Bueno (2004 e 2005).
Entre os estímulos emocionais usado em testes de memória estão as palavras tabus.
Essas palavras são referentes a partes e produtos do corpo, ao sexo, insultos étnicos ou raciais,
profanidades, vulgaridade e escatologia (Jay, 1998). Palavras tabus são mais recordadas do
que neutras quando estudadas em listas mistas (MacKay & Ahmetzanov, 2005; Hadley &
MacKay, 2006; Buchanan et al. 2006). As pesquisas realizadas por Mackay e colaboradores
(MacKay etal. 2004; MacKay & Ahmetzanov, 2005; Hadley & MacKay, 2006) apontam que
estímulos alertantes alavancam reações emocionais que priorizam o processo de ligação
desses estímulos com o seu contexto, no que definem como a Teoria do priority-binding. Ou
seja, o sistema emocional dá alta prioridade à ligação do evento emocional ao seu contexto.
Outras ligações que poderiam ocorrer no mesmo instante são “adiadas” até que a ligação
emocional esteja completa. Isto é exemplificado em apresentações rápidas de listas de
palavras, nas quais a prioridade dos itens emocionais causa interferência na codificação de
itens neutros. Essa teoria é potencialmente consistente com estudos que mostram que pessoas
tendem a ter melhor memória para a cor e localização de itens emocionais do que de itens
neutros (MacKay et al., 2004)
Alguns autores (Talmi & Moscovitz, 2004; MacKay & Ahmetzanov, 2005)
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argumentaram que a vantagem no desempenho em testes com palavras tabus pode ser fruto da
alta coesão semântica inerente a este grupo de palavras, além de despertarem a atenção do
participante. Embora a emoção e a coesão semântica produzam melhora no desempenho da
memória, paradoxalmente elas também parecem gerar um efeito negativo, ao aumentar a
freqüência de falsas memórias (Roediger & McDermott, 1995; Mather, 2006). As falsas
memias referem-se ao fato de lembrarmos de eventos que na realidade não ocorreram (Stein
& Pergher, 2001).
Um dos primeiros estudos sobre falsa memória foi realizado por Barlett (1932) e
trouxe como principal contribuição a distinção entre a memória reprodutiva e a memória
reconstrutiva. A memória reprodutiva consistiria numa reprodução acurada da memória,
enquanto a memória reconstrutiva enfatizaria o processo ativo de preenchimento das
informações esquecidas da memória. Geralmente, o ato de lembrar materiais ricos em
significados (histórias ou contos da vida real) favorece o processo de reconstrução da
memória, enquanto que lembrar materiais mais simples (sílabas sem sentido ou listas de
palavras) favoreceria o processo reprodutivo da memória (Roediger & McDermott, 1995).
Deese (1959) constatou que a recordação livre de listas de palavras que possuíam uma relação
semântica poderia gerar intrusões extra-lista de palavras fortemente relacionadas às demais,
denominadas de palavras críticas. Por exemplo, numa lista composta pelas palavras cama,
travesseiro, lençol, pijama, noite, etc. a palavra SONO é um item crítico geralmente recordado
como pertencente à lista, formando uma falsa lembrança. Underwood (1965) utilizou um
protocolo também envolvendo palavras associadas semanticamente, porém com testes de
reconhecimento, no qual os sujeitos deveriam julgar se a palavra apresentada tinha sido vista
ou não na lista previamente estudada. Este estudo mostrou que palavras associadas às
previamente apresentadas eram falsamente reconhecidas - fenômeno também chamado de
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alarme falso. Roediger & McDermott (1995) ampliaram esses resultados, desenvolvendo um
modelo com listas de palavras associadas semanticamente que produziam um grande número
de falsas memórias. Esse procedimento ficou conhecido como paradigma Deese-Roediger-
McDermott (DRM) e é amplamente utilizado no estudo das falsas memórias.
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INTRODUÇÃO AO TEMA DOS EXPERIMENTOS
Evidências experimentais indicam que estímulos emocionais são mais lembrados do
que estímulos neutros, independente se são figuras (Bradley et al., 1992), sons (Bradley &
Lang, 2000), experiências autobiográficas (Rubin & Chulkind, 1997) ou palavras (Kleinsmith
& Kaplan, 1963; La Bar & Phelps, 1998; Buchanan et al., 2006). Um dos possíveis
mecanismos para esse efeito refere-se ao alerta induzido por um estímulo emocional, o qual
direcionaria o foco da atenção (Phelps, 2006). Por exemplo, resultados do teste de stroop
(MacKey et al., 2004), indicam que o tempo de reação para palavras tabus é maior do que
para palavras neutras e que isto se correlaciona com melhor desempenho em testes de
memória. Isso aconteceria devido ao alerta emocional que causaria maior captação dos
recursos atencionais do indivíduo para os itens emocionais, favorecendo a recordação destes
no momento do teste.
Especificamente, em testes com palavras emocionais, o melhor desempenho de
memória também pode ser devido ao fato destas apresentarem alta relação semântica se
comparadas com palavras neutras, ou seja, elas tenderiam a ser associadas entre si, formando
um grupo semântico coeso (Talmi & Moscovitz, 2004; Bucahanan et al., 2006). Por exemplo,
palavras como morte, sofrimento, tristeza e dor possuem uma forte relação,
independentemente do alerta emocional que elas proporcionam. Segundo a Teoria de Collins e
Loftus (1975), os significados das palavras estariam organizados numa rede semântica na qual
cada palavra representaria um nó e estaria conectada a outras por meio de suas semelhanças.
Por exemplo, em uma rede semântica, a palavra dor estaria mais próxima da palavra morte do
que da palavra bicicleta. Acredita-se que quando um nó da rede é ativado, os demais também
sofrem algum tipo de ativação. Possivelmente, a coesão semântica melhoria o desempenho da
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memória por diminuir os parâmetros de busca no momento da recuperação da informação
(Tulving & Pearlstone, 1966). Mather (2009) argumenta que, para além da proximidade de
significado inerente a um grupo de palavras emocionais, o aspecto emocional poderia se
constituir no elemento de categorização, conferindo coesão às palavras emocionais. Por
exemplo, no dicionário, a palavra dor pode significar expressão ou manifestação do
sofrimento físico ou moral, denunciando a relação semântica entre as palavras dor e
sofrimento. Por outro lado, ambas as palavras também desencadeiam reações emocionais,
podendo ser este o fator de associação entre elas.
Na tentativa de identificar separadamente a contribuição do efeito do alerta emocional
e da coesão semântica sobre o desempenho da memória, Buchanan e colaboradores (2006)
realizaram testes de memória com palavras que formavam quatro diferentes grupos. Palavras
neutras não relacionadas e pouco alertantes, palavras relacionadas ao tema escolar e pouco
alertantes, palavras desagradáveis moderadamente alertantes e palavras tabus altamente
alertantes. As palavras do grupo tabu foram significativamente mais recordadas do que todos
os demais grupos, enquanto as do grupo escolar foram mais recordadas do que as neutras,
levando os autores a sugerir que o alerta emocional e a coesão semântica contribuem
aditivamente para o melhor desempenho da memória.
Entretanto, paradoxalmente, a coesão semântica pode produzir um efeito negativo de
interferência. A recuperação de uma informação em testes de memória envolve o uso de dicas,
oferecidas pelo pesquisador ou elaboradas pelo sujeito na sua estratégia de codificação. Uma
dica é qualquer coisa relacionada ao item estudado, incluindo sua própria reapresentação
(Hintzman, 2000) ou conceitos incidentais apreendidos dele, por exemplo, sua categorização
(Lockhart, 2000). Em muitas situações, uma mesma dica pode servir a vários itens estudados,
tornando-os competidores para o evento de recordação (Anderson et al., 1994). Paradigmas
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experimentais demonstram que a dica pode produzir interferência no processo de recuperação.
No paradigma da dica de parte da lista ou parte do set (part-list or part-set cuing), um
conjunto de itens relacionados semanticamente é apresentado para o estudo e na fase de
recordação, um dos itens é utilizado como dica para a recordação dos demais
(Roediger,1973). Este fato resulta em piora no desempenho, comparado ao controle,
sugerindo que a dica pode inibir a recordação dos demais itens da lista. Grande parte dos
estudos nessa área envolve o paradigma do par-associado, no qual um elemento é utilizado
como dica para a recordação de seu par (Anderson & Neely, 1996). Por exemplo, no par fruta-
laranja, a dica “fruta” elicia a recordação de “laranja”. Anderson e colaboradores (1994)
utilizaram listas com pares “categoria-exemplar” e, para algumas das listas, foi realizada uma
prática da resposta. Para a lista: fruta-laranja, fruta-banana, fruta-manga, fruta-goiaba, etc.,
um par foi escolhido para treinar a resposta. Neste treino, foi utilizado o radical do exemplar
para servir como dica: fruta-la_____. A recordação propriamente dita era realizada após o
treinamento. Nessa fase, em resposta a dica da categoria praticada, os participantes sempre
recordavam o exemplar praticado (laranja), mas quase nada dos demais, efeito que não ocorria
com as categorias não praticadas, sugerindo que a lembrança durante o treinamento pode ter
induzido o esquecimento no teste (retrieval-induced forgetting).
Memórias emocionais também podem sofrer o efeito da interferência (Mather, 2009),
seja em função da dica (Bäulml & Kuhbander, 2003), seja do esquecimento induzido pela
recordação (Barnier et al., 2004). Contudo, esse efeito só ocorre se, no procedimento do teste,
o aspecto emocional for identificado como categoria saliente, conforme demonstrou Sison e
Mather (2007). Esses autores utilizaram 16 figuras que representavam os grupos: medo-
pessoa, medo-animal, diversão-pessoa e diversão-animal. Todos os participantes da pesquisa
viram as 16 figuras, mas metade deles recebeu a instrução de que iriam ver figuras
16
relacionadas a medo ou diversão (categorização pela condição emocional), enquanto para as
demais, a instrução foi de que veriam figuras de animais ou pessoas (categorização pelo ator
da ação). Em seguida, os sujeitos foram organizados em vários subgrupos conforme o tipo de
dica para a recordação dos itens. A dica foi introduzida por meio de um treinamento para a
recordação. Nesse treino, o pesquisador apresentava uma palavra relacionada a um dos grupos
de figura (por exemplo, palhaço para a categoria diversão-pessoa) e era solicitado ao sujeito
que ele lembrasse mentalmente da imagem. A seguir, a imagem lembrada era apresentada.
Dez minutos após esse treino, era solicitado ao sujeito que tentasse recordar os itens
estudados. Os resultados indicaram que o efeito da interferência da dica só ocorria se fosse
correlacionado ao tipo da instrução recebida. Participantes instruídos a ver o ator da ação
(pessoas ou animais), recordavam bem a categoria treinada de pessoa-diversão, mas tinham
desempenho ruim na de pessoa-medo, não havendo prejuízo nas outras categorias, sugerindo
que a recordação do palhaço durante o treino prejudicou a recordação de outros “atores”,
independente de sua emoção. Já aqueles instruídos a ver a condição emocional (medo ou
diversão), tiveram prejuízo em recordar a categoria animal-diversão, não havendo prejuízo
nas demais categorias. Desse modo, os autores sugerem que o efeito do part-set cuing
depende não somente da relação semântica entre os estímulos, mas também de qual esquema
de categorização é mais saliente no contexto da pesquisa, nesse caso, da instrução fornecida
ao participante.
Os resultados dos testes de recordação livre do trabalho de Buchanan e colaboradores
(2006) contribuem para a ideia de que a categoria emocional é favorecida pelo alerta, que por
sua dirige os recursos cognitivos para a codificação desse tipo de item, deste modo
aumentando sua possibilidade de recordação, e também pela coesão semântica, uma vez que a
recordação de um item dessa categoria favoreceria a ativação de outros na mesma rede,
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resultando em mais palavras recordadas nessa categoria.
Em testes de reconhecimento de palavras, a reapresentação dos itens constitui-se em
uma dica (que pode ser o próprio item). Nesse caso, a questão é discriminar alvos de outros
itens distratores. Também aqui o alerta é fundamental, e palavras emocionais são melhor
discriminadas do que neutras (Hadley & MacKey, 2006). Entretanto, o efeito da coesão
semântica pode ser positivo ou negativo. O reconhecimento de itens alvos (ou velhos) em
listas com relação semântica é maior, comparado a uma lista de itens não relacionados
(observado pela medida de acerto da lista), ou seja, a coesão semântica estaria favorecendo a
memória. Entretanto, há aumento na frequência de ocorrência de alarmes falsos, ao
reconhecer itens novos como velhos (Roediger & McDermott, 1998), o que indica prejuízo na
discriminação dos alvos.
O reconhecimento de alvos ou distratores é em essência um teste de julgamento
(Hintzman, 2000). A teoria do processamento duplo (dual-process) propõe que esse
julgamento tem como base a familiaridade ou a recordação (recollection) (para uma revisão
ver Yonelinas, 2002). A recordação necessitaria de uma codificação elaborada e mais atenção
para codificar e recuperar a informação, seria um processo conscientemente controlado,
enquanto a familiaridade seria mais susceptível às interferências proativas ou retroativas,
funcionando como um processo automático (Jacoby, 1998; Yonelinas, 2002; Rugg &
Yonelinas, 2003). Esse último processo seria o responsável pelo aumento da freqüência de
alarme falso em listas com coesão semântica. Pelo paradigma DRM (Roediger & McDermott,
1995; McDermott & Watson, 2001), a probabilidade da produção de falsas memórias em
listas de associados semânticos decorreria também de dois processos: ativação e
monitoramento. O primeiro seria automático, rápido e não controlado, correspondendo a uma
disseminação da ativação dentro de uma rede de conceitos semanticamente relacionados,
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tornando mais fácil o acesso aos itens dessa rede. O segundo seria mais controlado e
dependente da atenção, podendo influenciar se a ativação resultaria em uma falsa memória ou
não.
Nesse sentido, o alerta desencadeado por itens emocionais poderia favorecer a
alocação de recursos, permitindo uma codificação elaborada e também o melhor
monitoramento atencional durante o reconhecimento dos itens, realizando o controle
inibitório de itens distratores, independente do tempo disponível para essas etapas, já que
esses recursos poderiam ser retirados dos demais itens (MacKey et al., 2004; Hadley &
MacKey, 2006). Contudo, o efeito da coesão semântica sobre o reconhecimento e a
discriminação dos itens poderia depender do contexto do teste. Por exemplo, nos casos em
que o tempo para codificação seja curto, os processo automáticos podem ser favorecidos e
itens associados numa rede semântica poderiam ser ativados.
Na pesquisa realizada por Buchanan e colaboradores (2006), observamos que o efeito
aditivo do alerta emocional e da coesão semântica obtidos nos resultados do teste de
recordação livre não foram exatamente reproduzidos no teste de reconhecimento. Conforme a
tabela 2 desse texto (Buchanan et al., 2006, p. 29), o reconhecimento de palavras tabu foi
significativamente melhor em comparação às neutras e às desagradáveis, mas não houve
diferença em relação às palavras escolares. Também não foi identificada diferença
significativa entre o reconhecimento das palavras escolares e as demais, embora tenha sido
indicada uma tendência estatística (p=0,076). Contudo, alguns aspectos podem ter contribuído
para esse resultado. Conforme descrito no procedimento da pesquisa, nenhuma informação a
respeito de categorias de palavras foi informada aos participantes. O processo de
categorização das palavras durante o estudo, desse modo, não foi controlado, o que pode ter
tornado as categorias desequilibradas em relação à coesão semântica. O tempo de estudo de
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cada item variou de sete até aproximadamente oito segundos, incluindo o intervalo do inter-
estímulo. O maior tempo para codificação pode ter permitido melhor elaboração da
codificação, o que poderia ter mascarado os efeitos decorrentes de processos mais
automáticos. Por fim, após a fase de estudo, os participantes realizavam um teste imediato de
recordação livre, uma hora após, um teste tardio e só então realizavam o teste de
reconhecimento, mais um mecanismo que pode ter favorecido à elaboração da codificação.
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OBJETIVO GERAL
No presente estudo buscamos investigar o efeito da coesão semântica sobre a
discriminação de itens emocionais (palavras tabus) em testes de memória de reconhecimento
imediato, comparando o desempenho dessa categoria ao de palavras de outras duas categorias
consideradas neutras: uma com relação semântica e a outra sem relação. Realizamos dois
experimentos, sendo que no primeiro, não houve controle a respeito das categorias de
palavras, enquanto no segundo, na instrução aos participantes, todas as categorias foram
informadas.
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Experimento 1
OBJETIVO
Investigar o efeito da coesão semântica sobre a discriminação das palavras tabus em
testes de memória de reconhecimento imediato comparando aquela de palavras de outras duas
categorias: com relação semântica e sem relação.
MÉTODOS
Participaram da pesquisa 20 estudantes da Universidade Federal do Rio Grande do
Norte entre 18 e 25 anos (com igual número de homens e mulheres) e que assinaram o termo
de consentimento livre e esclarecido para integrar a pesquisa. Atendendo aos procedimentos
éticos, os participantes foram informados de que entre as palavras haveria palavrões. A
pesquisa foi avaliada e aprovada pelo Comitê de Ética da UFRN. Todos os participantes
tinham boa acuidade auditiva, garantindo a compreensão das palavras reproduzidas pelos
fones de ouvido, além disso, todos os voluntários utilizaram a mão dominante para responder
os testes no computador.
Foram utilizadas duas listas com 21 palavras cada, totalizando 42 palavras (Apêndice
A). Cada lista continha sete palavras tabus (categoria emocional), sete nomes de frutas
(categoria com relação semântica) e sete nomes de objetos comuns com baixa relação
semântica entre eles (categoria neutra sem relação semântica). Uma lista constituiu as
palavras-alvo enquanto a outra serviu como distratores. Buscamos equilibrar as palavras em
relação ao número de sílabas e de letras entre as categorias e entre alvos e distratores. As
palavras tabus foram selecionadas a partir do Dicionarinho do Palavrão & Correlatos
22
(Mattoso, 2005), evitando-se a ocorrência de sinônimos. Para confirmar o caráter tabu das
palavras utilizadas na categoria emocional, após o teste de memória, foi solicitado aos
participantes que avaliassem cada uma das palavras utilizadas numa escala de crescente de
proibição de 1 a 5. Os resultados foram analisados por uma ANOVA para efeito da categoria
da palavra e indicaram que as palavras tabus (média: 4,40; desvio padrão 0,32) foram
consideradas significativamente mais proibidas do que as demais [F(2,38)=1441,46; p<0,01;
post hoc Bonfferoni p<0,01]. Não houve diferença entre as palavras neutras (média: 1,02;
desvio padrão 0,06) e semânticas (média: 1,06; desvio padrão 0,06).
Os testes foram realizados utilizando um computador, por meio do programa
SuperLab 4.5, e cada palavra foi apresentada auditivamente aos participantes com o auxílio de
fones de ouvido. Na instrução, o participante foi informado de que escutaria uma lista de
palavras e deveria prestar bastante atenção, pois em seguida, deveria realizar um teste de
reconhecimento de palavras. Cada palavra foi apresentada por cerca de um segundo seguida
imediatamente da outra em sequência aleatória. Ao final da reprodução da lista-alvo, foi
informado ao participante que ele iria ouvir novamente uma palavra por vez, algumas delas
ele acabara de escutar e outras não. Instruiu-se que o sujeito deveria utilizar o teclado do
computador e apertar a tecla “V” (velho) quando escutasse palavras que faziam parte da lista
ouvida anteriormente, ou então “N” (novo) para as palavras que não haviam sido escutadas
anteriormente. Todo o procedimento do teste durou cerca de 20 minutos.
Com as respostas fornecidas pelos sujeitos, foram obtidas a taxa de acerto da lista
(AL) e a taxa de alarme falso (AF). Por meio dessas duas taxas, foi obtido o índice de
discriminação (Pr) (Snodgrass e Corwin, 1988). O índice de discriminação (Pr) é uma medida
de exatidão da memória de reconhecimento. Consiste na probabilidade de um item cruzar o
limiar de reconhecimento e ser reconhecido corretamente, seja com acertos positivos
23
(responder “sim” para itens apresentados anteriormente), seja com rejeições corretas
(responder “não” para itens não apresentados anteriormente). O cálculo do índice Pr envolve
o cálculo sobre a probabilidade de ocorrer acertos positivos e falsos positivos (responder
“sim” para itens não apresentados previamente).
Pr = [(AL + 0,5)/ (nD) +1] - [(AF + 0,5)/ (nD) +1]
Para cada participante, obtivemos as medidas de AL, AF e PR para cada categoria de
palavras. Comparamos as medidas entre as categorias de palavras através da ANOVA de
medidas repetidas, com testes confirmatórios posteriores de Bonfferroni, utilizando o SPSS.
Do mesmo modo, o tempo de resposta de cada participante para cada item do teste foi reunido
em médias considerando a categoria da palavra e ao tipo do item (distrator ou alvo).
Comparamos os tempos de resposta entre as categorias das palavras e entre os tipos de itens
também através de ANOVA de medidas repetidas, com testes confirmatórios posteriores de
Bonfferroni, utilizando o SPSS. Estes também foram os testes utilizados para a comparação
entre as médias de avaliação de quanto cada palavra era tabu. Na comparação entre os
resultados de homens e mulheres, utilizamos ANOVA, considerando o AL, o AF e o PR de
cada categoria de palavras e no conjunto delas como medidas dependentes.
24
RESULTADOS
Não houve diferença significativa entre os resultados de homens e mulheres tanto
para o índice Pr [F(2,36)=0,181; p=0,83], o AL [F(2,36)=0,366; p=0,69] e o AF
[F(2,36)=0,181; p=0,83]. Os dados foram sumarizados na Tabela 1. A análise da taxa de
acerto das respostas no teste de reconhecimento indicou um efeito significativo da categoria
da palavra [F(2,38)=17,285; p<0,01]. O AL da categoria emocional foi maior do que a da
semântica [p=0,02] e da neutra [p<0,01], enquanto o da semântica foi maior do que a neutra
[p=0,05]. Também houve efeito da categoria na análise do AF, sendo essa medida maior para
as palavras semânticas do que as outras duas categorias [F(2,38)=8,912; p<0,01; Tabu: p<0,01
e Neutra: p=0,04], não havendo diferença entre as outras duas categorias. Por sua vez, a
análise do PR refletiu os resultados anteriores, ocorrendo efeito principal da categoria
[F(2,38)=13,281; p<0,01], sendo as palavras tabus mais discriminadas do que as demais
categorias, [Semântica: p<0,01 e Neutra: p<0,01]. Não houve diferença significativa entre a
categoria semântica e a neutra.
A resposta para as palavras distratoras foi mais demorada do que para as palavras
alvo [F(1,19)=7,669; p=0,01]. O tempo de resposta também variou conforme a categoria
[F(2,38)=9,341; p<0,01], sendo a resposta mais demorada para as palavras tabus [p=0,01]. A
interação entre tipo do item e categoria só foi significativa no caso dos alvos, novamente com
palavras tabus levando mais tempo para a resposta do que as demais.
25
DISCUSSÃO
Para analisar o efeito da coesão semântica sobre a discriminação de palavras tabus em testes
de reconhecimento, submetemos os participantes a uma lista com 21 palavras divididas em
três categorias (tabus, semânticas e neutras) na expectativa de obter melhor desempenho para
as tabus, seguida das semânticas e estas melhores do que as neutras. Isto concordaria com os
resultados de Buchanan e colaboradores (2006) que indicaram efeito aditivo do alerta
emocional e da coesão das palavras sobre o melhor desempenho da recordação de palavras
tabus. Na análise do AL de nossos testes de reconhecimento, este foi exatamente o resultado
obtido. Entretanto, a análise do índice de discriminação (PR), indicou que as palavras alvo
semânticas e neutras foram igualmente discriminadas e em menor escala do que as tabus. Esse
resultado foi devido ao maior número de AF produzido pelas palavras semânticas, em relação
às demais categorias.
A melhor discriminação das palavras tabus sugere que o alerta emocional produzido por essas
palavras foi a variável que mais contribuiu para o desempenho. Conforme a teoria da
prioridade atencional (priority binding) (MacKey et al., 2004; Mather, 2007), estímulos
emocionais alertantes atraem o foco da atenção e favorecem o processo de codificação, entre
outros, por permitir maior ensaio do item. Esse efeito da atração da atenção pode ser
observado também no momento do teste. Nossos resultados do tempo de resposta maior para
as palavras tabus indicaram que os participantes gastaram mais tempo para responder às
palavras tabus do que as demais. Esse maior tempo na escolha da resposta pode ter favorecido
ao mecanismo de reconhecimento baseado na recordação (recollection) (Yonelinas, 2002), por
sua vez reduzindo a possibilidade de julgamento equivocado, já que as palavras tabus
constituem uma categoria semântica coesa, inibindo o aumento do número de alarmes falsos.
26
Considerando esse raciocínio, quando comparamos nossos resultados aos obtidos por
Buchanane colaboradores (2006), podemos cogitar que o maior tempo para ensaio durante a
codificação tenha relação com os baixos valores de AF obtidos para a categoria de palavras
tabu e de semântica no trabalho citado acima. Além disso, esses autores realizaram dois testes
de recordação livre antes do teste de reconhecimento. Esta repetição dos testes pode ter
servido como uma nova oportunidade de ensaio dos itens recordados, favorecendo seu
reconhecimento posterior. Estudos demonstraram que a reapresentação da lista aumenta o
acerto e reduz o alarme falso (Raticlif & Murdock, 1976; McKhone & Murphy, 2000).
O fato de a discriminação de palavras semânticas não ter sido superior a de itens
neutros nos sugere que a coesão dessas palavras pode ter prejudicado o desempenho.
Diferentemente dos testes de recordação livre, no reconhecimento, o participante tem que ser
capaz de discriminar entre alvos e distratores. Nesse caso, o fato de um item ativar a rede de
associados semânticos exigiria controle inibitório suplementar para eliminar associados que
constituíam em distratores. A literatura indica que a redução do tempo de apresentação dos
itens pode dificultar o reconhecimento baseado na recordação (recollection), enquanto
mantém inalterado aquele baseado na familiaridade (Hay & Jacoby, 1996; Jacoby, 1998).
Mas, no caso de nosso estudo, não houve diferença entre itens em relação ao tempo de
exibição, de modo que isso não explicaria esse resultado. No entanto, esse mesmo efeito é
obtido em testes que dividem a atenção durante a codificação (Jacoby, 1998). Embora não
tenhamos trabalhado com a divisão de atenção, tem sido sugerido que a prioridade do item
emocional pode ocorrer à custa do recurso de codificação de outros itens presentes em uma
lista (MacKey et al., 2004; Hadley & MacKey, 2006). Então, é possível que o maior ensaio
das palavras emocionais tenha competido com o ensaio das demais palavras, forçando estas a
27
uma codificação mais superficial.
Neste ponto, cabe ressaltar que tanto palavras semânticas quanto neutras sofreram a
competição pela codificação, mas é possível que no caso da primeira categoria tenha ocorrido
uma interferência da coesão semântica, gerando o aumento do AF. O efeito de listas
semânticas sobre a produção de falsas memórias e AF tem sido estudado a partir do
paradigma do DRM (Underwood, 1965; Roediger & McDermott, 1995; McDermott &
Roediger, 1998; Hicks & Marsh, 1999; Stein & Pergher, 2001). Segundo Hicks e Marsh
(1999), a geração de falsas memórias nesse paradigma decorre do uso da similaridade
semântica como um atributo de identificação para a fonte de origem do item, ou seja, para a
recordação ou reconhecimento do item. No nosso caso específico, acreditamos que os
participantes identificaram os nomes das frutas como uma categoria semântica. Contudo, o
momento em que ocorreu essa identificação certamente variou de indivíduo a indivíduo. Em
alguns casos, ela pode ter ocorrido após a apresentação de vários itens dessa categoria que,
por sua vez, não se beneficiaram da identificação dessa relação (o pertencimento a uma
categoria) como uma dica para seu reconhecimento. Durante o teste, o fato de ter, em algum
momento, identificado a categoria semântica de frutas na lista, pode ter levado os
participantes a aceitarem engodos baseados puramente na familiaridade.
A atribuição da categoria semântica é fundamental para nossa análise. Conforme
apontado por Sison e Mather (2007), mesmo itens emocionais podem não ser tratados
enquanto uma categoria. Durante a explicação da pesquisa, para a assinatura do protocolo
ético (Termo de Consentimento Livre e Esclarecido), dispersa entre outras informações, foi
dito ao participante que haveria palavrões entre as palavras. Mas, na instrução do teste
propriamente dito, informou-se que ele escutaria palavras, genericamente. É possível que
alguns participantes tenham considerado as palavras tabus como uma categoria semântica,
28
enquanto outros não. Desse modo, buscando uniformizar essa variável, realizamos um novo
experimento no qual todas as categorias presentes foram claramente explicitadas aos
participantes.
29
Experimento 2
OBJETIVO
Investigar o efeito da coesão semântica sobre a discriminação das palavras tabus em
testes de memória de reconhecimento imediato, explicitamente instruindo os participantes a
agruparem as palavras em uma das três categorias semânticas: palavrões, frutas ou objetos.
METODOLOGIA
Participaram da pesquisa 21 estudantes universitários (11 homens) entre 18 e 30 anos e
que assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido para integrar a pesquisa. Os
participantes desse experimento não haviam participado do experimento 1, nem de nenhuma
outra pesquisa realizada em nosso laboratório. O processo de convite dos voluntários foi o
mesmo do experimento 1.
O total de palavras nas listas, a divisão de categorias e o balanceamento seguiu os
mesmos princípios do experimento 1 (Apêndice A). Quatro palavras foram adicionadas como
buffers, duas no início e duas no final da lista-alvo, sendo desconsideradas para efeito de
análise. Repetindo o experimento 1, ao final dos testes, foi solicitado aos participantes que
avaliassem cada uma das palavras utilizadas. Desta vez, utilizamos a escala de alerta SAM
(Self-Assesment Manikin) (Lang, Bradley & Cuthbert, 1990) que contém nove pontos.
Segundo Mather (2007), o alerta é o fator mais importante no direcionamento emocional da
atenção. Diante desse argumento e conciliando o tempo de realização do teste, optamos por
avaliar apenas a dimensão do alerta das palavras utilizadas. As palavras tabus(média: 6,95;
desvio padrão: 0,23) foram avaliadas como mais alertantes do que as demais categorias
30
[F(2,40)=105,572; p<0,01; post hoc Bonfferoni p<0,01] e não houve diferença entre as
palavras neutras(média: 3,29; desvio padrão: 0,26) e as semânticas(média: 3,05; desvio
padrão: 0,26).
O procedimento do teste foi o mesmo do experimento 1, exceto pela instrução. Antes
de começar o experimento, o participante foi informado de que escutaria uma lista de palavras
e deveria prestar bastante atenção, pois em seguida, deveria realizar um teste de
reconhecimento de palavras. Ele foi informado de que escutaria uma lista de palavras que
poderiam pertencer a uma das três categorias: palavrões, frutas ou objetos. Antes de iniciar o
teste de reconhecimento, as mesmas instruções do experimento 1 foram fornecidas e
novamente foi indicado que o participante poderia ouvir palavras pertencentes a uma das três
categorias: palavrões, frutas ou objetos. As mesmas medidas de desempenho foram obtidas e
também foram realizados os mesmos testes estatísticos do experimento 1. Adicionalmente,
realizamos testes T de comparação de médias para amostras independentes para comparar os
resultados dos dois experimentos. Devido a uma falha no planejamento do programa
utilizado, só foi possível obter o tempo de resposta no teste para nove sujeitos.
RESULTADOS
Os resultados não diferiram em relação ao sexo tanto para o índice Pr
[F(2,38)=0,967; p=0,38], o AL [F(2,38)=1,588; p=0,21] e o AF [F(2,38)=0,169; p=0,84].
Assim como no experimento 1, a categoria emocional foi melhor discriminada
[F(2,40)=9,331; p<0,01] do que a semântica [p<0,01] e a neutra [p<0,01] e não houve
diferença entre as duas últimas (Tabela 1). Os demais resultados diferiram do experimento 1.
Em relação ao AL, as categorias diferiram [F(2,40)=24,295; p<0,01], mas essa diferença só
31
foi significativa para a categoria emocional em relação às duas outras [p<0,001 nas duas
comparações], não havendo diferença entre a categoria semântica e a neutra. Já os resultados
do AF foram semelhantes para todas as categorias (tabela 1).
Considerando os dados de nove dos participantes no experimento 2, o resultado das
análises do tempo de resposta foram semelhantes às do experimento 1: os alvos foram
respondidos mais rapidamente do que os distratores [F(1,8)=12,615; p=0,01] e houve efeito
da categoria [F(2,16)=7,335; p=0,01] (Tabela 1). Entretanto, nos testes confirmatórios, a
diferença só foi significativa na comparação da categoria emocional com semântica [p=0,01],
sendo o tempo de resposta maior para a primeira.
Comparando os resultados do experimento 1 com os do experimento 2, identificamos
diferenças significativas em relação ao AL da categoria semântica, que foi menor no segundo
caso [t(39)= 2,16; p=0,04], e ao AF das categorias emocional e neutra, que foram mais
elevados no experimento 2 [t(39)= 2,47; p=0,02 e t(39)= 2,03; p=0,05, respectivamente].
Também houve diferença significativa em relação ao tempo de resposta para alvos [t(27)=
2,41; p=0,02], para alvos emocionais [t(27)= 5,48; p<0,01] e para palavras emocionais no
conjunto de alvos e distratores [t(27)= 2,37; p=0,03].
DISCUSSÃO
O objetivo da realização desse experimento foi tentar nivelar as palavras utilizadas
em relação a uma atribuição de conjunto semântico, principalmente no caso das palavras
emocionais (Sison & Mather, 2007). Essa padronização não implicou em modificação dos
resultados relativos à discriminação das categorias, sendo as palavras tabus melhor
discriminadas do que as demais e não ocorrendo diferença significativa entre semânticas e
neutras. Contudo, a principal diferença identificada foi referente ao número de AF. O
32
tratamento das palavras tabus enquanto categoria aumentou significativamente o AF em
relação ao experimento 1. É possível que a indicação da categoria tenha induzido aos
participantes solucionarem o teste apenas com base na regra de pertencer ou não a uma dada
categoria. Dois aspectos, que discutiremos a seguir, apóiam essa ideia: a redução do tempo de
resposta para alvos, principalmente da categoria emocional, e o maior número de AF para a
categoria objeto, cujas palavras não haviam sido tratadas como categoria no experimento 1.
Em relação ao primeiro aspecto, nossos dados se ajustam bem a ideia de uma
disseminação de ativação de conceitos relacionados (Roediger & McDermott, 1995;
McDermott & Watson, 2001). A similaridade entre os alvos e distratores de uma mesma
categoria semântica permitira o acesso mais fácil. A redução no tempo de resposta para os
alvos pode ser uma evidência disto. Essa facilidade ou automaticidade de acesso é equivalente
ao que Jacoby (1998) denomina de fluência ou familiaridade que, por sua vez, está associada
à produção de AF. Já o AF da categoria objeto parece fornecer uma importante evidência da
utilização da dica da categoria como uma regra para as respostas no teste. Embora
teoricamente essas palavras foram consideradas não relacionadas ou pouco relacionados
semanticamente, a própria consideração enquanto categoria, ou seja, todas eram objetos, por
si só já provê indícios de mecanismos de associação entre elas. É possível que os participantes
tenham buscado toda sorte de relacionamento que pudesse agrupá-las enquanto uma
categoria. Guinther e Dougher (2010) mostraram que era possível tratar grupos de palavras
não relacionadas como uma categoria e ainda produzir falsas memórias a partir delas.
Realizando um treinamento prévio que consistia em formar listas de palavras não
relacionadas, foi possível perceber que o efeito da falsa memória ocorria por meio da
interação entre as palavras geradas durante o treino, sugerindo que a relação semântica pode
ser experimentalmente manipulada.
33
No DRM, mesmo quando os participantes são alertados para terem cuidado com a
produção da falsa memória, o AF ocorre; se forem informados detalhadamente antes do início
do estudo, o AF diminui, mas ainda ocorre (McDermott & Roediger, 1998; Gallo et al., 2004).
McDermott e Watson (2001) argumentam que o efeito de ativação da rede semântica pode
ocorrer tanto na codificação quanto na recuperação. Desse modo, no teste, palavras associadas
poderiam apresentar maior facilidade de processamento e, combinada com a regra da
categoria, ser reconhecidas falsamente como pertencentes à lista. Especificamente no DRM, a
falsa memória é testada a partir de um único distrator crítico, fortemente associado às palavras
alvos. No nosso caso, igual número de alvos e distratores relacionados a uma categoria foram
utilizados, tornando a tarefa ainda mais complexa.
Um importante aspecto destacado por Roediger e McDermott (1999) a respeito do
alerta para a ocorrência da falsa memória é que ela parece tornar os participantes mais
conservadores em suas respostas, resultando em redução do acerto da lista (cf. McDermott &
Roediger, 1998; Gallo et al., 2004). Esse efeito foi observado em relação às palavras da
categoria semântica, comparativamente ao experimento 1. Por outro lado, os itens emocionais
continuaram sendo mais reconhecidos e discriminados do que os demais, embora na
comparação entre os experimentos, o PR dessa categoria tendeu a ser menor no segundo
estudo [t(39)= 1,75; p=0,09]. Contudo, o melhor desempenho, ainda que na condição de um
critério mais rigoroso, pode ser compreendido a partir da prioridade de codificação decorrente
do alerta emocional (MacKey et al., 2004; Hadely & MacKey, 2006).
34
DISCUSSÃO GERAL
Buchanan e colaboradores (2006) sugeriram que o alerta emocional e a coesão
semântica atuavam aditivamente para proporcionar melhor desempenho da memória.
Contudo, em pesquisas envolvendo listas relacionadas semanticamente, principalmente
aquelas com o paradigma DRM (Roediger & McDermott, 1995), essa coesão estava no centro
da discussão sobre a geração de falsas memórias. A aparente contradição entre esses dois
aspectos levou-nos a repensar a contribuição da coesão semântica para o desempenho da
memória em testes de reconhecimento com palavras alertantes.
No primeiro experimento, a partir da análise comparativa com palavras agrupadas
em uma categoria semântica não alertante (frutas), observamos que a coesão atuava tanto
positivamente (aumentando AL) quanto negativamente (aumentando AF), tanto que a
discriminação desse tipo de palavra foi inferior ao daquelas da categoria emocional.
Entretanto, Sison e Mather (2007) haviam alertado que efeitos de interferência provenientes
do fato de itens emocionais apresentarem coesão semântica só poderiam ser obtidos quando a
emoção fosse explicitamente considerada uma categoria. Desse modo, realizamos um novo
experimento (2) no qual padronizamos as instruções de modo a garantir que todas as palavras
pudessem ser incluídas em uma categoria semântica.
Nossa interpretação para os resultados obtidos sugere que, ao menos para testes de
reconhecimento e com listas mistas, o efeito da coesão semântica é mais prejudicial do que
benéfico. O prejuízo foi claramente demonstrado através das palavras da categoria semântica,
cuja discriminação não diferiu das palavras tidas como neutras ou de baixa associação
(categoria objeto), tanto no experimento 1 quanto no 2. Mas também pôde ser observado na
categoria emocional, uma vez que mais registros de AF foram obtidos e a discriminação
35
desses itens tendeu para um índice menor no experimento 2, comparado ao 1. Desse modo, o
melhor desempenho para essa categoria comparado as das demais se justifica a partir do efeito
do alerta que atrai o foco da atenção permitindo maior codificação daquele item (Mather,
2007).
Para inferir o prejuízo da coesão semântica, tomamos como premissa o fato dos
participantes terem considerado as palavras tabus enquanto uma categoria semântica. No
paradigma do esquecimento induzido pela recordação, o tratamento de itens emocionais
enquanto categoria resultou em prejuízo na recordação de itens relacionados (Sison & Mather,
2007). Um estudo com potencial relacionado a evento (ERP) (Dillon et al., 2006) identificou
diferentes padrões de ativação cerebral para a coesão e para o alerta emocional, indicando ser
importante controlar a coesão semântica de estímulos emocionais. No nosso caso, utilizando
teste de reconhecimento sem nenhum mecanismo de avaliação qualitativa da memória, o
parâmetro possível para essa avaliação foi o AF. Tomando como base o experimento 1,
interpretamos que o aumento de registros de AF no experimento 2 só poderia ter ocorrido em
resposta à manipulação experimental introduzida. Além disso, correspondente aumento foi
identificado para a categoria de objetos, tornando mais tácita essa conclusão. O alerta para a
existência de categorias semânticas pode ter tornado nosso experimento uma boa condição
para a utilização de um esquema durante a codificação ou recuperação dos itens. Em
condições assim, o esquema em si pode reduzir a importância de informações que poderiam
ajudar a diferenciar um AF de um alvo (Mather, Henkel & Johnson, 1997).
Certamente esses resultados não são definitivos e alguns aspectos podem ser
apontados como importantes de serem revistos. Nós não utilizamos nenhum parâmetro de
comprovação da coesão das palavras utilizadas, exceto aquela atribuída na literatura. A
extensão do efeito de maior ou menor coesão das palavras fica desse modo impedida. Por
36
exemplo, as listas de associados semânticos do paradigma DRM variam conforme sua
capacidade para eliciar um distrator crítico (Stadler, Roediger & McDermott, 1999) e
Neuschatz, Benoit e Payne (2003) observaram que o efeito da redução do AF a partir do alerta
da produção de falsas memórias só ocorre em listas com forte associação ao distrator crítico.
Dentre as teorias que buscam explicar os fenômenos relacionados à memória em um
teste de reconhecimento a partir de um processamento duplo (Jacoby, 1998; Yonelinas, 2002;
Roediger e McDermott, 1995), há sempre a consideração de um componente automático,
rápido de pouco ou nenhum controle consciente, muitas vezes baseado na familiaridade, em
oposição a outro mais elaborado, demorado e controlado. O tempo de apresentação dos itens
durante a codificação pode favorecer mais um ou outro processo. Falsas memórias estão
associadas ao primeiro processo, de tal modo que o aumento do tempo de codificação pode
produzir redução na sua ocorrência (McDermott & Watson, 2001). Assim, os resultados aqui
relatados também estão estritamente ligados ao fato da estrutura de experimento que
desenhamos e a modificação desses parâmetros pode levar a resultados diferentes.
A nossa proposta experimental demonstra uma ampla aplicabilidade na investigação
dos processos de memória, mais especificamente na pesquisa relacionada aos problemas
relacionados à emoção como o estresse, a depressão e o mal de Alzheimer; e também na
investigação de problemas de ordem executiva como o TDAH -Transtorno de Déficit de
Atenção e Hiperatividade e o envelhecimento. Esse protocolo vem contribuir como mais uma
ferramenta para compreender esses prejuízos, permitindo que surjam novos tratamentos para
melhorar a qualidade de vida daqueles que sofrem com problemas desta ordem.
37
CONCLUSÃO
Nossos dados sugerem que a coesão semântica tem efeito prejudicial sobre a
discriminação de itens emocionais em testes de reconhecimento de palavras, ao invés do
efeito aditivo ao alerta emocional identificado por Bucanhan e colaboradores (2006) em testes
de recordação livre. Esse prejuízo pôde ser principalmente evidenciado quando essas palavras
foram tratadas enquanto uma categoria semântica, seguindo o princípio apontado por Sison e
Mather (2007). Observamos que o tratamento das palavras enquanto categorias no teste de
reconhecimento pode ter induzido ao uso de uma regra para a solução do teste, baseada no
pertencimento ou não do item a uma dada categoria. O critério de pertencer a uma categoria
favoreceu o aumento de alarmes falsos, incluindo inesperadamente a categoria neutra pouco
relacionada de objetos.
A melhor discriminação das palavras tabus, independente se tratadas enquanto
categoria semântica ou não, apóia a tese de que o alerta emocional é a principal variável
envolvida no melhor desempenho de memória dessas palavras comparadas a itens neutros.
38
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43
ANEXOS
Tabela 1
Medidas de reconhecimento e tempo de resposta por categoria de palavras
Média (SEM)Categoria AL AF Pr TRa TRd TRt
Experimento 1Emocional 0,971
(,05)0,021 (,05)
0,831 (,06)
1468 (180)
1531 (385)
1499 (250)
Semântica 0,850a
(,15)0,164a
(,14)0,600a
(,21)1308a
(137)1388 (132)
1348a
(125)Neutra 0,729ab
(,16)0,036b
(,09)0,606a
(,15)1284a
(120)1367 (216)
1325a
(155)Todas as categorias 1353c
(127)1428 (184)
Experimento 2*
Emocional 0,986 (,04)
0,116d
(,16)0,762 (,16)
1100d
(129)1456 (263)
1278d
(181)Semântica 0,735ad
(,18)0,143 (,15)
0,518a
(,22)1243 (199)
1298a
(192)1270 (179)
Neutra 0,755a
(,16)0,116d
(,15)0,560a
(,20)1327a
(202)1395a
(283)1361 (235)
Todas as categorias 1223cd
(174)1383 (239)
TRa – tempo de resposta para alvo
TRd – tempo de resposta para distrator
TRt – tempo de resposta total da categoriaa indica diferença significativa em relação a categoria emocionalb indica diferença significativa em relação a categoria semânticac indica diferença significativa entre alvo e distratord indica diferença significativa em relação ao experimento 1* tempo de resposta obtido para apenas nove dos 21 sujeitos
44
APÊNDICE A
45
Lista Distratores
Neutras Frutas Tabus Neutras Frutas Tabus
Experimento I
Tomada Pêssego Viado Fogão Mangaba Boquete
Martelo Morando Furico Corrente Uva Suruba
Rede Limão Cabaço Caixa Banana Escroto
Tigela Cereja Pica Caminhão Ameixa Xota
Câmera Goiaba Punheta Vassoura Pêra Pinguelo
Livro Laranja Chupada Regador Amora Fodido
Chaleira Maçã Gala Garrafa Tomate Culhão
Experimento II
Carro Morango Cabaço Livro Pitanga Punheta
Cortiça Açaí Suruba Escada Jaca Buceta
Rede Maçã Puta Fogão Mamão Fodido
Barril Goiaba Boquete Corda Laranja Viado
Piano Limão Furico Martelo Cereja Porra
Estátua Pêssego Pica Tomada Pêra Corno
Regador Cajú Merda Vassoura Ameixa Culhão