racismo à brasileira uma nova perspectiva sociológica
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8/8/2019 Racismo brasileira uma nova perspectiva sociolgica
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320 Srgio F. Ferretti
Horizontes Antropolgicos, Porto Alegre, ano 10, n. 21, p. 320-323, jan./jun. 2004
Jacqueline Britto Plvora
TELLES, Edward. Racismo brasileira: uma nova perspectiva sociolgica. Rio de
Janeiro: Relume-Dumar: Fundao Ford, 2003. 347 p. Jacqueline Britto Plvora
University of Texas at Austin* Estados Unidos
Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul Brasil
H muito tempo, a sociologia norte-americana vem discutindo a
excepcionalidade ou no das relaes raciais no Brasil. Este livro mais
uma contribuio aos debates, locais e internacionais, sobre as relaes e
desigualdades entre brancos e negros no Brasil. O autor professor no
Departamento de Sociologia da Universidade da Califrnia, em Los Angeles,
e, alm de pesquisador da realidade sociolgica do Brasil h pelo menos uma
dcada, publicou inmeros artigos sobre o tema, especialmente em revistas
norte-americanas, tendo vrias passagens pelo Brasil, incluindo uma estadia
no Rio de Janeiro onde trabalhou como Assessor de Programas em Direitos
Humanos do escritrio da Fundao Ford (p. 35).
O livro pode ser situado em torno de trs grandes objetivos. O primeiro
deles a rediscusso das teorias nacionais e internacionais sobre asrelaes raciais no Brasil, as quais o autor divide em dois grandes grupos: o
primeiro o da tendncia advinda desde Gilberto Freyre, e entendia as rela-
es raciais como harmnicas e pouco conflituosas; o segundo grupo, crtico
do primeiro, localizado na Escola Paulista de Sociologia e cuja referncia
maior Florestan Fernandes, entendeu as relaes raciais no contexto da
industrializao e denunciou o racismo nas relaes sociais no Brasil. O se-
gundo objetivo do livro o de apresentar uma anlise integrada das relaes
raciais brasileiras (p. 24) na qual no se privilegia como as anteriores
fizeram nem a miscigenao nem as tenses raciais, mas sim incorpora
esses dois elementos, apresentando-os na forma estatstica e discutindo-os na
praticidade das vidas das pessoas. Finalmente, o terceiro objetivo, inevitvel na
posio onde o autor est situado, comparar os modelos de relaes raciais
norte-americano e brasileiro, tarefa de que os estudiosos desse tema em
ingls ou em portugus no podem se esquivar.
* Doutoranda em Antropologia Social, bolsista do CNPq.
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Horizontes Antropolgicos, Porto Alegre, ano 10, n. 21, p. 320-323, jan./jun. 2004
Racismo brasileira...
Esta uma obra de flego sociolgico, na qual o autor mescla dados
estatsticos, majoritariamente do censo nacional, com obras antigas que j
foram inmeras vezes polemizadas, discutidas e criticadas por quase todosos estudiosos da questo racial no Brasil. A partir desses estudos prope
uma nova perspectiva sociolgica para a lgica interna do sistema racial
brasileiro (p. 27) e para as relaes raciais da advindas. O livro est
organizado em dez captulos que poderiam ser lidos em trs partes. Na
primeira parte, composta dos captulos dois e trs, o autor rev estatistica-
mente a formao racial do pas e examina o papel do Estado e dos discur-
sos cientficos na construo histrica dos mitos e esteretipos nacionais,
nomeadamente a democracia racial e a miscigenao. O autor prope queestas verdades fundamentaram tanto as crenas sobre as relaes entre
negros e brancos no Brasil quanto as anlises sociolgicas sobre estas. A
inovao dessa primeira parte se encontra menos na exposio detalhada da
formao racial nacional e mais na viso macrossociolgica sobre o papel
e as polticas do Estado para minimizar ou apoiar as lutas anti-racistas das
organizaes negras.
A segunda parte consiste no desenvolvimento detalhado dos argumen-
tos do autor, divididos em cinco captulos (captulos quatro a oito). Aqui o
autor, referindo-se sua posio mais neutra de anlise (p. 25), dissecaas relaes verticais e horizontais entre brancos e no-brancos, e guia
o leitor para a compreenso de pontos-chave na anlise e na elaborao das
polticas pblicas que visem contribuir para a diminuio das desigualdades
raciais. O ponto alto dessa seo a incorporao de variveis de classe
e de regio, atravs das quais o autor demonstra que as relaes entre
negros e brancos so mais heterogneas do que parecem quando examina-
das luz desses eixos. Essa discusso ser importante mais tarde, quando
discutidas as possbilidades de implementar polticas especificas e
contextualizadas regionalmente para os afro-descendentes brasileiros. Final-
mente, a terceira parte, distribuda nos dois ltimos captulos, discute a for-
mulao de polticas pblicas adequadas de combate ao racismo e s desi-
gualdades raciais, assim como rev as teses centrais do livro e refora as
concluses.
Os debates trazidos pelo autor abrangem a reviso de uma das antigas
discusses sobre as relaes de raa no Brasil, bem como inserem a obra
na controvrsia do momento, que a discusso das polticas de aes
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afirmativas. A indagao sobre se as desigualdades entre negros e brancos
no Brasil so provenientes da condio de raa ou da de classe foi ampla-
mente debatida desde os estudos da UNESCO. O autor retoma aqui essedebate, complexificando-o com dados estatsticos, e vai no mesmo sentido
que os rgos oficiais tm divulgado para a sociedade brasileira nos ltimos
anos. Dados como nvel de escolaridade, renda, ocupao, trabalho, acumu-
lao de riqueza e mobilidade social nos levam aos ndices numricos das
desigualdades entre brancos e no-brancos, de maneira que a raa ainda
que no por si s aparece como fator fundamental na determinao da
hierarquia socioeconmica do Brasil. A polmica dessa sesso fica por
conta do dilogo com o historiador norte-americano Carl Degler e sua tesede que as pessoas mulatas gozavam de status diferenciado e por isso teriam
melhor lugar social do que as pessoas negras. Tendo sido severamente
contestada por Nelson do Valle e Silva (p. 229), nesta obra essa tese
retomada e estimulada pela rediscusso dos resultados numricos obtidos
pela anlise do censo.
Assim, aqui os pardos aparecem com vantagens ligeiramente acima
daquelas das pessoas negras, mas ainda muito abaixo das pessoas brancas
de classe mdia, dado que varia de regio para regio, mas cuja dinmica
nunca muda. Esse o caminho trilhado pelo autor para, no penltimo cap-tulo, formular as polticas adequadas (p. 263), cujo modelo sugerido passa
pela legislao anti-racismo e outros usos alternativos do direito. A naciona-
lidade do autor tambm permitiu-lhe conhecer os efeitos das aes afirma-
tivas para algumas geraes de afro-descendentes nos Estados Unidos, e
este ponto defendido como poltica necessria para diminuir a longo prazo
as desigualdades entre negros e brancos no Brasil. Como todo o resto do
contedo do livro, a discusso e as proposies aqui vm acompanhadas do
rigor sociolgico demonstrativo da necessidade dessas polticas. Mais ainda,
o autor mostra para os que se opem como os investimentos e polticas
pblicas, especialmente aquelas voltadas para educao de parte do Estado
brasileiro, no fizeram seno reforar os privilgios das pessoas brancas de
classe mdia e das regies mais desenvolvidas do pas (p. 274-277).
Finalmente, algumas questes mais abrangentes e importantes, especi-
almente para o pblico da antropologia. O livro bastante intenso pelos
dados e anlises estatsticas, e quando se volta para dados menos
quantificveis no responde com a mesma eloqencia. O autor faz rpidas
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Horizontes Antropolgicos, Porto Alegre, ano 10, n. 21, p. 320-323, jan./jun. 2004
Racismo brasileira...
incurses em temas no to demonstrveis estatisticamente e, seguramente
para os antroplogos, entendidas apropriadamente desde a ordem qualitativa
mais do que quantiva. Ao discutir, por exemplo, identidade negra no Brasil,ou a ambigidade desta conforme discutido no livro, o autor segue inmeros
outros de seus colegas norte-americanos na idia de ausncia, ou fraca
presena, de conscincia racial dos afro-brasileiros, especialmente se com-
parados com a visibilidade dessa conscincia entre afro-norte-americanos.
Essa uma questo que no precisaria ser reduzida em termos de ausncia
ou presena, especialmente quando se trabalha com um pr-modelo de
conscincia racial e este norte-americano. Por outro lado, considerar a
cidade de Salvador por causa de seus blocos afros e organizaes negras como a exceo na consolidao da identidade afro-brasileira tambm
cair mais uma vez nos esteretipos traados pelo prprio Estado, pela elite
local que, como o autor reconhece, administra a indstria de turismo na
cidade. Alm do mais, ter Salvador como modelo identitrio reforar o
senso comum construdo tambm por intelectuais, antigos e contemporneos,
que persistem na idealizao da cidade enquanto o centro identitrio afro-
brasileiro. No se trata de discutir a magnitude das identidades afro-brasi-
leiras em Salvador, mas sim de pensar que, se o Brasil diverso em suas
variadas dimenses, os afro-brasileiros tambm o so, porque alm de bra-sileiros atualizam vrias formas de ser na dispora. Vale pensar que consi-
derar um nico modelo identitrio fazer tbula rasa de outras associaes,
organizaes e lutas que se do em diferentes centros urbanos e rurais de
outras regies do pas, e que embora no explicitem insistentemente o dis-
curso da negritude, reconhecem racialmente sua posio na sociedade. Em
outras palavras, muitos afro-descendentes em outros lugares, ainda que no
estejam carregando bandeiras de um modelo reconhecido especialmente
pela mdia como sendo o modelo de identidade afro-brasileira, sabem de
sua histria e relacionam em seu cotidiano os efeitos de ser negro neste pas,
quer em suas conquistas ou em suas derrotas. Por fim, a persistncia na
comparao s vezes rgida entre os dois sistemas raciais, norte-americano
e brasileiro, mantendo um como modelo e ideal faz com que o livro, ainda
que publicado em portugus, continue falando ingls ou, talvez, continue
sobrecarregado por uma leitura com base maior na experincia em ingls.
De qualquer forma, e indiscutivelmente, o livro uma contribuio consis-
tente e atualiza o debate para os interessados nas relaes e nas desigual-
dades raciais no Brasil.