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IX Seminário Internacional Redes Educativas e Tecnologias. Rio de Janeiro, de 05 a 08 de junho de 2017 1
RAÇA, GÊNERO E ESCOLA:
Em busca de práticas pedagógicas
que visem a democracia e emancipação
Luane Bento dos Santos (CEFET)(*)
EDUCAÇÃO DEMOCRÁTICA E RELAÇOES ETNICORRACIAIS
Pensarmos em uma educação democrática e emancipatória como propõe Boaventura dos
Santos (1996-2010) em seus trabalhos é um tanto descabido se não considerarmos os efeitos das
desigualdades raciais que atravessam nossas relações cotidianas, principalmente nas instituições
escolares. No Brasil, as desigualdades raciais são um dos principais fatores para o processo de
evasão e fracasso escolar de estudantes negros1 (CASTRO; ABRAMOVAY, 2006;
CAVALLEIRO, 2000, 2005).
Castro e Abramovay (2006) em pesquisa para UNESCO “Relações Raciais na Escolaꓽ
reprodução de desigualdades em nome da igualdade” apresentam dados alarmantes sobre as
implicações do racismo na educação básica. Os resultados da investigação revelam discrepâncias
acentuadas nas proficiências médias entre negros e brancos.
No Saeb de 2003, não apenas os alunos brancos alcançaram uma proficiência média maior que
a dos alunos negros em todas as séries pesquisadas, como também essas diferenças entre as
médias de brancos e negros aumentam à medida que os alunos avançam no sistema
educacional. Ou seja, as menores diferenças entre as proficiências médias de alunos brancos e
negros são encontradas na 4ª série do ensino fundamental, havendo um aumento tanto na 8ª
série do ensino fundamental quanto na 3ª série do ensino médio (CASTROꓽ ABRAMOVAY,
2006, p.106).
Apesar de a pesquisa considerar os índices socioeconômicos similares e situações
educacionais idênticas, ainda assim o desempenho de negros é mais baixo do que de brancos. E
como podemos verificar as diferenças de desempenho médio aumentam ao passo que os estudantes
avançam nas séries do sistema educacional. A conclusão desta pesquisa é que a discriminação racial
tem sido um fator desestimulante que gera baixo rendimento escolar, aumento e possibilidade de
repetência, além de atuar como redutor na frequência às salas de aulas por parte desses estudantes.
(*)
Mestre em Relações Etnicorraciais (CEFET).
1 Para esse trabalho seguimos a definição de população negra para o conjunto de pretos e pardos, conforme a definição
adotada pelo movimento negro brasileiro e pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
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Deste modo, podemos perceber como as situações de racismo vivenciadas no cotidiano
escolar impactam diretamente no desempenho e interesse dos estudantes negros. Nas considerações
de Cavalleiro (2005), as discriminações raciais, no cotidiano escolar, acarretam para os indivíduos
negros,
Auto-rejeiçao, desenvolvimento de baixa auto-estima com ausência de reconhecimento de
capacidade pessoal; rejeição ao seu outro igual racialmente; timidez, pouca ou nenhuma
participação em sala de aula; ausência de reconhecimento positivo de seu pertencimento racial;
dificuldades no processo de aprendizagem; recusa em ir à escola e, consequentemente, evasão
escolar. Para o aluno branco, ao contrário acarretam a cristalização de um sentimento irreal de
superioridade, proporcionando a criação de um circulo vicioso que reforça a discriminação
racial no cotidiano escolar, bem como em outros espaços da esfera pública (p.12)
É preciso reconhecer que este fenômeno vem sendo denunciado por ativistas e organizações
do movimento negro, pesquisadores das relações étnico-raciais há bastante tempo e atualmente
pelos órgãos estatais, tais como SECAD-MEC (2005). Com o advento da Lei n. 10.639/20032 na
educação básica é esperado que este quadro preocupante fosse modificado. Um dos objetivos da
inserção da história e cultura africana e afro-brasileira nos currículos escolares é de transformação
do imaginário social em relação aos grupos africanos e seus descendentes dispersos pelo mundo, em
outras palavras, é de desestabilizar as imagens e cenas que atribuem aos grupos africanos
escravizados na história apenas o papel de povos escravizados.
Deste modo, é importante destacar, que a lei não invisibiliza a participação dos grupos
africanos na composição de história da humanidade e na construção do conhecimento, pelo
contrário ela os coloca igualmente como protagonistas nestes processos. Para Oliveira (2012)ꓽ
Por ser uma legislação que aborda uma temática altamente controversa – as relações
etnicorraciais no Brasil – no campo educacional, ela vem mobilizando questões que se referem
à desconstrução de noções e concepções aprendidas durante os anos de formação de
professores e vão enfrentar preconceitos raciais muito além dos muros escolares. Não se
constitui como mais um modismo acadêmico, mas pode abalar as reflexões tradicionais no
campo da educação, principalmente, no campo da formação docente e da produção do
conhecimento (p. 199-200).
Neste sentido, a lei é uma proposta pedagógica que estabelece o conflito entre os conteúdos
escolares tradicionais e dominantes e os conteúdos curriculares que inclui concepções nada
tradicionais de saberes e fazeres dos “outros”. A nosso ver a legislação se inscreve em um “projeto
educativo conflitual e emancipatório”. Este princípio é defendido por Boaventura dos Santos em
2 A Lei foi alterada pela Lei 11.645, de 10 de março de 2008, passando a incorporar também a história e cultura dos
povos indígenas.
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Para uma pedagogia do conflito (1996). O autor argumenta que o conflito na educação deve servir
para questionar os “modelos epistemológicos dominantes” (SANTOS apud Oliveira, 2012).
De fato, a legislação orienta para outras formações docentes e conduz a enxergar e
reconhecer outras epistemologias. Através dela podemos identificar uma variedade de saberes que
ao longo da história foram suprimidos e relegados ao esquecimento. Dessa forma, acabamos por
exercitar as proposições tratadas por Santos como “Epistemologias do Sul”.
Trata-se do conjunto de intervenções epistemológicas que denunciam a supressão dos saberes
levada a cabo, ao longo dos últimos séculos, pela norma epistemológica dominante, valorizam
os saberes que resistiram com êxito e as reflexões que estes têm produzido e investigam as
condições de um diálogo horizontal entre conhecimentos. A esse diálogo entre saberes
chamamos ecologias de saberes (SANTOS; MENESES, 2010, p. 7).
Em outro lugar,3 descrevemos as relações matemática na arte de adornar e produzir
penteados afros no universo de trabalho das trançadeiras. Em consonância com as diretrizes e bases
de história e cultura africana buscamos investigar como as práticas culturais de trançar cabelos
estão carregadas de conhecimentos etnomatemáticos. Ademais nos preocupamos em apresentar
estes conhecimentos como ferramentas para o ensino fundamental de matemática. Certamente
auxiliamos na desconstrução de imagens etnocêntricas sobre as práticas e técnicas de trançar
cabelos e os modos de cuidados relacionados ao cabelo crespo do negro, que na sociedade brasileira
tem sido objeto recorrente de discriminações como veremos adiante através dos depoimentos.
Como mencionamos anteriormente, a legislação provoca o embate das epistemologias do
norte em oposição às epistemologias do sul, sobretudo oportuniza aos negros a se reconhecerem na
história e na produção de conhecimento e aos brancos de perceberem os elementos culturais que
forjaram a sociedade brasileira. Além disso, incide positivamente na construção de uma sociedade
democrática por propicia a construção de saberes pautados na vivencia e realidade dos estudantes
negros.
Neste trabalho, discutimos as trajetórias escolares de mulheres negras inseridas no nível
superior, como elas construíram identidades negras nos espaços de educação formal (escola) e
informal (atividades políticas dos movimentos negros dentre outros experiências). Primeiramente,
frisamos que este estudo é produto de uma pesquisa mais extensa realizada sobre mulheres negras
3 SANTOS, Luane Bento dos. Para Além da estética uma abordagem etnomatématica para a cultura de trançar nos
grupos afro-brasileiros. Dissertação (Mestrado em Relações Etnicorraciais) CEFET, Rio de Janeiro, 2013, 105p.
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durante a graduação em Ciências Sociais na UERJ concluída em 20104. A pesquisa foi uma
abordagem qualitativa de caráter etnográfico que sobre foco da Antropologia do Corpo e das
Relações Étnico-raciais procurou analisar os comportamentos estéticos e identitários de mulheres
negras tendo como base as suas trajetórias de vida. Realizamos treze entrevistas como mulheres
autodeclaradas negras do estado do Rio de Janeiro e outras duas entrevistas com mulheres do estado
de Pernambuco e São Paulo.
Precisamos, ainda, explicitar a influência e estímulo que encontramos na obraꓽ Sem perder
a raizꓽ corpo e cabelo como símbolos de identidade negra de autoria de Gomes (2006). Tese de
doutorado em Antropologia Social na USP e publicada como livro. Consideramos ser um estudo
minucioso que nos apresenta os aspectos históricos, filosóficos, sociológicos, antropológicos,
econômicos, políticos e psicológicos em torno do uso dos cabelos de africanos e afro-diaspóricos.
Outrossim, foi crucial para despertar nossos interesses sobre os complexos modos de percepção
estética dos grupos africanos e afro-brasileiros. O horizonte aberto pela autora foi fundamental para
se pensar as estratégias de construção das identidades corpóreas negras.
Diante do exposto, destacamos que nossas discussões estão ligadas e embasadas em
produções qualitativas sobre relações raciais e educação (CAVALLEIRO, 2005, OLIVEIRA, 2012,
CIRQUEIRA, 2014, GOMES, 2002, 2006) e em pesquisa quantitativa (CASTRO e
ABRAMOVAY, 2006).
Recorremos aos estudos da Antropologia do Corpo (LEACH, 1983ꓽ MAUSS, 1974ꓽ
SABINO, 2007) e das Relações Étnico-raciais na educação para dimensionar os impactos do
racismo no processo de escolarização e construções identitárias das mulheres negras aqui estudadas.
Neste trabalho, abordaremos as seguintes questões como a escola trata os conflitos étnico-raciais
em seu espaço, quais representações sociais são associadas ao negro no ambiente escolar, quais
estratégias foram utilizadas pelas entrevistadas para prosseguir no sistema de ensino, quais
estratégias identitárias foram criadas ao longo de suas trajetórias escolares, como as práticas
pedagógicas do movimento negro colaboram na construção de outras imagens sobre corpo, cabelo
do negro, história e cultura africana e afro-brasileira?
Nossos procedimentos metodológicos para responder a estas questões serão baseados na
utilização dos depoimentos coletados durante processo de entrevistas com as mulheres, ou seja, em
suas narrativas e suas reflexões sobre as situações de racismo, discriminação e preconceitos
4 SANTOS, Luane B. “Para ficar bonita tem que sofrer!” a construção de identidade capilar para mulheres negras no
nível superior. Monografia em Ciências Sociais. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. Universidade do Estado do
Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2010, p.94.
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vivenciados no cotidiano escolar. Outro ponto, a ser destacado é que faremos o uso da bibliografia
acima citada para problematizar estas questões e assim fundamentar as nossas colocações. Neste
sentido, a área de Antropologia do Corpo será usada para demonstrar como as ideias sobre corpo e
beleza são criadas socialmente. Ela nos permitirá meditar sobre alguns padrões sociais e os efeitos
perversos deles sobre determinados grupos sociais (em nosso caso os negros).
Como dissemos anteriormente os pressupostos teóricos e metodológicos da nossa pesquisa
são baseados nos debates da Educação, Relações Étnico-raciais e Antropologia Social. A pesquisa é
de abordagem qualitativa com os seguintes métodos e técnicas de pesquisasꓽ observação
participante, levantamento bibliográfico, revisão de literatura, diário de campo, entrevistas
semiestruturadas, história de vida e história oral. As entrevistadas selecionadas para a pesquisa se
autodeclararam negras. Salientamos que as mulheres negras depoentes para essa pesquisa
sãoꓽ ativistas dos movimentos negros, simpatizantes ao movimento negro e não ativistas do
movimento negro. O grupo entrevistado é bem heterogêneo pertencente a diversas áreas de
formação universitária, classe social, religião, orientação sexual e perspectivas políticas. Todo o
trabalho de campo foi realizado em instituições universitárias e de pesquisa, tais comoꓽ UNIRIO,
UFF, UERJ, UFRJ e FIOCRUZ. Em relação à aproximação para participarem da pesquisa, todo o
processo ocorreu em encontros, seminários, cursos e palestras no ambiente universitário, em
eventos dos movimentos negros e por indicação de conhecidos.
O trabalho está dividido da seguinte maneira primeiramente, serão apresentados os
fragmentos das entrevistas e as análises antropológicas e das relações étnico-raciais na educaçãoꓽ
em seguida as questões relativas às práticas pedagógicas do movimento negro e posteriormente a
conclusão.
CORPO E SOCIEDADEꓽ CORPO E CABELO NEGRO NA ESCOLA
Entendemos que dentro da cultura o corpo é um objeto social que expressa linguagens,
sentidos, valores, distinções sociais de: gênero, raça, classe, religião, profissão, dentre outros
aspectos. O corpo é um veiculo de comunicação social e política. Ele demonstra a força de uma
cultura, de um processo de socialização humana. Além disso, o corpo é historia. Em suma o corpo é
representação “A representação social do corpo oferece uma das numerosas vias de acesso à
estrutura de uma sociedade particular” (RODRIGUES, 2006, p. 50). Não há nada no corpo que
seja “natural” no que se refere à forma como manipulamos. Neste sentido, o corpo é cultura.
O corpo porta em si a marca da vida social, expressa-o a preocupação de toda a sociedade em
fazer imprimir nele, fisicamente determinadas transformações que escolhe de um repertório
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cujos limites virtuais não se podem definir. Se considerarmos todas as modelações que sofre,
constataremos que o corpo é um pouco mais que uma massa de modelagem à qual a sociedade
imprime formas segundo suas disposições: formas nas quais a sociedade projeta a fisionomia
do seu próprio espírito.” (RODRIGUES, 2006, p. 62).
Constatamos que o corpo é travessia de sentidos socioculturais, tudo nele e significado e
significante. Nada no corpo e vazio de atributos culturais, ele e sentido, razão, ética, moral e
sentimentos de um grupo, de um povo e de uma forma de identidade. A Antropologia estuda o
corpo como um sistema de símbolos, de expressão de um pensamento social vigente, de uma
linguagem e de um lugar. O que ele representa e a forma como e concebido pode ser a “chave” de
entendimento de uma investigação antropológica. Para Mauss (1974, p. 217), “O corpo é primeiro
é o mais natural instrumento do homem. O mais exatamente, sem falar de instrumento, o primeiro e
mais natural objeto técnico, e ao mesmo tempo meio técnico do homem é seu corpo” e isso implica
nas considerações que tomaremos sobre este.
Em cada sociedade o corpo e visto por perspectivas ligadas as crenças, valores, filosofias, ou
seja, modos de se pensar e se colocar no mundo. Há valores distintos para cada parte do corpo nas
sociedades. Cabe ressaltar que no jogo de reconhecimento, atribuições de valores sociais o cabelo e
uma parte do corpo que sempre ganha valores sociais importantes, principalmente os cabelos da
cabeça. Para Leach (1983), por estar próximo ao rosto (e o rosto ser um dos locais mais visíveis do
corpo) o cabelo sempre é percebido nas relações culturais, seja quando chegamos a outro país de
cultura desconhecida, seja quando estamos em nosso próprio território. O cabelo não passa
despercebido nas relações sociais, à ausência ou presença do cabelo representa algum sentido e tem
suas relevâncias.
O cabelo da cabeça como parte do corpo ganha simbolismo, valores, técnicas especificas a
cada cultura. O cabelo é um símbolo universal de propriedade pública. A arte do penteado é
objeto de elaboração ritualística. Quais são os mecanismos dessa atuação. O que significa o
comportamento do cabelo? (LEACH, 1983, p.145).
Em Leach (1983), o cabelo é um forte signo cultural, seu texto e considerado um marco-
teórico nos estudos antropológicos sobre corpo5, pois apresenta o cabelo como um forte elemento
individual e coletivo (elemento representativo universal nas culturas). Compreendemos assim que o
uso do cabelo demonstra, em parte, as concepções identitárias culturais e estéticas dos indivíduos e
da sociedade em questão. Sabino (2007) destaca que:
5 É preciso dizer que é considerado como marco por aponta a importância do cabelo nas concepções corpórea. Mas o
primeiro estudo de corpo é o de Marcelo Mauss (1974) sobre as técnicas corporais.
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O cabelo é utilizado publicamente para comunicar uma variedade de sentidos sociais e pode
estar diretamente relacionado às demarcações e às internas delimitações hierárquicas das
sociedades. Sendo um dos símbolos mais poderosos de identidade individual e social o cabelo
consolida o significado do seu poder, primeiro porque é físico e extremamente pessoal;
segundo porque apesar de pessoal é também público, muito mais do que privado. As efetivas
hierarquias sociais podem ser simbolizadas por intermédio das formas de capilaridade que os
indivíduos portam. Gênero ocupação, idade, fé, status socioeconômicos e até mesmo
orientação política, além de disposições e gostos pessoais que não deixam de remeter às classes
sociais – significam posições na gramática social, radicando-se nas relações de força inerentes
às relações pessoais e institucionais (p.116,117).
Como elemento de comunicação carregado de sentidos, regras, condições, o cabelo se torna
imprescindível para a compreensão da corporeidade do “outro” e do “eu”. Quais sentidos imperam
nos modos de utilização do cabelo da mulher negra? Gomes (2002, p.40) nos leva a refletir sobre as
relações de poder que pairam nos usos e estilos dos cabelos crespos dos negros e mestiços. Nas
considerações da pesquisadora:
O cabelo do negro na sociedade brasileira expressa o conflito racial vivido por negros e
brancos em nosso país. É um conflito coletivo do qual nós participamos. Considerando a
construção histórica e do racismo brasileiro, no caso dos negros o que difere é que a esse
segmento étnico/ racial foi relegado estar no pólo daquele que sofre o processo de dominação
política, econômica e cultural e ao branco estar no pólo dominante. Essa separação rígida não é
aceita passivamente pelos negros. Por isso mudar o cabelo pode significar a tentativa do negro
sair do lugar da inferioridade ou a introjecão deste. Pode ainda representar sentimentos de
autonomia, expressos nas formas ousadas e criativas de usar os cabelos.
Percebemos através da análise das entrevistas, que o cabelo crespo foi um dos principais
elementos corpóreos usados nas identificações etnicorraciais e nos momentos de conflitos raciais. O
cabelo foi apontado como uma dos principais marcadores étnicos para as mulheres se identificarem
enquanto negras. Além de serem utilizados para padrões sociais de beleza e feiura. Sobre os cabelos
crespos repousaram, ao longo da trajetória de vida das mulheres negras, percepções ligadas a
discursos de inferioridade racial e práticas de afirmação identitária.
Cabe ainda ressaltamos que no universo escolar as percepções sobre corpo e cabelo
apreendidas pelas nossas entrevistadas foram em todos os casos de natureza pejorativa. Notamos
durante o período de análise dos dados obtidos e de escrita do estudo que as trajetórias escolares das
mulheres que entrevistamos foram marcadas por traumas de origem racial. O espaço escolar foi
descrito como local propício para a execução de práticas racistas e discriminatórias. Percebemos
que estas questões de conflitos raciais foram silenciadas e tratadas como problemas menores pela
escola. Neste sentido, concordamos com Cavalleiro (2000, p.47) que afirma “ao se achar igualitária,
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livre do preconceito e da discriminação, muitas escolas tem perpetuado desigualdades de tratamento
e minado efetivas oportunidades igualitárias”.
Conforme argumenta Cavalleiro (ibidem) a escola ao negar a existência de desigualdades
raciais e sociais em sua estrutura compactua com a manutenção delas. O silêncio nos momentos de
conflitos raciais, a falta de medidas estratégicas para trabalhar as questões étnico-raciais são
evidências de como a escola perpetua as desigualdades em seu espaço.
Segundo os relatos de nossas entrevistas ao longo do período escolar a corporeidade negra
foi associada, rotineiramente, a padrões de fealdade, animalidade, inferioridade e imoralidade. Onde
os principais traços físicos abordados nestes momentos de discriminações raciais eram os cabelos e
tez da pele. Para nós estas humilhações recorrentes ligadas aos traços fenotípicos são de orientações
racistas. Neste trabalho o racismo é compreendido como
O racismo é a tendência que consiste em considerar que as características intelectuais e morais
de um dado grupo são consequências diretas de suas características físicas ou biológicas
(MUNANGA, 2005, p.24).
A maioria das entrevistadas relatam os momentos de conflitos raciais como constrangedores
para elas. As memórias que trazem destes momentos são de intensos sofrimentos, desvalorização e
desinformação. Abaixo trago o relato de Kesi6, moradora de Jacarepaguá, estudante de Serviço
Social na UFRJ e militante do partido político PSTU.
Eu convivia só com a minha família, sabe? Até ali eu era como todo mundo e na escolinha não,
olha: você é negra, você que tem o cabelo assim, então era horrível, sabe? As próprias tias
falavam: Olha deixa o cabelo dela bem presinho. Sempre achava que meu cabelo que tinha
piolho, eu nunca tive piolho a minha vida inteira. Sempre associando aquele o cabelo oh!
(KESI).
Como podemos notar o cabelo da entrevistada é associado à falta de higiene e cuidados
corporais domésticos. Além disso, a saída do ambiente familiar para o ambiente da escola marca a
memória de nossa entrevistada como momento em que as situações de racismo serão vivenciadas
constantemente. No contexto familiar a experiência de ser uma criança negra não era um problema,
mas na escola torna-se um diferencial que demarca tratamentos distintos dos educadores com seus
educandos. Pedidos como “Prenda o cabelo da menina para não dar piolho” são orientações
igualitárias para todos os alunos ou na realidade se remetem a associações que atribuem ao corpo da
criança negra a falta de higiene? Novamente, utilizo a discussão de Gomes (2002, p.45) para
6 Os nomes utilizados neste estudo são fictícios a fim de resguardar a integridade pessoal dos sujeitos da pesquisa
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problematizarmos a estas questões que podem parecer como “regras e normas” essenciais para o
funcionamento da escola. Mas na realidade estão atravessadas de percepções racistas:
A escola impõe padrões de currículo, de conhecimento, de comportamentos e também de
estética. Para estar dentro da escola é preciso apresentar-se fisicamente dentro de um padrão,
uniformizar-se. A exigência de cuidar da aparência é reiterada, e os argumentos para tal nem
sempre apresentam um conteúdo racial explícito. Muitas vezes esse conteúdo é mascarado pelo
apelo às normas e aos preceitos higienistas.
Como dissermos as discriminações raciais relacionadas aos cabelos crespos das mulheres
negras foram frequentes nos relatos deste estudo. Sele, moradora de São João de Meriti e estudante
de Biblioteconomia e Documentação da UFF também nos narra experiências de racismo ligadas ao
fenótipo.
Na minha infância a imagem do meu cabelo sempre foi negativa porque nem todo mundo
aceita a gente como a gente é, né? E amigos sempre falavam que meu cabelo era duro, tonhoso,
essas brincadeiras de mau gosto, né . A maioria foram amigos de colégio, amigos de colégio de
ensino fundamental, eles sempre brincavam e tinham umas brincadeiras chatas assim: Aí
tonhoso, se jogar ali bate e volta. Se jogar alguma coisa tipo uma bolinha de papel. Essas
brincadeiras assim fazem com que a gente não goste do nosso cabelo, a gente passa a não
gostar e a querer outro tipo de cabelo. As brincadeiras naturais eu não achava não, me
incomodava, mas eu não demonstrava. Eu ficava pensando muito (SELE).
Gomes (2002) chama a atenção para a reprodução do ideário racista nas formas de
brincadeiras que acontecem com frequência no ambiente escolar. Segundo a pesquisadora, se as
brincadeiras racistas não ocorrerem em outros ambientes sociais, certamente na escola elas se
manifestarão. Sobre os apelidos a bibliotecária Tulani, funcionária da Fiocruz, moradora de
Mesquita na Baixada Fluminense comentaꓽ
Em escola pública essas coisas sempre rolam. Esse negócio de apelido e um chamar o outro de
neguinho e em falar que o cabelo é duro e ás vezes tem o cabelo tipo o meu e eu ouço falar que
é duro.
Apesar de não problematizas as brincadeiras como Sele, Tulani guarda na memória estes
acontecimentos vivenciados na escola. Provavelmente não foram agradáveis e sua explicação para
eles é de serem provenientes de instituições públicas desconsiderando que o racismo está presente
em toda estrutural social. No entanto, como aborda Gomes (2002, p.45)ꓽ
Esses apelidos recebidos na escola marcam a história de vida dos negros. São, talvez, as
primeiras experiências públicas de rejeição do corpo vividas na infância e adolescência. A
escola representa uma abertura para a vida social mais ampla, onde o contato é muito diferente
daquele estabelecido na família, na vizinhança e no circulo de amigos mais íntimos (TULANI).
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As lembranças das brincadeiras como coloca Gomes (ibidem) marcam a memória do
indivíduo negro e transcorrem como insultos a sua corporeidade. Tulani na tentativa de amenizar os
fatos considera que seu cabelo crespo, pelo fato de ter estrutura cacheada, não deveriam ser alvos
destes tipos de discriminações. No entanto, eles juntos a tez de sua pele não deixam de serem alvos
da discriminação racial. Interessante salientar que o não reconhecimento por Tulani de suas
características físicas como negras fazem parte do processo de autorrejeição discutidos por
Cavalleiro (2000).
Com olhar mais crítico sobre o cotidiano escolar, a professora de história da rede privada,
militante do movimento negro e feminista e moradora da cidade de São Paulo Xande discorreꓽ
Difícil né estudar enquanto você é a esquisita, a estranha, nas festas ninguém vai querer dançar
com você, você é a neguinha do cabelo duro. E o ambiente escolar eu acho que é um ambiente
muito perverso, pelo menos para mim e para várias outras crianças negras e mulheres este
ambiente escolar é onde de fato ela vai descobrir e experimentar, né, a questão do racismo. E
na maioria das vezes da forma mais perversa possível (XANDE).
Talvez por sua formação no magistério e militância política negra e feminista o olhar de
Xande seja mais atento às relações étnico-raciais e de gênero. Para ela a trajetória escolar foi
marcada por ações perversas e de rejeição de sua aparência. Na escola, ela como outras
entrevistadas aprenderam e sentiram na “pele” a dinâmica do racismo brasileiro.
Kinda, estudante de Filosofia da UERJ e moradora de Anchieta nos relata a violência
simbólica das práticas racistas sobre o corpo e cabelo negro.
Fon, fon, a menina fazia fon, fon no meu cabelo na escola. A minha amiga tinha o cabelo louro
e que me chamava de Joazinho era minha prima que tinha o cabelo louro também (KINDA)
Podemos perceber que a brincadeira com o cabelo de Kinda o remete ao lugar de objeto
inanimado, o cabelo dela é comparado à buzina dos carros. O corpo da entrevistada é tocado e
violado por ações que o colocam em lugar de peça como sucedia nos períodos de escravização das
populações africanas. Devemos lembrar que sobre o corpo dos cativos podiam ocorrer todos os
tipos de práticas punitivas:
O regime escravista dava ao senhor o poder incondicional sobre o corpo do cativo, a não ser
por algumas restrições legais como nos casos de morte e excesso de maus-tratos, mas que, uma
vez praticados, ficavam quase sempre impunes. Ainda que restrita às relações entre senhor e
escravo, a ação privada praticada pelo feitor ou pelo próprio dono era exibida aos outros
escravos como exemplo. Os gritos que provocava não eram abafados como vergonhosos
(LOBO, 2008, p. 162).
Para os dias atuais a incidência destes acontecimentos no contexto escolar se insere na
reflexão de Cavalleiro (2000).
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A ocorrência desses acontecimentos também na escola parece confirmar às crianças uma
suposta superioridade do modelo humano branco. São acontecimentos que podem parecer
apenas um detalhe do cotidiano pré-escolar, porém são reveladores de uma prática que pode
prejudicar severamente o processo de socialização de crianças negras, imprimindo-lhes
estigmas indeléveis.
Não devemos acreditar que as manifestações de racismo no contexto escolar se encerram
apenas em atitudes do plano discursivo Kesi comenta sobre tentativa de violência física sobre seu
corpo
Uma vez falaram assim (os estudantes) que não queriam uma negra na escola e eles chegaram
a me bater assim. E aí minha mãe fez um escândalo na escola e tal. E aí assim todos os
funcionários começaram a me tratar com todos os dedos assim, não deixavam que ninguém se
aproximasse de mim, que se não minha ia colocar a escola na justiça, deu maior briga (KESI)
grifos nossos.
O momento vivenciado por Kesi denuncia claramente a falta de medidas e limites no
ambiente escolar sobre as ações de discriminação. As medidas tomadas pela direção e funcionárias
têm como preocupação principal evitar um processo judiciário. Em nenhum momento, Kesi nos
relata ações de esforços da escola para combater os pensamentos racistas e as práticas de ódio
decorrentes dele.
Os relatos apresentados até aqui expressam a violência racial perpassada no ambiente
escolar. Por esses motivos perguntamosꓽ como falar em educação democrática e emancipatória no
espaço escolar que é tão marcado por violências racistas? Para Santos (2005), não é possível a
existência de projeto educacional democrático e emancipatório sem romper com os “modelos
epistemológicos tradicionais”. Não há como pensarmos a existência de outro modelo educacional se
não encararmos o racismo como um empecilho para uma educação democrática.
A PEDAGOGIA DOS MOVIMENTOS NEGROS (MN)7
A década de setenta do século XX é considerada como o período no qual aparecem inúmeros
movimentos sociais pelo Brasil. Estes movimentos têm como objetivo atuar para a consolidação de
um sistema democrático. Eles nascem no período de abertura democrática e se colocam como atores
e forças sociais. No bojo destas manifestações como salienta Lima (2005, p. 41),
Um novo impulso é dado ao movimento negro, em virtude do surgimento Movimento Negro
Unificado contra a Discriminação Racial (MNCDR), em 1978, na cidade de São Paulo,
7 A partir daqui o movimento negro será representado pela sigla MN afim de respeitar a padronização do seminário de
40.000 caracteres.
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constituído a partir de uma to de protesto pelas mortes dos trabalhadores Robson Silveira da
Luz, em Guaianazes, e de Newton Lourenço, no bairro da Lapa, pela polícia. Essa organização,
além dos atos de denúncia, buscou situar que as desigualdades entre negros e brancos não se
davam apenas peã luta de classes, assim como indicava importância da questão da educação
como uma bandeira prioritária.
Lima (ibidem) ainda observa pesquisador,
Para além da denúncia do racismo e das desigualdades raciais perpetuadas historicamente nos
sistemas de ensino, o movimento negro elaborou propostas pedagógicas e de intervenção, em
contraposição a um cotidiano singular e etnocêntrico nos espaços educacionais.
Ana Beatriz Gomes (2007) investiga as práticas pedagógicas MN e o protagonismo de dois
grupos do MN nas escolas públicas de Teresina (PI). O estudo revela o impacto positivo de suas
ações na mentalidade dos estudantes negros e brancos:
A participação dos (as) alunos (as) das escolas pesquisadas nas atividades pedagógicas dos
projetos desenvolvidos com os grupos do Movimento Negro que expressaram a presença das
africanidades através da história, da literatura, do teatro, das artes, da educação, da saúde, da
religião, da dança, do ritmo, da música, da percussão e da corporeidade interferiu de maneira
positiva na afirmação da identidade, mesmo que tal processo não tenha se dado de forma
consciente. Os (as) alunos (as) afirmam que, após o envolvimento com a linguagem cultural e
aquisição de conhecimentos, passaram a se ver mais como afrodescendentes e a se orgulhar
mais da cultura de seus antepassados. Além disso, a participação em outros espaços culturais,
sociais, políticos e educativos que primam pelo respeito à diversidade étnica também contribui
para essa afirmação (p.70)
Algumas de nossas entrevistadas também expuseram em seus relatos a participação em
eventos8 promovidos pelos MN e como eles foram primordiais para construírem outras
representações sobre sua corporeidade e autoestima, sobretudo auxiliaram a desfazer as imagens
etnocêntricas que aprenderam a construir sobre si e sobre as culturas africanas e afro-brasileiras ao
longo de suas trajetórias escolares. Kinda discorre sobre sua participação em eventos ministrados
pelo MN.
Depois que elas (primas) conheceram o pessoal e tal (pessoas do movimento negro). Aí a gente
começou a mudar mesmo. Essa conjuntura de beleza assim, mas antes não. Porque quando eu
era criança o padrão de beleza não é ter o cabelão cheio, você se toda desconjuntada. Então me
assumir como mulher negra, é isso que me faz realmente assumir meu cabelo (KINDA).
Desse modo, a fala de Kinda nos revela como as ações políticas dos MN geram resultados
significativos e importantes para as pessoas negras. A partir dos eventos ela e suas primas tiveram a
8 Seminários, oficinas, debates, fóruns, grupo de estudos, feiras e festas com objetivo de denunciar o problema racial e
de disseminar informações sobre história e cultura africana e afro-brasileira.
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oportunidade de ser pensar como negras por vias distintas as que aprenderam no sistema escolar.
Como podemos observar diferentemente dos estudantes pesquisados por Gomes (2007), Kinda só
terá contato com organizações dos MN na universidade. O que para nós evidencia a urgência do
cumprimento da Lei 10.639/2003 no sistema de ensino.
Abramovay e Castro (ibidem) demonstram que o impacto do racismo no processo de
escolarização de estudantes negros é um dos principais fatores que os levam ao fracasso escolar e a
desistência do sistema de ensino. Neste sentido, o contato de Kinda somente na universidade com as
organizações do MN negro acaba se traduzindo em exceção se levar em consideração os dados da
pesquisa de Abramovay e Castro (ibidem).
Outra entrevistada também comenta a importância do MN em seu processo de afirmação
identitária. Quilamu, estudante de Estética, profissional trançadeira, moradora da cidade do Rio de
Janeiro, bairro Santa Teresa discorre sobre o papel fundamental dos MN para a sua afirmação étnica
e estética,
Foi através do movimento hip hop que nós fortalecemos a nossa autoestima como jovens
mulheres negras, entendeu? E aí começamos a expressar né essa nossa identidade através do
cabelo (QUILAMU).
Estas participações como colocar Gomes (ibidem) se refletem na autoestima dos estudantes
negros por ela pesquisados. Do mesmo modo, notamos através das análises das entrevistas que o
MN negro ocupou um lugar significativo no processo de construção identitária de nossas
entrevistadas.
Para Lima (Ibidem) as propostas educacionais do MN iniciadas na década de setenta
resoaram no estabelecimento de uma área de estudo de história e cultura africana nos currículos
escolares e acadêmicos. Entramos em concordância com seu argumento por entendermos que todas
as iniciativas tomadas pelo MN brasileiro têm sido em busca de uma educação e sociedade de
caráter mais democrático.
Chama a atenção à mobilização política para a inserção do currículo contra-hegemônico nos
sistemas de ensino como as propostas tratadas por Gomes (ibidem).
CONCLUSÃO
Segundo as considerações de Sousa (1983) o processo de tornar-se negro é reconstruir a
identidade negra por outras vias e se afastar da estrutura hegemônica branca narcísica e construir
uma consciência do processo ideológico que aliena cabeças e corpos negros.
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Será possível tornar-se negro como defende Souza (Ibidem) numa perspectiva afirmativa em
ambientes considerados perversos por algumas de nossas entrevistadas ou que ainda silenciam as
abordagens e práticas racistas? Verificamos através dos fragmentos dos depoimentos que para o
negro é uma relação complexa criar identidade positiva no contexto escolar.
Diante do exposto, é imprescindível que todos que buscam uma educação democrática
problematizem as questões etnicorraciais e os conflitos decorrentes dela. Para nós o profissional
docente é um mediador que podem contribuir muitíssimo com outras representações sociais de
negros (as). Entendemos que para o professor sempre há a possibilidade de selecionar o seu
conteúdo curricular (currículo oculto). Cabe a reflexão por que ainda temos educadores que se
recusam a exercerem uma educação para as relações étnicorraciais e se omitem sobre os conflitos
raciais no ambiente escolar? Afinal, o papel do professor não é contribuir também para uma
educação democrática e emancipatória?
Esperamos que este trabalho contribua nas discussões das relações etnicorraciais na escola.
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REFERÊNCIAS
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RESUMO
Neste artigo, pretendemos abordar as construções sociais de corpo e cabelo que mulheres negras inseridas
no nível superior realizaram ao longo de suas trajetórias escolares. Também apresentamos como tem sido
importante a atuação política dos movimentos negros na educação básica para a criação de identidades
negras afirmativas, construção de sociedade democrática e de educação formal que vise equidade e a
emancipação. Problematizamos o silêncio e omissão da escola em torno das práticas racistas e
discriminatórias. Questionamos as caracterizações etnocêntricas que a escola produz e reproduz em relação
às culturas africanas e afro-brasileiras. Entendemos que tais caracterizações são atravessadas por percepções
marcadamente racistas, machistas e classistas. Neste sentido, vemos a escola como instituição social que
manifesta e proliferar ideias racistas e de outras ordens de discriminações. Constatamos que o espaço escolar
não corrobora com representações afirmativas sobre indivíduos negros. Por esses motivos, buscamos discuti a
emergência de implementação da Lei n. 10.639/2003 de História e Cultura Africana e Afro-brasileira nos
currículos escolares. Por fim, sugerimos abordagens educativas que visem a autonomia dos estudantes negros
(as) e brancos (as).
Palavras-chaves: Educação. Formaçao de Professores. Identidade Negra. Gênero.