questÃo racial e o pauperismo: relaÇÃo e …

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1 UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL Jéssica Dantas de Medeiros QUESTÃO RACIAL E O PAUPERISMO: RELAÇÃO E FUNDAMENTOS SOCIO- HISTÓRICOS NA REALIDADE BRASILEIRA. Natal, UFRN. 2013

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Page 1: QUESTÃO RACIAL E O PAUPERISMO: RELAÇÃO E …

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CCEENNTTRROO DDEE CCIIÊÊNNCCIIAASS SSOOCCIIAAIISS AAPPLLIICCAADDAASS

DDEEPPAARRTTAAMMEENNTTOO DDEE SSEERRVVIIÇÇOO SSOOCCIIAALL

Jéssica Dantas de Medeiros

QUESTÃO RACIAL E O PAUPERISMO: RELAÇÃO E FUNDAMENTOS SOCIO-

HISTÓRICOS NA REALIDADE BRASILEIRA.

Natal, UFRN.

2013

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JÉSSICA DANTAS DE MEDEIROS

QUESTÃO RACIAL E O PAUPERISMO: RELAÇÃO E FUNDAMENTOS SOCIO-

HISTÓRICOS NA REALIDADE BRASILEIRA.

Monografia apresentada ao Curso de Serviço Social

da Universidade Federal do Rio Grande do Norte

como requisito parcial para obtenção do título de

Bacharel em Serviço Social.

Orientadora: Tassia Rejane Monte dos Santos

Natal, UFRN

2013

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Catalogação da Publicação na Fonte.

UFRN / Biblioteca Setorial do CCSA

Medeiros, Jéssica Dantas de.

Questão Racial e o pauperismo: relação e fundamentos socio-históricos na realidade brasileira/ Jéssica

Dantas de Medeiros. - Natal, RN, 2013.

110f.

Orientadora: Prof.ª M. Sc. Tassia Rejane Monte dos Santos.

Monografia (Graduação em Serviço social) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de

Ciências Sociais Aplicadas. Departamento de Serviço social.

1. Questão racial – Monografia. 2. Movimentos sociais - Monografia. 3. Políticas sociais - Monografia. 4.

Capitalismo - I Monografia. Santos, Tassia Rejane Monte dos. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

III. Título.

RN/BS/CCSA CDU 364:316.347

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4

Jéssica Dantas de Medeiros

QUESTÃO RACIAL E PAUPERISMO

Monografia apresentada ao Curso de Serviço Social

da Universidade Federal do Rio Grande do Norte,

como requisito parcial para obtenção do título de

Bacharel em Serviço Social.

__________________________________

Ms. Tassia Rejane Monte dos Santos - UFRN

(Orientadora)

____________________________________

Drª Maria Regina de Ávila Moreira – UFRN

(Membro Examinadora)

____________________________________

Drª Andréa Lima da Silva – UFRN

(Membro Examinadora)

Natal, 10 de junho de 2013.

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5

A minha amada mãe Maria de Lima,

pelo amor e dedicação.

A minha venerada vó Geracina de Lima,

pelo cuidado e ternura incondicional a mim

dedicados durante parte de sua vida.

Page 6: QUESTÃO RACIAL E O PAUPERISMO: RELAÇÃO E …

6

AGRADECIMENTOS

A todos que contribuíram para a construção e realização deste trabalho ficam

expressos aqui o meu agradecimento, especialmente:

À Professora Tássia Rejane Monte, pela orientação, pelo aprendizado e apoio em

todos os momentos indispensáveis.

Aos meus amigos e colegas de turma, pela ampla troca de experiências e

companheirismo no decorrer desses quatro anos de curso.

A todo o corpo docente do Departamento de Serviço Social, especialmente Aos

professores Regina de Ávila, João Dantas e Rosangela Alves pela dedicação e

comprometimento com uma formação profissional que ultrapassa o âmbito profissional,

incidindo também em nossas vidas. Aos bibliotecários e toda a equipe técnica da UFRN pela

ajuda incondicional ao longo dessa minha caminha na universidade.

Agradeço, principalmente, as minhas eternas e amadas amigas pelo carinho recíproco

e companheirismo compartilhado durante esses quatro anos. Sou muito grata a Klésia,

Vanessa, Ana Carolina, Aline, Priscilla e Miclécia por fazerem parte da minha história de vida

e por estarem comigo em todos os momentos. Muito aconteceu nesses quatro anos e, vocês

estiveram comigo em nos momentos mais intensos da minha vida, tanto os piores e como nos

melhores, obrigada pelo amor e por não me abandonarem!

A minhas amadas amigas Jéssica Roberta, Gabriela Nascimento e Maria das Graças

por estarem sempre presentes em minha vida. Agradeço também a Judson Nascimento,

Alysson, Allan, Sandrinho, Rogério, João Carlos pelo carinho e paciência.

A minha mãe Maria de Lima, a quem dedico este trabalho. É dela de onde vem toda a

força que me motiva a lutar, resistir e a vencer todos os desafios cotidianos.

A minha vó Geracina Lima, que já não está mais entre nós, mas que sempre cuidou e

orou por mim para que eu conseguisse sempre a realização dos meus sonhos.

A minha família, a qual sinto tanta falta de ter por perto, mas que sempre me apoiam

em todos os momentos da minha vida. A minha prima Luciene Dantas, a quem considero

como uma mãe. Obrigada por me proteger, me amar e, por me ensinar os princípios e valores

que fazem parte da minha vida.

Ao meu amor, por toda a felicidade e pelos momentos de alegrias, te amo! A todos

que, de alguma forma, contribuíram para esta realização deste trabalho: Um muito Obrigado!

Page 7: QUESTÃO RACIAL E O PAUPERISMO: RELAÇÃO E …

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Eu – Mistério

Sou um mistério.

Vivo mil mortes Que todos os dias

Morro

Fatalmente.

Por todo mundo

O meu corpo retalhado

Foi espalhado aos pedaços

Em explosões de ódio

E ambição

E cobiça de glória.

Perto e longe Continuam massacrando-me a carne

Sempre vida e crente

No raiar dum dia

Que há séculos espero.

Um dia

Que não seja angustia

Nem já esperança.

Dia

Dum eu – realidade.

(AGUSTINHO NETO, 1947)

Page 8: QUESTÃO RACIAL E O PAUPERISMO: RELAÇÃO E …

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RESUMO

Este trabalho é resultado de uma pesquisa científica de cunho qualitativo, na área do Serviço

Social, sobre a questão racial no Brasil. Apreendida a partir da análise das categorias de

exploração e pauperismo, constructos analíticos fundamentais para crítica das estruturas

sociais vigentes, constatamos que a questão racial se assenta em contradições sociais e raciais

necessárias à reprodução da sociedade do capital. Um dos principais objetivos dessa

investigação foi analisar a questão racial, a partir do desvelamento das condições objetivas de

vida da população negra no país, sedimentadas no pauperismo, cujas evidências vem sendo

historicamente, camufladas pelo sustentáculo ideo-conservador do que a sociologia crítica

brasileira denominou de “mito da democracia racial”. Para tanto, como recurso teórico-

metodológico realizamos uma revisão bibliográfica, bem como uma análise crítica de dados

estatísticos, acerca da população brasileira, os quais auxiliaram na apreensão e reflexão sobre

as problemáticas raciais e seus determinantes sociais, tendo em vista a pesquisa sobre a

relação entre a questão racial e o pauperismo no Brasil. Os resultados mostram que as

desigualdades raciais existentes no país estão ligadas diretamente ao pauperismo da população

negra no Brasil, podendo ser compreendida como resultado de uma formação sócio-histórica

brasileira fundada nas crueldades e abusos legitimados pelo regime escravocrata deste o

tempo da colonização, sendo fomentada pelo desenvolvimento da sociabilidade capitalista, a

qual vem utilizando a reatualização do racismo como meio de atender suas necessidades,

tendo repercussões até os dias atuais. Apresentamos ainda uma breve análise das expressões

do movimento negro, formas de resistência e luta da população negra frente às desigualdades

raciais que incidem no preconceito e discriminação racial e de cor postas nas condições

objetivas e subjetivas de vida da população negra pauperizada. Por isso, ratificamos, ainda

que contraditoriamente, dado os limites e desafios que perpassam as políticas públicas, a

necessidade de ampliação e consolidação de políticas universais, bem como de ações

afirmativas, no enfrentamento à questão racial. Nesse sentido, compreendemos que a

organização coletiva expressa por muitas lutas e resistências se constitui na principal maneira

de superar as problemáticas raciais, a qual deve ser pautada na crítica às bases que produzem

e reproduzem as desigualdades sociais e, consequentemente, as opressões raciais.

Palavras-chave: Questão racial. Pauperismo. Capitalismo. Movimentos sociais. Políticas

Sociais Afirmativas.

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9

ABSTRACT

This work is a result of scientific research of a qualitative nature, in the field of Social Work,

on the issue of race in Brazil. Seized from the analysis of the categories of exploration and

pauperism, analytical constructs central to criticism of existing social structures, we found

that the racial issue rests on social and racial contradictions necessary for social reproduction

of capital. A major objective of this investigation was to analyze the racial question, from the

unveiling of the objective conditions of life of the black population in the country, sedimented

in pauperism, whose evidence has been historically, camouflaged by mainstay ideo-

conservative than the critical sociology Brazilian named the "myth of racial democracy."

Therefore, as a resource theoretical and methodological conducted a literature review and a

critical analysis of statistical data on the population, which assisted in the apprehension and

reflection on the problems of racial and social determinants, in order to research on the

relationship between the racial and pauperism in Brazil. The results show that racial

inequalities in the country are linked directly to the pauperism of the black population in

Brazil, can be understood as the result of a socio-historical formation Brazilian founded the

cruelties and abuses this slave regime legitimated by the time of colonization, being promoted

the development of capitalist sociality, which has been using the reviving of racism as a

means to meet their needs, with repercussions to the present day. We also present a brief

analysis of the expressions of the black movement, forms of resistance and struggle of black

people face racial inequality that focus on prejudice and racial discrimination and color put in

the objective and subjective conditions of life of the black population lives in extreme

poverty. Therefore, ratify, even contradictory, given the limits and challenges that underlie

public policies, the need for expansion and consolidation of universal policies and affirmative

action, in dealing with the issue of race. In this sense, we understand that the collective

organization expressed through many struggles and resistance constitutes the main way to

overcome racial issues, which should be based on critical bases that produce and reproduce

social inequalities and thus racial oppression.

Keywords: racial issue. Pauperism. Capitalism. Social movements. Social Policy Statements.

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LISTA DE FIGURAS

FIGURA 1 Participante da marcha do Movimento Negro Unificado, em São Paulo,

novembro de 1979.

78

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 Pessoas de 10 anos ou mais de Idade, por cor ou raça e as classes de

rendimento nominal mensal – Brasil – 2010.

58

Tabela 2 Valor médio do rendimento mensal total nominal das pessoas de 10 anos ou

mais de idade, residentes em domicílios particulares permanentes, por cor

ou raça. – 2010

63

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LISTA DE SIGLAS

CECAN Grupo Afro-Latino América, Câmara do Comércio Afro-Brasileiro.

CUT Central Única dos Trabalhadores.

FIES O Fundo de Financiamento Estudantil.

FNB Frente Negra Brasileira.

IBGE

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.

INSPIR Instituto Sindical Interamericano pela Igualdade Racial.

IPEA

Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada.

MNU Movimento Negro Unificado.

MUCDR Movimento Unificado Contra a Discriminação Racial (MUCDR).

ONU Organização das Nações Unidas.

PCB Partido comunista Brasileiro.

PIB Produto Interno Bruto

PME Pesquisa Mensal de Emprego.

PNSIPN Política Nacional de Saúde Integral da População Negra.

PRN Partido da Reconstrução Nacional.

PROUNI Programa Universidade para Todos.

PT Partido dos Trabalhadores.

REUNI Programa de Apoio ao Plano de Reestruturação e Expansão das Universidades

Federais.

SPM Secretária de Políticas para Mulheres.

SUS Sistema Único de Saúde.

TEN Teatro Experimental do Negro.

UDN União Democrática Nacional.

UHC União dos Homens de Cor.

UNESCO Organização das Nações Unidas para a educação, a ciência e a cultura.

Unifem Fundo das Nações Unidas para as mulheres.

Page 12: QUESTÃO RACIAL E O PAUPERISMO: RELAÇÃO E …

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO.

13

2. A QUESTÃO RACIAL NO BRASIL: CONSIDERAÇÕES ACERCA DA

FORMAÇÃO SÓCIO-HISTÓRICA.

24

2.1. O LUGAR DO NEGRO NA SOCIEDADE BRASILEIRA: O RACISMO

COMO ELEMENTO CONSTITUTIVO DO SISTEMA DE DOMINAÇÃO

CAPITALISTA.

25

2.2. PAUPERIZAÇÃO DA POPULAÇÃO NEGRA E MITO DA

DEMOCRACIA RACIAL: DESVELANDO OS FUNDAMENTOS SÓCIO-

HISTÓRICOS.

45

3. INCONFORMISMO E RESISTÊNCIA: EXPRESSÕES DE LUTA DA

POPULAÇÃO NEGRA NO BRASIL.

69

3.1. CONSCIÊNCIA POLÍTICA E MOVIMENTO NEGRO NO BRASIL.

71

3.2. POLÍTICAS DE ENFRENTAMENTO A QUESTÃO RACIAL:

CONQUISTAS, LIMITES E DESAFIOS HISTÓRICOS.

88

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS. 101

5. REFERÊNCIAS 104

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1. INTRODUÇÃO

"Eu tenho um sonho. O sonho de ver meus filhos julgados pelo caráter, e não pela cor da pele.” Martin Luther King (1963).

Este estudo analisa a questão racial e os determinantes histórico-sociais que

condicionam a questão do negro na realidade social brasileira. Tendo por centralidade o

estudo da categoria pauperismo para a apreensão da questão racial no país. Nesse sentido,

mesmo compreendendo as problemáticas raciais como sendo determinadas por aspectos

histórico-culturais, psicológicos, sociais, políticos-ideológicos e econômicos, centralizamos

na crítica à sociabilidade capitalista, o qual se constitui como essencial a produção e

reprodução das condições de pauperização de vida da classe trabalhadora e população negra

no Brasil.

Assim, no presente estudo centralizamos nossa análise na apreensão das problemáticas

raciais e em seus determinantes histórico-sociais, tendo por componente basilar a

compreensão do pauperismo como elemento cotidianamente presente nas condições de vida

das população negra na realidade social brasileira. Ponderando também que essas populações

não são passíveis à barbárie social que as afronta, pois não somente sofrem as determinações

das precárias condições de sobrevivência, mas se mostram resistentes e organizados

politicamente a partir do questionamento e enfrentamento às situações de desigualdades

sociais e raciais, que vem historicamente constituindo as determinações do racismo. Assim

analisamos no decorrer do trabalho que as principais lutas e conquistas dos movimentos anti-

racistas, especialmente, dos movimentos Negros no Brasil, apresentam mediações que tecem

ações jurídico-formal, tais como Leis e políticas públicas. Mesmo com factíveis limites, são

conquistas importantes para o processo de afirmação social da diversidade racial no país.

A desvalorização do negro no processo de construção social, fruto de um racismo que

marca a cultura brasileira deste os tempos coloniais e, que consequentemente rebate na

condição desigual do negro na sociedade brasileira atualmente. E que embora, muitos estudos

ganhem grandes repercussões, tal como o estudo de Florestan Fernandes, impresso no clássico

livro “Integração do Negro na Sociedade de Classes” de 1978, compreendemos a importância

de estudos sobre a questão racial que fomentem reflexões e o debate sobre esta temática, que

embora tenha raízes no período colonial, ainda se constitui em um tema bastante atual, visto

que a configuração da questão racial na atualidade sobrevém enquanto dificuldades na vida

social de muitas mulheres e muitos homens negros.

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Diante disso, compreendemos a importância deste estudo para a reafirmação dos

princípios defendidos pelo projeto ético político do Serviço Social, tendo em vista que a

construção de uma nova sociabilidade, como luta maior para superar as desigualdades sociais

intrínsecas ao sistema do capital, tendo em vista o fortalecimento das resistências e lutas

políticas para alcançar uma efetiva igualdade racial, enquanto pressuposto para a emancipação

humana. Pois compreendemos que não há emancipação humana com discriminação,

desigualdade social e racial e privação de liberdade.

No tocante a relevância acadêmica, este estudo é importante para promover a maior

apreensão da realidade social, em peculiar a questão racial, com o intuito de oferecer

subsídios para intervenções profissionais mais qualificadas no sentido de promover o

enfrentamento a preconceitos e discriminações raciais. Tendo em vista, os princípios

fundamentais do código de ética do Serviço Social (1993) que objetivam a defesa

intransigente dos direitos humanos, a consolidação da cidadania, defesa da democracia,

justiça e igualdade social.

Para a realização dos nossos estudos, tendo em vista o conhecimento e análise dos

principais elementos que perpassam a “questão racial” no Brasil, buscamos apreender o

pauperismo para analisar as particularidades desta questão na sociabilidade do capital.

Realizamos uma análise baseada na teoria social marxista, compreendendo que o objeto da

presente pesquisa é fruto das contradições do sistema de produção capitalista, e a população

pesquisada também concebe todas as contradições sociais existentes em nossa sociedade as

quais são inerentes ao capitalismo. Nesse sentido, não reduzimos a questão racial a dimensão

economicista ou política, pois também compreendemos esta como sendo permeada e

determinada por aspectos totalizantes que influem na cultura, ideologia e demais instâncias

sociais. No entanto, de maneira concisa, centralizamos nossas análises na crítica as relações

sociais reproduzidas pelo modo de sociedade vigente, como meio de depreender o objeto

dessa análise. Assim, centralizaremos na apreensão dos determinantes universais que

interferem na questão racial no Brasil, mas também ponderamos as particularidades e

singularidades que determinam as relações raciais no país.

No tocante a dimensão teórico-metodológica, a pesquisa foi construída, a partir de

estudos das teorias sociais e da interlocução com trabalhos científicos acerca desta temática,

através do levantamento e estudo bibliográfico, bem como na análise de dados estatísticos,

sobretudo, das últimas pesquisas divulgadas pelo IBGE. Nesse sentido, dentre os principais

autores utilizados ao longo deste trabalho, fazemos referência às contribuições de Octavio

Ianni para a reflexão crítica sobre o “lugar” do negro no Brasil, articulando a outras reflexões

Page 15: QUESTÃO RACIAL E O PAUPERISMO: RELAÇÃO E …

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empreendidas por autores como Florestan Fernandes, Abdias Nascimento com o objetivo de

fomentar reflexões a cerca da questão racial e suas implicações para uma construção

sociohistorica do “Lugar” da população negra no Brasil. Utilizamos Karl Marx para

compreender os fundamentos da categoria pauperismo no marco da sociabilidade capitalista.

Para tanto, foi imprescindível a análise do processo da formação histórica e

sociocultural da população brasileira, ponderando o período sócio-histórico brasileiro

conhecido por “descobrimento”, quando o Brasil teria sido “descoberto” pelos portugueses,

emergente a partir das grandes navegações no século XVI no processo de expansão do

capitalismo, compreendendo este momento histórico como responsável pela formação das

bases que apoiaram a construção das relações raciais no país.

Dessa forma, buscamos compreender a questão racial no Brasil desde a sua gênese,

sendo necessário ponderarmos sobre o período de colonização, o qual é caracterizado pelo

regime escravista. E a escravidão, segundo Neto e Braz (2010) podem ser compreendidos a

partir do surgimento do excedente econômico e sua apropriação por aqueles que passaram a

explorar os produtores diretos, emerge, então, o modo de produção escravista. E no Brasil,

este modo de produção é caracterizado em primeiro momento, pela escravidão dos indígenas,

e mais intensamente, em um segundo momento, a partir da escravidão do negro africano,

conforme aponta Carvalho (2007) e Prado Junior (2000). Carvalho (2007) reconhece que a

colonização foi um empreendimento do governo colonial aliado a particularidades, contendo

uma conotação comercial, a qual estava associada ao desenvolvimento de uma sociabilidade

pautada no capital.

De acordo com Netto e Braz (2010), quando se analisou a possibilidade de um homem

produzir mais do que consome é o que se evidenciou o quanto era compensador escravizá-lo.

O excedente produzido por escravos torna-se mercadoria, e a partir disso, o comercio começa

a se desenvolver com o surgimento da atividade mercantil. Assim depreendemos que o

período colonial já nasce no sistema econômico capitalista. E nesse sentido, o negro ao

mesmo tempo em que se constitui em produtor de excedentes, também se constitui em uma

mercadoria. E é a partir dessa lógica que o tráfico negreiro foi incentivado, dentre outros

motivos, por ser uma atividade extremamente lucrativa (conforme Prado, 2009), e da

necessidade de mão-de-obra para a realização da vantajosa atividade de produção de açúcar.

Diante disso, Carvalho (2007) analisa que os escravos são importados, inicialmente, na

segunda metade do século XVI, e processo prosseguiu ininterrupta até 1822, tendo em vista

suprir a mão-de-obra necessária para a produção de riquezas sob a exigência do sistema

econômico capitalista no período colonial, tendo em vista sua expansão na Europa.

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Para Prado Junior (2000), o também lucrativo tráfico africano foi intensificado ainda

para incremento da mão-de-obra para trabalho escravo depois das “leis pombalinas” (Lei de

proteção aos indígenas), sendo considerado como um tipo de escravidão mais “tranquila”,

visto que a escravidão do negro era justificada e aceita tanto do ponto de vista legal, a qual

tinha respaldo do Estado, quanto do ponto de vista ideológico e religioso.

Nesse contexto, para entendemos a gênese da questão racial no Brasil, foi necessário

compreendermos o desenvolvimento do sistema capitalista, o qual possui interferência no país

já no período de expansão do regime político colonialista. É nesse período que surge o negro

africano no contexto nacional, para sustentar o processo de expansão do sistema capitalista

comercial na Europa, a partir da necessidade, por parte dos colonos e produtores agrícolas, de

mão de obra para trabalhar nas fazendas produtoras de cana-de-açúcar. Denotando, a partir

disso, o estabelecimento de um processo chamado “tráfico negreiro”, no qual os coloniais

obrigavam populações negras a saírem do seu continente de origem (o continente africano)

para terem sua força de trabalho e seus corpos escravizados no Brasil, sendo obrigados a

viajar em péssimas condições nos navios negreiros. Dando início a um dos processos mais

cruéis e desumanos da história brasileira: o processo de escravidão da população negra.

Assim, analisamos que a escravidão dos negros no Brasil marca um período socio-

histórico permeado de opressões e dominações moldado pelo modo de organização social e

político vigente, que legitima a dominação de uma raça sobre outra. E nesse sentido, Fainello,

Scolaro (2007) discorrem sobre a escravidão no Brasil:

A escravidão desenraizava o negro de seu meio social e desfazia seus laços

familiares. Além dos trabalhos forçados, ele era usado como reprodutor de

escravos: era preciso aumentar o rebanho humano do senhor de engenho.

(FAINELLO; SCOLARO; FÉLIX; BORGES; CONCEIÇÃO, 2007, p.8).

Segundo Hasenbalg (1979), o domínio coercitivo dos senhores sobre os escravos de

forma cruel e desumana, está associado à ascensão da economia de plantação, que na época

do Brasil colônia já era firmada em bases do modo de produção capitalista, embora houvesse

as questões da tradição cultural.

Sendo assim, compreendemos ao longo deste trabalho que o processo de escravização

do negro africano no Brasil constitui-se em um processo de “abuso” de sua força de trabalho,

e também, como meio de destituí o negro de sua condição de pessoa humana, assim como

toda a sua objetividade e subjetividade enquanto sujeito social. Portanto, compreendemos que

historicamente, a partir da escravidão, houve uma impetuosa tentativa de destituí os negros de

sua cultura, de seus valores religiosos, políticos, por meio da sua exploração e opressão em

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17

todos os âmbitos da sociedade. Esse processo culminou na construção social do que

analisamos como o “lugar” do negro nesta sociabilidade, como sendo um lugar de

subalternidade e de pauperização de sua situação de vida.

Ao ponderar a sociedade escravista, Fernandes (2010), analisa que alguns estudiosos

da escravidão têm encarado suas relações com o capitalismo da perspectiva das sociedades

metropolitanas. No entanto, Fernandes (2010, p. 39) afirma que como conexão imediata da

escravidão o capitalismo se desenvolveu não nas sociedades metropolitanas em geral, mas

“naquelas sociedades que podiam preencher hegemonia através do poderio polít ico-militar e

financeiro-comercial”. De acordo com Fernandes (2010), a escravidão se insere, com relativa

rapidez, entre os pré-requisitos tanto da eclosão capitalista modernizadora, quanto da

formação e consolidação do capitalismo comercial. Segundo o autor, a escravidão não apenas

alimentou a crise do regime escravocrata e senhorial, a qual foi responsável pelo seu

desaparecimento, como também a construiu, “sem a persistência da escravidão e a

transferência do excedente econômico que ela gerava para as cidades a “história” seria

inexequível”, ou seja, a escravidão do negro no Brasil esta articulada diretamente ao

desenvolvimento do sistema econômico capitalista e, mais que isso, para que esse sistema se

expandisse foi necessário descaracterizar o negro enquanto pessoa humana (o qual era assim

como qualquer homem, detentor das mesmas necessidades básicas e das mesmas limitações

físicas, psicológicas, sociais, culturais, espirituais) para encobri-lo de resignificados

pejorativos associados ao estigma da cor da pele, para poder justificar sua exploração violenta

durante 300 anos de escravidão no Brasil. Além de usar a violência para obrigá-lo a produzir

riquezas excedentes, as quais foram apropriadas pelos senhores coloniais e constituíram-se na

base para a construção sociohistorica e econômica da sociedade brasileira.

Assim, compreendemos que a escravidão da população negra esteve associada ao modo

de produção capitalista como uma forma lucrativa de exploração da força de trabalho, que se

caracterizou a partir da coisificação do negro e transformação de sua pessoa humana em

mercadoria para cultivo apenas de um sistema econômico pautado em contradições, e

afirmação de um sistema social centrada no poder de uns, em detrimento ao direito a

liberdade e dignidade humana a uma população historicamente subalternizada.

Nesse sentido, Florestan Fernandes (2010), compreende o período de colonização

brasileiro, como sendo possível estabelecer dois tipos de confronto: o primeiro, apanhando as

fases socioeconômicas da evolução do sistema de produção e de dominação econômica, e o

segundo confronto permite considerar as fases de evolução do sistema social de poder. Ou

seja, a escravidão vai perpassar e servir como base para a evolução e expansão do sistema de

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18

produção capitalista no Brasil e para a evolução da política, a qual se constitui em duas eras

de emancipação: a primeira referente à continuidade do Estado Senhorial, e outra referente à

construção de um Estado burguês. É a partir dessa perspectiva que tentamos compreender os

determinantes históricos que incidiram diretamente nas condições atuais de vida da população

negra, compreendendo estes determinantes político-econômicos como basilares para a

apreensão das relações raciais desiguais estruturadas no país, a qual incide na exploração e

pauperização da população negra.

Analisamos também que ao longo desse período de escravização da população negra,

muitas revoltas sugiram nas fazendas e muitos escravos eram capturados ou mortos durante a

fuga, mas os que conseguiam fugir constituíam os quilombos (comunidades onde viviam a

população negra que conseguia fugir das senzalas). Ou seja, o negro também reagiu à

escravidão buscando sua liberdade, tendo em vista a conquista de uma vida digna. Havia

aqueles que conseguiam comprar sua “liberdade” ao contrair a Carta de Alforria, no entanto,

não tinham oportunidades e sofriam preconceitos e discriminações da sociedade. Nesse

sentido, analisaremos essas revoltas já como expressões de um inconformismo de sua

condição de escravo e as primeiras expressões do surgimento de uma organização da

população negra a qual culminou na emersão do um movimento negro no país.

Essa realidade começa a mudar quando, em meados do século XIX, a escravidão no

Brasil passou a ser contestada pela Inglaterra em consonância com as crescentes mudanças

socioeconômicas mundiais, tendo em vista a expansão e o desenvolvimento do sistema

capitalista. Assim, era necessária a superação da ordem social escravista para ampliar a

produção de riquezas e adquirir lucros, seria agora, fundamental a existência de “homens

livres” os quais pudessem também comprar mercadorias, e ainda serem “livres” para vender

sua força de trabalho.

Em 1888, a escravidão foi proibida no Brasil a partir do estabelecimento tardio da Lei1

Áurea. No entanto, esse importante marco legal que institui uma liberdade formal para os

escravos negros, na realidade é o mesmo que mascara a continuidade de explorações,

opressões e discriminações, e que nega oportunidades econômicas e condições dignas de vida

à população negra. A partir desta Lei, o Estado reconhece a liberdade do negro (liberdade

formal), mas não reconhece os danos causados pela escravidão à vida dessas pessoas, as quais

1 Analisamos que a lei da abolição da escravatura brasileira foi permeada por interesses contraditórios dos

movimentos mais progressistas, liberais e abolicionistas que pertenciam a segmentos modernos burgueses da

época. E nesse sentido, analisamos que a lei de abolição da escravatura foi instituída tendo em vista o

desenvolvimento e consolidação do sistema econômico capitalista no Brasil.

Page 19: QUESTÃO RACIAL E O PAUPERISMO: RELAÇÃO E …

19

continuam aprisionadas pela falta de oportunidades, pela falta de amparo do Estado, pelo

racismo fruto de preconceitos e discriminações contra os negros, associado ao acirramento das

desigualdades sociais produzidas e reproduzidas pelo sistema capitalista.

Com o fim do sistema escravista no Brasil, se iniciam algumas transformações

econômicas e políticas no país decorrente do desenvolvimento de um novo modo de

produção, as quais repercutem nas relações de trabalho. Iniciam assim, a relação de

trabalhador assalariado caracterizado pela compra e venda da força de trabalho. Mas, também

analisamos a mudança no pensamento e cultura relacionados à questão racial no país, as quais

são essencialmente relevantes, no entanto, incapazes de resolver a questão do negro nessa

sociedade de classes.

No entanto, o modo de sociabilidade é o mesmo, mas em sua fase concorrencial. E o

sistema capitalista continua a se caracterizar pela contradição entre capital e trabalho a qual

lhe é fundante em todo o mundo, bem como a apropriação privada da terra e dos meios de

produção e da riqueza social que é gerada de forma coletiva, os quais geram desigualdades

sociais inerentes a este modo de produção. Assim, ponderamos que esse modo de produção se

sustenta a partir do trabalho explorado e alienado. E a partir desse processo de apropriação

privada da riqueza socialmente produzida, que compreendemos a existência da divisão da

sociedade em classes sociais, onde concebemos a sociedade capitalista como arena de lutas

entre classes, de um lado, a classe burguesa detentora dos meios de produção e, de outro, a

classe proletária a qual possui apenas a sua força de trabalho para vender e garantir sua

condição de vida. Dessa forma, salientamos que este sistema se constitui a partir de uma

estrutura bárbara, desigual, individualista que propicia discriminações e opressões reguladas

na dominação de uma classe hegemônica sobre outra.

Sendo assim, mesmo com o fim o sistema escravista, o trabalho na sociedade

capitalista continua a ser um trabalho explorado. Segundo (trabalhadores de todo o mundo,

uni-vos!) Marx dizia que o trabalhador na sociedade capitalista esta sendo explorado tal como

fora na sociedade escravocrata e na feudal. E a partir disso, ponderamos uma contradição na

“liberdade” estabelecida aos escravos em 1888, a qual liberta os negros de uma sociedade

escravista (onde deveriam obedecer a um dono), mas os aprisionam na sociabilidade

capitalista, a qual continua a depender do trabalho explorado. Assim, o negro deixa de ser

escravo, mas continua a ser explorado na condição de trabalhador assalariado. Constituindo a

“liberdade formal” em uma ideologia para mascarar a constante condição de exploração do

trabalho da população negra no Brasil até os dias de hoje.

Page 20: QUESTÃO RACIAL E O PAUPERISMO: RELAÇÃO E …

20

Compreendemos assim, que a questão racial no Brasil está associada à categoria do

pauperismo no sistema capitalista. Visto que, segundo Santos (2007), Karl Marx foi que

sempre criticou a “mistificação” da sociedade capitalista e criou a teoria do pauperismo, a

qual é capaz de envolver as lutas dos trabalhadores tanto contra a pobreza quanto contra a

desigualdade. Conforme Santos (2007, p.1), esta categoria está “calcada na centralidade das

categorias trabalho, alienação/fetichismo e exploração”. E o negro no Brasil historicamente,

sempre esteve em uma situação subalternidade, sendo uma população constituinte

basicamente da classe trabalhadora, e nesse sentido sua condição social e política também é

determinado pelo pauperismo existente no modo de sociabilidade vigente, além dos

determinantes culturais.

Segundo Netto (2001), o fenômeno do pauperismo surge no século XIX durante a

primeira onda de industrialização na Europa, mediante a instauração do capitalismo em seu

estagio industrial-concorrencial, sendo expresso pela intensificação da pobreza e desigualdade

social, dando início as primeiras lutas de classe. A partir disso, vemos que o pauperismo não

se constitui em uma condição insueta no capitalismo, mas sim, em um fato inerente a este

sistema, o qual necessita das desigualdades sociais para se sustentar.

E é nesse modo de sociabilidade que as opressões e desigualdades raciais ganham

força, sendo no pauperismo um dos elementos para pensar a questão racial, a qual se

manifesta também a partir do racismo. Segundo Jaccoud (2008), no Brasil o racismo nasce

associado à escravidão, porém é exasperada após a sua abolição, quando ele vai se

estruturando como discurso baseado em teorias racistas, expressa por meio do projeto de

branqueamento que vigorou no Brasil até os anos 1930, quando foi substituído pela ideologia

de democracia racial. E nesse contexto histórico, que o negro é posto em um “lugar”

subalternização e discriminação, sendo construído socialmente um “lugar” para o negro.

Conforme Jaccoud (2008) ainda, a questão racial passa por efetivas mudanças em

nosso país, a partir da disseminação da ideologia de democracia racial, cujo termo surge na

década de 1940 e amplia-se em 1950 com a divulgação da obra de Gilberto Freyre. Jaccoud

(2008, p.51) nos ajuda a pensar a democracia racial como reinvenção de “uma história de boa

convivência e paz social” no país. Quando na verdade, a ideia de democracia racial serve

como escudo ao preconceito racial, ao invés de promover seu enfrentamento, a qual passa a

ser criticada no final do século XX, pelo movimento negro e por muitos teóricos, tais como

Fernandes (1978) quando em 1965 utiliza a compreensão de “Mito da democracia racial”,

para realizar a crítica a ideologia de democracia racial como forma de mascarar o preconceito

racial existente em nosso país.

Page 21: QUESTÃO RACIAL E O PAUPERISMO: RELAÇÃO E …

21

Sob essa perspectiva, realizamos algumas reflexões sobre o mito da democracia racial

estabelecida no Brasil, elencando o racismo enquanto expressão de preconceito e

descriminação os quais afligem a população negra.

O “mito da democracia racial” pode ainda ser nacionalmente desmistificada por dados

estatísticos, os quais denunciam a desigualdade racial existente no Brasil. Esses dados

denunciam que, embora a população Brasileira seja composta por cerca de 51% de negros,

cerca de 13% dos negros com idade de a partir de 15 anos são analfabetos, por exemplo,

sendo que apenas 10% da população brasileira são analfabetos.

E no Brasil, segundo dados do IBGE – Censo 2010 o número da população que se

declara negra ou parda cresceu cerca de 70% em uma década. Estes dados não são suficientes

para desmistificar ideologias de desvalorização da população negra, bem como de sua cultura,

contribuição social, e a afirmação de uma identidade negra consciente e livre por parte da

população brasileira. A população negra ainda não tem formada uma identidade racial,

construída a partir de uma história de luta e resistência essencial na construção da sociedade

brasileira. Ainda possuímos uma população negra que nega sua origem, pois é uma população

extremamente oprimida e discriminada socialmente.

Historicamente, pontuamos que poucas ações foram realizadas para o enfrentamento

ao racismo e como meio de promoção da igualdade e democracia no Brasil. No entanto,

compreendemos a instituição da Constituição Federal 1988 como um avanço formal também

para o enfrentamento da questão racial no país, quando estabelece em seu art. 5ª que “todos

são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza [...]”. Em 1989, quando se

estabelece a Lei nº 7.716/89 que criminaliza as praticas de racismo no país. E mais

recentemente, em 2010, no Estatuto da Igualdade Racial (2010) estabelecido pela Lei nº

12.288, na qual institui a efetivação da igualdade de oportunidades e a defesa de direitos a

população negra.

Destarte, analisamos o Estatuto da igualdade racial como é um importante avanço,

embora seja um marco legal que surge tardiamente. Explanaremos adiante que sua

materialização depende de transformações sociais que vão além de aspectos legais,

perpassando aspectos socioculturais e histórico-políticos inerentes à formação brasileira e ao

projeto societário vigente.

Dividimos nosso trabalho em duas seções: na primeira intitulada de “A Questão Racial

no Brasil: Considerações Acerca da Formação Sócio-Histórica”, no qual analisaremos os

determinantes sócio-históricos os quais se constituíram como pilares para a construção das

relações raciais desiguais entre brancos e negros no país. Diante disso, realizamos uma

Page 22: QUESTÃO RACIAL E O PAUPERISMO: RELAÇÃO E …

22

reflexão sobre o “lugar” do negro na sociabilidade de classes, compreendendo esta como

determinante das condições paupérrimas de vida da população negra; e na segunda, definida

com o “Inconformismo da População Negra: Expressões de Luta e Resistência”, realizaremos

uma análise sobre o inconformismo da população negra como propulsor para sua organização

e construção de uma consciência política e do movimento social negro atuante frente aos

preconceitos, dominações e discriminações raciais reproduzidas nas relações raciais

brasileiras, bem como sua importância na conquista de direitos e superação efetiva dessas

desigualdades, tendo em vista a transformação da sociedade. Por último, discorreremos sobre

nossas considerações finais a respeito deste trabalho, tendo em vista, analisar os resultados

alcançados e propor caminhos para o estabelecimento da igualdade racial.

Assim, a principal motivação para a realização desta pesquisa se apresenta pela própria

complexidade da problemática racial existentes no país. As desigualdades raciais perpassam

todas as relações raciais no Brasil, sendo profundamente necessário analisarmos todos os

determinantes sociais que permeiam a produção e reprodução das discriminações e

preconceitos raciais que incidem diretamente na vida da população negra no Brasil. A

motivação principal é depreender elementos da realidade social para fomentar a reflexão

crítica sobre os resultados dessa pesquisa, sendo essencial para que possamos pensar em

estratégias e meios de intervenção sociais frente a essas problemáticas, as quais são essenciais

para a compreensão das relações sociais engendradas neste modo de sociabilidade capitalista,

mas não são igualmente analisadas como outras expressões da “questão social”. Dessa forma,

na sociedade do capital a questão racial ganha materialidade semelhante às problemáticas

estabelecidas pela contradição entre o capital e trabalho, tais como a pauperização, exploração

e dominação da classe trabalhadora (a qual neste país é composta principalmente pela

população negra), mas que também apresenta questões singulares, pondo a questão racial

como um grande enigma, a ser necessariamente desvendado como pressuposto para a

compreensão e atendimento das necessidades sociais desses cidadãos nos limites do marco

capitalista.

A presente pesquisa tem relevância social por se tratar de uma temática que têm

materialidade na vida social de grande parte da população brasileira. E nesse sentido,

analisamos que esta pesquisa foi essencial para a apreensão sucinta das reais condições de

vida da população negra, caracterizadas por situações de precáriedade e pauperização. Assim

sua apreensão na totalidade brasileira, é compreendida aqui como fundamental, também, para

fomentar as lutas e resistências das populações negras, movimentos sociais negros e outras

entidades organizadas frente ao racismo e as discriminações raciais. Assim, os movimentos

Page 23: QUESTÃO RACIAL E O PAUPERISMO: RELAÇÃO E …

23

sociais negros terão mais um subsídio para o fortalecimento de suas reivindicações e pressões

do Estado, tendo em vista à conquista de direitos e políticas sociais que proporcionem

melhores condições objetivas e subjetivas de vida a população negra.

Do ponto de vista acadêmico, analisamos que a produção de conhecimentos é

essencial ao enfrentamento das problemáticas que afligem a humanidade e, este se constitui

em um dos papéis da universidade. Nesse sentido, depreendemos que a questão racial no país

é uma grande problemática posta na sociedade de classes, sendo imprescindível seu estudo e

pesquisa sobre seus determinantes microestruturais e macroestruturais para a fundamentação

da crítica para uma intervenção social qualificada na vida da população negra que tem suas

condições de vida incididas pelo pauperismo, pelo preconceito, discriminação, opressão e

exploração.

Page 24: QUESTÃO RACIAL E O PAUPERISMO: RELAÇÃO E …

24

2 CAPÍTULO – A QUESTÃO RACIAL NO BRASIL: CONSIDERAÇÕES ACERCA

DA FORMAÇÃO SÓCIO-HISTÓRICA.

“o Brasil moderno parece um caledeidocópio de muitas épocas, faz de vida e

trabalho, modos de ser e pensar. Mas é possível perceber as heranças do

escravismo predominando sobre todas as heranças”. (IANNI, 2004, p.61).

Ao analisarmos as particularidades da questão racial, podemos compreendê-la como

elemento cerne na discussão sobre desigualdades sociais no Brasil, a partir da análise da

formação sócio-histórica brasileira.

Compreendemos a questão racial ainda, como uma refração da “questão social”, a qual

se expressa enquanto pauperização, exploração e desigualdades da população negra. E para

entender todos os rebatimentos da questão racial na atualidade, torna-se necessário

analisarmos a questão racial como uma problemática que têm determinantes históricos na

construção sócio-histórica da população brasileira, respaldada pelo modo de produção

capitalista.

No Brasil, a classe trabalhadora, foi construída socialmente e amparada por uma

cultura e modo de sociabilidade que legitimava a exploração e a expropriação da riqueza

produzida pela mão de obra negra. Trata-se do modelo de acumulação capitalista, em sua fase

mercantil/comercial, caracterizada também pela colonização de povos e territórios e, teve, na

particularidade brasileira, uma conformação assentada pelo regime escravocrata, cuja base

social de trabalho explorado era baseada na mão de obra negra de origem africana. Assim,

compreendemos que, no Brasil, a questão social está intimamente ligada à questão racial.

Nesse sentido, devemos compreender a questão racial imbricada na história da formação da

sociedade brasileira como consequência das desigualdades econômicas, políticas e culturais

engendradas pela produção e reprodução de relações sociais contraditórias inerentes à

sociabilidade do capital que condicionam a vida da população negra desde o período de

colonização até a contemporaneidade.

Deste modo, compreendemos a necessidade de dividir essa seção em dois tópicos

centrais. Na primeira subseção, realizaremos uma reflexão crítica sobre os desdobramentos

sócio-históricos, ideoculturais, políticos e econômicos os quais contribuíram para a produção

e reprodução da questão social e racial, ou seja, para a discriminação, preconceito racial e

pauperização da população negra no Brasil.

Ao analisarmos a questão racial e seus rebatimentos socioeconômicos na condição de

vida da classe trabalhadora, compreendemos que esta se relaciona diretamente a situação de

Page 25: QUESTÃO RACIAL E O PAUPERISMO: RELAÇÃO E …

25

pauperização da população negra na sociedade brasileira. Assim, na segunda subseção,

discutiremos sobre a pauperização do negro na sociedade brasileira, tomando a questão racial

como expressão da questão social, compreendendo seus desdobramentos na

contemporaneidade, assim como o acirramento das desigualdades sociais e pauperismo da

classe trabalhadora e, os determinantes sociopolíticos que incidem na situação de exploração

da população negra nesta sociedade.

2.1. O LUGAR DO NEGRO NA SOCIEDADE BRASILEIRA

São profundos os laços que envolvem a questão racial a história da formação social

brasileira, construída a partir das contradições sociais essenciais do desenvolvimento

capitalista.

Desse modo, a questão racial se expressa na conjunção social de exploração da força

de trabalho, pauperização das condições de produção e reprodução da vida social. Marcado

por concepções de “raça”, discriminações e opressões motivadas por ideologias e culturas

pautadas no assentimento das desigualdades raciais e de classes sociais, os quais são

condicionantes da situação de desproteção à população negra na contemporaneidade, cuja sua

compreensão se enceta a partir da produção e reprodução histórica de determinantes culturais-

ideológicos baseadas na inferioridade e “desumanidade” do negro, assim como pelo

condicionamento da acumulação capitalista a partir da legitimidade do “abuso” da força de

trabalho da população negra deste o período Colonial, Império até a República, conforme

aponta Ianni (2004, p.85) ao compreender que “a historia da formação social brasileira

registra a desigualdade enquanto uma realidade concreta do Brasil Colônia ate os dias atuais”.

E ao analisarmos a questão racial nos referimos à condição social do negro no

desenvolvimento da sociabilidade brasileira, compreendendo o caráter histórico e dinâmico

das relações sociais. Conforme Ianni (2004) amplos elementos da questão racial no Brasil

dizem respeito ao negro. E podemos compreender esta referência ao considerarmos as bases

sócio-históricas e político-econômicas que fomentaram a Formação social brasileira. E nesse

sentido, afirmamos que a construção social brasileira foi estruturada a partir das relações

sociais desiguais que colocam o negro em situação de pauperismo no âmbito social, político e

econômico. Conforme aponta Ianni:

Sim, grande parte da questão racial no Brasil diz respeito ao negro, como etnia e

categoria social, como a mais numerosa “raça”, no sentido de categoria criada

socialmente, na trama das relações sociais desiguais, no jogo das forças sociais,

Page 26: QUESTÃO RACIAL E O PAUPERISMO: RELAÇÃO E …

26

como as quais se reiteram e desenvolvem hierarquias, desigualdades e alienações.

(IANNI, 2004, p. 143).

Ianni (2004) discorre sobre a questão racial no Brasil a qual se referencia,

principalmente ao negro, embora consideremos que a questão racial também possa se referir a

outras formas de “abusos” incididos a outras “raças” (como exemplo, o “massacre”

consolidado contra o índio brasileiro no período colonial). Contudo, o autor enfatiza a questão

racial como problemática do negro estruturada a partir da formação social brasileira,

compreendida ainda a partir das particularidades sociais e históricas que legitimaram as

desigualdades e alienações acometidas a população negra, as quais negaram o negro como

etnia e como categoria social. O que nos leva a refletir ainda, sobre as selvagerias investidas

historicamente contra os costumes, valores e as crenças da população africana, a qual embora

tenha sido negada e criminalizada, têm seus elementos eternizados na nossa cultura a partir do

processo de formação social do Brasil.

A população negra é marcada por discriminação, opressão e preconceito de raça,

gênero e de classe social frutos de discriminações e preconceitos estabelecidos socialmente, e

nesse sentido, Silva (2009, p.196) confirma que as desigualdades de classe e a desigualdade

racial no Brasil contemporâneo são expressões da herança do processo histórico, a que se

acrescem, atualmente, outros determinantes nesse processo. E pensar na questão racial como

sendo fundada a partir de relações capitalistas contraditórias, as quais foram construídas

historicamente adjuntas a formação sócio-histórica brasileira e, cujas refrações que se

apresentam até os dias atuais, significa refletirmos sobre os principais determinantes que

contribuíram para o advento e aprofundamento dessas desigualdades raciais, bem como para

pensarmos qual é “lugar” ocupado pelo negro nesta sociabilidade.

Segundo Silva (2009), para Ianni (2004) a população negra sempre ocupou lugares

mais vulneráveis e “invisíveis”, seja no âmbito social, político, econômico ou cultural. E para

analisarmos qual o espaço ocupado pela população negra em nossa sociedade, assim como

apreender a totalidade e suas principais demandas e reivindicações, é indispensável

ponderarmos alguns elementos destacados por Ianni (2004) dentre os quais:

[...] a incorporação do negro à sociedade brasileira como força escrava de trabalho, a

formação e desenvolvimento das castas, a formação social escravocrata, os “mitos

particularmente cruéis” criados pela “elite” dominante sobre a história da sociedade

brasileira e, por fim, a longa história de alienação e a ideologia racial evasiva que se

consolidou na sociedade brasileira em vários setores. (IANNI, 2004 apud SILVA, 2009, p.195).

Page 27: QUESTÃO RACIAL E O PAUPERISMO: RELAÇÃO E …

27

Assim, Ianni (1978) nos ajuda a compreender as peculiaridades da formação social

brasileira, tendo em vista a sociedade escravista e o seu processo abolicionista no país, cujas

características determinam as particularidades de integração e antagonismo raciais construídos

posteriormente ao processo de abolição da escravidão do negro e ininterrupto

contemporaneamente em nossa sociabilidade.

A incorporação do negro à sociedade brasileira sucedeu-se enquanto trabalhador

escravizado, cuja sua força de trabalho era à base da produção e expansão de plantações e

engenhos nas colônias. Ianni (1978) compreende que esse processo de escravização do

africano foi suscitado pelo processo de acumulação produtiva e consequente desenvolvimento

do capitalismo comercial, o qual provocou uma intensa acumulação de capital nos países

metropolitanos (principalmente nos países da Europa), a partir da exploração e expropriação

da riqueza socialmente produzida pelos africanos escravos, cuja consequência se materializa

no modo como foram estruturadas as relações sociais no período colonial. Assim, Ianni

(1978) compreende um paradoxo:

O mesmo processo de acumulação primitiva, que na Inglaterra estava criando

algumas condições histórico-estruturais básicas para a formação do capitalismo

industrial, produzia no Novo Mundo a escravatura, aberta ou disfarçada. (IANNI,

1978, p.4).

Da mesma forma Fernandes (2010, p.37) analisa a questão racial considerando sua

historicidade e sua conexão direta ao desenvolvimento do sistema capitalista. E nesse sentido,

o autor discorre que o Brasil conheceu, em sua história colonial e independente, várias formas

de escravidão. E acompanhando a história, analisamos que a escravidão do negro se

estruturou a partir de determinações dos vários “ciclos econômicos” (Fernandes, 2010, p. 37),

assim também compreendemos que a escravidão e “libertação” do negro estão essencialmente

articuladas ao processo de desenvolvimento e manutenção do modo de produção capitalista.

Não obstante, Nascimento (1978, p.49), compreende que o escravo foi essencial para o

começo da história econômica do Brasil quanto um país estabelecido sob o “signo do

parasitismo imperialista”. Estima-se que cerca de 4.000.0002 de africanos foram importados

para o Brasil (NASCIMENTO, 1978, p. 49), os quais foram essenciais para a produção das

riquezas da colônia, cujos seus excedentes significaram o lucro exclusivo da aristocracia

branca e a oportunidade de acumulação necessária para o desenvolvimento das relações

2 Número estimado apresentado por Nascimento (1978, p.49), o qual será retomado adiante.

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28

econômicas capitalistas. Deste modo, o africano escravizado representou o pilar central na

construção sócio-histórica da sociedade brasileira.

O africano escravizado construiu as fundações da nova sociedade com a flexão e a

quebra da sua espinha dorsal, quando ao mesmo tempo seu trabalho significava a

própria espinha dorsal daquela colônia. (NASCIMENTO, 1978, p. 49).

No entanto, contrapondo- se a isto, Gilberto Freyre, a partir da teoria luso-tropicalista3,

compreende que os portugueses obtiveram êxito em criar uma alternativa avançada de

civilização, supunha que “a história registrava uma definitiva incapacidade dos seres humanos

(os “selvagens” da áfrica, índios...) em erigir civilizações importantes nos trópicos”

(NASCIMENTO, 1978, p. 42). Quando na verdade, foram os escravos os principais

propulsores da construção da civilização nas colônias. E no tocante as reflexões realizadas por

autores como Gilberto Freyre, Oliveira Viana, Nestor Duarte e Fernando de Azevedo,

Fernandes (2010) critica a unilateralidade dos conhecimentos obtidos por esses autores.

Segundo Fernandes (2010, p. 71), “essa unilateralidade nasce da redução do macrocosmo

social inerente à ordem estamental e de castas ao micro social inerente a plantação ou

engenho e à fazenda”, dessa forma os autores desconsideram a totalidade, o contexto histórico

estrutural e seus determinantes.

Conforme Florestan Fernandes (2010, p.40), a escravidão “se insere entre os pré-

requisitos tanto da eclosão capitalista modernizadora, quanto da formação, consolidação e

diferenciação do capitalismo comercial”. Desta forma, o modo de produção capitalista, cujos

primeiros indícios de sua emersão sobrevêm a partir da essencial obtenção da produção de um

excedente econômico, envolveu a produção e reprodução de relações escravistas como meio

de ascensão do desenvolvimento das forças produtivas e para a produtividade do trabalho, por

meio da escravização do africano no Brasil, tendo em vista a usurpação de sua força de

trabalho.

[...] Na essência do funcionamento e dos movimentos do escravismo, enquanto

formação social, está um singular processo: a violência e a repressão abertas são

exigências políticas, sociais e culturais de ralações de produção organizadas para

poduzir mais-valia absoluta, produto esse que aparece direta e explicitamente como

expropriação. (IANNI, 1978, p. 39).

Para compreendermos a relação estabelecida entre o capital comercial e a consolidação

do trabalho escravo no Brasil, precisamos analisar as relações sociais de poder estabelecidos

3 Conforme Nascimento (1978, p. 42), Gilberto Freyre foi fundador da teoria luso-tropicalismo, a qual se

constitui em uma ideologia que prestou serviços ao colonialismo português.

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29

no período colonial caracterizado pelo controle direto da Coroa ao Brasil. E nesse sentido,

compreendemos a escravidão da força de trabalho do negro como sustentação da expansão do

capitalismo comercial na Europa a partir da invasão a novas terras e expropriação de toda a

riqueza delas produzidas.

Foi o capital comercial que comandou a consolidação e a generalização do trabalho

compulsório no Novo Mundo. Toda a formação social escravista dessa área estava

vinculada, de maneira determinante ao comercio de prata [...] e outros produtos

coloniais. (IANNI, 1978, p.6).

Assim, escravidão do negro africano no Brasil foi estabelecida devida sua

conveniência ao sistema econômico que se instaurava ainda no período colonial e vinculado

ao capital comercial Europeu, o qual se sustentava por meio da exploração da força de

trabalho do negro e da extração de seu produto excedente.

E para compreender a escravização de negros e índios, Ianni (1987, p.10) também

analisa a escravidão como sendo uma forma de prender o trabalhador aos meios de produção,

para que estes produzissem todas as mercadorias necessárias ao capital comercial. Assim, se

estes fossem assalariados poderiam invadir as terras devolutas disponíveis, podendo se

transformar em produtores autônomos. Essa teoria constituiu-se, inclusive, em um dos

principais motivos do estabelecimento da Lei de terras4 em 1850, articulado diretamente ao

desenvolvimento das relações sociais capitalistas.

Dentre as questões que fomentam a discussão sobre a escravidão no Brasil, são

abordadas também por Ianni (1987, p. 10 e 11) a necessidade de escravos devido à ausência

de mão de obra nas metrópoles para o desenvolvimento da produção de riquezas nas colônias;

E o fato de ser um negócio bastante lucrativo para os comerciantes ligados ao tráfico de

negros da África ao Novo Mundo.

A partir disso, compreendemos a essencialidade da escravidão do negro para a

construção sócio-historica brasileira, o qual foi fundamental para acender a produção de

riqueza e acúmulo de excedente econômico necessário ao sistema, sendo assim, responsável

pela sustentação, e ao mesmo tempo, pelo desmoronamento do sistema colonial e senhorial.

A escravidão do negro foi essencial também à crise final da produção escravista e

senhorial, pois conforme Florestan Fernandes (2010, p.40) dela também irrompe a negação do

regime escravocrata e senhorial, não através da atuação revolucionaria das massas escravas,

4 Por isso, que a questão racial também se constitui em uma problemática estreitamente articulado a questão

agrária no Brasil.

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30

mas por crises e rupturas que converteram o abolicionismo numa “revolução de branco para

branco”, a partir do surgimento e expansão de uma nova ordem social a qual estrutura as

novas relações de poder entre as classes sociais incidindo no desenvolvimento de um Estado

burguês e reconfiguração das relações econômicas entre o Brasil e países da Europa.

Ela alimentou essa crise, inclusive no plano construtivo, já que sem a persistência da

escravidão e a transferência do excedente econômico que ela gerava para as cidades

(segundo ritmos históricos lentos) a história ocorrida seria inexequível.

(FERNANDES, 1978, p. 41).

No entanto, compreendemos a existência de outras concepções que incidem

diretamente em um artifício na negligencia das análises sobre as relações sociais escravistas e

senhoriais no Brasil. Há compreensões que tendem a “romantizar” o processo de crise do

regime escravista no Brasil, as quais ressoam entre o senso-comum a partir da apreensão

social de ideologias postas pelas classes dominantes. Essas ideologias apresentam o processo

abolicionista da escravidão no Brasil enquanto um processo unilateral, sendo reconhecido

somente enquanto um acontecimento histórico incidido apenas pela ação “revolucionária”

massiva de homens brancos e negros depreendendo a escravidão como a perpetuação do

regime colonial. Reconhecemos esse processo histórico, pois não podemos recusar a

contribuição das lutas a favor da abolição da escravidão do negro, advindo do próprio

inconformismo e resistência do escravo. Porém, segundo Fernandes (2010, p. 40), a atuação

revolucionaria das massas escravas não chegaram a ocorrer como “fator tópico” das

transformações históricas, mesmo porque os escravos eram impedidos, por sua condição

objetiva e subjetiva marcada por sua exploração, precarização e subordinação aos senhores

escravos, da possibilidade de construção de uma consciência política transformadora de sua

condição de vida, imposta pela escravidão. E os abolicionistas constituintes da “raça”

dominantes mais preocupados com os benefícios econômicos incididos pela abolição da

escravidão. Na significação da abolição em seu histórico-estrutural, esta “foi sempre um

negocio de brancos, o resultado dos antagonismos entre os interesses da casta dos senhores

brancos e os interesses da burguesia branca emergente” (IANNI, 1978, p 40).

Perdeu-se de vista, assim, o que a escravidão, que aparecia de modo visível como o

principal esteio de perpetuação de tudo o que era colonial e senhorial, representava

para a emergência, a consolidação e a irradiação do que era capitalista e moderno.

(FERNANDES, 2010, p. 41).

Desta forma, a articulação entre o regime escravocrata e suas funções econômicas

pode ser compreendida, a partir das análises das funções econômicas da escravidão realizadas

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31

por Fernandes (2010), tendo em vista, o contexto histórico-estrutural a partir do sistema de

produção e de dominação econômica, compreendendo uma reconstrução analítica desde a

base econômica até as estruturas sociais de poder. E o autor também abrange as funções

sociais da escravidão, a qual esta necessariamente, relacionada “as determinações e

implicações da base econômica sobre o sistema social de poder e de dominação política”

(FERNANDES, 2010, p.43).

No que se referem às funções sociais da escravidão, esta era erigida adjunto de

relações de poder e dominação política, sendo estabelecidas no regime escravocrata a partir da

estratificação social em estamentos e castas distintas, onde o núcleo central era ocupado pela

“raça branca” dominante e ao redor os escravos índios, negros e mestiços. (FERNANDES,

2010, p. 64).

E a partir desse arranjo social, foram estabelecidos técnicas de controle e repressão

criados pelo sistema escravocrata para legitimar as crueldades estabelecidas contra o negro

escravo. Mesmo que as relações econômicas tenham sido determinantes ao estabelecimento

da escravidão no Brasil, este apenas conseguiria se manter diante de toda a sua contradição, a

partir do desenvolvimento de relações sociais centralizadas no poder e dominação.

Isto é, as transformações sociais escravistas tornaram-se organizações político-

economicas altamente articuladas, com os seus centros de poder, princípios e

procedimentos de mando e excussão, técnicas de controle e repressão. (IANNI,

1978, p.13).

Assim, para dissimular e manter as contradições sociais inerentes ao processo de

escravidão no Brasil e ao desenvolvimento das forças produtivas na Europa, segundo Ianni

(1978, p.13), a sociedade colonial cria e recria mecanismos de dominação que eram

materializados por meio da força coerciva altamente violenta e, por meio da disseminação de

ideologias que legitimavam socialmente a escravidão do negro e reprimiam qualquer

resistência ou ação política para preservar a produção e reprodução da ordem social

escravista.

O modo como era organizado as formações sociais no regime escravista implicavam

em um processo de alienação do trabalhador escravo, fomentada a partir da difusão de

inverdades de que o negro era física e moralmente subordinado ao senhor de escravos em sua

atividade produtiva e em suas atividades religiosas e culturais (IANNI, 1978, p.13):

Nessas formações sociais, as unidades produtivas [...] estavam organizadas de

maneira a produzir e reproduzir, ou criar e recriar, o escravo e o senhor, a mais-

Page 32: QUESTÃO RACIAL E O PAUPERISMO: RELAÇÃO E …

32

valia absoluta, a cultura do senhor (da casa-grande), a cultura do escravo (da

senzala), as técnicas de controle repressão e tortura, as doutrinas jurídicas, religiosas

ou de cunho “dawinista” sobre as desigualdades raciais.

Esses elementos analisados por Ianni (1978) legitimam a dominação do senhor de

engenho ao escravo no período colonial e são ascendentes de um processo de subordinação do

negro pelo branco, cujas consequências repercutem até hoje. Os quais construíram ideologias

que tem resquícios presentes nas atuais relações raciais e que ainda são utilizados como meio

de repressão e dominação do branco sobre o negro. Possuindo uma influência direta na

posição social ocupada pela população negra no Brasil, pois muitas das expressões de

preconceitos e discriminações que atingem o negro na atualidade são refrações dos “mitos

cruéis” criados pela classe dominante sobre a história da formação social brasileira e da longa

história de alienação e de criações de ideologias raciais que se solidificaram em nossa

sociedade.

Nesse sentido, Florestan Fernandes (2010, p.73), compreende que a superposição de

estamentos de uma “raça” dominante e de castas de “raças” dominadas, as quais eram

“legitimadas pelo “caráter sagrado” das tradições, da moral católica, do código legal e da

“razão do Estado”. Nesse sentido, “a escravidão mercantil só poderia implanta-se e

desenvolver-se em uma ordem societária dessa natureza”, onde a figura legal do escravo

definia-se, respectivamente, como “um inimigo doméstico” e um “inimigo público”

(FERNANDES, 2010, p. 73).

Destarte, a Igreja católica se constituía em uma instituição de grande influencia, a qual

reproduzia ideais que contribuíam para escravização, a desumanização e dominação do negro.

De acordo com Bertulio (2001), para a Igreja havia distinções entre a humanidade dos

indivíduos escravizados e a dos homens livres. Essas distinções tem como base a concepção

de que negros e índios não tinham alma, as quais legitimavam as ideologias colonialistas e a

dominação da raça branca.

O Império português mais adiante do projeto de colonização de novas terras tinha em

vista ainda, um projeto de expansão da doutrina da Igreja Católica5, diante do crescimento do

Protestanismo na Europa ocidental. Conforme Prado Junior (2000), as missões religiosas não

intervinham como simples instrumentos de colonização, também possuíam interesses

5 A expansão da Igreja Católica no Brasil sucedeu-se por meio da Companhia de Jesus fundada no século XVI,

por Ignácio Lopes de Recalde, nascido em 1534 na cidade de Loyola, Segundo Silva (2004) no contexto de

Contra-reforma Católica, com o intuito de impedir a proliferação do Protestantismo. E ao chegarem ao Brasil

catequizaram os índios, conforme Caminha (1999). E desta forma contribuíram para a “libertação” do índio da

escravidão, estabelecida formalmente por meio da “legislação pombalina” (PRADO JUNIOR, 2000, p. 89).

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33

próprios: o da Igreja. E nesse sentido, também usufruiu e contribuiu diretamente para a

manutenção das ações de dominação e exploração contra a população áfrica no Brasil.

Mas a Igreja católica também contribuiu para a legitimação da escravidão dos

africanos no Brasil, tendo em vista a criação de ideais negativos sobre os negros e, ao mesmo

tempo, a disseminação de um conformismo sobre a condição de ser escravo. Conforme Silva

Filho (2004, p. 33), “uma das afirmações mais danosas para o imaginário contra o negro, foi à

condenação divina dos negros a escravidão”, concretizada a partir da utilização da Maldição

de cam6/ cannã (Gênesis 9: 18-27), para justificar a escravização do negro, pois segundo estes

o negro seria descendente de cam e, por isso, eternamente escravos. Essa e outras concepções

estabelecidas pela Igreja Católica para autenticar a escravidão dos negros e, ainda se

apresentam presentes no ideário popular e se materializam por meio de preconceitos e

discriminações.

Não obstante, Nascimento (1978, p.52) faz uma reflexão sobre os mitos de que a

escravidão no Brasil teria sido minimizada pela influência da Igreja Católica. Quando na

verdade, o papel exercido pela Igreja é de “principal ideólogo e pedra angular para a

instituição da escravidão em toda a sua brutalidade”. Nesse sentido, a Igreja católica criou

mecanismo que possibilitassem a aceitação humilde pelo escravo de toda a sua exploração e

abusos, os escravos eram impelidos pela Igreja a acreditar na naturalização de sua condição de

escravo, eles precisariam aceitar pacificamente a sua exploração, pois assim, teriam uma

gratificação futura no céu. Segundo Nascimento (1978), “o mito de influência humanizadora

da igreja católica procura exonerá-la de suas implicações na ideologia do racismo sobre a qual

a escravidão se baseava”, e ao mesmo tempo, tende minimizar as injustiças e barbaridades da

escravidão do negro.

E essas ideologias contribuem para naturalização da condição atual de vida da

população negra. O africano deixa de ser escravo para se constituir em operário (assim, como

alguns brancos também empobrecidos). E a condição de trabalhador operário atribuída ao

negro surge logo a partir do estabelecimento do trabalho livre estando articulada diretamente a

crise da ordem escravocrata e senhorial.

No entanto, é necessário pontuarmos também a importância das religiões de matriz

africana, as quais são expressões da cultura, luta e resistência da população negra no país, as

6 Segundo Silva (2004, p. 33) a Maldição de Cam, constitui-se em um episódio citado no Antigo Testamento

(Gênesis 9: 18-27). Conforme a Bíblia, Noé excedeu-se no vinho e dormiu despido. Cam vendo-o naquele estado

chamou os irmãos para também observa-lo. Sem e Jaffé munidos de um lençol foram de costas e cobriram a

nudez do pai. Noé ao acordar e saber do ocorrido expulsou Cam de casa e o condenou, junto com seus

descendentes e com a intercessão de Jeová, a escravidão eterna.

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34

quais foram criminalizadas, suprimidas, e na atualidade ainda são discriminadas e tem sua

importância minimizada socialmente.

Para Abdias Nascimento (1978, p. 50), esse abominável sistema escravocrata, durante

muito tempo, desfrutou a fama de ser uma instituição benigna e de caráter humano (tendo por

apoio também, a ideologia da Igreja Católica). A exploração, violência e crueldade que são

inerentes ao processo de escravização do negro pelo colonizador português foram muito bem

disfarçadas por meio de ações da própria assimilação das populações africanas a cultura e

identidade portuguesas e criação de dissimulações oficiais criados pelos portugueses, no

entanto, conforme Nascimento (1978, p.50):

Essa rabulice colonizadora pretendia imprimir o selo de legalidade, benevolência e

generosidade civilizadora a sua atuação no território africano. Porém todas essas e

outras dissimulações oficiais não dissimularam a realidade, que consistia no saque

de terras e povos, e na repressão e negação de suas culturas – ambos sustentados e

realizados, não pelo artifício jurídico, mais sim pela força militar imperialista.

(NASCIMENTO, 1978, p. 50)

Algumas dessas distorções ressoam em nossa sociedade até os dias de hoje, pois foram

incorporados ao ideário do censo comum, “sempre na tentativa de erigir uma fachada

mascarando a ideologia imperialista” (NASCIMENTO, 1978, p. 50).

Devemos lembrar que “as palavras têm poder”, refiro-me as ideologias herdeiras das

tradições escravagistas de Portugal. E nesse sentido, as disseminações dessas ideologias

contribuem para o mascaramento das truculências praticadas contra o negro no período da

colonização, assim como para a invisibilidade do processo de escravidão do negro como um

importante determinante das condições atuais de vida da população negra, bem como

essencial a compreensão do lugar ocupado pela população negra na nesta sociabilidade.

Nascimento (1978, p. 50), vai discorrer sobre as distorções na história da formação

social brasileira disseminadas ainda hoje, a qual se expressa em ideias de que “a escravidão

sempre existiu na história da humanidade e que a escravidão já existia na áfrica”, “os

portugueses apenas trouxeram a escravidão ao Brasil”. E por isso, estavam justificados parte

da violência e os massacres estabelecidos pela escravidão no Brasil ao negro. De acordo com

essas concepções, “os africanos eram vencidos em guerras em seu continente e vendidos para

os portugueses, assim, isso seria aceitável justificar o cruel processo de remoção “obrigada”

dos negros da áfrica em navios negreiros, em insalubres e precárias condições de “vida”.

Estas são compreensões comumente repetidas em nossa sociedade, as quais se constituem em

“falsificações dos fatos históricos”. E apreensões dessas concepções limitam a análise da

escravidão do negro, ignorando seus reais determinantes e determinadores sociais,

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35

legitimando a desumanização sofrida contra os negros, mascarando assim, o caráter

contraditório e bárbaro deste período deletério para os negros.

Fernandes (2010, p. 44) nos ajuda a compreender as particularidades da “escravidão

moderna”, a qual foi estabelecida a partir da colonização, e a “escravidão antiga”, a qual

existia nos países da áfrica, como exemplo. Para o autor, a escravidão moderna é em sua

essência uma escravidão mercantil, e deste modo, o escravo se constituía na principal

mercadoria (“mola mestra da acumulação do capital mercantil”), embora, quando os senhores

compravam os escravos o que ele queria era a energia humana, a qual era utilizada por meio

da organização social do trabalho escravo (FERNANDES, 2010, p. 44). A partir daí,

Fernandes (2010) analisa duas conexões fundamentais da escravidão com o capitalismo no

período colonial, o “mercado de peças” e a “rede de negócios”.

Mesmo que utilizasse escravos nativos, o senhor tinha de penetrar no circulo do

capital mercantil. Com o “tráfico negreiro” e a universalização do trabalho escravo de origem africana, essa conexão de torna mais ampla e profunda. (FERNANDES,

2010, p. 45).

Desta forma, apreendemos a incoerência em comparar a cruel escravidão nativa com a

escravidão mercantil estabelecida pelos colonizadores. Permanecendo evidente a dimensão

ideológica e alienante de inverdades constituídas em um processo ainda persistente de

mascaramento das crueldades e abusos acometidos pela escravidão aos negros e, seus

desdobramentos que atingem os negros no Brasil contemporâneo. A dominação do negro e

ofensiva de sua cultura, religião, as rupturas de laços familiares e com sua etnia causados pelo

tráfico negreiro, são minimizados frente a forçar a aceitação das dissimulações em detrimento

da real análise da dimensão do holocausto que foi a escravidão para os negros no país.

E nesse sentido, Nascimento (1978) realiza algumas críticas ao cientista Gilberto

Freyre. Segundo Nascimento (1978, p. 42 e 43), Gilberto Freyre apresenta em seus estudos

elementos que tendem a glorificar a civilização tropical portuguesa, as quais são enfatizadas a

partir de teorias de miscigenação, cultural e física entre negros, índios e brancos.

Diante disso, compreendemos que Gilberto Freyre vai criar eufemismos raciais (o uso

da expressão morenidade, como exemplo) para racionalizar as relações de raça no país, no

entanto, conforme Nascimento (1987, p. 43), “não se trata de ingênuo jogo de palavras”, na

verdade se constitui em uma proposta que acende uma perigosa mística racista, tendo por

objetivo o estabelecimento de um “processo de branqueamento” da pele negra e a cultura do

negro, promovendo o desaparecimento do descendente africano.

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36

Esses eufemismos raciais estão ainda muito presentes no subjetivo da população e

interferem diretamente no reconhecimento de uma identidade racial do negro no país. São

poucos os que reconhecem sua identidade negra. E este acontecimento não é por acaso, faz

parte de uma construção social e histórica do que representou e representa ser negro nesta

sociabilidade. Segundo Nascimento (1978, p.47), o branco detém todo o poder político-

eonomico-social nesta sociabilidade. Assim, são “os brancos que controlam os meios de

disseminar as informações, o aparelho educacional, eles formulam os conceitos, as armas e os

valores do país”, e este controle vai se expressar negativamente na forma como o negro e

visto, e da mesma forma, como o negro se aceita socialmente. O domínio do branco sobre o

negro faz parte de uma construção social, onde a palavra negro era sempre utilizada com um

sentido pejorativo, sinônimo de escravo, inferior e subalterno. E estas construções têm

resquícios nos discursos da população ainda hoje. Essas associações negativas ao negro em

nossa realidade social materializam-se em ditados e analogias populares, vocabulários7

reproduzidos socialmente e expressão o racismo e o preconceito contra o negro.

Outra contribuição de Nascimento (1978) refere-se à compreensão do processo de

miscigenação estabelecido no Brasil. Conforme o autor há uma “ideia de que a formação do

Brasil se verificou obedecendo a um processo integrativo imune de qualquer preconceito”. E

esta realidade posta, contribui para a dissimulação de uma interação sexual saudável dos

portugueses com a mulher negra, negando assim, toda a violência e crueldade de como eram

tratadas sexualmente às africanas, estima-se que a proporção da mulher para o homem era

aproximado de uma mulher para cinco (NASCIMENTO, 1978, P. 61).

A questão da miscigenação foi um processo de tentativa de branqueamento da

população brasileira e se articula diretamente a questão do racismo. Segundo Jaccoud (2008),

a valorização do homem branco e de sua cultura não desaguou no Brasil colônia, pelo

contrário ele vai se evidenciar a partir do “racismo cientifico” nos anos 1880. A qual têm

laços estreitos com teorias do pensamento “como positivismo, o evolucionismo, o

darwinismo”, conforme Schwarcz (2003, p. 43) inicialmente introduzidas no panorama

brasileiro já a partir dos anos 1870. Tendo contribuições no fortalecimento e ampliação do

7 Ao consultarmos o dicionário, por exemplo, verificamos que o “branco” está sempre associado ao bom e o

negro sempre associado ao ruim: “Negro [...] 4. Escurecido; sujo. 5. Escuro; sombrio; 6. Que está escuro ou

azulado devido a traumatismo. 7. Figurado lúgubre; triste. 8. Figurado funesto, fúnebre; tético. Branco: 1. Cor de

cal, da neve ou leite; alvo. 2. Candido. 3. Lívido 4.claro.” (DICIONÁRIO DE LÍNGUA PORTUGUESA, Porto

Editora, 2012)

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preconceito e da discriminação racial, tanto no âmbito sociocultural, por meio do

aprofundamento da criminalização da cultura e crença da população negra, quanto político-

econômicas, tendo em vista a condição desigual de acesso da população negra as

oportunidades e riquezas socialmente e racialmente produzidas.

De acordo com Jaccoud (2008), a tese de branqueamento como projeto nacional surge

no Brasil como uma forma de conciliar a crença na superioridade branca com a busca do

progressivo desaparecimento do negro. Assim, sinalizamos ainda, a importância dessas

concepções para o fortalecimento do racismo e para o posterior processo de construção de

uma política e economia, na sociedade brasileira, centradas na racionalização, tendo

interferência direta do pensamento liberal e da lógica republicana no país. E mais tarde, sendo

responsável pela manutenção do prestigio social mantidos pelas elites brancas, conforme

Sales Junior (2009, p. 153), as “oligarquias da república velha que sustentavam o racismo

cientifico”. Neste contexto, depreendemos o racismo cientifico como um perigoso meio de

disseminação da superioridade racial, cultural, intelectual, moral e religiosa da população

branca, em detrimento da valorização e participação da população negra no desenvolvimento

social, político e econômico do país. Assim, embora o negro tenha historicamente se

constituído como alicerce desta nova ordem estrutural, permaneceu sendo usurpado de seu

“lugar” de direito por uma sociedade racista, que tem por interesse singular a manutenção dos

privilégios sociais dos brancos.

De outro lado, Soares (2011), discorre que antes no século XIX já se recorriam à

ciência para justificar as causas da violência contra os escravos, constituindo-se assim, em

mais uma maneira cruel de justificar e culpabilizar a própria população escrava pelos castigos

sofridos, bem como, de naturalizar esses abusos, tendo em vista a conservação da ordem

social escravista vigente e, paralelo a isso, o desenvolvimento da acumulação capitalista na

Europa.

Como já sinalizado, a escravidão do negro constitui-se na pilastra do desenvolvimento

do sistema escravista no Brasil e do capitalismo comercial na Europa, mas ao mesmo tempo

influenciou diretamente o processo de crise deste sistema colonial. A partir da exploração da

força do escravo, e a usurpação da mais-valia absoluta de seu trabalho, promoveram a

produção de excedentes econômicos apropriados pelos capitalistas da Europa e pelos senhores

de engenhos, promoveu um processo de expansão do sistema capitalista comercial em

capitalismo industrial, e o significado da escravidão mercantil para o desenvolvimento do

“setor novo da economia” (FERNANDES, 2010, p.57).

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38

Segundo Fernandes (2010, p. 61), o período dos anos 1860 até a data da Abolição da

escravidão no Brasil, marca a “crise final irreversível a escravidão”. Segundo o autor, a

escravidão mercantil, a qual produziu subsídios para a expansão da economia urbano-

comercial, passa a se constitui em uma barreira para o desenvolvimento do capitalismo. E a

partir da crise da ordem escravista vemos a emersão de uma nova ordem econômica, que põe

“a acumulação de capital mercantil gerada pela escravidão a serviço da revolução burguesa”

(FERNANDES, p.62).

Para Fernandes (2010, p 83), a crise do regime escravista no Brasil que surge de baixo

para cima, por causa ainda do problema da renovação da escravaria e da reprodução do

trabalho escravo (decorrente da Lei que proíbe o tráfico de escravos). E segundo o autor, foi

agravada pelas pressões dinâmicas decorrentes fatores internos como a expansão do setor

capitalista novo e a pressão emancionista e abolicionista e, pressões externas, vindas de países

Ingleses.

Destarte, para Fernandes (2010) “o senhor não sai dessas transformações como era

antes”. Contudo, ele não se converte em vítima da crise final dessa ordem, pois ainda

continuaram com outras condições de sua riqueza e do seu poder (como monopólio da terra,

forte e crescente participação nas atividades econômicas nascidas do crescimento da

economia urbano-comercial, etc.) (FERNANDES, 2010, P.84). De acordo com Fernandes

(2010, p. 84), a vítima das transformações ocorridas, foi o negro como categoria social, ou

seja, o negro escravo como agente essencial no processo de produção escravista, e mesmo

liberto como engrenagem econômica da estamental e de castas (FERNANDES, 2010, p.84).

Para os senhores de engenho havia a possibilidade de torna-se capitalista, mas para os

escravos não haviam muitas possibilidades:

Ficou com a poeira da estrada, submergindo na economia de subsistência, com as oportunidades medíocres de trabalho livre das regiões mais ou menos estagnadas

economicamente e nas grandes cidades em crescimento tumultuoso, ou perdendo-

se nos escombros de sua própria ruína, pois onde teve de competir com o

trabalhador branco, especialmente o imigrante viu-se refugado e repelido para os

porões, os cortiços e a anomia social crônica. (FERNANDES, 2010, p. 84).

Assim, segundo Ianni (2005, p.88), “com a abolição, a emergência do regime de

trabalho livre e toda a sequencia de lutas por condições melhores de vida e trabalho, nessa

altura da história coloca-se a questão social8”. Nesse sentido, compreendemos que a formação

8 Segundo Netto (2001, p.42), a questão social tem história ressente, começando a ser utilizada na terceira década

do século XIX. O referido autor compreende que a expressão “questão social” surge para explicar o fenômeno

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social brasileira se produz em bases do capitalismo comercial com a exploração do trabalho

escravo, mas a questão social vai surgir a partir da transição do sistema capitalista comercial

ao capitalismo industrial-concorrencial.

É partir dessa conjuntura que hoje, a população negra ocupa um “lugar” de

subalternidade, vulnerabilidade social, podendo ser considerado como um dos segmentos que

mais sofre com as expressões da questão social no país, na qual se insere a questão racial.

Assim é estabelecido o “lugar” do negro nessa sociedade, como sendo “lugar” de

pauperização e o criminalização. Esse lugar é validado por essa sociedade de classes, também

por meio de um processo de legitimação social criado a partir da construção de ideais

religiosos, disseminação de uma cultura racista, a qual naturaliza as relações sociais desiguais.

Sociedade em que o negro ocupa o lugar de operário, trabalhador explorado, subalternizado,

privado de oportunidades de participação política, obrigados absorver uma cultura dominante,

contraditória por ser homogeneizadora e segregadora simultaneamente.

Conforme Netto e Braz (2008, p. 125), o modo de produção capitalista particulariza-se

historicamente por uma reprodução peculiar, compreendida a partir da acumulação de capital.

Ou seja, o modo de produção capitalista só existe a partir da acumulação de capital.

Assim como foi na Europa, o capitalismo só pôde se desenvolver no Brasil com a

acumulação de capital produzido a partir expropriação da riqueza produzida pelos escravos no

novo mundo, portanto, a acumulação de capital só é possível com a exploração da força de

trabalho. Foi assim com a exploração da mais-valia absoluta dos escravos e continua assim

com extração da mais-valia relativa dos trabalhadores livres.

A abolição da escravatura foi uma transformação revolucionária das relações de

produção, pois que, ao possibilitar a generalização do trabalho livre, abriu novas e

amplas condições para o desenvolvimento das forças produtivas; e implicou a

transformação das relações e estrutura de castas especificas do escravismo, em

relações e estruturas de classes sociais. (IANNI, 1978, p.38).

Deste modo, a abolição da escravatura compreendida por Ianni, marca uma crise final

de um regime econômico e social, pautados em relações socais estabelecidas a partir da

estratificação social em estamentos e castas e em um sistema econômico apoiado na

exploração do escravo e na expropriação da sua mais-valia absoluta. Mas, o desenvolvimento

mais evidente da história da Europa Ocidental que conhecia os primeiros impactos do processo industrializante

iniciada na Inglaterra no último quartel do século XVII, tratava-se conforme Netto (idem) do fenômeno do

pauperismo. “Com efeito, a pauperização (neste caso a mais valia-absoluta) massiva da população trabalhadora

constituiu o aspecto mais imediato da instauração do capitalismo em seu estágio industrial-concorrencial”

(Idem).

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das forças produtivas, compreendido por Ianni, não aboliu os antagonismos sociais, apenas

substituiu as diferenças entre os estamentos e castas por classes sociais antagônicas,

construídas a partir de novas contradições, novas opressões, e explorações, no âmbito social e

econômico. Pode-se proferir que este processo representou a transformação do Senhor de

escravos e colonos em burguês e a transformação do escravo negro e o do branco pobre em

operário.

Mesmo com a continuação das contradições sociais inerentes ao sistema do capital, a

abolição do trabalho escravo deve ser compreendido, em certa medida, como um “progresso”

(apesar de que a abolição foi um processo muito lento, o qual se estende até hoje). A partir

das novas relações sociais, o poder coercivo sobre os negros para aquisição de sua mais-valia

absoluta, foram minimizados ou substituídos por outros meios, também perversos, de

dominação. No entanto, devemos ter cautela, pois a concepção de “liberdade” disseminada

pelo processo abolicionista se mostra como um elemento alienador para o trabalhador “livre”

e não representa um real melhoramento nas condições de vida do negro. A liberdade aferida

aos escravos, não se constitui em uma “liberdade” concreta e têm por traz interesses do capital

que sempre estarão em detrimento aos interesses da classe explorada.

Desde que a civilização se baseia na exploração de uma classe por outra, todo o seu

desenvolvimento se opera num constante contradição. Cada progresso na produção

é, ao mesmo tempo, um retrocesso na condição da classe oprimida, isto é, imensa

maioria. (ENGELS, in MARX e ENGELS, 1963, 3: 140-141 apud NETTO e BRAZ, 2008).

O escravo torna-se “livre da escravidão”, mas essa liberdade é materializada apenas no

aspecto formal, pois sua condição continua a de subordinação, pois há uma construção social

e econômica que determina isto. Pois, por mais que sejam “livres” para trabalhar e viver, sua

força de trabalho não é suficiente, eles precisam de meios de produção para trabalhar,

produzir riquezas e garantir sua subsistência. No entanto, o capitalismo se assenta também na

propriedade privada dos meios de produção, cujos proprietários são a classe burguesa, em

maioria “branca”. Estando assim, o negro sendo obrigado a vender sua força de trabalho para

garantir a produção e reprodução de sua vida. Assim, o negro passa, junto com alguns brancos

empobrecidos e, principalmente, com imigrantes a compor a classe proletária, composta por

aqueles que não possuem meios de produção, apenas a força de trabalho para vender. E do

mesmo modo, o estabelecimento do trabalho livre, segundo Ianni (1978, p. 42) corresponde a

relações de produção mais propicias à produção de lucro.

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Na sociedade capitalista, na qual predomina o trabalho livre, a mercadoria aparece

fetichizada a consciência do operário e do burguês. O fato de que o operário vende a

sua força de trabalho por um salário especifico em contrato de que pode vender a diversos compradores, sucessivamente, e de que pode variar o preço dessa venda,

nas condições de mercado, cria no operário a ilusão de que o concreto e o salário, ou

a mercadoria, e não o trabalho alienado, a mais-valia (IANNI, 1978, p. 39).

Assim sendo, o trabalho livre pago por meio do assalario e as possibilidades de

aquisições de mercadorias aparecem aos proletários de maneira “fetichizada”, ou seja, a

mercadoria se apresenta a consciência do operário de forma mística (sendo cultuado). Atribui-

se então a mercadoria um “supervalor” que ela não possui em detrimento reflexão sobre o

trabalho, cuja consequência é o trabalho alienado e a mais-valia extraída.

E a questão do trabalho livre atinge o negro de forma particular, pois mesmo com a

abolição da escravidão, muitas ideologias implicavam na discriminação do negro e na

supressão de oportunidades, assim, os trabalhadores assalariados existentes eram assumidos

por “brancos” (principalmente imigrantes), sendo os piores trabalhos destinados aos negros,

isto quando tinha trabalho, a maioria os negros ficavam na mendicância e extrema pobreza.

Com efeito, desde a constituição da base urbano- industrial da sociedade capitalista,

o que tem resultado da acumulação é, simultaneamente, um enorme crescimento da

riqueza social e igualmente enorme crescimento da pobreza. (NETTO E BRAZ,

2008, p. 137).

E essa pobreza massiva da classe trabalhadora, analisada por Netto e Braz não é

exclusiva dos escravos libertos. A pobreza massiva da classe trabalhadora criada a partir das

contradições entre capital e trabalho é intrínseca ao sistema do capital. Embora a pobreza

sempre tenha existido em várias épocas diferentes na história da sociedade, a pobreza

estabelecida a partir do desenvolvimento do sistema capitalista é diferente, pois é inerente a

esta sociabilidade, sendo expressão das contradições sociais intrínsecas a sociedade do capital.

Conforme Netto (2001, p. 42), referindo-se ao fenômeno Pauperismo na Europa Ocidental,

“afirma que pela primeira vez na história registrada, a pobreza crescia na razão direta em que

aumentava a capacidade social de produzir riquezas”. E esta pauperização justificasse como

resultado da acumulação capitalista inerente ao modo de produção capitalista, que cria uma

polarização entre riqueza/ pobreza compreendida por Netto e Braz:

Todos os métodos de produção da mais-valia são, simultaneamente, métodos da acumulação e toda a expansão da acumulação torna-se, reciprocamente, meio de

desenvolver aqueles métodos. [...] Portanto, [...] a medida que se acumula capital, a

situação do trabalhador, qualquer que seja o seu pagamento, alto ou baixo, tem de

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42

piorar. [... a acumulação] ocasiona uma acumulação de miséria, tomento de trabalho,

escravidão, ignorância, brutalização e degradação moral no polo oposto [...].

(MARX, 1884, I, 2:210 apud NETTO E BRAZ, 2012, p. 138).

E a partir disso, Netto e Braz (2012, p. 139) compreendem o debate sobre a “questão

social” engendrada pelo capitalismo, como um meio de comprovação da influência direta da

“lei de acumulação capitalista” no processo de pauperização da classe trabalhadora. E este

processo se articula diretamente a questão racial, pois compreendemos que historicamente

foram os escravos negros os maiores contribuintes na sustentação da lógica de acumulação de

capital, já mencionado. E por isso, também foi à população que mais sofreu com os processos

de pauperização e posteriormente com a “questão social”. Assim, “Os trabalhadores

experimentam, no curso do desenvolvimento capitalista, processos de pauperização que

decorrem necessariamente da essência exploradora da ordem do capital” (NETTO E BRAZ,

2012, p.135).

A pauperização da classe trabalhadora pode ser compreendida através de duas

classificações: a pauperização absoluta e a relativa. Conforme Netto e Braz (2008, p.135) a

pauperização absoluta da classe trabalhadora se caracteriza quando suas condições de vida e

trabalho “experimentam uma degradação geral, como a queda do salário real, aviltamento dos

padrões de alimentação e moradia, intensificação do ritmo de trabalho, aumento do

desemprego”. E a Pauperização relativa ocorre, conforme os referidos autores, “mesmo

quando as condições de vida dos trabalhadores melhoram, com padrões de alimentação e

moradia mais elevados”; sendo caracterizada “pela redução da parte que lhes cabe do total dos

valores criados, enquanto cresce a parte apropriada pelos capitalistas”.

E nesse sentido, a expressão “questão social” surge para designação desse pauperismo.

Conforme Netto e Braz (2008), a questão social surge precisamente quando a base urbano-

industrial do capitalismo começava a se fixar e quando a acumulação se ampliava. A

expressão “questão social” relaciona-se exatamente aos desdobramentos sócio-políticos do

pauperismo, que é imbricada ao desenvolvimento das forças produtivas, mas ao mesmo tempo

diz respeito, as questões políticas que se desenrolam a partir das profundas polaridades entre

riqueza/pobreza expressas pelo pauperismo.

Como meio de reação ao pauperização massiva da classe trabalhadora e concomitante

produção de riquezas, conforme Netto (2001), os pauperizados, do inicio década do século

XIX até seus meados, protestaram de diversas formas, configurando uma ameaça real às

instituições sociais existentes. “Foi a partir da perspectiva efetiva de uma eversão da ordem

burguesa que o pauperismo designou-e como “questão social”.” (NETTO, 2001, p.43). Ou

Page 43: QUESTÃO RACIAL E O PAUPERISMO: RELAÇÃO E …

43

seja, o pauperismo só constitui-se em questão social, quando a classe trabalhadora reconhece

a sua condição de paupérrimo e as dimensões socioeconômicas que as condicionam, e se

apropriam de uma consciência política tendo em vista a eversão da ordem vigente.

Do mesmo modo Iamamoto (2002) e Santos (2012, p.17) reconhecem a “questão

social” como algo intrínseco ao desenvolvimento do sistema capitalista. Segundo Iamamoto

(2012, p.27), a questão social pode ser compreendida como “o conjunto das expressões das

desigualdades sociais engendradas na sociedade capitalista madura, impensáveis sem a

intermediação do Estado”. Esta perspectiva se contrapõe a outras apreensões conservadoras,

nas quais de acordo com Santos (2012, p. 17), há o desaparecimento “das conexões essenciais

que determinam esses fenômenos”.

A outra perspectiva referida por Santos (2012, p. 17), é analisada por Netto (2001, p.

43) como consequência dos acontecimentos da segunda metade do século XIX, quando

utilização indistinta do termo “questão social” é interrompida por críticos sociais de diferentes

aspectros ídeo-políticos, passando a compor “o vocabulário próprio do pensamento

conservador9”. Esse processo constitui-se também, para o referido autor, com a Revolução de

1848, considerada por ele como um “divisor de águas”, período que encerra o ciclo

progressista da ação de classe da burguesia e impede aos intelectuais a análise conjunta da

economia e a sociedade. Como consequência, há uma crescente naturalização da “questão

social” e distanciamento da crítica às estruturas históricas que a determinam, tendo em vista,

“a defesa da ordem burguesa”.

Mas a explosão de 1848, também “aferiu substantivamente as bases da cultura política

que calçava até então o movimento dos trabalhadores” (NETTO, 2001, p. 45), ou seja, surge a

partir deste acontecimento o evidenciado do antagonismo dos interesses de classes e a

“passagem, em nível histórico-universal, do proletariado da condição de classe em si a classe

para si”, são elementos que contribuem para a construção de uma consciência política sobre a

“questão social”, resolvida apenas com a superação da ordem burguesa.

Destarte, segundo Ianni (2004, p. 88), a “questão social” no Brasil, é posta com a

abolição da escravidão e com a emergência do regime de trabalho livre e toda a sequencia de

lutas por condições melhores. E deste modo, compreendem-se como expressões imediatas da

9 O pensamento conversador contrapõe-se a perspectiva de análise da “questão social” articulada diretamente a

crítica a sua estrutura histórica e econômica, tendo em vista a manutenção da ordem burguesa. Nesse sentido,

essas perspectivas fomentam debates interessantes, inclusive sobre a existência de uma “nova questão social”

analisada por Castel (As metamorfoses da questão social: Uma crônica do Salário. Petrópolis, Vozes, 2. ed.

1999). Veremos na seção 3 como esse pensamento conservador poderá incidir nas ações de intervenção a

questão social.

Page 44: QUESTÃO RACIAL E O PAUPERISMO: RELAÇÃO E …

44

questão social, além do paurerismo, outras problemáticas que fazem frente às conjunturas

sociais, econômicas, e políticas inerentes ao desenvolvimento da sociedade do capital. E nesse

sentido, a questão racial será analisada aqui como expressão da “questão social” no Brasil.

Segundo Ianni (2004, p.87) a “questão social” passou a ser ingrediente cotidiano em

diferentes lugares da sociedade nacional desde o declínio do regime de trabalho escravo, o

qual se articula as relações de classe social e a questão racial. Nesse sentido, compreendemos

a “questão racial” como expressão da “questão social”, pois encontra nas bases capitalistas

um terreno fértil para se desenvolver.

Compreendemos a “questão racial” no Brasil, compreendida como um conceito que

pode designar a realidade concreta das condições de vida da população negra no Brasil, a qual

historicamente foi acompanhada por discriminações, preconceitos e repressões sociais contra

o negro, fomentadas a partir de uma formação social da sociedade brasileira pautada em

desigualdades sociais, políticas e econômicas que determinam as condições de vida da

população negra desde o regime escravista até os dias atuais.

Portanto, compreendemos a pauperização da população negra como uma das expressões

da questão racial no Brasil. Pois quando analisamos o negro como categoria social,

compreendemos esta permeada por resquícios difusão de ideologias e teorias extremamente

cruéis que produziram e reproduzem o mito da inferioridade do negro a propósito do branco,

que ajudaram a legitimar a construção de uma formação social brasileira, marcada pelo abuso

da força de trabalho, da cultura, religião da população negra e posterior “naturalização” dessas

crueldades e discriminações deste o período da escravidão até os dias atuais. Sem esses

elementos seria impossível a compreensão da questão racial no Brasil, a qual se articula aos

antagonismos de classe social essencial a sociedade do capital, fomentando assim a análise do

“lugar” do negro na sociedade brasileira. Que é um lugar de subalternidade, mendicância,

legitimados por uma forte ideologia de Democracia Racial.

Compreendendo o “lugar” ocupado pelo negro em nossa sociedade, construído a partir

de determinantes históricos e culturais presentes na formação sócio-histórica brasileira, a qual

é determinada diretamente pela concepção de classes sociais inerente ao sistema do capital.

Assim, as análises realizadas na subsessão que se sucede tem como centralidade a

categoria pauperismo como uma expressão real das condições de vida da classe trabalhadora,

em essencial da população negra, e a crítica à falsa Democracia racial estabelecida no Brasil,

compreendida como uma forma de mascarar a situação de vida paupérrima da população

negra.

Page 45: QUESTÃO RACIAL E O PAUPERISMO: RELAÇÃO E …

45

2.2. PAUPERIZAÇÃO DA POPULAÇÃO NEGRA E MITO DA DEMOCRACIA RACIAL.

A partir do estudo da questão racial e seus determinantes na condição de vida da

população negra, bem como a compreensão do “lugar” ocupado pela população negra nesta

sociedade, é que centralizaremos nossa análise sobre a situação de produção e reprodução das

precárias condições vida da população negra, apresentando a categoria pauperismo como uma

expressão real dessa situação no Brasil, as quais foram e ainda são construídas histórica e

culturalmente a partir de relações sociais desiguais. E nesse sentido, a ideologia da

Democracia Racial, se põe como um importante instrumento social no processo de

dissimulação da questão racial, cujas expressões na realidade social, dentre outras, se

configura na naturalização do pauperismo, da exploração, opressão e discriminação do negro,

que coloca em evidência contraditoriamente a dimensão ideologia desse artifício conservador.

Compreendemos aqui a questão racial, na atualidade, como expressão da “questão

social”, a qual segundo Ianni (2004, p. 87), desde a decadência do regime escravista, passa a

ser “um ingrediente cotidiano em diferentes lugares da sociedade nacional”. Embora o

racismo e o preconceito racial, enquanto sistema de dominação e exploração, sejam

compreendidos anteriormente a sociedade do capital, analisaremos que a questão racial possui

novas facetas materializadas nas condições atuais de vida da população negra no país.

Na sociabilidade do capital analisamos a pauperização da vida da população negra como

manifestações da “questão social” as quais incidem, principalmente sobre a população negra,

cuja materialização acontece no “contexto em que o emprego, desemprego subemprego e

pauperismo se tornam realidade cotidiana para muitos trabalhadores” (IANNI, 2004, p.87).

Não podemos afirmar que a “questão racial” como expressão da “questão social” atinge

somente a população negra, pelo contrário, pois entendemos conforme Ianni (2004, p. 122)

que “a questão racial compreende toda a gama das etnias, ou raças, e suas mesclas, que

compõem a população”. Mas ao analisarmos a conjuntura histórica e social que envolve as

relações raciais no Brasil, não podemos desconsiderar as construções históricas e culturais que

acometeram particularmente a população negra, por meio da persistência e de concepções e

práticas racistas, as quais justificam e ao mesmo tempo, constitui-se em um dos determinantes

da situação de dominação e exploração a qual o negro é historicamente submetido.

Ao compreendermos a “questão social” como o conjunto das desigualdades sociais,

econômicas, regionais etc., podemos ainda, enfatizar as desigualdades raciais como produto

das relações de dominação e exploração capitalistas, pois são também expressões da “questão

social” em nossa sociedade. As desigualdades sociais, compreendidas essencialmente a partir

Page 46: QUESTÃO RACIAL E O PAUPERISMO: RELAÇÃO E …

46

das contradições entre classes sociais se materializam na vida da população negra de forma

particular por meio também da desigualdade racial. E essas desigualdades são identificadas

não somente pela incoerência entre burguês e proletário, mas nas desigualdades entre negros e

brancos.

A desigualdade racial no Brasil vai permear todos os âmbitos da vida social da

população negra, e segundo dados elaborados pelo Instituto Pesquisa Econômica Aplicada-

(IPEA), Fundo das Nações Unidas para as mulheres (Unifem) e SPM (1993 a 2007) e fontes

do Instituto Brasileiro de Geografia-IBGE dos anos de 1993 até o anos 2010, são analisadas

diferenças sociais entre brancos e negros, as quais vão desde a sua localização regional, sua

condição de inserção no mercado de trabalho, a situação de extrema pobreza da população, as

questões de renda, sua configuração familiar, acesso à saúde, a educação e o nível de

escolarização, até o acesso a serviços básicos.

Segundo elaborações do IPEA sobre os dados do IBGE (1993 a 2007), a população

negra (pretos e pardos) nos anos de 1993 até os anos de 2007 ocuparam majoritariamente a

região nordeste do Brasil. De acordo com dados de 2007 eram aproximadamente 70,0% de

negros contra 29,5% de brancos. E estes dados não são por acaso, estão relacionados

diretamente com particularidades históricas, sociais e econômicas da formação social desta

região, segundo Nascimento (1978) a maioria dos negros africanos foram levados ao nordeste

do Brasil, e mesmo com os processos migratórios registrados na história da população

nordestina para outras regiões brasileiras, tendo em vista dentre outros a tentativa de fugi da

seca, o número maior da população negra na região nordestina manteve-se a mesma. No

Brasil, a região nordeste consiste na localidade mais empobrecida do país, sendo vista sempre

a margem da econômica nacional, pois é compreendidas por ser uma região de menor

desenvolvimento econômico e historicamente região de maior concentração de escravos.

Sendo objeto de constantes ideologias segregacionistas, a partir da reprodução de

preconceitos as regiões nordeste e suas particularidades culturais.

Conforme Hasenbalg (1979), a segregação geográfica dos negros e brancos, se

constitui em uma expressão das desigualdades raciais. Assim, o Brasil estaria dividido

desproporcionalmente entre os negros que vivem no nordeste ou no Brasil em

desenvolvimento, e os brancos que vivem no sudeste ou na região desenvolvido do país.

Dessa forma, as desigualdades raciais entre regiões nos ajudam a compreender parcialmente a

questão racial, pois é necessária também o reconhecendo a existência de suas materializações

nas particularidades presentes em cada região.

Page 47: QUESTÃO RACIAL E O PAUPERISMO: RELAÇÃO E …

47

Podemos compreender essas desigualdades regionais entre negros e brancos, a partir

das reflexões de Hasenbalg (1979, p.167), o qual compreende a política de imigração,

“impregnada como estava de matrizes racistas”, como procedente ao processo de

marginalização de negros no sudeste, reforçando o modelo de distribuição por regiões de

brancos e negros.

A nível nacional, analisamos ainda, que são a maioria dos “brancos” que ocupam as

regiões urbanas do país, as quais são ratificadas segundo dados estatísticos elaborados do

IPEA nos anos 1993 a 2007, que confirmam a permanecem de desigualdades raciais na

ocupação das áreas urbanas e rurais pelo menos durante 10 anos. Em 2007, aproximadamente

79,8 % dos negros ocupam as regiões urbanas versos 87,1% dos brancos, os quais se

constituem maioria. Em contraposição, a população da região rural é constituída por uma

maioria negra, sendo que aproximadamente 20,2% dos negros habitam a âmbito rural contra

12% dos brancos. Analisamos estes dados articulados ao contexto histórico de desigualdades

na obtenção do direito a cidade compreendida entre brancos e negros. A partir do

desenvolvimento das forças produtivas após a abolição da escravatura as oportunidades de

reprodução da vida social estavam centralizadas na cidade serviços sociais básicos, condições

de trabalho e etc., e assim, o negro “liberto” foi continuamente ficando a margem desde

desenvolvimento. Não compreendemos que o espaço rural seja sinônimo de “atraso”, (pelo

contrário, as investidas do grande capital na atualidade no campo mostram a importância

econômica desse espaço) mas devermos considerar que historicamente, as regiões rurais

ficaram a margem do desenvolvimento do grande capital e, em segundo plano nas ações

governamentais. E analisaremos esta particularidade, evidenciada em dados estatísticos, como

consequência do alijamento do negro ao direito a cidade. Assim, a privação de direitos a

cidade se evidencia nas péssimas moradias ou até mesmo na ausência destas, as quais a

maioria da população negra vive. E essas desigualdades raciais compreendidas no âmbito

regional e ainda a partir do acesso desigual ao direito a cidade entre brancos e negros no país,

pode ser analisada a partir das particularidades do modelo de desenvolvimento econômico

social ascendido no Brasil, pautado em uma lógica modernizadora e conservadora, a qual se

apresenta já após a abolição da escravidão e ascensão da burguesia, conforme estuda Soares

(2011, p. 118) que:

[...] os burgueses que se beneficiavam com a modernização da cidade que promovia

a demolição do casario pobre do centro para erguer em seu lugar edifícios e casarões

nos estilos neoclássicos [...], expulsando a população desvalida para os subúrbios e

morros cariocas.

Page 48: QUESTÃO RACIAL E O PAUPERISMO: RELAÇÃO E …

48

A “modernização” da cidade compreendida por Soares (2011), a qual se desenvolveu

de forma desigual entre a classe burguesa e a classe trabalhadora, tem repercussões até a

atualidade. E novamente os dados elaborados pelo IPEA (1993 a 2007) nos possibilita

analisar a conjuntura recente que envolve as condições de moradia das classes trabalhadora e,

em particular o negro. Durante os 10 anos contemplados pelas pesquisas do IBGE e IPEA,

identificamos que no tocante aos domicílios particulares permanentes que dos 56.344.188

existentes, apenas 27.214.106 pertenciam a chefes de família negros.

Do mesmo modo, quando analisamos os dados do IPEA (1993 a 2007) sobre os

domicílios urbanos em condições de infraestrutura precárias ou, conforme o IPEA,

“assentamentos subnormais10

”, identificamos que a população negra se constitui maioria na

ocupação desses domicílios. De acordo com os dados estatísticos, desses domicílios

problemáticos aproximadamente 66,2% são moradias de pessoas negras contra 33,1% dessas

moradias são de brancos. E essas condições de moradia precárias de hoje, são heranças de

uma política urbana racista, que promovia a reurbanização da cidade em detrimento de

milhares de famílias pobres. Segundo Del Piore e Venâncio (2001, p. 276) esta se constituía

majoritariamente pela negra e mulata, as quais foram expulsas das áreas centrais, onde

habitavam em cortiços, para locais mais afastados e de difíceis edificações. Assim, conforme

os referidos autores, “a mesma cidade que se embelezava era também aquela que inventava a

favela”. Representando assim, mais uma expressão das contradições estabelecidas por uma

economia política emergente capitalista desenvolvida no país a partir do aprofundamento de

desigualdades sociais e raciais.

Ao analisarmos a taxa de analfabetismo11

da população brasileira dos anos 1993 até os

anos 2007, identificamos que a maioria das pessoas analfabetas continua sendo as da

população negra. Segundo o IPEA nos dados do ano 2007, compreende-se que

aproximadamente 12,8% dos negros são analfabetos versus apenas 5,7% dos brancos.

Podemos analisar esses dados estatísticos, segundo a concepção de “geração analfabeta”

compreendida por Maestri (2002, p. 135) ao estudar sobre a questão da educação no período

10 Conforme o IPEA (2007), “Assentamento Subnormal: conjunto (favelas e assemelhados) constituído por

unidades habitacionais (barracos, casas e etc.), ocupando, ou tendo ocupado até período recente, terreno de

propriedade alheia (pública ou particular), dispostas, em geral, de forma desordenada e densa, e carente, em sua

maioria, de serviços públicos essenciais”.

11 Taxa de analfabetismo é o percentual de pessoas analfabetas em relação ao total de pessoas em determinada

faixa etária. Conforme o IPEA (2007), analfabeta é a pessoa que não é capaz de ler um bilhete simples.

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49

colonial na região do Rio Grande do Sul, afirma que a primeira geração cresceu analfabeta

devido à resistência de alguns colonos, a pequena quantidade de escolas primárias e a

inexistência de escolas secundárias até fins do século XIX. No entanto, quando estudamos

estes dados, tendo por centralidade as desigualdades educacionais existentes no país, devemos

pensar nas particularidades que incidem diretamente nas desigualdades raciais que

determinam, neste caso, as disparidades entre brancos e negros na inserção a educação. Ao

realizarmos uma retomada histórica veremos que antes da constituição de 1988 a educação,

era um serviço predominantemente pago, e nesse sentido apenas os que podiam pagar tinha

este serviço garantido. Sendo que esta realidade somente tem mudança significante a partir da

constituição Federal de 1988, a qual estabelece a educação como um direito social. No

entanto, observaremos que outros aspectos socioculturais, políticos e econômicos incidem

direitamente na problemática do analfabetismo do negro no Brasil, além de uma história

social marcada por alienações, compreendemos na sociedade a necessidade de um grupo

social manter seu poder hegemonia, e contrário a isso, a disseminação da educação se

constitui em uma das formas de construção de uma consciência crítica e contestadora da

classe trabalhadora a ordem vigente, sendo assim, o analfabetismo pode ser também

depreendido como necessário a manutenção de uma estrutura política e social pautada na falsa

democracia e em interesses antagônicos, pois a ordem vigente também se utiliza das

alienações a classe trabalhadora para manter-se hegemônica.

No tocante ao número de pessoas desempregadas, de acordo com o IPEA (1993 a

2007) analisamos que a maioria da população desempregada continua sendo constituintes da

população negra. Conforme dados do ano 2007, aproximadamente 1.746.704 da população

desempregada são negros contra 1.346.108 que são brancos. E essas desigualdades raciais

estão ligadas tanto a aspectos econômicos, quanto a elementos socioculturais, visto que o

racismo ainda se mostra profundamente imbricado as relações raciais reproduzidas nesta

sociabilidade. E nesse sentido, analisamos no país o predomínio da falsa concepção de

igualdade de oportunidades, a qual é difundida para mascarar as discriminações raciais

reproduzidas no cotidiano da vida social, as quais incidem em todos os âmbitos da vida do

negro, principalmente nas condições de trabalho e renda essenciais a reprodução de sua

situação de vida.

Essas desigualdades raciais podem ser compreendidas a partir da análise das suas

múltiplas determinações históricas, político-econômicas e socioculturais, na qual é possível

compreender os laços que prendem estas desigualdades raciais ao desenvolvimento do sistema

econômico capitalista formado a partir de relações raciais apoiadas em uma cultura ratificada

Page 50: QUESTÃO RACIAL E O PAUPERISMO: RELAÇÃO E …

50

por ideologias racistas difundidas entre os séculos XIX e XX. Assim, analisamos as

expressões das desigualdades raciais estabelecidas na contemporaneidade, como heranças

históricas de uma construção social e econômica brasileira, caracterizada por Del Piore e

Venâncio (2001). Os referidos autores compreendem que os primeiros anos da república

foram marcados pelo aprofundamento do processo de europeização do Brasil, marcado pela

importação do ideário sociocultural do belle époque12

, que segundo os autores não estabelece

uma época tão bela. Essa época é caracterizada pela disseminação de visões racistas

importadas, de um lado, os “médicos-higienistas” que acreditavam ser “possível remediar as

debilidades dos descendentes de africanos” (não eram isentos de racismo). De outro lado,

certas correntes teóricas próximas ao darwinismo social, que defendiam “a noção de

sobrevivência do mais forte, chegando mesmo a ver na pobreza um elemento purificador da

sociedade brasileira, na medida em que eliminaria os elementos racialmente tidos inferiores”

(DEL PIORE E VENÂNCIO, 2001, P.274). E assim, compreendemos que este período

histórico teve grandes contribuições as condições de vida da população negra no país.

Conforme Del Piore e Venâncio (2001, p. 273), os anos posteriores à proclamação da

república foram marcados por um turbilhão de transformações, dentre elas a “obsessão” a

adoção do ideário da belle époque as políticas públicas. Neste contexto, são estabelecidas

mudanças a partir de uma nova fase de desenvolvimento econômico, tendo em vista o alcance

do progresso independente dos estragos sociais que esse progresso a “todo custo” poderia

causar a população negra. Ou seja, as políticas públicas dessa época, ao invés de propor o

estabelecimento de melhores condições a vida da população em geral, bem como reparar a

situação de abuso a qual o negro sofrera durante toda a sua história no Brasil até então, tinha

em vista ao contrário, a concretude do progresso econômico no país que desconsiderava suas

consequências a pauperização das condições de vida do negro, ou mais que isso, compreendia

a necessidade de sua total aniquilação, sendo substituída por uma população totalmente

branca, compreendida por esses, como a única capaz de acender o desenvolvimento nacional.

Incidindo assim, diretamente nas condições atuais de vida da população negra.

Dessa forma, essas ideologias racistas vão incidir na disseminação de discriminações e

preconceitos raciais, tendo expressões diretas na naturalização da pauperização do negro,

criminalização da cultura africana, negação de suas crenças e religiões, sua expulsão da

cidade para a margem.

12

Conforme Del Piore e Renato Venâncio (2001, p. 273) a expressão “bele époque” esta presente na constituição

do título de um dos capítulos de seu livro, cuja sua concepção refere-se a um ideário europeizante dos meios

culturais e políticos brasileiros entre os séculos XIX e XX.

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51

Podemos compreender essas desigualdades raciais ainda, a partir das reflexões de

Fernandes (1978), sobre a situação de raça da população negra, cuja realidade é bastante

distinta das possibilidades sociais difundidas na ordem social competitiva. De acordo com o

referido autor, a desagregação do sistema de castas e estamentos, adjuntos da escravidão, não

repercutiram diretamente nas relações raciais existentes no passado. E nesse sentido,

compreendemos a situação racial atual do negro permeada de espólios do passado,

identificadas tantos nos mecanismos de dominação racial tradicionais, que conforme

Fernandes (1978, p.457) “ficaram intatos”, quanto à reorganização da sociedade que não

mudaram significativamente, “os padrões preestabelecidos de concentração racial da renda,

do prestígio social e do poder”.

Para Fernandes (1978, p.457), “a liberdade conquistada pelo “negro” não produziu

dividendos econômicos, sociais e culturais”, e os dados estatísticos do IBGE sobre a situação

de vida da população negra no Brasil, ponderados anteriormente, ratificam essa reflexão. As

quais se articulam a condições históricas especificas que, para o aludido autor, estão ligadas

ao desenvolvimento econômico da cidade e as pressões da substituição populacional,

construídas a partir da continuação das relações raciais desiguais, “herdadas pela “população

de cor” do regime escravocrata e senhorial” e que dão bases à construção dessa limitada

forma de sociabilidade, cujos impactos são destrutivos a essa população. Conforme Fernandes

(1978, p.457) essa conjuntura tem contribuição, decisivamente, no agravamento “dos efeitos

dinâmicos desfavoráveis da concentração racial de renda, do prestígio social e do poder”.

As desigualdades raciais existentes no Brasil, cujas marcas se fazem presentes na

condição de vida da população negra (conforme mencionamos anteriormente), podem ser

compreendidas a partir de múltiplos determinantes, dentre eles como expressão da “questão

social”. E assim, analisamos que a expressão “questão social” vem sendo construída ao longo

da história como uma consideração que designa o conjunto das desigualdades sociais,

políticas e econômicas engendradas pela sociedade capitalista. E dessa forma, segundo Santos

(2012, p. 18), a “questão social” não pode ser levantada ao estatuto de uma categoria, pois no

sentido marxiano, compreende-se categoria “como “forma de ser determinação da

existência”.” Destarte, a partir dessa compreensão, conforme a mencionada autora, a “questão

social” em si não existe na realidade e, destarte é compreendida como um conceito.

Segundo Santos (2012, p.18), “as categorias para serem consideradas como tais

devem, antes, ter existência concreta, real, a fim de que seja possível a sua abstração no

âmbito do pensamento”. Assim, a aludida autora, afirma possuir a existência real não da

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52

“questão social”, mas sim das suas expressões e, é nesse sentido que compreendemos o

pauperismo enquanto expressão real desta questão.

Seguindo essa reflexão, podemos compreender o pauperismo como uma das categorias

centrais para analisarmos a questão racial no Brasil, pois possui uma existência concreta na

realidade social, se constituído assim, em uma categoria social criada por Marx, sendo

identificada nitidamente nas condições de vida da classe trabalhadora em geral e, em especial,

a população negra.

A pauperização da população negra materializa-se nas precárias condições objetivas e

subjetivas de produção e reprodução de sua vida, que são identificadas pela precarização ou

inexistência de condições de alimentação e moradia, pela diminuição do salário pago,

intensificação da jornada de trabalho e o aprofundamento do desemprego e outras

problemáticas que interferem diretamente na produção e reprodução social do trabalhador.

Mas, o pauperismo aqui analisado tem referencia direta também ao processo de produção e

expropriação privada da riqueza socialmente produzida, e nesse sentido, na medida em que o

trabalhador não recebe o valor total da riqueza produzida por meio de seu trabalho, este

também pode ser compreendido como pauperizado (recapitulação da pauperização absoluta e

relativa compreendida por NETTO e BRAZ, 2008).

Se retornarmos ao período Colonial analisaremos que o Brasil foi o maior importador

de escravos africanos das Américas, estima-se que “entre os séculos XVI e XIX, 40% dos

quase 10 milhões de africanos importados pelas Américas desembarcam em portos

brasileiros” (FLORENTINO, 1997). Conforme Nascimento (1978, p. 49), cerca de 4.000.000

de africanos foram importados ao Brasil (embora, seja impossível estimar o numero de

escravos entrados no país, devido a destruição pelo fogo de todos os documento históricos e

arquivos relacionados ao comercio da escravidão, 1891).

A população brasileira foi constituída a partir de interação violenta e desigual entre três

raças heterogenias: negra, branca e indígena. Visto que, segundo Del Priore e Venâncio

(2001, p.214), “do ponto de vista cultural, os três grupos mencionados não formaram

unidades homogenias, nem muito menos mantiveram relações igualitárias no Novo Mundo”.

E do ponto de vista econômico, compreendemos que essas desigualdades engendradas ao

longo da história, fermentadas no racismo como meio de dominação e exploração da

população negra, encontram na sociabilidade capitalista novos elementos para se desenvolver.

Assim, entendemos que a questão racial está profundamente articulada à teoria de classes

sociais, pois o racismo encontra neste modo de sociabilidade capitalista um campo propício

Page 53: QUESTÃO RACIAL E O PAUPERISMO: RELAÇÃO E …

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para sua ampliação e para a perpetuação de discriminações, opressões e desigualdades sociais

e raciais.

Hoje a população negra, conforme dados do IBGE – Censo 2010, constitui a maioria da

população brasileira. Segundo estudos13

, no país existem hoje cerca de 97 milhões de pessoas

que se declaram negras ou pardas, e aproximadamente 91 milhões de brancos. O percentual

de pessoas que se declararam negras ou pardas no Censo 2010, pela primeira vez, ultrapassou

a população branca. O que não pode ser confundida como um avanço na construção de uma

identidade racial no Brasil (nada atesta que tal declaração esteja vinculada da real

compreensão política da concepção de identidade racial), embora existam algumas análises

que justificam o aumento das autodeclarações da população negra, a partir da análise das

distinções de fecundidade entre mulheres negras e brancas (cf. afrobras.org.br, 2013).

Porém pode ser apreendida como um parcial avanço, se considerarmos os elementos

ideoculturais racistas presentes no pensamento da população de forma geral e, inclusive da

população negra, pois, como sujeitos sociais também reproduzem o pensamento conservador

e racista da classe dominante, historicamente construída a partir de concepções negativas a

respeito do “ser negro”, as quais se expressam por meio de ideologias racistas que interferem

diretamente no reconhecimento da identidade do negro como etnia, cultura e sujeito político.

Nesse sentido, embora consideremos que os indivíduos também fazem história

(SANTOS e OLIVEIRA, 2010, p. 12), devemos compreender que este indivíduo é

determinado por uma sociabilidade contraditória. Assim, consideramos a relação entre

sociabilidade e individuo como produtos de contradições herdadas historicamente, construídas

a partir das particularidades da população negra no Brasil, o qual foi coagida a receber uma

cultura hegemônica conservadora, etnocêntrica e racista, em detrimento da sua própria

cultura. E desta forma, há uma tendência de reproduzirmos uma cultura nacional

hegemonicamente racista, legitimada a partir da negação da cultura negra, a qual desconsidera

as grandes contribuições da população africana, o que interfere diretamente na construção de

uma identidade racial.

Outro aspecto relevante produto da relação entre individuo e sociedade se constitui na

relação entre objetividade e subjetividade. Na sociabilidade do capital, conforme Santos e

Oliveira (2010, p. 12) as condições materiais se constituem num grande obstáculo que limita o

desenvolvimento pleno e livre da individualidade. Segundo as referidas autoras, ao

considerarmos que as relações entre sociabilidade e indivíduo determinam o modo de pensar e

13 Conforme dados do site afrobras.org.br acessado em 26/04/13 as 02:04.

Page 54: QUESTÃO RACIAL E O PAUPERISMO: RELAÇÃO E …

54

agir da classe trabalhadora e, em especial aqui da população negra, verifica-se “a prevalência

de indivíduos despotencializados em sua criatividade, em sua capacidade reflexiva,

reproduzindo práticas que reiteram processos de alienação e de subalternidade”. E nesse

sentido, depreendemos tanto as influências socioculturais hegemonicamente racistas impostas

pela classe dominante e assimilada pela população negra e historicamente construída (como

sujeito social), quanto às condições materiais de vida, que na maioria da população negra se

apresenta por meio do pauperismo, as quais determinam diretamente a forma de intervenção

do individuo na construção de sua própria história (a ausência da reflexão crítica, produzido

pela alienação).

No tocante as influências socioculturais, ponderamos em nossas análises a difusão de

ideologias, já acima comentadas, que reafirmam o racismo por meio de novas teorias que

disseminam estudos sobre a inferioridade biológica da população negra (a ideologia do

branqueamento era baseada nestes estudos), largamente difundidas na sociedade brasileira já

no século XIX (JACCOUD, 2008, SCHWARCZ, 1993). Segundo Jaccoud (2008), essas

ideologias racistas permitiram o processo de “naturalização das desigualdades raciais”. As

quais embora, não possuam mais nenhuma validade formal (pois as desigualdades raciais

passam a ser explicadas cada vez mais por análises sociais, econômicas e políticas),

repercutem até os dias de hoje na subjetividade social, pois estas ideologias apenas foram

substituídas por outras tais como a ideologia de “Democracia Racial”, a qual apenas constitui-

se em uma forma de mascarar o racismo ao invés de fazer uma oposição e postura crítica.

A ideologia de branqueamento surge no Brasil, a partir de uma reinterpretação das

teorias “científicas” racistas emergidas na Europa no século XIX. Dessa forma, Segundo

Jaccoud (2008, p.53) o ideal do branqueamento da população brasileira consolida-se nas

décadas de 1920 e 1930, conforme a referida autora, mesmo com o enfraquecimento das

“teorias deterministas da raça”. A ideologia do branqueamento, segundo a citada autora, surge

“como uma forma de conciliar a crença na superioridade branca com a busca do progressivo

desaparecimento do negro”, a partir do processo de miscigenação da população brasileira,

tendo em vista resolver a questão racial. Desde modo, as ações políticas eram pautadas na

promoção da imigração de Europeus de cor branca e o impedimento da imigração de pessoas

de cor preta.

A partir dos anos 1930, conforme Jaccoud (2008, p.54), há no Brasil desaparecimento

do discurso racista, em seu lugar emerge um pensamento racial pautado na igualdade dos

cidadãos: “a Democracia racial”. A qual segundo a referida autora, “afirma-se como

Page 55: QUESTÃO RACIAL E O PAUPERISMO: RELAÇÃO E …

55

deslegitimadora da hierarquia social ancorada na identificação racial, ela não deixa de

fortalecer o ideal do branqueamento ao promover a mestiçagem”.

Gilberto Freyre teria sido o criador ou propositor do conceito de “Democracia Racial”

(SOUZA, 2000, IANNI, 2004). Apesar de não ser encontrada em suas obras mais

importantes, essa terminologia tende a sintetizar pensamentos conservadores anteriores, que

buscavam imprimir ao Brasil a imagem de país onde todos tem a mesma oportunidade e não

há discriminação racial, incidindo em um processo de mascaramento do racismo.

Nascimento (1978) traz elementos importantes para pensarmos sobre a situação no

negro na atualidade, tendo como elemento importante a crítica ao conceito de “democracia

racial”, estabelecido a partir da “base de especulações intelectuais” constituindo-se uma

ideologia erigida por uma classe dominante e conservadora, a qual defende a existência de

uma igualdade racial, construída a partir da difusão de uma sociabilidade na qual há

oportunidades análogas entre negros e brancos. Assim, a propagação e a apreensão desta

ideologia na sociedade brasileira, estabelece um obstáculo à luta e resistência do negro, de

modo a inibir a construção de uma identidade de raça, compreendida, a partir de uma

retomada da consciência e valorização dos elementos étnicos e culturais da população negra.

Conforme Jaccoud (2008), a concepção de “democracia racial”, promove nos anos

1930 o progressivo desaparecimento do discurso racista. E para a referida autora aparece em

seu lugar a mestiçagem como um processo benéfico:

[...] emerge um pensamento racial que destaca a dimensão positiva da mestiçagem no Brasil e afirma a unidade do povo brasileiro como produto das diferentes raças e

cuja convivência harmônica permitiu ao país escapar dos problemas raciais

observados em outros países. (JACCOUD, 2008, p. 10)

Da mesma forma Nascimento (1978), compreende o processo de miscigenação no

Brasil como uma estratégia da “raça dominante” para a ascensão do processo de “genocídio”

do negro brasileiro. O qual se constitui em uma ideologia alienante, que tem o intuito de

estabelecer a miscigenação como processo advindo das consensuais relações sexuais entre os

colonos “brancos” e as mulheres negras. O que não é verdade, visto que a mestiçagem no

Brasil foi um processo extremamente truculento, no qual as mulheres negras eram, em sua

maioria, violentadas e obrigadas por sua condição de gênero que estabelece a construção

social, de mulher frágil e indefesa, aliada a sua condição de raça, considerada

preconceituosamente como inferior, a estabelecer relações sexuais com homens “brancos”

legitimados socialmente como “superiores”. Segundo o referido autor, “o mito da

“democracia racial” enfatiza a popularidade da mulata como “prova” da abertura e saúde das

Page 56: QUESTÃO RACIAL E O PAUPERISMO: RELAÇÃO E …

56

relações raciais no Brasil”. Quando na verdade ainda predomina um “estereótipo racial” com

relação às mulheres14

negras e mulatas, identificado conforme Nascimento (1978) a partir de

relações sociais exposta nos ditos populares: “branca para casar, negra para trabalhar e mulata

para fornicar”.

Conforme Hasenbalg (1979, p.18), os intelectuais conservadores ao analisar as

relações raciais, enfatizam “o caráter único e harmonioso das relações raciais no Brasil”. Para

o referido autor, há meias verdades nestas visões, com relação à concepção de que o Brasil se

constitui em um exemplo de uma “democracia racial”, pois “quanto são feitas comparações

internacionais, o Brasil distingue-se pela ausência de formas extremas e virulentas de

racismo”. No entanto, estas comparações não seriam também formas mascarar a realidade

posta? O racismo velado pode ser tão agressivo quanto o racismo explícito. É inegável que no

Brasil coexistam racismo explícito ou velados (de forma menos enfática como nos EUA e

África): expressos desde aquele racismo compartilhado socialmente de forma velada, até, o

racismo que se concretiza de forma ostensiva todos os dias na vida de milhares de brasileiros

negros, as quais são discriminados na seleção de empregos, ignorados em lojas, barrados em

certos ambientes, em todos esses lugares o racismo esta presente como meio de segregação e

opressão.

Nascimento (1978, p.) vai considerar ainda, que o assunto de “democracia racial”, está

dotado de “características intocáveis de verdadeiro tabu”. A partir da concepção de

“democracia racial” disseminada socialmente, as questões raciais passam a ser negadas, sendo

o Brasil um país de justiça racial, e qualquer questionamento a esta ideologia é compreendida

essencialmente como uma afronta a suposta harmonia entre raças estabelecida no Brasil. No

contraponto a essa mistificação ideológica, em 1965, Fernandes aponta decisivamente para

uma crítica a esta ideologia, quando estabelece a concepção de “Mito da Democracia Racial”,

e não como uma afronta a harmonia entre raças, pois esta nunca existiu, mas como um “grito”

de protesto em nome da população negra, tendo em vista o enfrentamento à questão racial

latente desde a escravidão até os dias de hoje.

Compreender o mito da democracia racial implica em rebater as construções

ideológicas mistificadoras da realidade social, que anunciam o Brasil como um país

igualitário, sem preconceitos ou discriminações de raça.

14

A partir das reflexões de Nascimento (1978) sobre o processo de miscigenação compreendido a partir da

violência da mulher negra no país, podemos analisar o agravamento da problemática das questões raciais

articuladas questão de gênero construído socialmente a partir de relações sociais pautadas no patriarcado.

Page 57: QUESTÃO RACIAL E O PAUPERISMO: RELAÇÃO E …

57

De acordo com Jaccoud (2008, p.57), com o ideal de democracia racial há um

gradativo desaparecimento dos debates sobre questão racial, sendo as desigualdades raciais

limitadas à análise da distribuição de renda, desconsiderando os aspectos sociais, políticos e

econômicos que incidem sobre essas desigualdades. No entanto, conforme a referida autora,

os estereótipos e preconceitos raciais continuaram presentes na sociedade brasileira,

“intervindo no processo de competição social e de acesso as oportunidades”. Mas agora, esse

racismo é reproduzido de forma dissimulada, o que mantém “as velhas” maneiras de opressão

e discriminação, mas impedem às formas reais de enfrentamento a questão racial.

Conforme Saffioti (1987, p.60), embora o racismo e patriarcado sejam anteriores ao

modo de produção capitalista, foi a partir da emergência do sistema do capital que houve uma

simbiose entre o patriarcado, o racismo e o capitalismo, cujos se tornam inseparáveis na

realidade objetiva. Transformaram-se, conforme a referida autora, em um único sistema de

dominação-exploração designado por ela como “patriarcado-racismo-capitalismo”. Assim,

compreendemos que o racismo só poderá superado, a partir da superação da ordem burguesa,

a qual se reproduz e, ao mesmo tempo, nutre relações racistas em nossa sociabilidade, pois

são complementares em um processo de legitimação de dominações e explorações.

Assim, para Saffioti (1987, p.51), a democracia racial como algo inverídico,

facilmente verificado a partir a análise da realidade objetiva, cuja desigualdades raciais podem

ser identificadas por estatísticas que ratificam os negros como sendo os que ocupam lugares

menos prestigiados, sendo passivamente mal remunerados, apresentando sempre os baixos

graus de escolaridade, sendo privados de poder político.

Diante disto, na medida em que o negro é alienado por essas ideologias dominantes,

sendo excluído dos processos de participação política, impedem a reflexão crítica sobre sua

pauperização e subalternidade, instituída socialmente, diante do branco, articulada as

desigualdades inerentes a esta sociabilidade de classes que prosseguem e determinam as

precárias condições de vida do negro e, assim não permite que o negro se manifeste enquanto

demanda social; se ausentam dos espaços de participação e discussão políticos, essa demanda

é tomada como invisível, o que impede o estabelecimento de ações afirmativas mais vigorosas

na busca da igualdade racial substantiva, para além da igualdade formal.

O modo de sociedade que estabelece no Brasil a democracia racial é a mesma que

instituiu a “liberdade” aos escravos africanos no Brasil em 1888, o qual liberdades somente se

materializa no campo formal. Pois, esse modo de sociabilidade se estrutura a partir de um

modo de produção econômico incapaz de promover relações sociais justas para todos, sendo

Page 58: QUESTÃO RACIAL E O PAUPERISMO: RELAÇÃO E …

58

essas ideologias apenas promessas que não podem ser cumpridas. Conforme Mészáros (2008,

p. 20):

Fato doloroso é que, não obstante todas as promessas autojustificadoras, até hoje o

capital falhou em satisfazer mesmo as necessidades elementares da maioria

esmagadora do gênero humano. (MÉSZÁROS, 2008, p. 20).

Conforme Ianni (2004) o capitalismo tem sido visto, de forma geral, como o emblema

do progresso, evolução e modernização, representando a democracia e cidadania, e esta é

reafirmada pelo pensamento liberal que surge na luta da burguesia15

contra a dominação

exercida pelo Clero e contra as relações econômicas feudais, e, atualmente, pelo pensamento

neoliberal. No entanto, essa concepção pode ser depreendida apenas como fábula posta pelos

conservadores das classes burguesas, pois é contrariada pela própria realidade social. A qual

também é pensada pelo referido autor, o qual compreende que este sistema tem sido visto

ainda como o símbolo “da decadência, pauperismo e intolerância, bem como da tirania e da

barbárie” (IANNI, 2004, p.9). O qual é ratificado nos dados estatísticos que ponderam as

condições desiguais de vida entre brancos e negros na sociedade brasileira consolidada em

relações sociais capitalistas.

De acordo com a concepção da sociedade capitalista como “emblema da democracia”,

pode se compreender que “os interesses e os liames das classes sociais poderiam unir as

pessoas ou os grupos de pessoas, fora e acima das diferenças de “raça””, porém, conforme

analisa Fernandes (1978, p.459) é ao contrário, os interesses das classes sociais, “divide e

opõe, condenando o “negro” a um ostracismo invisível e destruindo, pela base, a consolidação

da organização social como democracia racial”.

O sistema do capital, que institui o antagonismo entre classes sociais como inerente ao

seu desenvolvimento, aproveita-se do racismo e do preconceito racial contra o negro,

estabelecido socialmente deste a antiguidade, para legitimar as explorações e opressões

essenciais à acumulação do capital.

A acumulação capitalista se constitui no motor que incidi na existência e

desenvolvimento deste modo de produção capitalista, compreendido a partir da compreensão

da “lei geral da acumulação capitalista”, pois conforme Netto e Braz (2012, p.126) “não existe

capitalismo sem acumulação de capital”, a qual é produzida a partir da exploração da força de

trabalho e extração da mais-valia do trabalhador, e dessa forma tem fortes impactos à classe

15 O liberalismo burguês é permeado por contradições, se evidenciam quando a classe burguesa tornar-se classe

hegemônica, e muda para reacionária, passando a manipular o poder em defesa da propriedade, da exploração do

trabalho e da concentração de capital em detrimento da igualdade social defendida antes. John Locke (1632-

1704) foi o principal teórico do liberalismo burguês na revolução liberal inglesa de 1669.

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59

operária. Segundo Marx (1996, p.734), a acumulação capitalista possui dentre outras

consequências às classes operárias, a criação do exército industrial de reserva, o qual

“proporciona o material humano a serviço das necessidades variáveis de expansão do capital e

sempre pronto para ser explorado”, o qual incide diretamente no processo de pauperização da

classe trabalhadora, consequente do processo de exploração, alienação e precarização da força

de trabalho.

Com o desenvolvimento do sistema capitalista, segundo Netto e Braz (2012, p.137) “o

que tem resultado da acumulação é, simultaneamente, um enorme crescimento da riqueza

social e um igualmente enorme crescimento da pobreza”.

No Brasil, o sistema do capital se desenvolve a partir de aspectos históricos e sócio-

culturais particulares inerentes à formação social brasileira, fundado e consolidado também

por meio da exploração da população negra, inicialmente como escravo e posteriormente

como trabalhador assalariado16

. Nesse país o capitalismo se desenvolve a partir da derrubada

do regime escravista e senhorial, o qual é caracterizado pela “liberação” da população negra,

pela substituição do trabalho escravo pelo trabalho assalariado, pela aceitação de novas

concepções políticas, desenvolvimento dos meios de produção, e organização da sociedade

em classes sociais com antagonismos evidenciados. Para Fernandes (1978, p.457) “a

formação e a consolidação do regime de classes não seguiram um caminho que beneficiasse a

reabsorção gradual do ex-agente do trabalho escravo”. O modo de sociabilidade vigente

desenvolveu-se e consolidou-se a partir de novas relações sociais, mas tendo por base a

reprodução de desigualdades raciais herdadas do passado. Dessa forma o referido autor,

compreende que a expansão dessa nova ordem sucedeu-se de forma compactada, “como

autêntico e fechado mundo dos brancos”.

Para Fernandes (1976), ocorreu no Brasil um processo de revolução burguesa,

compreendido pelo autor como o conjunto de transformações econômicas, tecnológicas,

sociais, psicoculturais e políticas inerentes ao desenvolvimento do capitalismo no país em sua

fase industrial, a qual é marcada pela substituição da ordem social senhorial pela emergência

da sociedade de classes. A qual apresenta importantes avanços, mas continua permeado por

fantasmas do passado escravocrata. Embora, caracterizado por mudanças nas relações sociais,

continuam estruturadas em antigas heranças culturais que estagnaram até os dias de hoje a

16 Não pretendemos aqui reduzir a concepção de classes trabalhadoras à questão do negro, visto que

compreendemos que a classe operária se constitui em um grupo de sujeitos singulares e diversos na sua condição

humana. No entanto, depreendemos que no Brasil, a classe trabalhadora é formada, em sua maioria, pela

população negra.

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60

situação de exploração e opressão a qual a população negra foi submetida durante o período

escravista (explorações e opressões com novas dimensões, mas com estrutura análoga).

Destarte, para Fernandes (1978, p.457) a revolução burguesa pode ser analisada em

duas fases. Na primeira fase da revolução burguesa, marcada temporalmente pelo

esgotamento do regime escravista e o início da II grande guerra, se constitui em uma resposta

“aos interesses econômicos, sociais e políticos dos grandes fazendeiros e dos imigrantes”. Na

segunda fase dessa revolução, é estabelecida, conforme o referido autor, “sobre os auspícios

de um novo estilo de industrialização e de absorção de padrões financeiros, tecnológicos e

organizatórios característicos de um sistema capitalista integrado”, a qual estava subordinada

aos interesses econômicos, sociais e políticos da burguesia construída, principalmente pelos

antigos senhores de escravos, ou seja, aos interesses da maioria de uma população branca.

Portanto, para Fernandes (1978, p. 457 e 458), “em vez de ajustar-se à ordem social

competitiva, a situação de raça da “população de cor” teria permanecido inalterável, não

fossem as transformações sofridas pelo fluxo da substituição populacional”, ou seja, em sua

essência a questão racial permanece impregnada do racismo e preconceito racial legados do

antigo regime, a qual é depreendida como fundamentação que legitima a continuação do

abuso à força de trabalho e vida da população negra. Assim como no antigo regime, na

revolução burguesa, o negro se constituiu como essencial fonte de força de trabalho ao

processo de modernização e industrialização do país.

As peculiaridades que compõe a revolução burguesa no Brasil, pautadas na

continuidade dos abusos a população negra e recusas ao seu reconhecimento substancial

enquanto sujeitos sociais iguais, independente da “cor de pele”, vão incidir na forma

precarizada como o negro é compreendido na sociedade de classes e no processo de

pauperização de sua vida. Tendo na ideologia de “liberdade do negro”, o mascaramento da

falta de oportunidade social a este grupo social, influenciados pelo preconceito de cor, e

mesmo pela falta de oportunidades iguais para todas, ilusoriamente difundidas pela

sociabilidade do capital. Na verdade, no capitalismo não há as mesmas oportunidades para

todos, pois as desigualdades sociais são inerentes ao sistema.

A questão racial da população negra na sociabilidade do capital tem sido

compreendida, somente a partir de um processo de integração enviesado da população negra

ao desenvolvimento da ordem social competitiva. Conforme Fernandes (1978), existe uma

pressão integracionista, que atua “no sentido de compelir o negro a absorverem as normas, os

padrões de comportamento e os valores sociais da ordem social” vigente. E essa pressão tem

reconhecimento desde a histórica negação e deturpação da cultura e religião da população

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61

africana, a partir de sua criminalização e difusão de inverdades, assimiladas pelo senso

comum até os dias de hoje. E, se aprofunda, a partir do desenvolvimento das relações sociais

capitalistas, tendo em vista a adequação da população negra aos padrões estabelecidos pela

ordem social vigente, bem como para a própria legitimação de sua exploração e dominação

exercidas por esse sistema econômico e político. Não obstante, para o aludido autor, trata-se

de uma pressão integracionista que não intervém, propriamente “nos padrões predominantes

de concentração racial da renda, do prestigio social e do poder” (FERNANDES, 1978, p.333).

Desta forma, compreendemos que a população negra, longe de participar diretamente

da distribuição da riqueza socialmente produzida, a qual lhe foi historicamente usurpada, é

compreendida, majoritáriamente, como um grupo social que está em permanente situação de

pauperismo no país. E segundo Marx (1996, p. 747) sob o capitalismo “o pauperismo

constitui o asilo para os inválidos do exército ativo de trabalhadores e o peso morto do

exercito industrial de reserva”.

O pauperismo é uma categoria que pode ser depreendida a partir da análise das

precárias condições de produção e reprodução da vida das classes trabalhadoras no sistema do

capital. Nisto, compreenderemos esta categoria social, particularmente, a partir da análise da

situação de vida da população negra no Brasil, não como forma de redução da categoria

pauperismo, pois compreendemos sua essencialidade na vida do operário nesta ordem social,

mas como uma minudência da questão racial no país. A qual estabelece a legitimação e

naturalização da situação de pobreza do negro, frente à produção acelerada de riquezas

sociais.

Tabela 1: Pessoas de 10 anos ou mais de Idade, por cor ou raça e as classes de rendimento

nominal mensal – Brasil – 2010.

Fonte: IBGE – Censo 2010.

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62

Conforme dados do Instituto Brasileiro Geográfico e Estatístico - IBGE (2010) acima

ilustrados, compreendemos que estes números apresentam elementos que nos possibilitam

analisar minimamente, a realidade social brasileira, na qual se evidencia uma relevante

desigualdade social inconteste na ordem social vigente. Assim, a desigualdade social é

ratificada nas disparidades entre renda, onde, de acordo com a tabela do IBGE (2010),

aproximadamente 60. 071. 024 milhões de pessoas não possuem rendimentos, quase a metade

do total da população brasileira. A partir dos dados estabelecidos na tabela acima, podemos

ainda, depreender uma mascarada desigualdade racial, a qual revelar-se nas condições de

pauperização da população negra frente ao crescente desenvolvimento econômico vivenciado

pelo país. Em 2010, ano de coleta de dados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

(IBGE), depreendemos conforme estatísticas17

que o Brasil apresentou um profundo

crescimento econômico, caracterizado por um aceleramento do crescimento de acima de 9%

do Produto Interno Bruto (PIB).

Assim, esta população identificada qualitativamente como sem renda, pode ser

compreendida aparentemente como sendo pessoas que não possuem trabalho formal ou

informal expressos por diversos determinantes conjunturais e estruturais, os quais também

podem ser estudados, a partir de uma perspectiva de que essas pessoas são constituintes do

exército industrial de reserva criado pelo capitalismo. E no Brasil, analisamos a

particularidades sócio-historicas que incidem em desiguais raciais e na concentração racial de

renda no país. Essa análise tem fundamentação, ainda, a partir do estudo dos dados do IBGE

(2010) acima exposto, no qual é ratificado que aproximadamente 32.950.799 milhões das

pessoas que não possuem renda confirmada são negras ou pardas, versus 26. 122. 047 de

pessoas brancas as quais não possuem rendimentos. Sendo da população negra, a maioria das

pessoas pode ser considerada como fazendo parte de uma exercito industrial de reserva, o qual

está diretamente ligado a pauperização das condições de trabalho e vida da população negra

que é constituinte das classes trabalhadoras no país. Conforme Marx (1996):

Quanto maiores à riqueza social, o capital em função, a dimensão e energia de seu

crescimento e consequentemente a magnitude absoluta do proletariado e da força

produtiva de seu trabalho, tanto maior o exército industrial de reserva. A força de

trabalho disponível é ampliada pelas mesmas causas que aumentam a força

expansiva do capital. A magnitude relativa do exército industrial de reserva cresce,

portanto, com as potências da riqueza. E, ainda, quanto maiores essa a camada

lázaros da classe trabalhadora e o exercito industrial de reserva, tanto maior, usando-

se a terminologia oficial, o pauperismo. (MARX, 1996, p.747).

17 Conforme dados obtidos no site www.veja.abril.com.br, acessado no dia 15 de maio de 2013.

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63

Assim, Marx realiza críticas à expansão do capital, tendo em vista o crescimento do

exército industrial de reserva e a pauperização das classes trabalhadoras. E a partir disso,

podemos compreender as desigualdades raciais e de concentração racial de renda, pois a

população negra, embora seja a maioria da população brasileira, se constitui em minoria na

análise da concentração racial de renda no país, visto que, conforme o IBGE (2010), das

pessoas que apresentam renda superior a 30 salários mínimos aproximadamente 227. 808 mil

são brancos, enquanto que apenas 37.103 mil são negros. Identificamos ainda,

qualitativamente, que são as pessoas negras que constitui a maioria dos que não possuem

renda ou apresentam sub-renda, tendo influência direta na pauperização dessa população,

identificada a partir das contradições do sistema, o qual produz pobreza e miséria, ao mesmo

tempo em produz inversamente na mesma proporção riquezas. Ou ainda pior, podemos

entender conforme Marx e Engels (1977, p.9) que “o trabalhador cai no pauperismo, e este

cresce ainda mais rapidamente que a população e a riqueza”.

Compreendidos segundo Marx (1996, p.747), que “o pauperismo faz parte das

despesas extras da produção capitalista, mas o capital arranja sempre um meio de transferi-las

para a classe trabalhadora e para a classe média inferior”. Assim, a pauperização das classes

trabalhadoras se constitui em uma condição que é inerente ao sistema, sendo arremetidas as

pessoas a responsabilidade pela sua própria pauperização e reprodução social. A partir disso,

podemos analisar a pauperização da população negra no Brasil, pois se constitui maioria e nos

dados estatísticos são identificados como a questão do pauperismo. De acordo com a tabela

acima, nos dados do IBGE (2010) processamos que das pessoas que estão em situação de

extrema pobreza18

, aproximadamente 3. 549. 531 milhões tem renda de ¼ do salário mínimo

são pessoas negras ou pardas, enquanto que aproximadamente 1. 404. 515 milhões que

apresentam renda de ¼ do salário mínimo são brancos. Assim, compreendemos que a

população negra se constitui a mais empobrecida da população brasileira.

Segundo Marx e Engels (1977) “o operário moderno, pelo contrário, longe de se

elevar com o progresso da indústria, desce cada vez mais abaixo das condições de sua própria

classe”. E nesse sentido, compreendemos que a partir dos anos 1990 muitas transformações

18 Famílias em situação de extrema pobreza são, conforme o Ministério do Desenvolvimento Social (MDS,

2011), aquelas que possuem renda per capita de ¼ do salário mínimo. http://www.mds.gov.br/bolsafamilia,

acessado em 15 de abril 2013. E nesse sentido, é fundamental realizarmos a criticamos essa concepção de

pobreza, a qual somente considera o fator de renda como meio de definição da mesma. Visto que, os principais

fatores da pobreza não analisados, o que reforça a concepção de auto-responsabilização do sujeito pela sua

condição de pobreza.

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64

econômicas e políticas incidiram diretamente no aprofundamento das desigualdades sociais,

raciais e, no consequente arrefecimento das condições de vida da classe trabalhadora,

principalmente da população negra. Mudanças às quais são produzidas como resposta às

inelimináveis crises inerentes ao modo de produção capitalista, e nesse sentido, embora essas

crises impactem negativamente todos os sujeitos sociais, “os trabalhadores sempre pagam o

preço” (NETTO; BRAZ, 2008, p. 163).

Assim, com a adesão de uma política econômica neoliberal as ações do Estado

(processo de contrarreforma do Estado iniciada a partir dos anos 1990, conforme BEHRING,

BOSCHETTI, 2010, p. 148), os novos modelos de constituição de mercados e o

aprofundamento dos processos de globalização (os quais são resultantes do processo de

reestruturação produtiva mudanças econômicas estabelecidas em resposta à crise do capital

em 1929) tem por consequência o acirramento das desigualdades sociais, que no Brasil,

também têm uma estreita relação com as desigualdades raciais.

Nesse sentido, compreendemos que essas transformações econômicas e políticas têm

repercussão direta no processo de desestruturação do trabalho19

, apesar da queda dos índices

de incidência da exploração do trabalho infantil (BEHRING; BOSCHETTI, 2010, p. 185), e

tem por consequência o adensamento da pauperização da classe trabalhadora (classe social

que, no Brasil, é constituída também por parcelas significativas da população negra) - “há

uma persistência da pobreza e da desigualdade social” que interferem diretamente na

regressão dos direitos sociais e na crise das políticas sociais que se reduzem ao trinômio do

neoliberalismo para as políticas sociais “Privatização, focalização/ seletividade e

descentralização” (BEHRING; BOSCHETTI, 2010, p.155), incidindo ainda nas políticas

afirmativas20

de combate e enfrentamento às questões raciais, o que minimiza as

possibilidades de resistência e enfrentamento as expressões da questão social no país. De

modo geral, essas problemáticas revelam-se enquanto expressões da questão social, as quais

são fruto do acirramento das contradições entre o capital e trabalho engendradas pelo modo de

sociabilidade do capital e, contribuem para um processo de pauperização e marginalização da

população negra.

A pauperização da população negra se põe na realidade social como uma problemática

bastante complexa, que se apresenta no Brasil moderno como uma miscelânea entre o passado

19 (Des) estruturação do trabalho e condições para a universalização da Previdência Social no Brasil. Maria Lucia

Lopes da Silva. BRASÍLIA – DF 2011 20 Discorreremos sobre este tema na subseção 1 da seção III.

Page 65: QUESTÃO RACIAL E O PAUPERISMO: RELAÇÃO E …

65

e o presente. Podendo ser depreendida na realidade objetiva a partir do estudo das condições

de trabalho e renda da população negra.

No Brasil, de acordo com estudos do IBGE (2009) sobre os dados da Pesquisa Mensal

de Emprego – PME (2009), embora o número de negros e pardos represente menos da metade

da população socialmente ativa, aproximadamente 45,3% da população total, os negros e

pardos constituem mais de 50,5% da população desocupada. E estes índices diz repeito a uma

real desigualdade racial na inserção ao trabalho. E nesse sentido, a partir dos dados da PME,

também ajuizamos uma heterogeneidade entre negros e brancos relacionadas às características

de trabalho, posição e ocupação. Segundos PME, a categoria de trabalhos domésticos se

estrutura como o principal trabalho caracterizado pela maior predominância de negros e

pardos, constituem 61,6% das pessoas ocupadas nos serviços domésticos. Sendo as ocupações

relativas à construção civil composta por 59,6% de pessoas negras. Como podemos verificar,

geralmente, são auferidos aos negros trabalhos, cujas principais atividades são baseadas na

força física de trabalho, e esse fato não acontece aleatório, havendo uma articulação direta

com concepções racistas sobre a imagem do negro em nossa sociabilidade. Assim,

depreendemos que a imagem atual do negro é direta ou indiretamente associada ao negro

escravo, detentor apenas da força física ou em situação de perpetua subserviência, servidão,

assim como eram tratadas os antigos escravos, os quais não trabalhavam como mão de obra

nos engenhos, trabalhava na arrumação, na cozinha, como babás nas casas dos senhores de

engenho, sempre sujeito ao senhor “branco”. Conforme analisa Frederico (2009), o Brasil

herda do regime escravista uma tradição de brutalidade nas relações de trabalho, a qual possui

influência na apreensão, em geral, do trabalho manual como uma atividade desprezível, sendo

somente valorizado o trabalho intelectual, o qual é privilégio das classes altas.

Conforme dados do IBGE (2010), o rendimento médio mensal das pessoas de 10 anos

ou mais de idade, equivaler a R$ R$ 1.202,00, estando à área rural apresentando grandes

disparidades em comparação com a extensão urbana. Analisado este rendimento a respeito da

raça ou cor, identificamos que a população branca possui uma renda superior ao dá média

nacional, sendo equivalente à R$ 1.538, 00. Enquanto que os rendimentos mensais dos negros

e pardos chegam a pouco mais da metade dos índices nacionais, aproximadamente R$ 834,00

para os negros R$ 835,00 para os pardos. A partir disso, podemos ratificar a existência de uma

concentração racial de renda no país, a qual tem estreitos laços com um passado de servidão

do negro ao branco, resultado de um contexto de expropriação pelo branco da riqueza

socialmente produzida pelo negro, de naturalização e continuação dessa exploração, conforme

especifica a tabela abaixo:

Page 66: QUESTÃO RACIAL E O PAUPERISMO: RELAÇÃO E …

66

Tabela 1: Valor médio do rendimento mensal total nominal das pessoas de 10 anos ou mais de

idade, residentes em domicílios particulares permanentes, por cor ou raça. – 2010.

Fonte: IBGE – Censo 2010.

Os dados sobre a realidade social brasileira confirmam as precárias condições de

trabalho e renda da população negra. Diante das pesquisas é impossível negarmos ou

fantasiarmos o preconceito e a discriminação racial, ainda, reproduzidas pelas relações sociais

no modo de sociabilidade hegemônico, as quais se constituem em elementos socioculturais

basilares para a compreensão das desiguais relações de trabalho entre negros e brancos. E

essas questões se expressão quando depreendemos uma sociedade que se utiliza da cor de pele

como critério de seleção de empregados, por exemplo.

As desigualdades nas oportunidades de trabalho e renda da população negra também

podem ser compreendias a partir da necessidade do sistema econômico vigente da insaciável

acumulação de capital, conforme Marx (1996, p. 584) “a produção capitalista não é apenas a

produção de mercadorias”, ou ainda, como depreendemos na contemporaneidade o mercado

financeiro, “ele é essencialmente produção de mais valia”. E nesse sentido, o racismo como

ideologia que compreende a inferioridade do negro sobre o branco pode ser utilizada como

uma forma de justificar os baixos salários destinados a classe trabalhadora, de maneira a

aumentar a extração de mais-valia pelo capitalista em detrimento da redução salarial dos

trabalhadores. Dessa forma, a força de trabalho do negro é desvalorizada em uma sociedade

racista e preconceito que estabelece socialmente a cor da pele como parâmetro capaz de medir

a competência e a capacidade do negro frente ao branco.

A pauperização da população negra compreende a precarização de sua vida, a qual

pode ser caracterizada a princípio pelas precárias condições de trabalho e renda, mas que

possuem expressões diretas as condições de acesso a direitos e serviços sociais, tais como: as

condições de acesso à saúde, educação, direito a cidade, a condições habitacionais e de

habitabilidade, a infraestrutura de saneamento básico dentre outros.

No que diz respeito às condições de trabalho e renda da população negra,

identificamos o acesso ao direito a educação como articulado a inserção desigual no negro na

divisão social e técnica do trabalho. Sobre o direito a educação, ratificamos as disparidades

educacionais entre negros e brancos. E no tocante, ao nível educacional, os dados do ano

Page 67: QUESTÃO RACIAL E O PAUPERISMO: RELAÇÃO E …

67

2007, estabelecidos pelo IPEA (2007), verificamos que aproximadamente 18,7% da

população negra possuem menos de um ano de estudo versos 9,1% dos brancos.

A população das classes trabalhadoras são os que ocupam os piores espaços

socioespaciais com maiores riscos ou de difícil acesso, sendo que, na maioria, são os negros

os que ocupam lugares como as favelas, as casas de palafitas, barracos, ou seja, sempre a

margem do desenvolvimento urbano das grandes cidades, em péssimas condições de

habitação e habitabilidade que têm interferência direta na qualidade de vida dessa população.

Podemos compreender esse contexto social a partir das reflexões de Ferreira (2005) sobre a

propriedade urbana no país. A qual tem uma origem histórica ainda nos acontecimentos do

século XIX, compreendidas a partir da divisão de terras socialmente e racialmente desiguais

estabelecidas a partir dos processos socais antes e após o estabelecimento da Lei de terras.

Conforme o aludido autor, mesmo antes da promulgação dessa lei, por meio da expulsão dos

pequenos posseiros e ocupação indiscriminada de terras por grandes proprietários rurais, foi

consolidado o latifúndio brasileiro. E após a promulgação da Lei de terras, de acordo com o

autor, compreendemos que a propriedade de terras se constitui em um novo indicativo de

poder e riqueza as elites, pois ao contrário já não podiam ter sua riqueza medida pelo número

de escravos que possuíam. Assim, após a abolição da escravatura, a sociedade era dividida

entre os grandes proprietários de terras (população constituída por brancos, antigos senhores

de escravo) e os negros libertos sem possibilidades de comprar terras. Já na república essas

desigualdades permanecem. Conforme Ferreira (2005), no Brasil industrial, o acesso à cidade

urbanizada só era possível para aqueles que pudessem pagar por ela, além disso, ponderamos

sobre um processo chamado de “higienização social” compreendido pela instituição de uma

reforma urbana, a qual foi responsável pelo embelezamento da cidade em detrimento a

população pobre. Assim os pobres e miseráveis foram expulsos da cidade em direção aos

aclives e declives quase inabitáveis das cidades, dando origem aos primeiros bairros

suburbanos e favelas do país, os quais continuam sendo habitadas pela população mais

empobrecida, em sua maioria negra.

Estes dados estatísticos ratificam as desigualdades raciais e concentração racial de renda

nas mãos de uma classe burguesa de ascendência da população branca em detrimento ao

pauperismo majoritário da população negra. Podemos compreender essa problemática a partir

das reflexões de autores como Ianni (2004) e Fernandes (1987) sobre o Brasil moderno, cujos

estudos nos possibilitam a apreensão dessas desigualdades raciais como heranças do bárbaro

passado escravocrata do país. Que ao mesmo tempo, também são aprendidas como

implicações de uma estrutura socioeconômica pautado no racismo e em discriminações raciais

Page 68: QUESTÃO RACIAL E O PAUPERISMO: RELAÇÃO E …

68

entre negros e brancos, o qual é cotidianamente mascarado por ideologias que disseminam o

mito da democracia racial, aqui posto em confronto com a análise de dados empíricos da

realidade racial no Brasil. A situação de pauperismo da população negra no país, há muito

tempo propagada por discursos preconceituosos e racistas presentes em piadas, “ditados

populares”, trocadilhos e outros, confirmam a situação de pobreza da população negra, bem

como, rememoraram concepções de inferioridade do negro sobre o branco.

Analisamos que o capitalismo se desenvolve e se aperfeiçoa a partir de diferentes ciclos

econômicos, mas continua incapaz de sanar seus prejuízos à classe trabalhadora e,

particularmente no Brasil, a população negra. Se no passado, o capitalismo mercantil

(sobretudo na Europa) entusiasmava as explorações das riquezas produzidas pelos escravos

negros o Brasil colônia, atualmente, as formas de exploração e expropriação sociais inerentes

ao capitalismo em sua fase imperialista ainda incide, de modo muito predominantemente

agressivo sobre a população negra por meio da pauperização das suas condições de vida.

Assim, ao mesmo tempo em que o modo de produção do capital possui a capacidade de se

reformular a partir das constantes crises e ascensão de transformações sociais para se

reestabelecer, é capaz de produzir o aprofundamento de suas contradições. Destarte,

ponderamos ainda que, a perpetuação do racismo que se molda as relações raciais vigentes,

possui amarração direta a ordem social do capital na perpetuação de suas dimensões

essenciais: a dominação e a exploração que se desenvolvem de forma desigual e combinada

seja na periferia ou no centro do sistema, que resguardados as particularidades nacionais e

culturais, mas não se definem formalmente, porque lhes são essenciais. Conforme Ianni

(2004, p. 204), no capitalismo:

[...] coexistem drásticas desigualdades sociais, de gênero, étnicas e outras. São

desigualdades das quais se alimentam as xenofobias, os etnicismos e os racismos, as

mais diversas formas de intolerância, preconceito, discriminação e segregação,

poderosas e recorrentes técnicas de dominação. (IANNI, 2004, p. 204).

Diante dessas questões, ponderamos que a solução para a questão racial somente poderá

ser construída coletivamente. Por meio da crítica as contradições postas na realidade social,

tendo em vista, a superação da ordem social vigente, e junto a ela, a superação também de

todas as outras forças de dominação e opressão compreendidas pelo racismo. Assim,

ponderamos a existência de uma população negra que não se conforma, mesmo diante das

opressões e explorações postas pela sociabilidade capitalista, que lhe define um “lugar” na

sociedade e junto a ela condições paupérrimas de reprodução social.

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69

3. INCONFORMISMO E RESISTÊNCIA: EXPRESSÕES DE LUTAS HISTÓRICAS

DA POPULAÇÃO NEGRA.

“Há homens que lutam um dia, e são bons; há homens que lutam por um ano, e são

melhores; há homens que lutam por vários anos, e são muito bons; há outros que

lutam durante toda vida, esses são imprescindíveis.”

(Bertold Brecht).

Nesta seção discorreremos sobre as questões que concerne a esta inconformidade do

negro, expressa na luta e resistência dessa população, bem como suas conquistas tendo as

políticas públicas como meio que podem promover melhorias nas condições vida da

população negra no país.

No Brasil, deste os tempos coloniais até a época presente a população negra tem sua

vida tensionada pelo abuso, exploração e dominação histórica persistentemente produzida e

reproduzida por uma ordem social pautada na desigualdade e na concentração social e racial

de renda, as quais estabelecem um “lugar” de subalternidade e pauperização da população

negra na sociedade de classes. Sendo apreendidas socialmente a partir de concepções racistas,

por mais absurdas que sejam, muitas vezes são explicadas como condições sociais “naturais”

do negro. Neste contexto, a concepção hegemônica do pensamento nacional, construída a

partir do pensamento liberal e atualmente continua permeada pela adesão do ideário

neoliberal, defendem que o modo de sociabilidade do capital é fundamentado na igualdade de

oportunidades sociais, políticas e econômicas a todos, concepção que institui a democracia

racial no país. Sabemos bem que isso não é verídico, mas ainda são empregadas para justificar

a situação atual do negro, as quais são erroneamente explicadas como reflexo de sua

inferioridade ou incompetência para competir de igual para igual com o branco. Quando na

verdade a pauperização da população negra se constitui como resultado na ineficiência do

sistema em produzir o bem esta social da população como um todo. Nesse sentido, tentamos

realizar sucintamente, na seção anterior uma crítica ao sistema de produção capitalista

vigente, tendo em vista suas contradições, debilidades e ineficiência em promover o bem

comum da população brasileira, sendo marcado por relações raciais problemáticas que são

engendradas a partir de seu desenvolvimento e consolidação na sociedade brasileira, as quais

condicionam o “lugar” de subalternidade e o pauperismo da situação de vida da população

negra no país.

Page 70: QUESTÃO RACIAL E O PAUPERISMO: RELAÇÃO E …

70

Nesse contexto, analisaremos nesta subseção, a compreensão de que essa crítica ao

modo de sociabilidade vigente e ao racismo contra o negro, só podem se realizar por meio de

transformações sociais e raciais na dimensão concreta da vida social a partir da existência e

atuação de um “inconformismo social” e, em particular na questão racial, a partir de um

“inconformismo da população negra”. Mesmo que o branco reconheça as desigualdades e

preconceitos raciais perpetuados socialmente contra o negro, ainda assim, torna-se bastante

complexo para esta população abdicar de todos os seus privilégios sociais e de seu “lugar” de

superioridade diante do negro para a real construção de igualdade racial e social. Assim

sendo, analisamos a importância da “inconformidade do negro” diante de sua própria situação

de vida, marcada pelas injustiças sociais e desfalques de seu direito substantivo da “liberdade”

de viver. Cuja, impossibilidade de se materializar é inerente a este modo de sociabilidade, até,

por que esta liberdade é cerceada essencialmente a todos das classes trabalhadoras. Sendo

essencial ainda, uma inconformidade racial para além desta ordem, pois mesmo com a

superação da sociabilidade do capital compreendemos que para a efetiva igualdade racial

encontraremos diferentes entraves culturais e sociais, sendo a luta contra o capitalismo apenas

um meio para desfrutarmos da verdadeira justiça social.

Compreendemos nesta ocasião a designação de “inconformismo” a partir da referência

de Fernandes (2010) ao analisar o protesto negro desde os anos 1950. Nesse sentido,

analisamos que as populações negras apresentam uma crítica as injustiças raciais por elas

vividas, mesmo que estas não possuam uma madura consciência política sobre essa

problemática, expressão um “inconformismo” diante de sua situação de pauperismo. Em

concordância a isto, na primeira subseção que se sobrevém temos como pretensão realizar

uma singela análise sobre os principais aspectos que caracterizam o inconformismo da

população negra, tendo em vista a importância da construção de uma “consciência negra”,

pautada na consciência política sobre sua condição de vida, sendo essencial ao fortalecimento

do movimento negro no Brasil, preconizando o estudo sobre os principais conquistas e limites

históricos na consolidação deste processo de maturação política da população negra no país.

Na segunda subseção, considerando os principais elementos que compõe a luta do

movimento negro pelo estabelecimento de uma verdadeira igualdade racial no país,

analisaremos as principais políticas de enfrentamento a questão racial a partir de suas

contradições, ponderando esta como conquistas e limites ao real estabelecimento da

democracia racial no Brasil.

Page 71: QUESTÃO RACIAL E O PAUPERISMO: RELAÇÃO E …

71

3.1. CONSCIÊNCIA POLÍTICA E MOVIMENTO NEGRO NO BRASIL.

Nesta subseção temos por pretensão analisar como o inconformismo da população

negra contribui para a construção de uma consciência política a respeito das deletérias

condições objetivas e subjetivas de vida desta população no país, compreendendo a luta e a

organização política como iniciativa essencial para a superação das adversidades postas para a

concretização da igualdade racial no Brasil. Tendo em vista o fortalecimento do movimento

negro no país, se tornou necessário estudarmos suas principais conquistas e limites históricos

postos por uma sociabilidade que tem por fundamento a manutenção de sua sobrevivência e a

perpetuação de regalias sociais a uma população burguesa majoritária da população branca “a

qualquer custo”.

A Expressão “inconformismo” é analisada aqui a partir da referência de Fernandes

(2010, p.109), o qual empregou inicialmente a concepção de “inconformismo inócuo”, em

seus estudos dos anos 1950, para depreender o protesto negro brasileiro. Primeiramente esta

concepção foi usada pelo autor para designar a concepção de “capitulação passiva” do

movimento negro e, posteriormente o autor reconhece que “hoje, o conceito que merece

preeminência é o reverso de inconformismo inócuo”. De acordo com o referido autor, este

conceito concebe o inverso do que é compreendido, no meio negro, como “o complexo”.

Deste modo, apreendemos a concepção de “inconformismo” analisada por Fernandes, como

forma da população negra demonstrar recusa e indignação frente às discriminações,

preconceitos e desigualdades raciais estabelecidas socialmente pelo racismo e, aprofundada

pelas contradições inerentes a ordem social vigente.

Ao analisarmos a situação atual do negro, vemos que a história social brasileira é

marcada por grandes transformações sociais incididas pela ordem econômica vigente com o

intuito de garantir sua manutenção, as quais tiveram interferência no desenvolvimento das

forças produtivas e nas novas relações sociais, mas mantiveram quase que ilesas as

dominações e explorações raciais que se perpetuaram como heranças de um Brasil escravista.

Neste contexto, a população negra não ficou apática frente a essas transformações sociais e o

aprofundamento das disparidades raciais nutridas nesta sociabilidade. Assim, contrariando

historiadores, os quais de acordo com Prado Junior (2000), compreendem que a população

negra no Brasil era uniformizada pela escravidão sem restrições que desde o inicio de sua

afluência lhe foi imposta e que nunca contestou. Compreenderemos que este sempre se mostra

inconformado com o aprofundamento das problemáticas raciais, seja um inconformismo de

forma oculto ou mais intensa e manifesta. Diante disso, compreendemos que a situação de

Page 72: QUESTÃO RACIAL E O PAUPERISMO: RELAÇÃO E …

72

vida do negro nesta ordem social, somente apresenta relativos avanços a partir dos processos

de organização e mobilização política desses grupos sociais, os quais surgem com os

“inconformismos” expressos pela população negra. Mas, esse processo depende,

principalmente, de muitas mediações, as quais supõem a capacidade e a densidade de

organização e pressão políticas, articulação com diversos setores sociais em torno de agendas

de reinvidicações compatíveis e outros elementos que perpassam a organização dos

movimentos sociais. E este “inconformismo” da população negra diante das desigualdades,

preconceitos e discriminações raciais postas na realidade social brasileira se materializa de

diversas formas.

Conforme Fernandes (2010, p. 110) é possível afirmar que todo negro quando se põe

frente às desigualdades raciais, revela algum modo de inconformismo, mesmo que seja oculto.

O inconformismo tem relação direta com “o complexo”, pois de acordo com o referido autor,

“as mesmas reações de engendram “o complexo” produzem o inconformismo”. Assim, para

Fernandes (2010, p. 110), o complexo “implica uma anuência tática que é uma acusação, uma

alienação que é uma “esperteza contra o branco” ou, nos dois níveis mais complicados, a

resistência calculista e a rebelião declarada, pelas quais se inverte e se dá combate ao

tradicionalismo nas relações raciais”. A partir disto, analisamos o inconformismo negro

produzido a partir dessas reações, as quais podem ser compreendidas como meio do negro de

reafirmar como pessoa, mesmo que de forma subjetiva e ilusória, diante da realidade social

que o inferioriza socialmente, culturalmente e psicologicamente.

Em anuência, conforme Fernandes (2010, p.111) é possível identificarmos algumas

categorias, nas quais podemos compreender possíveis definições das várias inconformidades

da população negra. Segundo o aludido autor, o inconformismo possui distintas formas: sendo

capaz de “larvar em nível de comportamento e de ajustamento raciais do “negro tradicional”,

o qual se adapta passivamente as expectativas do branco”; a respeito do “o negro trânsfuga”,

designado pelos próprios negros como aquele que “foge do problema”, o qual tem “sufocando

o seu orgulho”, “o inconformismo surge “envenenado””; Ao que caracterizamos como o

“novo negro”, o inconformismo se mostra a partir de ambiguidades, ao mesmo tempo em que

ele “corrói a tendência à subalternização do negro”, ele não a enfrenta diretamente; ao

contrário do “negro racista”, pronto para repelir o padrão de dominação racial vigente, mostra

seu inconformismo de forma mais manifesta a partir “de uma contestação da ordem racial e da

posição subalterna do negro dentro dela”.

Conforme Fernandes (2010, p.112) o negro elabora culturalmente “o complexo” como

forma de se proteger contra o branco, as quais se constituem em insatisfações que são

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73

externamente materiais e sociais, reafirmadas a partir uma incompatibilidade com o modo de

sociabilidade racial vigente. Nesse sentido, podemos pensar em um processo de construção da

“consciência” do negro sobre suas reais condições de vida materializadas a partir das relações

raciais desiguais nesta sociedade. A qual se estabelece a partir do inconformismo às condições

sociais objetivas e subjetivas e, também, abrange aspectos psicológicos e morais que incidem,

particularmente, na apreensão de uma necessidade, que pode variar de pessoa para pessoa.

Assim, para o referido autor, surge daí como resultado a este processo de apreensão do real,

compreendido pelo “o complexo” e inconformismo do negro, a construção de uma “má

consciência diante de uma ordem racial irremediavelmente “injusta””, ou a denúncia, de

“contraposição e radicalismo sistemático”. A partir disso, compreendemos que em ambos os

casos, o negro tem a possibilidade de intervir em sua própria realidade social, no entanto,

muitas vezes “são coagidos a entrar na torrente”. Nesse sentido, a inconformidade da

população negra é enclausurada por uma sociedade que não permite a ampliação que

quaisquer dessas elaborações do inconformismo. Sendo ele, por vezes abafado dentro do meio

negro, ou pior, segundo Fernandes (2010, p.112), dentro de um “drama de consciência”. Visto

que, nesta sociedade, somente as tensões da elite branca encontram espaços abertos, pois

também, o conflito e a mobilização social são privilégios da “raça dominante”.

Neste contexto, ponderamos a dura caminhada em “contracorrente” realizada

cotidianamente pela população negra e pelo movimento negro frente à questão racial no

Brasil, bem como as conquistas e desafios tão árduos ao movimento, frente às imposições

estabelecidas por sociedade marcada por regalias a “raça dominante”. Deste modo, quando

ponderamos a crítica a uma sociedade impetuosa aos negros, assentado na inferioridade e na

estigmatização do negro pela “cor” como forma de perpetuação de um sistema de dominação

e exploração racial, estamos analisando as condições políticas, econômicas e sociais da

população negra, a partir de crítica as relações raciais historicamente construídas a partir de

um penoso processo de escravização do negro, da precária inserção dos ex-escravos a ordem

social competitiva, da participação da população negra no processo de revolução burguesa

brasileira apenas como coadjuvante, tendo em vista o protagonismo da burguesia majoritária

da população branca neste processo de transformação social. Assim, podemos compreender o

contexto de repressão ao movimento negro na atualidade, como expressão de um contexto

histórico. Conforme Fernandes (2010, p.113):

Para que as coisas fossem diferentes, teria sido necessário que a revolução burguesa

fosse, ao mesmo tempo, aberta às pressões populares, democrática e nacionalista, e,

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74

de outro lado, que o próprio negro tivesse criado, depois da Abolição e,

principalmente, da “revolução de 30”, legitimidade para o protesto racial.

O movimento negro pode ser compreendido a partir da análise de uma conjuntura

socio-histórica que tem influência nas condições objetivas e subjetivas que incidem na

atenuação ou no fortalecimento de sua luta e resistência, as quais são responsáveis, em parte,

pela inocorrência dos acontecimentos, acima citados por Fernandes (2010). No Brasil, a

conjuntura social têm influências negativas ao movimento negro, as quais podem ser

compreendidas a partir das opressões sofridas pelo movimento por uma sociedade que

combate todas as manifestações que ponham em risco a manutenção da ordem burguesa. E ao

mesmo tempo, analisamos uma fragilização político-organizativo da população negra para

alcançar legitimidade como movimento social, pois estava assentada, essencialmente, no

“inconformismo negro” em sua forma manifesta, o qual mesmo se constituindo em uma

importante forma de inquietação da população negra frente à questão racial no Brasil, mas não

é suficientemente capaz para o enfrentamento das problemáticas raciais no país, sendo

necessária a construção social de uma “consciência política” do negro, primordial à

legitimação e ao fortalecimento do movimento negro. O qual pode ser estruturado a partir da

ampliação de um inconformismo manifesto da população negra, “consciente” e organizada

politicamente, verdadeiramente pronto para a luta e mobilização política a favor do

estabelecimento de uma substantiva igualdade racial no país. Assim, segundo Fernandes

(2010) “o inconformismo negro pode ser uma realidade psicológica, cultural e moral, mas não

pode tornar-se uma força social atuante e uma realidade política”, visto que, somente uma

organização política da população negra a partir da legitimidade do movimento negro é capaz

de atuar na realidade política.

Nesse sentido, a construção coletiva de uma “consciência política” da população negra

é posto ao movimento negro como um desafio obstante para o fortalecimento da legitimidade

do movimente frente às problemáticas raciais e democratização da ordem social, no entanto,

do mesmo modo, permanecem alguns desafios estruturais. Conforme Fernandes (2010, p.

113), o movimento negro “no passado, ele era expurgado da ordem legal e fortemente

reprimido, como uma “ameaça às instituições e à civilização”, igualmente, “no presente ele é

deliberadamente confundido com o conflito de classe ou com a “subversão comunista da

ordem” – e exposto à solução policial”, sendo compreendido também como uma afronta a

“democracia racial” mistificada no país. Deste modo, analisamos a perpetuação das condições

de repressão política, econômica e sociais ao protesto negro no país, as quais são tensionadas

por uma elite branca, responsável pela conservação desta ordem social.

Page 75: QUESTÃO RACIAL E O PAUPERISMO: RELAÇÃO E …

75

O movimento negro no Brasil emerge e se desenvolve a partir de diferentes

conjunturas e estruturas sociais e possui elos profundos com o “inconformismo do negro” no

país, o qual pode ser analisado deste os momentos da ordem social escravocrata, a partir das

primeiras revoltas e rebeliões dos escravos africanos, as quais incidiram em fungas e,

posteriormente, sendo responsáveis pela criação de quilombos existentes até hoje21

. Deste

modo Menezes (2009) ratifica que a luta dos escravos pela reconquista da liberdade tem início

desde os primórdios do cativeiro, marcado pela formação de quilombos. Mesmo que essas

revoltas representassem mais ações de inconformismo com sua extensa carga de trabalho e

intensos castigos e menos como uma ação política, porém, podem ser consideradas como

primeiras expressões de um protesto negro no país. Sendo cruelmente reprimido e penalizado,

constituindo como os que receberam as mais “duras” repressões: que se caracterizava por

castigos físicos extremamente violentos ou pela própria morte do escravo “rebelado”. Sendo

compreendidos como o movimento quilombola. Essas primeiras expressões de

inconformismo da população negra também tem implicação nos manifestos de resistência do

negro escravizado no período de pré-abolição, contribuindo, mesmo que de forma singela,

para a abolição da escravidão no Brasil como uma conquista da população negra. E nesse

contexto, após a Abolição do regime escravocrata no país, parcela da população negra

mobilizou-se em defesa do chamado Isabelismo, o qual se constituiu em uma forma de cultuar

a Princesa Isabel, sendo reconhecida por eles como "Redentora", como se a Lei Áurea

houvesse sido instituída a partir de um "ato de bondade pessoal", desconsiderando os aspectos

políticos e econômicos que interferem no estabelecimento desta Lei.

Com a decadência do Império, as populações negras se agruparam a diferentes

movimentos populares, tais como: o de Canudos e o do beato Lourenço22

. Assim, podemos

considerar a "Revolta da Chibata", ocorrida em 1910, como o último ato de organizado e

armado de rebeldia do negro ocorrido no país. Posteriormente, a partir de novas opressões e

dominações, as populações negras se manifestavam a partir de outras formas de resistência.

21 Ainda é possível identificarmos comunidades quilombolas, principalmente, na região nordeste do país. No

entanto, analisamos que estas comunidades vêm sofrendo, na atualidade, com frequentes “ataques” culturais,

políticos e econômicos, expressos na desvalorização dos valores e crenças ainda cultivados pelos descendentes

de africanos moradores dos quilombos a partir das crescentes imposições culturais hegemônicas, que ampliam o

racismo e o preconceito racial; pelo descaso do “poder público” frente à garantia do bem estar desta população; e pelas crescentes investidas do grande capital nestas áreas, tendo em vista a especulação imobiliária e turística. 22 O movimento de Canudos ocorreu na Bahia, nos primeiros momentos da República, em decorrência da revolta

da população frente à fome, a seca e o desamparo político os quais assolavam o nordeste no final do século XIX,

a qual foi fortemente reprimida pelo exército brasileiro, incidindo na Revolta de Canudos (1896-1897). Embora

este movimento tenha bases sócio-religiosas, consiste em um importante movimento no início do período

republicano. Segundo Priore e Venâncio (2001) foi liderada por Antônio Conselheiro e, eram constituídos por

uma população pobre do sertão, prostitutas e muitos ex-escravos. O movimento Beato Lourenço se formou no

Ceará, também possuía fundo religioso, sendo perseguido por fazendeiros da região e pela Igreja Católica.

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76

Nesse contexto, as primeiras iniciativas do protesto negro como uma forma de

mobilização política somente vai surgir a partir do aprofundamento das problemáticas raciais

e acirramento das contradições postas pelas “transformações histórico-sociais, que alteraram a

estrutura e o funcionamento da sociedade”, todavia, “quase não afetaram a ordenação das

relações raciais, herdadas do antigo regime” (FERNANDES, 1978, p.7). As quais põem em

questão dois grandes dilemas raciais analisadas por Fernandes (1978): de um lado, havia o

dilema da assimilação do negro “às formas de vida sociais organizadas imperantes na ordem

social competitiva”, sendo o primeiro dilema compreendido a partir da situação de

pauperismo da população negra no país. E de outro lado, existia o dilema do “preconceito de

cor”, o qual se constitui em um modo de negar o negro de sua condição de ser social. Frente a

esses dilemas, os quais se constituíam em problemáticas para a integração do negro a ordem

social competitiva, é que surge o protesto da população negra. Conforme analisa Fernandes:

Sob os olhos impassíveis, perplexos ou hostis dos ‘brancos’, ergueu-se o ‘protesto

negro’, como o ‘clarim da alvorada’, inscrevendo nos fastos históricos da cidade os

pródromos da segunda abolição. Como protesto histórico, portanto, esta se enquadra

no contexto das inquietações e esperanças políticas, que culminaram com a

revolução de 1930. (FERNANDES, 1978, p.8).

As mobilizações do protesto negro começam a se desenvolver no final da I Grande

Guerra, a qual marca o princípio da participação do negro no cenário político brasileiro no

começo do século XX. Segundo Domingues (2007), os movimentos de mobilização racial

negra no Brasil se iniciam frente ao acirramento das precárias situações de vida do negro

continuados mesmo com o início do regime Republicano no país. Visto que, o

estabelecimento do novo período político, ao contrário dos ideais que difunde, não conseguiu

estabelecer ganhos objetivos e subjetivos a população negra, promovendo o aprofundamento

das problemáticas raciais no Brasil. A partir disso, analisado por Domingues (2007), o início

do protesto negro com criação de grupos23

, tais como grêmios, clubes e associações e,

concomitantemente, surge à designada imprensa negra, constituída por jornais publicados por

negros, tendo em vista a denuncia as problemáticas do negro neste período, sendo “O Clarim

da Alvorada”, fundado em 1924, um dos principais aparelhos de luta e resistência. Os quais

foram os principais responsáveis pela mobilização do negro, a partir de debates sobre as

problemáticas raciais.

23 Como exemplo: O Club 13 de Maio dos Homens Pretos (1902); O Centro Literário dos Homens de Cor

(1903); A Sociedade Propugnadora 13 de Maio (1906); O Centro Cultural Henrique Dias (1908), A Sociedade

União Cívica dos Homens de Cor (1915), A Associação Protetora dos Brasileiros Pretos (1917); A Sociedade

Progresso da Raça Africana (1891); O Centro Cívico Cruz e Souza (1918); O Clube 28 de Setembro (1897).

Dramático e Recreativo Kosmos (1908) e o Centro Cívico Palmares (1926).

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77

No entanto, o movimento negro surge inicialmente, como uma revolução moral, não

representava, necessariamente, uma ameaça à ordem social vigente, pois sua luta não se

materializava contra as estruturas políticas, econômicas e sociais. A luta do protesto negro se

constituía em um movimento integracionista, ao contrário de uma mobilização para a

superação do sistema social operante, os negros lutavam por sua integração a sociedade, tendo

em vista, abolir as distinções raciais. Para Fernandes (1978, p.11), os negros nasciam como os

“campeões da “revolução dentre da ordem”, ao lutarem pela sua integração a ordem social

competitiva, se constituíram em um importante elemento para o desenvolvimento e

consolidação da sociedade de classes”. Contudo, depois da Grande Guerra começa a ser

depreendida a construção de uma consciência mais política entre os negros diante das

mudanças incididas pelo surto da industrialização e ascensão dos imigrantes à pequena

burguesia emergente no país. Quando um grupo de pioneiros alcançou comoção na apatia do

“meio negro”, no qual a população negra pode despertar o interesse no debate e solução das

problemáticas raciais no país.

Aos poucos, a situação de miséria, o tratamento diferencial e o isolamento irão

provocar um doloroso processo de autoafirmação e de protesto, que projetará o

“homem de cor” no cenário histórico, como agente de reindicações econômicas,

sociais e políticas próprias. (FERNANDES, 1978, p.10).

Os movimentos sociais no “meio negro” se dinamizaram, a partir de alguns incentivos

de âmbito histórico-sociais, segundo Fernandes (1978), tais como: O Primeiro incentivo

advém da reação do negro e mulato à impossibilidade que assentava na conquista,

manutenção dos meios de ganho eminentes, em incoerência aos dos “brancos”; Outro

incentivo diz repeito à disputa indireta aos “imigrantes”, para o referido autor, as preferências

diante do “estrangeiro” e a rápida ascensão que eles conseguiram perturbaram a população

negra; o terceiro incentivo surge do colapso final da dominação tradicionalista e

patrimonialista, cujas bases materiais e morais do regime escravocrata se mantêm por maior

tempo nas relações dos brancos com os negros. Estes incentivos se constituíam em

insatisfações, as quais fomentaram o aparecimento de uma massa da população negra contra a

ordem racial estabelecida, deste modo, vemos o protesto negro se nutrindo de certa

consciência política, a partir da articulação com movimentos populares na construção de um

processo de mobilização política, promovendo inclusive, o ajuntamento das reivindicações do

negro com lutas do proletariado por meio da aproximação com as teorias marxistas.

Na década de 1930, Segundo Domingues (2007) o movimento negro deu um salto

qualitativo, com criação da Frente Negra Brasileira (FNB), em 1931, considerada como uma

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78

das primeiras organizações negras com reivindicações políticas mais deliberadas, a qual,

posteriormente, se organizou em partido político. Conquistando ainda em 1933, um jornal

próprio, A Voz da Raça, tendo como uma das principais palavras de ordem à defesa da

Segunda Abolição. Outras organizações24

foram construídas, ratificando o fortalecimento do

movimento negro no país. Assim, compreendemos que a partir de Fernandes (1978) a Frente

Negra Brasileira é resultado da construção da nova geração negra no país, porém, o protesto

negro estabelece, a partir disso, uma tentativa frustrada que anunciara a Segunda Abolição.

Assim, analisamos que o movimento negro dos anos 1927 até 1937, pode ser

compreendido a partir de sua consolidação na cena política brasileira. Caracterizado pela

negação da imagem de “preto” construído pela população branca, bem como, pela contestação

do destino estabelecido pela ordem racial vigente.

No entanto, a partir da revolução de 30, entre os anos de vigência do Estado Novo

(1937-1945), os quais foram assinalados por uma violenta repressão política, analisamos o

acontecimento de aniquilamento25

de todas as organizações políticas, inclusive, a Frente

Negra Brasileira. Sendo que, o movimento negro organizado vai se reestabelecer, somente

com a queda da ditadura “Varguista”. Embora, conforme Domingues (2007), este movimento

negro se diferencie do protesto precedente, pois não apresenta o mesmo poder de aglutinação

das massas.

Desse período, podemos discorrer sobre inúmeros agrupamentos da população negra a

partir do inconformismo manifesto. Discorrendo sobre esses agrupamentos, Domingues

(2007, p.108) aponta como alguns dos principais movimentos, a União dos Homens de Cor –

UHC, fundada por João Cabral Alves, em Porto Alegre, em janeiro de 1943. A entidade

prontamente no seu primeiro artigo do estatuto, já declarava sua finalidade central a “elevar o

nível econômico, e intelectual das pessoas de cor em todo o território nacional, para torná-las

aptas a ingressarem na vida social e administrativa do país, em todos os setores de suas

atividades”. Assim, podemos compreender sua ação, a realização de debates, publicação em

jornais, serviços de assistência jurídica, saúde e educação. Esse movimento apresentou grande

capacidade de expansão, já nos anos 1940, “possuía representantes em pelo menos 10 Estados

da Federação”. No entanto, é necessário refletimos que, mesmo com toda relevância em torno

24 Clube Negro de Cultura Social (1932) e a Frente Negra Socialista (1932), em São Paulo; a Sociedade Flor do Abacate, no Rio de Janeiro, a Legião Negra (1934), em Uberlândia/MG, e a Sociedade Henrique Dias (1937),

em Salvador. 25 Apesar da grande repressão política e militar que culminou na extinção de diversos movimentos sociais, é

possível analisarmos algumas formas de resistências dos movimentos populares, os quais se reestabeleceram

após a queda da ditadura.

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79

desse tipo de mobilização e organização política, os objetivos principais desse movimento não

possuíam sintonia com uma transposição social à sociabilidade capitalista, no limite revelava

uma reivindicação dentro da ordem, pauta na crítica ao modo de inserção social do negro

como raça, profundamente, discriminada e subalternizada na estrutura social vigente.

O Teatro Experimental do Negro - TEN, o qual tinha Abdias do Nascimento como sua

principal liderança, também se estabelece como um importante agrupamento da população

negra no Brasil. O qual foi constituído no Rio de Janeiro, em 1944, com a proposta inicial de

compor um grupo de teatro constituído somente por atores negros, contudo foi

progressivamente se ampliando, a partir publicação do jornal Quilombo, tendo ações voltadas

para a promoção das artes e educação, tendo em vista a defesa os direitos civis dos negros na

qualidade de direitos humanos. Conforme Domingues (2007) o TEN propugnava o

estabelecimento de uma legislação antidiscriminatória para o país.

Domingues (2007) sinaliza a existência de outras lutas da expressão do inconformismo

negro no país, dentre eles: o Conselho Nacional das Mulheres Negras, em 1950; o Grêmio

Literário Cruz e Souza, em 1943; e a Associação José do Patrocínio, em 1951; a Associação

do Negro Brasileiro, em 1945, a Frente Negra Trabalhista e a Associação Cultural do Negro,

em 1954; o Comitê Democrático Afro-Brasileiro, em1944. Assim, como importantes jornais

de protesto que se constituíram em uma importante base na luta negra: o Alvorada (1945), O

Novo Horizonte (1946), Notícias de Ébano (1957), O Mutirão (1958), Níger (1960), União

(1947), o Redenção (1950) e A Voz da Negritude (1952) e a revista Senzala (1946). Mesmo

com os crescentes agrupamentos negros organizados, o que incide no aprofundamento da

construção da consciência política negra, o aludido autor analisa que o movimento negro

ficou isolado politicamente naquele momento, não podendo contar efetivamente com o apoio

das forças políticas, seja da direita, seja da esquerda marxista.

O movimento negro historicamente vem se desenvolvendo política e

organizacionalmente, no entanto, sofre influências devastadoras advindas das transformações

políticas e econômicas engendradas pela sociedade brasileira. Com o golpe militar de 1964, os

ataques aos movimentos sociais em geral e, principalmente ao movimento negro promovem

desarticulações e derrotas fez engatinhar o enfrentamento da questão racial no Brasil. Por

muito tempo, os militantes políticos do movimento negro no país, foram fortemente

perseguidos (assim como outros militantes políticos que ousavam criticar a ordem

estabelecida), sendo acusados ainda de criar a problemática do racismo no Brasil, pois

segundo o pensamento nacional este problema já não existia mais, desta forma a discussão

sobre a questão racial no país foi suprimida. A repressão militar, a qual sofreu o movimento,

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80

procedeu na sua desmobilização política. No entanto, muitos resistiram a esse processo,

lutaram contra as repressões, alguns foram presos, torturados, alguns até assassinados e outros

exilados para o exterior.

No final dos anos 1970, analisamos no Brasil a tímida reorganização política e acessão

dos movimentos populares, sindicais e estudantis. No tocante ao movimento negro,

compreendemos a criação do Movimento Negro Unificado (MNU), em 1978, como um

importante iniciativo de reinserção movimento negro organizado no cenário político

brasileiro.

A partir deste contexto é que surge “o movimento negro contemporâneo”,

compreendido por Pereira (2010) como caracterizado pela luta em oposição à concepção de

“democracia racial” instituída no país, bem como a construção de uma identidade política-

cultural da população negra, construída a partir das novas organizações políticas negras,

ampliadas a partir da mobilização e resistência política do movimento negro até os dias atuais.

Nesse sentido, analisamos as manifestações do inconformismo da população negra, nos anos

1970, materializado em simples ações, como exemplo, comprar revistas produzidas por

militantes do movimento negro, a qual é analisada por Alberti e Pereira (2005, p.3), “nos anos

1970, muitas vezes a consciência da negritude em âmbito pessoal se mescla com uma tomada

de posição política”.

Para Domingues (2007) o protesto negro resurge nos anos 1970 e 1980,

profundamente, influenciado pelas lutas dos negros estadunidenses por direitos civis,

contribuindo para a construção de um discurso radicalizado contra a discriminação racial.

Dessa vez, o movimento negro não lutava mais para a assimilação ou integração do negro a

sociedade de classes, agora “luta pelo respeito às diferenças”.

O pensamento social marxista possui grandes contribuições para a construção política

e ideológica de lideranças políticas do Movimento Negro Unificado. A partir disso, as lutas

frente às problemáticas raciais se aproximaram da luta revolucionária contra a ordem

burguesa. Assim, conforme Domingues (2007, p. 113), “a Convergência Socialista publicou

um jornal chamado Versus, que destinava uma coluna, “Afro-Latino América”, para o núcleo

socialista negro escrever seus artigos conclamando a “guerra” revolucionária de combate ao

racismo e ao capitalismo”. Nesse sentido, a criação do MNU, além de promover o

fortalecimento do movimento negro no país por meio da proposta de unificação dos

movimentos, traz a essencial tônica de luta e mobilização política contra a questão racial

articulada a contestação da ordem social vigente, a partir da compreensão da superação da

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ordem social vigente, como meio profícuo de superar o racismo na sociedade. A partir disso,

o movimento negro organizado passa a adquirir uma visibilidade a nível nacional.

Ainda no contexto de rearticulação do movimento negro26

, houve uma importante

reunião em São Paulo, no dia 18 de junho de 1978, com diversos grupos e entidades negras

(CECAN, Grupo Afro-Latino América, Câmara do Comércio Afro-Brasileiro, Jornal

Abertura, Jornal Capoeira e Grupo de Atletas e Grupo de Artistas Negros). De acordo com

Domingues (2007) na reunião, foi instituído o Movimento Unificado Contra a Discriminação

Racial (MUCDR). O qual se constituiu em uma importante organização política para o

protesto negro no país.

Figura 1 Participante da marcha do Movimento Negro Unificado, em São Paulo, novembro de 1979.

Na fotografia acima é possível observamos, os participantes da mobilização realizada

pelo Movimento Negro Unificado. Já a partir de sua criação, realizou em 1978, sua a primeira

mobilização27

, na qual a instituição organizou um ato público, sucedido em repúdio à

discriminação racial sofrida por quatro jovens no Clube de Regatas Tietê e em protesto à

morte de Robson Silveira da Luz, trabalhador e pai de família negro, torturado até a morte no

44º Distrito, o qual se constitui em um acontecimento histórico que ratifica a força de

organização e mobilização das novas organizações do movimento negro no país.

Conforme aponta Domingues (2007), o MNU estava em defesa das seguintes

reivindicações “mínimas”: a desmistificação da democracia racial estabelecida no país, à

organização política da população negra, transformação do Movimento Negro em movimento

26 Concomitante à reorganização das entidades negras, registrou-se a volta da imprensa negra. Alguns dos

principais jornais desse período foram: SINBA (1977), Africus (1982), Nizinga (1984), no Rio de Janeiro;

Jornegro (1978),41 O Saci (1978), Abertura (1978), Vissungo (1979), em São Paulo; Pixaim (1979), em São

José dos Campos/SP; Quilombo (1980), em Piracicaba/SP; Nêgo (1981), em Salvador/BA; Tição (1977), no Rio

Grande do Sul, além da revista Ébano (1980), em São Paulo, conforme Domingues (2007, 115).

27 “Ato público realizado no dia 7 de julho de 1978, nas escadarias do Teatro Municipal em São Paulo, reunindo

cerca de 2 mil pessoas, e “considerado pelo MUCDR como o maior avanço político realizado pelo negro na luta

contra o racismo”. O evento recebeu moções de apoio de alguns estados, inclusive de várias associações negras

cariocas”. (DOMINGUES, 2007, p.113).

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de massas, formação de um amplo leque de alianças na luta contra o racismo e a exploração

do trabalhador, a organização para enfrentar a violência policial, a organização nos sindicatos

e partidos políticos, a luta pela introdução da História da África e do Negro no Brasil nos

currículos escolares, bem como a busca pelo apoio internacional contra o racismo no país. O

MNU elegeu o dia 20 de Novembro, por ser o presumível dia da morte de Zumbi dos

Palmares (Símbolo da Resistência à opressão racial), como o Dia Nacional da Consciência

Negra. O qual até os dias de hoje, precisa ser considerado como um dia de luta e de

resistências as formas de preconceito e discriminações raciais inerentes às relações raciais

desiguais estabelecidas no país, embora em alguns lugares nem seja considerado feriado ou,

seja considerado um dia de comemoração por uma democracia racial brasileira mistificada, se

constitui em um dia de reflexão e mobilização política.

Ponderamos ainda, a importância do movimento negro na luta pela redemocratização

do país. Os anos 1980 foram marcados por um contexto de efervescência política no país,

caracterizado pela participação popular, de trabalhadores, movimentos sociais, dentre eles o

movimento negro. A redemocratização do país materializa-se a partir da queda da ditadura

militar e, se expressão legalmente a partir do estabelecimento da Constituição Federal de

1988, conquistada a partir da tentativa de instituição de um processo de reforma da população

brasileira. Nesse contexto, o movimento negro ajuda a construir o movimento de

redemocratização do país e, ao mesmo tempo, passa por ele mais fortalecido. Visto ainda, o

contexto sociopolítico favorável à realização de lutas e de conquistas as classes trabalhadoras.

Nesse contexto, as reindicações dos movimentos negros contra racismo encontra espaço para

se desenvolver, a partir, também, das articulações com outros movimentos sociais.

Nesse contexto, a questão racial começa a ser discutida nas centrais sindicais. Sendo

reconhecida a essencial importância da discussão sobre a problemática racial no país, a partir

do V Congresso Nacional da Central Única dos Trabalhadores (CUT). Em 1990, foi

responsável pela criação da Comissão Nacional Contra a Discriminação Racial e a Força

Sindical (FS), a qual mais tarde resultou na reestruturou a sua Secretaria Nacional de

Desenvolvimento da Igualdade Racial. Sendo criado o atual Instituto Sindical Interamericano

pela Igualdade Racial (INSPIR).

Como maneira de fortalecer o movimento negro e incentivar a participação massiva da

população negra, o MNU desenvolveu uma nova compreensão do termo “negro” para

designar toda a população descendente de africanos antes escravizados no país, contribuindo

assim, para a ruptura de sua conotação pejorativa no país. Deste modo, o termo “negro” deixa

oficialmente de ser considerado ofensivo e passa a ser usado com orgulho pelos militantes do

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movimento, passando continuamente por um processo de aceitação racial até os dias atuais.

Visto que, a mudança do significado desta expressão tem influência direta na construção de

uma identidade racial de uma população que foi historicamente e, ainda é estigmatizada por

sua cor, sendo que até o presente a palavra “negra” ainda é muitas vezes utilizada em sua

conotação pejorativa, impedindo por vezes a autoafirmação do negro e construção de uma

identidade racial nesta sociedade.

Como depreendemos anteriormente, o movimento negro passou a intervir

frequentemente no terreno educacional, primeiramente por meio das ações voltadas a

educação realizada pelos agrupamentos da população negra, e posteriormente, a partir daquele

período, passa a intervir na educação na medida em que cria proposições estabelecidas a partir

da crítica há alguns conteúdos de livros didáticos, tendo em vista a luta pela revisão e retirada

de alguns conteúdos de conotação racista desses livros, assim como a realização de

capacitações com professores com intuito de desenvolver uma pedagogia interétnica, na

tentativa de reavaliar a ação do negro na história brasileira.

Segundo Domingues (2007), entre o período de 1980 a 2000, o movimento negro

organizado “africanizou-se”. E nesse momento, o movimento negro assume a luta contra o

racismo, trazendo como centralidade novas premissas de ascensão de uma identidade étnica

particular da população negra, apresentando o resgate das raízes antepassadas como direção

para a construção do discurso político do movimento. A partir disto, o movimento negro passa

por um processo revisionista dos seus valores, o qual contribui para o processo político de

ruptura com as perspectivas assimilacionistas e integracionista que norteavam a militância dos

agrupamentos negros no passado, a partir da construção de um movimento negro pautado na

negação dos valores das “raças dominantes” e legitimação dos valores, crenças e cultura

africana herdadas dos antigos escravos e seus descendentes, os quais passaram por um

violento processo de criminalização e desvalorização versus a adesão, legitimação e difusão

de uma cultura europeia no país.

O movimento negro contemporâneo, a partir desse processo revisionista, cuja

centralidade é pautada na crítica há elementos socioculturais que, de alguma maneira

contribuem para a reprodução do racismo nas relações raciais no país, realizam uma

campanha política contra a concepção de mestiçagem28

difundida no Brasil. Sendo analisado

pelo movimento como um artifício ideológico alienador, sendo necessários a luta e o combate

à capacidade alienante da ideologia da mestiçagem no Brasil, a qual tem influência contrária

28 Analisada na seção anterior.

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84

no processo de construção da identidade do negro no país. Assim, podemos ponderar que

parte do movimento negro brasileiro têm se construído no cenário político, a partir da

resistência e mobilização política em defesa da construção de uma nova ordem social, tendo

em vista a superação do racismo e, junto a ele todas as formas de opressão e dominação

raciais e sociais. E nesse sentido, o movimento vem atuando na luta contra elementos

histórico-culturais racistas reproduzidos em nossa sociabilidade, tendo em vista a construção

de uma nova identidade racial para a população negra no país. Porém, somente partes desse

movimento, visto que o movimento social negro como um todo não é homogênio na sua

estrutura, no que diz respeito ao projeto, valores e objetivos fundamentais. E nessa dinâmica,

as contradições são elementos que não podem deixar de ser considerados.

Porém, analisamos que o movimento negro, assim como os movimentos sociais em

geral, vem sofrendo um profundo processo de crise estabelecido pelo avanço do pensamento

neoliberal e da atualização do pensamento neoconservador na sociedade brasileira, o qual

incide ainda sobre a construção da consciência política da classe trabalhadora.

A esse propósito, Iasi (2013, p.3) ao analisar a conjuntura política atual, compreende

haver uma “desconstrução da consciência” política da classe trabalhadora, historicamente

representada pelo Partido dos Trabalhadores (PT). Segundo o referido autor, há um “mito do

acumulo de forças”, cuja compreensão é de que nunca estamos preparados, “nunca o nível de

consciência das massas e dos trabalhadores chega à necessidade da conquista do poder”.

Representando uma problemática para que, realmente, nunca tenhamos às condições certas.

Outra questão abordada pelo aludido autor, é a crítica à compreensão de que os patamares de

consciência não regridem. Iase vai combater essa concepção, a partir de sua imaterialidade na

realidade social. Ao contrário, a consciência expressa na liderança dos movimentos sociais

contemporâneos revela que o conjunto da classe retoma a outro patamar, analisado pelo

mencionando escritor, como à consciência reificada. Caracterizado pela a “consciência da

imediaticidade, da ultrageneralização, do preconceito, da perda da capacidade de vislumbrar,

ainda que potencialmente, a totalidade”. A partir disso, podemos pensar criticamente o

movimento negro no país.

A década de 1980 foi marcada por conquistas e avanços dos movimentos sociais e

classe trabalhadora em geral. Mas a partir dos anos 1990, analisamos no cenário brasileiro o

aprofundamento dos ideais neoliberais nas ações do Estado e, um consequente avanço do

pensamento neoconservador na sociedade brasileira, o qual se materializa em retrocessos

sociais, seja no âmbito do direito social ou na crise dos movimentos sociais. Depreendemos

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85

este processo iniciado já a partir do governo29

Collor e consolidado no governo FHC. E ao

contrário do que esperávamos, o primeiro mandato do presidente Lula30

, pode ser considerado

como de continuidade e aprofundamento da ofensiva neoliberal, tendo por consequência a

desestabilização da proposta de governo à defesa da classe trabalhadora. Tendo negativas

repercussões a mobilização popular, acarretando no enfraquecimento dos movimentos sociais

efervescentes nas décadas anteriores, dentre eles o movimento negro. Destarte, Netto afirma:

O primeiro governo de Lula aprofundou o contra-reformismo orgânico da coalizão

do Partido da Social-Democracia Brasileira como o Partido da Frente Liberal – e o

segundo mandato de Lula apenas vem reafirmando a sua incorporação das diretrizes

macro-econômicas e sociais que outrora, nos idos de oitenta e noventa, combatia.

(NETTO, 2006, p. 38).

Entendemos então, que a ascensão do Partido dos Trabalhadores (PT) ao poder, ao

contrário da defesa à classe trabalhadora, trouxe à tona as consequências do neoliberalismo

tão combatido nas décadas passadas. Estabelecendo, assim, o enfraquecimento dos

movimentos, visto que, o PT se constituía em uma das principais referências dos movimentos

sociais. Quando o PT ao assumir o poder passa a negar seu vínculo aos interesses das classes

trabalhadoras, os movimentos sociais se vêm sem referência, sem esperança política. Visto

que, no lugar de um partido político que luta pela liberdade das classes trabalhadoras,

analisamos a perpetuação de um governo que atua na “maciça cooptação das entidades e

organizações que tinham peso sobre significativos movimentos sociais”. (NETTO, 2006, p.

38). Estando o atual governo, personificado na presidenta Dilma Rousseff31

, dando

prosseguimentos ao processo de crise dos movimentos sociais na conjuntura atual.

Analisamos que, adjunto aos avanços das políticas neoliberais as ações do Estado em

beneficio do grande capital, há a influencia do neoconservadorismo ao pensamento social

brasileiro, a qual tem como expressão, dentre outros, o racismo. Nesse sentido, depreendemos

o conservadorismo como resposta a uma necessidade histórica da “classe dominante”, de

maioria branca, para responder a seus interesses e, este pensamento vem se reatualizando e se

29 Collor foi eleito por meio do Partido da Reconstrução Nacional (PRN). Este governo fomentou ações que

promoveram transformações econômicas no Brasil, tendo em vista a modernização do país, para poder competir

no mercado mundial. Fernando Henrique Cardoso (FHC) foi eleito em 1994, dando continuidade à política

econômica iniciada por Collor, promovendo privatizações, restrições de direitos, tendo em vista a abertura da

economia nacional para o mercado econômico mundial. 30 Lula se constitui no primeiro operário eleito como presidente do Brasil. É filiado ao Partido dos Trabalhadores

(PT), o qual sempre fez oposição aos governos de direita, constituindo-se historicamente um partido de esquerda

no país. 31 Dilma Rousseff se constitui na primeira presidente mulher do Brasil, foi eleita em 2011, é filiada ao Partido

dos trabalhadores (PT).

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86

expressa em todos os âmbitos da vida social. Incidindo, também, no aprofundamento das

relações de dominação e exploração raciais e na crise dos movimentos sociais, tendo em vista

a manutenção das dominações e explorações inerentes ao desenvolvimento do grande capital.

Nesse sentido, podemos compreender os mitos analisados por Iasi (2013), articulados

a ofensiva neoliberal e a reatualização do conservadorismo em nossa sociedade, como formas

de por limites aos movimentos sociais contemporâneos, inclusive ao movimento negro.

Conforme Iasi (2013, p.4) “Presos a esta forma de consciência, os trabalhadores não agem

como uma classe nos limites da ordem do capital em luta contra suas manifestações mais

aparentes”. Assim, depreendemos os principais desafios contemporâneos postos pela

macroestrutura social ao fortalecimento do movimento negro, bem como e suas lutas políticas

e conquistas sociais.

Ao analisarmos a historicidade do movimento negro, vermos que as principais

entidades do movimento sempre surgiam acompanhadas por grandes jornais, tendo em vista à

denúncia as desigualdades raciais no país. E hoje, ainda existem meios de comunicação em

massa que se constituem nas principais formas de denuncia da questão racial no Brasil. No

entanto, na história dos jornais e outros meios de comunicação em massa, também analisamos

suas contribuições negativas na difusão dos movimentos sociais em geral, bem como, no

mascaramento do mito da Democracia Racial brasileiro. Sendo os meios de comunicação em

massa também, um dos principais meios de alienação da classe trabalhadora, estando

permeado por interesses neoliberais e neoconservadores, contribuindo para a construção de

uma imagem destrutiva a esses movimentos e a para a banalização de suas principais

reivindicações. Conforme Iasi (2013, p.4), “hoje no quadro de uma democracia de cooptação

consolidada temos um senso comum que tende a ser conservador e, por vezes, reacionário”. E

nesse sentido, o contexto de contra-reforma do Estado tem sua perpetuação assegurada e

evidenciada também pelos meios de comunicação em massa, os quais atendem,

primordialmente, os interesses da “raça dominante”.

Assim, compreendemos que o avanço da ofensiva neoliberal e a atualização do

pensamento neoconservador no Brasil se constituem grandes desafios contemporâneos postos

ao movimento negro no país. No entanto, o movimento negro ainda resiste e persiste na luta

contra as discriminações e preconceitos raciais contra o negro brasileiro. Apesar de todas as

adversidades o movimento negro resiste como se fossem “toupeiras32

”, os quais

32 Toupeira é um termo conotativo recorrente na literatura marxista para designar os movimentos insurgentes,

oriundos da organização revolucionária da classe operária. Atualmente, podemos constatar que a utilização de tal

termo é referente aos processos de organização da luta política que, apesar das adversidades vêm “remando

Page 87: QUESTÃO RACIAL E O PAUPERISMO: RELAÇÃO E …

87

compreendem a partir da luta a real possibilidade de estabelecer a verdadeira democracia

racial no país. Uma expressão disso é o movimento quilombola, o qual também se constituiu

em um uma expressão do movimento negro no Brasil, aliás, é uma expressão que se remete na

forma mais tradicional e antiga de resistência do povo negro brasileiro.

Conforme Iasi (2013), as transformações na consciência dos trabalhadores são

resultados de sua inserção na luta de classes. Da mesma forma, podemos compreender a

construção da consciência política dos trabalhadores da população negra, cuja emergência tem

profundos laços com a participação política desses sujeitos sociais no cenário brasileiro.

Mesmo ponderando as peculiaridades que permeiam a questão do negro nesta sociedade,

compreendemos que a construção da consciência política dessa população possui intensas

ligações com a ascensão das lutas políticas edificadas pelos movimentos sociais,

principalmente dos movimentos negros, entre os anos 1970 e 1980. Sendo assim, não vêm

necessariamente das apreensões sobre o conhecimento ou das explicações das particularidades

que permeiam a questão racial no Brasil, mas ainda, da apreensão e reflexão crítica às

estruturas que sustentam este modo de sociabilidade, bem como, a participação popular no

cenário político brasileiro.

Iasi (1999) analisa o processo de consciência partindo de uma compreensão marxista.

Diante disso, o processo de consciência é apreendido pelo autor de forma introdutória como:

[...] Um desenvolvimento dialético, onde cada momento traz em si os elementos de

sua superação, onde as formas já incluem contradições que ao amadurecerem

remetem a consciência para novas formas e contradições, de maneira que o

movimento se expressa num processo que contem saltos e recuos. (IASI, 1999,

p.13).

Assim, consciência é compreendida pelo autor como um processo. Podendo ser

analisado como uma construção social, ou seja, os sujeitos sociais não são conscientes, eles se

tornam conscientes a partir de um processo sócio-histórico. Da mesma forma, ponderamos

que a consciência política da população negra vem sendo construída historicamente, a partir

de elementos subjetivos e objetivos particulares da vida de cada sujeito social, mas que

envolvem aspectos universais da realidade social entendido a partir da consciência de classes,

e especificamente, “consciência negra”. Estabelecida por meio de um movimento expresso na

passagem de uma consciência reificada à consciência em si.

contra a maré”. CISNE, Mirla. Resistência de classe no Brasil contemporâneo: mediações políticas para o

enraizado do projeto ético-político do Serviço Social. IN: Temporalis. Brasília, Ano VIII, n.16, p. 67-98, 2008.

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88

Prosseguindo, analisamos construção da consciência política da população negra,

essenciais para a superação de alienações e ideologias estabelecidas pela “raça dominante”, as

quais têm em vista a manutenção do sistema de dominação e exploração do negro

“naturalizado” socialmente.

Assim, ponderamos que além da pauperização das condições de sua vida, o negro tem

de enfrentar o estigma da cor, as discriminações e opressões resultantes do preconceito racial

engendrado por meio da escravidão, fruto de ideologias racistas pautadas em uma falsa teoria

de inferioridade racial, as quais incidem na vida social até os dias de hoje, constitui-se em

uma grande violência social, psicológica, moral, cultural a população negra.

Nesse sentido, o autor Fabio Fernandes (2011) vai compreender que o racismo refere-

se à valoração negativa de certos grupos humanos em virtude de sua etnia. Assim, pode ser

entendida como uma ideologia, isto é, uma crença de que as capacidades humanas são

determinadas pela “raça” e que é necessário segregar os “inferiores” (Fernandes, 2011). É

nesse contexto que a população negra procura sua cidadania enquanto pessoa humana, em

contracorrente de concepções racista, legitimação das explorações e opressões capitalistas que

também incidem na legitimação de preconceitos e discriminações raciais.

Segundo Gomes (2011), na realidade brasileira e mundial, podemos analisar que a luta

contra o racismo, o sexismo, a homofobia não pode acontecer de forma isolada. Sendo assim,

compreendemos que a luta contra as dominações e explorações raciais deve ser construída

coletivamente, a partir da imersão de consciência política baseada na consciência de classe em

si, tendo em vista desenvolvimento de uma consciência de classe para si, a partir da qual

todos os trabalhadores se reconheceram como a única classe social, capaz de concretizar a

revolução proletária. E nesse sentido, os movimentos sociais tem a educação como um dos

principais campos de luta, e articulado a esse processo, analisamos que o movimento negro no

Brasil têm construído historicamente muitas conquistas frente à conjuntura adversa. Na

próxima subseção, discorreremos sobre as conquistas apresentadas pelo movimento, tendo em

vista centralidade nas políticas sociais, compreendendo estas como principal meio de

intervenção a questão social nos limites da sociedade do capital.

3.2. POLÍTICAS DE ENFRENTAMENTO À QUESTÃO RACIAL: CONQUISTAS,

LIMITES E DESAFIOS HISTÓRICOS.

Analisamos anteriormente, que as lutas pelo fim do racismo e seus rebatimentos na

vida das populações negras não surgem de reivindicações recentes, mas foram construídas a

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89

partir de uma conjuntura histórica marcada pela resistência e combate do movimento negro a

um modo de sociabilidade abalizado por relações sociais e raciais desiguais. Analisamos que

as primeiras resistências podem ser depreendidas já no período da escravidão fruto das

primeiras manifestações do inconformismo negro, o qual se desenvolve e se consolida a partir

da formação de uma consciência política do negro e de sua organização política, cujo

resultado pode ser entendido por meio da formação e consolidação do movimento negro

contemporâneo. Desta maneira, o movimento negro intervém na história da sociedade

brasileira materializando lutas e conquistas a população negra, mas, ao mesmo tempo, são

limitados por imposições postas pelos interesses das “raças dominantes”. É nesse sentido, que

discorreremos sobre as políticas de enfrentamento a questão racial, as quais são estabelecidas

como resultado jurídico-formal das conquistas da população e movimento negro. Sendo

compreendidas, também, a partir de suas contradições instituídas no marco da sociabilidade

capitalista, as quais podem ser analisadas como concessões do Estado burguês as classes

trabalhadoras, neste caso, em especial, aos negros, com um dos objetivos de manter a

hegemonia das classes e “raças dominantes”, ameaçadas pelo avanço das lutas sociais e

raciais legitimadas pelas classes trabalhadoras organizadas. Considerando as contradições

sociais que permeiam a emersão, desenvolvimento e consolidação das políticas sociais é que

analisaremos a concepção de políticas de combate à questão racial estabelecidas no país,

tendo em vista a análise de suas conquistas, limites e desafios históricos postos pela sociedade

de classes.

Embora, no Brasil não tenha existido a segregação racial concreta como houve em

outros países, tais como, na África do Sul e nos Estados Unidos, compreendemos violentas

formas de preconceito e discriminação racial que permeiam a vida cotidiana das populações

negras no país, sendo materializadas em humilhações e violações de direitos sociais que se

expressam e, ao mesmo tempo são expressões das condições de pauperização da população

negra neste país. A partir disso, compreendemos que o combate às barbáries do capital (o

racismo embora não seja inerente ao sistema do capital, encontra no mesmo, maneiras de se

reatualizar) somente no campo da luta, podemos avançar em buscar de melhorias na condição

de vida do negro, tendo em vista a construção de novas relações sociais e, consequentemente

superar as relações raciais desiguais nutridas no país. Assim, ratificamos a essencialidade das

lutas políticas organizadas pelo movimento social e negro, não as abstratamente, mas as lutas

e resistências que sucedem na dimensão concreta da realidade social, por meio da crítica para

além das reivindicações a respeito de particularidades ou identidades, tendo em vista a crítica

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90

às bases de sustentação dessa sociedade. A partir do tensionamento a sociedade capitalista e

pressionamento ao Estado burguês.

Nesse contexto, de lutas e resistências sociais e raciais em oposição aos padrões

estabelecidos pela sociedade capitalista e racista é que surgem as políticas de enfrentamento a

questão racial. Ao analisamos a conjuntura história sociopolítica brasileira, observaremos que

as histórias das políticas sociais se articulam a história das resistências dos movimentos

sociais e negros no país. Sendo compreendidas como conquistas políticas das classes

trabalhadoras e negras, mas ao mesmo tempo, representam estratégias das classes e raças

dominantes no intuito de manter seu controle e hegemonia perante a sociedade. Assim, neste

modo de sociedade, analisamos que as lutas entre classes sociais são mediadas pelo Estado

burguês que estabelece as políticas sociais como meio de intervir nesses conflitos sociais e,

concomitantemente, manter sua hegemonia. Assim, estudamos a pertinência do surgimento e

desenvolvimento das políticas sociais no Brasil na década de 1930, bem como, sua ampliação

e consolidação nas décadas de 1970 e 1980, momento histórico marcado por grandes

mobilizações políticas e acirramentos das contradições sociais no país, assim como

manifestações contra o racismo e preconceito raciais. Depreendemos que estas emergem com

a “aparência” de produzir o bem-estar de todos nas sociedades capitalistas, no entanto,

somente se constitui em um meio de afiançar algumas melhorias nas condições de vida de

algumas populações, pois a partir da realidade social concreta compreendemos que as

políticas sociais se esbarram nos próprios limites da sociabilidade do capital em estabelecer o

pleno bem-estar comum, podendo este somente ser alcançado em sua plenitude a partir da

superação das dominações e explorações inerentes a sociabilidade vigente.

Compreendemos, a partir de Gramsci que o Estado ampliado, o qual não se restringe

ao campo da coerção, mas para além dele, possui uma esfera ampliada que se apresenta por

meio das relações entre o Estado e sociedade civil, se reafirma a partir da luta e conquista de

um consenso, compreendido por hegemonia, no qual o Estado ratifica sua direção, o poder de

uma classe social, mas se constitui também como uma forma de estabelecer acordos entre as

classes subalternas. Assim, analisamos que as primeiras ações no enfrentamento das

problemáticas raciais no Brasil, tais como, a Lei Afonso Arinos nº 1.390/51, estabelecida nos

anos 1951, surgem a partir de consensos entre o Estado e população negra organizada

politicamente.

O estabelecimento da primeira Lei em oposição ao racismo instituída no Brasil

sucedeu-se a partir de grandes embates políticos, tendo como propulsores os militantes

políticos constituintes, segundo Domingues (2007) da segunda fase do movimento negro no

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91

Brasil. A partir de reivindicações do movimento negro e população organizada na Convenção

Nacional do Negro, em 1945, o senador Hamilton Nogueira (UDN), apresentou, em 1946,

uma lei contra a discriminação racial, a Assembleia Nacional Constituinte, a qual não foi

aprovada33

, com a justificativa do PCB de que esta lei restringia o amplo conceito de

democracia. Domingues (2007, p.111) analisa esta problemática, a partir do isolamento do

movimento negro, na década de 1940, com relação às forças políticas.

Ponderamos o estabelecimento da lei contra as práticas racistas Lei nº 1.390/51,

conhecida como Lei Afonso Arinos, a partir do cenário de mobilizações e resistências que

surgem já nos anos 1830, contra o racismo, preconceito racial e de cor, constituindo-se em um

marco para a luta política do movimento negro o qual, historicamente luta pelo

estabelecimento de direitos de cidadania, os quais foram paulatinamente sendo conquistados

ao longo da historia brasileira. Devemos depreender ainda, que esse movimento de

reivindicações e concessões não se sucede isoladamente no país, ao contrário, esta articulada

as grandes transformações que ocorreram em âmbito mundial. Logo nos anos 1919, foi criada

a nível internacional no Pacto da Liga das Nações, uma Proposta de Igualdade Racial, onde

obteve apoio da maioria. E em 1945, a Organização das Nações Unidas- ONU inclui em seu

artigo I a compreensão de direitos humanos, tendo em vista a não distinção de raça. Em 1950,

a União – UNESCO redigiu o documento “A questão da raça”, na qual estabelecia a recusa ao

racismo cientifico.

E nesse contexto, que a partir da Constituição Federal de 1988, as ações racistas foram

consideradas no âmbito jurídico-formal como crime inafiançável, em revogação da lei

anterior, que estabelecia este como contravenção penal. Por ter sido projeto do deputado

Carlos Alberto de Oliveira, a Lei nº 7.716/89, promulgada em 1989, e conhecida como Lei

Caó, e se constitui na primeira e na principal lei que institui as práticas de crime de racismo

no Brasil. A Lei34

nº 7.716/89, em seu “Art. 1º Serão punidos, na forma desta Lei, os crimes

resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência

nacional”.

Em nossa sociabilidade essas ações, embora se configurem como conquistas da

população negra e, de certa maneira, proporcionem, em sua maioria, pontuais melhorias nas

33 Porém, a primeira lei antidiscriminatória do país, é estabelecida pelo Congresso Nacional cinco anos mais

tarde, a partir da retomada dos manifestos do movimento negro, após “o escândalo de racismo que envolveu a

bailarina negra norte-americana Katherine Dunham, impedida de se hospedar num hotel em São Paulo”

(DOMINGUES, 2007, p.111).

34 Redação dada pela Lei nº 9.459, de 15/15/1997.

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92

condições objetivas de vida das populações negras, somente se efetivam plenamente no

âmbito jurídico-formal e, algumas vezes nem mesmo nele. Visto que, as ações legais

estabelecidas pelo Estado, precisam ser aceitas e legitimadas pela sociedade civil. As relações

sociais instituídas em nossa sociabilidade são permeadas por interesses e valores

compartilhados socialmente, na medida em que compreendemos que esses valores

hegemônicos reproduzem historicamente o preconceito racial e de cor, analisamos que a

“força da lei” não implicará na transformação de todo um pensamento nacional pautado no

racismo, ainda que, o próprio estabelecimento das leis possa ser ponderado já a partir da

construção de novos pensamentos. Assim, depreendemos que a lei antidiscriminatória

estabelecida no Brasil, se constitui em uma importante iniciativa jurídico-formal, mas sua

materialização na realidade social objetiva se esbarra em aspectos culturais, psicológicos,

sociais, políticos e econômicos que determinam a questão racial no país.

Mesmo com as contradições que permeiam a plena concretização das ações de

combate ao racismo, ponderamos outras conquistas alcançadas pelo movimento negro na

caminhada política em anseio da ascensão da igualdade e justiça racial e social no país. E

nesse sentido, ao analisarmos os avanços e desafios que permeiam o estabelecimento das

políticas públicas direcionadas a combater o racismo, depreenderemos o Estatuto da

Igualdade Racial como principal resultado da resistência política dos movimentos das

populações negras organizadas na luta pelo fortalecimento das ações de enfrentamento as

desigualdades raciais. Após dez anos de tramitação no Congresso Nacional, foi aprovada e

sancionada a Lei nº 12.288, promulgada em 20 de julho de 2010, que determina em seu artigo

1º:

Art. 1o Esta Lei institui o Estatuto da Igualdade Racial, destinado a garantir à

população negra a efetivação da igualdade de oportunidades, a defesa dos direitos

étnicos individuais, coletivos e difusos e o combate à discriminação e às demais

formas de intolerância étnica. (BRASIL, 2010).

Nesse sentido, analisamos que o Estatuto da Igualdade Racial reafirma a concepção de

direito das populações negras a partir de uma perspectiva de adesão aos ideais das políticas de

ação afirmativa, as quais são estabelecidas pelo governo brasileiro como meio de superação

das desigualdades raciais e o enfrentamento do racismo, constituídas em nossa sociedade

como meio de reparar as violências acometidas a população negra ao longo da formação

sócio-histórica brasileira. Porém, podemos analisar as políticas de ação afirmativas para além

da concepção compensatória, a partir da compreensão desta como um meio de estabelecer

justiça racial. Embora, em nossa sociabilidade tenha se criado o pensamento conservador e

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93

limitado de que “justo” é considerar todos de maneira igual, depreendemos que não é possível

a partir de políticas universais, estabelecer igualdade entre relações raciais essencialmente

desiguais. Sendo indispensáveis, as políticas diferenciadas para intervir nas problemáticas

raciais, de forma a construir pilares para uma real justiça racial.

A conceituação original de ação afirmativa encontra-se na obra de Ambedkar35

(1891-

1956), o qual propôs a construção de ações que promovessem direitos aos sujeitos sociais que

por razão religiosa, étnico e racial sofrem desigualdades sociais, tendo em vista, a superação

as disparidades e condições de oportunidades sociais. O conceito de ação afirmativa abrange a

compreensão de política pública, apresentando o pensamento de que todos devem ter direito à

igualdade, incidindo no estabelecimento de uma real democracia social. Assim, podemos

depreender as ações afirmativas conforme define o autor Joaquim B. Gomes:

As ações afirmativas consistem em políticas públicas (e também privadas) voltadas

à concretização do princípio constitucional da igualdade material e à neutralização dos efeitos da discriminação racial, de gênero, de idade, de origem nacional e de

compleição física. Impostas ou sugeridas pelo Estado, por seus entes vinculados e

até mesmo por entidades puramente privadas, elas visam a combater não somente as

manifestações flagrantes de discriminação, mas também a discriminação de fundo

cultural, estrutural, enraizada na sociedade. (GOMES, 2001, p.06).

No Brasil as políticas de ações afirmativas ganham visibilidade a partir da mobilização

dos movimentos sociais e setores organizados da sociedade. Nesse contexto, a adoção das

políticas afirmativas as ações do governo brasileiro são analisadas a partir das primeiras

iniciativas do Estado na ascensão de políticas diferenciadas de acesso ao ensino superior para

a população negra no país a partir dos anos 1990. Sendo ampliada em todas as esferas da

sociedade. Assim, compreendemos que as políticas públicas efetivas de enfrentamento as

desigualdades raciais no Brasil se desenvolvem muito tardiamente, ora, a emersão da

discussão sobre políticas públicas no Brasil surge deste o século XIX, sendo que as

problemáticas raciais em torno do negro surgem junto à sociedade brasileira. E somente após

400 anos de violências raciais no país, o Estado começa a estabelecer objetivas ações no

combate ao preconceito com as diferenças e diversidades humanas estabelecidos no país.

Santos (2010, p. 186) ao analisar os limites da igualdade de oportunidades,

compreende que as ações afirmativas “têm o objetivo de reparar danos socioculturais e morais

35 Bhimrao Ramji Ambedkar (1891-1956) é um estudioso da área jurídica, econômica e história. Constitui-se em

um indiano que faz parte das castas de “intocáveis”. Apresentou a ideia de ação afirmativa, pela primeira nos

anos 1919, tendo em vista, a proposta de mudanças nos tratamentos sociais aos sujeitos que fazem parte de

castas sociais ponderadas como inferiores na Índia.

Page 94: QUESTÃO RACIAL E O PAUPERISMO: RELAÇÃO E …

94

que foram e são provocados toda vez que a dimensão da diversidade e da diferença entre os

indivíduos assumiu ou assumir a forma de desigualdade”. E dessa maneira, as ações

afirmativas estabelecidas nesta sociedade, se constituem em instrumentos para criar

oportunidades iguais entre brancos e negros no Brasil.

Entretanto, as políticas de ações afirmativas no Brasil são recebidas com grandes

críticas pelos segmentos conservadores da sociedade, que insistem em ratificar uma

“democracia racial” que só existe na utopia do pensamento neoconservador. Representando,

assim, um grande desafio para a plena efetivação dessas políticas no país. A partir disso,

analisamos a emersão dos pensamentos neoconservadores, que têm dentre as suas expressões,

a reatualização do racismo, mascarado pela ratificação da “democracia racial” e a

compreensão de que a questão da educação no Brasil se limita a dimensão do

empobrecimento de certa parcela da população brasileira.

No âmbito da educação superior, as políticas de ação afirmativa se apresentam a partir

da compreensão da necessidade de um acesso diferenciado para os negros nas instituições

públicas de ensino universitário, tendo em vista, minimizar as desigualdades raciais e

promover um acesso mais igualitário a educação superior no Brasil. Conforme dados do

IBGE (2010), as disparidades do acesso entre negros e brancos persistem, mesmo sendo a

população brasileira formada por aproximadamente 51% de negros ou pardos, ainda se

constituem minoria dentro na universidade. Para termos a dimensão dessas disparidades,

podemos analisar os dados estatísticos que ratificam que dos estudantes negros entre as idades

de 18 e 24 anos aproximadamente 28% e 31% dos pardos tem acesso ao ensino superior,

enquanto que 62% dos estudantes brancos estão na universidade. Assim, compreende-se que

as desigualdades raciais materializadas na pauperização da população negra no Brasil,

também se materializam no acesso e permanência desiguais entre negros e brancos no país.

As políticas de ação afirmativas na educação são fundamentadas na concepção de

“cotas corretivas”, as quais podem se entendidas como ações que, em certa medida,

promovem justiças sociais. Nesse sentido, no país analisamos o estabelecimento do sistema de

“Cotas raciais”, sendo compreendido como uma forma compensatória de intervir nas relações

raciais desiguais construídas a partir de um longo período da História brasileira, marcada por

crueldades e privações de direitos e oportunidades das populações negras, tendo em vista, a

reparação dos “absurdos” incumbidos no passado por meio do processo de escravização do

negro no país. Porém, essa compreensão de “reparação” a questão racial ou mesmo da real

obtenção da justiça racial no Brasil possui limites estruturais, compreendidas quando

analisamos as funcionalidades que as desigualdades raciais passam a ter ao capital. Embora

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95

ponderemos a importância das ações afirmativas às populações negras, também, criticamos a

efetivação de ações afirmativas como fim para as contradições raciais, e mesmo a suas reais

intervenções as desigualdades raciais no país no marco da sociabilidade do capital.

Conforme as ações do governo brasileiro, o sistema de cotas raciais, são instituídas por

meio da reserva de vagas em universidades públicas para um acesso análogo de estudantes

negros ao ensino superior. E a discussão sobre as políticas de ação afirmativas desenvolvidas

no âmbito da educação superior no Brasil é bastante complexa, sendo permeada por

polêmicas que se centralizam na crítica a adoção de “Cotas raciais” como meio de estabelecer

números igualitários de negros e brancos na educação superior.

Segundo Ribeiro (2009) o debate sobre ações afirmativas se estabelece de maneira

ambígua. De um lado, há os que são a favor do estabelecimento das cotas, compreendendo

estes como estratégias de luta contra as disparidades de oportunidades entre brancos e negros,

incapazes ser superados por meio das políticas públicas universais. E de outro lado, há os que

são contra as cotas, pois argumentam que a igualdade entre os homens estabelecida perante a

lei, deve ser legitimada também na efetivação de direitos. E nesse debate, defendemos a

necessidade de políticas de ação afirmativas com meio imediato de garantir igualdade racial

no ensino superior, visto que as políticas compreendidas como universais possuem limitações

que restringi seu campo de atuação, e nesse sentido não conseguem ser efetivadas plenamente

na promoção do bem-estar social, menos ainda, no tocante as particularidades que permeia a

questão racial no país. O Estado brasileiro ao reconhecer a validade das ações afirmativas,

abri caminhos para o reconhecimento e reparação das heranças de um passado cruel que

marcou a vida de milhares de cidadãos negros neste país.

As cotas raciais, que representam uma reserva de vagas em universidades a estudantes

negros, foram legitimadas no Brasil em 2012, por meio de uma votação realizada pelo

Supremo Tribunal Federal, que determinou por unanimidade a constitucionalidade das cotas.

No entanto, para Silva (2006, p.146) as políticas de ações afirmativas no Brasil têm a

tendência de ressaltar a renda como critérios de acesso às cotas, reduzindo a questão racial a

um problema de classe social, desconsiderando as particularidades históricas, psicológicas,

culturais que incidem sobre a questão do negro na educação brasileira. A qual é ratificada pela

resistência de alguns grupos sociais em reconhecerem o debate racial no país. Em

contrapartida, ainda que, compreendamos que a questão racial se constitui em uma das várias

expressões da questão social no Brasil, analisamos que as problemáticas raciais possuem

particularidades, as quais não são intervidas a partir das cotas sociais. Havendo no Brasil uma

“pressão do movimento negro para que seja mantido o foco na raça”.

Page 96: QUESTÃO RACIAL E O PAUPERISMO: RELAÇÃO E …

96

Além das políticas de ação afirmativas apreendidas pelo Estado para ampliação do

ensino superior a população negra e empobrecida, outras iniciativas governamentais vem

sendo implementadas, sendo mascaradas como meio de democratização do ensino superior no

Brasil, tais como: o PROUNI, REUNI, FIES, ampliação das instituições de EADS e outras. E

ao invés que promover a real ampliação do ensino superior no Brasil, se constitui em um

processo de contrarreforma mascarado na ampliação do ensino superior no Brasil, moldados a

partir dos interesses do grande capital. E esse processo também possui influências na

concretização das políticas de ação afirmativas, as quais podem ser estudadas a partir da

apreensão desta pela sociedade contemporânea como ações resolverão as desigualdades

raciais.

Nesse contexto, analisamos que as vagas no ensino superior tem tido uma significativa

ampliação, mesmo que de forma precária, importando com o atendimento, primordialmente,

dos interesses do capital. Assim sinalizamos que, outra questão a ser analisada são as

condições de permanecia desses estudantes ao ensino superior, tendo em vista os altos índices

de abandono das universidades, pela impossibilidade materiais que muitos estudantes têm de

se manter no âmbito universitário. Segundo dados do IBGE (2009), dos jovens da faixa etária

de 25 anos ou mais, apenas 4,7% dos pretos e 5,3% dos pardos possuem diploma de ensino

superior, contra 15% dos brancos. Não basta somente estabelecer mecanismo de acesso ao

ensino universitário, é necessário ainda, promover meios de permanência a esses estudantes.

O estabelecimento do sistema de Cotas raciais nas universidades brasileiras consiste

em uma importante estratégia no intuito de fomentar oportunidades sociais mais justas para

brancos e negros. Porém, as precárias condições de permanência desses estudantes no ensino

superior consistem em um grande desafio, postos pela conjuntura social de pauperização e

violação de direitos sociais, construídas socialmente como o “lugar” do negro no Brasil.

Analisamos que as cotas raciais, de certa maneira, ampliam o número de negros na

universidade, mas continuam sendo privados os meios objetivos para a manutenção dessa

vaga e consolidação da formação acadêmica. Assim, compreendemos que o estabelecimento

de políticas públicas de enfrentamento a questão racial no país, devem se desenvolver de

forma articulada. Não podemos colocar toda a responsabilidade do combate da problemática

racial somente em uma política pública, para a sua plena intervenção é necessário à

articulação entre todas as políticas públicas e sociais, sejam, elas o trabalho, a educação, a

assistência social, a saúde. Articulado a isso, ratificamos o neoconservadorismo presente nas

relações raciais no Brasil, como desafios a essas ações afirmativas, materializados “mitos”

que permeiam o entendimento sobre o sistema de cotas.

Page 97: QUESTÃO RACIAL E O PAUPERISMO: RELAÇÃO E …

97

Como resultado, também das resistências e lutas políticas do movimento negro deste os

anos 1980, analisamos a promulgação da Lei 10.639/2003, em 09 de janeiro de 2003, de

autoria da deputada Esther Grossi. Lei que se constituía em uma das principais reivindicações

do MNU, que lutava contra o mito da democracia racial entre outros, e pela introdução da

História da África e do Negro brasileiro nos currículos escolares. O parágrafo 1ª da Lei

10.639/2003 estabelece que:

§ 1º o conteúdo programático [...] incluirá o estudo de História da África e dos

Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na

formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas

social, econômica e política pertinentes à história do brasil. (BRASIL, 2003).

As reivindicações do movimento negro, expressas em grande parte nos escritos da Lei,

evidencia a crítica e a recusa do movimento aos padrões racistas que situam a história

sociocultural brasileira. Sendo criticados porque são padrões que negam as contribuições do

negro, a partir de um necessário processo de revisão e proposições acerca dos conteúdos

programáticos apresentados no âmbito escolar. As quais, de certa forma, contribuíam para a

reprodução de um racismo sutil entre e fora dos muros da escola. O qual precisa ser rebatido,

tendo nesta Lei o suporte jurídico-formal para o fortalecimento da resistência contra as

discriminações e preconceitos raciais.

Ainda no âmbito das políticas sociais, analisamos avanços a respeito da garantia do

direito a saúde da população negra, a qual vem sendo prioridade de luta dos movimentos

negros, mais fortemente, a partir dos anos 1990. Dentre as conquistas estabelecidas pelas

organizações dos grupos sociais destacamos a criação da “Política Nacional de Saúde Integral

da População Negra/ PNSIPN”, em 2006. A qual é pode ser compreendida como uma política

que se estrutura a partir de percepções das ações afirmativas, tendo em vista o princípio da

equidade estabelecido pelo SUS como meio de promover a garantia do direito a saúde de

forma realmente igual para os negros, visto que a dimensão de universalidade abrangida no

direito à saúde pode ser analisada como insuficiente no estabelecimento da igualdade racial

referente ao acesso à saúde. Sobre a PNSIPN, Lopes e Werneck (2008, p.14) analisam que sua

criação:

Estabelece um novo patamar de atuação política no campo da saúde, uma vez que

esta política consolida a responsabilização do SUS em promover ações afirmativas

para alcançar a equidade em saúde para a população negra, destacando ações

prioritárias, possibilitando interpelação direta e específica de gestores de saúde nos diferentes níveis e seu monitoramento detalhado por parte das organizações negras,

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98

do movimento negro e outros atores estratégicos. (LOPES; WERNECK, 2008,

p.14).

Assim, ponderamos a organização e mobilização política das populações negras

essenciais a este processo de construção social, tendo sido fundamental para o processo de

consolidação dos avanços içados para a população negra no âmbito da política de saúde,

“contribuindo para o fortalecimento do trabalho em rede”, conforme discorrem Lopes e

Werneck (2008, p.15), as quais têm colaborado, ainda, no avanço das discussões e do controle

social dessas políticas, tendo por centralidade o “enfrentamento do racismo e promoção da

equidade”.

As ações afirmativas no campo da saúde na intervenção das desigualdades raciais no

país se constituem em avanços, mas também esbarra em desafios. E como desafios postos a

plena efetivação da política Nacional de Saúde Integral da População Negra (PNSIPN), Lopes

e Werneck (2008, p. 19) analisam a compreensão da concepção de racismo institucional, bem

como o empenho em compor uma “cultura institucional não discriminatória”, que proporcione

a ruptura com a naturalização das discriminações raciais percebidas nas ações do Estado. Para

as referidas autoras, “estes são requisitos inadiáveis para a constituição de mecanismos de

gestão coerentes com os objetivos da política e das lutas negras no campo da saúde”.

Entretanto, considerando a totalidade das políticas públicas de saúde na

contemporaneidade, conforme Werneck (2008) é a defesa do Sistema Único de Saúde (SUS)

que se apresenta como fundamental. Neste momento, não é possível pensarmos na efetivação

das políticas de saúde para a população negra, sem atentarmos para a necessidade da luta a

favor da garantia dos serviços e princípios indicados pelo SUS, o qual vem sofrendo um

processo de crise, igualmente como as outras políticas sociais.

Ratificamos a necessidade de lutas e resistências contra as bases que apoiam a

sociabilidade capitalista, tendo em vista a construção de uma nova sociabilidade emancipada,

sem discriminações, dominações, opressões ou explorações. No entanto, também entendemos

a importância da garantia do direito e, em específico sobre a questão racial, a essencialidade

da efetivação de políticas de ações afirmativas para a melhoria das condições de vida e

minimizações das problemáticas raciais, as quais não podem ser compreendidas como o fim

da luta o alcance das igualdades raciais ou o termino do racismo, mas sim como um

importante meio para o fortalecimento da luta pela superação da ordem do capital e posterior

construção de relações raciais concretamente igualitárias.

Compreendemos que a efetivação das ações de enfrentamento a questão racial no país,

tropeça nos próprios limites da sociabilidade do capital, a qual é inábil na concretização de

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99

ações que promovam a substantiva igualdade das relações, seja ela sociais ou raciais. Visto

que, o modo de sociabilidade capitalista também se apropria do racismo como forma de

atender a seus próprios interesses. Conforme analisa Wood (2011):

Em particular, a abolição da desigualdade de classe representaria por definição o fim

do capitalismo. Mas o mesmo se aplica necessariamente á abolição da desigualdade

sexual ou racial? Em principio, as desigualdades sexual e racial [...] não são incompatíveis com o capitalismo. Em compensação, o desaparecimento das

desigualdades de classe é por definição incompatível com o capitalismo. Ao mesmo

tempo, embora a exploração de classe seja um componente do capitalismo, de uma

forma que não se aplica as diferenças sexual e racial, o capitalismo submete todas as

relações sociais ás suas necessidades. Ele tem condição de cooptar e reforçar

desigualdades e opressões que não criou e adaptá-la aos interesses da exploração de

classe. (WOOD, 2011, p. 221).

Diante disso, podemos depreender que as ações de enfrentamento a questão racial

estabelecidas na sociedade do capital, são incapazes de resolver as desigualdades,

preconceitos e discriminações que permeiam as relações raciais no Brasil. Visto que, embora

a sobrevivência da sociedade capitalista não dependa, fundamentalmente, da reprodução das

relações raciais dessemelhantes, analisamos que este sistema produz reatualizações, tendo em

vista, adaptar o racismo ao atendimento de seus interesses socioeconômicos.

Segundo Santos (2010), podemos compreender como principal limite posto ao

estabelecimento da igualdade de oportunidade é defendê-la como formas de revolver a

opressão e, em especial aqui analisada, como forma de sanar os preconceitos e discriminações

raciais existentes no Brasil. E se evidencia quando os sujeitos coletivos realizam suas

reivindicações pautadas nos limites postos pela sociabilidade burguesa. Ou seja, os grupos

sociais tendem a restringir a luta e mobilização a favor do estabelecimento de direitos,

deixando de lado a luta revolucionária em favor de transformações concretas, que devem ir

além do campo formal.

Em súmula analisamos que o Estado incorporou suas ações no combate ao racismo e

preconceito racial no país, no entanto, ponderamos que as contradições sociais inerentes ao

sistema do capital permeiam as políticas de Estado. Nesse sentido, ratificamos que as políticas

públicas de combate ao racismo são permeadas por contradições. Se por um lado, o

estabelecimento de direitos é compreendido como conquistas da classe trabalhadora,

contribuindo para a construção de um processo contra-hegemônico, por outro,

contraditoriamente, também atendem aos interesses da classe burguesa, na medida em

intervém minimamente na questão racial, se constituindo como elementos que contribuem

para a manutenção da hegemonia da classe dominante. E dessa maneira, analisamos os limites

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do direito na sociabilidade capitalista, o qual é impossível de consolidar a superação efetiva

democracia e igualdade raciais.

O reconhecimento da dimensão contraditória dessas conquistas raciais, a partir da

própria contradição inerente as políticas sociais de um modo geral, não podem anular as lutas

pela garantia dos direitos sociais na sociabilidade capitalista. Mas devem ser fortalecidas,

tendo em vista, sua essencialidade para a melhoria de vida da população negra, mesmo que

seja de caráter pontual. Se constituindo como uma importante estratégia também para o

fortalecimento das organizações políticas dos movimentos sociais, fomentando um luta maior:

a luta pela superação das relações capitalistas e a transformação da realidade social. Conforme

analisa Behring e Boschetti (2006, p.195):

O reconhecimento desses limites não invalida a luta pelo reconhecimento e

afirmação dos direitos nos marcos do capitalismo, mas sinaliza que a sua conquista

integra uma agenda estratégica de luta democrática e popular, visando à construção

de uma sociedade justa e igualitária. Essa conquista no âmbito do capitalismo não

pode ser vista como um fim, como um projeto em si, mas como via [...] de transição

para um padrão de civilidade que começa pelo reconhecimento e garantia de direitos

no capitalismo, mas que se esgota nele.

E nesse sentido, mesmo reconhecendo que as políticas públicas de enfrentamento ao

racismo no marco da sociabilidade capitalista, não se constitui a dimensão redentora dessa

problemática é imprescindível reconhecer a necessidade de existência, ampliação e

consolidação dos direitos e das conquistas políticas do movimento social negro. Precisamos

reconhecer as políticas e os direitos sociais como mediações importantes para a afirmação

política da classe trabalhadora na perspectiva da contra-hegemonia.

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101

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A questão racial está presente em todos os âmbitos da vida social brasileira e possue

múltiplas determinações, se materializando ainda por meio das paupérrimas condições de vida

da população negra no país.

E assim, ratificamos que apesar de avanços normativos, associados às modificações

histórico-sociais, quase foi afetado a ordenação das relações raciais legadas do antigo regime.

Nesse sentido, ponderamos que a questão racial continua violenta e perpassam todos os

âmbitos da vida social da população negra no Brasil, sendo expressa com maior evidência por

meio do pauperismo que assola as condições objetivas de negros, múltiplas de preconceito,

violência e discriminação ideológica e socialmente, naturalizadas.

Nesse sentido, confirmamos que a questão racial brasileira, tem sua raiz histórica

engendrada a partir dos terrores da escravidão do negro neste país, e se estrutura a partir de

desenvolvimentos sociais e políticos engendrados, a partir do desenvolvimento do modo de

produção capitalista. E como já mencionado, vemos que esta sociedade divide-se em classes

opostas que é inerente a esse sistema do capital.

O desenvolvimento do sistema capitalista deste sua fase mercantilista, pautado na

exploração do trabalho de homens livres, há uma divisão entre classes sociais que se opõe, de

um lado, a classe proletária onde está a maioria da população negra, e de outro a classe

burguesa. Esse contexto é identificado a partir do período histórico brasileiro de abolição da

escravidão em 1888, analisado por Carvalho (2007) depreendido como um marco na

incorporação de ex-escravos aos direitos civis, o qual se concretizou apenas no âmbito

jurídico-formal. Na realidade, os negros continuaram em uma situação de exploração e de

subalternidade, a qual constatamos que se perpetua como herança até a contemporaneidade,

sendo compreendido a partir da crítica ao “lugar” socialmente construído do negro na

sociabilidade de classes.

Ponderamos no decorrer deste trabalho que a abolição da escravidão em 1888, já em

uma nova ordem social - período do Império (1822-1889) - foi construída a partir de vários

movimentos na sociedade e, foi estruturada ao longo de um processo de transição política, que

vai “da Transmigração da Família Real Portuguesa até a República” (Menezes, 2009).

Construída, principalmente, a partir das lutas dos negros contra o abuso de sua escravização,

dos movimentos dos abolicionistas, de um processo de expansão do modo de produção

capitalista e de um movimento que tinha em vista a construção de uma nova ordem política a

Primeira República (1889-1930). Mas foi a Inglaterra o principal responsável por pressionar o

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Brasil a por fim a sistema escravista, tendo em vista interesses políticos e econômicos

capitalistas. O processo abolicionista no Brasil foi um processo longo e complexo permeado

por contradições e conflitos sociais e econômicos, conforme analisamos no decorrer desta

pesquisa.

Assim, analisamos que os movimentos dos abolicionistas brasileiros foram importantes

para a construção do processo de abolição da escravidão, mas também tinham seus próprios

interesses políticos e econômicos, era composto por liberais, conservadores, monarquista e

republicano. Se esses conflitos se expressão por meio de contradições no âmbito legislativo.

Mas mesmo assim é instaurada a abolição da escravidão, sendo permeada de contradições.

A abolição é violenta também pela forma contraditória que assume. De um lado, prevê a

liberdade do negro, mais de outro antecipa seu aprisionamento às novas formas de exploração

do trabalho inerentes ao modo de produção capitalista. Após a abolição o negro encontra-se

desamparado pelo Estado, mesmo posteriormente a mais de três séculos de abuso da vida e

força de trabalho da população negra, de sua coisificação e do processo de subalternidade

construído e legitimado socialmente (o qual não foi superado, ao contrário, encontra-se em

constante processo de desenvolvimento), o negro é posto em condição de abandono pelo

Estado. Somente lhe sendo garantida a liberdade formal, estando este privado dos meios de se

produzir e se reproduzir socialmente, apenas lhe resta à força de trabalho para vender. Mesmo

com a abolição, não foram dadas aos negros as mesmas oportunidades para que a população

negra pudesse se legitimar enquanto sujeito social detentor de direitos, lhe foram tiradas sua

história e sua cultura enquanto povo, sua religião foi recriminada, sua força explorada, e a

riqueza que produziu lhe foi usurpada, mas não lhe foi dado o reconhecimento de toda a sua

violência sofrida por essa população.

Analisamos no decorrer da pesquisa que o racismo é também disseminado por meio de

ideologias raciais pautadas em teses que legitimavam a inferioridade da população negra, é

aceito e difundido após a abolição como justificava à escravização dessa população e o

processo de escravidão que proporcionou bases para a ratificação do processo político

colonialista, e ganham evidencia nas décadas de 1880 e 1920, e a partir disso surge a

“disseminação de ideologias racistas no Brasil e sua reconstrução na forma de uma ideologia

racial”. No entanto, na época da colonização, haviam outros importantes elementos que

legitimavam a escravidão, como o projeto evangelista da Igreja Católica. Esses elementos são

analisados como bases histórico-sociais que, também incidem na questão racial e no

pauperismo da população negra neste país.

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103

O período político da República surge logo após a formalização da abolição da

escravidão no Brasil, em 1889. E para mesmo com o nascimento da República a partir da

disseminação de ideais de igualdades e cidadania, esta se mostra incapaz de promover a

participação do negro nos ambitos econômicos e políticos da sociedade. Ao contrário, ocorreu

um processo de “naturalização das desigualdades raciais” e intensificação de um racismo

explicito a partir da consolidação de ideologias racistas. E esse processo implicar em pensar a

questão racial, não como uma questão determinadas por aspectos histórico-culturais ou

sociopolíticos, mas sim determinada por aspectos naturais. Assim, esse período político foi

marcado pela crença de que “somente um país branco seria capaz de realizar os ideais do

liberalismo e do progresso”. O processo de branqueamento do país foi fundamentado na ideia

de que o progresso do país estava associado não somente ao seu “desenvolvimento econômico

ou da implantação de instituições modernas, mas também do aprimoramento racial de seu

povo”. Nesse sentido, essa ideologia contribuiu para o acirramento do preconceito e

discriminações raciais existentes no país, e ainda, para a desvalorização da população negra,

bem como para negação de sua contribuição, principalmente, nos âmbitos social, cultural e

econômico. É a partir dessa análise que constatamos as desigualdades raciais estabelecidas no

Brasil, sendo legitimada pelo sistema econômico vigente, que tem por essencialidade a

produção de condições de pauperismo das vidas da classe trabalhadora na mesma proporção

em que produz riquezas.

Analisamos no país a partir dos anos 1930, a supressão do discurso racista e, diante

disso ponderamos no presente estudo, que não há repercussão no enfrentamento a questão

racial, ao contrário há o aprofundamento das problemáticas raciais, pois analisamos àquele

racismo que esta desatento à reflexão, sendo assim, salientamos que esta é ocultada

ideologicamente através da legitimação da concepção de “Democracia Racial” disseminada

no Brasil.

Ao longo, deste estudo criticamos a concepção de Democracia racial pois, este tende a

mascarar as desigualdades raciais operante no país. Estabelecendo ainda, um “racismo

implícito”, sendo compreendida como das críticas realizadas a ideologia de democracia racial,

o qual emerge no Brasil em substituição ao processo de branqueamento da população, o qual

é depreendido neste trabalho como um meio de “genocídio do negro”. O qual contribuiu

diretamente com a continuidade desse processo, tendo um destaque a dimensão positiva da

mestiçagem no Brasil, quando na verdade ao invés de enfrentar efetivamente a problemática,

promove apenas sua ocultação. Contribuindo para a negação de toda a exploração e as

violências sofridas pela população negra, e mais ainda para o aprofundamento das tensões

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raciais e pauperização da vida do negro brasileiro, o qual continua sendo subalternizado,

violentado pelas precárias relações raciais instituídas por essa ordem social que legitima e cria

um “lugar” de marginalização e criminalização para o negro.

E oposição ao contexto de pauperização das condições objetivas e subjetivas de vida do

negro brasileiro, historicamente construídas, analisamos neste trabalho, a essencialidade dos

movimentos sociais negro brasileiro no combate e resistência as problemáticas raciais, sendo

responsáveis por todas as conquistas historicamente almejadas pela população negra, bem

como pela denúncia de preconceitos e discriminações raciais, assim como as recusas do

movimento negro a ideologias racista, tendo em vista a superação da situação de pauperismo

das condições de vida da população negra. E nesse sentido, ao longo do texto analisamos que

o movimento negro vai promover um processo de “desmascaramento racial”, onde o

movimento crítica às concepções de liberdade e igualdade estabelecidas pela Abolição e pela

República, segundo eles seriam meramente formais, e também o movimento vai lutar pela

participação na política brasileira. Tendo papel fundamental, nas conquistas por políticas

públicas de proteção e promoção de igualdade racial estabelecidas no país nos dias atuais. No

entanto, a construção do movimento negro passou por muitas problemáticas, as quais

impediam o desenvolvimento de reações conjugada ou conscientes da população negra aos

problemas sociais os afligiam, pois de acordo com Fernandes (1978), o pauperismo da

população negra e outros fatores, “conduziram a desilusão coletiva e ao desalento crônico”.

Mesmo assim o negro sofre com todos os rebatimentos das expressões da questão social

que nasce a partir do acirramento das contradições inerentes ao capitalismo. A escravidão

formal conseguiu ser “abolida”, no entanto, suas marcas estão presentes até os dias atuais,

assim como a exploração e subordinação emergente deste o desenvolvimento do sistema

capitalista mercantil, concorrencial, monopolista até a fase atual desse sistema, sua fase

imperialista.

Em súmula, confirmamos que a questão racial no Brasil é hoje expressão social de uma

sociedade que jamais conseguiu superar sua herança colonial, marcada pelo regime escravista,

para construir uma sociedade justa e igualitária. Antagônico ao estabelecimento da almejada

“democracia racial”, vemos em concomitância ao processo de expansão do modo de

sociabilidade capitalista por meio de suas várias fases, o crescimento exasperado de suas

injustiças raciais e sociais, as quais estão vinculadas a uma determinação desigual de classe,

do lugar ocupado pelo negro na estrutura social de classes e nas relações de produção e, se

materializam na pauperização das condições vida da população negra até os dias atuais. Nesse

sentido, também compreendemos a necessidade de maiores estudos no campo do serviço

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105

social sobre a questão racial, bem como a ampliação dos debates sobre essa temática tanto no

âmbito do fazer profissional quanto no âmbito da formação, por exemplo, através da criação

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