que pode ser consider ado um mau leitor

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Que pode ser considerado um "mau" leitor? (especialmente na universidade)Magna Campos Elaborado em 03/2011. Muitas pessoas acreditam que leitura se aprende durante a fase de alfabetizao. Isso demonstra um entendimento muito vago do que seja efetivamente leitura. Pois ler no se refere apenas capacidade de decodificar uma lngua, seja ela a lngua portuguesa ou qualquer outra. A decodificao apenas uma das dimenses ou um dos nveis de leitura, talvez o mais bsico deles. Mas ler , tambm, saber relacionar texto ao seu contexto tanto lingustico imediato, chamado dentro da Anlise do Discurso, de co-texto, quanto ao contexto situacional em que o texto, leitor e a leitura esto inseridos, este sim, chamado verdadeiramente de contexto. Essa segunda dimenso ou nvel de leitura constitui a compreenso do texto. Para compreender um texto preciso mais do que se pautar somente naquilo que est explcito no texto, preciso ouvir tambm os silncios que o constituem, seus implcitos, suas entrelinhas. Leitor que, alm de decodificar consegue tambm compreender um texto, j um leitor mais preparado que aquele que apenas reproduz o que est na superfcie textual. Todavia, esse ainda um leitor que precisa evoluir bastante para alcanar o nvel de leitura desejvel ao leitor proficiente, diramos. Mais do que decodificar e compreender um texto, preciso compreender que a leitura envolve condies de produo, ou seja, ela no est dissociada de seu entorno: cultural, social, poltico, histrico e lingustico. Essa reflexo deriva do fato de que a produo de sentidos, operada na/pela leitura, depende da ao de um sujeito, no como um ser individualizado, fechado em si mesmo, mas como ser constitudo pelo tecido social. Contexto social importante na ao da leitura no por determinar, mas por influenciar o que poderamos entender como uma co-produo de sentidos operada na relao entre o sujeito-leitor e o sujeito-autor mediada pelo texto. Entendemos que esse contexto no se presta somente a ser pano de fundo para o sentido, mas participa de sua constituio, historicizando-o, situando-o. E, no mesmo alinhamento, entendemos que o sujeito-leitor aquele que produz sua leitura a partir de sua inscrio nessa dinmica, como sujeito social. Essa postura nos leva a considerar, alm da dinmica social que joga na constituio da linguagem e, consequentemente, do sujeito , os atravessamentos do social pela ideologia e pela historicidade e a impossibilidade de se compreender a linguagem autonomamente, pautando-se na crena de significados anteriores ao discurso (texto) e histria, conforme prope Orlandi (1988). Um texto no surge do nada, descolado da poca, dos modos de dizer-fazer de uma determinada cultura. Os contedos tratados nos textos dialogam aberta ou implicitamente com outros textos que formam aquilo que chamado de outras vozes que compem um texto. Pois como diria Mikhail Bakhtin, no famoso livro, Esttica da Criao Verbal, nenhum sujeito/enunciado entenda-se por extenso, texto um Ado bblico. Isto , nenhum texto lida com palavras "virgens", dotadas de sentidos sempre os mesmos e sempre iguais, independemente do tempo e do espao em que ocorra. Portanto, o texto pode ser considerado um elo em uma cadeia de discursos. Alcanar esse nvel desejvel de leitura, o nvel mais profundo, o da interpretabilidade interpretao demanda um trabalho atento do leitor no s pensando na palavra dita do texto e nos seus no-ditos, mas tambm no seu entorno sociocultural, histrico e lingustico. preciso relacionar o texto a outros textos j lidos ou ouvidos, relacion-lo a suas condies de produo, para a partir de ento, conseguir emitir criticamente um ponto de vista sobre os temas e conceitos nele apresentados.

Todavia, aquele que se poderia considerar como "mau" leitor no consegue, muitas vezes, sequer extrapolar o nvel da decodificao, repetindo mecanicamente as palavras do texto, sem lhes perceber as ironias, as insinuaes, as ambiguidades propositais, os jogos de significado e de sentidos propostos pelo texto. Outras vezes, no atentando para as relaes estabelecidas pelas partes que compem o texto, suas interdependncias. Outros, ainda que compreendam o texto no se propem, na verdade, a estabelecer nenhum dilogo com a temtica arrolada pelo autor que no aquele intermediado ou, por que no dizer, ofuscado por outra coisa que no seja seus prprios desejos interiores ou pelo conhecimento do senso comum. Parecem desconsiderar todo o conhecimento cientfico da rea que esto estudando ou de outras reas que tenham conhecimento para esvaziarem suas falas com enunciados e opinies reproduzidos incansavelmente por pessoas no conhecedoras daquela rea de cincia. No se trata aqui de diminuir os valores dos conhecimentos populares, trata-se, antes, da necessidade de travar-se um dilogo muitas vezes tenso entre o senso comum e o conhecimento cientfico, buscando ampliar as leituras de mundo dos leitores, acrescentarem-se novas perspectivas menos ingnua, mais problematizadoras e mais produtivas. Se o leitor no se torna sujeito daquilo que l, ou seja, no se apropria do texto, de sua relao com o outro sujeito-autor, para indagar-lhe, por meio dessa textualidade ou para ser indagado por ele, dificilmente conseguir aproveitar satisfatoriamente qualquer material lido, seja de cunho cientfico ou no. Cada uma dos nveis de leitura mencionados traz em seu bojo uma postura determinada para o sujeito-leitor. Tomada como uma forma de decodificao, a leitura nada mais do que uma apreenso de um cdigo seja ele verbal ou no verbal, no qual quem l percebe literalmente o texto, sem um trabalho de contextualizao maior. Se vista como uma forma de compreenso, o horizonte do leitor j se amplia, podendo agora usar o contexto como uma forma de participao no sentido do texto. E, por ltimo, se percebida como uma forma de interpretao, a leitura rasga os limites do prprio texto e adentra o discurso, solicitando do leitor que dialogue, que relacione, que perceba o texto no como um comeo e um fim, mas como um entremeio que tem um j-dito e um h se dizer. No se pode perder de vista, tambm, que no se l da mesma forma qualquer tipo de texto. preciso estabelecer uma "espcie" de pacto ou de protocolo de leitura adequado a cada gnero textual, ou seja, a cada formato. Muitos textos so lidos para aprender, muitos outros para divertir-se, outros ainda para orientar e assim sucessivamente, dependendo do objetivo da leitura. Se na leitura feita por lazer, o fluxo pode ser contnuo, comumente dispensada at de marcaes no canto do texto; na leitura para aprender, nem sempre se consegue ler continuamente: preciso ler "parando", tentando relacionar os argumentos, as ideias centrais e secundrias, as sucesses temporais. necessrio ir preenchendo os "vazios", processando os pressupostos e as inferncias, nos que o autor conta com o conhecimento do leitor para a complementao. No raro preciso fazer anotaes no meio ou no canto do texto, marcando similaridades ou distanciamentos de outros autores que tratam da mesma temtica, a fim de ir construindo o entendimento textual. Ler para aprender ir fazendo anotaes; identificando os pontos-chave, os argumentos e os contraargumentos desenvolvidos, a forma como o autor apresenta esses argumentos; anotando as palavras que as expresses que no compreendeu; tentando perceber naquilo que se sabe sobre as condies de produo do texto quem, quando, onde, porque ou para qu o que podem "dizer" sobre a temtica e o ponto de vista desenvolvido; percebendo a "hierarquia" dos enunciados dentro do texto; qual a relao entre o escrito e o no escrito, no caso do texto apresentar imagens, por exemplo; estabelecer a relao do assunto com a rea tratada. Ainda, carece de o aluno-leitor perguntar-se o que sei sobre isso? O que j estudei sobre isso? para ter condies de analisar, avaliar, julgar por parmetros plausveis, cientficos e objetivos o material lido. Saindo assim do terrvel "achismo" que, infelizmente, atravanca o aprendizado de muitos alunos.

Ler um texto para aprender, assim como escrever um texto evidenciando o aprendizado, um trabalho, no obstante, demorado e que demanda no apenas concentrao, mas estabelecimento de correlaes variadas. Leitura e escrita no so dons, so competncias advindas de um grande e profcuo trabalho, advindo de muito treino. Alm disso, ler se aprende lendo e escrever se aprende escrevendo. So competncias interligadas, mas no condicionadas uma a outra. Decorre dessa viso da leitura como uma produo de sentidos, ancorada em vrios fatores que extrapolam a mera decodificao das palavras, que a "ancoragem" que o leitor apresenta para servir-lhe ao estabelecimento de um dilogo produtivo e no meramente reprodutivo, de suma importncia para a qualidade da leitura realizada. Por isso, preciso diversificar os gneros textuais lidos e as fontes lidas. Isso se se considerar o texto, no mbito da palavra escrita, todavia, contemporaneamente a noo de texto estende-se a toda ocorrncia lingustica ou no lingustica na qual seja possvel a produo de sentidos. Assim, podemos ler um artigo de jornal, uma charge, uma placa de trnsito seja ela simblica ou lingustica uma fotografia, uma pintura, uma conversa, um filme etc.. Sendo assim, muda-se o protocolo de leitura, no caso de texto no lingustico, mas no muda a necessidade de estabelecerem-se relaes que extrapolem a superficialidade do texto e sua compreenso. Referncia Bibliogrfica: ORLANDI, Eni P. Discurso e leitura. So Paulo: Cortez Editora, 1988. BAKHTIN, Mikhail. Esttica da criao verbal. So Paulo: Fontes, 2003. Retirado de: http://jus.uol.com.br/revista/texto/19431/que-pode-ser-considerado-um-mau-leitor