quarenta dias
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QUARENTA DIAS
Nascida em Santos, ela começou ainda na adolescência a dar
aulas de alfabetização no sindicato dos estivadores da cidade.
Aos 24 anos ingressou na Congregação de Nossa Senhora –
Cônegas de Santo Agostinho e tornou-se freira. Formada em
Pedagogia, Maria Rezende viu-se obrigada a passar alguns
anos longe do Brasil.
Durante a ditadura, estendeu os braços a militantes de
esquerda. A generosidade evidentemente desagradou às forças
de repressão, que passaram a persegui-la. Achou por bem
exilar-se. Entre os trabalhos voluntários na América Latina, Ásia
e África, formou-se em Literatura Francesa na Universidade de
Nancy e fez mestrado em Sociologia.
Maria Valéria Rezende
Sobre a opção da vida atrelada à Igreja, ela, em uma breveconversa sobre os papéis de uma freira na sociedade moderna,traz um ponto de vista que vai além da habitual caricatura dasreligiosas.
Maria Valéria Rezende foi convidada a morar na Nicarágua no fim da
década de 1970. Durante o governo sandinista, a freira e professora
cuidava da alfabetização de agricultores. Graças a esse
trabalho, Fidel Castro contratou-a para ensinar aos trabalhadores dos
canaviais cubanos.
A experiência bem-sucedida tornaria a religiosa uma conselheira do
“Comandante”, que gostava de jogar conversa fora madrugada a
dentro. Por vezes, o desjejum ocorria na companhia do escritor Gabriel
García Márquez, vencedor do Prêmio Nobel de Literatura em 1982 e
presença constante na ilha.
Como no poema de Carlos Drummond de Andrade, a freira foi
ser gauche na vida. A maior parte dos seus 74 anos ela dedicou aos
deserdados do mundo. Às experiências com analfabetos na Nicarágua
e Cuba juntam-se projetos semelhantes em Timor e Angola. Entende-se,
portanto, a onipresença dos excluídos em seus livros.
Maria Valéria
Divide a casa com outras freiras mais velhas.
Escreve quando dá e se diverte com o ofício.
Acredita que sua literatura sirva para mostrar aos
outros o que eles não conseguem ver por si só.
"Acho que se justifica escrever literatura se for
para fazer como Santo Agostinho aconselhava os
catequistas. Ele dizia que o bom educador é quem
vai mostrar para a cidade que ele muito ama um
grande amigo que vai visitá-los pela primeira
vez."
Tem três romances inacabados e a sinopse de
mais uns 10. "É tudo fantasia porque tenho 72
anos, um infarto (na Flip, em 2006) e hipertensão
grave. Não me iludo muito, mas nada me impede
de imaginar. Ou a vida fica muito chata."
Quarenta dias
Sobre o título:
40 dias – simbologia religiosa (Noé esperou 40 dias para o dilúvio; Jesus
40 dias em oração no deserto; cristãos: 40 dias antes da páscoa)
A narração: pequenos flashsbacks, tom de memorial – narradora
personagem.
Tempo: não é preciso - Barbie já tem sessenta? 2010? [...]
Espaço: Porto Alegre (menção a diversos locais) – Paraíba (lembranças
– capital e Boi Velho)
Linguagem
Culta – fácil entendimento.
Trechos de linguagem oral (Chulos?) “e xinga e gargalha e geme e mija
e sorri e caga e fede e canta e arenga e escarra e fala e fode e fala
e vende e fala...”
Ausência de “ponto final” em alguns períodos
Expressões em espanhol, francês e inglês.
Variação regional – aceitação do “gauchês”
Análise da construção linguística (professora de línguas)
“ninguém mais „calça‟ os sapatos ou „veste‟ a camisa, a calça, o vestido?
Todo mundo agora só „coloca‟... E as palavras reformadas, que nem o
verbo „rolar‟ que substituiu o „acontecer‟?... Terei de „dizer‟, perdão,
Barbie, de „falar‟ que „aconteci‟ ladeira abaixo?”
[Entre outros exemplos - jogo com as palavras]
Figuras de linguagem - principalmente ironia “que TPM que nada!
Acho que vou lançar um novo significado para a sigla: Tolerância para
Malcriadas.
Análises
Alice no país das maravilhas;
Barbie;
Cícero Araújo.
Possíveis associaçõesMacabéa: A saga da a alagoana no Rio de
Janeiro [„A hora da estrela‟, Clarice Lispector]
Poliana era uma pobre órfã criada por uma tia rica e severa. Trajetória de superação:
“jogo do contente”, aprendido com o falecido pai: buscar um sentido positivo para tudo.
“Poliana Moça” é a continuação da história, quando, já crescida, vai para uma cidade
grande (Boston) e fica hospedada na casa de uma senhora depressiva. Poliana descobre
que a tristeza da mulher se devia ao fato de ela ter um sobrinho desaparecido. Bondosa,
a mocinha tenta encontrar o garoto.
Personagens
Alice – personagem narradora, nasceu em Boi Velho – Paraíba, tem cerca
de 60 anos, viúva de um desaparecido político e professora de línguas.
Aldenora/Norinha – filha, única de Alice; tem 33 anos, faz doutorado na
UFRGS, em Porto Alegre (1ª fase do curso) é egoísta e mimada. Obriga a
mãe a se mudar de João Pessoa para Porto Alegre para cuidar do filho
que pretendem ter.
Umberto – marido de Norinha, 35 anos, faz doutorado na UFRGS, em
Porto Alegre (já defendendo a tese)
Aldenor – marido de Alice; é um desaparecido político – ele aparece na
história somente na lembrança de Alice.
Elizete – prima de Alice que mora em João Pessoa – totalmente
influenciada por Norinha; é contato de Alice entre a Paraíba e o Rio
Grande do Sul.
Milena – faxineira de Alice, assim “brasileirinha” (do nordeste do país)
como a patroa.
Lola, Arturo, Penha, Galo e outros – pessoas que Alice encontra nas
ruas de Porto Alegre.
Cícero Araújo – filho de uma manicure conhecida de Alice que morava
em João Pessoa e se mudara para Porto Alegre, mas nunca mais havia
dado notícia.
RESUMO
Alice agora sabe por que cismara em trazer aquele caderno com capa
da Barbie em sua mudança, um caderno velho vazio de trezentas folhas
amareladas. Relembra, com tristeza, que durante a mudança, sua filha
Norinha, e Elizete, sua prima, jogaram fora muitas coisas suas, dizendo
que eram quinquilharias.
Elizete dizia que conseguiriam algum dinheiro vendendo os bens de Alice,
mas daria para pagar a viagem até Porto Alegre e uns trocados para
farrar... Farrar, eu? Elizete: venda o caderno da Barbie.
Alice era professora e tinha duas aposentadorias (uma do Estado, outra
das aulas de Francês). O caderno vai na bagagem por pura teimosia, mas
com um destino oculto, tábua de salvação pra me resgatar do meio dessa
confusão que me engoliu.
Entrei neste apartamento – ainda não consigo dizer “em casa”, tento, mas
não há jeito, sentimentos acumulados por quarenta dias.
Alice pega o caderno e começa a “vomitar” seus sentimentos, colocar tudo
para fora e esconjurar toda essa gente que tomou conta de mim e grita e
anda pra lá e pra cá e chora e xinga e gargalha e geme e mija e sorri e
caga e fede e canta e arenga e escarra e fala e fode e fala e vende e
fala e sangra e se vende e sonha e morre e ressuscita sem parar.
Alice sente no caderno sua tábua de salvação.
Começa a rever o material coletado nas ruas, e sebos e parte para a
escritura. Repara que a casa está arrumada, que a empregada Milena,
mesmo há quarenta dias sem receber tem vindo limpá-la. Quando chegou
à portaria, quarenta dias fora, o porteiro a olhou assustado. Quarenta
dias. Acabo de sair da quarentena.
Não planejei nada, caí lá sem querer, sem me dar conta de que aquilo
podia ser a barca do inferno.
Por onde começar ? Pela infância em que perdera os avós adotivos e a tia
enchia sua paciência? Pelo namoro e casamento com Aldenor (Aldora, a
Norinha). Pelo sumiço do marido? Pela viagem de Norinha pro Sul? Iria
descansar e no dia seguinte pensaria...
Não consegue dormir. Lembranças: episódios em que Norinha reflete
egoísmo.
Pensa no começo. Érias de inferno no interior, quando o genreo voltara para
POA (doutorado), a filha anuncia que quer engravidar e que tudo
dependeria de Alice.
“Tinha chegado ao fim da minha vida própria, agora o que me restava era
reduzir-me a avó”
Conspiração e chantagem da filha: cilada junto com a família toda: festa de
primeiro do ano – todos cobrando...
“Eu cedi vergonhosamente> Foi isso. O resto é consequência.”
E a mudança começa. Elizete se meteu a fazer tudo.
Espera a primavera.
Na primavera, Alice se mudou. Sentia-se a verdadeira Alice no país das
Maravilhas, encolhendo cada vez mais em sua existência.
Em POA o marido e a filha a esperam: não tinha vida própria, fora levada
para a grande arapuca.
Sem ânimo pra nada. Olha o apartamento: gaiola alvinegra.
Sentia saudades do velho apartamento em Cabo Branco, Paraíba.
Surpresa: Norinha tinha a chave.
Filha entra com compras: depois acertamos.
Esperava agradecimento pelo sacrifício? Enganou-se.
Dia seguinte: acordou disposta a voltar ao normal, ser a prof Poli de sempre.
Paciência.
Filha ligou dizendo que estava muto ocupada. Graças a Deus.
Aos poucos, voltava a ser a Alice de antes.
Brinca com o sotaque gauches, aprendeu a gostar.
Terceiro dia: falou com o zelador, queria uma faxineira. Encaminhou uma
alourada estranha, mal encarada. Ficou na porta e não quis entrar, disse que
não tinha tempo pra fazer faxinas. Estranha...
Se dá conta: 3 dias ali e a filha nem convidou pra ir na casa dela.
Quarto dia: seguia animada. Porteiro interfonou, ta subindo diarista
brasileirinha como a senhora.
Milena, mulata bonita e baiana.
Norinha liga: marido ia pegá-la para jantar na casa deles.
Lá, adulação total até que... notícia: iriam pra Europa em menos de uma
semana e lá ficariam de 6 ou 8 meses.
Alice sai, bate a porta até se perder e chamar um táxi.
Telefone toca toca e ela não atende.
Ao adormecer, recordações de Alice jovem. “TPM”
Uma onda raiva – grita – porteiro interfona pra saber se está tudo bem.
Depois, plano: falou ao porteiro que iria a Jaguarão (casa de uma amiga) mas se
escondeu em casa.
Alice tinha entrado pelos livros a dentro Wonderland.
Ficou isolada no mundo por 5 dias, só escrevendo.
Milena chega.
Pediu a Milena que não avisasse o porteiro que ela havia chegado. Ela concorda.
Sétimo dia de enclausuramento, o telefone volta a tocar, era Elizete.
A parente pediu para que ela procurasse por Cícero Araújo, filho de uma
conhecida delas de João Pessoa, nunca mais tinham se falado- da última vez ele
tinha dito que morava na Vila Degolada.
Arrumou uma pequena bolsa de viagem e saiu a esmo, com a desculpa de que
procuraria Cícero.
Ganhou as ruas. Parou num boteco = café + coxinha + informação = a Vila ficava
perto do hospício. Pedindo informações chegou.
Pausa na escrita.
Dia seguinte – Faxina da Milena: andou por onde, sem levar roupa nem mala?
Preocupação.
Abraço. Havia encontrado uns amigos da Paraíba e estava com eles –
desculpa.
Voltou à narrativa do caderno.
Era lá. Veio pra capelinha? Tu não é daqui? Ajuntamento. Discussão sobre a
lenda que trazia fieis ao morro.
Para de escrever – cansaço.
Naquele dia acorda de bom humor. Bom dia, Barbie – em português, inglês,
Frances.
E começa a escrever.
Adelaida, moradora do morro, oferece ajuda. Sobem, perguntam.
Capelinha
Adelaida faz Alice prometer coisas a Santa.
Depois foram falar com a pessoa que moravam no morro.
Não conhecia o Cícero e disse que ele não morava ali.
Disse pra ela ir à Vila João Pessoa e falar com o Careca. Deveria dizer que
foi o Paulão quem mandara ela lá.
Para ir lá, pegou um ônibus em frente à PUC.
Para a escritura e conversa com a Barbie. “Só um recurso mentiroso para eu
me sentir em comunicação com alguém.
Bonjour, mudinha...
Chegou à Vila procurada e rete a mesma história. Eles iam indicando possíveis
lugares para encontrar o Cícero. Alice ouve a história do sumiço de outros e
pensa que ela gostaria de estar fazendo isso, sumindo.
Amizade com a moça da floricultura.
Já passava das cinco da tarde
Agora paro, Barbie. Não se anime para voltar às suas futilidades, não, viu?
Estou só começando, estou só no primeiro dia.
Continuou a caminhada.
Quase foi assaltada por um grupo de mendigos.
Saiu correndo.
De repente lembrou que não sabia seu endereço de cor. Estava realmente
perdida.
Chegou no dormitório dos trabalhadores da construção. Ninguém conhecia
Cícero, mas lembravam que no dia anterior um rapaz se acidentou e o SAMU
levou-o.
Foi ao hospital, sem nem saber qual seria o correto.
No dia seguinte, começa a escrever.
Pegou o ônibus.
Uma velhinha puxou assunto.
Contou da jornada atrás de Cícero.
A velhinha também relatou um pouco de sua biografia.
Alice chegou, enfim ao seu destino.
Aguardou sua vez e contou a história – Cícero.
A moça se piedou, procurou em todas as emergências das proximidades e
nada do rapaz.
Alice saiu dali, estava morrendo de fome, comeu pipoca, se engasgou e uma
moça a ajudou dando-lhe água.
Voltou pra emergência, onde dormiu a noite toda sentada em um banco.
Viu dois médicos conversando e pensa: engenheiros de órgãos isolados...
Acaba a narrativa dizendo a Barbie que ainda faltam 39 dias para contar.
Banheiro: lavar o rosto, escovar os dentes,“banho de gato” com guardanapo no
hospital. Padaria. Quer um cacetinho? . Quase xingou o razpaz, mas a moça
passou na sua frente e pediu um cacetinho...
Pediu também com um café com leite - mas achou branco – então pediu mais
um tiquinho de leite.
O atendente disse que em Porto alegre “tiquinho” era outra coisa. Riram e ela
falou que na Paraíba cacetinho era outra coisa. Voltou para o hospital – não
queria ir ao Instituto médico legal como sugeriram – ficou na escdas. Ouvira
falar que tinha um parque...
Andou a ermo e chegou ao parque. Achou uma arvore a dormiu em seus
braços. Acordou com um cão lambendo a perna.
“Deixa ela dormir, não tem casa”
Avós profissionais
Queria um caixa eletrônico
Entrou numa loja de 1,99. Comprou livros e mochila com rodinhas.
Loja de celular = carga
Cachorro quente
Passou pela Universidade. Medo de encontrar Nora e o marido... Besteira, já
deviam estar na Europa.
Parou numa pracinha perto da Santa casa.
Sebo.
Lendo livros. Saudade de Paris (bolsa da Alança Francesa0
Ao entrar num hotel pobre, viu a clientela, desistiu. Caminha – rodoviária.
Comprar calcinhas – cueca. Confortáveis. Toalha e meias. Jantou num barzinho
simples. Dona paraibana. Contou de Cícero.
Dormiu por ali mesmo.
Café no bar. Voltou pra praça. Roupas na grama pra secar. Leitura. “Eu já
devia parecer morador de rua.
Lola (mulher de rua, carrinho de supermercado – lixo reciclado -0.
Uma disse a outra que não eram moradoras de rua e que tinham casa. Ambas
nçao acreditaram.
[para de escrever – comprar coisas, lavar mochila pra doar pra filha da
Milena. No sai seguinte volta, falando com a Barbie como sempre: Sentiu minha
falta? Não fique com ciúmes de Milena]
Saiu da praça e foi pro campo do Tuta – local de gente humilde ( procurara
Cícero) . Pequena venda (paraibano) – indicou Jozélia, costureira. Ela também
não conhecia. Comeu tapioca com coco, tomou café e suco de cajá. Inidicaram
que ela fosse em Vila Quede.
Ônibus – vários – de graça. Envelhecendo desde que ganhou o mundo.
Vila Quede – favela -.Apos a favela campo de golfe. Se sentiu como a xará –
buraco dentro de buraco.
Retorno – manto de plástico- cobertor pra noite fria.
Jantou no restaurante da conterrânea e mentiu que encontrara Cícero mas que,
por estar de folga, viria só amanhã.
Dali por diante ora dormia no pronto socorro [banho] ora na rodoviária.
Se deteriorando – moradora de rua.
Nem perguntava mais de Cícero.
Um dia foi parar em Alvorada, acessou Cícero novamente com uma senhora,
voltou. Achou um sofá
Agasalhei-me com meu plástico bolha e dormi a primeira noite ao relento, sem
nada sobre a cabeça, senão estrelas.
Acordou, foi andar. Em baixo de uma escada, tropeçou, um balde de tinta
amarela caiu sobre ela.
Brechó (brique) comprar roupas.
[fala com a Barbie – precisava chegar ao fim]
Lembrou-se de Arturo
Babearia 24h – lugar pra dormir. Não atendia 24, voltou, tropeçou, alguém
segurou: Arturo, morador de rua, sotaque espanhol – lembrava companheiros
refugiados do marido -.
Oferece chimarrão [chapeleiro louco. Chimarrão? Gostou. Dormiu amontoada
na calçada.
Manhã: Arturo chama, voluntários vinham dar café com pão.
Foi a um bar e pediu pra usar o banheiro – olha hostil do dono.
Tardinha – volotu pro Arcos do Borges onde ficava Arturo.
Descobrir sobre ele – desconversava.
Quisera ser poeta, decorara páginas de Neruda, Borges, Juana Inpes,
Ibarbourou, Mistral, Guillén e outros.
Declama.
Alice sai pra chorar longe – complusivamente – Lola interrompe a leva pra casa
dela. (humilde)
Manhã: banho gelado com mangueira atrás de casa. Alice oferece a amiga
café com pão na padaria – ainda tinha dinheiro -.
Lola oferece a casa pra ela dormir todo dia (tu é direita)
Romaria todo dia, pra lá e pra cá, conhecia vários moradores de rua.
História de Lola: fora casada com um polaco rico – ele se matou – filhos
levaram tudo.
Alice via Arturo todos os dias – misteriosamente limpo - .
Quando o celular estava ligado, um dia, recera ligação de Izete – não atendeu
– e galo – do alojamento dos operários – notícias de Cícero (travesti que caíra
na vida). Alice conversou com vários travestis – ninguém sabia – mandaram ela
sair, perigoso.
Alice parecia moradora de rua.
Fora andar no Campo do Tuca – encontrar Cícero – raramente usava tal
pretexto - . Escuro. Lanterna do celular – marcas no chão: sangue. Seguiu as
marcas – jovem morto no chão. Cícero? Se a polícia chegasse pensaria que ela
era a assassina.
Saiu correndo pelo mato, rasgou a calça, arranhou-se em arame farpado.
Chegou na Bento e dormiu no ponto de ônibus, como fazia quando não ia na
Lola.
Fora acordada de manhã cedo. Liga pra Elizete?
Rodoviária, caixa: saldo insuficiente.
Não queria pedir esmolas nem revirar os lixos – vendeu seus livros a preço de
três cachorros quentes – bebeu água mendigada em balcões.
Foi atrás de Lola e não encontrou, esperou no degrau da escada.
Dormiu.
Lola acorda Alice dizendo: “Basta, tu não aguenta mais, tu não precisa disso, tu
vai voltar pra tua vida que a gente não precisa de mais na rua, à toa.
No dia seguinte, bem cedo, Lola tira Alice da cama.
Vai, sai desse buraco, isso não é pra ti, tu só não esquece da gente.
Ligou pra Elizete, disse que tava voltando de jaguarão e que perdera o
endereço.
Voltei, assim, à superfície ainda por explorar. Suas rachaduras já as conheço
todas e não esqueço.