psicologia do trabalho - ifcursos.com.br · geral de sistemas. ... psicologia do trabalho emerson...

50
2014.1 1 Profº: Emerson Luiz PSICOLOGIA DO TRABALHO

Upload: dinhdat

Post on 03-Dec-2018

224 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: PSICOLOGIA DO TRABALHO - ifcursos.com.br · geral de sistemas. ... Psicologia do Trabalho Emerson Luiz Essas teorias nunca se preocuparam em incorporar a cultura organizacional como

2014.1 1

Profº: Emerson Luiz

PSICOLOGIA DO TRABALHO

Page 2: PSICOLOGIA DO TRABALHO - ifcursos.com.br · geral de sistemas. ... Psicologia do Trabalho Emerson Luiz Essas teorias nunca se preocuparam em incorporar a cultura organizacional como

2

Psicologia do Trabalho www.ifcursos.com.br Emerson Luiz

ACIDENTES DO TRABALHO: EVOLUINDO DO MODELO DE

CAUSALIDADE CENTRADA NO INDIVÍDUO PARA O MODELO DE CULTURA

ORGANIZACIONAL

João Jorge Gandra

Wanderley Ramalho

Carlos Alberto Gonçalves

Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG.

RESUMO:

Um importante aspecto no tratamento da questão dos acidentes do trabalho nas

organizações é a evolução das teorias da propensão para acidentes e da fadiga para as

teorias da normalidade dos acidentes e das organizações de alta confiabilidade. Tal

transição significou uma importante mudança na abordagem da questão tanto do ponto de

vista dos seus fundamentos teóricos como de suas implicações práticas.

O presente trabalho mostra como tal transição ocorreu e explicita a existência de um

paralelismo entre essa e a transição da abordagem clássica da administração para a teoria

geral de sistemas. Finalmente, o estudo conclui que essa concomitância entre as duas

transições foi o que possibilitou incorporar, tanto na abordagem teórica do tema como no

tratamento prático da questão, os fatores organizacionais nas explicações causais da

segurança e da saúde ocupacional.

Assim, o estudo chama a atenção para a necessidade de um novo olhar sobre o tema no

sentido de se tratar os fatores organizacionais como variáveis preditoras nos modelos que

se proponham explicar as causas dos acidentes de trabalho.

PALAVRAS-CHAVE

Acidentes do trabalho, teoria sobre acidentes, fatores organizacionais.

1. Introdução

A explicação das causas dos acidentes de trabalho têm sido baseada,

fundamentalmente, em modelos de culpabilidade ou falhas dos trabalhadores durante a

execução de suas tarefas. Tais modelos têm suas raízes na abordagem clássica da

Administração decorrente dos trabalhos pioneiros de dois engenheiros: Frederick Winslow

Taylor (1856-1915) e Henri Fayol (1841-1925). Não é de se admirar, portanto, que essa

explicação esteja baseada numa visão microscópica do homem de acordo com a qual, os

engenheiros individualizam cada operário ao considerarem suas relações com os

instrumentos de trabalho, com seus companheiros e seus superiores. Dessa visão

microscópica, enfatizando a relação homem-instrumento de trabalho, nasce um modelo de

culpabilidade que não tem levado em conta o ambiente organizacional no qual essa

interação acontece.

Essa visão microscópica favoreceu o aparecimento de duas teorias psicológicas

para a explicação das causas dos acidentes, a saber, a teoria da propensão de certos

indivíduos para se acidentarem e a teoria da fadiga que procurou mostrar a relação entre

os acidentes e a sobrecarga no trabalho.

Page 3: PSICOLOGIA DO TRABALHO - ifcursos.com.br · geral de sistemas. ... Psicologia do Trabalho Emerson Luiz Essas teorias nunca se preocuparam em incorporar a cultura organizacional como

3

Psicologia do Trabalho www.ifcursos.com.br Emerson Luiz

Essas teorias nunca se preocuparam em incorporar a cultura organizacional como

preditora importante da ocorrência dos acidentes negando estar a origem dos mesmos em

fatores organizacionais. Desse modo, a busca da explicação das causas dos acidentes tem

sido sempre centrada na relação do trabalhador com seu instrumento de trabalho.

Os novos modelos para explicação das causas dos acidentes do trabalho têm sido

basicamente desenvolvidos a partir de uma visão mais abrangente da interação entre o

trabalhador e a cultura organizacional. Essa nova abordagem tem seus fundamentos na

Teoria Geral de Sistemas desenvolvida a partir dos trabalhos do biólogo alemão Ludwig

Von Bertalanfy publicados entre 1950 e 1968. Os conceitos extraídos da Teoria Geral dos

Sistemas possibilitaram a evolução de uma visão microscópica e estática para uma

abordagem mais abrangente e dinâmica da explicação das causas dos acidentes. Isto

significou um deslocamento da ênfase do subsistema homem-instrumento de trabalho para

a interação desse subsistema com o ambiente organizacional.

O trabalho, aqui apresentado, objetiva explicitar a trajetória segundo a qual essa

evolução ocorreu bem como destacar as consequências práticas dessa nova maneira de

tratar a questão da segurança no trabalho.

2. A teoria da propensão dos acidentes

A Psicologia Industrial advoga ser possível prever a adaptabilidade dos

trabalhadores mediante uma classificação pelo grau de inteligência, habilidade manual,

propensão a acidentes e pelo perfil desejado pela gerência.

A história da pesquisa sobre as disposições individuais e sua relação para os

acidentes é longa e problemática (IVERSON; ERWIN, 1997). O conceito de ‘propensão para

acidentes’ foi primeiramente desenvolvido por Greenwood & Woods (1919/1964) que, ao

examinarem os acidentes ocorridos em uma fábrica de munição inglesa, estudaram a

distribuição e confiabilidade dos acidentes e concluíram que, a um grupo particular de

indivíduos, poderia ser creditada uma responsabilidade considerável pelos acidentes. Para

realização desse estudo, eles partiram de três hipóteses: (a) os acidentes ocorrem de

forma casual, (b) não existem diferenças individuais ligadas à ocorrência dos acidentes,

mas a probabilidade de um indivíduo se acidentar pode ser influenciada ou não por

acidentes passados e (c) existem certos indivíduos mais predispostos a sofrer acidentes.

Em outras palavras, um grupo particular de indivíduos tinha mais probabilidade de se

envolver em um certo tipo de acidente ou em vários outros num intervalo de tempo. Os

estudos de Greenwoods & Woods confirmaram a ultima hipótese trazendo consigo novas

análises de outros pesquisadores que, no entanto, não confirmaram esses achados (DELA

COLETA, 1991).

Tanto Dela Coleta (1991) quanto Iverson & Erwin (1997) destacam os trabalhos

posteriores de Shaw & Sichel que caracterizaram a propensão individual para acidentes ao

compararem as características individuais dos trabalhadores envolvidos em acidentes com

os não envolvidos e ao calcularem o grau de associação entre as características

individuais e o envolvimento em acidentes. Esses estudos agregaram novas discussões

sobre o comportamento de risco de certos trabalhadores. Se a forma que o individuo se

comporta no ambiente de trabalho revela sua característica de propensão a acidentes é

preciso cuidar que “os indivíduos podem ter diferentes razões para seguir o mesmo curso

de ação, mas no ambiente organizacional, os meios para alcançar uma variedade de metas

Page 4: PSICOLOGIA DO TRABALHO - ifcursos.com.br · geral de sistemas. ... Psicologia do Trabalho Emerson Luiz Essas teorias nunca se preocuparam em incorporar a cultura organizacional como

4

Psicologia do Trabalho www.ifcursos.com.br Emerson Luiz

individuais são reduzidos a poucos caminhos (KATZ; KAHN, 1970, p.75). Cada indivíduo,

para alcançar sua meta, pode apropriar-se de um caminho que o exponha em maior ou

menor grau aos riscos presentes no ambiente. Katz e Kahn (1970) ressaltam ainda que

“cada indivíduo reage à organização em termos da percepção que dela tem, percepção que

pode diferir, de várias maneiras, da organização real”. Muitos trabalhadores podem se

expor aos riscos das tarefas como reflexo de um comportamento que é entendido como

valor para a organização na qual estão inseridos. Esta exposição pode gerar em um setor

um maior número de acidentes e uma maior reincidência de acidentes por um mesmo

grupo de trabalhadores.

Dela Coleta (1991), ao estudar a distribuição dos intervalos entre os acidentes

sofridos por milhares de operários da construção naval em 1977, mostrou que o tempo

médio de espera entre acidentes consecutivos por um mesmo operário diminui com o

numero de acidentes sofridos pelo operário. O autor apresenta as razões que julga explicar

essa diminuição do tempo médio de espera entre acidentes consecutivos por um mesmo

operário interpretando que (a) o operário perderia o medo e se acostumaria com os

acidentes, negligenciando os perigos e (b) supõe que o operário, após o primeiro acidente,

se tornaria tão temário de sofrer outros que este medo seria acompanhado de reações

emocionais mal ajustadas, que o predisporiam aos acidentes.

Dejours (1987) não relaciona o medo à propensão para acidentes. Ao contrário, o

autor considera que uma consciência demasiado aguda e impregnada de perigo tornaria

impossível o trabalho, devido ao aparecimento do medo. O autor considera tratar-se da

criação de defesas e, em particular, de defesas coletivas que permitem aos trabalhadores

resistirem frente aos perigos a que estão expostos. Os acidentes podem ocorrer devido a

uma avaliação incorreta do ambiente de trabalho.

Segundo Perrow (1972ª, p.141) “o ambiente constitui sempre uma ameaça e um

recurso. Às vezes é claramente um dos dois, e outras vezes o que poderia ter constituído

uma ameaça, transforma-se em um recurso, a um certo preço, naturalmente”. Esse fato

seria explicado por Simon (1965, p.5) ao definir que “toda a vez que as decisões levam à

seleção de finalidades ultimas elas serão chamadas “juízos de valor” e sempre que

impliquem na implementação de tais finalidades serão chamadas de “juízos de fato”. Após

um acidente nem sempre é claro identificar qual foi a motivação que levou o acidentado a

agir: um juízo de fato ou um juízo de valor, principalmente, se o operário trabalhava

sozinho e veio a falecer em função do acidente.

A dificuldade de identificar, e comprovar mediante estudos objetivos, as

características que um grupo de indivíduos ou um indivíduo carrega durante o curso de

uma ação, provocou um afastamento da teoria da propensão aos acidentes. Um ceticismo

importante em relação à teoria que examina os efeitos das disposições individuais aos

acidentes é a falha desses estudos em controlar tanto os fatores pessoais quanto as

características do ambiente onde o trabalho é realizado e a aplicabilidade desses conceitos

(IVERSON; ERWIN, 1997). Essa dificuldade é confirmada pelos estudos de Dela Coleta

(1991) na análise da indústria de construção naval ao concluir que a eliminação dos

reincidentes, ou seja, aqueles que provavelmente novamente se deixariam envolver em

acidentes no segundo semestre do período do estudo considerado, representaria uma

Page 5: PSICOLOGIA DO TRABALHO - ifcursos.com.br · geral de sistemas. ... Psicologia do Trabalho Emerson Luiz Essas teorias nunca se preocuparam em incorporar a cultura organizacional como

5

Psicologia do Trabalho www.ifcursos.com.br Emerson Luiz

pequena parcela de 1,8%, ou seja, conclui que a eliminação dos reincidentes em acidentes

não é a melhor estratégia para alcançar reduções nas taxas de acidentes.

3. A teoria da fadiga

No período da Primeira Guerra Mundial foram desenvolvidas intensas pesquisas

buscando estabelecer a relação entre os acidentes e a fadiga gerada pela sobrecarga de

trabalho. Os resultados dos trabalhos de Vernon (1918) apud Dwyer (1991) mostraram que

o aumento da carga de trabalho de 60 para 72 horas acarretou um aumento de duas vezes

e meia no número de acidentes. A maior contribuição dessa teoria, e de outras pesquisas

posteriores, foi trazer para discussão o tema da redução do horário da jornada de trabalho

que passou a ser debatido em vários congressos despertando interesse pelo tema por

sindicalistas e pelo governo.

A teoria da fadiga encontrou a mesma dificuldade que a teoria da propensão dos

acidentes: validar os resultados com pesquisas similares. Essa constitui a principal questão

quando se trata da pesquisa de acidentes: a existência de um número significativo de

variáveis de difícil controle. Como os acidentes acontecem nos mais variados ambientes e,

em um mesmo ambiente pode ocorrer durante a execução das mais diversas tarefas,

elimina-se quase totalmente a possibilidade de uma pesquisa-ação. Essa é a razão pela

qual a maioria das pesquisas em acidentes trata os dados pós-evento e encontram

dificuldades em sugerir medidas preventivas para evitar futuras ocorrências danosas.

Segundo Dwyer (1991), a teoria da propensão para acidentes encontrou mais apoio

dos empregadores que a teoria da fadiga, pois a última questionava a ética moral da

sobrecarga do trabalho que se impunha aos trabalhadores. A teoria da propensão aos

acidentes seria suportada pela ideia secular do acidente como uma punição de Deus ao

pecado ao trabalhador e sua pretensa base cientifica dos acidentes a tornava atrativa aos

empregadores por tratar os acidentes como falhas dos empregados.

Os modelos de propensão para acidentes e da fadiga geraram confusão e conflito

pela dificuldade da validação de resultados. Buscou-se, então, explicação para as causas

dos acidentes na análise da falha humana ou erro humano no trabalho.

4. A falha humana como explicação para as causas dos acidentes

É geralmente aceita que 80 a 90% dos acidentes decorrem do erro humano no

trabalho (HEINRICH, 1959; HALE e GLENDON, 1987). Considerar que os acidentes

proveem de falha humana passou a não acrescentar muitas explicações para o

desenvolvimento de medidas preventivas de segurança, uma vez que, na quase totalidade

das tarefas, a presença humana é, ainda, muito significativa. Os estudos sobre a falha

humana ou erro humano trouxeram significativas contribuições para a compreensão e

desenvolvimento de abordagens e técnicas mais modernas sobre a confiabilidade humana.

As razões de se atribuir a culpa pelos acidentes aos empregados parece ser

bastante óbvia à luz dos argumentos apresentados por diversos autores (BARAM, 1998;

ALMEIDA, 2001; REASON, 1999, 2000; HOPPKINS, 2000). Segundo esses, tal

procedimento traz intrínseco o deslocamento do principal eixo do problema que se quer

omitir: as falhas da organização. À medida que crescem as ações que demandam

responsabilidade civil, responsabilidade criminal dos prepostos e a responsabilidade ética

e social das organizações maior é a tendência de responsabilizar os trabalhadores pelos

acidentes.

Page 6: PSICOLOGIA DO TRABALHO - ifcursos.com.br · geral de sistemas. ... Psicologia do Trabalho Emerson Luiz Essas teorias nunca se preocuparam em incorporar a cultura organizacional como

6

Psicologia do Trabalho www.ifcursos.com.br Emerson Luiz

Almeida (2001) traz significativas contribuições ao tema ao explorar importantes

aspectos da construção das análises e atribuição de culpa. Pondera o autor que “as

investigações de acidentes são conduzidas de forma superficial... e a busca de “falhas”

atribuídas ao trabalhador, no período que antecede, de modo imediato, o acidente, sem a

análise das intenções e razões envolvidas na origem desses atos” mostra que culpar o

trabalhador continua como principal foco das análises dos acidentes (ALMEIDA, 2001,

p.200). O autor ressalta, ainda, que “apenas 20% dos fatores de acidentes relativos a

aspectos de gestão e/ou da organização do trabalho acompanham-se de alguma sugestão

de medida preventiva” o que evidencia a necessidade de se considerarem novas formas de

gestão e organização do trabalho (p.200).

O deslocamento do eixo da análise da simples atribuição de culpa ou de falhas

humanas para as formas de gestão e organização do trabalho em que os fatores

organizacionais são analisados como significativos para a ocorrência dos eventos, decorre,

em grande parte, dos estudos de Turner (1978), Perrow (1999), Reason (2000) e Hopkins

(2000) .

Os acidentes representam uma disfunção organizacional em seu sistema sócio-

técnico (TURNER, 1978; GHERARDI et al, 1998; HOPKINS, 1999). Um sistema sócio-

técnico é constituído de uma interação de componentes sociais e componentes técnicos. Os

componentes técnicos são as instalações, equipamentos, ferramentas, processos

produtivos e materiais que as organizações se utilizam para alcançarem os produtos de

suas finalidades. Os componentes sociais influenciam e sofrem influências das forças

ambientais representadas pelos sindicatos, pelos mecanismos de concorrências interna e

globalizada, pelas taxas de câmbio, pelas legislações de segurança, saúde e ambientais e

pelos valores temporais dos grupos sociais dominantes em um espaço de tempo e lugar.

O termo ‘erro humano’ é largamente utilizado pela mídia ao referir-se a falhas,

imperfeições ou inadequações causadas pelos homens e, em conexão com acidentes ou

falhas nas decisões. Fazer referência ao erro humano sem relacioná-lo ao contexto no

qual o erro ocorre, incluindo os fundamentos culturais e sistêmicos e a missão do sistema

pode ser um engano ou mesmo antiético (EINARSSON, 1999). O fenômeno do erro humano

inclui não somente ações, decisões, comunicações e transmissão de informações entre

humanos, mas também reações dentro do ambiente de trabalho e no processo do acidente.

Reason (1999) ressalta que os acidentes ocorrem como consequência de duas causas:

falhas ativas e falhas latentes. As falhas ativas referem-se àqueles erros ou violações que

têm um efeito imediatamente adverso. Esses erros estão geralmente associados às

atividades realizadas pelo pessoal de frente, ou seja, operadores de equipamentos, pilotos

de avião, médicos, engenheiros, dentre outros, durante a execução de uma tarefa. As

falhas latentes são aquelas que estão intrínsecas nas organizações e que contribuem de

forma significativa para que as falhas ativas se manifestem. As falhas latentes são

decisões ou ações de consequências danosas que podem ficar adormecidas por longos

períodos, só tornando-se evidentes, quando se combinam com outros fatores (falhas

ativas, falhas técnicas, desenhos inadequados, condições atípicas, etc.) atravessando todos

os sistemas de defesas organizacionais.

Em relação ao erro gerado por uma insuficiência na concepção e da prescrição da tarefa,

os estudiosos franceses dedicaram-se ao tema com afinco, apresentando as disfunções

Page 7: PSICOLOGIA DO TRABALHO - ifcursos.com.br · geral de sistemas. ... Psicologia do Trabalho Emerson Luiz Essas teorias nunca se preocuparam em incorporar a cultura organizacional como

7

Psicologia do Trabalho www.ifcursos.com.br Emerson Luiz

entre o trabalho prescrito e o trabalho real (DEJOURS, 2002; GUERIN et al.2001; LLORY,

1999).

Segundo Guérin et al. (2001) “a distância entre o prescrito e o real é a manifestação

concreta da contradição sempre presente no ato de trabalho, entre “o que é pedido” e “o

que a coisa pede”. (p.15). Um dos elos fracos do sistema sócio-técnico surge nesse ponto

pelo divórcio taylorista entre os que pensam e entre os que executam, excluindo o

trabalhador da ‘análise do processo de trabalho’. É exatamente na análise do trabalho que

se permite compreender como os operadores enfrentam a diversidade e as variações de

situações, e quais consequências trazem para a saúde e para a produção (GUÉRIN et al.

2001).

Se os trabalhadores são afastados da análise do processo de trabalho a riqueza

desse conhecimento é mantida individualizada e os efeitos sociais coletivos da prevenção

são anulados. Essa questão é tão fundamental que estudos dos grandes acidentes mostram

que muitas vezes o conhecimento dos fatores contributivos para os acidentes estavam ao

nível dos operadores que foram negligenciados. LLory (1999, p.20) destaca o exemplo do

acidente acontecido com a nave espacial Challenger no qual os operadores dispunham de

informações que teriam sido de grande utilidade para os tomadores de decisão, mas não

foram envolvidos pois “eles não sabiam escrever bons relatórios”.

Almeida (2001) pondera que quando os trabalhadores iniciam suas atividades eles a

fazem após as chefias já terem estabelecido os objetivos, metas de produção, definido

prescrições, horários e dividido os trabalhadores em equipes. Se o trabalho prescrito é

planejado pela gerência quando o trabalhador erra durante a execução de suas atividades a

primeira pergunta que surge é se a norma ou procedimento foi seguida na íntegra.

A distância entre o que se prescreve e o real faz surgir o conceito de culpabilidade

do trabalhador, pois todo o direito escrito tem um duplo objeto: prescrever certas

obrigações e definir as sanções que lhes estão cometidas. Se o procedimento não

contempla todos os riscos envolvidos na tarefa a falha da gerência na elaboração não é

destacada, mas realça-se sim, a falha do trabalhador que não comunicou à gerência que

ele executava passos fora do planejado no procedimento. Inicia, aqui, o velho dilema que

acompanha a segurança do trabalho: as falhas gerenciais não são evidenciadas e o enfoque

centrado na culpa do trabalhador pelos acidentes persiste pela facilidade de se apontar o

instrumental dos erros.

Katz e Kahn (1970, p.91) ponderam que “nem todo comportamento na organização

pode ser prescrito por padronização de tarefa”.

Mudar o eixo de estudos de falha humana para as falhas organizacionais não é tão simples.

Sagan (1997, p.46) citando o físico britânico Michael Faraday que alerta contra a tentação

poderosa “de procurar as evidências e aparências que estão a favor de nossos desejos, e

desconsiderar as que lhes fazem oposição. Acolhemos com boa vontade o que concorda

com nossas ideias, assim como resistimos com desgosto ao que se opõe a nós, enquanto

todo preceito de bom senso exige exatamente o oposto”.

Se os acidentes acontecem devido às falhas humanas ou se errar é humano, então o

acidente é um acontecimento normal?

Page 8: PSICOLOGIA DO TRABALHO - ifcursos.com.br · geral de sistemas. ... Psicologia do Trabalho Emerson Luiz Essas teorias nunca se preocuparam em incorporar a cultura organizacional como

8

Psicologia do Trabalho www.ifcursos.com.br Emerson Luiz

5. A ‘normalidade’ dos acidentes

Perrow (1999), ao estudar os grandes acidentes ocorridos em organizações,

ressalta que a maioria dos sistemas de alto risco tem algumas características especiais,

além dos perigos tóxicos, explosivos ou genéticos, que fazem com que acidentes sejam

considerados “normais” ou inevitáveis. Essas organizações possuem sistemas que se

interagem de forma firme e em cadeia. Quando acontece um erro em um subsistema este

influencia o desempenho do sistema seguinte e em determinado momento o somatório

dessas forças dos subsistemas provoca interações fortes e complexas que não podem ser

neutralizadas tendo como resultado um acidente.

A tese básica de Perrow – Teoria da Normalidade dos Acidentes (NAT) – é que os

acidentes são inevitáveis em sistemas tecnologicamente complexos e fortemente

interligados, por exemplo, em plantas nucleares, plantas petroquímicas e na aviação. O

termo ‘acidente normal’ significa que, dadas às características dos sistemas possuírem

interações múltiplas e não previstas, as falhas são inevitáveis. Ressalta que isto significa

uma expressão de uma característica integral do sistema e não de uma afirmação relativa a

frequência, ou seja, não está relacionada a sua repetitividade. Considera o autor que é a

interação de múltiplas falhas que conduz a um acidente e por mais que esforços sejam

feitos para controle total dos diversos subsistemas, determinadas reações são

imprevisíveis e quando interagem conduzem a um acidente ou catástrofe.

A primeira análise de Perrow (1999) sobre os sistemas complexos foi o acidente

ocorrido no dia 28 de março de 1979 em Three Miles Island, planta nuclear situada perto

de Harrisburg, Pensilvânia, Estados Unidos, a partir do qual construiu a base de sua teoria.

Prosseguindo em sua análise o autor discorre sobre os acidentes ocorridos e o

grande potencial de catástrofes existentes nas plantas petroquímicas capazes de afetar

todo o sistema ambiental onde se localiza. Analisa também o potencial de riscos existentes

nas aeronaves dos voos comerciais concluindo que, apesar do declínio dos acidentes

aéreos pelo avanço da tecnologia e habilidade dos pilotos, esses sistemas nunca se

tornarão totalmente seguros, devidos a pressão organizacional sobre a tripulação para

voarem mesmo em condições inadequadas. Essa pressão pode implicar em deficiências de

manutenção e de sobrecarga de trabalho. Em seguida Perrow (1999) analisa a

complexidade dos acidentes marítimos que possuem complexidades similares a plantas

nucleares e aos transportes aéreos. Um navio é como uma fábrica ou planta nuclear

contendo misturas explosivas, problemas ambientais diversos, estrutura organizacional de

comando centralizada e a adoção de modernas tecnologias, por exemplo, o uso de radares

que permitem o aumento da velocidade, mas em compensação aumenta os riscos de

colisão.

Nesses sistemas, a probabilidade de falhas está sempre presente e essa são

capazes de desencadear interações que se processam com grande rapidez ou

independentes de outras partes do sistema que não permitem um tempo de resposta

adequado.

A exposição de Perrow (1999, p.7) conduz a uma reflexão sobre a causalidade dos

acidentes. Durante as análises de acidentes é preciso que as causas sejam investigadas na

complexidade do sistema e que se abandone modelos simplistas que apontem eventos

isolados esquecendo-se que “o acidente é o resultado de interações múltiplas”.

Page 9: PSICOLOGIA DO TRABALHO - ifcursos.com.br · geral de sistemas. ... Psicologia do Trabalho Emerson Luiz Essas teorias nunca se preocuparam em incorporar a cultura organizacional como

9

Psicologia do Trabalho www.ifcursos.com.br Emerson Luiz

Churchman (1972, p.9 – prefácio) inicia seus estudos sobre sistemas chamando a atenção

para o fato de que “quando alguém examina sistemas, é sempre atitude sábia levantar

questões a respeito das suposições mais óbvias e simples”. O autor pondera que o enfoque

sistêmico terá de perturbar processos mentais típicos e sugerir alguns enfoques radicais

para pensar. Na verdade, já poderia ser considerada uma atitude de todo radical para

alguém pensar primeiro sobre o objetivo global e, em seguida, começar a descrever o

sistema em função desse objetivo global. Portanto, as investigações de acidentes devem

suspeitar daquelas causas que, a princípio, parecem tão óbvias que, por si mesmas,

eliminam a necessidade da continuidade da análise.

A causa do acidente pode ser facilmente negligenciada principalmente se um culpado já foi

apontado. Para Cyert e March (1963) como as organizações modernas são grandes e

complexas, possuindo diversas funções e procedimentos, sendo as decisões tomadas em

diferentes níveis com objetivos específicos é preciso buscar um entendimento da

arquitetura organizacional. Reafirma-se, assim, a necessidade premente, na analise da

causalidade dos acidentes, de abandonar o modelo unicausal e ampliar os horizontes na

investigação do processo de tomada de decisões que permeia dentro das organizações.

6. Organizações de alta confiabilidade e os fatores organizacionais

Outra abordagem em relação aos acidentes são os estudos desenvolvidos pelas

organizações denominadas de HRO – high reliability organisations – ou organizações de

alta confiabilidade que parte de um pressuposto exatamente inverso ao da visão de Perrow

(1999).

Para essas organizações, os acidentes são considerados totalmente previsíveis,

razão pela qual, investiram maciçamente em elementos de controle gerenciais e em

sistemas de engenharia que pudessem evitar falhas humanas e de manutenção. Como o

acidente é “esperado”, medidas de controle são tomadas preventivamente para que as

situações sejam mantidas dentro de um alto nível de confiabilidade. Desenvolve-se, então,

a visão do homem como fator de confiabilidade dos sistemas de alto risco (WEICK, 1987;

SAGAN, 1995).

Teóricos, engenheiros e outros profissionais especializados em análises de sistema

de alto risco concordaram que sérios acidentes com tecnologias perigosas podem ser

prevenidos mediante um desenho organizacional inteligente e de um sistema de

gerenciamento eficaz. A análise de organizações que lidam com produtos altamente

perigosos e apresentam um histórico de gerenciamento sem acidentes significativos

indicam a adoção de um processo deliberado no qual os riscos são monitorados, avaliados

e reduzidos. Assim, a pesquisa nessas organizações centrou-se na identificação as

estratégias e processos organizacionais (SAGAN, 1995).

Sagan (1995) destaca que a principal suposição dos teóricos da alta confiabilidade

não é a crença ingênua na habilidade do ser humano para comportar-se de forma racional;

é uma crença bem mais plausível de que as organizações, propriamente estruturadas e

gerenciadas, podem compensar as conhecidas fragilidades humanas e podem, além do

mais, ser significativamente mais racionais e efetivas que os indivíduos. As organizações

de alta confiabilidade, que gerenciam sistemas perigosos, são vistas como ‘racionais’ no

sentido de possuírem estruturas altamente formalizadas e orientadas para alcançar seus

Page 10: PSICOLOGIA DO TRABALHO - ifcursos.com.br · geral de sistemas. ... Psicologia do Trabalho Emerson Luiz Essas teorias nunca se preocuparam em incorporar a cultura organizacional como

10

Psicologia do Trabalho www.ifcursos.com.br Emerson Luiz

objetivos de forma clara e consciente (neste caso a extrema segurança e confiabilidade de

suas operações).

Quatro fatores críticos foram identificados como responsáveis pelo desempenho e

alcance de excelentes recordes de segurança na grande maioria dessas organizações: a

priorização da segurança e da confiabilidade como um objetivo das lideranças da

organização; altos níveis de redundância em pessoal e medidas técnicas de segurança; o

desenvolvimento de uma ‘cultura de alta confiabilidade’ através de descentralizadas e

contínuas práticas de suas operações e um sofisticado sistema de julgamento e

aprendizagem organizacional pelo erro (SAGAN, 1995). Esses quatro fatores constituem,

de acordo com os teóricos dessa escola de pensamento, a rota para operações

extremamente seguras e confiáveis mesmo em tecnologias altamente perigosas.

A teoria da ‘normalidade dos acidentes’ foi considerada como uma visão negativa do

homem no controle de seus sistemas e a ‘teoria da alta confiabilidade’, ao contrário,

passou a ser encarada como uma forma positiva da capacidade humana de controlar seus

sistemas de alto risco (SAGAN, 1995).

Rijpma (1997) faz uma análise comparativa das duas teorias onde coloca pontos que

devem ser objeto de atenção quando se deseja manter estrito controle dos acidentes.

Segundo o autor, a complexidade e as fortes interações propostas por Perrow pode afetar

de forma abrangente a confiabilidade dos sistemas. A complexidade e as fortes interações

podem diminuir tanto os efeitos da estratégia organizacional quanto pode neutralizar os

efeitos da redundância. Por outro lado, os efeitos da redundância e as constantes análises

de riscos desenvolvidas para aumentar a confiabilidade dos sistemas poderão neutralizar

os acidentes que seriam considerados ‘normais’. Se a teoria da normalidade dos acidentes

pode explicar e ser usada, inclusive, para a compreensão dos acidentes nos sistemas de

alto risco, a teoria da confiabilidade pode trazer significativa luz sobre a compreensão dos

fatores que contribuem para a propensão de algumas organizações terem acidentes. O

autor sugere que a adoção dos princípios das duas teorias pode prover os especialistas de

segurança com respostas mais compreensivas e balanceadas sobre a prevenção e a

confiabilidade. Qual é o melhor caminho a seguir deve ser objeto de uma análise mais

apurada, pois conforme “a historia da ciência ensina que o máximo que podemos esperar é

um aperfeiçoamento sucessivo de nosso entendimento, um aprendizado por meio de

nossos erros... mas a certeza absoluta sempre nos escapará (SAGAN, 1997, p.42)”.

Os critérios de confiabilidade ou falibilidade apresentados por essas teorias são

sempre suscetíveis de controvérsias. Ao re-analisar o acidente de Three Miles Island

(TMI), que serviu de base para a construção da teoria da normalidade dos acidentes por

Perrow em 1984, Hopkins (2001) questiona se realmente esse acidente poderia ser

considerado ‘normal’.

Segundo Hopkins (2001, p.65), o argumento de Perrow para justificar esse acidente

como ‘normal’ é um “descarado argumento tecnologicamente determinístico”. Seu

argumento é que o acidente era perfeitamente explicável em termos de falhas de

gerenciamento, pois o reator já apresentava problemas que eram conhecidos.

À medida que os estudos sobre as causas dos acidentes afasta-se da centralidade

da culpa dos operadores, os fatores organizacionais emergem de forma mais acentuada e

passam a ser analisados dentro do contexto social em eles ocorrem. Perrow (1999) tenta

Page 11: PSICOLOGIA DO TRABALHO - ifcursos.com.br · geral de sistemas. ... Psicologia do Trabalho Emerson Luiz Essas teorias nunca se preocuparam em incorporar a cultura organizacional como

11

Psicologia do Trabalho www.ifcursos.com.br Emerson Luiz

mostrar que a falha dos operadores, no caso do acidente de TMI, em reconhecer que um

acidente estava ocorrendo pela perda de resfriamento do reator e pela decisão prematura

dos operadores de parar a injeção de água em alta pressão para compensar a perda de

resfriamento, não poderia ser creditada ao ‘erro do operador’ mas sim ao resultado de

interações fortes e complexas. Os estudiosos da teoria da confiabilidade chamam a atenção

para o fato de que o desenho da estrutura organizacional pode conduzir a uma organização

livre de erros.

Como se depreende da análise anterior, os primeiros modelos explicativos de

acidentes estavam em consonância perfeita com a visão microscópica e de sistema

fechado utilizada pela abordagem clássica da administração. A ideia de existência de

objetivos dos sistemas, alcançáveis pela interação permanente entre as suas partes,

introduzida pela teoria geral dos sistemas, é que permitiu evoluir em direção a modelos

explicativos que levam em conta os fatores organizacionais na análise das causas dos

acidentes. Foi a partir deste ponto que o desempenho em segurança passou a ser tratado

como ‘variável resposta” e os fatores organizacionais como “preditores".

7. Conclusões

Seguindo Becker (1998), abrir mão da abordagem baseada nos conceitos de

‘propensão para acidente’ e ‘fadiga’ em favor da abordagem baseada em ‘fatores

organizacionais’ não tem sido simples. O autor destaca os seguintes aspectos dessa

dificuldade:

a) fatores organizacionais com influência na segurança são difíceis de capturar e eles são

pobremente definidos e categorizados;

b) o recente desenvolvimento do conceito de “cultura de segurança” ilustra a

complexidade de contexto entre fatores organizacionais e segurança;

c) as tarefas e ações nos níveis mais altos da hierarquia gerencial raramente são

processos padronizados. Um desempenho inadequado pode ser difícil de descobrir já que

se tem tido uma abordagem tradicionalmente de análise de evento como análise de desvio;

d) erros que podem ser atribuídos a uma unidade definida da organização não podem ser

facilmente separados da questão da responsabilidade. É como nos casos de erros

individuais em que eles tornam-se motivos de acusações ou, no mínimo, sentimentos de

culpa ou de acusação;

e) o comportamento dos órgãos e instituições no ambiente organizacional tem uma

considerável influência nas possibilidades de aprendizagem organizacional, usando os

sistemas de reportagem de eventos ou análise de eventos.

Esse estudo mostrou que a transição dos modelos baseados em ‘propensão para

acidentes’ e de ‘fadiga’ para os modelos da ‘normalidade’ e ‘organizações de alta

confiabilidade e fatores organizacionais’ se deu de modo concomitante à transição da

Abordagem Clássica da Administração para a abordagem baseada na Teoria Geral de

Sistemas. Desse modo, ele chama a atenção para a necessidade de incorporar os fatores

organizacionais na explicação das causas dos acidentes do trabalho.

Em função do exposto, o estudo representa tanto uma contribuição teórica quanto

prática para a questão dos acidentes do trabalho. A contribuição teórica refere-se à

explicitação do paralelismo analisado acima enquanto que a contribuição prática refere-se

às mudanças no tratamento da questão da Segurança e Saúde Ocupacional decorrentes das

Page 12: PSICOLOGIA DO TRABALHO - ifcursos.com.br · geral de sistemas. ... Psicologia do Trabalho Emerson Luiz Essas teorias nunca se preocuparam em incorporar a cultura organizacional como

12

Psicologia do Trabalho www.ifcursos.com.br Emerson Luiz

novas abordagens. Assim, as medidas preventivas para a obtenção de Segurança do

Trabalho passam a ser tomadas com base na interação homem-ambiente organizacional ao

invés da relação homem-instrumento de trabalho.

8. Referências Bibliográficas

ALMEIDA, Idelberto Muniz de. Construindo a culpa e evitando a prevenção: caminhos da

investigação de acidentes do trabalho em empresas de município de porte médio. Botucatu,

São Paulo,1997. [Dissertação de Mestrado] - Escola Politécnica da Universidade de São

Paulo, 2001.

BARAM, M. The challenge of organizational change. In HALE, A., BARAM, M. Safety

Management- The Challenge of Change. Oxford: Elsevier Science, 1998.

BECKER, Gerhard. Layer system for learning from human contribution to events – a first

outline. In HALE, A., BARAM, M. Safety Management- The Challenge of Change. Oxford:

Elsevier Science, 1998. pg 149-165.

CHURCHMAN, C. West. Introdução a teoria dos sistemas. 2ª ed. Petrópolis: Vozes, 1972.

CYERT, Richard M., MARCH, James G. The behavioral theory of the firm. New Jersey:

Prentice-Hall, 1963.

DEJOURS, Christopher. A loucura do trabalho. Estudo de psicopatologia do trabalho. 2ª ed.

São Paulo: Cortez, 1987.

DEJOURS, Christopher. O fator humano. 3ª ed. São Paulo: Fundação Getúlio Vargas, 2002.

DELA COLETA, José Augusto. Acidentes do trabalho: Fator humano. Contribuições da

psicologia do trabalho. Atividades de prevenção. 2ª ed. São Paulo: Editora Atlas, 1991.

DWYER, Tom. Life and death at work: industrial accidents as a case of socially produced

error. New York: Plenum Press, 1991.

EINARSSON, Stefán. Human error in high systems: do we treat the problem in na

appropriate way? Journal of Risk Research. Vol.2, Issue 2, p. 115-128. Paper presented at

Engineering Research Institute, University of Iceland, Iceland.

ERICKSON, Judith A. Corporate culture: The key to safety performance. Occupational

Hazards, Cleveland, v. 62, issue 4, p.45-50, april 2000.

GHERARDI, Silvia.; NICOLINI, Davide.; ODELLA, Francesca. What do you mean by

safety? Conflicting perspectives on accident causation and safety management in a

construction firm. Journal of contingencies and crisis management. Vol.6, number 4,

december. Blackwell Publishers, 1998.

GREENWOOD, M; WOODS, H.M. A report on the incidence of industrial accidents upon

individual with special reference to multiple accidents. In W. Haddon, E. A. Suchman & D.

Klein. Accidents proneness. New York: Harper & Row, 1964

GUÉRIN, F., LAVILLE, A., DANIELLOU, F. DURAFFOURG, J., KERGUELEN, A.

Compreender o trabalho para transformá-lo: A prática da ergonomia. São Paulo: Edgard

Blucher,2001.

HALE, A.R. ; GLENDON, A.I. Individual behavior in the control of danger. Amesterdam:

Elsevier, 1987.

HEINRICH, Herbert W. Industrial accident prevention. 4ª ed. New York:McGraw-Hill,

1959.

Page 13: PSICOLOGIA DO TRABALHO - ifcursos.com.br · geral de sistemas. ... Psicologia do Trabalho Emerson Luiz Essas teorias nunca se preocuparam em incorporar a cultura organizacional como

13

Psicologia do Trabalho www.ifcursos.com.br Emerson Luiz

HOPKINS, Andrew. Lessons from Longford. The Esso gas plant explosion Australia: CCH

Australia Limited, 2000 ( reprinted February 2003).

HOPKINS, Andrew. Was Three Miles Island a ‘Normal Accident’? Journal of

Contingencies and Crisis Management. V. 9, n.2, june 2001.p.65-72

HOPKINS, Andrew. Counteracting the cultural causes of disaster. Journal of contingencies

and crisis management. Vol.7, number 3, september. Blackwell Publishers, 1999.

IVERSON, Roderick D., ERWIN, Peter J. Predicting occupational injury: the role of

affectivity. Journal of Occupational and Organizational Psychology. Vol 70, p. 113-128.

Great Britain: The British Psychological Society, 1997.

KATZ, Daniel. , KAHN, Robert L. Psicologia Social das Organizações. São Paulo: Editora

Atlas, 1970.

LLORY, Michel. Acidentes industriais: o custo do silêncio. Rio de Janeiro: MultiMais

Editorial, 1999.

PETERSEN, Dan. Human error reduction and safety management. Third Edition. New York:

ITP, 1996.

PERROW, Charles. Análise organizacional: um enfoque sociológico. São Paulo: Atlas, 1972.

PERROW, Charles. Normal Accidents: Living with high-risk techonologies. New York:

Basic Books Inc., Publishers. 1999.

REASON, James. Human error. Cambridge: Cambridge University Press; 1999.

REASON, James. Managing the risks of organizational accidents. Aldershot: Ashgate, 2000.

RIJPMA, Jos A. Complexity, tight-coupling and reliability: connecting normal accidents

theory and high reliability theory. Journal of Contingencies and Crisis Management. Vol. 5,

n.5, march 1997. p.15-23

SAGAN, Carl. O mundo assombrado pelos demônios: a ciência vista como uma vela no

escuro. São Paulo: Companhia das Letras, 1997.

SAGAN, Scott D. The limits of safety: Organizations, Accidents and Nuclear Weapons. New

Jersey: Princeton Press, 1995.

SIMON, Herbert A. Comportamento administrativo: estudo dos processos decisórios nas

organizações administrativas. Rio de Janeiro: Centro de Publicações Técnicas da Aliança

para o Progresso, 1965.

TURNER, Barry A. Man-Made Disasters. London: Wykeham, 1978.

WEICK, Karl E. Organizational culture as a source of high reliability. Califórnia

Management Review, v.29, n.2, winter 1987.p.112-127.

CULPA DA VÍTIMA: UM MODELO PARA PERPETUAR

A IMPUNIDADE NOS ACIDENTES DO TRABALHO

Rodolfo Andrade Gouveia Vilela

Aparecida Mari Iguti

Ildeberto Muniz Almeida

Universidade Metodista de Piracicaba.

Introdução: acidentes de trabalho e sua importância Os acidentes do trabalho constituem

fenômeno de múltiplas facetas. Sua ocorrência costuma trazer à tona no mínimo a face

existencial, a técnica e a jurídica. Ou seja, simultaneamente ao drama existencial que

produz para vítimas, familiares e pessoas próximas, os acidentes costumam ser seguidos

Page 14: PSICOLOGIA DO TRABALHO - ifcursos.com.br · geral de sistemas. ... Psicologia do Trabalho Emerson Luiz Essas teorias nunca se preocuparam em incorporar a cultura organizacional como

14

Psicologia do Trabalho www.ifcursos.com.br Emerson Luiz

de iniciativas técnicas visando a compreensão de suas causas e podem ensejar ações

também na esfera judicial.

Segundo estimativas e dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT), no

plano mundial, os acidentes do trabalho causaram em 1994 um total de 335 mil mortes em

acidentes típicos, que se somam a um total de 158 mil mortes por acidentes de trabalho

durante o trajeto e 325 mil mortes por doenças relacionadas ao trabalho, que totalizam 818

mil mortes no ano de 1994. Além desses dados estima-se que ocorrem anualmente 250

milhões de acidentes e 160 milhões de doenças ocupacionais.

Segundo os últimos dados do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), no ano

de 2000 ocorreram no país 343.996 acidentes e 3.094 mortes por acidente de trabalho

para uma população segurada pela Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) de

20.374.176, o que representa uma proporção de incidência de acidente de trabalho de 1,68

por 100. A taxa de letalidade no ano foi de 9,0 mortes por mil acidentes e a taxa de

mortalidade ficou 15,2 mortes por 100 mil trabalhadores registrados pela CLT. Os

coeficientes de 2000 mostram que o Brasil está com taxa de mortalidade por acidentes de

trabalho acima da média dos países da América Latina, que ficou em 13,5/100 mil, só

perdendo para a os países da Ásia – 23.1/100 mil e da África que é de 21/100 mil, segundo

o último levantamento da OIT, que tomou como base os dados do ano de 1994.

No Brasil, parte dos acidentes do trabalho que resultam em morte e lesões aos

trabalhadores são objeto de investigação pelos órgãos da Secretaria de Segurança Pública

(Polícia Civil). No entanto, a despeito de sua importância no que tange a iniciativas de

responsabilização civil e penal, essas investigações têm sido pouco exploradas enquanto

fonte de informações sobre os acidentes do trabalho graves e fatais.

As investigações do Instituto de Criminalística (IC) são efetuadas a partir de

solicitação das Delegacias de Polícia que instauram inquérito policial quando ocorrem os

acidentes graves e fatais do trabalho, visando a apurar responsabilidade criminal. Segundo

o Manual da Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo, além da abertura do

Inquérito Policial, o delegado que coordena as investigações deve registrar o Boletim de

Ocorrência, com o histórico dos fatos; comparecer ao local; ouvir o trabalhador acidentado

e testemunhas; inquirir e verificar junto ao empregador o cumprimento de normas de

saúde e segurança no trabalho. Cabe ao delegado solicitar investigação do IC para

apuração das causas do ocorrido e quando for o caso, o laudo do Instituto Médico Legal.

O IC, por intermédio de seu representante técnico, comparece ao local da

ocorrência para investigação das causas do acidente do trabalho, emitindo laudo técnico,

que irá subsidiar o delegado na apuração dos fatos e encaminhamento do inquérito. Após a

fase de inquérito na Delegacia de Polícia, o caso é encaminhado para a Justiça, que, de

posse das informações disponíveis dá prosseguimento aos processos.

O interesse no acompanhamento e investigação dos acidentes graves e fatais foi-

nos despertado a partir das experiências desenvolvidas no Programa de Saúde do

Trabalhador de Piracicaba, a contar de 1998. Quatro acidentes fatais, dois do setor de

papel e papelão e dois da construção civil, foram investigados pelo Programa de Saúde do

Trabalhador de Piracicaba, ensejando os primeiros contatos com os laudos do IC

despertando atenção para a importância da Secretaria de Segurança Pública, tanto como

Page 15: PSICOLOGIA DO TRABALHO - ifcursos.com.br · geral de sistemas. ... Psicologia do Trabalho Emerson Luiz Essas teorias nunca se preocuparam em incorporar a cultura organizacional como

15

Psicologia do Trabalho www.ifcursos.com.br Emerson Luiz

fonte de informações como na apuração de responsabilidades dos empregadores e seus

representantes na geração de acidentes do trabalho.

Alguns casos foram objeto de inspeção de campo quando tivemos a oportunidade de

confrontar os laudos com informações obtidas no local de ocorrência dos acidentes. Além

de entrevistas com os acidentados, com a equipe e familiares foi possível acessar outros

documentos como Atas de CIPAS, processos administrativos dos órgãos oficiais, como do

Programa de Saúde do Trabalhador de Piracicaba e do Ministério do Trabalho e Emprego,

além de registrar as condições de trabalho por meio de fotografias. Usando-se a aplicação

do Método de Árvore de Causas (ADC) foi possível confrontar os laudos oficiais com outra

abordagem, demonstrando de modo mais detalhado as distorções e simplificações

resultantes da concepção monocausal conforme consta de pesquisa de Vilela.

Concepções de acidentes

A análise de acidentes é sempre influenciada pela visão ou compreensão do analista

acerca desses eventos. No entanto, nem sempre os valores ou pontos de vista implícitos

numa determinada concepção são claramente assumidos ou compreendidos por esse

mesmo analista.

A própria ideia da existência de uma determinada concepção de acidente associada

a cada proposta de análise pode causar estranheza tal é a frequência com que essas

propostas são enunciadas como técnicas assépticas ou neutras.

O que é o acidente? Como ele é descrito em cada uma das diferentes concepções ou

“escolas de pensamento” existentes? Nos próximos parágrafos busca-se apresentar

esboço de resposta a essas questões. Inicialmente, pode-se afirmar que predomina, no

Brasil e no mundo, a compreensão de que o acidente é um evento simples, com origens em

uma ou poucas causas, encadeadas de modo linear e determinístico. Sua abordagem

privilegia a ideia de que os acidentes decorrem de falhas dos operadores (ações ou

omissões), de intervenções em que ocorre desrespeito à norma ou prescrição de

segurança, enfim, “atos inseguros” originados em aspectos psicológicos dos trabalhadores.

Os comportamentos são considerados como frutos de escolhas livres e conscientes por

parte dos operadores, ensejando responsabilidade do indivíduo. A dimensão coletiva

aparece associada com noção de cultura de segurança, compreendida como soma dos

comportamentos dos indivíduos.

Essa abordagem associa-se a propostas de gestão da segurança e da saúde que

enfatizam a vigilância e o recenseamento desses “atos inseguros ou abaixo do padrão”, a

adoção de punições ou recompensas em caso de descumprimento ou de adesão às regras e

a ideia da responsabilidade individual. A cultura de segurança seria construída com a

adoção de estruturas hierárquicas e disciplina rígida. Em alguns casos a referência ao

modelo de organizações militares e instituições totais é explícita.

Com pequenas diferenças, às vezes, apenas de ênfase segundo o autor, essa forma

de conceber o acidente recebe denominações como: centrada na pessoa, paradigma

tradicional, paradigma burocrático da Saúde e Segurança centrada no erro. Segundo Llory,

essa é a única forma de conceber o acidente que alcançou o status de paradigma, no

sentido dado por Kuhn ao termo.

Infelizmente, quando se trata de apresentar outras concepções de acidentes

predominam diferenças entre os autores. A seguir, de modo resumido, apresenta-se

Page 16: PSICOLOGIA DO TRABALHO - ifcursos.com.br · geral de sistemas. ... Psicologia do Trabalho Emerson Luiz Essas teorias nunca se preocuparam em incorporar a cultura organizacional como

16

Psicologia do Trabalho www.ifcursos.com.br Emerson Luiz

algumas das propostas de sistematização desse tema que estão presentes na literatura.

Reason classifica duas concepções de acidentes como sendo “da engenharia” e a

“organizacional”. A concepção da engenharia enfatiza a quantificação da probabilidade de

eventos ou aspectos associados, e as falhas de concepção ensejando o surgimento de

propostas de sistemas de gestão de segurança e da saúde no trabalho e de melhoria das

interfaces de troca de informações. Abordagens de confiabilidade que privilegiam cálculos

de probabilidade são apontadas como exemplos desse enfoque. Essa forma de conceber o

acidente mostra-se pouco difundida no Brasil, sendo praticamente inexistentes

experiências e publicações que a tenham adotado, sobretudo como instrumento para

abordagens de acidentes. Na concepção organizacional, Reason considera que o erro é

muito mais consequência do que causa e que suas origens estariam em condições latentes,

incubadas na história do sistema.

O modelo de acidente organizacional proposto por Reason enfatiza o fato de o

acidente apresentar origens latentes, associadas às escolhas estratégicas adotadas desde

sua concepção e às políticas de gestão assumidas. O autor critica as análises de acidentes

que restringem-se à identificação de falhas humanas que ocorrem nas proximidades da

lesão e do acidente propriamente dito por que eles têm pouca importância para a

prevenção. Segundo ele, a gestão da segurança e da saúde passa a recomendar medidas

pró-ativas e a busca de reformas contínuas do sistema, como por exemplo, as estratégias

de qualidade.

Apesar da referência à visão de Perrow nessa proposta, a teoria do acidente normal

ou sistêmico dá origem a uma concepção de acidente que tem vida própria e é adotada,

sobretudo em estudos de desastres ocorridos em sistemas técnicos complexos, com

consequências que estendem-se muito além dos muros da organização em si. Na visão de

Perrow, nesse tipo de sistema, sempre haverá interações de natureza inesperada,

complexas, incompreensíveis em tempo real para os operadores e capazes de

desencadear, de modo irreversível, o processo acidental. O acidente é normal não por ser

frequente, mas sim por ter origem em propriedades inerentes ao sistema.

Além da referência ao modelo de gestão do erro, acima citado, Hollnagel cita dois

outros: o da “gestão do desvio de desempenho” e o da “gestão da variabilidade de

desempenhos”.

A gestão do desvio do desempenho destaca a ideia de desvio, que teria origens em

causas manifestas e latentes a serem geridas, tanto pela busca de sinais ou avisos de sua

existência, quanto pela sua supressão. O termo desvio é usado para indicar mudança tanto

em relação ao que é esperado e, portanto, previamente conhecido como, por exemplo, uma

norma ou padrão, como em relação ao habitual, entendido de modo equivalente ao trabalho

real ou atividade desenvolvida pelos operadores. O acidente é compreendido

principalmente como sinal de disfunção no sistema sociotécnico. É enfatizada a

necessidade de estender a análise além dos limites dos aspectos causais situados nas

proximidades do acidente propriamente dito e de suas consequências. Ao citar

explicitamente as causas latentes, o autor sugere que a visão apresentada por Reason

também situa-se no marco dessa concepção.

A técnica de análise de acidentes dita “árvore de causas” adota como um de seus

principais pilares de sustentação o conceito de variação, apresentado de modo muito

Page 17: PSICOLOGIA DO TRABALHO - ifcursos.com.br · geral de sistemas. ... Psicologia do Trabalho Emerson Luiz Essas teorias nunca se preocuparam em incorporar a cultura organizacional como

17

Psicologia do Trabalho www.ifcursos.com.br Emerson Luiz

próximo dessa visão, apesar da ênfase que dá ao fato de que a definição de variações deve

basear-se na noção de trabalho real, e não em normas, regras ou prescrições. Aliás, é

essa característica que permite sua utilização e interpretação de modo diferente deste, ou

seja, como ponto de partida para demanda de análises complementares que sirvam de

lastro, por exemplo, para a compreensão de comportamentos humanos aparentemente

irracionais ou inusitados quando olhados sem a “perspectiva do nativo”, ou seja, a

compreensão daqueles que vivem o cotidiano do sistema.

A terceira concepção proposta por Hollnagel dita da gestão da variabilidade de

desempenhos, destaca contribuições de abordagens cognitivas rompendo com a leitura que

vê o erro sempre como evento negativo. A variabilidade do trabalho tanto pode ser

negativa como positiva. No caso de sistemas sócio-técnicos abertos que alcançaram bons

desempenhos em termos de segurança e confiabilidade, essa variabilidade mostra-se

associada, sobretudo, aos componentes humanos, sendo fortemente influenciada pela

compreensão dinâmica da atividade em todos os seus momentos. Em outras palavras,

trabalhar implica a adoção de estratégias cognitivas de gestão da atividade: do

planejamento à execução. As representações mentais do que vai ser e do que está sendo

feito são influenciadas por aspectos do tempo (hora do dia, “idade” dos componentes etc.),

da história do indivíduo, dos grupos e da empresa a que se vincula, como das

características técnicas e organizacionais do sistema e do contexto sócio-político-

econômico em que esse está inserido. Assim é que a compreensão de um ruído, por

exemplo, pode ser diferente para um novato e um trabalhador experiente; ou para um

membro de equipe de empresa contratada e trabalhador da contratante que atua há anos

naquele setor.

O erro é um dos sinais que orienta a compreensão da equipe acerca do que está

ocorrendo, do controle ou não da atividade, em cada momento. De acordo com esse

enfoque, sua ocorrência revela que a representação mental da atividade tanto dos

objetivos (o que fazer), seja do como fazer, não está em consonância com a realidade.

Distanciou-se dela. No entanto, os procedimentos usados para elaborar e atualizar esse

modelo mental, enfim, o próprio modelo adotado, foram exatamente os mesmos usados nas

situações sem acidente. De acordo com Hollnagel, as origens dessa variabilidade podem

ser identificadas e monitoradas.

Essa forma de pensar o trabalho leva a compreender o acidente como indicador da

ruptura da compreensão da atividade, do compromisso cognitivo usado pelos operadores

na gestão da atividade. No entanto, embora o acidente nos mostre o momento em que

ocorre a ruptura, ele não nos permite compreender em que consiste esse compromisso.

Para desvendá-lo, torna-se necessária a realização de análises complementares, entre

elas, a da própria atividade.

Discutindo as abordagens do fator humano na Saúde e Segurança, Neboit descreve

quatro enfoques, a saber: da unicausalidade, da multicausalidade, a sistêmica e da

confiabilidade humana. Segundo Neboit, o surgimento da multicausalidade representou

rompimento com a visão reducionista acerca de acidentes, e serviu de base para o

surgimento das compreensões sistêmicas e da confiabilidade humana que alargaram o

perímetro da compreensão desses fenômenos. Segundo ele, a visão sistêmica estaria

Page 18: PSICOLOGIA DO TRABALHO - ifcursos.com.br · geral de sistemas. ... Psicologia do Trabalho Emerson Luiz Essas teorias nunca se preocuparam em incorporar a cultura organizacional como

18

Psicologia do Trabalho www.ifcursos.com.br Emerson Luiz

representada, sobretudo, por contribuições que romperam com a noção de Ergonomia de

Posto de Trabalho introduzindo ideias como as de Confiabilidade e Ergonomia de Sistema.

Por sua vez, o enfoque da confiabilidade humana centra-se no estudo da evolução

tecnológica e organizacional, explorando aspectos como os da mediação simbólica e da

complexidade, e também do modo como as ciências humanas abordam o acidente.

Esses dois últimos enfoques apresentam leitura que parece associar aspectos das

visões de Reason e Hollnagel, acima expostas, sem perder de vista a forma como o

fenômeno acidente é abordado na Ergonomia (sobretudo na França) e por escolas das

ciências humanas.

Uma perspectiva que também associa aspectos de diferentes escolas é apresentada

por Llory Seu modelo psico-organizacional de acidentes não perde de vista a importância

da compreensão de aspectos técnicos presentes em acidentes, mas ressalta sua

insuficiência para a compreensão desses eventos. O acidente é apontado como

potencialmente revelador de aspectos da história da organização, sobretudo daqueles

relacionados às suas origens, que estavam incubados ou adormecidos. A dimensão

subjetiva é reconhecida tanto em nível individual, quanto no das relações horizontais e

verticais estabelecidas historicamente nas situações de trabalho. Ou seja, ressalta-se a

necessidade de explorar tanto aspectos conjunturais, ditos sincrônicos, como aqueles

construídos ao longo da história de vida das pessoas e da organização, ditos diacrônicos.

No Brasil, o modelo explicativo monocausal centrado na culpa da vítima vem se mantendo

intocável no meio técnico – industrial, em meios acadêmicos mais conservadores e em

organismos oficiais como mostraremos neste estudo, mesmo após inúmeras críticas

publicadas nas décadas de 80 e 90.

Esta manutenção silenciosa não seria uma demonstração de que este modelo é

conveniente e interessante para esconder as verdadeiras causas dos acidentes do

trabalho? Recente campanha da Confederação Nacional da Indústria (CNI) repete em

folhetos e cartazes o conteúdo das mensagens dos cartazes das décadas de 70 e 80. Um

deles mostra uma mão embaixo de um martelo de uma prensa mecânica sem proteção na

zona de risco (portanto uma máquina desprotegida, com zona de prensagem aberta,

caracterizando situação de risco grave e iminente – que deveria ser proibida de operar)

com dizeres: “Atenção ao trabalhar com prensas!”.

Figura 1

Detalhe: cartaz mostra a mão do

trabalhador sendo prensada ao ingressar

na zona de operação do equipamento. A

máquina desprotegida permite o acesso

da mão na zona de risco, em desacordo

com as normas atuais de proteção (Norma

Regulamentadora nº 12 do Ministério do

Trabalho e Emprego, e Norma Brasileira

da ABNT). O cartaz induz a uma

culpabilização transferindo a

responsabilidade para o operador. A

máquina sem proteção pode ser operada

Page 19: PSICOLOGIA DO TRABALHO - ifcursos.com.br · geral de sistemas. ... Psicologia do Trabalho Emerson Luiz Essas teorias nunca se preocuparam em incorporar a cultura organizacional como

19

Psicologia do Trabalho www.ifcursos.com.br Emerson Luiz

desde que o operador preste atenção, tome cuidado.

Nesse estudo explora-se o conteúdo de análises de acidentes do trabalho graves,

conduzidas por organismo técnico policial. A questão central do estudo refere-se à

identificação de concepções de acidentes adotadas e de implicações associadas às

conclusões dessas investigações. Antes disso, apresenta-se breve relato de estudos que

exploraram o mesmo tema com base em análises conduzidas no âmbito de empresas,

publicações, material de divulgação dito de prevenção de acidentes e discurso de vítimas

de acidentes atendidas em instituição pública.

Fonte de informações e método

Em contato formal com o IC de Piracicaba, obtivemos acesso a 104 laudos

produzidos para investigação de causas de acidentes ocorridos entre (data) e (data) na

cidade de Piracicaba e em alguns municípios vizinhos. O material foi fornecido na forma de

gravação eletrônica (CD), cujos textos não vieram acompanhados de informações

complementares como fotografias, cópias dos Boletins de Ocorrência e outros documentos

como cópia das CATs etc. Dos laudos fornecidos foram selecionados 71 casos de

acidentes graves e fatais do trabalho para estudo, pois os demais não eram relacionados

ao trabalho ou estavam incompletos, impossibilitando o estudo.

Os casos selecionados foram distribuídos segundo a localidade onde ocorreu a lesão

e causas, conforme conclusões emitidas nos laudos. Eles foram classificados quanto à

categoria da atividade econômica do empreendimento em que ocorreu o acidente, causa

externa da lesão segundo a Classificação Internacional de Doenças – 10a versão (CID-10)

e segundo tipologia proposta por Monteau, sendo distribuídos em grupos 1 e 2. Nesta

divisão, os acidentes pertencentes ao Grupo 1 ocorrem em situações de risco evidente,

cujos fatores de risco estão presentes de modo habitual no processo de trabalho e que

podem ser facilmente identificados por meio de simples inspeção. Já os acidentes do Grupo

2 necessitam de conjunção de fatores que não ocorrem de modo habitual e de técnicas

mais apuradas para investigação de causas, como entrevistas aos operadores, observação

das atividades de trabalho etc.

O modelo de laudo, as descrições dos acidentes e as conclusões relativas a causas

do evento foram comparados com as concepções de acidentes apresentadas, de modo a

possibilitar identificação da concepção presente no modelo de investigação adotado na

Instituição. Alguns casos selecionados são apresentados e discutidos.

Resultados

A maioria dos laudos referia-se a acidentes ocorridos na cidade de Piracicaba, que

responde por 41,0% dos eventos, seguida das cidades de Araras (17,0%), Limeira (12,7%),

Americana (5,6%) e Rio das Pedras (4,2%). As demais 11 cidades da região totalizaram 14

casos do conjunto. Tal situação pode ser explicada pelo maior contingente de

trabalhadores e maior densidade econômica das cidades pólo comparadas com as vizinhas.

A distribuição dos casos de acordo com a atividade econômica do empreendimento

em que ocorreu o acidente, mostra que os ramos de atividade que apresentam maior

frequência de casos são os da indústria de produtos alimentícios e de bebidas, com 16,9%

dos casos, seguido do setor da construção civil, com 1 5, 5 %.

Page 20: PSICOLOGIA DO TRABALHO - ifcursos.com.br · geral de sistemas. ... Psicologia do Trabalho Emerson Luiz Essas teorias nunca se preocuparam em incorporar a cultura organizacional como

20

Psicologia do Trabalho www.ifcursos.com.br Emerson Luiz

Em seguida, surge o setor de fabricação de papel e celulose, que responde por 11,2% do

universo estudado. Destaca-se ainda o fato de que o setor da indústria de transformação

responde por 41 casos, o que equivale a 58,0% das ocorrências, enquanto que outros

grupos de atividade econômica, como o setor primário (agrícola e extrativo), respondem

por 11,2% e o setor de comércio e serviços por 15,5% dos casos.

As causas externas das lesões foram agrupadas segundo a CID-10. Podemos

observar que as máquinas, exceto as agrícolas, respondem por 38,0% das ocorrências em

estudo. A queda de altura responde por 15,5% das ocorrências e os acidentes causados

por corrente elétrica respondem por 11,3% dos casos. Em seguida, surgem os acidentes

causados por equipamento agrícola incluindo tratores com 8,5% dos casos.

A Tabela 1 mostra a distribuição das conclusões das análises em termos de “causa

apura da”. Dos 71 casos investigados, quarenta, ou seja, 56,3%, foram atribuídos a atos

inseguros cometidos pelos trabalhadores. Por sua vez, 17 casos (24,0%) foram atribuídos a

atos inseguros cometidos pelos trabalhadores e seus mentores. A falta de segurança ou

condição insegura de trabalho responde por 11 casos, representando 15,5%. Observa-se

que a menção aos atos inseguros seja do trabalhador acidentado e/ou dos mentores,

responde por um total de 80,3% do universo.

A presença de campo denominado “causa apurada” no modelo de laudo adotado nas

investigações não parece ser fruto de acaso. A mesma expressão, no singular, foi adotada

durante anos em modelo de análise de acidente recomendado em norma regulamentadora

do Ministério do Trabalho e Emprego e em norma brasileira referente a investigação de

acidentes do trabalho. Sua presença em laudos do IC sugere que o modelo adotado tenha

encontrado inspiração nessas fontes. As conclusões redigidas com uso das noções de atos

e condições inseguras, ou seja, as mesmas adotadas durante anos no campo da Saúde e

Segurança do Trabalho, reforçam essa ideia.

Por si só, esses elementos já permitem afirmar que a concepção de acidente

subjacente a essas análises é a mesma anteriormente descrita como “centrada na pessoa”,

gestão do erro, paradigma tradicional ou burocrático da saúde e segurança no trabalho. O

uso do singular na denominação do campo “causa apurada” revela a natureza simplista com

que se vê o acidente. Descrições sucintas, restringindo-se quase que exclusivamente à

desestabilização do sistema e às origens da lesão confirmam essa afirmação.

Discutindo implicações de análises que atribuem o acidente a comportamentos dos

operadores, Lima & Assunção (p. 95), afirmam: “não é a conclusão quanto aos atos

inseguros que leva à prevenção baseada em mudanças de atitude e de comportamento,

mas sim a concepção racionalista de que o comportamento humano é determinado

exclusivamente pela consciência e que, portanto, o acidente decorre da falta de

consciência do risco”.

Outro autor que também destaca a inadequação da concepção de ser humano

presente nas práticas tradicionais de segurança é Llory (p.150). Referindo-se a seus

colegas engenheiros, ele afirma: “os engenheiros esquecem o medo, a incerteza, o

sofrimento, a incapacidade de manter a atenção a todos os instantes, os perigos da

agressividade, às vezes, da violência, eles desconhecem as frustrações, o mal-estar, a

desmobilização subjetiva”. “Eles concebem o homem com um ser sem corpo ou sem moral

Page 21: PSICOLOGIA DO TRABALHO - ifcursos.com.br · geral de sistemas. ... Psicologia do Trabalho Emerson Luiz Essas teorias nunca se preocuparam em incorporar a cultura organizacional como

21

Psicologia do Trabalho www.ifcursos.com.br Emerson Luiz

respondendo essencialmente aos imperativos das sanções e ou aos atrativos de uma

recompensa...”.

Classificação Quantidade % % acumulada

Ato inseguro 40 56,3 56,6

Ato inseguro do trabalhador e/ou dos

mentores

17 24,0

80,3

Falta de segurança 11 15,5 95,8

Outros não conclusos 3 4,2 100,0

Total 71 100,0 -

Tabela 1

Essa incapacidade de compreender e incorporar a concepção de homem,

contemporânea da evolução dos conhecimentos, aparece como um dos maiores problemas

de análises de acidentes baseadas na concepção tradicional de Saúde e Segurança. Uma

das consequências mais perversas associadas a essas análises é a adoção de leituras

acerca dos comportamentos humanos presentes nos acidentes que sistematicamente

desconsideram o contexto ou situação em que ocorrem. Entre os aspectos não abordados

nessas análises pode-se citar: (a) atividade que estava sendo desenvolvida, aí incluída as

noções de prescrições, objetivos, recursos disponibilizados, os aspectos temporais, sua

variabilidade normal e incidental etc.; (b) influências do contexto externo ao sistema, como

urgência de pedidos de fornecedores, exigências de legislação etc.; (c) variações do

estado psíquico dos trabalhadores, inclusive aquelas referentes a aspectos da gestão da

atividade, como a ansiedade decorrente de dificuldades na resolução de problemas etc.

Estudando a tipologia dos acidentes quanto à sua complexidade e possibilidade de

identificação das causas durante investigação, conforme proposto por Binder & Almeida,

utilizamos a descrição encontrada nos laudos e observamos que dos 71 casos 37 podem

ser enquadrados como pertencentes a acidentes do Grupo 1, representando 52,0% do

total, enquanto que 18 casos podem ser enquadra dos como do Grupo 2, representando

25,5%, e 16 casos não permitem uma classificação precisa por falta de informações

complementares.

Esses achados reforçam a necessidade de ações de vigilância e de promoção à

saúde dos trabalhadores nos segmentos produtivos, com atenção aos fatores causais de

maior relevância como máquinas e equipamentos, queda de altura e acidentes com

eletricidade.

A presença de tais fatores causais revela que no contexto local e regional os

problemas clássicos de segurança do trabalho não estão equacionados, persistindo

processos e condições de elevado risco, com a maioria dos casos (52,0%) classificados

como do Grupo 1 de Monteau, ou seja, acidentes com relativa facilidade para identificação

de suas causas, por meio de inspeções simples, em situações onde é flagrante e visível o

desrespeito às regras mínimas de segurança.

Page 22: PSICOLOGIA DO TRABALHO - ifcursos.com.br · geral de sistemas. ... Psicologia do Trabalho Emerson Luiz Essas teorias nunca se preocuparam em incorporar a cultura organizacional como

22

Psicologia do Trabalho www.ifcursos.com.br Emerson Luiz

Discussão: atribuindo culpa e abrindo caminho para a impunidade

Os casos apresentados a seguir podem ser considerados como emblemáticos de

investigações que adotam a concepção tradicional de saúde e segurança.

Acidente: trabalhador é ferido na região do pescoço com a ponta da lâmina de uma

roçadeira de mato tipo costal motorizada. A lâmina rompeu-se ao atingir uma pedra

conforme atesta o exame pericial.

“Conclusão: do observado e do relatado, a causa do acidente deu-se em função de uma

somatória de atos inconsequentes, a saber:

• utilização inadequada do equipamento, uma vez que o local não é propício, dada a

existência de pedras de cobertura;

• operar o equipamento sem a proteção devida da ferramenta de corte;

• não utilizar o cinto de apoio recomendado;

• utilizar a ferramenta não recomendada pelo fabricante (faca dupla metálica).

Do exposto conclui-se que o acidente ocorreu em função de atos inseguros caracterizados

por negligência e imprudência, potencializados pela inobservância por parte dos mentores

e fiscalizadores no cumprimento das normas regulamentadoras e no obedecimento das

instruções de operação e manuseio ditadas pelo fabricante. Era o que havia a relatar”

(Fonte: Superintendência da Polícia Técnica e Científica).

Esta é a reprodução de conclusão de um dos laudos que foram objeto desta

pesquisa, numa situação característica em que se imputa culpa ao acidentado por decisões

que não estão ao seu alcance. Como é feito habitualmente esse tipo de trabalho na

empresa? Que aspectos organizacionais e individuais modelam ou determinam a forma de

fazê-lo? Quem “escolhe” o local em que ele será executado? Por acaso existe terreno

isento de pedras? Quem decide o tipo de ferramenta a ser usada na execução da tarefa? E

por acaso existe lâmina de aço disponível no mercado que seja inquebrável, resistente a

impactos desta natureza? O ambiente de produção, especialmente no Brasil, é um terreno

definido, de antemão imposto por relações hierárquicas rígidas e relações de trabalho

essencialmente autoritárias.

Chama a atenção o fato de que em grande número de casos, mesmo reconhecendo a

existência de várias situações de risco evidentes no local de trabalho, a conclusão é

enfática em atribuir culpa às vítimas: “certificou-se que a referida obra não obedecia os

critérios mínimos exigidos pelas Normas Regulamentadoras de Segurança e Medicina do

Trabalho... especificamente no tocante a trabalhos em alturas, sendo observado: –

ausência de tapumes frontais para isolamento de transeuntes... – área de trabalho

conturbada e impedida – emprego de poucas e estreitas pranchas de tábuas nos andaimes

– presença de entrelaçamento de tábuas nos andaimes sem critério técnico de sustentação

– apoios instáveis de andaimes, tanto na vertical e horizontal – piso acidentado”. O laudo

conclui que o acidente “deu-se em função dum ato inseguro por parte da vítima,

caracterizado por negligência e imprudência, potencializado pela inexistência de critérios

técnicos de segurança presentes na obra, e acima descrito” (Fonte: Superintendência da

Polícia Técnica e Científica).

Em outro caso, dois trabalhadores desmaiam ao acessar área contendo gases de

uma galeria de esgotos, sem que fossem tomadas as medidas mínimas de segurança como

ventilação forçada ou fornecimento de proteção individual, com suprimento de ar externo,

Page 23: PSICOLOGIA DO TRABALHO - ifcursos.com.br · geral de sistemas. ... Psicologia do Trabalho Emerson Luiz Essas teorias nunca se preocuparam em incorporar a cultura organizacional como

23

Psicologia do Trabalho www.ifcursos.com.br Emerson Luiz

falta de monitoramento do ambiente etc., a conclusão é taxativa alegando que o acidente é

causado por:

“ato inseguro caracterizado por imprudência e negligência por parte da vítima e seus

mentores, pela inexistência de política preventiva a acidentes do trabalho, sinalização de

alertas e cuidados, normas, procedimentos e treinamentos alusivos a este tipo de

atividade” (Fonte: Superintendência da Polícia Técnica e Científica).

Considerações finais – os laudos e suas conclusões

Os laudos fornecidos para análise na forma de CD representaram limites para

estudo mais aprofundado, uma vez que não permitiam acesso a outras informações que

pudessem elucidar questões como o resultado das lesões, acidentes levaram a óbito,

existência ou não de vínculo formal de emprego dos trabalhadores acidentados etc. Mesmo

com estas limitações, o estudo revela que as máquinas estão envolvidas na gênese da

maioria dos acidentes graves e fatais na região, seguidos dos acidentes causados por

queda de altura e choques elétricos, o que confirma estudos recentes sobre causa de

acidentes graves e fatais.

Apesar das limitações das informações apresentadas para estudo, o acesso aos

dados obtidos pela Secretaria de Segurança Pública, constitui uma importante fonte de

informações, que podem ser úteis para investigação e vigilância em saúde do trabalhador,

especialmente para os acidentes graves e fatais.

Em todos os casos a conclusão apresentada mostra-se circunscrita a

acontecimentos situados nas proximidades da lesão e do acidente propriamente dito. Pior

ainda, atribuindo a esses fatos papel determinante na avaliação do processo causal.

Em todos eles verifica-se a repetição de referências a comportamentos “inadequados”,

“não recomendados”, omissões ou similares definidos com base em padrão fruto de

idealização do analista acerca de qual “deveria ser” o comportamento seguro naquela

situação. A adesão da vítima a esse padrão é tomada como obrigatória e inalterável em

todas as situações e contextos, como se a mera suposição de sua existência representasse

condição necessária e suficiente para a adesão dos trabalhadores. Ou seja,

independentemente de mudanças no desenvolvimento da atividade e no estado fisiológico

e psicológico dos indivíduos que a realizam.

Esses achados mostram que as análises adotam a perspectiva tradicional apontada

em diversos momentos nesse artigo, que entende os acidentes como fenômenos simples e

unicausais, resultando em conclusões que descarregam nos trabalhadores as

responsabilidades pelos acidentes do trabalho. Estas conclusões serão utilizadas em

eventuais processos de responsabilidade civil e penal com favorecimento dos interesses

dos empregadores.

Merece destaque o uso da ideia de ato inseguro para configuração sistemática da

culpa da vítima nos casos de acidentes do trabalho. Construiu-se então um modelo

conveniente e útil para a descaracterização da culpa do empregador ou de seus prepostos,

mantendo-se deste modo um clima de impunidade em relação aos acidentes do trabalho.

Cabe destaque o fato de que nossa teoria jurídica no acidente de trabalho assenta-se na

responsabilidade subjetiva, baseada na necessidade de demonstração de culpa do

empregador para dar fundamento aos processos civil e criminal. Segundo os Códigos Civil

e Penal Brasileiros, não cabe reparação civil ou processo penal quando o acidente tiver

Page 24: PSICOLOGIA DO TRABALHO - ifcursos.com.br · geral de sistemas. ... Psicologia do Trabalho Emerson Luiz Essas teorias nunca se preocuparam em incorporar a cultura organizacional como

24

Psicologia do Trabalho www.ifcursos.com.br Emerson Luiz

ocorrido “por culpa exclusiva da vítima” ou nas hipóteses de caso fortuito ou de força

maior.

Do ponto de vista da prevenção, as conclusões emitidas reforçam a ideia e a cultura

em vigor de que as medidas cabíveis para se evitar novas ocorrências devem ser

centradas na mudança do comportamento dos trabalhadores, para que estes prestem mais

atenção, tomem cuidado etc., permanecendo intocadas as condições, processos de

trabalho, atividades e meios produtivos que são assim naturalizados– assumidos como

perigosos.

Embora este estudo não tenha explorado as razões da escolha desse modelo de

análise por parte do IC de Piracicaba, seus achados apontam para a necessidade de se

investir na capacitação e reciclagem dos profissionais desse instituto no tocante às

concepções e métodos de investigação de acidentes do trabalho, bem como na

aproximação e tentativa de articulação de ações conjuntas com as Secretarias de

Segurança Pública e os órgãos responsáveis pela vigilância em Saúde do Trabalhador.

A pequena revisão apresentada na introdução deste texto sobre concepções de acidentes,

pode ser tomada como sugestão de conteúdos que precisariam ser abordados em proposta

de formação de técnicos responsáveis pela condução desse tipo de investigações.

Outras pesquisas necessitam ser efetuadas para entender a contribuição das

investigações de causas e suas repercussões na apuração de responsabilidades junto aos

inquéritos promovidos pela Secretaria de Segurança Pública, bem como as repercussões

destes inquéritos nas políticas de saúde e segurança adotadas pelas empresas.

R e s u m o

Neste artigo analisam-se os laudos e dados obtidos das investigações de acidentes graves

e fatais do trabalho efetuadas pelo Instituto de Criminalística (IC), Regional de Piracicaba.

Foram analisados 71 laudos de acidentes ocorridos em 1998, 1999 e 2000. Os acidentes

envolvendo máquinas representam 38,0%, seguido pelas quedas de altura (15,5%) e em

terceiro lugar os causados por corrente elétrica (11,3%). Os laudos concluem que 80,0%

dos acidentes são causados por “atos inseguros” cometidos pelos trabalhadores, enquanto

que a falta de segurança ou “condição insegura” responde por 15,5% dos casos. A

responsabilização das vítimas ocorre mesmo em situações de elevado risco em que não

são adotadas as mínimas condições de segurança, com repercussão favorável ao interesse

dos empregadores. Observa-se que estas conclusões refletem os modelos explicativos

tradicionais, reducionistas, em que os acidentes são fenômenos simples, de causa única,

centrada via de regra nos erros e falhas das próprias vítimas. A despeito das críticas que

tem recebido nas duas últimas décadas no meio técnico e acadêmico, esta concepção

mantém-se hegemônica prejudicando o desenvolvimento de políticas preventivas e a

melhoria das condições de trabalho.

Acidentes de Trabalho; Segurança do Trabalho; Condições de Trabalho.

Referências:

1 . Takala J. Global estimates of fatal occupational accidents. Special Supplement,

Sixteenth International Conference of Labour Statisticians, International Labour

Organization. http//www.oit.org (acessado em 15/Mai / 1998).

Page 25: PSICOLOGIA DO TRABALHO - ifcursos.com.br · geral de sistemas. ... Psicologia do Trabalho Emerson Luiz Essas teorias nunca se preocuparam em incorporar a cultura organizacional como

25

Psicologia do Trabalho www.ifcursos.com.br Emerson Luiz

2. Instituto Nacional de Seguridade Social. Dados estatísticos de acidentes do trabalho da

previdência social. http//www.mpas.gov.br (acessado em 15 / Ou t / 2002).

3. Secretaria de Segurança Pública de São Paulo. Polícia e acidentes do Trabalho. São

Paulo: Fundação Jorge Duprat Figueiredo de Segurança e Medicina do Trabalho/ Delegacia

Regional do Trabalho; 1998.

4. Vilela RAG. Desafios da vigilância e da prevenção de acidentes do trabalho: a

experiência do programa de saúde do trabalhador de Piracicaba; construindo prevenção e

desvelando a impunidade [Tese de Doutorado]. Campinas: Faculdade de Ciências Médicas,

Universidade Estadual de Campinas; 2002.

5. Reason J. Reconciling the different approaches to safety management In: Reason J,

editor. Managing the risks of organizational accidents. Aldershot: Ashgate Publishing;

1997. p. 223-41.

6. Llory M. Acidentes industriais: o custo do silêncio. Rio de Janeiro: Editora Multi Mais;

1999.

7. Llory M. Postface. In: Llory M, editor. L’ accident de la centrale nucléaire de Three Mile

Island’.Paris: L’ Harmattan; 1999. p. 337-42.

8. Dwyer T. A study on safety and health management at work a multidimensional view

from a developing country. In: Frick K, Jensen PL, Quinlan M, Wilthagen T, editors.

Systematic occupational health and safety management. Amsterdam: Pergamon/National

Institute for Wo rking Life; 2000.

9. Hollnagel E. Accident models and accident analysis. http://www.ida.liu.se/~eriho

(acessado em 15/Set/2003).

10. Perrow C. Normal accident. Living with high risk technologies. Princeton: Princeton

University Press; 1999.

11. Neboit M. Abordagem dos fatores humanos na prevenção de riscos do trabalho.

http://www.trabalho.gov.br (acessado em 15/Se t/2003).

12. Cohn A, Karsch US, Hirano S, Sato AK. Acidentes de trabalho: uma forma de violência.

São Paulo: C E D E C / Brasiliense; 1985.

13. Carmo JC, Almeida IM, Binder MCP, Settini MM. Acidente do trabalho. In: Mendes R,

organizador. Patologia do trabalho. Belo Horizonte: Editora Ateneu; 1995. p. 431-55.

14. Binder MC, Almeida IM, Aze vedo ND. A construção da culpa. Trabalho e Saúde 1994;

14:15-7.

15. Machado JMH, Minayo - Gomez C. Acidentes de trabalho: concepções e dados. In:

Minayo MC, organizador. Os muitos Brasis. São Paulo: Editora Hucitec; 1995. p. 117-42.

16. Confederação Nacional da Indústria / Serviço Social da Indústria/Serviço Nacional de

Aprendizagem Industrial. Prevenção é vida. Campanha da indústria para prevenção de

acidentes do trabalho. História em quadrinhos. São Paulo: Confederação Nacional da

Indústria/Serviço Social da Indústria/Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial; 2000.

17. Serviço Social da Indústria. Cartazes de segurança. Modelos de cartazes sobre

segurança no trabalho. São Paulo: Serviço Social da Indústria; 2000.

18. Confederação Nacional da Indústria. Prevenção é vida. Campanha da Indústria para

Prevenção de Acidentes do Trabalho – 1999. São Paulo: Confederação Nacional da

Indústria; 1999.

Page 26: PSICOLOGIA DO TRABALHO - ifcursos.com.br · geral de sistemas. ... Psicologia do Trabalho Emerson Luiz Essas teorias nunca se preocuparam em incorporar a cultura organizacional como

26

Psicologia do Trabalho www.ifcursos.com.br Emerson Luiz

19. Organização Mundial da Saúde. Classificação Estatística Internacional de Doenças e

Problemas Relacionados à Saúde, 10ª Revisão. v. 1. São Paulo: Centro Colaborador da

OMS para a Classificação de Doenças em Português; 1995.

20. Monteau M. Accident analyses. In: Encyclopedia of occupational health and safety. 3rd

Ed. Geneva: International Labour Office; 1989. p. 13-6.

21. Lima FPA, Assunção AA. Para uma nova abordagem da segurança do trabalho. In: Lima

FPA, Assunção AA, organizadores. Análise dos acidentes: Cia. de Aços Especiais Itabira.

Belo Horizonte: Laboratório de Ergonomia, Universidade Federal de Minas Gerais; 2000. p.

83-115.

22. Binder MCP, Almeida IM. Investigação de acidentes do trabalho. Botucatu:

Universidade Estadual Paulista; 2000.

23. Superintendência da Polícia Técnica e Científica, Instituto de Criminalística. Laudos de

acidentes do trabalho investigados nos anos de 1997-2000 [CD-ROM]. Piracicaba:

Superintendência da Polícia Técnica e Científica, Instituto de Criminalística; 2000.

24. Gawryszewski M, Mantovanini JA, Liung LP. Acidentes do trabalho fatais. Estudo sobre

acidentes de trabalho fatais no Estado de São Paulo no ano de 1995. São Paulo: Ministério

do Trabalho e Emprego; 1998.

25. Oliveira SG. Proteção jurídica à saúde do trabalhador. 2ª Ed. São Paulo: Editora LTR;

1998.

REPRESENTAÇÕES SOCIAIS E IDEOLOGIA (adaptado)

Pedrinho A. Guareschi

Pontifícia Universidade Católica – PUC/RS

Resumo

O trabalho enfoca três pontos centrais. Inicia com uma discussão sobre o conceito e a

teoria das Representações Sociais e como eles vêm sendo tratados nos últimos anos,

trazendo parte da literatura mais importante publicada ultimamente, além de expor a

atualidade e utilidade da teoria no tratamento de muitos fenômenos sociais. O segundo

ponto discute o conceito de ideologia, procurando mostrar suas diferentes acepções,

apresentando um eixo de leitura que se possa compreender as relações e implicações das

mesmas. Finalmente, no terceiro ponto, é mostrado como os conceitos de Representações

sociais e ideologia podem se relacionar: no que se distinguem, e no que eles

possivelmente se sobrepõem, conforme as diferentes acepções em que são tomados.

Palavras-chave: Representações Sociais; Ideologia; teorias psicossociais.

Uma aproximação das representações sociais

São poucos os que se arriscam a conceituar Representações Sociais, apesar de

muitos falarem sobre o assunto. Os diversos trabalhos que estão sendo produzidos com o

objetivo de poder descrevê-las, e até certo ponto defini-las estão contribuindo, cada um a

seu modo, para dar-lhe uma caracterização e uma estruturação especifica. Cada trabalho

traz uma pequena contribuição na sua delimitação e possível aprofundamento conceitual.

Um primeiro ponto que deve sempre ser levado em consideração, a distinção que

deve ser feita entre os diversos níveis no estudo das Representações Sociais. Podemos

distinguir, seguindo o excelente trabalho realizado por DE ROSA (1994 e GUARESCHI,

Page 27: PSICOLOGIA DO TRABALHO - ifcursos.com.br · geral de sistemas. ... Psicologia do Trabalho Emerson Luiz Essas teorias nunca se preocuparam em incorporar a cultura organizacional como

27

Psicologia do Trabalho www.ifcursos.com.br Emerson Luiz

1996), três níveis de Representações Sociais, que poder-se-iam chamar três níveis de

discussões sobre as Representações Sociais:

1. O nível das Representações Sociais como sendo elas um "fenômeno". Nesse nível, as RS

são um objeto de investigação. Esses objetos são elementos da realidade social. Nesse

sentido as RS são modos de conhecimento que surgem e legitimam-se na conversação

interpessoal cotidiana e tem como objetivo compreender e controlar a realidade social.

2. O nível da "teoria" das Representações Sociais. Este se constitui do conjunto de

definições conceituais e metodológicas, juntamente com a elaboração de construtos

referentes às RS.

3. O nível das discussões sobre a teoria, que DE ROSA chama de "metateoria". Neste

nível colocam-se os debates e as refutações criticas com respeito aos postulados e

pressupostos da teoria das Representações Sociais, juntamente com uma comparação com

os modelos teóricos de outras teorias. Confundir esses três níveis pode tornar-se

desastroso e pode conduzir a um diálogo de surdos.

Robert Farr (1996), em sua história das raízes da psicologia social, mostra como

essa síntese foi difícil de construir, e como a psicologia social, principalmente nos Estados

Unidos da América, tomou um viés profundamente individualista, além de passar a ser

fundamentalmente experimental. Por outro lado, houve tentativas de socializar de tal modo

o individual, que ele praticamente se reificou, suprimindo as subjetividades e

cristalizando-se em fenômenos como classe, cultura, mito ou religião. Meu entendimento

das Representações Sociais é que essa teoria tenta, e até certo ponto di conta, de superar

diversas dicotomias que se formaram no decorrer da história da Psicologia Social. Uma

primeira, e central, é a própria dicotomia estabelecida entre o individual e o social. Uma

representação social, como definida e entendida por essa teoria, ao mesmo tempo,

individual, pois ela necessita ancorar-se em um sujeito, como é, do mesmo modo, social,

pois existe "na mente e na mídia", como diria MOSCOVICI. Ela está na cabeça das pessoas,

mas não é a representação de uma única pessoa; para ser social ela necessita "perpassar"

pela sociedade, existir a certo nível de generalização. Uma representação social distingue-

se, pois, de uma simples representação mental, que pode ser singular (os que afirmam que

é impossível pensar sem palavras, e as palavras constituem a linguagem que é sempre

social, certamente não aceitariam tal afirmação). A Psicologia Cognitiva estuda as

representações mentais, mas não pergunta, ou não se interessa imediatamente pelo fato de

elas serem, ou não, sociais, e de constituírem-se num fenômeno social. O conceito de

representação social coloca-se, então, no centro do eixo individual-social, ligando os dois

extremos e tentando dar conta de uma possível dicotomia. Uma segunda dicotomia é a que

muitas vezes se estabelece entre o interno e o externo. Na história da psicologia social

vemos como o comportamentalismo, por exemplo, recusou-se a transpor a "barreira da

pele" (FARR, 1996), não aceitando qualquer coisa que fosse mental ou introspectivo. Por

outro lado, certas teorias permaneceram exclusivamente na análise do cognitivo, deixando

de perguntar pelo que transpõe a cognição das pessoas. Uma representação social fecha

também esse vazio, pois ela, ao mesmo tempo, interna, isto, existente nas mentes das

pessoas, sem deixar de ser também externa, prolongando-se para além das dimensões

intrapsiquicas e concretizando-se em fenômenos sociais possíveis de serem identificados

e mapeados.

Page 28: PSICOLOGIA DO TRABALHO - ifcursos.com.br · geral de sistemas. ... Psicologia do Trabalho Emerson Luiz Essas teorias nunca se preocuparam em incorporar a cultura organizacional como

28

Psicologia do Trabalho www.ifcursos.com.br Emerson Luiz

Mas o que seriam, afinal, as RS? Na superação dessas dicotomias, as RS procuram

ocupar um espaço especifico, e podem ser compreendidas como um conhecimento do

senso comum, socialmente construído e socialmente partilhado, que se vê nas mentes das

pessoas e na mídia, nos bares e nas esquinas, nos comentários das rádios e TVs.

São um conhecimento, mas diferente do conhecimento cientifico, que é reificado e

fundamentalmente cognitivo. São um conhecimento social, são como que "tijolaços de

saber", na expressão de JOVCHELOVITH, S. Elas podem possuir aparentes contradições

na sua superfície, mas nos seus fundamentos elas formam um núcleo mais estável e

permanente, baseado na cultura e na memória dos grupos e povos. E somente através deu

ma pesquisa cuidadosa que se pode identificar esses fundamentos mais duradouros. A

investigação feita por Hélio Possamai (1998) sobre a representação social do acidente de

trabalho é um excelente exemplo desse fato. Após muitas entrevistas e grupos focais

feitos com pessoas que tinham se acidentado e com pessoas que não se tinham acidentado,

tinha-se a impressão de um amontoado de dados, aparentemente contraditórios.

Mas uma análise mais cuidadosa e detalhada foi revelando que esses dados todos

remetiam, fundamentalmente, a duas dimensões centrais, pautadas na história e na

personalidade de base do povo brasileiro: o individualismo e o fatalismo. O titulo da

dissertação expressa muito bem essas duas facetas: "Minha culpa, meu destino". Mais de

oitenta por cento das falas podiam ser colocadas dentro dessas duas grandes categorias:

os acidentes de trabalho ou são culpa de quem trabalha, pois não se cuidam, não prestam

atenção, ou então são consequência do destino, fatal e determinista. Foi impressionante

constatar como as explicações dos entrevistados remetiam a esses dois traços centrais de

nossa cultura.

Ligando representações sociais à ideologia

Uma primeira constatação que surge a partir do que se viu até aqui, é que se o conceito de

Representações Sociais possui um sentido mais ou menos uniforme, o mesmo não se da

com o conceito de ideologia.

O passo seguinte é, pois, discutir, a partir das diferentes acepções de ideologia, em

que Representações Sociais e Ideologia coincidem, ou divergem. Sendo que Ideologia pode

ser vista ao menos sob quatro acepções diferentes, são ao menos quatro situações

diversas com as quais nos defrontamos. Vejamos.

a) Representações Sociais e Ideologia, tomando Ideologia no sentido positivo e estático,

isto é, ideologia como uma cosmovisão estabelecida. Podemos dizer que há certa

proximidade entre essas duas noções. Uma representação social é uma cosmovisão, é uma

construção simbólica socialmente partilhada. Mas certamente a representação social não é

estática e fixa como poder-se-ia depreender dessa concepção de ideologia. A RS é

dinâmica, suportando até mesmo certas contradições em sua superfície, embora possuindo

um mundo subjacente relativamente estável, fundamentado nas tradições, memórias sociais

e cultura. b) Representações Sociais e Ideologia, assumindo ideologia como algo negativo

e fixo. Aqui parece-nos que o conceito de Ideologia e RS afastam-se mais, pois, se

podemos dizer o mesmo que anteriormente, quanto à questão da fixidez, isto é, que uma

RS nunca é totalmente fixa e estática, pode-se dizer também que uma RS não é

necessariamente "negativa", isto é, enganadora e mistificadora, apesar de às vezes poder

ser. Uma RS é essa porção de saber do senso comum, que pode estar impregnada de

Page 29: PSICOLOGIA DO TRABALHO - ifcursos.com.br · geral de sistemas. ... Psicologia do Trabalho Emerson Luiz Essas teorias nunca se preocuparam em incorporar a cultura organizacional como

29

Psicologia do Trabalho www.ifcursos.com.br Emerson Luiz

elementos pejorativos e enganadores, mas isso é por acaso, não pelo fato de se constituir

como um conjunto de saberes socialmente construídos e partilhados.

c) RS e ideologia, entendendo ideologia como um conjunto de práticas positivas, isto é,

formas simbólicas que servem para criar ou manter as relações sociais. Talvez seja aqui

que as noções de RS e ideologia se aproximam. Ambas as concepções podem ser tomadas

como construções simbólicas, conjuntos de saberes populares que servem para criar,

reproduzir ou transformar as relações sociais. Aqui não se pergunta se essas construções

simbólicas criam, ou perpetuam, relações assimétricas, desiguais. As RS seriam mais

amplas, pois poderiam incluir também relações assimétricas, ao passo que ideologia, nessa

instância, referir-se-ia apenas a práticas positivas.

d) Finalmente, RS e Ideologia, tomando-se ideologia como o conjunto de formas simbólicas

que servem para criar, ou reproduzir, relações assimétricas, desiguais, de dominação. A

diferença entre as acepções está no fato de as RS não carregarem, necessariamente, uma

dimensão negativa ou pejorativa. Apesar de poderem ter tal conotação e de, talvez, na

maioria das vezes, poder-se descobrir, implícita numa representação social, modos e

estratégias de criação ou reprodução de relações assimétricas.

A que conclusão se chega após estas colocações?

Uma primeira é a de que, com certeza, os conceitos são bastante próximos. Se

tomarmos em consideração o eixo da fixidez versus prática, o que distinguiria uma RS da

ideologia seria o fato de que RS não possuem tal caráter acentuado de fixidez, apesar de

em seus subterrâneos podermos encontrar lastros duradouros e mais permanentes. Se

formos analisar o eixo positivo versus negativo, podemos dizer que a ideologia perpassa

as RS, isto é, o conceito de RS é mais amplo e implica dimensões; ambas as isto é, ao

estudarmos uma representação social não nos fixamos imediatamente no caráter de

positividade ou negatividade. Essa é uma questão posterior que, no caso, só interessa a

quem estuda a ideologia.

Num dos últimos escritos sobre RS, Serge Moscivici e Ivana Markowd fazem um

diálogo sobre Representações Sociais (MOSOCVICI e MARKOWA, 1998). Nesse trabalho

encontramos uma discussão muito interessante sobre a questão da ideologia, em que

constata-se que MOSCOVICI emprega ideologia exatamente no sentido de THOMPSON,

isto é, como uso de formas simbólicas para criar ou reproduzir relações de dominação. Ele

discute a maneira como a imprensa soviética tratou o conceito de "psicanálise". Mostra

então que enquanto a imprensa liberal francesa empregava determinados adjetivos para

qualificar psicanálise, tais como "ciência psicoanalitica", "eficiência da terapêutica

psicanalítica", ou "objetividade das concepções psicanalíticas", a imprensa soviética

empregava adjetivos bem diversos, tais como: "o mito da psicanálise", "ciência burguesa",

"psicanálise norte-americana", etc. O mesmo dava-se com a palavra "ciência": "ciência

soviética", "ciência proletária", ciência materialista", etc. era colocada sempre como

superior A. "ciência norte-americana", "ciência burguesa", ciência racionalista". Que

significa isso? Pois eis um belo exemplo de emprego de formas simbólicas (palavras,

conceitos etc.) para criar, ou reproduzir, relações assimétricas. Através da linguagem

criam-se diferentes conotações para determinadas realidades que são colocadas como

superiores, ou inferiores, conforme os interesses das pessoas em questão.

Page 30: PSICOLOGIA DO TRABALHO - ifcursos.com.br · geral de sistemas. ... Psicologia do Trabalho Emerson Luiz Essas teorias nunca se preocuparam em incorporar a cultura organizacional como

30

Psicologia do Trabalho www.ifcursos.com.br Emerson Luiz

Conclusão

Gostaria de concluir tomando partido, até certo ponto, a favor da necessidade de se

distinguir claramente entre as diversas acepções de ideologia e, até certo ponto,

mostrando a importância prática de se empregar ideologia no sentido de uma prática

negativa que serve para criar e manter relações assimétricas. Ideologia trabalha no sentido

de produzir, reproduzir e transformar subjetividades. Nosso entendimento é de que, apesar

de todas as criticas que se possa fazer ao conceito de ideologia, como seu privilegiamento

das funções políticas dos sistemas simbólicos, em detrimento de sua estrutura lógica e das

mediações psicológicas, ele ainda desempenha um papel definitivo e indispensável,

principalmente para se compreender as dimensões éticas, valorativas e criticas, na

esperança da emancipação dos seres humanos de condições de vida humilhantes. E nossa

percepção que a dimensão valorativa, ética, jamais pode ser separada das ações, e por

isso, de uma maneira ou outra, ela está presente tanto no processo de construção das RS,

como em sua estrutura.

É curioso notar que muitos autores que discutem RS, talvez a maioria deles, acabam

mencionando o conceito e tomando-o, praticamente central em diversas de suas análises.

Veja-se o caso de FARR (1990; 1991), por exemplo. O que é o "individualismo como uma

representação coletiva" senão uma ideologia? Ele é certamente uma RS, mas carrega

também consigo uma dimensão ética que, na verdade, é denunciada pelo autor. Não

mereceria essa dimensão ideológica uma parcela no estatuto das RS? Do mesmo modo o

trabalho de Helene Joffe (em GUARESCHI e JOVCHELOVITCH, 1992).

Referencias bibliográficas

ALTHUS SER, L. Ideologia e aparelhos ideológicos de estado. Lisboa: Presença, 197,2.

DE TRACY, D. Elements d v.1. Paris: Librairie Philosophique J. Vrin, 1970 (1803).

DE ROSA, A. From theory to metatheory in Social Representations: The lines of argument

of the theoretical-methodological debate. In: Social Science Informations, v. 33, n. 2,

p.273-303, 1994.

FARR, R. As raízes da moderna psicologia social. Petrópolis: Vozes, 1998.

JACQUES, M. G. Psicologia Social Contemporânea. Petrópolis: Vozes, 1998.

GUARESCHI, P. A ideologia: um terreno minado. In: Psicologia Sociedade. 8(2): p.82-94;

jul./dez., 1996.

. Representações Sociais: Alguns comentários oportunos. In: NASCIMENTO-SCHOLZE, C.

Novas Contribuições para a Teorização e Pesquisa em Representação Social. Florianópolis:

Coletâneas da ANPEPP 10, 1996.

JOITCHELOVITCH, S. Espaços de Mediação: Vida Pública e gênese das Representações

Sociais. In: Psico, v. 27, n.1, p.193-205. Porto Alegre, 1996.

LENIN, Vladimir I. The state and revolution. In: Selected works. London : Lawrence and

Wishart, 1969.

LUKACS, G. History and class consciousness: studies in Marxist dialectics. Londres :

Merlin Press, 1971.

MANNHEIM, Karl. Ideology and utopia. Londres : Routledge & Kegan Paul. 1954.

MARX, Karl. Capital. Nova Iorque: Vintage Books, 1977.

. The Eighteenth Brumaire of Louis Bonaparte. In: Selected Works. Londres: Lawrence &

Wishart, 1968.

Page 31: PSICOLOGIA DO TRABALHO - ifcursos.com.br · geral de sistemas. ... Psicologia do Trabalho Emerson Luiz Essas teorias nunca se preocuparam em incorporar a cultura organizacional como

31

Psicologia do Trabalho www.ifcursos.com.br Emerson Luiz

. e ENGELS, F. A ideologia alemã. São Paulo: Martins Fontes, 1989.

MOSCOVICI, S. The Phenomenon of Social Representations. In: FARR, R. M. e

MOSCOVICI, S. (Ed.). Social Representations, p. 3-69. Cambridge: Cambridge University

Press, 1984.

. Notes towards a description of Social Representations. European Journal of Social

Psychology, n. 18, p. 211-249, 1988.

. A Representação Social da Psicanálise. Rio de Janeiro: Zahar, 1978.

PIEST, O. (Ed.). The new organon and related writings. Nova Iorque: The Liberal Arts

Press, 1960.

POSSAMAI, H. Minha culpa, meu destino: a representação social do acidente de trabalho.

(Dissertação de Mestrado). Pós-graduação em Psicologia - PUC/RS-Brasil, 1998.

THERBORN, Goran. The ideology of power and the power of ideology.Londres: Verso,

1980.

THOMPSON, John B. Ideologia e cultura moderna: teoria social critica na era dos meios de

comunicação de massa. Petrópolis: Vozes, 1995.

ACIDENTES E SUA PREVENÇÃO (adaptado).

Ildeberto Muniz de Almeida

José Marçal Jackson Filho

Revista Brasileira de Saúde Ocupacional - RBSO.

Ao longo das últimas décadas, cresceu entre nós o número de estudiosos que

exploram o tema dos acidentes do trabalho. Boa parte de seus estudos pode ser

encontrada em sítios da internet que, embora de acesso gratuito, não parecem ter sido

descobertos pelos profissionais de segurança que atuam em empresas, instituições e

organismos externos às universidades e instituições de pesquisa. Três aspectos nos

parecem relacionados com o crescimento desse tipo de estudos. O primeiro é o movimento

realizado no âmbito de universidades brasileiras em busca do aprimoramento da qualidade

de sua produção científica, incluindo exigência de titulação de seu corpo docente, com

aumento do intercâmbio com instituições de outros países e a abertura de cursos de pós-

graduação que passam a desenvolver colaboração com empresas, organismos

governamentais, e serviços especializados que atuam nos campos da segurança e da saúde

do trabalhador, criando oportunidades para aumento: a) da difusão de novas formas de

pensar a segurança, o risco e a prevenção; b) do diálogo entre pesquisadores e

interessados de diferentes áreas afins ao estudo de acidentes; e c) do desenvolvimento de

estudos centrados em múltiplos aspectos dos acidentes.

O segundo, menos evidente, parece associado com o crescimento da oferta de

serviços ditos de saúde do trabalhador em, praticamente, todos os estados do país. A

procura de profissionais desses serviços por cursos de pós-graduação em áreas afins à

saúde do trabalhador parece fenômeno estabelecido entre nós e diretamente relacionado

com o aumento da produção acima referida. Alguns poucos serviços já realizam movimento

visando à sua própria constituição e reconhecimento como centro de pesquisa e produção

de conhecimento.

Page 32: PSICOLOGIA DO TRABALHO - ifcursos.com.br · geral de sistemas. ... Psicologia do Trabalho Emerson Luiz Essas teorias nunca se preocuparam em incorporar a cultura organizacional como

32

Psicologia do Trabalho www.ifcursos.com.br Emerson Luiz

O terceiro aspecto situa-se no mundo do trabalho propriamente dito e nas

transformações por que tem passado nosso país com reflexos nas áreas de segurança e

saúde no trabalho na esfera governamental e também em centros de pesquisa. Nas últimas

décadas, é crescente o número de sistemas para os quais a ocorrência de acidentes,

desastres ambientais, eventos de grande impacto e incômodo social e político assumiram

destaque de preocupação estratégica.

Esse movimento não só incentiva o surgimento de questionamentos no interior

desses sistemas acerca dos limites da abordagem tradicional de acidentes, como também a

busca de novos caminhos, seja na direção de novas roupagens a serem assumidas pelas

abordagens que insistem em explicar os acidentes como eventos decorrentes de

comportamentos faltosos de trabalhadores descritos como elos fracos dos sistemas, seja

na busca de maior aproximação com explicações centradas em enfoques sistêmico,

sociotécnico ou psico-organizacional. Esse último caminho tende a aumentar a

aproximação entre esses sistemas e as universidades e centros de pesquisa existentes no

país.

Enfim, é possível afirmar que o chamado desafio da gestão de segurança em

sociedade dinâmica mostra reflexos também entre nós (RASMUSSEN, 1997). No entanto, é

preciso destacar que esse movimento ainda está longe de derrotar e substituir o

paradigma tradicional que permanece hegemônico no país, inclusive na maior parte do

aparelho formador que oferece cursos de especialização em Engenharia de Segurança,

Medicina do Trabalho, Enfermagem do Trabalho ou de formação de técnicos de segurança

do trabalho.

Além disso, é preciso destacar que resistências às novas abordagens também

aparecem na forma de obstáculos ao livre acesso a informações, ao desenvolvimento de

diálogo com pesquisadores e à abertura de portas para pesquisas coordenadas por setores

independentes a esses sistemas e, enfim, ao estabelecimento de mecanismos democráticos

de controle social de sistemas cujo funcionamento implica em riscos à saúde de

populações de usuários, mas não só, e também em possíveis impactos adversos ao meio

ambiente.

A necessidade da construção de um novo olhar para estudos de acidentes: desafio para a

prevenção

De um lado, o grande número de acidentes do trabalho é grave problema social em

nosso país. De outro, os estudiosos do tema no Brasil e no mundo têm criticado fortemente

as conclusões de várias análises de acidentes conduzidas no âmbito de empresas e de

algumas instâncias governamentais e as concepções teóricas e metodológicas que lhes dão

suporte.

Sem pretender esgotar a amplitude dessas críticas, vale lembrar que, entre outros,

elas destacam os seguintes aspectos: o número médio de fatores apontados como

envolvidos nas origens de acidentes é muito pequeno. Na maioria das situações, os fatores

identificados como mais importantes nas conclusões dessas “análises” se referem a

comportamentos de trabalhadores, em especial, ações ou omissões situadas pouco antes

do desfecho do acidente. Esses comportamentos costumam ser descritos e discutidos com

o uso de categorias como atos e condições (ambientes) inseguros ou fora de padrão, falhas

humanas ou técnicas ou outras abordagens de formato dicotômico que adotam como

Page 33: PSICOLOGIA DO TRABALHO - ifcursos.com.br · geral de sistemas. ... Psicologia do Trabalho Emerson Luiz Essas teorias nunca se preocuparam em incorporar a cultura organizacional como

33

Psicologia do Trabalho www.ifcursos.com.br Emerson Luiz

pressuposto a ideia de existência de um jeito certo, ou seguro, de realizar aquela ação que

seria previamente conhecido do operador envolvido e que, na situação do acidente, teria

deixado de ser usado como resultado de uma escolha consciente, originada em aspectos

do próprio indivíduo, quiçá, de sua personalidade descuidada, indisciplinada ou equivalente.

De acordo com essas conclusões, esses acidentes também são vistos como

fenômenos individuais ou, no máximo, restritos a um dos componentes do sistema

sociotécnico aberto envolvido na atividade que era desenvolvida. Esse componente é o

alvo das recomendações de prevenção. Compreendida como um sistema, a organização em

que se dá esse evento é diagnosticada como sem problemas. O acidente deixa de ser

compreendido como sinal de disfunção sistêmica ou como revelador, seja de situações com

potencial acidentogênico, seja como fonte de aprendizado organizacional e caminhos para

aperfeiçoamento desse sistema (CTL, 1991; LLORY, 1999a, 1999b; REASON, 1997;

REASON & HOBBS, 2003; WOODS & COOK, 2002).

Essa forma de conceber o acidente como fenômeno simples foi chamada de

abordagem ou paradigma tradicional por diversos autores (CATTINO, 2002; LLORY,

1999b; DWYER, 2000).

Infelizmente, enquanto o usuário desse modelo de investigação vê a conclusão

centrada em aspectos do componente ou fator humano como mero produto de um trabalho

técnico, no mundo real, esses resultados acabam alimentando práticas de atribuição de

culpa típicas da abordagem tradicional de acidentes (VILELA et al., 2004), como temos

visto nas declarações de algumas autoridades da área e deputados da CPI criada para

investigar a crise do setor aéreo no país.

Apesar da relativa difusão alcançada pela crítica a esse olhar tradicional, os

interessados na utilização de novas ferramentas disponibilizadas para a análise de

acidentes, seja no campo do ensino, seja no terreno das práticas desenvolvidas em

instituições governamentais e empresas, ainda encontram dificuldades no acesso a

publicações construídas com base nesse novo olhar sobre falhas, erros e segurança.

Novas concepções para a compreensão dos acidentes

Na literatura internacional, acidentes como o do voo 1907, mas não só, suscitam

estudos que exploram diferentes aspectos. De forma didática, recorrendo a Llory (1999b)

é possível recomendar a divisão do acidente em três períodos e distribuir os estudos

segundo o tipo de aspectos que exploram como relacionados aos períodos: a) pós-

acidental; b) acidental ou do acidente propriamente dito; e c) pré-acidental. O período

pós-acidente já foi denominado como período de crise social em casos de dimensões

catastróficas, em que a situação é vista como ameaça à forma e à estrutura do sistema. Se

existem, as estruturas sociais são incapazes de resolver os problemas econômicos,

sociais, culturais e políticos evidenciados no pós-acidente e ameaçam a integridade do

sistema (SHRIVASTAVA, 1987). Entre estudos relativos a esse período, podemos citar

aqueles que exploram consequências psíquicas e sociais de acidentes, seja para as

próprias vítimas, seja para seus familiares; ou os que exploram a resposta de emergência

tanto no que se refere à interrupção do processo acidental em si, como na minimização de

seus impactos ambientais, danos materiais e custo humano. Há ainda estudos que exploram

custos financeiros, descrição de recursos mobilizados na assistência de saúde, efeitos

Page 34: PSICOLOGIA DO TRABALHO - ifcursos.com.br · geral de sistemas. ... Psicologia do Trabalho Emerson Luiz Essas teorias nunca se preocuparam em incorporar a cultura organizacional como

34

Psicologia do Trabalho www.ifcursos.com.br Emerson Luiz

tardios, de instalação crônica ou que atingem descendentes das populações atingidas no

acidente, como nos casos de contaminação química ou radioativa etc.

Os estudos relacionados a aspectos dos períodos chamados de acidente

propriamente dito e pré-acidental são aqui abordados rapidamente e de modo conjunto.

Entre eles estão incluídos aqueles que detalham aspectos técnicos do processo de

descontrole ou liberação de fluxo de energia envolvido no acidente. Atualmente, há maior

divulgação de abordagens sustentadas na noção de modelo de acidente que usam

princípios como os de análise de barreiras e análise de mudanças na descrição desses

eventos e recomendam a continuidade dessa análise no período pré-acidental, evitando

interrupções precoces da busca de aspectos que participam do acidente (ALMEIDA, 2006;

HOLLNAGEL, 2004; KLETZ, 2006).

Outros estudos apontam para a contribuição de propriedades de sistemas, como a

complexidade interativa e a convivência com situações de incerteza nas origens de

acidentes (PERROW, 1999). Também há autores que lidam com a relação entre projeto

(design) de subsistemas técnicos e a segurança ou, ainda, aqueles que exploram

comportamentos humanos nessas situações, procurando descrever aspectos dos modos de

gestão psíquica/cognitiva e mobilizações afetivas presentes na atividade e rompidos pelo

acidente (AMALBERTI, 1996). Nos primórdios da introdução desse tipo de estudo, estão as

abordagens que exploram isoladamente os componentes humano, técnico e operacional

dos sistemas sociotécnicos em questão. Em seguida, sob a influência de ergonomistas e

psicólogos cognitivistas, surgem críticas à ideia de que a confiabilidade humana seja uma

propriedade invariável do ser humano. Ela passa a ser estudada como “propriedade do

funcionamento humano dentro de determinadas condições, para um determinado tipo de

tarefa” (LEPLAT, 2006, p. 27). Daí a preferência pela expressão componente humano da

confiabilidade. Esses pesquisadores enfatizam a necessidade de conhecer o trabalho real

com ênfase em aspectos de sua variabilidade e nas estratégias usadas no cotidiano pelos

operadores para resolver problemas, superar dificuldades e manter o funcionamento do

sistema. De modo assemelhado, para Rasmussen (1997), a análise do trabalho real mostra

a variedade das situações vividas pelos operadores e não previstas nas normas de

segurança vigentes, assim como as tentativas de desenvolvimento de modos operatórios

que reduzam os custos humanos e aumentem a eficiência do trabalho. As ações

desenvolvidas para gerir a variabilidade do trabalho são descritas por Rasmussen como

adaptações locais. Elas podem resolver ou não o problema enfrentado. Muitas vezes,

nessas situações, os operadores precisam fazer escolhas entre, de um lado, ações que

visam retomar a produção, porém contrariam normas de segurança, e, de outro, ações que

privilegiam a segurança e implicam em atraso na retomada dos trabalhos.

Essas adaptações locais implicam em tomadas de decisão e adoção de práticas que

tanto podem criar riscos como segurança. Por isso, risco e segurança podem se constituir

como propriedades emergentes de sistemas.

Segundo Neboit (2003), nessas situações, o trabalhador lida com uma abordagem de

risco e perigo diferente daquela tradicional centrada na ideia de liberação de fluxo de

energia a ser controlado. Nessa segunda abordagem, o operador é ator de interações numa

situação que, na gestão de riscos, privilegia o papel do seu conhecimento sobre o trabalho

real e sua utilização na compreensão da atividade que desempenha no sistema.

Page 35: PSICOLOGIA DO TRABALHO - ifcursos.com.br · geral de sistemas. ... Psicologia do Trabalho Emerson Luiz Essas teorias nunca se preocuparam em incorporar a cultura organizacional como

35

Psicologia do Trabalho www.ifcursos.com.br Emerson Luiz

Relatando discussão sobre vazamento de substância inflamável desencadeado por

tentativa de correção autorizada por supervisor, Kletz (2006) destaca: [o...] supervisor

não atuava no vácuo. Seu julgamento foi influenciado por sua avaliação sobre as reações

de seus chefes e pela atitude em relação à segurança na companhia, como demonstrado

pelas ações realizadas ou observações feitas em outras situações. Declarações sobre

políticas oficiais têm pouca influência. Nós julgamos as pessoas pelo que elas fazem, não

pelo que elas dizem. O gerente da fábrica tem grande carga de responsabilidade no

estabelecimento de um clima [...] em que seu staff sente que correr risco é legítimo. (p.

73)

Outros estudos enfatizam as relações sociais estabelecidas nas instituições, por

exemplo, sistemas de recompensas e práticas de controles como origens socialmente

construídas de erros que levam a acidentes (DWYER, 2007). Sob essa ótica, os acidentes

são “construtos sociais” (WOODING & LEVEINSTEIN, 1999; MACHADO et al., 2000). No

conjunto de estudos citados, os comportamentos humanos no trabalho passam a ser vistos

de modo absolutamente distinto daquele que predomina na abordagem tradicional.

Por sua vez, o enfoque clássico ressurge em estudos que reiteram a importância de

erros humanos como principais “causas” dos acidentes e defendem a adoção de

estratégias de segurança comportamental como caminho a ser seguido pelos interessados

na gestão de segurança. A busca desse objetivo seria baseada em recenseamentos de

“atos inseguros” que ensejariam intervenções de devoluções individuais ou coletivas

direcionadas à redução de comportamentos indesejados. Entre os adeptos deste enfoque

também se defende a criação de uma cultura de segurança, entendida como equivalente da

soma de comportamentos (seguros) dos integrantes do sistema como estratégia central

para a gestão de segurança. Esse é, talvez, o mais controverso dos múltiplos sentidos

atribuídos à expressão cultura de segurança. No âmbito deste texto, fica registrada a

crítica ao reducionismo dessa visão e à necessidade de explicitação do seu sentido quando

a expressão é utilizada.

A construção de uma cultura de segurança também é defendida por Reason (2000).

Ele destaca três aspectos que caracterizariam sua existência: a) uma cultura de

informação, ou seja, a existência de atmosfera de confiança que permita a implementação

de sistema de informações de eventos adversos e memória do sistema; b) uma cultura de

justiça, ou seja, ambiente de acordo e compreensão sobre atos passíveis e não passíveis

de culpa; e por fim c) uma cultura de aprendizagem caracterizada pela existência de

medidas reativas e pró-ativas usadas para criar melhorias contínuas do sistema. Mais

recentemente, há esboço de diálogo entre essa forma de pensar a cultura de segurança e

abordagens originadas das correntes das organizações de alta confiabilidade, da ergonomia

da atividade e da psicologia cognitiva (REASON, 2000; BOURRIER, 2001). Esses tipos de

estudos apontam a importância da alta hierarquia nos esforços de modificação de aspectos

das diversas subculturas de segurança existentes no sistema e minimizam a importância

das conclusões de análises que atribuem o acidente a falhas de trabalhadores.

Em março de 2007, nos Estados Unidos, o Chemical Safety Board (CSB) publicou

sua conclusão sobre a análise de acidente que destruiu a planta da Formosa Plastics: “A

companhia e seu proprietário anterior não planejaram adequadamente como lidar com os

erros humanos” (CSB, 2007).

Page 36: PSICOLOGIA DO TRABALHO - ifcursos.com.br · geral de sistemas. ... Psicologia do Trabalho Emerson Luiz Essas teorias nunca se preocuparam em incorporar a cultura organizacional como

36

Psicologia do Trabalho www.ifcursos.com.br Emerson Luiz

A invisibilidade dos acidentes do cotidiano

No Brasil, todos os anos, de forma silenciosa, milhares de trabalhadores morrem ou

sofrem mutilações no trabalho. O impacto desses agravos que ocorrem “no varejo” é muito

maior que o desses grandes acidentes, mas apesar disso permanece quase invisível para a

sociedade brasileira.

As nossas possibilidades de aprendizado com base em análises de acidentes são

ameaçadas todas as vezes que se alimenta conclusão que assume o formato de revelação

da “causa” – assim mesmo, no singular – do acidente. Ou seja, aquelas que tendem a

reduzir o acontecido a uma falha de componente do sistema ou, no máximo, a algumas

falhas de componentes tratados como segmentos isolados ou seu mero ajuntamento. E,

consequentemente, perde-se a oportunidade de analisar esse evento como sinal de

fragilidade do subsistema de gestão de saúde e segurança do trabalho – ou, por exemplo,

do sistema de segurança aérea nos acidentes recentes – em nosso país. O leitor

desavisado tende a prender-se na explicação simplista, em especial quando anunciada com

pose doutoral ou ênfase típica de dono da verdade. O subsistema de gestão de saúde e

segurança no trabalho (SGSST), assim como o sistema de segurança aérea do país, precisa

ser entendido como o organismo sociotécnico cujo funcionamento articulado depende e é

produzido por todos os seus componentes, em particular pelas interações que

estabelecem, pelas funções que só desempenham quando atuam como integrantes desse

sistema.

Aparentemente, intervenções, como a da CPI do apagão aéreo, representam mais

um passo infeliz. Ao insistir na ideia de identificar culpado a receber punição exemplar,

como no caso do controlador do Cindacta 1, elas “jogam água no moinho” da explicação

simplista.

As abordagens sobre de acidentes destacam a importância da identificação dos

fatores sociotécnicos que desencadeiam tais eventos e, ao mesmo tempo, a necessidade

de identificar as condições preexistentes no sistema sem as quais não aconteceriam. Entre

nós, historicamente, essa última etapa tem sido sistematicamente obstruída e inviabilizada.

Continuará tudo como dantes no reino de Abrantes?

Eventos complexos não têm respostas simples. Não há um remédio ou solução

mágica para a situação da segurança no trabalho no país hoje. É hora de iniciar a

caminhada necessária no rumo da construção do sistema que rompa de vez com o

paradigma tradicional, com seus prejuízos em termos de inibição da prevenção, e

estabeleça as bases necessárias à construção de novos olhares sobre os acidentes.

Referências

ALMEIDA, I. M. Trajetória da análise de acidentes: o paradigma tradicional e os primórdios

da ampliação da análise. Interface, Botucatu, v. 10, n. 19, p. 185-202, 2006.

AMALBERTI, R. La conduite de systèmes a risques. Paris: Presses Universitaires de

France, 1996.

ABNT. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 14280. Cadastro de

acidente do trabalho: procedimento e classificação. Rio de Janeiro, 2001.

Page 37: PSICOLOGIA DO TRABALHO - ifcursos.com.br · geral de sistemas. ... Psicologia do Trabalho Emerson Luiz Essas teorias nunca se preocuparam em incorporar a cultura organizacional como

37

Psicologia do Trabalho www.ifcursos.com.br Emerson Luiz

ASSUNÇÃO, A. A.; LIMA, F. P. A. A contribuição da ergonomia para a identificação,

redução e eliminação da nocividade do trabalho. In: MENDES, R. Patologia do trabalho. 2.

ed. atual. e ampl. São Paulo: Atheneu, 2003. v. 2, parte III, cap. 45, p. 1767-1789.

BOURRIER, M. Organiser la fiabilité. Paris: L’Harmattan, 2001.

BRASIL. Anuário Estatístico da Previdência Social – 2004. Disponível em:

http://www.previdenciasocial.gov.br/aeps2004/13_01_20_01.asp. Acesso em: 24 maio

2007.

CANTANHÊDE, E. Certeza do choque dos aviões só veio após pelo menos 50 minutos.

Folha de São Paulo, São Paulo, 18 fev. 2007. Caderno C, p. 9.

CATTINO, M. Da Chernobyl a Linate. Incidenti tecnologici o errori organizzative? Roma:

Carocci, 2002.

CFB. CHEMICAL SAFETY BOARD. Final Report and Safety Video on Formosa Plastics

Explosion in Illinois. Available in: www.csb.gov. Access: 25 apr. 2007.

CTL. COGNITIVE TECHNOLOGIES LABO RATORY. A brief look at the New Look in

complex systems, failure, error and safety. 2002. Available at: csel.eng.ohio-

state.edu/woods. Access: 12 dec. 2006.

DANIELLOU, F. L’opérateur, la vanne et l’écran. L’ergonomie des salles de contrôle.

Montrouge: Editions de l’Anact, 1986.

DE KEISER, V. O erro humano. In: CASTILLO, J. J.; VILLENE, J. Ergonomia, conceitos e

métodos. Lisboa: Dinalivro, 2005. p. 247-265.

DEKKER, S. Failure to adapt or adaptations that fail: contrasting models on procedures

and safety. Appl. Ergon., v. 34, n. 3, p. 233-238, 2003.

DOUGLAS, M. Risk acceptability according to the Social Sciences. New York: Russel

Sage Foundation, 1985.

DWYER, T. A study on safety and health management at work: a multidimensional view

from a developing country. In: FRICK, K. et al. Systematic occupational health and safety

management. Amsterdam: Pergamon, 2000. p. 149-74.

. Vida e morte no trabalho. São Paulo: Unicamp/ Multiação, 2007.

HOLLNAGEL, E. Barriers and accident prevention. Aldershot, UK: Ashgate, 2004.

JACKSON FILHO, J. M.; AMORIM, J. L. A introdução de políticas de ergonomia na

indústria: missão para os engenheiros de segurança? In: CONGRESSO LATINO

AMERICANO DE ERGONOMIA – ABERGO 2001, 6., 2001, Gramado. Anais. Gramado:

Abergo, 2001. CD ROM.

KLETZ, T. Accident investigation: keep asking “why?”. Journal of Hazardous Materials, v.

130, p. 69-75, 2006.

LEPLAT, J. Risque et perception du risque dans l’activité. In: KOUABENAN, D. et al.

(Dir.) Psychologie du Risque. Identifier, évaluer, prévenir. Bruxelles: Éditions de Boeck,

2006. p. 19-33.

LIMA, F. A formação em Ergonomia: reflexões sobre algumas experiências de ensino da

metodologia de análise ergonômica do trabalho. In: KIEFER, C.; FAGA, I.; SAMPAIO, M. R.

Trabalho, saúde e educação: um mosaico em múltiplos tons. São Paulo: Fundacentro. 2001.

p. 113-148.

LLORY, M. Acidentes industriais: o custo do silêncio. Rio de Janeiro: Multi Mais Editorial,

1999a.

Page 38: PSICOLOGIA DO TRABALHO - ifcursos.com.br · geral de sistemas. ... Psicologia do Trabalho Emerson Luiz Essas teorias nunca se preocuparam em incorporar a cultura organizacional como

38

Psicologia do Trabalho www.ifcursos.com.br Emerson Luiz

. L´accident de la centrale nucléaire de Three Mile Island. Paris: L´Harmattan, 1999b.

LOPES, E. Choque no ar: ‘Confiei no sistema’, diz em CPI controlador acusado por

tragédia. O Estado de São Paulo, São Paulo, 29 maio 2007. Caderno C, p. 3.

MACHADO, J. M. H.; PORTO, M. F. S.; FREI TAS, C. M. Perspectivas para uma Análise

Interdisciplinar e Participativa (AIPA) no contexto da indústria de processo. In:

FREITAS, C. M.; PORTO, M. F. S.; MACHADO, J. M. H. (Org.). Acidentes industriais

ampliados: desafios e perspectivas para o controle e prevenção. Rio de Janeiro: Fiocruz,

2000.

NEBOIT, M. Abordagem dos fatores humanos na prevenção de riscos no trabalho. In:

ALMEIDA, I. M. Caminhos das análises de acidentes. Brasília: Ministério do Trabalho e

Emprego, 2003. p. 85-98.

PERROW, C. Normal accident. Living with high risk technologies. Princeton, New Jersey:

Princeton University Press, 1999.

RASMUSSEN, J. Risk management in a dynamic society. Safety Science, v. 27, n. 2, p.

183-213, 1997.

REASON, J. Managing the risks of organizational accidents. Aldershot: Ashgate, 1997.

. Safety paradoxes and safety culture. Injury Control and Safety Promotion. v. 7, n. 1, p. 3-

14, 2000.

REASON, J.; HOBBS, A. Managing maintenance error: a practical guide. Hampshire:

Ashgate, 2003.

SHRIVASTAVA, P. Bhopal: anatomy of a crisis. Cambridge: Ballinger Publishing Company,

1987.

VILELA, R. A. G.; IGUTI A. M.; ALMEIDA, I. M. Culpa da vítima: um modelo para perpetuar

a impunidade nos acidentes do trabalho. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro,

v. 20, n. 2, p. 570-579, 2004.

WISNER, A. A inteligência no trabalho. São Paulo: Fundacentro, 1994.

WOODING, J.; LEVEINSTEIN, C. The point of production. Work environment in advanced

industrial societies. New York: The Guilford Press, 1999.

WOODS, D. D.; COOK, R. I. Nine steps to move forward from error. Cognition, Techno logy

& Work, n. 4, p. 137-144, 2002.

ELEMENTOS PARA UMA NOVA CULTURA EM SEGURANÇA E SAÚDE NO TRABALHO

(adaptado)

Jussara Maria Rosa Mendes

Dolores Sanches Wünsch

Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul- PUC/RS.

Resumo

Este artigo propõe-se a discutir o cenário contemporâneo das relações entre saúde e

trabalho, apontando alguns elementos que possam contribuir para o debate sobre o tema,

na perspectiva de alcançar uma nova cultura em segurança e saúde no trabalho.

Evidencia-se que a predominância do viés prevencionista nesta área, que se consolidou ao

longo dos anos, é resultado de um modelo hegemônico centrado no biológico e no

Page 39: PSICOLOGIA DO TRABALHO - ifcursos.com.br · geral de sistemas. ... Psicologia do Trabalho Emerson Luiz Essas teorias nunca se preocuparam em incorporar a cultura organizacional como

39

Psicologia do Trabalho www.ifcursos.com.br Emerson Luiz

indivíduo. A construção de práticas voltadas para a atenção à saúde do trabalhador exige

uma abordagem interdisciplinar e passa pela apreensão de novos referenciais em saúde e

trabalho, compreendendo-os como um processo dinâmico e social.

Palavras-chaves: acidente de trabalho, segurança no trabalho, saúde do trabalhador.

Introdução

O conhecimento produzido nas últimas duas décadas sobre a prevenção de

acidentes de trabalho vem desafiando os profissionais da área de saúde e segurança do

trabalho a repensar os modelos de gestão e de intervenção centrada na lógica da

prevenção individual. Exige fundamentalmente a compreensão das transformações em

curso, à luz das mudanças do mundo do trabalho, para que a prevenção seja pensada na

perspectiva das modificações das condições e relações de trabalho.

Constata-se na atualidade não apenas o surgimento e o crescimento de novas

patologias relacionadas ao trabalho, como também a persistência de acidentes típicos, os

quais têm seus limites na organização do trabalho. A saúde e o trabalho estão permeados

pelas grandes transformações societárias e suas contradições contemporâneas,

relacionadas fundamentalmente aos processos de gestão e organização do trabalho,

viabilizados em especial pelas novas tecnologias, impactando na saúde dos trabalhadores.

Sistemas produtivos antigos e ultrapassados coexistem com os processos modernos e

tecnologicamente superiores. É neste contexto que os agravos relacionados ao trabalho

revestem-se de novos significados e determinações ao mesmo tempo em que indicam a

necessidade de superar problemas antigos.

Este artigo tem como objetivo refletir sobre o acidente de trabalho e as doenças a

ele relacionadas em meio ao contexto atual, bem como contribuir para a compreensão

desta temática, considerando a abrangência das ações de saúde e a concepção ampla do

processo de saúde-doença e de seus determinantes. Entende-se a prevenção não como

uma ação unívoca, mas como resultado de uma política de gestão em saúde do trabalhador.

Este enfoque é mais amplo e abrangente, uma vez que busca identificar e enfrentar os

macrodeterminantes do processo saúde-doença na perspectiva de transformá-los na

direção da saúde (BUSS, 2000).

A perspectiva aqui referida deve ser pensada com base na premissa de que a saúde

do trabalhador sofre forte impacto do capitalismo contemporâneo, em que a produtividade,

a competitividade e a flexibilidade se sobrepõem aos aspectos humanos e sociais.

Portanto, é preciso extrapolar os “muros” da empresa e construir estratégias que

articulem a participação e o envolvimento de diferentes instâncias tripartites, compostas

por trabalhadores, empresários e governo, para gerar um desenvolvimento não apenas

sustentável, mas socialmente capaz de enfrentar as consequências do atual modelo

econômico. Aponta-se também como estratégia a articulação das ações no âmbito do

trabalho industrial com a Política Nacional de Segurança e Saúde do Trabalhador e com as

diretrizes nela contidas, visando à integralidade das ações na área.

A relevância da discussão sobre o acidente de trabalho e o processo saúde doença

e, consequentemente, suas repercussões sobre a vida do trabalhador vêm se ampliando,

bem como o impacto social que estes agravos produzem. Apesar de avanços científicos e

tecnológicos em diferentes esferas da sociedade, que trazem resultados benéficos para a

saúde da população e dos trabalhadores em geral, ocorre, contraditoriamente, uma

Page 40: PSICOLOGIA DO TRABALHO - ifcursos.com.br · geral de sistemas. ... Psicologia do Trabalho Emerson Luiz Essas teorias nunca se preocuparam em incorporar a cultura organizacional como

40

Psicologia do Trabalho www.ifcursos.com.br Emerson Luiz

expressiva elevação da morbi-mortalidade nesta área. Revela-se, portanto, que é preciso

avançar na construção de uma nova cultura em saúde do trabalhador. Essa cultura

representa o estabelecimento de pactos, princípios e valores que devem nortear práticas e

condutas que atendam novas e antigas demandas da área.

Concepções e cenário do acidente de trabalho e do processo de saúde-doença

As determinações que incidem sobre a saúde do trabalhador na contemporaneidade

estão fundamentalmente relacionadas às novas modalidades de trabalho e aos processos

mais dinâmicos de produção implementados pelas inovações tecnológicas e pelas atuais

formas de organização do trabalho. As profundas transformações que vêm alterando a

economia, a política e a cultura na sociedade por meio da reestruturação produtiva e do

incremento da globalização, entre outros motivos, implicam também mudanças nas formas

de gestão do trabalho que engendram a precariedade e a fragilidade das questões que

envolvem a relação entre saúde e trabalho e as condições de vida dos trabalhadores.

Do ponto de vista científico, a saúde e a doença referem-se a fenômenos vitais,

sendo formas pelas quais a vida se manifesta. As experiências dos sujeitos e as ideias

dominantes do meio social são determinantes no processo de construção social da doença

e da saúde. Desse modo, em um contexto de valorização da capacidade produtiva das

pessoas, estar doente pode significar, para o trabalhador, ser indesejável ou socialmente

desvalorizado.

Assim, para se abordar a questão do acidente e da doença relacionada com o

trabalho, é imprescindível identificar as relações que se estabelecem no âmbito da saúde

do trabalhador, compreendendo-a como embasada na seguinte premissa:

Os trabalhadores apresentam um viver, adoecer e morrer compartilhado com o

conjunto da população, em um dado tempo, lugar e inserção social, mas que é também

específico, resultante de sua inserção em um processo de trabalho particular. (DIAS, 1996,

p. 28).

Nesse sentido, a saúde do trabalhador pressupõe uma interface entre diferentes

alternativas de intervenção que contemplem as diversas formas de determinação do

processo de saúde-doença dos trabalhadores.

As alterações introduzidas na Carta Constitucional brasileira de 05/10/1988 no seu

artigo 196 não deixam dúvidas quanto ao fato de que, desde então, a saúde passou a ser

entendida como direito de cidadania, devendo ser garantida pelo Estado a partir de suas

políticas sociais e econômicas, bem como por meio de outras medidas que possibilitem

reduzir os riscos e os agravos e, ainda, que assegurem o acesso aos serviços através do

Sistema Único de Saúde – SUS (DIAS, 1996).

Assim, é necessário pensar a saúde do trabalhador desde a sua organização na

sociedade e no trabalho, compreendendo-se essa realidade sob uma perspectiva de

sujeitos coletivos, conhecendo-os e reconhecendo- os historicamente. Em uma análise

transversal dessas mudanças, nos últimos 30 anos, transparece, claramente, o

direcionamento para uma nova hierarquização do setor, na qual o homem passa a assumir a

instância de sujeito das ações, transcendendo a sua condição anterior de objeto no

processo de atenção à sua saúde. No Brasil, os marcos fundamentais referentes a tais

mudanças foram a realização da VIII e da IX Conferências Nacionais de Saúde (1986 e

1992, respectivamente) e a inserção do conceito de saúde na Constituição Federal,

Page 41: PSICOLOGIA DO TRABALHO - ifcursos.com.br · geral de sistemas. ... Psicologia do Trabalho Emerson Luiz Essas teorias nunca se preocuparam em incorporar a cultura organizacional como

41

Psicologia do Trabalho www.ifcursos.com.br Emerson Luiz

eventos esses que evidenciaram uma nova relação do homem com seu meio social. A

saúde passou a ser percebida não mais apenas por sua ausência, mas como “[...]

resultante das condições de alimentação, educação, salário, meio ambiente, trabalho,

transporte, emprego, lazer e liberdade, acesso à propriedade privada da terra e acesso aos

serviços de Saúde” (BRASIL, 1988). Os conceitos que definiam a Medicina do Trabalho e a

Saúde Ocupacional, utilizados até então, não contemplavam essa complexidade e também

as necessidades da área naquele momento; daí a importância de se apreender esse

processo em sua totalidade, buscando-se somar esforços e conhecimentos para se intervir

nessa realidade.

A concepção atual de saúde do trabalhador entende o social como determinante das

condições de saúde e, sem negar que os doentes devam ser tratados e que seja necessário

prevenir novas doenças, privilegia ações de promoção da saúde. Entende que as múltiplas

causas dos acidentes e das doenças do trabalho têm uma hierarquia entre si, não sendo

neutras e iguais, havendo algumas causas que determinam outras (MENDES & OLIVEIRA,

1995). Diferentemente das visões dicotomizadas anteriores, propugna-se que os

programas de saúde incluam a proteção, a recuperação e a promoção da saúde do

trabalhador de forma integrada e que sejam dirigidos não só aos trabalhadores que sofrem,

adoecem ou se acidentam, mas também ao conjunto dos trabalhadores (DIAS, 1996). Essas

ações devem ser redirecionadas para se alcançar as múltiplas mudanças que ocorrem nos

processos de trabalho, sendo realizadas através de uma abordagem transdisciplinar e

intersetorial e, ainda, com a imprescindível participação dos trabalhadores.

A dinâmica da produção, as condições de trabalho e o modo de vida continuam

sendo fontes importantes para que se compreenda o processo de saúde, adoecimento e

morte da população brasileira. Portanto, falar do processo de saúde-doença é buscar

compreender esse binômio que evidencia sentimentos, não menos contraditórios, de dor e

felicidade por se estar diante das questões da vida e da morte, da doença e da saúde das

pessoas. Evidencia-se, assim, que a doença, a saúde e a morte não se reduzem a

evidências “orgânicas”, “naturais”, “objetivas”; elas estão intimamente inter-relacionadas

com características de cada sociedade. Expõem pontos reveladores, como o fato de a

doença ser socialmente construída e de o doente ser um personagem social. Transparece,

pois, que a compreensão do processo de acidente e adoecimento transcende a aceitação

de sua multicausalidade, identificando-se seu fator determinante no social. Santos (1985),

buscando ampliar a percepção do processo de trabalho para além do ambiente fabril,

considera a compreensão da doença como [...] uma dinâmica que abrange não só a

produção, consumo e reposição do trabalhador diretamente envolvido no processo de

trabalho, mas também, de forma ampla, a produção da população que compõe a classe

trabalhadora, que expressa, no seu corpo, a face social do ser. (p. 15) Dessa forma, fica

evidente que o binômio saúde-doença pressupõe a articulação entre as diferentes

interfaces sociais e que ele depende do modo de viver, da qualidade de vida e do acesso

que os indivíduos têm a bens e serviços (DIAS, 1996). Ao refletirmos sobre saúde,

acidente, doença e trabalho na vida dos indivíduos e da coletividade, fica cada vez mais

difícil falarmos de um mundo do trabalho que pertença, unicamente, à esfera da fábrica e

de um outro mundo externo ao trabalho, pertencente à esfera da rua. Verificamos a

existência de uma complexa interação entre aspectos físicos, psicológicos e sociais

Page 42: PSICOLOGIA DO TRABALHO - ifcursos.com.br · geral de sistemas. ... Psicologia do Trabalho Emerson Luiz Essas teorias nunca se preocuparam em incorporar a cultura organizacional como

42

Psicologia do Trabalho www.ifcursos.com.br Emerson Luiz

relevantes para a compreensão daquilo que seja a história humana. Eles não deixam

dúvidas quanto ao fato de que a saúde e o adoecimento, o viver e o morrer dos indivíduos

estão diretamente relacionados a questões que ultrapassam análises de sua causalidade e

multicausalidade.

Nessa perspectiva, a matriz da estrutura de prevenção e proteção da saúde no

trabalho passa a se constituir mais como uma forma de controle da força de trabalho do

que como atenção à saúde: há todo um sistema estruturado para se darem rápidas e

competentes respostas às necessidades do sistema econômico a qualquer custo, tendo

como base a equação denunciada por Thébàud-Mony (1997): crescimento econômico =

progresso social, sustentáculo das regulações sociais adotadas.

Dessa maneira, a saúde dos trabalhadores é resultante de uma articulação política,

econômica e monetária, na qual as desigualdades sociais diante das doenças e da morte

são os principais elementos reveladores dessa dinâmica, estruturada pelas relações sociais

de produção.

Concebe-se, portanto, que o conceito do que é o acidente e a doença advinda do

trabalho é um dos frutos dessa construção social. Nessa dinâmica, encontra-se o conceito

de “risco aceitável”, baseado na inter- relação entre o diagnóstico pericial e a

determinação das normas que enquadram os riscos nos limites do medicamente aceitável.

Seus artifícios são a desqualificação (o desnivelamento da qualificação) dos

trabalhadores ditos de “fora do quadro, exteriores, ajudantes” e a redução do tempo de

trabalho, com rebaixamentos salariais legalmente permitidos quando se trata de trabalho

em tempo parcial.

Por outro lado, o próprio conceito legal de acidente de trabalho, em que se equipara

doença profissional e doença do trabalho, constante da Lei n. 8213 (BRASIL, 1997), que

dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social, tem se demonstrado

contraditório na sua aplicabilidade. Além disso, devido ao quadro de violência urbana,

notadamente a relacionada ao trânsito e aos assaltos, assumem particular valor os eventos

ocorridos no percurso da residência para o trabalho e vice-versa. Nos termos das

Ciências Sociais, considera- se acidente de trabalho todo acidente que ocorra no

transcurso da atividade do homem na transformação da natureza, no processo de criação

de mercadorias com fins econômicos, remunerado ou não (ALBORNOZ, 1994), excluindo-

se, portanto, apenas as atividades com caráter de hobby ou lazer, por exemplo.

A legislação brasileira encontra-se embasada nessa dicotomia entre fatores

humanos e ambiente de trabalho. Os riscos, os atos inseguros, o risco aceitável, os limites

suportáveis pelo trabalhador, em geral, são caracterizados dentro das empresas e estão

tensionados pela necessidade de se reduzir o número de acidentes a qualquer custo.

A legislação em vigor relativa ao acidente de trabalho encontra-se sob a égide da

Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 5 de outubro de 1988.

Consta, em seu artigo 7º, que estão contemplados os direitos dos trabalhadores urbanos e

rurais, além de outros benefícios que visem à melhoria de sua condição social. Nesse

artigo se destacam os seguintes incisos:

[...]

XXII - redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e

segurança;

Page 43: PSICOLOGIA DO TRABALHO - ifcursos.com.br · geral de sistemas. ... Psicologia do Trabalho Emerson Luiz Essas teorias nunca se preocuparam em incorporar a cultura organizacional como

43

Psicologia do Trabalho www.ifcursos.com.br Emerson Luiz

XXVIII - seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a

indenização a que está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa;

XXXIII - proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre aos menores de dezoito anos

e de qualquer trabalho a menores de quatorze anos, salvo na condição de aprendiz;

XXXIV - igualdade de direitos entre o trabalhador com vínculo empregatício permanente e

o trabalhador avulso; [...] Assim, a redução dos riscos inerentes ao trabalho e o seguro

contra acidentes de trabalho são direitos de todos os trabalhadores. Sem exclusão do

direito à indenização a que fazem jus quando ocorre dolo ou culpa, todos os trabalhadores

teriam direito constitucional à cobertura por um seguro contra acidentes de trabalho,

independentemente da sua forma de inserção no mercado de trabalho.

O reconhecimento legal e, consequentemente, o direito a ele relacionado ocorrem a

partir da notificação oficial do acidente de trabalho e cabe à Previdência Social a

caracterização do acidente de trabalho de forma administrativa e o estabelecimento do

nexo entre o trabalho exercido e o acidente.

Tecnicamente, isso é feito através da perícia médica, que determina o nexo de

causa e efeito entre o acidente e a lesão, a doença e o trabalho ou entre a causa mortis e

o acidente. Entretanto, há um crescimento significativo do número de trabalhadores

afastados do trabalho por incapacidade, sendo que, contraditoriamente, o benefício por

acidente de trabalho representa menos de 20% desta parcela (BRASIL, 2005).

Os dados oficiais disponíveis no Brasil não revelam a realidade do acidente e da doença o

trabalho, primeiro pelo fato de que o conceito de acidente de trabalho, para fins de

enquadramento no Seguro de Acidente do Trabalho e, secundariamente, para fins de

inclusão nas estatísticas oficiais, abrange, exclusivamente, alguns trabalhadores urbanos

(o empregado – exceto o doméstico –, o trabalhador avulso, o segurado especial e o

médico residente) e os trabalhadores rurais empregados ou membros de unidade de

economia familiar. Excluem-se completamente, portanto, no âmbito do mercado formal,

todos os trabalhadores domésticos, os autônomos e todos os servidores públicos civis e

militares (municipais, estaduais e federais), além de todos os acidentes de trabalho que

ocorram com trabalhadores não registrados e os do mercado informal de trabalho. Neste

sentido, os números divulgados pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) são

alarmantes e representam apenas uma parcela desta realidade. A estimativa da entidade é

de que, no mundo todo, os acidentes e as doenças do trabalho matem, por ano, cerca de 2

milhões de trabalhadores. As doenças relacionadas ao trabalho respondem por 1,6 milhão

de mortes; os acidentes de trabalho, por 360 mil mortes. O número de mortes causadas

por acidentes e doenças relacionadas ao trabalho ultrapassa aquele causado por epidemias

como a AIDS. No Brasil, segundo o Ministério da Previdência Social, em 2005, foram

registrados 492 mil casos de acidentes e doenças relacionadas ao trabalho, com 2.708

mortes de trabalhadores (BRASIL, 2005).

Esses dados, no entanto, são parciais e as justificativas, já referidas anteriormente,

reafirmam as dificuldades com as quais nos deparamos ao tratar dos acidentes de trabalho

no Brasil. Como pode ser demonstrado, em termos da legislação previdenciária, no que

tange ao seguro contra acidente do trabalho, ainda é grande a parcela de trabalhadores do

setor formal que são excluídos de sua cobertura face à ausência de efetiva caracterização

do adoecimento relacionado ao trabalho, seja pelo empregador, seja pela previdência

Page 44: PSICOLOGIA DO TRABALHO - ifcursos.com.br · geral de sistemas. ... Psicologia do Trabalho Emerson Luiz Essas teorias nunca se preocuparam em incorporar a cultura organizacional como

44

Psicologia do Trabalho www.ifcursos.com.br Emerson Luiz

social. Por conseguinte, muitas infortunísticas referentes ao trabalho não são levadas ao

Ministério do Trabalho e, daí, aos órgãos internacionais. Relacionando- se, ainda, o perfil

do tipo de trabalhador do mercado formal que tem acesso ao seguro acidentário com o

tamanho de nosso mercado informal de trabalho, tem se a exata ideia do quanto

trabalhadores estão fora das estatísticas oficiais e sem proteção social. Em relação a essa

discussão, ganha relevância o papel das pesquisas sobre acidente, doença e morte no

trabalho.

Através da pesquisa é possível desvendar a dinâmica que envolve o adoecimento e

o acidente de trabalho identificando os elementos consensuais e as divergências, a relação

entre os processos de trabalho, as determinações sociais e a manifestação de doenças do

trabalho e profissionais, a exposição ocupacional a agentes nocivos para a saúde do

trabalhador e seus agravos latentes e residuais. E, por último, não poderíamos deixar de

apontar o que Dwyer (1991) refere como intrínseca correspondência entre a história da

saúde no trabalho e as histórias que se inscrevem na evolução do conhecimento de

processos sociais de gestão dos riscos no trabalho. A construção da paz social entre

patronato e movimento sindical dá-se em torno de questões referentes à saúde e à

segurança através da prevenção alcançada pela formação profissional. Porém, a ruptura

desta paz social ocorre por ocasião de grandes catástrofes sanitárias, indicando a chegada

de um momento de acidentes de grandes proporções, com impactos coletivos na saúde e

no meio ambiente. Tal situação revela o choque social dos acidentes quando, pela sua

gravidade, provocam importantes perturbações nos planos emocional, psíquico e

psicossocial daqueles diretamente envolvidos, como especialistas, técnicos, mas

principalmente a população em geral, através da proximidade que a mídia pode oferecer do

evento. Para Llory (1999), esses episódios são o retorno à dimensão oculta ou ocultada da

construção social dos agravos relacionados ao trabalho, a desforra da realidade global

sobre a visão reducionista da ciência especializada.

Se reconhecermos que a saúde e a doença se definem como um processo dinâmico,

expresso no corpo, no trabalho, nas condições de vida, nas dores, no prazer e no

sofrimento, enfim, em tudo que compõe uma história singular, mas também coletiva, pela

influência das múltiplas lógicas inscritas nesse processo, estaremos caminhando para uma

concepção ampliada de saúde do trabalhador (MENDES, 2003).

O cenário, portanto, compõe-se de diferentes interfaces, fruto de construções sociais,

históricas e contemporâneas, entrelaçando concepções e aspectos legais, estruturais e

conjunturais. Esse sistema está fundado na prevenção e na reparação de danos à saúde,

focalizado no indivíduo e, secundariamente, na organização do trabalho. Ao se constatar

que as relações de produção vêm apresentando outras configurações e impondo demandas

diferenciadas, redobram- se as exigências e os cuidados na área da saúde do trabalhador,

elevando-se a um novo patamar as ações e estratégias dos profissionais nela inseridos.

Da prevenção do acidente de trabalho à saúde do trabalhador

O contexto atual não só altera as múltiplas determinações da saúde do trabalhador,

como exige um redimensionamento dos conhecimentos e das ações nesta área que

contemple as diferentes manifestações que emergem da relação do trabalho versus saúde-

doença. A visão prevencionista que centra nos trabalhadores os cuidados com os riscos a

Page 45: PSICOLOGIA DO TRABALHO - ifcursos.com.br · geral de sistemas. ... Psicologia do Trabalho Emerson Luiz Essas teorias nunca se preocuparam em incorporar a cultura organizacional como

45

Psicologia do Trabalho www.ifcursos.com.br Emerson Luiz

que estão expostos revela-se deficitária e acaba ocultando as manifestações decorrentes

da inserção produtiva e social destes trabalhadores. Nesse sentido, não promove a saúde

nem o enfrentamento dos diferentes condicionantes. Prevalece uma ação normatizadora da

legislação vigente em detrimento das reais possibilidades de formular proposições

conjuntas que atendam as necessidades oriundas da vida no trabalho, pois a concepção de

saúde do trabalhador e seus aspectos relacionados à prevenção e à proteção ocupacional

devem reconhecer o processo de doença-trabalho dentro e fora do âmbito produtivo e,

fundamentalmente, como as diferentes expressões de agravo à saúde se manifestam em

diferentes épocas e espaços profissionais.

Destaca-se que uma questão sempre atual diz respeito à concepção adotada quanto

às causas dos acidentes de trabalho. A mais frequente indica que os acidentes de trabalho

são resultantes dos chamados atos inseguros praticados pelo próprio trabalhador. Contudo,

sabemos que mesmo aqueles acidentes que ocorrem pelo descuido do trabalhador muitas

vezes são condicionados por diferentes determinantes, tais como o cansaço provocado

pelas horas extras, estafa crônica, horas não dormidas, alimentação e transporte

deficientes, precárias condições ambientais, manuseio de máquinas e equipamentos que

requeiram atenção redobrada, intensificação do ritmo de trabalho, exigências de um

trabalhador polivalente e más condições de vida e de trabalho, entre outras causas. A

lógica apresentada tende a imputar a culpa ao trabalhador: [...] vai desde teorias da culpa,

em que é enfatizada a imperícia do trabalhador; à acidentabilidade, que supõe a existência

de trabalhadores acidentáveis; à predisposição aos acidentes, em função de características

individuais, e à dicotomia entre os fatores humanos e o ambiente do trabalho. (MACHADO

& MINAYO-GOMES, 1995, p. 118).

Historicamente, o trabalhador se tornou objeto de ações que centram nele a

responsabilidade de evitar a iminência de dano ou risco à sua saúde, tendendo, ao mesmo

tempo, a responsabilizá-lo em caso de acidente de trabalho em detrimento das condições

de trabalho, caracterizando, portanto, o acidente como consequência de “ato inseguro”.

Segundo Wünsch (2005), essa visão, que parece ter se consolidado em meio aos

profissionais da área, desencadeou dois processos opostos e linearmente construídos:

a) conceber o acidente de trabalho como produto da conduta do trabalhador no seu

ambiente laboral; este é entendido como resultante de causa endógena e individualizada

por parte do acidentado. A ação tende a “educar” o indivíduo para se prevenir; b) centrar

o foco no indivíduo contribui para um distanciamento da percepção da saúde do

trabalhador como algo implicado também com as condições de vida – alimentação,

habitação, remuneração, entre outros – e com a organização do trabalho – incluindo todos

os componentes do processo de trabalho, como a força de trabalho, os desgastes físico,

psíquico e social, a matéria-prima (muitas vezes insalubre, de manuseio penoso e pesado,

tóxica etc.), os instrumentos de trabalho e os riscos ao operacionalizá-los.

Autores como Dejours (1988) e Seligman (1990) chamam a atenção para os

aspectos geradores de risco à saúde dos trabalhadores, fundamentalmente relacionados ao

processo de organização do trabalho. Para Dejours (1988), o sofrimento no trabalho se

relaciona à insatisfação com a tarefa realizada e seu conteúdo significativo e também ao

conteúdo ergonômico do trabalho. A adaptação do homem ao trabalho, seja ela física ou

mental, vem merecendo diferentes estudos por parte da ergonomia, que se preocupa com

Page 46: PSICOLOGIA DO TRABALHO - ifcursos.com.br · geral de sistemas. ... Psicologia do Trabalho Emerson Luiz Essas teorias nunca se preocuparam em incorporar a cultura organizacional como

46

Psicologia do Trabalho www.ifcursos.com.br Emerson Luiz

os meios e as condições de execução do trabalho. As melhorias dessas condições dizem

respeito ao grau de participação, autonomia e organização dos envolvidos (OLIVEIRA,

2002). Entretanto, segundo este mesmo autor, é importante diferenciar o trabalho real e o

trabalho prescrito, ou seja, o trabalho efetivamente realizado, o real, depende dos meios

fornecidos para realizá-lo e das condições físicas e mentais do trabalhador. Neste sentido,

o resultado do trabalho depende de vários fatores que envolvem o trabalhador, a empresa,

as condições de saúde e trabalho. Decorre desse contexto também a necessidade do

reconhecimento do trabalho real, pelos diferentes níveis de relações de trabalho e sociais

do trabalhador, como fator subjetivo de satisfação e saúde mental no trabalho.

Em estudo realizado por Seligman (1990) sobre condições de trabalho e vida dos

trabalhadores vinculadas à saúde mental destes, a autora chama a atenção para as

condições que são derivadas também das características da organização do trabalho.

Destaca os seguintes fatores de riscos para a saúde mental: jornada prolongada; trabalhos

em turnos alternantes; ritmo acelerado e exigências referidas ao mesmo; tempo de

descanso insuficiente; hierarquização rígida; sistemas de controle do desempenho na

produção; sistema insatisfatório de segurança do trabalho; rotatividade de pessoal;

desinformação; desvios de função e acúmulo de funções. Situam também os riscos físicos,

ambientais e químicos, bem como as relações interpessoais conflituosas dentro da

empresa, principalmente em relação às chefias, como geradoras de mágoa e insatisfação. O

mesmo estudo traz outras questões relacionadas às condições de vida como fatores

principais causadores de tensão e a perdas relacionadas à migração e habitação em

condições insatisfatórias, entre outras.

Conclui-se que a compreensão da forma de organização do trabalho, imbricada com

as necessidades advindas das condições de vida do trabalhador, é central para a (re)

formulação de uma proposta de gestão em saúde do trabalhador nas empresas que venha a

ser articulada com a política específica para esta área.

Considerações para um debate continuado

Tem-se presente que as formulações aqui apresentadas trazem em si elementos

para uma reflexão inesgotável sobre a saúde e o trabalho na atualidade, constituindo-se

em categorias que expressam a nova configuração societária, na qual o trabalho tem novos

significados e determinações. A saúde, por sua vez, expressa a sinergia com as condições

de vida e trabalho e só pode ser pensada na sua totalidade num cenário em que a dimensão

social não seja ocultada por diferentes mecanismos presentes na sociedade.

Portanto, a dinâmica da produção, as condições de trabalho e o modo de vida

continuam sendo fontes importantes para que se compreenda o processo de saúde,

adoecimento e morte dos trabalhadores. Ao evidenciar o acidente de trabalho e as doenças

profissionais como expressão e síntese do processo de saúde-doença e trabalho, torna-se

constitutiva a busca de uma “contralógica” que trabalhe na perspectiva da saúde e

segurança no trabalho como estratégia organizacional, fundada em processos

participativos e educativos, nas diferentes instâncias de tomada de decisão. Esses modelos

de gestão participativa, de mudanças nas condições físicas, ergonômicas e organizacionais,

pactuações em torno de prioridades, estabelecimento de práticas inovadoras e relações

horizontais têm se revelado importantes instrumentos para uma nova cultura em saúde e

segurança no trabalho desde que não sejam utilizados como meros instrumentos de

Page 47: PSICOLOGIA DO TRABALHO - ifcursos.com.br · geral de sistemas. ... Psicologia do Trabalho Emerson Luiz Essas teorias nunca se preocuparam em incorporar a cultura organizacional como

47

Psicologia do Trabalho www.ifcursos.com.br Emerson Luiz

elevação das taxas de lucro. Sem dúvida, não se trata de uma tarefa fácil para os

profissionais que atuam na área, tendo em conta a dinâmica de organização e gestão do

trabalho e o tensionamento presente neste contexto, fundamentalmente, pela

secundarização do papel do trabalhador nessa dinâmica.

Os avanços obtidos com a construção de um novo conceito de saúde do trabalhador,

nas últimas décadas, precisam ser consolidados socialmente, o que passa pelo

reconhecimento da centralidade do trabalhador nesse processo, pela compreensão e

enfrentamento dos determinantes sociais, econômicos, políticos e culturais presentes na

sociedade atual e, por conseguinte, na saúde do trabalhador.

Referências

ALBORNOZ, S. O que é trabalho? 6. ed. São Paulo: Brasiliense, 1994. (Coleção Primeiros

Passos, 171).

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, 1988.

. Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991 e Decreto nº 2.172, de 05 de março de 1997. Dispõe

sobre o Plano de Benefícios da Previdência Social. Brasília: Ministério da Previdência e

Assistência Social, 1997.

. Ministério da Previdência Social. Anuário estatístico de acidentes de trabalho e doenças

profissionais. Brasília: Ministério da Previdência Social, 2005. Disponível em:

http://www.previdenciasocial.gov.br. Acesso em: dez.2006.

. Ministério da Saúde. Resoluções da 3ª Conferência Nacional da Saúde do Trabalhador.

Disponível em: http://www.saude.gov.br. Acesso em: abr. 2006.

BUSS, P. M. Promoção da saúde e qualidade de vida. Ciênc. Saúde coletiva, Rio de Janeiro,

v. 5, n 1, p. 163-178, 2000.

DEJOURS, C. A loucura do trabalho: estudo de psicopatologia do trabalho. São Paulo:

Cortez/Oboré, 1988.

DIAS, E. C. Saúde do trabalhador. In: TODESCHINI, R. (Org.). Saúde, meio ambiente e

condições de trabalho: conteúdos básicos para uma ação sindical. São Paulo:

Fundacentro/CUT, 1996.

DWYER, T. Life mand and death at work: industrial accidents as case of socially produced

error. New York/London: Plenum, 1991.

LAURELL, A. C.; NORIEGA, M. Processo de produção e saúde. São Paulo: Hucitec, 1989.

LLORY, M. Acidentes industriais: o custo do silêncio – operadores privados da palavra e

executivos que não podem ser encontrados. Tradução de Alda Porto. Rio de Janeiro: Multi

Mais/Funenseg, 1999.

MACHADO, J. M. H.; MINAYO-GOMEZ, C. Acidentes de trabalho: concepções e dados. In:

MINAYO, M. C. S. (Org.). Os muitos brasis: saúde e população na década de 80. São

Paulo/Rio de Janeiro: Hucitec/Abrasco, 1995.

MENDES, J. R. M. Acidente de trabalho. In: CATTANI, A. D. (Org.). Trabalho e tecnologia:

dicionário crítico. Petrópolis/ Porto Alegre: Vozes/Editora da Universidade, 2002.

. O acidente e a morte no trabalho. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2003. MENDES, J. M. R.;

OLIVEIRA, P. A. B. Medicina do trabalho: o desafio da integralidade na atenção à saúde. In:

VIEIRA, S. I. V. (Coord.). Medicina básica do trabalho. Curitiba: Gênesis, 1995. v. 4.

MINAYO-GOMEZ, C.; THEDIM-COSTA, S. M. F. A construção do campo da saúde do

trabalhador: percurso e dilemas. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 13, supl. 2, 1997.

Page 48: PSICOLOGIA DO TRABALHO - ifcursos.com.br · geral de sistemas. ... Psicologia do Trabalho Emerson Luiz Essas teorias nunca se preocuparam em incorporar a cultura organizacional como

48

Psicologia do Trabalho www.ifcursos.com.br Emerson Luiz

OLIVEIRA, P. A. B. Ergonomia. In: CATTANI, A. D. (Org.). Trabalho e tecnologia:

dicionário crítico. Petrópolis/ Porto Alegre: Vozes/Editora da Universidade, 2002.

PEZERAT, H. A defesa das vítimas do amianto: implicações políticas e significado. Paris:

Andeva, 2000. (mimeo)

POSSAS, C. Saúde e trabalho: A crise da Previdência Social. São Paulo: Hucitec, 1989.

SANTOS, E. M. Frutos anônimos da exploração: o caso dos acidentes e intoxicação dos

trabalhadores do abacaxi em Sapé, Paraíba. 1985. Dissertação (Mestrado em Saúde

Pública) – Escola Nacional de Saúde Pública, Fundação Oswaldo Cruz, 1985.

SELIGMAN, E. Saúde mental e trabalho. In: TUNDIS, S. (Org.). Cidadania e loucura mental

no Brasil. Petrópolis: Vozes, 1990.

THÉBÀUD-MONY, A. Santé, travail et précarization sociale en banlieue parisienne.

Sociologie Santé, Paris, n. 16, p. 40-55, 1997.

VIEIRA, C. E. Cultura e formação humana no pensamento de Antonio Gramsci. Educ.

Pesqui., São Paulo, v. 25, n. 1, 1999. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.

WÜNSCH, D. S. A construção da desproteção social no contexto histórico contemporâneo

do trabalhador exposto ao amianto. 2005. Tese (Doutorado em Serviço Social) – Faculdade

de Serviço Social, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. 2005.

DICAS PARA TÉCNICOS EM SEGURANÇA DO TRABALHO

Em todas as profissões quando chega a hora de estrear no primeiro emprego a novela é a

mesma, estudei, mas, estou inseguro para atuar.

Nisso tudo sempre tem uma boa dose de excesso de auto–cobrança.

Ora, se fiz um bom curso e um bom estágio é lógico que até terei problemas, mas, só até

me adequar a realidade da empresa e da profissão.

Nessa situação o mais importante é fazer uma coisa de cada vez, e não querer

abafar o mundo com as pernas.

É importante lembrar que o profissional em segurança do trabalho tem que se apoiar nas

normas e leis, fazendo assim sempre terá mais chances de acertos. O profissional que

“acha” alguma coisa na área de segurança do trabalho está redondamente enganado!

Nossa profissão é cercada por leis e devemos nos apoiar nessas leis fazendo o que elas

dizem, assim diminuiremos a chance de erros.

Dicas para Técnicos em Segurança do Trabalho recém formados – exercendo a profissão

Conheça a sua empresa: Ande em todos os setores da empresa, conheça os superiores

de cada setor. Faça amizade com todos os trabalhadores que puder.

Técnico em Segurança do Trabalho tem que saber se relacionar para poder contar com

opiniões e conselhos de todos.

Grau de Risco: É importante conhecer o Grau de Risco principal e os secundários, isso

ajuda na hora de tomar decisões.

Funcionários: Descubra se todos atuam internamente ou se a empresa tem externos.

Page 49: PSICOLOGIA DO TRABALHO - ifcursos.com.br · geral de sistemas. ... Psicologia do Trabalho Emerson Luiz Essas teorias nunca se preocuparam em incorporar a cultura organizacional como

49

Psicologia do Trabalho www.ifcursos.com.br Emerson Luiz

Em caso de externos, é provável que o risco da profissão deles seja diferente dos

internos. Se por ventura tiver funcionários externos, não se esqueça de fazer a avaliação

dos riscos da função, e colocar no PPRA.

Faça-se conhecer: É importante que todos saibam que é o novo TST da empresa, para

isso até Emails e comunicados internos na empresa servem.

CIPA: Procure contato imediato com os cipeiros se a empresa tiver.

A CIPA é um aliado muito importante em favor do sucesso da gestão de segurança do

trabalho na empresa. Por isso procure conversar muito com eles, e avalie cada proposta

ou sugestão que fizerem.

Muita gente reclama que a CIPA não faz nada, mas são poucos os TSTs que dão valor e

ouvido para suas CIPAs.

Lembre-se sua CIPA só vai funcionar se você a valorizar, os cipeiros querem ao menos

serem ouvidos, ouça então e dê confiança, e depois colherá os frutos!

Documentação: Procure saber se os programas da empresa estão em dias

PPRA, PCMSO, etc. No geral o PPRA merece atenção especial, pois no caso de

fiscalização normalmente é o primeiro documento solicitado.

Veja se o PPRA atual da empresa atende a realidade atual da mesma, veja também se o

cronograma de ações está sendo cumprido, se não estiver coloque isso como prioridade.

Um cronograma de ações que não é cumprido é como se nem tivesse um PPRA.

Check list: Faça uso de um bom check list para definir sua prioridades a pequeno,

médio e longo prazo, e para traçar e seguir um cronograma de trabalho organizado.

Assim aumentará muito a chance de ser mais produtivo e diminuirá a chance de

esquecer ações importantes.

Verifique se os EPIs da empresa atendem as normas e a realidade do risco da

empresa, e se estão em ordem.

Chão de fábrica: Ande muito, fale com todos que conseguir, e principalmente nos

primeiros dias escute muito e fale pouco.

Jamais seja arrogante, não se ache o sabe tudo.

Respeite a hierarquia da empresa.

Seja humilde sem deixar que te façam de cavalo.

O equilíbrio é a chave do sucesso principalmente nos primeiros dias.

Seja flexível sem perder o foco prevencionista, encare os problemas e não se faça de

vítima. O que for de sua alçada dê o seu sangue mais resolva!

Seja realista: Na vida existe o ideal e o realizável.

O profissional de sucesso é aquele que consegue resolver o problema usado os meios

reais, não os imagináveis. Usando o orçamento real da empresa, buscando soluções

acessíveis a realidade física e financeira da empresa.

Page 50: PSICOLOGIA DO TRABALHO - ifcursos.com.br · geral de sistemas. ... Psicologia do Trabalho Emerson Luiz Essas teorias nunca se preocuparam em incorporar a cultura organizacional como

50

Psicologia do Trabalho www.ifcursos.com.br Emerson Luiz

Quando terminamos o curso saímos com um ideal de trabalho, e ás vezes temos que

moldar esse ideal a realidade da empresa.

A solução indicada sempre deve buscar fazer do ambiente de trabalho um local

seguro, minimizando ao máximo os riscos e não inviabilizar o trabalho.

Nossa profissão visa encontrar soluções reais e não somente apontar problemas.

Esqueça o seu anterior: Não culpe ninguém pelos problemas que encontrar na empresa.

Lembre-se se não houvesse problemas não precisariam de você. Somos contratados

exatamente para isso, “encontrar soluções para os problemas”. É como diz o Darcy do

blog Tem Segurança, não seja um estorvo!

Documente suas ações: Se tem uma coisa que estou aprendendo a duras penas é o

valor dos Emails na organização do meu trabalho na empresa. Tudo que for fazer de

importante, documente. Fulano liberou a compra de tal equipamento, mas só fez isso

verbalmente, você combinou o preço da compra de um equipamento só verbalmente,

não faça isso!

Peça Emails para que posteriormente caso seja necessário tenha como provar que tinha

autorização para fazer, ou que tinha autorização para comprar, etc.

Seja verdadeiro: Se te perguntarem algo que não saiba, peça um tempo para pesquisar e

responda assim que tiver certeza e de preferência, sempre responda com

embasamento legal sobre o assunto.

Não seja o Motoboy da empresa: Você tem uma carga horária definida por lei para

cumprir veja NR 4 no item 4.8.

Veja sobre o desvio de função NR 4, item 4.19. Explique isso a seus gerentes caso

necessário, e faça cumprir a lei!

Estude sempre: Não tenha preguiça de estudar, seja interessado por assuntos da

profissão. Seminários, palestras, SIPATs, sites, comunidades virtuais, tudo isso vale

para o aprendizado.

Quem não busca conhecimento não se aperfeiçoa, e fica sendo apenas mais um no mercado

de trabalho.

Quando for pesquisar na net procure as referências das leis e as confira, quanto mais

entender de leis melhor será para você e sua empresa.

Fonte: http://segurancadotrabalhonwn.com/dicas-para-tecnicos-em-seguranca-do-

trabalho-recem-formados/ acesso em 21/04/2014

Sites sugeridos para consulta sobre técnicas em segurança do trabalho e assuntos

relacionados.

www.segurancanotrabalho.eng.br

www.areaseg.com/

http://www.sintesb.org.br/

www.segurancadotrabalhonwn.com

www.temseguranca.com

Sucesso a todos!