protocolo heráclito helios

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Protocólo da reunião do dia 30.10.95 Procuramos nesta reunião dar início ao estudo do fragmento terceiro que diz: Ηλιοσ ευροσ ποδοσ ανθρωπειου. Olhando modernamente, isto é, segundo o significado usual que atribuímos hoje às palavras, diríamos: Uma frase jogada ao acaso, sem sentido e infundada. Para o mundo dos negócios, fruto de um ócio extremo. Para o desenvolvimento econômico rápido e prático, só viria a confirmar a inutilidade do pensamento, tendo em vista que o útil já está estabelecido. Ηλιοσ diz sol. Sol; nos diz astro, natureza. E natureza por sua vez, o físico, o mensurável, o objeto passível de dominação e exploração humana. Assim como Ηλιοσ, ευροσ ποδοσ, pode-se enquadrar em uma linguagem geométrica. Assim, definida a linguagem a ser usada na interpretação, a saber, a geométrica, faz-se uma interpretação sarcástica: alguém, por falta de instrumentos adequados, vendo que podia esconder o sol com pe’, conclui: “O sol do tamanho de um pé humano”. Querer compreender um fragmento que dista cronologicamente de nós hoje mais de dois milênios e meio, servido-nos de uma pressuposição moderna como parâmetro, fica um tanto complicado. Não podemos limitar-nos ao sentido objetivo-moderno dos termos. Isso não quer afirmar que o pensar pré-socrático é indiferente da nossa realidade ou ao modo próprio de ser do homem. Nos sentimos conosco quando estamos com eles. A estranheza (o espanto) destes pensadores deixa de nos ser externamente estranha para afirmar-se como nossa própria estranheza. Será que o grego, ao falar Sol, não estaria querendo designar o fenômeno da phisys? E a phisys grega não corresponde ao que hoje compreendemos por natureza. Phisys é uma profundidade abissal que se desvela como alethéia. A atenção para esse fenômeno de desvelamento é a condição para ver cada coisa em seu lugar, ela mesma. É sentir-se em casa. O velamento é o princípio de atração que nos atrai a atenção para o desvelamento da phisys como alethéia. Phisys, como aparecer do todo (do uno) no particular e não o conjunto a abranger uma adversidade de entes. O espanto gera a atenção para captar a phisys, isto é, este puro surgir que impregna cada coisa. Não podemos contrapor phisys a lógos, pois são a mesma coisa a unificar todos os entes. Phisys não é o irracional e lógos o racional. Ao perdermos a atração por essa profundidade unificadora, passamos a separar phisys de lógos. Entendemos o surgir dessa profundidade como um movimento de subida, mas cada coisa é puro surgir, mesmo recolhida em si mesma. Cada coisa está impregnada desse puro surgir. Cada ente que vem à fala é puro surgir. Procurar ver a phisys em cada coisa não dá rotina, pois é sempre de novo em sendo. O puro surgir está ali presente em cada coisa deixando-se ver. Assim, temos a vida como um puro surgir. Esse modo próprio do puro surgir da montanha é deuses. Esse vigor de ser é vida. Daí que Píndaro diz zátheos para designar lugares e regiões e montanhas. Diz zátheos quando então quer dizer que ali os deuses, isto é, os aparecentes são presentes e se deixam ver. Partindo desses pressupostos, como compreender a mitoligia grega? Será o mito um instrumento primitivo e irracional para explicar os fenômenos da natureza? Compreendemos mito como um passo anterior à filosofia. Com o advento do pensamento filosófico, passamos do ingênuo para o esclarecido. Não serão os mitos (deuses) uma admiração do divino, que aparece como puro surgir em cada coisa?

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Procuramos nesta reunião dar início ao estudo do fragmento terceiro que diz...

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  • Protoclo da reunio do dia 30.10.95

    Procuramos nesta reunio dar incio ao estudo do fragmento terceiro que diz: . Olhando modernamente, isto , segundo o significado usual que atribumos hoje s palavras, diramos: Uma frase jogada ao acaso, sem sentido e infundada. Para o mundo dos negcios, fruto de um cio extremo. Para o desenvolvimento econmico rpido e prtico, s viria a confirmar a inutilidade do pensamento, tendo em vista que o til j est estabelecido. diz sol. Sol; nos diz astro, natureza. E natureza por sua vez, o fsico, o mensurvel, o objeto passvel de dominao e explorao humana. Assim como , , pode-se enquadrar em uma linguagem geomtrica. Assim, definida a linguagem a ser usada na interpretao, a saber, a geomtrica, faz-se uma interpretao sarcstica: algum, por falta de instrumentos adequados, vendo que podia esconder o sol com pe, conclui: O sol do tamanho de um p humano.

    Querer compreender um fragmento que dista cronologicamente de ns hoje mais de dois milnios e meio, servido-nos de uma pressuposio moderna como parmetro, fica um tanto complicado. No podemos limitar-nos ao sentido objetivo-moderno dos termos. Isso no quer afirmar que o pensar pr-socrtico indiferente da nossa realidade ou ao modo prprio de ser do homem. Nos sentimos conosco quando estamos com eles. A estranheza (o espanto) destes pensadores deixa de nos ser externamente estranha para afirmar-se como nossa prpria estranheza.

    Ser que o grego, ao falar Sol, no estaria querendo designar o fenmeno da phisys? E a phisys grega no corresponde ao que hoje compreendemos por natureza. Phisys uma profundidade abissal que se desvela como alethia. A ateno para esse fenmeno de desvelamento a condio para ver cada coisa em seu lugar, ela mesma. sentir-se em casa. O velamento o princpio de atrao que nos atrai a ateno para o desvelamento da phisys como alethia. Phisys, como aparecer do todo (do uno) no particular e no o conjunto a abranger uma adversidade de entes. O espanto gera a ateno para captar a phisys, isto , este puro surgir que impregna cada coisa.

    No podemos contrapor phisys a lgos, pois so a mesma coisa a unificar todos os entes. Phisys no o irracional e lgos o racional. Ao perdermos a atrao por essa profundidade unificadora, passamos a separar phisys de lgos. Entendemos o surgir dessa profundidade como um movimento de subida, mas cada coisa puro surgir, mesmo recolhida em si mesma. Cada coisa est impregnada desse puro surgir. Cada ente que vem fala puro surgir. Procurar ver a phisys em cada coisa no d rotina, pois sempre de novo em sendo. O puro surgir est ali presente em cada coisa deixando-se ver. Assim, temos a vida como um puro surgir. Esse modo prprio do puro surgir da montanha deuses. Esse vigor de ser vida. Da que Pndaro diz ztheos para designar lugares e regies e montanhas. Diz ztheos quando ento quer dizer que ali os deuses, isto , os aparecentes so presentes e se deixam ver.

    Partindo desses pressupostos, como compreender a mitoligia grega? Ser o mito um instrumento primitivo e irracional para explicar os fenmenos da natureza? Compreendemos mito como um passo anterior filosofia. Com o advento do pensamento filosfico, passamos do ingnuo para o esclarecido. No sero os mitos (deuses) uma admirao do divino, que aparece como puro surgir em cada coisa?