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Universidade Federal de Pernambuco NEHTE / Programa de Pós Graduação em Letras CCTE / Programa de Pós Graduação em Ciências da Computação
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Projeto LETDIC - Leitura e Escrita com os usos das TDIC: contribuições humanísticas na formação de
engenheiros da UFOP
Daniela Rodrigues Dias1 (UFOP) Hércules Tolêdo Corrêa2 (UFOP)
Resumo: Este artigo relata a experiência de um projeto denominado LETDIC - Leitura e Escrita com os usos das TDIC, desenvolvido com alunos dos cursos de Engenharia da Computação e Engenharia Elétrica da UFOP. O projeto teve como objetivo levar os alunos a ler e produzir textos em diferentes linguagens, a partir da linguagem verbal escrita, usando as tecnologias digitais de informação e comunicação. Como resultado, identificamos formas de aprendizagens significativas e colaborativas, nas quais os alunos utilizaram a multiplicidade de linguagens e recursos multissemióticos, tornando-se assim efetivos leitores e produtores de textos nas culturas digitais, locais e globais.
Palavras-chave: multiletramentos, letramento digital, tecnologias digitais de informação e comunicação. Abstract: This article describes the experience of a project called LETDIC - Reading and Writing with the uses of TDIC, developed with students of Computer Engineering and Electrical Engineering UFOP. The project aimed to get students to read and produce texts in different languages, from the verbal written language, using digital technologies for information and communication. As a result, we identified significant and forms of collaborative learning, in which students used the multiplicity of languages and multisemiotic resources, thus becoming effective readers and producers of texts in digital, local and global cultures. Keywords: multiliteracies, digital literacy, digital technologies for information and communication.
Considerações Iniciais
Atualmente, com a presença das tecnologias digitais de informação e
comunicação - TIDC observa-se a criação de novas possibilidades de expressão e
1 Daniela Rodrigues Dias - Mestranda em Educação - Universidade Federal de Ouro Preto - UFOP - [email protected]
2 Hércules Tolêdo Corrêa - Prof. Orientador - Programa de Pós-Graduação em Educação - PPGE - Mestrado em Educação -
Universidade Federal de Ouro Preto - UFOP - [email protected]
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comunicação, o que nos faz refletir sobre as exigências dos multiletramentos no
mundo contemporâneo.
É muito importante que a instituição escolar, principal agência de
letramento(s), trabalhe com uma diversidade de textos que circulam socialmente,
que fazem parte da vida do aluno, salientando que o letramento não pode ser
responsabilidade somente do professor de Língua Portuguesa, mas de todos os
professores que trabalham com leitura e escrita.
Em nossas reflexões sobre a área da engenharia, uma das primeiras
compreensões que se apresenta é que é uma área exata, cujo foco está no domínio
da razão, cálculos e raciocínios matemáticos. Entretanto, a linguagem faz parte da
interação em sociedade e da relação do sujeito com os outros que o rodeiam,
portanto, estará presente em todos os campos sociais.
Segundo Bazzo e Pereira (2006), para ser um bom engenheiro não basta
apenas saber usar corretamente os conhecimentos adquiridos na graduação. Não é
suficiente aprender a utilizar eximiamente técnicas e instrumentos, muitos dos
quais obsoletos e outros de que jamais se fará uso na vida profissional. Um
profissional eficiente é, antes de tudo, aquele que sabe utilizar os seus
conhecimentos, o seu raciocínio e a sua capacidade de pesquisar. Mas também é
aquele que sabe se expressar, comunicando com eficácia ideias e resultados de seu
trabalho.
Neste sentido, a leitura, a escrita e a oralidade fazem parte das práticas
sociais dos alunos e, neste caso, como futuros engenheiros se tornarão
pertencentes à àrea não só pelo domínio técnico e de cálculo predominantes nas
áreas de exatas, mas também pelo domínio da linguagem e as relações humanas,
pois participam de diversos eventos de letramento em seu dia a dia.
A grande quantidade de imagens que hoje circulam nas diferentes práticas
sociais colocou a linguagem visual em destaque. Os tradicionais textos escritos
deram lugar a textos que apresentam duas ou mais modalidades semióticas em sua
composição, o que provocou efeitos significativos nas características e formatos
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dos textos. Isso mostra a natureza dinâmica da comunicação na sociedade
contemporânea, onde experimentamos diferentes modos de significar o mundo.
O propósito deste artigo é relatar a experiência e os resultados obtidos no
projeto denominado LETDIC – Leitura e Escrita com os usos das tecnologias digitais
de informação e comunicação, desenvolvido no âmbito da Disciplina Comunicação e
Expressão – Prática de Leitura e Produção de Textos, com alunos do primeiro
período dos cursos superiores de Engenharia da Computação e Engenharia Elétrica
da Universidade Federal de Ouro Preto – UFOP.
Pressupostos Teóricos
Para execução do Projeto, utilizamos como referenciais teóricos conceitos
associados aos multiletramentos, tais como letramento acadêmico, letramento
digital e letramento metamidiático, segundo pesquisadores como Bakhtin, García-
Canclini, Cope e Kalantzis, Corrêa e Jorge, Coscarelli, Rojo, Lemke, dentre outros.
O uso da tecnologia digital vem se solidificando e se destaca como condição
necessária para acesso à informação e para a melhoria do campo da comunicação
mundial e sua aplicabilidade ao campo educacional tem sido vista, por uma parcela
considerável de educadores e instituições educacionais, como uma possibilidade de
modernização para o sistema escolar. (FRADE, 2010)
Segundo a pesquisadora, o termo “tecnologia digital” refere-se, ao conjunto
de mídias informacionais e comunicacionais (CD-ROMs, websites, chats, blogs,
realidade virtual, jogos, softwares, etc.), entendidas como sendo o conjunto de
“veículos de linguagens” utilizadas para a comunicação humana, que, por sua vez,
visam o cumprimento de diferentes interesses e propósitos, de acordo com o
público que se pretende atingir.
De acordo com Coscarelli (2009), não há como falar em tecnologia e
educação sem falar em linguagem. Falar de uma dessas coisas implica falar das
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outras. As formas de ler e escrever são diferentes hoje e as formas de
disponibilização dos textos também são.
A pesquisadora complementa que, lidar com o computador exige lidar com
linguagens, não apenas a linguagem verbal, que era priorizada na escola, mas
também outros sistemas semióticos, como os ícones e toda linguagem não verbal
dos programas (barras de ferramentas), as linguagens de programação, como HTML,
animações, vídeo, rádio, etc.
Para muitos pesquisadores, dentre os quais Xavier (2005), os profissionais de
educação e linguagem precisam desenvolver estratégias pedagógicas eficazes em
seus mais variados espaços educacionais (salas de aula e laboratório de
informática, por exemplo) para enfrentar os desafios que estão colocados:
alfabetizar, letrar e letrar digitalmente o maior número de sujeitos, preparando-os
para atuar adequadamente no Século do Conhecimento.
Neste contexto, inserir-se na sociedade do conhecimento e informação não
quer dizer apenas ter acesso às tecnologias digitais, mas saber utilizá-las para a
busca e a seleção de informações que permita a cada pessoa resolver os problemas
do cotidiano, compreender o mundo e atuar na transformação de seu contexto,
sendo letrados digitalmente.
Segundo Soares (2003), letrar é mais que alfabetizar, é ensinar a ler e
escrever dentro de um contexto onde a escrita e a leitura tenham sentido e façam
parte da vida do aluno. Afinal, a autora defende que, para a adaptação adequada
ao ato de ler e escrever, “é preciso compreender, inserir-se, avaliar, apreciar a
escrita e a leitura”.
O letramento compreende tanto a apropriação das técnicas para a
alfabetização quanto esse aspecto de convívio e hábito de utilização da leitura e da
escrita. Outro fato destacado pela autora, é que o letramento não é só de
responsabilidade do professor de língua portuguesa ou dessa área, mas de todos os
educadores que trabalham com leitura e escrita.
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Já o letramento digital implica realizar práticas de leitura e escrita
diferentes das formas mais tradicionais de letramento e alfabetização. Ser letrado
digital pressupõe assumir mudanças nos modos de ler e escrever os códigos e sinais
verbais e não-verbais, como imagens e desenhos, se compararmos às formas de
leitura e escrita feitas no livro, até porque o suporte sobre o qual estão os textos
digitais é a tela, também digital, e não o papel. (XAVIER, 2005)
Soares (2002) ressalta que o sintagma letramento digital é usado para referir-
se à questão da prática de leitura e escrita possibilitada pelo computador e pela
internet. Nessa linha, a autora apresenta uma nova visão no conceito de
letramento, bem como a confrontação de tecnologias digitais de leitura e de
escrita com tecnologias tipográficas, salientando que cada uma tem seu espaço e
um efeito na sociedade, resultando em conceitos diferentes de letramento.
A autora enfatiza que há modalidades diferentes de letramento, o que
sugere que a palavra seja pluralizada: há letramentos, e não letramento, isto é,
“diferentes espaços de escritas e diferentes mecanismos de produção, reprodução
e difusão da escrita resultam em diferentes letramentos.”
Multiletramentos
O termo multiletramentos ganhou destaque a partir de 1996 com a
publicação de um artigo intitulado “A Pedagogy of Multiliteracies: Designing Social
Futures”, na Harvard Educational Review, formado por um grupo de dez
acadêmicos dentre os quais americanos, ingleses e australianos, denominado “The
New London Group”, o Grupo de Nova Londres. O argumento usado pelo grupo é o
de que nossa vida pessoal, pública e profissional vem mudando consideravelmente
e que essas mudanças, consequentemente, transformam nossa cultura e o nosso
modo de comunicação.
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Segundo Cope e Kalantzis (2001), precursores, dentre outros, do grupo de
Nova Londres, o termo multiletramentos enfatiza duas mudanças importantes e
correlacionadas. A primeira é o crescimento da importância dada à diversidade
linguística e cultural; isto é, em um mundo globalizado, precisamos negociar
diferenças todos os dias. A segunda é a influência da linguagem das novas
tecnologias.
O significado emerge de modos variados (multimodais) – escrita, imagens,
movimento, áudio, o que requer um conceito de letramento novo e multimodal,
principalmente no letramento visual, em que a importância social da imagem tem
aumentado de forma considerável.
Todos esses termos, de acordo com Kress e Van Leeuween (1996),
reconhecem a multiplicidade de significados que combinam vários modos (visual,
textual, auditivo, movimento, etc.) como também os seus contextos sociais,
levando-nos a compreender a importância dos multiletramentos.
Neste contexto, trabalhar com multiletramentos envolve, comumente, o uso
de novas tecnologias de comunicação e informação e caracteriza-se como um
trabalho que, na proposta de Rojo, parte das culturas de referência do alunato e
de gêneros, mídias e linguagens por ele conhecidos, para buscar um enfoque
crítico, pluralista, ético e democrático - que envolva agência - de textos - discursos
que ampliem o repertório cultural, na direção de outros letramentos, valorizados
(...) ou desvalorizados (...). (ROJO, 2012, p. 08)
No desenvolvimento dos argumentos a favor dos multiletramentos, a
pesquisadora inicialmente localiza a origem histórica desse conceito que procura
cobrir dois “multi”:
• Multiculturalidade - a multiplicidade - variedade cultural das populações
presente em nossas sociedades, principalmente urbanas, na
contemporaneidade.
• Multimodalidade - a multiplicidade - variedade semiótica de constituição dos
textos por meio dos quais a multiculturalidade se comunica e informa.
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No que se refere à variedade cultural, é preciso notar como assinala García-
Canclini (2008[1989]: 302-309), o que hoje vemos à nossa volta são produções
culturais letradas em efetiva circulação social, como um conjunto de textos
híbridos de diferentes letramentos (vernaculares e dominantes), de diferentes
campos (ditos “popular/de massa/erudito”), desde sempre híbridos, caracterizados
por um processo de escolha pessoal e política e de hibridização de produções de
diferentes “coleções”.
No que se refere à variedade semiótica, Lemke (2010[1994a; 1998]) defende
que o que realmente precisamos ensinar, e compreender antes que possamos
ensinar, é como vários letramentos e tradições culturais combinam modalidades
semióticas diferentes para construir significados que são mais do que a soma do
que cada parte poderia significar separadamente. O pesquisador tem chamado isto
de “significado multiplicador”, porque as opções de significados de cada mídia
multiplicam-se entre si em uma explosão combinatória; em multimídia as
possibilidades de significação não são meramente aditivas.
A pesquisadora Rojo (2012), enfatiza que, ao considerar esses dois “multi”, o
conceito de multiletramentos avança em relação ao de letramento que, segundo
ela, “não faz senão apontar para a multiplicidade e variedade das práticas
letradas.”
Segundo Kress e Van Leeuwen (1996), no decorrer no século XX outros
recursos semióticos passaram a se relacionar com a linguagem verbal, de modo que
hoje em dia é bastante comum a produção de textos multimodais nas diversas
práticas comunicativas.
Tais autores defendem que as estruturas visuais assemelham-se às estruturas
linguísticas, visto que aquelas também expressam interpretações particulares da
experiência, além de se constituírem como formas de interação social. Desse
modo, as escolhas de composição de uma imagem também são escolhas de
significado.
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Significados pertencem à cultura, ao invés de modos semióticos específicos (...). Por exemplo, aquilo que é expresso na linguagem através da escolha entre diferentes classes de palavras e estruturas oracionais, pode, na comunicação visual, ser expresso através da escolha entre os diferentes usos de cor ou diferentes estruturas composicionais. E isso afetará o significado. Expressar algo verbalmente ou visualmente faz diferença. (Kress e Van Leeuwen (1996, p. 2)
Para Kress e Van Leeuwen (1996), a comunicação visual tem evoluído através
de seu uso social em sistemas semióticos articulados ou parcialmente articulados, o
que possibilitou os estudos para uma abordagem multimodal e semiótica.
Os autores entendem que cada modo semiótico desenvolve-se enquanto uma
rede de recursos interligados para a produção de signos. As alternativas
selecionadas dentro dessas redes de significado podem ser vistas como traços da
decisão do sujeito em produzir o significado mais apto e plausível em um
determinado contexto de comunicação.
As últimas décadas têm evidenciado uma mudança bastante abrangente no
cenário da comunicação: os textos são irrefutavelmente multimodais. Notícias,
periódicos científicos e campanhas publicitárias, para citar apenas alguns gêneros,
realizam significados por mais de um código semiótico. O que se percebe com isso
é que os modos visual, gestual e sonoro, por exemplo, carregam potencialidades de
significação. Mergulhados nesses diferentes modos de se produzir sentidos, torna-se
impossível lermos um texto prestando atenção somente na mensagem escrita. O
verbal, portanto, é apenas um elemento representacional conjugado a outros.
Para Rojo (2012), o mundo contemporâneo, é caracterizado pela
multiplicidade cultural que se expressa e se comunica por meio de textos
multissemióticos (impressos ou digitais), ou seja, textos que se constituem por
meio de uma multiplicidade de linguagens (fotos, vídeos e gráficos, linguagem
verbal oral ou escrita, sonoridades) que fazem significar estes textos.
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Projeto LETDIC
O projeto LETDIC – Leitura e Escrita com os usos das tecnologias digitais de
informação e comunicação foi desenvolvido no âmbito da Disciplina Comunicação e
Expressão – Prática de Leitura e Produção de Textos, com alunos do primeiro
período dos cursos de Engenharia da Computação e Engenharia Elétrica da
Universidade Federal de Ouro Preto – UFOP.
A disciplina Comunicação e Expressão – Prática de Leitura e Produção de
Textos foi desenvolvida pelos professores Dr. Hércules Tolêdo Corrêa e Dra. Gláucia
Jorge do Centro de Educação Aberta e a Distância - CEAD da Universidade Federal
de Ouro Preto – UFOP para alunos de cursos de engenharia, com objetivos de
construir competências para ler e produzir alguns gêneros discursivos e construir a
autonomina necessária para ler e produzir textos acadêmicos.
Figura 1: Logomarca Projeto LETDIC
Fonte: Criação Daniela Dias
Segundo Bakhtin (2000 - [1952-1953]), os gêneros discursivos são, portanto,
tipos relativamente estáveis de textos produzidos em um determinado domínio ou
esfera discursiva. Na sociedade contemporânea, grafocêntrica e tecnológica, temos
uma infinidade de domínios discursivos, dentre eles o acadêmico. No âmbito das
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universidades, são produzidos conjuntos de gêneros discursivos, também infinitos e
mais ou menos difíceis de enumerar em sua totalidade. Alguns desses gêneros, no
entanto, são mais produzidos por professores e pesquisadores e, portanto, também
mais solicitados aos alunos e pesquisadores em formação: fichamentos, resumos,
resenhas, relatórios de leitura e artigos científicos.
Schneuwly e Dolz (2004) consideram o gênero como um princípio mediador
entre as práticas sociais e os objetos escolares. A partir dos gêneros é possível
articular uma série de atividades que levem os alunos a ler um texto, partindo da
verificação do conhecimento prévio, proporcionando o conhecimento da situação
de produção, assim como da organização textual, dos elementos linguísticos e não-
linguísticos; promove-se neles não só a competência leitora, como também o
desenvolvimento das capacidades da linguagem que lhes permitirão agir nas
variadas situações de comunicação de que venha a participar.
Salientamos que o interesse sobre os estudos dos Multiletramentos surgiu a
partir da disciplina “Multiletramentos e Formação de Professores”, e também a
partir das discussões do grupo de pesquisa “Multiletramentos e usos de tecnologias
digitais de informação e comunicação na Educação”, coordenado pelo professor Dr.
Hércules Tolêdo Corrêa, do Programa de Mestrado em Educação da Universidade
Federal de Ouro Preto - UFOP.
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Figura 2: Logomarca Grupo de Pesquisa MULTDICS
Fonte: Criação Daniela Dias
Bazzo e Pereira (2006) discorrem que para ser um bom engenheiro não basta
apenas saber usar corretamente os conhecimentos aprendidos num curso
universitário. Não é suficiente saber utilizar eximiamente técnicas e instrumentos,
saber empregar métodos de cálculo e de análise de sistemas, conhecer em
profundidade os procedimentos técnicos pertinentes à profissão. Até porque alguns
deles já estarão obsoletos quando chegar a hora de usá-los na prática; e muitos
outros conhecimentos vistos nas escolas jamais serão de fato necessários - de
forma direta – durante toda a vida profissional. De qualquer forma, todos eles
cumprem o seu papel no processo de educação, de formação de uma mentalidade e
de abordagem de problemas.
Para os autores, um profissional eficiente é, antes de mais nada, aquele que
sabe utilizar os seus conhecimentos, a sua memória, o seu raciocínio e a sua
capacidade de pesquisar. Mas também é aquele que sabe se expressar,
comunicando com eficácia ideias e resultados de seu trabalho. Uma boa solução
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presa na cabeça de seu criador é praticamente inútil. Uma coisa é certa: no seu
dia-a-dia, o engenheiro precisa saber se comunicar. Aliás, a comunicação, em
especial a escrita, é parte inerente ao seu trabalho. Um engenheiro precisa expedir
ordens para os seus subordinados na hierarquia da empresa, realizar projetos para
clientes ou órgãos financiadores, confeccionar relatórios para a direção da
empresa, preparar manuais de utilização de produtos, divulgar seus trabalhos em
congressos, seminários, revistas técnicas etc.
Os autores complementam que, a capacidade de buscar, selecionar e
armazenar informações é um fator preponderante para garantir ao profissional -
notadamente da área tecnológica - o acompanhamento do estado da arte de sua
profissão. Só assim ele consegue desenvolver bem o seu trabalho e comunicar o que
de importante acontece relativo à sua área de atuação.
No entanto, segundo os autores, é bom lembrarmos que alguns estudantes
não têm levado muito a sério essa importantíssima ferramenta, pois relegam a
segundo plano a importância da comunicação na engenharia. Isso acontece na
medida em que refletem a imagem popular de um engenheiro como aquele
indivíduo que decide, projeta, calcula etc., assumindo assim que a comunicação –
em especial a escrita - é algo inteiramente irrelevante para os futuros
profissionais.
Neste sentido, foi desenvolvido o projeto LETDIC que teve como objetivo
precípuo levar os alunos dos cursos de Engenharia a ler e produzir textos em
diferentes linguagens, a partir da linguagem verbal escrita, usando as tecnologias
digitais de informação e comunicação.
Procuramos também abranger atividades de leitura crítica, pesquisa,
análise, produção e apresentação de textos multissemióticos; visar aos
multiletramentos, levando os alunos a se tornarem usuários funcionais, criadores
de sentidos, analistas críticos e transformadores. Os alunos foram motivados a
produzir logomarcas, apresentações e vídeos utilizando as tecnologias digitais de
informação e comunicação e, a partir daí, desenvolveram artigos acadêmicos.
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Figura 3: Multiplicidade de Linguagens e Recursos
Fonte: Criação Daniela Dias
Para tanto, os alunos dividiram-se em equipes e foram orientados a produzir
um nome atrativo para a equipe a partir do tema sugerido; uma logomarca com
explicação e justificativa sobre as cores, escritas e símbolos utilizados; um artigo
científico completo, uma apresentação do tema produzido no artigo e um vídeo
final do tema com exemplos, tutoriais, imagens, músicas e fotos e citações.
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Figura 4: Orientações Projeto LETDIC
Fonte: Criação Daniela Dias
Por tratar-se de um trabalho em equipe, colaborativo e participativo, os
alunos também foram orientados a usarem a criatividade, respeito, cordialidade,
organização e simpatia na apresentação.
Para Bazzo e Pereira (2006), um aspecto parece inevitável no dia a dia do
engenheiro que raramente se isenta da responsabilidade de administrar pessoal.
Aliás, ele passa muito tempo lidando com pessoas, mais do que muitos imaginam.
Assim, a capacidade de manter boas relações pessoais é uma qualidade altamente
desejável. Mesmo porque, para que suas soluções tenham boa aceitação, ele deve
saber o que pensa e quais são as necessidades e aspirações dos clientes,
empregadores, contratantes e, em última instância, da sociedade. Suas decisões,
se insensatas, poderão ser nocivas para grande parcela de pessoas, que serão
afetadas pelo seu trabalho.
Segundo os autores, existem inúmeros exemplos que evidenciam a inter-
relação entre uma grande obra e as pessoas que dela farão uso. Com o seu
discernimento pessoal é que o engenheiro vai julgar os problemas ou os benefícios
sociais que poderão trazer - em termos ecológicos, políticos, econômicos ou outros.
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Através das estratégias didáticas adotadas, a disciplina potencializou a
leitura e produção de textos em diferentes linguagens, a partir da linguagem verbal
escrita, usando as tecnologias digitais de informação e comunicação e a
multiplicidade de recursos (textos, vídeos, imagens, sons, gráficos) em meio
impresso e digital.
Os alunos tiveram adesão total ao projeto e compreenderam a importância
da disciplina em sua vida acadêmica, pessoal e profissional.
O nível dos trabalhos foi elevadíssimo e houve um grande destaque nas
produções dos alunos como criação de logomarcas, apresentações e vídeos,
demonstrando o alto nível de letramento digital. Percebeu-se que as produções da
escrita nos artigos precisam ser aperfeiçoadas através da prática de leitura e
produção de textos acadêmicos.
Através do Projeto observamos alguns aspectos comportamentais dos alunos:
iniciativa e persistência; busca de informações; perspectivas positivas em relação
ao futuro profissional; melhoria da capacidade de expressão; perda da inibição e do
medo de se expor em público; mudanças na apresentação pessoal; melhoria da
auto-estima; motivação para o trabalho em equipe; conscientização da importância
da cidadania; colaboração; interação; autoria; formação ética e estética.
Criações dos alunos com os usos das TDIC
Apresentamos a seguir algumas das criações dos alunos com os usos das
Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação – TDIC.
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Figura 5: Inclusão Digital para Deficientes Visuais através de
Softwares
Figura 6: Acessibilidade na Web
Figura 7: A Engenharia por tras do E-Sport
Fonte: Criação Equipe 1 Fonte: Criação Equipe 2 Fonte: Criação Equipe 3
Figura 8: Nanotecnologia Figura 9: Evolução dos
Consoles
Figura 10: Redes Sociais
Fonte: Criação Equipe 4 Fonte: Criação Equipe 5 Fonte: Criação Equipe 6
Figura 11: Malwares Figura 12: Era Digital Figura 13: Biotecnologia – Casa Sustentável
Fonte: Criação Equipe 7 Fonte: Criação Equipe 8 Fonte: Criação Equipe 9
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Figura 14: Fibras Ópticas e suas Aplicações
Figura 15: Perigos e Vulnerabilidades das Redes Sociais
Fonte: Criação Equipe 10 Fonte: Criação Equipe 11
Considerações finais
A experiência do projeto LETDIC - Leitura com o uso das tecnologias digitais
de informação e comunicação mostrou-se desafiante e enriquecedora, em que os
alunos tornaram-se protagonistas na construção de significados e produtores de
textos ativos nas culturas digitais, locais e globais.
A todo instante vivenciamos experiências diferentes, em contextos sociais
diferentes que nos fazem refletir sobre os multiletramentos e uso das tecnologias
digitais na educação, criando novos significados que são incorporados em nosso dia-
a-dia.
A grande quantidade de imagens que hoje circulam nas diferentes práticas
sociais colocou a linguagem visual em destaque. Os tradicionais textos escritos
deram lugar a textos que apresentam duas ou mais modalidades semióticas em sua
composição, o que provocou efeitos significativos nas características e formatos
dos textos. Isso mostra a natureza dinâmica da comunicação na sociedade
contemporânea, onde experimentamos diferentes modos de significação.
Em nossos resultados, identificamos formas de aprendizagem significativas e
colaborativas, pois os alunos reconheceram a importância da disciplina na vida
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acadêmica e utilizaram a multiplicidade de linguagens e recursos multissemióticos,
tornando-se assim efetivos leitores e produtores de textos, reconhecendo a
Educação 3.0 que tem como princípio preparar os alunos para o mundo de hoje e
de amanhã, para que estejam prontos para atuar em universidades e empresas que
exigem pessoas inteligentes e curiosas, capazes de descobrir as coisas por si
mesmas e aptas a tirar o máximo das tecnologias de informação e comunicação.
Através da experiência, concluimos que os alunos atualmente precisam ser
preparados para produzirem gêneros textuais acadêmicos em nossa
contemporaneidade, o que implica novas formas de ensinar e aprender, novos
conhecimentos, novas informações e novas aprendizagens, proporcionando
transformações e conhecimentos na vida pessoal, acadêmica e profissional.
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