programa de pós-graduação em planejamento territorial - … · 2019-05-23 · 2 ficha...
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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E FILOSOFIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PLANEJAMENTO TERRITORIAL PLANTERR – MESTRADO PROFISSIONAL
UM DESENHO A VÁRIAS MÃOS
PLANO TERRITORIAL DE DESENVOLVIMENTO TURÍSTICO: SUBSÍDIO PARA PROMOÇÃO DO TURISMO EM PASSAGEM,
ANDARAÍ (BAHIA)
JULIANA DE SOUZA ROCHA
Feira de Santana 2017
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JULIANA DE SOUZA ROCHA
UM DESENHO A VÁRIAS MÃOS
PLANO TERRITORIAL DE DESENVOLVIMENTO TURÍSTICO: SUBSÍDIO PARA PROMOÇÃO DO TURISMO EM PASSAGEM,
ANDARAÍ (BAHIA)
Relatório Técnico apresentado como requisito para obtenção do título de Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Planejamento Territorial, mestrado profissional. Orientadora: Dra. Telma Maria Sousa Santos
Feira de Santana
2017
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Ficha Catalográfica – Biblioteca Central Julieta Carteado
R571d Rocha, Juliana de Souza
“Um desenho a várias mãos”: plano territorial de desenvolvimento
turístico – subsídio para promoção do turismo em Passagem - Andaraí
(Bahia) /Juliana de Souza Rocha. -, 2017.
192 f.: il.
Orientadora: Telma Maria Sousa Santos
Dissertação (mestrado) – Universidade Estadual de Feira de
Santana, Programa de Pós-Graduação em Planejamento Territorial,
2017.
1. Território - Planejamento. 2. Potencial turístico. 3. Passagem do
Paraguaçu – Andaraí, BA. I. Santos, Telma Maria Sousa, orient.. II.
Universidade Estadual de Feira de Santana. III. Título.
CDU: 711. (814.22)
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SAUDAÇÃO
Este é o meu canto de paixão canto que emana de um coração sofrido
pela saudade que agrilhoa a memória na explosão sentimental
de transbordante nostalgia
Canto que traz no seu sentir Gorjeios de pássaros
E o gargalhar de cachoeiras Cantigas e lavadeiras
Lavadas pelo rumoroso Escorrer das águas de ribeirões
De regatos e de riachos da minha infância - da serra que corre léguas
E enfurna mistérios Dos descobridores de diamantes
Neste meu canto outonal-ó Andaraí
Eu sinto no teu mapa Estampado em meu coração O murmurar dos teus arroios
O deslizar dos teus regatos O escorrer das águas dos ribeirões
E de riachos dos pés de serra A revolver seixos por sobre a areia
Alva e fina de seus leitos
Limoeiro/Garapa/Comercinho/ Justino/Floriz/Corrego d Padre Paulo Pinto/Piabas/Coisa–Boa
Quero beber a agua pura das tuas fontes- límpidas Filtrada dentre os diamantes
Água de que serviu-se o vigário Para cristão sagrar na velha igreja
Aquele que a memória da terra aqui registra
Este é o canto da terra natal De vida;/ de coisas/ de seres
Dos terreiros embandeirolados Festejando os meus santos
Das noites estreladas Com a lua a passear
Pelas ruas compridas Caiando o casario/ Rocando de névoa Os picos da serra/ Amo-te minha terra!
(Fernando Sales)
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Às famílias do povoado Passagem do Paraguaçu, cujo território se fizeram desvelar sendo símbolos de resistência da cultura e identidade territorial daqueles garimpeiros que fizeram a história das Lavras Diamantinas.
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AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus, por ter dado coragem para concluir esse curso em meio a
várias outras ocupações cotidianas.
Com muita satisfação agradeço aos meus pais, meus irmãos e familiares pelo
apoio, pela motivação. A Vanderlei Guimarães e a filha Maria Júlia Guimarães
compreensivos, mas que sentiram muito a minha ausência durante o curso em
questão. Aos meus tios Mada, Valmi, Tércio, Jove, Babá pela acolhida, companhia, na
partilha dos saberes, valiosos para construção deste trabalho.
As famílias Pereira, Souza, Bispo, Guedes, Santana, Evangelista, Dourado e
Rocha aos demais moradores do povoado agradeço de coração, pois muito
colaboraram para que pudéssemos caminhar juntos revisitando as lembranças, as
tradições de um povo que merece ser reconhecido pela sua história e pelo coletivo que
se formou. Vocês muito honraram com seus relatos a vida cotidiana do povoado
Passagem do Paraguaçu.
Às amizades construídas durante o Mestrado em Planejamento Territorial, em
especial agradeço a Jorge Cerqueira. No curso foram valiosas experiências, trocadas.
Fortalecemos uma amizade sincera!
De antemão, agradeço à professora Dra. Telma Maria por ser referência nos
estudos sobre turismo na Universidade de Feira de Santana, cujas rodas de conversa
somaram reflexões ao longo da minha carreira acadêmica desde os estudos na
Iniciação Cientifica até a conclusão do mestrado e que muito gentilmente, sempre se
disponibilizou para que as orientações acontecessem neste projeto.
Aos professores do mestrado, cada um com suas experiências de vida e
acadêmicas, agregaram conhecimentos e reflexões durante o curso incentivando e
mostrando que estávamos no caminho certo, nos ajudaram a pensar no planejamento
territorial, como um alicerce para aplicação das experiências profissionais ,contribuindo
para que o conhecimento acadêmico, viesse cada vez mais se tornar conhecimento
compartilhado.
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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
DP - Diagnóstico Participativo
EMBASA – Empresa Baiana de Águas e Saneamento
IBAMA - Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais
IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
ICMBIO - Instituto Chico Mendes de Biodiversidade
IICA - Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura
PARNA-CD - Parque Nacional da Chapada Diamantina
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LISTA DE MAPAS
MAPA 1 - Localização e limites do município de Andaraí ......................................... 23
MAPA 2- Unidades de conservação presentes no município de Andaraí ................. 23
MAPA 3 - Zonas turísticas da Bahia .......................................................................... 79
MAPA 4 - Localização do Povoado Passagem ...................................................... 101
MAPA 5 – Passagem, década de 50 ....................................................................... 133
MAPA 6 - Meu lugar-representações cotidianas ..................................................... 134
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LISTA DE QUADROS
QUADRO 1 – Elementos que compõe a identidade territorial .................................. 31
QUADRO 2 - Resumo dos elementos do espaço turístico ........................................ 35
QUADRO 3 - Classificação do potencial turístico ..................................................... 42
QUADRO 4 - Classificação da infraestrutura de apoio turístico ............................... .43
QUADRO 5 – Classificação dos serviços e equipamentos turísticos ........................ 43
QUADRO 6 – Classificação dos atrativos turísticos .................................................. 44
QUADRO 7 – Caracterização da atividade, produto e segmentação turística .......... 44
QUADRO 8 - Quadro síntese das motivações turísticas. .......................................... 45
QUADRO 9 – Definição de turismo alternativo ......................................................... 47
QUADRO 1 – Classificação do espaço turístico de Bullon (2002) ........................... 55
QUADRO 2 – Quadro síntese para implantação do Planejamento turístico ............. 56
QUADRO 12 - Zonas Turísticas da Chapada Diamantina ....................................... 79
QUADRO 13 - Execução das atividades planejadas ................................................ 95
QUADRO 14 - Caracterização do membro mais antigo da família. Fonte entrevista e
trabalho de campo .................................................................................................. 112
QUADRO 15 - Estratégias para sensibilização para o desenvolvimento do projeto:
“um desenho a varias mãos”. ................................................................................. 114
QUADRO 16 - Leitura de trechos do livro cascalho ............................................... 116
QUADRO 17 - Símbolos que representam a historia de construção territorial .................. 130
QUADRO 18 – Quadro síntese do roteiro de identificação de potencialidades
turísticas ................................................................................................................. 138
QUADRO 19 - Calendário de eventos ................................................................... 152
QUADRO 20 - Impacto do Plano de Desenvolvimento do turismo ......................... 157
QUADRO 21 – Roteiro para o planejamento do espaço turístico............................ 159
QUADRO 22 - Síntese fortalezas e fragilidades do território ................................ 162
QUADRO 23 - Qualificação dos recursos no território ........................................... 162
QUADRO 24 - Fatores da infraestrutura turística ................................................... 168
QUADRO 25 - Parâmetros e indicadores conceituais ............................................. 172
QUADRO 26 – Indicadores de viabilidade do projeto de intervenção ................... 174
QUADRO 27 – Prognostico do território .................................................................. 176
QUADRO 28 – Validação de benefícios do planejamento turístico por segmento .. 179
QUADRO 29- Avaliação dos temas do projeto pelas família................................... 180
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LISTA DE FIGURAS
FIGURA 1 – Constituição do território ....................................................................... 29
FIGURA 2 – Elementos do turismo pela geografia do turismo ................................. 37
FIGURA 3 – Cronograma de iniciativas pioneiras de planejamento para o turismo no
Brasil ......................................................................................................................... 53
FIGURA 4 – Hierarquização da sociedade garimpeira tradicional..............................63
FIGURA 5 - Esquema metodológica da pesquisa ..................................................... 94
FIGURA 6 - Atrativos elencados pela população da Passagem ............................ 155
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L ISTA DE FOTOS
FOTO 1 – Cachoeira da D’onana, rio Paraguaçu ................................................... 102
FOTO 2 – Ponte sobre o rio Paraguaçu, trecho de acesso ao povoado Passagem103
FOTO 3 - Seixos rolados, as margens do rio Paraguaçu ........................................ 104
FOTO 4 – Rio Piabas, assoreamento decorrente da exploração de diamantes ..... 105
FOTO 5 – Arvores frutíferas das propriedades ....................................................... 106
FOTO 6 – Coleta de frutas ...................................................................................... 106
FOTO 7– Uso da Catra nas atividades domésticas ................................................ 107
FOTO 8 – Uso do rio para atividades domésticas ................................................... 107
FOTO 9 – Casario da Praça Santo Antônio ............................................................ 107
FOTO 10 – Praça Santo Antônio ............................................................................ 107
FOTO 11 – Rua dos antigos moradores ................................................................ 108
FOTO 12 – Moradias apropriadas por turistas ........................................................ 108
FOTO 13 – Passagem do Paraguaçu, vista panorâmica ....................................... 108
FOTO 14 – Convivência social ............................................................................... 112
FOTO 15 – Cotidiano comunitário .......................................................................... 112
FOTO 16 e 17 – Entrega de trechos do livro Cascalho ........................................... 114
FOTO 18 e 19 - Primeira edição do livro Cascalho ................................................. 114
FOTO 20 – Visita domiciliar .................................................................................... 116
FOTO 21 - Apresentação do livro Cascalho ............................................................ 116
FOTO 22 – Exibição de filme ................................................................................. 120
FOTO 23 – Momento de mobilização da comunidade ........................................... 120
FOTO 24 – Registro das transformações sócioespaciais ....................................... 124
FOTO 25 – Montagem de painel ............................................................................. 124
FOTO 26 – Margens do rio Paraguaçu, pesca, 1985 ............................................. 125
FOTO 27 – Margens do Paraguaçu, banho 2011 ................................................... 125
FOTO 28 – lavagem de pratos no rio Paraguaçu, 1985 ......................................... 125
FOTO 29– Lavagem de roupa no rio ....................................................................... 125
FOTO 30 – Garimpo artesanal e rudimentar .......................................................... 127
FOTO 31 – Garimpo de dragas e maquinário ......................................................... 127
FOTO 32 – Marcas de ferro, utilizadas para marcar o gado ................................... 129
FOTO 13– Potes utilizados como reservatório de água .......................................... 129
FOTO 32 – Objetivos do sincretismo religioso ........................................................ 129
FOTO 35 – Lampiões a óleo ................................................................................... 129
FOTO 36 – Retrato de estudantes do povoado, década de 1950 ........................... 129
FOTO 37 – Bebidas feitas com ervas medicinais .................................................... 129
FOTO 38 – Construção da mapa mental ............................................................... 130
FOTO 38 – Montagem do mapa ............................................................................. 130
FOTO 39 – Placas de sinalização em inglês ........................................................... 134
FOTO 40 - Placas de sinalização de atrativos. ....................................................... 134
FOTO 41- Sinalização de camping ........................................................................ 134
FOTO 42 - Sinalização para serviços de guia ....................................................... 134
12
FOTO 43 – Placas informativos ............................................................................ 135
FOTO 44 – Restrição ao acesso a espaço de eventos ........................................... 135
FOTO 45 – Atividade por grupo - reflexão sobre o território turístico ...................... 140
FOTO 46 - Encontro com moradores para tratar das questões sobre o turismo
comunitário .............................................................................................................. 140
FOTO 47 – Praça sem calçamento ......................................................................... 143
FOTO 48 – Construção de Quiosque ...................................................................... 143
FOTO 49– Acesso sem capinação ......................................................................... 143
FOTO 50– Construção de banheiro público e melhoria do acesso ......................... 143
FOTO 51 – Ponto de apoio do turismo no território ................................................. 144
FOTO 52 - Pousada Ecológica ................................................................................ 144
FOTO 53- Restaurante Malhado Guia .................................................................... 145
FOTO 54 – Balneário do Paraguaçu ...................................................................... 145
FOTO 55 – Toca do Morcego .................................................................................. 145
FOTO 56 – Balneário do Paraguaçu ....................................................................... 146
FOTO 57 – Trilha de acesso ao rio Piabas ............................................................ 146
FOTO 58 – Cachoeira da D’onana .......................................................................... 147
FOTO 59– Retiro dos católicos ............................................................................... 148
FOTO 60 – Momento de partilha ............................................................................. 148
FOTO 61-Tradição de montar altar ...................................................................... 148
FOTO 62-Tradição da familia de Antonio Pereira in memorian) .............................. 148
FOTO 63- Missa campal ......................................................................................... 149
FOTO 64 - Aniversário do morador Antonio de Souza (dia de Sto Antonio) ........... 149
FOTO 65 - Sincretismo no altar “Peji” ..................................................................... 149
FOTO 66 – Referencia ao “Jarê” ............................................................................ 149
FOTO 67 – Igreja de São José ................................................................................ 150
FOTO 68 – Capela de Santo Antonio ...................................................................... 150
FOTO 69 – Coleta de ervas medicinais .................................................................. 153
FOTO 70 – Coleta do coco de dendê (azeite) ......................................................... 153
FOTO 71 - “Mae” parteira e rezadeira ..................................................................... 153
FOTO 72- “conselheira” e raizeira ........................................................................... 153
FOTO 73 – Seleção de café, moído artesanalmente .............................................. 153
FOTO 74 - Visitante coletando frutas ...................................................................... 153
FOTO 75 – Registro do cotidiano do território ......................................................... 154
FOTO 76 – O cotidiano na lavoura .......................................................................... 154
FOTO 77 - Apresentação da proposta da oficina .................................................... 160
FOTO 78 – Detalhando o objetivo da proposta ....................................................... 160
FOTO 79 – Exposição da proposta relacionando ao cotidiano ............................... 160
FOTO 80, 81 e 82 - Registro das propostas por grupo de trabalho ........................ 161
FOTO 83 - Grupo de visitantes ............................................................................... 161
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GRÁFICO
GRÁFICO 1 - Ocupação dos moradores no mercado de trabalho. ......................... 164
GRÁFICO 2 - Infraestrutura turística. ...................................................................... 169
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SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................... 18
2 NAS TRILHAS DO ROTEIRO BIBLIOGRÁFICO ................................................ 26
2.1 REFLEXÕES SOBRE O CONCEITO DE TERRITÓRIO ................................ 26
2.1.1 Identidade territorial e sua relação com o território turístico ........................... 31
2.2 CONCEPÇÕES EM TORNO DO TURISMO ................................................... 36
2.2.1 Turismo: potencial, classificação e motivação turística .................................... 40
2.2.2 Perspectiva de um turismo alternativo ........................................................... 46
2.3 PLANEJAMENTO NA (RE) PRODUÇÃO DE TERRITÓRIOS TURÍSTICOS ...... 52
2.3.1 A locomotiva da história das lavras diamantinas no interior da Bahia .............. 60
2.3.2 A produção de territórios turísticos na Chapada Diamantina .......................... 69
3. PASSOS PARA A CAMINHADA NA ROTA DO PLANEJAMENTO TURISTICO.84
3.1 METODOLOGIA DE TRABALHO ....................................................................... 85
3.1.1 Etapas da intervenção social ........................................................................... 87
4. DIAGNÓSTICO TERRITORIAL ............................................................................ 97
4.1 CONTEXTUALIZANDO A PASSAGEM DO PARAGUAÇU ............................... 98
4.1.1 A história contada ........................................................................................... 100
4.1.2 Descrição ambiental ....................................................................................... 104
4.1.3 Caracterização da socioespacial .................................................................... 106
4.1.4 Caracterização dos sujeitos da pesquisa ....................................................... 110
4.2 CONJUNTURA DA INTERVENÇÃO SOCIAL ................................................... 112
4.2.1 Primeiro momento: Sensibilização nas visitas aos domicílios ..................... 113
4.2.2 Segundo momento: Roda de conversa nos encontros coletivos ................... 119
15
5. INVENTÁRIO DA OFERTA TURÍSTICA .......................................................... 137
5.1 ANÁLISE DO TURÍSTICO EM PASSAGEM .................................................... 139
5.1.1 A infra-estrutura de apoio turístico ................................................................. 142
5.1.2 Os atrativos locais ......................................................................................... 146
6. PLANO DE DESENVOLVIMENTO DO TURISMO ............................................ 156
6.1 AVALIAÇÃO DO POTENCIAL TURISTICO ................................................... 158
6.1.1 Qualificação dos recursos ............................................................................. 162
6.1.2 Fatores de Infra estrutura turística ................................................................ 168
6.2 PROGNÓSTICO TERRITORIAL ....................................................................... 170
6.3 CONSTRUÇÃO DE AÇÕES ESTRATÉGICAS ............................................... 175
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................ 182
REFERENCIAS
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RESUMO O espaço produzido em função das transformações da sociedade é permeado de contradições consequentemente resultam em situações de vulnerabilidades socioeconômica e cultual à população. Os territórios criados são resultantes das diferentes relações sociais existentes no espaço produzido. Em relação ao turismo, a atividade é criada no âmbito das relações sociais e exercida na consolidação de viagens de lazer possibilitando a visitação e promoção dos atrativos presentes nos territórios. No intuito de analisar o potencial turístico do povoado Passagem do Paraguaçu, localizado no município de Andaraí – Chapada Diamantina (Ba), abordou-se como objeto de analise o planejamento turístico a partir da valorização do território e o fortalecimento do grupo social na perspectiva de promoção da prática do turismo. A intervenção social ocorreu entre os anos de 2016 a 2017, com 10 famílias do povoado, cuja questão a ser investigada foi: como a população local podem promover a prática do turismo e seu planejamento? A hipótese versa na concepção de que a organização comunitária, a valorização do território e o conhecimento do potencial turístico presente, possibilitará o incentivo ao turismo, alicerçada em planos de desenvolvimento para a atividade turística de maneira sustentável. A reflexão conceitual aborda o território e o turístico importantes para pensarmos a promoção do turismo. No percurso metodológico a pesquisa-ação participante apoiou a construção coletiva das atividades, executadas no território. Desde o diagnóstico do território revelou-se as histórias de formação territorial e sua caracterização, demonstrando no processo de intervenção, o quanto os aspectos culturais também se tornam relevantes ao se analisar o potencial turístico. Ao serem apresentadas a oferta e demandas turísticas foram criadas estratégias para o turismo comunitário de base local, apoiada em prognósticos a partir das demonstrações e sugestões da população envolvida. Como resultado verificou-se a relevância de se conhecer a potencialidade local para comunidades latentes e com vocação para receber visitantes. Concluiu-se que a busca de possibilidades a partir do estudo do potencial turístico de um território, torna-se uma ferramenta que propicia repensar a produção do espaço relacionando os atrativos existentes a vocação turística em suas múltiplas interações. Ademais, o turismo pode dinamizar os espaços receptores, sendo necessário planejamento territorial para produzir a atividade turística, ou potencializá-la. Palavras-chave: Território – Turismo – Potencial Turístico – Planejamento
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ABSTRACT
The space produced as a result of the transformations of society is permeated with contradictions, consequently resulting in situations of socioeconomic and culturally vulnerable to the population. The territories created are the result of the different social relations existing in the space produced. In relation to tourism, the activity is created within the scope of social relations and exercised in the consolidation of leisure trips enabling the visitation and promotion of the attractions present in the territories. In order to analyze the tourist potential of the village Passage of Paraguaçu, located in the municipality of Andaraí - Chapada Diamantina (BA), it was approached as an object of analysis the tourism planning based on the valorization of the territory and the strengthening of the social group in the perspective of promoting the practice of tourism. The social intervention occurred between 2016 and 2017, with 10 families from the village, whose question to be investigated was: how the local population can promote the practice of tourism and its planning? The hypothesis is based on the conception that the community organization, the valorization of the territory and the knowledge of the tourism potential present, will enable the incentive to tourism, based on development plans for the tourism activity in a sustainable way. The conceptual reflection approaches the territory and the tourist important to think the promotion of tourism. In the methodological course, the participatory action research supported the collective construction of the activities carried out in the territory. Since the diagnosis of the territory revealed the stories of territorial formation and its characterization, demonstrating in the intervention process, how much the cultural aspects also become relevant when analyzing the tourist potential. When presenting the tourism offer and demands, strategies were created for community-based local tourism, supported by prognoses based on the demonstrations and suggestions of the population involved. As a result it was verified the relevance of knowing the local potential for latent communities and vocation to receive visitors. It was concluded that the search for possibilities from the study of tourism potential of a territory, becomes a tool that allows to rethink the production of the space relating the existing attractions to the tourist vocation in its multiple interactions. In addition, the tourism can dynamize the receiving spaces, being necessary territorial planning to produce the tourist activity, or to potentiate it.
Keywords: Territory – Tourism - tourist potential - Planning
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1 INTRODUÇÃO
“Que o nosso tempo seja lembrado pelo despertar de uma nova referencia em face da vida, por um compromisso firme de alcançar a sustentabilidade, pela rápida luta pela justiça e pela paz e pela alegre celebração da vida.”
CARTA DA TERRA
A sociedade se relaciona com a natureza, transformando os espaços de
vivência conforme as suas necessidades. Essa proporção se intensifica com a
necessidade de acúmulo do capital típico da sociedade capitalista. O espaço
produzido em função das transformações da sociedade é também permeado de
desigualdades e contradições, que consequentemente resultam em situações de
vulnerabilidade socioeconômica e cultual à população.
Dentre as atividades humanas que utilizam o espaço para sua produção
está o turismo, que o apropria e o consome para satisfazer as necessidades de
lazer, negócios, dentre outros. Cada vez mais se intensifica no Brasil, uma
modalidade de turismo cuja prática ocorre em unidades de conservação ambiental,
em que a organização de ações está direcionada ao uso do espaço turístico e a
preservação ambiental. Associado a este fato, o turismo em comunidades locais,
também vem sendo agregadas como incremento para atividade turística.
Para Souza (1999) o turismo é uma atividade que significa lazer e descanso,
sendo seu enfoque primordial a produção e o consumo da paisagem, do território e
do espaço. Os espaços turistificados, ou seja, aqueles transformados em função da
atividade turística deveriam ser produzidos a partir das ações desencadeadas pelos
principais agentes no seu processo de construção, seja o Estado, os empresários ou
uma comunidade. Assim sendo, construir coletivamente estratégias de
empoderamento, mobilização e organização comunitária, diante do contexto
socioeconômico atual, ainda é um grande desafio.
Por isso, a corresponsabilidade na utilização dos recursos ambientais, na
perspectiva da equidade social, cultural, econômica e ambiental não pode ser
descartada quando tratamos do turismo no espaço geográfico. Se a população não
puder participar da gestão dos recursos de seu município, as alternativas para o
desenvolvimento local e de maneira sustentável, dificilmente conduzirá a
19
participação comunitária. A perspectiva de um turismo alternativo, compreende as
características de envolvimento da comunidade desde o planejamento das ações á
articulação e execução da atividade, principalmente no segmento turístico que prevê
cuidado com os recursos ambientais.
Como exemplo de participação coletiva sobre um tema global, nos anos de
1970 houve uma maior consciência da crise ecológica em vários países. As
contestações sobre o desenvolvimentismo apresentado como solução dos
problemas econômicos gerou denuncias à exploração ilimitada dos bens e a
insustentabilidade social e ambiental por ele gerada. A crítica à ideia de
desenvolvimento se estende nos anos de 1980, mas também se iniciam propostas
que buscavam os caminhos de superação deste modelo, dentro dos marcos da
lógica capitalista. Agora além do movimento ecológico, entram em cena as grandes
instituições e órgãos internacionais (SCOTTO, 2007).
A Constituição Federal (BRASIL,1988) em seu art. 216 reconhece o meio
ambiente natural e cultural, que se traduz na história de um povo, como elementos
identificadores da cidadania. Tais elementos retratam um desenvolvimento em
escala humana, atendendo demandas sociais, e não apenas nos índices
quantitativos e o lucro (CORIOLANO, 1998). Apesar do avanço de políticas públicas
são muitos casos em que a participação efetiva de representantes da sociedade não
se consolida. Torna-se essencial, nesse sentido, a mediação do processo político
em grupos sociais para o controle no manejo dos espaços de forma sustentável.
Partindo do princípio de que a autonomia a partir do cuidado com o
ambiente e com os vínculos culturais conduzem a uma percepção crítica de
determinadas realidades as concepções sobre território e planejamento, através
do turismo – por exemplo - podem favorecer maior autonomia e inserção da
sociedade na efetivação das políticas públicas em voga. No tocante aos grupos
sociais, Gohn (2010 p. 122) irá apontar por exemplo que a criação de políticas
nacionais em defesa e preservação de bens imateriais possibilitou no Brasil a
organização de grupos locais, “estas ações têm grande potencial de crescimento
(...) e tem mobilizado mais grupos tradicionais em comunidades locais”.
Assim, a exploração de pedras preciosas na Bahia, atividade econômica
desenvolvida desde o século XVIII principalmente nos municípios de Andaraí,
Mucugê, Palmeiras e Lençóis, foi substituído paulatinamente pela atividade
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turística, trazendo uma nova dinâmica ao espaço geográfico, juntamente com a
criação do Parque Nacional da Chapada Diamantina (PARNA-CD), em 1985. A
proibição do processo de garimpagem pelo governo Estadual, ao longo do leito de
rios (através de máquinas de sucção) conduziu a uma intervenção do Estado da
Bahia nas décadas de 1980-1990 que propôs estratégias para preservação
ambiental na Chapada Diamantina.
A compreensão do fenômeno turístico ocorrido na Chapada Diamantina,
indaga a uma reflexão a cerca da construção de planos de desenvolvimento turístico
em comunidades com potencial para o turismo. O planejamento de ações para o
desenvolvimento local de maneira sustentável em comunidades envolve todo um
contexto socioespacial. Em contrapartida, dada a demanda turística, contribuir para
novos estudos que contemplem a avaliação e análise do potencial turístico a partir
do diagnóstico e prognóstico do território e o reconhecimento de comunidades locais
pela sua importância na formação territorial, torna-se relevante nos arranjos
espaciais para um turismo alternativo.
A proposta de se contemplar a participação coletiva na tomada de decisões,
como também a evidência na criação de estratégias de gestão governamental são
atualmente aspectos importantes na temática do planejamento territorial. Na
Chapada Diamantina, se tem estruturado dois instrumentos legais, legislação que
implantou a Unidade de Conservação – Parque Nacional da Chapada Diamantina
(1985) e o Plano de Desenvolvimento Integrado do Turismo Sustentável (2000), por
exemplo; criados com viés para a gestão do turismo, no entanto não se consolidou
um planejamento permanente, dinâmico e coletivo.
Diante dessa conjuntura, justifica-se pensar em uma pesquisa cuja
perspectiva é o fortalecimento de identidades para se pensar em um planejamento
territorial tendo como parâmetro o turismo. Prevê-se contribuir com o que é previsto
na Lei 11.771/2008 (Política Nacional de Turismo) que dentre seus objetivos no
artigo 5 estabelece propiciar a prática de turismo sustentável nas áreas naturais,
promovendo a atividade como veículo de educação e interpretação ambiental e
incentivando a adoção de condutas e práticas de mínimo impacto compatíveis com a
conservação do meio ambiente natural; e preservar a identidade cultural das
comunidades e populações tradicionais eventualmente afetadas pela atividade
turística. A Lei Estadual de Turismo (Lei 12. 933/2014) também fortalece a proposta
21
de trabalho aqui apresentada, quando indica além do estímulo a preservação da
identidade cultural , o apoio ao resgate de suas manifestações culturais locais e dos
principais elementos de sua história.
Há 30 anos, com a criação do PARNA-CD e desenvolvimento do turismo no
interior da Bahia, ficou demarcado na ação do Estado da Bahia na delimitação desta
Unidade de Conservação (UC) e pôde inibir a degradação ambiental provocada pelo
garimpo e incentivar o turismo. No entanto, algumas comunidades e/ou agentes
locais se vêm à margem desse processo, surgindo uma questão a ser investigada
durante a pesquisa: como os grupos locais podem promover a prática do turismo
comunitário e seu planejamento participativo diante do contexto hegemônico do
turismo? A hipótese versa na concepção de que a organização comunitária, a
valorização do território e o conhecimento do potencial turístico presente,
possibilitará o incentivo ao turismo, alicerçada em planos de desenvolvimento para a
atividade turística de maneira sustentável.
Dentre os municípios da Chapada Diamantina, o escolhido foi o de Andaraí,
por compor juntamente com Mucugê, Palmeiras, Lençóis e Ibicoara - o Parque
Nacional da Chapada Diamantina. Pelos dados do IDHM (Índice de
Desenvolvimento Humano Municipal), Andaraí possui os mais baixos índices IDHM
(0,555) da Chapada Diamantina (www.cidades.ibge.gov.br), supondo, portanto a
necessidade de produção de planos de intervenção no território em seus variados
aspectos ambientais, sociais, econômicos, educacionais dentre outros, para avançar
o desenvolvimento local.
A denominação Chapada Diamantina refere-se a uma extensão territorial do
Estado da Bahia, cujos aspectos ambientais ligados a formação geomorfológica com
subsolo conhecido pelas jazidas de pedras preciosas (gemas de diamantes)
caracterizou a região. Tal fato impulsionou os primeiros povoamentos, para
exploração das riquezas ali instaladas nos locais que hoje estão localizados os
municípios de Lençóis, Palmeiras, Andaraí, Mucugê, Ibicoara, Iraquara, Rio de
Contas, Nova Redenção, Itaetê, dentre outros. Toda uma conjuntura territorial,
condições de vida e trabalho, provenientes da extração e do comércio de pedras
preciosas, que se configurou nas também conhecidas lavras diamantinas.
O planejamento turístico é o objeto de estudo da presente pesquisa, a ser
realizado no município de Andaraí. A história de povoamento primitivo do território foi
22
dada pelos índios Cariris. Algumas localidades e acidentes geográficos do
município, como exemplo a nomenclatura Andaraí marcam a presença remota dos
índios nessas terras. O nome de Andaraí significa "Rio dos Morcegos" na língua
indígena (Andira-morcego e Y-rio = rio dos morcegos), depois modificada para
Andhiray.
O município pertencia a freguesia de Santa Isabel do Paraguaçu (atual
Mucugê), e dar-se a apropriação de suas terras ao ano de 1845 pelo Capitão José
de Figueiredo (familiares e escravos) em busca de minérios (PEREIRA, 1916). Os
pioneiros a explorar pedras preciosas nessas terras, difundiram as minas de Andaraí
em Grão-Mongol (Minas Gerais), fato que gerou migração de garimpeiros que se
instalaram no território; mas agora vindos de Rio de Contas, de Caetité e Bom Jesus
do Rio de Contas. O núcleo populacional oriundo do garimpo de diamantes,
desenvolveu-se e em 11 de junho de 1878, elevou-se a distrito da freguesia de São
Joao do Paraguaçu e a divisão administrativa do povoado ocorreu em 28 de abril de
1884, quando elevou-se a município de mesmo nome, Andaraí, desmembrando de
Santa Isabel do Paraguaçu (Atual Mucugê) (www.cidades.ibge.org.br).
A sede do município de Andaraí (41º20’W e 12º 48’S) possui uma altitude
de 440m, dista 414 km da capital Salvador e faz limite com os municípios de
Mucugê, Palmeiras, Lençóis, Nova Redenção, Lajedinho, Ibiquera, Itaetê, Iramaia e
Ibicoara (mapa 1). Os municípios de Itaetê, Nova Redenção e Lagedinho se
emanciparam do município de Andaraí nas décadas de 1970 e 1980.
Localiza-se na zona fisiográfica da Chapada Diamantina, no Estado da
Bahia. A área total do município de Andaraí é de 1.590,316 Km² e a população geral
é de 13.948 habitantes; a densidade demográfica é de 8,77 hab/Km²
(www.ibge.gov.br). O município de Andaraí apresenta quatro Unidades de
Conservação: o Parque Nacional da Chapada Diamantina (Decreto Federal Lei
91655/1985), “onde harmonizam cursos d’agua, corredeiras, cacheiras, serras,
morros, vales íngremes e profundos, flora e fauna, e sítios histórico-culturais”, a Área
de Proteção Ambiental Marimbus-Iraquara (Decreto Estadual 2.216/1993) “abriga
diversidade de ecossistemas, distrito espeleológico, regiões serranas, área alagada
(BAHIA, 2000 p.48), o Parque histórico e municipal de Igatu – o Parque Urbano de
Preservação Ambiental, Histórica e Lazer, criado em 2007, protege áreas de ruínas
do Bairro Luís dos Santos e os afloramentos rochosos situados em antigo garimpo
23
(BAHIA, 2016 p.5) e mais recentemente o Parque Municipal Rota das Cachoeiras,
constituído por um conjunto de cachoeiras de rica beleza natural
(www.guiachapadadiamantina. com.br).
A economia do município de Andaraí depende do comércio, dos recursos do
funcionalismo público, dos aposentados, dos programas sociais do governo Federal
e as atividades extrativistas (pesca e extração vegetal), da agricultura e pecuária. A
estrutura econômica municipal demonstra expressiva participação no setor de
Serviços (76% do PIB municipal). Segundo dados sobre os produtos agrícolas
cultivados no município, a produção de abacaxi, feijão, mamona e milho são os mais
expressivos (IBGE, 2010). A produção agrícola nos assentamentos rurais da
Reforma Agrária (Assentamentos de Mocambo/ Salobrinho, Andaraí I, Moco e Santa
Luzia das Gamelas) refletem os investimentos no âmbito da agricultura familiar.,
cerca de 85% dos produtores do município. Quanto a pecuária, há criação de
bovinos, e em menor expressão a criação de caprinos, equinos, galináceos, ovinos,
MAPA 1: Localização e limites do município de Andaraí. Elaboração: ROCHA, 2017
24
suínos e vacas ordenhadas. O acervo bibliográfico e histórico-cultural do município
de Andaraí, presente na Biblioteca Herberto Sales, retrata os diversos ciclos
econômicos do passado, aferindo à gestão municipal a necessidade de maiores
investimentos no setor de turismo.
Nesse desencadeamento, o objetivo geral do trabalho em voga é analisar o
potencial turístico do Povoado Passagem do Paraguaçu, localizado no município de
Andaraí – Chapada Diamantina (Ba), como subsidio para o desenvolvimento do
plano do turismo local. A escolha se deu pelo fato do povoado localizar-se no
entorno do Parque Nacional da Chapada, apresentar diversos atrativos, mas que se
mantem fora da rota turística do município, e requer - a princípio – estudo sobre o
seu potencial turístico para subsidiar o planejamento territorial da atividade turística.
O estudo é pioneiro no município, pois envolveu organização comunitária,
abordagem dos moradores, visitantes e comerciantes locais.
De maneira especifica objetivou-se caracterizar a formação territorial do
povoado Passagem; identificar as potencialidades do território por meio de
diagnóstico e inventário turístico, estruturar a segmentação turística e por fim
desenvolver estratégias junto a população para o desenvolvimento do turismo de
base local, ou seja, a possibilidade de se pensar no turismo alternativo gerido e
executado na própria comunidade.
Se fez necessário, portanto, um trabalho técnico, com base em uma
intervenção social, que contemplasse a construção coletiva de ações visando
desenvolver no território estratégias para o desenvolvimento turístico. Abordou-se
como eixo norteador a valorização do território e o fortalecimento de um grupo social
na perspectiva de promoção da prática do turismo. Na tentativa de garantir
sustentabilidade a projetos de âmbito comunitário, há necessidade de uma revisão
continuada de seus objetivos em processo dinâmico no sentido de contemplar
variados agentes produtores do espaço ao longo do tempo.
A estrutura deste relatório compreende uma abordagem inicial em torno do
conceito de território e turismo, associando ao estudo do território turístico – aquele
apropriado pelos turísticas a partir da produção do espaço pela motivação do lazer.
No contexto do estudo o panorama geral é a Chapada Diamantina, tratada
exclusivamente neste relatório pelo viés das politicas publicas que motivaram o
ordenamento do território pelo Estado e consequentemente pelos demais agentes
25
produtores do espaço. Em seguida será apresentado o contexto de um povoado
localizado no município de Andaraí, que embora com atrativos, necessita de apoio
técnico para avaliação do potencial turístico e posterior planejamento territorial. O
desenrolar deste trabalho culmina na realização do diagnóstico e prognóstico
situacional das potencialidades turísticas no povoado Passagem do Paraguaçu, a
partir desse montante, o destaque para criação de estratégias e construção do plano
de desenvolvimento turístico.
Esta ação conjunta, transformando os atores sociais envolvidos em
coparticipes, é uma possibilidade para melhoria das condições de exercício do
turismo nas comunidades estudadas, pensando principalmente na valorização dos
territórios. O fato de se compreender coletivamente espaços de vivência, com
criticidade em busca de novas possibilidades faz da intervenção uma ferramenta
importante para o planejamento territorial. Apoiada no contexto da valorização de
identidades territoriais, o relacionamento com o turista pode ser dinamizado, não
com modelos prontos de ação, mas construídos a partir da interação e
principalmente valorização das histórias e do próprio cotidiano.
Um turismo, cujo espaço geográfico decorre da produção e (re) produção da
sociedade deve, consolidar estratégias viáveis para o desenvolvimento pautado na
qualidade de vida da população e sustentabilidade dos recursos existentes. Quando
as ações são propostas absorvendo perspectivas múltiplas, sendo espaço de
reflexão, torna-se motivadora de atividades coletivas, construídas em “um desenho a
várias mãos” cuja articulação entre vários atores sociais e a ação do Estado no
cumprimento do seu papel na sociedade conduz à transformação social.
26
2 NAS TRILHAS DO ROTEIRO BIBLIOGRÁFICO
“Olhe cada caminho com cuidado e atenção. Tente quantas vezes julgar necessárias. Então faça a si mesmo e apenas a si uma pergunta: Possui esse caminho um coração? Em caso afirmativo, o caminho é bom”
(Carlos Castaneda)
A dinâmica socioespacial se estabelece na medida em que o espaço
geográfico é transformado, ao mesmo tempo em que se criam condições de
reprodução da vida em sociedade, refletindo no espaço características de um
determinado grupo social. Em se tratando do turismo, esta atividade pode dinamizar
os espaços receptores, sendo necessário planejamento para produzir a atividade
turística, ou potencializá-la. Essas considerações são importantes, pois a elaboração
de estratégias governamentais, em parceria entre Estado e sociedade fortalece um
aspecto importante: o controle e o manejo de ações no território.
Para condução deste trabalho, tomou-se como base o estudo sobre o
território, o turismo e o planejamento diante do potencial existente no território. No
contexto em que serão apresentados, serão abordadas na revisão bibliográfica a
relação entre a atividade turística e a (re) produção de territórios, e a necessidade de
se planejar para melhor condução de ações e estratégias no espaço geográfico.
Torna-se relevante também ampliar a reflexão sobre o papel do Estado enquanto
agente produtor do espaço na Chapada Diamantina, que conduziu a transformação
do espaço geográfico e as atividades econômicas nas décadas (1990-2010).
2.1 REFLEXÕES SOBRE O CONCEITO DE TERRITÓRIO
Diversos estudiosos das ciências humanas tratam do conceito de território,
considerando múltiplas dimensões, sejam elas relações de vizinhança, de trabalho,
familiar, de lazer, em diferentes escalas e temporalidades. A princípio tratar-se-á do
conceito de território, enquanto categoria geográfica discorrendo a partir de Souza
(1995), Brito (2005) e Coelho Neto (2013) que trazem observações considerando o
conceito como polissêmico. As contribuições de Raffestin (1993) e Sack (1986 op.
cit BRITO, 2005) trazem a relação de poder como essencial para o conceito de
território; evitando o sentido de dominação ou propriedade de algum agente social,
27
mas o que existe e é exercido. E nessa direção se caminhará com o levantamento
teórico dos componentes definidores do conceito de território e a relação espaço-
poder.
A relação entre espaço e poder a partir das contribuições de Souza (1995
p.79) refere-se ao fato do território representar o exercício do poder nas relações
sociais projetadas no espaço. Assim, “o território [...] é fundamentalmente um
espaço definido e delimitado por e a partir de relações de poder [...] o território é
essencialmente um instrumento de exercício do poder”. Para complementar essa
definição Souza (1995), ainda apresenta Arendt ao considerar que o poder
estabelecido no território depende de uma comunidade política que legitima tal poder
exercido. Ambas as definições apontam para o exercício do poder nas relações
sociais projetado no espaço e assim configurado enquanto território quando variados
agentes sociais legitimam o poder de um grupo social. Como aponta Arendt (1994
apud BRITO, 2005 p. 112) o poder emerge da relação de consenso entre os agentes
sociais.
Com essa concepção se dará a contribuição de Raffestin quando define o
território como aquele que
(...) se apoia no espaço (...) é uma produção, a partir do espaço (...), espaço onde se projetou um trabalho, seja energia e informação e que, por consequência, revela relações marcadas pelo poder (...) qualquer projeto no espaço que é expresso por uma representação revela a imagem desejada de um território, de um local de relações (RAFFESTIN, 1993 p. 114).
Segundo esta conceituação, o território é resultante das diferentes relações
sociais existentes a partir do espaço produzido. O autor ressalta ainda que esse
espaço é decorrente da ação conduzida por um ator sintagmático, ou seja, que
determina o que pode ou não fazer os agentes subordinados, produzindo territórios
com intencionalidades (RAFFESTIN, 1993). O território, portanto é onde acontecem
às múltiplas relações sociais de poder; e a funcionalidade deste espaço envolve
expressões simbólicas e materiais capazes de legitimá-lo.
A ação política presente nos territórios é marcada pelas relações sociais as
quais o espaço foi demarcado pelo poder exercido por agentes sociais. As relações
marcadas pelo controle de indivíduos ou grupos sociais em uma área geográfica,
28
descritas por Rafestin (1993), por Souza (1995), apontada em Sack (1986) e Brito
(2005), resumem a ação política presente nos territórios.
SACK (1986 apud NETO, 2013 p. 35) apresenta que a territorialidade é
“definida como a tentativa por um indivíduo ou grupo para afetar, influenciar ou
controlar pessoas fenômenos e relações, pela delimitação e afirmação do controle
sobre uma área geográfica”. Esse controle e dominação sobre um determinado
espaço amplia a concepção de território apenas como Estado-nação. Brito (2005),
resgata o conceito de território a partir de várias concepções trazidas historicamente
pelas ciências humanas: para designar superfície terrestre, território enquanto
presença do Estado-Nacional, ou ainda território como uma forma de controle de uns
agentes sociais sobre outros. E assim sintetiza,
Estudos desenvolvidos a partir da década de 1980, por pesquisadores das ciências humanas, sobretudo da geografia, buscam superar a vinculação biológica que permeia o entendimento sobre o significado do conceito de território, com a valorização das ações sociais [...] remetem a territorialidade, que são as ações entre os agentes sociais, ao nível de relações hierarquizadas e com forte apelo sintagmático (BRITO, 2005 p. 116)
A territorialidade presente no âmbito do turismo, por exemplo, traz o
exercício do poder político dos agentes de viagens, no apelo às viagens de lazer,
garantirão promoção dos atrativos e visitação dos espaços. Considerando que “os
territórios são produzidos e podem ser desfeitos” e ainda “as relações sociais
desenvolvidas entre os diferentes agentes mediadas pelo poder e projetadas numa
dada porção do espaço geográfico, que se torna território” (BRITO, 2005 p. 117).
Souza (1995) traz suas contribuições com um resgate da relação entre
território, poder e desenvolvimento; ressalta que os territórios podem ser flutuantes,
mutáveis ou ainda instáveis, vez que depende essencialmente das relações
projetadas no espaço, a partir da dominação e poder de determinado grupo social,
quer seja por escala temporal, por territorialidades, ou ainda por interesses comuns.
A temporalidade é acrescentada no estudo do território é apresentado por Silveira
(2010) com a seguinte tendência:
Quadro de referências que emerge pautado pelo advento da globalização e por uma profunda transformação das noções de tempo e espaço, bem como pela sensação de que as ações sociais do homem moderno não mais se instituem de forma tão
29
estáveis como outrora. Percepções que, por sua vez, promovem o aparecimento de um intenso debate sobre o que é pertencer culturalmente a uma coletividade e como esse sentimento nos define, enquanto sujeitos socialmente localizados e integrados a um dado contexto espaço-temporal. (SILVEIRA, 2010 p. 67)
O autor define que a relação espaço x tempo está permeada de
percepções e subjetividade. Mesmo com o advento da globalização os sujeitos
socialmente localizados configuram territórios. Na legitimação dos territórios são
impressas marcas e características que diferenciam os lugares entre si, o que lhes
confere uma particularidade territorial.
Assim, Carvalho (2009 p. 61) conclui que podemos esperar que “a ação de
um determinado ator social (engendradas num determinado contexto) possa
desencadear transformações [...] em sinergia com as ações de outros atores”.
Marcas no tempo e espaço, bem como contextos sociais diferenciados é que vão
influenciar a constituição dos territórios (FIGURA 1):
FIGURA 1 - Constituição do território. ROCHA, 2017
As práticas socioculturais expressas de variadas formas vão convergir na
determinação de territórios por consenso dos agentes sociais que o constitui. O
Relações Sociais
Poder
Trabalho
Controle
legítimo Ação
Política
Dominação
Cooperação
Competição
Contexto
social
Território
Flutuante
Mutável
Instável
Escala temporal
Fluidez
30
contexto social que se configura o território, consiste principalmente das relações
sociais presentes no espaço, pautadas na legitimidade do poder estabelecido, como
também nas relações de trabalho, ralações políticas, de dominação, cooperação,
competição. Assim sendo, por não constituir em espaço fixo, o território é flutuante,
mutável, instável, fluído no espaço e no tempo.
Nos estudos sobre o território, Haesbaert (2006) contribui com a idéia de
relação de dominação da sociedade sobre o espaço apontando outros processos:
(des) territorialização e (re) territorialização. Na contemporaneidade, os efeitos da
globalização, das novas tecnologias da informação, da flexibilização da economia,
das redes são apresentadas pelo autor, por um complexo multiculturalismo na
definição das territorialidades, ou seja, os territórios tornam-se fluidos e instáveis,
sendo portanto (des) territorializados e (re) territorializados. Portanto, as inúmeras
interações entre agentes sociais pautadas tanto pela cooperação como pela
competição podem ser capazes de promover a constituição de territórios.
Portanto, o debate em torno do conceito de território torna-se relevante entre
os geógrafos por considerar variadas dimensões estruturais. Outro aspecto
relevante quando “o conceito de território encerra relações de poder entre os
distintos agentes, que se interessam por certos objetos localizados numa dada
porção do espaço geográfico” (BRITO, 2005 p. 115), bem como:
[...] o conjunto de relações mediadas pelo poder entre os distintos agentes sociais (Estado/Governo, empresas, instituições sociais, cidadãos) que se interessa por algum objeto comum localizado numa dada porção do espaço geográfico. A territorialidade implica a capacidade desses agentes sociais de produzirem e/ou organizarem sistematicamente territórios, segundo um projeto orientado por um agente hegemônico (BRITO, 2008 p. 19)
Em síntese, considera-se tanto a concepção clássica de Estado-nação e
suas fronteiras legitimadas; quanto as relações de poder associadas a dimensão
política e de dominação sócio-espacial; bem como a muldimensionalidade por
associação dos aspectos materiais e imateriais (simbólico-culturais) dos agentes
sociais, ambos (re) produzem territórios.
31
2.1.1 Identidade territorial e sua relação com o território turístico
Neste item tratar-se-á prioritariamente do território turístico que se configura
como um território cujo espaço foi (re)produzido pela dinâmica do turismo. O
território turístico possui atrativos que motivam as viagens e o deslocamento de
pessoas no espaço para realização de atividades de lazer. O ator ou agente social
territorializa o espaço com a apropriação deste através da subjetividade, do
interesse e representação cultural constituindo assim as identidades territoriais. A
partir de relações afetivas e do sentimento de pertencimento, a identidade territorial
se fortalece.
A identidade territorial é apresentada por Fonseca (2001) constituída por três
elementos: o cenário, as atividades e os significados. Sintetizado no QUADRO 1.
ELEMENTOS DA IDENTIDADE TERRITORIAL
CENÁRIO A expressão da vivência
ATIVIDADES Uma relação de afetividade de um grupo em um determinado espaço
SIGNIFICADOS As múltiplas dimensões relações sociais, econômicas, políticas, ambientais e culturais igualmente relacionadas
QUADRO 1 - Elementos que compõe a identidade territorial. ROCHA, 2016
Em uma comunidade garimpeira, por exemplo, a atividade de mineração
derivada no cenário do garimpo é caracterizada por ferramentas de trabalho, o modo
de vida do garimpeiro e vivências do comércio de pedras preciosas, todos esses
elementos são carregados de subjetividade e significados, são, portanto, elementos
próprios da identidade territorial garimpeira. Agricultores familiares se distinguem
dos empresários do agronegócio, outro exemplo de como o cenário, as atividades e
o significado referentes aos elementos que compõem o território vão direcionar a
identidade territorial.
O termo identidade territorial é resultado da expressão de vivência, da
relação de afetividade de um grupo em um determinado espaço, e ainda as múltiplas
dimensões relações sociais, econômicas, políticas, ambientais e culturais igualmente
relacionadas, que culminam na constituição da territorialidade. Cabe destacar que as
identidades territoriais transferem aos espaços geográficos, as características de
uma população, sua cultura, traços que a qualificam enquanto território, sendo
assim, uma territorialidade construída. Haesbaert (1988) define que a territorialidade
32
relaciona o espaço a identidade ideológico cultural, como movimento cultural e
político que se organiza no sentido de proteger um espaço socialmente delimitado e
reconhecido.
Assim, territorialidade está relacionada às formas de apropriação do espaço,
ao modo como a população se organiza no espaço e aos significados atribuídos aos
lugares que compõem a trama espacial da vida cotidiana (LEDA, 1993 p. 75). Em
Haesbaert (1997 p. 41) “[...] o território deve ser visto não apenas de um domínio ou
controle politicamente estruturado, mas também de uma apropriação que incorpora
uma dimensão simbólica, identitária”. Ainda em Haerbaert (1997 p.42):
[...] uma identidade territorial atribuída pelos grupos sociais como forma de controle simbólico sobre o espaço onde vivem (sendo portanto, uma forma de apropriação) e uma dimensão mais concreta, de caráter político disciplinar: o domínio do espaço pela definição de limites ou fronteiras visando a disciplinalização dos indivíduos e o uso/controle dos recursos (p. 42)
Conforme Haerbaert, os grupos sociais constituem um território quando é
exercido controle sobre o espaço. Já Coelho Neto (2012), traz um panorama sobre a
muldimesionalidade do território, considerando a dimensão imaterial e de caráter
simbólico-cultural, presente na territorialidade.
[...] parte significativa do debate se assenta em uma distinção (as vezes, oposição entre as dimensões material e imaterial, ou política-econômica e cultural-simbólica, e também na reafirmação do papel desempenhado pelos valores, pelas representações, pelo sentimento de pertencimento e pela identidade espacial no processo de construção da territorialidade [...] (HAESBAERT apud NETO, 2012 p.43)
As várias definições de territorialidade apontam para apropriação do espaço
por grupos socialmente construídos com especificidades e identidades
representativas. Assim sendo:
a territorialidade está relacionada as formas de apropriação e uso da terra, ao modo como a população se organiza no espaço e aos significados atribuídos aos lugares que compõem a trama espacial da vida cotidiana (LEDA, 1993 p. 75)
A territorialidade também é retratada por Brito (2005 e 2008) ao considerar
que o território é legitimado por agentes sociais que delegam e exercem poder sobre
33
um dado espaço geográfico. Um território que é apropriado pela atividade turística,
pode em situações variadas conduzir ao fortalecimento ou ao enfraquecimento da
identidade territorial. O espaço geográfico pode ser transformado por várias
atividades, como o atividade turística, por proporcionar o lazer, por movimentar a
economia, ou por qualificar o resgate histórico-cultural das territorialidades
construídas.
Em Silveira (2006) esse contexto é definido a partir da expressão identidade
social que relaciona a temporalidade e espacialidade, como processo concreto de
uma construção social, ou seja, “uma ideologia do espaço” de expressão espacial de
uma identidade política e cultural. Ainda em Silveira (2006) a identidade não significa
pertencer a um grupo imutável e atemporal ligado exclusivamente a tradição ou
fidelidade as origens, mas é estar aberta a diversidade cultural, mesmo diferenciado
do contexto local. Esta consideração amplia o sentido de identidade territorial como
um conjunto de indivíduos (grupo social) que apresentam características comuns em
um determinado território.
Diferenciada da relação espaço e tempo atribuído a identidade em Gohn
(2010 p. 89) a relação de coesão do grupo “confere aos seus participantes uma
identidade centrada em fatores biológicos, étnicos/raciais ou geracional”, mais uma
definição propícia na caraterização do território. A identidade territorial é
considerada por Nardi (2006 p. 59) como sendo constituída por “um grupo se torna
mais que a soma dos seus indivíduos – quando desenvolve um determinado
relacionamento, um vínculo, uma força que dá ao indivíduo sentimento de
pertencer”. No grupo as pessoas mostram suas diferenças, onde as relações de
poder estão presentes e perpassam as decisões cotidianas, “onde o conflito é
inerente ao processo de relações que se estabelece; onde há uma convivência do
diferente, do plural” (NARDI, 2006 p.59)
Ainda nas ciências sociais, diante do contexto de grupo social, forma-se
um grupo de pessoas quando se compartilham determinadas condições objetivas,
mesma condição frente aos meios de produção e as mesmas condições
subjetivas, que compartilham a defesa consciente de seus interesses, de sua
situação como classe, capaz de desenvolver nova identidade. Os grupos sociais,
ou ainda movimentos coletivos a partir de uma prática cotidiana, marcam
mudanças na sociedade, para sua participação efetiva enquanto cidadãos.
34
O território, portanto, possui sua base de formação no grupo social, que
possui identidades. Na antropologia, Ortiz (2003) vai destacar que os grupos
sociais possuem locais de atuação, que na geografia é bem definido com o
conceito de território. Para Ortiz (2003) o local significa indicar um espaço restrito,
bem delimitado, no interior do qual se desenrola a vida de um grupo ou de um
conjunto de pessoas, remete-se e vincula-se ao território mais familiar, mais
próximo e, portanto reconfortante, pois mais conhecido e autêntico. Na sociologia,
Castells (2010) discute a atuação politica dos grupos sociais, conforme a seguir:
as pessoas resistem ao processo de individualização e atomização, tendendo agrupar-se em organizações comunitárias que, ao longo do tempo, geram um sentimento de pertença e, em última análise, uma identidade cultural, comunal. (CASTELLS, 2010, p.79)
Para a formação de uma comunidade, ou agrupamento de pessoas com
características comuns, as relações identitárias são preponderantes e assim
fortalecem-se nos territórios. Nota-se que para se tornar comunidade, o valor da
identidade é ressaltado.
Sem identidade [...] não há propriamente comunidade, porque seria tão – somente um bando de gente. A razão histórica e concreta da coesão do grupo é o baú de onde se retira a fé em suas potencialidades, o horizonte de onde provem a envolvência solidária, o fruto da comprovação da capacidade histórica de sobreviver e criar. (DEMO, 1995, p.18)
Uma comunidade se configura como decorrente da identidade de um grupo,
e mesmo compreendendo que as especificidades individuais existam, é no grupo e
na organização comunitária que os interesses coletivos são firmados. O conceito de
comunidade como grupo homogêneo é um equívoco, como apresenta BARRETTO
(2005 p. 23) pois, toda comunidade “tem diferentes grupos de interesse, que
defendem suas prioridades, o que torna inevitável que alguns segmentos se
beneficiem mais, participem mais e tenham poder do que outros”. Por outro lado
ainda considerando a concepção da autora é na participação comunitária há um
processo complexo e condicionado a questões políticas e sociais – e por que não
incluir territoriais.
Retomando a definição de identidade territorial considerando-a, conforme
Souza (1995) ser mais funcional que afetiva, ou seja, territorialidades flexíveis que
35
dependem das características comuns de agentes que detêm o poder e ocupam
territórios, conforme seus interesses. Para promoção da identidade territorial a de se
considerar a participação efetiva dos grupos sociais, ter objetivos comuns,
considerando os elementos econômicos, políticos, culturais, sociais e ambientais
(SILVA E SILVA, 2003).
Ao tratarmos da relação entre identidade territorial e o território turístico –
aquele dinamizado pela atividade turística - requer o entendimento de que os
agentes sociais podem influenciar atração de visitantes aos espaços. O território
turístico é composto pelas relações de poder entre o Estado, os empreendedores, os
guias turísticos, os moradores locais e os turistas por exemplo; e precisam de certa
consonância para que as partes se estabeleçam enquanto atividade – uma rede de
articulações. Knafou (1996, p.72-73) e Cruz (2011, p.6) abordam os três elementos
(fontes) essenciais do território turístico (QUADRO 2), a saber:
ELEMENTOS KNAFOU (1996) CRUZ (2001)
TURISTA
Está na origem do turismo Demanda
São os agentes que transformam os espaços em territórios turísticos, pela prática espontânea de visitantes.
MERCADO
Reside na concepção e colocação de produtos turísticos e nas práticas turísticas Oferta (atrativos)
Pela capacidade de criar produtos turísticos.
PLANEJADORES E PROMOTORES
(Estado, empresários ou comunidade local)
Promovem iniciativas locais, regionais ou mesmo nacionais ligadas a um lugar Infra estrutura, Equipamentos e serviços
Agentes que apresentam iniciativas assumidas em grande parte pelo poder público que mantem ligação aproximada com os lugares no incentivo ao turismo
QUADRO 2 – Resumo dos elementos do espaço turístico. ROCHA, 2017
O incentivo para o turismo permeia infraestrutura - de equipamentos e
serviços – demanda e oferta (atrativos) bem como a divulgação através do
marketing e o uso dos meios de comunicação. Outra característica na produção do
território turístico envolve venda de pacotes pré-programados, com visitas orientadas
e com passeios por ambientes projetados, visando atender demandas para o lazer
(CRUZ, 2001). Todavia, em muitos locais esse potencial necessita de maior controle
36
e sedução pelos agentes que promovem o turismo, para só assim, tornar os
elementos do ambiente atrativos. Ao considerar o turismo enquanto prática social
torna-se atividade que apropria e organiza os espaços tornando-os mercadorias de
valor.
2.2 CONCEPÇÕES EM TORNO DO TURISMO
Mas afinal, o que é turismo? Segue a definição estabelecida pelo Ministério
do Turismo presente na Política Nacional de Turismo (BRASIL, 2008):
Art. 2 [...] considera-se turismo as atividades realizadas por pessoas físicas durante viagens e estadas em lugares diferentes do seu entorno habitual, por um período inferior a 1 (um) ano, com finalidade de lazer, negócios ou outras [...] Parágrafo único. As viagens e estadas de que trata o caput deste artigo devem gerar movimentação econômica, trabalho, emprego, renda e receitas públicas, constituindo-se instrumento de desenvolvimento econômico e social, promoção e diversidade cultural e preservação da biodiversidade.
A concepção do governo federal e que norteia a política de turismo no país,
segue o fim econômico, pois reforma a perspectiva do turismo ser instrumento de
desenvolvimento econômico. Em linhas gerais, alguns autores adotam o conceito
elaborado pela Organização Mundial de Turismo (OMT) que classifica o turismo
como uma modalidade de deslocamento espacial, que envolve motivação pelas
diversas razões como lazer, negócios, congressos, saúde e outros motivos (CRUZ,
2003, p. 4).
Em relação ao seu estudo mais aprofundado, a ciência geográfica vem
apresentando contribuições à sistematização da atividade nos estudos da Geografia
do Turismo e da Geografia Econômica. Dessa maneira, cabe salientar estudos de
Silva (1996) sobre o turismo, no qual o autor relaciona, as contribuições de Chistaller
e Ullman para a Geografia do Turismo a partir do enquadramento teórico-conceitual
da atividade turística na área locacional da Geografia Econômica.
Nessa concepção, o estudo do turismo abrange seu desdobramento nas
questões centro-periferia. A exemplificando do que aconteceu com a Bahia nos anos
de 1990, com a forte expansão e dispersão da atividade do setor para as periferias,
ou seja, o turismo da capital baiana, para incremento da atividade no extremo sul e
interior do Estado. Uma política expansionista que ocorreu por meio da intervenção
37
do Estado com programas de incentivo ao turismo, associada ao desenvolvimento
regional, criando pólos de atratividade. O poder exercido pelo governo no território
baiano incentivou a dinamização do turismo, ampliando rotas de viagens para outros
pólos ainda não consolidados, como na Chapada Diamantina, ao longo do Rio São
Francisco ou ainda no extremo sul do Estado.
Um setor da economia que evita os lugares centrais e as aglomerações industriais. O setor do turismo, portanto a única atividade que intrinsecamente tem forças para combater a tendência a concentração [...] o mesmo potencial de desconcentração que o turismo, procurando, geralmente, locais aprazíveis mas não muito distantes das aglomerações metropolitanas. [...] beneficiando-se do capital natural e cultural favorável a produção científica e tecnológica e alta administração (SILVA, 1996 p. 126).
Tratando do campo dominado pela visão econômica, Knafour (1996 p. 69)
traz uma situação comum, em que muitos estudiosos veem somente o fenômeno em
sua face mercante. Exemplifica que o foco em geral está nas empresas turísticas (de
viagens, operadores de turismo, transportadora hoteleiros, donos de restaurantes
etc) [...] e os fluxos econômicos (as pousadas, as saídas, as recaídas econômicas,
direta e indireta etc.). A crítica de Knafour (1996) está justamente nas pesquisas
científicas sobre o turismo, pelo viés unilateral, quando afirma “certos estudos sobre
o turismo chegam mesmo a ignorar completamente os turistas e suas práticas”
(p.69). A figura 2, apresenta elementos essenciais na prática do turismo, estudados
pela geografia do turismo.
FIGURA 2 – Elementos do turismo pela geografia do turismo. ROCHA, 2017
Fluxos econômicos Práticas dos turistas Movimento de pessoas
Geografia do turismo
38
Contraponto o aspecto economicista nos estudos sobre o turismo, o
pesquisador Ruschmann (1997) aponta para a concepção de que o turismo é
movimento de pessoas, é um fenômeno que envolve antes de mais nada “gente” e
ainda um ramo das ciências sociais e não das ciências econômicas, por considerar
que o turismo transcende a esfera das meras relações de “balança”. Dito isso, as
várias ciências estudam e agregam variadas explicações ao fenômeno turístico.
As definições de turismo expressos a seguir seguem duas perspectivas:
aquela que descaracteriza os lugares em decorrência da massificação e controle
capitalista, na venda de pacotes e adequação dos lugares aos modismos
contemporâneos – o turismo de massa; ou aquela que imprime autenticidade dos
lugares, com sua cultura, em um turismo que não é controlado por pacotes das
agências – o turismo alternativo.
Tanto em Knafou (1996) quanto em Rodrigues (1996) o conceito de turismo
é ampliado. O termo turismo é polissêmico, que enfoca tanto a definição de atividade
humana e social, quanto para uma atividade econômica. Dessa maneira o papel do
turismo pode ser avaliado como uma atividade multiforme, que envolve populações
em movimento e de difícil contabilização. Para Rodrigues (1996) o turismo se
caracteriza tanto por ser atividade econômica, quanto política, cultural, social acima
de tudo. Há a sub e supervalorização do papel do turismo a depender do agente
social que o analisa. Rodrigues (1996, p. 18), indica que vivemos em um período de
discussões férteis sobre a natureza do turismo como atividade, e reafirma:
é certamente um fenômeno complexo, designado por distintas expressões – uma instituição social, uma pratica social, uma frente pioneira, um processo civilizatório, um sistema de valores, um estilo de vida – um produtor, consumidor e organizador do espaço – uma indústria, um comércio, uma rede imbricada e aprimorada de serviços. (RODRIGUES, 1996 p.18)
Em termos históricos, o termo turismo nasceu na Europa, para definir o
deslocamento de citadinos às praias – o que mais tarde se chamou de “turistas”
(KNAFOUR, 1996). Ainda em meados do século XVII a função balneária aparece
sob princípios terapêuticos do banho do mar, indicados pelos médicos que viam nas
cidades europeias condições insalubres. O mar, a salinidade, o sol, a paisagem
marítima surgem nesse período como uma fuga para o restabelecimento das
populações mais nobres (BRASIL, 2008):
39
No século XIX, os espaços praianos ganham uma função social e é na Europa que a praia assume papel de vilegiatura balnear, principalmente na Inglaterra, França, Itália e Espanha, por meio dos spars, do iatismo, dos bailes e passeios a beira-mar. Com o processo de industrialização (...) o visitante já não é somente originário das classes abastadas, a praia se populariza. (BRASIL, 2008, p.15)
Em se tratando de Brasil, as primeiras viagens turísticas ocorreram ainda no
século XIX, com a motivação terapêutica em centros termais, na época chamados
de balneários terapêuticos, destinado para o acesso de uma clientela mais
abastada. As estações balneárias ou estâncias termais tem seu auge no Brasil dos
anos de 1930 a 1950 (REJOWSKI, 2002) - na Bahia a Instância Hidromineral de
Tucano (Jorro) e Cipó foram exemplo do turismo termal de destaque na primeira
metade do século XX no Brasil. O turismo, associadas as dimensões terapêuticas
era capaz de estimular o volume de capitais, por meio de empreendimentos
turísticos e consequentemente expansão de investimentos nos lugares em
potencial.
A partir dos anos 1960 o turismo que valorizou as praias e o mar, surge no
Rio de janeiro, com destaque para a faixa de Copacabana. Atualmente o nordeste
brasileiro é um dos principais destinos turísticos do país e ampliam-se investimentos
púbicos e privados no setor, associado ao segmento do turismo náutico, do
ecoturismo, e o turismo de pesca esportiva.
O turismo enquanto atividade econômica considera a capacidade de
transformar os espaços receptores, seja negativamente ou positivamente. Diante do
atual modelo capitalista se utiliza também das identidades locais para projetar e
movimentar o capital. Nesse caso, os territórios turísticos, segundo Knafou (1996 p.
73) podem ser retomados pelos operadores turísticos e pelos planejadores e assim
se tornar um território turístico, ou seja, visto que se projeta a transformação e
produção sócio-espacial, para o uso do lazer.
Já a relação entre turismo e território é caracterizada por três tipos de
situação, como sendo:
a) territórios sem turismo (raro na contemporaneidade, pois efetivamente,
os turistas podem ir a qualquer parte);
40
b) turismo sem território (turismo que não procede de iniciativa de turistas,
mas de operadores de turismo, ex-sítios e lugares equipados, sem
relação com o entorno);
c) território turístico aquele apropriado pelos turistas – territórios inventados
e produzidos pelos turistas, mais ou menos retomados pelos operadores
turísticos e pelos planejadores. (Knafou, 1996 p.73)
Assim sendo, destaca-se nesse momento a relevância do objeto da
pesquisa, por apresentar que o território turístico pode ser criado, mas para que
aconteça necessita projeta-lo com foco no lazer. As unidades de conservação
ambientais por exemplo, possibilita tanto o cuidado com o ambiente, quanto o prazer
em visitar as belezas naturais de um terminado espaço, sendo que as unidades em
geral são criadas pelo Poder Público (federal, estadual ou municipal), mas também
podem ser criadas por iniciativa particular.
Outro aspecto relevante sobre a abordagem da produção de territórios é o
estimulo do poder público mediante criação de planos de desenvolvimento, como o
Plano Territorial de Desenvolvimento Sustentável – território Chapada Diamantina
(BAHIA, 2010), cujas considerações finais informa a relevância da gestão social (a
curto, médio e longo prazo) nos planos territoriais, fazendo relação com o poder
público e a sociedade civil.
Como toda atividade humana no ambiente, o turismo causa impactos mais
conhecidos pelas transformações nos espaços receptores, nas relações de trabalho
e nas relações sociais em um dado território. As diversas estratégias criadas para
dinamizar os espaços e transformá-los em função do turismo são amplamente
utilizadas pelo poder público e absorvido por empresas como possibilidades para o
desenvolvimento econômico dos lugares em função dos atrativos existentes.
2.2.1 Turismo: potencial, classificação e motivação turística.
No turismo não basta que a localidade tenha recursos, mas estes recursos
precisam estar integrados a fim de fomentar roteiros de visitação em atividades
caracterizadas como sendo turísticas. Para análise sobre turismo serão utilizadas
propostas do Manual de Inventário Turístico do Ministério do Turismo, a Política
41
Estadual de Turismo (Lei 12.933/2014) e as discussões de Boullon (2002) e
Carvalho (1997) que classificam, denominam o potencial e exemplificam as
motivações para o turismo.
É importante se compreender a diferença existente entre recurso e atrativo
turístico. O recurso refere-se aos elementos em sua forma original, seria a matéria
prima do turismo - a atração turística; já o atrativo somente pode ser considerado
como tal, quando os elementos estiverem em localidades acessíveis, formatado para
receber turistas e devidamente divulgados. Para execução do planejamento
turístico, por exemplo, é importante compreender quando uma área potencial se
torna um atrativo, ou seja, quando acontecem as viagens, e estas passam a integrar
roteiros de visitação (CORIOLANO, 2004). Ao constituir como uma mercadoria e
atrair visitantes, os recursos de uma área em potencial podem tornar-se um atrativo
desde que apresentem aspectos singulares de atratividade.
Um determinado território pode ter potencial por apresentar recursos
naturais, por exemplo, mas enquanto não ofertar condições para visitação e
articulação para o exercício da atividade turística, será meramente um recurso e não
se configurar como atrativo turístico.
a) Potencial turístico
O potencial turístico está associado aos aspectos naturais e histórico-
ambientais de um determinado espaço geográfico utilizados pelo lazer nas
atividades turísticas. Para Bullon (2002) uma área em potencial é a possibilidade de
destinar o espaço real a algum uso diferente do atual e em Carvalho (1997) o
potencial turístico compreende as atrações turísticas de um local que guardam em
sua essência valores culturais, a história, a técnica e a natureza. Ambas definições
se complementam por almejar a possibilidade de visitação diante dos atrativos
existentes.
No entanto, ainda conforme Carvalho (1997 p. 100) o potencial pode ser
dividido em: potencial Vivo, Morto ou potencial Latente: as atrações e espaços
turísticos consolidados são classificados como sendo Potencial Vivo. Já o Potencial
Morto, apresenta ainda hoje, grande valor histórico e cultural, pelas marcas da
42
história presentes no espaço; e por fim o Potencial Latente embora com potencial,
não apresenta infraestrutura adequada para receber ou atrair visitantes.
Com o estudo sobre turismo, Carvalho (1997) ainda classifica o Potencial
Vivo, em categorias ou natureza, sendo representados pela natureza cultural,
natureza geográfica, natureza etnológica ou ainda natureza religiosa (QUADRO 3).
POTENCIAL TURISTICO
O potencial turístico compreende as atrações turísticas de um local que guardam em sua essência valores culturais, a história, a técnica e a natureza. CARVALHO (1997)
CLA
SS
IFIC
AÇ
AO
Turismo Vivo naquele que oferece condições de ser visitado, desfrutando da presença e da administração em condições de serem visitados e que dispõem de fluxos turísticos.
a natureza cultural (atrativos históricos, arquitetônicos, monumentos públicos);
a natureza geográfica (rios, montanhas, aguas termais etc.); a natureza etnológica (costumes folclóricos, música popular);
a natureza arqueológica (pinturas rupestres, ruinas);
a natureza religiosa (igrejas, mosteiros, eventos).
Turismo Morto representa locais onde existem monumentos, construções ou outras atrações que se “perderam” na história.
Turismo Latente é um local com recurso que não tem condições de ser visitado por absoluta falta de infraestrutura.
QUADRO 3 – Classificação do potencial turístico. ROCHA, 2017
O reconhecimento do potencial é valioso para diagnosticar os atrativos
encontrados na promoção do turismo no espaço geográfico. Importante, também é
compreender a classificação das potencialidades para se compreender as
especificidades dos locais de visitação associados aos roteiros turísticos.
b) Classificação do turismo
Para avaliação dos atrativos é recomendável definir o grau de atratividade
por critérios técnicos, em um processo denominado inventário turístico, no qual os
atrativos são catalogados e classificados. O inventário é uma das etapas mais
importantes do processo de planejamento turístico, pois oferece informações que
servirão como base analítica e propositiva para o planejamento do turismo.
43
Conforme o Programa de Regionalização do Turismo – Roteiros do Brasil -
do Ministério do Turismo (2006), o inventário turístico dos municípios compreende: a
infraestrutura de apoio turístico; os serviços e equipamentos turísticos; e os atrativos
turísticos (QUADRO 4,5 e 6 respectivamente):
I - CLASSIFICAÇÃO DA INFRAESTRUTURA DE APOIO TURISTICO
INFORMAÇÕES BÁSICAS
Características gerais (políticas, geográficas, econômicas); aspectos históricos; administração municipal; legislação municipal; feriados e datas comemorativas; serviços públicos, outras informações.
MEIOS DE ACESSO
Terrestres (terminais/ estações rodoviárias/ estações ferroviárias); Aéreos (aeroportos e serviços aéreos) Hidroviários (portos/ estações marítimas/ serviços fluviais e lacustres)
SISTEMA DE COMUNICAÇÃO Agenciais postais, postos telefônicos/ telefonias celulares; radioamadores; emissoras de rádio/ tv; jornais e revistas; internet
SISTEMA DE SEGURANÇA Delegacias e postos de polícia/ posto de policia rodoviária; corpo de bombeiro; sérvio de busca e salvamento; serviço de polícia marítima/ área/ de fronteira
SISTEMA MÉDICO HOSPITALAR
Prontos socorros e emergências; hospitais; clinicas médicas; postos de saúde; farmácias/ drogarias; clinicas odontológicas
SISTEMA EDUCACIONAL Ensino Fundamental; Ensino Médio; Ensino Superior; Cursos técnicos; especializações
OUTROS EQUIPAMENTOS DE APOIO
Locadoras de imóveis; locadoras de automóveis/embarcações; comercio (lojas de artesanato, centros comerciais, galerias de arte e antiguidade; lojas de artigos Fotográfico; agencias bancárias; serviços mecânicos; postos de abastecimento; locais e templos; representações diplomáticas
QUADRO 4 – Classificação da infraestrutura de apoio turístico. Adaptado de instrumentos de pesquisa – Programa regionalização do turismo no Brasil (2006).
II - CLASSIFICAÇÃO DOS SERVIÇOS E EQUIPAMENTOS TURISTICOS
MEIOS DE HOSPEDAGEM COM NECESSIDADE DE CADASTRO
Hotel, hotel histórico, hotel de lazer/resort; pousada; hotel de selva; apart-hotel/flat
MEIOS DE HOSPEDAGEM SEM NECESSIDADE DE CADASTRO
Hospedaria; pensão; motel
MEIO DE HOSPEDAGEM EXTRA-HOTELEIROS
Camping, colônia de férias, albergues
QUADRO 5 – Classificação dos serviços e equipamentos turísticos. Adaptado de instrumentos de pesquisa – Programa regionalização do turismo n Brasil (2006)
44
III - CLASSIFICAÇÃO DOS ATRATIVOS TURISTICOS
ATRATIVOS NATURAIS Montanhas, planaltos e planícies, costas ou litoral, hidrografia, quedas d’agua, fontes hidrominerais ou termais, áreas de caça e pesca, flora, fauna, outros
ATRATIVOS CULTURAIS Sítios históricos, edificações, obras de artes, esculturas e monumentos, instituições culturais, festas e celebrações, gastronomia típica, musica e dança, feiras e mercados, saberes e fazeres
ATIVIDADES ECONOMICAS Agropecuária, extrativismo, indústria
REALIZAÇÕES TECNICO-CIENTIFICAS
Parque tecnológico, parque industrial, museu tecnológico, usina hidrelétrica/ barragem/ eclusa/ açude, planetário, viveiro, exposição técnica, exposição artística, ateliê, zoológico, jardim botânico outras
EVENTOS Congressos, convenções, feiras, exposições, simpósios, encontros, workshops, oficinas, shows, torneios, desfiles, concursos
QUADRO 6 – Classificação dos atrativos turísticos. Adaptado de instrumentos de pesquisa – Programa regionalização do turismo no Brasil (2006).
Assim sendo, ressalta-se agora que os atrativos turísticos dependem da
oferta criada através da infraestrutura, dos serviços, dos equipamentos e dos
próprios atrativos existentes num dado espaço geográfico. Na composição do
inventário turístico, além de se compreender a classificação dos atrativos,
equipamentos e serviços, bem como a infraestrutura de apoio é importante também
avaliar o grau de atratividade, observando o interesse dos grupos de visitantes. Na
legislação que rege a Política Estadual de Turismo (Lei 12.933/2014) classifica as
atividades, produto e segmentação turística (QUADRO 7):
QUADRO 7 – Caracterização da atividade, produto e segmentação turística. BAHIA, 2014.
•hospedagem, alimentação, agenciamento, transporte, recepção turística, eventos, recreação e entretenimento, além de outras utilizadas pelos turistas em seus deslocamentos
Atividade
•atrativos, infraestrutura, equipamentos e serviços turísticos, acrescidos de facilidades, ofertados no mercado de forma organizada, mediante gestão integrada, para compor um destino turístico por ser o espaço geográfico onde estão os produtos turísticos
Produto
•a forma de organização do turismo baseada nos elementos de identidade da oferta, nas características e variáveis da demanda, para fins de planejamento, gestão e mercado
Segmentação
45
Ainda sobre definições a respeito do turismo é também essencial o processo
de conhecimento da atividade turística, em cada território. Esses elementos são
essenciais para se compreender o fenômeno turístico, bem como planejar a
atividade.
c) Motivação turística
Quando os empreendedores ou promotores do turismo organizam e
planejam os roteiros de viagem, o fazem conforme a motivação, ou seja, o produto
que ira proporcionar o lazer e bem estar em uma atividade turística. A relevância dos
aspectos, valores e motivações são elementos que mais se destacam quando se
trata do potencial turístico de um lugar e seu planejamento. O governo da Bahia
classificou no ano de 2005, as motivações para o turismo no Estado considerando a
atratividade turística e o fluxo de visitantes consolidados. Segue a síntese desse
estudo no quadro a seguir (QUADRO 8):
MOTIVAÇÃO PARA A ATIVIDADE TURISTICA
turismo de litoral e turismo náutico
as atividades náuticas e de cruzeiros marítimos, à hotelaria balneária e resorts
turismo de história, étnico ou cultural
o patrimônio material e imaterial, tais como festivais, museus, exposições, gastronomia, artesanato, costumes de um povo e tradições
turismo de esportes e aventura esportes radicais em contato com a natureza e campeonatos
turismo de negócios, eventos profissionais e intercambio
os congressos, convenções, eventos esportivos, viagens de negócios, intercambio para estudos
turismo de natureza ou ecoturismo
entendido como visitas a reservas e parques naturais e atividades ao ar livre
Enoturismo Visitação atividades ligadas a vitivinicultura
Turismo religioso Viagens motivadas pela fé, peregrinação a santuários, romarias, visitação a templos religiosos
Turismo de pesca Deslocamento de turistas como interesse na pesca amadora ou profissional, atração pela pesca esportiva
Turismo social Atividade democrática fundamental para o lazer de baixo custo, formação do cidadão e conhecendo os lugares fazendo boas ações e voluntariado
Turismo Sol e Praia/Mar Atividade turística ligada a recreação, entretenimento ou descanso em praias. Também conhecido como turismo de massa, realizados nas praias naturais (marítimas, fluviais e lacustres) e artificiais e geral de forma sazonal
Turismo rural Interesse pelas vivências do cotidiano rural, nos hotéis fazenda ou comunidades rurais
Termalismo e saúde Visita a instâncias termais, para o combate de enfermidades;
QUADRO 8 - Quadro síntese das motivações turísticas. Adaptado de BAHIA (2005) - Consolidação do turismo: estratégia turística da Bahia 2003-2020. ROCHA, 2017.
46
Na Bahia se destaca várias categorias de turismo, como o turismo cultural,
o étnico, o enoturismo, o turismo náutico, o rural, o de aventura, o religioso, o de
turismo de negócios, de eventos e convenções, dentre outros. A produção do
território foi caracterizada pela presença do Estado na melhoria das estradas,
transportes, comunicações, hospedagens, estratégias de gestão presentes na
Política Estadual de Turismo (BAHIA, 2014). A proposta foi considerar dentre seus
objetivos ordenar, desenvolver e promover os diversos segmentos turísticos
potenciais no Estado da Bahia.
Para Knafour (1996), o mercado turístico pode gerar ou extinguir a atividade
turística, sendo necessário ser estruturada de forma sustentada, na tentativa de
garantir a promoção e manutenção de sua atratividade. Nessa perspectiva os
estudos de Knafou (1996) trazem uma grande contribuição ao tratar da relação
turismo e território. O autor aponta para diferentes tipos de territorialidades que se
confrontam nos lugares turísticos: “a territorialidade sedentária, dos que ai vivem
frequentemente e a territorialidade nômade dos que só passam, mas que não tem
menor necessidade de se apropriar (...) dos territórios que frequentam” (p. 64).
Ressalta ainda que um bom número de conflitos nesse sentido no território advêm
das diferenças de territorialidades.
Ao impulsionar e difundir as potencialidades para a atração de novos
mercados, o Estado enquanto agente modelador e promotor nesse caso - do turismo
- exerce o papel de dinamizador do espaço geográfico, quando assume um papel
fundamental no planejamento e promoção territorial. Direcionando à pesquisa em
questão, um estudo sobre o planejamento de um território a luz do turismo, envolve
territorialidades, e nessa perspectiva variados olhares sobre o turismo, como é o
caso do turismo alternativo.
2.2.2 Perspectiva de um turismo alternativo
Como toda atividade humana no ambiente, o turismo causa impactos mais
conhecidos principalmente pelas transformações dos espaços receptores, relações
de trabalho e relações sociais no dado território. Para que o turismo aconteça de
forma sustentável, deve ser desenvolvido com a finalidade de mitigar os possíveis
impactos sobre o ambiente, integrando esforços para o desenvolvimento ordenado
do espaço, conciliando aspectos econômicos, culturais e ambientais.
47
Um espaço (re) territorializado pela dinâmica da atividade turística é aquele
que foi alvo da interferência de políticas públicas ou privadas e apresenta atividades
hegemonicamente priorizadas aos turistas (CORIOLANO, 2005), provocando o fluxo
de visitantes. Nas últimas décadas, a participação comunitária, vem se constituindo
no novo paradigma para o desenvolvimento do turismo. Dessa forma, BARRETTO
(2005 p.20) informa “a comunidade deve ter o direito de pronunciar-se, inclusive
sobre o não-desenvolvimento do turismo em um determinado local”.
O desenvolvimento do turismo em bases sustentáveis, portanto, realizado
pelos grupos sociais busca melhorias na qualidade de vida e significa mudanças nas
bases econômicas e na organização social, na perspectiva de valorização da
participação comunitária – pertinente neste trabalho de intervenção.
Existe uma modalidade de turismo que segue as premissas de
empoderamento de comunidades - são denominadas como turismo alternativo ou
ainda, turismo comunitário (de base local). O turismo alternativo é apresentado por
SEABRA (2007) e RODRIGUES (1997), conforme QUADRO 9:
TURISMO ALTERNATIVO
Um turismo alternativo apresenta em suas especificidades os aspectos referentes a cultura, hábitos e vivencias de um povo.
(SEABRA, 2007)
Utilização do fenômeno turístico para empoderamento local em comunidades impactadas por atividades econômicas diversas e que estão em estagnação.
RODRIGUES (1997)
QUADRO 9 – Definição de turismo alternativo. Elaboração ROCHA, 2007.
Estas modalidades são peculiares de muitos municípios do sertão
nordestino, visto que em muitos casos não apresentam condições estruturais
satisfatórias já consolidadas pelos centros de maior fluxo turístico; mas apresenta
em suas especificidades os aspectos referentes a cultura, hábitos e vivências de um
povo. Dentre os segmentos do turismo alternativo estão o turismo sertanejo, o
ecoturismo e o turismo rural:
a)o turismo rural - o conjunto de atividades turísticas desenvolvidas no meio rural, comprometido com a produção típica local, agregando valor a produtos e serviços, resgatando e promovendo o patrimônio cultural e natural da comunidade (BAHIA, 2014);
48
b)o ecoturismo - tem nos atrativos naturais sua principal matéria prima (BRITO, 2005 p. 139) c) o turismo sertanejo - desenvolvido em pequenos centros urbanos e no espaço rural aproveitando as atividades produtivas e as manifestações culturais típicas dos lugares (SEABRA, 2007, p.31)
Todas as caracterizações turísticas apresentadas revelam características
que trazem singularidades aos lugares,
Uma forma de lazer fundamentada na paisagem natural, no patrimônio cultural e desenvolvimento social das regiões interioranas do Brasil [...] com ênfase na valorização na identidade cultural/regional e na melhoria das condições de vida da comunidade local (SEABRA, 2007 p.31)
O turismo sertanejo torna-se uma via para alcançar o desenvolvimento local
em muitos municípios sertanejos. Outros autores também defendem o turismo
sertanejo, assentado na revitalização e diversificação da economia capaz de “atrair e
fixar população, de ocupar a população potencialmente ativa [...] de valorizar
produções, de renovar as habitações e as aldeias e assegurar melhores condições
de vida (CAVACO, 1996 p.98).
O ecoturismo, outra denominação inserida no turismo alternativo, vem sendo
muito valorizado nas últimas décadas em todo o mundo, e abrange a utilização dos
espaços de forma sustentável, estimulando o conhecimento do patrimônio natural e
cultural, a sua preservação e busca a formação de uma consciência ambientalista
através da interpretação do ambiente, promovendo a inserção das populações
envolvidas (YAZIGI et. al 2002). Uma prática presente no ecoturismo é apresentado
pelo Instituto de Ecoturismo do Brasil (CAMPANHOLA & SILVA 2000) que refere-se
ao ecoturismo como a pratica de turismo de lazer, esportivo ou educacional, em
áreas naturais, que utiliza a forma sustentável dos patrimônios naturais e cultural,
incentiva a sua conservação, promove formação de consciência ambiental e garante
o bem-estas das populações envolvidas.
Na outra denominação conhecida por turismo no meio rural, agroturismo ou
simplesmente turismo rural, consiste em atividades de lazer e recreação realizadas
nas propriedades rurais e abrange as atividades como, pesque-pague, o restaurante
típico, as vendas diretas do produtor, o artesanato, a industrialização caseira e
outras atividades associadas à recuperação de um estilo de vida dos moradores do
49
campo (CAMPANHOLA & SILVA 2000). A Política Estadual de Turismo (BAHIA,
2014), apresenta uma seção só para tratar do turismo rural, dentre tão variadas
modalidades, dada a sua relevância atual para o Estado.
Um turismo alternativo quer seja pelas vias do turismo sertanejo, o
ecoturismo ou ainda o turismo rural, carregam características de imprimir no espaço
geográfico as características locais e identidade territorial no ambiente. Para
Rodrigues (1999 p. 10), a utilização do fenômeno turístico vem sendo utilizados para
empoderamento local em comunidades impactadas por atividades econômicas
diversas e que estão em estagnação, considerando
a melhoria da qualidade de vida da população, os lugares e regiões em áreas que já sofreram degradação por conta do uso indiscriminado de seus recursos e necessitam de estratégias urgentes para mitigação dos impactos.
Como exemplo a de elencar a promoção do ecoturismo estimulado na Bahia
- Chapada Diamantina diante da realidade de estagnação econômica do garimpo de
diamantes nas ultimas décadas do século XX, e pelo alto índice de degradação
ambiental com o garimpo mecanizado nos leitos dos rios, principalmente nos anos
de 1980. Através de estratégias governamentais, o turismo foi estimulado em vários
municípios do interior da Bahia, sendo criado o Parque Nacional da Chapada
Diamantina e o roteiro turístico Chapada Diamantina – rota dos diamantes.
Paralelo a ação do Estado, o momento atual exige que a sociedade esteja
mais motivada e mobilizada para assumir um caráter mais propositivo, para tanto, é
importante o fortalecimento das organizações sociais e comunitárias, a redistribuição
de recursos mediante parcerias, de informação e capacitação para participar
crescentemente dos espaços públicos de decisão e para a construção de
instituições pautadas por uma lógica de sustentabilidade (JACOBI, 2003 p. 203).
Significa, portanto, mudanças nas bases econômicas e na organização social, na
perspectiva de valorização das especificidades e participação comunitária, no intuito
de responder as demandas coletivas.
Um turismo que pode agregar características para o fortalecimento da base
local em que agrega valores, aproveita a biodiversidade, as atividades produtivas e
as manifestações culturais típicas dos lugares. É diferenciada de modalidades já
consolidadas como o turismo sol e praia (de litoral), que ocorre principalmente nas
50
capitais do nordeste com aproveitamento das praias e do patrimônio urbano das
cidades.
Pensar em um turismo alternativo de valorização das comunidades emerge
controle e planejamento adequados, importantes para se compreender o impacto
socioambiental em comunidades vulneráveis, que inicia o processo de turistificação
do espaço.
O desenvolvimento supõe a conquista da felicidade individual e coletiva e não admite exclusão social e degradação ambiental; ao pensar desenvolvimento deve-se ter em mente a dimensão socioespacial, pressupondo que uma comunidade tenha autonomia para gerir seus destinos (RODRIGUES, 1999 p. 10)
Estes princípios visam propor orientações que intercedam nas realidades de
pequenas localidades, buscando soluções de desenvolvimento pautadas em
aspectos intrínsecos, comprometendo-se também com questões éticas e de
valorização da realidade local. Portanto, o turismo contribui para o desenvolvimento
local, desde que respeite as premissas assentadas na:
[...] revitalização e diversificação da economia capaz de atrair e fixar população, de ocupar a população potencialmente ativa com êxito econômico profissional e social, de valorizar produções, de renovar as habitações e as aldeias e assegurar melhores condições de vida. (CAVACO, 1996 p.1998)
Portanto, novas formas de valorização do potencial local em bases
sustentáveis, considerando que esta caracteriza-se, primeiro, pela defesa dos
recursos ambientais e culturais; e, segundo, pela busca de alternativas para
sobreviver ao processo de globalização hoje em curso. Já as preocupações
apontadas por Souza (1999) são um turismo de base local, definição especifica da
geografia do turismo, que se atenta a:
a. A manutenção da identidade cultural dos lugares com o próprio fator de atratividade turística e o estabelecimento de um maior intercâmbio e integração entre as populações hospedeiras e os visitantes; b. A construção de uma via democrática para o desenvolvimento de certas localidades [...] como fator estruturante da valorização das suas potencialidades ambientais e culturais, com a participação da população local na condução ativa desse processo; c. Estabelecimento de pequenas escalas de operação e baixos efeitos impactantes dos investimentos locais em infra-estrutura turística: conservação do meio ambiente, rusticidade local, valorização sem transformação. (SOUZA, 1999 p. 10)
51
Na visão de Coriolano (2009) no típico turismo comunitário de base local é
aquele em que as comunidades de forma associativa organizam arranjos produtivos
locais, possuindo o controle efetivo das terras e das atividades econômicas
associadas à exploração do turismo. Nele o turista é levado a interagir com o lugar e
com as famílias residentes, seja de pescadores, agricultores, ribeirinhos, pantaneiros
ou de índios.
No turismo comunitário os residentes possuem o controle produtivo da
atividade desde o planejamento até o desenvolvimento e gestão dos arranjos
produtivos. Busca a regulamentação de unidades de conservação, assim como
organizar comitês para cuidar da gestão ambiental de seus espaços, com planos de
manejo e de conservação compatíveis com o turismo. (CORIOLANO, 2009 p. 289).
Tal conceito busca o envolvimento comunitário, ou seja, vai além do agregado de
pessoas, mas se constitui em integração, em relações mútuas, em envolvimento
coletivo, importante nas conquistas e para uma boa convivência social.
Diante das possibilidades apresentadas de um turismo menos denso, mas
de valorização comunitária, as premissas de turismo alternativo, tem possibilidade
de agregar a sustentabilidade torna-se de fato uma alternativa de inclusão das
comunidades (como as rurais) no processo turístico; portanto, desde que envolva
especificidades locais, potencialidades e a identidade do lugar, de forma a trazer
melhor qualidade de vida e envolvimento das comunidades na organização da
atividade turística.
E o que desenhar sobre o turismo alternativo de base comunitária como vetor
de desenvolvimento? Para Campanhola & Silva (2000 p.150) a relevância da
participação comunitária, considerando processos democráticos, transparentes,
dirimindo desigualdades sociais, é o foco no turismo alternativo. Sem esse sentido
maior, torna-se contraditório criar propostas coletivas de organização comunitária e
consequentemente desenvolvimento local, que não precisa necessariamente ser
desenvolvimento econômico, mas social, histórico ou cultural.
E o turismo pode se apropriar de todas essas vertentes, como outra
possibilidade para o turismo de massa, “que tende a homogeneizar os produtos e a
concentrar-se em determinados locais” (CAMPANHOLA & SILVA 2000 p.151). A
exemplo do turismo rural – que é antes de tudo um turismo local, de território, gerido
pelos residentes. Para ser um vetor de desenvolvimento local, o turismo tem que
52
considerar o potencial da comunidade envolvida e as diversidades geográficas,
culturais e ambientais das áreas rurais e basear-se na interação e integração entre
seus atores – Estado, instituições privadas e comunidade local. Nesse contexto o
direcionamento das análises já postas sobre o turismo alternativo conduz a
perspectiva de desenvolvimento local.
Diante do exposto, acredita-se que através da consolidação de ações na
comunidade para desenvolvimento do turismo alternativo, possibilitara pensar por
melhorias da qualidade de vida de forma justa e sustentável, a organização
comunitária para fins de se pensar no desenvolvimento da atividade turística. Enfim,
poderá se efetivar no território objeto deste estudo.
2.3 PLANEJAMENTO NA (RE) PRODUÇÃO DE TERRITÓRIOS TURÍSTICOS
O planejamento da atividade turística vem se ampliando em todo o mndo
nos territórios turistificados em que o espaço é consumido, apropriado e
transformado pela atividade turística. O objetivo deste item é apresentar - diante das
noções sobre turismo alternativo - o planejamento turístico como primeiro passo
para refletir sobre a produção de território no segmento do turismo em uma
comunidade. Pretende-se detalhar a ideia de que o planejamento é necessário na
organização socioespacial, quando se pensa em projetar o futuro.
O termo planejamento apresenta variadas definições nas ciências humanas
e sociais; há flexibilidades e diversos fenômenos ao qual pode ser explicado. Nesse
sentido, prevê intervenções, como instrumento de execução do planejamento.
Apesar da diversidade de definições, apresenta um propósito bem definido:
o planejamento é uma atividade; não é algo estático. Normalmente parte de uma ação anterior [...] sendo um processo dinâmico está em permanente revisão e sofre muitas correções de rumo. Exige repensar constante mesmo após concretização dos objetivos. (BARRETTO, 2005 p.31).
O planejamento do território se constitui um princípio de organização social
(KNAFOU 1996). No entanto, mesmo com organização, torna-se limitado, pois
depende de outras políticas setoriais econômicas, sociais, culturais ou ambientais,
para respalda-la, como também de uma sociedade para legitimá-la. Segundo
Rodrigues (1996 p. 25) o planejamento se apresenta “como instrumento político e,
53
portanto, ideológico, que tem de conciliar vários interesses, e frequentemente,
conflitantes ações”. Balizar as questões conflituosas pertinentes ao território é um
desafio quando se pensa em projetar ações coletivas e que envolve variados
agentes sociais. Para efetivação, segue-se documentá-lo e posteriormente
transformá-lo em ações com destaque para o surgimento de políticas públicas que
venham a fortalecer a execução por meio de programas, planos e projetos.
Historicamente, as primeiras ações de planejamento no mundo foram
iniciadas pelo viés econômico e militar utilizando termos como: estratégia e tática. O
país precursor foi o Japão, ao pensar de forma organizada a economia, os Estado
projetou e seguiu parâmetros de desenvolvimento territorial ainda no século XIX; a
antiga União Soviética, após a revolução socialista - década de 1920-1930 -
implementou planos quinquenais; a França foi o primeiro país europeu a realizar
planejamentos em 1945 em planos quadrienais e hoje raro são os países que não
realizam plataformas em seus governos, tais como os plano decenais, planos
plurianuais por exemplo.
Em sequência, a nível de estratégias mediadas pela sociedade civil, os
empresários nos Estados Unidos no pós-guerra construíram planejamentos
econômicos que tiveram um papel fundamental naquele país (BARRETTO, 2005).
Segundo o autor, na metade do século XX, o mundo capitalista via o planejamento
para servir a economia em um Estado onipotente. Ao citar o sociólogo alemão
Mannheim, apresenta a defesa em institucionalizar mecanismos que regulem as
relações econômicas e sociais com conexão entre variados setores.
No Brasil, o planejamento no setor turístico, surge pioneiramente no Estado
do Rio Grande do Sul em 1950, com a criação da secretaria e conselho de turismo
daquele Estado, e a nível nacional em 1966, com a criação da Empresa Brasileira de
Turismo (Embratur), (FIGURA 3).
1950
Empresa Brasileira de Turismo (Embratur)
...
Rio Grande do Sul – pioneiro com a secretaria/conselho de turismo
1966 2008
Política Nacional de Turismo
FIGURA 3 – Cronograma de iniciativas pioneiras de planejamento para o turismo no Brasil. Rocha, 2017
54
Nas décadas seguintes observa-se que o caráter meramente econômico nas
estratégias e planos de governo não se sustenta, e foi inserido paulatinamente as
pesquisas científicas aplicando modelos teóricos de turismo ao planejamento
territorial. O pioneiro na América Latina a realizar pesquisas sobre o planejamento
aliado ao turismo foi Roberto Boullon, considerando o planejamento territorial e
urbano em seus estudos no México; “introduziu o conceito de espaço turístico,
decompondo-o nas conhecidas divisões em zonas, complexos, núcleos, corredores
turísticos etc.” (BARRETTO, 2005 p. 18) e propôs a hierarquização de espaços
turísticos de acordo com a relevância dos recursos.
O modelo de classificação para Boullon se apoiou no estudo sistêmico da
distribuição territorial dos atrativos, dos equipamentos e serviços turísticos
(QUADRO 10) para identificar agrupamentos e concentrações turísticas
(CORIOLANO & SILVA, 2005, p. 111)
HIERARQUIA DOS ESPAÇOS TURÍSTICOS
ZONA TURÍSTICA
É considerada a maior unidade de análise e estruturação do universo espacial do turismo de um país, tendo sua superfície variável, compreendendo áreas sempre maiores que um município. Para que exista uma zona turística é necessário considerar pelo menos 10 atrativos relativamente próximos (lei da contiguidade), devem contar com equipamentos, serviços turísticos, estrutura de transporte e comunicação que possam se relacionar entre si; ter dois ou mais centros turísticos. Para que uma zona seja subdividida em áreas é necessário no mínimo 20 ou mais atrativos.
ÁREA TURÍSTICA
Partes que podem dividir a zona turística. Compostas por atrativos turísticos contíguos, que são menores que os da zona. Precisam de estrutura de transporte e comunicação que relacionam os elementos turísticos que a integram, como também a presença mínima de um centro turístico. As áreas devem conter no mínimo de 10 atrativos.
COMPLEXO TURÍSTICO Alcançam uma ordem superior por apresentar vários atrativos turísticos complementares e uma permanência maior do turista.
CENTRO TURÍSTICO
Todo conglomerado urbano que conta em seu próprio território ou dentro de seu raio de influencia (duas horas de distância) entre atrativos turísticos de tipo e hierarquia suficientes para motivar uma viagem turística. Podem ser classificados em Distribuição, Estada, Escala, Excursão:
Distribuição Aglomerado urbano, base para a emissão de excursões diurnas, aos quais o turista pode retornar para dormir.
55
Estada Tem boa infra-estrutura e oferta de lazer. Os turistas permanecem por longas temporadas para usufruírem repetidamente dos atrativos.
Escala Geralmente coincidem com as conexões das redes de transporte e os percursos entre o mercado emissor e receptor. Sua função é servir como uma etapa intermediária da viagem.
Excursão São os que recebem visitantes por menos de 24 horas procedente de outros centros
CONJUNTO TURÍSTICO Núcleos integrados em um sistema maior, favorecido por uma planta turística integrada á natureza e com atrativos culturais hierarquizados
NÚCLEO TURISTICO
Agrupamento urbano de menor hierarquia com funcionamento rudimentar e poucos níveis de acesso e comunicação
UNIDADE TURÍSTICA Atrativos com nome e especificidade próprios que podem fazer parte de um conjunto
CORREDOR TURÍSTICO
Espaços longitudinais com vias de conexão entre as zonas, as áreas, os complexos, os conjuntos. São redes de estradas ou caminhos de uma região através dos quais se mobilizam os fluxos turísticos para chegar aos seus itinerários
QUADRO 3 – Classificação do espaço turístico de Bullon (2002). ROCHA, 2016
Os recursos turísticos tornam-se base para o desenvolvimento de projetos
locais. Dessa forma planejamento turístico seria a organização ou reorganização da
atividade para a elaboração do produto turístico, que é formada pelo conjunto de
diversos recursos que a localidade receptora possui com a finalidade de serem
utilizadas em atividades provenientes do Turismo.
A relevância do planejamento em áreas de visitação turística, se dá pela
necessidade de conservação, e proteção dos recursos, bem como maior
organização da atividade turística. De certo, quando se pensa nos territórios
turísticos, está se ressaltando as transformações e relações territoriais decorrentes
do turismo nos espaços geográficos. Os estudos de ANGELI (1996), CAMPANHOLA
& SILVA (2000) e RODRIGUES (1996) trazem o estágio de implantação do
planejamento turístico, sintetizados a seguir no QUADRO 11:
56
ESTÁGIOS PARA A IMPLANTAÇÃO DO PLANEJAMENTO TURÍSTICO
ANGELI (1996) CAMPANHOLA & SILVA (2000) RODRIGUES (1996)
a) O primeiro estágio está o investimento das viagens, eventos e excursões;
b) No segundo estágio o enfoque está nas transformações de cidades em núcleos turísticos, ou sua reativação;
c) Em um terceiro estágio fazer articulação com as políticas públicas para incentivar a atividade turística.
a) Basear-se e adaptar-se aos problemas, necessidades e possibilidades das comunidades locais; b) Fortalecer a autonomia de seus atores; c) Coadunar-se com os princípios do desenvolvimento local; d) Avaliar criteriosamente o potencial turístico, tendo como referência a cultura local; e) Identificar os limites locais aos empreendimentos (como fonte alterativa ou complementar da renda.
a) O primeiro refere-se a condição inerente ao turismo satisfação das necessidades dos turistas – o consumidor; b) Em segundo lugar analisar os custos e benefícios que o turismo trás a população residente (seus impactos econômicos, políticos e culturais) c) Em terceiro lugar, há que cuidar-se do patrimônio cultural e ambiental existente
QUADRO 4 – Quadro síntese para implantação do Planejamento turístico. Rocha, 2017
Os autores citados definem a concepção do planejamento turístico, em que
tratam a maneira como este território deve ser pensado e organizado. Há de se
considerar, portanto, o contexto da sociedade e do território; bem como os impactos
que a atividade turística pode desencadear.
A princípio, como define Rodrigues (1996 p. 25) a interação entre turistas e
população é conflitante, “porque tem de conciliar os interesses de uma população
que busca o prazer num local onde outras pessoas vivem e trabalham. Satisfazer a
ambas não é tarefa fácil”. Ao sugerir alguns estágios para implantação do
planejamento turístico, Angeli (1996) apresenta um espaço que possivelmente sera
dinamizado, pois além de atender os empreendedores, também trará
transformações no espaço em núcleos turísticos; de maneira mais organizada e
qualidade a articulação com as políticas públicas trará maior envolvimento da
população com controle social e a gestão do espaço da cidade.
Para complementar tal síntese dos estágios para um planejamento turístico,
em Campanhola & Silva (2000) irá considerar o âmbito do territóriol, pois as
oportunidades são locais e muito particulares. Nesta abordagem, o turismo não deve
ser condicionado como “a solução” para o desenvolvimento local, visto que, a
autonomia dos sujeitos, o potencial turístico existente, e a complementação de renda
gerada pelo turismo não deve ser prioridade, em detrimento da qualidade de vida e
valorização da cultura e identidade local.
57
Agnes (2003) apresenta em sua obra sobre planejamento turístico que o
fomento ao turismo aliado ao planejamento ordenado dos espaços, equipamentos e
das atividades turísticas, pode contribuir para a conservação dos recursos e sua
proteção. O conhecimento do espaço, a partir da análise e espacialização dos
recursos turísticos torna-se uma importante ferramenta para a compreensão das
transformações do espaço geográfico decorrentes da produção e (re) produção de
uma sociedade. Para um planejamento eficaz, Rodrigues (1996 p. 26) apresenta que
as condições inerentes ao turismo, tais como a satisfação das necessidades dos
turistas associado aos benefícios á população residente e o patrimônio cultural e
ambiental existente são imprescindíveis. A melhor forma de associar esses três
elementos é um planejamento e gestão do território, que “não pode ser entendido
fora do contexto de toda uma sociedade, que condiciona tanto os impactos positivos
quando os custos sociais e ambientais” de forma sustentável” (BARRETTO, 2005
p.115).
No planejamento os impactos positivos, quanto os custos sociais e
ambientais são importantes a se considerar; e afirma que “diferentes grupos sociais
dão respostas diversas, a um mesmo programa de ação de acordo com seus
condicionantes histórico-culturais e socioeconômicos”, seja a produção do território
turístico, releva o território ao qual a atividade está inserida. A diversidade dos
povoamentos e do meio físico levam a modelos diferentes de desenvolvimento do
turismo e direciona a atentarmos à relação direta entre o turismo e as características
sociais, econômicas e ecológicas de cada local (CAMPANHOLA & SILVA, 2000). A
atividade de planejamento no setor turístico deve levar em conta todos os
componentes, segmentação, complexidade e características tais como estabelecer
relação com o passado e futuro, adequando as estratégias, objetivos e metas do
plano; permitindo ações para os anos seguintes; e assim antecipar soluções para os
problemas previsíveis (FERNANDES, 2011). Planejar para melhor estruturar uma
atividade, com vias de articulação política, ambiental, cultural, social como também
econômica.
Diante das propostas elencadas de como estruturar o planejamento turístico,
a de se tratar agora da participação comunitária nesse processo. Para BARRETTO
(2005 p.21) “o planejamento do turismo deve ser ou participativo, ou transacional” e
que é preciso melhorar qualitativamente o nível de participação dos membros da
58
sociedade. Um planejamento dessa natureza, conforme indica Molina e Rodrigues
(apud BARRETTO, 2005) daria como resultado um plano produzido não apenas
pelos planejadores, mas pela sociedade com maior participação comunitária.
Todas essas considerações permeiam no planejamento de um turismo
sustentável. Basicamente, o turismo deve ser planejado e implementado por agentes
(públicos e privados) na estruturação espacial e social da atividade, com
investimentos direcionados a implantação da infra-estrutura, em hotéis, restaurantes,
transportes (translado), agências de turismo, entre outros. Vale acrescentar que o
planejamento turístico deve abarcar também, diversos atores envolvidos no
processo – comunidade receptora, órgãos da administração pública, visitantes,
empresários do ramo e organizações do terceiro setor - com a finalidade de mitigar
os possíveis impactos sobre o ambiente.
Em Knafour (1996) fundamentalmente o turista possui uma liberdade que
incomoda, e dessa forma o autor aponta aspectos negativos desta atividade pelas
comunidades receptoras: a rejeição da novidade ou recusa de sua própria evolução;
o ar de saturação em que consiste no turismo de massa sinônimo de grande
concentração em espaços limitados, ou ainda o turismo devorador das paisagens
que consome. Justifica-se portanto, a necessidade do planejamento em ambientes
turísticos, principalmente em períodos de grande circulação e fluxo de pessoas,
levando em geral ao uso dos espaços de lazer, de maneira desordenada. Faz-se,
portanto salutar a predominância de uma atividade em que o planejamento territorial
tenha um foco na sustentabilidade socioambiental, e com o reconhecimento de um
turismo alternativo, envolvendo diversos atores sociais.
Pensando de outra maneira e corroborando com a perspectiva de um
turismo sustentável, que abrange não somente os aspectos econômicos, mas
também a “manutenção de um equilíbrio em suas três dimensões: o econômico, o
sociocultural e o ambiental” (DIAS, 2003 p.10). O turismo sustentável deve ser
percebido de forma integrada e contemplando os vários atores envolvidos em seu
processo. Ruschmann (1997) já aponta o planejamento como necessidade nos
lugares em que os fluxos de visitação são ampliados, e em ambientes sensíveis,
como em unidades de conservação. O planejamento turístico nesta condição,
demanda o ordenamento do território, ou seja, antecipar-se ao efeito predatório dos
recursos nas localidades turísticas, evitando o esgotamento prematuro dos recursos
59
não-renováveis e pela exploração irracional dos recursos renováveis (BULLON,
2000). Tal análise, comunga com a ideia de exercício de uma atividade que possa
favorecer um turismo sustentável, como apresentado anteriormente. Assim,
O planejamento dos espaços, equipamentos, e das atividades turísticas se apresenta como fundamental para evitar os danos sobre os meios visitados e manter as atividades dos recursos para as gerações futuras. A finalidade do planejamento turístico consiste em ordenar as ações do homem sobre os territórios e ocupar-se em direcionar a construção de equipamentos e facilidades de forma adequada evitando, dessa forma, os efeitos negativos nos recursos que destroem ou reduzem sua atratividade. (RUSCHMANN, 1997 p.9)
Ao mesmo tempo outra vertente também demanda a construção do
planejamento turístico, como é o caso de comunidades ou núcleos turísticos, em que
o turismo é latente, mas falta organização comunitária, apoio do poder público para
seu desenvolvimento. Por isso o planejamento se faz necessário para promover
maior equilíbrio da atividade turística, dos ambientes, dos aspectos sociais e
culturais dos espaços receptores. Uma construção ou planejamento coletivo;
envolvendo variados atores, por parte dos empreendedores, dos turistas, da
população receptoras, favorecem um planejamento turístico com ações direcionadas
para o futuro, com o objetivo de transformar a realidade presente em rumos
predeterminados e implica na existência de agentes do planejamento, entre outras
(DIAS, 2003). Além desses elementos a serem ponderados, ao se planejar cabe
ainda pensar na continuidade administrativa, disponibilidade de dados estatísticos e
capacidade técnica apropriada.
Esta tendência ainda pode ser complementada como sendo o instrumento
fundamental na determinação e seleção das prioridades, para a evolução da
atividade, determinando suas dimensões ideais, para que, a partir daí, estimular,
regular ou restringir sua evolução (RUSCHMANN, 1997). O planejamento quando
legitimado pode possibilitar a promoção do turismo de forma a inserir a comunidade
local no desenvolvimento da atividade, este aspecto vem sendo um desafio na
promoção dos espaços turísticos.
60
2.3.1. A locomotiva da história das lavras diamantinas no interior da Bahia
O Brasil foi um produtor de diamantes, cujos primeiros achados datam de
1729 em Minas Gerais; poucos anos depois, em meados do século XVIII quando
chegou a ter o monopólio mundial da pedra. No entanto, durante o século XVIII, a
mineração foi proibida no país, tornando-se um mistério sua ação (BARROZO,
2007).
A situação econômica de Portugal e a crise política levaram o
governo português a exigir cada vez mais do Brasil, gravando os
mineiros com taxas, impostos e um controle despótico nas regiões
produtoras de ouro e diamante. Quem era flagrado contrabandeando
diamante era punido severamente. Os diamantes eram apreendidos,
e o “criminoso” ou era punido com prisão perpetua ou era degradado
por dez anos para Angola (BARROZO, 2007 p. 31)
Conforme Theodoro Sampaio (apud CATHARINO, 1986 p. 130) “Apesar
de proibida a sua extração em 1734, a procura do diamante não diminuiu, tornando-
se tão somente um mister clandestino”. Nesse período, conforme o mesmo autor, a
atividade garimpeira era permitida pela coroa portuguesa apenas em Diamantina,
em Minas Gerais. Quando as jazidas deste Estado entraram em decadência no
século XVIII, são descobertos os primeiros diamantes na Chapada Diamantina, na
Bahia.
Como em todas as descobertas importantes de pedras preciosas, a notícia se espalhou rapidamente, atraindo mineradores de Minas Gerais, da Bahia e dos Estados vizinhos (...). Ate as primeiras décadas do século XX, a Chapada foi o maior centro de extração de diamantes da Bahia e do Brasil (BARROZO, 2000 p. 53)
A notícia das pedras preciosas das lavras diamantinas se espalhou e
conduziu um amplo processo migratório, e opulência das minas da Bahia com
representatividade no país desde o século passado.
As pedras preciosas continuavam a surgir em abundancia, e os garimpeiros deixavam engravatados os leitos dos rios e dos riachos, os brechós, as encostas e os cumes das serras. Em compensação criou-se o núcleo geográfico no melhor, mais afamado e afamado garimpo. Assim nasceu Andaraí, que foi crescendo com a vinda de indivíduos de outras classes. Melhores edificações foram estabelecidas, criou-se o comercio local, industrias de transformação foram introduzidas. (ENCICLOPEDIA DOS MUNICIPIOS BRASILEIROS. Disponível em ibge.gov.br)
61
Tal fato impulsionou os primeiros povoamentos, para exploração das
riquezas ali instaladas. Toda uma conjuntura territorial, condições de vida e trabalho,
provenientes da extração e do comércio de pedras preciosas, configurou nas
“lavras” diamantinas. Sampaio (1903) vai tratar da denominação “lavras”, referente a
exploração e coleta de minerais, com a geomorfologia local de planaltos – chapada
do interior da Bahia:
Estávamos, senão no centro das lavras de diamantes da Bahia, ao
menos, no ponto que historicamente e sob o ponto de vista da
produção, mais concorrera para a grande fama (...) esta cordilheira a
própria Chapada Diamantina, no sentido restrito em que ora se
emprega essa denominação (p.212 – 215)
O termo sociedade lavrista, corresponde a população das Lavras
Diamantinas; termo comum utilizado nos tempos de auge do garimpo (século XIX e
primeiras décadas do século XX). Este termo “é usado por estudiosos para designar
o encontro de correntes migratórias e do processo de relações sociais envolvidos
com a economia do diamante, ou lavra” (GANAES, 2006 p. 41), caracterizado pelo
local de extração de pedras preciosas.
O impacto do ciclo diamantífero no povoamento foi marcado pela
proliferação de garimpos, chegando a números alarmantes,
provocando o deslocamento de trabalhadores responsáveis pela
formação de pequenas aglomerações que deram origem a distritos e
vilas e, mais tarde, a cidades. (BAHIA, 2000 p. 24)
Os garimpeiros de diamantes marcaram a história da Chapada Diamantina,
sendo este grupo social impulsionador das aglomerações e de territorialidades.
Explica Brito (2005), que a criação de diversos povoados das Lavras Diamantinas,
como exemplo povoados que originaram os municípios de Mucugê (1847), Lençóis
(1856), Andaraí (1884), e Palmeiras (1890) conformariam “o celeiro mineral das
Lavras Diamantinas”. Nesse sentido, a ocupação das lavras se tornou um dos
maiores escoadores de pedras preciosas do Estado da Bahia, e a mineração de
diamantes recebeu um papel fundamental para fixação de povos no interior do
Estado, rompendo a tradição dos colonos com a agricultura e pecuária do século
XVIII, e fazendo do garimpo de diamantes, o marco de uma época de grande
opulência e importância econômica na região (BANDEIRA, 2006). Assim segue,
62
A ocupação na [...] Chapada Diamantina, iniciou-se com a expansão da pecuária no século XVIII, tomando impulso com a corrida dos bandeirantes em busca do ouro e pedras precisas, culminando em meados do século XIX com a descoberta de diamantes no alto Paraguaçu, principalmente, em Lençóis e Mucugê, dando início a este ciclo. (BAHIA, 2000 p. 24)
A partir do séc. XIX, segundo Bandeira (2006), migrantes vindos de Minas
Gerais foram atraídos pela esperança do enriquecimento com as minas descobertas
na região. A colonização se efetiva nessas terras fruto do processo ao qual
garimpeiros se enriqueceram nas cidades lavristas. Em 1860, acontece a primeira
crise em que muitos garimpeiros emigram com a queda no preço dos diamantes e o
descobrimento de novas jazidas de diamantes no sul da África.
Moraes (1963), na obra “Jagunços e heróis”, descreve que já no século XIX,
havia uma flagrante acentuação dos conflitos sociais na região das Lavras, fruto das
competições políticas regionais, acentuadas pela insegurança gerada com a
mudança do regime de trabalho no garimpo, associada aos grandes coronéis,
aliada a situação desfavorável do mercado internacional das pedras preciosas. O
garimpeiro era figura característica nas lavras e o interior da Bahia tinha com os
coronéis uma estrutura organizacional própria e independência político-
administrativa em relação ao restante das regiões do Estado.
A estratificação da sociedade das lavras, ressaltando os tempos áureos do
garimpo, até a mecanização deste, variando do século XIX aos tempos atuais.
Segundo Max Weber, apresentado nos estudos de Antunes (1978), a formação da
sociedade e sua configuração são importantes para compreender os conflitos
sociais.
O termo sociedade lavrista, corresponde a população de uma cidade lavrista
ou mais especificadamente neste estudo, as Lavras Diamantinas. Este termo “é
usado por estudiosos para designar o encontro de correntes migratórias e do
processo de relações sociais envolvidos com a economia do diamante, ou lavra”
(GANAES, 2006 p. 41). Assim, conforme Brito (2005), “é justamente em torno da
exploração e do comércio do diamante que se delineará a estruturação das classes
com a posição social ocupada por cada uma delas na sociedade das lavras
diamantinas” (p. 85). Os garimpeiros de diamantes marcaram a história dos povos
63
CORONEL
DONO DE SERRA
CAPANGUEIRO
LAPIDÁRIO
PEDRISTA
FORNECEDOR
COMERCIANTE
LOCAL
COMERCIANTE
LOCAL
GARIMPEIRO
FIGURA 4 – Hierarquização da sociedade garimpeira tradicional
da Chapada Diamantina, sendo este grupo social impulsionador das aglomerações e
fundação de cidades.
Na sociedade lavrista, segundo Catharino (1986), das “Lavras Diamantinas
da Bahia”, não apenas composta dos que lavram, mas também dos que “gravitam”
em função das lavras de diamantes, esta baseada em três períodos: o primeiro seria
o predomínio da garimpagem por escravos; seguida do trabalho livre, quase que
exclusivamente manual e rudimentar; e o último período, iniciado com a introdução
de máquinas, com a exploração e extração empresariais.
O período de maior densidade demográfica nessa região compreende os
anos de 1818 (descoberta de diamantes no interior da Bahia) até seu declínio em
1871 (com a descoberta de jazidas na África do Sul). Nas cidades mantidas pela
exploração de pedras preciosas, o fluxo migratório chegava a números exorbitantes
desde o inicio desta atividade na região, no século XIX. (BRITO, 2005).
No século XIX e até meados do século XX, a estratificação da sociedade
lavrista era assim classificada (FIGURA 4):
Para Walfrido de Moraes (apud CATHARINO, 1986) a “sociedade lavrista”,
seus componentes humanos e sua estrutura hierárquica são denominados como “a
comunidade garimpeira” e aos seus integrantes.
Sociedade que, desde as primeiras descobertas até hoje sofreu e sofre mudanças estruturais. Apenas a tipologia dos seus integrantes nas suas escadas hierárquicas mudam [...] mas sem substancial enredo social (econômico, político e sociológico) (CATHARINO, 1986, p. 48).
64
A classe dominante era composta em minoria pelos donos de serra1, este
grupo configurava a aristocracia das lavras, nesse período surge a figura do
coronel2.
Os coronéis constituíam uma confederação de fato [...] exerciam os três poderes. Legislavam, julgavam e governavam. Ademais tinha sua própria força militar, os jagunços, graças aos quais faziam cumprir suas ordens em quaisquer circunstâncias. [...] Seus familiares e apaniguados tinha domínio e posse, dos melhores terrenos diamantíferos (CATHARINO, 1986 p. 50).
O poder do coronel era grande e apesar do policiamento existente, a ordem
obedecida era a do coronel, que em muitos casos também era quem fornecia
alimentação - o fornecedor3, para o garimpeiro e era dono das serras garimpadas.
Os proprietários passaram a cobrar uma percentagem de 10% sobre o diamante extraído em suas terras, tendo direito a “primeira vista” e a preferências na compra das pedras. Muitos deles eram comerciantes e compradores de diamantes. No sistema de ½ praça, o proprietário fornecia a alimentação e as ferramentas e, em compensação, exigia o cumprimento do acordo, que consistia na divisão da produção de diamantes entre os dois (BARROZO, 2007 p. 101)
No romance literário O cascalho, de Herberto Sales (1955) já demonstrava tal
situação.
Em caso de prejuízo, o meia-praça4, não tem rigorosamente o que perder.
Durante a exploração do serviço, o fornecedor assegura-se subsistência, mediante o fornecimento. Auferido lucros, são estes divididos o mesmo não se dando com os prejuízos que correspondem justamente às despesas improdutivas feitas com o fornecimento do meia-praça [...] (SALES, 1955 p. 36)
Almejando a mobilidade e ascensão social encontravam-se os grandes
comerciantes de pedras - os capangueiros5, os lapidários, os funcionários
municipais, outros eram comerciantes locais. Os capangueiros constituíam como
meta o acúmulo de riquezas, através do comércio de diamantes. Este mais ou
menos capitalizado vai acumulando fortuna e viria paulatinamente acumular poder
1Donos de terrenos diamantíferos. Tinha direito a receber 20% pelas pedras extraídas em suas propriedades.
Conforme Código de Minas (1940), esta porcentagem cai em 1940 para 10%. 2 Aristocracria lavrista, era detentor do poder econômico e do poder político local, cabendo a indicação dos
cargos públicos na sua área de influência. 3 Aquele que fornece alimentação e ferramentas para o garimpeiro em troca da “meia-praça”, ou seja, metade do
que é extraido. 4 No sistema de “meia-praça”, o proprietário fornecia a alimentação e as ferramentas e, em ferramentas e, em
compensação, exigia o cumprimento do acordo, que consistia na divisão da produção de diamantes entre os dois. 5 Grande comprador de diamantes.
65
na razão inversa do declínio coronelístico. Assim, passam a constituir estrutura do
governo local, indicando gente de sua confiança para cargos públicos (SENNA,
1993). Já os pedristas seriam responsáveis pela conquista da área ou região a ser
lavrada e para a grande massa de garimpeiros esse poderia garantir o trabalho
almejado na esperança e sorte que poderiam vir a qualquer momento com um belo
diamante.
A exploração de diamantes caracterizada por garimpos nas serras e
chapadas da região, ainda se mantêm forte até meados do século XX. A última
categoria, e de maior densidade populacional era formada por garimpeiros6 são eles
a grande maioria, os mais típicos da sociedade lavrista – os que lavram
(CATHARINO, 1986).
O garimpeiro individual, que trabalha sozinho, asceta e eremita profano, figura já quase legendária. Que muitíssimo labuta e sofre, esperando bamburrar para não mais labutar. Parecendo sonâmbulo, sujeito a reais pesadelos, mas sonhador incorrigível, conduzido pela esperança, que somente com ele morre (p. 50).
Os garimpeiros ocupavam muitas áreas nas serras da lavras. Como o
acesso era difícil, localizado geralmente em terrenos muito íngremes, costumavam
ficar durante uma semana na serra e ao domingo retornavam, ficando até a
segunda-feira na cidade, pois era dia da feira. Portanto, dia de negociar e receber o
fornecimento para alimentar sua família e sustentar o trabalho no garimpo. As
condições de vida e de trabalho eram muito difíceis, tanto pela falta de amparo
social e trabalhista, como pelas próprias condições de garimpo e de
comercialização.
A sociedade garimpeira, com estilo de vida própria, também tinham uma
característica comum, o bamburrio7 nas serras, em que costumava retornar a cidade
e gastar a fortuna obtida. Os cabarés8, os bares, as festas regadas a muita bebida
eram características em que o garimpeiro se deslumbrava como “aristocrata
lavrista”. Assim “era centrada na vida noturna dos bares, cassinos, restaurantes e
casas de prostituição” (GANAES, 2006 p. 63).O lazer era considerado aventura nos
6 Grupo de trabalhadores que extraem lavras de minérios, na Chapada Diamantina trabalham com diamantes.
7 Para Gonçalves (1984 apud BRITO, 2005) o bambúrrio não é somente o achado mas o ritual que o
acompanha: a comemoração do garimpeiro, que pegou uma pedra de bom tamanho e festeja com os amigos geralmente gastando o que apurou. 8 Casa noturna de meretrício.
66
bares e com mulheres, típico em áreas de garimpo. O garimpeiro enquanto núcleo
caracterizador dessa sociedade lavrista.
Para (GANAES, 2006 p.63) “O serviço de garimpo é normalmente instável,
há dias de total ócio onde o trabalho resume-se em remover terra de um lugar a
outro, ocasião em que o resto do dia é consumido em conversas e fofocas”. Verifica-
se que o sentido de “poder” variava conforme a camada social pertencente. Essa
característica motiva o garimpeiro, em vários períodos da história de garimpagem
das Lavras Diamantinas da Bahia. A sociedade lavrista paulatinamente vai se
transformando e novas configurações sociais vão dinamizar os garimpos das Lavras
Diamantinas. Assim novas formas de trabalho comumente serão introduzidas nas
áreas de garimpo.
Dessa forma, o garimpeiro se fragiliza quando identifica a crise na atividade
produtiva, a qual faz parte da sua própria história de vida. Andrade (1984) aborda
esta questão, ao analisar o espaço organizado, dentro de uma orientação dialética,
em que o espaço não é um produto final, acabado, mas um elo de um processo que
reflete evolução, transformação do meio natural e cultural pelo homem como agente
social e conseqüentemente de uma sociedade - um caráter dialético entre o homem
e natureza.
Segundo o autor, as modificações na sociedade serão maiores ou menores
e ocorrerão em decorrência das disponibilidades do capital-dinheiro e do
conhecimento tecnológico que possui. Dispondo de tecnologia rudimentar e sem
capital, uma economia de coleta, por exemplo, fica dependente das condições
naturais, já a produção industrial com a utilização de máquinas irá dinamizar a
produção, ampliando a exploração dos recursos. Nesse contexto, as classes
dominantes sempre estiveram ligadas a acumulação de capitais, em quase todos os
períodos de nossa história capitalista.
Nas cidades mantidas pela exploração de pedras preciosas, o fluxo
migratório chegava a números exorbitantes desde o início desta atividade na região,
no século XIX. A exemplo temos a vila de Igatu em Andaraí (Ba), que hoje tem
cerca de 200 famílias e nos tempos de auge do garimpo de serra, possuía uma
população de 9 mil pessoas (BRITO, 2005). O período de maior densidade
demográfica nessa região compreende os anos de 1818 (descoberta de diamantes
no interior da Bahia) até seu declínio em 1871 (com a descoberta de jazidas na
67
África do Sul). O ciclo diamantífero durou pouco tempo, entrando em declínio no
século XIX e dando lugar ao ciclo do café na Chapada Diamantina (BAHIA, 2000 p.
24).
A intensa exploração de minérios ocasionou com o tempo a decadência da
atividade mineradora, bem como a migração para outras áreas mais atrativas
economicamente. Ressalta-se que a migração acontece por fatores de atratividade
dos lugares, em que a atração é exercida onde os migrantes podem encontrar sua
realização econômico-social (BARROZO, 2007). As expressões sociais de uma
classe desprovida, desde sua essência, dos meios de produção perduram nas lavras
de diamantes e hoje vive-se a adaptação a novas formas organizativas. Citando
Marx (1969 apud SADER, 2005 p. 39):
Uma formação social não desaparece antes que se tenham desenvolvidas todas as forças produtivas para as quais essa formação é suficiente e que novas e mais altas relações de produção tenham tomado o seu lugar; antes que as condições materiais de existência dessas últimas não tenham se formado no próprio seio da velha sociedade. Por isso, a humanidade só se coloca problema que possa resolver. Observando com mais cuidado, sempre se verifica que o próprio problema só surge onde existem as condições materiais para sua solução, ou onde essas condições estão em processo de desenvolvimento
A sociedade lavrista acaba se adaptando diante das novas dinâmicas e as
condições sociais que lhes são apresentadas, frente a relação capital e trabalho. Os
garimpos que utilizavam dragas foram desativados, deixando um rastro de
destruição de difícil recuperação, com trechos extensos de material acumulado
(BAHIA, 2000 p. 24). Do século XIX até os anos de 1980 (século XX) existia apenas
o garimpo artesanal, realizado nos grotões das serras; nas últimas décadas do
século XX o garimpo torna-se mecanizado nos leitos dos rios com uso de dragas
(maquinas), barragens e desvios de rios, altamente degradante para o meio
ambiente e sem o devido controle do Estado em relação ao que era extraído nos
garimpos.
Com isso, houve investimentos em máquinas induzindo ampliação de
retirada dos minérios e grande fluxo na exploração de diamantes. As máquinas que
se localizavam nos leitos dos rios, descaracterizaram o tipo de garimpo tradicional
da região, que passa a vivenciar novas formas de trabalho o garimpo.
68
Com o modelo de extração por meio de máquinas de sucção, havia
destruição ambiental sendo os principais problemas: crateras provocadas pelas
máquinas de sucção (dragas) em quantidade; rios tornando-se mais raso com
assoreamento, além da extinção de grandes dunas, próximo aos leitos dos rios e
lagoas; em períodos de estiagem, as máquinas eram deslocadas para o meio do rio,
mudando assim seu curso e quando aconteciam enchentes, as máquinas podiam
ser levadas e algumas delas aterradas. Outra ação devastadora foi a diminuição da
quantidade de árvores das matas e de arvores frutíferas (mangabeiras, cajueiros,
mangueiras). As crateras deixadas nas margens dos rios mudaram drasticamente a
fisionomia local ao longo do século XX. Esse uso desordenado dos recursos
ambientais impactou negativamente as zonas de garimpagem e suas áreas
limítrofes.
Guanaes (2006 p. 16) ainda aponta que “houve então um movimento de
reconstrução da identidade dos garimpeiros de serra – auxiliado pelo movimento
ambientalista – contra os garimpeiros de draga ou novos garimpeiros”. Novas
territorialidades se configuram a partir dos anos de 1980 na Chapada Diamantina,
em que aos poucos a denominação “sociedade lavrista” foi se perdendo. Com a
transformação dos modos de produção a partir do aprimoramento da técnica da
garimpagem com uso de maquinas de sucção, o volume de garimpeiros diminui
surge agora o garimpeiro de draga, e não mais o de “serra” de outrora. Assim
esclarece Barrozo (2007, p. 78),
Depois, com o esgotamento das reservas de diamante, ele se viu [o garimpeiro] “forçado” a trabalhar para as dragas, executando tarefas parceladas, e, aos poucos, [deixando] o conhecimento tradicional herdado, [não mais] dominando todo o processo de trabalho
A mudança dos modos de produção no garimpo ocorreu em todo o Brasil,
principalmente no Alto Paraguai e Poxoréu no Mato Grosso (BARROZO, 2007). Os
imigrantes que instalaram tais instrumentos de trabalho nos leitos dos rios distantes
dos terrenos íngremes da serra priorizavam as porções mais planas, nas áreas de
aluvião, que são os leitos dos rios, geralmente em áreas rebaixadas de planícies,
principalmente devido a melhores condições para o acesso e instalação das grandes
máquinas, com produção menos intuitiva, e mais técnica.
69
Quando a sociedade passou a transformar o espaço por meio do trabalho,
criou e aprimorou técnicas que gradativamente modificaram a paisagem e a própria
vida na sociedade garimpeira. Na aventura do garimpo que perdura até os tempos
atuais, proporcionou na sociedade lavrista, novas relações de trabalho na Chapada
Diamantina. Contextualizando essa dimensão da relação capital e trabalho, de
acordo com Brito (2005) os problemas ambientais deflagrados corroboraram e
justificaram a ação do Estado diante da atividade garimpeira. O turismo ecológico
passa a ser estimulado, diante das riquezas naturais presentes na Chapada
Diamantina, e assim inibir a atividade garimpeira.
O confronto social e econômico além do ambiental com o fechamento do
garimpo significaria que a população seria impedida de exercer a mais tradicional
das suas atividades – o garimpo. Uma preocupação de vários grupos sociais na
época, que acompanhou a sociedade lavrista, principalmente a favor dos
garimpeiros artesanais, ou garimpeiros de serra.
Nesse cenário o garimpo de draga, quando se instala encontra uma cidade
tombada, o turismo dando seus primeiros passos e assiste a criação do Parque
Nacional da Chapada Diamantina, que trará limitações significativas a atividade
econômica do garimpo. Algumas comunidades começam a desenvolver a atividade
turística conforme uma nova dinâmica socioespacial da Chapada Diamantina, no
entanto, sem que houvesse um preparo da sociedade para receber a nova atividade
que se instalaria na região.
2.3.2 A produção de territórios turísticos na Chapada Diamantina - BA
O setor de turismo torna-se uma atividade que vem crescendo de forma
significativa em todo o mundo, torna-se “uma atividade que, como as outras,
necessita de controle dos governos e, sobretudo, da própria sociedade”.
(CORIOLANO, 2004 p.155). No que tange o Estado enquanto agente produtor do
espaço, analisar as políticas setoriais dentro do campo da política pública, é analisar
sua repercussão na vida dos cidadãos.
Como já visto, o espaço turístico é consequência da presença e distribuição
territorial dos atrativos turísticos, que são a matéria-prima do turismo aliado aos
empreendimentos e a infraestrutura turística (criada por agentes produtores do
espaço, quer seja empreendedores, quer seja o Estado, ou ate mesmo o mercado).
70
As funções do Estado demandam das necessidades da sociedade. “As políticas
públicas têm sido criadas como resposta do Estado às demandas que emergem na
sociedade e do seu próprio interior, sendo expressão do compromisso público e
atuação numa determinada área” (CRUZ, 2002 p. 139). É ainda
Uma linha de ação coletiva que concretiza direitos (...) declarados e garantidos em lei. É mediante as políticas públicas que são distribuídos ou redistribuídos bens e serviços sociais, em respostas as demandas da sociedade. Por isso, o direito que as fundamenta é um direito coletivo e não individual (PEREIRA, 1994 apud CRUZ, 2002, p. 139).
O estudo das políticas públicas se relaciona a compreensão das funções do
Estado diante das demandas da sociedade civil. Conforme Souza (2007 p. 69) a
teoria geral da política pública implica a busca por sintetizar teorias construídas no
campo da sociologia, da ciência política, da economia – uma inter-relação entre
Estado, economia e sociedade.
A política pública é uma área do conhecimento que nasce nos Estados
Unidos rompendo com o foco sobre o papel do Estado e suas instituições (presente
nos estudos acadêmicos na Europa) para análise da produção e ação dos governos;
nesse sentido há os que seguem a tendência do papel do Estado e suas ações.
Embora não exista uma única definição para o termo Política Pública, a mais
clássica atribuída ao termo é definida em SOUZA (2007): “é uma regra formulada
por alguma autoridade governamental que expressa uma intenção de influenciar,
alterar, regular, o comportamento individual ou coletivo através do uso de sanções
positivas ou negativas” SOUZA (2007 p. 69).
Muitas definições enfatizam o papel da política pública na solução de
problemas, sendo portanto, condicionantes para o exercício da cidadania, por
considerar que as leis e políticas dela decorrentes são um veículo para o acesso aos
direitos na sociedade. “As políticas públicas têm sido criadas como resposta do
Estado às demandas que emergem na sociedade e do seu próprio interior, sendo
expressão do compromisso público e atuação numa determinada área” (CRUZ, 2002
p. 139). É ainda
Uma linha de ação coletiva que concretiza direitos [...] declarados e garantidos em lei. É mediante as políticas públicas que são distribuídos ou redistribuídos bens e serviços sociais, em respostas as demandas da sociedade. Por isso, o direito que as fundamenta é um
71
direito coletivo e não individual (PEREIRA, 1994 apud CRUZ, 2002, p. 139).
As políticas públicas são um conjunto de objetivos e propostas teóricas e
práticas formuladas pelas instituições do Estado e pela sociedade civil,
essencialmente ligada ao conceito de cidadania, de consciência de direitos, deveres
e exercício da democracia na prática, estabelecidos nas Leis que regem a sociedade
(CRUZ, 2002) nessa perspectiva, nas políticas públicas são estabelecidos direitos
legitimados, não sendo, portanto, assistencialista, ou paternalista, são ações que
objetivam a promoção da cidadania. Assim sendo, conforme as definições de Souza
(2007):
Pode-se, então, resumir política pública como o campo do conhecimento que busca, ao mesmo temo, colocar o “governo em ação” e/ou analisar essa ação (variável independente) e, quando necessário, propor mudanças no rumo ou curso dessas ações (variável dependente). [...] a área torna-se território de disciplinas, teorias e modelos analíticos. [...] Políticas Públicas depois de desenhadas e formuladas, se desdobram em planos programas e projetos, de dados ou sistema de informação. (p. 69-70)
Analisar política pública requer conhecimento e natureza da política setorial
analisada e seus processos. Um panorama da sociedade e o contexto social ao qual
se instalam ou se legitima determinadas ações governamentais. Não há neutralidade
nas intenções do Estado diante do exercício concreto de planos, programas e
projetos governamentais junto a sociedade. Considerando o Estado como mediador
e promotor do planejamento público, possui condições de estimular ações e
estratégicas por meio de políticas públicas fomentar o seu papel em prol do bem
comum e avanço da cidadania.
Assim sendo, “de forma espontânea ou planejada o turismo está
subordinado às políticas públicas, a iniciativa privada ou a parceria de ambas.
Considerado a variedade dentre as modalidades turísticas no Estado da Bahia,
houve um forte incentivo do governo Estadual para o desenvolvimento de políticas
públicas direcionadas ao turismo. Serão apresentadas , segundo Silva (1996) alguns
marcos históricos são relevantes para compreensão do avanço do turismo no
Estado, a saber:
72
ANO AÇÃO AUTOR
1951-1962 Implantação do turismo na Bahia Construção do Hotel da Bahia, em Salvador
Silva (1996)
1953 Conselho Municipal de Turismo Queiroz (2005)
1959-1962 Inserção do turismo no Plano de Desenvolvimento do Estado da Bahia
Silva (1996)
1963-1972 Expansão do turismo baiano em escala nacional Silva (1996)
1968 Surge no cenário baiano a Bahiatursa Queiroz (2005)
1971 Plano de turismo no Recôncavo Queiroz (2005)
1971-1990 Conselho Estadual de Turismo, Ampliação do aeroporto de Salvador e Centro de Convenções Descentralização do turismo com polos em Porto Seguro e Ilhéus
Silva (1996)
1979 Planejamento mercadológico - Caminhos da Bahia Queiroz (2005)
1980-1981 Identificado os principais atrativos de Lençóis, construção de pousadas, melhoria do acesso a cidad; Inicio da promoção do destino – Chapada Diamantina, estudos e simpósio (SEPLANTEC)-Preservação do Patrimônio Natural da Chapada Diamantina
Bahia (2010) Aouad ( 1983)
1985 Criação do Parque Nacional da Chapada Diamantina Brito (2005)
1987 EMBRATUR lança oficialmente, um novo produto - o turismo ecológico
Queiroz (2005)
1991 Recuperação de centros históricos; Promoção a interiorização do turismo no Estado - Prodetur-Ba (Programa de Desenvolvimento Turístico para a Bahia) Secretaria de Turismo e Cultura do Estado da Bahia Zonas turísticas da Bahia
Silva (1996) Bahia (2005)
1993 Plano de Desenvolvimento Turístico da Chapada Brito (2005)
1991-2004 PRODETUR-BA, amplia o numero de turistas no Estado; Plano turístico para a Chapada Diamantina (2004)
Bahia (2005)
2003-2020 Plano: Século XXI: Consolidação do turismo – Estratégia turística da Bahia
Bahia, 2005
2009 Programa Destinos Indutores da Bahia Bahia, 2009
2014 Política Estadual de Turismo e o Sistema Estadual de Turismo Bahia, 2014
As estratégias governamentais para a área turística foram estimuladas
pioneiramente com a criação do Conselho Municipal do Turismo do município de
Salvador ainda em 1953. Em 1968, é criada no cenário baiano a Bahiatursa, órgão
oficial de turismo do Estado cuja atividade limitava-se à construção, ampliação e
administração de hotéis e pousadas. O primeiro planejamento estadual surgiu em
1971, com o Plano de Turismo no Recôncavo, e em 1979 é criado o planejamento
mercadológico - Caminhos da Bahia - a fim de promover o turismo para o interior e
demais regiões do Estado, (QUEIROZ, 2005).
73
Com o advento dos ideais ambientalistas a partir da década de 1970,
intensificam inquietações e busca de possibilidades para preservação ambiental,
com uso de formas mais conscientes de garantia dos recursos para as presentes e
futuras gerações. O governo federal inicia um processo de articulação do turismo
com a questão ambiental nos anos de 1980. Assim, “a ponto de em 87 a
EMBRATUR, lançar oficialmente, um novo produto no mercado, que ele chamou de
turismo ecológico na época e depois passou a ter o nome de ecoturismo, na
tentativa de interação com a questão ambiental, (BECKER, 1999 p. 187). Esta
alternativa segundo Cruz (2000) valoriza atributos ecológicos e a biodiversidade
para atrair visitantes, também requer, em menor proporção infra-estrutura de
serviços.
Na Chapada Diamantina, o município de Lençóis é um exemplo bem
sucedido de indução do turismo proporcionada pelo Estado da Bahia.
A ação de planejamento e indução de turismo por parte do poder público, desencadeou todo o processo de desenvolvimento da cidade como destino turístico. O Governo do Estado identificou os principais atrativos locais, construiu uma pousada [...] articulou a melhoria do acesso a cidade e iniciou a ação e promoção do destino. Isso ocorreu entre o final dos anos 70 e começo dos anos 80” (BAHIA, 2010 p.4)
De acordo com Brito (2005), a atividade de garimpagem com extração de
minérios por uso de maquinas, diferentes do garimpo artesanal de outrora,
desencadeou prejuízos ambientais. Algumas estratégias que apontem para a
relação harmoniosa entre sociedade e natureza foi a criação de áreas protegidas
para ambientes considerados relevantes em termos de recursos naturais com
grande patrimônio de fauna, flora bem como os recursos hídricos e demais recursos
naturais. As áreas protegidas foram legitimadas nos territórios da Chapada
Diamantina para garantir a preservação dos recursos naturais, bem como possibilitar
melhores condições a vida para a sociedade, com a decadência do garimpo e
valorizando a preservação de recursos existentes.
Ainda no início dos anos de 1980, o Estado através da Secretaria do
Planejamento, Ciência e Tecnologia – SEPLANTEC, realiza o estudo – a
“Compatibilização dos usos dos solos e a qualidade ambiental na região Central da
Bahia” e no “Simpósio sobre a Preservação do Patrimônio Natural da Chapada
Diamantina” de 16 a 18 de novembro de 1981, na cidade de Lençóis-Ba, direcionam
74
um prognóstico com alerta à necessidade de maior controle ambiental,
principalmente em relação a exploração de minérios em Lençois e demais cidades
do entorno deste município.
O estudo destaca a necessidade da elaboração de um plano de utilização muito cuidadoso, racional e conservacionista para a Serra do Sincorá no qual as vinculações com a atividade mineradora e herança histórica são contempladas. Demonstra também que o potencial variado da região oferece opções diversificadas que não se constitui superposição ou conflito de caso. Assim, a implantação das atividades de recreação aproveitando os cenários e panoramas do Sincorá, não oferece conflito com a atividade de mineração, a qual se constitui, ao contrário, num atrativo a mais para o turista. E o turismo por sua vez, abre alternativas de trabalho para a população local, inclusive faiscadores9 (AOUAD, 1983 p.647)
Os Parques Nacionais, Estaduais e municipais, já mantinham definições que
ressaltavam o cuidado com a preservação ambiental, como exposto na Lei nº 4.771,
de 15.09.65 e pelo Decreto nº 84.017 de 21.09.79, o são:
áreas extensas e delimitadas, dotadas de atributos excepcionais da natureza, ou seja, da flora, fauna, solo e paisagem natural ou de valor científico ou histórico, objeto e preservação permanente, postas a disposição da população. Sua utilização para fins científicos, educacionais e recreativos dependerá de prévia autorização do IBAMA.
Na época do auge do garimpo de dragas10 1982 se tem início dos debates
relacionados a criação de um “Parque Nacional na Serra do Sincorá”. O confronto
social e econômico além do ambiental com o fechamento do garimpo significaria que
a população seria impedida de exercer a mais tradicional das suas atividades – o
garimpo. Uma preocupação de vários grupos sociais na época, que acompanhou a
sociedade lavrista.
O que se pretendia pelo Estado era a punição de contraventores, e dos que
sonegavam impostos decorrentes da extração mineral que não tinha o controle
efetivo do Estado através das mineradoras, como também o cumprimento do que
está expresso na lei. Conforme o Plano de Desenvolvimento Turístico da Chapada
9 Faiscadores, são os garimpeiros tradicionais que trabalham nas serras e utilizam instrumentos rudimentares na
extração de pedras preciosas. 10
Garimpo mecanizado, que utiliza grandes maquinas de sucção nos leitos dos rios de grande impacto ambiental, pelo desmatamento e assoreamento dos rios.
75
de 1993 (apud BRITO, 2005), a única atividade que pode ser conciliada com os
princípios da sustentabilidade na Chapada Diamantina é o turismo.
Com o garimpo de draga com equipamentos pesados na área do Parque
Nacional e diante da degradação ambiental, algumas medidas foram adotadas pelo
poder público aos responsáveis pelo garimpo mecanizado, a exemplo das medidas
apresentadas a seguir:
1 - Serão implantados pelos garimpeiros vias (5m) que garantam o acesso ao longo do Rio São José e aos limites de cada lavra; 2-Todos os novos limites das lavras serão cadastrados em planta, averbados no Registro de Imóveis e também cercados. 3-Para cada lavra será elaborado um Plano de Manejo com prazo de validade da concessão de sua exploração, além do Plano de Recuperação Ambiental do garimpo na situação atual contendo a estimativa de contribuição mensal do garimpo, para o Fundo de Recuperação Ambiental (FRA) administrado pela operadora do parque. (BAHIA, 1993)
MDe acordo com União Internacional para a Conservação da Natureza
(UICN), a Unidade de Conservação vem a ser uma “superfície de terra ou mar
consagrada à proteção e manutenção da diversidade (...) assim como dos recursos
naturais e dos recursos culturais associados, e manejados por meio de meios
jurídicos e outros eficazes” (apud COSTA, 2002, p. 12). Nessa perspectiva,
preservar ambientes com ampla diversidade de recursos naturais, tais como a flora,
fauna, relevo, sítios arqueológicos, recursos hídricos, dentre outros e seu manejo,
serviu de subsídio para o desenvolvimento do turismo nestas áreas protegidas.
O Decreto Federal nº 91.655 de 1796/85 cria o Parque Nacional da Chapada
Diamantina com 152.000 ha abrangendo a cidades de Andaraí, Mucugê, Palmeiras,
Ibicoara e Lençóis está situado entre as coordenadas 12º25’ e 13º20’ de lat.sul e
41º05’ e 41º35’ de long. Oeste. Porém as efetivações legais das propostas
relacionadas ao Parque só vieram em meados da década de 1990. Objetivando
proporcionar a manutenção da biodiversidade da Chapada Diamantina, e criar infra-
estrutura adequada para absorver o turismo em todos os municípios englobados na
área do Parque (MAPA 2).
76
MAPA 2 - Unidades de conservação presentes no município de Andaraí. Elaboração Rocha, 2017
77
As estratégias econômicas para o turismo foram implementadas pela
Bahiatursa ao incentivar investimentos vultosos ao setor com nova dinamicidade,
fazendo com que o Estado desenvolvesse paulatinamente novos incrementos para
impulsionar o turismo. Incentivou-se nesse período o surgimento de associações de
guias da Chapada Diamantina, e paralelo a essa organização, surgem também as
associações de condutores de visitantes dos municípios de Palmeiras, Lençóis,
Andaraí e Mucugê. O garimpo de draga permaneceu na região por uma década,
fechando definitivamente em maio de 1996, em uma operação conjunta com IBAMA,
e Policia Federal, proibindo cerca de 103 garimpos de dragas no circuito do
diamante (Mucugê, Andaraí, Palmeiras e Lençóis).
Depois de 12 anos de operação ininterrupta e tendo funcionado sem considerar a legislação que regulamenta este tipo de atividade (...) a desaprovação do movimento ambientalista, a oposição dos empreendedores ligados ao turismo e as denuncias realizadas pela imprensa (...) A mineração mecanizada ao dar sinais de exaustão, também deixa de contar com chancela do Estado tornando-se uma atividade inviável cuja continuidade não compensava os graves prejuízos causados ao meio ambiente (BRITO, 2005 p. 137).
Com as intervenções do governo federal em áreas pertencentes ao Parque
Nacional da Chapada Diamantina, levaria a fechamento do garimpo. O
desenvolvimento do produto turístico, o plano governamental seguiu critérios de
qualidade, diversidade, maturidade, autenticidade, capacidade comercial,
sustentabilidade de sua linha de produtos para dar continuidade ao crescimento,
atualização e desenvolvimento de novos produtos.
Para dar suporte a regionalização do turismo no Estado é criado em 1991 o
Programa de Desenvolvimento Turístico para a Bahia (PRODETUR-BA), cuja
finalidade é impulsionar o turismo através da construção de infra-estrutura,
implementação de equipamentos e serviços, qualificação de recursos humanos e a
promoção turística (BAHIA, 2005). Nesse contexto, foi criado pela Secretaria de
Turismo e Cultura da Bahia, o Programa Caminhos da Bahia, classificando o Estado
em Zonas Turísticas (MAPA 3), a fim de divulgar e implementar o turismo. A
proposta tem contribuído para a melhoria da infra-estrutura de apoio turístico nas
diversas regiões do Estado.
78
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79
QUADRO 12 - Zonas Turísticas da Chapada Diamantina. Fonte: http://www.setur.ba.gov.br.
Com apoio da Superintendência do Desenvolvimento do Turismo
(SUDETUR), vinculada à Secretaria de Cultura e Turismo (SCT) do Estado da
Bahia, estruturou-se no Estado a regionalização em Zonas Turísticas (ZT) –
QUADRO 12, cuja função é o fornecimento de informações sobre áreas,
equipamentos planejados, projetos implantados, parcerias com empresass, infra-
estrutura de serviços públicos, financiamentos e incentivos fiscais para
empreendimentos turísticos (BAHIA, 2005).
Estrategicamente as zonas turísticas foram criadas a fim de dinamizar os
roteiros turísticos do Estado, planejados estrategicamente para consolidar-se num
80
prazo de 20 ano, o Plano Século XXI: Consolidação do turismo – Estratégia
turística da Bahia (2003-2020) 11. Tal plano distribui os produtos turísticos da Bahia
das zonas em 03 categorias:
Produtos de Imagem e Apelo – são os produtos representativos da Bahia capazes de ampliar a imagem do Estado, atraindo novos turistas, tais como os eventos, festivais e carnaval; Produtos de Segmentos Prioritários – valorizam as características histórico-cultural, socioeconômicas, fisiográficas e ambientais. Produtos de Segmentos Específicos – estão associadas a motivações temáticas, tais como o turismo religioso, o turismo étnico, o termalismo, agroturismo, e esportes. (BAHIA, 2005)
A partir dos incentivos e investimentos o turismo pôde atuar transformando
potencialidades em atrativos turísticos, permitindo que estes pudessem ser
conhecidos e valorizados de forma que possibilite um maior desenvolvimento
econômico-social. Após a criação do PARNA-CD, o primeiro diagnóstico ambiental é
realizado pela Companhia de Pesquisa de Recursos Naturais (CPRM) e pelo
Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA)
que só ocorreu em 1994 (quase 10 anos após a criação do parque) e o
levantamento fundiário acontece anos depois em 1998, pela Fundação de Apoio ao
Ensino e Pesquisa (FAEPE), pois até então, desconhecia-se a presença de
comunidades tradicionais na área do parque, totalizando cerca de 09 comunidades,
como exemplo o Vale do Pati, a comunidade Fazenda Velha, a comunidade de
Garapa e a Vila de Igatu em Andaraí. Atualmente o PARNA-CD possui a gestão do
ICMbio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade), órgão
ambiental do governo brasileiro criado em 2007, e que em seu monitoramento já
agrega a inserção das comunidades tradicionais no parque e em seu entorno.
Os primeiros investidores estavam associados ao governo do Estado com os
programas para o desenvolvimento do turismo, incentivo a financiamento de
infraestrutura, impulsionaram novo dinamismo a região, como a inauguração do
hotel 5 estrelas - Portal de Lençóis12 - na cidade de mesmo nome. Inicialmente, o
turismo não agregou a população de garimpeiros excedente, alguns jovens
trabalham esporadicamente como guias turísticos e outros serviços de baixa
11
BAHIA, Século XXI – Consolidação do turismo: estratégia turística da Bahia 2003-2020. Salvador: Secretaria de Turismo e Cultura, 2005. 1212
Conforme relatos de moradores da cidade, este grande hotel pertence a família do então político baiano Dr. Antônio Calos Magalhaes. (BRITO, 2005)
81
remuneração nas poucas pousadas. Em médio prazo criou-se estratégias para se
extinguir a mineração desenvolvida, mesmo com as resistências eminentes, mas
que fossem substituídas por atividades econômicas ambientalmente sustentáveis.
O governo do Estado da Bahia em 2002 criou estratégias para o
desenvolvimento turístico através das potencialidades diagnosticadas em todo o
Estado. Como exemplo de áreas que entraram em decadência no passado e se
tornaram potencial turismo: a zona turística Costa do Cacau (Ilhéus, Itacaré,
Uruçuca, Uma, Santa Luzia e Canavieiras) que no século passado foi grande
produtor de cacau no Estado e a Chapada Diamantina (Lençóis, Andaraí, Mucugê,
Palmeiras, Nova Redenção, Itaetê, Ibicoara, Iraquara e Seabra) cidades de
exploração diamantífera com referência no século XIX (BAHIA, 2005).
Assim, foram criadas algumas estratégias para o desenvolvimento da
atividade turística nestas zonas, tais como estimular excelências dos serviços e
produtos turísticos; contribuir e apoiar na sofisticação da oferta; propor alternativas
de redução a sazonalidade; gerar mídia espontânea, com produções
cinematográficas, seriados e documentários; facilitar o acesso às diversas zonas;
criando bens e serviços diferenciados, estimular a realização de pesquisas e
formação de especialistas na área; apoiar prospecção de novas áreas com potencial
turístico, com estudos de viabilidade, integrar a Bahia com o Programa de
Certificação de Qualidade no Setor de Turismo do Estado da Bahia - QUALITUR, a
outros programas em nível municipal, federal e internacional.
No ano de 2008, é sancionada a lei nº 11.771, de 17 de setembro de 2008
que dispõe sobre a Política Nacional de Turismo, o qual visa implementar
mecanismos destinados ao planejamento, desenvolvimento, fiscalização e estímulo
ao setor turístico, bem como disciplinar a prestação de serviços turísticos no Brasil e
o Sistema Nacional de Turismo com destaque a informação da sociedade e do
cidadão sobre a importância econômica e social do turismo, através de órgãos/
entidades como a EMBRATUR, Conselho Nacional de Turismo, Ministério do
Turismo e Fórum de secretários estaduais do setor. E assim foi delineado o mais
recentemente o Plano Nacional de Turismo, em 2013, que indica a ampliação da
participação de estados e municípios na formulação de políticas de turismo. As
políticas públicas citadas demarcam a condução da política de turismo no país e
ação do Estado transformando por meio da legislação o espaço geográfico.
82
Conforme o Plano Nacional de Turismo (PNT 2013–2016) vigente no país,
apresenta como diretriz a relação entre turismo e desenvolvimento econômico,
destacando como a participação e diálogo com a sociedade; a geração de
oportunidades de emprego e empreendedorismo; o incentivo à inovação e ao
conhecimento; e a regionalização como abordagem territorial e institucional para o
planejamento. (BRASIL, 2013). Ainda no Plano Nacional de Turismo, dentre as
ações esta previsto Estimular o desenvolvimento Sustentável da Atividade Turistica,
com viés ao fomento do turismo de base comunitária:
Fomento e apoio a projetos ou ações para o desenvolvimento local e sustentável do turismo, por meio da organização e qualificação da produção, melhoria da qualidade dos serviços, incentivo ao associativismo, cooperativismo, empreendedorismo, formação de redes, estabelecimento de padrões e normas de atendimento diferenciado e estratégias inovadoras, para inserção desses produtos na cadeia produtiva do turismo, particularmente com relação a produtos e serviços turísticos de base comunitária com representatividade da cultura local, valorização do modo de vida ou defesa do meio ambiente. Finalidade: promover a qualificação e a diversificação da oferta turística, com a geração de trabalho e renda, e a valorização da cultura e do modo de vida local. (BRASIL, 2013 p. 99)
Na Bahia a lei que rege o planejamento turístico é a lei 12.933/2014 que
institui a Política Estadual de Turismo e o Sistema Estadual de Turismo. Para o
desenvolvimento do produto turístico, o plano governamental segue critérios de
qualidade, diversidade, maturidade, autenticidade, capacidade comercial,
sustentabilidade de sua linha de produtos para dar continuidade ao crescimento,
atualização e desenvolvimento de novos produtos. A partir dos incentivos e
investimentos o turismo pode atuar transformando potencialidades em atrativos
turísticos, permitindo que estes possam ser conhecidos e valorizados de forma que
possibilite um maior desenvolvimento econômico-social.
Em se tratando de Plano turístico para a Chapada Diamantina, foi criado
em 2004 um estudo técnico em parceria do governo do Estado, a Secretária de
Cultura e Turismo, a Superintendência de Investimentos em Pólos Turísticos e a
Fundação Getúlio Vargas. O plano foi denominado Plano de Desenvolvimento
Integrado do Turismo Sustentável na Chapada Diamantina, para o polo turístico
Chapada Diamantina, envolvendo o circuito do ouro, o circuito do diamante e circuito
83
Chapada Norte. (BAHIA, 2004). Neste plano procura analisar Prodetur/NE, cujas
ações não foram implementadas e é realizada nova proposta e estratégias de
intervenção na Chapada Diamantina, a partir de amplo diagnóstico do polo (os
indicadores populacionais, a evolução socioeconômica do polo) enfim, um panorama
geral e proposta ações para o desenvolvimento do turismo no polo e prospecção de
um cenário futuro. Assim, apresentam:
Com o processo de planejamento participativo, adotado em PDITS, buscou-se por meio da intervenção, consubstanciar o processo decisório, e assim, contribuir para a construção de um turismo sustentável e promissor para todos os atores sociais envolvidos direta ou indiretamente com a atividade (p.38)
(...)
Ademais a intervenção comunitária no processo de planejamento do Estado é um sinal de que há interesse e compromisso por parte da população em participar da construção do turismo sustentável e promissor para todos. Tal interesse e compromisso são grandes aliados ao planejamento estadual que ora está se implantando. (p. 488)
O desdobramento das ações interventivas foi a implementação pela
Secretaria de Turismo do Estado da Bahia, do programa Destinos Indutores da
Bahia (2009), a partir do Projeto Gestão dos 65 Destinos Indultores do
Desenvolvimento Turístico Regional do Brasil. Na Bahia são 05 destinos indutores:
Salvador, Marau, Lençóis, Porto Seguro e Mata de São João (www.setur.ba.gov.br).
Mantem-se o apoio aos grandes eventos do Estado e mais recentemente em 2014 a
implementação na Chapada Diamantina do Consórcio Chapada Diamantina que
agrega além do apoio a algumas atividades de investimento está o turismo,
conciliando as questões econômicas, sociais e ambientais em favor de uma melhor
qualidade de vida na Chapada Diamantina.
A partir de um planejamento responsável e participativo, pode-se identificar
como a ação do Estado pode de fato dinamizar um espaço geográfico, por meio das
políticas públicas. Pensar em um turismo sustentável de modo que os impactos
negativos causados por esta atividade sejam de fato minimizados, visando uma
ação equilibrada sobre o ambiente e participação social/ comunitária faz do
planejamento territorial uma nova proposta de sociabilidade baseada na participação
para responder as demandas coletivas da atualidade.
84
3. PASSOS PARA A CAMINHADA NA ROTA DO PLANEJAMENTO
TURÍSTICO
"O narrador conta o que ele extrai da experiência - sua própria ou aquela contada por outros. E, de volta, ele a torna
experiência daqueles que ouvem a sua história"
Walter Benjamin
O território cada vez mais se torna objeto de análise nas pesquisas
acadêmicas. Nesta troca de saberes, compreender a sociedade capitalista e sua
relação com o território turístico se faz importante para o entendimento sobre a
valorização de identidades territoriais, ao qual as territorialidades estão alicerçadas.
O objetivo deste item é apresentar a metodologia de trabalho em uma
intervenção social, cuja a construção foi coletiva com os sujeitos sociais envolvidos
em todo processo para assim, validar as informações pelo próprio grupo. A escolha
do povoado Passagem se deu pela existência de um trabalho já iniciado pela
pesquisadora no território assumindo, portanto, um caráter de continuidade do
processo. Outro fato foi a demanda que a população local estabeleceu da
necessidade de organização e conhecimentos sobre a atividade turística já iniciada
para melhor desenvolver o turismo; como também pelo fato do território não sofrer
interferência do turismo de massa na atualidade, importante para o turismo de base
local. Assim, outro aspecto fundamental é que a comunidade está próxima aos
limites do Parque Nacional da Chapada Diamantina no município de Andaraí e
próximo também a empreendimentos hoteleiros do município; mas a comunidade
não esta inserida nas rotas turísticas dos guias locais e agências de turismo.
Neste trabalho a construção estratégias para um turismo de base territorial,
foi o norte almejado pelos moradores. Quando se pensa em um projeto pensa-se no
seu planejamento e execução, destacando a concepção de sustentabilidade e
organização social. A valorização do território, pode se tornar uma das
possibilidades de relacionamento com o espaço, pois os sujeitos sociais utilizam dos
seus convívio social, para o trabalho e para exercitar a convivência social.
Mais do que uma descrição formal, as etapas e a organização tornaram-se
melhor estruturados com métodos, essenciais para a construção dos procedimentos
para uma intervenção social. A base metodológica é de pesquisa qualitativa com
caráter descritivo, ou seja, fonte direta dos dados, ressaltando o significado que as
85
pessoas dão as coisas e a sua vida; e a descrição do objeto por meio da observação
e do levantamento dos dados (BARROS, 2004) registrado em relatórios das
atividades executadas. Por ser um processo construído coletivamente constituiu em
pesquisa ação: “os dados são retransmitidos à coletividade, a fim de conhecer sua
percepção da realidade e de orientá-la de modo a permitir uma avaliação mais
apropriada dos problemas detectados e encontrar soluções” (BARBIER, 2002, p.55),
soluções estas fornecidas pelo grupo que torna-se colaborador em todo o processo.
A metodologia é a participativa, um processo continuo, caracterizado por
não ser estático, enfoque na participação e sujeito a adaptações ao longo do
processo. (KUMMER, 2007). Em síntese o estilo informal na coleta de dados
empíricos, na mediação entre o pesquisador e o grupo focal – objeto da intervenção,
e abordagem integrada das informações no diagnóstico, caracterização dos dados e
planejamento para construção do produto da intervenção, ou seja, o plano de
turismo comunitário e de base local.
Segundo Barbier (2002) na pesquisa ação o pesquisador não provoca, mas
constata determinado problema que nasce no contexto do grupo, não de uma
amostra suscetível de ser medida ou validada, sendo, portanto mais interativa
através de discussões de grupo, desempenho de papéis e conversas aprofundadas.
Portanto mas do que justo, deu-se continuidade a pesquisa, com destaque para a
visão do turismo enquanto atividade econômica e social, diante do potencial
existente, mas que necessitava de um plano para o desenvolvimento do turismo pelo
viés da base local.
A consolidação do projeto se efetivou em 1 (um) ano e a execução das
oficinas se deu mais intensamente entre os meses de março a junho de 2017. A
ação a partir de objetivos preestabelecidos nos encontros dialogados, reuniões e
rodas de conversa junto à comunidade foram utilizadas como método de trabalho
para a criação de diretrizes, metas, responsabilidades, parcerias e estratégias para
conduzir ao plano de desenvolvimento turístico.
3.1 METODOLOGIA DE TRABALHO
Tomando como referencia a prática do turismo na Chapada Diamantina
pensou-se em um projeto de trabalho cujos instrumentos operacionais tivessem o
86
enfoque participativo para operacionalização do Plano de Desenvolvimento Turístico
do território Passagem, levando em consideração os fatores influenciam as
transformações do espaço geográfico e apropriação do território através do turismo.
A metodologia de trabalho é a participativa e teve como base norteadora as
estratégias desenvolvidas pelo Programa Nacional de Municipalização do Turismo
(BRASIL, 1997 e 1999), como também as orientações supracitadas de teóricos na
área de metodologias participativas e do planejamento turístico. A prioridade
consistiu em oficinas compostas por grupos de trabalho em que todos os
participantes, com base na vivência ou em documentos vão propondo a construção
do conhecimento, a partir da realidade individual e historia de vida, podendo surgir
no decorrer da construção ajustes, sugestões e novas interpretações da realidade.
Nessa perspectiva, apresentasse a concepção de Loureiro (2005), de participação
social:
Em síntese, uma práxis educativa que é sim cultural e informativa,
mas fundamentalmente política, formativa e emancipadora [...]. A
educação transformadora, socioambiental e popular se refere,
enquanto práxis social e processo de reflexão sobre a vida e a
natureza, contribuindo com a transformação do modo como nos
inserimos e existimos no mundo, a uma única categoria teórico-
prática estruturante: a educação (LOUREIRO, 2005 p.35)
O nível de satisfação, e aprendizado com a ação realizada, as críticas e
sugestões dos participantes, as ações priorizam o contexto social, a valorização da
formação cultural cotidiana e a sabedoria popular construídas no território. Assim,
não há planos prontos em uma intervenção, mas planos construídos previamente, e
com possibilidades de mudanças sempre que necessário, porém, construído pelo
pesquisador e demais sujeitos do processo.
Todos em comunhão seguem objetivos e planejam atividades sem
hierarquização, sendo comum destacar-se um líder que ajuda no processo. Para
Loureiro (2005) uma estratégia pela ação pedagógica crítica deve relacionar os
elementos sócio-históricos e políticos aos conceitos construídos entre o educador-
educando, de modo a evitar um trabalho educativo abstrato e pouco relacionado
com o cotidiano dos sujeitos sociais e com a prática cidadã.
O pesquisador ao participar de um processo de construção coletiva irá
conhecer a realidade que se deseja transformar; conhecer as regras desta realidade,
formais e informais; sentir-se parte e responsável por ela; na ação, desenvolver o
87
sentimento e a compreensão de autonomia e de interdependência gera-se a
possibilidade de se construir espaços coletivos de decisão para a transformação
Loureiro (2003). Isso se dá com a participação social.
Conduzida para reflexão permanente, a valorização de potencialidades do
grupo não devem perder o foco no contexto sociohistórico. A mediação torna-se um
instrumento importante pela construção das ações com maior interação no grupo.
Nos momentos de convivência se amplia a socialização comunitária, bem como
maximizar as referências familiares (culturais) ao longo da história. Os espaços
coletivos devem ser um espaço de reconhecimento da cultura de seus habitantes
(...) e devem focalizar ações onde ha um interculturalismo emancipatório, que
reconheça o outro e suas diferenças, sem dilui-las numa geleia multicultural
homogênea, nem destacar hierarquicamente uns sobre outros. (GOHN, 2010 p.
125).
Espera-se que o trabalho com comunidades tradicionais através de
intervenção social devem considerar como princípios o conhecimento a cerca do
território, o fortalecimento do grupo no tocante as questões locais Avançou-se no
Brasil, ações direcionadas a gestão compartilhada dos bens públicos e incentivo a
gestão participativa nos territórios por universidades, ong’s e instituições. Sendo
assim, “A necessidade reside, então, na aproximação entre o processo político e o
processo pedagógico, na capacitação articulada as dinâmicas reais de interlocução
política” (Silveira, 2001)
Diante das referências apresentadas, uma estratégia fundamental é a visão
sistêmica do conhecimento, pela consolidação processual que envolve - os
problemas e soluções socializadas no território; momentos de reflexão e ação; de
identidade e pertencimento; valores e saberes contextualizados. Enfim, ressalta-se
a validação dos planos participativos sobre o território, como produtos eficazes e que
justificam na participação social, a troca de saberes!
3.1.1 Etapas da Intervenção Social
Ao se planejar o turismo em um dado território, há de se realizar
primeiramente o levantamento de todas as variáveis envolvidas. A pesquisa aqui
projetada foi realizada no povoado Passagem do Paraguassu, no município de
88
Andaraí, localizado na Chapada Diamantina (Bahia). Houve uma motivação nesta
proposta técnica, que foi baseada principalmente no pertencimento da autora na
área de estudo; bem como no desafio por ações procedimentais definidas com
diversas fontes e as várias maneiras de expressão do saber popular e produção do
conhecimento no território de estudo. Para Bullon (2002) a primeira etapa ao
planejar o turismo é realizar um levantamento de todas as variáveis envolvidas,
denominado inventário turístico – um documento que aponta minuciosamente a
realidade turística local ou regional, identificando os equipamentos turísticos e de
apoio, atrativos e possíveis atrativos, bem como uma breve biografia da realidade.
Ao iniciar o levantamento, é importante na primeira fase realizar o
diagnostico ou levantamento dos objetos de estudo para que as demais etapas
sejam bem sucedidas. Portanto, o planejamento pode ser compreendido como
resultado de um processo lógico de pensamento em que se analisa a realidade e
estabelece meios que lhe permitirão transforma-la. Seguindo da premissa de que
para criação de um produto turístico a ser apresentado ao mercado, se faz
necessário definir os atrativos naturais e culturais, a estrutura turística, a formulação
e divulgação da oferta para comercialização. Para que o turismo aconteça de forma
sustentada, sugere-se que deva ser planejado e desenvolvido pela comunidade
receptora, órgãos da administração pública, visitantes, empresários do ramo.
Assim o primeiro passo é justamente conhecer a comunidade e
compreender se a mesma pretende agir coletivamente para o desenvolvimento da
atividade. O importante no conhecimento dos espaços de vivência, é a construção
do diagnóstico da realidade, o questionamento à população local acerca da
implementação da atividade turística e seu registro em planos de ação (AGNES,
2003). Em se tratando de turismo, cabe compreender o espaço territorial que se
deseja planejar, ou seja, conhecer e diagnosticar o território, bem como a atividade
turística ali exercida.
Como estratégia para um planejamento confiável, Angeli (1996) apresenta
no diagnóstico turístico os seguintes objetivos: avaliar a situação atual da área,
envolvendo atores sociais principalmente da localidade; determinar que tipo de
turismo se deseja com passos para sua concretização; e registrar esses dados para
posterior zoneamento ou plano de manejo de áreas, sendo inseridas no processo de
construção do planejamento turístico.
89
Esta abordagem pode conduzir a instrumentos adequados à execução de
projetos apropriados à realidade a partir dos grupos sociais. O percurso
metodológico foi complementado com a pesquisa etnográfica, escolhida para
alcançar os primeiros objetivos deste trabalho. Nesta pesquisa, o pesquisador se
insere no cotidiano e assim ira situar-se, observar o contexto socioespacial e a partir
dai descrever a realidade. A coleta, a descrição de fatos e dados, deverá seguir de
maneira contextualizada e flexível os aspectos, elementos ou dimensões de análises
surgidas durante o processo e por mediação (LUDKE, 1986).
Destacar-se-á como instrumentos nesta pesquisa: roteiros de trabalho de
campo, técnicas de coleta de dados a partir da observação direta; utilização de
bibliografia específica, registro Fotográfico, bloco de anotações. A caracterização do
trabalho de campo (incluindo aspectos históricos, culturais, geográficos, ambientais,
e infraestrutura); a pesquisa documental e bibliográfica sobre a história (local);
formação de grupo (dados primários sobre a história da comunidade); a
sensibilização nortearam a metodologia para construção das oficinas temáticas do
projeto.
O caminho trilhado na pesquisa foi baseado em duas vertentes principais: a
primeira vertente um olhar a partir da pesquisa etnográfica (como instrumento de
diagnóstico, análise e registro de dados) que conduziram na caracterização da
comunidade; cartografia social comporão um mapa territorial e serão incluídos a
subjetividade dos moradores locais, com elementos referentes ao pertencimento,
afetividade, lugares preferidos dos moradores, detalhando assim o território. A
segunda vertente tem como base a pesquisa ação participante (para construção de
um plano de ação com estratégias viáveis com o intuito final de criar um plano em
um território que subsidiará uma proposta de articulação política, por meio do
planejamento turístico, apropriação do espaço e sua (re)produção com a atividade
turística. As três fases das atividades programadas foram assim planejadas:
I - Primeira fase: Diagnóstico Participativo e Sensibilização
Momento de sensibilização da comunidade referenciando os avanços após o
primeiro projeto na comunidade. Assim o levantamento das informações foram
90
revalidadas e sistematizadas, priorizando os problemas que ainda impediam o
desenvolvimento local e potencializando os avanços.
Objetiva a conscientização e a sensibilização dos sujeitos participantes do
projeto, estimulando-os e motivando-os a desenvolver o projeto de intervenção no
território quanto à importância do turismo de base local. Os resultados das ações
são avaliados e ajustados na fase seguinte. Os encontros coletivos nesta etapa,
para construção da descrição socioespacial, conhecimento da história local e
caracterização populacional, análise da situação do território a partir de técnicas de
coleta de informações.
Na escolha dos participantes foram priorizadas como critérios as famílias
que possuíam mais de 30 anos no território – período de criação do Parque Nacional
da Chapada Diamantina e inicio do desenvolvimento do turismo no interior da Bahia,
principalmente pelo resgate histórico e fortalecimento dos vínculos sociais, hábitos e
costumes locais. Um conjunto de atividades podem ser realizadas, tais como:
reuniões, pesquisa documental, entrevistas qualitativas, oficinas de análise da
problemática; e de forma mais ampla mapeamento participativo (caminhadas
orientadas) montagem de diagramas ilustrativos, seminário etc (ARMNI, 2002).
No entanto, para a primeira fase da intervenção, o diagnostico terá como
instrumentos e recurso metodológico as seguintes orientações:
Sensibilização - Visita aos domicílios .......................................... 10 encontros
Roda de conversa – Exibição de filme............................................. 01 encontro
Cartografia Social – Oficina do imaginário .................................... 02 encontros
a) Oficina 1 - apresentação de fotografias e objetos que remetem a memoria
e historia local, bem como as transformações do espaço geográfico no
território;
b) Oficina 2 - construção de mapas a partir do resgate das lembranças sobre
o espaço geográfico;
As estratégias apresentadas objetivam fortalecer o conhecimento do
território pelas famílias inseridas no projeto de intervenção, para que posteriormente
pudessem explorar o território, com o produto das oficinas, legitimando propostas de
trabalho, a partir da consolidação de conhecimentos e troca de saberes coletivos. A
91
perspectiva da pesquisa ação e das metodologias participativas perpassa pelo
entendimento de valorização dos sujeitos sociais em todo o processo de construção
e produção do conhecimento.
Nesse caminho os mapas participativos são dinâmicos, cooperativos, e
necessitam de revalidações pois até a própria sociedade e as relações sociais são
dinâmicas no território. Em situações que os documentos e registros são escassos
para revelar a historicidade de um território, a memória coletiva torna-se mais
imponente fonte, pois ocorrerá a valorização dos sujeitos da pesquisa, suas
lembranças e relatos principalmente dos mais “velhos” sobre a história remota do
lugar e o cotidiano. O mapa está no centro das abordagens territoriais participativas,
cujo levantamento têm por objetivo a localização dos objetos materiais e observáveis
considerados necessários pelas populações nas decisões sobre seu território
(JOLIVEAU, 2008).
II - Segunda fase: Inventário Turístico
O foco no turismo é evidenciado, indicações sobre as representações
territoriais, as relações e agentes produtores do território são identificadas, bem
como indícios da segmentação turística para o planejamento territorial. Como
estratégia de trabalho, foi utilizado a construção do inventário turístico a partir de
diagnóstico e utilização de um dos métodos mais conhecidos para diagnóstico
territorial é o Participatory Rural Appraisal (PRA) ou Diagnóstico Rápido Participativo
(DRP). O diagnóstico participativo faz parte do processo de planejamento, e uma
investigação coletiva e aprendizagem mutua; neste momento são identificados e
priorizados, de forma participativa, os problemas e potencialidades da comunidade
diagnosticada (KUMMER, 2007 p.84); ou ainda, os atores sociais são envolvidos no
processo de forma a provocar reflexão sobre sua situação, suas experiências e seus
interesses, estimulando sua capacidade de ação autônoma sendo sujeitos da ação
(ARMNI, 2002 p. 44).
Nesta fase, objetiva a capacitação das famílias para discutir questões
relacionadas a construção do inventário dos atrativos, da infra estrutura de apoio e
dos serviços disponíveis no território considerados potencialidades turística. Este
92
instrumento se faz necessário para operacionalização do Plano de Desenvolvimento
do Turismo.
Observação direta com participação dos sujeitos da pesquisa
III - Terceira fase: Plano Turístico para o território Passagem
Construção de ações estratégicas para articulação do potencial turístico, das
histórias dos moradores e da cultura ainda presente, desencadeador do turismo de
base comunitária. Objetiva dar início ao processo de elaboração do Plano Turístico,
a partir do conhecimento das potencialidades, e construção de ações estratégicas
para melhor desenvolver o turismo local. Para esta etapa da intervenção as técnicas
a serem utilizadas serão: Diagrama de Venn (explora o ambiente interno e externo
da comunidade); Metaplan (levanta os problemas e soluções - sistematiza
prioridades) (KUMEER, 2007). Constitui num verdadeiro momento de sensibilização
e motivação da comunidade para inserir e participar de projetos comunitários
O enfoque é a participação coletiva desenvolvida em 04 oficinas:
Oficina 1 - apresentação da importância do planejamento turístico,
aspectos conceituais, detalhamento das estratégias locais;
Oficina 2 - construção de instrumentos para avaliação dos recursos
enquanto potencialidade turística;
Oficina 3 - delimitação do prognóstico identificado por representantes
dos segmentos de artesãos, guias, proprietários de bares,
restaurantes e visitantes.
Oficina 4 - fortalecimento de parcerias, elaboração do planejamento
com a divulgação das ações operacionalizadas e avaliação do projeto
de intervenção.
Os critérios para realização do planejamento tem como base os aspectos
descritos e diagnosticados durante o projeto para realização da projeção futura.
93
Assim os aspectos avaliados são:
I – Qualidade dos recursos
a) Herança cultural
b) Caraterísticas Naturais
c) Áreas de recreação
d) Atividades Cotidianas
e) Eventos Especiais
f) Atrações Etnicas
g) Atrações Culturais
II – Infra-estrutura turística e Básica
a) Rede turística
b) Estrutura básica
VALORES QUALITATIVOS:
Bom (B) Médio (M) Fraco (F)
LEGENDA: A – Dimensão F – Impacto Social K – Adaptação Mercado B – Localização G – Impacto Econômico L – Nivel de Utilização C – Tipos de Instalação H – Nível de Desenvolvimento M – Adaptação Política D – Qualidade Profissional I – Potencial de Desenvolv. N – Capacidade de Carga E – Impacto Ambiental J – Adaptação Mercado O– Potencial de competitividade
Todos os instrumentos apresentados, validam o esquema metodológico que
foi adotado durante o percurso do projeto. (FIGURA 5). Em todo processo de
intervenção, em que haja construção coletiva há também a necessidade de validar
as informações e avaliação das ações executadas A validação das ações foram
dadas durante os encontros, por sensibilização e percebendo a aceitação por parte
das famílias na apresentação da proposta de trabalho no território. A metodologia
participativa e os relatos/debates foram registrados para a sistematização, e inclusão
efetiva do plano final. O monitoramento e a avaliação são ferramentas
indispensáveis a qualquer projeto, sendo reflexo do planejamento. Coube ainda
durante o processo de intervenção o (re)planejamento, análise do que foi possível
ser feito, e avaliação das etapas concluídas.
94
INTERVENÇÃO
LEV
AN
TAM
ENTO
B
IBLI
OG
RÁ
FIC
O
PESQUISA AÇÃO
AVALIAÇÃO BANCO DE DADOS
História de Vida
Diário/regiVisita
domiciliar Entrevista
BLOCOS TEMÁTICO
Família
POVOADO PASSAGEM ANDARAÍ
Observação participante
Encontros Coletivos
Comunidade
Poder Público
Turismo
LEV
AN
TAM
ENTO
DE
DA
DO
S -
TER
RIT
ÓR
IO
Plano de Desenvolvimento
Turístico
Produto
Objeto de pesquisa
Intervenção ação Tema norteador
Inventário
Plano de Ação
Diagnóstico
FIGURA 5 -Esquema metodológica da pesquisa. Elaboração Rocha, 2017
Esquema metodológico
95
O QUADRO 13, expõe as ações planejadas para o desenvolvimento do
projeto:
TEMA DA OFICINA PROPOSTA AÇÃO PLANEJADA AÇÃO EFETIVADA
“Desenhando a realidade”
Diagnóstico Participativo
Conscientização e a sensibilização dos
sujeitos participantes do projeto,
estimulando-os e motivando-os a desenvolver a intervenção no
território quanto à importância do
turismo de base local; bem como analise
dos entraves para o desenvolvimento do
turismo
A - Visita aos domicílios sensibilizando para participação no projeto / reflexão sobre trechos do livro “Cascalho” abordagem sobre a história local B-Exibição do filme “Narradores de Javé” C - Encontros coletivos: oficina de cartografia social
“Na tela – um território turístico”
Inventário turístico, produção do território turístico
Registro das representações coletivas e as
potencialidades locais
D - Observação direta com participação dos sujeitos da pesquisa
“De mãos dadas com o futuro”
Planejamento participativo
Reunião ampliada e construção do plano de ação
E-Apresentação de propostas para montagem do plano de ação sobre o turismo de base territorial.
QUADRO 13 Execução das atividades planejadas –. ROCHA 2017
Ao iniciar a pesquisa houve o levantamento bibliográfico da literatura sobre
turismo e o turismo de base comunitária; bem como a importância do planejamento
turístico para sustentabilidade a partir da identidade territorial. Os conhecimentos
prévios – intervenção participativa e dialógica – foram associados à literatura sobre o
território. Uma relação que envolveu pesquisar junto ao acervo público municipal; e
com o uso de mapas de localização permitiu ampliar os horizontes dos participantes,
pois “sua” historia, e a “historia” presente nos casos, fez com que fortalecessem o
interesse de todos em “pensar” o território.
Em alguns encontros - o parentesco da pesquisadora vez com que os
moradores se sentissem mais seguros e confiantes de que a organização dos
encontros. Portanto, a validação e justificativa para uma intervenção é dada em
reunião com a comunidade e famílias para o desenvolvimento dos trabalhos. A
96
aceitação por parte da comunidade na apresentação da proposta de trabalho
comunitário no território, só foi possível diante da confiança prestada pelas famílias
da Passagem para com a pesquisadora.
Diante do contexto vivenciado no projeto, evidenciou-se o quanto a
sensibilização e apoio coletivo precisam ser lapidados até que as construções se
tornem ações coletivas geminadas pelo grupo de trabalho. E possam ser levadas ao
poder publico, ou ate mesmo que possa trazer autonomia ao grupo na captação de
recursos, na promoção do território. A existência de desejo da população em gerar
mudanças e receptividade para a prática do turismo foi identificada no grupo
selecionado, bem como a sensibilização e aceitação da população envolvida.
O planejamento se adequou a realidade e contextos locais, diante das
necessidades dos sujeitos envolvidos no processo. As diversificadas faixas etárias
conduziram diálogos produtivos, intergeracionais e de gênero. Dessa forma,
valorizar a identidade do lugar que também se transforma, é pensar na relação
espaço-tempo, na relação identidade-memória, na relação educação e
sustentabilidade, no embate contraditório da nossa sociedade capitalista. Um
processo social em que se transformam reciprocamente os sujeitos agentes dos
trabalhos, bem como os agentes multiplicadores das ações coletivas.
Com a metodologia participativa torna-se uma possibilidade para se
consolidar no território, em que o grau de aprendizado, as críticas e sugestões dos
participantes são elementos importantes para se alcançar o resultado final.
Ressaltando que ações dessa natureza priorizam o contexto social, a valorização da
formação cultural cotidiana e a sabedoria popular em ações coletivas, construídas
no território. O direcionamento partiu de reflexões teóricas e metodológicas sobre
território e na consolidação de estratégias para o desenvolvimento do turismo de
base comunitária. Do diagnóstico da organização comunitária ao prognóstico
desencadeador de propostas, o planejamento de ações coletivas, envolveu os
agentes transformadores do espaço turístico. A efetivação do Plano Territorial de
Desenvolvimento do Turismo – Território Passagem é o produto que veio consolidar
os trabalhos de organização comunitária, base para se pensar futuramente a gestão
do território turístico.
97
4 DIAGNÓSTICO TERRITORIAL
"O pensamento é sagrado, o único território livre de patrulha, livre de
julgamento, livre de investigação, livre, livre. Área de recreação da loucura. Espaço aberto para a imaginação. Paraíso inviolável ”
(Martha Medeiros)
A identidade territorial de uma comunidade abrange diversos aspectos, que
no âmbito geográfico vão desde a relação que o sujeito tem com demais membros
do território, como se amplia para compreensão do conhecimento e descrição do
espaço, ao conhecimento da realidade a partir da concepção de lugar na qual o
sujeito e sua relação de pertencimento tornam-se mais evidentes. No entanto, ao
tratar da conjuntura territorial, as relações sociais presentes vão conduzir à busca de
proposições para se pensar o território, os conflitos existentes, as perspectivas da
população e a sua organização.
Enquanto atividade social, o turismo tem o poder de promover troca de
saberes, gerando benefícios sociais. No tocante ao turismo enquanto atividade
econômica dinamiza diversos setores, tais como absorção de mão-de-obra, geração
de divisas; no entanto, é uma atividade geograficamente localizada, com demanda
flutuante (BAHIA, 2000 p. 50). Diante da conjuntura apresentada, o município de
Andaraí possui algumas localidades com atrativos e potencial. Para este projeto foi
pensado em um trabalho que norteasse ações de planejamento turístico no povoado
Passagem por fazer parte de roteiros turísticos consolidados, possuí atrativos, ser
um local de fácil acesso e onde se instalou os dois hotéis mais procurados pelos
trade turísticos do municipio, possuir uma organização social fortalecida, não ter
uma grande aglomeração populacional, e principalmente necessitar de um trabalho
técnico para construção de um plano que possibilite desenvolver o turismo no
território.
Baseando na pesquisa documental e nos primeiros contatos com moradores
foi construído um diagnóstico territorial a fim de compreender e caracterizar a
formação territorial do povoado Passagem e a conjuntura social do povoado
Passagem, essencial para o estabelecimento de horizontes de trabalho. O processo
de analise territorial apresenta duas etapas: a primeira referente a coleta de
informações e a segunda a analise dos dados apresentando a intervenção social.
98
Ao preparar o estudo sobre o espaço geográfico ao qual se fortaleceu a
identidade territorial do povoado Passagem do Paraguaçu foram considerados na
construção do planejamento turístico, os aspectos limitantes para o desenvolvimento
da atividade e os favoráveis. O entrave perceptível foi a falta de ações
governamentais e da sociedade civil que pudessem impulsionar o turismo, tais
como, a inexistência de plano ou programa municipal que inclua o povoado. O
aspecto favorável é a união das famílias do povoado para consolidar um território
com características e potencial para receber o turista.
4.1 CONTEXTUALIZANDO A PASSAGEM DO PARAGUAÇU
O povoado Passagem do Paraguaçu esta localizada a 4 Km à sudeste da
cidade de Andaraí, na margem direita do rio Paraguaçu, e no entorno do Parque
Nacional da Chapada Diamantina. Limita-se a norte com o rio Paraguaçu, a leste ao
Parque Nacional da Chapada Diamantina, a oeste e sul ao rio Piabas. Os registros
históricos sobre o povoado Passagem surgem nas bibliografias de Acauã (1847),
Sampaio (1903), Pereira (1916) e Sales (1956). As poucas obras científicas ou
literárias justificam as condições propícias para a condução desta pesquisa e o
registro da história oral ainda pouco exploradas.
Comumente o povoado é conhecido apenas pela nomenclatura de
Passagem, justifica-se conforme a população relata pelo fato do povoado ter sido um
entroncamento de comerciantes vindos do sertão e do recôncavo baiano e
pousavam nas margens do rio Paraguaçu, para seguir posteriormente viagem. O
roteiro era Santa Isabel do Paraguassu (atual Mucugê), Igatu, Passagem do
Paraguaçu (margem esquerda do rio) e Fazenda Vitória (margem direita do rio)
espaço que atualmente é patrimônio público e ponto turístico – o balneário do
Paraguaçu.
O mapa de localização (MAPA 4) representa os limites do Parque Nacional
da Chapada Diamantina e a proximidade com o povoado Passagem, no qual parte
do seus limites se tornaram área de preservação. O povoado se destaca por
também ser entroncamento de acesso para os rios Piaba e Paraguacu (se
encontram nos seus limites territoriais. A BA 142 rodovia estadual de acesso da BR
242 aos municípios de Andarai, Mucuge e Itaetê, também passa pelo povoado.
99
MAPA 4: Localização do povoado Passagem . Elaboração Rocha, 2017
100
4.1.1 A história contada
“A sociedade lavrista se plasmou, caldeada, toda ela, pela febre da aventura e da ambição desmedida de fortuna fácil ”
(MORAES)
A história possui limitados registros bibliográficos, apenas dois livros
encontrados de Acauã (1847) e Pereira (1916) datados no século XIX e inicio do
século XX respectivamente e obra literária Cascalho de Herberto Sales, romance
que apresenta a saga garimpeira na busca por diamantes no município de Andaraí,
datado de 1956.
Conforme o acervo estudado, o povoado servia de entroncamento e o rio
Paraguaçu como porto de travessia entre os municípios de Mucugê e Andaraí,
trajeto realizado por meio de balsas e barcos.
A denominação Passagem será utilizada neste trabalho técnico, por ser a
forma mais comumente utilizada pelos moradores do lugar, simplificando o termo
“Passagem do Paraguassú” (PEREIRA, 1916 p. 1). A Passagem se constituiu como
o primeiro núcleo populacional de terras que futuramente se consolidou o município
de Andaraí, e em tempos de outrora ficou conhecida por suas jazidas de diamantes
descoberta no século XVIII. A obra de Pereira (1916), trata do cotidiano do povoado,
quando descreve:
Nos arredores, na Passagem do Paraguaçu, começou o nosso
desenvolvimento, passamos dias alegres de infância entre foguedos,
numa atmosphera doce e agradável, a par das grandezas que o seu
subsolo tanto proporcionou aos que nos foram queridos, e que ali
gozaram por longos annos a excellencia da prodigalidade da
natureza e também da sorte (p. 02)
O povoado constituído de cerca de 100 famílias nos tempos de auge do
garimpo (final do século XIX e primeiras décadas do século XX), com comércio bem
fortalecido (padarias, farmácia, mercearia, escola, igreja, filarmônica, dentre outros),
algumas ruas e praças), servia de ponto de apoio para os tropeiros da época. A
formação territorial se deu em decorrência dos acampamentos de garimpeiros, nas
proximidades das margens do rio, como afirma Acauã (1847 p. 211)
101
atravessa uma cadea de serras, das quaes para fazer rebentar em
brotões depois de um curso subterrâneo de mais uma légua no logar
chamado – Passagem do Andrahy – onde se despede daquellas
serras para ir banhar matas agrícolas extensas e desertas, que toma
o nome de Paraguassu
O estudo detalhado de Acauã retrata os aspectos geograficos do século XIX,
em seu documentário descritivo. Pereira (1916 p.2) registra na obra Memória
histórica do município de Andarahy, as condições ambientais do povoado Passagem
- do início do século XX, quando descreve:
desejamos que todas essas tentativas de progresso que agora pensam levar áquellas desamparadas localidades se traduzissem em realidade, e só assim poderiam bem ser conhecidas e estudadas as riquezas naturaes da zona, suas condições especiaes tão propicias à vida e tão pouco exploradas até o momento
Nas descrições de Acuã (1847) e Pereira (1916) trazem a relação entre
sociedade e natureza, destacando esperança de desenvolvimento econômico e
modernidade. No entanto com a decadência da exploração de diamantes, também
entra em decadência a própria dinâmica populacional no povoado. Há registros que
retratam que se formou grande aglomeração, com muitas casas, ruas, duas
grandes praças, matriz de São José e pça Santo Antônio, bem como as variadas
casas comerciais e repartições publicas. Nos escritos de Pereira (1916 p. 05)
descreve o povoado.
Na povoação Passagem, em frente a importante fazenda “Victoria”,
que foi propriedade do Coronel Gonçalo de Amarante Costa
(falecido em 15 de setembro de 1875), e depois do seu irmão
Coronel Francisco Antônio de Athayde, e onde foram encontrados
imensos depósitos de diamantes. A povoação da Passagem não
deixa também de ter sua história interessante, pois, sendo um
centro de mineração, muito se desenvolveu comercialmente e
prosperou em certa epocha, quando a mineração tomou
incremento com as criações das companhias, tornando-se ali o
ponto de convergência de vultos do comercio, da mineração,
capitalistas e políticos em foco, na epocha
Conforme registros históricos, o povoado tinha destaque comercial no
município de Andaraí, principalmente pela Companhia Victoria dando grande
impulso ao comercio local. Pereira (1916 p. 18) ainda descreve “traços do
102
desenvolvimento ali operado naquella epocha onde se constituiu um centro
comercial para os diamantes, e aberturas de grandes lojas e armazéns”. Instalaram-
se segundo o autor, nos anos de 1879, grandes comerciantes de diamantes e
coronéis das lavras, sendo o povoado um forte ponto comercial na região. Consta
conforme relatos que a usina hidrelétrica que fornecia eletricidade a sede municipal
se instalara na Cahoeira da D’Anna (FOTO 1).
FOTO 1 – Cachoeira da Don’ana, rio Paraguaçu – Passagem (Andaraí-BA). Fonte: acervo FOTOgráfico do IBGE. Disponível em www.ciddes.ibge.gov.br
Pereira (1916 p. 18) relata que no início do século passado a localização
geográfica da vila, as margens do rio Paraguaçu, e a intensa atividade garimpeira
no leito do rio, e o assoreamento intenso poderiam extinguir o povoado em
decorrência da forma das águas e relata:
Na povoação da Passagem, lugar outrora florescente (...) a população tem sofrido com graves prejuízos com as enchentes do Paraguaçu e do Piabas, e está fadada a desaparecer se continuarem os serviços diamantinos”.
E o intenso trabalho de extração de diamantes perdurou ainda durante
varias décadas posterior ao relato de Pereira (1916). Anos após esta declaração em
1991, acontece uma enchente que destroi a ponte construída em 1897 (FOTO 2),
arrastando também casas e devastando propriedades pela força das águas.
103
FOTO 2 – Ponte sobre o rio Paraguaçu, trecho de acesso ao povoado Passagem Fonte: acervo FOTOgráfico do IBGE. Disponível em www.cidades.ibge.gov.br
A comunidade Passagem sofreu grandes impactos com a falta de
oportunidades de trabalho após o grande êxodo de seus moradores com a
decadência do garimpo. De maneira mais abrangente, pois trata da Chapada
Diamantina, Brito (2005 p. 139) relaciona os impactos propiciados pelo garimpo e o
surgimento de uma outra atividade – o ecoturismo:
(...) a morte anunciada de uma atividade tradicional e inscrita na
história da região que, assim passa a deixar o meio ambiente livre
para o ecoturismo – uma atividade majoritariamente externa,
identificada com o moderno e que tem nos atrativos naturais sua
principal matéria prima – ganha espaço para expandir os seus
negócios.
Diante desses registros bibliográficos sobre contexto histórico do povoado,
torna-se evidente que o universo do garimpeiro, permeia uma atividade
culturalmente exercida em determinados núcleos populacionais que historicamente
está repleta de significados, de identidades, de características próprias de regiões
que exploram metais preciosos. Nesses locais a tradição das lavras, como sendo
um conjunto de operações coordenadas objetivando a extração econômica das
substâncias minerais úteis de uma jazida até o seu beneficiamento primário como
104
principal atividade econômica e impulsionadora da economia local e hoje sua
presença ainda se manifesta através da memória dos moradores mais antigos.
4.1.2 Descrição ambiental
No período das chuvas são comuns nos rios que percorrem a Serra do
Sincorá o regime torrencial ao desembocarem no rio Paraguaçu. O período
sazonal que acontece esse fenômeno é na estação climática do verão,
concentrando nos meses de dezembro e janeiro. Comumente ocorrem enchentes
ampliando o volume e vazante do rios que além da beleza, também proporciona
situação de risco para quem acampa nas proximidades da margem do rio (em
caso de trombas d’água).
O rio Piabas e Coisa Boa compõem os canais fluviais com menor volume
d’água que desaguam no rio Paraguaçu, sendo mais dois afluentes desse
importante rio e favorecendo na drenagem e proporção fluvial para os seus
meandros (nesta porção do rio). Complementa a drenagem os córregos que
desaguam nos cânions e poços da Serra do Sincorá, como o poço da Don’ana e o
poço do Bode. As águas apresentam uma típica cor escura, causada
principalmente pela presença de taninos e ácidos orgânicos, originários da
vegetação das rochas; os seixos (FOTO 3) são bem característicos das margens
do rio Paraguaçu, cujos fragmentos de rochas, apresentam em grande volume
nesta porção do rio Paraguaçu.
FOTO 3 : Seixos rolados, as margens do rio Paraguaçu. Rocha, 2016
105
O povoado Passagem faz parte de em uma grande área de deposição de
sedimentos arenosos e seixos rolados. Um local bem frequentado pela população
e visitantes tem o nome de areão, são as praias extensas associadas a
conglomerados de rochas provenientes dos afloramentos de arenito
desagregados. O afloramento nas proximidades do povoado é formado por
arenito, quartzo e conglomerados diamantíferos da Formação Tombadores
(BORGES, 2008). Os cânions, blocos deslocados separados por falha formam
uma drenagem dendrítica, compondo a sua geomorfologia.
FOTO 4 – Rio Piabas, assoreamento decorrente da exploração de diamantes. ROCHA, 2017
A mata ciliar nas proximidades do rio Piabas (FOTO 4) vem sendo
recomposta naturalmente, após anos de exploração, retirada e deposição de
sedimentos derivados do garimpo. Existe ainda nas proximidades do Rio Coisa
Boa e Piabas floresta densa. A vegetação rasteira, típica de gramínea as margens
dos rios do território, também é outra característica ambiental.
106
FOTO 5 – Arvores frutíferas das propriedades. FOTO 6 – Coleta de frutas . ROCHA, 2016 ROCHA, 2016
O uso e ocupação do solo está associada a fruticultura de subsistência
(FOTO 5 e 6) e a vegetação natural (BAHIA, 1999). No povoado os poucos sítios,
em geral possuem pomares de manga, caju, laranja, banana, coco, vendida na
feira livre da cidade; produção familiar de mandioca e cultivo de hortaliças, ambos
em pequena escala.
4.1.3 Caracterização socioespacial
A forma de ocupação territorial da Passagem se deu como nas demais vilas
e povoados da Chapada Diamantina, por meio garimpeiros que vinham extrair
diamantes, por tropeiros e pequenos comerciantes que vinham abastecer os núcleos
populacionais formados em decorrência dos garimpos. A atividade econômica
decorrentes da mineração dinamizou toda a Chapada Diamantina e historicamente
os primeiros registros sobre o povoamento local são do período de descoberta de
diamantes em Andaraí, sendo o vilarejo considerado o primeiro núcleo populacional
do município.
Ao longo das décadas de escassez do garimpo, e a falta de outras
possibilidades econômicas diferente do garimpo, forçou o processo de emigração
para a sede da cidade de Andaraí, a outras cidades circunvizinhas, ou ainda para
outros Estados, como Minas Gerais e São Paulo.
Outro uso do espaço geográfico, decorrentes da escassez do garimpo, é a
utilização das crateras, também conhecidas como catras pelos moradores, criadas
com a sucção da água e remoção de rejeitos decorrentes da garimpagem, aos quais
107
formaram lagunas e são utilizadas para as atividades domesticas, tais como
lavagem de roupa, utensílios, abastecimento ou banhos (FOTO 7). No entanto,
atividades como lavagem de roupas e utensílios esta sendo cada vez mais escasso
no rio Paraguaçu, devido a intensificação do turismo e visitação ao rio, inibindo
assim, o uso do rio pela população local (FOTO 8).
FOTO 7– Uso da Catra nas atividades domésticas. FOTO 8 – Uso do rio para atividades domésticas ROCHA, 2016 ROCHA, 2016
Uma nova territorialização, ou seja, novo grupo se instala no povoado são os
visitantes que iniciam o processo de aluguel de imóveis habitados durante os finais
de semana e feriados (FOTO 9 e 10), em geral são pessoas vindas das cidades de
Salvador, Feira de Santana e Irecê, ainda restritas ao Estado da Bahia.
FOTO 9 – Casario da Praça Santo Antônio FOTO 10 – Praça Santo Antônio ROCHA, 2016 ROCHA, 2017
A partir da criação do Parque Nacional da Chapada Diamantina favoreceu a
demanda por empreendimentos hoteleiros e a especulação imobiliária. A atividade
atraiu o crescimento imobiliário e alguns empreendimentos ligados ao setor.
108
FOTO 11 – Rua dos antigos moradores FOTO 12 – Moradias apropriadas por turistas ROCHA, 2016 ROCHA, 2016
As casas mais antigas do povoado tem uma arquitetura diferenciada
apropriadas recentemente por turistas, e visitadores sazonais (FOTO11 e FOTO 12).
A Passagem vendo sendo um local estratégico do município de Andaraí (BA), para o
desenvolvimento do turismo, sendo um dos motivos de atração é a de que a única
comunidade ribeirinha (FOTO 13) localizada próxima dos maiores empreendimentos
hoteleiros do município e historicamente ser o primeiro núcleo populacional.
FOTO 13 – Passagem do Paraguaçu, vista panorâmica. ROCHA, 2017
Nota-se que o visitante e turista que ocupam as pousadas realizam visitação
ao vilarejo, mas ainda de forma esporádica. Apesar da riqueza quanto ao patrimônio
histórico e geográfico, alguns imóveis e patrimônio encontram-se em decadência: o
cemitério, casas, casa de farinha (comunitária). Não há centro cultural, ou de artes
109
no lugar; existem duas igrejas (Santo Antônio e São José) em bom estado de
conservação. Os terrenos da comunidade, que antes eram ruas de casas, vêm
sendo loteados por herdeiros da Dona Luminata e posteriormente Sr Joao Socorro.
Há, portanto, oferta de propriedades (lotes) sendo adquiridos por turistas que visitam
a localidade.
A atividade econômica existente no povoado, esta direcionada a atividade
do turismo, no entanto, requer infra-estrutura suplementar para ser viabilizado tanto
pelo segmento público, quanto pela iniciativa privada. Os negócios estão em
expansão para os moradores locais (bares e restaurantes) e já consolidados para os
empresários do ramo de hospedagem. O turismo vem estimulando uma maior
diversidade no setor comercial, iniciando o ramo de atividades esportivas ligadas ao
turismo.
O abastecimento de água não fornecido pela rede publica, e cada morador
realiza o processo de abastecimento através de bombeamento tanto no leito do rio,
quanto da água na serra do Sincorá. O abastecimento de energia é regular realizado
pela empresa COELBA. A coleta resíduos sólidos é realizada (três vezes por
semana). Já a situação de saneamento no povoado é precária: há ausência de
esgotamento sanitário, ausência de sistema de abastecimento de água com
tratamento adequado. O transporte público é utilizado pelos estudantes (ônibus
escolar), devido a pouca população residente as crianças e adolescentes se
deslocam diariamente para estudarem nas escolas publicas da sede do município.
Quanto há necessidade do acesso a saúde, ou ao comércio em geral a população
se desloca para a cidade. As vias do povoado estão precárias, no entanto o acesso
na BA-142 está em boas condições; apenas a praça principal (Santo Antônio) é
calçada, as demais vielas e ruas não são calçadas e não possui residentes.
Inexiste base associativa, embora possuam vínculo comunitário, mas sem
organização formal. Há uma liderança local, a mesma que representa a localidade
nas questões religiosas, junto a paroquia de Nossa Senhora da Glória. Também não
há associações atuando na comunidade, nem potenciais parceiros que possam
atender as demandas da população.
110
4.1.4 Caracterização dos sujeitos da pesquisa
Ao apresentar o perfil das famílias, tomou-se como fonte oral o grupo de
moradores, que vivenciaram o processo de territorialização derivada do garimpo
como também a inserção da atividade turística com a criação do Parque Nacional da
Chapada Diamantina. O grupo formado foi constituído por 10 famílias de um total de
17 famílias (residentes ou sazonais), quantidade exequível para um projeto piloto de
intervenção social.
As famílias do povoado não são numerosas, a maioria descende de
migrantes de outras cidades da região, fato comum em área historicamente,
fundadas por migrantes, como os garimpeiros, como retrata Brito (2005):
Esta atividade foi responsável pela imigração de várias pessoas que vieram trabalhar no garimpo acalentado sonhos de fortuna e sorte. Portanto, a história e a formação (...) desta região estão intimamente associada a exploração dilapidadora dos seus recursos naturais, e a ocorrência de significativos fluxos migratórios (BRITO 2005, p. 83).
As famílias do grupo correspondem a três gerações e contemplam 32
pessoas, envolvendo crianças e adultos. O estudo com o morador mais antigo das
famílias pesquisadas, derivou na sintetização do QUADRO 14:
N.
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DIA
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01 Dourado Pati-Andarai
1963 2ª L
55
S 05 BF P NA
02 Dourado Pati-Andarai 1963
2ª D 53 S 05 BF P EF
03 Pereira Mucugê 1918 2ª A 74 S 03 2 SM P EM
04
Souza
Andaraí-Sede
1940 3ª
CO 59 C 03 SM/BF P EM
05 Pereira
Ibiquera 1955 1ª
P 80 V
01 SM
P NA
06 Guedes Irecê 1948 1ª P 85 V 01 SM P NA
07 Santos Passagem - 3ª CM 43 S 04 2 SM C EF
08 Santos Passagem - 3ª D 32 S 01 BF C EF
111
QUADRO 1 4: Caracterização do membro mais antigo da família. Fonte entrevista e trabalho de campo. ROCHA, 2016.
Variáveis:
a) Geração: 1ª (primeira), 2ª (segunda), 3ª (terceira) b) Ocupação – profissão: (L) lavrador; (DL) Do lar; (PR) professor; (P)
pensionista; (CM) caminhoneiro; (C) caseiro; (A) aposentado; (D) desempregado (CO) comerciante
c) Estado Civil: (C) casado; (S) solteiro; (V) viúvo; d) Renda: (SM) salário mínimo; (BF) Bolsa Família; (P) comercio; e) Moradia: (P) própria, (C) cedida; f) Escolaridade: (NA) não alfabetizada; (EF) ensino fundamental; (EM) ensino
médio. Atualmente a Passagem tem apenas 12 famílias residentes fixos e 25
domicílios, em geral os moradores vivem da aposentadoria, ou prestam serviços nas
pousadas próximas (caseiros ou comerciantes no ramo de restaurante e bar). Das
10 famílias que participam do projeto 06 (seis) são chefiadas por mulheres, cuja
renda familiar são derivadas de aposentadoria e programas de renda mínima; as
famílias chefiadas por homens trabalham como o comercio local e um está
desempregado. A baixa escolaridade justifica o trabalho dos jovens a atividade de
caseiro, porteiro, vigilante, garçom, camareira e diarista na pousada próxima ao
vilarejo.
As famílias remanescentes do povoado configuram-se por ser um grupo
descendente de garimpeiros. A segunda e terceira geração de moradores não
vivenciou a atividade de exploração de diamantes na região e com o declínio dos
garimpos mais recentemente, houve a mudança de atividade econômica
implementada na Chapada Diamantina com o turismo.
Diante das primeiras informações coletadas, identificou-se que a figura do
garimpeiro, aos poucos foi se perdendo no Povoado da Passagem. Urge, portanto,
ações de intervenção com bases no estudo do território, nos critérios de
sustentabilidade, no fortalecimento da identidade territorial diante das novas
configurações socioespaciais. Com as informações levantadas identificou-se a
necessidade de um plano turístico que possa contribuir para o desenvolvimento local
e organização comunitária no povoado Passagem. A seguir serão apresentadas a
09 Bispo Redenção 1960 2ª P 79 V 06 SM/BF P NA
10 Bispo Passagem - 3ª DL 32 S 03 - P EM
112
intervenção social, para levantamento de propostas e estratégias ao
desenvolvimento do turismo de base territorial.
4.2 CONJUNTURA DA INTERVENÇÃO SOCIAL
No território, as relações sociais se perpetuam, enquanto são estabelecidas
as diferenças, as relações de pertencimento, ou ainda quando perpassam as
decisões cotidianas. Remete, portanto, a valores, a identidade local, do grupo na
sociedade. Ao considerar a sociedade dinâmica constituída de sujeitos sociais que
se relacionam constantemente, se faz necessário conjecturar formas organizativas
que dinamizam o território, visto que esta como produto dos relacionamentos sociais
(FOTO 14 e 15).
Assim a participação e colaboração recíproca com possibilidade de
transformação de uma realidade social, validaram as ações propostas e construídas
na intervenção social, ora exposta neste trabalho.
FOTO 14 – Convivência social. ROCHA, 2016 FOTO 15 – Cotidiano comunitário. ROCHA, 2016
A contribuição do grupo suscitou a realização das narrativas, primeiro nas
entrevistas e depois durante os encontros coletivos da intervenção. Nesse ínterim,
os casos contados fluíam com a observação atenta dos jovens, com a realização de
dinâmicas de grupo, a sensibilização para o trabalho coletivo no fortalecimento da
participação.
113
“ DESENHANDO A REALIDADE”
TEMA: Narrativas que constroem o conhecimento territorial
OBJETIVO: Sensibilizar as famílias para a necessidade de organização comunitária atendendo as demandas territoriais
AÇÃO REALIZADA
A – Primeiro momento: Visita aos domicílios sensibilizando para participação no projeto , estimulando-os a reflexão sobre trechos do livro “Cascalho” B- Segundo momento: Rodas de Conversa a partir dos encontros coletivos para assistirem ao filme “Narradores de Javé; reflexão sobre narrativas; uso de imagens e objetos de pesquisa; construção de mapas a partir da cartografia social
RECURSOS Filme: Maquina FOTOgráfica, convite, “Narradores de Javé”; cadeiras; computador; caixa de som; projetor; tela de projeção, Piloto, Papel Metro Branco, FOTOgrafias, objetos antigos, cartolinas, tesoura.
IMPACTO DA ATIVIDADE
Orientação e mediação no grupo para o fortalecimento das relações afetivas no território, registro da história local, relevantes na organização comunitária.
QUADRO 15: Estratégias para sensibilização para o desenvolvimento do projeto: “um desenho a varias mãos”. ROCHA, 2017 .
4.2.1 Primeiro momento: Sensibilização - Visita aos domicílios
A primeira estratégia utilizada na intervenção social para alcançar o objetivo
de sensibilizar os participantes para adesão ao projeto foi estimulado e motivado por
meio de visitação aos domicílios. A relação com o objeto é de que o planejamento só
poderá refletir a as aspirações de um território, se as pessoas são participativas em
todo o processo.
Durante os 10 encontros destinados a visitação em domicilio realizados nos
finais de semana nos meses de março e abril de 2017, os moradores ressaltaram no
fortalecimento e na união das famílias na condução do projeto. Uma estratégia foi
criada pra estimular o diálogo e as discussões futuras sobre o território. A
sensibilização a partir da entrega de convites em cada domicílio (FOTO 16 e 17)
salientou momento de reflexão sobre o território e melhoria da auto estima, na
perspectivas de desenvolvimento local.
Foram entregues aos moradores, trechos do livro “Cascalho” do jornalista e
escritor andaraiense Herberto Sales (1917-1999) que foi membro da academia
brasileira de letras. A escolha dessa obra justifica-se pelo fato dos primeiros
114
capítulos tratar da caracterização social e ambiental e a formação territorial, no
contexto do garimpo de diamantes.
FOTO 16 e 17 – Entrega de trechos do livro Cascalho que retratam a vida na Passagem nas primeiras décadas do século passado. Rocha, 2017
No livro Cascalho (FOTO 18 e 19) os aspectos da cultura garimpeira, a saga
dos coronéis, a rotina das mulheres e homens que viviam em busca dos diamantes
encontrados nos grotões e aluviões das Lavras Diamantinas. Descreve bem a
ocupação populacional de migrantes, bem como a expansão da cidade com o
surgimento dos primeiros núcleos de periferia formados na cidade de Andaraí.
FOTO 18 e 19 : Primeira edição do livro Cascalho utilizado no projeto “Um desenho a várias
mãos”, como recurso metodológico. ROCHA, 2017.
Esta obra serviu de referencia para que as famílias pudessem conhecer um
pouco mais do que foi o auge e apogeu na extração de diamantes e o coronelismo
no interior da Bahia e em especial na Passagem. Retrata do drama Lavrista até a
revolução de 1930, que novos rumos veio imprimir à vida local.
115
Alguns dias após observarem os trechos do livro “Cascalho” (SALLES, 1956)
foi solicitado aos moradores relatarem a relação com o povoado Passagem a partir
dos fragmentos do livro (QUADRO 16). Recurso metodológico de realização de
visitas (FOTO 20 e 21) previsto no planejamento do projeto contribuiu para reforças
a importância que o território teve na historia do município de Andaraí.
TRECHOS DO LIVRO CASCALHO DE HEBERTO SALES
“As águas vieram do fundo da noite com impetuosidade duma força ciclópica. Ninguém esperava que elas viessem agora, que elas viessem tão cedo. Do céu sem estrelas as águas caíram de súbito sobre os paióis de cascalho que o rio carregava na fúria da descida por dentro da noite” (SALES, 1956 p.11) “O pé d’água caiu duma vez! O rio tá chegando água de verdade! O serviço tá todo perdido! A água ta invadindo tudo! (SALES, 1956 p.11) “Viera para a Passagem, fazia dois meses, mais ou menos. Aquela garimpagem do rio Paraguaçu era serviço antigo e famoso. Desde muitos anos o Cel. Germano vinha fazendo durante a seca, grandes cateamentos13 no leito do rio, continuando assim as remotas
garimpagens do Cel Joca de Carvalho. Já se tornava tradicional aquele serviço.” (SALES, 1956 p.12) “Naquele ano, Cel Germano atacava o serviço com uma violência que bem refletia a sua ambição. Viera disposto a fazer muito mais do que nos anos anteriores. Chegara a Passagem em fins de março, e os primeiros garimpeiros já apareciam” (SALES, 1956 p.12) “E era a seca chegar os garimpeiros abandonavam todos os outros garimpos e afluíam em levas enormes no roteiro das águas escuras que baixavam para oferecer as pedrarias do seu leito rico. Desciam garimpeiros das mais distantes serras, dos mais longínquos serviços... Garimpeiros enriqueciam duma hora para outra, corria dinheiro como não sei o que diga. Valia a pena arriscar” (SALES, 1956 p.12) “E a chuva desabando, farta, terrível. Caíra duma vez, como um castigo. Ninguém esperava por ela. Surpreendera a garimpagem na sua fase mais importante. Era o drama de sempre; a mesma tragédia das chuvas imprevistas que eram a maldição da garimpagem mais rica das Lavras” (SALES, 1956 p. 13) “Na Passagem, porem, ficavam duzentos e tantos homens a quem as águas tinham lavado o suor de três meses de duro trabalho e de doces sonhos. Nas areias molhadas não havia rastros, não havia vestígios de novos roteiros... não sabiam qual caminho tomar. Não sabiam qual seguro e doce caminho que deveriam tomar” (SALES, 1956 p. 25) “Da quitanda cheia de bananas, garrafas de cachaça, bolos de arroz, brevidades, da quitanda de cheiro abafado de mofo, ele ouvia vozes alegres dos meninos que brincavam, que podiam brincar...liberdade, a liberdade vadia da meninada alegre...Aos sábados, porém, ele passava melhores momentos, divertia-se como se estivesse correndo picula, jogando
13
Cateamentos – perfurações no solo criadas no processo de garimpagem
116
jiribita14, brincando de pedra-anel que era uma antecipação da grande aventura dos
garimpos, a vida mesma das Lavras” (SALES, 1956 p. 26) “Do areão ainda acenara com a mão enorme para o velho sentado na porta da capelinha (...) Ouvia-se, distante, ruído dos gongolos das tropas que vinham de Chique-Chique (...) Zé Peixoto perdeu-se em divagações sobre o que ia ser sua vida ali na cidade, na cidade que ele enxergava do outro lado do rio Baiano, a grande cidade que dava três povoados da Passagem, a cidade batida de lua na noite branca” (SALES, 1956 p. 31-33) “Antigamente a cidade acabava naquela casa grande da ladeira. Depois foram chegando homens de distantes terras, estranhos homens que chegavam em batalhões esfarrapados, homens magros e sujos que fugiam da seca do Nordeste, homens que evadiam das plantações de cacau e das plantações de fumo de Ilhéus e S. Felix para viver a grande aventura do maravilhoso pais dos garimpos”. (SALES, 1956 p.40) “Ouvia falar das Lavras, da sua riqueza fabulosa, dos seus diamantes que eram encontrados até na moela das galinhas (SALES, 1956 p. 40) (...) Todos os dias chegava gente. A fama das Lavras corria mundo (...) Era a terra onde se enriquecia da noite para o dia, no rodar da bateia15. Levas de flagelados, acossados pela seca, entravam na cidade
como horrendos batalhões de miséria e de andrajos. Especuladores, comerciantes ambulantes, joalheiros, circos, teatros ordinários, árabes bigodudos (...) todos buscavam o maravilhoso pais onde havia diamantes à flor da terra (...) (SALES, 1956 p. 129) “Andaraí era a Meca da grande ilusão dos garimpos (...) a feira de Andaraí era a melhor da praça, a praça onde o dinheiro corria frouxo. E, enfim o comercio, os lojistas, se enchendo dos ganhos fabulosos nos negócios com aquela gente rude (...). Entanto o grito, o grito das Lavras ecoava distante como sendo a nova Canaã. A terra atrai, chamava os homens pela boca dos mascates e dos pequenos negociantes que se enriqueciam (SALES, 1956 p. 130)
QUADRO 16: Leitura de trechos do livro cascalho. ROCHA, 2017
FOTO 20 – Visita domiciliar FOTO 21 - Apresentação do livro Cascalho. ROCHA, 2017 ROCHA, 2017
14
Jiribita – jogo realizado com 05 cascalhos onde são realizadas manobras ate que se consiga
vencer as etapas pegando 05 cascalhos de uma só vez.
15 Bateia – reservatório de madeira em formato de um cone aberto no qual se fazia a captação de
cascalhos onde lavava-o ate encontrar diamantes.
117
Os moradores ficaram ansiosos quando encontraram nos trechos do livro
Cascalho, o nome do povoado Passagem e que tratava da história local.
Impressionante foi a atenção e acolhida das famílias, para que a literatura fosse
apresentada a eles para se compartilhar os casos. Pelas falas realizadas no
encontro sentiram valorizados, reafirmando que “Andaraí, nasceu aqui na
Passagem”! Durante a reflexão foi interessante observar o quanto os moradores
presentes, lembraram dos contos que simbolizaram a história.
“Do outro lado do Paraguaçu, chamava Vitoria. Minha mãe m dizia que veio uma enchente muito forte e se ouvia uma banda de musica tocando e a casa sendo destruída e levada pela enchente da época. Assim contava os antigos, meu avo, minha mãe parteira “Maria Mendes das Virgens” (J.S, 59 anos)
Representação dos nomes dados aos locais de extração de diamantes, a
Companhia Vitoria, bem como no trecho remonta as enchentes comuns na Chapada
Diamantina, principalmente no Verão. Nos fragmentos a seguir aparece o relato dos
moradores que faz referencia ao poder do Coronelismo no povoado, e o ritual
representado pelo cântico de lamentação das almas, simbolizando os garimpeiros
mortos na busca por pedras preciosas. A cantiga das almas e apresentação que
ocorre sempre durante a semana santa, se tornou bem imaterial da cultura do
município de Andaraí.
“Lembro que uma dona que era enteada do Coronel, quando via alguma moça de roupa curta falava ... “Ah no tempo do meu padrinho Aurélio”, ele mandava dar uma chicotada nas pernas dessas aí”. (M.R, 60 anos)
“Cântico em lamentação as almas”
Reza. reza, irmão meu Peço pelo amor de Deus (seja) Pra rezar o Pai nosso e com a sua ave Maria (seja) Que é pra aquelas todas almas Que morreram afogadas (seja) Reza, reza, irmão meu Peço amor de Deus (seja) (R. B, 79 anos)
“Comigo é diferente, fazemos lamentação das almas... nos não fazia tem mais de 30 anos, quando dona Ana Branca, Zeca Preta e Tutinha era viva”... (J. P, 80 anos)
118
Na busca das releituras ressurge a tradição dos ternos das almas,
memorizada pelos antigos moradores e organizada por um novo morador,
comprometido com o reforço dos traços que remetem a um território da garimpagem.
Conforme Andrade (2005), tal manifestação ocorria na quarentena a partir da quarta-
feira de cinzas até a Semana Santa, quando a população, geralmente as mulheres,
vestidas de branco e carregando velas, percorria as ruas da vila, parando em sete
estações previamente escolhidas, terminando a caminhada na porta da igreja
(ANDRADE, 2005 p. 54)
“Rodamos e fizemos a estação da Lamentação da Almas. Há tem mais de 30 anos, quando Ana Branca era viva. Vinha Dona Alice, Dona Ana Branca, Maria Mendes, Tutinha, Rosa, Crispim, Zeca Freitas. Todos aqueles já faleceram né (J.S, 59 anos)
“Olha! Se tivesse matraca aqui, nos rezava para as almas. Estava Pedro vendo, na porta e quando foi na outra semana já chegava com a matraca. Então vamos rezar hoje, chama as mulheres, os meninos, e vamos pra lamentação das almas. A excelência tirando e nós atrás repetindo. Começamos na igreja de São José e terminamos na Capela de Santo Antônio. E nos caminhamos na sexta feira santa” (J.P, 80 anos)
Os cânticos foram apresentados pelos moradores durante vários momentos
das visitas acontecendo de maneira voluntária. Na próxima representação aparecem
fragmentos que dão pistas ao transporte utilizado na época da mineração, os carros
alugados para transporte garimpeiros, chamados de “Marineta!”
Roda de viagem “Oh tindo lelê...o tindo lalá´ Arreda do caminho Marineta quer passar Marineta passa chama “Jovelina” Leva,vai com jeito leva o beijo da menina”
(Resgate da R.B 69 ANOS)
A relação entre o que está posto na bibliografia Cascalho, e o relato dos
moradores através da musica referem-se ao mesmo fato: a morte de garimpeiros
provocadas durante as enchentes do rio Paraguaçu, caracterizado como trombas
d’agua, e o cotidiano da sociedade lavrista. Outro aspecto salientado nos trechos
selecionados do livro Cascalho, dizem respeito ao processo migratório derivado do
119
garimpo, abordado em forma de cântico também por moradores locais. A variação
de recursos e fontes para consolidação do diagnostico envolvendo o passado e
presente de um determinado território surge evidente nas metodologias participavas
e na pesquisa ação.
4.2.2 Segundo momento: Roda de conversa nos encontros coletivos
A etapa denominada de Roda de Conversa se deu a partir da continuidade
dos conhecimentos sobre o território, a partir dos relatos das famílias participantes
do projeto. Assim, o objetivo foi estimular através dos recursos audiovisuais, os
relatos sobre a vida cotidiana para registro da história do povoado. A escassez de
registros documentais sobre o povoado suscitou as rodas de conversa nos
encontros coletivos como técnica na intervenção social.
O primeiro encontro coletivo serviu para após assistirem o filme “Narradores
de Javé” se compreender o quanto é valioso, além do conhecimento da realidade,
poder registra-la como patrimônio coletivo e consolidado de um território (01
encontro) para fortalecer a segunda e terceira estratégia de pesquisa, que foi o uso
de imagens, objetos (01 encontro) e mapeamento de caráter etnográfico (01
encontro) para consolidação do diagnostico territorial.
a) Exibição do filme
Durante a exibição do filme “Narradores de Javé” (2003) direção de Eliane
Caffé, os moradores se mantiveram interessados em contribuir, principalmente pela
dinâmica de integração das atividades desenvolvidas. A narrativa do filme conta a
história dos moradores do vilarejo do Vale de Javé e o temor da população local
diante da iminência da localidade ser alagada com a construção de uma represa.
Na narrativa, a única alternativa para que o fato não acontecesse era provar
às autoridades que a vila possuía um valor histórico a devia ser preservada. No
entanto, conforme o filme, os próprios moradores não tinham registros da historia
local, dos casos contados e repassados culturalmente por gerações. Como desfecho
os acontecimentos “heroicos” foram narrados, e ao mesmo tempo não registrados
pelo relator escolhido pela comunidade. Assim os moradores da vila foram
enganados pelo personagem “Antonio Biá” que não registrou as historias dos
120
moradores, e dos personagens grandiosos que habitaram as lembranças daquelas
famílias. Consequentemente os moradores foram realocados e a construção da
represa em vias de ser concretizada.
Durante a exibição do filme (FOTO 22), os moradores se mostraram
encantados com as características dos personagens, pois identificaram-se com os
personagens e as comparações foram inevitáveis. A importância valorada em
relação aos objetos e fatos que representam a memória dos moradores foi
igualmente destacada. A sensibilização se concretizo após o filme (FOTO 23), nos
comentários proferidos pelos moradores. E assim registravam:
“Parece que pegou as histórias da gente e colocaram no filme!” (R. B, 79 anos) “Nossa como é importante saber a historia de onde vivemos, porque outras pessoas da cidade podem valorizar mais a gente” (J.S 59 anos) “Uma história fictícia mais que mostra a importância do povo está unido. A união faz a força” (C.R 60 anos)
FOTO 22 – Exibição de filme. ROCHA, 2017 FOTO 23– Momento de mobilização da comunidade
ROCHA, 2017.
A ação coletiva que envolve o processo de mobilização social começou a ser
desenhado, pois os moradores identificaram a relevância da organização
comunitária. No momento de avaliação sobre a atividade desta oficina foi realizada
com as seguintes perguntas:
Quais os personagens mais interessantes do filme?
121
Vocês sabem a história do vilarejo e seu surgimento?
Como poderíamos contar a historia da Passagem com base no que foi
visto no filme?
Por que os moradores do Vale de Javé se mobilizaram?
Qual a importância da historia do lugar?
O que mais revoltou os moradores ao final do filme?
Existe comparação entre a história do personagem Antônio Biá e a do
escritor Herberto Sales?
Em resposta as questões levantadas no grupo, identificou-se que além de
responderem adequadamente sobre as cenas do filme, aproveitaram e fizeram
relação com a realidade local. Ao analisar o território apresentado no filme e o
território atualmente constituído no vilarejo, percebe-se que tanto os moradores,
quanto adultos, quanto os jovens percebem a importância de se buscarem melhorias
à população, a partir do coletivo.
Após consolidar as características dos moradores que se refletem nas ações
coletivas na comunidade – firmando o território Passagem – colocou-se em questão
as narrativas do filme “Narradores de Javé”. Compreendeu-se que os registros
históricos em uma comunidade, bem como a motivação dos seus moradores para as
lutas coletivas fortalece a busca por direitos e maior qualidade de vida. Outro
aspecto relevante foi revelado pelos presentes a respeito da valorização da
identidade e como documentos são valiosos nesse processo. Com o filme
“Narradores de Javé” intencionou sensibilizar as famílias para participar do projeto,
apresentando a importância de um trabalho na vertente de registrar a historia local a
partir das memórias dos moradores locais e posteriormente a organização
comunitária.
Com a sensibilização realizada, em um segundo encontro programado para
o registro das memórias e das historias e transformações do espaço geográfico. a
relação de parentesco no grupo um exercício para fortalecessem os laços familiares
e comunitários. Os moradores lembraram as histórias de infância, as atividades
econômicas e o período escolar e do povoado que tinha várias ruas, casas. A
lembrança foi aguçada, qual puderam refletir sobre o passado da localidade, os
casos dos moradores mais antigos. E relataram:
122
“Andaraí, pertencia a Santa Isabel, que é Mucugê hoje, né. Então pessoal quando descia a serra, primeiro passava em Igatu, depois passava na Passagem, aí atravessava a Vitória e ia pra Andaraí. E ficou Passagem porque era a passagem deles pra Andaraí (...) Vinha muita gente de fora trabalhar, de Barra da Estiva, das Minas Gerais então eles vieram a procura do diamante, naquela expectativa de conseguir riqueza das lavras diamantinas. Então na Passagem foi onde alojou o maior número dessas pessoas. Antigamente não tinha ponte tudo era navegável. (M. R, 60 anos)
Esta descrição apresenta o contexto histórico e geográfico, em que o
povoado atraia migrantes para a busca por pedras preciosas. A baixo o relato já traz
um recorte temporal de 50 anos, cuja saga garimpeira estava caracterizada pela
busca por riquezas, nos trabalhos de garimpagem nas margens dos rios e nos
grotões das serras. Outro aspecto ressaltado pelas narrativas é a estratificação
social, formada por garimpeiros, e os donos da produção, que acumulava também
as funções de capangueiro, ou seja os comerciantes das pedras preciosas.
Na Passagem tem um lugar que chama caldeirão, no rio Piabas. Tem mais de cinqüenta anos, no tempo, que meu pai procurava esse caldeirão e nunca encontrou. Era uma gruta, muito funda um labirinto que ele chama, que era um lugar de passar com a barriga arrastando, com o saco nas costas do cascalho. Na frente tinha mais um [garimpeiro] um passava pro outro e mais outro, até chegar em cima no alto. Esse labirinto que é uma gruna era muito estreita e era muito antiga. A procura desse caldeirão que era muito antigo, nunca foi encontrada a riqueza que diz ter lá dentro. O povo diz que é encantado né, que é encantado. Eles trabalhavam arriscando a vida, mas não conseguiram o caldeirão (I. C, 66 anos) O garimpo era o recurso principal daquela época, existiam os capangueiros (compradores de diamantes) e garimpeiros exploradores do minério ... Como se vê ate hoje o garimpeiro é aquele que menos tem ... Muitos moradores muitas ruas. E o Paraguaçu. Que hoje vive depredado era muito bonito com praias limpas e vários peixes ... E se for falar de Passagem... Naquela “época não tinha conforto nem desenvolvimento, mas o povo era muito unido” (V. P, 75 anos) Antigamente navegava tudo de canoa (...) atravessava onde hoje faz o réveillon. Atravessava pela Vitória pra ir a rua. Esse tempo não tinha esse tanto de carro, eram os tropeiros, era tropa de animal, era de jegue, cavalo (I. C, 66 anos)
123
Os moradores relembram o garimpo, o comércio de diamantes, a fazenda
Vitória -fazenda que ficava na margem esquerda do rio Paraguaçu, diz-se que o
proprietário desta fazenda também era proprietário das terras que originaram
Passagem. E continuaram a relatar apresentando o quanto o exercício de resgate
das lembranças, em um encontro coletivo pode resultar em produções, legitimadas
pelos sujeitos do processo social no território. E seguem:
Segundo os antigos, Dona Luminata era dona do povoado de Passagem, a fazenda Vitória era dela. Dizendo os antigos que antes dela morrer passou as terras para o Sr. João Socorro (...) restou ainda uma casa (da fazenda) e morava dona Lora. Agente criança, as vezes o pessoal da Passagem ia passar a tarde na casa de dona Lora. (...) E dizendo os antigos, no outro lado da Vitória, quando vinha a procissão da Passagem, passava por aqui também. Teve um período que teve aqui uma enchente e carregou tudo, uma coisa assim inexplicável, as casas, muito gado foi embora nessa época. (J. S 59 anos) Quando eu pra aqui cheguei, Zé Roxo trabalhava garimpo aqui na Vitória. Então eu vinha muito aqui, mas alcancei Sá Lora, Joaninha, Joaquim morando ali né (hoje Hotel Paraguassu). Ai veio um pessoal pra ali, com isso Sá Lora foi embora daí e a Vitória terminou. (...) a Vitória não passou ser deles era de quem chegasse aí. (J.P 80 anos) E descia aí, não era assim nesse tempo. Subia, tinha a usina. A usina acabou, mas ainda tem o lugar. Tinha luz, até na ponte tinha luz. Hoje em dia não tem mais nada né, acabou tudo (R. B, 79 anos) Essa usina que (...) acabou de falar levava energia ate Andaraí amando de seu João Socorro e Andaraí tinha poste de madeira e a luz funcionava até dez horas, muito fraquinha, mais mesmo assim era uma benção. Todo mundo gostava, e vinha aqui do Paraguaçu (J. S, 59 anos)
Essas quatro falas, registram a transformação do espaço geográfico, desde
a apresentação da casa de um coronel e fazendeiro que foi transformada em um
grande hotel da cidade; até a produção de energia em usina própria, hoje
desativada, mas servia a população andaraiense ate os anos de 1970. A observação
do espaço e como este sofreu alterações esta perceptível na apresentação do
território pelos moradores. Sobre a construção de narrativas, FREIXO (2010)
descreve recordações sobre o passado são de fato arcabouços para a análise da
dinâmica das relações sociais que se desenvolveram ao longo do tempo em um
determinado ambiente. Observando outras narrativas puderam ser destacados
124
relatos do cotidiano local revisitando com as lembranças individuais, compartilhadas
na coletividade:
A relação entre o cotidiano local descritas do passado eram comparados
com o cotidiano atual, possibilitando perceber as marcas do tempo e a dinâmica
socioespacial. O trabalho com memória retoma as mediações das relações sociais
de forma inseparável, que nas concepções de Lefebvre (2006 apud FREIXO, 2010)
torna-se um aspecto fundamental no fortalecimento dos vínculos sociais de um
grupo.
O saber popular é identificado pelos moradores, quando faziam reflexões em
torno dos elementos da natureza, as transformações que desencadeavam
desequilíbrios ambientais na comunidade, como nos relatos sobre o garimpo.
Relatam principalmente, o rio Paraguaçu e a relação deste ao cotidiano da
população ribeirinha. Assim as famílias foram compreendendo de forma
interpretativa as realidades vivida e as representações do território.
b) Apresentação de fotografias e objetos históricos
Outro recurso utilizado no encontro coletivo com as famílias foi a
apresentação de fotografias, com o objetivo de observar as transformações do
espaço, bem como identificar as relações de pertencimento dos moradores diante do
território (FOTO 24 e 25).
FOTO 24 – Registro das transformações sócio FOTO 25 – Montagem de painel. ROCHA, 2017 espaciais. ROCHA, 2017
125
O resultado foi satisfatório pois a partir das imagens, bem como registros
identificaram a necessidade de maior conhecimento sobre o espaço e a relevância
para aplicação dos resultados da oficina na produção do planejamento territorial.
Nesse sentido Relph (apud FONSECA, 2001 p. 98) define que o território pressupõe
familiaridade, envolvimento e experiências diretas. E dessa forma os moradores
decodificaram imagens e relataram os elementos de transformação do espaço
geográfico. A seguir serão apresentadas algumas das imagens utilizadas na oficina.
FOTO 26 – Margens do rio Paraguaçu, pesca-1985 FOTO 27 – Margens do Paraguaçu, banho 2011 Arquivo pessoal. Família ROCHA. ROCHA, 2017
Durante a oficina, observaram varias fotografias (FOTO 26, 27, 28 e 29) e
que os moradores afirmam que o rio está muito diferente, e que o leito ficou
assoreado, depois da enchente do ano de 1991. Conseguiram se sensibilizar diante
da importância de preservação ambiental e valorização do território.
FOTO 28 – lavagem de pratos no rio Paraguaçu, 1985 FOTO 29– Lavagem de roupa no rio Arquivo pessoal. Família ROCHA. 1985 ROCHA, 2011
126
As imagens (FOTO 24 e 25) despertaram no grupo recordações o uso
intenso do rio, e que o abastecimento de água em domicilio, vem reduzindo a
frequência de atividades domesticas nas margens do Paraguaçu. Identifica-se que
consequentemente, os turistas utilizam com maior frequência o rio, principalmente
nos finais de semana e feriados, cujo local vem sendo preparando pelo poder
publico com infraestrutura para receber os banhistas.
Outro aspecto do cotidiano lembrado pelos moradores foi a convivência com
a exploração de diamantes. A atividade garimpeira foi uma das principais atividades
econômicas da Chapada Diamantina. Este é fato que une a gênese de migração das
famílias estudadas, quando seus antepassados resolveram morar no povoado
Passagem, comum nas localidades garimpeiras:
Esta atividade foi responsável pela imigração de várias pessoas que vieram trabalhar no garimpo acalentado sonhos de fortuna e sorte. Portanto, a história e a formação econômica desta região está intimamente associada a exploração dilapidadora dos seus recursos naturais, e a ocorrência de significativos fluxos migratórios (BRITO, 2005, p. 83).
No auge do garimpo vinham muitos garimpeiros de outros Estados, gerando
uma intrínseca relação entre o garimpeiro e o comércio da cidade, que fornecia
alimentação em troca de porcentagem do que fosse extraído no trabalho de
garimpagem. “O garimpo representa atividade extrativista altamente atraente,
convergindo um grande número de pessoas para as zonas de garimpagem”
(GANAES, 2006 p. 75). Esta característica foi se perdendo com a decadência do
garimpo.
Durante muitos anos a modalidade de garimpo existente no povoado era o
garimpo artesanal, mais rudimentar; mas nos anos de 1980 duas modalidades
passaram a coexistir no povoado Passagem: a primeira é utilizada técnica
rudimentar, com peneiras e ferramentas manuais (FOTO 30) e a segunda utilizando
máquinas de sucção para produção em grande escala. (FOTO 31).
O garimpo tradicional, sem o uso de maquinas, conhecido na região das
lavras com a denominação de “garimpo de serra”, o qual se utiliza como
instrumentos de trabalho ferramentas rústicas como peneiras, enxadas, bateias
(bacia côncava de madeira) dentre outros. Um processo de garimpagem que se
127
mantém como no século XIX, principalmente nas serras, separando cascalhos
manualmente até se encontrar diamantes.
FOTO 30 – Garimpo artesanal e rudimentar FOTO 31 – Garimpo de dragas e maquinário Arquivo pessoal. Familia ROCHA.1985 Arquivo pessoal. Familia ROCHA.1985
Outra modalidade de garimpo é registrada como o garimpo que surge nas
lavras diamantinas na década de 1980 é o garimpo mecanizado denominado de
“draga”, realizada com maior tecnologia, uso de máquinas movidas a motor nos
aluviões e em áreas de deposição de sedimentos, tais como cascalhos. Este
processo de garimpagem utiliza técnicas avançadas com o uso de motores, sucção
de água, abertura de crateras, em um processo que impacta mais intensamente o
solo, o rio (seu desvio) para a procura de diamantes.
Os imigrantes que instalaram tais instrumentos de trabalho nos leitos dos
rios distantes dos terrenos íngremes da serra das Lavras Diamantinas priorizavam
as porções mais planas, nas áreas de aluvião16, principalmente devido a melhores
condições para o acesso e instalação das grandes máquinas, com produção menos
intuitiva, e mais técnica e estudos capazes de localizar pontos de acumulo de
minérios. Mais uma vez a atividade garimpeira entra em conflito, no território.
Os anos de 1980 marcam o momento de transição ou tentativa de uso de
técnicas diferenciadas em um mesmo ambiente, ou seja, FOTOs de garimpo no
trecho de seixos na margem direita do rio Paraguaçu. Com o avanço da tecnologia
os mais jovens não estimularam a realizar o oficio de garimpagem tradicional e
16
Leito dos rios, geralmente em áreas rebaixadas de planícies.
128
assim houve ampliação da atividade por meio da dragagem do rio. Pelo relato dos
moradores locais, os garimpeiros tradicionais não se adaptaram as novas técnicas e
instrumentos para o trabalho no garimpo mecanizado. Senna (1993) afirma que com
o tempo o grande capangueiro vai perdendo status para o empresário comercial, ou
ele próprio torna-se intermediário de grandes firmas ou companhias exportadoras.
Estas novas atividades econômicas que chegam a região irão promover algumas modificações na estratificação social destes municípios. Pode-se afirmar que, neste período, o setor dominante é formado por proprietários de terras, herdeiros dos coronéis (...) anteriormente ligados ao comércio de diamantes (BRITO, 2005 p. 95).
Em geral há um direcionamento para a nova atividade surgida e incentivada
a partir dos anos 1980 - turismo nas cidades da Chapada Diamantina. Segundo
Barrozo (2007), a decadência do diamante na Chapada Diamantina, trouxe o êxodo
na Chapada Diamantina e mais recentemente inserção do turismo. Então retrata.
Alguns velhos garimpeiros diziam que, se não acontecesse uma mudança [...] viraria uma cidade fantasma, como as antigas cidades de garimpo da Chapada Diamantina, na Bahia, de onde muitos deles haviam saído, nas décadas de vinte e trinta (BARROZO, 2007 p. 78).
Pelo exposto, a atenção dos moradores a necessidade de se pensar o
território, a partir das aspirações dos membros do grupo, foram reforçadas e de fato
importantes para construção de planos de ação. A intenção e o entendimento de
forma interpretativa da realidade vivida e as representações simbólicas no espaço,
fizeram com que a memória se tornasse relevante para o estudo do território, pois
alcança a construção de identidades, considera a sociedade as transformações nos
espaços de vivências.
Além da apresentação de fotografia, os objetos também serviram de fontes
de pesquisa para representação do território. Quando as visitas iam acontecendo, as
famílias foram apresentando objetos que remetiam a identidade territorial, e a
valorização da cultura local. As imagens remetem as lembranças e como a
comunidade conserva os registros do passado e os matem em domicilio, seja na
ornamentação da casa com os utensílios domésticos, em desuso ou com os quadros
que representam a forte religiosidade presente na comunidade.
129
Foram destacadas 06 imagens simbólicas da historia local (FOTO 32 a 37),
para a oficina:
REPRESENTAÇÕES SIMBÓLICAS NO TERRITORIO
FOTO 32 – Marcas de ferro, utilizadas para marcar o gado, com símbolo da familia. ROCHA, 2017
FOTO 33– Potes utilizados como reservatório de água, comum no povoado. ROCHA, 2017
FOTO 34 – Objetivos do sincretismo religioso ROCHA, 2017
FOTO 35 – Lampiões a óleo. ROCHA, 2017
FOTO 36 – Retrato de estudantes do povoado, década de 1950. ROCHA, 2017
FOTO 37 – Bebidas feitas com ervas medicinais, utilizadas como remédio. ROCHA, 2017
QUADRO 17 : Símbolos que representam a historia de construção territorial. Rocha, 2017
130
Vivenciamos durante as primeiras ações na intervenção, a territorialidade ao
perceber como ela se configura ao relacionarmos as funções de membros na
coletividade, a apropriação e uso da terra, sua organização, e os significados
atribuídos à vida cotidiana. Portanto, justifica-se que a territorialidade construída,
emerge no grupo e perpassam por decisões cotidianas, como define Leda (1993)
c) Cartografia social
As representações territoriais foram desenvolvidas inicialmente com o uso
da cartografia social. Uma estratégia de levantamento de dados sobre a realidade
socioterritorial no qual busca-se identificar elementos que favoreceram a
participação coletiva, os valores formativos do espaço territorial, a identidade
cultural, e as necessidades especificas de seu cotidiano (CAVENAGHI, 2006).
A participação dos moradores se deu a partir dos registros simbólicos para
construção da cartografia local, em momentos distintos do povoado, delimitando
assim o território, a partir da técnica do mapa mental. Para Andrade (2005) o mapa
mental pode ser compreendido como a capacidade de armazenar informações na
mente e expressá-las através de representações cartográficas impregnadas de
lembranças, subsídio para as representações (MAPA 5 e 6)
FOTO 38 – Construção da mapa mental FOTO 38 – Montagem do mapa. Rocha, 2017. ROCHA, 2017
Legenda: (imóveis); (áreas públicas); (igreja)
131
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133
Foram entregues cartões com figuras geométricas para representar, casas,
terreno baldio, monumentos públicos etc. Nas figuras dos imóveis colocaram o nome
quem morava e assim durante a colagem das figuras, varias histórias iam sendo
contadas. Segundo os moradores o local tinha cerca de 350 pessoas e mais de 70
casas, na década de 1950, e relatam:
Mudou tudo, tinha muita casa (...) tinha a rua da igreja nesse beco, aqui era outra rua, tinha o beco da castanha, e lá de cima da igreja do Rosário (...) a praça toda vida era essa! Antes disso eu não alcancei não! Eu alcancei a balança de pesar (...) tinha escola, tinha farmácia, ali em cima adiante do escritório, era a casa de compadre Arlindão (...) tinha muita gente, muito morador. Não tinha casa derrubada não! Aliás as casas não caíram porque uns moradores ainda ficaram! O pessoal ia pra São Paulo, Minas, pegava tirava as telhas vendiam e as paredes caíam. Depois seu João (prefeito na década de 60) pediu para eles não fazer isso. Senão acabava e esse povoado aqui nosso, nem existiria mais! (F. G, 85 anos)
A memória reflete as lembranças do passado, muitas delas carregadas de
emoção e nostalgia.
As memórias são importantes registros vividos que partem das lembranças e eternizam lugares como referências e cenários para uma constante visita ao passado, trazendo em si, os mais diversos sentimentos documentados e aflorados em narrativas, sonhos e percepções (ANDRADE, 2005)
Contribuindo com as colocações de Andrade (2005), Freire (1980) reforça a
concepção de que a memória se elabora a partir da ausência, e com pé fincado no
presente, assim nesse terreno, há um valor demasiado nas lembranças e mesmo
que aparentemente insignificantes são artigos de valor, considerado como o nosso
mais valioso e invisível patrimônio.
Durante a intervenção alguns momentos e vivências foram registrados pelos
moradores, como o trabalho de planejamento e construção coletiva, após
compreensão dos objetivos da intervenção. A cada época se valoriza o caráter
intencional experiencial e afetivo, pelo qual o indivíduo ou grupo de indivíduos
estabelece laços de identidade com uma porção do espaço. (FONSECA, 2001 p.96).
Dessa forma a vivência cotidiana, com contribuíram para a construção socioespacial
do território.
C
134
A sinalização turística não é padronizada tanto pelo poder publico quanto
pelos empreendedores. Foram apresentadas ao grupo de famílias, as placas
presentes no território e seu entono. O objetivo foi identificar a importância em
qualificar os serviços ofertados, iniciando pela divulgação. Esse exercício se deu a
partir da observação das placas de sinalização presentes no entorno da Passagem.
FOTO 39 – Placas de sinalização em inglês. FOTO 40 - Placas de sinalização de atrativos. ROCHA, 2016 ROCHA, 2016
Perceberam que as diferenças de produto, para as variadas demandas de
turistas tanto nacionais quanto internacionais. As placas indicam a preocupação em
divulgar os atrativos existentes, cujos empreendedores da Toca do Morcego
realizam satisfatoriamente a comunicação visual, seguindo padrão internacional
(letreiros em inglês) – (FOTO 39 e 40).
FOTO 41- Sinalização de camping FOTO 42 - Sinalização para serviços de guia Rocha, 2017 Rocha,2017
Observa-se a sinalização de dois serviços: o camping (FOTO 41) e o serviço
de guias e informações (FOTO 42). Ambos criados por empreendedores. A primeira
imagem identifica-se um serviço ainda precário, tanto no espaço, quando na
135
divulgação por meio da placa. Já a agencia de guias, apresenta um uma placa de
identificação com maior qualidade. Esse aspecto também observado no diagnóstico.
Para concluir sinalizamos as placas colocadas pela prefeitura (FOTO 43 e 44), com
restrições a fim de se evitar tromba d’agua e na pista de eventos. Uma atenção a um
dos lugares mais visitados pela população - o balneário do Paraguaçu.
FOTO 43 – Placas informativos FOTO 44 – Restrição ao acesso a espaço de eventos . ROCHA, 2016 ROCHA, 2016
Ainda de forma precária, a relação entre o poder e público e
empreendedores poderia ser melhor aproveitada, principalmente com a necessidade
de fortalecer o Conselho de Meio Ambiente, como também de Turismo. O controle
Social, nesse sentido pela distribuição paritária, entre sociedade civil e o poder
publico municipal. Vale ressaltar que o município não tem aprovado a Política
Municipal de Turismo, nem Plano de turismo que possa nortear a gestão dos
territórios turísticos, a fim de impulsionar e difundir as potencialidades para atração
de novos mercados.
Nos encontros reflexão sobre o turismo, diagnosticou-se 03 (três) pontos
fundamentais, durante a segunda etapa do projeto:
a) a comunidade contempla pouco impacto e interferência do turismo de
massa. Em geral são os amigos e familiares dos moradores que
frequentam a comunidade nos finais de semana - período em que há
maior fluxo de pessoas.
b) necessidade de articulação e organização comunitária, que aos poucos
já se mobilizam em criar uma associação de moradores, para conquista
de demandas emergenciais – como o abastecimento de água e pensar
136
as consequências da localidade torna-se perímetro urbano (proposta
evidenciada durante os encontros)
c) a ação do poder público nos últimos anos proporcionou a melhoria da
infra estrutura dos espaços públicos;
d) construção de novos imóveis e reforma de outros que estavam em
processo de abandono, inserção das famílias em programas de
habitação do município para financiamento e reforma de imóveis.
Portanto, o potencial investigado e apresentado pelo grupo a categoria que
mais se identifica é a natureza cultural pelos atrativos históricos e arquitetônicos; a
natureza etnológica pelos costumes da comunidade destacada pelas ladainhas e
cantigas locais que retratam a saga do garimpo; a natureza religiosa pelas igrejas e
eventos religiosos e a natureza geográfica pelas belezas naturais (já considerada
como potencial em evidencia). Uma nova perspectiva de valorização dos aspectos
culturais, hábitos e vivencias de uma comunidade.
A motivação para uma viagem turística que agregue o saber popular e
cultural da comunidade ainda precisa ser divulgada, enquanto motivação para um
turismo alternativo, comunitário e de base territorial, apresentado por Seabra (2007),
Rodrigues (1999) e Corioano (2009) cuja premissa é a melhoria da qualidade de
vida da população em áreas que sofreram degradação, e que precisam de
estratégias para mitigação dos impactos socioeconômicos e ambientais, ou ainda,
um turismo cuja própria comunidade organiza, e controlam os arranjos produtivos
com grande interação do turista ao cotidiano.
137
5. INVENTÁRIO DA OFERTA TURÍSTICA
“a grandeza de um país não depende da extensão do seu território, mas do caráter de seu povo”
(Golbert)
Durante o período de desenvolvimento da intervenção foram registrados
momentos do cotidiano dos moradores que puderam ser socializados no grupo.
Esse aspecto relacionado ao cotidiano condiz com as características de recursos
presentes no território que podem se tornar atrativos, atualmente configurado como
potencial latente, como os recursos culturais; as belezas naturais já consolidadas, e
consideradas como potencial vivo. Confirma-se, portanto, a definição de Carvalho
(1997) ao caracterizar que o potencial turístico compreende variadas atrações de um
local, tais como a natureza, os valores culturais e a história, que agreguem interesse
para uma visitação, ou seja, um atrativo, importante na produção do espaço turístico
As oficinas para realizar o inventario turistico, seguiu o planejamento do
quadro 18.
NA TELA UM TERRITORIO TURISTICO
TEMA:
Organização comunitária, valorização da natureza e resgate do patrimônio cultural como atratividade turística.
OBJETIVO: Representar o território a partir das suas potencialidades em inventário
AÇÃO REALIZADA
Observação direta, e colaboração dos moradores para construção do inventario turístico.
RECURSOS Fichas de controle, registro fotográfico e diário de campo
IMPACTO DA ATIVIDADE
Destacar os recursos existentes no território, considerados como potencial pelos moradores locais para incremento da atividade turísica
QUADRO 18 – Quadro síntese do roteiro de identificação de potencialidades turísticas. ROCHA, 2017
O turismo é a atividade econômica em potencial na Chapada Diamantina,
pela atratividade dos seus recursos naturais e culturais. Quando os moradores do
povoado foram questionados sobre o turismo, informam não ser uma atividade
consolidada, mas latente e com possibilidade para realização com base territorial.
No diálogo o consenso em não alterar o cotidiano por conta turismo fica claro, mas
também compreendem que impactos positivos ou negativos sempre vão existir
quando se dinamiza ou potencializa uma atividade com viés econômico.
138
Compreendem que para o turismo acontecer demanda qualificação desde a
recepção e um conhecimento maior dos atrativos e da sua cultura.
O impasse identificado no território é o conflito existente na concepção do
turismo de massa, em geral proporcionado por empreendedores hoteleiros e a
concepção do turismo de base local a ser organizado pela comunidade. Os
moradores acreditam que falta estruturar a apresentação dos atrativos culturais e
organização de roteiro incluindo os atrativos naturais. Evidente também para os
moradores é o fato da omissão de informações sobre a comunidade como um
atrativo aos turistas tanto pelas pousadas, quanto pelo poder publico. Indagam que a
integração dos aspectos da cultura local podem agregar valor a proposta de turismo
a ser consolidada.
Teoricamente Antunes (1978), segundo a teoria marxista, explica que as
forças materiais de produção da sociedade entram em conflito com as relações de
propriedade, entre as contradições da vida material, pela luta entre forças produtivas
da sociedade e pelas relações de produção.
(...) podemos resumir o conflito social, segundo as palavras de Marx: a produção econômica e a estrutura social que necessariamente decorre dela, constitui em cada época histórica a base histórica, política e intelectual dessa época (...) toda a história tem sido uma historia de lutas de classe, de luta entre classes exploradas e as classes exploradoras, entre as classes dominantes e as classes dominadas nos diferentes estágios de desenvolvimento social (ANTUNES, 1978 p. 17)
Os conflitos e contradições se dão além das relações de produção - esfera
socioeconômica - em torno dos bens e equipamentos de consumo coletivo que
estão circunscritos na esfera da reprodução social, mas também no espaço de forma
geral. O turismo de base territorial, já vem sendo desenvolvido timidamente, notado
o reconhecimento da forma como a comunidade age ao receber o visitante, este é
que se integra aos hábitos e cotidiano, a memória socioespacial e coletiva, nesse
sentido, começando a ser usada como atratividade local.
A cada época se valoriza o caráter intencional experiencial e afetivo, pelo
qual o indivíduo ou grupo de indivíduos estabelece laços de identidade com uma
porção do espaço. (FONSECA, 2001 p.96).
139
A oferta de uso público (...) está constituída polo territorio protexido, cos seus atractivos naturais e culturais, máis todas aquelas actividades, servizos e equipamentos que permitan ó visitante coñecer e apreciar tales atractivos (...). Os atractivos naturais do espazoson todos aqueles elementos presentes no mesmo que teñan orixe natural: a xea (formacións xeolóxicas e de relevo), os seres vivos (flora e fauna), as augas (ríos e regatos, lagos e lagoas, o mar), mesmo as condicións climáticas. Os atractivos culturais son tanto manifestacións construídas pola man do ser humano (edificios ou conxuntos de edificios: núcleos de poboación, igrexas, mosteiros, ermidas; infraestruturas de todo tipo: viarias, agrarias, hidráulicas, e un longo etcétera) como manifestacións folclóricas ou etnográficas tanto intanxibles (tradicións, formas de traballo e oficios, costumes, vida cotiá), como tanxibles relacionadas coas anteriores como os apeiros de labranza ou instrumentos propios de certos oficios artesáns (...) A oferta (...) que verse complementada por unha serie de equipamentos, instalacións e servizos que poñan en contacto ó visitante cos recursos naturais e culturais .
Os processos que guiam a sociedade e o território são compreendidos a luz
de Santos (1994; 1996), como a capacidade de agir das pessoas e instituições, em
sua relação com o espaço, os modos de organização da sociedade em variados
momentos históricos.
5.1 ANÁLISE DO TURÍSTICO EM PASSAGEM
O potencial turístico configura-se enquanto atrativos de um espaço
geográfico que pode se utilizado para o lazer, e atrair visitantes. No estudo do
espaço turístico da Passagem observou-se duas segmentações. A primeira
considerada com potencial Vivo destaque para os recursos naturais; e a segunda
segmentação o potencial é latente, presente nos recursos culturais. Articular os dois
elementos em um planejamento para o turismo local, foi o grande desafio, a fim de
montar roteiro que efetivasse a valorização do território e suas características.
Como processo metodológico envolveu mobilização social, a promoção de
reflexões sobre o turismo local se deu informalmente, porém agendados
previamente, compondo a segunda fase do projeto, que objetiva analisar o turismo
realizado no território, apontando os recursos considerados atrativos. O
fortalecimento do grupo foi importante para ampliar os vínculos formadores de
territorialidade.
140
FOTO 45 – Atividade por grupo - reflexão sobre o território turístico. Rocha, 2017
Para compreensão sobre a importância da apropriação dos espaços de uso
coletivo, nos reunimos para um encontro no rio Piabas (FOTO 45), outra importante
via de acesso da comunidade e local onde foi muito utilizado pelo garimpo nas
décadas anteriores a proibição da atividade (anos 1990). No momento houve debate
sobre o cuidado que devemos ter com nosso patrimônio, seja material ou imaterial.
Vivenciamos durante as primeiras ações na intervenção, a territorialidade ao
perceber como ela se configura ao relacionarmos as funções de membros na
coletividade, a apropriação e uso da terra, sua organização, e os significados
atribuídos à vida cotidiana (FOTO 46). Portanto, justifica-se que a territorialidade
construída, emerge no grupo e perpassam por decisões cotidianas, como define
Leda (1993).
FOTO 46 - Encontro com moradores para tratar das questões
sobre o turismo comunitário. Rocha, 2017
141
A intervenção foi sendo conduzida para que os próprios moradores
apresentassem as atividades cotidianas, eventos e potencialidades do território de
maneira processual. Numa articulação dialógica, para que a proposta fosse
conduzida no sentido do pensamento para produção do espaço turístico e seu
planejamento.
Hoje o turismo é uma atividade incentivada na Chapada Diamantina e vem
se ampliando também no município de Andaraí. Com relação ao povoado
Passagem, os moradores definem a possibilidade de melhoria das condições
sociais, econômicas e ambientais, mas que dependem “dos de fora”. Assim, existe a
preocupação do turismo acontecer de forma massificada, sem compreensão das
especificidades locais, e perder o que têm de mais valioso: a identidade territorial.
Foi identificado que os moradores denominam os turistas como “visitantes”
os que chegam para conhecer o lugar, principalmente quando estes visitantes
participam do cotidiano e vivencias, conforme reatam:
A maioria dos visitantes fala logo que não sabia desse povoado. No São João mesmo sentaram todos aqui debaixo do pau (árvore) mais a agente, oh! Foi uma prosa e tanto, até mais tarde prosando com a gente. Gostei muito do modo delas, né! Quando é no réveillon, chega os ônibus, o pessoal desce, coloca as coisas na pousada, depois vem passear aqui na rua, conhecer o pessoal (...) Se quer falar com a gente, a gente conversa né, mostra a ‘praça’ da gente para eles porque se chegar no lugar e não achar amizade vão falar aquele povo ali não gostei, né! Teve um motorista de Salvador que chegou aqui e falou: moço eu não sabia que aqui era tão gostoso, quando a gente chega da pousada não avisam desse comercinho aqui! (J. P 80 anos) No final do ano tem muita gente, barraca do lado de lá, barraca do lado de cá. Sei que vem uns todo ano, pessoal de Seabra, de Itaberaba, outros de Lençóis. No São João mesmo juntou um grupinho para passar aqui com a gente, não ficaram na pousada não! E ficamos na fogueira comendo amendoim, milho assado, farreando aqui (M. S, 37 anos) As vezes tem turista aí, que chega na pousada quando desce aqui, falam: eu to aí já tem uma semana, e não sabia que tinha esse povoado aqui. O pessoal da pousada não fala. Muitos vem aí e não sabem que existe isso aqui não! Acham que da pousada para lá. Quando descobrem aqui, se encantam por aqui e falam “nossa que lugarzinho bom”! (M. B, 42 anos)
142
Comparando as respostas das senhoras e dos mais jovens, percebe-se que
os sentimentos e a identidade esta mais aflorada com os mais velhos. E a opinião
dos jovens é mais restrita. Sobre a possibilidade de receberem turistas, , sentem
dificuldade de visualizar os recursos econômicos; já outros acham que com a
capacitação de guias e o conhecimento da história local, podem melhor estruturar a
atividade e ate mesmo retorno financeiro com o turismo.
Sempre é mainha que recebe o visitante quando chega aqui. Sempre é ela, porque ela fica sempre varrendo a rua aqui, aí o pessoal vem falar com ela (...) as vezes eles querem conhecer algum lugar ai os meninos vão lá e levam (...) quanto os guias da pousada, eles trabalham por lá, a gente não tem contato não, nem ninguém da prefeitura (M. B, 40 anos)
O que eu acho eu acho é o seguinte, tem que capacitar de conhecer vários lugares. No caso o movimento aqui é só no final de ano. Ao invés de chamar alguém de lá (associação de guias) para guiar eles, se tivesse alguém capacitado aqui já ganhava esse dinheiro. Para eles aprenderem e eles mesmos guiarem. Tem as Três Barras, tem a Donana, se eles conhecessem bem, já não precisava chamar outros! Tem tantas plantas e flores bonitas, se eles guiassem já iam mostrando. Tem muita trilha perigosa, então eles precisam ser treinados. (A. V, 35 anos)
Comparando as falas acima, identifica-se a existência mesmo mínima do
processo de turistificação do espaço. Efetiva-se o afastamento das atividades deste
empreendimento e os aspectos socioculturais da comunidade Passagem. Afirmam
também que para exercício profissionalizante na atividade turística precisa de
capacitação para um serviço de qualidade, mas reforçam apoio ainda não existe.
5.1.1 A infra-estrutura de apoio turístico
O Estado, nos últimos anos vem realizando intervenção na Passagem, cuja
ação do poder publico se fez presente por meio da Secretaria de Infraestrutura da
Prefeitura Municipal de Andaraí (FOTO 47 a 50). Foram construídos quiosque e
palco para eventos além do calçamento e construção de banheiros públicos no
povoado. O objetivo foi revitalizar a praça principal da comunidade, realizar coleta
frequente do lixo, e realizar trabalhos de capinação antes inexistente.
143
ANTES DA REVITALIZAÇÃO DEPOIS DA REVITALIZAÇÃO
Praça Santo Antônio
FOTO 47 – Praça sem calçamento Arquivo particular. SOUZA- 2011
Praça Santo Antonio
FOTO 48 – Construção de Quiosque Arquivo particular. SOUZA- 2016
Acesso ao rio Paraguaçu, pelo povoado
FOTO 49– Acesso sem capinação. Arquivo particular. SOUZA- 2011
Acesso ao rio e banheiro público
FOTO 50– Construção de banheiro público e melhoria do acesso. Arquivo particular. SOUZA- 2016
Outra estratégia da prefeitura foi organizar o comércio de produtos, como
refeições, que ocorriam nos domicílios, estimulando os moradores a
comercializarem produtos no quiosque, e a receberem visitantes, e ao mesmo tempo
novos moradores se apropriaram do local.
144
FOTO 51 – Ponto de apoio do turismo no território. ROCHA, 2016.
A moradores começaram a vender comida caseira, salgados, sucos naturais,
licores, doces e geleias naturais, xarope caseiro, dentre outros atrativos da
gastronomia local. (FOTO 51). Outros equipamentos ligados a infra estrutura é a
Pousada Ecológica (FOTO 52 ), e o restaurante do Malhado (FOTO 53 ), na
margem direita do rio Paraguaçu - o Hotel Paraguaçu e os Espaço de Evento no
Balneário do Paraguaçu (FOTO 54), o Artesanato e Mirante Toca do Morcego
(FOTO 55).
FOTO 52 - Pousada Ecológica. ROCHA, 2017
Possui 130 leitos
Auditório
Parque
Campo de futebol
Restaurante/ bar
Piscina
Loja de conveniência
Serviço de guia turístico
145
FOTO 53- Restaurante Malhado Guia. ROCHA, 2017
FOTO 54 – Balneário do Paraguaçu. ROCHA, 2017
FOTO 55 – Toca do Morcego. ROCHA, 2017
Serve comida típica com
especialidade – o tucunaré
Comida caseira
Serviço de guia turístico
Espaço de Eventos
Local do Reivelon das Aguas
02 restaurantes, com especialidade
no churrasco e peixes
Área de lazer
Serviço de guia
Banheiro publico
Fabrica e loja de artesanatos com
destaque a esculturas em pedras e
cristais
Acesso ao Mirante do Poço da
Donana
Cabanas (albergues)
Lanchonete (especialidade açaí e
tapioca)
Estacionamento
146
5.1.2 Os atrativos locais
a) Naturais
Na atualidade o povoado é caracterizado por suas belezas naturais,
principalmente por estar próximo a atrativos turísticos, como o rio e o cânion do
Paraguaçu (FOTO 56) e o rio Piabas (FOTO 57). A pratica de esportes (futebol de
areia, a natação, stand up paddle) e a pesca esportiva, vem ampliando as atividades
turísticas no território.
FOTO 56 – Balneário do Paraguaçu. ROCHA 2016
FOTO 57 – Trilha de acesso ao rio Piabas. ROCHA 2016
Rio bastante frequentado por
banhistas
Local propício a realização
piqueniques e acampamento
Possui equipamentos de apoio a
atividade esportiva e alimentação
tanto no Povoado (margem direita),
quanto no espaço de eventos
(margem esquerda), dando suporte
aos visitadores e turistas.
Local de fácil acesso a partir de
trilhas saindo do povoado
As praias extensas e não são
íngremes, utilizadas para pratica de
esportes de aventura e para
caminhadas, principalmente publico
de idosos
Próximo a matas pouco exploradas
Utilizado por banhistas para
piqueniques
As águas percorrem profundidades
rasas, favorável para publico infantil
147
FOTO 58 – Cachoeira da D’onana. ROCHA 2016
O espaço de lazer para os moradores é o próprio ambiente (acesso ao rio
para banhos, e as trilhas a algumas cachoeiras (FOTO 58), os piqueniques e
acampamentos sob as arvores da mata e nas proximidades das margens do rio,
atraindo visitantes
b) Culturais
O marco cultural da localidade é a forte influência do Jare - Religião de
matriz africana, típica e exclusiva da Chapada Diamantina (circuito do diamante),
praticas em Lençóis e Andaraí - as rezas, as benzedeiras, uso de ervas para os
remédios caseiros e na culinária.
Os festejos são destaque no território, dentre eles são comemoradas a
Lamentação das Almas (o terno das almas na Semana Santa) a Festa de Santo
Antônio, o retiro da igreja católica no dia da festa de São José, Reza de São Cosme
e São Damião, e Festa de Santa Bárbara.
a) Festejos de São José – ocorre através de retiro na igreja de São José realizado
pela igreja católica no dia 19 de maio (dia de São José). (FOTO 59)
Local de difícil acesso a partir do
Mirante da Toca do Morcego.
As corredeiras da cachoeira da Donana,
atraem os turistas que costumam
escorregar pelas suas águas e
fisiografia imgreme.
Evita-se acesso em períodos de chuva
devido as trombas dagua e risco de
acidentes.
148
FOTO 59– Retiro dos católicos. ROCHA, 2017 FOTO 60 – Momento de partilha. ROCHA, 2017
Ocorre uma caminhada da sede do município (cerca de 4 Km) até o
povoado. Durante o dia são realizadas leituras bíblicas, reflexões e partilha.
Momentos de oração e fortalecimento da fé católica.
b) Festa de Santo Antônio – Ocorre do dia 13 de junho, tradição perpetuada pelos
moradores.
FOTO 61-Tradição de montar altar FOTO 62-Tradição da familia de Antonio Pereira ROCHA, 2017 (in memoriam) ROCHA, 2017
Se fazia comum quando as pessoas recebessem o nome de um santo teria
que efetuar a reza do santo protetor. Como os primeiros moradores do povoado
receberam nomes de Antônio, no dia do referido santo, todos os “antonios” se
reuniam e faziam uma festa coletiva. Assim, se perpetuou a tradição de se
comemorar a festa de Santo Antônio da Passagem.
149
FOTO 63- Missa campal. ROCHA, 2017 FOTO 64 - Aniversário do morador Antonio de Souza No dia de Santo Antonio. ROCHA, 2017
Após a missa de Santo Antônio na capela do povoado, as famílias que tem
ou já tiveram membros por nome de Antônio, realiza a reza (domicilio) com leitura de
oficio e distribuição de comidas, bebidas e lembrancinhas.
c) Espaço de visitação – símbolos do Jarê
FOTO 65 - Sincretismo no altar “Peji” FOTO 66 – Referencia ao “Jarê” . ROCHA, 2017 Acervo de familia. ROCHA, 2016
O jarê é um segmento da cultura afrodescente que acontece apenas na
Chapada Diamantina. O evento de culminância com danças, e referencia aos orixás.
Varias casas do povoado possuem altares – denominados peji; pois alguns dos
antepassados eram lideres religiosos, e após a morte desses lideres, as famílias
mantem a tradição de conservar o peji. Sendo utilizado como lugar de realização de
150
pedidos e de agradecimentos aos santos representados pelo sincretismo religioso.
Dentre os patrimônios arquitetônicos e religiosos estão a igreja de São José e a
Capela de Santo Antônio (FOTO 67 a 68):
Igreja de São José
FOTO 67 – Igreja de São José. ROCHA, 2016
A igreja de São José foi construída na formação do núcleo populacional
decorrente do garimpo, datado aproximadamente do século XIX. Prédio histórico,
que estavam em ruinas e nos anos 2000 uma antiga moradora “Neme”, resolveu
aproveitar a fachada ainda existente e reconstruir o patrimônio. O marco do cruzeiro
faz parte do conjunto arquitetônico. A igreja é aberta para visitação nos festejos de
são Jose em maio.
Capela de Santo Antônio
FOTO 68 – Capela de Santo Antonio. ROCHA, 2016
151
Por iniciativa popular a capela de Santo Antônio construída pela moradora
“Zizinha” in memoriam, que doou parte do terreno de sua propriedade para erguer a
capela. Segundo moradores achava que um povoado não poderia ficar sem uma
igreja, já que a igreja de São José estava em ruínas. A construção se deu no ano de
1986, em uma procissão de romeiros da sede do município em caminhada até o
povoado. A capela vem sendo cuidada pelos próprios moradores e nos finais de
semana esta aberta a visitação.
Dentre os patrimônios arquitetônicos e históricos do povoado, estão as
ruinas do cemitério, que encontra-se abandonado, e hoje o local encontra-se de
difícil acesso, sendo tomado pela vegetação arbustiva.
c) Síntese do calendário de eventos da localidade (QUADRO 19)
PERIODO EVENTO
Abril Terno das almas
Junho Reza e celebração de Santo Antônio
Agosto Senhor do Bonfim
Setembro São Cosme e São Damião
Dezembro Santa Bárbara e Reveilon
QUADRO 19 - Calendário de eventos. Elaboração. Rocha, 2017
Estas representam o sincretismo religioso presente na historia local. O
acolhimento dos moradores é considerado atrativo pelos que visitam o povoado,
fazendo com que se sintam a vontade.
“Tem uma coisa peculiar aqui, que o próprio povo – as figuras típicas do lugar” (A.S.- Visitante)
“ Gostamos mesmo do aconchego que os moradores tem quando venho aqui na Passagem... me sinto em casa” (F.G. – visitante)
O cuidado e atenção entre moradores, e o relacionamento afetivo entre as
famílias, na qual compartilham momentos bons e ruins da vida cotidiana são
perpetuados. Dessa forma a memória expressada pela vivência cotidiana relaciona-
se a cultura e às tradições, e o compartilhar da sentido ao território.
152
Fazendo um paralelo as reflexões de SOUZA (1995) a identidade territorial
vai alicerçar a funcionalidade e os papeis definidos a partir das características dos
agentes que ocupam o território, com intencionalidades e interesses coletivos.
Assim, entendeu-se a partir daí, a importância da identidade territorial e dos papeis
que cada família exerce na comunidade, como um arranjo em sistema integrado, no
qual as funções de cada um são compreendidas pelo grupo.
d) Cultura étnica e saber popular
O saber popular é mais um recurso em potencial no território, destacados
pelas mulheres chefes de família:
FOTO 69 – Coleta de ervas medicinais FOTO 70 – Coleta do coco de dendê (azeite) ROCHA, 2017 ROCHA, 2017
As funções que cada uma dessas mulheres exercem no território, são
marcadas pelo respeito e pelo compartilhar solidário (FOTO 69 e 70). A figura
feminina se faz muito presente na comunidade e assim as expressões simbólicas
nas múltiplas relações sociais são preponderantes na afirmação das territorialidades
apresentadas. Revisitando Castells (2010) “as comunidades locais, construídas por
meio da ação coletiva e preservadas, constituem fontes específicas de identidades”.
153
FOTO 71 - “Mae” parteira e rezadeira. FOTO 72- “conselheira” e raizeira. ROCHA, 2017
ROCHA, 2017
As imagens representam o respeito as tradições, o respeito das gerações mais
novas, em relação aos velhos (FOTO 71 e 72). Bem como o saber direcionado ao
cotidiano da vida no território, tanto na alimentação (FOTO 73 e 74) quando na
preservação das tradições.
FOTO 73 – Seleção de café, moído artesanalmente. FOTO 74 - Visitante coletando frutas ROCHA, 2017 ROCHA, 2017
As atividades cotidianas chamam atenção dos visitantes em quererem
compartilhar das ações realizadas pelos moradores. A metodologia etnográfica nos
154
fez interagir com questões pertinentes ao cotidiano das famílias (FOTO 75 e 76), e a
relação com os visitantes que chegam a Passagem.
FOTO 75 – Registro do cotidiano do território. ROCHA, 2016 FOTO 76 – O cotidiano na lavoura. ROCHA, 2017
Os visitantes em geral costumam vivencias as tarefas domesticas e o
trabalho na coleta de frutas dos pomares do território. Assim fazer parte do dia a dia,
vem atraindo principalmente perfil de turistas da Terceira Idade.
Ao final das oficinas de sensibilização, foi criado o mapa de atratividade dos
equipamentos turísticos no território, concretizando a articulação comunitária. Com a
técnica da cartografia social, houve a sobreposição de imagens de satélite, para
localização dos recursos turísticos (FIGURA 6). Em seguida foi construído um croqui
detalhando através de mapeamento os atrativos, constando tanto os equipamentos
e serviços, a infraestrutura turística de apoio ao turismo e delimitação do patrimônio
natural e cultural. O mapa mental impacta no exercício sobre a memoria coletiva, em
uma atividade que ao se fazer o coletivo.
155
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201
6.
156
6. PLANO DE DESENVOLVIMENTO DO TURISMO
“Em toda dimensão e territorialidade o Brasil nunca será um só, nunca será só um; será sempre Brasis, convergindo e divergindo do Oiapoque ao Chui do Leste ao Oeste do Norte ao Sul. Sendo sua identidade construída e reafirmada na diversidade e justamente no movimento democrático preestabelecido em decorrência desse embrolho social”
(J.W. Papa)
Nesta última etapa de projeto de intervenção, os esforços foram
direcionados à construção do plano turístico para potencialização do turismo de no
território Passagem - objeto deste projeto. Retomando a base metodológica da
pesquisa ação participante, destaca-se o seu caráter exploratório e a elaboração de
prognósticos diante da realidade interventiva.
A princípio, após estar sistematizado e caracterizado um território pelo
grupo, já ter o (re) conhecimento das potencialidades, dos atrativos e dos serviços
turísticos, foi possível compreender que a comunidade pode gerar atratividade para
turistas no município, porem há necessidade de consolidar as estratégias que
culminam no plano turístico para melhor conduzir as ações estratégicas.
É importante estar claro para o grupo que o plano é um documento
relacionado a um determinado espaço de tempo, que traz uma descrição mais
abrangente das decisões tomadas, abordando temas amplos e integrados ao
objetivo proposto pelo grupo (KUMMER, 2002 p.133). Após consolidar os momentos
de reflexão, se construir planejamento das atividades, identificação, caracterização,
análise e decisão, potencialidades e desejos detectados, tais elementos entraram no
plano de forma mais ampla, no qual poderá elencar em seu conteúdo projetos para
legitimar o proposito da comunidade, quando ambos convergem em um único
objetivo em prol do bem comum.
Antes da consolidação do plano turístico, foram adotados parâmetros
qualitativos para identificar as possibilidades de impacto decorrentes da inserção e
implementação do Plano de Desenvolvimento do Turismo. Assim analisou-se a partir
de indicadores diagnósticos durante o projeto, sinalizando impacto positivo ou
negativo no preenchimento do QUADRO 20:
157
DESCRIÇÃO IMPACTO ATENUANTES
Qualidade da água Positivo
Rede de transporte Positivo
Ecossistema Positivo
Terras agrícolas Positivo
Sítios arqueológicos Positivo
Recurso histórico Positivo
Poluição sonora Negativo Proposição de regras para os visitantes com sinalização
Comunidade Etnica Positivo
Uso da energia Positivo
Base tributária Negativo Dialogo com o setor tributário
Visibilidade da comunidade Positivo
Mao de obra Positivo
Custo da terra Negativo Dialogo com especuladores imobiliários
Custo da moradia Negativo Dialogo com especuladores imobiliários
Problemas sociais Negativo Pratica do turismo com capacidade de carga controlada
Atividade econômica Positivo
QUADRO 20 - Impacto do Plano de Desenvolvimento do turismo. Adaptado de Programa Nacional de municipalização do turismo (BRASIL, 1997). ROCHA, 2017
a) Aspectos positivos: com a divulgação e visibilidade com o processo de
turistificação do espaço, existe a tendência de maiores investimentos do
poder publico e da sociedade civil, para que ocorra o abastecimento de água,
manutenção dos serviços públicos (limpeza e coleta), agenciamento do
produto turístico. Outra expectativa é de que patrimônios que estão
abandonados como o cemitério e trilhas dos antigos garimpeiros sejam
revitalizadas; bem como a consolidação da identidade enquanto atrativo. A
partir desses aspectos a atividade econômica do turismo, negociação de
produtos da agricultura familiar, como o escoamento de frutas advindas dos
pomares e hortaliças orgânicas podem gera impacto positivo para sua
produção.
158
b) Aspectos negativos e atenuantes: ampliando o fluxo de visitantes de maneira
controlada, há de se implantar regras para se evitar o uso abusivo de carros
de som. A pratica do controle da capacidade de carga, pode inibir problemas
sociais . No entanto, ampliando o turismo local, consequentemente pode
aumentar a busca pela especulação imobiliária, aumento de impostos, e
comercialização (venda) de propriedades para visitantes e turistas que se
sentirem atraídos pela vida bucólica do povoado.
É pertinente lembrar a necessidade de um mínimo de organização e
mobilização comunitária para se resolver os problemas a serem elencados e
subsidiar o plano de ação. Os principais entraves à articulação do turismo local
levam a não inserção do território nas rotas turísticas consolidadas. Sem um produto
turístico, e subsídios para facilidades de acesso, serviços adequados e infra-
estrutura básica, torna-se difícil a produção do território turístico.
6.1 AVALIAÇÃO DO POTENCIAL TURISTICO
Para construção do projeto de intervenção houve o cuidado de propor
coletivamente através de reuniões e rodas de conversa a criação princípios e
estratégias que conduzirão a (re)produção do espaço a partir do turismo de base
comunitária.
PRINCIPIOS:
a) Conhecer a história local e sua cultura
b) Criar e/ou fortalecer um grupo que reflita sobre as questões locais
c) Potencializar as identidades territoriais
d) Promover a justiça social e econômica
PESPECTIVA:
a) Prognóstico territorial
b) Roteiro etnográfico (percepção sobre o turismo comunitário de base
territorial)
159
“DE MAOS DADAS PARA O FUTURO”
TEMA: Planejar para melhor qualificar a atividade turista
OBJETIVO: Construir ações estratégicas para articulação do potencial turístico, desencadeador do turismo de base comunitária.
AÇÃO REALIZADA
Roda de conversa, execução de oficina temática, apresentação de propostas para montagem do plano de ação sobre o turismo de base territorial.
RECURSOS Maquina fotográfica, Piloto, Papel Metro Branco
IMPACTO DA ATIVIDADE
Montagem de prognóstico para o turismo local e plano turístico
QUADRO 21 – Roteiro para o planejamento do espaço turistico, ROCHA, 2017
Nesta etapa o foco foi iniciar a construção do planejamento estratégico e
operacional, através de cartazes apresentando das fortalezas, fraquezas,
potencialidades e ameaças para o desenvolvimento da atividade turística na
comunidade ao qual definiu o caminho a ser trilhado, para alcançar uma situação
melhor de desenvolvimento do turismo.
No processo de planejamento a estruturação e organização das ações
obedecerão a uma intencionalidade e corresponde ao diagnóstico participativo (DP);
que prevê portanto, a necessidade da comunidade se organizar para ações futuras
(KUMMER, 2007).
Preencheram um quadro em que foram sistematizados passos para o
exercício em grupo. Em geral o processo conduziu a reflexão dos objetivos
propostos. Como produto nesta etapa a construção da síntese do planejamento será
executável conforme a necessidade do grupo. Espera-se que as questões
envolvendo articulação comunitária, ações do Estado (políticas públicas) e questões
sociais sejam discutidas e refletidas no coletivo.
Oficina 1 - apresentação da importância do planejamento turístico,
aspectos conceituais, detalhamento das estratégias locais;
160
FOTO 77 - Apresentação da proposta da oficina. ROCHA, 2017 FOTO 78 – Detalhando o objetivo da proposta. ROCHA, 2017 FOTO 79 – Exposição da proposta relacionando ao cotidiano, ROCHA, 2017
As atividades foram alicerçadas pela sensibilização das famílias, na
abordagem integrada das informações, na historicidade dos moradores e
abordagem sobre o cotidiano (FOTO 77 a 79) As atividades propostas direcionaram
a uma possível reflexão e sistematização de informações presentes em cada
encontro ocorrido. Assim, todas as operações mentais desencadeadas durante o
planejamento, estabelecem subsídios para construção do produto final que é o plano
operacional (KUMMER, 2000)
Oficina 2 - construção de instrumentos para avaliação dos recursos enquanto
potencialidade turística;
161
FOTO 80, 81 e 82 - Registro das propostas por grupo de trabalho. ROCHA, 2017
Diante dessa atividade, vale ressaltar que desde o cumprimento das
primeiras oficinas, as devolutivas da comunidade e a discussão dos dados já se
configuraram como um processo participativo (FOTO 80 A 82). No entanto, o
planejamento é um momento sistemático de decisão e divisão de tarefas; deve ser
adaptado ao contexto do grupo, tornando um momento de aprendizagem e
autocritica (COELHO, 2005 p.102).
Oficina 3 - delimitação do prognóstico identificado por representantes dos
segmentos de artesãos, guias, proprietários de bares, restaurantes e visitantes
(FOT0 83)
FOTO 83 - Grupo de visitantes. Rocha, 2017
162
Assim, após a roda de palestras, o grupo refletiu sobre os conhecimentos
socializados e em seguida completaram o quadro com as propostas em que serão
sistematizados passos para o exercício em grupo. A construção da síntese do
planejamento será executável conforme a necessidade do grupo. Espera-se que as
questões envolvendo articulação comunitária, ações do Estado (políticas públicas) e
questões sociais sejam discutidas e refletidas no coletivo, em um processo que não
se torna conclusivo com a intervenção supracitada.
O resultado das oficina sobre ao fortalezas e fragilidades enfrentadas pelos
moradores diante do turismo (QUADRO 22 ).
FRAQUEZA
Não valorização do povoado pela população do município
Infraestrutura precária (abastecimento, sinalização)
Divulgação inexistente Pouca organização dos comerciantes
locais
OPORTUNIDADES Acolhimento Hospitalidade Culinária Figuras típicas Bons casos Amizade Natureza
FORÇA Aconchego Sossego Tranquilidade Paz Interação dos visitantes com os
moradores
AMEAÇAS Falta de interesse e organização no local Comunicação e divulgação dos
empresários do ramo turístico Não articulação do poder público e
comunidade
QUADRO 22 - Síntese fortalezas e fragilidades do território . Rocha, 2017
6.1.1 Qualificação dos recursos
Apresentação das fichas de trabalho aplicadas aos participantes do projeto,
conforme inventário das potencialidades turísticas foi consolidado no QUADRO 23:
QUALIFICAÇÃO DOS RECURSOS
DESCRIÇÃO A B C D E F G H I J K L M N O
1.Herança cultural
1.1 Locais B B F F M M M F B M M B M B F
1.2 Construções B B F F F F F F B F B F M F F
1.3 Entorno B B B B F F B B B B B B B B B
1.4 Monumentos B B B - - - - B B - - F F - -
2 Caraterísticas Naturais
2.1 Clima B - - - - - - - - - - - - - -
2.2 Paisagem B - - - - F - - - - - - - - -
163
2.3 Topografia B - - - - F - - - - - - - - -
2.4 Cachoeiras B - - - - F - - - - - - - - -
2.5 Rios B - - - - F - - - - - - - - -
2.6 Vegetação B - - - - F - - - - - - - - -
2.7 Lagos M - - - - M - - - - - - - - -
2.8 Vistas/ Mirantes B - - - - F - - - - - - - - -
3 Áreas de Recreação
3.1 Parque B B B B F F B B B B B B - B B
3.2 Clube B B B B F F B B B B B B - B B
3.3 Camping F B B B F F B B B B B B - B B
3.4 Área para piquenique B B B B F F B B B B B B - B B
3.5 Quadra B B B B F F B B B B B B - B B
3.6 Piscina B B B B F F B B B B B B - B B
3.7 Parque Temático - - - - - - - - - - - - - - -
4. Atividades Cotidianas
4.1 Comércio B B B M F M M M B F B M F F F
4.2 Recreação/ lazer F B M F F B F F B F B F F F F
4.3 Religiosidade B B B - B F F F B F B F F F F
4.4 Gastronomia B B M B - B M F B M M M F F M
5 Eventos Especiais
5.1 Festivais B B B B B B B B B M M B F B F
5.2 Festas religiosas B B B B - B B B B F B F F B B
5.3 Feriados B B M M M F M M B M B B F B F
5.4 Feiras - - - - - - - - - - - - - - -
5.5 Seminários, afins - - - - - - - - - - - - - - -
5. Atrações Étnicas
5.1 Atrações étnicas - - - - - - - - - - - - - - -
5.2 Artesanato - - - - - - - - - - - - - - -
5.3 Estilo de Vida B B - F - F F M B F B F F F F
5.4 Formas de Trabalho F B F - - F F F F F M F F F F
5.4 Manifestações Culturais
F - - - - F - F M F M F F F F
5.5 Gastronomia B B M B - B M F B M M M F F M
6 Atrações Culturais
6.1 Teatro - - - - - - - - - - - - - - -
6.2 Museus - - - - - - - - - - - - - - -
6.3 Centros Culturais - - - - - - - - - - - - - - -
6.4 Galeria de Arte - - - - - - - - - - - - - - -
QUADRO 23 - Qualificação dos recursos no território. ROCHA, 2017
164
VALORES QUALITATIVOS: Bom (B) Médio (M) Fraco (F)
LEGENDA: A – Dimensão F – Impacto Social K – Adaptação Mercado B – Localização G – Impacto Econômico L – Nivel de Utilização C – Tipos de Instalação H – Nível de Desenvolvimento M – Adaptação Política D – Qualidade Profissional I – Potencial de Desenvolv. N – Capacidade de Carga E – Impacto Ambiental J – Adaptação Mercado O– Potencial de competitividade
Avaliação da qualificação dos recursos
Os recursos referem-se aos aspetos naturais, culturais, aspetos do cotidiano
presentes no território, com potencial de se tornar atrativo turístico se forem
utilizados para motivar visitação da população através do turismo. Por ser
considerado recurso potencial, alguns deles ainda não estão consolidados como
atrativo ligado ao setor do turismo. O reconhecimento só consolidará se for
incentivado, e compor uma rede com roteiro bem definidos. Assim foi analisado a
principio a realidade socioeconômica das famílias participantes no projeto.
A relação do turismo com a ocupação dos moradores no mercado de
trabalho, ainda é mínima, como aparece na caracterização do mercado de trabalho
(GRÁFICO 1):
GRÁFICO 1 – Ocupação dos moradores no mercado de trabalho. Pesquisa de Campo. ROCHA, 2017.
0
1
2
3
4
5
6
7
8
Ocupação no Mercado de Trabalho
Programa Social
Aposentadoria
Empreendedor turístico
Trabalhador formal
Trabalhador formal(turismo)
Desempregado
165
Observou-se que dentre as 10 famílias pesquisadas, apenas 02 moradores
do povoado trabalham no ramo do turismo, 01 como empreendedor e outro como
trabalhador formal no ramo, na atividade de garçom em pousada. Destacando que o
turismo não é a única fonte de renda para a população residente. O turismo é uma
possibilidade de diversificar a economia e suplementar a renda dos moradores. Em
relação ao morador que está desempregado realiza trabalho informal relacionado ao
turismo, mas não possui mão de obra qualificada para o setor. Observou-se também
que os moradores não possuem formação profissional ligada ao turismo.
Os investimentos estão em expansão no território, surgindo serviços como
guias locais, restaurantes com características peculiares ao território, serviço de
aluguel de barcos, pranchas para prática de esportes náuticos, a nível de
investimento privado; quanto aos investimentos públicos, houve a inclusão do
povoado no calendário de eventos do município para 2018, denominado “Som de
Passagem” com o objetivo de realizar shows durante o ano; além dos investindos já
consolidados com o Reveillon das Águas, no balneário do rio Paraguaçu, que
indiretamente impacta com aumento de visitantes na Passagem.
Os eventos religiosos também conseguem atrair visitantes ao povoado. As
atividades culturais são expressivas e podem atrair a própria comunidade que
apoiara o desenvolvimento da área turística como forma de beneficiar-se com a
ampliação das expressões da cultura.
Durante maior parte do ano o fluxo da economia ligada ao turismo é baixa,
sendo que o movimento se intensifica durante o evento do Reveillon, toda a rede
turística do município é impactada com volume nos negócios. Os festejos religiosos
que ocorrem 04 vezes ao ano (lamentação das almas, são Jose, santo Antônio, são
Cosme e Damiao), associam a parceria com a igreja católica – festas sagradas!
As caraterísticas espaciais da Passagem é de um povoado composto por
duas praças e vielas. A vida social dos moradores e visitantes restringem a praça
principal - Santo Antônio, onde possui uma capela e um quiosque (bar e restaurante)
que atraem pessoas ao convívio social. O patrimônio arquitetônico se configura pela
existência de casas seculares, cuja falta de conservação dos imóveis, geram estado
de degradação. Portanto, o processo de revitalização possibilitaria maior condição
de receptividade e atratividade ao local.
166
O acesso a alguns atrativos naturais precisam de limpeza, e os órgãos
municipais devem ser mobilizados para uma ação imediata, pois os resultados
possibilitara embelezamento das vias de acesso ao povoado, benefícios a
autoestima da comunidade, consequentemente estimulo ao turismo. A atividade
recreativa de uma única natureza, o visitante gosta de frequentar o povoado
pensando em um ambiente de convivência comunitária, de aconchego e
tranquilidade. No entanto por não possuir um inventario turístico ainda legitimado, há
pouca expressividade de visitas as trilhas do povoado.
Considerando as características naturais, a riqueza ambiental está bem
preservada pelos moradores e visitantes; ressalta-se no entanto, os lagos que
foram criados em decorrência da extração de diamantes onde ficaram enormes
crateras que ao longo do tempo formaram lagunas, e são utilizadas pela população,
como grandes reservatórios de deposição hídrica. A paisagem natural são bem
exploradas por guias turísticos e por hospedes dos hotéis do entorno.
As áreas de recreação avaliadas favorecem as atividades esportivas ligadas
ao ecoturismo, e uso dos recursos naturais, a exemplo das margens dos rios, e mata
ciliar são utilizadas para piqueniques e acampamentos. Empreendedores ofertam
nas pousadas e hotéis do entorno, espaços de lazer internos dos empreendimentos,
estando em boa conservação e oferecendo monitoramento dos profissionais da rede
hoteleira para uso de piscina, quadra, clube, espaço para evento.
Quanto aos recursos de herança cultural, merecem destaque a dimensão e
valores culturais historicamente comprovados no território, bem como o potencial de
desenvolvimento que existe e precisa ser divulgado como atrativo. Por enquanto, a
capacidade de carga esta controlada, pois ainda não é um destino turístico. Há
necessidade de investimento em pessoal, qualidade para expor a herança cultural
existente. Destinos já consolidados como o distrito de Igatu e o Vale do Patí, são
referencias na Chapada Diamantina, associando os atrativos naturais aos culturais
(historia local), dos tropeiros e garimpeiros.
No entanto as atividades cotidianas merecem um destaque maior na
avaliação da qualidade dos recursos, pois embora latente, ainda não foi identificada
a apropriação dos recursos étnicos e culturais existentes por parte das famílias
pesquisadas. A exemplo existem no território ainda em evidencia a presença das
idosas benzedeiras, da visitação a pomares e coleta de frutos pelos visitantes,
167
exposição da historia do garimpo, acervo fotográfico (capela de Santo Antônio),
produção de farinha, remédios caseiros a partir de plantas medicinais ou feitura do
azeite de dendê são expressões da cultura local, evidenciada no território e com
grande potencial. Merecem incentivo e qualificação na exposição desses atrativos,
agregando valor ao produto turístico do território.
As atividades cotidianas desenvolvidas no comercio e nos negócios do
povoado, ainda são incipientes. Ampliou-se o ramo imobiliário e se serviços, porém
de maneira esporádica sem investimentos no setor, ou qualificação da mão de obra.
Os recursos gastronômicos, já vem se consolidando com a comida caseira a base
de galinha caipira e peixe (tucunaré) assados, bem procurados pelos visitantes. Uma
caraterística diferenciada é a possibilidade do visitante levar petiscos, ou
carnes/peixes para serem assados no quiosque localizado na praça Santo Antonio,
onde são ofertados churrasqueira pública.
Ainda sobre as atividades cotidianas a religiosidade é marcante, pois o
povoado já foi local de realização do Jarê, expressão cultural típica da Chapada
Diamantina, com forte influência da cultura dos escravos que vieram trabalhar
garimpo nos primórdios da historia da Chapada Diamantina, o sincretismo religioso
se fortaleceu nesse contexto. Existe espaços que são utilizados para visitação do
publico, onde símbolos do Jarê são ainda conservados, recurso este pouco
divulgado, cujas visitas são esporádicas nesse espaço sagrado. As manifestações
artísticas e culturais são incipientes, se consolidando o grupo chamado Terno de
lamentação das Almas (existente também na sede e no distrito de Igatu). O grupo se
apresenta no período da quaresma, mas os mesmos componentes realizam as
rezas de oficio uma vez por mês nas casas dos moradores, uma atividade cotidiana
no território.
Diante das questões observadas, os recursos naturais são favoráveis para a
pratica do turismo, pois exige baixo custo e necessidade de guias treinados para
acompanhar o turista nas trilhas e na visitação dos pontos em potencial. No entanto
os recursos culturais, étnicos e as atividades cotidianas, embora existam no
território, é um recurso ainda latente e em potencial no ramo do turismo no
município.
168
6.1.2 Fatores de infraestrutura turística
Na identificação da infraestrutura básica e turística foram analisados
aspectos referentes aos serviços, equipamentos e apoio do poder publico a
implementação da atividade turística. O QUADRO 24 aparece em detalhes a
abordagem relacionada ao apoio para o desenvolvimento do turismo, a partir de
avaliação técnica.
FATORES DE INFRA ESTRUTURA TURISTICA
DESCRIÇÃO A B C D E F G H I J K L M N O
1.Rede turística
1.1 Hotel B B B B F F M B B B B M M B M
1.2 Pousada B B B B M M M B B B B B B B B
1.3 Restaurante A B B B B F F F M B B B B M B B
1.4 Restaurante B B B F M F F M M B M B M M B M
1.5 BAR A B B B M F B B B B M B B M B M
1.6 BAR B B B B M F B B B B B B B B B B
1.7 BAR C B B B M F B B B B B B B B B B
1.8 Área Camping B B F F B F F F M M B F F F F
1.9 Albergue B B F F B F F F M M B F F F F
2. Estrutura Básica
2.1 Fornecimento de agua M B F - M M F F F F M F F - F
2.2 Coleta de Lixo B B B B F M F B B B B B B B B
2.3 Transporte M M M - - M M M M M M M M M M
2.4 Sistema viário B B B - - - B B B B B B B B B
2.5 Agenciamento F F F M - - - F F F F F F F F
2.6 Estacionamento B B B F - - M F B B B F F B B
2.7 Limpeza urbana B B B B B B B B B B B B B B B
2.8 Tratamento do esgoto - - - - - - - - - - - - - - -
2.9 Telecomunicações B B B B - - - B B B B B B B B
2.10 Rede elétrica B B B B - - - B B B B B B B B
QUADRO 24 - Fatores da infraestrutura turística. ROCHA, 2017
a) Avaliação da infra estrutura turística
A rede de infraestrutura turística foi impulsionada pela ação do Estado através
do governo municipal com investimentos na construção e revitalização de
169
equipamentos no povoado e entorno ocorridos no ano de 2014. Com a revitalização
do espaço de eventos no Balneário do Paraguaçu, construção de bares; bem como
a revitalização da praça e construção de um quiosque, e banheiros públicos na
Passagem, houve incentivo para o desenvolvimento do turismo quando estes
equipamentos foram instalados.
Dos 08 equipamentos existentes, apenas 02 existiam antes do processo de
revitalização promovido pela prefeitura. Destaque aos empreendimentos que foram
instalados após o processo de revitalização (GRÁFICO 2):
GRÁFICO 2 - Infraestrutura turística. ROCHA, 2017
A oferta de serviços que vem se consolidando esta no equipamento turístico:
quiosque (bar e restaurante) da praça principal, nos finais de semana e feriados, é
bem frequentado pela população da cidade, para apreciar a comida caseira e doces
artesanais. Um local tranquilo, com movimento controlado de visitantes, e ambiente
aconchegante. A qualificação dos moradores que vivem do comercio turístico,
precisa ser efetivada para promover maior qualidade no atendimento aos visitante,
na oferta de produtos, para competir no mercado turismo.
A infraestrutura para receber o turista, também precisa de maior qualificação.
A cessão de imóveis (alugados por temporada), ou quartos nas casas dos
moradores utilizados para pernoite de turísticas, devem ser planejados para esse
fim. A comercialização de espaço para camping, por exemplo, deve ser ofertada
com apoio de cozinha e banheiro coletivo, não apenas como local para montagem
0
0,5
1
1,5
2
2,5
3
Infra estrutura
hotel
pousada
bar
camping
alberg
loja
restaurante
agencia-guia
170
de barracas, o que torna o serviço desqualificado quando não há investimentos e
visão empreendedora.
Os serviços públicos de abastecimento de água e tratamento de esgoto são
inexistentes; o abastecimento de energia, e coleta de lixo existe de maneira
satisfatória. O transporte ocorre com ônibus escolar para os alunos que deslocam
para estudar na cidade; outra forma de deslocamento é através de taxi e mototaxi.
O agenciamento e pontos de informação é precário, ficando a cargo dos
proprietários dos equipamentos de infra-estrutura (bar, hotéis etc) fornecerem
informações aos visitantes e contratação de guias locais. O estacionamento
existente nas pousadas, restaurantes e praças públicas são satisfatórios para a
capacidade de visitantes existentes. Alertamos o cuidado com o banheiro público, a
limpeza da praça e estacionamento do povoado é voluntária, realizada pelos
moradores. A rede de comunicação ocorre através do acesso a internet e linhas de
celular, acessíveis ao visitante.
6.2 PROGNÓSTICO TERRITORIAL
A perspectiva da formação de um grupo para refletir sobre o turismo,
proporcionou descobertas, entusiasmo coletivo em torno do bem comum,
valorização da cultura e ambiente. Não há receitas prontas para se trabalhar com a
pesquisa ação participante através de uma intervenção social, desde a condução do
planejamento das atividades ao desencadeamento das ações efetivadas e sua
continuidade.
Uma intervenção social no contexto da ação participante que resultou em
várias lições aprendidas. No contexto do povoado Passagem, pensar de forma mais
efetiva o turismo local pelos moradores iniciou quando o poder publico iniciou as
primeiras intervenções, a partir da melhoria da infra estrutura básica (em 2010). Das
10 famílias inicialmente integrantes do projeto, ao final já se consolidou cerca de 55
pessoas que influenciam diretamente nas relações sociais do território.
Portanto, cabe neste momento analisar o projeto com base nos indicadores
enquanto um instrumento de mediação usado para indicar mudanças na realidade
social que se interessa, ou seja, apresenta evidencias concretas do andamento das
atividades, o alcance dos resultados e a realização dos objetivos propostos
(ARMANI, 2002).
171
O resultado da consolidação do projeto de intervenção pode ser
comprovado com o fortalecimento da organização comunitária objeto do primeiro
projeto de intervenção. A união do grupo e colaboração durante as atividades
elencadas na intervenção social, se perpetuou. A mobilização da sociedade como
princípio básico norteador das atividades, conduziu a maior participação, ao
incentivo e a demonstração dos resultados processualmente.
Avaliando o grupo de trabalho pode-se observar a valorização as
territorialidades construídas que também se transformam com o tempo, é pensar na
relação espaço-tempo, na relação identidade-território, na relação presente e futuro;
no embate contraditório da sociedade capitalista. A perspectiva é socialização de um
processo em que se transformam reciprocamente os sujeitos agentes do trabalho,
bem como os agentes multiplicadores das ações coletivas. O turismo de base local,
uma vez que, os moradores ainda detêm o controle da infra-estrutura e serviços
ofertados aos turistas, diante da demanda que surge na localidade.
Oficina 4 - fortalecimento de parcerias, elaboração do planejamento com a
divulgação das ações operacionalizadas e avaliação do projeto de intervenção.
De forma didática e contextualizada, mais importante que utilizar as
nomeclaturas ou conceitos, para o crescimento coletivo do grupo, o mais importante
foi compreender o significado do autoconhecimento no cotidiano dos moradores,
pensando nas crianças, nos adultos, nos idosos, nos visitantes que estavam juntos
na intervenção, ou seja, todo o contexto de mobilização social.
A cada encontro identificou-se o protagonismo das famílias, no
planejamento de ações. Assim o papel da mediação foi importante para conduzir as
estratégias de formação do coletivo e o fortalecimento da identidade territorial. No
final dos encontros a pauta do próximo encontro era discutida e as sugestões da
comunidade apresentadas.
A participação foi importante nas intervenções, com diálogo permanente, e
neste projeto em especial, no registro dos fatos da memória das pessoas, nos
produtos como os croquis, os cartazes, a base FOTOgráfica, o resgate das cantigas
de roda, ladainhas e brincadeiras da infância importantes no processo, para efetiva
compreensão do valor aos momentos passados permeado de subjetividade.
172
O compartilhamento nas relações de poder, importante na divisão de tarefas
e responsabilidades foi assumido pelo grupo. Ficou claro que o planejamento se
adéqua a realidade e contextos sociais, diante das necessidades dos sujeitos
envolvidos no processo (QUADRO 25). As diversificadas faixas etárias conduziram
diálogos produtivos e geracionais de respeito e parceria.
CONCEITO PARÂMETRO INDICADORES
Identidade territorial
Relação de pertencimento socioespacial e valorização das características subjetivas e objetivas suas mais diversas manifestações no fortalecimento do grupo
Contextualização do conceito pelos moradores, execução dos festejos populares, brincadeiras, ladainhas e hábitos coletivos resgatados pelos moradores Troca de conhecimentos sobre o as tradições e a historia local. Possibilidade de dialogar sobre a história local e sua opulência no passado
Memória
Construção da história local, as lembranças do povoado, para reflexão do contexto atual.
Construção de novos conhecimentos sobre a comunidade ; Participação popular; Protagonismo do grupo; Mobilização dos moradores para participação intergeracional.
Turismo
Respeito a realidade socioespacial, a cultura e os diferenciados saberes sobre a comunidade, na perspectiva de ações coletivas, e ações proativas relacionadas a sustentabilidade do turismo.
Ser representativo dos interesses da comunidade; Permitir mediações periódicas em torno do território turístico ( oferta de serviços e produto) ; Exercício do diálogo, tomadas de decisões coletivamente; Protagonismo das famílias no planejamento de ações na intervenção
Planejamento Atividade que antecede uma ação concreta, em um processo dinâmico, passivo de revisão e sistematização para alcançar os objetivos propostos.
Planejamento territorial remete a organização do espaço, formação de parcerias e legitimação da sociedade, torna-se um instrumento político de articulação social e por esse motivo conflitante.
QUADRO 25 - Parâmetros e indicadores conceituais. ROCHA, 2017
Avaliando o desempenho do projeto, compreendeu-se que a proposta foi
reconduzida comunitária e a segunda mais propositiva sendo, portanto, necessário a
interação com variados agentes e interesses. Para Silveira (2010),
Pressupostos nos ajudam a apreender que, nesse novo momento histórico, possuir uma identidade não mais significa inserir-se primordialmente em um núcleo imutável e atemporal que liga o passado ao presente, e este ao futuro, em uma linha ininterrupta forjada pelo apego à tradição ou por uma suposta fidelidade às origens. É, antes, a consciência e a possibilidade de se abarcar, o
173
mais amplamente possível, o jogo de semelhanças e diferenças presentes. (SILVEIRA, 2010, p. 87)
O fortalecimento da identidade territorial, e os vínculos comunitários
estabeleceram relação de confiança no projeto de intervenção, destacando que nos
projetos comunitários, nos estudos sobre desenvolvimento local sustentável,
(...) a forma de propiciar a participação e a intensidade com que esta ocorre dependem da cultura e do momento político de cada território. Assim, em relação à sociedade envolvida, não há receitas gerais para organizá-la, dimensioná-la, promovê-la. A participação real, efetiva, envolvendo um conjunto de atores sociais, é um processo complexo, demorado e que exige amadurecimento (...) um investimento político para formação de cidadania, capital social, de empoderamento dos atores sociais e da legitimidade das ações futuras (MIRANDA, 2002 p. 39)
Esboçando indicadores envolvendo metas e avaliação, o produto de uma
intervenção não é simplesmente relatar resultados, mas elaborar planos de
contingência através de indicadores. O projeto construído a partir de aspirações do
coletivo conduziu a se efetivar com maior autonomia e empoderamento do grupo no
território. A cada encontro identificou-se o protagonismo das famílias, a mediação de
conflitos ora existentes, sendo importantes para conduzir as estratégias para
consolidação do Plano para o turismo. Para Miranda (2002),
o certo é que não há receitas nem propostas prontas que assegurem
o protagonismo das comunidades nos processos de planejamento do desenvolvimento, uma vez que a realidade local será, sempre, o grande referencial que delineará limites e possibilidades de participação.
Após uma intervenção processual, ao longo de dois anos de trabalho, cabe o
seguinte recorte, que consolida o resultado efetivo e positivo da proposta efetivada
na comunidade, conforme a fala de uma das moradoras:
“Todo mundo que chega aqui em época de festa ficam admirados com a nossa união, porque a gente faz tudo é no meio da rua, junta todo mundo pra participar, não tem essa coisa de cada um no seu lugar não! Tem muito hotel, pousada que é muito chique, mas tem gente que não quer “chiquesa” não! E vem ficar aqui” (M.B 39 anos)
174
Para elaboração dos indicadores e responsabilidades conforme metas
estabelecidas, após compreensão dos conceitos adquiridos sobre o tema, avaliou-se
ser relevante investir no turismo comunitário de base comunitária, principalmente por
aflorar nos moradores do povoado o sentido de pertença, auto estima e terem
iniciado o dialogo com demais agentes sociais na consolidação de um território
turístico. O projeto a partir da viabilidade junto aos entes relacionados como
parceiros: comunidade, empreendedores, o poder publico, foram assim avaliados
(QUADRO 26).
INDICADORES DE ACOMPANHAMENTO E DE DESEMPENHO
Construção de conhecimento sobre o turismo, diante da participação territorial e protagonismo do grupo;
Compreensão dos objetivos em conjunto;
Ser representativo dos interesses territoriais;
Mediações periódicas em torno do turismo;
Ampliação do nível de conhecimento sobre implicações e decisões tomadas coletivamente;
Grau de autonomia e participação do grupo
Número de participantes regulares
QUADRO 26 – Indicadores de viabilidade do projeto de intervenção. ROCHA, 2017
É importante destacar que nesse momento os indicadores dão evidencias
das mudanças processuais ocorridas no grupo, de forma coletiva, e assim foi capaz
de fornecer indicações para evolução do processo. Seguindo o critério e cenário da
identidade territorial, foi apresentado no Plano (prognostico e estratégias para o
turismo de base territorial) a necessidade de potencialização e a identificação dos
atrativos turísticos, com base nas premissas do turismo comunitário. Considerando o
desenvolvimento de um Plano de Turismo há de se pensar em alguns aspectos
pontuais mais relevantes para se propor estratégias de desenvolvimento turístico,
com base na sustentabilidade local, tais como;
a) Recursos naturais – por estar bem próximo a uma unidade de
conservação, os recursos vem sendo preservados, embora não haja influencia de
ações efetivas da população do povoado;
175
b) População Sazonal – as pessoas do território não foram preparadas
para recepção de turistas os períodos de grande fluxo, ainda mantem uma vida
cotidiana, sem o foco na atividade turística;
c) A mão-de-obra – não há especialização da mão-de-obra, ou
treinamento especifico para produção de um roteiro, caso o visitante resolva
permanecer no povoado e realizar atividades de lazer;
d) Valores culturais – o cotidiano ainda permanece equilibrado, sem a
interferência de outras culturas ou sua massificação;
e) Qualidade de vida – como a população não vive exclusivamente dos
recursos provenientes do turismo, a renda que possuem de
aposentadorias e emprego pela iniciativa privada, proporcionam uma
qualidade de vida à população;
f) Geração de emprego – devido o processo de turistificação do espaço
ainda ser incipiente, ainda não existe o foco na geração de emprego em
decorrência do turismo.
6.3 CONSTRUÇÃO DE AÇÕES ESTRATÉGICAS
O protagonismo das famílias conduziu a encontros que não tinha
obrigatoriamente a participação do pesquisador, como os registros dos festejos e
rezas, os aniversários comemorados, os batizados, a pintura da igreja.
Comprovando que tinham autonomia do propósito de juntos, a criação da
associação de moradores, a organização para obtenção do abastecimento de agua
nas residências, e de forma articulada realizarem ações que proporcionaram o bem
coletivo e desenvolvimento da comunidade.
Através do mapeamento da percepção dos moradores diante da questão do
turismo, elaborou-se o prognóstico pelo grupo, e as estratégias de sustentabilidade
da infra-estrutura básica e turística para o desenvolvimento do turismo de base local
no território (Quadro 27 ):
176
PROBLEMAS PROPOSTA ESTRATÉGIAS/ PROPOSIÇÕES
RESPONSABILIDADE
Abastecimento de água precário
Sistema de abastecimento local
Implementação de caixa comunitária – perfuração de poço ou encanação via Mananciais
Parceria: Prefeitura municipal
Saneamento básico inexistente
Plano de gerenciamento dos resíduos sólidos
Processo de coleta seletiva
Aquisição pelos empreendimentos de cotenier com capacidade para 2,5 m³ a 3,0 m³. Este recipiente possui a vantagem de acondicionar volumes de lixo, ter maior resistência e de fácil estacionamento na fonte geradora (BRASIL, 2009) Coleta seletiva para posterior acondicionamento de resíduos, ex.: latas (cerveja/refrigerante) a serem selecionadas e vendidas pelos moradores (pratica já existente). Incentivo a educação ambiental
Parceria: Hotel e pousadas
Acúmulo de resíduos sólidos nos becos
Reutilização e reciclagem dos resíduos domésticos
Oficina de sabão com o descarte do óleo doméstico (prática já existente)
Continuidade da coleta de embalagens (café, salgadinho etc.) para artesanato
Curso de confecção de composteira comunitária (resíduos orgânicos)
Parceria:
Comunidade local
EMBASA (programa de educação ambiental)
Consórcio Chapada Forte
Associação de moradores
Falta de funcionário de limpeza publica
Melhoria dos serviços de limpeza pública, coleta dos resíduos e conservação dos imóveis.
Capina nas ruas e na praça a cada dois meses para manter livre de mato, acumulo de lixo e proliferação de vetores;
Sensibilização aos proprietários de imóveis para manutenção/reforma das casas abandonadas e
Parceria:
Prefeitura Municipal através da Defesa Civil, Secretaria de Meio Ambiente e Turismo
177
melhor conservação dos terrenos baldios.
Parceria: Prefeitura Municipal através da secretaria de serviços públicos e defesa civil
Acúmulo de resíduos sólidos nas trilhas
Redução do lixo jogado nas “catras” e no rio
Informativo e placas de sinalização no balneário do Paraguaçu.
Parceria:
Prefeitura Municipal através da Defesa Civil, Secretaria de Meio Ambiente
Inexistência de guias locais moradores do próprio território
Formação de um grupo de guias locais
Treinamento para guias da comunidade, e inscrição na Associação de Condutores de Visitantes-Andaraí (ACVA)
Parceria:
Prefeitura Municipal através da Defesa Civil, Secretaria de Meio Ambiente e Turismo
Ausência de infra-estrutura de apoio ao empreendedor
Organização dos empreendedores e o atendimento aos visitantes
Planejamento comercial
Registro dos empreendedores informais;
Treinamento/curso de capacitação na recepção aos visitantes
Incentivo ao turismo comunitário (base local)
Parceria: Prefeitura Municipal através da secretaria de assistência social / SEBRAE
Imóveis e patrimônio arquitetônico depredados
Revitalização do povoado
Promoção de projetos e investimento financeiro para fomentar a infraestrutura do territorio
Parceria: Prefeitura Municipal através da Secretaria de Assistência social
Desperdício de frutas e verduras plantadas
Organização de Feira de produtos orgânicos (frutas e verduras) e produtos artesanais
Curso de aproveitamento de fibras (bananeira) na confecção de objetos de decoração
Parceria: secretaria de assistência social / SEBRAE; comunidade
Catras desativadas
Criação de alevinos/ pescado
Aproveitamento das “catas” deixadas pelo garimpo mecanizado, para criação de alevinos.
Parceria: Prefeitura Municipal; associação dos pescadores do município;
Restrita participação de visitantes aos eventos da comunidade
Calendário dos festejos culturais
Organização e divulgação dos festejos populares
Parceria: entidades privadas e poder publico
Aumento do fluxo turístico
Ampliação de visitantes nas ruinas e ao
Abertura da Igreja de São José para visitação / Preparação de
Parceria:
Igreja católica
178
patrimônio religioso / cultural.
informativos sobre a comunidade e os festejos / eventos / limpeza do acesso ao cemitério
departamento de cultura vinculado a secretaria municipal de educação
Aumento do fluxo turístico
Criação de roteiro turístico
O roteiro turístico com demonstrativo da vivencias na comunidade (coleta de frutos silvestres, reza, momento de relatos sobre a historia local, consumo de comida típica, mostra de feitura da farinha mandioca, dos licores, do xarope caseiro, de chás medicinais, dentro outros aspectos),
Parceria
Comunidade
Empreendedores
Desconhecimento do patrimônio natural
Divulgação do patrimônio natural
Preparação de folder com a oferta dos produtos turísticos
Parceria:
Comunidade
Empreendedores
Secretaria de Meio Ambiente e Turismo
Não há sistematização da cultura local
Consolidação do grupo “Passarte de cultura popular”
Elaboração de plano para as atividades, ensaios e legitimação do grupo.
Promoção da arte
Parceria:
Departamento de Cultura
Comunidade
Associação de moradores
Inexistência da participação nas instâncias de controle social
Controle social no conselho de Meio Ambiente e no Conselho Municipal de Cultura
Inserção de um representante da comunidade, no Conselho Municipal de Meio Ambiente e de Conselho Cultura Municipal
Parceria:
Comunidade
Secretaria de Meio ambiente e de educação (coral)
Desarticulação entre o grupo de empreendedores internos e externos
Organização comunitária
Criação de conselho comunitário e instâncias deliberativas, que poderá se firmar futuramente enquanto associação.
Parceria:
Comunidade
Desconhecimento da oferta turística
Guia turístico Construção do inventário com as potencialidades do território
Parceria:
Comunidade
Empreendedores
179
Desarticulação dos órgãos competentes
Organização do segmento
Criação de comitê gestor na comunidade e partição no Conselho de Turismo
Parceria:
Comunidade
Empreendedores
prefeitura QUADRO 27 – Prognostico do território. ROCHA, 2017
Os registros comprobatórios estão ao longo do relatório nas FOTOgrafias, nos
relatos nos encontros coletivos. A distribuição de benefícios do Plano de Ação,
foram apresentados aos moradores, e sintetizados no QUADRO 28:
INTERESSADOS/ RESPONSÁVEIS
BENEFÍCIOS RESPONSÁVEIS
POPULAÇÃO LOCAL
Preparação prévia da população enquanto a atividade ainda é incipiente, possibilitando empoderamento no território
Grupo organizado de moradores do território
ATIVIDADE TURÍSTICA LOCAL
Visibilidade do potencial existe no território – inserindo recursos culturais a agenda dos recursos naturais mais consolidados;
Grupo organizado de moradores do território
GOVERNO (LOCAL, ESTADUAL E NACIONAL)
Promoção de uma atividade consolidada pelo turismo de base local, conforme as normativas legais da politica ambiental e politica de turismo
Articulação entre o poder público e sociedade civil
INVESTIDORES
Divulgação de empresas que contribuem para a valorização ambiental e cultural no território
Articulação entre o poder público e sociedade civil
QUADRO 28 – Validação de benefícios do planejamento turístico por segmento. Adaptado de Guia para oficinas e treinamento de multiplicadores do planejamento para o desenvolvimento do turismo sustentável (BRASIL, 1997). ROCHA, 2017.
Compreendeu-se que na comunidade já se constituía enquanto território que
foi fortalecendo sua identidade, e assim os temas socializados nas oficinas soram
avaliados, conforme QUADRO 29.
Apresento a seguir os itens avaliados pelas 10 famílias participantes do
projeto:
180
ITENS AVALIADOS Exc. Bom Reg. Ruim
Qualidade das informações 10
Recursos materiais 10
Cumprimentos dos objetivos 10
Adequação ao conteúdo desenvolvido 06 04
Aplicabilidade e relevância do tema 10
Apoio de parcerias 02 08
Motivação 10
Compromisso 05 03 02
Desempenho do grupo 07 03
Fortalecimento das redes de relacionamento 10
Acréscimo de novos conhecimentos 10
Aproveitamento conteúdo x tempo 04 06
Esclarecimento de dúvidas 08 02
Relacionamento interpessoal 07 03
QUADRO 29- Avaliação dos temas do projeto pelas família. ROCHA, 2017.
Demonstra-se que na organização comunitária cada família assume um
papel preponderante sendo a própria referência territorial. Todos se ajudam e
cooperam mutuamente.
“Orgulho muito de ser morador (...) gosto do lugar, com 15 anos vim ‘pra qui’ e desde os 07, trilho daqui pra Ibiquera”. (J. P, 79 anos) “Eu amo a Passagem, não troco aqui por lugar nenhum não! Aqui perto eu não troco não! É aqui mesmo a Passagem!” (M. B, 39 anos) “Eu não posso dizer porque eu to aqui de passagem, sou passageiro! Sou passageiro da Passagem” (M.S.34 anos)
Em Fuentes, (2008) a partir dos estudos sociológicos, a família representa a
primeira unidade social, e no contexto da sustentabilidade, cabe igualdade e
responsabilidade quanto a formação da identidade territorial. Já Boff (2000) aponta
que a construção coletiva da solidariedade universal é o recurso sistemático ao
diálogo em todas as frentes e todos os níveis e completa:
181
precisamos oferecer uma fundamentação filosófica mínima para esse tipo de ética (...) O ser humano é um ser de relação e de comunicação, portanto um ser dialógico (...) Essa dimensão ganha concreção e feição na história e na cultura (p. 93)
Um padrão societário como diz Boff (2000) e civilizatório como afirma
Loureiro (2008) numa nova ética sociedade-natureza é o que se viu no território
Passagem. Nesse sentido ressalta-se o papel das lideranças e o protagonismo
social. Relatam que as mudanças aconteceram internamente pelos envolvidos do
povoado, seja nos hábitos, na valorização da identidade e no pertencimento. Afinal
em cada encontro se fez reflexões sobre as temáticas com os “fatos para reflexão”
como estratégia para trocar informações, impressões e sentimentos, sobre as
experiências adquiridas através das atividades, (re)planejando as ações futuras e
esboçando um território desejável.
182
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
“A dinâmica do potencial local, geoambiental ou cultural passa, antes de tudo, por ações de apoio a população nas estratégias de descoberta de uma forma autônoma de produzir, crescer e seguir o próprio caminho”.
DOWBOR
Um território originado pela passagem de tropeiros, por agrupamento de
garimpeiros e passagem atualmente de turistas, é um misto de culturas
diferenciadas, que sintetizaram a identidade territorial da Passagem. No tocante a
mobilização da sociedade como princípio básico norteador da intervenção ora
executada, o trabalho foi conduzido com a participação membros do grupo social de
moradores locais.
As estratégias planejadas coletivamente neste projeto serviram como
estímulo para potencializar ações já existentes e planejar possibilidades de ações
futuras. O plano aqui esboçado não possui o propósito de se esgotar com a
intervenção. O acesso da comunidade as informações sobre a formação territorial foi
estimulada pela pesquisadora, mas muito do que foi consolidado e aprendido partiu
da historia oral dos moradores.
A socialização destas informações e aprendizagens de conceitos pertinentes
ao desenvolvimento do turismo, favoreceu positivamente a sugestão de novas ações
relacionadas a prática já existente mas ainda não potencializadas. A base teórica
sobre os eixos temáticos foi contextualizada, contemplando a baixa escolaridade do
grupo; outro ponto favorável foi o pertencimento da comunidade que se identifica
como remanescente de garimpeiros, envolvendo identidades coletivas similares – as
territorialidades.
As lições aprendidas no grupo são de que a união da comunidade para lutar
por objetivos comuns valorizaram o território que passa a ser respeitado enquanto
comunidade ribeirinha que viveu o garimpo e que traz em seu próprio nome a
historia em PASSAGEM. A identidade territorial, os aspectos sociais, naturais,
patrimoniais, culturais e econômicos sendo potencializado para contemplar ações
futuras, foi o cerne deste trabalho - um processo continuado de possibilidades.
Assim sendo, três temáticas nortearam as oficinas: a primeira tratou das “narrativas
que constroem o conhecimento territorial”, cuja abordagem foi potencializar o
conhecimento sobre a historia local e a territorialidade garimpeira; a segunda
“organização comunitária, valorização da natureza e resgate do patrimônio cultural
183
como atratividade turística”, nesta perspectiva as atividades foram direcionadas ao
inserção do conhecimento adquirido e latente enquanto atratividade, e assim
começam a pensar no turismo na comunidade; e a terceira e ultima abordagem
temática foi “Planejar para melhor qualificar a atividade turista”, na perspectiva de
qualificação dos serviços prestados com base na atratividade existente no território.
A perspectiva da formação de um grupo que refletisse o território, partindo
das descobertas para os mais jovens e lembranças para os mais velhos, ou ainda
pelo entusiasmo coletivo em torno do bem comum, valorização da cultura e do
ambiente, mas coube a condução do planejamento das atividades ao
desencadeamento das ações para sua continuidade. As posições colocadas no
debate suscitaram contradições, acordos, confrontos válidos, legítimos de uma
planejamento que envolve perspectivas territoriais. Nesta intervenção a historicidade
dos sujeitos foi a base para compreensão e proposição que visou propor autonomia
política, e reflexões em torno da expressão “um desenho a várias mãos”, simbologia
para representar as mãos diferenciadas, mas que a junção delas fortalece um todo.
Desde o inicio compreendeu-se que a intervenção não foi imposta, mas construída
coletivamente, a transformação é coletiva, a aprendizagem é mútua! Nos colocamos
em processo de ebulição, através desse estudo sobre o turismo e suas nuances na
produção do território turístico.
A vivência remeteu também aos festejos populares, as cantigas remotas, que
durante a intervenção foram apresentados aos mais jovens e estimuladas a
tornarem efetivas e assim a cultura se perpetuar. A descoberta que a comunidade
possui uma história valiosa no contexto da Chapada Diamantina e do município de
Andaraí, trouxe motivação dos moradores em fazer parte dos registros; também
conseguimos registrar com a cartografia social, os territórios revisitados pela
memória dos moradores, seus locais de pertencimento; a subjetividade dos sujeitos,
a sensibilidade consolidada e demonstrada com a produção do prognóstico. Enfim,
novos significados foram dados ao patrimônio cultural e natural, considerando-os
como elementos indissociáveis do território.
Pensar em trajetória remete a caminho, a caminhar e repensar talvez os
passos já dados. A experiência de uma intervenção social se configurou como
desencadeadora de outros olhares sobre a territorialidade ali consolidada,
materializada nos diálogos sobre as lembranças, pela compreensão de que tal
184
valorização implica em cuidado e afeto, as gerações posteriores a esta, já terão o
registro de que o grupo ousou pensar no fortalecimento e identidade territorial. Os
indicadores demonstram o alcance deste projeto que fortaleceu as famílias enquanto
membros de um coletivo. O produto deste trabalho deixou marcas que ficarão na
memória como registro para ações futuras.
Num desenho a varias mãos, um símbolo se consolidou: as mãos. Ela
enquanto elemento da união, da força, do fortalecimento. Um projeto cuja proposta
interventiva, foi caminhando para um futuro que se fará valorizar as histórias e as
memórias, registrado pelo caminho já trilhado, para que novas histórias cotidianas
sejam revisitadas através dos moradores - contadores de casos.
Descobrimos juntos que estar de mãos dadas fez parte de tudo que
fizemos, pois tratou-se da nossa gente, dos novos festejos, na nossa retomada
territorial, no mutirão comunitário para reformar a igreja, no capinar da praça diante
do abandono do poder público, descobrimos no caminhar enriquecedor que a luta
social, que reivindicar por melhorias também faz parte da boa convivência coletiva.
E só agora me coloco enquanto ser pesquisador e participante.
Um novo olhar diante de conceitos tratados no projeto que aos poucos
foram sendo incorporados nas oficinas mencionadas, e vivenciados nos encontros
da intervenção. Buscou-se identificar as relações sociais no território, o poder
sendo esboçado, e apresentadas a territorialidade. A sociedade dinamiza as
condições sociais que lhes são apresentadas, com novas maneiras e formas de
conduta humanas. Os garimpeiros do passado e seus descentes do presente ainda
clamam por justiça social, e vêem na organização política, estratégias de
resistência as adversidades em novos contextos socioeconômicos. Agora a
comunidade tenta retomar sua territorialidade.
Ao pensar o planejamento, sabe-se que avanços no cumprimento de ações
relacionadas ao plano de desenvolvimento territorial, tais como inicio do processo de
associativismo, estimulo a qualificação profissional, organização de elementos
(objetos) que representam a historia, não encerrarão nesta intervenção social. O
conjunto de atividades construídas coletivamente nos espaços de vivência, em
busca de novas possibilidades, já faz da intervenção um ato de projeção possível.
A relevância de se conhecer a potencialidade local para comunidades
latentes e com vocação para receber visitantes, é uma estratégia possível para se
185
planejar o turismo com qualidade e sustentabilidade. Concluiu-se que o estudo do
potencial turístico de um território, torna-se uma ferramenta que propicia repensar a
produção do espaço relacionando os atrativos existentes a vocação turística em
suas múltiplas interações. Portanto, o turismo pode dinamizar os espaços
receptores, a partir da minimização dos impactos e valorização do território, ao qual
a atividade turística se apropria. Sendo necessário planejamento territorial para
produzir a atividade, ou potencializá-la.
A proposta que se aventurou a realizar ações que envolve gente ... gente
que instiga conflitos, dúvidas, questionamentos sobre a sociedade e o mundo
contemporâneo, mas com pés nas raízes territoriais de um grupo que clama por
políticas públicas e equidade social. Que novas mãos sejam consolidadas enquanto
marco dos caminhos a serem trilhados para realizações futuras na busca de
atividades que venham consolidar o desenvolvimento com base no território.
186
“Do novelo emaranhado da memória, da escuridão dos nós cegos, puxo um fio que me aparece solto.
Devagar o liberto, de medo que se desfaça entre os dedos.
(...) É um rio. Corre-me nas mãos, agora molhadas.
Toda a água me passa entre as palmas abertas, e de repente não sei se as águas nascem de mim, ou para
mim fluem. Continuo a puxar, não já memória apenas, mas o
próprio corpo do rio. (...)Nadam-me peixes no sangue e oscilam entre suas
águas como os apelos imprecisos da memória. Sinto a força dos braços e a vara que os prolonga. Ao fundo do rio e de mim, desce como um lento e
firme pulsar do coração. (...)Aí se fundem numa só verdade as lembranças confusas
da memória e o vulto subitamente anunciado do futuro.
(...) Aí, três palmos enterrarei a minha vara até à pedra viva. Haverá o grande silêncio primordial quando as mãos se
juntarem às mãos. Depois saberei tudo.”
(José Saramago)
187
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192
APÊNDICE
193
APÊNDICE 1 - Quadro norteador da caracterização territorial utilizada na pesquisa bibliográfica e campo
QUADRO RESUMO
ASPECTOS DESCRIÇÃO
CARACTERIZAÇÃO DA
ÁREA DE INTERVENÇÃO E
ENTORNO
LOCALIZAÇÃO; ÁREA
ASPECTOS GERAIS DA ÁREA
Socioeconômicos: Ambientais: Urbanísticos:
SITUAÇÃO DE SANEAMENTO
Abastecimento de Água: Esgotamento Sanitário: Coleta de Lixo:
ACESSO A INFRA-ESTRUTURA
Energia Elétrica: Transporte Público: Vias de Acesso: Pavimentação:
EQUIPAMENTOS COMUNITÁRIOS E
SERVIÇOS PÚBLICOS
Escolas: Creches: Postos de Saúde: Hospitais: Delegacias: Quadras: Centros de Cultura e Arte: Igrejas:
FORMA DE OCUPAÇÃO (histórico)
HABITAÇÃO PREDOMINANTE
(tipo, material construtivo, estágio construtivo)
SITUAÇÕES DE RISCO
(enchentes, alagamentos, deslizamentos, desmoronamentos, erosões, lixões e insalubridade)
CARACTERIZAÇÃO DA
ORGANIZAÇÃO COMUNITÁRIA
BASES ASSOCIATIVAS
(formais e não formais/ potencialidades)
LIDERANÇAS LOCAIS
ENTIDADES GOVERNAMENTAIS
(tipo e forma de atuação)
ENTIDADES NÃO GOVERNAMENTAIS
(tipo e forma de atuação)
LEVANTAMENTO DE POTENCIAIS
PARCEIROS
(instituições)
DEMANDAS PRIORITARIAS
(sociais e urbanísticas)
Adaptado de BRASIL. 2016.
194
APENDICE 2 – Sistematização do planejamento
SISTEMATIZAÇÃO DO PLANEJAMENTO PARTICIPATIVO
Problemas/causas O que fazer Como fazer Quem faz Quando Observações
Adaptado de Silva (apud COELHO, 2005 p. 103)
195
APENDICE 3 - Banco de dados preliminar
Território
Com
unid
ade
:
Modalidade turística
Equipamentos e infra estrutura turística
Existe articulação comunitária para o turismo
Organização comunitária
Está inserido em rotas turísticas do polo Chapada Diamantina?
Existe plano de turismo?
( ) SIM ( ) NÃO
( ) SIM ( ) NÃO
( ) SIM ( ) NÃO
( ) SIM ( ) NÃO
( ) SIM ( ) NÃO
Equipamentos fomentados pelo poder público e/ou parceria:
Quais?
Quais?
Qual?
Quais?