programa bolsa famÍlia e saÚde: estudo qualitativo … · apendice a – roteiro de entrevista...

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4 UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ-UECE ANA MARIA BORGES DO VALE PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA E SAÚDE: estudo qualitativo sobre a experiência das famílias beneficiadas Fortaleza Ceará 2009

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  • 4

    UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEAR-UECE

    ANA MARIA BORGES DO VALE

    PROGRAMA BOLSA FAMLIA E SADE: estudo

    qualitativo sobre a experincia das famlias

    beneficiadas

    Fortaleza Cear

    2009

  • 5

    ANA MARIA BORGES DO VALE

    PROGRAMA BOLSA FAMLIA E SADE: estudo qualitativo sobre a experincia das famlias beneficiadas

    Dissertao apresentada ao Programa e Mestrado Acadmico em Sade Pblica da Universidade Estadual do Cear como requisito parcial para obteno do grau de Mestre. rea de Concentrao: Poltica e Servios de Sade. Orientador: Prof. Dr. Andrea Caprara.

    Fortaleza Cear

    2009

  • 6

    ANA MARIA BORGES DO VALE

    PROGRAMA BOLSA FAMLIA E SADE: estudo qualitativo sobre a experincia das famlias beneficiadas

    Dissertao apresentada ao Programa e Mestrado Acadmico em Sade Pblica da Universidade Estadual do Cear como requisito parcial para obteno do ttulo de Mestre.

    Aprovada em: / /

    BANCA EXAMINADORA

    __________________________________ Prof. Dr. Andrea Caprara

    Universidade Estadual do Cear Orientador

    ___________________________________

    Prof. Dr. Erasmo Miessa Ruiz Universidade Estadual do Cear

    ___________________________________ Prof. Dr Maria Veraci Oliveira Queiroz

    Universidade Estadual do Cear

  • 4

    famlia, por ser a terra frtil onde brota toda semente.

    A todos aqueles que tm cuidado ao cultivar.

    s chuvas (oportunidades) necessrias

    para fazer brotar os frutos.

  • 5

    AGRADECIMENTOS

    A Deus, inteligncia suprema, causa primria de todas as coisas, pelo dom da

    vida e por ter me dado a oportunidade de viver em uma famlia to maravilhosa e

    que me traz experincias de amor inigualveis.

    A minha querida e doce me,Neusa Borges de Arajo, pelo amor

    incondicional e despretensioso que sempre me dedicou e pelo exemplo de mulher

    corajosa, determinada e humilde. Efetivamente, devo a ela a consagrao deste

    momento de superao e progresso intelectual.

    A Almir do Vale, marido, companheiro e amigo, que sempre esteve

    diuturnamente me amparando, me dando amor, carinho e muita fora.

    Aos nossos filhos (Vilson, Lus Manoel e Paulo Henrique) queridos, pelos

    quais agradeo a Deus todos os dias, pois sou uma me realizada. Agradeo a eles

    pelo amor e pelo carinho; verdadeiramente, vocs especiais.

    A minha tia Luzia Borges Alves (in memoriam), pelo exemplo de amor,

    dedicao e resignao, que me faz continuar sempre. Onde quer que ela esteja, sei

    que est muito feliz por mim, ao me ver subir mais um degrau na escada ngreme da

    vida.

    Aos meus irmos, Antnio Carlos e Sebastio, instrumentos feitos por Deus

    para que eu percebesse o verdadeiro sentido do amor fraternal.

    A minha amiga e irm Elizabete (Neca), por sempre confiar em mim e pelo

    amor especial que me devota. Obrigado, Neca, pela fora e pela coragem.

    Agradeo, especialmente, ao meu orientador Prof. Dr. Andrea Caprara,

    pessoa sensvel e grandiosa, que muito me ensinou com sua sabedoria e

    simplicidade, caractersticas dignas de um grande docente.

  • 6

    Fbia, pela grande amizade, pela colaborao, apoio, pacincia e pela fora

    nos momentos mais difceis.

    Suely, amiga e companheira do mestrado, agradeo-te pelo apoio e

    colaborao.

    minha amiga Auxiliadora pela amizade, carinho e companheirismo.

    Ftima Brasil, pela amizade e por estar sempre disposta a me auxiliar,

    sempre professando nos momentos difceis a seguinte frase: calma, no final tudo d

    certo.

    Sabrina, que antes de ser uma amiga uma filha para mim, pela sua

    ateno e amor dedicados.

    A equipe do CRAS da Serragem em especial Claudia, Madalena, Marilcia,

    Maria Bento, pela amizade, colaborao, fora e apoio.

    Ao Prefeito do Municpio de Ocara-CE, Doutor Lonildo Peixoto Farias, por

    valorizar a qualificao dos profissionais, e Secretria do Trabalho e

    Desenvolvimento Social de Ocara-CE, Zulene Maia, pela compreenso, carinho e

    apoio.

    s famlias entrevistadas, pelo tempo devotado s indagaes.

    Aos professores Dr. Erasmo Miessa Ruiz e Dr Maria Veraci Oliveira Queiroz,

    por me darem a oportunidade de t-los em minha banca, engrandecendo-a

    sobremaneira.

    professora doutora. Salete Bessa, pela dedicao e amor que tem pela

    educao.

  • 7

    RESUMO

    Este ensaio um estudo qualitativo, que traz como foco o Programa

    Bolsa Famlia do Governo Federal. Criado em 2003, no contexto da discusso sobre

    transferncia de renda no Brasil, entendida como necessria para o enfrentamento

    da fome e da pobreza no Pas, o Programa foi formulado com base no conjunto de

    aes do Programa Fome Zero. O Bolsa Famlia, ao transferir renda diretamente s

    famlias pobres e abaixo dos limites de pobreza, tem como perspectiva articular-se

    com polticas e programas estruturantes no campo da sade, educao e trabalho,

    no sentido de interromper o crculo de perpetuao da pobreza e promover a

    emancipao social e econmica das famlias em situao de vulnerabilidade e

    risco, mediante o acesso a direitos fundamentais. A desigualdade social no Brasil se

    expressa pela desconformidades de renda e tambm pela desuniformidade na

    situao educacional e de sade, em relao a pobres e ricos. Os fatores culturais e

    ambientais, ou seja, o modo de vida das pessoas, interferem na sade pblica e na

    longevidade da populao. Partindo desta relao entre desigualdade social e sade

    e com suporte na viso das prprias beneficirias, este experimento analisa as

    mudanas ocorridas na sade com a implantao do Programa Bolsa Famlia, tendo

    como campo emprico o Municpio de Ocara, localizado na regio do semi rido do

    Cear. As famlias pesquisadas expuseram suas experincias de vida, no que diz

    respeito ao seu cotidiano, ao trabalho, sobrevivncia, sade e alimentao,

    temas sempre relacionados com o benefcio, fazendo a avaliao das suas

    condies de vida no perodo anterior incluso no Programa e o momento atual. O

    estudo traz, ainda, a discusso sobre as condicionalidades do Programa e suas

    implicaes na educao cidad e na autonomia das famlias.

    Palavras-chave: Bolsa Famlia. Desigualdade Social. Sade. Famlia. Polticas

    Pblicas.

  • 8

    ABSTRACT

    This work is a qualitative study which brings as focus the Bolsa Famlia

    Program (Family Grant Program) of the Federal Government. Created in 2003, in the

    midst of a discussion on income transfer in Brazil, seen as necessary to tackle

    hunger and poverty in the country, the program was formulated from the number of

    actions of the Zero Hunger Program. The Bolsa Familia, which directly transfers

    income to poor and very poor families, aims to articulate with structural policies and

    programs in health, education and work, so as to overcome the pattern of

    perpetuation of poverty and promote social and economic emancipation of families in

    situation of vulnerability and risk, through access to fundamental rights. Social

    inequality in Brazil is expressed by the inequality of income, education and health

    regarding rich and poor. The cultural and environmental factors, ie, the ways of living

    of the population, interfere on public health and longevity. Having as starting point

    this relationship between social inequality and health and the beneficiaries vision, this

    paper examines the changes undergone in health with the implementation of the

    Bolsa Famlia Program, having as empirical object the municipality Ocara, located in

    the semi-arid region of the state of Cear. The families surveyed explained their

    experiences of life, with regard to their routines, work, survival, health and nutrition,

    topics related to the benefit, making an assessment of their living conditions in the

    period prior to inclusion in the program and in the current moment. The study also

    provides a discussion on the conditionalities of the Program and its implications on

    citizenship education and empowerment of families.

    Keywords: Family Grant, Social Inequality, Health, Family, Public Policy

  • 9

    SUMRIO

    LISTA DE ABREVIATURAS

    LISTA DE QUADROS LISTA DE TABELAS LISTA DE GRAFICOS

    1 INTRODUO.................................................................................... ........... 14

    2 FUNDAMENTAO TERICA...................................................................... 2.1 Desigualdade social e sade .................................................................. 2.2 As Novas configuraes dos programas de transferncia de renda: O

    Fome zero e o Bolsa Famlia.................................................................. 2.3 Poltica Nacional de Assistncia Social: contexto de implantao do

    Centro de Referncia da Assistncia Social CRAS.............................

    21 21 29

    38

    3 METODOLOGIA ............................................................................................ 3.1 Natureza do Estudo................................................................................. 3.2 Sujeitos de estudo................................................................................... 3.3 Campo de estudo.................................................................................... 3.4 Coleta de dados...................................................................................... 3.5 Mtodo de anlise das informaes........................................................ 3.6 Aspectos legais e ticos da

    pesquisa...................................................................

    45

    45

    46

    47

    53

    54

    58

    4 ANLISE DOS RESULTADOS E DISCUSSO ....................... 4.1 Perfil das famlias de Ocara, de acordo com o Cadastro nico............... 4.2 A vida das famlias antes do Programa Bolsa Famlia............................ 4.3 Bolsa Famlia e vida cotidiana ................................................................ 4.4 trabalho e sobrevivncia das famlias..................................................... 4.5 Mudanas na sade e na alimentao das famlias................................

    60

    60

    68

    75

    86

    92

    5 CONSIDERAES FINAIS............................................................................ 100

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS................................................................... 106

    APNDICE...........................................................................................................

    APENDICE A roteiro de entrevista...................................................................

    APENDICE B exemplo de entrevista................................................................

    APENDICE C termo de consentimento livre esclarecido.................................

    APENDICE D parecer do Comit de tica da Universidade Estadual do

    Cear...................................................................................................................

    111

    112

    113

    116

    117

  • 10

    LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

    BPC

    - Benefcio de Prestao Continuada

    CBIA

    - Centro Brasileiro para a Infncia e Adolescncia

    CIB

    - Comisso Intergestora Bipartite

    CIONE

    - Companhia Industrial de leos do Nordeste

    CIT

    - Comisso Intergestora Tripartite

    CLT

    - Consolidao das Leis do trabalho

    CMDS

    - Conselho Municipal de Desenvolvimento Sustentvel

    CNAS

    - Conselho Nacional de Assistncia Social

    CNS

    - Conselho Nacional de Sade

    CONSEA

    - Conselho de Segurana Alimentar

    CRAS

    - Centro de Referncia da Assistncia Social

    CVT - Centro Vocacional Tecnolgico EMATERCE

    - Empresa de Assistncia Tcnica e Extenso Rural do Cear

    FGV

    - Fundao Getlio Vargas

    IBGE

    - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica

    IDH

    - Indice de Desenvolvimento Humano

    IDM

    - Indice de Desenvolvimento Municipal

    IPEA

    - Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada

    IPECE

    - Instituto de Pesquisas Econmicas do Cear

    LBA

    - Legio Brasileira de Assistncia

    LOAS

    - Lei Orgnica da Assistncia Social

    NUTEC

    - Ncleo de Tecnologia Industrial do Cear

    ONU

    - Organizao das Naes Unidas

    PAIF

    - Programa de Ateno Integral s Famlias

    PCA

    - Programa Carto Alimentao

    PETI

    - Programa de Erradicao do Trabalho Infantil

    PGMR

    - Garantia de Renda Mnima (Projeto de Lei n. 80/1991, de

    autoria do ento Senador Eduardo Suplicy) PNAS

    - Poltica Nacional de Assistncia Social

    PNUD

    - United Nations Development Programme

    PPAAS

    - Plano Plurianual da Assistncia Social

    PRONAF

    - Programa Nacional de Apoio Agricultura Familiar

    SEBRAE

    - Servio Brasileiro de Apoio s Micro e Pequenas Empresas

    SENAR

    - Servio Nacional de Aprendizagem Rural

    SIAB

    - Sistema de Informao da Ateno Bsica

    SUAS - Sistema nico da Assistncia Social

  • 11

    QUADROS

    1 - AS ETAPAS DA INTERPRETAO

    57

    2 - ANLISE ESTRUTURAL DAS NARRATIVAS (PAUL RICOEUR)

    58

  • 12

    LISTA DE TABELAS

    1 - Populao residente 1991 e 2000 49 2 - Indicadores Educacionais de Produtividade nos Ensinos

    Fundamental e Mdio 2002 51

    3 - Indicadores Educacionais de Capacidade de Atendimento

    51

  • 13

    LISTA DE GRFICOS

    1 POPULAO RESIDENTE (2000)

    49

    2 TIPO DE LOCALIDADE

    60

    3 SITUAO DOS DOMICLIOS

    60

    4 TIPO DE CONSTRUO

    61

    5 ABASTECIMENTO DGUA

    61

    6 TRATAMENTO DE GUA

    62

    7 TIPO DE ILUMINAO

    62

    8 ESCOAMENTO SANITRIO 63

    9 DESTINO DO LIXO 63

    10 FAIXAS ETRIAS 64

    11 ESCOLARIDADE 64

    12 RENDA PER CAPITA 65

    13 ESTADO CIVIL DAS TITULARES DO BENEFCIO 65

  • 14

    1 INTRODUO

    No decorrer de minha experincia profissional, trabalhando como tcnica

    (Psicloga) do CRAS desde 2004, primeiramente em Redeno e em seguida no

    Municpio de Ocara, pude vivenciar a implantao e desenvolvimento do Programa

    Bolsa Famlia, tendo a oportunidade de observar suas dificuldades, avaliar as

    crticas dirigidas ao Programa, bem como acompanhar a sua relao com o

    cotidiano das famlias beneficiadas.

    Alm do trabalho desenvolvido junto aos grupos familiares, tenho a

    oportunidade de realizar aes em parceria com profissionais de vrios ramos,

    dentre eles o da sade e da educao, da esfera governamental e no-

    governamental. Muitos desses profissionais dirigem vrias criticas ao Programa

    Bolsa Famlia, sendo a principal delas a de que induz as famlias ao comodismo,

    pois estas, quando contam com o beneficio, no buscam outras formas de

    incrementar a sua renda, tornando-se, por vezes, dependentes do referido Projeto.

    Desta forma, a ideia de desenvolvimento deste trabalho teve incio com uma

    sugesto do professor Dr. Andrea Caprara, o qual, tendo conhecimento do trabalho

    que atualmente realizo no CRAS com as famlias beneficiadas pelo Bolsa Famlia,

    instigou a pesquisa acerca do programa e das suas mudanas na realidade destes

    ncleos familiares.

    Naquela ocasio, acabara de ser publicado um artigo de Marmot, na revista

    Lancet, direcionado anlise do Programa Bolsa Famlia e da sua relao com a

    desigualdade social, o que auxiliou no desenvolvimento do tema, cuja abordagem

    engloba a desigualdade social, a realidade da sade pblica no Brasil e a

    contribuio desse projeto do Governo Federal para a modificao desse quadro,

    nas vidas das famlias beneficiadas.

    Neste sentido, algumas consideraes se fazem importantes para se

    observar o contexto no qual se insere este relatrio de pesquisa. Compreender os

    determinantes que contribuem para ampliar as desigualdades sociais nos remete

    discusso acerca do contexto social, poltico e econmico em que estamos

  • 15

    inseridos, cujas relaes humanas em todo o mundo so marcadas por estas

    desigualdades e suas influncias na sade das populaes (MARMOT, 2007).

    H uma crise no modelo econmico ocidental, que se mostra incapaz de

    eliminar a pobreza, uma vez que a de distribuio de renda neste sistema no se

    perfaz de modo equitativo (RICOEUR, 1994). A maioria das famlias pobres ocupa

    moradias precrias, instalando-se em complexos urbanos denominados favelas,

    nas quais a ocupao feita de forma desordenada.

    Aquelas que permanecem no campo, como os sujeitos da pesquisa que

    embasaram este trabalho, vivem ainda em habitaes igualmente precrias, sem a

    prestao de servios essenciais como saneamento bsico, distribuio de gua

    potvel e coleta regular de lixo, que possibilitam a propagao de doenas

    (SOARES, 2006).

    Consoante Marmot (2007), a expectativa de vida decai de acordo com o

    nvel de renda da populao, pois maior disposio de capital possibilita um mais

    cuidado com a sade. Conforme apresenta em sua pesquisa, a qual compara a

    expectativa de vida de crianas da frica, do sul da sia e da Europa, o autor

    conclui que nos pases mais pobres essa expectativa, alm de ser mais baixa,

    praticamente no aumentou, no perodo estudado (1970 a 2000), em comparao

    com os pases mais ricos. Por outro lado, a sade causa repercusso em outros

    indicadores sociais, como educao, profissionalizao e desenvolvimento tcnico-

    cientfico.

    O estudo de Marmot ainda mais importante em relao realidade

    brasileira. Nesse artigo, o autor expe que o Programa Bolsa Famlia conseguiu

    reduzir o ndice Gini1 para 21% (MARMOT, 2007).

    Diferentes so os estudos que, em anos recentes, abordaram o tema da

    desigualdade social e sade. A ttulo exemplificativo citamos-se os artigos de:

    1 Gini: coeficiente de medida de desigualdade desenvolvida pelo estatstico italiano Conrado Gini em 1912. comumente

    utilizado para calcular a desigualdade de distribuio de renda, mas pode ser usado para qualquer distribuio. (HTTP://pt..wikipedia.org/wiki/coeficiente-de-gini)

    http://pt..wikipedia.org/wiki/coeficiente

  • 16

    Magalhes et al (2007) e Ribeiro (2007). Nesses textos, abordada a temtica da

    pobreza e seus impactos na sade em diferentes grupos sociais, ressaltando os

    autores as dificuldades de acesso sade de maneira igualitria, em razo das

    especificidades de processos macro e microssociais.

    Segundo Vaitsman (1992), as desigualdades sociais resultam de

    microrrelaes de poder no contexto da famlia e de outras instituies (escolas,

    servios de sade etc). A diversidade presente nas dimenses coletiva

    (sociocultural) e individual (gentica, psquica e subjetiva) complementa o quadro da

    desigualdade, que se reflete na estratificao social.

    O conceito de desigualdade referencia a relao entre

    desenvolvimento e justia social, estando relacionado com a distribuio de renda,

    educao, moradia, servios (servios de sade, abastecimento de gua e

    saneamento ambiental), acesso ao emprego, a bens de consumo, terra, bem

    como ao poder de deciso e de influncia social.

    A realidade brasileira, na atualidade, apresenta, em seu contexto socio-

    econmico, profundas desigualdades sociais. Existem famlias, tanto na zona rural

    quanto na rea urbana, que sofrem com os reflexos dessa disparidade, os quais so

    observados na falta de acesso a direitos bsicos, como sade e alimentao, bem

    como na ausncia de capacitao profissional, decorrente do no-investimento em

    capital humano. Essa dificuldade no acesso s polticas sociais traz inmeras

    conseqncias, dentre as quais se destacam o analfabetismo, o desemprego e a

    precariedade na sade (MARMOT, 2007).

    Ao discutir o contexto da vulnerabilidade social no Brasil, deve-se

    ressaltar o conceito de pobreza e excluso social, o qual no se limita apenas s

    privaes materiais, ao carter econmico, mas tambm se refere s privaes de

    ordem cultural e poltica pelas quais passam milhes de pessoas, desprovidas de

    conhecimentos elementares para o exerccio da cidadania. O conceito de excluso

    social dinmico, totalmente associado ao de pobreza. Consoante Sawaia (2004: p.

    20), a excluso no se trata de um processo individual, embora atinja pessoas, mas

  • 17

    de uma lgica que est presente nas vrias formas de relaes econmicas, sociais,

    culturais e polticas da sociedade brasileira.

    As categorias pobreza e excluso social so discutidas durante todo o

    fenmeno poltico e histrico do Brasil, permeando o debate e direcionamento das

    polticas pblicas no Pas. Almeida (2003) discute variados conceitos de pobreza,

    entre os quais se inclui o de pobreza nutricional, que aquela em que os

    indivduos ou famlias no possuem renda suficiente para adquirir uma cesta

    bsica. Essa condio de misria repercute na capacidade de aprendizado das

    crianas, reduz a produtividade de adultos e torna as pessoas suscetveis a doenas

    e morte prematuras.

    Em razo do que se apresenta, o Estado chamado a intervir por meio

    de polticas sociais, que refletem historicamente a relao constituda entre os

    variados agentes sociais. O sculo XX trouxe a marca da expanso das polticas

    sociais em sistemas de proteo social, refletindo os avanos no conceito de

    cidadania, o chamado Welfare State (Estado de Bem-Estar Social), que garante

    aes mais amplas de melhoria das condies de habitao, sade, educao e

    bem-estar geral (MAGALHES, 2001).

    A Constituio de 1988 concebe a seguridade social como um conjunto

    que integra a sade, a assistncia social e a previdncia, introduzindo a noo de

    direitos sociais universais como direito de cidadania, o denominado trip da

    seguridade social. De acordo com Fleury (2003, p. 57), a poltica social no Brasil

    passou a apresentar um novo padro constitucional que se caracteriza pela

    universalidade na cobertura, o reconhecimento dos direitos sociais, a afirmao do

    dever do estado, a subordinao das prticas privadas regulamentao em funo

    da relevncia pblica das aes e servios nessas reas.

    As polticas sociais brasileiras se tornaram tambm mais democrticas,

    possuindo uma perspectiva publicista de co-gesto entre governo e sociedade e um

    arranjo organizacional descentralizado. (FLEURY, 2003, p. 57).

  • 18

    Embora a Constituio de 1988 tenha apontado vrias inovaes, uma

    das que destacamos o mrito de indicar uma direo para a rea da assistncia

    social, no mbito da seguridade social no Brasil. Nem todas estas inovaes,no

    entanto, foram implementadas, pois necessitavam de uma legislao complementar,

    a qual no restou aperfeioada.

    A Constituio Federal de 1988 instituiu a seguridade social como direito

    de todo cidado, sendo a sade e a assistncia social polticas de carter no

    contributivo. Em 1991, entrou na agenda pblica brasileira o debate sobre

    programas de transferncia de renda (SILVA, 2007), entretanto, somente em 1993 a

    Lei Orgnica da Assistncia Social LOAS (BRASIL, 1993) veio regulamentar a

    assistncia social como um direito do cidado e um dever do Estado.

    No obstante essa regulamentao, foi somente em 2003, com o

    governo Lula, que novas aes de polticas sociais foram criadas, pois, com base

    nas polticas de ajustamento iniciadas nesse perodo, a assistncia social foi tendo

    critrios cada vez mais severos para a incluso de indivduos em seus programas e

    projetos, privilegiando apenas os considerados miserveis, ou seja, a populao

    que ento vivia abaixo da linha de pobreza, definida pela ONU (MARTINS, 2002).

    Sobre as novas aes de polticas sociais, destaca-se a realizao da IV

    Conferncia Nacional de Assistncia Social, da qual saram diversas deliberaes

    no sentido de dar concretude s diretrizes da Lei Orgnica da Assistncia Social

    LOAS de 1993, que preconiza as garantias de cidadania, cabendo ao Estado a

    universalizao da cobertura, a garantia de direitos e acesso para servios,

    programas e projetos sob sua responsabilidade (BRASIL, 2004).

    Nesse sentido, foi criado o Programa Fome Zero, que articula um

    conjunto de aes governamentais e no governamentais, em todas as esferas de

    governo, buscando a emancipao cidad, a fim de que todos possam viver do fruto

    do prprio trabalho, bem como garante a dignidade da pessoa humana, fundamento

    do Estado Democrtico de Direito brasileiro. O direito a uma alimentao adequada,

    a promoo da segurana alimentar e nutricional e a contributo para a erradicao

  • 19

    da extrema pobreza e para a conquista da cidadania, pela parcela da populao

    mais vulnervel fome, so os objetivos primordiais do Programa (BRASIL, 2006).

    Frei Beto, um dos lderes do Programa Fome Zero, assessor especial da

    Presidncia e coordenador de mobilizao social para o Fome Zero faz uma crtica

    ao Governo Lula, que teria substitudo um programa com um perfil emancipatrio,

    formatado pela sua prpria equipe, e tido como prioritrio, pelo Bolsa Famlia, que

    tem um carter mais assistencialista (UOL, 2008).

    Um dos principais elementos do Fome Zero o Bolsa Famlia, um

    programa de transferncia direta de renda, que beneficia famlias em situao de

    pobreza, com o cumprimento de condicionalidades da sade e da educao. Para

    acompanhar o do cumprimento dessas condicionalidades, foi criado o PAIF -

    Programa de Ateno Integral s Famlias, desenvolvido pelo Centro de Referncia

    da Assistncia Social CRAS.

    O PAIF consiste numa unidade pblica estatal responsvel pela oferta de

    servios continuados de proteo social bsica de assistncia social s famlias,

    grupos e indivduos em situao de vulnerabilidade social. (BRASIL, 2006, p. 13). O

    CRAS realiza o acompanhamento dos beneficirios, contribuindo para torn-los mais

    autnomos para que deixem de depender dos programas de transferncia de renda.

    Ocara, onde foi realizada a pesquisa, se localiza no semi rido brasileiro

    onde bastante notria a relao entre os problemas de sade, a situao de

    pobreza da populao, a escassez de alimentos e as precrias condies infra

    estruturais, em especial no que diz respeito ao saneamento bsico sobre o que

    no se pode deixar de ressaltar o acesso a recursos hdricos. Somam-se a baixa

    escolaridade da populao, que tambm uma realidade no panorama social, e

    indicadores que se refletem no IDH do municpio, com ndice de 0,594 de acordo

    com a PNUD (2000), situando Ocara entre os 30 municpios mais pobres do estado

    do Cear (IPECE, 2004).

    Hoje, em Ocara, existem dois CRAS (nos Distritos Sede e Serragem) que

    referenciam, respectivamente, cinco mil e trs mil e quinhentas famlias por ano

  • 20

    beneficiadas com o Programa Bolsa Famlia. Uma das principais aes do CRAS se

    refere promoo de grupos ou oficinas de convivncia e de trabalho scio

    educativo para famlias, promovendo aes de capacitao e insero produtiva.

    Neste contexto apresentado sobre as desigualdades sociais, o Programa

    Bolsa Famlia e suas repercusses, e considerando a minha presena no Municpio

    na qualidade de profissional da assistncia social, o qual apresenta vrias

    dificuldades nas reas de sade, educao e na situao de pobreza das famlias,

    (ou seja, problemas comuns aos municpios do semi rido), foi possvel realizar uma

    investigao e analisar a situao das famlias ali beneficiadas pelo programa em

    foco e as repercusses deste na realidade local.

    Assim, este trabalho teve por objetivo principal analisar as mudanas

    ocorridas na sade das famlias beneficiadas pelo Programa Bolsa Famlia. Para

    chegar a este objetivo, buscamos, em primeiro lugar, caracterizar o perfil socio

    econmico dos ncleos familiares inseridos no BF de Ocara.

    Em seguida, foi realizada a descrio das condies de vida dos ncleos

    familiares antes de serem beneficiados pelo Programa Bolsa Famlia e, por fim,

    delinearam-se as mudanas ocorridas sob os aspectos da vida cotidiana,

    principalmente o trabalho, a sade e a alimentao.

    Consideramos relevante esta investigao, pois mostra como as famlias

    beneficiadas pelo Programa Bolsa Famlia compreendem o beneficio. Na viso dos

    sujeitos da pesquisa, possvel fazer uma anlise do Programa e sugerir melhorias,

    principalmente nas reas social e da sade. Com isso nossa expectativa de que

    contribua para uma melhor gesto do Programa, a fim de se poder indicar sugestes

    sobre a gesto do Projeto, tanto sob o prisma local como federal, e assim cada vez

    mais efetivar os direitos reais de cidadania da nossa populao.

  • 21

    2 FUNDAMENTAO TERICA

    2.1 Desigualdade social e sade

    ... quando um indivduo fere mortalmente algum, o seu ato chamado de assassinato; mas quando a sociedade coloca centenas de pessoas em tal situao que por no poderem sobreviver adequadamente, morrem prematuramente e ainda permite que estas condies assim permanea, isto tambm assassinato. Entretanto ningum pode ver o assassino porque a morte parece natural. (Engels, apud Prata,1992).

    Torna-se cada vez mais urgente e tambm relevante a necessidade de

    entender e agir, no sentido de minimizar os efeitos que a concentrao de renda e

    seus reflexos, numa crescente e instalada desigualdade social, produzem na

    sociedade.

    Embora presenciemos um imenso potencial de capacidades produtivas,

    contraditoriamente, estas no esto disponveis para transformar e melhorar as

    condies de vida de grande parte da populao. Consoante mostra Kliksberg

    (2002), de acordo com os dados do Banco Mundial, 1,3 bilho de habitantes

    recebem renda inferior a um dlar por dia, estando, assim, em situao de pobreza

    aguda. Dois quintos da populao mundial no dispem de servios sanitrios

    adequados e nem de eletricidade.

    Ainda analisando o contexto mundial, revelado na desigualdade social e

    de acordo com o relatrio do PNUD/IPEA (1996), verifica-se um aumento acentuado

    do nmero de pobres. Oitocentos milhes de pessoas no recebem alimentao

    suficiente, cerca de quinhentos milhes esto em um estado crnico de desnutrio

    e dezessete milhes morrem por ano por causa de infeces e doenas parasitrias

    curveis, como diarreia, malria e tuberculose.

    Todas as carncias mencionadas vo se configurando num crculo

    perverso de pobreza, como destaca Kliksberg, que chama a ateno para a

    gravidade do problema da desigualdade: o administrador do PNUD, Gustave Speth,

    assinalou, na Cpula Mundial de Copenhague, que enfrent-lo nas prximas

    dcadas algo crucial e inadivel (KLIKSBERG, 2002 p.17).

  • 22

    Percebe-se, nos relatrios de organizaes internacionais, como o Banco

    Mundial, a ONU, a UNICEF e outros, que a situao dos pobres e da desigualdade

    social no est melhorando, destacando-se, ainda,o fato de que esta se acentua de

    maneira mais elevada na Amrica Latina e na frica.

    No contexto de persistncia e agravamento dos problemas sociais, h

    uma exigncia generalizada de se buscar estratgias para a soluo efetiva da

    desigualdade social. No obstante a necessidade de desenvolvimento econmico

    ser uma condio necessria para reduzir a pobreza e a desigualdade social, esta

    no constitui condio suficiente, porquanto necessrio observar a estrutura e a

    qualidade deste crescimento (KLIKSBERG, 2002).

    Para Vaitsman (1992), a estratificao social pode ser, portanto,

    identificada por outras dimenses alm da classe social propriamente dita: pelas

    desigualdades resultantes do acesso diferenciado a recursos socioeconmicos,

    educacionais e ao poder poltico; pelas diferenas tnicas, religiosas e de

    sexualidade; pela exposio desigual a fatores ambientais e geogrficos.

    Ainda, segundo o autor, as desigualdades sociais resultam de

    microrrelaes de poder ao nvel da famlia e instituies (escolas, servios de

    sade etc), e a diversidade presente nas dimenses coletiva (sociocultural) e

    individual (gentica, psquica e subjetiva) complementa o quadro da desigualdade,

    que se reflete na estratificao social.

    Conforme exprime Prata (1992), o desenvolvimento marcado por

    desigualdades histricas ao longo do tempo entre naes, regies dentro de um

    mesmo pas e entre grupos populacionais. Esta histria tambm um fenmeno

    durante o qual indivduos, comunidades e grupos sociais interagem coletivamente

    com o objetivo de melhorar as suas condies de vida, procurando

    consequentemente, sobrepor-se injustia e s disparidades, encontrando as

    prprias estratgias de sobrevivncia.

    Para Kliksberg (2002, p. 23), amplas linhas de pesquisa e discussoe

    aproveitam ao redor de uma reanlise em profundidade dos impactos sobre o

  • 23

    desenvolvimento de formas de acumulao de capital, at agora no avaliadas

    adequadamente.

    Esta nova anlise considera que juntamente com os capitais tradicionais

    o capital natural e o capital constitudo- h de se considerar outras duas

    modalidades de capital: o capital humano e o capital social. O primeiro refere-se

    qualidade dos recursos humanos, e o segundo, alude a elementos qualitativos,

    como valores partilhados, cultura, capacidades para agir sinergicamente e produzir

    redes e acordos voltados para o interior da sociedade (KLIKSBERG, 2002).

    Segundo esse autor, analisando as causas do crescimento econmico

    atravs de estudos do Banco Mundial sobre 192 pases, concluiu-se que no menos

    de 64% do crescimento podem ser atribudos ao capital humano e ao capital social.

    Considerando esta avaliao, formar capital humano corresponde ao

    investimento sistematico e contnuo em educao, sade e nutrio entre outras

    reas.

    Investimentos combinados de educao e sade tm potenciais muito

    elevados. A Organizao Mundial da Sade, a Organizao Pan-Americana de

    Sade e o UNICEF tm estimulam investimentos em reas com elevada taxa de

    mortalidade, obtendo em pouco tempo e com investimentos mnimos impactos muito

    relevantes. Segundo Kliksberg, ao melhorar a educao podemos perceber

    significativas mudanas:

    acrescendo trs anos a mais de escolaridade bsica, segundo dados do Banco Mundial, haveria uma reduo de cerca de 15 por mil na mortalidade infantil. Estes anos significariam o incremento de seu capital educativo e isso lhes permitiria saber lidar melhor com problemas como gravidez na adolescncia, planejamento familiar, pr-natal, cuidado com recm-nascido e gesto nutricional ,( 2002, p. 27).

    A sade tem na sua dimenso individual e coletiva (distribuda no espao

    e no tempo) relao com fatores socioeconmicos, culturais, ambientais e histricos,

    o que submete grupos populacionais, de maneira desigual, a fatores protetores e de

    risco, tornando-os determinantes de sade e doena.

  • 24

    O Brasil apresenta reconhecidamente um dos nveis mais elevados de

    concentrao de renda no mundo. Adotando-se como medida de desigualdade a

    razo entre a renda mdia dos 10% mais ricos em relao dos 40% mais pobres,

    para grande parte dos pases, este indicador tem valores inferiores a 10, enquanto,

    no Brasil, este parmetro situa-se no patamar de 30 (FGV, 2006).

    Tomando-se como referencial a razo entre a renda mdia familiar per

    capita entre os dois ltimos nveis da distribuio de renda, este ndice menor do

    que 1,5 nos Estados Unidos, Japo e Hungria, situa-se em torno de 2,3 no Mxico e

    na Argentina enquanto no Brasil ultrapassa o valor de 3,0 (PNUD/IPEA, 1996).

    O modo de vida das pessoas e as condies em que elas vivem e

    trabalham influenciam consideravelmente a sua sade e a sua longevidade. Os

    cuidados mdicos podem prolongar a vida depois de se ter sofrido algumas doenas

    graves, mas as condies econmicas e sociais, que afetam o estado de sade das

    pessoas, so mais importantes em termos de benefcio para a sade das

    populaes.

    A maior parte das doenas e das causas de morte mais frequente,

    quanto mais baixa for a hierarquia social. Na sade, o fosso social reflete a

    desvantagem material e os efeitos da insegurana, ansiedade e falta de integrao

    social (Frum Juntos pela Sade). De acordo com o texto citado no Frum, essa

    desvantagem tem muitas formas e pode incluir a escassez de bens da famlia, a

    deficincia da educao na fase da adolescncia, a falta de perspectiva de

    crescimento profissional, ms condies de trabalho, ms circunstcias de habitao

    e dificuldades no sustento da famlia.

    Estudos evidenciam, tambm, que os socialmente menos privilegiados

    tendem a adoecer mais precocemente. Por exemplo, algumas doenas crnico-

    degenerativas tendem a se desenvolver nos grupos socialmente menos privilegiados

    at trinta anos antes de seu surgimento nos indivduos dos grupos no topo da

    pirmide social (HOUSE, 1990).

  • 25

    As pesquisas e relatrios apontam que existe intensa correlao entre

    indicadores sanitrios e renda per capita; isto , o aumento da renda per capita

    tende a ser acompanhado de melhoria dos indicadores sanitrios. O efeito da renda

    per capita na sade,entretanto, tende a diminuir medida que a renda ultrapassa

    determinado valor, pois o crescimento da renda tem maior impacto na sade de

    populaes mais pobres, j que possibilita a aquisio dos bens bsicos, como

    comida e moradia. O patamar educacional e, no caso de crianas, o grau de

    instruo da me so, tambm, fatores reconhecidamente associados sade

    (TRAVASSOS et al, 1995).

    Evans (1994) sugere algumas questes instigantes. Com base em

    estudos prvios, aponta que incorreta a interpretao mais corriqueira de atribuir-

    se correlao entre condies sociais e sade a existncia de indivduos em

    situao de pobreza, privados das condies materiais bsicas necessrias boa

    sade. Sem desconsiderar a noo de que pobreza est associada a precrias

    condies de sade, chama ateno para o fato de que a associao entre

    condies sociais e sade mantm-se para todo o espectro das desigualdades

    sociais.

    A autora chama ateno para a ideia de que as desigualdades em sade

    refletem nas desigualdades sociais, principalmente em funo da relativa

    efetividade das aes de sade. A igualdade no uso de servios de sade

    condio importante para diminuir as disparidades entre os grupos sociais.

    Entre os fatores explicativos da associao entre concentrao de renda

    e situao de sade, sobressai a falta de investimento em polticas sociais (KAPLAN

    apud SZACALD ET alii, 1999). Partindo com arrimo neste entendimento, possvel

    dizer que as sociedades com grande nvel de concentrao de renda so as que

    menos investem em programas sociais. Isto tem reflexos na sade e na educao

    pblicas, alm de outras reas de interesse social, como habitao e capacitao

    profissional. Neste contexto, para Travassos et al (1995), as condies de sade

    refletem as desigualdades de acesso aos servios coletivos necessrios ao bem-

    estar social.

  • 26

    O uso de servios de sade pode impactar positivamente o bem-estar das

    populaes, prevenindo a ocorrncia e mesmo erradicando algumas doenas (por

    exemplo, doenas imunoprevenveis). Alm disso, tal fato reduz a mortalidade por

    causas especficas e aumenta as taxas de sobrevivncia (por exemplo, tratamentos

    para alguns tipos de cncer). No mais, os servios de sade devem desempenhar

    um papel relevante no aumento do conforto e na diminuio do sofrimento, em

    particular da dor, entre os pacientes (BROOK, 1991).

    Uma vertente explicativa complementar entende que a desigualdade de

    renda tem efeitos sobre a qualidade de vida, aumentando a frustrao, o estresse e

    fomentando rupturas sociais e familiares, o que implica deteriorao adicional das

    condies de sade, por meio da dinmica auto e hetero destrutiva de fenmenos

    sociais complexos em interao permanente com o quadro especfico da sade,

    como o crescimento das taxas de criminalidade e do abuso do lcool e de drogas

    ilcitas, e a disseminao do HIV e outras doenas de transmisso sexual

    (WALLACE et al., 1996).

    Na medida em que, nas sociedades a sade vista como um direito

    fundamental, somos obrigados a reconhecer que cabe ao Estado, com vistas a

    resguardar o bem coletivo, dispor aos cidados servios de qualidade.

    importante nesta anlise compreender de que forma as desigualdades

    sociais e de renda so expressas, no contexto aqui j apontado, como fatores

    determinantes e condicionantes que incidem sobre a sade pblica no Brasil e de

    que forma o governo assume a responsabilidade de minimizar estes efeitos, seja da

    desigualdade social, seja das condies de acesso aos servios de educao e

    sade.

    Alm da viso de que a desigualdade social expressa pela diferena de

    renda, o programa Bolsa Famlia engloba a ideia de que a desigualdade social no

    Brasil tambm se expressa pela desconformidade na situao educacional e de

    sade, em relao a pobres e ricos.

  • 27

    No que tange sade, algumas mudanas de paradigmas e de atuao

    do Poder Pblico tambm se fizeram de suma importncia, a fim de suavizar estas

    disparidades no campo sociolgico e que so sentidas pelos pases em

    desenvolvimento, como o Brasil.

    Inicialmente, cabe considerar que o conceito de sade apresentava uma

    perspectiva individualista e de cunho estritamente biolgico, tendo evoludo para

    uma viso mais ampla e afeioada com o social, de modo que o indivduo visto

    como inserido em um grupo e contextualizado no seu meio. Significa isto dizer,

    anteriormente, a sade era to- s compreendida sob o enfoque do tratamento da

    doena que acometia o indivduo, ou seja, considerando apenas a assistncia

    mdico-hospitalar, olvidando-se, assim, da anlise de fatores outros, como o meio

    que o circunda, o contexto scio ideolgico no qual est inserido e tantas outras

    variveis que contribuem para a adoo de polticas preventivas e educativas, as

    quais resguardam no s o indivduo, em si, mas a coletividade, segundo

    consideraes de Terris (1992).

    Nesse sentido, foi de substancial importncia a remodelao do conceito

    de sade pblica proposta por Terris (1992): a arte e a cincia de prevenir a doena

    e a incapacidade, prolongar a vida e promover a sade fsica e mental mediante os

    esforos organizados da comunidade . Assim, Terris (1992) prope quatro tarefas

    bsicas para a teoria e prtica de uma Nova Sade Pblica: preveno das

    doenas no infecciosas, promoo da sade, melhoria da ateno mdica e da

    reabilitao.

    A sade passa a estar ligada no s mazela que acomete o indivduo,

    mas ao seu bem-estar dentro da comunidade, valendo-se mais de uma poltica de

    preveno e busca da higidez fsica e mental do que de uma poltica de represso.

    Saliente-se que se faz necessrio um acompanhamento paulatino da comunidade,

    com vistas a observar os diversos fatores incisivos na efetivao da sade pblica.

    Segundo esse mesmo autor, para se ter sade, necessrio um padro

    de vida aceitvel, no qual esto includas condies apropriadas de trabalho,

    educao, atividades culturais e recreao. Resta claro, portanto,a interao da boa

  • 28

    sade com os demais fatores sociais, como o nvel de renda, a educao e o

    trabalho.

    Nesse contexto de conduo a um slido conceito de sade pblica,

    estabelecida como um direito fundamental de cunho coletivo, comeam a se

    consolidar as conferncias internacionais, voltadas ateno bsica sade, como

    se pode observar na Carta de Ottawa de (1986).

    A Organizao Mundial de Sade (OMS), com o objetivo de empreender

    polticas de Promoo da Sade, publicou a denominada Declarao de Alma-Ata, a

    qual foi resultado de uma assembleia realizada na capital do Cazaquisto. Nessa

    Declarao, aprofundou-se a necessidade de se valorizar a sade pblica ou

    coletiva, que tambm se consubstanciou em instrumento contnuo para o

    desenvolvimento econmico e social, melhorando a qualidade de vida das pessoas.

    Seguindo o posicionamento do que predispunham as conferncias

    internacionais, a Constituio Brasileira de 1988 restou por efetivar a sade como

    um direito fundamental, nos moldes encontrados no art. 6 da Carta Magna, bem

    como estabeleceu o Sistema nico de Sade, o qual intenta se orientar por essa

    necessidade de uma sade pblica, no s afeta ao aspecto individual e biolgico

    (ANDRADE, 2001).

    Vale salientar, ainda, a estruturao do chamado Programa de Sade da

    Famlia, o qual tem por objetivo acompanhar a situao de inmeros grupos

    familiares, nos mais variados municpios, implementando uma gesto preventiva e

    orientada pela busca do bem-estar populacional, uma vez que composta por uma

    equipe multidisciplinar (BRASIL,1997).

    Desta forma, essas atuaes voltadas a uma busca pela efetivao da

    sade pblica, aliadas a programas de transferncia de renda, so imprescindveis

    para maior harmonizao do quadro social destoante do que encontramos no Brasil.

    Este posicionamento ser ponto da discusso do tpico seguinte, que aborda ainda

    o contexto e as configuraes dos programas de transferncia de renda mnima, que

    ganham expresso com o advento da Constituio Federal de 1988 e se

  • 29

    concretizaram amplamente em 2003, no governo Lula, principalmente por via do

    Programa Fome Zero.

    2.2. As novas configuraes dos programas de transferncia de renda: O Fome

    Zero e o Bolsa Famlia

    A transferncia de renda como direito do cidado institui-se com a

    Constituio Federal de 1988, quando trouxe nova concepo para a assistncia

    social brasileira, incluindo-a no mbito da seguridade social e regulamentada pela

    Lei Orgnica da Assistncia Social LOAS em dezembro de 1993. Dessa forma, a

    assistncia social passou para o campo dos direitos, da universalizao dos acessos

    e da responsabilidade estatal (BRASIL, 2004).

    De acordo com o artigo primeiro da LOAS,

    (...)a assistncia social, direito do cidado e dever do Estado, Poltica de Seguridade Social no contributiva, que prev os mnimos sociais, realizada atravs de um conjunto integrado de iniciativa pblica e da sociedade, para garantir o atendimento s necessidades bsicas. (LOAS lei 8.742 de 7 de dezembro de 1993).

    Inserida no campo da seguridade social, a assistncia social ganhou nova

    configurao que perpassa agora o campo da proteo social, ou seja, ao articular-

    se a outras polticas sociais, est apontada para a garantia dos direitos, de proteo

    e de condies dignas de vida (DI GIOVANNI1998 apud PNAS, 2004, p. 31).

    Entendem-se por proteo social as formas:

    (...)institucionalizadas que as sociedades constituem para proteger parte ou o conjunto de membros. Tais sistemas decorrem de certas vicissitudes da vida natural ou social, tais como a velhice, a doena, o infortnio, as privaes (...) Neste conceito, tambm, tanto as formas seletivas de distribuio e redistribuio de bens materiais (como a comida e o dinheiro), quanto os bens culturais (como os saberes), que permitiro a sobrevivncia e a integrao, sob vrias formas na vida social. Ainda, os princpios reguladores e as normas que, com intuito de proteo, fazem parte da vida das coletividades.

    Partindo desse entendimento, a assistncia social, na qualidade de

    poltica de proteo e espao de ampliao do exerccio do seu protagonismo,

  • 30

    configura-se como possibilidade de reconhecimento da legitimidade das demandas

    de seus usurios.

    De acordo com a PNAS - Poltica Nacional de Assistncia Social (2004), a

    proteo social deve garantir as seguintes seguranas: de sobrevivncia (de

    rendimento e autonomia), de acolhida e de convvio ou vivncia familiar (BRASIL,

    2004).

    na segurana de sobrevivncia, de rendimento, que o programa de

    transferncia de renda se apoia como garantia de direitos. A segurana de

    rendimento, direito socio assistencial, a garantia de que todos tenham uma forma

    monetria de assegurar sua sobrevivncia, independentemente de suas limitaes

    para o trabalho ou do desemprego, ou seja, devem ser assistidas todas aquelas

    pessoas e famlias em situao de vulnerabilidade social (BRASIL, 2004).

    nesse contexto, ps- Constituio Federal de 1988, que emergem, com

    maior intensidade, os movimentos sociais, de modo que h uma rearticulao

    poltica da sociedade brasileira. A populao tem em mente a busca pela unificao

    e ampliao da participao poltica das classes populares e pela efetivao dos

    direitos sociais j regulamentados na Constituio Federal, fato este que d ensejo

    s primeiras discusses sobre os programas de transferncia de renda.

    Assim, surgiu, em meados de 1991, o Projeto de Lei n. 80/1991, de

    autoria do senador Eduardo Suplicy, propondo a Garantia de Renda Mnima

    (PGMR). O projeto previa uma complementao de renda dos indivduos de mais de

    vinte e cinco anos que recebessem abaixo do teto legalmente estabelecido.

    Tal ideal se inseriu na consolidao histrica das novas configuraes

    que assumem os programas de transferncia de renda no Brasil, sendo ainda um

    marco da instaurao de um debate que se amplia nos anos subsequentes

    (SUPLICY, 2002; SILVA, 2004).

    No obstante, quando se iniciaram os debates acerca dos programas de

    transferncia de renda, no ano de 1991, a conjuntura poltica no se mostrava

  • 31

    favorvel implantao de qualquer ao voltada para o enfrentamento da pobreza.

    S ento, em 1992, com a instituio do movimento tica na poltica, que culminou

    com o impedimento do presidente Fernando Collor de Melo, foi posta em pauta a

    temtica da fome e da pobreza (SILVA, et al ,2004).

    Ainda na dcada de 1990, introduzida nos programas de transferncia

    de renda a ideia de articulao de um projeto que aliasse educao assistncia

    social, por via de concesso de uma bolsa mensal s famlias que mantivessem

    seus filhos de sete a quatorze anos regularmente matriculados em instituies

    pblicas de ensino.

    Percebe-se, desta forma, que as discusses j apontavam para a

    argumentao da deficincia da formao educacional, como fator limitante para a

    elevao da renda de futuras geraes.

    Algumas experincias, seguindo esta concepo, foram iniciadas em

    1995, em prefeituras municipais como Campinas, Ribeiro Preto e Santos,alm de

    Braslia-DF, e em outros vrios municpios e estados da Federao, influenciando,

    assim, a formulao de programas nacionais (LINHARES, 2005)

    O elemento que qualificou o penltimo ano do governo Fernando

    Henrique Cardoso, ano de 2001 foi a expanso e criao dos programas de

    iniciativa do Governo Federal, com destaque para o Bolsa Escola e o Bolsa

    Alimentao, os quais foram implementados de forma descentralizada, no contexto

    municipal, alcanando a maioria dos municpios brasileiros (LINHARES, 2005)

    Essa articulao de programas foi denominada de grande rede nacional

    de proteo social, composta por 12 deles, que tm como ponto central, a

    transferncia de renda para os beneficirios, os quais so definidos com base em

    uma linha de pobreza (LINHARES, 2005).

    O ano de 2003, primeiro ano do governo do presidente Luis Incio Lula da

    Silva, apontou para mudanas significativas no plano das polticas de transferncia

  • 32

    de renda de abrangncia nacional. Nesse sentido, a prioridade foi o enfrentamento

    da fome e da pobreza no Pas, nos termos do que exps o Presidente:

    Meu primeiro ano de mandato ter o selo do combate fome. Um apelo solidariedade para com os brasileiros que no tm o que comer. Para tanto, anuncio a criao de uma Secretaria de Emergncia Social, com verbas e poderes para iniciar, j em janeiro, o combate ao flagelo da fome. Estou seguro de que esse , hoje, o clamor mais forte do conjunto da sociedade. Se ao final do meu mandato, cada brasileiro puder se alimentar trs vezes ao dia, terei realizado a misso de minha vida. (O GLOBO, 07/10/2003).

    Foi, portanto, com este objetivo de combate fome, que o governo

    federal trouxe a pblico o Programa Fome Zero, que se tornou uma referncia

    mundial no combate fome. Este programa foi traado para ser abrangente,

    coordenando medidas estruturais, especficas e locais.

    O Programa Fome Zero configura-se como um conjunto de aes

    implantadas gradativamente pelo Governo Federal, que tem por principal objetivo

    promover aes para garantir segurana alimentar e nutricional aos brasileiros. As

    iniciativas envolvem todos os ministrios, as quatro esferas de governo

    (federal,distrital, estadual e municipal) e a sociedade, atacando as causas estruturais

    da pobreza, o que requer outro modelo de desenvolvimento, que crie condies para

    a superao da misria (BRASIL, 2008).

    Entretanto, Para Frei Beto (UOL, 2008),entretanto, o Programa Fome

    Zero, que foi concebido no mbito de uma compreenso emancipatria, apresenta-

    se reduzido em suas finalidades, j que o Bolsa Famlia tem um carter mais

    assistencialista, mas aps a sua implantao passou a ser a principal poltica de

    superao da pobreza no Brasil, tendo sido deixadas em segundo plano as outras

    aes do Fome Zero, que incluem reformas de estrutura necessrias para respaldar

    as medidas que considera assistencialistas, como a transferncia de renda, pois,

    para o autor, no adianta distribuir renda sem ao mesmo tempo efetivar, por

    exemplo, a distribuio de terra.

    De qualquer maneira, as discusses apontam que o Programa Fome Zero

    pelo menos evidenciou, sobremaneira, a temtica da pobreza, ao trazer para o

  • 33

    debate pblico o problema da fome, envolvendo a mdia, a opinio pblica, os

    especialistas de reas diversas, as universidades, as lideranas locais, os

    governantes de estados e municpios e outros cidados do Pas.

    O Programa Fome Zero enquadra a pobreza e a fome como questes

    pblicas, que pem em foco as opes de futuro para o Pas e os desafios da

    cidadania e da conquista democrtica nesta sociedade excludente e desigual

    (TELLES, 1998, p. 3).

    , portanto, a disputa poltica, de realizar ou no, um processo de

    efetivao de direitos, ou de continuidade do assistencialismo que conceder novo

    rumo poltica de transferncia de renda. Assim, segundo (Iamamoto, (1998, p.28),

    (...)sendo desigualdade tambm rebeldia, por envolver sujeitos que vivenciam as desigualdades e a ela resistem e se opem. nesta tenso entre produo da desigualdade e produo da rebeldia e da resistncia que se movem interesses sociais distintos e que disputam os sentidos da sociedade.

    Como acentua Valente (2003, p.23), referindo-se solidariedade de

    grandes grupos empresariais (Po de Acar, Nestl e outros),

    (...) a Segurana Alimentar da populao no pode ser garantida por meio da solidariedade (...) estas aes devem ser progressivamente assumidas pelo Estado e desenvolvidas dentro da tica de garantia de direitos e inseridas em um processo emancipatrio de construo da cidadania.

    As polticas sociais pblicas, por si, mediante suas competncias e

    objetivos, no conseguiriam reverter os nveis to elevados de desigualdades sociais

    vivenciadas no Brasil, mas sabe-se tambm que as polticas sociais suprem

    necessidades e direitos concretos de seus usurios. Constata-se,no entanto, que no

    Brasil nunca foi adotada uma poltica global de enfrentamento pobreza, ao

    contrrio, as polticas sociais brasileiras exibem-se isoladas e tmidas, incapazes

    sequer de atenuar a enorme desigualdade que caracteriza a sociedade (YASBECK,

    2002).

  • 34

    Com intuito de combater a pobreza e, principalmente, a fome, o Fome

    Zero o eixo condutor dos programas e aes sociais, pois essa poltica pblica se

    baseia, como j apresentado, na combinao de atuaes emergenciais com

    programas emancipatrios, para romper o crculo vicioso da fome, da misria e da

    excluso social (BRASIL, 2006).

    Como poltica especfica emergencial, foi criado o Carto Alimentao

    (PCA-Programa Carto Alimentao), que definiu um benefcio de R$ 50,00 para

    cada famlia com renda mensal per capita inferior a meio salrio mnimo. As pessoas

    beneficirias tinham necessariamente que restringir seus gastos compra de

    alimentos, de tal sorte que o Governo Federal exigia a emisso de recibos e notas

    fiscais (BRASIL, 2006).

    Conforme Yasbeck (2002),

    (...)o corte do pblico beneficirio pela linha de pobreza parece ser um dos pontos mais vulnerveis do programa, por focar nos mais pobres entre os pobres, promovendo seu cadastramento discriminatrio e sua fragmentao. Esse corte, para definir os beneficirios, acaba por estabelecer uma 'discriminao' que pode surtir efeitos negativos. Segundo a autora tal parmetro de seleo pode excluir famlias e pessoas que tambm esto em condies de pobreza e vulnerabilidade.

    Em 20 de outubro de 2003, o Programa Carto-Alimentao foi

    substitudo pelo Programa Bolsa-Famlia, com o objetivo de unificar os programas

    nacionais de transferncia de renda. Esse momento foi marcado tambm por uma

    expanso do pblico atendido pelos programas, o que ocorreu em virtude da

    ampliao dos recursos a eles destinados (BRASIL-PRESIDNCIA DA REPBLICA,

    2003).

    Nesse sentido, j podemos falar na instituio de uma Poltica Nacional

    de Transferncia de Renda, que passou a se constituir o eixo central da proteo

    social no Brasil. Dessa forma, o Programa Bolsa Famlia foi lanado tendo como

    finalidade:

    (...)a unificao dos procedimentos de gesto e execuo das aes de transferncia de renda do Governo Federal, especialmente as do Programa Nacional de Renda Mnima vinculado Educao Bolsa Escola, do Programa Nacional de Acesso Alimentao PNAA do Programa Nacional de Renda Mnima vinculada sade Bolsa

  • 35

    Alimentao, do Programa Auxlio-Gs e do Cadastramento nico do Governo Federal. (BRASIL-PRESIDNCIA DA REPBLICA MP, n 132, art. 1, pargrafo nico, 2003).

    No Programa Bolsa Famlia, podemos identificar cinco objetivos bsicos

    em relao aos seus beneficirios, quais sejam:

    (...)promover o acesso rede de servios pblicos em especial, de sade, educao e assistncia social; combater a fome e promover a segurana alimentar e nutricional; estimular a emancipao sustentada das famlias que vivem em situao de pobreza e extrema pobreza; combater a pobreza e promover a intersetorialidade, a complementariedade e a sinergia das aes sociais do Poder Pblico. (PRESIDNCIA DA REPBLICA, Decreto n 5.209 de 17 /09/2004, art 4).

    De acordo com a concepo do Programa, o pblico beneficirio passa

    do campo de abrangncia da pessoa, considerada singularmente, para a vinculao

    do benefcio famlia, entendida como

    unidade nuclear, eventualmente ampliada por outros indivduos que com ela possuam laos de parentesco ou afinidade, que forme um grupo domstico, vivendo sob o mesmo teto e que se mantm pela contribuio de seus membros. (PRESIDNCIA DA REPBLICA, Lei n 10.836, de 09/01/2004).

    O Cadastro nico do Governo Federal o banco de dados no qual as

    famlias so registradas. Aps o cadastramento, so selecionados os grupos

    familiares enquadrados no perfil legal, com renda per capita de at 137 reais, que

    tero ingresso no Programa Bolsa Famlia.

    s famlias em situao de extrema pobreza, com renda per capita at

    R$ 69,00, destina-se um benefcio fixo no valor de R$ 62,00, que pode ser

    acrescido por at trs benefcios eventuais no valor de R$ 20,00, por filho de at 15

    anos, e ainda por um benefcio jovem no valor de R$ 30,00 por at dois

    adolescentes de 16 e 17 anos, totalizando o mximo de R$ 182,00 por famlia

    (BRASIL, 2008).

    O segundo grupo de famlias elegveis ao Programa Bolsa Famlia so as

    famlias em situao de pobreza, com renda per capita entre R$ 69,01 e R$ 137, 00,

    podendo receber at trs benefcios eventuais no valor de R$ 20,00, por filho de at

  • 36

    15 anos, e ainda um benefcio jovem no valor de R$ 30,00 por at dois

    adolescentes de 16 e 17 anos, totalizando o valor mensal de R$ 120,00 por famlia

    (BRASIL, 2008).

    Soares (2006) aludem existncia da varivel de renda per capita para

    eleger ou retirar as famlias do acesso ao Programa Bolsa Famlia. Por esse critrio

    de seleo, a renda per capita, pode ensejar incentivos dependncia, uma vez

    que ao ter sua renda aumentada pela aquisio de trabalho de um de seus

    membros, a famlia ser desligada do Programa, mesmo que este trabalho possa

    ser temporrio. Para o autor, a famlia beneficiria deveria ter a segurana de que

    iriam contar com este auxlio enquanto permanecerem vulnerveis, como forma de

    serem incentivadas a superar definitivamente os determinantes da vulnerabilidade.

    Por meio da unificao dos programas e benefcios, o Bolsa Famlia

    viabiliza a ampliao de seu pblico-alvo, incluindo o atendimento a famlias sem

    filhos, e outros grupos como quilombolas, indgenas e moradores de rua. Essa

    unificao tambm possibilita incrementar a qualidade dos gastos

    pblicos,assentada em uma gesto coordenada e integrada de forma intersetorial.

    A implantao do Programa Bolsa-Famlia, no plano local, de

    responsabilidade da Prefeitura Municipal, cabendo sociedade civil a tarefa de

    controlar as polticas pblicas (YASBECK 2002).

    Para execuo do Programa Bolsa Famlia, os municpios assumem uma

    srie de responsabilidades e atribuies, que vo desde a identificao e

    cadastramento das famlias, gesto de benefcios, gesto e acompanhamento das

    condicionalidades e oferta de servios educacionais e de sade que iro viabilizar o

    cumprimento das condicionalidades.

    Condicionalidades o termo usado para identificar os compromissos que

    a famlia assumem em relao ao Programa, para que receba o recurso financeiro,

    quais sejam: acompanhamento do crescimento e desenvolvimento infantil para as

    crianas de zero a sete anos, assistncia ao pr-natal e ao puerprio, vacinao,

    frequncia mnima de 85% da carga horria escolar mensal, em estabelecimento de

  • 37

    ensino regular, de crianas e adolescentes de seis a quinze anos, frequncia de

    85% a aes scio educativas do Programa de Erradicao do Trabalho Infantil

    PETI (BRASIL,2006).

    De acordo com o Decreto N 5.209, de 17 de setembro de 2004, as

    famlias no podero ser apenadas com a suspenso ou cancelamento do benefcio

    quando no puderem cumprir as condicionalidades por ausncia de oferta dos

    servios previstos, por fora maior ou caso fortuito (BRASIL-PRESIDNCIA DA

    REPBLICA, Decreto N 5.209 de 17/09/2004, art. 4).

    O histrico dos programas nacionais de transferncia de renda demonstra

    que estes sempre esto acompanhados da necessidade de uma contrapartida, por

    parte dos seus beneficirios, o que no Programa Bolsa Famlia foi denominada de

    condicionalidades, como j citado.

    Para o Programa Bolsa Famlia, o cumprimento destas condicionalidades

    se apresenta como uma forma que as famlias tm de acessar ou de garantir direitos

    sociais que j lhes so assegurados. Dessa forma, o cumprimento das

    condicionalidades representa o exerccio de direitos, para que as famlias possam

    alcanar sua autonomia e sua incluso social sustentvel, as quais impulsionam a

    melhoria da qualidade da educao e o acesso a servios de sade, rompendo um

    ciclo intergeracional de pobreza a que a maioria das famlias est submetida

    (BRASIL, 2008).

    Em tese, o Programa Bolsa Famlia percebe a desigualdade social de

    forma coerente com outros programas redistributivos de renda e os ataca

    basicamente em trs linhas: a desigualdade de renda, de educao e de sade,

    distribuindo renda e colocando a necessidade de que as famlias atendam a um

    conjunto de condicionalidades na educao e na sade.

    Com isso, o municpio assume a responsabilidade e o compromisso de

    garantir o acesso aos servios e programas que efetivem a estas famlias o que lhe

    solicitado como contrapartida, ou condicionalidade para o recebimento do

    benefcio.

  • 38

    Com efeito, necessrio que haja articulao intersetorial capaz de

    articular e mobilizar os diversos segmentos envolvidos, responsveis pela oferta,

    monitoramento a gesto de servios, dentre os quais podemos citar sade,

    educao e assistncia social.

    Os conselhos de controle social do Programa Bolsa Famlia so rgos

    colegiados de carter permanente, com funes de acompanhar, avaliar e fiscalizar

    a execuo da poltica de transferncia de renda e incluso social.

    Sua composio deve ser ampla, de modo a assegurar s suas

    deliberaes a mxima representatividade e legitimidade, devendo esses colegiados

    ser constitudos por integrantes das reas da assistncia social, da sade, da

    educao, da segurana alimentar e da criana e do adolescente, quando

    existentes, sem prejuzo de outras reas que o municpio julgar conveniente. O

    nmero de vagas para as entidades ou organizaes representantes da sociedade e

    dos beneficirios deve abranger pelo menos a metade do total de participantes dos

    conselhos.

    De acordo com o decreto que regulamenta o Programa Bolsa Famlia, o

    Conselho pode ser constitudo especificamente para o Programa ou suas funes

    podem ser desempenhadas por outros conselhos formalmente institudos, desde

    que atendidos os princpios de intersetorialidade e de composio paritria entre

    Governo e Sociedade.

    Como j mencionamos, no entanto, a sociedade civil, tambm

    corresponsvel pela execuo e gesto destas condicionalidades e pela avaliao e

    acompanhamento do Programa.

    2.3 Poltica Nacional de Assistncia Social: contexto de implantao do Centro

    de Referncia da Assistncia Social - CRAS

    O sistema de proteo social que vigorou no Brasil por quase todo o

    sculo XX foi organizado durante as dcadas de 1930 e 1940 (PEREIRA, 2002).

  • 39

    Verifica-se quem, a partir de 1930, a pobreza passou a ser reconhecida pelo Estado

    como questo social e poltica, surgindo assim a atuao dos mecanismos de

    proteo da coletividade.

    Na dcada de 1940, destacaram-se algumas medidas que constituiram o

    arcabouo de atuao do Estado na proteo e regulao social, podendo ser

    citadas a promulgao da Consolidao das Leis do trabalho CLT, em 1942, e a

    instituio do salrio mnimo, considerado como a primeira iniciativa de

    estabelecimento de um patamar razovel de renda para o trabalhador brasileiro.

    Dessa forma o sistema de proteo social brasileiro foi formado com

    amparo em dois modelos distintos que se combinam. Como ressalta Fleury (2003)

    um modelo de seguro social estabelecido em bases contratuais, cujo direito social

    est condicionado a uma contribuio prvia- a condio de trabalho. Este seguro

    abarca a rea previdenciria e a sade; o segundo modelo, denominado

    assistencial, destinado populao no atendida pelo modelo anterior por no

    possuir os vnculos trabalhistas. Esta forma no estabelece uma relao de direito

    social.

    No perodo de 1946 a 1964, no se verificaram transformaes

    significativas nesse modelo. Houve, na verdade, uma expanso do sistema de

    seguro social, embora o perodo compreendido pelos governos militares tenha

    significado uma ruptura no sistema poltico, e no promoveu alteraes na lgica de

    funcionamento do sistema de proteo social (FLEURY, 2003).

    O cenrio poltico comeou a mudar na segunda metade da dcada de

    1970 A repercusso do aumento dos ndices de pobreza no Brasil com a divulgao

    do Censo de 1970, trouxe a preocupao com a pobreza no discurso oficial. O

    regime militar deu sinais de esgotamento e foi neste contexto que a poltica social

    teve o papel estratgico de reaproximar o Estado da Sociedade (PEREIRA, 2002).

    Na dcada de 1980, no contexto da redemocratizao, houve crescimento

    dos movimentos sociais, que iniciaram a luta pela ampliao e universalizao dos

  • 40

    direitos, culminando com a Constituio Federal de 1988, representando uma

    importante inflexo no padro de proteo social no Brasil.

    Para Fleury (2003), o perodo que engloba os governos de Collor, Itamar

    Franco e Fernando Henrique Cardoso foi de grande submisso s influncias

    externas que expressavam uma onda conservadora sob hegemonia do capital

    financeiro e de orientao neoliberal.

    Em 1990, com o governo Collor, a assistncia social passou a ser

    destinada somente queles considerados realmente incapacitados. Durante o

    governo de Itamar Franco, surgiu o Plano Real, que, dentre tantos objetivos, tinha

    por meta a retrao das polticas sociais mediante cortes de gastos nesta rea,

    subordinando, assim, mais uma vez, o social ao capital (SILVA, 2007).

    Nessa poca, houve ainda a dissoluo dos principais rgos

    governamentais de assistncia, como: o Centro Brasileiro para a Infncia e

    Adolescncia (CBIA); a Legio Brasileira de Assistncia (LBA) e o Conselho de

    Segurana Alimentar (CONSEA). O referido governo de Itamar Franco efetivou, de

    modo mais acelerado, as polticas de ajuste estrutural determinadas pelos

    organismos financeiros internacionais para os pases da Amrica Latina, no intuito

    de reduzir os gastos estatais com os servios sociais prestados populao, dando

    fora, assim, nova configurao do Estado capitalista, de carter neoliberal

    (SILVA, 2007).

    Hoje, a assistncia social no Brasil tem assento constitucional, sendo

    parte integrante da seguridade social. Podemos defini-la como um amparo estatal

    baseado no princpio humanitrio de ajudar indigentes, reconhecidamente pobres,

    que no podem gozar dos benefcios previdencirios (BRASIL, 2004).

    A Poltica Nacional de Assistncia Social/2004 aborda a proteo social

    em uma perspectiva de articulao com outras polticas do campo social, dirigidas a

    uma estrutura de garantias de direitos e de condies dignas de vida (BRASIL,

    2004).

  • 41

    O princpio da ateno social alcana, com efeito, um patamar balizado

    pelo esforo de viabilizao de um novo projeto de desenvolvimento, no qual no se

    pode pleitear a universalizao dos direitos seguridade social e da proteo social

    pblica, sem a composio correta e suficiente da poltica pblica de assistncia

    social em nvel nacional (BRASIL, 2004).

    Os princpios da poltica municipal de assistncia social so norteados

    pela Lei Orgnica de Assistncia Social para a universalidade e efetivao dos

    direitos sociais, com base nas exigncias de rentabilidade econmica, para garantia

    de benefcios, de servios com qualidade e sem discriminao (BRASIL, 2004).

    As diretrizes so definidas na descentralizao poltico-administrativa,

    com base na participao popular e centralidade na famlia. de responsabilidade

    do Estado a conduo da Poltica de Assistncia Social, em consonncia com as

    quatro esferas de governo, respeitando as especificidades de cada territrio e tendo

    por objetivos

    Desenvolver e executar os programas e servios integrados s polticas setoriais, contribuindo para incluso social e ampliao dos servios, tendo como foco a proteo social do indivduo dentro do mbito familiar; atender cidados e grupos que se encontram em situaes de vulnerabilidade e riscos. (BRASIL, 2004).

    A contribuio da assistncia social nessa perspectiva, implementada

    como poltica pblica afianadora de direitos, deve se realizar por meio de uma

    estrutura poltico-administrativa que ressalte a fundamental relevncia do processo

    da descentralizao, quanto ao redesenho do papel e da escala espacial de

    organizao dos servios. Trata-se, efetivamente, de operar um modelo

    emancipatrio, que requeira, ento, a proviso das medidas da poltica de

    assistncia social que responda s necessidades individuais, decorrentes da

    situao de vida das famlias (BRASIL, 2004).

    Tal padro se realiza com respaldo nos parmetros de proteo, que

    demarcam a sua especificidade no campo das polticas sociais e das

    responsabilidades de Estado, prprias a serem asseguradas aos cidados

  • 42

    brasileiros: a proteo social bsica e especial de mdia e alta complexidade

    (BRASIL, 2004).

    A proteo social de assistncia social consiste no conjunto de aes,

    cuidados, atenes, benefcios e auxlios ofertados pelo Sistema nico da

    Assistncia Social SUAS, para reduo e preveno do impacto das

    vulnerabilidades sociais e naturais ao ciclo de vida, dignidade humana e famlia

    como ncleo bsico de sustentao afetiva, biolgica e relacional (BRASIL, 2004).

    A Proteo Social de Assistncia Social, ao ter por direo o

    desenvolvimento humano e social e os direitos de cidadania, tem por princpios: a

    matricialidade scio-familiar; territorializao, a proteo pr-ativa; integrao

    seguridade social e integrao s polticas sociais e econmicas (BRASIL, 2004).

    A Proteo Social Especial a modalidade de atendimento assistencial

    destinada s famlias e indivduos que se encontram em situaes de risco pessoal

    e social, por ocorrncia de abandono, maus tratos fsicos e, ou, psquicos, abuso

    sexual, uso de substncias psicoativas, cumprimento de medidas scio-educativas,

    situao de trabalho infantil, entre outras.

    Alm de privaes e diferenciais de acesso a bens e servios, a pobreza

    associada desigualdade social e a perversa concentrao de renda, revelam-se

    numa dimenso mais complexa: a excluso social.

    O termo excluso social confunde-se, comumente, com desigualdade,

    misria, indigncia, pobreza (relativa ou absoluta), apartao social, dentre outras.

    No obstante, diferentemente de pobreza, da misria, da desigualdade e da

    indigncia, que so situaes, a excluso social um processo que pode levar ao

    acirramento da desigualdade e da pobreza e, enquanto tal apresenta-se

    heterognea no tempo e no espao (VAITSMAN, 1992).

    A Proteo Social Bsica tem como objetivos prevenir situaes de risco

    por meio do desenvolvimento de potencialidades e aquisies, e o fortalecimento de

    vnculos familiares e comunitrios. Destina-se populao que vive em situao de

  • 43

    vulnerabilidade social decorrente da pobreza, da privao (ausncia de renda,

    precrio ou nulo acesso aos servios pblicos, dentre outros) e/ou fragilizao de

    vnculos afetivos relacionais e de pertencimento social (discriminaes etrias,

    tnicas, de gnero ou por deficincias, dentre outras) (BRASIL, 2004).

    Os servios de proteo social bsica so executados de forma direta nos

    centros de referncia da assistncia social CRAS e em outras unidades bsicas e

    pblicas de assistncia social, bem como de forma indireta nas entidades e

    organizaes de assistncia social da rea de abrangncia dos CRAS.

    O CRAS uma unidade pblica estatal de atendimento e execuo dos

    servios de proteo bsica (BPC e servios eventuais) que visa a atender famlias

    e indivduos em seu contexto territorial (considerando os diferentes arranjos

    familiares e os valores intrnsecos daquela famlia), visando orientao e ao

    convvio socio-familiar e comunitrio. Executa os servios de proteo social bsica,

    organiza e coordena a rede de servios scio assistenciais locais da poltica de

    assistncia social (BRASIL, 2004).

    O CRAS atua com famlias e indivduos em seu contexto comunitrio,

    visando orientao e o convvio scio familiar e comunitrio. Neste sentido

    responsvel pela oferta do Programa de Ateno Integral a Famlia (BRASIL, 2004).

    O CRAS deve buscar conhecer o cotidiano da vida das famlias, com

    suporte nas condies concretas do lugar onde elas vivem, e no s as mdias

    estatsticas ou nmeros gerais, responsabilizando-se, assim, pela identificao dos

    territrios de incidncia de riscos, no mbito da cidade, do estado e do Pas, para

    que a assistncia social desenvolva uma poltica de preveno e monitoramento de

    riscos (BRASIL, 2006).

    A rede scio assistencial, com que trabalha o CRAS, deve ser um

    conjunto integrado de aes de iniciativa pblica e da sociedade, que ofertam e

    operam benefcios, servios, programas e projetos, o que supe a articulao entre

    todos estas unidades de proviso de proteo social (BRASIL, 2006).

  • 44

    A insero da assistncia social no sistema de bem-estar social brasileiro,

    concebido como campo da seguridade social configurando o trip juntamente com

    a sade e a previdncia social-, aponta para a sua articulao com outras polticas

    do campo social, voltadas garantia os direitos e de condies dignas de vida

    (BRASIL, 2006).

    Um dos principais focos de atuao do CRAS est no acompanhamento

    das famlias em descumprimento das condicionalidades do Programa Bolsa Famlia.

    O CRAS parte do entendimento de que as famlias que esto em

    descumprimento destas condicionalidades so as que se encontram em situao de

    maior vulnerabilidade social, e que, por isto, necessitam de apoio e

    acompanhamento, para que passem a realizar os compromissos da famlia em

    relapo ao programa.

  • 45

    3 METODOLOGIA

    3.1 Natureza do estudo

    Trata-se de um estudo do tipo qualitativo, procurando analisar a

    repercusso ocorrida na sade das famlias beneficiadas pelo Programa Bolsa

    Famlia no Municpio de Ocara Cear. No captulo dos resultados so

    apresentados dados secundrios do tipo quantitativo que permitem entender melhor

    o contexto no qual a pesquisa foi realizada.

    Escolhemos a abordagem qualitativa por ser, segundo Geertz (1989), no

    somente um mtodo de pesquisa, mas um processo conduzido com a sensibilidade

    reflexiva, levando em conta a prpria experincia no campo de estudo, que

    possibilita uma participao ativa e dinmica dos agentes sociais. Partindo da

    compreenso de Martinelli (1994),no entanto, sobre a relao entre pesquisa

    quantitativa e qualitativa, consideramos de suma importncia os dados estatsticos.

    Na lio de Martinelli (1994, p. 17), importante que possamos perceber

    com clareza e afirmar com a devida convico que a relao entre pesquisa

    quantitativa e qualitativa no de oposio, mas de complementaridade e

    articulao. Tambm na viso de Minayo (2000), o conjunto de dados quantitativos e

    qualitativos no se ope. Ao contrrio, se complementam, pois a realidade

    abrangida por eles interage dinamicamente, excluindo qualquer dicotomia. Segundo

    Minayo (2000, p.22),

    A diferena entre quantitativo-qualitativo de natureza. Enquanto cientistas sociais que trabalham com estatstica apreendem dos fenmenos apenas a regio visvel, ecolgica, morfolgica e concreta, a abordagem qualitativa aprofunda-se no mundo dos significados das aes e das relaes humanas, um lado no perceptvel e no captvel em equaes, mdias e estatsticas.

    A interpretao e a anlise das narrativas do grupo foram fundamentadas

    na Hermenutica interpretativa, de Ricoeur. Segundo o autor, Hermenutica a

    teoria das operaes da compreenso em sua relao com a interpretao dos

    textos (RICOEUR,1990).

  • 46

    Para Silva (2001), as narrativas do acesso, mesmo que indiretamente,

    s experincias dos outros, ao mesmo tempo em que nos trazem essas

    experincias da forma como as interpretam. Desta forma quando fala das suas

    experincias, os acontecimentos vo sendo reestruturados de maneira condizente

    com o entendimento atual.

    A metodologia do tipo qualitativo tem como caracterstica primordial

    realizar uma aproximao mais intensa entre sujeito e objeto, uma vez que estes

    so da mesma natureza (MINAYO, 1993). Segundo a autora, cumpre ressaltar que o

    material mais importante da investigao qualitativa se traduz na linguagem

    cotidiana, que materializa as relaes tcnicas e afetivas, seja em discursos

    intelectuais, burocrticos ou polticos.

    A pesquisa qualitativa responde a questes muito particulares, que nos

    ajuda a uma melhor compreenso segundo Minayo (1994, p.20):

    (...)nas cincias sociais ela se preocupa com um nvel de realidade que no pode ser quantificado. Ela trabalha com o universo de significados, motivos,aspiraes, crena, valores e atitudes, o que corresponde a um espao mais profundo das relaes, dos processos e dos fenmenos, que no pode ser reduzidos operacionalizao de variveis.

    Esta abordagem nos possibilita, na ptica de Leopardi (2001),

    compreender um problema da perspectiva dos sujeitos que o vivenciam, ou seja,

    parte de sua vida diria, sua satisfao, desapontamentos, surpresas e outras

    emoes, sentimento e desejos.

    3.2. Sujeitos de estudo

    Da pesquisa realizada junto s famlias beneficiarias do Programa Bolsa

    Famlia, no Municpio de Ocara - CE fizeram parte 20 mulheres, titulares do

    beneficio.

    Conforme critrios estabelecidos para a definio do perfil das famlias,

    todas as entrevistadas esto h mais de dois anos recebendo o beneficio, perodo

  • 47

    considervel para avaliar as mudanas ocorridas nas famlias, seja pelo beneficio

    em si ou pelas condicionalidades do Programa.

    Para identificar os participantes do estudo foi criado um nome fictcio,

    conforme estabelecem os princpios ticos quanto ao sigilo da identidade dos

    informantes. A escolha do nome decorreu do fato de que, muitas vezes, nas falas

    das mulheres, elas salientavam a religiosidade ao se referirem a situaes difceis

    que enfrentaram e arrastou, ainda, especialmente ao ressaltarem a importncia do

    benefcio Bolsa Famlia em suas vidas, expressando sempre a reverncia a Deus e

    tambm quase sempre a Maria, cone do catolicismo no Brasil.

    Em razo deste fato e tambm por ser um nome muito comum no meio

    rural, resolveu-se nomear todas as participantes por Maria, sendo que a diferena

    entre as diversas Marias foi dada pela nfase em alguma caracterstica mais

    marcante dessas mulheres, passando a compor os seus nomes fictcios.

    Salientamos que algumas mulheres que se chamavam Maria receberam tambm

    nomes fictcios.

    3.3 Campo de estudo

    Ocara est localizada a 100 km da capital, Fortaleza, ocupando lugar de

    grande importncia no macio de Baturit, com 762 Km de rea. Tem sua populao

    estimada, de acordo com o senso 2000, em 21.499 habitantes assim distribudos:

    rea urbana 28,45% da populao e a rea rural com 71,55% da populao total.

    um municpio bastante novo, tendo apenas 18 anos de emancipao poltica

    (IPECE, 2004).

    Durante a emancipao poltica, em fins da dcada de 1980, vigorava a

    explicao, de origem popular, de que o nome Ocara tinha sua origem no municpio

    pai Aracoiaba, em virtude da formao lxica de seu nome. Aracoiaba contm os

    mesmos caracteres lingsticos at a metade da palavra, porm em ordem invertida.

    Ocara uma palavra em tupi, que designa o terreiro principal localizado no centro da

    aldeia. composta de oca (casa) e a desinncia ara (que tem); aquilo que tem casa,

    ou onde a casa est (IPECE, 2004).

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    Considerando os aspectos geo econmicos o municpio composto por

    seis distritos: Ocara Sede, Arisco Mariano, Curupira, Novo Horizonte, Sereno e

    Serragem. O Municpio cortado pela rodovia estadual, CE 359, denominada

    Estrada do Algodo, com um percurso de 4 km.

    Em 2000, o Municpio de Ocara contava com 4.842 domiclios particulares

    permanentes, dos quais 30,36% situavam-se na zona urbana e 69,64% na zona

    rural (IPECE, 2004).

    O Municpio de Ocara tem a economia assentada principalmente nas

    atividades agrcolas, destacando-se o feijo, a mandioca, o milho, o algodo e os

    cajueiros, alm do mel de abelha. O cultivo de caju bastante explorado na

    economia local, impulsionando o desenvolvimento econmico do Municpio (IPECE,

    2004).

    A economia municipal destacada pelo setor primrio, no qual os

    trabalhadores, em particular da agricultura, recebem baixos salrios e no tm seus

    direitos trabalhistas, garantidos por lei, efetivados. Estes problemas so agravados

    pelas difceis condies climticas, que ocasionam longas estiagens, o que prejudica

    a populao em virtude da inexistncia de um sistema de armazenamento de gua.

    Este setor equivale a 60% da populao economicamente ativa (IPECE, 2004).

    No setor secundrio o municpio ainda muito carente de investimentos,

    atingindo somente 7% da economia, o que se traduz nas poucas unidades

    produtivas de pequeno porte. As empresas pblicas, o comrcio, e a prestao de

    servios empregam cerca de 5% da populao economicamente ativa (IPECE,

    2004).

    A populao de Ocara, em 2000, era de 21.584 habitantes, representando

    um crescimento de 0,95%, se comparado ao ano de 1991. Esta populao est mais

    concentrada na zona rural, embora a taxa de urbanizao, que era de 26,13% em

    1991,tenha passado para 29,52% em 2000, de acordo com o Censo IBGE 2000.

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    O nmero de homens um pouco maior do que o de mulheres, na

    proporo de 100 mulheres para, aproximadamente, 106,76 homens (razo de sexo

    106,76). De acordo com a tabela 1 e o grfico, podemos verificar essa afirmao.

    TABELA 1 - Populao residente 1991 e 2000

    Discriminao 1991 2000

    N % N %

    Total 19.828 100,00 21.584 100,00

    Urbana 5.182 26,13 6.372 29,52

    Rural 14.646 73,87 15.2