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PROFESSORES-ESTUDANTES DO PARFOR: EVOCAÇÕES PARA
PENSAR A FORMAÇÃO
MARTINS, Maria Angélica Rodrigues – UNISANTOS
SANTOS, Marli dos Reis dos – UNISANTOS [email protected]
SOARES, Elisabete Ferreira - UNISANTOS
GALVÃO, Adauto - UNISANTOS adauto.galvã[email protected]
Eixo Temático: Formação de Professores e Profissionalização Docente
Agência financiadora: não contou com financiamento
Resumo Este artigo analisa dados colhidos na primeira fase do projeto de pesquisa Das políticas de
formação de professores às práticas pedagógicas: implicações, desafios e perspectivas para
a universidade, escolas e professores, centrado no Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica – PARFOR. Essa primeira etapa investiga as representações sociais de alunos matriculados em curso de pedagogia inserido no PARFOR, realizado em uma universidade confessional comunitária do estado de São Paulo. A análise apóia-se na Teoria das Representações Sociais (TRS), (MOSCOVICI, 1978, 2009), (ABRIC, 2000, 2001). Busca fundamentos, também, em Abdalla (2006), Freire (1996), Pimenta (2002) e Imbernón (2002). Para a coleta de dados desenvolveu-se um instrumento tríplice composto por questões de perfil, abertas e fechadas, um texto projetivo e associação livre de palavras (ALP) com quatro expressões indutoras: expectativas e necessidades na formação; desafios
da realidade profissional; aspectos relacionados ao ensino e à aprendizagem do aluno e
Identidade do professor. O instrumento foi aplicado a quarenta e três (43) sujeitos. A análise discutida neste texto concentra-se nas respostas obtidas às expressões indutoras e os elementos representacionais foram analisados com base na Teoria do Núcleo Central (ABRIC, 2000). Os resultados obtidos apontaram para o entendimento de que os sujeitos entendem/ percebem a formação docente em cinco categorias: contexto escolar, socialibilidade do professor, apoio institucional, ação do aluno, características pessoais do
professor e estratégias didáticas necessárias a um professor. Ressalta-se, ainda, que as respostas produzidas podem estar imbricadas ao fato de que esses sujeitos já atuarem como docentes, mesmo com denominações diversificadas nos cargos que exercem. Fato que pode trazer à tona uma profissionalização docente imbuída da sociabilidade do professor pelas
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relações com seus pares, alunos e comunidade e, ainda pela cultura, regras e hierarquia estabelecida na organização institucional.
Palavras-chave: Representações Sociais. Formação docente. PARFOR. Política educacional.
Introdução
Nos últimos anos, o Brasil vem promovendo política educacional voltada à formação de
professores para atuar nos sistemas educativos, colocando em primeiro plano a formação em nível
superior. As ações desencadeadas pretendem abolir a presença de professores leigos, de modo a
contribuir a uma educação de melhor qualidade. Nesse sentido, entre outros, foram deflagrados
programas como: o Rede Nacional de Formação Continuada de Professores da Educação Básica; o
Formação de Professores em Exercício – Proformação; o Proinfantil e o Pró-Licenciatura (BRASIL,
2005, p. 38).
Em 2009, por meio do Decreto Federal 6755, o Ministério de Educação (MEC) institui
Política Nacional de Formação dos Profissionais do Magistério da Educação Básica e disciplina a
atuação da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) na promoção de
programas de formação inicial e continuada, dando origem ao Plano Nacional de Formação de
Professores da Educação Básica – PARFOR (BRASIL, 2009).
O Plano é executado em regime de cooperação entre a CAPES/MEC, as secretarias de
educação dos estados e municípios e as instituições públicas e comunitárias de ensino superior. O
PARFOR tem como objetivo assegurar a formação exigida na Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (LDBEN) por meio da oferta de cursos de graduação, gratuitamente, aos
professores que já atuam nas escolas públicas, mas sem formação superior ou em disciplina
diversa da sua habilitação.
Parte-se do pressuposto de que, ao longo do curso, os professores-alunos podem
ressignificar o trabalho que desenvolvem em suas escolas, fundamentar e refinar suas práticas,
dadas as possibilidades que um espaço destinado à formação profissional oferece.
Este trabalho analisa parte dos dados colhidos na primeira fase do projeto de pesquisa “Das
políticas de formação de professores às práticas pedagógicas: implicações, desafios e perspectivas para
a universidade, escolas e professores”, centrado na implantação do PARFOR em uma universidade
comunitária paulista, localizada em município-sede de região metropolitana. A investigação tem como
objetivo geral compreender as representações sociais dos professores-estudantes sobre a constituição
de suas identidades profissionais, analisando as implicações do PARFOR na formação destes sujeitos,
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tendo em vista suas necessidades/expectativas de formação, suas escolhas frente ao Curso de
Pedagogia/PARFOR, os desafios da realidade profissional, entre outros aspectos.
Os dados aqui analisados buscam atender a um dos objetivos específicos do projeto maior:
apreender os elementos constituintes das representações sociais de alunos do curso de Pedagogia em
um programa emergencial de formação, como o PAFOR, a respeito de suas necessidades de formação,
os desafios de sua realidade profissional, a identidade do professor e aspectos relacionados ao ensino e
à aprendizagem do aluno. E o momento em que se busca essa apreensão é o do início do curso, dada a
necessidade de se estabelecer um sólido ponto de partida para acompanhar os professores-alunos e o
curso de Pedagogia que lhes é oferecido. A duração prevista para o projeto é a mesma do curso:
quatro anos.
As escolhas teórico-metodológicas apresentadas neste trabalho fundamentam-se em
Moscovici (1978, 2009), na perspectiva desenvolvida por Abric ( 2000, 2001) e em autores
que contextualizam e teorizam sobre formação de professores e profissionalização docente
como Abdalla (2006), Pimenta (2002). A primeira parte do texto destina-se a apresentar os
fundamentos e procedimentos metodológicos adotados. A segunda parte traz alguns dados de
inserção social, profissional e acadêmica dos 43 sujeitos da pesquisa e a análise de suas
evocações a partir das expressões indutoras: expectativas e necessidades na formação;
desafios da realidade profissional; aspectos relacionados ao ensino e à aprendizagem do
aluno e identidade do professor. A terceira parte traz considerações acerca da análise
realizada.
Representações sociais e a Teoria do Núcleo Central
De acordo com Moscovici (2005), a primeira razão que o levou ao estudo das
representações sociais foi sua convicção de que o senso comum ou conhecimento comum
precisava ser reabilitado, não como algo irracional, mas como um importante fator entre o
conhecimento científico e a ideologia. Para ele, a “finalidade das representações é tornar
familiar algo não-familiar, ou a própria não familiaridade” (2001, p. 54). Os universos
consensuais, familiares, conhecidos constituem zonas de conforto ao ratificar crenças e
interpretações adquiridas. Nesses universos, a mudança só é permitida quando apresenta algo
que dialogue com o vivido, experimentado, conhecido (p. 55).
Daí decorre o interesse em investigar as representações dos professores-estudantes que
iniciam o curso de Pedagogia: explorar seus universos consensuais para conhecer quais
brechas apresentam-se à mudança e em que sentido. No projeto maior, este estudo é
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concebido como um caminho para se definir com uma maior precisão como os professores
posicionam-se a respeito de sua constituição identitária relacionada ao seu processo de
formação.
A teoria das representações sociais, inaugurada por Moscovici (1978), apresenta
desdobramentos em três correntes teóricas complementares. Uma primeira corrente mais
próxima à teoria original e associada a uma perspectiva etnográfica, liderada por Denise
Jodelet. Uma segunda, com uma perspectiva mais sociológica, liderada por Willem Doise. E
uma terceira que enfatiza a dimensão cognitivo-estrutural das representações que tem em
Jean-Claude Abric seu principal representante (SÁ, 2001, p. 8).
A corrente liderada por Abric ocupa-se do conteúdo cognitivo das representações, de
modo a estabelecer o conhecimento como “um conjunto organizado ou estruturado, não como
uma simples coleção de idéias e valores” (SÁ, 1998, p.76 ).
Para Abric (2000, p. 31), os elementos componentes da representação são
hierarquizados e seu conteúdo organiza-se em um sistema central e um sistema periférico,
tendo cada um características e funções distintas. O significado de uma representação é dado
pelo elemento ou pelos elementos que constituem o núcleo central. No entorno do núcleo
central encontram-se organizados os elementos periféricos responsáveis “pela interface entre
a realidade concreta e o sistema central”.
O sistema central (núcleo central ou núcleo estruturante) encontra-se amalgamado à
memória coletiva e à história do grupo consensual; define a homogeneidade do grupo;
apresenta-se estável, coerente, rígido, resistente às mudanças e pouco sensível ao contexto
imediato. Atribui-se ainda ao núcleo central a função geradora dos significados das
representações e organizadora dos elementos das representações (ABRIC, 2000, p. 34).
O sistema periférico desempenha papel decisivo no funcionamento do sistema de
representações e caracteriza-se por permitir a integração de experiências e histórias; admitir a
heterogeneidade do grupo; ser flexível; tolerar as contradições; ser evolutivo e sensível ao
contexto imediato. Tem como funções: permitir a adaptação à realidade concreta e a
diferenciação de conteúdo (ABRIC, 2000, p. 34).
Adotando essa perspectiva como um itinerário metodológico, mas ciente de suas
limitações, almeja-se desvelar o conteúdo e ter acesso à estrutura de representações sociais
dos sujeitos pesquisados sobre sua identidade profissional relacionadas à sua formação, a
partir da análise das palavras evocadas pelos sujeitos da pesquisa.
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A técnica da evocação livre objetiva compreender a percepção da realidade de um
grupo social a partir de uma composição semântica pré-existente, ou seja, analisar os
estereótipos sociais partilhados espontaneamente pelo grupo e simultaneamente visualizar as
dimensões estruturantes do universo semântico específico de suas representações sociais
(OLIVEIRA e outros, p. 575-576).
Para a análise das evocações utilizou-se o software EVOC (Ensemble de programmes
permettant l’analyse des evocations, versão 2003), desenvolvido por Pierre Vergès. A técnica criada
por Vergès combina a freqüência de emissão das palavras e/ou expressões com a ordem em que são
evocadas, possibilitando o levantamento daquelas que mais provavelmente pertencem ao núcleo
central da representação.
Os resultados das evocações fornecidos pelo EVOC distribuem-se por quatro
quadrantes. No primeiro quadrante, encontram-se os elementos do núcleo central,
prontamente evocados e em maior frequência. No segundo quadrante, os elementos da 1ª
periferia tardiamente evocados, porém com mais alta frequência. No terceiro quadrante, os
elementos de contraste que reforçam as noções contidas na 1ª periferia. No quarto quadrante,
os elementos da 2ª periferia tardiamente evocados e com baixa frequência. A determinação
dos elementos que vão pertencer a cada quadrante é estabelecida por critérios de maior ou
menor frequência dentro de uma média do conjunto de palavras que irá variar de acordo com
cada palavra/expressão indutora.
O recurso à análise estrutural das representações sociais dos professores-estudantes
ingressantes no curso de Pedagogia proporcionado pelo Parfor justifica-se pela possibilidade
de identificar os elementos componentes do núcleo central e do sistema periférico de
representações ligadas à constituição de sua identidade profissional no que respeita à sua
formação. Seu estudo poderá contribuir para o planejamento da formação no curso e para
identificar alterações ou não em sua composição na medida em que o curso avança.
Dos sujeitos à análise das evocações
A pesquisa desenvolveu-se com 43 (quarenta e três) professores-alunos do curso de
Pedagogia- PARFOR, que atuam como professores em uma região metropolitana. A maior
parte dos professores-alunos, sujeitos da pesquisa, atua na educação infantil, em creches, e
vive momentos de intensa transição em função das políticas educacionais decorrentes da atual
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, que incluiu a educação infantil na educação
escolar básica e passa a exigir a formação em nível superior a todos os seus professores.
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Quando perguntados pela denominação de sua função em seu local de trabalho, dos 43
respondentes ao instrumento de pesquisa, oito (18,6%) responderam que são pajens, 22
(51,2%) responderam que são atendentes de educação. Entre as funções exercidas 34 (79%)
declararam: cuidado, higiene, alimentação e atividades pedagógicas que compreendem
recreação (música, dança, brincadeiras). Há, também, declarações de “auxiliar o professor,
cuidar do aluno na sua higienização e alimentação”.
A faixa etária do grupo varia entre 24 e 41 anos ou mais, com 35 (81,4%) alunos
apresentando idades entre 31 a 41 anos ou mais. Os estudantes investigados são os primeiros
em suas famílias quanto ao acesso à educação superior. Dos 43 estudantes, sete (16,3%)
declararam ter pais com nenhuma escolaridade e 24 (55,8%) que seus pais cursaram o ensino
fundamental incompleto e completo.
Dos 43 consultados, 11 (25,6%) residem no município onde se encontra a
Universidade, que é sede de região metropolitana, mas apenas três (7%) declaram trabalhar
nesse município. Os demais trabalham em municípios vizinhos, próximos, atendidos por
transporte público intermunicipal. O ônibus é o meio de transporte utilizado por 34 (79,1%)
estudantes. Quanto ao número de horas trabalhadas por semana, seis (14%) declararam 40
horas e 25 (58,1%), 30 horas.
Outro dado importante para este trabalho foi identificar há quanto tempo esses sujeitos
concluíram o ensino médio. Apurou-se o que segue: 22 estudantes (51,1%) concluíram o
ensino médio há mais de 10 anos; 12 estudantes (27,9%) o concluíram entre 3 e 6 anos e 5
estudantes (11,6%) concluíram entre 7 e 10 anos.
Nesta perspectiva, o “corpus” analítico está centrado nas palavras/expressões
indutoras, anunciadas a fim de capturar elementos que possam desvelar as representações
sociais dos sujeitos em relação à formação.
No quadro 1 verificou-se que a expressão indutora expectativas e necessidades na
formação gerou 28 palavras diferentes com frequências variadas, indicando a percepção dos
sujeitos pesquisados, bem como a indicando uma forma hierarquizada de estruturação da
representação das expectativas e necessidades de formação dos sujeitos, conforme assevera
Abric ( 2000 ), na sua Teoria do Núcleo Central ou Núcleo Estruturante.
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Quadro 1- Expectativas e necessidades de formação
As palavras: conhecimento, reconhecimento, realização, valorização, tempo e
profissional, que constituem o 1º quadrante, parecem sugerir o sentido da representação social
dado pelos sujeitos pesquisados sobre suas expectativas e necessidades de formação. Desse
1º quadrante ou casa constam os termos mais citados e a ordem média de evocações mais
baixa, o que significa que a palavra foi mais prontamente evocada pelos diferentes sujeitos.
Esses termos inscrevem-se como elementos unificadores e estabilizadores do núcleo central
da representação, que atua como “o elemento pelo qual se cria ou se transforma a significação
de outros elementos constitutivos da representação” (ABRIC, 2000, p. 31). Parece, então, que
estes vocábulos se constituem no que Abric (2001) chama de núcleo estruturante,
“determinando a natureza dos vínculos que unem entre si os elementos da representação”
(p.163).
Os termos conhecimento e realização destacam-se seguidos de reconhecimento e
valorização. Tempo e profissional completam esse quadrante ou casa. Os elementos
encontrados na 1ª. periferia – pesquisa e aperfeiçoamento- associados aos elementos da zona
de contraste - capacitação, aprimoramento, crescimento e comprometimento - parecem
completar ou reforçar os primeiros. Os elementos da 2ª. periferia estudo, colaboração,
promoção e sucesso, parecem indicar um modo pragmático de expressar a satisfação das
expectativas e necessidades de formação, indicando uma brecha para aproximação ao núcleo
central - conhecimento, reconhecimento, realização - por meio de aperfeiçoamento, pesquisa,
capacitação, aprimoramento (1ª. periferia e elementos de contraste).
É interessante notar como realização, reconhecimento, sucesso, promoção,
distribuem-se pelas casas. Aspectos relacionados aos outros, ao social, como reconhecimento,
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valorização, comprometimento, colaboração, colaboração, sucesso exprimem conhecimento
comum desse grupo no que se refere à ascenção social e profissional, como expectativa ligada
à formação no PARFOR. Do mesmo modo aparece a questão pessoal ligada à realização, ao
conhecimento, ao aprimoramento, à capacitação, vinculados a aperfeiçoamento e pesquisa.
Os elementos dos demais quadrantes, chamados por Abric (2000) de sistema
periférico, quais sejam: aperfeiçoamento, pesquisa, aprimoramento, capacitação,
comprometimento, crescimento, colaboração, estudo, promoção e sucesso, funcionam como
entrelaçamento na organização e funcionamento da representação, realizando a “interface
entre a realidade concreta e o sistema central” (p.31). Em outras palavras, os dados revelam
que as crenças/valores centrais dos sujeitos, que se organizam em torno de um querer, estão
relacionados ao conceito de expectativa/necessidade como “prática de definir objetivos de
ação e mudança” (ABDALLA, 2006, p.20).
Ainda Abdalla (2006, p. 94) aponta que o trabalho do professor é “um conhecer
permanente”, baseado no sentido “da exploração, da experimentação, das trocas e do esforço
de passar da ignorância ao conhecimento (grifo da autora)”. Tal reflexão compartilha
elementos com os evocados pelos professores-estudantes no que respeita às expectativas e
necessidade de formação.
O Quadro 2 informa o entendimento dos sujeitos pesquisados em relação ao que
consideram desafios que enfrentam ou enfrentarão na profissão.
Quadro 2- Desafios da realidade profissional
A expressão indutora desafios da realidade profissional produziu 14 evocações
diferentes, com freqüências variadas. As palavras companheirismo, formação, respeito e
tempo possuem freqüência alta e encontram-se no 1º. quadrante, correspondente ao núcleo
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central. Aqui o núcleo central da representação tem seu conteúdo no companheirismo e no
respeito (relação com iguais e outros) e na formação (pessoal, individual) associados ao
tempo.
O tempo aparece novamente na 1ª. casa, agora como elemento dos desafios da
realidade. Nas evocações sobre expectativas e necessidades de formação, também ocupava
um lugar na 1ª. casa. A carga de trabalho semanal desse grupo associada a seu deslocamento
entre municípios próximos para trabalhar e estudar podem justificar essa ênfase. Interessante
notar que salário aparece como único termo na 1ª. periferia.
Duas análises dessa distribuição são possíveis e poderão ser exploradas em outros
momentos da pesquisa. Uma análise decorre da associação entre salário e os elementos de
contraste relativos a questões institucionais como horário, mudanças, número de alunos,
sistema e violência contrabalançadas por comprometimento e compromisso. A distribuição
sugere uma segunda análise em que as questões institucionais, associadas a comprometimento
e compromisso, podem revelar a existência de um sub-grupo portador de um conteúdo
representacional diferente.
O entrelaçamento das palavras evocadas situadas nos demais quadrantes e as situadas
no 1º. quadrante sugerem que os sujeitos aportam os desafios da profissão em duas categorias
amplas: sociabilidade do professor (companheirismo, respeito, comprometimento,
compromisso, família, integração) e apoio institucional (formação, salário, tempo, horário,
mudanças, número de alunos, sistema, violência). Esta compreensão parece destacar que para
o enfrentamento dos desafios as vozes dos sujeitos estão constituídas por “universos de
opinião”, diria Moscovici (1978, p. 67), que transitam entre a boa relação com outros e o
compromisso daí advindo e o apoio institucional.
No Quadro 3, a expressão indutora, Aspectos relacionados ao ensino e à
aprendizagem do aluno remete ao entendimento de que “Não há docência sem discência”
(FREIRE, 1996, p. 22-23) , ocorrendo nessa relação a ação educativa. Nesse movimento
reflexivo, o quadro abaixo pode configurar-se em ponto chave para o entendimento do
posicionamento dos estudantes de Pedagogia do PARFOR sobre sua concepção de ensino e
de aprendizagem como processos interligados.
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Quadro 3- Aspectos relacionados ao ensino e à aprendizagem do aluno
Os elementos constitutivos dos quadrantes parecem revelar que o sentido atribuído à
expressão aspectos relacionados ao ensino e à aprendizagem do aluno aparece mais ligado à
atitude do aluno frente à aprendizagem, do que propriamente à relação indissociável entre
ensinar e aprender. Os resultados das evocações dispostos no primeiro quadrante – família,
dificuldade, comprometimento, dedicação, motivação e respeito - indicam que no núcleo
central encontram-se elementos considerados significativos que, entretanto, situam-se no
plano do aluno. Apesar do estranhamento que esses elementos possam causar, a função da
evocação livre é possibilitar aos sujeitos da pesquisa “dar um sentido às suas condutas e
compreender a realidade através de seu próprio sistema de referencias; permitindo assim ao
indivíduo de se adaptar e de encontrar um lugar nesta realidade” (ABRIC, 1998. p. 28).
Nesse itinerário argumentativo/ reflexivo, objetivando o desvelamento dos elementos
constituintes da representação social dos sujeitos da pesquisa sobre aspectos relacionados ao
ensino e à aprendizagem do aluno, as evocações dos demais quadrantes - incentivo, interesse,
atitude, autoestima, conhecimento, cooperação, didática, interação, material, oportunidade,
solidariedade, valores, disciplina, medidor, parceria, participação, prazer, realidade,
socialização, tempo e valorização- evidenciam aspectos psico-sociológicos imbricados na
representação social, que “comunica tanto quanto exprime” (MOSCOVICI, 1978, p. 26), e
que o sucesso do processo ensino-aprendizagem abrange, de forma preponderante,
intenção/motivação/a ação do aluno.
O destaque dado à aprendizagem - requisitos, sentimentos, atitudes, processos – pode
constituir-se, em “modalidade de conhecimentos particulares que tem por função a elaboração
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de comportamentos e a comunicação entre indivíduos” (MOSCOVICI, 1978, p 26), em
função do que visualizam como aspectos relacionados ao ensino e à aprendizagem do aluno,
em que se nota a ausência de termos relacionados aos resultados do ensino e da aprendizagem
como conhecimentos, habilidades, competências.
No quadro 4, a expressão indutora identidade do professor nos remete a Pimenta
(2002, p.59), quando afirma que “identidade não é um dado imutável, nem externo, que se
possa adquirir como uma vestimenta. É um processo de construção do sujeito historicamente
situado”. Nesse sentido, as frequências das palavras evocadas podem evidenciar um modo de
ser/estar na profissão (ABDALLA, 2006, p.102).
Quadro 4 - Identidade do professor
Analisando os termos evocados no primeiro quadrante - amor, dedicação, respeito,
compromisso e autônomo, e – pode-se inferir que o conteúdo do núcleo central da
representação sobre identidade docente reveste-se de sentimento de afeição (amor) e da
doação (respeito, compromisso e dedicação) decorrente desse afeto. Ou seja, as evocações
sugerem ancorar a identidade profissional na crença de que ser professor implica
responsabilidade afetiva e social em termos interpessoais (compromisso, dedicação ao outro e
ao próximo). Essa convergência de bons sentimentos compondo o conteúdo do núcleo central
é reforçada pelos termos mediador, amigo e pesquisador, destacados na 1ª. periferia.
É importante registrar que há fato, nesta parte da análise, a ser explorado em outras
fases da pesquisa: a possível existência de um pequeno grupo dissidente na casa dos
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elementos de contraste, onde, com freqüência baixa, mas como evocação priorizada,
aparecem os termos competência, profissional, didática e ética.
Observa-se que as palavras dos demais quadrantes conversam entre si, envolvendo a
maneira como os sujeitos percebem a identidade docente, confirmando uma versão idealizada
e quiçá missionária dessa identidade. O conjunto de termos evocados sugere que o conteúdo
da representação de identidade docente revelado pelos sujeitos é partilhado, penetra e
influencia cada um, ou seja, “é re-pensado, re-citado e re-apresentado por eles”
(MOSCOVICI, 2009, p. 37).
As informações capturadas dos quadrantes indicam ou sugerem uma articulação entre
as dimensões social e afetiva como organizadoras do pensamento dos sujeitos, o que pode
inferir uma identidade docente composta por duas categorias: a primeira ligada às
“características pessoais do professor” - amor, autônomo, compromisso, dedicação, respeito,
amigo, exemplo, comprometimento, realização, competência vocação, afetividade,
autonomia, companheiro, educador, postura, prazer, sabedoria e sábio e uma segunda, “para
as estratégias didáticas necessárias a um professor” - mediador, pesquisador, didático, ética,
profissional e responsabilidade.
Considerações Finais
As análises realizadas apoiam-se na inserção social, profissional e acadêmica dos
professores-estudantes investigados, em que se destaca a situação funcional, mediante a
nomenclatura diversificada do cargo que exercem: pajens, atendentes de educação e similares.
Assim, o presente estudo ao tentar mapear as representações sociais dos alunos de
Pedagogia inseridos no PARFOR sobre a formação docente balizou-se nas evocações
colhidas a partir das quatro expressões indutoras usadas para investigar a estrutura e o Núcleo
Central de representações relacionadas à formação.
Nesse sentido, ao observar-se os pressupostos teóricos apontados na presente pesquisa
e as evocações, compreende-se que os sujeitos desta pesquisa produziram respostas que
formam um conjunto de ideias, um "núcleo figurativo" da representação sobre a formação
docente que se ancora em cinco categorias, a saber: contexto escolar, socialibilidade do
professor, apoio institucional, ação do aluno, características pessoais do professor e
estratégias didáticas necessárias a um professor. Entende-se então, que essas respostas
podem estar imbricadas ao fato de que esses sujeitos já atuarem como docentes, ainda que
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com diferentes denominações, sem ignorar que essas representações sinalizam para uma
profissionalização docente impregnada da sociabilidade do professor pelas relações com seus
pares, alunos e comunidade e, ainda pelos aspectos ideológicos, culturais, normativos,
hierárquicos e funcionais, dominantes nos espaços sócio-institucionais hodiernos, e nos
espaços em que vivem e atuam estes sujeitos.
REFERÊNCIAS
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ABRIC, J. C. A Abordagem Estrutural das Representações Sociais. In: MOREIRA, A. S. P.; D. C. Oliveira. Estudos interdisciplinares de representação social. 2ª ed. Goiânia: AB. 2000, p. 27-39.
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