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PROFESSORES-ESTUDANTES DO PARFOR: EVOCAÇÕES PARA PENSAR A FORMAÇÃO MARTINS, Maria Angélica Rodrigues – UNISANTOS [email protected] SANTOS, Marli dos Reis dos – UNISANTOS [email protected] SOARES, Elisabete Ferreira - UNISANTOS [email protected] GALVÃO, Adauto - UNISANTOS adauto.galvã[email protected] Eixo Temático: Formação de Professores e Profissionalização Docente Agência financiadora: não contou com financiamento Resumo Este artigo analisa dados colhidos na primeira fase do projeto de pesquisa Das políticas de formação de professores às práticas pedagógicas: implicações, desafios e perspectivas para a universidade, escolas e professores, centrado no Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica – PARFOR. Essa primeira etapa investiga as representações sociais de alunos matriculados em curso de pedagogia inserido no PARFOR, realizado em uma universidade confessional comunitária do estado de São Paulo. A análise apóia-se na Teoria das Representações Sociais (TRS), (MOSCOVICI, 1978, 2009), (ABRIC, 2000, 2001). Busca fundamentos, também, em Abdalla (2006), Freire (1996), Pimenta (2002) e Imbernón (2002). Para a coleta de dados desenvolveu-se um instrumento tríplice composto por questões de perfil, abertas e fechadas, um texto projetivo e associação livre de palavras (ALP) com quatro expressões indutoras: expectativas e necessidades na formação; desafios da realidade profissional; aspectos relacionados ao ensino e à aprendizagem do aluno e Identidade do professor. O instrumento foi aplicado a quarenta e três (43) sujeitos. A análise discutida neste texto concentra-se nas respostas obtidas às expressões indutoras e os elementos representacionais foram analisados com base na Teoria do Núcleo Central (ABRIC, 2000). Os resultados obtidos apontaram para o entendimento de que os sujeitos entendem/ percebem a formação docente em cinco categorias: contexto escolar, socialibilidade do professor, apoio institucional, ação do aluno, características pessoais do professor e estratégias didáticas necessárias a um professor. Ressalta-se, ainda, que as respostas produzidas podem estar imbricadas ao fato de que esses sujeitos já atuarem como docentes, mesmo com denominações diversificadas nos cargos que exercem. Fato que pode trazer à tona uma profissionalização docente imbuída da sociabilidade do professor pelas

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PROFESSORES-ESTUDANTES DO PARFOR: EVOCAÇÕES PARA

PENSAR A FORMAÇÃO

MARTINS, Maria Angélica Rodrigues – UNISANTOS

[email protected]

SANTOS, Marli dos Reis dos – UNISANTOS [email protected]

SOARES, Elisabete Ferreira - UNISANTOS

[email protected]

GALVÃO, Adauto - UNISANTOS adauto.galvã[email protected]

Eixo Temático: Formação de Professores e Profissionalização Docente

Agência financiadora: não contou com financiamento

Resumo Este artigo analisa dados colhidos na primeira fase do projeto de pesquisa Das políticas de

formação de professores às práticas pedagógicas: implicações, desafios e perspectivas para

a universidade, escolas e professores, centrado no Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica – PARFOR. Essa primeira etapa investiga as representações sociais de alunos matriculados em curso de pedagogia inserido no PARFOR, realizado em uma universidade confessional comunitária do estado de São Paulo. A análise apóia-se na Teoria das Representações Sociais (TRS), (MOSCOVICI, 1978, 2009), (ABRIC, 2000, 2001). Busca fundamentos, também, em Abdalla (2006), Freire (1996), Pimenta (2002) e Imbernón (2002). Para a coleta de dados desenvolveu-se um instrumento tríplice composto por questões de perfil, abertas e fechadas, um texto projetivo e associação livre de palavras (ALP) com quatro expressões indutoras: expectativas e necessidades na formação; desafios

da realidade profissional; aspectos relacionados ao ensino e à aprendizagem do aluno e

Identidade do professor. O instrumento foi aplicado a quarenta e três (43) sujeitos. A análise discutida neste texto concentra-se nas respostas obtidas às expressões indutoras e os elementos representacionais foram analisados com base na Teoria do Núcleo Central (ABRIC, 2000). Os resultados obtidos apontaram para o entendimento de que os sujeitos entendem/ percebem a formação docente em cinco categorias: contexto escolar, socialibilidade do professor, apoio institucional, ação do aluno, características pessoais do

professor e estratégias didáticas necessárias a um professor. Ressalta-se, ainda, que as respostas produzidas podem estar imbricadas ao fato de que esses sujeitos já atuarem como docentes, mesmo com denominações diversificadas nos cargos que exercem. Fato que pode trazer à tona uma profissionalização docente imbuída da sociabilidade do professor pelas

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relações com seus pares, alunos e comunidade e, ainda pela cultura, regras e hierarquia estabelecida na organização institucional.

Palavras-chave: Representações Sociais. Formação docente. PARFOR. Política educacional.

Introdução

Nos últimos anos, o Brasil vem promovendo política educacional voltada à formação de

professores para atuar nos sistemas educativos, colocando em primeiro plano a formação em nível

superior. As ações desencadeadas pretendem abolir a presença de professores leigos, de modo a

contribuir a uma educação de melhor qualidade. Nesse sentido, entre outros, foram deflagrados

programas como: o Rede Nacional de Formação Continuada de Professores da Educação Básica; o

Formação de Professores em Exercício – Proformação; o Proinfantil e o Pró-Licenciatura (BRASIL,

2005, p. 38).

Em 2009, por meio do Decreto Federal 6755, o Ministério de Educação (MEC) institui

Política Nacional de Formação dos Profissionais do Magistério da Educação Básica e disciplina a

atuação da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) na promoção de

programas de formação inicial e continuada, dando origem ao Plano Nacional de Formação de

Professores da Educação Básica – PARFOR (BRASIL, 2009).

O Plano é executado em regime de cooperação entre a CAPES/MEC, as secretarias de

educação dos estados e municípios e as instituições públicas e comunitárias de ensino superior. O

PARFOR tem como objetivo assegurar a formação exigida na Lei de Diretrizes e Bases da

Educação Nacional (LDBEN) por meio da oferta de cursos de graduação, gratuitamente, aos

professores que já atuam nas escolas públicas, mas sem formação superior ou em disciplina

diversa da sua habilitação.

Parte-se do pressuposto de que, ao longo do curso, os professores-alunos podem

ressignificar o trabalho que desenvolvem em suas escolas, fundamentar e refinar suas práticas,

dadas as possibilidades que um espaço destinado à formação profissional oferece.

Este trabalho analisa parte dos dados colhidos na primeira fase do projeto de pesquisa “Das

políticas de formação de professores às práticas pedagógicas: implicações, desafios e perspectivas para

a universidade, escolas e professores”, centrado na implantação do PARFOR em uma universidade

comunitária paulista, localizada em município-sede de região metropolitana. A investigação tem como

objetivo geral compreender as representações sociais dos professores-estudantes sobre a constituição

de suas identidades profissionais, analisando as implicações do PARFOR na formação destes sujeitos,

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tendo em vista suas necessidades/expectativas de formação, suas escolhas frente ao Curso de

Pedagogia/PARFOR, os desafios da realidade profissional, entre outros aspectos.

Os dados aqui analisados buscam atender a um dos objetivos específicos do projeto maior:

apreender os elementos constituintes das representações sociais de alunos do curso de Pedagogia em

um programa emergencial de formação, como o PAFOR, a respeito de suas necessidades de formação,

os desafios de sua realidade profissional, a identidade do professor e aspectos relacionados ao ensino e

à aprendizagem do aluno. E o momento em que se busca essa apreensão é o do início do curso, dada a

necessidade de se estabelecer um sólido ponto de partida para acompanhar os professores-alunos e o

curso de Pedagogia que lhes é oferecido. A duração prevista para o projeto é a mesma do curso:

quatro anos.

As escolhas teórico-metodológicas apresentadas neste trabalho fundamentam-se em

Moscovici (1978, 2009), na perspectiva desenvolvida por Abric ( 2000, 2001) e em autores

que contextualizam e teorizam sobre formação de professores e profissionalização docente

como Abdalla (2006), Pimenta (2002). A primeira parte do texto destina-se a apresentar os

fundamentos e procedimentos metodológicos adotados. A segunda parte traz alguns dados de

inserção social, profissional e acadêmica dos 43 sujeitos da pesquisa e a análise de suas

evocações a partir das expressões indutoras: expectativas e necessidades na formação;

desafios da realidade profissional; aspectos relacionados ao ensino e à aprendizagem do

aluno e identidade do professor. A terceira parte traz considerações acerca da análise

realizada.

Representações sociais e a Teoria do Núcleo Central

De acordo com Moscovici (2005), a primeira razão que o levou ao estudo das

representações sociais foi sua convicção de que o senso comum ou conhecimento comum

precisava ser reabilitado, não como algo irracional, mas como um importante fator entre o

conhecimento científico e a ideologia. Para ele, a “finalidade das representações é tornar

familiar algo não-familiar, ou a própria não familiaridade” (2001, p. 54). Os universos

consensuais, familiares, conhecidos constituem zonas de conforto ao ratificar crenças e

interpretações adquiridas. Nesses universos, a mudança só é permitida quando apresenta algo

que dialogue com o vivido, experimentado, conhecido (p. 55).

Daí decorre o interesse em investigar as representações dos professores-estudantes que

iniciam o curso de Pedagogia: explorar seus universos consensuais para conhecer quais

brechas apresentam-se à mudança e em que sentido. No projeto maior, este estudo é

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concebido como um caminho para se definir com uma maior precisão como os professores

posicionam-se a respeito de sua constituição identitária relacionada ao seu processo de

formação.

A teoria das representações sociais, inaugurada por Moscovici (1978), apresenta

desdobramentos em três correntes teóricas complementares. Uma primeira corrente mais

próxima à teoria original e associada a uma perspectiva etnográfica, liderada por Denise

Jodelet. Uma segunda, com uma perspectiva mais sociológica, liderada por Willem Doise. E

uma terceira que enfatiza a dimensão cognitivo-estrutural das representações que tem em

Jean-Claude Abric seu principal representante (SÁ, 2001, p. 8).

A corrente liderada por Abric ocupa-se do conteúdo cognitivo das representações, de

modo a estabelecer o conhecimento como “um conjunto organizado ou estruturado, não como

uma simples coleção de idéias e valores” (SÁ, 1998, p.76 ).

Para Abric (2000, p. 31), os elementos componentes da representação são

hierarquizados e seu conteúdo organiza-se em um sistema central e um sistema periférico,

tendo cada um características e funções distintas. O significado de uma representação é dado

pelo elemento ou pelos elementos que constituem o núcleo central. No entorno do núcleo

central encontram-se organizados os elementos periféricos responsáveis “pela interface entre

a realidade concreta e o sistema central”.

O sistema central (núcleo central ou núcleo estruturante) encontra-se amalgamado à

memória coletiva e à história do grupo consensual; define a homogeneidade do grupo;

apresenta-se estável, coerente, rígido, resistente às mudanças e pouco sensível ao contexto

imediato. Atribui-se ainda ao núcleo central a função geradora dos significados das

representações e organizadora dos elementos das representações (ABRIC, 2000, p. 34).

O sistema periférico desempenha papel decisivo no funcionamento do sistema de

representações e caracteriza-se por permitir a integração de experiências e histórias; admitir a

heterogeneidade do grupo; ser flexível; tolerar as contradições; ser evolutivo e sensível ao

contexto imediato. Tem como funções: permitir a adaptação à realidade concreta e a

diferenciação de conteúdo (ABRIC, 2000, p. 34).

Adotando essa perspectiva como um itinerário metodológico, mas ciente de suas

limitações, almeja-se desvelar o conteúdo e ter acesso à estrutura de representações sociais

dos sujeitos pesquisados sobre sua identidade profissional relacionadas à sua formação, a

partir da análise das palavras evocadas pelos sujeitos da pesquisa.

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A técnica da evocação livre objetiva compreender a percepção da realidade de um

grupo social a partir de uma composição semântica pré-existente, ou seja, analisar os

estereótipos sociais partilhados espontaneamente pelo grupo e simultaneamente visualizar as

dimensões estruturantes do universo semântico específico de suas representações sociais

(OLIVEIRA e outros, p. 575-576).

Para a análise das evocações utilizou-se o software EVOC (Ensemble de programmes

permettant l’analyse des evocations, versão 2003), desenvolvido por Pierre Vergès. A técnica criada

por Vergès combina a freqüência de emissão das palavras e/ou expressões com a ordem em que são

evocadas, possibilitando o levantamento daquelas que mais provavelmente pertencem ao núcleo

central da representação.

Os resultados das evocações fornecidos pelo EVOC distribuem-se por quatro

quadrantes. No primeiro quadrante, encontram-se os elementos do núcleo central,

prontamente evocados e em maior frequência. No segundo quadrante, os elementos da 1ª

periferia tardiamente evocados, porém com mais alta frequência. No terceiro quadrante, os

elementos de contraste que reforçam as noções contidas na 1ª periferia. No quarto quadrante,

os elementos da 2ª periferia tardiamente evocados e com baixa frequência. A determinação

dos elementos que vão pertencer a cada quadrante é estabelecida por critérios de maior ou

menor frequência dentro de uma média do conjunto de palavras que irá variar de acordo com

cada palavra/expressão indutora.

O recurso à análise estrutural das representações sociais dos professores-estudantes

ingressantes no curso de Pedagogia proporcionado pelo Parfor justifica-se pela possibilidade

de identificar os elementos componentes do núcleo central e do sistema periférico de

representações ligadas à constituição de sua identidade profissional no que respeita à sua

formação. Seu estudo poderá contribuir para o planejamento da formação no curso e para

identificar alterações ou não em sua composição na medida em que o curso avança.

Dos sujeitos à análise das evocações

A pesquisa desenvolveu-se com 43 (quarenta e três) professores-alunos do curso de

Pedagogia- PARFOR, que atuam como professores em uma região metropolitana. A maior

parte dos professores-alunos, sujeitos da pesquisa, atua na educação infantil, em creches, e

vive momentos de intensa transição em função das políticas educacionais decorrentes da atual

Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, que incluiu a educação infantil na educação

escolar básica e passa a exigir a formação em nível superior a todos os seus professores.

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Quando perguntados pela denominação de sua função em seu local de trabalho, dos 43

respondentes ao instrumento de pesquisa, oito (18,6%) responderam que são pajens, 22

(51,2%) responderam que são atendentes de educação. Entre as funções exercidas 34 (79%)

declararam: cuidado, higiene, alimentação e atividades pedagógicas que compreendem

recreação (música, dança, brincadeiras). Há, também, declarações de “auxiliar o professor,

cuidar do aluno na sua higienização e alimentação”.

A faixa etária do grupo varia entre 24 e 41 anos ou mais, com 35 (81,4%) alunos

apresentando idades entre 31 a 41 anos ou mais. Os estudantes investigados são os primeiros

em suas famílias quanto ao acesso à educação superior. Dos 43 estudantes, sete (16,3%)

declararam ter pais com nenhuma escolaridade e 24 (55,8%) que seus pais cursaram o ensino

fundamental incompleto e completo.

Dos 43 consultados, 11 (25,6%) residem no município onde se encontra a

Universidade, que é sede de região metropolitana, mas apenas três (7%) declaram trabalhar

nesse município. Os demais trabalham em municípios vizinhos, próximos, atendidos por

transporte público intermunicipal. O ônibus é o meio de transporte utilizado por 34 (79,1%)

estudantes. Quanto ao número de horas trabalhadas por semana, seis (14%) declararam 40

horas e 25 (58,1%), 30 horas.

Outro dado importante para este trabalho foi identificar há quanto tempo esses sujeitos

concluíram o ensino médio. Apurou-se o que segue: 22 estudantes (51,1%) concluíram o

ensino médio há mais de 10 anos; 12 estudantes (27,9%) o concluíram entre 3 e 6 anos e 5

estudantes (11,6%) concluíram entre 7 e 10 anos.

Nesta perspectiva, o “corpus” analítico está centrado nas palavras/expressões

indutoras, anunciadas a fim de capturar elementos que possam desvelar as representações

sociais dos sujeitos em relação à formação.

No quadro 1 verificou-se que a expressão indutora expectativas e necessidades na

formação gerou 28 palavras diferentes com frequências variadas, indicando a percepção dos

sujeitos pesquisados, bem como a indicando uma forma hierarquizada de estruturação da

representação das expectativas e necessidades de formação dos sujeitos, conforme assevera

Abric ( 2000 ), na sua Teoria do Núcleo Central ou Núcleo Estruturante.

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Quadro 1- Expectativas e necessidades de formação

As palavras: conhecimento, reconhecimento, realização, valorização, tempo e

profissional, que constituem o 1º quadrante, parecem sugerir o sentido da representação social

dado pelos sujeitos pesquisados sobre suas expectativas e necessidades de formação. Desse

1º quadrante ou casa constam os termos mais citados e a ordem média de evocações mais

baixa, o que significa que a palavra foi mais prontamente evocada pelos diferentes sujeitos.

Esses termos inscrevem-se como elementos unificadores e estabilizadores do núcleo central

da representação, que atua como “o elemento pelo qual se cria ou se transforma a significação

de outros elementos constitutivos da representação” (ABRIC, 2000, p. 31). Parece, então, que

estes vocábulos se constituem no que Abric (2001) chama de núcleo estruturante,

“determinando a natureza dos vínculos que unem entre si os elementos da representação”

(p.163).

Os termos conhecimento e realização destacam-se seguidos de reconhecimento e

valorização. Tempo e profissional completam esse quadrante ou casa. Os elementos

encontrados na 1ª. periferia – pesquisa e aperfeiçoamento- associados aos elementos da zona

de contraste - capacitação, aprimoramento, crescimento e comprometimento - parecem

completar ou reforçar os primeiros. Os elementos da 2ª. periferia estudo, colaboração,

promoção e sucesso, parecem indicar um modo pragmático de expressar a satisfação das

expectativas e necessidades de formação, indicando uma brecha para aproximação ao núcleo

central - conhecimento, reconhecimento, realização - por meio de aperfeiçoamento, pesquisa,

capacitação, aprimoramento (1ª. periferia e elementos de contraste).

É interessante notar como realização, reconhecimento, sucesso, promoção,

distribuem-se pelas casas. Aspectos relacionados aos outros, ao social, como reconhecimento,

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valorização, comprometimento, colaboração, colaboração, sucesso exprimem conhecimento

comum desse grupo no que se refere à ascenção social e profissional, como expectativa ligada

à formação no PARFOR. Do mesmo modo aparece a questão pessoal ligada à realização, ao

conhecimento, ao aprimoramento, à capacitação, vinculados a aperfeiçoamento e pesquisa.

Os elementos dos demais quadrantes, chamados por Abric (2000) de sistema

periférico, quais sejam: aperfeiçoamento, pesquisa, aprimoramento, capacitação,

comprometimento, crescimento, colaboração, estudo, promoção e sucesso, funcionam como

entrelaçamento na organização e funcionamento da representação, realizando a “interface

entre a realidade concreta e o sistema central” (p.31). Em outras palavras, os dados revelam

que as crenças/valores centrais dos sujeitos, que se organizam em torno de um querer, estão

relacionados ao conceito de expectativa/necessidade como “prática de definir objetivos de

ação e mudança” (ABDALLA, 2006, p.20).

Ainda Abdalla (2006, p. 94) aponta que o trabalho do professor é “um conhecer

permanente”, baseado no sentido “da exploração, da experimentação, das trocas e do esforço

de passar da ignorância ao conhecimento (grifo da autora)”. Tal reflexão compartilha

elementos com os evocados pelos professores-estudantes no que respeita às expectativas e

necessidade de formação.

O Quadro 2 informa o entendimento dos sujeitos pesquisados em relação ao que

consideram desafios que enfrentam ou enfrentarão na profissão.

Quadro 2- Desafios da realidade profissional

A expressão indutora desafios da realidade profissional produziu 14 evocações

diferentes, com freqüências variadas. As palavras companheirismo, formação, respeito e

tempo possuem freqüência alta e encontram-se no 1º. quadrante, correspondente ao núcleo

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central. Aqui o núcleo central da representação tem seu conteúdo no companheirismo e no

respeito (relação com iguais e outros) e na formação (pessoal, individual) associados ao

tempo.

O tempo aparece novamente na 1ª. casa, agora como elemento dos desafios da

realidade. Nas evocações sobre expectativas e necessidades de formação, também ocupava

um lugar na 1ª. casa. A carga de trabalho semanal desse grupo associada a seu deslocamento

entre municípios próximos para trabalhar e estudar podem justificar essa ênfase. Interessante

notar que salário aparece como único termo na 1ª. periferia.

Duas análises dessa distribuição são possíveis e poderão ser exploradas em outros

momentos da pesquisa. Uma análise decorre da associação entre salário e os elementos de

contraste relativos a questões institucionais como horário, mudanças, número de alunos,

sistema e violência contrabalançadas por comprometimento e compromisso. A distribuição

sugere uma segunda análise em que as questões institucionais, associadas a comprometimento

e compromisso, podem revelar a existência de um sub-grupo portador de um conteúdo

representacional diferente.

O entrelaçamento das palavras evocadas situadas nos demais quadrantes e as situadas

no 1º. quadrante sugerem que os sujeitos aportam os desafios da profissão em duas categorias

amplas: sociabilidade do professor (companheirismo, respeito, comprometimento,

compromisso, família, integração) e apoio institucional (formação, salário, tempo, horário,

mudanças, número de alunos, sistema, violência). Esta compreensão parece destacar que para

o enfrentamento dos desafios as vozes dos sujeitos estão constituídas por “universos de

opinião”, diria Moscovici (1978, p. 67), que transitam entre a boa relação com outros e o

compromisso daí advindo e o apoio institucional.

No Quadro 3, a expressão indutora, Aspectos relacionados ao ensino e à

aprendizagem do aluno remete ao entendimento de que “Não há docência sem discência”

(FREIRE, 1996, p. 22-23) , ocorrendo nessa relação a ação educativa. Nesse movimento

reflexivo, o quadro abaixo pode configurar-se em ponto chave para o entendimento do

posicionamento dos estudantes de Pedagogia do PARFOR sobre sua concepção de ensino e

de aprendizagem como processos interligados.

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Quadro 3- Aspectos relacionados ao ensino e à aprendizagem do aluno

Os elementos constitutivos dos quadrantes parecem revelar que o sentido atribuído à

expressão aspectos relacionados ao ensino e à aprendizagem do aluno aparece mais ligado à

atitude do aluno frente à aprendizagem, do que propriamente à relação indissociável entre

ensinar e aprender. Os resultados das evocações dispostos no primeiro quadrante – família,

dificuldade, comprometimento, dedicação, motivação e respeito - indicam que no núcleo

central encontram-se elementos considerados significativos que, entretanto, situam-se no

plano do aluno. Apesar do estranhamento que esses elementos possam causar, a função da

evocação livre é possibilitar aos sujeitos da pesquisa “dar um sentido às suas condutas e

compreender a realidade através de seu próprio sistema de referencias; permitindo assim ao

indivíduo de se adaptar e de encontrar um lugar nesta realidade” (ABRIC, 1998. p. 28).

Nesse itinerário argumentativo/ reflexivo, objetivando o desvelamento dos elementos

constituintes da representação social dos sujeitos da pesquisa sobre aspectos relacionados ao

ensino e à aprendizagem do aluno, as evocações dos demais quadrantes - incentivo, interesse,

atitude, autoestima, conhecimento, cooperação, didática, interação, material, oportunidade,

solidariedade, valores, disciplina, medidor, parceria, participação, prazer, realidade,

socialização, tempo e valorização- evidenciam aspectos psico-sociológicos imbricados na

representação social, que “comunica tanto quanto exprime” (MOSCOVICI, 1978, p. 26), e

que o sucesso do processo ensino-aprendizagem abrange, de forma preponderante,

intenção/motivação/a ação do aluno.

O destaque dado à aprendizagem - requisitos, sentimentos, atitudes, processos – pode

constituir-se, em “modalidade de conhecimentos particulares que tem por função a elaboração

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de comportamentos e a comunicação entre indivíduos” (MOSCOVICI, 1978, p 26), em

função do que visualizam como aspectos relacionados ao ensino e à aprendizagem do aluno,

em que se nota a ausência de termos relacionados aos resultados do ensino e da aprendizagem

como conhecimentos, habilidades, competências.

No quadro 4, a expressão indutora identidade do professor nos remete a Pimenta

(2002, p.59), quando afirma que “identidade não é um dado imutável, nem externo, que se

possa adquirir como uma vestimenta. É um processo de construção do sujeito historicamente

situado”. Nesse sentido, as frequências das palavras evocadas podem evidenciar um modo de

ser/estar na profissão (ABDALLA, 2006, p.102).

Quadro 4 - Identidade do professor

Analisando os termos evocados no primeiro quadrante - amor, dedicação, respeito,

compromisso e autônomo, e – pode-se inferir que o conteúdo do núcleo central da

representação sobre identidade docente reveste-se de sentimento de afeição (amor) e da

doação (respeito, compromisso e dedicação) decorrente desse afeto. Ou seja, as evocações

sugerem ancorar a identidade profissional na crença de que ser professor implica

responsabilidade afetiva e social em termos interpessoais (compromisso, dedicação ao outro e

ao próximo). Essa convergência de bons sentimentos compondo o conteúdo do núcleo central

é reforçada pelos termos mediador, amigo e pesquisador, destacados na 1ª. periferia.

É importante registrar que há fato, nesta parte da análise, a ser explorado em outras

fases da pesquisa: a possível existência de um pequeno grupo dissidente na casa dos

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elementos de contraste, onde, com freqüência baixa, mas como evocação priorizada,

aparecem os termos competência, profissional, didática e ética.

Observa-se que as palavras dos demais quadrantes conversam entre si, envolvendo a

maneira como os sujeitos percebem a identidade docente, confirmando uma versão idealizada

e quiçá missionária dessa identidade. O conjunto de termos evocados sugere que o conteúdo

da representação de identidade docente revelado pelos sujeitos é partilhado, penetra e

influencia cada um, ou seja, “é re-pensado, re-citado e re-apresentado por eles”

(MOSCOVICI, 2009, p. 37).

As informações capturadas dos quadrantes indicam ou sugerem uma articulação entre

as dimensões social e afetiva como organizadoras do pensamento dos sujeitos, o que pode

inferir uma identidade docente composta por duas categorias: a primeira ligada às

“características pessoais do professor” - amor, autônomo, compromisso, dedicação, respeito,

amigo, exemplo, comprometimento, realização, competência vocação, afetividade,

autonomia, companheiro, educador, postura, prazer, sabedoria e sábio e uma segunda, “para

as estratégias didáticas necessárias a um professor” - mediador, pesquisador, didático, ética,

profissional e responsabilidade.

Considerações Finais

As análises realizadas apoiam-se na inserção social, profissional e acadêmica dos

professores-estudantes investigados, em que se destaca a situação funcional, mediante a

nomenclatura diversificada do cargo que exercem: pajens, atendentes de educação e similares.

Assim, o presente estudo ao tentar mapear as representações sociais dos alunos de

Pedagogia inseridos no PARFOR sobre a formação docente balizou-se nas evocações

colhidas a partir das quatro expressões indutoras usadas para investigar a estrutura e o Núcleo

Central de representações relacionadas à formação.

Nesse sentido, ao observar-se os pressupostos teóricos apontados na presente pesquisa

e as evocações, compreende-se que os sujeitos desta pesquisa produziram respostas que

formam um conjunto de ideias, um "núcleo figurativo" da representação sobre a formação

docente que se ancora em cinco categorias, a saber: contexto escolar, socialibilidade do

professor, apoio institucional, ação do aluno, características pessoais do professor e

estratégias didáticas necessárias a um professor. Entende-se então, que essas respostas

podem estar imbricadas ao fato de que esses sujeitos já atuarem como docentes, ainda que

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com diferentes denominações, sem ignorar que essas representações sinalizam para uma

profissionalização docente impregnada da sociabilidade do professor pelas relações com seus

pares, alunos e comunidade e, ainda pelos aspectos ideológicos, culturais, normativos,

hierárquicos e funcionais, dominantes nos espaços sócio-institucionais hodiernos, e nos

espaços em que vivem e atuam estes sujeitos.

REFERÊNCIAS

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