professores de retÓrica e poÉtica do colÉgio … · como exemplos dessa conjuntura podemos...
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Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa – Universidade Federal da Paraíba – 15 a 18 de agosto de 2017
ISSN 2236-1855 4753
PROFESSORES DE RETÓRICA E POÉTICA DO COLÉGIO PEDRO II (1844-1889): TRAJETÓRIAS E ASPECTOS IDENTITÁRIOS
Jefferson da Costa Soares
Introdução
Em abril de 2016, o Colégio Pedro II, primeira instituição brasileira de ensino
secundário, criada em 1837, referência para outras instituições e mantida pelo governo
federal até os dias atuais, abriu inscrições para um curso de extensão em Retórica, tanto para
os seus alunos, como para interessados de outras instituições.
Intitulado “Retórica e a Arte de Convencer” e com duração entre 6 a 7 meses, trata-se
de um curso ministrado por professores de Língua Portuguesa e de Filosofia e que se propõe
a “disponibilizar os instrumentos para o consenso”, os meios para o acordo entre
interlocutores, os conceitos que permitem converter ânimos exaltados por polêmicas
acirradas em “espíritos de aguda capacidade analítica”. A Retórica, na condição de arte, não
fornece tão somente os meios cognitivos para se lidar de forma apurada com a linguagem,
mas também convida para a construção imaginária de cenários em que os indivíduos são
obrigados a assumir a perspectiva do outro, mesmo que sejam para prever as suas reações.
Essa iniciativa nos chamou a atenção na medida em que parece resgatar certo
protagonismo do Colégio Pedro II sobre o ensino da Retórica, como matéria1 escolar, no
Brasil do século XIX. Entretanto, o pioneirismo no ensino de Retórica no Brasil não cabe ao
Colégio Pedro II, e sim aos Jesuítas. A Retórica chega ao Brasil pela força que tinha em toda
Europa Católica, trazida pelos Jesuítas que a difundiram largamente em toda a América
Espanhola e Portuguesa. Persistiu, inclusive, por fazer parte do Currículo de Humanidades
do Colégio das Artes e da Universidade de Coimbra, por cujas cadeiras passaram a grande
maioria dos membros da elite política e intelectual do Brasil até o século XIX. (CARVALHO,
1981, apud, SÁ, 2006, p. 52).
Nesse sentido, para fins de organização do debate que nos propomos a desenvolver,
torna-se necessário esclarecer os vários sentidos que o termo “Retórica” assumiu ao longo do
1 Goodson (1995, p.120) não utiliza o termo “Disciplina”, e sim, “Matéria Escolar”, analisando como se constituem e são definidas, pois considera o termo “Disciplina” como uma forma de conhecimento oriunda da tradição acadêmica. Para o caso das escolas primárias e secundárias, utiliza o termo “Matéria Escolar”.
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tempo. Dominichi Miranda de Sá nos auxilia nesse desafio ao afirmar que “é como discurso,
ou melhor, como um estruturante do discurso, que a retórica precisa começar a ser
entendida”. No seu sentido mais antigo é a “arte dos discursos”, “arte de bem dizer”, “arte de
convencer” de obter, por intermédio de argumentos lógicos, a adesão do auditório à tese que
lhe é proposta. (PERELMAN, 1952 1977, 1987, apud SÁ, 2006, p.50).
Na Grécia Antiga constituía a forma política de falar. Os atenienses conduziam os
assuntos públicos pela fala, pela persuasão, o que tornava a Retórica um fundamento da
democracia grega, pois dispensava o uso da força e da violência. Era o meio pelo qual os
homens chegavam ao consenso. A Retórica pressupunha também o orgulho e a glória de se
apresentar em público, de ser visto e ouvido pelos demais (SÁ, 2006, p.51).
É por esse motivo que justificamos este trabalho. Não apenas pela ausência de
pesquisas sobre a matéria e sobre os professores de Retórica em períodos recuados; mas pela
importância que a conversação culta assumiu entre os intelectuais brasileiros oitocentistas,
dadas as suas raízes no Iluminismo; e pelo fato de, conforme Sá (p.55), os elementos centrais
da Retórica – eloquência e multiplicidade de saberes – terem sido totalmente renegados no
século XIX com a especialização intelectual. Para a autora, esses elementos marcam o início
de uma transição rápida: de um modelo vertical de circulação do saber entre mestres e
discípulos, e cuja linguagem em comum era a Retórica, para um modelo horizontal de
produção de conhecimento. O saber passa a ser produzido em espaços fechados e seletivos
segundo a lógica das especializações disciplinares (GEMELLI, 1997, apud Sá, 2006).
Podemos considerar o Colégio Pedro II um desses espaços, daí a necessidade e importância
de pesquisar a disciplina e seus professores.
Este trabalho tem origem na pesquisa em andamento, coordenada por Ana Waleska
Mendonça, sobre a constituição do magistério público secundário no Brasil e que adota como
recorte institucional o Colégio Pedro II. O objetivo é analisar aspectos relacionados à
construção da identidade profissional dos professores de Retórica e Poética que atuaram
entre 1844 e 1889, na instituição pioneira de ensino secundário no Brasil, modelar para
outras instituições no período investigado e que permanece mantida pelo governo federal nos
dias atuais. Busca-se estabelecer uma caracterização geral desses professores, as formas de
inserção no Colégio; as categorias nas quais se enquadravam; as trajetórias internas no
Colégio, inclusive o tempo de docência na instituição; a formação acadêmica; a experiência
docente anterior; as outras instituições educacionais e culturais em que atuavam, a forma
como concebiam a disciplina, dentre outros aspectos. As principais referências teóricas são os
trabalhos de dois sociólogos franceses que se debruçaram sobre o processo de construção da
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identidade profissional docente, a saber: François Dubet (2002) e Claude Dubar (1997). As
fontes analisadas e que se mostraram mais relevantes foram os regulamentos e decretos
relativos às reformas educacionais e às mudanças internas do Colégio Pedro II; obras
didáticas e literárias elaboradas pelos docentes, algumas adotadas pelo Colégio Pedro II;
anuários; trabalhos acadêmicos sobre os professores investigados; dentre outros. Parte
considerável desses documentos está disponível no Núcleo de Documentação e Memória do
Colégio Pedro II (NUDOM/CPII) e no Portal da Câmara dos Deputados2.
A Retórica nos Programas do Ensino Secundário
Antes da análise preliminar do perfil e da trajetória profissional dos professores, cabe
observar que a Retórica, como matéria escolar, sofreu modificações pelas várias reformas
educacionais implementadas no período investigado. São mudanças que, para além de
alterações nos conteúdos dos programas, vincularam a Retória a outras matérias, alterando a
sua nomenclatura.
Como exemplos dessa conjuntura podemos mencionar, através do livro de programas
organizado por Vechia e Lorenz (1998), que em 1850, a matéria chamava-se “Retórica” e era
ensinada nos 6° e 7° anos do ensino secundário, naquela época dividido em 7 anos letivos.
Cabe ressaltar que apesar do nome da matéria, pontos de poesia são listados nesses
programas. Concordamos com as afirmações de Razzini (2000) ao constatarmos que:
Os "pontos" de retórica e de poética eram baseados nos gêneros definidos por Aristóteles (e depois sistematizados por Quintiliano), ressaltando, de um lado, o estudo dos tropos e figuras retóricas, e de outro, a epopéia, onde foram introduzidos novos elos à tradição greco-romana, exemplificando a épica européia e já incluindo a épica brasileira. Neste período, parecia fundamental que a escola estabelecesse a ligação da poesia brasileira com a poesia greco-latina e com a poesia européia, através da aferição das regras poéticas, inserindo O Caramurú e o Uraguai como a última parte do estudo da épica ocidental, conferindo-lhes, portanto, status de igualdade com as anteriores.Os programas de retórica e poética (1850-1851) ensinam, então, que foi através das epopéias de Basílio da Gama e de Santa Rita Durão que a literatura brasileira entrou no currículo secundário, ponto de chegada do estudo da épica antiga e moderna, que havia passado pelas obras de Homero, Virgílio, Lucano, Tasso, Ariosto, Camões, Fenelon, Voltaire e Milton (RAZZINI, 2000, p.42).
Em 1855, o regulamento de 17 de fevereiro, assinado por Luís Pedreira do Couto Ferraz,
inseriu o estudo da literatura brasileira no currículo do curso secundário. Assim, na matéria
Retórica, além de regras de eloquência e composição, dadas no 6° ano, ao lado da
“composição de discursos e narrações em português”, estava previsto o ensino, no 7° ano, do
2 < http://www2.camara.leg.br>.
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“quadro da Literatura nacional”. Os programas de 1856 mantiveram o nome da matéria
(Retórica) e os anos em que era ensinada. Observamos ainda, que há a indicação de livros de
Paula Menezes nesses programas: “Lições de Litteratura” para o 6° ano e “Quadros da
Litteratura Nacional” para o 7° ano. Segundo Razzini (2000):
O currículo de retórica do sexto ano dava uma visão geral da literatura, oferecendo "exemplos dos principais escritores, oradores e poetas, antigos e modernos, e mais especialmente dos gregos, latinos e portugueses", enquanto que o professor de retórica, no sétimo ano, deveria oferecer "a seus discípulos os quadros de literatura nacional, fazendo-lhes sentir as belezas dos autores clássicos, tanto poetas, como prosadores". Além da "literatura nacional", estavam previstos exercícios de composição, no currículo do sétimo ano, a fim de treinar os alunos a "escrever elegantemente e procurando imitar os modelos indicados pelo professor" (RAZZINI, 2000. p. 45).
Já no programa de 1858, observamos a manutenção da nomenclatura “Retórica” para o
6° ano e a criação da matéria “Retórica e Poética” para o 7° ano. Entretanto, o programa do
6° ano não exclui princípios da Poética em seus pontos,. As obras didáticas indicadas no
programa do 6° ano são “Nova Rhetorica de Le Clerc”, traduzido por Paula Menezes e
“Licções Elementares de Poectiva”, por F. Freire de Carvalho. A partir do levantamento dos
programas do Colégio Pedro II, realizado por Vechia e Lorenz (1998), observamos que em
1858 passa a constar menção explícita “literatura nacional” nos programas de Retórica,
porém subordinada à língua portuguesa: “história da literatura portuguesa e nacional”,
“curso de literatura antiga e moderna, especificamente da portuguesa e brasileira”.
No programa de 1862, Retória e Poética aparecem como disciplinas separadas, a
primeira ensinada apenas no 6° ano, enquanto a segunda era ensinada no 7° ano. A obra
“Nova Retórica Brasileira”, de A. M. da Silva Pontes aparece indicada no programa de
Retórica, enquanto “Lições de Poética”, de Francisco Freire de Carvalho, foi indicada no
programa de Poética.
Por sua vez, pelo programa de 1877, observa-se que a matéria volta a se chamar
Retórica e Poética, porém ensinada aos alunos do 5° ano e o programa lista, primeiramente,
os 17 pontos de Retórica e, posteriormente, 13 pontos de Poética, totalizando 30 pontos. Para
as aulas estava prevista a indicação de um compêndio que seria aprovado pelo Governo, bem
como o “Tratado de Metrificação” pelo Visconde de Castilho; “Selecta Nacional” por F. J.
Caldas Aulete, 2ª parte, (Oratória); e “Poesias Selectas” por Midosi.
No programa do ano seguinte, 1878, consta a matéria “Retórica, Poética e Literatura
Nacional”. Trata-se de um programa extenso, em que são listados, pela ordem, 17 pontos de
Retórica, 12 de Poética e 3 de Literatura, totalizando 32 pontos. Listados os pontos de
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Poética, aparece a indicação do livro “Compêndio de Rhetórica e Poética para uso dos
alumnos do Imperial Collegio de Pedro II”, pelo Cônego Manoel da Costa Honorato. Após os
pontos de Literatura, é indicado o livro “Le Brésil Littéraire”, de Ferdinand Wolf. Essa
matéria era ensinada aos alunos do 6° ano.
O programa de 1882, de Retórica, Poética e Literatura Nacional, possui 17 pontos de
Retórica, 8 de Poética e 6 de Literatura Nacional, totalizando 31 pontos. Dois livros indicados
neste programa são de José Maria Velho da Silva: “Licções de Retórica” para Retórica e
“Postilla do Professor” para Poética. Para Literatura Nacional, foi indicado “Histoire de la
littérature brésilienne”, pelo já mencionado F. Wolf. “Licções de Retórica” foi o último
tratado de retórica adotado pelo Colégio Pedro II no século XIX. Nele, Velho da Silva fez
muitas considerações sobre o romance, gênero relativamente novo no Brasil. As suas “Licções
de Retórica” substituíram o tratado de Honorato de 1882, três anos após o autor ter
assumido a disciplina de “Retórica, Poética e Literatura Nacional” no imperial
estabelecimento de ensino. Assim como aquele que o antecedera na disciplina, considerava o
romance um gênero secundário em prosa, que se assemelhava às cartas, uma vez que ambos
tratavam de “fatos moraes menos importantes e menos elevados”. Enquanto estas últimas
expressavam os sentimentos da vida privada ocorridos dia-a-dia, os romances, contos e
novelas, alegava o autor, narravam as aventuras e paixões imaginárias.
Cabe ressaltar que em 1881, com a reforma do Ministro Barão Homem de Melo,
ocorreu um aumento nas horas de aula de literatura, que passou a ser chamada, por fim, de
“Portuguez e Historia Literaria”, lecionadas como disciplinas separadas e com ênfase dada
ao estudo da língua, mas foi a partir de 1892 que se deu algo mais significativo: a supressão
das disciplinas de Retórica e Poética e a sua substituição pela “História da Literatura
Nacional”. A justificativa para isso encontra-se não só na eliminação das disciplinas de
Retórica e Poética dos “Exames Preparatórios”, mas também no próprio período histórico de
declínio do Império e o início da República, em que a extinção das disciplinas acima citadas,
refletia o destaque dado ao cientificismo positivista na esfera da educação. Esse processo
culmina numa perda para o corpo discente, pois enquanto os antigos estudos de Retórica e
Poética levavam o aluno a produzir textos e expô-los, o estudo da História da Literatura
capacitou-os apenas para reproduzir os conhecimentos transmitidos pelos professores. Tal
fato pode ter contribuído negativamente para a formação de um leitor potencialmente mais
crítico e consciente; além do estabelecimento de uma relação mais substancial entre leitor e
texto literário, mesmo num colégio considerado padrão, referência para as outras instituições
de ensino secundário. Diante da implementação de uma “nova” disciplina na grade
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curricular, novos desafios são colocados, como a necessidade de material didático, por
exemplo. Essa demanda foi resolvida, em parte, pela produção dos próprios professores do
Colégio Pedro II, que tiveram a chance de projetar-se intelectualmente através da execução
desse material.
Diante do número de programas encontrados e da extensão dos mesmos, bem como
dos limites deste trabalho, deixaremos uma análise mais detalhada dos mesmos, bem como
dos processos de didatização para outra oportunidade. Concentraremos nossa atenção aos
professores, objeto de nossa pesquisa, alguns já mencionados quando abordamos as
indicações de manuais nos programas. A proposta original deste trabalho foi, conforme o
título, investigar os professores de Retórica que atuaram entre 1844 e 1889, porém, com o
andamento da pesquisa, percebemos que este recorte excluía apenas dois professores,
decidimos, então, acrescentá-los à relação de professores investigados, recuando o recorte
inicial para 1840.
Os Professores de Retórica
Levantamos uma extensa e diversificada bibliografia sobre o Colégio Pedro II, referente
ao recorte deste trabalho. Essa bibliografia é, em geral, de caráter memorialístico e
acadêmico, produzida por ex-professores ou ex-alunos do Colégio, que apesar de tenderem a
uma monumentalização do papel da instituição no processo de formação das elites imperiais,
contribuiu para identificação dos professores. Na investigação sobre o magistério público
secundário, que tem como recorte institucional o Colégio Pedro II, identificamos 14
professores de Retórica, que ocuparam a cadeira efetiva, interinamente ou ainda, como
substitutos. São eles:
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QUADRO 1 PROFESSORES DE RETÓRICA DO COLÉGIO PEDRO II ENTRE 1840 E 1889
# NOME NOMEAÇÃO CADEIRA
1 Tiburcio Antonio Craveiros 1840 Professor de Latinidade e de Retórica e Poética
2 Santiago Nunes Ribeiro 1842 Professor Catedrático de Filosofia e Retórica
3 Francisco de Paula Menezes 1847 Professor Catedrático de Filosofia e Retórica
4 Joaquim Caetano Fernandes Pinheiro 1857 Professor Catedrático de Retórica e Poética
5 Padre Felix Maria de Freitas
Albuquerque 1859 Professor Catedrático de Religião
6 José Manoel Garcia 1870 Professor Catedrático de Português
7 Manoel da Costa Honorato 1876 Substituto de Retórica, Poética e Literatura
Nacional
8 Antonio Mendes Limoeiro 1876 Substituto Interino de Retórica e Literatura
9 Franklin Americo de Menezes Dória 1878 Professor Catedrático de Retórica e Poética
10 José Maria Velho da Silva 1878 Professor Catedrático de Retórica e Poética
11 Ernesto de Souza e Oliveira Coutinho 1881 Substituto Interino de Retórica e Literatura
12 Alfredo Augusto Gomes 1884 Substituto Interino de Retórica, Poética e Literatura
Nacional
13 Julio Ribeiro 1889 Sem Categoria - Retórica e Literatura Nacional
14 Carlos Ferreira França 1890 Professor Catedrático de Literatura
Fonte: Núcleo de Documentação e Memória do Colégio Pedro II – NUDOM/CPII.
O Anuário de Número XV do Colégio Pedro II serviu de base para a montagem do
quadro acima, complementado com outras fontes. É importante ressaltar que o Anuário
classifica todos os professores do quadro efetivo do Colégio como Catedráticos, mesmo antes
dessa categoria existir do ponto de vista legal. Nesse sentido, os redatores do Anuário
cometeram um tipo de anacronismo, ou seja, um erro considerado grave em História e que
consiste na utilização indiscriminada de conceitos de uma época para a análise dos fatos de
um outro tempo. O Anuário de Número XV apresenta uma listagem dos professores do
quadro efetivo desde 1838, primeiro ano de funcionamento do Colégio, até 1950 e considera
como “Catedráticos” os primeiros professores nomeados, sendo que esta categoria foi criada
posteriormente a esse contexto histórico3.
De posse dos nomes dos professores de Retórica, procuramos levantar o maior número
possível de dados a respeito deles, no sentido de caracterizar as suas trajetórias profissionais,
interna e externamente ao Colégio Pedro II. Mesmo utilizando dicionários, sites de busca ou
a Hemeroteca Digital, no caso de alguns desses professores, encontramos poucas
3 Segundo Massunaga (1989, p.98), os “Catedráticos” surgem com a Reforma Maximiliano em 1915 para regência efetiva das cadeiras. Anteriormente, de 1890 a 1910, o corpo docente era formado por “Lentes” e “Professores”, sendo o último termo aplicado aos professores de ginástica, desenho e música.
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informações. Os dados foram cruzados de forma a identificar não apenas aquilo que
aproxima os professores, mas também suas particularidades.
Os 3 primeiros professores, nomeados até 1847 para ocupar tais cargos, conforme o
artigo 12 do capítulo IV do Estatuto de 1838, foram selecionados pelo Ministro do Império.
É importante ressaltar que alguns dos professores mencionados não foram
necessariamente contratados para lecionar retórica. O primeiro professor da lista, Tiburcio
Antonio Craveiro, por exemplo, consta como catedrático de Latim no Anuário XV, nomeado
em 1840. Assim, torna-se necessário pontuar que alguns dos professores transitaram por
outras matérias. Tais matérias, de acordo com o contexto histórico das reformas
educacionais, se relacionavam com a Retórica. Esse é o caso do Português, da Religião, mas
alguns dos professores listados lecionaram disciplinas que na estabeleciam um vínculo mais
direto com a Retórica. Ernesto de Souza e Oliveira Coutinho, por exemplo, lecionou História.
Verificamos a partir de pequenas biografias que buscamos construir sobre cada
professor, no sentido de organizar os dados que obtivemos através das fontes, que desses 14
professores, 3 eram estrangeiros que nasceram em Portugal4 e no Chile5. Identificamos o
local de nascimento de outros 9 professores e constatamos que 3 nasceram em Estados do
Nordeste6. Outros 2 professores nasceram no Estado de Minas Gerais7. Nasceram no Estado
do Rio de Janeiro 4 professores8. Não conseguimos identificar o local de nascimento de 2
professores9.
Na análise dos perfis desses professores percebemos outras similaridades e
constatamos que 2 desses professores eram também Historiadores10. Outro dado observado
diz respeito ao fato de 6 professores de Retórica terem sido diretores, colaboradores,
fundadores e redatores de periódicos importantes daquela época11. Esse mesmo número
corresponde aos que eram sócios, membros ou que desempenharam algum trabalho no
4 Tiburcio Antonio Craveiro e o Padre Felix Maria de Freitas Albuquerque. 5 Santiago Nunes Ribeiro. 6 Jose Manoel Garcia (Maranhão), Franklin Américo de Menezes Dória (Bahia) e Manoel da Costa Honorato
(Pernambuco). 7 Ernesto de Souza e Oliveira Coutinho e Julio Ribeiro. 8 Francisco de Paula Menezes, Joaquim Caetano Fernandes Pinheiro, José Maria Velho da Silva, Alfredo Augusto
Gomes. 9 Antonio Mendes Limoeiro e Carlos Ferreira França. 10 Tiburcio Antonio Craveiro, Joaquim Caetano Fernandes Pinheiro. 11 Tiburcio Antonio Craveiro (O Panorama, de Lisboa); Santiago Nunes Ribeiro (Minerva Brasiliense); Francisco
de Paula Menezes (Revista Brasileira); Joaquim Caetano Fernandes Pinheiro (Revista Guanabara e Revista Popular); Antonio Mendes Limoeiro (Revista Acadêmica) e Ernesto de Souza e Oliveira Coutinho (Minerva Brasiliense, Íris, Correio Mercantil, Diário do Rio de Janeiro, Jornal do Commércio, Illustração Brasileira).
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Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB)12. Pelo Conservatório Dramático do Rio de
Janeiro passaram 3 professores13, enquanto 2 professores passaram pela Academia Brasileira
de Letras (ABL)14. Passaram pela Escola Normal da Côrte ou de Niterói 4 professores15.
Portanto, a passagem desses professores por outras instituições é marcante.
Eram médicos 4 professores16, enquanto outros 4 eram religiosos (cônegos e padres)17.
Os formados em Ciências Jurídicas eram, pelo menos, 2 professores18. Enveredaram pela
carreira política (como Deputado, Presidente da Câmara, Ministro) 2 professores19.
Encontramos ainda, indícios de que 3 professores passaram por comissões de vários tipos20.
Apenas 2 desses professores chegaram aos cargos de Reitor ou Vice-Reitor (interino ou
efetivo) de alguma das Seções21 do Colégio Pedro II22. Receberam condecorações 2
professores23. Apenas 1 professor possuía título de nobreza24.
Outra característica marcante deste grupo de professores é a publicação de obras
científicas, didáticas ou literárias. Nesse sentido, dos 14 professores de Retórica identificados,
não encontramos indícios de publicações de apenas 2 professores25, o que nos permitiu
inferir, em linhas gerais, que são donos de intensa produção intelectual, pois além de
fundadores de jornais e periódicos, de escreverem nos mesmos, publicaram compêndios e
obras literárias.
Com relação às funções que esses professores desempenhavam no Colégio, estas não
estavam vinculadas apenas às práticas em sala de aula, pois participavam das bancas de
seleção dos novos alunos, faziam traduções de manuais didáticos estrangeiros e opinavam
acerca dos rumos da instituição.
Encontramos ainda, dados que revelam curiosidades, particularidades e especificidades
dos professores de Retórica. Tiburcio Antonio Craveiro, por exemplo, ficou conhecido pela
morbidez da sua poesia e por seu gosto pelo horror e magia negra. Por trás da aparência
12 Tiburcio Antonio Craveiro, Santiago Nunes Ribeiro, Joaquim Caetano Fernandes Pinheiro, Franklin Americo de Menezes Dória, Manoel da Costa Honorato e José Maria Velho da Silva.
13 Santiago Nunes Ribeiro, Francisco de Paula Menezes e Joaquim Caetano Fernandes Pinheiro. 14 Franklin Americo de Menezes Dória e Julio Ribeiro. 15 Alfredo Augusto Gomes, Jose Manoel Garcia, Carlos ferreira França, Ernesto de Souza e Oliveira Coutinho. 16 Francisco de Paula Menezes, Antonio Mendes Limoeiro, Ernesto de Souza e Oliveira Coutinho, Alfredo Augusto
Gomes. 17 Jose Manoel Garcia*, Joaquim Caetano Fernandes Pinheiro, Manoel da Costa Honorato, Felix Maria de Freitas
Albuquerque. 18 Franklin Americo de Menezes Dória e Manoel da Costa Honorato. 19 Franklin Americo de Menezes Dória, Ernesto de Souza e Oliveira Coutinho. 20 Jose Manoel Garcia, Antonio Mendes Limoeiro, Carlos Ferreira França. 21 Em 1857, o Colégio foi dividido em duas seções: Internato e Externato. 22 Jose Manoel Garcia, Felix Maria de Freitas Albuquerque. 23 Ernesto de Souza e Oliveira Coutinho, Franklin Americo de Menezes Dória. 24 Franklin Americo de Menezes Dória (Barão de Loreto). 25 Carlos Ferreira França, Felix Maria de Freitas Albuquerque.
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respeitável de um professor do Colégio Pedro II, se dissimulava uma vida de
bizarrices. Segundo os relatos da época, sua casa era decorada com aparelhos de tortura,
múmias e gravuras macabras. A iluminação era garantida por velas pretas e vermelhas. As
paredes seriam salpicadas de sangue e a sua mesa de trabalho, uma lousa de mármore negro,
roubada da sepultura de uma donzela.
Outro dado interessante diz respeito a Ernesto de Souza e Oliveira Coutinho, que foi
também bibliotecário da escola politécnica. Coutinho foi exonerado do cargo de substituto
interino de Retórica, Poética e Literatura Nacional, porque o Governo Imperial, em
conformidade com o disposto no Decreto n° 9031 de 3 de outubro de 1883, julgou
incompatíveis os cargos que cumulativamente exercia. Parece que já falamos de uma época
na qual o Governo toma medidas para garantir que o magistério se torne a atividade principal
dos professores e evitar o acúmulo de cargos. Cabe lembrar que nos primeiros anos após a
criação do Colégio, muitos professores tiveram passagem curta, pois optaram por seguir
carreira política e diplomática, uma vez que o magistério era exercido como uma atividade
complementar.
Estamos falando também, de intelectuais que contribuíram para o desenvolvimento dos
campos nos quais atuavam. Marins (2011), por exemplo, aborda contribuições de Júlio
Ribeiro para os estudos gramaticais. Segundo o autor, Julio Ribeiro teria inaugurado o modo
de encarar os fatos gramaticais como método de investigação científica, modernizando os
estudos dessa área, partindo do exame objetivo e imparcial da realidade idiomática,
afastando as orientações do ensino de nossa língua materna da gramática filosófica. Para isso
buscou os novos procedimentos adotados pelos estudiosos alemães, ingleses e franceses,
tendo deveras, como autor de uma gramática, um lugar de responsabilidade como intelectual
e uma posição de autoridade em relação à singularidade da língua portuguesa no Brasil.
Os dados obtidos com relação aos professores de Retórica serão cruzados com os
professores das demais matérias do Colégio Pedro II, que atuaram no mesmo recorte
temporal e analisado a partir de referenciais teóricos do campo da história da educação e da
sociologia das profissões, principalmente os sociólogos franceses Claude Dubar (1997) e
François Dubet (2002).
Se nos propomos a investigar a construção da identidade dos professores do Colégio
Pedro II, Dubar (1997) se mostra um referencial importante na medida em que destaca a
importância do outro em sua definição de ‘identidade’. Para o autor, são inseparáveis a
‘identidade para si’ e ‘identidade para o outro’, assim, um professor secundário do Colégio
Pedro II só saberia quem é através do olhar de outro. Porém, isso pode provocar incertezas,
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pois um professor do colégio constrói e reconstrói sua identidade na impressão que tem sobre
o que os outros pensam sobre ele. Mas nunca se terá a certeza de que isso é a realidade.
Também é possível ao indivíduo recusar a identificação atribuída pelo outro. O tipo de
homem que se é, ou seja, a identidade para o outro, é chamada, segundo Dubar, de ‘atos de
atribuição’. Ele denomina ‘atos de pertença’ a identidade para si, isto é, o modelo de homem
que se quer ser. Entretanto, somente por meio da atividade com outros, as identificações que
o indivíduo recebe se justificarão e mostrarão seus motivos; nessas situações ele poderá
recusar ou aceitar a maneira como é identificado.
A teoria sociológica, apresentada por Dubar (1997), mostra a heterogeneidade desses
dois processos, o biográfico (identidade para si) e o relacional (identidade para outro), que
não podem ser entendidos fora do seu contexto de inserção. Os sujeitos devem ser pensados
na sua trajetória social. Revela, também, que os processos de negociação identitária são
complexos e que se dão dentro de um campo de possibilidades. Outra contribuição
importante para um estudo dos professores secundários numa instituição específica e num
período recuado, oferecida por Dubar (1997), está centrada no fato de a identidade possuir
também uma ‘dimensão geracional’. Devemos, portanto, atentar para as características das
gerações precedentes de professores, pois constituem uma referência. Cada geração
reconstrói essa identidade, ou seja, há uma historicidade. Esse é um aspecto que reforça a
necessidade não só de identificar os professores, mas de conhecer suas biografias.
Articulamos o conceito de ‘identidade’, formulado por Dubar (1997), com o conceito de
‘Programa Institucional’, elaborado por Dubet (2002). Em seu livro Le Declin de l’Institution,
sobre as profissões vinculadas à educação, à saúde e ao serviço social, esse autor postula que
essas profissões remetem ao ‘trabalho sobre o outro’, ou seja, “[...] atividades assalariadas,
profissionais e reconhecidas que visam explicitamente a transformar o outro, ou, conjunto
das atividades profissionais que participam da socialização dos indivíduos” (DUBET, 2002,
p. 17). Segundo Dubet (2002), a profissão docente é caracterizada, na sua essência, por
constituir um trabalho sobre o outro, isto é, um trabalho de mediação entre os valores e
princípios universais e os indivíduos particulares, que tem como objetivo a transformação
destes e se exerce como um ‘programa institucional’. Esse programa consubstancia-se numa
atividade de socialização orientada diretamente por valores e princípios, perseguindo a
construção de um ‘tipo ideal’. Partindo do pressuposto de que o ‘trabalho sobre o outro’, nas
suas origens, foi concebido como um ‘programa institucional’, que designa particularmente
um modo de socialização ou um tipo de ‘relação com o outro’, o autor estabelece distinções
entre a forma como se configuraram o trabalho do professor primário e o do ensino
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secundário. Dubet (2002) ressalta o fato de que mudanças nesse ‘programa institucional’
condicionam mudanças na percepção que os professores possuem do seu trabalho docente e,
consequentemente, da sua própria identidade profissional.
Considerações Finais
Finalmente, ressaltamos a dificuldade em investigar a problemática multifacetada da
identidade docente, principalmente em períodos recuados, e que ainda será necessário
continuar o movimento de reflexão iniciado no presente trabalho. Entendemos que
investigar a construção da identidade profissional, as trajetórias, bem como os esforços
empreendidos pelos professores do Colégio Pedro II no sentido de implementar
definitivamente o ensino secundário no Brasil, pode se configurar em contribuição relevante
para a História da Educação, em especial, para a História da Profissão Docente.
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