produção de mudas de frutíferas de caroço em recipientes · ser arrancadas e comercializadas...
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Produção de mudas de frutíferas de caroço em recipi entes
Newton Alex Mayer1, Bernardo Ueno1 e Nelson Pires Feldberg2
1 Eng. Agrônomo, Dr., Pesquisador da Embrapa Clima Temperado, BR 392, Km 78, Caixa
Postal 403, CEP 96010-971, Pelotas-RS. [email protected];
2 Eng. Agrônomo, M.Sc., Embrapa Produtos e Mercado, Escritório de Canoinhas, Rod. BR
280, Km 231, Nº 1151, Caixa Postal 317, Bairro Industrial II, CEP 89460-000, Canoinhas-
Introdução
É de conhecimento comum que o uso de mudas de qualidade é a base para uma
fruticultura moderna e produtiva, visto que influenciam a produção, a produtividade, a
qualidade das frutas e a longevidade do pomar. A adoção de procedimentos
recomendados e normatizados para a produção de mudas devem ser observados para
atingir este objetivo.
No caso de frutíferas de caroço (pessegueiro, nectarineira e ameixeira),
pouquíssimos avanços ocorreram no sistema de produção de mudas nos viveiros
brasileiros. Como exemplo mais marcante, ainda hoje são produzidas mudas em
condições de campo, sem garantias de que elas estejam isentas de fitopatógenos de solo,
plantas daninhas, nematóides, bem como sobre as adversidades climáticas (ventos,
granizo, stresses hídricos). Esse sistema tradicional de produção de mudas de
Prunóideas, que ainda predomina no Brasil (MAYER & ANTUNES, 2010), é muito similar
ao utilizado desde o final do século XIX na região de Pelotas, conforme registros contidos
no catálogo do Viveiro Quinta Bom Retiro, que iniciou suas atividades em 1887
(AMBROSIO PERRET & CIA. LTDA., 1937). A então Estação Experimental de Pelotas
também produzia mudas enxertadas de pessegueiro, ameixeira, cerejeira, damasqueiro e
amendoeira no mesmo sistema em condições de campo, desde a década de 1940
(CARVALHO, 1988).
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Quando produzidas em condições de campo, as mudas devem, obrigatoriamente,
ser arrancadas e comercializadas sob a forma de raiz nua, durante o período de
dormência das plantas (junho a agosto). Esta prática faz com que as atividades no viveiro
sejam bastante concentradas, o que normalmente são prejudicadas com as chuvas de
inverno, nos Estados do Sul. Para o fruticultor, o período de plantio das mudas fica
limitado e deve ser feito tão logo as mudas sejam arrancadas.
Além do aspecto prático da atividade nos viveiros e nos novos pomares, também
deve ser observado a legislação vigente. Conforme o estabelecido pela Instrução
Normativa N° 24, de 16 de dezembro de 2005, publica da no Diário Oficial da União -
Seção 1, de 20 de dezembro de 2005 (BRASIL, 2005), as mudas enxertadas devem ter
identidade genética conhecida, tanto da cultivar copa como do porta-enxerto. Além da
fidelidade genética, aspectos fitossanitários também devem ser observados, os quais são
definidos para cada cultura ou grupo de culturas afins.
Para as frutíferas de caroço, as normas estaduais gaúcha (COMISSÃO, 1998) e
catarinense (COMISSÃO, 1996) estabelecem tolerância zero para a ocorrência de fungos
(Armillaria spp., Fusarium spp., Phytophthora spp., Sclerotium spp.) e nematóides
(Mesocriconema xenoplax, Meloidogyne incognita e M. javanica) de solo. Ou seja, a
ocorrência desses patógenos pode levar a condenação de viveiros e de mudas.
Como já dito anteriormente, o sistema comumente adotado para a produção de
mudas de frutíferas de caroço é realizado no campo, disposto em linhas de plantio
espaçadas de 1,0 a 1,3m entre si (Figura 1a ) (MAYER & ANTUNES, 2010). Com relação
ao controle de fitonematóides, ressalta-se que, no Brasil, não existe nematicida registrado
para a cultura do pessegueiro. Desta forma, constata-se que é praticamente impossível
garantir a isenção de fitonematóides, em viveiro a campo (cultivado no solo), e atender as
normas vigentes. Nos Estados do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina, a maioria dos
viveiros ainda utiliza a mistura varietal de caroços provenientes das indústrias de
conservas, ou seja, caroços de variedades copa que não foram selecionados como porta-
enxerto (PEREIRA & MAYER, 2005a; MAYER & ANTUNES, 2010). Esta situação
compromete ainda mais a qualidade do sistema radicular das mudas (Figura 1b ),
produzidas em condições de campo.
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Figura 1. a) Sistema de produção de mudas de pessegueiro de raiz nua (sistema convencional), em viveiro mantido em condições de campo, Pelotas-RS; b) muda de raiz nua produzida em viveiro a campo, apresentando sistema radicular débil, com pouquíssimas radicelas e inadequada distribuição. Fotos: Newton Alex Mayer.
A produção de mudas em recipientes
A modernização da produção frutícola passa, necessariamente, também pela
evolução do sistema de produção de mudas e dos métodos de propagação. Como
exemplo mais marcante de sucesso temos as constantes evoluções no sistema de
produção de mudas de citros no Estado de São Paulo. Um desses avanços é o uso de
embalagens plásticas e de substratos para a produção dos porta-enxertos e mudas
enxertadas, durante todo o período de produção das mudas até a sua comercialização.
Em frutíferas de caroço no Brasil, os estudos pioneiros do uso de embalagens
foram feitos pelo Instituto Agronômico de Campinas na década de 1970 (OJIMA et al.,
1977). Segundo esses autores, foi possível a produção de mudas de pessegueiro em
embalagens plásticas em apenas 11 meses, na região de Campinas-SP, adotando-se
outras técnicas auxiliares, como a imediata utilização das sementes após a colheita dos
frutos, quebra dos caroços, estratificação das amêndoas em geladeira, realização da
enxertia no fim do período de dormência e forçamento do enxerto com decepa do porta-
enxerto acima do ponto de enxertia.
Com o objetivo de testar novos porta-enxertos e métodos de propagação, diversos
estudos foram realizados na FCAV/UNESP, Campus de Jaboticabal-SP, utilizando-se
sacos plásticos e substratos comerciais na produção das mudas, os quais revelaram
a b
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viabilidade técnica do uso (MAYER & PEREIRA, 2004; MAYER et al., 2005; PEREIRA &
MAYER, 2005a; 2005b).
Em escala comercial, alguns viveiros do Estado de São Paulo, Paraná e Santa
Catarina têm utilizado embalagens plásticas (sacos plásticos perfurados) na produção de
mudas de pessegueiro, ameixeira e de nectarineira (MAYER & ANTUNES, 2010). No Rio
Grande do Sul, este sistema começa a ser utilizado em alguns viveiros mais tecnificados.
A Embrapa Clima Temperado lidera um projeto interinstitucional sobre porta-
enxertos e propagação de frutíferas de caroço. As atividades relativas à propagação e
produção de mudas estão sendo conduzidas em casa de vegetação (estufa agrícola),
utilizando-se embalagens plásticas, mantidas em bancadas. Os trabalhos iniciais foram
realizados com sacos plásticos (28 x 18cm) perfurados (Figura 2a ). Entretanto, observou-
se que estas embalagens são pequenas e não permitem adequado desenvolvimento do
sistema radicular, além de retardar o engrossamento do porta-enxerto no ponto de
enxertia e também promover enovelamento das raízes no fundo dos saquinhos, se as
mudas passarem do ponto ideal de plantio. Portanto, sugere-se que os sacos plásticos
tenham capacidade mínima de 3,5 litros de substrato para satisfazer a necessidade das
plantas durante o período de viveiro e que o plantio dos mudas seja feito quando as
raízes ainda não estão enoveladas.
Diante destes inconvenientes, os trabalhos experimentais passaram a ser
realizados em citropotes de 3.780 mL de capacidade (Figura 2b ), com 150 x 150 x 350
mm de dimensões externas e furo de drenagem de 38,5 mm. Com estas embalagens,
além da praticidade de uso e da durabilidade, observou-se excelente desenvolvimento da
parte aérea (Figura 2c ) e das raízes dos porta-enxertos, com grande número de radicelas
(Figura 2d ). Outra característica importante é que os citropotes apresentam ranhuras
internas que direcionam as raízes mais grossas para o fundo dos recipientes e evitam o
enovelamento das mesmas. Ao atingirem o fundo dos citropotes, as raízes principais
paralizam o crescimento, o que favorece a formação de radicelas. Na Embrapa Clima
Temperado, este sistema de produção de mudas está sendo utilizado para a propagação
de porta-enxertos clonais, selecionados em pomares com histórico da morte-precoce do
pessegueiro (MAYER & UENO, 2012) e para a produção de seedlings de umezeiro
(Prunus mume Sieb. et Zucc), os quais estão sendo estudados como porta-enxertos de
pessegueiro. Constatou-se também a viabilidade técnica da realização da estaquia
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herbácea diretamente nos citropotes contendo 2/3 de substrato comercial, colocado no
fundo do citropote, mais 1/3 de vermiculita fina colocada sobre este. Neste sistema, os
citropotes contendo as estacas herbáceas dos porta-enxertos devem permanecer sob
câmara de nebulização intermitente por 45 dias e, posteriormente, transfere-se os
citropotes para a câmara de aclimatação, o que dispensa a operação de transplantio das
estacas enraizadas (MAYER et al., 2012).
Figura 2. a) Porta-enxertos clonais para pessegueiro, produzidos por estacas herbáceas, em fase de aclimatação, mantidos em sacos plásticos com substrato; b) porta-enxertos de pessegueiro em citropotes com substrato, mantidos sobre bancadas de ferro em estufa agrícola; c) intenso desenvolvimento da parte aérea dos porta-enxertos mantidos em citropotes com substrato, na fase de pré-enxertia; d) porta-enxertos de pessegueiro produzidos em citropotes com substrato, evidenciando intenso desenvolvimento das radicelas. Embrapa Clima Temperado, Pelotas-RS. Fotos: Newton Alex Mayer.
a b
c d
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Vantagens e desvantagens
Como vantagens da produção de mudas em recipientes, podemos citar:
- a otimização do espaço destinado ao viveiro, permitindo a produção de maior
número de mudas por m2;
- a facilidade da realização de tratos culturais, como o maior conforto ao
enxertador; o melhor controle sobre a irrigação, pragas, doenças e formigas cortadeiras;
- a redução do desperdício de adubos por lixiviação;
- o sistema dispensa as capinas e/ou aplicações de herbicidas, exigidas no sistema
convencional em condições de campo;
- evita-se a erosão, pois a produção de mudas não é realizada em condições de
campo;
- a maior facilidade de proteção do viveiro, com o uso de plásticos, de telas
antiafídeos ou de sombreamento;
- a possibilidade de transplante das mudas para o campo em qualquer época do
ano, desde que provido de irrigação;
- a maior porcentagem de pegamento das mudas no campo, com a antecipação do
início da brotação e o crescimento inicial mais rápido, uma vez que a muda já se encontra
adaptada ao substrato que envolve as raízes e não ocorrerão perdas de radicelas;
- as mudas já se encontram embaladas e prontas para a comercialização,
dispensando as operações de arranquio, a poda de raízes, a formação de feixes e a
embalagem, exigidas no sistema de produção em raiz nua. Essa vantagem fica bastante
evidente em grandes viveiros, onde grandes volumes de mudas devem ser preparadas
em poucas semanas, o que exige adequada programação e disponibilidade de mão-de-
obra;
- o sistema também permite melhor controle sobre a produção e identificação dos
lotes (discriminação das datas das operações, identificação da cultivar-copa e porta-
enxerto) com o uso de códigos de barras, como já utilizado em viveiros europeus e
americanos, permitindo a rastreabilidade e a melhor fiscalização;
- mudas com sistema radicular de excelente qualidade e grande quantidade de
radicelas;
- utilização de substrato inerte, isentos de doenças e pragas.
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Como desvantagens, o sistema de produção de mudas em embalagens são:
- o maior volume e massa das mudas, o que encarece o transporte,
comparativamente às mudas de raiz nua;
- o sistema exige maior atenção e conhecimentos técnicos no manejo da irrigação
e da adubação;
- é necessário adequado planejamento da parte operacional e de infra-estrutura do
viveiro, pois exige maior aporte de recursos, bem como treinamento de funcionários;
- também é necessário o melhor conhecimento do mercado, dos clientes fixos e
eventuais, para que a comercialização das mudas possa ser melhor planejada.
Considerações finais
Embora apresente diversas vantagens, a produção de mudas de prunóideas em
embalagens ainda é pouco adotada no Brasil. Além das deficiências do sistema de
fiscalização dos viveiros, que certamente impede mudanças no setor, à este fato estão
ligados, principalmente, a tradição e os costumes dos viveiristas e dos persicultores em
utilizar as mudas de raiz nua oriundas de viveiro a campo, geralmente produzidas com
baixo uso de tecnologia. A tradição é uma barreira difícil de ser transposta pois, na
maioria das vezes, ela se sobrepõe às razões técnicas e às normas vigentes.
O uso de embalagens para a produção e comercialização de mudas de frutíferas
(citros, goiabeira, caquizeiro, mirtileiro, amoreira-preta), florestais (eucalipto, entre outras),
diversas espécies hortícolas e ornamentais podem servir de exemplo para mudanças no
setor persícola. Os avanços tecnológicos obtidos na propagação clonal de porta-enxertos
por estacas herbáceas, o lançamento de cultivares de porta-enxertos, o desenvolvimento
de substratos específicos para a cultura, de equipamentos de irrigação, de adubos de
liberação lenta e de novos recipientes podem contribuir decisivamente para elevar o
padrão de qualidade das mudas produzidas em recipientes.
Bibliografia consultada
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comercialização e utilização de mudas. Diário Oficial da República Federativa do Brasil,
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28p. (EMBRAPA-CNPFT. Documentos, 26).
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